Frágua Inovadora: O Tormentoso Percurso Da POLOP

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    Frgua Inovadora: OTormentoso Percurso da

    POLOP

    Victor Meyer

    1999

    Primeira Edio: Escrito por Victor Meyer em fins de 1999 para uma publicao em CDorganizada por Eduardo Stotz. Includo no livro O tempo no Planetrio e outros ensaios,Stotz, Eduardo Navarro, Ed. do Autor, Rio de Janeiro, 2008. A presente verso segue deacordo com original digitado pelo prprio Autor.Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.Transcrio: Pery FalcnHTML: Fernando A. S. Arajo

    Introduo

    No comeo de 1961, no interior de So Paulo, realizava-se o Congressode fundao da Organizao Revolucionria Marxista Poltica Operria, maisconhecida como POLOP. Seu impacto intelectual sobre o pensamento radicalde esquerda no Brasil, sua influncia poltica sobre fraes importantes daesquerda organizada, do movimento estudantil e mesmo do movimentooperrio, seriam fortemente crescentes ao longo dos anos 60. Na dcadaseguinte, perodo de auge da ditadura militar, mergulharia num dolorosoprocesso de isolamento social, seja pelos cruentos ataques que sofreu dapolcia poltica DOPS, Polcia Federal, OBAN e demais signos do terroranticomunista daqueles anos seja pela dispora dos quadros no exlio erecorrentes fragmentaes internas. Somente nos primeiros anos da dcadade 80 se firmaria um movimento interno de volta s razes, longamentepreparado: tarde demais, pois o contingente de militantes remanescentesestava demasiadamente reduzido e distante do centro dinmico das lutassociais brasileiras, na mar montante das greves, da fundao do PT e dagestao da CUT. A POLOP reconheceu a importncia poltica prpria do PT,mas ao mesmo tempo entendeu os seus limites; por isso, aderiu ao novoPartido, mas ao mesmo tempo tentou manter-se como organizaoautnoma. Sem xito nesse ltimo projeto, extinguiu-se no decorrer da

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  • primeira metade dos anos 80.

    Durante a fase ascendente, at 1968, participou da Organizao umnmero expressivo de destacados intelectuais, vrios dos quais iriamadiante compor o ncleo dirigente do PT. No movimento estudantil, no seuauge histrico, a POLOP sustentou vrias vice-presidncias da diretoria daUNE eleita no vigsimo nono Congresso, aquela que seria posta testa dasgrandes mobilizaes de 1968. No movimento operrio, sua presena se fezsentir com relativa importncia nas greves de Contagem e Osasco. Poroutro lado, ainda na sua fase expansiva, polarizou uma ao aglutinadorasobre a esquerda revolucionaria, cujo ponto mais alto foi a formao doNcleo Marxista-Leninista, em 1967, conjugando-se com a Dissidncia doPC no Estado da Guanabara e com a Dissidncia do PC no Rio Grande doSul. Juntamente com esta ltima Dissidncia, formaria o POC (do qual seretiraria no comeo de 1970). Num sentido contrrio, da POLOP sairiamfaces fundamentais para a construo de vrias organizaes que sedirigiram guerrilha urbana: a Colina, parte da VPR, parte daVAR-Palmares, alm de outros agrupamentos menores. Mais adiante, nosprimeiros anos 70, da POLOP sairia a Frao Bolchevique, depoisdenominada MEP [Movimento de Emancipao do Proletariado].

    O carter expansivo da POLOP num contexto to especial da histriadas lutas de classes no Brasil, sustentado apesar do traumtico testehistrico representado pelo golpe militar de 1964, tem sua expressomxima na elaborao de um documento bsico, o Programa Socialista parao Brasil, apoiado sobre um conjunto de textos de fundamentao queconfigurariam um mtodo de anlise, um iderio articulado e umaestratgia de luta.

    Seria uma precipitao supor-se que tudo isso teria desaparecido pelaao do tempo. verdade que a memria da esquerda revolucionriabrasileira, de um modo geral, dentro da qual se encontram os registrosparticulares da POLOP, constitui-se numa dessas realidades que o curso davida cotidiana confina vala comum do esquecimento. Tempos de reao,os trs ltimos lus- tros decretaram a morte do proletariado, o fim dasutopias e, nas franjas do pensamento nico que a velha ordem social tentoue ainda tenta impor, a intelectualidade majoritria permitiu-se criar umndex de temas excludos do campo das discusses. Contudo, as realizaesdo passado resistem em sua integridade de fatos consumados, retm suasprprias luzes.

