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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X FRAGMENTOS DA MEMÓRIA: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE HELENA GRECO NO MOVIMENTO FEMINO PELA ANISTIA EM MINAS GERAIS Kelly Cristina Teixeira 1 Resumo: Este trabalho visa discutir uma outra face do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA) ao abordar a participação da mineira Helena Greco e o papel das emoções na construção das atividades sociais e políticas a partir de sua entrada para este movimento, em Minas Gerais. O MFPA foi iniciado em 1975 por Therezinha Godoy Zerbine na cidade de São Paulo e o núcleo mineiro teve sua oficialização o ano de 1977, com sede em Belo Horizonte. Helena Greco aos 61 anos inicia sua trajetória política, marcada pela luta e resistência aos direitos não apenas de liberdade política, mas, sobretudo pela igualdade de gênero. Dentre as categorias que nos auxiliaram nesta elaboração, destacamos as ferramentas da História Oral, História das Mulheres, Estudos de Gênero e de Memória, empregadas para compreender a participação e inserção política de Helena Greco. Partiremos de uma análise inicial de parte das fontes de seu arquivo pessoal coletadas no Instituto Helena Greco e de entrevistas com Helena para o Projeto História e Memória: Visões de Minas do Laboratório de História Oral da Universidade Federal de Minas Gerais. Palavras-chave: Resistência, Gênero, Ditadura, Política Michel Pollack ressaltou a ligação estreita entre memória e o sentimento de identidade, a identidade tomada como o sentido da imagem de si e para os outros. Esta sendo seletiva traz à tona elementos da trajetória que visam dar coerência na construção e reconstrução de si 2 . Ao trazermos elementos da trajetória de Helena Greco visamos configurar esta coerência em sua biografia. Esta recorre a determinados acontecimentos e elementos na busca de justificar posicionamentos e escolhas políticas. Helena ficou conhecida em Minas Gerais como a Defensora dos Direitos Humanos e esta identidade social foi construída coletivamente e individualmente. Segundo Odir Belatto, a construção desta identidade realiza-se no interior de contextos sociais que definem a posição dos agentes e por isso guiam suas representações e escolhas, logo, a construção da identidade não é ilusória uma vez que é dotada de eficácia social 3 . Por conseguinte, ao relacionar a subjetividade do indivíduo e sua caracterização e relação com o meio, reiteramos que a identidade é constituída de significados e da experiência. E são essas experiências de vida que elegemos neste artigo. Sabemos que outras vivências ficarão de fora de nossa análise, entretanto, seria impossível analisar uma vida e seus desdobramentos. 1 Doutoranda em História Cultural do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, sob orientação da Prof.ª Drª. Cristina Scheibe 2 POLLACK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15. 3 BELLATO, Odir. A construção da identidade social. Revista do Curso de Direito da FSG. Caxias do Sul ano 3 n. 5 jan./jun. 2009 p. 141-151

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

FRAGMENTOS DA MEMÓRIA: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE HELENA

GRECO NO MOVIMENTO FEMINO PELA ANISTIA EM MINAS GERAIS

Kelly Cristina Teixeira1

Resumo: Este trabalho visa discutir uma outra face do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA)

ao abordar a participação da mineira Helena Greco e o papel das emoções na construção das

atividades sociais e políticas a partir de sua entrada para este movimento, em Minas Gerais. O

MFPA foi iniciado em 1975 por Therezinha Godoy Zerbine na cidade de São Paulo e o núcleo

mineiro teve sua oficialização o ano de 1977, com sede em Belo Horizonte. Helena Greco aos 61

anos inicia sua trajetória política, marcada pela luta e resistência aos direitos não apenas de

liberdade política, mas, sobretudo pela igualdade de gênero. Dentre as categorias que nos

auxiliaram nesta elaboração, destacamos as ferramentas da História Oral, História das Mulheres,

Estudos de Gênero e de Memória, empregadas para compreender a participação e inserção política

de Helena Greco. Partiremos de uma análise inicial de parte das fontes de seu arquivo pessoal

coletadas no Instituto Helena Greco e de entrevistas com Helena para o Projeto História e Memória:

Visões de Minas do Laboratório de História Oral da Universidade Federal de Minas Gerais.

