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7/25/2019 Fragmentos do Inferno
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Copyright 2015 COELHO, Maurcio.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro, sem autorizao prvia por escrito da autora, poder ser reproduzida
ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrnicos, mecnicos, fotogrficos,
gravao ou quaisquer outros. Esta uma obra fictcia, qualquer semelhana com pessoas reais
vivas ou mortas mera coincidncia.
Arte da capa
Gustave Dor (18321883)Diagramao e organizao
Maurcio Coelho
Traduo dos versos deInferno
Jos Pedro Xavier Pinheiro (18221882)
Reviso
Autores
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SINOPSE
Em Fragmentos do Inferno, cinco autores se renem para explorar
acontecimentos fantsticos que se passam nos crculos infernais de Dante.
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SUMRIO
AMANDA BISTAFANo lago do qual jamais sair
FELIPE FONTELASUma caminhada pelo FlegetonteVICTOR LAGAS CATELANO fim, a passagem e a punio
JHON MARKO hspede fortuito
MAURCIO COELHONono Crculo, Lago Cocite
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Terceiro Crculo, Lago de Lama
NO LAGO DO QUAL JAMAIS SAIR
Do soobro tornando a aflita mente,Que da cpia infelice contristadoHavia tanto o padecer pungente,
Achei-me novamente circundadoDe outros mseros, de outras amarguras,
Que via em toda parte, ao longe e ao lado.
Sou no terceiro crculo, onde escuras,Eternas chuvas, glidas caam,
Pesadas, sempre as mesmas, sempre impuras.
Saraiva grossa, neve, gua desciamDesse ar pelas alturas tenebrosas:
No cho caindo infeto odor faziam.
Quando Lorena Dakota enfartou, toda a comida ficou para trs. Hambrgueres,
milk-shakes, salgadinhos, lanches, sorvetes e mais uma infinidade de substncias
repletas de acar, gordura saturada e sdio.
Ela era to nova!
Trinta anos e um problema de sade to grave. Se ela ao menos soubesse que era
cardaca, poderia ter se preparado. No deu tempo de pedir perdo, nem de se confessar,
nem ao menos de realmente se arrepender.
Da maca da mesa cirrgica diretamente para o Inferno em segundos. Quem diria
que um dia Lorena viajaria to longe?
***
Lorena abriu os olhos, sem entender o que havia acontecido. Lembrava do
incidente, da dor aguda no peito, do socorro, da ambulncia, at mesmo do hospital.
Depois, no se lembrava de mais nada. Como foi parar ali?
Seu corpo doa, como se tivesse levado uma surra, mas o corao parecia ter se
acalmado, alis, sequer ouvia suas batidas. J a cabea rodava, ameaando explodir aqualquer momento como uma panela de presso. Alcanando os lbios com a lngua,
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percebeu o quanto estavam secos, sua garganta se tornava spera todas as vezes que
engolia a saliva.
Passada a confuso inicial, finalmente a garota conseguiu observar ao seu redor.
O susto que levou, contudo, foi totalmente inesperado. No conseguia acreditar queaquilo que seus olhos fitavam poderia ser real. Estaria alucinando, ou at mesmo em
coma?
Lorena estava em um lago de lama. A substncia pegajosa ao seu redor
ameaava afund-la ao menor movimento que fizesse. Pegando um punhado com as
mos, percebeu o quo negra e ftida era, como esgoto.
Por um momento, imaginou estar em um pesadelo. Toda aquela podrido, aquelecheiro... Como se seu corpo tivesse sido jogado no lodo para ocultar um crime. De
repente, pensou se poderia ter sido vtima de algum sequestro, por mais absurda que a
ideia parecesse.
Quando a chuva comeou a cair do cu negro, a situao ficou ainda mais
estranha. Em poucos segundos a leve garoa transformou-se em tempestade, que, por sua
vez, virou uma forte chuva de granizo. Lorena no conseguia correr, mal podia se
levantar, atolada naquela lama imunda. A chuva se intensificava a medida que os
granizos viravam verdadeiras pedras rochosas.
Logo todo seu corpo recebia os golpes do cu, deixando hematomas vermelhos e
doloridos. A garota tentava proteger a cabea e os olhos, desviando o olhar para o cho
enquanto passava os braos ao redor da cabea. Encolhida quase em posio fetal,
Lorena se desvencilhava de algumas pedras, contudo, todo seu brao e costas eram
atingidos, espalhando pontadas agudas de dor por todo o corpo, principalmente os
golpes sofridos nas costas, que pareciam se irradiar pelos braos, pernas e tronco.
pouco, apenas ameaavam se formar, agora escorriam desesperadas por sua face.
O granizo deu lugar neve. Lorena olhava incrdula para os flocos que caam do
cu. Foi desta vez que teve certeza de estar vivendo alguma situao alucingena,
simplesmente porque no Brasil no nevava. Claro que ela no havia sido sequestrada e
levada para outro pas...
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A dor lacerante foi substituda imediatamente por um frio de congelar os ossos.
Lorena tremia e batia os dentes, incapaz de sequer pensar em alguma alternativa para a
hipotermia que, em breve, a acometeria.
Suas lgrimas congelavam junto espessa neve que descia do buraco negroacima, pouco parecido, de fato, com o cu, cobrindo-a como uma manta. Num lampejo
de esperana, a garota afundou-se ainda mais na lama suja e pegajosa, tentando aquecer
a pele gelada.
A neve durou menos que o granizo, sumindo rapidamente e levando embora
tambm a chuva. A garota fitou o cu escuro e sombrio, confusa. Nada fazia sentido e
seu estmago j comeava a contrair involuntariamente. Estava com fome.
A compreenso apenas alcanou Lorena quando Crbero surgiu. Uma criatura
monstruosa, dona de um tronco enorme, garras gigantes e, o mais inacreditvel, trs
cabeas que a encaravam com olhares mortferos e presas afiadas.
Cabeas de ces que graniam e abriam-se em enormes buracos, expondo o cu
negro da boca. A saliva escorria pelos molares e pingava no cho, fazendo os dentes
brancos brilharem. A face era enrugada e distorcida, como um cachorro com raiva. Ela
nunca vira animal algum assim.
Os olhos vermelhos e demonacos a encaravam com escrnio. Quase parecia rir
da frgil garota apavorada. As patas deslizavam cada vez mais prximas do punhado de
lama onde Lorena estava presa. A criatura parecia faminta.
De sbito, Lorena se lembrou: Crbero morava no Inferno.
A garota vomitou. A gosma saiu num jorro involuntrio de sua garganta,
misturando-se lama ftida. Contorcendo o rosto, sentiu ainda mais nsia. O cheiro
azedo pareceu-lhe mais familiar do que gostaria, embora este fosse o menor dos seus
problemas.
A criatura alcanou a garota em um salto, parando o corpo ao seu lado enquanto
as longas garras afiadas traavam extensos arranhes em seu corpo. As unhas
cravavam-se mais e mais forte, fazendo o sangue quente escorrer. A garota esperneava,
desferindo socos ao vento, incapaz de alcanar o monstruoso co. Seus gritos soavam
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abafados e roucos, enquanto suas lgrimas rolavam e derramavam-se inutilmente na
lama.
