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207 Cantadoras e repentistas do século XIX: a construção de um território feminino Francisca Pereira dos Santos Foi somente na transição entre os séculos XX e XXI, no ano 2000, que uma das mais importantes obras sobre a produção de autoria feminina na literatura brasileira do século XIX, organizada por Zahidé Lupinacci Muzart, veio à tona, e por uma editora de mulheres. Até então, quase nada sabíamos sobre essas mulheres que, apesar de a crítica literária as ter excluído do seu cânone, escreveram e publicaram no seu tempo, a exemplo de Nísia Floresta, Maria Firmina dos Reis, Idelfonsa Laura César, entre tantas outras. Contudo, embora se possa falar da importância desses estudos que resgataram romancistas, contistas, poetisas e dramaturgas, mesmo ao revés do cânone literário, ainda existe uma enorme lacuna de estudos sobre autoria feminina no Brasil que recuperem novas autorias, a exemplo das mulheres cantadoras e repentistas. Essas autoras que produzem no campo de uma poética das vozes por terem sido sistematicamente excluídas do discurso historiográco, até hoje ainda não se sabe, exatamente, em que disciplina enquadrá-las, se na música ou na literatura. Tanto em um caso como no outro, quando a cantoria nos é apresentada, ela vem sempre enquadrada como parte de uma cultura que é popular ou folclórica, focada na produção de autoria masculina. A constatação dessa ausência feminina na historiograa brasileira sobre as cantadoras e repentistas nos permite perceber o quanto essas autoras foram duplamente excluídas, seja dos cânones eruditos, seja dos próprios estudos sobre cantoria e repente. O preconceito e o esquecimento que essas violeiras sofreram, notadamente por serem ágrafas, muitas delas negras, agricultoras, domésticas, camponesas, habitantes dos sertões, caatingas, brejos e tabuleiros dos estados nordestinos, foram muito mais contundentes e arraigados do que os sofridos pelas autoras letradas e brancas da literatura brasileira. Especicamente só foram citadas – e vagamente – através de uma outra literatura, também excluída e diminuída nas ciências humanas, chamada “paraliteratura” e/ou “folclore”. Foram os folcloristas, a exemplo de Leonardo Mota e Rodrigues de Carvalho, que timidamente as mencionaram em suas obras, documentando nas páginas dos seus livros do início do século XX o nome de algumas daquelas que cantaram. Mesmo registradas por esses

Francisca dos Santos

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Cordel autoria feminina Cantoria.

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    Cantadoras e repentistas do sculo XIX: a

    construo de um territrio femininoFrancisca Pereira dos Santos

    Foi somente na transio entre os sculos XX e XXI, no ano 2000, que uma das mais importantes obras sobre a produo de autoria feminina na literatura brasileira do sculo XIX, organizada por Zahid Lupinacci Muzart, veio tona, e por uma editora de mulheres. At ento, quase nada sabamos sobre essas mulheres que, apesar de a crtica literria as ter excludo do seu cnone, escreveram e publicaram no seu tempo, a exemplo de Nsia Floresta, Maria Firmina dos Reis, Idelfonsa Laura Csar, entre tantas outras. Contudo, embora se possa falar da importncia desses estudos que resgataram romancistas, contistas, poetisas e dramaturgas, mesmo ao revs do cnone literrio, ainda existe uma enorme lacuna de estudos sobre autoria feminina no Brasil que recuperem novas autorias, a exemplo das mulheres cantadoras e repentistas. Essas autoras que produzem no campo de uma potica das vozes por terem sido sistematicamente excludas do discurso historiogrfi co, at hoje ainda no se sabe, exatamente, em que disciplina enquadr-las, se na msica ou na literatura. Tanto em um caso como no outro, quando a cantoria nos apresentada, ela vem sempre enquadrada como parte de uma cultura que popular ou folclrica, focada na produo de autoria masculina.

    A constatao dessa ausncia feminina na historiografi a brasileira sobre as cantadoras e repentistas nos permite perceber o quanto essas autoras foram duplamente excludas, seja dos cnones eruditos, seja dos prprios estudos sobre cantoria e repente. O preconceito e o esquecimento que essas violeiras sofreram, notadamente por serem grafas, muitas delas negras, agricultoras, domsticas, camponesas, habitantes dos sertes, caatingas, brejos e tabuleiros dos estados nordestinos, foram muito mais contundentes e arraigados do que os sofridos pelas autoras letradas e brancas da literatura brasileira. Especifi camente s foram citadas e vagamente atravs de uma outra literatura, tambm excluda e diminuda nas cincias humanas, chamada paraliteratura e/ou folclore.

    Foram os folcloristas, a exemplo de Leonardo Mota e Rodrigues de Carvalho, que timidamente as mencionaram em suas obras, documentando nas pginas dos seus livros do incio do sculo XX o nome de algumas daquelas que cantaram. Mesmo registradas por esses

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    estudiosos, sendo algumas at tratadas como grandes cantadoras, elas fi guram nesse discurso apenas como curiosas ou bizarras personagens, no sendo reconhecidas enquanto produtoras e transmissoras de sua cultura. Contudo, para que possamos efetuar o resgate dessas mulheres para a histria cultural brasileira, uma das principais fontes de pesquisa so os estudos folclricos, que as apresentam atravs de uma literatura do testemunho, uma noo que, segundo a pesquisadora Lemaire (2002, p. 92), implica a presena de uma terceira pessoa a testemunha, que est presente como terceiro (quer dizer, vindo de fora), para testemunhar para trazer a verdade, ou a prova da verdade. So as testemunhas oculares e auriculares que ouviram, viram, repetiram e transmitiram em seus versos informaes sobre as produes poticas e performances dessas mulheres. Embora se trate de uma citao da citao da citao, j mediatizadas pelo ouvido, olhar e boca desses terceiros, as testemunhas evidenciam a existncia de um territrio no qual se pode constatar que elas cantaram.

    Essas vozes femininas descobertas e/ou achadas em lugares caracterizados como exclusivamente de homem ecoam e aparecem na historiografi a de variadas maneiras, seja atravs do imaginrio dos poetas onde elas aparecem como protagonistas nas pelejas criadas por cordelistas , seja atravs das representaes das imagens dessas mulheres encontradas nas capas de folhetos de duelo e lbuns de gravuras. Nesse sentido, a constatao de que existiram diversas mulheres cantando e duelando no contexto da cantoria e do repente nordestino obriga a rever tanto um discurso construdo que negou essas mulheres de serem representadas na cultura brasileira como aquele que as impediu de constar na historiografi a como narradoras e construtoras do campo da cantoria. Deixadas de fora da histria, as mulheres repentistas e cantadoras, assim como as escritoras romancistas do sculo XIX, conforme nos diz Rita Terezinha Schmidt (2001), tambm foram excludas de comporem a memria social e cultural da nao.

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX na memria das

    testemunhas auriculares

    Mesmo que a realidade estivesse baseada em obstculos sociais para a mulher a exemplo do patriarcalismo que tentou de todas as maneiras impedir o desenvolvimento feminino nos espaos pblicos , algumas mulheres que viveram no serto, zona da mata, caatingas, tabuleiros e agreste do Nordeste desafi aram essas regras e cantaram. Podemos

    Francisca Pereira dos Santos

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    comprovar esse fato observando as palavras ditas (e as no ditas) de alguns folcloristas, a exemplo de Rodrigues de Carvalho, que ressaltou que igualmente diversas mulheres com reconhecido estro (Carvalho, 1967, p. 339) produziram e estiveram participando do campo da cantoria no sculo XIX. Entre aquelas mulheres reveladas pelo testemunho, en-contra-se a clebre cantadora Zefi nha do Chamboco, uma repentista cearense do fi nal do sculo XIX, citada pelo cego Sinfrnio, da forma como registrada pelo folclorista que publicou no incio do sculo XX, Leonardo Mota:

    Era baixa, grossa e alva,Bonita at de feio;Cheia de lao de fi ta,Trancelim, col, cordo:Nos dedo da mo direitaNo sei quantos anelo

    (cego Sinfrnio, apud Mota, 2002b, p. 15)

    o poeta cego Sinfrnio quem repassa por meio de seu testemunho o duelo que teria ocorrido entre Zefi nha, mais conhecida pelo epteto do lugar, Chamboco, e o cantador Jernimo do Junqueira. Esses versos, que Leonardo Mota diz ser uma das muitas cantigas que ouvi do cego Sinfrnio (Mota, 2002a, p. 14), relatam um importante encontro de uma mulher repentista com um poeta cantador, apesar de Almeida e Sobrinho (1978) ressaltarem, em seu Diocionrio bio-bibliogrfi co de repentistas e poetas de bancada, tratar-se apenas de uma narrativa fi ccional, repassada pelos cegos nas feiras.