    O presente texto ensaia uma discusso nesse terreno: um olhar sobreuma vertente da esquerda revolucionria dos anos 60 e 70, uma volta aosuposto tempo perdido.

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  • 1. A juventude: ...Era preciso libertar as palavras...

    rico Sachs, mais conhecido pelo pseudnimo Ernesto Martins, escreveuem 1981 um texto comemorativo dos 20 anos da POLOP. Evocando ocontexto em que vivia a esquerda brasileira nos ltimos anos 50 e primeiros60, disse que a nova Organizao tomou para si a tarefa de libertar aspalavras de seu carter de meros chaves. Essa proposio suscitainterrogaes: o que havia de errado com as palavras?

    Diramos que todas as palavras bsicas do discurso da esquerdaestavam presas a grilhes, a um sentido prvio situado fora da rbita daexperincia viva. Por exemplo, a singela e to importante palavraproletariado: ela no continha determinaes dinmicas nem aluses aum conjunto de pessoas envolvidas numa modalidade especfica de aoprtica, vivendo tais ou quais problemas fundamentais de existncia. Oproletariado, falado pela boca da velha esquerda oficial, era um conceitomarcado por um idealismo objetivo, por uma determinao j contida emum ou outro manual traduzido de lnguas estrangeiras. O ponto de partidaera o conceito (...no princpio era o verbo...): certo grupo de pessoas, noBrasil, deveria forosamente enquadrar-se nesse contedo lmpido,apriorstico. O mesmo se poderia dizer da palavra revoluo. A palavraestava dicionarizada em manuais (tambm traduzidos do exterior) que aprognosticava em detalhes. Tanto que j no aparecia de forma solta(sugerindo dvidas supostamente ociosas), pois vinha sempre com umcomplemento auto-suficiente e esclarecedor: revoluo democrticoburguesa (quer dizer: revoluo em etapas, determinadas alianas naprimeira etapa, outras alianas na segunda etapa, o esquema era fechado ej dado). E o que dizer da palavra socialismo? Tambm estava nosmanuais, ainda que para defini-la fosse necessrio recorrer a toda umagama de palavras previamente institudas: o socialismo adviria comosuperao da revoluo democrtico burguesa, quando o proletariadofirmasse aliana com os camponeses e se fizesse ao poder com um partidonico, o partido comunista. A tarefa do revolucionrio seria, em primeirolugar, assimilar o estatuto j pronto dessas e de tantas outras palavras, queassim apareciam plenas, ntidas e... aprisionadas, inutilizadas.

    Declaradamente marxista, de tal modo que se intitulava OrganizaoRevolucionria Marxista, a POLOP encarava de uma maneira radicalmentedistinta a sua relao com o pensamento de Marx. O marxismo, comoafirma o documento Caminhos e Carter da Revoluo Brasileira, ,sobretudo, experincia humana pensada e aproveitada. Ento era precisopensar a experincia brasileira, e por esse caminho elevar-se a umaanlise concreta da situao concreta. Nessa perspectiva, no haveria

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  • nenhum manual que nos aliviasse a tarefa, as palavras tinham que serreelaboradas, ou seja, preenchidas de determinaes trazidas de umaobservao ativa da vida social brasileira. Em que sociedade vivamos?Importava combater mitos (como o do feudalismo, como o da burguesianacional) para chegar-se concluso de que o Brasil era uma sociedadecapitalista industrial, cujo Estado era composto pela burguesia integrada aocapital internacional e internamente associada ao velho latifndio, e que,nessas circunstncias, a nica transformao social duradoura seria decarter socialista. Essa foi uma das primeiras concluses levadas aodocumento bsico, o Programa Socialista para o Brasil.

    E o proletariado? Certamente no seria aquele, o da mitologia dosmanuais. Sua importncia poltica no Brasil no aparecia como meradeduo a partir de um destino transcendental j concebido, mas sim comoconcluso retirada da anlise especfica das contradies presentes na vidanacional. E, alm disso, o proletariado brasileiro tampouco era uma classej formada como tal, em condies de exercer os papis que lhereservavam os manuais existentes.