Crbero rasgava e puxava sua carne como se fosse massa de modelar. Tiras de
pele, sangue e muco voavam pelos arredores das afiadas garras, que atingiam o rosto, osombros, o flanco, as pernas e onde mais estivesse exposto. As trs cabeas a encaravam
enquanto emitiam rosnados guturais, cercando-a por todos os lados.
Num piscar de olhos, a cabea do meio afundou seus caninos afiados na lateral
do brao de Lorena, atingindo de raspo a pele da garota, que se desviou
desajeitadamente num sobressalto. O corte atingiu vrias camadas da pele, fazendo o
sangue viscoso jorrar como uma cachoeira de mau gosto. Enquanto o grito histrico da
garota cortava o silncio mrbido, a cabea de co esquerda alcanou em cheio sua
costela, arrancando uma generosa fatia de carne.
Lorena berrou novamente, sentindo a dor insuportvel a atingir em cheio.
Colocando, por impulso, a mo sobre a ferida, percebeu o estrago que havia feito em
suas costelas. A carne dependurava por um pequeno filete de tecido, enquanto o sangue
negro empapava suas roupas e escorria pelas mos.
Apesar da intensa dor, a garota juntou os resqucios de fora para se
desvencilhar da criatura e fugir, mas a lama a prendia com mais preciso do que
qualquer corrente ou amarra. A substncia desagradvel rodeava todos os seus
membros, fazendo-a se sentir como um rato no esgoto. Mas esgoto algum conseguiria
ser to assustador.
A cada golpe, Lorena afundava mais na lama. Quando percebeu, a gosma j
entrava pela boca, sendo forada involuntariamente goela abaixo. No apenas pela boca,
alis, tambm pelas narinas. A podrido alimentava suas entranhas enquanto a criatura
lacerava seus membros numa tortura sem fim.
A chuva tornou a despencar do cu, empapando ainda mais a lama imunda. O
odor era to insuportvel quanto carne em decomposio. A chuva gelada fazia a garota
se contrair da forma mais desconfortvel possvel.
Tudo o que ela um dia conheceu como conforto havia sido levado. No s a
comida, mas a sensao de felicidade, bem estar e paz.
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Mais que isso. Tudo lhe havia sido roubado. Sua alma, suas crenas, quem era,
seu nome. Ali eram s as trevas, a podrido, a dor e o medo, mesclados ao sangue, s
lgrimas e ao desespero.
Lorena nunca havia imaginado que um dia poderia realmente ir para o Inferno.Para ela, sua obsesso no era algo que poderia ser punido de forma to cruel. No era
ladra, tampouco assassina. Apenas havia se deixado levar pelos prazeres da vida: a
comida em primeiro lugar.
Agora, a garota jazia na lama imunda da alma, da gula, da obsesso. Dos
pecados expostos em carne viva na imundcie do mal. Presa no Lago de Lama do qual
jamais sair. Torturada pela eternidade, sentindo dor pior que a morte, agonia pior que a
vida e desesperana maior do que qualquer crena.
Lorena arriscou olhar para acima, alm da criatura que se agigantava sua
frente. Avistou uma enorme colina de rochas no horizonte, cercada por montanhas que
emitiam certo feixe de luz. Semicerrando os olhos, percebeu que o que refletia eram
enormes barras e moedas de ouro, to grandes quanto os homens que as empurravam.
Antes que Crbero investisse novamente contra ela, Lorena pode lamentar por
um pequeno instante pelas demais almas em chamas, tambm condenadas ao sofrimento
e apodrecimento perptuo.
AMANDA BISTAFA
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Sexto Crculo, Cemitrio de FogoO FIM, A PASSAGEM E A PUNIO
[...] Dali surgia um lamentar profundo,De misreo gemido permanente.
Mestre meu, quais foram l no mundo Eu disseaqueles, que no duro encerro
Denunciam tormento sem segundo?
Aqui sto os hereges por seu erro,Com seus sequazes dos diversos cultos:
So mais do que tu crs em cada enterro.
Iguais com seus iguais esto sepultos,Uns tmulos mais que outros so candentes.
destra ento voltou: com tristes vultos
Passamos entre o muro e os padecentes.
No h volta.
Eu abri os olhos, mas mesmo assim continuei sem enxergar nada. Tentei andar,
mas no senti a costumeira firmeza sobre os meus ps. Era estranho, pois eu no sentia
medo. Na verdade, eu sentia uma imensa paz percorrer cada clula de meu corpo. Tentei
virar meu corpo para os lados e me pareceu que no estava tendo nenhum sucesso, at
que depois de mais uma tentativa consegui enxergar algo. Bem l ao fundo uma imagem
me chamou a ateno. Bati os braos como se estivesse nadando em uma piscina, e por
algum momento tive a mesma impresso de que no estava saindo do lugar, mas a
pequena imagem comeou a tomar forma e consegui distinguir o que era. Aquela era a
rua em que eu morava. Aquele era o carro barulhento de meu novo vizinho, que por
sinal eu odiava. E aquele ali, estirado no cho, embaixo do maldito carro era eu. Eu
estava no cho, com o rosto contorcido em uma careta de dor. Tateei o meu corpobuscando algum tipo de dor, mas a nica sensao que eu sentia era de paz. A imagem
comeou a desfocar, e tentei acreditar que era um sonho, at tudo escurecer novamente
e eu me vi tentando nadar mais uma vez naquela piscina escura e sem fim. Sempre ouvi
dizer que se voc est sonhando e descobre que um sonho voc acorda, mas nada
disso me aconteceu, ainda estou aqui. Algumas braadas depois uma nova luz me
apareceu, bem ao fundo. Mais uma vez dei algumas braadas, mas a distncia no
parecia mudar, a nica coisa que eu sentia era um forte calor, e que ficava cada vez maisforte. Quem diria. Toda aquela histria de Jesus Cristo, filho de Deus ou o criador,
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Paraso e Inferno era verdade. E falando em inferno, acho que para l que eu estou
indo. Isso se toda essa escurido no for coisa da minha cabea mesmo. Para confirmar
continuei indo naquela direo, e a luz ficou mais e mais forte, at que eu no pude
enxergar nada novamente, e ao invs de paz, o que eu sentia agora era um forte calor
consumir meu corpo, minha alma, ou seja l o que eu fosse.
A escurido se manteve por algum tempo, at que ela transitou para uma
claridade intensa. No conseguia enxergar da mesma forma, mas aquele branco
estridente me incomodava profundamente. O sentimento de paz havia passado, e agora
no sentia nada. Nunca pensei que um ser humano poderia ficar livre de pensamentos
ou sensaes. Tambm no pensava que existia um plano astral, ou at mesmo um
Deus, mas estava l, ento no poderia mais tirar concluses, at entender oquerealmente estava acontecendo. A claridade comeou a enfraquecer, at que uma imagem
comeou a tomar forma. A escurido e a claridade intensa se misturaram, dando forma
ao que parecida ser um grande muro de pedras em um tom roxo e avermelhado. Atrs
de mim a escurido continuava combatendo a claridade e vise e versa, e a minha frente,
uma rua calada com tijolos grande de pedra escura me indicavam um caminho a seguir.