    Para esse caso citado pelo cego Sinfrnio, mesmo que a peleja no tenha de fato acontecido, conforme negam alguns estudiosos do tema, ela revela um imaginrio comum, indicativo da existncia de uma produo de autoria de mulheres. A presente indicao fi ccional de um evento/duelo ocorrido entre um homem e uma mulher, sinaliza uma presena/participao, que afi rma, positivamente, um territrio existente. Esse imaginrio que aparece nas pelejas fi ccionais divulgadas pelos folhetos que apresentam mulheres repentistas duelando com cantadores homens, e tambm com outras mulheres, soma-se s imagens talhadas nas capas de cordis em que h suas performances, a exemplo das que seguem:

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

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    Capas de cordis que apresentam peleja com mulheres (fonte: Fonds Cantel)

    Escuta-se atravs do imaginrio e testemunho dos poetas o cantarolar de diversas mulheres cantadoras que compuseram o mundo e o uni-verso dos que cantaram. Escutam-se suas vozes na historiografi a por meio desses ecos que documentam pequenos trechos de seus versos, registrados a partir das lembranas dos que cantaram com essas mulheres, a exemplo de Zefi nha. A peleja declamada pelo cego Sinfrnio um desafi o que ressalta o testemunho , foi ganho pelo poeta Jernimo do Junqueira, em razo de Zefi nha no ter respondido pergunta: Qual foi a folha do mundo/Que Deus deixou sem berada?

    Quando estralou a notiaQue o fama t na ribraEra tanto do cantQue enchia o quadro da fra:Acudiu Antno de SaleMais o Jerome Morra;Acudiu Antno Pendena,Santiago de Olivra;Acudiu o VirgulinoE o Romano do Teixra;

    Herculano de Messia,Cego Vicente Barrra,E o Fausto Correia LimaDas Lavra da Mangabra.Nenhum desses me passouO p adiante da mo;S achei duas mulhre;Tinha a pintura do co;Naninha Gorda dos Brejo,Zefi nha do Chamboco

    Francisca Pereira dos Santos

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    Eu tava numa funoNa fazenda CacimbinhaQuando vejo um positivoPedindo notia minha,Dando um recado atrevido,Que me mandou a Zefi nha.

    Nesse tempo eu era limpo,Metido um tanto a pimpo,Vesti-me todo de preto,Calcei um par de calo,

    Botei chapu na cabeaE um chapu de sol na mo;Calcei os meus bruziguim,Ajeitei meu corrento,Nos dedo da mo direitaLevava seis anelo,Trs meu e trs emprestado:Ia nestas condio...

    Quando eu cheguei no terreiroUm moo vi me fal:Cidado, se desapeie,Venha logo se abanc,Faz fav de entr pra dentro,Tome um copo de alu.

    Me assentei perante o povo,(Parecia uma sesso)Quando me saiu Zefi nhaCom grande preparao:Era baixa, grossa e alva,Bonita at de feio;Cheia de lao de fi ta,Trancelim, col, cordo:Nos dedo da mo direitaNo sei quantos anelo...Vinha to perfeitazinha,Bonitinha como o co!Para confeito da obraUma viola na mo

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    A, chamamo pra janta,Eu fui pra comparec:Levava o bocado bocaMas no podia descMaginando na vergonhaQue eu havra de sofr,Andando na terra alia,E uma mui me venc...

    Quando me saiu Zefi nhaCorreu a vista e falou: Vo logo me ispilicandoQuem o tal cantad!

    A, virei-me pra elaE disse, um tanto vexado: Senhora dona Zefi nha,Se eu no estou enganado,T conversando com ele:Sou eu seu servo e criado! Jerome, se tu subesseEm que precipio vinha...Tu nunca viste falNa fama da tal Zefi nha?!...

    Senhora Dona Zefi nha,Eu no lhe vim faz guerra!Vim, mas foi acrescentO praz na sua terra...

    Mas porm eu, seu Jerome,No quero acomodao...Lhe peo, at por bondade,Que no tenha compaixo!H muito, tenho notiaQue o sinh valento, uma tirana-boiaUm besouro de ferro,Uma ona comedeira,Um horroroso leo...Eu hoje quero mostr-leQue mato sem preciso:

    Francisca Pereira dos Santos

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    Deixo-lhe o corpo furado,S renda de papelo...

    Senhora Dona Zefi nha,No precisa disso, no...Vamo cant irmanado,Que o mi se t mo...No sou cant afamado,Isso titos que me do...

    Mal empregado eu morrE no fi c pra semente!Vamo v l, seu Jerome,Bote seu sermo pra dienteQue j t chegando a horaDe eu fi c co coro quente...

    como quis, Zefi nha,O meu sermo vai pra diente:Tambm gosto de cantCom quem pensa que valente!...

    Me responda, seu JeromeAonde sois morad,Em que provina nasceu,Que Matriz se batizou,Cumo se chama seu pai,Me e madrinha e av.

    Senhora Dona Zefi nha,Eu dou conta do recado:Na provina CearEu fui nascido e criado;Na Matriz do livramento onde eu fui batizado;O nome de meus antigoNo digo, no sou lembradoMas eu me chamo Jerome,O outro nome Andrade,O terceiro Macaba,Pedra-lispe envenenado...

    Ela a me arrespondeu

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

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    Largando de rijo a taca: Jerome, tu ts doente,Toma purga de jalapa,Quebra o ovo e bebe a gemaQue tu dessa no escapa...

    Senhora Dona Zefi nha,Eu sou moleque teimoso,Sou pobre, dou-me a respeito,Sou preto, porm mimoso...Vou lhe d um enxaropeDe nove pau amargoso:Parreira com manac,Gordio com fedegoso,

    Milome com cabacinha,Melo-caetano verdoso,Pereiro com quina-quina,So nove pau rigoroso...Tudo isso bom remdioPra quem sofre de nervoso...

    Jerome, eu t conhecendoQue voc sabe cant...Voc sabe e eu tambm sei:Temo ns que desbulh,Temo ns que pic fumo,Daqui pra barra quebr.

    Desgraada da cantoraQue eu lhe ganh na batida...Se eu no peg no descanso,Pego sempre na drumida;Boto lao nas vereda,Boto tingui na bebida;Voc me paga o que deveOu um de ns perde a vida!

    Eu canto no mansido;Mas quando eu mudo o rotro,Toco touro marru,Dou em galo campinro,

    Francisca Pereira dos Santos

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    Aoito peru de roda,Quando chega em meu terrro.

    Zefi nha, quando eu me assanho,Sou gado do Pii...Sou estreito como ganga,Estiro: Sou sarnambim...Cheiro mais do que extrato,Fedo mais do que tipi,Queimo que nem cansano,Travo mais do que oiti,Amargo mais do que fel,Mato mais do que tingui...

    Vou faz-le uma perguntaPro senh me resposta:Como que a moa fogeSem ela quer cas?

    Senhora Dona Zefi nha,Eu posso lhe ispilic: o home que se casaPra depois enviuv:A mui deixou dois fi o,Ele torna a se cas;A madrasta de judiaBate o ao a judia;Um dia, vo a um passeio,Entrte o dia por l;Os menino fi ca em casaLogo pega a convers:Maninha, ns temo vQue podia nos cri,Pra bot ns numa escola,Pra nos mand ensin;Vive-se aqui nesta casaMorrendo s de apanh,Dormindo s pelo cho,Sem t onde se deit...A moa pensou naquilo,Foi pra dentro se arrum,

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

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    Foi-se embora mais o mano:Fugiu sem quer cas...

    isso mesmo, Jerome,O sinh sabe cant:Qual foi o bruto no mundoQue aprendeu a fal,Morreu chamando JesusMas no pode se salv?!...

    Isso nunca foi perguntaPra ningum me pergunt:Foi um papagaio dum veioQue ele ensinou a fal:Morreu chamando JesusMas no pode se salv...

    Pois eu agora, Jerome,Numa pergunta lhe enterro:Quero que voc me digaO que mais duro que ferro.

    Zefi nha, tua pergunta besta j por demais:O que mais duro que ferroE nenhum ferreiro faz a palavra do home,Inda que seja um rapaz:Trinca o ferro e se arrebenta,O home no volta atrs!

    Jerome, tu pra cantFizesses pauta co co...Qual o passo que temNos alto do teu serto,Que dana s enroladoE solto no dana no,Dana uma dana fi rmadaCum p sentado no cho?

    Zefi nha, eu lhe digo o passoQue tem l no meu serto,Que dana s enrolado

    Francisca Pereira dos Santos

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    E solto no dana no,Dana uma dana fi rmada,Cum p sentado no cho: folguedo de menino, carrapeta ou pinho...

    Se voc cantad,Se voc sabe cant,Me responda num repenteSe pedra sabe fulorar.

    Se pedra fulorarEu lhe digo num repente:Ao despois de Deus quer,Fulra e bota semente.