Palavras-chave: Resistência, Gênero, Ditadura, Política

Michel Pollack ressaltou a ligação estreita entre memória e o sentimento de identidade, a

identidade tomada como o sentido da imagem de si e para os outros. Esta sendo seletiva traz à tona

elementos da trajetória que visam dar coerência na construção e reconstrução de si2. Ao trazermos

elementos da trajetória de Helena Greco visamos configurar esta coerência em sua biografia. Esta

recorre a determinados acontecimentos e elementos na busca de justificar posicionamentos e

escolhas políticas. Helena ficou conhecida em Minas Gerais como a Defensora dos Direitos

Humanos e esta identidade social foi construída coletivamente e individualmente. Segundo Odir

Belatto, a construção desta identidade realiza-se no interior de contextos sociais que definem a

posição dos agentes e por isso guiam suas representações e escolhas, logo, a construção da

identidade não é ilusória uma vez que é dotada de eficácia social 3. Por conseguinte, ao relacionar a

subjetividade do indivíduo e sua caracterização e relação com o meio, reiteramos que a identidade é

constituída de significados e da experiência. E são essas experiências de vida que elegemos neste

artigo. Sabemos que outras vivências ficarão de fora de nossa análise, entretanto, seria impossível

analisar uma vida e seus desdobramentos.

1 Doutoranda em História Cultural do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa

Catarina, Brasil, sob orientação da Prof.ª Drª. Cristina Scheibe 2 POLLACK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15. 3 BELLATO, Odir. A construção da identidade social. Revista do Curso de Direito da FSG. Caxias do Sul ano 3 n. 5

jan./jun. 2009 p. 141-151

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Instrumentalizamos a noção de emoção como estratégia, em especial na política e partimos

da reflexão de Christophe Prochasson, que percebe que a emoção:

designa o conjunto de movimentos efetivos, mais ou menos estáveis engendrados

pelo choque de um estado individual com a análise de uma situação. Isto implica

em duas consequências importantes: as emoções não resultam de um

encaminhamento puramente individual, mas se inscrevem em uma perspectiva

social e cultural: elas não se opõem à cognição ( PROCHASSON, 2005, p. 312)

Ao estudar as emoções não buscamos desnudar D. Helena, pois seus impulsos da alma

como ressaltou Alexis Tocqueville são vedados aos historiadores e até aos seus contemporâneos.

No entanto, podemos apreender e analisar os fragmentos das expressões de sua emoção, ou seja, o

que Prochasson denominou de “práticas emocionais” que visam desencadear o uso das emoções.

Pierre Boudieu advertiu em seu artigo, A Ilusão Biográfica, que a história de vida não

acontece de forma linear, na qual o indivíduo nasce, cresce se desenvolve e morre. De forma que os

turbilhões de acontecimentos ocorridos durante a existência fluem numa rede de eventos

organizados em torno do próprio fim da história (BOURDIEU, 1998, p.184). Deste modo,

partiremos de uma análise de parte das fontes de seu arquivo pessoal coletadas no Instituto Helena

Greco e de entrevistas com Helena para o Projeto História e Memória: Visões de Minas do

Laboratório de História Oral da Universidade Federal de Minas Gerais4.

Faces e Fases de Helena Greco

Helena Greco nasceu em Abaeté, Minas Gerais em 15 de junho de 1916, em uma família de

classe média, seu pai, Antônio Greco, um foi comerciante de origem italiana e sua mãe, Josefina de

Campos Álvares, brasileira, descendia de família tradicional da cidade de Abaeté. Helena era a

mais velha de sete irmãos. Devido a ampliação dos negócios, seu pai resolve mudar-se para Belo

Horizonte em 1924. Sua origem somada à escolaridade no colégio Santa Maria, dirigido por irmãs

4 Sobre os tipos de depoimentos podemos encontrar: História da cidade de Belo Horizonte que reúne depoimentos de

ex-prefeitos, funcionários da administração pública municipal e moradores anônimos da cidade, desde seus primeiros

anos; História das elites no setor público e privado: reúne depoimentos de lideranças empresariais e de personalidades

do setor público do Estado de Minas Gerais dos anos 1940 a 1970; História dos ambientalistas mineiros: reúne

depoimentos de gerações de ambientalistas que atuaram ou atuam na defesa do meio ambiente. História dos artistas

mineiros: reúnem depoimentos da vida, obra e cotidiano dos artistas em seu contexto sócio histórico e políticos;

História dos professores mineiros: reúne depoimentos de gerações de professores sobre seus cotidianos de vida e

trabalho, a partir dos anos de 1950. E por fim, História dos partidos políticos e sindicatos que reúne depoimentos de

sindicalistas e de lideranças partidárias mineiras anteriores e posteriores ao golpe militar de 1964 com 48 depoimentos

incluindo a entrevista de Helena Greco realizada pela Prof.ª Dr.ª Lucília de Almeida Neves Delgado e Anna Flávia

Arruda Lanna Barreto em 08/11/95. Informações disponíveis no site:

http://www.fafich.ufmg.br/historiaoral/index.php/por/Acervo-deentrevistas . Acesso em 20 de maio de 2014.