Como havia as pedras tentei andar, e por incrvel que parea consegui. Senti mais uma
vez a presso da gravidade, mas agora era diferente. Pode parecer estranho, mas apresso no era sentida no contato que tinha de meus ps com o cho, e sim em meus
ombros e cabea. Era como se estivesse carregando o mundo nas costas, ou como
conclui mais tarde, os meus pecados. Pela primeira vez desde que tudo comeou, pensei
em falar. Tentei emitir um som qualquer, mas ele no saiu. Olhei para minhas mos e
pernas e tateei meu tronco e rosto e tudo parecia estar l. Tentei mais uma vez e no
obtive sucesso. Empenhei-me ento em continuar caminhando, at que consegui
enxergar ao fundo, o que pareciam labaredas. Por toda minha vida acreditei na Cincia
para agora ser julgado de acordo as regras de Deus. Eu sei que em vida sempre busquei
as respostas de maneira mais lgica, mas chegar a esse ponto? Continuei andando at
que cheguei ao porto e percebi que havia muitas pessoas ao seu redor.
Observei a multido por alguns minutos. Todos vagavam sem nenhum rumo,
como se estivessem completamente perdidos. Em meio a todos, percebi que no porto
havia uma pessoa sentada, controlando os acessos. Quem diria que haveria um porteiro
controlando as portas de onde quer que fosse aquele lugar. Percebi que mandavaalgumas pessoas embora, enquanto outras ele deixava passar. Parecia um processo
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aleatrio, ento arrisquei ir at ele. Precisei empurrar algumas pessoas pelo caminho, at
chegar bem prximo do porto. Assim que me vi a alguns passos do porto congelei.
Dentro daquela rea reservada, pude ver uma torre alta que se sobressaia em meio
escurido devido s vrias labaredas que emanavam de seu topo. Por mais que tentasse,
no conseguia desviar o olhar e nem sequer fecha-los. As chamas saiam do topo dessa
torre e danavam, dando a impresso de que formavam enormes criaturas. Agora alm
do calor que sentia me tocar, meu corpo foi tomado por um sentimento ruim, me
fazendo repensar tudo o que j havia passado. Ainda olhando a torre, percebi que sentia
remorso pelas escolhas que fiz, e pelas enganaes que tomei como verdade durante
toda a minha vida. Percebi que errei, e que agora no havia mais volta.
Consegui me recompor, e ento fui em direo da grande figura que guardava oporto. Quando fiz meno em falar, aquela criatura enorme estirou a grande mo em
frente ao meu rosto e eu pude sentir um cheio forte de azedo, misturado com enxofre.
Ele fez um novo sinal para que eu passasse e o porto se abriu, me levando para um
lugar totalmente diferente. O porto se fechou atrs de mim com um grande baque
surdo. Um grande lamento choroso que nunca ser ouvido por ningum do outro lado.
Assim que as portas bateram senti medo pela primeira vez. Minha espinha gelou e
minhas pernas bambearam, e parece que como uma punio elas se mantiveram de p, oque fez com que essa experincia fosse uma das piores que j havia sentido. Atrs de
mim, o pesado porto, rodeado por imensos muros a perder de vista. A minha frente, um
campo que seguia at duas colinas que formava um estreito. A terra tinha um tom verde
arroxeado, e o cheiro de podrido tomava o ar, fazendo dele denso e extremamente
nauseante. Caminhei pela nica direo que havia. O cho era macio e irregular, o que
dificultava cada passo e fazia cada vez mais pesar os ombros. A noo de tempo j no
me interessava mais, ento apenas caminhei, at o estreito e atravs dele.
Quando me vi entre as rochas, senti o calor a minha frente aumentar. Sussurros
passavam por mim em pequenas lamentaes, aumentando meu medo e
arrependimento. Logo que dei por mim, estava em frente a uma grande plancie, com a
mesma cor e cheio da anterior, mas essa tinha algo de diferente. Caminhei um pouco
mais e para minha surpresa por todo lugar se espalhavam tmulos e mais tmulos.
Todos to fundos que no era possvel ver seu fim. Todos to fundos que o eco dos
lamentos que vinham de seu interior eram abafados e atormentadores. Todos to fundosque as chamas que queimavam em seu interior mais pareciam pequenas velas
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esquecidas. Respirei fundo por mais uma vez, e agora senti apenas cheio de enxofre e
sangue seco. Reuni todas as foras que tinha e tentei correr. Olhei para os lados e o
caminho que eu havia percorrido j no existia mais. Tentei lembrar de onde havia
vindo e corri. Enquanto corria, pela primeira vez em minha vida clamei a Deus e voltei
a sentir a mesma paz de quando estava em plena escurido. No sentia mais medo, nem
o peso sobre os ombros. Corria sem olhar para trs, tentando achar o vale que havia
atravessado, ou o porto por onde havia passado. At mesmo a torre me ajudaria. Decidi
uma direo e corri por ela. O horizonte fazia uma pequena curva, ento decidi ir at
ela. Corria o mais rpido que meus pulmes poderiam aguentar, enquanto desviava de
tampas de tmulos e pulava por covas abertas, sentindo o forte calor que elas
emanavam. Assim que me aproximei percebi que a curva era na verdade, a beirada de
um precipcio. Pensei que poderia ser minha salvao, mas assim que olhei por ele
congelei. O precipcio abria em um grande e fundo circulo, dividido em pequenas
camadas que afunilavam. Tentei olhar, mas tive medo, ento me virei para correr.
Quando comecei a correr pude ouvir um lamento triste vindo atrs de mim, e tentei
olhar para trs. Mal havia voltado a cabea para frente senti meu p afundar em um
nada, meu corpo tombar para baixo e ento instintivamente fechei os olhos. Senti o
calor se aproximar e me queimar cada vez mais. Tentei abrir os olhos, mas mesmo
assim continuei sem enxergar nada. Tentei andar, mas no sentia a costumeira firmeza
sobre os meus ps. Era estranho, pois agora alm do medo, sentia remorso e um imenso
arrependimento.
VICTOR LAGAS CATELAN
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Stimo Crculo, Vale do Flegetonte
UMA CAMINHADA PELO FLEGETONTE
borda de alta riba assim chegamos,Que em crclo rotas penhas conformavam:
De l mais crus tormentos divisamos.
Do fundo abismo exalaes brotavam,To acres, que a fugir nos obrigaram
Para trs das muralhas elevadas
De um sepulcro, em que os olhos decifraram:
Sou do papa Anastcio a sepultura,Que de Fotino os erros transviaram.
Lentamente desamos desta altura:Assim, o olfato ao mau odor afeito,
No hemos de sentir-lhe a ao impura.
Um teto vermelho escuro pairava sobre a cabea daqueles que se dirigiam at
aquilo que seria sua runa. Pele cinza, finos fios de cabelo preto e corpos magros, to
frgeis e desnutridos que seus ossos faziam certo relevo, esses eram os perdidos queoutrora haviam expressado sua violncia em vida. Ningum ofegava, tossia, espirrava,
se apressava ou contestava, estavam hipnotizados pelo grande buraco escuro que jazia a
frente, quase faziam parecer que cobiavam aquele grande precipcio.
Ento caram. Apesar de carem aos milhares, a escurido os privava solido,
olhavam para a esquerda e viam o negrume, olhavam para a direita e nada mudava.
Apenas aqueles que caram prximo as paredes puderam ver uma luz fraca vermelha,
era como se a rocha sangrasse incessantemente. Dificilmente se compararia a uma
cachoeira, entretanto, o sangue parecia no ter fim. A queda poderia ter sido mortal para
um homem vivo, mas para as almas foi como se tropeassem e cassem (em uma
velocidade absurda). Uma delas sentiu a rocha cinza esfregar em sua mo, uma pedra
pontiaguda grande furava sua palma e ela sangrou. Os mortos sangram? Pensou,
surpresa por ter pensado alguma coisa.