    A eu fui me enjoandoDessas pergunta abestadaE disse: Dona Zefi nha,As sua to interada,Agora eu v faz uma,Quero ela respostada:Qual foi a fia no mundoQue Deus deixou sem berada:

    Jerome, deixe de coisa...No duvido de ningum,Mas fia sem ter beradaEu juro como no tem.

    Senhora Dona Zefi nha,A dona no canta bem...Pergunte a quem adivinhaQue eu no pergunto a ningum,Veja a fia da cebola:Nenhuma berada tem!1 (Mota, 2002a, p.14-8).

    Essa peleja entre Jernimo de Junqueira e Zefi nha do Chamboco, da qual aqui no se pode mutil-la, cortando-lhe partes, exatamente por ter poucas citaes dessa natureza na historiografi a, demonstra a participao da mulher em duelos e apresenta alguns detalhes importantes.

    1 Alguns textos dessa peleja foram citados por Almeida e Sobrinho (1978, p. 112), e por Cascudo (2000, p. 213 e 342).

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    O cantador, ao se apresentar, coloca-se, de imediato, como o fama, aquele pelo qual se deve ter muito respeito devido sua experincia potica. Ele reala essa trajetria ao citar os duelos que teria tido com cantadores famosos, de Antono de Sale a Fausto Correia Lima. Na leitura dos versos, ressalta-se aos olhos do leitor que, desses poetas todos homens , nenhum havia passado o p adiante da mo, a exemplo do que ocorria em relao s mulheres cantadoras que ele teria encontrado, como Naninha Gorda dos Brejos2 e Zefi nha do Chamboco. O mesmo sentimento de desconforto por que passa Jernimo do Junqueira ao cantar com Zefi nha do Chamboco verifi cado tambm em outros folhetos, a exemplo da Discusso de Leandro Gomes com a velha de Sergipe, tido como do editor Joo Martins de Athayde. Os versos do poeta dizem: nunca achei poeta que me fi zesse embarao, como o caso da poetisa mulher, citada como uma velha, cantadora sergipana que quase (lhe) quebra o cachao.

    Eu ainda estava orelhudo,Com esses versos que fao,Porque nunca achei poeta,Que me fi zesse embarao,Porm uma velha agora,Quase me quebra o cachao.A velha fez-me subirOnde nem urubu vae,Andei numa dependura,J estava ce ou no ce,Ainda chamei tio gato,Tratei cachorro por pai.(Joo Martins de Athayde, Discusso de Leando Gomes com a velha de Sergipe, s.d.)

    Capa do folheto Discusso de Leandro Gomes com a velha de Sergipe (fonte: Fonds Cantel)

    2 Naninha Gorda dos Brejos citada como cantadora na historiografi a apenas nesses versos recitados pelo cego Sinfrnio. No h outras referncias a ela.

    Francisca Pereira dos Santos

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    Em geral, os cantadores apresentam, tanto em seus depoimentos como em seus poemas, as mulheres repentistas em duelo com homens, como aquelas que deixam o poeta em uma situao delicada. Entre os fatores pelos quais elas so constantemente temidas para esses duelos est a sua vinculao a algo pertencente ao universo diablico e s artimanhas do diabo (Cf. Mello, 1999).

    Quando a velha se calou,Que deu-se fi m contenda,Eu disse: S no inferno,Se achar desta fazenda,Foi o diabo sem dvidaQuem mandou-se est encomenda. (Discusso de Leandro Gomes com a velha de Sergipe)

    S achei duas mulhre;Tinha a pintura do co;Naninha Gorda dos Brejo,Zefi nha do Chamboco.(Peleja de Jernimo do Junqueira com Zefi nha do Chamboco)

    As poetisas as duas mulhre , que o poeta Jernimo do Junqueira diz ter encontrado, Naninha Gorda do Brejos e Zefi nha do Chamboco, so apresentadas como tendo a pintura do co e, em outro verso, bonitinha como o co, enquanto a velha de Sergipe aparece no folheto, tido como de Joo Martins de Athayde, como marmota, um termo tambm usual para co:

    Eu quando vi a marmotaAlta, seca e carrancuda(Discusso de Leandro Gomes com a velha de Sergipe)

    Bonitinha como o co!Para confeito da obraUma viola na mo.(Peleja de Jernimo do Junqueira com Zefi nha do Chamboco)

    Faz parte de um imaginrio comum entre os poetas ter medo de cantar com as cantadoras. O que ali est em jogo so os valores morais da sociedade patriarcal. Perder de mulher quase como se igualar a elas, o que implica em mexer no cdigo de honra masculino; incide na sua virilidade3. Torna-se uma vergonha para o poeta homem perder para

    3 Como afi rma Joseilda Diniz, esse medo que sente o artista que desafi a o outro, correndo o

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    uma mulher considerada o sexo frgil , em um duelo de repente. Por isso, como dizem os versos abaixo, precisa ter coragem para com elas cantar:

    A, chamamo pra janta,Eu fui pra comparec:Levava o bocado bocaMas no podia descMaginando na vergonhaQue eu havra de sofr,Andando na terra alia,E uma mui me venc... (Cantoria de Jernimo do Junqueira com Zefi nha do Chambocao).

    Observemos nessa peleja fi ccional os argumentos que so utilizados pelo poeta Jos Gustavo para evitar um duelo com a cantadora Maria Roxinha da Bahia:

    O doutor sorriu e disse:Ests vendo aquela donsela (sic)Improvisando ela temUma vocao to belaQue todos ns desejamosQue voc cante com ela.

    Disse eu: doutor, a mulherNos vence com sua imagemE mesmo cantar com moaPrecisa muita coragemQue se apanhar faz vergonhaE se der no faz vantagem(Jos Gustavo, Peleja de Jos Gustavo com Maria Roxinha da Bahia, s.d.)

    Se apanhar faz vergonha e se der no tem vantagem: esse um dos mais conhecidos motes ditado pelos cantadores quando se referem a uma peleja cantada com mulheres, sobre a qual o poeta baiano Bule-Bule faz a seguinte ressalva:

    O machismo impera muito e para a mulher vencer na cantoria no

    risco de prejudicar a sua reputao, escolhendo um adversrio mais forte do que ele, fi ca subjacente tambm, de uma forma bastante reveladora, com relao s mulheres. Jos Alves Sobrinho mantinha, com as mulheres cantadoras e improvisadoras na cantoria, uma espcie de tabu/preconceito (Diniz, 2000, p. 26).

    Francisca Pereira dos Santos

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    precisava de muita fora, porque tem sempre a torcida organizada, o machismo num tem muita fora perante a beleza feminina no a beleza feminina realmente o cadeado que prende o cadeado a chave que destranca a mensagem da mulher tem um cantador experiente de nome Joo Soares Correia Filho, ele de Limoeiro em Pernambuco, mas mora em Santa Brgida, na Bahia ele diz: Bule-Bule, quem quiser perder palma que cante com cego, com menino e com mulher. Ento quem tem conscincia sabe que o machismo sempre enfrenta, mas sempre perde. (Bule-bule, entrevista concedida em janeiro de 2007)

    Seja pela vergonha que perder para uma mulher em duelo de repente, rebaixando a autoestima do poeta em sua performance masculina, seja pela ideia comumente disseminada nos folhetos fi ccionais de que a mulher tem as mesmas artimanhas do diabo, ou mesmo pelo fato de a recepo ter uma maior simpatia pelas cantadoras e at de no cantarem bem4, tudo isso impe uma outra percepo no modo de concluir sobre a pouca presena de mulheres cantando com homens. No se trata simplesmente de declarar que as mulheres inexistiram enquanto cantadoras, como simplifi cadamente disseminaram alguns discursos que culminaram na resposta do porqu de os repentistas no duelarem com mulheres. Essa ausncia verifi cada de mulheres cantando com homens implica, tambm, uma conduta tica dos cantadores homens, que veem nelas um desafi o maior, o que no , contudo, uma generalizao, pois teve-se e tem-se muitos poetas que cantam com poetisas.

    A constante justifi cativa apresentada pela historiografi a, que apresenta (pela negativa e pelo silncio) a inexistncia de uma autoria feminina na cantoria, similar no campo do folheto de cordel. Luyten afi rma: se os autores, por uma razo ou por outra, no conseguiram citar uma s autora, uma s trovadora, que realmente o sexo fraco no se interessa pelo cancioneiro nordestino (Luyten, 2003, p. 146). Esse um tipo de citao que demonstra particularmente a postura de alguns pesquisadores no trato com a questo feminina. No somente nega a presena de uma produo potica de mulheres, como transfere para elas a responsabilidade de no haver, na historiografi a, referncias sobre suas poesias. Essa citao tanto desconheceu a existncia de uma srie de mu-

    4 Joo Miguel Manzolillo Sautechuk (2009), em sua tese A potica do improviso: prtica e habilidade no repente nordestino, declara: muitos cantadores e apologistas alegam que as mulheres no so boas o sufi ciente na criao potica e que so desentoadas e possuem voz ruime muito aguda (p. 175).