    Na tica da POLOP, havia no Brasil um operariado em tortuosomovimento prtico, que h dcadas regredira de uma organizao livre,datada dos primrdios da industrializao, para uma atitude de reboque emsuas relaes com o populismo burgus; regredira condio de umoperariado sem objetivos polticos prprios e sem uma organizao prpria,pois os sindicatos faziam parte do aparelho do Estado. Ento o proletariado,enquanto classe independente, simplesmente no existia ainda no Brasil.Foram esses elementos de uma anlise concreta que forneceram a matriaconstitutiva dos conceitos estratgicos levados ao Programa Socialista parao Brasil: qualquer transformao duradoura na sociedade brasileira exigiriaantes a formao do proletariado como classe - com ideologia, ao polticae organizao independentes das classes dominantes.

    Crticos precipitados objetavam quanto ao carter inexpressivo docontingente numrico da classe operria brasileira. Objeo descabida, poisa anlise da POLOP prosseguia em suas consideraes fundamentais.Desdenhando as teses transpostas de outras realidades, que mencionavamuma esquemtica aliana operrio-camponesa, o Programa Socialista parao Brasil constatava, pela via da anlise histrica, que aqui se delineavam ascondies para uma ampla frente dos trabalhadores. Ainda no seconheciam, como hoje, movimentos interclasses de grande envergadura,tais como as mobilizaes e organizaes populares de bairros, oMovimento dos Sem-Terra, dos Sem-Teto, de desempregados, etc. Mas aexperincia viva j permitia concluir pela existncia de uma gigantesca

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  • camada de trabalhadores proletarizados, em sua maioria assalariados,embora tambm havendo os pequenos-proprietrios em proletarizao, nascidades, nos campos e na confluncia cidade-campo. A histria das ligascamponesas e dos sindicatos rurais, assim como a histria do movimentoestudantil, dos bancrios e outros, j esboavam essas potencialidades, toevidentes aos olhos do observador de hoje, mais de 30 anos depois.Debruada sobre a radicalizao das lutas no perodo imediatamenteanterior ao golpe de 64, o documento Caminho e Carter da RevoluoBrasileira via no precedente de um movimento de operrios e marinheiros,no Rio de Janeiro, um exemplo ilustrativo, ainda que isolado, dapossibilidade futura de hegemonia do proletariado numa frente constitudapela ampla maioria da sociedade brasileira, pelos trabalhadores da base dapirmide social criada pelo capitalismo. O Programa Socialista para o Brasilno se dirigia apenas classe operria: divisava a organizao das massasem seu sentido mais amplo, atravs da consigna da Frente dosTrabalhadores da Cidade e Campo.

    Fazia-se necessrio, contudo, levar ainda mais longe o combate aoschaves. As concepes mais gerais acerca do movimento comunistamundial apareciam no Brasil demasiadamente presas a um dilema entrefrmulas, das quais a mais forte era, notoriamente, a retrica estalinista ou,talvez, quela altura, neo-estalinista. Havia um modelo de revoluosolidamente implantado pelo PC, transposto da Unio Sovitica. Aalternativa seria um esquema de frmulas antigas trazidas diretamente dodiscurso de Trotski, o que no seria tampouco uma soluo, por mais queparecessem positivas muitas das posies em seu tempo defendidas pelofundador do Exrcito Vermelho. Ademais, naquele contexto j de crise dahegemonia sovitica dentro do comunismo mundial, os dilemas propostospela esquerda majoritria apareciam no Brasil com nuances variadas, jultrapassando os antigos termos da luta interna do Partido Comunista daUnio Sovitica. Da distante China, chegavam as ideias maostas,arrastando com elas todo um conjunto de palavras-acorrentadas, dechaves: libertao nacional, unidade do povo, combate ao EstadoFantoche, etc. Por ltimo, o fascnio da revoluo cubana estimulava, emoutra direo, um idioma centro-americano, o mito do Estado Ttere e deuma luta democrtica tal como sugerida por uma sociedade rural-oligrquica. A POLOP recusou o comunismo alinhado a esses diversosparadigmas mundiais. Influenciada pelo antigo ncleo crtico e independentedos comunistas alemes (Rosa Luxemburgo, Franz Mehring e AugustThalheimer, entre outros), cujo pensamento havia inspirado o iderio daposterior Oposio Comunista Alem (1929), antiestalinista, ousou propor aautonomia criadora de uma elaborao original.

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  • 2. O envelhecimento: necessidades e possibilidadesembaralhadas (miragens dentro das trevas)

    A maturao do Programa Socialista para o Brasil estendeu-se desde aConvocatria para o Congresso de fundao, documento datado de 1960,at o Quarto Congresso da Organizao, em 1967. Um processodramaticamente afetado pelo golpe militar de 1964.