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Uma onda de emoes tomou seu corpo. Tinha fome, tinha sede, desejava
coisas, detestava coisas e sentia dor. Um morto no sente, um morto no come, um
morto no faz nada.Por que sinto?
Da descida era o passo to fragosoE tal por quem l estava guarda e atento,
Que se fazia vista pavoroso.
Como a runa, que daqum de Trento,O dige feriu, por terremoto
Ou por faltar de chofre o fundamento;
Do viso ao val do monte, que foi roto,To derrocada v-se a penedia,
Que a desc-la o caminho quase imoto.
A ribanceira assim nos parecia.E borda do penedo fracassado
De Creta o monstro infame se estendia,
Algo interrompeu seus pensamentos, uma criatura do triplo de seu tamanho
estava parada uns cem metros frente. Chifres adornavam sua cabea de touro, seu
corpo era ereto, musculoso e peludo, tinha mos humanas e cascos no lugar dos ps.
Para cobrir o torso tinha uma cota de malha e por cima dela uma placa de peito de ferro.
Grevas protegiam seus antebraos e ambas as canelas. Na mo direita, um chicote
pendia balanando no ritmo de sua forte respirao. No passou muito tempo at ele
estalar e abrir as costas de uma delas at o osso. Uma alma caiu no cho de pedra quente
agoniando. No era apenas ela que sentia algo.
Sua viso se adaptou aquele lugar pouco tempo depois. A sua direita um rio de
sangue corria fervendo enquanto algumas almas boiavam e gritavam de dor e
lamentao. esquerda havia runas do que parecia ser um antigo castelo, com uma
muralha com ameias e em cada ponta da mesma, uma torre. Tiranos terrveis, assassinos
cruis, maridos violentos e impiedosos, esposas ingratas e ciumentas, estupradores
pervertidos e pais tomados pela ira, todos eles nadavam no sangue daqueles que feriram.
Os gritos chegavam a ser ensurdecedores e causavam um pouco de compaixo entre as
almas que passavam pela margem.
O Minotauro bufou e fumaa branca saiu pelas narinas, as palavras ecoaram
como um trovo.
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Bem-vindos ao Flegetonte o Minotauro disse. Atrs dele, Centauros
observavam com sorrisos psicticos em seus rostos. Eram criaturas horrveis e grandes,
o dobro do tamanho dos perdidos, a pelagem da metade cavalo era amarelo-escura e a
metade homem variava de cor. Os caninos inferiores eram enormes e quase chegavam
altura do nariz, nenhum ostentava cabelo. Alguns de vocs iro ficar por aqui.
Outros... Bem, a Floresta os aguarda.
Um dos perdidos correu desesperadamente at o Minotauro, enquanto esbarrava
naqueles que j haviam aceitado seu destino, suas palavras corriam at os ouvidos das
criaturas.
Precisam me perdoar talvez aquele fosse o nico que j sabia o que o
esperava. Nenhum dos perdidos sabia o que tinha feito para estar ali. Eu no sei por
que estou aqui.Os Centauros carregavam arco e uma aljava de flechas. Eram usadas
para torturar aqueles que j nadavam no sangue. Mas uma em especial estava apontada,
com o arco j tensionado, para o pobre perdido que se aproximava do Minotauro de
Creta.
A criatura o acolheu como um pai que consola um filho que chora. Sua mo
esquerda tocou levemente o ombro direito da alma, entretanto, a direita j preparava o
chicote.
A mo do Minotauro deu cinco voltas completas em torno da cabea do perdido,
no mesmo ritmo, a corda do chicote enrolava-se em seu pescoo como uma cobra
traioeira. A alma ficou pendurada no ar, seus ps se moviam incessantemente enquanto
as mos agarravam o couro da arma com toda fora. A criatura ria junto dos Centauros,
formando uma terrvel musica unssona e diablica. Ela no podia morrer, mas podia
sentir.
Comecemdisse a criatura. O pescoo da alma estava livre. Por pouco tempo.
O Minotauro agarrou sua cabea e o arremessou no rio. Sua pele criou bolhas
instantaneamente e seu corpo afundou, somente sua cabea estava de fora e sem se
demorar, uma flecha acertou acima de sua sobrancelha. Os Centauros correram, e como
em um caos ordenado, empurraram alguns dos perdidos no rio. Assim que atingiam o
sangue, seu corpo virava um alvo. O Flegetonte ficou cheio e o resto continuou a andar
para frente. A alma perdida estava livre do rio.
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sua direita, no pde deixar de notar que trs dos Centauros se destacavam.
Suas traseiras tinham uma longa cota de malha que descia pelo lombo, e terminava no
limite do corpo equino. Uma longa tira grossa de couro dava uma volta pelo tronco da
criatura, prendendo uma ombreira do lado direito e uma bainha com uma adaga, bem
abaixo das costelas. Desconsiderando a cor da metade homem, eram quase idnticos.
No demorou muito para a alma saber o nome de um deles.
Nesso,gritou o Minotauroum est tentando escapar.
Sangue quente escorria pela pele cinza quando a alma saiu do rio. Seus ps
tocaram a rocha dura novamente e ela saiu em disparada para lugar nenhum. No
demorou para a flecha alcan-la no corao. Ferida, se contorcia de dor no cho,
sangue e rocha criavam um lquido pastoso vermelho, e no muito tempo depois ela
voltou para o rio.
No estava ainda Nesso do outro lado,
Quando ns por um bosque penetramos,
Dos vestgios de passos no marcado.
No fronde verde, mas escura, ramos
No lisos, mas travados e nodosos,
No pomos, puas com veneno achamos.
Por silvados mais densos, mais umbrosos,
Do Cecina a Corneto, a besta brava,
No foge, agros deixando deleitosos.
Das Hrpias o bando aqui pousava.
Que expeliram de Strfade os Troianos,
Vaticinando o mal, que os aguardava.
A alma no ficou muito mais para observar seu trajeto, uma floresta estava
diante de seus olhos. O Flegetonte fez uma curva e sumiu pelo lado direito da floresta,
deixando nada alm de uma trilha para guiar os perdidos por dentro dela. Mais uma vez
eles seguiam sem ao menos questionar. Era a hipnose do precipcio novamente.
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Galhos secos forravam o solo da Floresta dos Suicidas. Um lugar digno do
Inferno. Gritos de aflio e lamentao podiam ser ouvidos em todo lugar, a um
quilmetro de distncia ou a trinta centmetros. Mas isso no importava, todos eles
deixavam as almas amedrontadas.
A alma continuava sua jornada, esperava que ela no terminasse ali. De onde
vm esses gritos?pensou ela, se lembrando de que podia pensar. Eram as rvores.
Almas comearam a desaparecer e mais rvores comearam a surgir. Plantas
sombrias e ftidas, com espinhos venenosos, galhos retorcidos e cinzas como a pele que
antes possuam.
Meu lugar aqui? Outro pensamento lhe veio a mente e ela parou.
Um rosnado.