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

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    lheres cantadoras e trovadoras entre as quais Maria do Riacho, citada pelo prprio pesquisador , como tambm expressa uma precipitada e preconceituosa avaliao sobre o que ele chama de sexo fraco.

    A negra Chica Barrosa: presena do negro na cantoria

    Para esclarecer a utilizao do terno negra acima, que a forma como Rodrigues de Carvalho apresentou a cantadora repentista Chica Barrosa, na dcada de 1920, cito uma passagem de Giddens sobre o uso da palavra, que para esse tempo no qual foi anunciada no tinha a mesma conotao que eu destaco neste tpico:

    a palavra negro era um rtulo pejorativo atribudo por brancos. Foi somente na dcada de 1960 que os norte-americanos e os britnicos de origem africana reclamaram o termo e aplicaram-no a si mesmos de modo positivo. A palavra negro tornou-se uma fonte de orgulho e de identidade, em vez de um estigma racial. (Giddens, 2005, p. 207)

    Apesar de no haver pesquisas sobre a presena de uma autoria negra na cantoria e no folheto as existentes esto direcionadas a estudos sobre representao , a contribuio da cultura africana na criao, produo e transmisso de muitos dos gneros poticos da voz, no Brasil, inegvel, em especial na cantoria e no repente de viola. Os cantadores negros podem ter sido uma maioria. Um dos exemplos mais notveis a negra Chica Barrosa.

    Francisca Maria da Conceio, uma mulher nordestina, negra, grafa e repentista, est entre as principais cantadoras paraibanas de que se tm conhecimento na histria e que transitou entre o sculo XIX e incio do XX. Leonardo Mota, um dos principais pesquisadores que anotou, por meio de testemunhas auriculares, a presena de algumas mulheres cantadoras, destaca Chica Barrosa, que teria, segundo o testemunho do poeta Azulo, cantado com o cantador cearense Neco Martins:

    A Barrosa se zangandoLhe d uma grande pisa,Daquelas de engross couro...Veja l que ela lhe avisa!

    Inda que o diabo lhe atente,Nem assim isso acontece;Porque de peia no lomboEu nunca achei quem me desse,

    Francisca Pereira dos Santos

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    No me ameace de peiaQue me faz fi c danada;Eu no sou sua cativaNem tambm sua criada;Se continu assimV nega desaforada...

    Voc pode se danE fi car desaforada!Porm se cant comigoCom cantiga arrebatada,Tem sorte de tartaruga:Morre na beira virada!

    Neco, voc no se esqueaDe que eu sou nega atrevidaEu, no dia em que me estvo,S canto a toda bridaMeus olhos se acucurutam,Fica a venta retorcida;Cantado macho bobage,No pode com minha vida.

    Barrosa tu no te exalta,Tu deixa dessa imprudena,Viegie que a mi virtude calma com paciena!Acho que hoje eu fao aquiO que di-me a conscina

    No preciso de conseioPorque j no sou menina;Fao tudo quanto quero,Isso desde pequeninaEu nas minhas brincadeiraSempre fui nega traquina!

    J perdi a pacina!E Neco, quando se assanha, serpente venenosa, ferroada de aranha,Entra na maa do peito,

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

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    Vai bat l nas entranhaEu respeitei o oditrio,A gente de cerimonha,Mas infeliz da pessoaQue no sabe o que vergonha!Por isso, nega, eu agoraDou-te uma pisa medonha

    Pisa medonha dou eu,Do cabelo se arranc,De fof couro do lombo,Do pescoo ao calcanh...Minha pisa venenosaQue no se pode cur...Cada tacada que eu douVejo pedao avo...

    Barrosa, em carnifi cinaCoisa pi eu te lao:Corto-te os ps pelas juntaSem encontr embarao;Corto as junta nos joio,Separo cada pedao;Corto na junta das coxa,Desligo o espinhao;Corto as mo pelas munheca,Para o pescoo me passo;Tiro a cabea do corpo,Retaio todo o cachao;Bato com tudo no choAt fi c em bagao!...(Barrosa, Chica e Martins, Neco apud Mota, 2002a, p. 51-3).

    Citada como a negra Chica Barroza por Rodrigues de Carvalho, a poetisa apresentada como uma mulher alta, robusta, mulata simptica, bebia e jogava como qualquer bomio, e tinha voz regular (1967, p. 341-2). Pela caracterizao, trata-se de uma mulher que, apesar de estar dentro de um contexto em que o sistema e as instituies via as mulheres como indivduos submissos e inferiores (Priore, 2000, p. 9), dependentes dos homens, a imagem dela traada relaciona-se ao perfi l do cantador do sculo XIX, devotado a uma vida de prazeres e folgares, conforme Rodrigues de Carvalho (1967, p. 336).

    Francisca Pereira dos Santos

  • 225

    Nos versos j citados, a cantadora negra Chica Barrosa rebate em sua peleja os argumentos falsos de uma sociedade que se disse harmoniosamente sincrtica no encontro das trs raas branca, negra e ndigena. Ela no teme seu opositor racista, tenta diminu-la por ser de cor. Ao revs, a cantadora usa habilmente sua condio tnica para argumentar em sua defesa: eu no sou sua cativa, nem tambm sua criada, se continuar assim, v nega desaforada. E como nega que ela se reconhece, apesar do que disse Orgenes Lessa: ai de quem tivesse calcanhar de Aquiles num daqueles torneios. [...] Ai do poeta capenga, cego ou negro, se quem luta com ele no , ou no se julga, cego, negro ou capenga (Lessa, 1982, p. 8).

    Duas questes importantes se verifi cam no registro da existncia da referida cantadora em peleja com os poetas homens: em primeiro lugar, a de que, mesmo sendo mulher e negra, os cantadores, embora tendo preconceito de cor e medo de cantar com mulher, tiveram de aceit-la pela sua capacidade no repente e, em segundo lugar, de que, na realidade, a discriminao existiu muito mais por parte da historiografi a da cantoria, que excluiu a autoria feminina e negra de suas pginas, do que dos prprios cantadores.

    No Dicionrio bio-bliogrfi co de repentistas e poetas de bancada, Almeida e Sobrinho apresentam outro importante e raro fragmento de peleja entre essa poetisa e o cantador que tambm negro Manoel Preto Limo.

    Me chamo Preto LimoO cantador de Belm...Sou dono de BandeirasDe Guariba tambm!Estando numa malhada,Vaca de fora no vem!

    E eu sou Francisca BarrosaVaca das pontas serradas...No costume de tirarTouro velho de malhadaEstes pretos carreteirosNo me aguenta marretada(Barrosa, Chica e Limo, Manoel Preto apud Almeida e Sobrinho, 1978, p. 165).

    Desse encontro, a pesquisadora Idelette Muzart-Fonseca dos Santos ressalta:

    O encontro de Manoel Preto Limo com Francisca Barrosa, ou Chica

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 226

    Barrosa, sua conterrnea, poderia ser exemplar de um confronto entre os recusados das cantorias, os negros e as mulheres, que foram sempre uma pequena minoria nesse universo, muito empenhados em provar seu talento. (Santos, 2006, p. 103)

    Segundo a citao acima, que ressalta a presena dos recusados da cantoria, os negros e as mulheres, a concluso parece ser muito precipitada de que eles foram sempre pequena minoria nesse universo. preciso um estudo mais aprofundado sobre a presena de uma autoria negra na cantoria e no cordel, pois cada vez mais que se descortina o discurso da historiografi a tanto mulheres como, sobretudo, os negros aparecem como autores, principalmente na passagem do sculo XIX para o XX.

    Embora os cantadores brancos tenham cantado com os cantadores negros at porque eram negros os considerados maiores na tradio dos que cantaram , algumas pelejas apresentam-se, contudo, extremamente preconceituosos e racistas. Romano da Me dAgua, em folheto de Leandro Gomes de Barros, deu a seguinte resposta ao negro Incio da Catingueira, na clebre cantoria entre os dois:

    Negro, cante com mais jeitoVeja sua qualidade,Eu sou branco e sou um vultoPerante a sociedade.Em vir cantar com vocBaixo de dignidade(Romano de Me Dgua e Incio da Catingueira, apud Leandro Gomes de Barros, s.d.)

    Contudo, os cantadores negros sempre se defenderam do racismo dos seus oponentes brancos. Chica Barrosa cantou sua cor assumidamente: eu sou nega, usando adjetivos que realam bem a sua personalidade e, que ela diz ser atrevida e traquina. Esses argumentos a colocam, talvez, como uma das primeiras mulheres negras da histria do Brasil a exaltar a cor negra, revelando uma mulher que no se deixou abalar por seus oponentes, sobretudo quando o oponente, homem branco, procura na contenda rebaix-la pelo uso de argumentos racistas: por isso, nega, eu agora, dou-te uma pisa medonha (apud Mota, 2002a, p. 53).