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dominicanas e considerado de elite em Belo Horizonte, contribuiu para que tivesse uma instrução

refinada e clássica que incluiu formação musical e o domínio de outras línguas como o francês,

inglês e o italiano. Nos tempos de colégio interno, sua leitura à luz de lanterna às escondidas no

dormitório, incentivada pelo professor Velloso, a afastaram do padrão tradicional de leituras e

comportamentos das “moças de família”. Segundo Helena:

Naquela ocasião tinha a tal leitura cor de rosa. Madamy Delly. Eu tinha ódio disso.

Eu consegui uma coisa que eu nem sei como (...). Porque naquele tempo era assim:

ou o livro era indecente ou era contra a religião, era o Index. E o Dr. Velloso, é aí

que eu devo uma obrigação ao Dr. Velloso. Ele me passou uma lista de livros, que

eu comprei e levava escondido. Ele me passava livro também. Aí eu lia escondido

das irmãs. Era rara a semana que eu não lia um livro (...)5.

Entre os livros citados por Helena se encontram os autores Balzac, Anatole France,

Shakespeare e Dante Alighieri, todos lidos em língua original. Todavia, mesmo com o afastamento

da leitura “cor de rosa de Madame Delly”6, Helena parecia compreender que havia códigos de

conduta a serem interpretados e reproduzidos como na citação:

Tinha uma coisa interessante que era o seguinte, as irmãs me deram muito apoio,

porque eu não era... A questão espiritual nunca me importou mesmo. Então as

irmãs, tinham umas que ficavam meio preocupadas com aquilo. Acontece que eu

fiz questão de ganhar todos os prêmios de religião. (...) Eu seguia um roteiro era

simples7.

Há em sua fala, aproximações e rupturas com os modelos fixados para uma geração, que

desembocam em relações de poder como na fala “eu seguia um roteiro”. Igualmente Helena ao

seguir um roteiro demonstra uma de suas faces. Esta vivência no colégio revela normas próprias do

mundo político, que mostram, por sua vez, códigos de agir e pensar que tomam lugar nas estratégias

de representações do mundo social. Virgínia Woolf já descrevera sobre a temática em sua obra

Orlando, enfatizando que uma biografia é vista como completa quando dá conta simplesmente de

cinco ou seis eus, quando um ser humano pode ter milhares dele (WOOLF, 1992. p. 284).

5 Entrevista realizada com Helena Greco, em Belo Horizonte, em 1995, por Lucília de Almeida D. Neves e Anna Flávia

Arruda Lanna Barreto para o Projeto: Memória e História Visões de Minas, do Centro de Estudos Mineiros/ Programa

de História Oral da Universidade Federal de Minas Gerais. p. 42 6 M. Delly foi o pseudônimo do casal de irmãos e escritores franceses Frédéric Henri Petitjean de la Rosiére e Jeanne

Marie Henriette Petitjean de la Rosiére .Tal literatura possui um estilo romântico, um tom de encantamento e clima de

conto de fada. As histórias destacavam os valores e comportamentos da aristocracia europeia situada entre os finais do

século XIX e inícios do século XX. Sobre a temática ver a dissertação de: Russo, Aline França. Relendo M. Delly:

personagens, enredo, crítica. Belo Horizonte: UFMG – Faculdade de Letras, 2012 Disponível em:

http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/ECAP95GKUW/dissertacao___aline_franca_russo_

__relendo_m_delly.pdf?sequence=1 7 Idem, p. 30

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E podemos ter milhares, pois somos atravessados por infinitos sujeitos e suas subjetividades,

influenciando e sendo influenciado.

Em outra fase de sua trajetória, após já estar casada e com filhos, ensinou língua estrangeira

nos domingos a alunos carentes. Iniciou também no ano de 1964, com um grupo de senhoras, um

trabalho caritativo, realizando visitas a Penitenciárias, fato que lhe rendeu o convite para ensinar

inglês na Penitenciária Antônio Dutra Ladeira, trabalho que desenvolveu até 1966. Apesar de

revoltada contra as injustiças, conforme revelou em entrevista a revista Teoria & Debate em 1994,

Helena Greco até os anos de 1970 não encontrava um canal de participação política, pois, segundo

relatou, não conhecia partido “que valesse a pena”. Helena Greco dizia não ter na época muito

estudo de política, o que ela possuía era um sentimento.

Eu tenho um sentimento de que seria muito bom (...) sinto que sou cidadã do

mundo. A diferença é que sou socialista. Olha ser socialista para mim é você... É

um governo que antes de pensar no governo e em si próprio ele pensa no que é

bom para o povo8.

Vale a pena ressaltar que emoção, interesses e normas sociais não são dicotômicos, elas

interagem entre si na performance individual e na constituição de sua própria imagem.