    Mas o golpe forou uma rediscusso generalizada dentro das diversascorrentes organizadas da esquerda no Brasil e, nesse contexto, a POLOP, jento estruturada em rigorosa clandestinidade, firmou-se como alternativaao pensamento oficial. As greves de Contagem e Osasco, em 1968,sugeriam possibilidades imediatas para a realizao da linha estratgicacondensada no recm-aprovado Programa Socialista.

    Mas o AI-5, com o terror militar subsequente, interrompeu o processoemergente de um movimento operrio radical e jogou por terra omovimento estudantil. Grande parte da classe mdia aderiu passivamente nova ordem, ou simplesmente pagou para ver o milagre econmico. Omovimento comunista brasileiro, em suas diversas vertentes, entre elas aPOLOP, mergulhou numa zona de sombra, isolou-se de suas bases sociaispossveis. A dura travessia dos anos 70 seria aberta com as sucessivasondas de prises, que dizimavam em poucos dias os mais variados aparatosclandestinos construdos desde 1964. Vrios dentre os quadros polticosmais experientes precisamente por serem mais vulnerveis ao cercomilitar saram do pas e iniciaram um exlio que se estenderia por quaseuma dcada.

    A POLOP endureceu os mtodos de segurana para se salvaguardar nocerco imposto pela ditadura. Desfalcada pelas quedas, renovando-se comquadros cada vez mais jovens, medida em que as lideranas mais antigasconheciam a priso e a tortura, a sigla mantinha-se em integridade apenasaparente. Por trs da capa da continuidade, a organizao concretamenterefazia-se numa instabilidade ininterrupta. Novas cabeas, que emergiam esaiam de cena como em ondas, tinham que decifrar o dilema vital entre ateoria e a prtica. Pois a elaborao terica e os xitos prticos que tantosensibilizaram o grupo na dcada anterior abriam expectativas bemdefinidas quanto ao que deveria ser feito; mas, por outro lado, as novascondies traziam um dado fundamental imprevisto: os trabalhadores nose manifestavam, fazia-se um pesado silncio no Brasil.

    Imersa naquele mundo, dentro da POLOP se perdeu um elo fundamentalcom a tradio metodolgica que presidira a elaborao do Programa

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  • Socialista para o Brasil. O enigma em que ento se transformara a relaoentre a teoria e a prtica foi resolvido pelo apelo s meras dedues dateoria. Esquecendo-se de que a realidade, mesmo que sob aquela formaespecial de uma inspita paralisia, sugeria suas prprias verdades, aOrganizao operou um giro sobre si prpria e passou a tomar comoreferencial a prpria teoria acumulada nas elaboraes pretritas.Impactada pelo vazio aparente do movimento real, voltou-se para os textos.Paradoxalmente, repetia-se o problema que combatia desde o seusurgimento: as palavras desligaram-se do campo das experincias sociaispara autoalimentar-se em si prprias. Perderam a dimenso da liberdade,tornaram-se os grilhes que iriam aprisionar a Organizao durante longosanos. Assim voltada para dentro de si, todo consenso obtido internamenteseria precrio. O referencial arbitrrio da pura teoria somente poderiasuscitar a ciznia, e esse foi o destino da POLOP durante quase toda adcada de 70.

    O movimento de volta s razes partiu do Grupo no Exlio, onde estavarico Sachs, o Ernesto Martins. Os primeiros documentos de crticalembravam que a codificao das concluses tericas no corpo de umprograma, como foi o caso do Programa Socialista para o Brasil, apenasindicava uma possibilidade para o curso da vida prtica. As meraspossibilidades no podiam validar-se por si mesmas nem ser elevadasautomaticamente ao status de guia para a prtica imediata. O conhecimentodas necessidades, por outro lado, tinha que apoiar-se numa reflexo daprtica social efetiva e no na mera interpretao da teoria. Dessa forma, oGrupo no Exlio voltava aos pontos de partida dos tempos da fundao. Ostextos clssicos do marxismo foram novamente retomados numa outraperspectiva: no como concluses, mas como premissas. Lembrou-se deMarx: no basta que a ideia exija a sua realizao, preciso sobretudo quea realidade aceite a ideia. Lembrou-se de Lnin: no se pode substituir oprimado da prtica pelos conceitos histrico-universais: a verdade concreta. O grupo comeou um lento movimento de recusa s letrasmortas. Mas j era muito tarde para refazer uma organizao nos padrespassados, dadas as novas circunstncias histricas. O ano j era o de 1978.