    Para ilustrar essa mulher cantadora, descrevo aqui mais uma importante citao que a destaca como uma das maiores do seu tempo, em uma peleja, tida como um dos maiores desafi os que a histria folclrica registra (Batista e Linhares, 1982, p. 94), entre a Chica Barrosa e Neco Martins, relatada no livro Antologia ilustrada dos cantadores, de Otaclio

    Francisca Pereira dos Santos

  • 227

    Batista e Francisco Linhares, do qual, pela sua importncia, fao a opo de citar todo o trecho a ela referente:

    Segundo depoimentos do ilustre conterrneo e intelectual de saudosa memria, dr. Adolfo Barbosa Pinheiro, e ratifi cado pelo sr. Joo de Paula Gomes, coletor de So Gonalo do Amarante, Cear, e pela senhora Francisca Eullia de Sousa Morais, era Manuel Martins de Oliveira (Neco Martins) rico fazendeiro, poltico e cantadador, residente em So Gonalo do Amarante. Neco Martins, segundo essas testemunhas, jamais recebeu qualquer pagamento por suas cantorias. Alm de entregar, ao companheiro, todo o dinheiro da contribuio dada pelos ouvintes, ainda completava com o de seu bolso, caso a arrecadao fosse pequena. Neco que, aproximadamente pelo ano de 1910, foi o genial repentista desafi ado pela famosa negra cantadeira paraibana Francisca Maria da Conceio, conhecida por Chica Barrosa, para no dar a conhecer o fato sua esposa, dona Filomena, que se opunha a esse tipo de atividade, escolheu como local do duelo sua fazenda Suip, distante duas lguas de So Gonalo. Disse a esposa que nessa fazenda iria vender umas vacas paridas a um amigo de Fortaleza. Na qualidade de homem branco e membro de uma das melhores famlias do Cear, Neco disse, em menoscabo a sua rival:

    Eu agora, estou ciente,Que nego no cristo:Pois a alma dessa genteSaiu debaixo do cho,E l na manso celeste,No entra quem ladro!

    Inspirada na humilhao sofrida, Barrosa rebateu-o com brandura, neste quadro cheio do mais puro humanismo, dando ensejo a rplicas notveis que, conservadas na memria de pessoas amantes do belo, contriburam para a formao de um dos maiores desafi os que a histria folclrica registra:

    Mais seu Neco, a diferenaEntre ns, s na c,Eu, tambm, fui batizadaS cristo como o senh!De lanar mo no aleiNunca ningum me acus!De ir o preto para o cu,Seja o branco sabed,

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 228

    E, l na Manso Celeste,Se quiser Nosso Senh;Vai o branco pra cozinhaE o preto para o and!

    N. De onde veio esta negraCom fama de cantador?Querendo ser respeitadaComo se fosse um senhor!Pois negro na minha Terra,S come chiqueirador!

    B. Mais seu Neco, me permitaDizer o que foi notado:Que num beco sem sadaQuando eu deixo encorrentado:Vem o branco, contra mim,Faanhudo e to irado, Tome agora, um bom conselho,

    Numa to boa hora, dado, No preciso mostrar-se:Carrancudo e agastado,Branco que canta com preto,No pode ser respeitado!

    N. Cantador como esta negra,Na minha Terra, banana,Gafanhoto de jurema,Man magro de umburana,Falador da vida alheia, Empalhador de semana!

    B. Branco s canta comigoCom talento no gog, Com lel, com catuaba, Com gancho, furquilha e n,E depois de haver mamadoNa nega de um peito s!

    N. Vou-lhe fazer uma pergunta,Que nunca fi z a ningum:Dzia e meia de cangalhas,

    Francisca Pereira dos Santos

  • 229

    Quantos cabeotes tm?Se disser-me em sete ps,As almas ganham um dez risE Santo Antnio, um vintm.

    B. Canta o galo no poleiro, Rincha o pai-dgua no lote,Dzia e meia de cangalha(s)Tem trinta e seis cabeote(s):Sem sair desses nveis,Dei a resposta em sete ps,Se tem mais cangalha, bote.

    N. Barrosa, me respondaSeja por mal ou por bem:Em cima daquela serraQuantos ps de capim tem?

    B. Se a seca no matoOs bicho no comeu,Em riba daquela serraTem os capim que nasceu!

    N. H muito tempo, a BarrosaEst sofrendo da bola;O repente j lhe falta,Em tudo se descontrola.Pois, de Maria Conceio,Vou tomar a inspirao,E, s, deixar a viola.

    B. No verdade, seu Neco,Que eu j ande de embolu:Pois a Santa Mo divinaMe protege com seu vu!Se faltar-me inspirao,Eu peo de corao,Jesus me manda do cu!

    N. Neco Martins do Norte,Um cantador pequenez:Porm no faz como muitosQue s cantam estupidez,

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 230

    Nem diz palavras pesadas,Com pescoo em francs, Que, traduzindo, indecnciaPra quem fala portugus!

    B. Chica Barrosa onde canta,Faz o mundo estremecer;Faz o sol se balar;Todo planeta descer!Quem vier cantar comigo,Correr grande perigo...At da morte sofrer.

    N. O Neco Martins cantando,O mundo no estremece:Sustenta o cu, no se abala,Nenhum dos planetas desce;Cantando, hoje, comigo,No corre grande perigo,E a morte no aparece!

    B. Me parece que seu Neco,Tem alguma pabulagem:Pois se mostra em cantoria,Qual a sua vantagem?Sendo verdade ou mentira,Em que altura se atiraEmbora seja bobagem?

    N. Neco Martins quando cantaNbia-se o tempo e chuvisca,Abre o relmpago nas nuvens,Descendo grande fasca;No havendo para-raio,Sofrer grande desmaio,At a morte se arrisca.

    B. J que me falou dos astros,Diga o que h de notvel,L nas sumas alturas,O que h de admirvel?Neste grande fi rmamento,

    Francisca Pereira dos Santos

  • 231

    Qual o seu ornamentoQue nos parece invejvel?

    N. Vejo o sol durante o dia;s vezes, a lua tambm! noite vejo as estrelas,Vejo os planetas que tem;Vejo o cu muito azulado,Em outras horas nublados,Como que a chuva vem.

    B. J que me falou em azuladoMe diga mais o que tem,Quando o cu est nublado,Como que a chuva vem?De tudo quero saber, Para, ento, me convencerDo que o senhor canta bem!

    N. Vejo Torres amarelas,Tingidas de azulo!Quando o relmpago se abre,Ouo o estrondar do trovo;As nuvens brancas, com o vento,Passeiam no fi rmamento,Como pastas de algodo!

    B. Quero, tambm, que me digaO que vou lhe perguntar:O que nossos olhos veem,E a mo no pode pegar,Por mais vontade que tenha,Sem que isso se obtenha,Que nos faz admirar?

    N. So todos astros que vemos,E mesmo as nuvens que passa:Olhos veem, a mo no pega...Se tem mais pergunta, faa:Porm com outras cantigas,Porque perguntas antigas,Quase ningum acha graa!

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 232

    B. Vou-lhe fazer uma nova,Quero ver me responder:Mil pes vendidos a vintm,Quantos mil ris venham ser?Perante os homens fi is,Me responda em sete ps,Porque todos querem ver!

    N. Mil pes vendidos a vintmImportam em vinte mil ris.Faa a conta, tire a prova,Confi ra nos seus papis... bonito ver-se a conta,Porque a obra est pronta,Mesma feita em sete ps!

    B. Pisa medonha eu lhe douDe cabelo se arrancar,De totar coro do lombo,Do pescoo ao calcanhar,Se no se tratar com tempo,Talvez, no possa escapar,Minha pisa venenosaQue no se pode curar,Cada tacada que dou,Vejo o pedao voar.

    N. Barrosa, em carnifi cina,Um terror pior te fao:Corto-te os ps pelas juntas,Sem encontrar embarao,Corto as juntas dos joelhos,Separo cada pedao;Corto na junta das coxas,Desligo do espinhao,Corto-te as mos nas munhecas,Corto nas juntas dos braos;Corto nas juntas dos ombros,Para o pescoo, me passo:Tiro a cabea do corpo,Pelo tronco do cachao;

    Francisca Pereira dos Santos

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    O corpo vira um bolo,Pregado no espinhao;Bato com ele no cho,At fi car em bagao!