Olhos vermelhos se destacavam na escurido, sumiam por alguns segundos e
retornavam. Ces infernais, cadelas para ser exato. Fitavam os pobres perdidos
desejando sua carne podre e seu sangue pecador. A alma parou, catatnica, tentando no
olhar para os lados ou sequer movimentar seu corpo, mas sua respirao ofegante fez
seu peito magro se mover e elas atacaram.
Para sua sorte, ela no era uma presa.
Aqueles que logo notaram que estavam em perigo comearam a correr.
Tropeavam nos galhos cados, arranhavam sua pele frgil nos espinhos, e
consequentemente cortavam pele e msculo, deixando ossos visveis.
Cadelas infernais. Elas no queriam devor-los depressa, queriam v-los sofrer
antes.
Criaturas e almas comearam a sumir por entre as rvores, deixando o caminho
livre para partirem.
De repente, sentiu algo molhado cair em sua cabea. Sangue e uma folha morta.
Uma harpia se alimentava das folhas das rvores. No para satisfazer sua fome, mas
para fazer a alma sofrer. Assim era o Inferno.
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Por isso estou sentindo.Fora a primeira afirmao que fizera. Do que adianta a
alma ser torturada se ela no puder sentir?
A harpia se dissipou, batendo suas assas e agarrando outra rvore com suas
enormes garras. Estava na hora de sair dali.
Uma mistura de sentimentos fez a alma se questionar. Quando irei parar? No
quero mais isso.
Por fora era um corpo sem vida, desanimado e inconsciente. Por dentro, gritava
de dor e dio, enquanto desejava que sua jornada acabasse e que ele no visse nenhum
sofrimento alm do dele.
Havia apenas mais alguns quilmetros de rvores frente. Sabia disso, pois um
claro podia ser visto por entre os troncos. Era um brilho amarelado, como um pr do
sol, porm intenso e prximo. As cadelas e as harpias haviam ficado para trs, apenas
algumas almas ainda caminhavam na direo ao claro. Um deserto os esperava.
De amor do ptrio ninho comovido,Essas dispersas folhas reunindo,
sara as dei, que tinha a voz perdido.
Ao limite, dali, fomos seguindo,Em que parte o recinto co terceiro,Onde a justia horrvel st punindo.
Para expressar-lhe o aspecto verdadeiro,Eu digo que charneca ento chegamos,
De plantas nua em seu espao inteiro.
Da dor a selva a cerca dos seus ramos,Como o fosso a torneia sanguinoso:
Ali, rente coaborda, os ps firmamos.
Nada. Absolutamente nada alm de areia e chamas. A alma comeava sua
jornada pelo Deserto Abominvel. Um lugar completamente diferente daquele que era
prometido no Paraso. Sem plantas, sem gua e sem vida. Do cu, chamas caam como
chuva e queimavam mesmo aqueles que ainda no pertenciam ao Deserto. Ento
tropeou. Uma alma estava deitada no cho, incapacitada e imvel, ainda assim, sentia
as chamas lamberem seu corpo cinza.
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Ela no era a nica. O Deserto estava cheio delas, todas deitadas, como se os
msculos no respondessem mais. Entretanto, no eram as nicas. Grupos enormes se
amontoavam como se estivessem colados uns aos outros, formando uma grande
montanha de almas que lamentavam e gritavam. Outras corriam como loucas, ofegantes,
como se algo as perseguisse. No havia nada atrs delas. Estavam condenadas quilo.
Se parassem, passariam sculos onde estivessem, at serem foradas a correr
novamente. E havia um ltimo caso. Almas que se sentavam sobre as chamas que
acabavam de cair daquele cu vermelho e tempestuoso.
Todos eles feriram Deus de alguma forma. Fosse sua Sabedoria, seu Esprito ou
sua prpria Palavra.
A alma se levantou com dificuldade e continuou sua jornada. A sola de seus ps
encostava-se s chamas e tostavam levemente. De seus olhos completamente brancos
saram as primeiras lagrimas que se lembrava. isso que querem. Querem que eu sofra
sem morrer. Que doa sem um alvio sequer.
O nmero de perdidos diminua. Quando me deitarei? O Deserto o ltimo
lugar do Vale do Flegetonte. Quando me sentarei? Ela parou e olhou para trs. Ao
longe, podia ver as runas na margem do rio, a floresta, a sombra das harpias voando de
rvore em rvore e as montanhas de almas. Era sublime, porm, amedrontador.
De repente parou. As pernas perderam as foras e a alma se desesperou. No
posso me mover. Suas memrias eram revividas uma a uma. Sua famlia, suas
experincias, sua vida, tudo passava novamente em sua cabea. Algo especial se repetia.
Deus. Mas no em oraes, no em agradecimentos. Em frustraes, em momentos de
raiva e completo desolamento. Junto de insultos, pedidos egostas e de zombarias. A
alma em vida era uma pessoa violenta, negava Deus por causa de sua descrena. Amavao material e desfazia das coisas oferecidas por Ele. Desfazia da Natureza, do Amor, da
Sabedoria e tudo criado por Deus para o deleite humano. Objetos eram mais
importantes do que as pessoas, seu bem-estar era melhor do que o sorriso do prximo, o
mundo de concreto e fumaa o confortava mais do que a beleza, a paz e a comodidade
da natureza. No sinto minhas pernas. Ela estava agredindo algum, uma mulher, sua
esposa. Seus braos rodavam loucamente enquanto uma pessoa sofria cada golpe,
calada e submissa.Por que fiz isso? As lagrimas subiram aos olhos da alma. No sintomeus braos. As lembranas vinham sem interrupes, ela se via cobiando, desejando,
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invejando. Em seu mundo reinava o egosmo e a ignorncia. Ela desabou.Por favor, me
ajude. Pediu ela a Deus. Nada. No adianta rezar quando se est no Inferno. O Deserto
se mostrou ser um lugar impiedoso, que arranca cada pedao de sua alma e ri seus
ossos, at no sobrar nada. As chamas comeavam a arrancar sua pele e o cheiro de
carne queimada subia ao seu nariz. Sentia fome, sentia sede. Nenhuma comida ou gua
para mat-las. Sentiu falta do mundo, das cores, da esperana e da vida. Mas a nica
coisa que via era sangue e fogo. A dor era descomunal, tentou no gritar, mas no
conseguiu. As lgrimas no paravam de cair na areia. Por ltimo, viu-se deitado em uma
cama, com suas ltimas foras se esvaindo.Arrependo-me.Ela disse para o tudo e para
o nada. As costas finalmente tocaram o solo e sua cabea repousou na areia. Finalmente,
ela se deitou.
frente havia outro precipcio. No se assemelhava ao do Flegetonte, mas era
to fundo quanto. Se olhasse para baixo, poderia ver as rochas cor do ferro e a muralha
de pedra. O Malebolge no estava longe. O Inferno no parava. Almas caminhariam
para carem no precipcio, e se juntariam as outras nos dez fossos.
FELIPE FONTELAS
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Oitavo crculo, Malebolge
O HSPEDE FORTUITO
Tem o inferno, de rocha construdo,De frrea cor, de muro igual cercadoUm lugar: Malebolge o nome havido.
L no centro do plaino inficionadoSe escancara gro poo, amplo e profundo:
Direi a compostura em tempo asado.
Espao em torno estende-se rotundoEntre o poo e o penhasco pavoroso:Reparte-se em dez cavas o seu fundo.