    A histria dos rachas da POLOP nos anos 70 tornou-se motivo deanedotas em alguns crculos da esquerda. Essa atitude de escrnio seexplica, em parte, por um certo esprito autofgico ento criado, aqui e ali,pelo isolamento da clandestinidade; e, em parte, porque no poucossegmentos da esquerda j ento comeavam a transitar explicitamente parafora do marxismo e precisavam de argumentos fceis para mostrar-sesuperior btise dos marxistas. De uma forma ou de outra, a demolio damemria da militncia no seria uma ao dirigida unicamente contra a

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  • POLOP, mas contra toda a esquerda revolucionria brasileira. Criou-se umaquase unanimidade, esmagadora e hostil, um rolo compressor contrrio atodos os signos de um passado recente, de uma ao poltica organizadaque, em seu devido tempo, parecia herica. Geraes mais generosas,quem sabe, podero fazer a crtica da crtica, decompondo edesmistificando, por sua vez, o sentido geral dessa unanimidadecondenatria que se abriu contra a esquerda revolucionria dos anos 70. Opensamento da contra-militncia poder talvez ser visto, por sua vez, comomera expresso de um rebaixamento das pretenses humanas, simplesreao contra o frreo compromisso com o futuro da humanidade, topresente na militncia revolucionria. E, afinal, onde a reaoanti-militncia v o infantilismo da ao concreta da esquerda revolucionriados anos 70, outros talvez possam ver o errar criador do pensamentocrtico. Os julgamentos no so nem sero jamais definitivos (mas tudoaquilo que foi feito persiste intocvel, em sua irreversibilidade).

    No entanto, voltando POLOP dos anos 70, parece que nem tudo foiconfuso. A organizao teria conseguido, naqueles anos trevosos, pelomenos uma elaborao fecundamente original: as teses de crtica quesustentou frente ao movimento pelas liberdades democrticas.

    No se tratava de mais uma volta aos textos para a reafirmao deprincpios. A organizao argumentava que o movimento pelas liberdadesdemocrticas, tal como desenvolvido na segunda metade dos anos 70,estava limitado ao terreno da ordem constituda, no representava umaplataforma revolucionria de crtica ditadura e, nessa medida, apenasajudava a oposio burguesa a retirar suas castanhas do fogo, livrando-sedos seus tutores fardados, cuja rigidez e cdigo de continncias j eram,ento, indesejados.

    A evoluo social e poltica brasileira, posteriormente, iria dar razo aessa crtica. certo que a dcada seguinte foi marcada pela expanso do PTe da CUT, grandes marcos da histria das lutas sociais; mas essas grandesnovidades nasceram sob a iniciativa das greves de 1978-80, cuja gnese edesenvolvimento estavam desligados do movimento pelas liberdadesdemocrticas. Esse ltimo teve o seu desfecho na luta pelas Diretas-j, ummovimento de ndole utpica que se manteve sempre preso a um certocretinismo parlamentar. Tanto que, quando o Parlamento ultra-reacionrio,longamente manipulado pela ditadura militar, finalmente votou contra asdiretas, em abril de 1984, o movimento pelas liberdades democrticas nopde continuar, foi ao cho, imobilizado pelos seus prprios limiteslegalistas. De certa forma ajudou a Frente Liberal (depois Nova Repblica) aretirar suas castanhas do fogo (de dentro da ditadura). Um segundo round,

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  • avassalador, sepultaria esse movimento alguns anos depois, ao se tornarafinal uma realidade a Assemblia Constituinte (consigna central naplataforma das liberdades democrticas) e cujo eplogo foi a hegemonia doCentro.

    3. A incerta hora da morte

    O movimento de volta s razes no conseguiu salvar o gruporemanescente da POLOP, nos primeiros anos 80. Numericamenteinsignificante, isolado do epicentro das grandes mobilizaes que envolviamo nascimento do PT e da CUT, ainda fragmentado em mini-facesregionais, fez-se uma dissoluo lenta sem um desfecho bem definido notempo.