    Mais adiante, atingem o verdadeiro pice da arte de improvisar quando produzem as duas maiores estrofes da imortal peleja. De um lado, Barrosa muda o curso da natureza, diante de sua titnica e incomparvel fora, sofre todas as alteraes, sem qualquer resistncia a oferecer. Do outro, Neco, num acentuado rasgo de inspirao, e mostrando seguros conhecidos das leis que regem as cousas, arrasa a grandeza de seu feitos, dando-lhe uma autntica resposta de mestre:

    B. Me danei numa certa ocasio,Fiz a gua do mar parar o aoite,Fiz o dia nascer meia-noite,Transformando-se a noite em claro,Fui ao cu escanchada num trovo,Um corisco me vendo se escondeu,Um raio ia descendo no desceu!Fiz, da lua, um planeta vagabundo...Coloquei quatro rodas neste mundo, Mandei a terra correr, ela correu!

    N. Pra enganares a todos deste mundo,Uma bela mentira tu contaste:O aoite do mar, tu no paraste, Que o mar irascilvel, iracundo!O abismo dos cus to profundo,Que, num simples trovo, inatingvel!Nascer o Sol a meia-noite impossvel!Segundo as leis da fsica celeste;Fica, assim, pois, desafi o o que fi zeste,De ningum dar-te crdito, ests passvel.

    O duelo ia avanando noite adentro. Os presentes exigiram um desafi o mais acalorado. Barrosa, por ser grande repentista, e pela diferena de nvel social, mereceu mais aplausos da assistncia. Neco, irritado, ajudou-se duma arma para envolv-la. Barrosa no teve outra alternativa seno correr. Como o dio menos frequente nos coraes das mulheres, Barrosa, quando viu os nimos se

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 234

    acalmarem, improvisou desta maneira: Nesta nossa cantoria,Estremeceram-se os cus;At os mortos ouviram,No fundo dos mausolus;Com o abalo, acabou-seA raa dos fariseus,Com o destino, fi ndou-seA raa dos prometeus!S o mundo tem liberdade, E o infi nito tem Deus,Colega Neco Martins,Aceite meu triste adeus. (Linhares e Batista, 1982, p. 84-94)

    Como a grande maioria das mulheres que cantaram no Nordeste, tudo que se sabe dessa cantadora cearense, negra e grafa, o que est transcrito em forma desses testemunhos, a exemplo de outros depoi-mentos, como o do poeta Anselmo, que repassou ao estudioso as trs perguntas enigmticas contidas num desafi o sustentado por Chica Barros5 e Jos Bandeira (Mota, 2002a, p. 139).

    Agora, seu Z Bandeira,Rezo ato de contrio,Vou faz-lhe uma pergunta,Me d certinha a lio:Me diga quel o viventeQue tem cinco corao.

    Lio assim no estudoQue isso pra mim regalo!Pode pergunt um centoQue eu com essas no me calo...Quem tem cinco corao um bruto ou um cavalo:Tem um corao comumE as quatro fme no casco...Pergunte mais, se sub,Que eu com isso no me enrasco.

    Pois agora Z Bandeira,

    5 O nome de Chica (Xica) aparece citado na historiografi a de trs maneiras: Barrosa/Barroza/Barros.

    Francisca Pereira dos Santos

  • 235

    Responda o que eu lhe diss: rapa sem s de pau,Rapa sem s de cui, rapa e no rapadura,Me diga que rapa .

    rapa sem s de pau,Rapa sem s de cui,Eu j te dou o sentidoTe digo que rapa : rapaz e raposa,Rapariga e rapap...

    Sim sinh, seu Z Bandeira,J vejo que sabe l:

    Pelo ponto que eu t vendoInda capaz de dizO que que neste mundoO homem v e Deus no v6.

    Barrosa, os teus ameaoEu no troco pelos meus:O homem v outro homeMas Deus no v outro Deus!(Chica Barrosa e Jos Bandeira, apud Mota, 2002a, p. 139)

    Os folcloristas como testemunhas da existncia da violeira

    Chica Barrosa

    Entre as testemunhas auriculares e oculares, encontram-se tambm alguns estudiosos e folcloristas que, embora no escrevessem versos, estavam muito prximos desse universo por terem convivido em suas infncias com esse universo potico. Entre esses pesquisadores, encontram-se, alm dos j citados, F. Coutinho. Em Violas e repentes (1972), o autor descreve o que, quando menino, escutava nos engenhos sobre o universo da cantoria e da memria da cantadora e violeira que ele chama de trocista e bizarra Chica Barrosa.

    Nos meus bons tempos de garoto de engenho, tambm ouvi, e aprendi, conhecida quadra atribuda repentista paraibana

    6 Em Vaqueiros e Cantadores (2000, p.214), Cmara Cascudo cita as duas primeiras estrofes deste verso de Chica Barrosa com Jos Bandeira.

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 236

    Francisca Barrosa. Dizem que a trocista violeira, em meio ao desafi o fi zera misteriosa advertncia ao colega:

    Fui casada sete vezes,

    Sete homens conheci!

    Mas meu segredo de moa

    Eu tenho como nasci!

    A enigmtica faanha da repentista bizarra mereceu a devida observao do cantador macho, em outra quadra, admitindo, sob certas condies, as incompreensveis afi rmativas contidas na trova da compa-nheira. Ele respondeu, medindo as palavras:

    - Se voc no vem com peta,

    Seu segredo se explica:

    ............................................?7

    Confesso haver esquecido os dois versos das consideraes fi nais. Mas, aqui no Nordeste, o nmero sete no tem conceito. No merece f, entre nossa gente, quem faz conta de sete. Tenho ideia de uma concluso de natureza subjetiva, da parte do cantador, raciocinando e dizendo como o povo diz:

    - Sete conta de mentiroso! (Coutinho Filho, 1972, p. 50)

    Tanto Chica Barroza como Zefi nha do Chamboco foram retratadas na historiografi a por terceiros (homens), a exemplo do sr. Romeu Mariz, que conta para Carvalho um desafi o que a cantadora Chica teria tido com Manuel Francisco, clebre cantador em Pombal:

    Francisco, vamos a elaAntes que ela venha a ns;Os homens possuem as terras,Os ruins por si se destri.Segura l teus calesAperta, estira, encurta, encoe.

    Eu ando atrs de uma abelhaQue saiu do meu cortio,

    7 Segundo o depoimento da repentista pernambucana Mocinha de Passira, o presente verso no uma criao da poetisa citada, mas de autoria do repentista Lourival Batista, que citou para ela as referidas estrofes, sendo a primeira quadra atribuda como se fosse de Chica Barrosa, com rima intercalada e a outra quadra-resposta, em que todo o verso rima, de um cantador homem. Os versos teriam fi cado assim, conforme Mocinha: se voc no vem com peta/seu segredo se explica/ ou voc no tem buceta/ ou eles no tinham pica.

    Francisca Pereira dos Santos

  • 237

    Que ontem por essa horaTrabalhou no meu servioTirou gua no barreiro.

    Pr gua o alagadio:Atrs da abelha anda um homem,Atrs do homem anda um bichoQuem se mete com BarrozaDizem que encontra servio (Chica Barrosa e Manuel Francisco, apud Carvalho, 1967, p. 341-2)

    Os autores do Dicionrio bio-bibliogrfi co de repentistas e poetas de bancada, Almeida e Sobrinho (1978), mencionam os versos abaixo como tendo sido cantados e criados por Chica Barrosa.

    Com respeito a cantoriaMan Joaquim do Muquem,Faz galinha pisar milhoE pinto sessar xermMas nas unhas de seu NecoNunca se arrumou bem,Porque eu passo o cepilho,Tiro-lhes as voltas que tem,Fico sempre caoando,Olho no vejo ningum.

    Manoel Patichulin,Z Caj do Bananal,E o Pedro Simeo,

    Um cantor do arraialBeira dgua l na serraE Moreira de SobralQue se julgam cantadores,De nunca encontrar igual,Nunca puderam com Neco,Morador em So Gonalo.

    E mesmo Antonio Silvino,Jernimo e Pedro Ferreira,So cantadores de famaDe alegrar a brincadeira,Ou Paulino Felisberto,

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 238

    O Belino das Frexeiras,Herculano do Messias,E tambm Luiz Pereira,E tambm Jos Rufi no,Lexandre das Cabeceiras,Todos tm entusiasmoDe no carem em asneira,Passarem decepesNas unhas do Oliveira(Chica Barrosa, apud Almeida e Sobrinho, 1978, p. 85).

    Tendo em vista que essa repentista era paraibana, os pesquisadores Almeida e Sobrinho acham curioso no haver registro de desafi os de Xica Barrosa com cantadores de Teixeira (1978, p. 85-6), em nenhum livro ou mesmo em comentrios entre os cantadores sobre ela. A falta de registros no signifi ca que a repentista no tenha, de fato, cantado com os cantadores do Teixeira. O que se constata que no houve coletas ofi ciais sobre esses encontros cujos protagonistas eram cantadoras repentistas. Almeida e Sobrinho8 interpretam o fato de no haver encontros registrados por parte dos cantadores cearenses e paraibanos no pela falta de coleta desse material, mas pelas circunstncias de difcil deslocamento dos poetas, quando as comunicaes feitas no lombo de animais no favoreciam a intercomunicao dos ncleos de emergncia (1978, p. 85-6). Dentro desta lgica que se compreende porque um Neco Martins nunca avistou um Romano nem este Cabeceira e assim por diante (Almeida e Sobrinho, 1978, p. 85-6), ou at mesmo uma cantadora como Chica Barrosa com seus conterrneos.