Evidentemente, Helena individualizou-se a partir de um grande número de sanções sociais e em

permanente interação com outros indivíduos, o que a tornou única, conforme afirma Elias: “a

sociedade não apenas produz o semelhante e o típico, mas também o individual”(ELIAS, 1994, p.55-

56. Grifos do original). Também podemos destacar aí uma questão de gênero. Talvez para um homem

não fosse muito bem visto dizer que suas convicções políticas seriam resultado de um sentimento,

afinal, na sociedade ocidental, a masculinidade tem sido associada à razão, contrapondo-se a uma

feminilidade que estaria ligada especialmente a uma sensibilidade associada à

natureza.(WICKBERG, 2007, p. 661-684)

Com a implantação da Ditadura Militar em 1964, sua análise sobre o golpe era norteada,

sobretudo, por revistas norte-americanas utilizadas nas aulas de inglês. Todavia, a partir da morte

do estudante Edson Luiz, em 1968, ela começou a achar “esquisito” o que estava acontecendo. Ela

se comoveu com a história de Edson Luiz, sua morte, o sofrimento de sua família e se envolveu

emocionalmente a partir daí com o movimento de resistência.

Os discursos de resistência à Ditadura Militar mobilizavam, sobretudo, jovens, e D. Helena

observava que sua filha caçula, Heloisa Greco, de apelido Bizoca, estudante de História na

8 Idem. p. 94.

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Universidade Federal de Minas Gerais, estava envolvida com o movimento estudantil, em especial,

a partir do ano de 1976. Bizoca fazia parte da resistência à Ditadura por meio do grupo de esquerda

Centelha. De acordo com Helena, sua preocupação com o bem-estar da filha foi o motivo para

investigar mais a fundo o que estava acontecendo. Sua casa sempre estava cheia de jovens que se

reuniam e ela sempre escutava os debates e opiniões sobre a situação do Brasil naquele período.

Helena mencionou em entrevistas que nunca teve muitos amigos, e, segundo sua filha Bizoca, isto

pode ser em parte devido a sua erudição, fazendo assim com que a aproximação com os amigos

universitários da filha fosse mais atraente. Existiam, também, as macarronadas de sexta-feira,

promovidas na casa de Helena, nas quais um grande número de jovens participava. Em um destes

encontros, no início de junho de 1977, ela escutou sobre a manifestação no Campus da UFMG, na

Faculdade de Medicina e resolveu ir até lá; este era o primeiro e decisivo passo para sua ruptura

visível9 e a implantação do MFPA em Minas Gerais. Segundo ela:

Eu soube que os estudantes iam todos lá no Campus da Medicina e que a polícia

estava cercando tudo lá. Eu fiquei preocupada, porque todo o meu povo com quem

eu lidava politicamente estava lá. Então eu fui pra lá (...). Houve aquela... Uma fala

muito bonita, o pessoal todo muito interessado, e tal. Mas a gente preocupada com

a situação que estava. Foi a primeira vez que tinha um ato público durante a

Ditadura. Então eu resolvi falar. Levantei e falei... O negócio é que eu senti na

hora, era um sentimento. Eu senti foi o seguinte: a minha geração foi muito inerte,

ela podia ter feito muita coisa. E hoje eu me arrependo disso. Eu quero dizer que a

gente tem que fazer alguma coisa, porque a questão está muito séria e não pode

continuar assim10.

Novamente o sentimento entra em cena. O sentimento de que havia alguma coisa errada, de

injustiça na infância. O sentimento de desigualdade social, unido ao sentimento de preocupação

com sua filha e com “seu povo” envolvidos com o movimento estudantil, desembocou na

inversão/invenção de Helena, de mulher vista como componente da elite mineira para defensora dos

direitos humanos. A emoção e o sentimento “explicam” seu discurso na Faculdade de Medicina, em

que foi identificada por um jornal como uma senhora velha e gorda que tomou a palavra. Helena já

estava com 61 anos e sua fala na manifestação contribuiu para a abertura de um canal de

participação política e para o início de uma vida pública, mas, acima de tudo, para um

9 Compreendemos por ruptura visível o que está dado a ver por um grupo. O que ele percebe como transformação.

Nesse sentido não vislumbramos chegar a transformação subjetiva. 10 Ibidem p.104-105.

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questionamento da posição de sua geração11, vista por ela como inerte em um momento político

conflituoso.