    Entretanto, enquanto o grupo organizado se desfazia, parecia que o PT,em suas posies iniciais, em seus documentos program- ticos, assumia se bem que de forma contraditria as linhas gerais de uma tese que, jnos idos de 1961, fora defendida isoladamente pela POLOP: a perspectivade independncia dos trabalhadores frente burguesia, a defesa de umapoltica independente contra as diluies populistas e os pactos sociais davelha esquerda reformista antes dominante, a reafirmao (implcita, verdade) de um ncleo duro representado pela classe operria industrial nointerior de um amplo e multiforme movimento de trabalhadores (esboo deuma Frente dos Trabalhadores da Cidade e do Campo?'). Essa realidade era,certamente, contraditria: pois, se parecia verdade que o PT assumia umaperspectiva de independncia dos trabalhadores frente burguesia, apoiadosobretudo no ncleo operrio do ABC paulista, era tambm verdade queesse ncleo agia de forma pragmtica, afastando-se de um posicionamentoideolgico mais definido, recusando discusses mais sistemticas sobre asperspectivas de longo prazo. Nos espaos em aberto mantidos por essaindefinio, passaram a se desenvolver, dentro do novo partido, facespolticas e ideolgicas posicionadas num espectro muito amplo: nofaltando, inclusive, uma forte corrente social-democrata, que via valoresuniversais ali onde a tradio da esquerda revolucionria entendia existirum inconcilivel antagonismo social; tampouco faltando, em dimensonacional e at aqui com grande xito arregimentador, uma tendncia aoacomodamento institucional, presente numa opo preferencial pelasprticas eleitorais.

    A POLOP propugnava, j na sua fundao, em 1961, que a emergnciade um proletariado como classe, em meio a uma ampla frente detrabalhadores, abalaria a correlao de foras secularmente calcada numadominao burguesa-latifundiria incontestada. Em 1964 um possvel

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  • movimento contestatrio de massas foi abortado pela interveno militar.Mas o aprendizado dos trabalhadores prosseguiria sob a superfcie, e iria seimpor s claras em 1978, da decorrendo o indisfarvel desconforto desdeento revelado pelas classes dominantes brasileiras. Os movimentos de1978-80 no representavam, ainda, uma ao de classe bem clara em suaplataforma poltica: a linguagem dominante no movimento tinha, ainda, asambiguidades de um horizonte muito imediato. Mas, embora dentro desseslimites, representavam uma manifestao de ruptura com a tradio devrias dcadas de conciliao de classes. As classes dominantes brasileirassentiram o fato novo e mergulharam numa instabilidade poltica recorrentenos anos posteriores, entremeada por surtos de estabilidade muitoefmeros, fazendo sobressair-se de forma intermitente um impulsobonapartista.

    Os ltimos documentos da POLOP observavam a reao agressiva dasclasses dominantes brasileiras, que assim buscavam avanar sobre ospontos fracos do movimento emergente, visando barrar-lhe novasiniciativas e recuperar o velho status quo. Nesse contexto, o movimento dostrabalhadores colocava-se diante de um desafio ditado pelas foras daordem e, para enfrent-lo, precisaria livrar-se de todas as heranasremanescentes de um passado no qual apenas figurava como massa demanobra. O acerto de contas com o passado, dada a urgente necessidadede preparar-se para os desafios do presente, exigia, pelo menos, adepurao radical da organizao atrelada, que impregnou o sindicalismobrasileiro desde 1930 e durante dcadas funcionou como uma camisa defora imposta pelo Estado.

    De modo que, uma curiosa circunstncia envolve a morte da POLOP: aorganizao desapareceu num momento em que suas teses se mostravamem sintonia com o movimento histrico real. Num momento em que aspossibilidades divisadas nos idos de 1961 e anos seguintes comeavam aacontecer concretamente, ainda que numa forma instvel e imatura.

    Esse paradoxo instiga uma pergunta: se o antigo iderio mostrava-seatual e ainda com potencial transformador, o que teria, afinal, morrido?Morreu a sigla, evidente, acabou o velho grupo, seus ltimos integrantesse dispersaram em diferentes caminhos. Mas, isso talvez no encerre oassunto. Se for certo que as perspectivas polticas abertas nos primeirosanos 60 pela extinta Organizao estavam presentes na hora da sua morte,como tendncia em desenvolvimento no cenrio vivo das lutas sociaisbrasileiras, contendo em si novas possibilidades de desdobramentos para ofuturo, se a tendncia poltica em referncia efetivamente existe, se ela no pura abstrao, pura fantasia, no seria legtimo concluir-se que a sua

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  • Incluso 02/03/2013

    organizao tambm existe, subjacente, mesmo que de modo difuso,informe e sem nome?

    O ponto final dessa existncia agnica, na tormentosa obsesso de verrealizar-se a formao do proletariado como classe e a emancipao dostrabalhadores no Brasil, pode ser, quem sabe, este ponto de interrogao.

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    Uma colaborao do

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