    Em um site9 da internet encontra-se uma referncia a Chica Barrosa que retirada de uma cartilha10 sobre a presena da mulher negra na histria, porm, com um dado controverso. A informao que esse texto traz, indica em 1910, que Chica teria nascido, enquanto Sobrinho (2003) indica 1914 como a data em que esta teria morrido e, esse mesmo autor, em outro livro, em parceria com Almeida (1978), o ano de 1916 a data

    8 Em Cantadores, repentistas e poetas populares, Jos Alves Sobrinho cita: Chica Barroso ou Barrosa Pombal (PB). Nascida no sculo passado (refere-se ao sculo XIX), foi assassinada em sua cidade natal em 1914) (2003, p.91). No Dicionrio bio-bibliogrfi co de repentistas e poetas de bancada, de Almeida e Sobrinho, consta que Chica Barrosa (Francisca Barroso ou Barrosa), foi assassinada em sua cidade natal em 1916 (1978, p. 85- 86). 9 Disponvel em:

  • 239

    do seu falecimento. As datas de 1914 e 1916 referem-se, portanto, de acordo com Sobrinho, sua morte brutalmente assassinada , e no ao nascimento, conforme a cartilha, que diz ter sido a cantadora nascida na Paraba.

    Salvina, Rita Medeiros, Maria do Riacho e Maria Tebana

    Pode-se pontuar a presena dessas mulheres que cantaram entre fi ns do sculo XIX e comeo do XX a partir de outros perfi s citados na historiografi a: Rita Medeiros, Maria do Riacho, Salvina e Maria Tebana, poetisas que cantaram nesse contexto.

    Ouvi, por vezes, em pontos diversos da zona noroeste cearense, os versos da Rita Medeiros, cantados na toada saracoteada dos batuques, de que ainda h memria vivssima entre os negros. Esses versos constituem uma cantiga amorfa cheia de incongruncia de pensar. , entretanto, muito popularizada e a vivacidade da msica realiza o milagre de no tornar fastidiosa a sua audio. Dela se fi zeram pardias obscenas que um ou outro cantador bomio repete s para homens (Mota, 2002a, p. 140)

    So mais uma vez os autores tila e Jos Alves Sobrinho em seu Dicionrio bio-bibliogrfi co de repentistas e poetas de bancada, que vo ques-tionar a presena das autoras nessa histria. Ressaltando:

    certamente, pelo menos como cantadora ou emboladora de coco, Rita Medeiros nunca existiu. Se existiu como mulher, virou personagem musical. Em Serto Alegre, o autor de Cantadores volta a Rita Medeiros ou Medero, como o z-povinho a chamava, sem nada acrescentar s vagas informaes correntes sobre ela. (Almeida e Sobrinho, 1978, p. 179)

    Contudo, Lus Wilson, em Roteiro de velhos cantadores e poetas populares do serto, fala que Rita Medero ou Mdera existiu e residiu no Retiro da Boa Esperana, municpio de Barras, Estado do Piau, era casada com Henrique Medeiros, marido complacente que permitia que abandonasse a mulher, o lar durante semanas e semanas ou que a fossem tirar de casa, alta noite, para festas e fuanatas (1986, p. 108). Segundo Wilson, essa mulher que era bonita, bebia como um gamba, era pornogrfi ca e os versos dela ningum repete (1986, p. 108), morreu sexagenria em 1901 ou 1902. Novamente aparece a fi gura do cantador do sculo XIX como um bomio, perfi l recorrente, que vale tanto para os homens quando para as mulheres.

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 240

    Salvina foi outra poetisa que cantou: uma bela rapariga de cor branca. Segundo Rodrigues de Carvalho, a mesma fazia as delcias dos apreciadores da trova do povo, cantando admiravelmente e tocando viola, acompanhada de um cortejo de admiradores de chapu de couro e cacete (Carvalho, 1967, p. 340). Ela assim como Chica , fi cou na memria dos cantadores que repetiam suas cantigas:

    Tamuat de seu Igncio,Cambambe de Z VicenteO olho dgua que no seca,E lugar empremenenteAcorda quem est dormindo,Acalenta quem est doente.

    Salvina quando vadeiaAt os paus se balana,Os meninos que veem choram,Soluam todas crianas.Seu Chiquinho do Cambambe,Cinco nomes na carreiraZefa mandou-lhe lembrana.

    Mandaram assoletrarCinco nomes na carreira,Campina, Curral de Cima,Jardim, Tarama, Teixeira.

    Mandaram-ne assoletrarQuatro nomes escabonado:O Cambambe e o TamautCoit e Serra do gado.Bravo Francisco SantAna.Bravo Manuel Cabeceira,Bota no cho que eu amarro,Derruba, que eu fao esteira.Carreiro de Santiago.

    Corre de barreira a barreira.Manuel Pereira foi morto,Foi morto Manuel Pereira(Salvina, apud Carvalho, 1967, p. 340)

    Em Cantadores, Leonardo Mota remete ao desafi o a que Rodrigues de

    Francisca Pereira dos Santos

  • 241

    Carvalho ligeiramente alude no seu Cancioneiro do Norte e travado entre Maria Tebana e Manuel do Riacho (2002a, p. 137), relido da memria testemunhal do poeta Anselmo nos seguintes versos:

    T. Nego preto, c da noiteDo cabelo pixaim,Primita Nossa SenhoraBacaiau seja o teu fi m!

    R. Voc me chama de negoDo cabelo pixaimQueria que oc dissesseQue dinheiro deu pra mim...

    Santo Antnio tem um vintm,As almas um Padrenosso,Presse nego arremetQue eu quero quebr-lhe os osso...

    Eu, cumo j tou cum raiva,Te rogo um praga ruim:Deus permita que te nasaBouba, Sarampo e Lubim,Procot, bicho-de-p,Inchao e molstia ruim

    Voc diz que cantad,Cantad no assim...Se qu v cumo se canta,Carregue em riba de mim,V faz carreta ao diabo,Veja que eu no sou sonhim.

    Cabra, conhea seu mestre,Conhea seu supri,Conhea canga e canzil,Ponta de chiquerad.

    Nego que canta comigo,Lave a boca com sabo,Se no lav bem lavada,Comigo no canta no...

    Maria Tebana agora

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX

  • 242

    Digo uma graa contigo:A reina do bicho homeNasce da ma do fi go,E a reina do bicho femeEu sei, mas porm no digo...

    Vou faz-lhe uma perguntaPra voc me distrinch,Quero que me diga a contaDos peixe que tem no m11.

    Voc v cerc o mCom moeda de vintm,Que eu ento lhe digo a contaDos peixe que nele tem...Se voc nunca cerc,Nunca eu lhe digo tambm!

    Pois agora me responda,Nego Manuel Riacho,Que que no tem mo nem p,No tem pena nem canho,No tem fi go, no tem bofe,Nem vida, nem corao,Mas eu querendo ele avoaTrinta palmo alto do cho.

    O que no tem mo nem p,No tem pena nem canho,No tem fi go, no tem bofe,Nem vida, nem corao um brinquedinho besta,De menino vadiao: um papagaio de papelEnfi ado num cordo...

    Vou faz-lhe outra perguntaQue voc fi ca areado:Quero que voc me digaO que mal-empregado.

    11 Esse verso e os trs prximos que se seguem citado por Cmara Cascudo em Vaqueiros e cantadores, 2000, p. 214: De Maria Tebana com Manuel do Riacho.

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    Tebana, eu vou lhe dizO que mal-empregado: a moa bonitaCas cum rapaz safado; um vaqueiro ruimNum cavalo bom de gado;Palit de pano fi noNum corpo mal-amanhado; um cabra preguiosoAbri um grande roado:Abre, planta e no alimpa,Perde o legume plantado...Disso tudo que se diz, meu Deus! Mal-empregado!!! (Maria Tebana e Manuel do Riacho, apud Mota, 2002a, p. 137-9).

    Em Vaqueiros e cantadores, Cmara Cascudo apresenta Maria Tebana em duelo com Riacho, uma peleja j citada por Rodrigues de Carvalho em Cancioneiro do Norte.

    Senhor Manuel do Riacho,Que comigo vem cantar,O que o que os olhos veemQue a mo no pode pegar,Depressinha me responda,Ligeiro, sem maginar...12

    Voc, Maria Tebana,Com isso no me embaraa,Pois o sol e a lua,Estrela, fogo e fumaa.Eu ligeiro lhe respondo,Se tem mais pergunta, faa...

    Seu13 Manuel do Riacho,Torno outra vez pergunt:Quatrocentos bois correndo,

    12 Estes versos so citados, em Cancioneiro do Norte, por Rodrigues de Carvalho, sendo que ao invs de maginar imaginar (1967, p. 257).13 Em Cancioneiro do Norte de Rodrigues de Carvalho, ao invs de seu senhor (1967, p. 258).

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    Quantos rastos deixar?14

    Tire a conta, d-me a prova,Depressa, pra eu somar...

    Bebendo numa bebida,Comendo tudo num pasto,Dormindo numa malhada,So mil seiscentos rasto.Some a conta, tire a prova,Que deste ponto no fasto...

    Leo sem ser de cabelo,Cama sem ser de deit,De todos os bichos do mato,Entre todos15, o que ser?Depressa voc me digaSem a ningum perguntar...

    Voc, Maria Tebana,Nisto no me d lio;Pois um bicho escamento,Chamado Camaleo,Que sempre vive trepado,Poucas vezes vem ao cho(Maria Tebana e Manuel do Riacho apud Cascudo, 2000, p. 215).

    Almeida e Sobrinho, no Dicionrio bio-bibliogrfi co de repentistas e poetas de bancada faz o seguinte comentrio sobre Maria Tebana16:

    cantadora norte-rio-grandense do sculo passado sobre a qual as notcias se resumem a fragmentos de desafi o havido entre ela e Manoel do Riacho. O desafi o, pela mostra, medocre. Em Vaqueiros e cantadores, Cmara Cascudo fornece dela retrato mais realista ou fantasioso: possuiu uma das mais fortes e lindas vozes

    14 Em Vaqueiros e cantadores, de Cmara Cascudo, encontra-se uma variante dessa pergunta de Tebana a Manuel do Riacho, que Slvio Romero diz ter sido cantador das margens do rio So Francisco, est no Rio Grande do Sul, em forma de quadras e evidentemente dos fi ns do sculo XVIII e princpios de XIX (2000, p. 372). 15 Em Cancioneiro do Norte, de Rodrigues de Carvalho, ao invs de todos, tudo (1967, p. 258).16 Carvalho diz que a poetisa Maria Thebana, grafada com h, tambm era conhecida como Maria Turbana e era do Rio Grande do Norte (1967, p. 355).

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    de que o serto se orgulhava. Versejava com rapidez e seu repente era assustador.... Nunca houve quem soubesse em que municpio e ano nasceu. Ao contrrio, da existncia de Rita Medeiros, h mais certeza. (1978, p. 305)

    Outra mulher que aparece na historiografi a citada por Joseph Luyten Maria Riacho.

    Segundo as crnicas da poca, quando Pedro I soltou o clebre grito do Ipiranga, os primeiros vivas de contentamento partiram de caboclos lavradores que formavam um ncleo nas redondezas do local hoje histrico. Entre esses caboclos, existiam numerosos cantadores e famosos violeiros. Dentre os cantadores, porm, destava-se uma mulher a Maria Riacho. Cabocla jovem e bonita, no entanto, era melhor cantadora do que os seus cortejadores.

    Alm de possuir uma voz bem timbrada, rimava com espantosa facilidade. Da ela dizer a todo momento que seu corao perten-ceria quele que conseguisse venc-la num desafi o. Inmeros pretendentes tentaram a vitria, mas inutilmente. Maria do Riacho era infernal...

    Transcrevemos, aqui, um dos desafi os travados entre Maria do Riacho e o famoso Joo Serrador:

    Serrador: Maria, chegou a hora bem boa a ocasioVem comigo, vamo emboraMaria do Riacho.

    Maria: Olha bem pra minha caraE vorta logo pr trs...Aqui ngo ruim no paraPensa bem no que tu faz...

    Serrador: O que digo eu arrepitoPorque nasci brasileiroVoc no escut o gritoQue deu seu Pedro Primeiro.

    Maria: Eu j disse duma feitaQue no sabia mentiTenho a cabea perfeitaDe nada nunca esqueci.

    Serrador: Eu tambm tudo me alembroNo aprendi a esquec...

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    Foi pelo fi m de dezembro Que eu me perdi por voc.

    Maria: Se voc fi c perdido porque ningum te qu... Agora toma sentido: No meta com mulh.

    Serrador: Cum home que eu no me meto Pruque eu s home tambm Prefi ro vir graveto Mas hei de s o teu bem.

    Maria: Seu cara de orangotango Vai pux carro de bois... Daqui a pouco eu me zango E tu te queixa depois.

    Serrador: S cara de quarqu bicho Voc pode me xing... Mas quero t o meu capricho Maria, v te beij.

    Maria: Por causa de teu capricho Vai receber a lio Apez de tu s lixo V te met minha mo.

    (Maria d uma bofetada em Serrador)

    Serrador: Tu tem sangue de serpente Mas isso no fi ca assim... O diabo meu parente E vai se ving por mim.

    Maria: Minha cabea no nega Vai te embora, cantad... Enquanto eu no fi c cega Hei de ver bem o am!

    A partir de fonte consultada, ser difcil provar a autenticidade desse desafi o. Parece-nos que, pelo menos, ele foi reescrito e atualizado (possivelmente na dcada de 1920). Em todo caso, Maria do Riacho constitui-se, pelo tipo de verso e rima, num bom exemplo de desafi o paulista antes da penetrao da sextilha nordestina e sobretudo numa

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    demonstrao da existncia bem provvel de cantadores de sexo feminino (Luyten, 2003, p. 146-8).

    Pelo perfi l que apresentam as repentistas citadas (Chica Barrosa, Zefi nha do Chamboco, Maria Tebana, Salvina, Rita Medeiros e Maria do Riacho), elas estariam mais relacionadas a um tipo de modelo feminino do perodo colonial do qual a historiadora Mary Del Priore diria estar mais distante da imagem e viso de uma mulher pura e virtuosa. Estariam essas cantadoras de fi nais do sculo XIX prximas daquelas que foram consideradas mais fi lhas de Eva do que de Maria, mulheres que mergulhadas nas asperezas do trabalho domstico ou nos ofcios de rua e da lavoura, acabam por elaborar, mesmo como rascunhos dos modelos eruditos, regras e ticas prprias (Priore, 2000, p. 32)?

    Apesar de haver situaes de adversidade, sempre houve mulheres que desafi aram o paradigma feminino e cantaram. Porm, apesar de elas enfrentaram preconceitos no s de sexo, mas tambm de cor, fi zeram parte do mundo da potica da voz e cantaram. Como diz Michelle Perrot, a memria da mulher verbo. Ela est ligada oralidade das sociedades tradicionais que lhes confi ava a misso de narradoras da comunidade alde (1989, p. 15). Sua presena verifi cada nesse universo no somente pelo grau de mediao exercida atravs da oralidade, contando histrias, lendas e causos, narrados, seno em pblico, entre seus familiares, mas tmabm pela participao em cantorias, construindo nesse campo o mundo da poesia da voz, conforme nos deixa o testemunho dos poetas que com elas cantaram.

    Referncias bibliogrfi cas

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    Recebido em abril de 2010.Aprovado para publicao em maio de 2010.

    Resumo/Abstract

    Cantadoras e repentistas do sculo XIX: a construo de um

    territrio feminino

    Francisca Pereira dos Santos

    Este artigo discute a presena feminina no campo da cantoria no sculo XIX, uma participao ainda pouco estudada pela historiografi a, dada, entre outros, a existncia de um discurso que diz que as mulheres no pertencem a esse mundo. Ao contrrio dessa tese, verifi ca-se que as mulheres repentistas e cantadoras sempre cantaram e que participaram ativamente desse campo. Nesse sentido, para trazer essas vozes esquecidas, faz-se uma reviso bibliogrfi ca a partir da contribuio dos folcloristas, nico acervo no qual ainda se pode encontrar os rastros dessas presenas.

    Palavras-chave: mulher, cantoria, repente

    Women singers and improvisators in the XIXth C: the building of a

    feminine territory

    Francisca Pereira dos Santos

    Tus article discusses womens presence in the Field of improvised singing during the XIXth century, a part still little studied in historiography, given, among other issues, the existence of a discourse saying that women did not belong to this world. On the contrary, we verify that women singers and improvisators always sung and took active part in this fi eld. In this sense, to bring these forgotten voices, we started with a bibliographical research departing from the contribution of folklore scholars, the only heap where we can still fi nd the vestiges of their presences

    Palavras-chave: woman, improvised singing, match

    Francisca Pereira dos Santos Cantoras e repentistas do sculo XXI: a construo de um territrio feminino. Estudos de Literatura Brasileira Contempornea, n. 35. Braslia, janeiro-junho de 2010, p. 207-249.

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