Qual de fossos dobrados, cauteloso,Se apercebendo, o alcar se assegura
Dos assaltos de imigo poderoso:
Saudaes, meus caroso poderoso Arcanjo Gabriel cumprimentou todos os
demnios presente com seu grave magistral. As paredes vibraram e os pequenos
endiabrados, que mais pareciam ratos humanoides, esconderam-se nas entrncias de
rocha polida e em valas ftidas. O respeitado anjo acabara de chegar ao Oitavo Crculo
do Inferno, algo bastante incomum para uma divindade da luz.
O que fazes aqui, mestre? perguntou um dos guardies do primeiro fosso:
uma criatura dotada de mais de oito pernas, um corpo esguio e uma pequena cabea de
guia com penas amareladas. Por mais que fosse capaz de acabar com mais de um
milho de ratos-demnios em segundos, sentia-se acuado pela presena de Gabriel.
No sou seu mestre. Alis, tenho alguns assuntos para resolver com Ele
sorriu com desdm, pouco inusitado para um anjo, e iniciou uma marcha adentro do
penoso local. Malebolge! Vocs fazem questo de piorar este lugar a cada visita quefao. E olha que no faz nem oitocentos anos que passei por aqui. Enfim, vamos ao que
interessa: mostre-me suas almas prisioneiras.
Teoricamente, de todos aqueles que vinham parar no inferno, somente os que
estavam no Primeiro Crculo, o Limbo, poderiam ser escolhidos para ir ao Cu. Porm,
o aclamado Arcanjo resolveu buscar almas arrependidas nas profundezas do Inferno,
especificamente no Oitavo Crculo, o Crculo dos fraudulentos, divididos em dez fossas,
no qual Gabriel estava disposto a percorr-las.
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Milorde... comeou o segundo guardio Por que estaria interessado em
almas fraudulentas? Estes vermes foram sedutores em vida e exploravam as paixes
alheias a fim de nutrir o prprio ego. Qual o valor que estes levariam para o seu virtuoso
Cuzinho?
O ser grotesco que falava era parecido com o outro, porm com penas negras
sobre a cabea; era visivelmente mais ousado. Agia como uma divindade e no
mostrava medo algum contra o poderoso Arcanjo. Alis, o que seria pior do que o
prprio inferno? Gabriel sorriu e olhou para a figura que tinha a metade do seu tamanho.
Infelizmente algumas almas precisam sofrer para entender certas coisas.
Arrependimento meu caro, uma bela qualidade a ser somada no meu Cuzinho.
A criatura grasnou em resposta e seguiu em frente junto ao outro guardio a fim
de direcionar o cavaleiro altrusta pelos caminhos tortuosos, apertados, ftidos e
penosos adiante. Pouco depois, os trs chegaram a um imenso salo onde milhes de
humanos recebiam chicotadas incessantemente dos ratos-demnios. A gritaria era
ensurdecedora e o cho fora pintado com o sangue das costas dos aoitados. Os ossos
das costelas estavam expostos e com pouco de observao era possvel enxergar os
msculos e os rgos vibrando por dentro dos corpos maltratados.
Vossa majestade preferir que seja revelado o que cada um fez em vida ou...
Pedro Augusto Faria interrompeu-o Gabriel sem perder o sorriso malicioso.
Os quinhentos anos de tortura lhe trouxe a sabedoria necessria.
O grande sedutor sem precedentes! Poderia imaginar qualquer destino para
este verme, menos o brilhante e cheiroso: Cuzinhoo guardio de penas negras era a
pura ironia enquanto o outro estava quieto e olhava para Gabriel como um candidato em
uma entrevista. O arcanjo por um momento pensou que pediria uma vaga no cu ou
qualquer coisa do tipo.
Com o nico humano escolhido, diante de todos os aprisionados, o grupo seguiupara o segundo fosso. Ao passo que o som dos gritos diminua, o cheiro de esterco e
fezes enchia o ar como uma nvoa densa. At mesmo os dois guardies frente
mostraram sinais de desconforto e apressaram os passos.
Diferente do primeiro salo, o segundo fosso era como uma gruta onde ao invs
de gua, havia excremento denso e lquido encobrindo os humanos ali presentes. L
ficavam os aduladores que em vida tiravam proveito dos medos e desejos dos outros;
usaram de linguagem fraudulenta e raciocnio falso.
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No meio da gruta, os guardies pararam, porm Gabriel no. Eles logo
entenderam que no haveria nenhum recruta naquele fosso, talvez porque ningum se
arrependera ou, quem sabe, o que fizeram em vida jamais merecesse perdo.
Senhor, como sabes que uma alma est arrependida? perguntou o guardio
de penas amarelas.
Para de ser otrio...respondeu o outro guardioVoc deveria questionar a
petulncia deste em vir buscar nossos prisioneiros.
Nenhuma palavra foi dita pelo Arcanjo. No precisava ser uma divindade para
identificar o desespero nas palavras do primeiro. Era um demnio, mas sentia-se
comovido com a presena de Gabriel. Ser que desejava realmente ir para o cu? Mas
como um demnio poderia avanar pelos portes de luz? Ser que as palavras no
passavam de uma fraude do demnio-guia amarelado?
Enfim, chegaram ao terceiro fosso e um calor sufocante envolveu o grupo como
um casaco de pelos. Por um momento a alma que seguia Gabriel sorriu ao adentrar no
salo imaginando que chegara ao cu diante de tanta luz, mas se enganou
redondamente. No passava de enormes labaredas que queimavam as pernas dos corpos
soterrados de cabea para baixo. Era uma tortura de propores homricas voltadas aos
que em vida traficavam artefatos sagrados, assassinos de aluguel e a todos que
perverteram a igreja.
Madalena Torres, Marcelo Franco Teodoro... uma lista com doze nome foi
proclamada e aos poucos as almas se aproximaram do grande salvador. Sem demora, o
grupo continuou pelo rduo caminho.
Bem vindos ao quarto fossocomeou o irnico guardio cansado do silncio
dos viajantes Aqui temos os melhores videntes da Terra. Previam o futuro e
auxiliavam outros humanos na penosa passagem da vida. por isso que aqui eles
tiveram suas cabeas voltadas para trs. Quantos recrutas sairo daqui?Ignorando a provao cida do guardio, Gabriel convocou mais algumas almas.
A ida para o prximo fosso foi rpida, mas ao chegarem por l, pequenos
demnios-morcegos se aproximaram das almas recrutadas por Gabriel com a inteno
de jog-las ao piche fervente dianteira.
Pare! interrompeu o guardio bondoso (ou seria arrependido?). O demnio
voador fez meia-volta e logo se concentrou em atingir os humanos que tentavam
escapar do lquido borbulhante. O guardio de asas negras olhou para o parceiro comdio e soltou um grasnado seco. A tenso parou quando o arcanjo proferiu dois nomes.
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Logo, as duas almas, corruptas em vida, se aproximaram com o corpo tremendo por
completo. Bolhas de queimadura preenchiam todos os membros e os olhos eram dois
buracos vazios, onde vazava um lquido esverdeado.
isso, milorde! sentenciou o irnico guardio, agora com um olhar srio,
dizendo que no havia mais aonde ir.
So dez fossos, e no cinco! Passarei por cada um deles Gabriel fora
conclusivo. A resposta chegou de imediato.
No h passagem para o sexto fosso. Ela foi destruda h milhares de anos.
Sinto muito.