No final da manifestação na Faculdade de Medicina da UFMG, um grupo de mulheres a

convidou para participar do Movimento Feminino pela Anistia, que seria fundado em Minas

Gerais12. De acordo com Helena, este foi seu primeiro canal de participação política13. Todas as

mulheres envolvidas na fundação do núcleo mineiro eram mais jovens que Helena, ou seja, a

identificação ultrapassou a idade. Podemos dizer, deste modo, que geração não é uma faixa rígida e

compacta relacionada simplesmente a idade, mas, sim, a um coletivo de indivíduos que

experimentam de forma conjunta alguns eventos marcantes. Helena não possuía familiares

perseguidos, sua filha, apesar de ativa no movimento estudantil e participante da Centelha, jamais

havia sofrido diretamente perseguição no período14. Então, o que a motivara a entrar no MFPA?

Segundo Heloisa Greco, seu engajamento tinha mais a ver com seus desejos de fazer algo, do que

com a preocupação com a sua segurança.

De “dona” do lar à presidente do Movimento Feminino pela Anistia em Minas Gerais

O Movimento Feminino pela Anistia foi oficialmente instituído em dezembro de 1975, na

cidade de São Paulo pela advogada Therezinha Godoy Zerbine. A principal bandeira desse

movimento era a luta por uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita a todas/os as/os presas/os e

11 Karl Mannheim nos leva a refletir sobre o conceito de geração a partir das ideias de Wilhelm Pinder que dizem

respeito ao problema da “enteléquia de uma mesma geração”, ou seja, de seus objetivos internos ou de suas metas

íntimas que estão relacionadas ao “espírito do tempo” de uma determinada época ou ainda à desconstrução, uma vez

que várias gerações estão trabalhando simultaneamente na formação do “espírito do tempo”. Portanto, é preciso levar

em conta que o ritmo biológico reage no elemento do acontecer social. Helena se reconhece no que Mannheim

denomina “conexão geracional” (generatioszusammenhang) em uma alusão a Heidegger. Ao instrumentalizarmos o

conceito de “conexão geracional”, compreendemos que é preciso estabelecer um vínculo de participação em uma

prática coletiva com a partilha de experiências comuns. WELLER, Vivian. A atualidade do conceito de gerações de

Karl Mannheim. IN: Revista Sociedade e Estado - Volume 25 Número 2 Maio / Agosto 2010. Disponível em:

http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922010000200004 12 A campanha pela Anistia desencadeada em 1975 com o lançamento do Manifesto da Mulher Brasileira pelo

Movimento Feminino pela Anistia foi organizada primeiramente em São Paulo por Terezinha Zerbine e se irradiou por

demais estados do país no decorrer da década. Coube às mulheres, portanto, o pioneirismo pela luta da Anistia no

Brasil. BARRETO, Ana Flávia Arruda L., O Movimento Feminino pela Anistia: a esperança pelo retorno à

Democracia. Editora CRV, Curitiba, 2011. 13 Segundo Heloisa Greco, em sua tese de doutorado Dimensões Fundacionais da luta pela Anistia, este papel coube às

mulheres em um primeiro momento por serem mães, irmãs, companheiras e filhas de atingidos pela Ditadura, que se

uniram em torno de um objetivo comum: a busca de familiares desaparecidos ou a defesa dos familiares presos.

GRECO, Heloisa, Dimensões Fundacionais da Luta pela Anistia. Tese de Doutorado em História. Faculdade de

Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Federal de Minas Gerais Belo Horizonte: 2003, p. 69. 14 Em entrevista realizada com Heloisa Greco, em 19 de junho de 2013, em Belo Horizonte/MG, por Kelly Cristina

Teixeira, a entrevistada relatou: a entrada dela no MFPA tinha mais haver com seus desejos de fazer algo, do que a

preocupação com a minha segurança.

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exiladas/os políticas/os pelo o regime militar, instaurado no Brasil entre os anos de 1964 e 1985. As

medidas arbitrárias tomadas após o golpe acabaram por suspender todas as garantias legais para

reprimir todas/os àquelas/es que se sentiam encorajadas/os a se opor ao governo, garantindo, assim,

a consolidação do Estado por meio da violência.

O contexto da década de 1970, além de ser importante pelo crescimento dos movimentos de

oposição às ditaduras civil-militares instauradas no Cone Sul15, é também marcado pelo impacto das

discussões sobre o feminismo em âmbito internacional e pela criação dos primeiros grupos de

discussão feminista no Brasil16.

Paralelamente a estas discussões, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o ano

de 1975 como o Ano Internacional da Mulher. O ponto central do Ano da Mulher foi a realização

da I Conferência Mundial sobre a Mulher, no México, com o propósito de abrir espaço para as

próprias mulheres falarem sobre as suas questões na esfera pública.

A realização da I Conferência Mundial sobre a Mulher foi a oportunidade para Therezinha

Zerbine, em tom denunciativo, fazer a leitura do Manifesto da Mulher Brasileira pela Anistia e

tornar oficial o Movimento Feminino pela Anistia que já vinha sendo pensando desde início daquele

ano. No manifesto, é enfatizada a importância da atuação da mulher na luta pela Anistia, na busca

pela igualdade e pelo restabelecimento das liberdades individuais. A repercussão da leitura desse

documento e da oficialização do MFPA foi decisiva para a disseminação do movimento em

território nacional. O segundo semestre daquele ano e os que se seguiram foram marcados por

diversas conferências em solo nacional que buscavam enfatizar a importância da promulgação de

uma Lei de Anistia e a convocação das mulheres a adensar o movimento, já que era um movimento

exclusivo para e por mulheres.

Os núcleos do MFPA foram se formando pelos estados por meio do convite feito pela

própria Therezinha Zerbine através de cartas, buscando apresentar o movimento e os seus objetivos

de mobilizar mulheres desenvoltas para atuarem na criação desses novos núcleos. Inicialmente,

conforme aponta Anna Barreto, somente mulheres participavam das reuniões e eram admitidas

15 Referência aos seguintes regimes ditatoriais no Cone Sul: Paraguai (1954-1989), Chile (1963-1990), Bolívia (1964-

1982), Argentina (1966-1973) e Uruguai (1973-1985). Sobre isto, ver em: WOLFF, Cristina Scheibe. “Feminismo e

configurações de gênero na guerrilha: perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985”. Rev. Bras. Hist., São Paulo,

v. 27, n. 54, dez. 2007. p. 19-38. 16Sobre a formação dos primeiros grupos feministas no Brasil, ver em: SARTI, Cynthia A. “O feminismo brasileiro

desde anos 1970: revisitando uma trajetória”. Estudos Feministas, Florianópolis, 12(2): 264, maio-agosto/2004; TELES,

Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.

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como “sócias”. A presença de homens se dava na função de colaboradores, participando das

atividades desenvolvidas pelo MFPA e/ou com algum tipo de apoio material17.

O contato inicial de Helena Greco com o MFPA ocorreu no mesmo dia de sua intervenção

na manifestação no Campus da UFMG, após as prisões de vários estudantes. Helena e 79 pessoas se

reuniram na Igreja de São Francisco das Chagas e escreveram um manifesto de repúdio ao ato dos

policiais em nome do MFPA. Em dezembro de 1977, já havia nove grupos formados perfazendo um

total de aproximadamente cem pessoas. Helena foi eleita a primeira presidente do núcleo mineiro,

possuindo grandes divergências quanto ao rumo da luta com Therezinha Zerbine. Segundo Helena,

uma de suas discussões durante a organização foi a entrada de homens no movimento e a

aproximação das integrantes das mães de presos e exilados18. Para ela, os homens seriam bem-

vindos para apoiar, mas não para participarem do movimento, caso contrário, ele deveria mudar de

nome. Outra questão, era a divergência de grupos dentro do MFPA que não aprovavam a

aproximação com as mães dos exilados, fato também contestado por ela.

Em sua compreensão era necessária esta aproximação,

eu falei: não é [uma coisa a parte]. Elas estão agora chorando pelos filhos, vamos

dar a elas a ideia de que elas têm que chorar por mais gente, não só pelos filhos

não19.

As duas discussões, na visão de Greco, eram políticas, pois o MFPA não deveria ficar

apenas no assistencialismo, levar mantimentos às prisões e vender os artesanatos fabricados por

alguns presos para assistir suas famílias; a luta do MFPA deveria ser ampliada. Portanto, havia duas

concepções: a questão da Anistia e o assistencialismo. Outra questão tratada foi a luta pela

emancipação da mulher. No Estatuto do MFPA está:

(...) promover a elevação social, cultural e cívica da mulher através de cursos,

palestras e atuação no desenvolvimento de sua consciência social e cívica e

orientando-a para a sua compreensão de suas responsabilidades perante a sociedade

e a integração da família na comunhão social sempre dentro dos ideais

democráticos20.

Dentro do MFPA havia diversas correntes de pensamento sobre a questão de gênero, e

Terezinha Zerbine e Helena Greco mais uma vez possuíam posturas distintas. Segundo Greco, a

17 BARRETO, op. cit., 2011, p.75. 18 BARRETO, op. cit., p.131 19 Idem. 20 Estatuto do Movimento Feminino pela Anistia. Arquivo IHG.

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posição de Zerbine era burguesa por visar a questão da anistia, principalmente por ter seu marido

perseguido, e por defender a integração da mulher à sociedade, compreendendo seu papel

pacificador, segundo o regimento. Já Greco almejava extinguir este papel pacificador, convocando

mulheres para a luta não só pela Anistia, mas, por seus direitos e contra a Ditadura.

Em 19 de maio de 1979, o MFPA núcleo MG realizou o I Encontro da Mulher, cujo tema

era A Mulher na sociedade Brasileira. Os temas abordados pelo Encontro eram: o trabalho

feminino, os direitos da mulher e sua participação na política. Isto demonstra que apesar de haver a

sede em São Paulo dirigida por Zerbine, os núcleos possuíam, até certo ponto, autonomia, que era

gerida de acordo com os interesses da gestão. Entretanto, Therezinha Zerbine e Helena possuíam

uma relação conflituosa. Em meados de 1994, em entrevista à revista Teoria & Debate, ao ser

indagada sobre como era sua relação com a Therezinha Zerbini, respondeu: “É até difícil falar.

Quando me perguntavam se eu conseguia trabalhar com a Therezinha, eu respondia: "Não, não

consigo". Tínhamos modus operandis completamente diferentes”.21

O papel da mulher e tudo o que a circundava era relevante para Helena, que se via como

uma feminista desde os tempos do colégio interno.

O núcleo mineiro do MFPA foi um dos mais numerosos do país, chegando a alcançar um

número de trezentas mulheres. Helena estava sob os holofotes nacionais sendo convidada a

participar do Congresso Mundial pela Anistia em Roma, fato que rendeu constrangimento frente à

Terezinha, uma vez que ela era a fundadora e presidenta nacional do Movimento. Cartas eram

trocadas entre elas. Em uma delas, Zerbine reclama que Helena não deveria ter concedido uma

entrevista a um jornal e falado em nome do Movimento, mesmo concordando com seu

posicionamento. Reafirma na carta que a única pessoa que poderia falar pelo MFPA era a presidenta

nacional, no caso ela.

Helena Greco ambicionava imprimir ao MFPA um caráter feminista que precisa ser

pensado dentro das etapas do feminismo que se desenvolveu no Brasil, ainda que o contexto

político da Ditadura Militar tornasse quase impossível qualquer forma de mobilização, segundo

Joana Maria Pedro e Cristina Wolff,

É possível estabelecer três etapas do feminismo que se desenvolveu no Brasil: 1)

Anterior a 1975, composto por mulheres intelectualizadas, que trouxeram do

exterior livros, artigos e ideias do feminismo que se desenvolvia na Europa e nos

Estados Unidos; 2) a partir de 1975, com a instituição pela ONU do Ano

Internacional da Mulher, um feminismo controlado pelos grupos de esquerda que

21 GRECO, 1994.

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lutavam pelo fim da ditadura e pela anistia; 3) a partir do final da década de 1970,

com o retorno das exiladas e o estabelecimento de diálogos mais fortes entre os

feminismos no Brasil e o movimento internacional22 .

Devemos ter o entendimento que muitas reivindicações feministas não tinham muito espaço

dentro das discussões e mobilizações da extrema esquerda e nem aderiam simpatizantes entre os

exilados, pois se entendia que tais questões prejudicariam a luta maior 23. O feminismo também não

era visto com bons olhos pelo regime militar, porém o entendimento dos órgãos de repressão do

Estado era que as ações das mulheres na mobilização contra o regime ditatorial eram “menos

perigosas”. Tal entendimento se daria pelo fato de se conceber as mulheres enquanto sujeitos sem

consciência política. A sociedade brasileira patriarcal e elitista “aceitaria” essa participação por

reforçar os ideários patriarcais, pois, segundo seu pensamento, os movimentos sociais e populares

dirigidos às mulheres e de composição feminina são sempre menos “perigosos”24. Entretanto, uma

análise de parte do arquivo pessoal de Helena Greco permite ver outra face desta senhora. Apesar

de carregar signos aceitos pelo imaginário da época como sua idade, que passava dos 60 anos e que

lhe conferia uma representação de um tradicionalismo comportamental, sua origem burguesa, sua

fala mansa e cordial que reforçava o papel aceito pelas elites, Helena Greco expressava ideias

socialistas e feministas, que não condiziam com este ideal patriarcal e burguês. Ela, entretanto,

certamente utilizava os “jogos de gênero”, utilizando essa imagem de senhora da elite para driblar a

repressão.25

Com o apoio do Frei Antônio26, as reuniões passaram a acontecer com certa regularidade às

segundas-feiras, na Igreja Nossa Senhora das Chagas, em Belo Horizonte, e reuniões de emergência

eram feitas em sua casa. Cultos Ecumênicos eram realizados pró Anistia e vigiados de perto pelo

Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), que caracterizara os discursos de D. Helena

como subversivos, exaltados e carregados de emoção. Imagens ligando D. Helena a reivindicações

pelo fim da violência do governo militar eram registradas pela Delegacia de Vigilância Especial, na

qual agentes de polícia detalhavam os Atos Públicos realizados na Igreja São José.

Em 1978, surge a proposta de formação do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) núcleo de

Minas Gerais. D. Helena assume a vice-presidência, acumulando o cargo com a presidência do

MFPA/MG, fato que permitiu fronteiras fluidas entre os movimentos.

22 PEDRO, 2007, p. 59. 23 PINTO, 2003, p. 53. 24 LEITE, 2009, p.113. 25 DUARTE, 2012, p.301 26 Não possuímos até o momento, grande número de informação sobre Frei Antônio. Apenas temos conhecimento de

que era da Ordem dos Franciscanos e que era pároco da Igreja Nossa Senhora das Chagas.

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Após a Lei da Anistia, Dona Helena também aderiu a outras frentes de resistência à

repressão. Abaixo segue o resumo de seu discurso feito pelos agentes de polícia em um Ato Público

na Igreja São José, em 21 de maio de 1981, sobre o atentado no Rio Centro, quando se realizava um

show comemorativo do Dia do Trabalhador, durante o período da Ditadura Militar no Brasil:

Discorreu sobre a “escalada do Terror”, afirmando que as bombas que a ditadura

conduzia -por acidente detonadas- vitimavam os trabalhadores presentes no Rio

Centro. Salientando que o terrorismo se encontra nos “porões da ditadura” e que

pra esclarecer os fatos bastaria prender o “terrorista capitão Wilson Luís Chaves

Machado. Fazendo ainda referencias ao modelo econômico” do país, que gera

simplesmente o “desemprego e a instabilidade”, impondo aos trabalhadores um

salário de fome27.

Outro exemplo foi seu encontro com Mães da Praça de Maio em Belo Horizonte no

Seminário “64 Nunca Mais” para contarem suas histórias às mães brasileiras que também perderam

seus filhos pela repressão. De acordo com Cristina Scheibe Wolff, em seu artigo Eu só queria

embalar meu filho, as Mães da Praça de Maio foram a organização que mais mobilizou este

discurso emocional. Como símbolo, estas mães usavam uma fralda branca como lenço de cabeça,

exigindo o aparecimento de seus filhos com vida ou a punição dos responsáveis pelo seu

assassinato. A fralda passou a se constituir em um instrumento simbólico que se remetia ao cuidado

da mãe para com o filho e seu uso pode ser interpretado como estratégico, pois antes de serem

guerrilheiros, terroristas os jovens de esquerda eram assim mostrados como filhos e filhas.

Helena, não usava a fralda na cabeça, não teve seus filhos agredidos fisicamente pela

repressão, mas possui outros códigos bem próximos a essas duas mães retratadas abaixo: a idade e

os cabelos brancos que possuem a marca do tempo, da experiência, das alegrias e das tristezas que

contém um valor e apelo emocional.

Considerações finais

Helena Greco correspondia aos requisitos que almejava o MFPA para dar credibilidade ao

Movimento em Minas Gerais: classe, idade, grau de instrução, entre outros. Helena almejava

mudanças que sua geração não foi capaz de fazer, este interesse de modificar o que estava

estabelecido foi instrumentalizado pelo MFPA por convidá-la a fazer parte do Movimento. Na

esfera de disputas simbólicas, em que a imposição de uma figura depende além de fatores externos,

de sua aceitação carismática e passional por parte de seu grupo, Helena Greco era relevante para os

27 Arquivo Público Mineiro. AB 021-3-1 Pasta AB-2109-Rolo-12. Folha 11.

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objetivos do MFPA, assim como era a utilização da emoção e dos sentimentos em seu discurso e,

por conseguinte em possíveis narrativas políticas.

Referências

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Memory fragments: The political the trajectory of Helena Greco in the Movimento Feminino

pela Anistia in Minas Gerais

Abstract: This paper aims to discuss another aspect of the Movimento Feminino Pela Anistia

(MFPA) when discussing the participation of the female Helena Greco and the role of the emotions

in the construction of the social and political activities from her entrance to this movement in Minas

Gerais. The MFPA was started in 1975 by Therezinha Godoy Zerbine in the city of São Paulo, and

the mining nucleus was officialized in 1977, based in Belo Horizonte. Helena Greco at the age of 61

began her political career, marked by the struggle and resistance to the rights not only of political

freedom but, above all, by gender equality. Among the categories that helped us in this elaboration,

we highlight the tools of Oral History, History of Women, Gender Studies and Memory, used to

understand the participation and political insertion of Helena Greco. We will start with an initial

analysis of the sources from her personal archive collected at the Helena Greco Institute and from

interviews with Helena for the History and Memory Project: Visions of Mines from the Oral

History Laboratory of the Federal University of Minas Gerais.

Keywords: Resistance, Gender, Dictatorship, Politics