Um pesado silncio pousou sobre o corpo do descomedido guardio e na
sequncia ouve um fervoroso olhar do Arcanjo. As palavras do demnio era uma
verdade absoluta, porm, o outro guardio se manifestou:
H uma passagem pela caverna...
Sem qualquer aviso, o demnio de asas pretas avanou sobre o alvo com fria,
desferindo uma dolorosa bicada. No segundo posterior, o ataque foi cessado e era
possvel ver um grande e profundo corte no peito do guardio atingido.
No podemos seguir por este caminho. Se voc quiser, vai sozinho e sofra as
consequncias.
Ento o destemido guardio de asas negras voltou pelo caminho que percorreram
deixando apenas o machucado demnio de penas amarelas como guia. Orgulhoso,
Gabriel sorriu em sinal para continuarem com o percurso.
O arcanjo sabia que o sexto fosso trazia os hipcritas. Eles estavam vestidos com
roupas brilhantes, porm pesadas como o chumbo. Este o peso que no sentiram na
conscincia ao fazerem maldades. As almas convocadas neste fosso estavam, sem
exceo, presas ao cho; j haviam desistido de suportar o peso e sofriam estagnadas ao
solo. Os demnios tiveram de retirar as vestes e ao arranc-las, a pele foi esfolada, poisgrudara com o passar das centenas de anos.
Com o grupo de almas reforado, continuara o percurso, porm, o caminho
agora se tornou mais difcil: alm de terem de escalar uma ngreme runa, o ar tornava-
se cada vez mais rarefeito. Mesmo para um arcanjo, aquela trilha no era fcil de ser
vencida e seu corpo divino comeou a vacilar. Parou alguns segundos para respirar
quando avistou uma serpente passar por entre suas pernas. Com os olhos, Gabriel seguiu
o ser rastejante se aproximar de uma alma que acabara de chegar ao Inferno: era umladro de carros. Por ter roubado algo que no era seu, a serpente atravessou o corpo da
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novata alma desfazendo-a em poeira, ento, segundos depois, o rptil tomou as formas
do antigo gatuno. Era uma viso bizarra e estava mais do que claro que para estas almas
no havia salvao, pois perderam toda identidade.
A caminho do oitavo fosso, Gabriel decidiu quebrar o silncio:
Por aqui vocs tm nomes? Como posso lhe chamar?
Por algum motivo, o demnio com rosto de guia sentiu uma leve tenso. Iludiu-
se com a ideia de poder sair de vez daquele buraco de dor, de conhecer o cu.
Po... Pode me chamar de Kro... Krokilus...gaguejou o pobre demnio.
Est certo! Quantas almas adentram o Oitavo Crculo por Era?E
medida de tempo peculiar aos anjos, no havia uma converso exata para o tempo
humano.
De quatro a cinco trilhes de almas. Este o Crculo mais populoso, Milorde.
A conversa perdurou at chegarem oitava fossa. O som ribombante dos troves
atrapalhou o colquio e sem demora, o arcanjo recrutou uma grande quantidade de
almas arrependidas de seus maus conselhos em vida. Elas tiveram de atravessar um mar
de lava e era possvel ouvir o gemido de dor deles at a chegada ao penltimo fosso.
O que acha do Inferno, Krokilus?
O ser demonaco volveu a cabea para cima na esperana de encontrar os olhos
de Gabriel, mas o Arcanjo olhava para frente, concentrado.
To ruim quanto os humanos o acham.
O nono fosso era o mais terrvel, sangrento, porm silencioso. Os humanos eram
mutilados pelos ratos-demnios com espadas e suas tripas serviam como enfeites
pulsantes e malcheirosos. Era quase impossvel no se arrepender por semear discrdia
na vida passada com tamanha tortura. Levou um grande tempo para chamar todos os
selecionados ao cu, principalmente pelo fato de que era necessrio procurar os pedaos
do corpo espalhados pelo salo.Por fim, eles seguiram para o ltimo fosso, o dcimo.
O cheiro de putrefao era ainda pior podrido de excremento no segundo
fosso. Gabriel no entendia nem mesmo como um demnio conseguia permanecer ali
por mais de trs segundos. As almas naquele ltimo salo estavam enfestadas de todos
os tipos de doenas e pestilncias. Os corpos apodreciam e as almas pareciam zumbis,
incapazes de chorar ou gemer de dor pelo tamanho sofrimento. Muitos agradeciam
quando perdiam um membro apodrecido, o que significava que teriam uma dor a menospara se preocupar.
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Gabriel convocou os ltimos recrutas e depois disse:
Krokilus, voc provou o seu arrependimento. Gostaria de lhe tirar daqui, mas
no posso garantir que poder viver sobre a luz do Cu. Em negativa, voc
provavelmente ser banido do seu cargo e viver como as pobres almas. Voc, mesmo
assim, gostaria de assumir o risco?
O pequeno demnio cacarejou em sorriso e executou um movimento de rotao
Pois bem. Vamos todos! sentenciou Gabriel e uma forte lufada de vapor
envolveu-os. As almas se alegraram, assim como Krokilus. A temperatura se estabilizou
e de repente tornou-se quente, muito quente. Quando a fumaa desapareceu, todos
contemplaram a criatura que surgiu no lugar de Gabriel, era o prprio Satans. Ele
segurava o abdmen enquanto gargalhava.
Idiotas. Perfeitos idiotas ele debochou novamente, criando uma enorme
interrogao na cabea de todos Acharam mesmo que o Arcanjo Gabriel viria salv-
los? Vocs foram os melhores fraudulentos em vida, por que eu iria perder a
oportunidade de devolver o que fizeram?
As almas foram sumindo aos poucos, sendo transportadas de volta ao lugar de
onde eram torturadas. Alm do tormento fsico, foram aoitados com um poderoso
chicote psicolgico.
Voltem para o buraco que pertencemsentenciou pela ltima vez e voltou seu
olhar perfurante para o pequeno Krokilus.
E voc, meu pequeno e burro demnio? Est cansado do inferno, no ? Quem
sabe voc no se acostuma melhor ficando ao lado das almas sofredoras.
Ento, o pequeno demnio adquiriu a silhueta de um humano. Segundos mais
tarde, um novo guardio lhe empurrou para dentro de um mar de lavas borbulhante.
Uma dor lancinante o fez dobrar como um graveto que jogado em uma fogueira. Onico sentido que lhe restou era a audio, que servia para escutar uma risada
gorgolejante do Senhor do Inferno, este que havia lhe condenado a uma eternidade de
sofrimento...
Lcifer executou uma longa golfada de ar e contemplou o belo cenrio de dor e
podrido volta, satisfeito. Lembrou que tinha um longo caminho frente at chegar a
seu majestoso lar. Estava cansado e, consequentemente, duvidoso se faria uma
c x N Cc: JHON MARK
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Nono Crculo, Lago Cocite
Depois de ter passado por toda essa jornada, encontro-me aqui: no ltimo crculo
do Inferno. Os gigantes traidores de Zeus trovejante me deram passagem e consegui
passar por uma pequena entrada, junto de meu Mestre. Era um lago congelado, feito delgrimas e sangue das almas condenadas. Os traidores se encontravam presos, feito
esttuas, em enorme sofrimento. Aproximei-me de um deles, ele ainda estava com
vestimentas antigas, perguntei ao meu Mestre quem era e ele disse ser Calabar.
Caminhei mais um pouco e percebi que entrei na Esfera da Cana, pois havia inmeros
danados com o busto fora do lagoe o resto do corpo submerso , mas apenas um me
chamou a ateno. Essa eu conheo, pensei. Era Suzane von Richthofen! Meus lbios
ficaram com cor de gelo. Era ela. O rosto enxado e de manaco, mesmo no Inferno noperdeu o semblante de psicopata. Ela ainda apresentava a cabeleira loura.
No possvel, Mestre eu disse.Por que se encontra aqui? Ela ainda est
viva.
A alma cai no ltimo crculo logo quando a traio consumida. um diabo
que toma conta do corpo at chegar o tempo do seu fim no mundorespondeu o Mestre
sapiente.
Enquanto ele me explicava, ns seguamos e Richthofen foi deixada para trs.
No senti pena dela, confesso, porm no senti dio. Fez por merecer e ficar um bom
tempo l, quem sabe por toda a eternidade. Descemos um pouco mais e vi algumas
cabeas se emergindo no lago, igual r. Outras, eram s bocas com lbios rachados por
conta do frio. Encontrvamo-nos em Aentenora, onde aqueles que traram a ptria e seu
partido esto. Observei aqueles condenados, porm no reconheci ningum. Meu
Mestre apontou para um crnio especfico e perguntei quem era.
Aquele Joaquim Silvrio dos Reis.
Veja!eu griteiAo lado do crnio de Joaquim Silvrio, aquela cabea quer
falar. Seria Jos da Silva Xavier, o Tiradentes?
O cfalo era plido, um pouco arredondado e com pouco cabelo, olhos pequenos
algum que usava culos em vida. Ele abria a boca at conseguir pronunciar as
primeiras palavras:
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Ich bin Heinrich Himmler!
Que horror!pensei. Era o comandante da Schutzstaffel e um dos homens mais
poderosos do Terceiro Reich. Olhei para aquela cabea com um misto de nojo e
desprezo.
Wir werden mit dem Christentum in noch strkerer Form als bisher fertig
werden mssen.
Esse aqui ainda sofrer mais. Alm de ser um nazista traidor, cometeu
suicdio. Daqui, ele ainda passar pelo Vale dos Suicidasexplicou meu Mestre.
Mit diesem Christentum, dieser grten Pest, die uns in der Geschichte
anfallen konnte, die uns fr jede Auseinandersetzung
Vamos! Deixe-o falando s!
Passamos, ento, para a seguinte esfera: Ptolomeia. Aqui, devagar foi o passo.
Mais uma vez apenas as cabeas das almas permaneciam fora do gelo com a diferena
de que essas choravam. As lgrimas permaneciam igual neve, pois congelavam no rosto
do danado. A quantidade de faces era impressionante. Nem Dor ou Botticelli poderiam
imaginar. Por mim, ficaria ali mais tempo, porm meu Mestre querido gritou:
Ei! Vamos! Longa jornada e mau caminho temos; e a meia tera o sol j tem
corrido.
Descemos at a ltima esfera, Judeca. J era noite l. Aqui se encontram os
traidores-mor. A dor deles maior, pois se encontram totalmente submersos e
conscientes no gelo de Ccito. metade do caminho, parei. Olhei para meu Mestre,
este no disse nada, mas era evidente que tambm ouvia! Novamente meu corpo foitomado de pavor, pois tinha uma ideia, clara como gua, de quem era aquele ser que
falava.
Meine deutsche Jugend! Nach einem Jahr kann ich euch wieder hier
begren!
Eu segurei no ombro de meu Mestre, pois achava que ia desmaiar. Por alguns
segundos minha respirao faltou.
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Wir wollen ein Volk sein, und ihr, meine Jugend, sollt dieses Volk nun werden.
A voz continuava, como se ele ainda estivesse fazendo um discurso para os camaradas
nazistas.
Naquele momento j estava com dor de cabea.
O que ele faz aqui, Mestre?
No se preocupe! Ele est sendo torturado. Lcifer est com ele. Hitler fica
repetindo os mesmos versos de seu discurso, pois a nvoa da iluso ainda o envolve,
mas quando ela se dissipa, Adolf Hitler sente a angstia e o sofrimento de mais de dez
milhes de almas. Para sairmos daqui, temos que passar por Lcifer. Voc o ver.
Alles was wir vom Deutschland der Zukunft fordern, das Jungens und
Mdchen, verlangen wir von euch!
O discurso aumentava cada vez mais. Era possvel ver Lcifer uma pequena
distncia. Subimos em um morro e l do alto avistamos o anjo cado, que se encontrava
com metade do corpo submerso no gelo.
Und ich wei, das kann nicht anders sein: denn ihr seid Fleisch von unserem
Fleisch und Blut von unserem Blut
Quando nos aproximamos, observei a pele do rei do Inferno: era escamosa, mas
tambm havia pelos. As asas eram membranosas, igual de morcego. Do nosso ponto de
vista, apenas uma das trs cabeas nos encaravam. E era justamente a que Hitler se
encontrava. Lcifer abocanhava-o diversas vezes, os membros despedaados caam no
lago, porm logo eram reconstitudos.
Vor uns liegt Deutschland, in uns marschiert Deutschland und hinter unskommt Deutschland!ele gritava em seu delrio.
Vamos embora, Mestre. J vi o que tinha para ver. Leve-me daqui.
Sim, mas ainda temos que passar pelas outras divises.
Concordei com a cabea. Para sairmos daquele fosso e voltarmos ao mundo, o
Mestre Dante Alighieri e eu, descemos at o centro do mundo. No outro lado do
hemisfrio, saindo a ver tornamos as estrelas.
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MAURCIO COELHO
AUTORES
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Amanda Bistafa nasceu em Jundia (SP), em 1992. graduada em Nutrio.
Participou de antologias pelas editoras Andross, Illuminare, Nexus-6 Books e Wish.
Mantm o blogmarcasindeleveis.blogspot.com.br e expe suas obras no Wattpad sob o
nickname AmandaBistafa. Contato com a autora: [email protected]
Felipe Fontelas nasceu em Franca (SP), em 1997. Participa pela primeira vez de
uma Antologia. Mantm, junto de amigos, o blog expedicaoafricana.blogspot.com.br.
Contato com o autor: [email protected]
Jhon Mark nasceu em 1989. Foi um dos selecionados do concurso Poetize 2013
e participou daAntologia Amores Impossveis, organizada pela Lycia Barros e de Seres
Amaznicos (2015), organizada por Maurcio Coelho. Atualmente, escreve o primeiro
livro da Saga O Vrtice: O Olhar de Caronte; no qual, publicado um captulo
semanalmente no Wattpad. Contato com o autor: [email protected]
Maurcio Coelho o organizador desta antologia. Nasceu em Belm, PA, em
1992. Publicou a traduo de The Nursery Alice(A Cuidadosa Alice), de Lewis Carroll.
Publicou tambm um poema na antologiaConcurso Novos Poetas 2014, alm de um
conto na coletnea Horas Sombrias e Nanquim. Tambm publicou a antologia Fogo
ftuo, de sua prpria autoria.
Victor Lagas Catelan nasceu em So Bernardo do Campo (SP), em 1986.
Graduado em Turismo, publicou um conto na antologiaAlm das Cruzadase outro em
Marcas Eternas, ambos pela Andross Editora. Contato com o autor: