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Francisco de Oliveira...de fato transformadora requer medi-das mais amplas, magnas. Essas considerações preliminares têm o propósito de problematizar o debate sobre a crise atual

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Entrevista:

Francisco de Oliveira

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE é uma publicaçãoquadrimestral do ANDES-SN: Sindicato Nacional dosDocentes das Instituições de Ensino Superior.

Os artigos assinados são de total responsabilidadede seus autores. Todo o material escrito pode ser re-produzido para atividades sem fins lucrativos, medi-ante citação da fonte.

CONTRIBUIÇÕES para publicação na próxima edição:veja instruções na página final.

ASSINATURAS e pedidos de números avulsos: utilize o cupom da página final.

Conselho EditorialAntonio Candido; Antônio Ponciano Bezerra; CarlosEduardo Malhado Baldijão; Décio Garcia Munhoz;Florestan Fernandes (in memorian); Lauro Campos;Luiz Henrique Schuch; Luiz Pinguelli Rosa; MárcioAntônio de Oliveira; Maria Cristina de Morais; MariaJosé Feres Ribeiro; Maurício Tragtemberg (in memo-rian); Newton Lima Neto; Oswaldo de Oliveira Ma-ciel; Paulo Freire (in memoriam); Paulo Rizzo; Re-nato de Oliveira; Sadi Dal Rosso; Roberto Leher.

Encarregatura de Imprensa e DivulgaçãoAntônio José Vale da Costa (Tomzé).

Coordenação do GTCAAlmir Serra M. Menezes Filho, José Domingues deGodoi Filho, Antônio José Valle da Costa, AntônioPonciano Bezerra e Rosilda Silva Dias.

EditorAntônio Ponciano Bezerra

Editora AdjuntaJanete Luzia Leite

Secretário Executivo EditorialJair Tenório Jatobá

Edição de arte e editoração eletrônicaDmag Comunicação

Fotos Arquivo ANDES-SN, Folha Imagem e Daniel Garcia.

Capa e ilustraçõesDoriana Madeira e Marcos A (Dmag).

Revisão de textosAntônio Ponciano Bezerra e Janete Luzia Leite.

Revisão finalIara Yamamoto

Fotolitos: Paper Express.

Impressão e acabamento: Copy Service.

Tiragem: 3.000 exemplares.

REDAÇÃO E ASSINATURAS: ANDES-SN SecretariaRegional São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, tra-vessa J. 374, antiga reitoria, sala ADUSP, Cidade Uni-versitária, São Paulo-SP - CEP: 05508-900 Tel. 011-3813-5573, fax: 3814-9321e-mail: [email protected] Page: http://www.andes.org.br

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Educação, Avaliação e Privatização

Educação: visão panorâmica mundial e perspectivas para a América LatinaErnani Lampert

A privatização da gestão da educação pública na reforma do Estado brasileiroDalila Andrade Oliveira

Avaliação do ensino de graduação: a experiência da UFMGMaria Do Carmo De Lacerda Peixoto

Política e Democracia

Políticas públicas: possibilidades e entraves para a retomadade projetos alternativos ao capitalismo dependente Roberto Leher

O PT e o desafio histórico da construção de um projeto democrático e popular de sociedade. Rodrigo de Souza Dantas

Os dilemas da democracia no século XXI. Marcos Roitman Rosenmann

Poder local e participação política nos assentamentos rurais de Sergipe. Eliano Sérgio Azevedo Lopes

O socialismo e as tarefas revolucionárias da juventude. Celi Zulke Taffarel

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Ensaio Fotográfico: Sem Teto161

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 3UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

O público e o privado na educação superiorMaria Do Socorro Xavier Batista

Ensino, pesquisa, extensão e a nova tipologia do ensino superior brasileiroIvetti Magnani

Legislação educacional federal - um início de sistematizaçãoNicholas Davies

Debates Contemporâneos

Um “sucesso extraordinário”. As mentiras da guerra no AfeganistãoVladimiro Giacché

A luta pela Água: trajetória de conflitos e as perspectivas nas políticas públicas de abastecimento urbanoAdriano Severo Figueiró

Os fundamentos epistemológicos do teatro de BrechtMartha D’Angelo

Associativismo civil e vida pública em Aléxis de Toqueville Raylene Navarro

Ciências Humanas: o que são, para que servemOsvaldo Coggiola

Memória do Movimento Docente

Entrevista: Luiz Paiva Carapeto

Resenha

Trabalho, educação e sindicalismo no Brasil: anos 90. José dos Santos Souza. Editora Autores Associados /Co-edição Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. 2002. 223 páginas.Por Célia Tanajura Machado

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 7

Roberto Leher *

Política e Democracia

Após o áspero inverno político-intelectual do Fim daHistória, a primavera que chega nos permite voltar a falarem “projetos” para o Brasil e, melhor ainda, discursar sobreo tema em ebulição. É inevitável a indagação: “com a derrocada neoliberal, em que bases poderia ser edificadoum projeto alternativo?” ou, em outros termos, em queconsistiria um programa de desenvolvimento que não oneoliberal ou o desenvolvimentista (afinal, este resultou namodernização conservadora, sob tutela militar)? O acompanhamento dos debates das eleições de 2002não permite vislumbrar ainda, com muita clareza, as alternativas possíveis. Enquanto o candidato oficial sustentao ajuste da agenda neoliberal, o principal candidato da

oposição acena com uma agenda aparentemente neokeynesiana, na qual a retomada do papel promotor do Estado desempenharia um papel central.

Descartando-se a opção neoliberal, des-gastada pelo desastre produzido em todaAmérica Latina, em que a Argentina é umcaso paradigmático, resta examinar os limi-tes da alternativa neokeynesiana, no contex-to do capitalismo dependente. De fato, areconstrução de um Estado de Bem-EstarSocial, reconfigurado em bases superiores,democráticas e populares, poderia trazer

Políticas públicas: possibilidades e entraves para a retomada de projetos alternativos ao capitalismo dependente

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novos alentos para todos os que vi-vem-do-trabalho. Contudo, mesmo noperíodo em que a região crescia a 6-7% ao ano e os créditos fluíam comfacilidade, a opção desenvolvimentistanão chegou a mudar a feição exclu-dente do país, levando alguns autoresa falar em um “fordismo periférico”,enquanto outros denominaram operíodo como de “modernização con-servadora”. Será possível reconstruir oEstado Social em um contexto deaprofundamento da crise estruturalmesmo no centro do sistema-mundo?Como compatibilizar a financeirizaçãoque impõe o pacto neocolonial com aretomada dos investimentos públicos

em uma perspectiva soberana? A consideração do panorama ma-

croeconômico do país e, mais propria-mente, da situação social da maioriado povo brasileiro, corrobora a idéiade que mudanças mais profundas sãonecessárias. Nos marcos dos acordoscom o FMI e o Banco Mundial, não se-rá possível sequer reunir condiçõespara que o Estado possa impulsionarum novo período virtuoso da econo-mia brasileira. Enredado na lógica docapital financeiro, o Estado será inca-paz de promover políticas públicasousadas, capazes de provocar mudan-ças concretas na vida de cada um (ede todos) dos milhões de brasileirosque vivem abaixo da linha da pobreza.Assim, será preciso recusar os esque-mas mentais aprisionados pela com-pressão do tempo, característica docapital de hoje. Urge sair da caverna eolhar o mar: os projetos não podem

permanecer prisioneiros do presentis-mo. Desde o final da década de 80 doséculo passado, a possibilidade depromover descontinuidades no conti-nuum do tempo histórico não eramtão efetivas. Maquiavel nos mostraque política envolve cálculo. De fato, atransformação deliberada do devirrequer ações táticas e estratégicas, pa-ra que forças minoritárias no presentepossam derrotar as forças que impe-dem a emancipação humana e, assim,serem hegemônicas. A questão damedida é crucial. O metro utilizado dizrespeito ao que se pretende modificarna vida pública: a pequena políticavale-se de medidas curtas. A política

de fato transformadora requer medi-das mais amplas, magnas.

Essas considerações preliminarestêm o propósito de problematizar odebate sobre a crise atual e sobre omodo como a política pode operá-la.Um cálculo político presentista funda-mentar-se-ia em uma medida curta. Éa leitura que vê na crise atual umamanifestação conjuntural, passível deser manejada por meio de ajustescontábeis, metas de superávit, cortesem gastos sociais públicos e, aindapior, a partir de medidas, recursos econdicionalidades do FMI. Nesse qua-dro, a alternativa neokeynesiana nãoencontrará terreno fértil.

Um cenário adversoA degradação das condições da

economia, no primeiro semestre doano em curso, comprova que, diferen-te da avaliação dos economistas do

governo FHC e de grande parte dosacadêmicos vinculados à ortodoxiaultra-neoliberal, o Brasil não deixoude ser afetado pela crise da Argentina,do Uruguai e de outros países da re-gião. E, mais importante, embora si-lenciada pela grande mídia, pela criseem curso na economia hegemônica,cujas manifestações tornaram-se maisevidentes após o 11 de Setembro: En-ron e Worldcom são casos emblemá-ticos. A imagem do contágio foi veicu-lada pela grande imprensa brasileira,como se a crise estrutural do capitalis-mo - e das políticas neoliberais quepretendem conduzir as economiasnesse cenário - pudesse ser compara-da a uma epidemia, a exemplo dagripe, da peste ou da SIDA, vinda doestrangeiro. Os representantes do go-verno asseguraram que o país haviafeito um cordão sanitário (os progra-mas de estabilização acordados com oFMI, nos acordos de 1998 e 2001)que protegeria a economia das inves-tidas do capital especulativo e das“economias doentes”, como a da Ar-gentina. De forma ufanista, em mea-dos de 2002, a mídia comemorava anão contaminação da economia brasi-leira.

Entretanto, poucos dias depois,essa imagem foi estilhaçada. Diferentede 1998, quando o socorro financeirodo FMI de US$ 41,5 bilhões permitiu areeleição de FHC, sem sobressaltos, arealidade atual é outra. Nem o em-préstimo do FMI (US$ 15 bilhões) em2001 impediu a gigantesca desvalori-zação do Real e a derrubada do cres-cimento econômico. É preciso lembrarque o índice de 2000 (4,5%) foi atípi-co: em um primeiro momento, a pro-funda desvalorização cambial favore-ceu o crescimento das exportações.Em 2001, a economia teve um cresci-mento medíocre de 1,5%, abaixo doíndice médio do período 1983-92(2,1%) quando o país viveu uma forte

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Política e Democracia

Enredado na lógica do capital financeiro,

o Estado será incapaz de promover políticas

públicas ousadas, capazes de provocar mudanças

concretas na vida de cada um.

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estagnação. A tendência de baixaagravou-se ainda mais no primeiro se-mestre do corrente ano: 0,14%. Comisso, o país estaria entrando na tercei-ra década perdida.

Os investimentos estrangeiros ex-ternos, um dos fundamentos da políti-ca econômica, foram reduzidos a 1/3em relação ao ano anterior. A vertigi-nosa desvalorização do Real elevoudramaticamente a dívida líquida do se-tor público. Em 2000, a dívida era deR$ 620 bilhões (49% do PIB); em2001, R$ 660 bilhões (51,3% do PIB)e, em agosto de 2002, alcançou R$818 bilhões (62% do PIB). Para pros-seguir pagando os astronômicos jurosda dívida (9,1% do PIB, contra 0,4%do Chile e 3,2% do México), em con-formidade com o acordo do FMI de2001, o esforço fiscal foi sendo intensi-ficado rumo ao desmonte do Estadosocial: os ideólogos neoliberais afir-mam que a origem do deficit é fiscal,como se ignorassem que o problemareal é o pagamento do serviço da dívi-da. O superavit primário (receitas me-nos despesas, excluindo os juros e cor-reção monetária) exigido pelo FMIvem crescendo pari passu ao cresci-mento da dívida pública: 1999 (3,2%do PIB), 2000 (3,5% do PIB), 2001(3,7% do PIB) e 2002 (3,9% do PIB).Obviamente, não é possível cortar dosgastos públicos R$ 55 bilhões sem pro-duzir estragos na saúde, na educação,na agricultura, na reforma agrária, e nasegurança pública. É preciso conside-rar, como agravante, a perda de recei-tas em 2003, estimada pela Secretariada Receita Federal em R$ 15 bilhões.

A despeito dessas medidas ultra-neoliberais, a vulnerabilidade interna eexterna da economia brasileira produ-ziu descontrolada desvalorização cam-bial, levando o país a novo acordo como FMI, em agosto de 2002, antesmesmo do anterior ter sido concluído.E o novo acordo de US$ 30 bilhões

somente será efetivado pelo Fundo seo país acatar pesadas exigências. Aimprensa brasileira noticiou a vinda doSecretário do Tesouro dos EUA ao Bra-sil, uma semana antes do anúncio doacordo. Paul O´Neill não escondeuque quer ver o Brasil empenhado naaprovação da ALCA. Visando assegurara permanência da política do FMI, foiexigido o aval dos quatro principaiscandidatos à Presidência da Repúblicaao novo acordo. Em reuniões sucessi-vas com FHC, em um mesmo dia(19/8), todos afirmaram lealdade aoacordo e às metas de superávit deter-minadas pelo FMI para 2003 e 2004.

Nesse difícil quadro econômico, odesemprego conhece um dramático

crescimento. De acordo com o DIEE-SE, em São Paulo, a região de maiorindustrialização do país, o desempre-go aberto cresceu de 13,5% em 1995para 18,5% em junho de 2002. Entre1996 e 2001, a renda média das famí-lias brasileiras caiu 9,6%, conforme aPesquisa Nacional por Amostra deDomicílios do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística. No setor agrá-rio, a concentração fundiária aumen-tou. Os latifúndios com mais de 2000hectares totalizavam, em 1995, 121milhões de hectares; atualmente, so-mam 178 milhões. Cerca de 900 milpequenas propriedades foram à falên-cia no governo Cardoso.

De acordo com o DIEESE, em São Paulo,

a região de maior industrialização do país,

o desemprego aberto cresceu de 13,5% em 1995

para 18,5% em junho de 2002.

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Para mudar a correlação de forçasSomente os voluntaristas podem

acreditar que, no marco liberal-bur-guês, um governo poderá fazer mu-danças sociais profundas a partir desua vontade própria. Todas as transfor-mações que promoveram desconti-nuidades no continuum do tempo fo-ram feitas a partir de grandes mobili-zações sociais. Seguramente, muitossujeitos sociais pesam na correlaçãode forças: as diversas frações das clas-ses dominantes, movimentos sociais,partidos, forças armadas, burocraciasdo Estado, igrejas etc. Em virtude de li-mites de espaço, serão destacadosnesta seção apenas a ação dos movi-mentos dos que vivem-do-trabalho.

A observação da cronologia dosconflitos sociais no Brasil atesta que amaior parte dos sindicatos privilegiouo processo eleitoral, apoiando a can-didatura de Luis Inácio Lula da Silva.Em Plenária realizada em maio de2002, a Central Única dos Trabalhado-res (CUT) aprovou o apoio a Lula. In-dubitavelmente, esta candidatura agre-ga a maior parte dos movimentos esindicatos. Em função de particulari-dades do processo eleitoral e, princi-palmente, da estratégia eleitoral, mui-tos sindicatos abstiveram-se de orga-nizar jornadas de lutas, greves e mobi-lizações, apesar da deterioração dascondições de vida da classe-que-vive-do-trabalho. O setor privado teve umnúmero de greves consideravelmentemenor do que nos anos anteriores e omesmo ocorreu com o setor públicofederal. A exceção, em âmbito nacio-nal, foi o Movimento dos Sem-Terra(MST), que promoveu ocupações nosprédios do órgão governamental res-ponsável pela reforma agrária, exigin-do agilização das desapropriações, fi-nanciamento para a agricultura campo-nesa e infra-estrutura para as famíliasacampadas, bem como realizou novasocupações em terras improdutivas.

O movimento de maior repercus-são social promovido pelo campo daesquerda em 2002 foi o Plebiscito Na-cional Contra a ALCA. Destacadas for-ças como o MST, CNBB, CUT, ANDES-SN, FASUBRA, CNTE, UNE e partidosde esquerda promoveram um plebis-cito autônomo que coloca em relevo aquestão da soberania, sob a ótica dosque vivem-do-trabalho. O compareci-mento de mais de 10 milhões de pes-soas, apesar da oposição dos meiosde comunicação - no Brasil, apenasseis famílias controlam 90 % do fatu-ramento do setor - atesta que o êxitoda iniciativa foi, de fato, inegável, inse-rindo os movimentos sociais brasilei-ros na luta continental contra os trata-

dos de livre comércio. Pelo exposto até aqui, é razoável sus-

tentar que os sindicatos, em sua maio-ria, estão empenhados diretamente naeleição de Lula, assim como movimen-tos sociais, a exemplo do MST. Mas issonão quer dizer, necessariamente, que aagenda da esquerda foi abandonada(vide o Plebiscito contra a ALCA). Comefeito, as principais forças sociais quepodem promover mudanças estãoaglutinadas em torno de Lula da Silva.Muito provavelmente haverá uma es-calada dos movimentos de massas,

visto que, de um lado, o seu governotrará autoconfiança e ânimo renovadoe, de outro, ferozes ataques dos con-servadores. Não pode ser descartada atentativa dos setores mais conservado-res da coalizão que sustenta a candida-tura Lula de tentarem domesticar osmovimentos em nome da governabili-dade, mas esta é uma aposta incerta,face ao dinamismo de muitos movi-mentos e à profundidade da crise emque o país se encontra.

Assim, o PT enfrenta o mais com-plexo desafio de seus mais de vinteanos de história: de um lado, está sobpressão dos EUA (ALCA), do FMI (orecente acordo exige um superavit pri-mário que engessará a ação do Estado

Social) e das forças conservadorasque o apóiam; de outro lado, expres-sa um forte sentimento de mudança:o que significará para a classe-que-vive-do-trabalho a eleição de Lula - amaior liderança produzida no seio domovimento dos trabalhadores brasi-leiros? -, inclusive na ordem econômi-ca e social, como deliberado no XII En-contro Nacional do PT?

As respostas a essas indagaçõesnão são simples e, para uma aprecia-ção mais complexa, terão de ser vistasem uma perspectiva histórica: a priori,

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Política e Democracia

é possível apenas indicar possibilida-des e tendências. Se prevalecerem osposicionamentos do sindicalismo ofi-cial e a lógica da governabilidade, nointerior da ordem constituída, muitoprovavelmente a coalizão de classesdominantes - latifúndio, bancos, meiosde comunicação de massa e corpora-ções - irá ditar, grosso modo, os rumosdo governo; alternativamente, se osmovimentos perseverarem na autono-mia de classe e na organização inde-pendente, a agenda da esquerda pode-rá ser fortalecida. Para tanto, é crucialque as reivindicações elevem a pautaeconômico-corporativa a um patamarpolítico, capaz de agregar forças para aedificação da hegemonia dos subalter-nos. Somente desse modo o governoLula pode fazer avançar as reformasque apontam para uma ruptura nocontinuum do tempo por meio de me-didas concretas.

Assim, claramente, os movimentossociais terão de demandar mudançasno programa de governo, incluindo: ocombate ao capital especulativo pormeio de taxas (exemplo incipiente, aTaxa Tobin); a regulação das finançasinternacionais (menos liberalização emenos desregulamentação); a anula-ção da dívida externa, o tributo neoco-lonial; a revisão das bases do Comér-cio Internacional - especialmente decommodities - conforme já apontava aConferência de Bandung e, por isso,os tratados de livre comércio da OMCe ALCA devem ser combatidos, emespecial no que tange à propriedadeintelectual; a consideração do meioambiente como bem público: recur-sos minerais, energéticos, biodiversi-dade, energia, água e terra. A reformaagrária terá de ser profunda, contra olatifúndio, e acompanhada de vigoro-so apoio do fundo público; a concep-ção do trabalho como ontologia doser social deverá levar o governo acombater todas as formas de precari-

zação, de desemprego, de discrimina-ção étnica e sexual. Uma medida decurto prazo que terá de ser encami-nhada é a redução da jornada de tra-balho (na periferia do capitalismo, ajornada de trabalho média em 2000foi de 2.100 horas, enquanto que, nospaíses centrais, foi de 1.500 horas, ecom um salário incomparavelmentemaior); a universalização dos direitossociais- educação pública e gratuitacom padrão unitário de qualidade,saúde pública, saneamento, alimenta-ção e previdência social em regime derepartição etc., e a democracia comovalor universal e histórico: a transiçãopara os governos civis (transição peloalto) retirou da democracia todo o seucaráter emancipatório. Nos países ca-pitalistas dependentes, não haverá de-mocracia radical sem mudanças pro-fundas na correlação de forças. Hoje, oBanco Central, em sintonia com o FMI,o BM e a OMC, enfim, os Senhores doMundo, governa sem o consentimentodo povo e de seus representantes noparlamento.

Esses pontos programáticos sãometros de longo alcance em marcoscapitalistas. Seria uma imperdoável in-genuidade acreditar que a eleição irápromover um corte de essência notempo histórico, provocando umaruptura de tamanha envergadura queo capitalismo seria coisa do passado.

A prática política requer idéias, de-sejos, utopias, mas, antes de tudo,teoria, rigorosa análise do concreto,particularmente da correlação de for-ças. Se a eleição não promove um cor-te de essência (não há corte metafísi-co no tempo histórico), isso não quer

dizer que a esquerda deva se conten-tar com a ordem estabelecida. Grams-ci dizia que os dominados devem serdirigentes antes de serem dominan-tes. E, para que a classe-que-vive-do-trabalho possa ser dirigente, é precisoações deliberadas. Um primeiro pas-so: tem de ser vivamente convocada aparticipar como protagonista das no-vas políticas e a se organizar autono-mamente para atuar no espaço públi-co, empunhando as teses da transfor-mação social. Os debates que Univer-sidade e Sociedade ora coloca emcirculação são parte desse processode crítica ao capitalismo dependenteque condena o país à heteronomiacultural e objetivam suscitar debatesnas universidades brasileiras, institui-ções que terão de estar à altura dosdesafios históricos que se aproximam.

BibliografiaLeher, R. Movimentos sociais,democracia e

educação. In: Fávero, O. e Semenaro, G. Democracia e Construção do Público no

Pensamento Educacional Brasileiro. Petrópo-lis: Ed.Vozes, 2002.

Rocha, G.M. Neo-Dependency in Brazil.New Left Review 16, July-August 2002.

Seoanne, J. e Taddei, E. Resistencias mun-diales (De Seattle a Porto Alegre).

B.As:CLACSO, 2001.

Roberto Leher é professor da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foipresidente do ANDES-SN, gestão 2000-2002.

Seria uma imperdoável ingenuidade acreditar

que a eleição irá promover um corte de essência no tempo

histórico, provocando uma ruptura de tamanha envergadura

que o capitalismo seria coisa do passado.

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O projeto neocolonial construído noBrasil nos anos 90, determinado pelasdiretrizes neoliberais do Consenso deWashington, pelos programas mone-taristas de ajuste estrutural do FMI efundado teoricamente na premissacolonizada de que não há caminhopossível para o desenvolvimento quenão passe necessariamente peladependência (tese central na obra dosociólogo-presidente FernandoHenrique Cardoso), está prestes a serderrotado nas urnas pela grandemaioria do povo brasileiro. Deixacomo herança o mais obsceno pro-cesso de endividamento exponencial,as mais altas taxas de juros e os maiselevados índices de desemprego eexclusão social de que se tem notíciana história deste país.

Neste momento absolutamentecrucial, a vitória da candidatura do PT -ancorada na adoção pragmática cons-ciente e calculada da “linha de menorresistência”, no abandono do projetosocialista original, na busca de aliançascom setores das oligarquias e da bur-guesia nacional e na proposição políti-ca de um pacto social, visando à cons-trução de um projeto de sociedade ca-paz de responder aos anseios da gran-

Política e Democracia

O PT e o desafio histórico da construção de um projetodemocrático e popular de sociedade

Rodrigo de Souza Dantas*

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 13

Política e Democracia

de maioria dos brasileiros - representanão apenas uma veemente recusa aoprojeto de alienação incondicional dopaís ao mercado financeiro e ao capi-tal transnacional, mas sobretudo umafirme disposição da população em nãoceder ao terrorismo eleitoral do “mer-cado” e conferir ao PT um mandatodemocrático para ativar, fomentar emediar o processo histórico de cons-trução democrática, pacífica e negocia-da de um projeto de sociedade. Pois oque de fato se manifesta na avalanchede votos que deve dar à vitória á Lulanão é só uma evidente negação detudo o que aí está, mas antes de tudouma clara manifestação da vontade dasociedade brasileira de deslanchar umprocesso político, social e cultural que,ativando e mobilizando as energiascriativas e libertárias, se torne efetiva-mente capaz da construção históricade uma sociedade livre, soberana eradicalmente democrática.

Como marco divisor profundo emtoda a história deste país, deveríamosser capazes de reconhecer que a vitó-ria de Lula tem a capacidade de poten-cializar, ativar e mobilizar os mais fe-cundos desejos criadores de transfor-mação da vida e da sociedade _ e queé antes de tudo da energia e da ativi-dade, da capacidade e da efetividadedeste desejo de libertação de que de-pende não apenas o governo de Lula,mas o sucesso de qualquer projeto de-mocrático de sociedade.

Contudo, em meio ao sinistro rufardos tambores de guerra que saúdam oanúncio da Doutrina Bush e a umacrise financeira global cuja real exten-são, profundidade e duração é incerta,e após oito anos do mais fervorosocompromisso governamental, sob osauspícios do FMI, com a alienação dopaís à ciranda predatória da acumula-ção financeira e com a privatização,monopolização, desregulamentação,abertura unilateral, desnacionalização

e mercantilização incondicional detodos os setores da vida social, deve-mos reconhecer que a margem de ma-nobra para a construção negociada deum projeto de sociedade capaz decontemplar todas as partes e resguar-dar todos os interesses estabelecidos émuito pequena e ainda menor se con-sideramos que o endividamento dola-rizado, pós-fixado, a curto prazo e àsmais altas taxas de juros, somados à“ração especulativa” concedida aosespeculadores pelo FMI, confere hojeao mercado financeiro poder de fogopara manter o governo Lula, já antesmesmo de sua posse, sob permanen-te ataque especulativo. Em face a to-dos estes graves constrangimentos,em que a estrutura, a conjuntura e oenorme poder de fogo dos interessesestabelecidos condenam o Brasil àcondição neocolonial de um dos prin-cipais territórios de acumulação capita-lista, devemos reconhecer que a cons-trução negociada e “suave” de um pro-jeto de sociedade terá de se confrontarcom uma correlação de forças extre-mamente desfavorável. Nesse quadro,em uma conjuntura explosiva e asfi-xiante ao extremo, deveríamos tam-bém ser capazes de reconhecer quepura e simplesmente pôr-se na defen-siva e seguir a “linha de menor resis-tência”, evitando a qualquer custo con-trariar os interesses estabelecidos, co-mo a princípio parece a “única alterna-tiva”, pode significar cair na armadilhade se ver forçado a manter, diante damais violenta pressão das circunstân-cias, todas as diretrizes estruturais daatual política econômica, se limitandoà implementação e ampliação gradualde meras políticas compensatórias, o

que provavelmente é o caminho maiscurto para o fracasso de um governoque, após quinhentos anos de brutalexpoliação colonial, recebe pela pri-meira vez um mandato popular que oalça à condição de condutor da cons-trução democrática de um projeto desociedade.

Não é de hoje que a urgência e anecessidade de vencer as eleições temlevado o PT a adotar conscientementea “linha de menor resistência”, e nin-guém em sã consciência pode duvidarque as perspectivas de vitória da can-didatura de Lula estão decisivamenteligadas a esta opção. Todavia, se a ado-ção da “linha de menor resistência”, nocontexto presente, é o único caminhopara a chegada ao poder, e a urgênciaem impedir mais quatro anos de maisum mandato presidencial a reboqueda subordinação incondicional do paísà condição de mero território para avoragem da acumulação capitalista in-ternacional, parece suficiente para jus-tificar a racionalidade desta opção,quando se trata de governar o Brasildentro dos limites e graves constran-gimentos da atual conjuntura nacionale internacional, uma ampla discussãodas premissas, desafios, riscos, impas-ses e conflitos implicados no modo co-mo o PT formulou seu programa degoverno, a partir da adoção da “linhade menor resistência”, se torna mais doque nunca urgentemente necessária.

Para que possamos avaliar as condi-ções, possibilidades, desafios, riscos elimites da construção histórica de umprojeto de sociedade, nas presentescircunstâncias, no âmbito das premis-sas estruturais do regime socio-meta-bólico do capital e numa conjuntura

A conjuntura e o enorme poder de fogo dos interesses

estabelecidos condenam o Brasil à condição neocolonial

de um dos principais territórios de acumulação capitalista.

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que, ao que tudo parece indicar nosúltimos vinte anos, prenuncia o fim detoda a fase historicamente ascenden-te do regime do capital e a ativação deseus limites estruturais absolutos, nu-ma época em que sua insustentabili-dade e incontrolabilidade se tornampatentes, colocando em risco o futuroda civilização1, é preciso começar pelaanálise das determinações históricasmais fundamentais que estrutural econjunturalmente bloqueiam a cons-trução de um projeto de sociedade,dos modos de superá-la e dos limites,riscos, impasses e desafios implicadosneste processo.

A primeira e mais fundamental detodas as determinações estrutural-mente negativas para a construção deum projeto de sociedade é evidente-mente a subordinação estrutural daeconomia e da sociedade nacional àcondição neocolonial de território paraa acumulação capitalista abertamentepredatória. Estamos hoje em uma si-tuação em que todos os marcos regu-lamentares de proteção da economia,da sociedade e do território nacionalque foram construídos, com idas evindas, desde a era Vargas, nocontexto freqüentemente tur-bulento e autoritário da afirma-ção de um projeto de naçãoque começa a ser derrotadoem 1964, foram efetivamente destruí-dos nos últimos oito anos, o que sem-pre foi enfatizado pelo próprio FHCcomo a grande realização de seu go-verno, movido pela erradicação da he-rança da era Vargas, e como empreen-dimento que supostamente teria finca-do as raízes para toda uma nova era dahistória brasileira, marcada pela aliena-ção definitiva e incondicional da eco-nomia, do Estado, da sociedade e doterritório nacionais ao grande capitaltransnacional, alienação afirmada co-mo a “única alternativa”, como estágio“inevitável” do processo de moderni-

zação, em tempos de globalização, ecomo condição para um desenvolvi-mento que, doravante, segundo osraciocínios de seus apologistas, supos-tamente apenas seria possível nosmarcos pós-modernos, neoliberais eglobalizantes da subordinação neoco-lonial aos imperativos da acumulaçãocapitalista. Não se trata aqui de tecerloas ao nacionalismo, de suspirar peladerrota do nacional-desenvolvimentis-mo, e muito menos nutrir ilusõesquanto à espécie de soberania e de-

senvolvimento nacional que suposta-mente teria sido possível sob a batutada burguesia nacional aliada a um Es-tado forte, intervencionista e suposta-mente capaz de conciliar, ainda queautoritariamente, todos os conflitos eantagonismos estruturais inerentes ao

modo de produção capitalista, masapenas de constatar o efetivo bloqueiode toda e qualquer perspectiva paraum projeto de sociedade nas condi-ções vigentes. O que hoje pode serconstatado, como principal herançados anos FHC, é a internalização efeti-va dos interesses do grande capitaltransnacional, que deslocaram pro-gressivamente, primeiro os militares,nos anos 80, e, mais tarde, nos anos90, as oligarquias e grande parte daprópria burguesia nacional, assumindoo controle efetivo dos centros decisó-rios da vida nacional, se apropriandodo Estado, do Banco Central, da infra-estrutura nacional e de praticamentetodas as empresas estatais e recursosnaturais, encarcerando implacavel-mente a economia à chantagem terro-rista da acumulação financeira, sub-metendo a seus interesses rigorosa-mente inconfessáveis todos os meiosde comunicação e, sobretudo, se apro-priando de mais de setenta por centodo PIB nacional (quando detinha ape-nas um terço antes do início dos anos90). Neste contexto, na medida emque toda a América Latina passou porprocessos mais ou menos semelhan-tes na última década, a ALCA, nos ter-mos em que hoje ela está sendo pro-posta pelos EUA, representa o apro-fundamento e a institucionalização di-ficilmente reversível de todo um pro-cesso de dependência estrutural e ane-xação neocolonial cujas bases mate-riais já estão efetivamente assentadas.

Neste quadro, deveríamos ser capa-zes de reconhecer em que medida érigorosamente impossível conceberum projeto de sociedade sobre estasbases, do mesmo modo que é inteira-mente ilusório supor que um dos prin-cipais territórios neocoloniais da acu-mulação financeira e capitalista globalpossa propor um projeto de nação quenão venha a entrar em conflito frontalcom os interesses estabelecidos. O cír-

A ALCA, nos termos em que

hoje ela está sendo proposta

pelos EUA, representa o

aprofundamento e a

institucionalização

dificilmente reversível de todo

um processo de dependência

estrutural e anexação

neocolonial.

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culo de ferro está fechado, como ficouclaro no seqüestro do processo eleito-ral brasileiro, manifesto no constrangi-do assentimento da candidatura petis-ta à continuidade da atual política eco-nômica proposta pelo FMI. Embora oseconomistas do PT busquem demons-trar, por todos os meios técnicos a seualcance, os possíveis caminhos para agradual implementação de outra polí-tica econômica, pacificamente, semrupturas ou confrontos, tudo isso soamuito pouco crível, posto que a subor-dinação do país aos ditames da acu-mulação financeira, em um momentode crise do sistema financeiro interna-cional, retração brusca do fluxo de in-vestimentos e encolhimento brutaldos ativos, dificilmente poderá serrompida por outros meios que nãopassem, cedo ou tarde, por uma mora-tória ou uma renegociação unilateral-mente forçada da dívida brasileira, etudo isso num processo em que, pre-visivelmente, o “mercado”, aliado aosmeios de comunicação e às forças deoposição interna e externa ao governode Lula, se empenhará por todos osmeios possíveis em fomentar a instabi-lidade necessária para inviabilizar pre-cocemente o governo de Lula e levá-loa um fim semelhante ao de Fernandode la Rua, na Argentina.

O círculo de ferro com que necessa-riamente terá de se deparar, no gover-no, a política da “linha de menor resis-tência” se fecha ainda mais se conside-rarmos que a aliança feita pelo PT paragovernar inclui, de um lado, vários se-tores das oligarquias, da burguesia na-cional e de uma classe média, mais oumenos conservadora, que busca sem-pre aferrar-se ao que ainda resta deseus privilégios, e de outro lado, a so-ciedade civil organizada, movimentossociais e populares em grande partede tendência socialista e setores dapopulação dispostos a uma radicaliza-ção na defesa dos interesses democrá-

ticos da grande maioria da população.Se esta ampla coalizão é de fato umacondição necessária para a vitória elei-toral e para a governabilidade, suaheterogeneidade pode se constituirem grave constrangimento nos mo-mentos críticos de impasse, em que apretensão de superar as determina-ções negativas à implementação deum projeto de sociedade tenha de sedeparar com o poder de fogo das posi-ções e interesses dominantes.

Neste quadro, não é mesmo difícilprever que, dentro dos limites da viainstitucional, das regras do jogo dita-das pelos interesses financeiros, daprecária correlação de forças na quedade braço com o “mercado”, da híbridabase de apoio parlamentar e social aogoverno e do “espírito de negociação econciliação” corretamente propostopor Lula, a capacidade de resposta àspressões do “mercado” e dos interes-ses estabelecidos será quase nula semuma intensa mobilização social, capazde identificar e isolar os setores domi-nantes e seus interesses espúrios econferir a base de apoio social a partirda qual o processo de negociação deum pacto social a ser conduzido pelogoverno petista possa significar algomais do que a “negociação” entre opescoço e a guilhotina.

Os riscos envolvidos nesta situaçãosão explosivos, ainda mais se conside-ramos que a necessária mobilizaçãosocial tende a tornar muito mais agres-sivas as posições e estratégias adota-das pelo “mercado”, fazendo com queo cenário de um ataque especulativo,

seguido pelo cenário plausível de umenvio maciço de recursos ao exterior ede uma corrida ao dólar e aos bancospossa nos levar, em algum momento,a uma situação muito semelhante àArgentina. Tudo aponta para a delica-dísissima situação em que, por um la-do, não romper ou, ao menos, não seconfrontar com os interesses estabele-cidos pode significar o naufrágio dogoverno Lula, amarrado ao círculo deferro de uma estrutura e de uma con-juntura francamente desfavoráveis,naufrágio que, por sua vez, assinalariaos limites da via política institucionalcomo caminho para a construção desociedades soberanas e democráticas,em que as estruturas e mecanismosde produção da riqueza não se voltemsistematicamente contra a vida, a na-tureza e a própria sociedade como umtodo; e, por outro lado, alinhar-seabertamente com o movimento social,assumindo assim a defesa e a condu-ção política do processo de construçãodemocrática de um projeto de socie-dade pode, evidentemente, nos levar aum confronto com os poderes e inte-resses estabelecidos cujos resultadosseriam absolutamente imprevisíveis.

Neste contexto, fazer com que asestruturas e mecanismos sistêmicosde produção de riqueza não se voltemsistematicamente contra a vida, a na-tureza e a própria sociedade como umtodo, e, ao mesmo tempo, manter-seno âmbito das premissas estruturaisdo regime socio-metabólico do capitale dos estreitos limites impostos poruma conjuntura francamente desfavo-rável, evitando a qualquer custo con-fronto com os interesses estabelecidosque possa em algum momento levar auma situação de ruptura é francamen-te ilusório. Neste quadro, falar que asolução passa pura e simplesmentepela retomada do desenvolvimentoeconômico nacional e soberano, nomarco do sistema capitalista global, no

Não romper ou, ao menos, não

se confrontar com os interesses

estabelecidos pode significar o

naufrágio do governo Lula.

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contexto de uma grave crise estruturaldo regime do capital e da posição emque o Brasil se acha no sistema eco-nômico global, e numa época em que“desenvolvimento econômico” passoua implicar, ao menos nos últimos vinteanos, destruição sistemática, insusten-tável, incontrolável e irreversível da na-tureza, desemprego e exclusão socialestruturalmente crescentes, liquidaçãodos mais elementares direitos huma-nos e sociais, concentração de rendasem precedentes e negação à grandemaioria do acesso aos bens necessá-rios à vida, tudo isso simplesmentenão pode ser levado a sério, ao menosquando se presume, ou ao menos sedeclara, por razões de resto compreen-síveis, que as soluções propostas nãoentrarão em choque com os interessese poderes estabelecidos.

Em todo este contexto e em funçãode todas estas considerações, a únicacerteza que podemos nutrir é a de quea construção de um projeto de socie-dade só é possível a partir de uma in-tensa mobilização da sociedade, capazde torná-la sujeito político constituintedo processo de construção histórica deuma sociedade soberana e democráti-ca. Sem a mobilização intensa de todosos recursos, potências e energias criati-vas da sociedade como poder consti-tuinte que visa à conquista da sobera-nia social e política no processo deconstrução de uma nação capaz desubtrair-se a sua condição histórica demero território de acumulação capita-lista hiper-predatória, o discurso emtorno da constituição de um projeto desociedade tende a esvair-se em fumaçadiante de todas as poderosas estrutu-ras negativas. A construção histórica deum projeto de sociedade democrática,nas atuais circunstâncias, não pode serfeita de cima para baixo, como se tudodependesse de soluções tecnocráticasou como se interesses francamenteantagônicos pudessem ser conciliados

e satisfeitos numa mesa de negocia-ção. Neste momento absolutamentecrucial da história brasileira, por todasas razões já expostas, apenas a mobili-zação intensiva da sociedade comosujeito social e político constituinte naconstrução radicalmente democráticade um projeto de sociedade pode levara bom termo um governo do PT.

As encruzilhadas, impasses e confli-tos, ao longo deste caminho, estarãopor toda parte. Espremido entre osconstrangimentos da situação e os in-teresses dominantes e os limites queas alianças com vários setores das oli-garquias e da burguesia nacional vãobuscar-lhe impor no Parlamento e amobilização democrática da sociedadecivil organizada, Lula se deparará comlimites intransponíveis, dentro do círcu-lo de ferro das atuais “regras do jogo”,na condição de condutor do processode negociação de um pacto social. Nes-te quadro, Lula e o governo petista se-rão certamente pressionados pelos in-teresses dominantes, no sentido deexercer um papel de contenção da mo-bilização social e servir, assim, comouma espécie de apaziguadores, deneutralizadores dos conflitos, antago-nismos e insatisfações explosivas quedevem surgir, ao longo de todo o pro-cesso. Por sua parte, todo o cacife polí-tico de Lula, na mesa de negociações,dependerá do apoio e da mobilização

popular, como ele mesmo tem insinua-do em seus discursos em eventos pro-movidos pelas forças populares quelhe dão apoio. De nosso lado, restapressionar seu governo para que assu-ma, na condução do Estado, o papel demediador político da mobilização so-cial de um processo constituinte e radi-calmente democrático de construçãode um projeto soberano de sociedade.

Diante de todas as gravíssimas de-terminações estruturalmente negativasque obstruem a construção democráti-ca de um projeto de sociedade sobera-na (dentre elas, seria necessário subli-nhar o caráter sistêmico assumido pelacorrupção generalizada de todas asinstituições nacionais, do Judiciário aoLegislativo e ao Executivo, passandopelo crime organizado, pelo aparelhopolicial e penitenciário e por quase to-dos os micro-cosmos da vida nacio-nal)2, não há caminho possível fora damobilização social, em caráter emer-gencial, de todas as energias criativasde que dispomos, na mesma medidaem que é difícil imaginar, neste pro-cesso, que a adoção da “linha de me-nor resistência” não tenha de ser aban-donada em algum momento, quandoconfrontada com seus limites estrutu-rais e conjunturais. Neste quadro, em-bora o PT esteja de fato comprometi-do a não desafiar os limites das pre-missas estruturais do regime socio-metabólico do capital, é possível que aexperiência dos limites inerentes aospaliativos passíveis de serem emprega-dos no âmbito restrito destas mesmaspremissas, no bojo de todo um pro-cesso de mobilização social intensa,em circunstâncias drasticamente ad-versas e restritivas, acabem por fazeramadurecer uma consciência política esocial em relação aos limites estrutu-rais inerentes à qualquer tentativa deconstrução histórica de uma sociedadedemocrática, em países como o Brasil,dentro das circunstâncias atuais, de to-

Política e Democracia

Todo o cacife político de Lula,

na mesa de negociações,

dependerá do apoio

e da mobilização popular,

como ele mesmo tem

insinuado em seus discursos

em eventos promovidos

pelas forças populares

que lhe dão apoio.

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dos os limites institucionais e premis-sas estruturais do sistema capitalista.Isto não quer dizer que a gestaçãohistórica de uma alternativa socia-lista, que se situe de fato paraalém dos limites do regime socio-metabólico do capital, esteja se-quer próxima no presente cenário,mas apenas que a experiência de cons-trução de um projeto de sociedade, sequiser ser bem sucedida nas atuais cir-cunstâncias, sobretudo num cenário se-melhante ao da Argentina e no âmbitode uma intensa mobilização social, pro-vavelmente tenha de se confrontar,cedo ou tarde, com a necessidade decriar caminhos próprios que a levempara além das premissas estruturais doregime do capital.

Em todo este contexto, o desafiopolítico colocado à sociedade civil or-ganizada é certamente de uma magni-tude muito superior a seu atual estágiode mobilização, embora o cenário his-tórico se configure favorável para umarápida e intensa acumulação de forçase energias adormecidas. Para isso, de-certo será necessário não sucumbir àirresponsabilidade e à inconseqüênciada posição dos que pretendem que omovimento social deva assumir umapostura de oposição ao governo Lula,entregando-o ao abraço de urso daspressões e interesses dominantes.Mais do que isso, será necessário, apartir das forças já acumuladas, desen-cadear e conduzir um processo aomesmo setorial, local e nacional demobilização e articulação de todas asforças e energias da sociedade civil.Para isso, é urgente redobrar todos osesforços militantes no sentido de cons-tituir fóruns setoriais, locais e nacionaisque, funcionando como assembléiaspermanentes da sociedade civil, sejamcapazes de reunir e articular todos ossetores da sociedade em um processodemocrático de mobilização social,dando assim fôlego, substância, dire-

ção e coordenação política a todo ummovimento de massas como o únicocaminho real para a efetivação históri-ca dos desejos, potências, promessas eesperanças encarnadas pela candida-tura de Lula.

Não há fórmulas, estratégias, garan-tias ou caminhos previamente defini-dos em todo este processo; aprendere-mos na medida em que caminharmos,respondendo aos desafios que se ofe-recerem de acordo com o acúmulo e oamadurecimento de nossas forçassociais e políticas, tendo como horizon-te último o avanço consistente emtodo o longo, imprevisível e tortuosoprocesso constituinte de construção deuma sociedade radicalmente democrá-tica. Todas as forças democráticas domundo estão ao nosso lado, deposi-tando em nós suas mais altas esperan-ças na construção de um futuro que,ou será nosso, ou não será.

Notas1- Para uma análise sistemática da crise

estrutural do capital, ver “Para Além do Capi-tal”, de István Mészáros. Boitempó Editorial.São Paulo. 2002.

2- Deveríamos, antes de tudo, ser capazesde reconhecer que a corrupção, como fenô-meno rigorosamente sistêmico, não é de mo-

do algum um problema moral, nem tampou-co algo que possa ser resolvido com medidaspuramente repressivas e coercitivas, comopretende a abordagem ideológica tradicional,em que as personificações do capital, seusapologistas e todos os que são mais ou me-nos inocentes buscam situar o “mal”, seja naprópria substância da condição humana, sejanum suposto “caráter nacional”, culturalmentecondicionado, e sugerir respostas de naturezapolicial, bem de acordo com seus interessesde classe, sua hipocrisia ou seus preconceitos,respostas que na prática apenas servem, muiconvenientemente, para encobrir e até mes-mo reforçar as próprias determinações estru-turais do problema . Muito pelo contrário, acorrupção é um problema político e social: elaestá inscrita na raiz das próprias condições es-truturais de realização da vida nacional e, an-tes de tudo, nas determinações estruturaiselementares do regime socio-metabólico docapital, e de modo ainda mais grave nos terri-tórios neo-coloniais, estruturalmente destina-dos à condição de mero objeto da acumula-ção capitalista. Construir um projeto de socie-dade sob estas bases é como tentar construiruma casa em cima de um pântano. Em verda-de, enquanto não for possível remover políti-ca e socialmente as causas estruturais da cor-rupção sistêmica e institucionalizada, de mo-do a torná-la residual, a corrupção só pode serminimizada, como condição fundamental pa-ra a estruturação de um projeto de sociedade,às custas de uma mobilização sistemática detodas as energias sociais capazes de sustentarpoliticamente um eventual governo petistaem seu inevitável confronto cotidiano e explo-sivo com as instituições basilares da vida na-cional e, certamente, com suas personifica-ções mais “respeitáveis”.

* Rodrigo de Souza Dantas é professoradjunto no Departamento de Filosofia daUniversidade de Brasília (UnB); doutor emFilosofia pela UFRJ (2002); Secretário-Geralda Associação dos Docentes da UnB(Adunb). Email: [email protected]

Todas as forças democráticas

do mundo estão ao nosso lado,

depositando em nós suas mais

altas esperanças na construção

de um futuro que, ou será

nosso, ou não será.

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Agradeço o convite do Instituto deEstudios Educativos y Sindicales deAmérica e do Centro de Estudios Es-tratégicos Integrales, que me oferecea possibilidade de estar no México, e,ao mesmo tempo, compartilhar comvocês algumas das preocupações que,acredito, chamam-nos neste convul-sionado início de século marcado porrupturas e continuidades simultâneasque não são só dele, mas que tam-bém decorrem de demandas e trans-formações já características da articu-lação de uma sociedade baseadanuma economia de mercado que temcomo princípios a exploração e a acu-mulação de riqueza.

Como forma de provocar, começocolocando que a maioria dos foros dedebates são concebidos de formapragmática. Defrontamo-nos com umarealidade que consideramos irremoví-vel e a aceitamos de forma irreversível.Ou seja, assumimos os princípios ema-nados do poder para a construção danossa realidade. Com isso, os nossosargumentos caem dentro de um con-junto de articulações de postuladospreviamente assumidos como verda-deiros. O mundo é irremovível.

Por isso, a primeira sinalização a serfeita é questionar essa forma de pen-sar o mundo e a sua transformação. Odebate é de cunho teórico e político. A

Marcos Roitman Rosenmann **

Os dilemas da democracia no século XXI*

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guerra da palavra implica se apropriarda realidade para se construir projetose definir estratégias democráticas demudança social. Sem a nossa palavra,não há como existir. Estamos vivendouma existência que é emprestada:aquela criada pelo poder para o seupróprio desenvolvimento. Refiro-me ànecessidade de nos apropriarmos darealidade mediante a utilização deconceitos e categorias que nos sirvamde indicadores de como e de queforma devemos enunciar, explicar,entender e compreendê-la para maistarde transformá-la. No entanto, torna-mos real o inexistente. Aceitamos prin-cípios indemonstráveis e construçõesimpossíveis como válidos. Um exem-plo nos pode ajudar. À pergunta: quemé o rei da selva?, como que espontane-amente, surge a resposta: o leão. Mastalvez haja quem não concorde comisso e proponha que é o elefante. Ou,quem sabe, outro que sugira a girafa. Enão faltará quem prefira o tigre ou al-gum réptil gigante. Dessa maneira, es-taríamos iniciando uma discussão jánão isenta de exaltações e desqualifica-ções. Mas, onde ficam o senso comume o reconhecimento? O leão é um ani-mal que vive na selva? Pelo que sabe-mos, ele é originário e vive na savana,e não na selva, independentemente doseu clima ou geografia. Isso significaque existe aqui um equívoco de formu-lação de princípio. Quanto tempo perdi-do em discussões estéreis. Outro exem-plo: o que é democracia? Muitos vãodizer se tratar de regras do jogo para aescolha de elites políticas, ligadas a pro-cedimentos eleitorais e sobre minorias.Um problema quantitativo. Maiorias xminorias. Um procedimento eleitoral.Na minha opinião, a democracia, à se-melhança com o exemplo do leão, nãoencaixa em nenhum dos enunciadospropostos. Mas, esta é a forma que nosé imposta para entendê-la.

Portanto, a primeira coisa que preci-

samos resgatar é o conceito de demo-cracia, e não deixar que o pensamentoneoliberal se aproprie de sua definiçãoe marque para nós o rumo para anossa discussão.

A democracia é articuladora de con-flitos; implica, portanto, dissensão, aoinvés de consenso; é um poder consti-tuinte, um fato contingente, contendouma noção ética como princípio expli-cativo do exercício social do poder. Porisso, é que a democracia torna-se umato e expressa uma prática plural decontrole e exercício do poder, a partirdo dever ser do poder. Ou, em formamais clara e breve: democracia significamandar obedecendo. É, também, umaopção de poder.

Cometemos um erro quando fala-mos de projetos democráticos sociaise estabelecemos um vínculo direto en-tre partidos políticos, sistema de parti-dos e democracia. Não há uma relaçãounívoca entre pluripartidarismo e de-mocracia. Existem partidos que nãodefendem um projeto político demo-crático, como, por exemplo, todos ospartidos de direita e a maior parte dossociais democratas, para citar apenasos mais relevantes hoje.

Defender a economia de mercadocapitalista significa avalizar a explora-ção, um feito que, longe de ser demo-crático, está mais para uma involuçãopolítica. É falso, portanto, formular quea existência de partidos múltiplos seja,por si só, um fato democrático. Comoé falso também apontar que a existên-cia de disputas eleitorais entre partidospolíticos já implique um processo demudança democrática.

O que faz com que os partidos setornem democráticos são os princípiosnos quais se baseiam tanto a sua pro-posta política quanto o seu projeto so-cial.

Sair por aí declamando a democracianão torna ninguém um democrata; aexistência da democracia só se compro-va na prática. É nesta dinâmica que ospartidos políticos democráticos são aexpressão da sociedade civil e de suasreivindicações. Não a substituem, é ver-dade; mas a complementam, construin-do a cidadania nos princípios da res-ponsabilidade, participação e compro-misso ético perante o bem comum.

No entanto, os partidos políticos,hoje, se transformaram em gestores eadministradores do poder. Desapare-cendo a democracia do horizonte polí-tico dos partidos, junto vai também aprática democrática interna. Robert Mi-chells falava, no início do século, daconfiguração das oligarquias nos parti-dos políticos democráticos. Não é difí-cil imaginarmos quando não são de-mocráticos ou deixaram de sê-lo.

Existem partidos que, junto com asua vitória eleitoral, também chega umprocesso de involução política. A alter-nância no poder não é símbolo detransição democrática ou de pluralida-de política democrática. Portanto, o fa-to de um ou outro partido ganhar abatalha eleitoral não significa que oganhador seja democrático, e menosainda, que seja democrática a ordempolítica de onde é realizada a eleição.

Para a ordem política ser democrá-tica, dois elementos prévios são essen-ciais: 1) a liberdade, compreendida co-

Os partidos políticos, hoje, se transformaram

em gestores e administradores do poder.

Desaparecendo a democracia do horizonte político dos

partidos, junto vai também a prática democrática interna.

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mo processo de responsabilidade so-cial na ação pública (sem direitos so-ciais, a cidadania política é impossível,assim como não passa de uma utopiaa construção democrática), e 2) umanoção aberta de futuro. Sem isso, amudança social desaparece e os proje-tos democráticos se desfazem emfumo, à semelhança dos objetos so-ciais e políticos.

Os partidos políticos democráticosdevem mostrar os seus antagonismose disputar pelo poder político não nointuito da gestão ou administração doque é do estado, mas para uma orien-tação do futuro visando a um mundode justiça social, de liberdade coletivae de igualdade política para o exercícioe controle do poder. Não devemos es-quecer que uma concepção reducio-nista da democracia pode apresentar avitória de um partido da oposição co-mo um fator de desenvolvimento de-mocrático. Por exemplo, o Hitler ga-nhou algumas eleições, e, logicamen-te, não poderíamos afirmar que a suavitória tenha significado, na Alemanha,um fator de evolução política e conso-lidação democrática. Que um partidoganhe umas eleições depois de umexercício ininterrupto de outro partido(o caso do México) não garante quehaverá necessariamente um projetodemocrático. Se um projeto defendidopor um partido não for democrático,mesmo que ganhe as eleições, nempor isso a sociedade irá se encaminharpara um futuro democrático.

Se não houver aceitação da partici-pação, mediação, negociação, coação ea representação como parte constituti-va do ato democrático, não é possívelque estejamos falando de um projetoque de fato tenha esse qualificativo. Eaqui surgem as relações que permiti-riam falar de uma ordem democrática.

Democracia e governabilidadeDiz-se, costumeiramente, que as

ordens políticas devem ser governá-veis. Neste sentido, governabilidadeestá associada à ordem. E não poderiaser diferente. Mas, não é que qualquerordem seja democrática. Seria pedirmuito exigir que uma ordem neo-oli-gárquica como é a existente, uma or-dem excludente e centralizadora dopoder, exerça uma governabilidade de-mocrática. A governabilidade de umaordem neo-oligárquica não é democrá-tica. Logo, se a ordem não é democráti-ca, a governabilidade também não o se-rá; a governabilidade faz o poder e ex-pressa as funções de articulação do po-der político. Por isso é que falamos deforças de segurança do Estado, da razãode Estado; não falamos das forças desegurança da cidadania. Quando fala-mos de governabilidade, estamos nosreferindo às funções do poder do Esta-do, no marco específico das relações decoação e repressão que ocorrem naordem política.

Desse ponto de vista, se a ordempolítica não é democrática, a governa-bilidade também não é. Por isso, pro-por governabilidade à margem da ne-cessária configuração democrática dopoder é avalizar o marco atual de refe-rência onde a violência estrutural de-corrente das desigualdades sociais eda exploração extrema e selvagem im-põem uma governabilidade autoritáriae tirânica. Unir democracia com gover-nabilidade é possível se o projeto deEstado for democrático. Nem toda go-vernabilidade é democrática; a gover-nabilidade que se pede hoje é repres-siva e tende à construção de uma or-dem oligárquica efetivamente camu-flada sob os critérios da racionalidade

e da eficiência. Se esse fosse o caso,teríamos que aceitar que a tirania dogeneral Augusto Pinochet no Chile foium exemplo de governabilidade, eque os graus de segurança da popula-ção com processos excludentes - comdetidos, desaparecidos e torturas - é onível máximo de governabilidade e efi-ciência da ordem política. E assim, aoexistir governabilidade, teríamos umaordem democrática. Repetindo, paraque exista governabilidade democráti-ca, tem que haver um projeto demo-crático. Sem projeto de Estado demo-crático não é possível construir a go-vernabilidade democrática. Governa-bilidade e democracia caminham jun-tas quando a ação do Estado é tradu-zida efetivamente em políticas quevisam à solução de problemas básicosda população, como saúde, educação,emprego e moradia: condições míni-mas para o exercício da cidadania polí-tica; sem isso, não é possível falar deum projeto de governabilidade demo-crática.

Hoje, a governabilidade é construídasobre as noções de racionalidade e efi-ciência a fim de se garantir a ordem es-pontânea do mercado, e se desconhe-ce o valor da cidadania política; o quese está criando é uma sociedade semnome de “salve-se quem puder, masprimeiro eu”. Em última análise, instau-ra-se uma governabilidade sustentadasobre critérios policiais e de repressão,onde o exercício da democracia ficaconfuso e sob a maquiagem do concei-to de tolerância. No entanto, uma socie-dade democrática é aquela que aceita ese reconhece no outro, na diferença,que não é tolerante, que convive na

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Política e Democracia

Nem toda governabilidade é democrática;

a governabilidade que se pede hoje é repressiva e tende à cons-

trução de uma ordem oligárquica efetivamente

camuflada sob os critérios da racionalidade e da eficiência.

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realidade do outro e, portanto, reflete-ana sua noção de conflito.

Vou dar um exemplo para ilustrar adiferença entre aceitar a diferença etolerá-la. Eu diria que, na minha salade aula, como docente, aceito ser in-sultado pelos meus alunos, que discu-tam comigo, que me façam suar e metratem por tu. Vejam como sou tole-rante. Mas, no fim do curso, quem dáa nota sou eu. Podem dizer o que qui-serem, mas quem detém o poder e dáa nota sou eu. Um outro exemplo po-de ser o exercício do direito da greve,como é interpretado atualmente nassociedades ocidentais de capitalismoavançado. É possível fazer uma grevegeral e manifestar publicamente umprotesto contra leis salariais regressi-vas ou violações dos direitos sociais.Isso é permitido fazer. Mas os gover-nos não irão mudar as suas decisõesmesmo que milhões de cidadãos vãopara a rua expressar a sua insatisfação.Já foi tomada a decisão de cercear di-reitos e privatizar ou tornar flexível omercado de trabalho, e isso não muda.Entretanto, os governos estão sendotolerantes.

Construir a democracia implica as-sumir a diferença em termos de acei-tação do outro, e a aceitação do outroé um elemento conflitivo. A democra-cia nunca é consenso: é dissensão eincerteza; projeta a condição humanapara futuros incertos.

A razão de Estado tem que ter limi-tes. Não é possível combater o terroris-mo com loucura e terrorismo de Es-tado. A construção da democraciapressupõe princípios racionais éticos enão princípios de articulação tecnocrá-tica; por isso, ela é uma opção de po-der, uma opção política.

Enquanto os partidos estiverem pro-pondo uma dinâmica em que, por umlado, dizem querer solucionar os proble-mas e, por outro lado, articulam e de-senvolvem políticas neoliberais de ex-

clusão e desarticulam os projetos nacio-nais de identidade política, será total-mente impossível concluir estarmos napresença de um projeto democrático.

Decididamente, proclamar-se de-mocrata não significa necessariamenteque se é. Por exemplo, eu posso dizerque sou marciano e que vim à Terrapara lhes contar as gentilezas da or-dem política marciana com base na al-ternância política. Vocês poderiam di-zer que estou louco. Pois bem, quandonos dizem que a globalização é umprocesso e não uma ideologia, quandonos falam de uma globalização alter-nativa, apresentando-a para nós sepa-rada de sua origem, como sendo umprocesso de aprofundamento do capi-talismo e, conseqüentemente, do im-perialismo, achamos que ela é normale não uma loucura.

Precisamos resgatar a capacidadede crítica; não devemos acreditar emtudo que nos dizem, mas entenderque a realidade implica uma constru-ção política. O neoliberalismo está seapossando da construção da realida-de, está impondo linguagem, concei-tos e categorias para o conhecimentodo mundo. Opor-nos a isso é o primei-ro ato de responsabilidade democráti-ca. O que vem a seguir é lutar pelo seudesenvolvimento.

Democracia, desenvolvimento e subdesenvolvimentoSem desenvolvimento não há de-

mocracia. Devemos entender como de-senvolvimento o desdobramento daspotencialidades humanas, não comouma variante dependente de progra-mas econômicos de governo. De-

senvolvimento não é um princípio dedefinição quantitativo endossado porcifras de crescimento de bens de con-sumo. É, em si mesmo, uma opção po-lítica. Uma opção política que tenhacomo eixo o desenvolvimento huma-no é, por definição, democrática e trazno bojo uma carga ética e moral, a par-tir do qual a cidadania política é for-mulada. Implica, portanto, uma vonta-de política para articular e potenciar asfaculdades que servem de sustentaçãopara a condição humana. É claro queestas faculdades não se encontram nomercado capitalista. Nele se encon-tram mercadorias, consumidores, em-presários e operários, vendedores ecompradores de capital e força de tra-balho, exploradores e explorados, mascidadãos, não.

A dita igualdade de oportunidadestão propalada pelos defensores domercado e do livre comércio é uma fa-lácia, se for levado em conta que oprincípio em que se baseia essa igual-dade é uma mentira. É determinada adesigualdade pela falta de meios ali-mentares durante a gravidez de mu-lheres pertencentes às classes popula-res e que moram na pobreza ou indi-gência. Sem dispor de bons nutrientesé impossível para os recém-nascidosdesdobrarem-se em faculdades quepossam se desenvolver nos meses degestão e nos primeiros meses de vidapós-uterina. Faculdades como a inteli-gência, a memória, a capacidade decompreensão e outras que são o resul-tado de uma boa maternidade, condi-cionam para sempre uma desigualda-de de oportunidades. A deficiência deproteínas, vitaminas e de outros ali-

Política e Democracia

A dita igualdade de oportunidades tão propalada

pelos defensores do mercado e do livre comércio é uma falácia,

se for levado em conta que o princípio em que

se baseia essa igualdade é uma mentira.

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mentos durante a gestação do fetoacarreta danos irreversíveis.

Partindo dessas considerações, deque igualdade de oportunidades estãome falando? Um jovem que nasce emcondições de subnutrição nunca teráas mesmas oportunidades. As políticasneoliberais de restrição de auxílio àmaternidade têm conseqüências de-sastrosas para a evolução infantil. A ca-rência de elementos-chave para o de-senvolvimento do cérebro durante agestação acarreta a geração de umadesigualdade irreversível. Significa a ar-ticulação deficiente das neuronas euma perda de mielinização, que temcomo uma de suas funções a transfe-rência de informação. Os danos sãoirreparáveis.

Conforme as mais recentes estatísti-cas - para aqueles que dizem que nãoutilizamos os dados numéricos - daOrganização Mundial da Saúde para aAmérica Latina, indicam que a defi-ciência de proteínas e vitaminas dasmães pertencentes aos setores popu-lares, pobres e marginalizados, leva-asa darem à luz crianças com inteligêncialimitada. No Chile, o grande projetoneoliberal defendido pelo Pinochet eseus caudatários fizeram com que, queentre 1978 e 1989, uma grande por-centagem de crianças nascidas naque-le período fossem portadoras de inte-ligência limitada. Que possibilidadespara concorrência elas tinham semesmo antes de nascerem já estavadeterminado quem poderia desfrutardos benefícios do mercado?

É um mito o mercado compreendi-do como resultado espontâneo deuma ordem política. Ninguém está ne-gando a importância do mercado,longe disso; o que está sendo questio-nada aqui é a sua origem “natural”como expressão do devir da condiçãohumana. Uma coisa é a economia demercado e outra coisa muito diferenteé a existência do mercado. Este não é

fator gerador de cidadãos, mas de con-sumidores. Não se obtém a cidadaniapolítica recorrendo ao mercado. Elanão é comprada nem vendida. Obtém-se a cidadania plena como um proces-so de responsabilidade e ética oriundada atuação pública, no processo decontrole do poder, de tomada de deci-sões e de participação na elaboraçãodo projeto de desenvolvimento.

Portanto, o desenvolvimento e a de-mocracia caminham juntos. E mais. Osprocessos de modernização na Amé-rica Latina, nos anos sessenta, indica-vam que não era possível entender odesenvolvimento político sem a inte-gração das grandes maiorias ao proces-so de tomada de decisões e, principal-mente, ao desfrute de melhores condi-ções e qualidade de vida. Era uma pro-posta para uma sociedade mais inte-grada e, conseqüentemente, mais liga-da aos princípios de um desenvolvi-mento humano.

Testemunhamos hoje, entre outrascoisas, uma desarticulação do vínculoentre democracia e desenvolvimento.

Por isso, a democracia é consideradacomo um procedimento eleitoral paraeleger presidentes, senadores, deputa-dos, prefeitos ou vereadores. Ela já nãomantém uma relação com o desenvol-vimento. A democracia fica reduzida aser uma técnica de procedimento aserviço do revezamento da elite políti-ca e da administração do poder. A de-mocracia perde a capacidade de articu-lar sujeitos políticos ativos. Estamospresenciando a perda de sentido políti-co da democracia e, com isso, uma mi-nimização da condição humana. A de-mocracia não pode coexistir com osubdesenvolvimento. Não haverá de-mocracia enquanto houver um cidadãoexcluído, ou seja, que não tenha mora-dia, seguros sociais, pão, educação,uma aposentadoria digna e lhe for ne-gada a sua faculdade de trabalhar co-mo parte da condição humana.

O que gera o trabalho não é o mer-cado. O trabalho parte da condição hu-mana, condiciona a própria existênciasocial. Se o ser humano não pode tra-balhar, se fica sem participar da pró-pria construção do fazer, não pode tercondições para desenvolver todas assuas potencialidades.

Então, o trabalho não se encontrano mercado, mas ele faz parte, sim, daprópria essência da condição humana.Por isso, um Estado democrático arti-cula o seu projeto sob a dignidade queum trabalho se supõe possuir. Umasociedade pode se desenvolver comcrescimento zero; elevadas taxas decrescimento econômico não são indis-pensáveis quando elas significam umaconcentração da receita. Já existiram e,ainda existem, países com altos níveis

Política e Democracia

O trabalho não se encontra no mercado, mas ele faz parte,

sim, da própria essência da condição humana.

Por isso, um Estado democrático articula o seu projeto

sob a dignidade que um trabalho se supõe possuir.

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de desenvolvimento sem precisar queo crescimento econômico seja decisi-vo. É falso, então, que o crescimentoeconômico implique necessariamente,em desenvolvimento.

Nos anos cinqüenta, a América La-tina cresceu de forma sustentável, àtaxa de 5 ou 6%, e nunca conseguiuchegar aos níveis de desenvolvimentoque se registraram na Europa, com osmesmos níveis de crescimento. Ascondições de dependência, de subor-dinação e, em última análise, da lógicade incorporação da América Latina aoprocesso de internacionalização dosmercados indica que ela cresceu, masmanteve sempre 40% de sua popula-ção em condições de miséria e extre-ma pobreza.

O curioso é que a alternância departidos políticos no poder e uma con-cepção reducionista da democraciatêm significado que há gente morren-do de fome, mas votando.

Se a democracia pressupõe um pro-blema de procedimento, de regrasiguais para todos, estaríamos dizendoque morrer de fome é hoje um fato au-tenticamente democrático. Isto é, en-quanto a democracia ficar reduzida anormas, pois que seja bem vinda apossibilidade de morrermos de fomedemocraticamente, tornando possívelque as campanhas políticas sejam rea-lizadas em nossos países a cada qua-tro ou seis anos.

Nesse sentido, a democracia sem-pre será negada na sua essência sepretendemos fazê-la coincidir com osubdesenvolvimento. Não pode haver,portanto, democracia com subdesen-volvimento. Os espaços de articulaçãodemocrática na América Latina têm asua origem nos projetos populares esociais defendidos por Salvador Allen-de, João Goulart ou o Exército Zapa-tista de Liberación Nacional (EZLN). Éuma concepção da mudança socialligada à defesa da dignidade e condi-

ção ética do ser humano. O curioso éque esses projetos democráticos nãofaçam parte da lógica de intelectuais aquem a sua idéia de derrota lhes per-mite esquecer da sua existência.

O México, um país rico em experi-ências de desenvolvimento democráti-co, iniciou o século XX com a sua revo-lução de 1910. Mudou e deu força àidéia de uma consciência nacional lati-no-americana. Hoje, no início do sécu-lo XXI, ele apresenta ao mundo umprojeto democrático: o mesmo que éproclamado pelo EZLN.

Ninguém está dizendo que ele devaser aceito. Mas debatê-lo, sim. É umprojeto político alternativo onde a de-mocracia é definida como um mandarobedecendo. As suas reivindicações dejustiça e liberdade estão ligadas a umdesenvolvimento da condição humana,onde a dignidade forma o centro daproposta. Não pode haver democraciasem dignidade. E projeto democráticosem aceitação da diferença étnica, aparticipação e os direitos de autonomiae autodeterminação, menos ainda.Sem eles, o desenvolvimento é um dis-curso vazio e sem sentido.

É, no mínimo, estranho que hoje eunão tenha ouvido dos partidos maisimportantes do México um único reco-nhecimento do projeto apresentadopelo EZLN. As suas propostas são cons-cientemente eliminadas do escopo dodebate. Com isso, fica anulada a suaprojeção mundial e estratégica na lutapela construção da democracia. O ar-gumento é simples: toleramos a exis-tência do EZLN; coitados, mesmo quetenham seu direito à auto-expressão,por algum motivo, somos tolerantes;depois, nós acabamos fazendo o que

queremos, afinal, são apenas índios.Nós os recebemos na cidade do Méxi-co, mas lhes negamos os seus direitoscomo lhes negamos os acordos. Poralgum motivo, somos tolerantes.

A sociedade branco-ladina (indíge-na mex.) jamais aceitará discutir umaproposta de articulação política demo-crática que coloque em questiona-mento a sua hegemonia étnico-racial.E muito menos, onde se fale em de-mocracia multiétnica e seja defendidaa construção da cidadania com direitospolíticos e liberdades sociais, onde se-ja reconhecido o direito à existênciadiferente. Uma sociedade de muitas so-ciedades, em fim. Nos Estados da Amé-rica Latina, jamais se aceitou a participa-ção indígena como parte da constitui-ção de uma cidadania política onde adiferença étnica fosse reconhecida. En-tendeu-se sempre a cidadania comosendo um status de uniformidade, enão como prática política fundamenta-da, por exemplo, na diferença étnica.Na democracia não existe uniformida-de; somente dissensões e conflitos.Desse ponto de vista, chegamos a umponto chave:

Democracia e liberdadeNão pode haver democracia sem

haver liberdade. A democracia é coerci-va, não repressiva. Na democracia, ocidadão não pode fazer o que quiser,embora do ponto de vista do mercado,dos interesses egoístas e do individua-lismo seja difundida esta falsa visão. Ademocracia é confundida com a exis-tência dos direitos sociais coletivos eindividuais, como a liberdade de ex-pressão, de reunião ou de associação.Mas, que possibilidade real de expres-

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Não pode haver democracia sem dignidade. E projeto

democrático sem aceitação da diferença étnica, a

participação e os direitos de autonomia e autodeterminação.

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são teria em nossas sociedades umapessoa analfabeta a quem são nega-dos os direitos básicos à educação e àsua formação integral? Que possibilida-de de (Encarte: se a democracia pres-supõe um problema de procedimento,de regras iguais para todos, estaríamosdizendo que morrer de fome é hojeum fato autenticamente democrático)construir a palavra têm os deserdados,pobres e marginalizados quando lhes éimpedido de construir a sua liberdade?Qual é a capacidade de participaçãoque podem ter aquelas pessoas cujoprincipal problema diário é ter o quecomer e não morrer de fome?

Não se concretiza a relação entredemocracia e liberdade, votando. Quetodos votem, é uma obrigação, maisdo que um direito cívico. É claro que,em sociedades não democráticas, a li-berdade de voto é permutada em di-reito e perde o seu sentido obrigatóriode responsabilidade ética. O mesmoacontece com o direito ao trabalho, àmoradia, saúde, educação: são todosdireitos e não obrigações sociais deum Estado. Por isso, nossos Estadosnão são democráticos. Ocorre o mes-mo na Europa - não vamos nos acharexclusivos na nossa deficiência demo-crática, pois ela é compartilhada nanossa civilização ocidental.

O voto só é democrático quando re-presenta um ato deliberativo, produtoconsciente de um processo onde ojuízo crítico vem antes da decisão. Umvoto democrático não é um tipo qual-quer de voto, mas sim, resultado de umprocesso de discussão e diálogo, no iní-cio e fim de um ritual. Por isso, não po-de haver nem existir jamais o voto útilna democracia. Como entender quesendo de esquerda se vote de direita? É

um contra-senso que, por mais que se-ja explicado, não tem valor ético. Eleatende a interesses não democráticos.

Da mesma forma, governos que as-sumem as políticas neoliberais, em cu-jas bases se encontram as causas dapobreza, a miséria e a exploração, pormais que reconheçam as liberdadesindividuais públicas e privadas, naessência, não são democráticos. A li-berdade de expressão ou de reunião eassociação, nos Estados atuais, não fa-zem cidadania, em quanto direitos aosquais se tem acesso. Ele não significaparticipar ativamente nos processosdeliberativos de tomada de decisõesou de controle social sobre o poder po-lítico. E, no entanto, são direitos queposso exercer, criticar e ignorar.

Para que a liberdade seja comple-mentar a um projeto democrático, eladeve ser social na sua definição e ori-gem. A primeira liberdade consiste emdesenvolver a condição humana e,com ela, todas as nossas potencialida-des. A liberdade, em termos gerais,não consiste em direito privado parase fazer o que se quiser, caso se tenhadinheiro e influências para fugir da jus-tiça ou da ação da lei. A liberdade estádemocraticamente limitada para criaruma existência política, e não para so-correr o mercado. A liberdade deve seadjetivar socialmente e se referir àconstrução da cidadania. Não são umaderivação do direito natural, mas sim,uma criação política.

A formação da cidadania e a liber-dade se constroem socialmente. Nãoposso, em nome da minha liberdade,poluir o planeta ao ponto de o tornarinabitável. O planeta é de todos, e nãoa propriedade particular daqueles quedetêm o poder. Essa é uma liberdade

espúria e corrupta. E claro, é por issomesmo que funciona nas nossas so-ciedades, onde o dinheiro, a explora-ção e a acumulação de riquezas são osvalores mais apreciados. Lembremosque para o capitalismo, a liberdade éum eufemismo; ele pode, perfeita-mente, viver sem ela. A não ser a liber-dade de mercado; dessa ele precisapara contratar força de trabalho.

Assim, democracia e liberdade po-dem se unir se o seu princípio socialfor o ponto de união entre ambos con-ceitos históricos. A cidadania plena, ecom ela, o exercício humano da liber-dade, não é uma relação para com oEstado, mas uma responsabilidade po-lítica e ética. Sem estes requisitos, nãoé possível nenhuma liberdade indivi-dual nem coletiva. Só é possível alcan-çar a liberdade individual a partir deuma visão social da condição humana;por isso faz parte dos projetos demo-cráticos.

Em conclusão, é a chamada à refle-xão sobre estes vínculos entre demo-cracia e governabilidade, democracia edesenvolvimento, democracia e sub-desenvolvimento, democracia e liber-dade que nos permite deliberar critica-mente se estamos ou não na presençade uma sociedade democrática. A istoquero dedicar a última parte da minhaparticipação.

Após apontar para estas característi-cas, gostaria de fazer estas perguntas:concordaríamos em admitir que esta-mos vivendo numa sociedade demo-crática? Sob os princípios expostos co-mo fundamento de uma ordem de-mocrática, pode existir uma sociedadedemocrática? Respondo abertamenteà primeira pergunta, arriscando ser in-terpretado incorretamente, que nãovivemos exatamente numa sociedadedemocrática. Para responder à segun-da pergunta, utilizarei os argumentosrepetidos tantas vezes por detratores econversos, para rebatê-los depois. Diz-

Política e Democracia

Democracia e liberdade podem se unir se o seu princípio social

for o ponto de união entre ambos conceitos históricos.

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se que o que é enunciado e defendidocomo prática democrática é uma uto-pia, quando não uma quimera. Este ar-gumento está, principalmente, na bocadaqueles intelectuais desengajados daesquerda e atualmente adeptos aopensamento conservador e neoliberal.Para os detratores novos e antigos dademocracia social, econômica, política,étnica e cultural, o argumento digladia-do para desqualificá-la consiste emenfatizar que a esquerda marxista ouos ditos democratas radicais fizeramdela uso instrumental ao ponto dechegar a negar o seu valor como pro-cedimento eleitoral. Dizem que a es-querda nunca valorizou a democracia,simplesmente a usou, e, por isso, foiderrotada. Afirmam, também, que osproblemas de exploração e desigual-dade nada têm a ver com a democra-cia. Assim, esvaziaram a democraciade conteúdos e integraram-na ao capi-talismo como se fosse uma virtude in-trínseca ao seu desenvolvimento, quan-do, na verdade, capitalismo e demo-cracia não são compatíveis. Desafio al-guém dos presentes a me dizer se nosúltimos duzentos anos o capitalismo jácumpriu alguma vez as suas promes-sas com relação à educação, trabalho,saúde, moradia, para mencionar ape-nas os mais renomados. Ninguém sehabilita.

O capitalismo é um mito. Não poderesolver os problemas enunciados apartir de seus postulados. O capitalis-mo é uma ordem de domínio e explo-ração. Ele foi construído como mito ecomo tal constrói forças, organiza pro-jetos e define futuros. E o capitalismocomo mito nunca cobriu nem cumpriunenhum de seus pressupostos teóri-cos sobre os quais têm fundamentadoo seu imaginário social. Adia sempre ademocracia para o dia seguinte. Ama-nhã, os que são pobres, poderão ficarricos. E claro, há gente que morre pen-sando na igualdade de oportunidades

ou no sonho do açougueiro de com-prar um Mercedes Benz o do office-boy de banco em chegar a ser gerente.Sempre há exceções. Mas, as ordenspolíticas se baseiam nas regularidades,não em fatos excepcionais.

Por último, gostaria de chamar aatenção para um fato que considero re-levante. Testemunhamos hoje uma mu-dança de hipótese na construção docapitalismo. Pretende-se ignorar a exis-tência da cidadania política. E é aqui queentram em crise os partidos políticos,cujos princípios democráticos foramabandonados a favor de uma idéia ins-trumental centralizada na gestão do seuequipamento e seu mercado eleitoral.Desconhecem a luta pela democracia ese concentram na postulação de sua efi-ciência na governabilidade.

Se os partidos políticos de tradiçãoe lutas democráticas perderam a capa-cidade de criar projetos abertos e in-clusivos das diferenças existentes éporque aceitaram a visão unilateralproposta pelos ideólogos da globaliza-ção, em que o contraditório é que nãopropõem uma globalidade. O seu prin-cípio é contrário à idéia de progresso etempo linear histórico sobre a qual es-tá construída a sua proposta.

Os partidos que antes eram de tradi-ção democrática postulam-se comogestores e administradores. Renunciama formular projetos democráticos. Pre-ferem ser racionais administradores dopoder de legítimos representantes dasopções e propostas democráticas nas-cidas de e na sociedade civil. Os seuslemas já dizem tudo: “vote em mim, eu

vou fazer melhor gestão”.Nesta ordem de idéias, o que é criti-

cado no ex-presidente De la Rúa, da Ar-gentina, é ele ter sido um mal gestor.Poucos relacionam a crise com o fra-casso do projeto neoliberal de refunda-ção da ordem neo-oligárquico. Assimcomo poucos apresentaram a crisecomo uma derrota do neoliberalismo.No entanto, o que na verdade há portrás da atual crise argentina é um pro-jeto político fracassado e derrotado.

Hoje estamos presenciando o fra-casso desse projeto político. Mas, go-vernos, organismos internacionais,empresas privadas e os grandes mo-nopólios querem salvar o neoliberalis-mo, formulando que o problema é degestão e do elevado índice de corrup-ção. A origem do problema é outra, eela se encontra nos princípios do neo-liberalismo. Por isso, entre outras coi-sas, os centros de pensamento ameri-cano, como vocês vão entender, comonão são bobos nem nada, dizem:“Cuidado, o que está acontecendo naArgentina é produto do desenvolvi-mento das políticas de descentraliza-ção, da privatização, da desregulamen-tação, desnacionalização, de vendadas riquezas nacionais, de perda dasoberania; em última análise, o que seestá vivendo é o começo do fracassode um projeto, o capitalismo neolibe-ral, que nós propomos como o únicoviável. Agora: salve-se quem puder, masprimeiro eu!”

A perda de objetivos democráticosnos partidos com tais tradições eviden-cia uma concepção utilitária da políti-

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 25UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Política e Democracia

O capitalismo é um mito. Não pode resolver os

problemas enunciados a partir de seus postulados.

O capitalismo é uma ordem de domínio e exploração.

Ele foi construído como mito e como tal constrói forças,

organiza projetos e define futuros.

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ca. É o êxito dos postulados teóricosde acadêmicos como Norberto Bob-bio, Dhal ou Sartori, para mencionar osmais destacados. As suas teorias repre-sentam o báculo do conhecimento pa-ra os estudantes de ciências políticas esociologia, além dos políticos e seusassessores. Parece até que a idéia dedemocracia começasse e terminasseneles. Você já leu outros teóricos dademocracia? Você acha que existem?No México, desconhecer por desco-nhecer, já é desconhecido até o PabloGonzáles Casanova, teórico de porteinternacional, para dar um exemplo.

Enfim, quando a política perde oseu centro de equilíbrio, perdemos aconfiança no fato político. A política fi-ca supérflua como disputa por espaçose projetos sociais. Repito: passa a seruma técnica quase sempre empresa-rial. Por isso, as faculdades de adminis-tração exigem tanta relevância. Por isso,os empresários acabam se tornandonos novos gestores da administraçãodo Estado, porque a política precisa seradministrada e gerenciada como umaempresa.

A conseqüência disso: desarticula-ção do pensar político. Não vale mais apena pensar, já está tudo pensado, jáfoi tudo dito; pensar dá dor de cabeça.Não quero pensar, faço-o só se issome trouxer benefícios e utilidades. Ad-mito que os projetos democráticoscom conteúdos plurais econômicos,políticos, sociais, culturais e étnicos fa-lharam e foram derrotados. Não estouquestionando essa afirmação. É preci-so pensar diferente, sem nos interro-garmos e questionar afirmações tãocontundentes.

Os golpes de Estado, na América La-tina, foram dados porque os projetosdemocráticos estavam vencendo, nãoporque estivessem falhando. O golpede Estado contra a Unidad Popular noChile deu-se, entre outras coisas, por-que era um projeto democrático e uma

alternativa real. Os golpes de Estado noBrasil, na República Dominicana e emoutros países da região aconteceramexatamente pelo mesmo motivo. Asmudanças políticas na América Latinaque significaram transformações demo-cráticas, foram tentando visualizar-secomo derrotas. Na verdade, porém, nãosão derrotas nem dos projetos nem dosprogramas, nem estratégias democráti-cas. São uma demonstração do caráterantidemocrático das classes burguesase as elites políticas e econômicas domi-nantes na nossa região. Ou seja, nãoaceitam uma alternativa de mudançademocrática dentro de sua legitimidadeconstituída. O respeito pela ordemconstitucional ocorre quando ganhamos que têm que ganhar; quando ga-nham os outros, o melhor mesmo a fa-zer é um golpe de Estado.

Em segundo lugar, a perda do cen-tro de equilíbrio da política leva, no bo-jo, o desconcerto teórico. A teoria nãofaz falta, você deve ser pragmático.Bom, sejamos pragmáticos. Digamosque hoje o sistema capitalista funcio-na, por exemplo, deixando crianças ce-gas no Brasil para o comércio de reti-nas. Negócio rendoso, racional, eficien-te, governável, articulado sobre a baseda lógica do mercado, competitivo.Este é o capitalismo realmente existen-te. No entanto, não falamos dissoquando o mercado capitalista é abor-dado. O mercado é pura concorrência,não possui um ápice de solidariedade,é extremamente excludente e, portan-to, é reproduzida na violência entendi-da como disposição e apropriação pa-cífica de bens. Já foi dito: ele não criacidadania, pelo contrário, dissolve-a.Por isso, quando falarmos do mercadono capitalismo devemos explicar o querealmente existe sem reproduzir o mi-to integrador que lhe é atribuído. Omelhor capitalismo não se vê em NovaIorque, mas em Cochabamba, Bolívia,ou em Porto Príncipe, Haiti. Lá pode-se

contemplá-lo na sua realidade e nasua expressão do dia-a-dia: fome, ex-ploração, tráfico de brancas, trabalhoinfantil, miséria. Por isso, não entra noescopo de condições do debate, por-que são anomalias.

É preciso resgatar a capacidade crí-tica de pensar. Estamos vivendo hojenum sistema onde o ser humano é mi-nimizado. Isto é, nos encontramos pe-rante a emergência de um comporta-mento social conformista que tem co-mo característica mais relevante a per-da da vontade política e inibição daconsciência. Fatos que favorecem ocontrole político e dão passagem parauma submissão absoluta ao poder.Submissos ao poder, podemos dar asboas vindas ao Quarto Reich.

Concluindo, estamos presenciando,definitivamente, um processo de invo-lução política ao invés de uma trans-formação democrática. Oxalá estivés-semos perante o desenvolvimento deprojetos de organização e de participa-ção democrática. E o que precisamosmesmo é de recuperar a consciênciacrítica do ponto de vista de nos arris-carmos a pensar e a refletir. Não se tra-ta de tomarmos o poder, mas de mu-dar o mundo; só assim poderemosmandar obedecendo.

Muito obrigado.

Nota* Comunicação apresentada no debate in-

ternacional sobre Transição e Democracia, rea-lizado no Polyforum Cultural Siqueiros, México,de 13 a 15 de fevereiro de 2002 Publicado ori-ginalmente na revista CEA HOY, nº 11, junio -2002. Tradução de José Argüello Franco.

** Doutor em Ciências Políticas e Sociologia.Autor de diversas obras como Pensamientosociológico y realidad nacional en AméricaLatina (Pensamento sociológico e realidadenacional na América Latina) (México, 2002).

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IntroduçãoAnalisar os discursos que revelam

explícita ou implicitamente como osassentados têm-se posicionado frenteà política partidária e aos processoseleitorais, representa o desafio decompreender generalidades, especifi-cidades e singularidades que ocorremnas relações entre eles e os grupospolíticos hegemônicos que detêm opoder, seja no âmbito do município,do estado ou da União.

A efetiva autonomia dos municí-pios e a participação da sociedade ci-vil organizada, na definição das políti-cas públicas, encontram no clientelis-mo político um obstáculo muito gran-de para o pleno exercício da cidada-nia. Nesse aspecto, Martins (1994:19)ajuda a elucidar a compreensão doclientelismo político quando afirmaser este “essencialmente uma rela-ção entre os poderosos e os ricos enão principalmente uma relação en-tre os ricos e os pobres”, configuran-do dessa forma uma relação simétricae assimétrica. Já Dantas (1995:23) vê oclientelismo “como uma relação assi-métrica, constituída pela proteção dochefe sobre a clientela, que resultaem submissão, apoio e prestação deserviços”, mas também, no nosso en-

tendimento, numa “cumplicidade” doagente clientelizado, em que estenão deixa de tirar proveito da situa-ção assim configurada.

Essa relação entre poderosos (eco-nômico e politicamente) que confor-ma o oligarquismo brasileiro, segundoMartins (1994:29), “ se apóia na insti-tuição da representação política comouma espécie de gargalo na relaçãoentre a sociedade e o Estado. Não sóos pobres, mas todos os que, de al-gum modo, dependem do Estado, sãoinduzidos a uma relação de troca defavores com os políticos”.

Correndo em paralelo com a rela-

ção clientelista que ameaça a autono-mia dos municípios e dificulta o pro-cesso de descentralização política, “aconcentração do sistema fiscal impedeque as administrações estadual e mu-nicipal escapem à dependência dopoder federal. Assim sendo, como nopassado, o poder local se encontrafrente a duas opções: a fidelidade po-lítica, em troca do amparo econômico,ou a autenticidade política, que podeacarretar segregação e sanções eco-nômicas” (Bursztyn,1984:33).

A ocorrência de infidelidade parti-dária tem sido a marca da política bra-sileira, comandada pelo poder executi-

Poder local e participação política nos assentamentos rurais de Sergipe *

Eliano Sérgio Azevedo Lopes 1

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vo. No plano estadual, via filiação par-tidária de ou alianças com prefeitos da“oposição” e líderes políticos locais,em troca de cargos, promessa de re-passe de recursos financeiros e/ou aconstrução de obras nos municípios,confirmando dessa forma a análise fei-ta por Bursztyn ( 1984), sobre as moti-vações e as conseqüências da filiaçãodessas pessoas a um determinadopartido político.

Nas eleições de 1998, por exemplo,dois acontecimentos políticos significa-tivos, que ajudam a entender o cliente-lismo presente na política partidária deSergipe, puderam ser observados cla-ramente. No período pré-eleitoral, oPFL concentrava em suas hostes umnúmero expressivo dos 75 prefeitosmunicipais de Sergipe e era um dospilares da aliança com o PSDB2 na con-dução da administração do executivoestadual. Juntamente com outros par-tidos aliados, dentre eles, o PTB, PMN,PPB e PPS, as oligarquias políticas tra-dicionais tinham em sua mãos a quasetotalidade dos deputados estaduais,vereadores e prefeitos municipais,fruto de uma ampla coligação dos par-tidos políticos, costurada por duas dasmaiores forças econômicas e políticasde Sergipe (os Franco - PSDB e PMDBe os Alves - PFL).

Praticamente às vésperas do pleito,essa aliança foi desfeita, e, diante doscerca de 500 milhões de reais obtidoscom a venda da empresa de energiaelétrica do Estado (ENERGIPE), nasmãos do governador e candidato àreeleição, a maioria dos prefeitos doPFL filiou-se ao PSDB, em troca dapromessa de realização de obras emseus municípios3. Obras essas que osprefeitos haviam prometido durante acampanha de 1996, mas que até omomento não haviam conseguidorealizar devido às precárias condiçõesfinanceiras das prefeituras. Por outrolado, também assistiu-se a um até

então jamais imaginado acordo políti-co, envolvendo o governador do Es-tado com a mais expressiva liderançada oposição do estado, Jackson Bar-reto, um populista com grande caris-ma e adversário histórico dos Alves edos Francos, que levou o seu partido,o PMDB, a se aliar ao PSDB, na dispu-ta eleitoral naquele ano.

Depois das eleições, e tendo o go-vernador sido reeleito, um outro movi-mento em direção ao poder foi obser-vado, desta feita centrado na figura daprimeira-dama do Estado, filiada aoPPS, que trouxe para o partido - alia-do de primeira hora do governo tuca-no - vários políticos de origens partidá-rias diferentes e até de ideologias di-vergentes (PT, PDT e PFL).

Com uma base de apoio políticonumerosa, construída na promessa defavores e distribuição de cargos naadministração estadual para os grupospolíticos aliados, o governador passoua governar Sergipe, sem qualquer difi-culdade de ordem política, ao acomo-dar os interesses e minimizar ou elimi-nar conflitos entre os seus seguidores.O resultado é que ele hoje possui am-pla maioria na Assembléia Legislativa enas Câmaras Municipais das principaiscidades de Sergipe e conta com oapoio das principais lideranças ou che-fes políticos locais.

Essa forma de fazer política, combase no clientelismo4 vai propiciar acontinuidade dos tradicionais “curraiseleitorais”, onde reina o chamado “vo-to de cabresto”5. Se a corrida dos polí-

ticos em busca do voto ocorre funda-mentalmente no “tempo da política”,entendido como “momentos de mobi-lização para o voto”, sendo os compro-missos desfeitos nos períodos entre aseleições, como afirmam Palmeira(1996) e Chaves (1997), isto não signi-fica que as oligarquias políticas aban-donem os seus já “cativos” eleitoresnos períodos intermediários ou de in-tervalo entre uma eleição e outra.

Cooptação e clientelismoO mecanismo que realimenta per-

manentemente o vínculo de subordi-nação dos eleitores aos chefes políticoslocais, mantendo o controle da fideli-dade dos eleitores já conquistados, evi-tando que os adversários os “roubem”para as suas hostes, é feito através defornecimento gratuito de remédios, ali-mentos, prestação de serviços sociais(ambulância para levar os doentes egestantes para hospitais e maternidadede Aracaju), incursões junto ao gover-no estadual para realizar pequenasobras nas comunidades/povoados ru-rais, apadrinhamento político etc.

Nos últimos anos, o Projeto Nor-deste, financiado pelo Banco Mundial,com ações assistencialistas nos povoa-dos rurais - repassando a fundo perdi-do recursos para calçamento de ruas,construção de cemitério e outros equi-pamentos comunitários - e, mais re-centemente, o Pró-Sertão, com recur-sos do Fundo Internacional de De-senvolvimento Agrícola - FIDA e atua-ção em 17 municípios do semi-árido,financiando pequenos projetos agríco-las e atividades não-agrícolas, têm sidoos principais suportes dessas ações6.

Depreende-se do que foi até aquiexposto, que a política sergipana se fazà margem dos partidos, caracterizan-do-se por uma secundarização da filia-ção partidária frente à pessoa do polí-tico, em que os interesses políticos epessoais dos candidatos e/ou de gru-

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Essa forma de fazer política,

com base no clientelismo vai

propiciar a continuidade dos

tradicionais “currais eleitorais”,

onde reina o chamado

“voto de cabresto”.

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pos, de um lado, e as vontades indivi-duais dos eleitores, de outro, estãoacima dos interesses e das necessida-des da maioria da população. As pro-messas aos eleitores a serem conquis-tados - na maioria das vezes não cum-pridas - por sua vez, constituem meiospara arregimentação de votos, objetivofinal das relações e articulações feitasno campo e no tempo da política, pe-los diferentes grupos que dominam ocenário político sergipano.

Em suas realidades específicas, osassentamentos reproduzem esse mo-delo, como se pode notar pelas pala-vras de uma das principais liderançaspolíticas do município de Santa Luziado Itanhy, em relação ao comporta-mento do atual prefeito:

“Nosso amigo prefeito tá sentindoas dificuldades. Hoje que tá se es-condendo do povo; nessa altura, táse escondendo do povo. O povo che-ga na prefeitura, (os funcionários di-zem que) o prefeito tá em Aracaju. Oprefeito tá, mentira, ali, bem ali adi-ante, tá na (prefeitura)”.

Geralmente, dois grupos políticosreunindo as lideranças mais expressi-vas do interior, pertencentes ou ligadasàs oligarquias rurais, controlam o po-der local, alternando-se no comandodo município, contando com expressi-va maioria na câmara de vereadores e,em alguns casos, ajudando a elegerdeputados estaduais e/ou federais li-gados ao grupo, além do governadordo estado.

Disputando sozinho as eleições mu-nicipais ou aliando-se eventualmentecom o outro grupo político adversário,quando uma nova liderança ameaçaalterar o quadro de dominação poreles historicamente construído, taisgrupos vão se perpetuando no poder,mantendo sob suas rédeas o controleda política local, porém sempre alia-dos ao governo estadual7. As demaisforças políticas, quase sempre acabam

por se aliar a esses grupos hegemôni-cos ou a gravitar em torno deles, pegan-do as migalhas que sobram, pequenoscargos comissionados na prefeitura pa-ra seus principais líderes ou apadrinha-dos. Dependendo da importância dochefe político, medida pelo número devotos que controla, também podem seraquinhoados com alguns cargos naadministração estadual 8.

O poder local, os assentados e a luta políticaNos municípios onde estão localiza-

dos os assentamentos objeto da pes-quisa, não é diferente. Em Japaratuba,município que abriga o assentamentoIvan Ribeiro, atualmente duas forçaspolíticas sobressaem-se na disputa pe-lo controle político do município: a pri-meira, formada pela aliança entrePSDB e PPS, detém atualmente o con-trole da máquina municipal, e a outra,de oposição, representada por parti-dos de esquerda e por remanescentesdo PFL, alijados do poder estadual,conforme já mencionado. Ressalte-seque a aliança PSDB-PPS esconde, naverdade, a velha aliança PSDB-PFL, jáque o grupo do atual prefeito - eleitopelo PFL - foi um dos que rompeucom o partido nas eleições de 1998,filiando-se posteriormente ao PPS.

No município de Santa Luzia do Ita-nhy, onde está localizado o assenta-mento Vitória da União, as duas forçaspolíticas reproduzem fielmente a reali-dade do estado (PFL e PSDB), apesarda cisão entre as lideranças desses gru-pos logo após a eleição do atual prefei-to. O acordo estabelecido nas eleiçõesmunicipais de 1996 (o PSDB indicandoo candidato a Prefeito e o PFL, a vice.)não perdurou por muito tempo, em vir-tude de divergências entre o grupo doprefeito e do vice-prefeito, que levarama uma situação que se tornou irreversí-vel com a configuração do quadro elei-toral para a disputa da eleição para

governador em 98. O grupo do atualprefeito, do PSDB, ficou com o candi-dato do seu partido e o outro, com ocandidato do PFL.

A tomada de posição das pessoas,individualmente ou em grupo, no sen-tido de se integrar ou apoiar uma dasfacções políticas que dominam a polí-tica local, impõe conseqüências nemsempre desejáveis, levando muitas ve-zes a perseguições, constrangimentose ameaças, chegando em alguns casosaté mesmo à violência física.

Um ex-prefeito de Santa Luzia doItanhy, aliado e depois desafeto doatual prefeito do município, assim des-creve o que ocorreu com o grupo dele:

“É (do) PSDB (o atual prefeito); tácom o governo e tal. (Nós) sofremosmuito grande, pressão de todo jeito:justiça, polícia, justiça eleitoral e deexcesso de dinheiro”.

Ora, se isso ocorre com frações da oli-garquia, o que se pode esperar queaconteça com os assentados que seatrevam a colocar em xeque o poderpolítico dos “coronéis” 9, constituído abase de favor mas também de chibata ?

Em Canindé do São Francisco, ondeestá localizado o projeto Califórnia, umdos dois grupos políticos mais influen-tes do município, vinculado ao PFL,entrou em descenso político depois dapéssima administração que fez na pre-feitura, no período que antecedeu aodo atual governo municipal, do PSDB.Foram 4 anos de sobressaltos e tumul-tos para o município, marcado por vio-lências e assassinatos. Atualmente, ogrupo político do atual prefeito domi-na a política local e, a exemplo do seuantecessor, vem se comportando deforma semelhante.

Apesar da sua excelente condiçãofinanceira, proporcionada pela arreca-dação de ICMS da Usina Hidrelétricade Xingó, ali localizada, Canindé conti-nua a apresentar características deuma cidade sem-lei, marcada pela vio-

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lência política e pela truculência de seusmandatários 10, que pouco fazem paramelhorar a situação de miséria em quevive grande parte da população.

A forma como agem politicamenteos diferentes grupos nos municípiosmencionados, colocando-se acima dospartidos, tornam praticamente dispen-sável a filiação partidária, relegando-aà mera formalização burocrática ne-cessária à existência do partido. O queinteressa não é o número de filiadosque possa vir a ter o partido, senão onúmero de votos que se possa arreba-nhar para o mesmo. Nesse sentido, osassentados, com raras exceções, so-mente são procurados pelos políticosna época das eleições, e o preenchi-mento das fichas de filiação ocorre fre-qüentemente sem que saibam atémesmo do que se trata. Apenas obe-decem a ordem do chefe político localpara apor a sua assinatura na ficha.

“Só nós do PT é que faz reuniãoaqui no assentamento vizinho, dentrodo próprio assentamento ou povoa-dos vizinhos. Agora, esses outros par-tidos não; só na meta da filiaçãomesmo, perto das eleições que falta,aí saem catando assim, não diz nemprá que é, tem gente que é filiado aopartido e não sabe o que é” (R e M,assentados de Vitória da União).

Nas entrevistas realizadas com pes-soas que têm uma relação direta com omunicípio e os assentamentos, obser-vou-se que o PT e o PDT parece que sãoos que têm o maior número de filiadosentre os assentados. No entanto, são oscaciques políticos locais, vinculados aospartidos governistas - PFL, PSDB,PMDB, PTB, com a prática do clientelis-mo político que caracteriza suas ações,que têm conseguido trazer para os seusquadros, com raras exceções, as lide-ranças mais expressivas dos assentadose, por extensão, todos aqueles que asseguem.

“No meu partido (PSDB) são pou-

cas pessoas, são quatro pessoas filia-das, agora tem o partido do PT, queé o partido de José Roberto, temmuita gente, tem uns quatorze poraí, filiados ao PT, PDT”.

Constituem uma prática política cor-riqueira, nos municípios que abrigamos assentamentos pesquisados, asfamosas promessas de campanhas, cul-minando com o desaparecimento, ou“desencontro” do candidato com osseus eleitores, tão logo termine o pe-ríodo eleitoral. Já acostumados a isto, osassentados demonstram ter consciên-cia de que as demandas por eles leva-das aos políticos, e não concretizadasantes do resultado final da eleição, difi-cilmente serão objeto de preocupações,simplesmente serão esquecidas. Mes-

mo assim, com raríssimas exceções,continuam a votar nos mesmos políti-cos que os enganam. É como se a des-crença na sua própria capacidade demudar o seu destino, participando deum projeto coletivo, tivesse tomadoconta de suas mentes e de suas ações,tornando-os apáticos e submissos, enão simplesmente o medo de retalia-ções que possam vir a sofrer, ao se re-belaram contra tal situação.

O fato de muitos dos assentados te-rem vindo de outros municípios, des-pertam desde logo o interesse das oli-garquias políticas, que os vêem como

potenciais eleitores a serem conquista-dos. Assim, aproximam-se dos mes-mos através do aliciamento de suaslideranças mais expressivas.

Segundo um dos integrantes dogrupo que detém o controle da prefei-tura de Santa Luzia do Itanhy, a primei-ra coisa que fazem é identificar aque-las pessoas que exercem qualquer tipode liderança junto aos outros agriculto-res e, imediatamente, entrar em conta-to com elas, oferecendo ajuda e pron-tificando-se a conseguir audiência peloprefeito, momento em que serão con-vencidas a integrar o seu grupo políti-co. Em troca, terão o apoio do municí-pio no atendimento às necessidadesdos grupos que lideram.

O fato de alguns assentamentosabrigarem “forasteiros”, isto é, vindosde outros lugares, com práticas de tra-balho e trajetórias de vida as mais di-versas, de certo modo facilita a mer-cantilização do voto, isto é, a troca dovoto por pequenos favores ou recom-pensa material, haja vista que essestrabalhadores chegam a área quasesempre sem recursos para iniciar a ex-ploração do lote, tendo que esperarum longo tempo até que possam teracesso aos créditos de alimentação,fomento e habitação repassados peloINCRA. Os projetos Vitória da União eCalifórnia são exemplos típicos dessasituação, haja vista que a grande maio-ria dos que ali residem são proceden-tes de outros municípios do estado ede outros estados da região Nordeste.

A história do senhor J.A. é bastanteilustrativa do modo como as forças po-líticas tradicionais agem, no sentido decooptar, aliciar e trazer para o seu ladoas lideranças emergentes dos sem-terra, que vieram de outros municípiospara ocupar os lotes dos projetos dereforma agrária.

Natural do estado de Alagoas, J.A.mudou-se para Sergipe e montou umapequena serraria no município de Es-

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As forças políticas

tradicionais agem, no

sentido de cooptar, aliciar

e trazer para o seu lado as

lideranças emergentes dos

sem-terra, que vieram de

outros municípios para

ocupar os lotes dos projetos

de reforma agrária.

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tância, distante 18 km de Santa Luziado Itanhy. Como os negócios não iambem, procurou o sindicato de trabalha-dores rurais de Santa Luzia quandosoube que o INCRA iria desapropriar afazenda Priapu, atual assentamento Vi-tória da União, no intuito de ser incluí-do como um dos beneficiários da re-forma agrária. O próprio presidente dosindicato o colocou entre as 18 famí-lias de sem-terra do município a seremassentadas na área pelo INCRA, com-pletando a lista dos 92 beneficiários.Desapropriada a área e assentadas asfamílias no local, passou a liderar umgrupo majoritário de agricultores, dissi-dentes do MST, criando, em seguida,uma associação, a ASTRAVU, e tornou-se um interlocutor freqüente dessesassentados junto ao INCRA e outrosórgãos governamentais, principalmen-te junto à Prefeitura de Santa Luzia doItanhy. Foi cooptado pelo prefeito eindicado por ele para concorrer a umacadeira de vereador, em 1992, e, nova-mente, na eleição seguinte (1996),tendo sido reeleito.

No início do projeto, conseguiu coma prefeitura um trator para preparar aterra dos seus seguidores, sementes ecestas de alimentos. Posteriormente, aconstrução de um posto de saúde, deuma escola e de um posto telefônico.Através de órgãos do governo estadual,a exemplo do Projeto Nordeste e daCOHIDRO, contando com o apoio doprefeito, conseguiu levar energia elétri-ca para as residências e a construçãode um chafariz de água, além de umaambulância (que fica em seu casa e daqual é ele o motorista). Também tentouampliar o seu poder de influência paraalém do assentamento, disputando aeleição do sindicato de Santa Luzia con-tra o atual presidente, o mesmo que ocolocou na lista do INCRA para receberum lote da reforma agrária, o que levouao rompimento entre ambos até hoje.Quando entrevistado pela equipe da

pesquisa, o presidente do sindicato da-quele município deixou claro o seu des-contentamento com o acontecido, sen-tindo-se traído por quem, segundo ele,tanto havia ajudado.

Ressalte-se, todavia, que se existe ooportunismo de algumas lideranças deassentados em se atrelar aos gruposconservadores que dominam a políticalocal, existe, também, o contraponto aesse tipo de comportamento, isto, é, aresistência em se submeter, coonestar,com as velhas práticas políticas de quese valem tais grupos. Esse, por exemplo,é o caso de E., assentado do Vitória daUnião, e uma das principais liderançasdo assentamento, reconhecido inclusivepelos “individuais”, ligados a ASTRAVU.

Nascido no município sergipano de

Salgado e filho de um pequeno produ-tor de laranja, numa das diversas colô-nias agrícolas implantadas pelo governoestadual naquele município, foi o res-ponsável pela estruturação e consolida-ção do MST no Estado. Com nível ins-trucional acima da média, pois chegoua concluir o segundo grau, teve nos mo-vimentos ligados à igreja católica a suainiciação política, posteriormente enri-quecida pela participação de cursos deformação política promovidos pelo MSTe pelos encontros de dirigentes do mo-vimento, realizados freqüentementeem várias capitais brasileiras.

Foi o organizador das ocupações ini-ciais feitas pelo MST, em Sergipe,incluindo a da fazenda Priapu, em San-

ta Luzia do Itanhy, atualmente assenta-mento Vitória da União, onde veio a setornar um assentado. Rompido com oMST, deixou, junto com alguns compa-nheiros, a direção do movimento, pas-sando a se dedicar à organização dogrupo coletivo 5 de março.

Ainda na fase de ocupação da fazen-da, enfrentou o prefeito e os chefes po-líticos do município, que desejavamcontrolar o assentamento de trabalha-dores, indicando ao INCRA apenas ossem-terra do município e, entre esses,aqueles que seguiam a sua orientaçãopolítica. Impôs o seu poder, alicerçadona condição de dirigente maior doMST, em Sergipe, é responsável pelaconquista da terra, o que o levou a serconsiderado como inimigo pelo poderconstituído. Através de pressão junto àprefeitura, INCRA, Secretaria Estadualde Agricultura, Projeto Nordeste e ou-tros órgãos, manifestações públicas,denúncias, caminhadas, foi pouco apouco conseguindo obter para as 14famílias do grupo o atendimento àssuas necessidades mais prementes: ca-sa para morar, recursos financeiros paraa produção, água e energia elétrica,dentre outras benfeitorias e serviços.básicos. Ao mesmo tempo, participava,com os demais assentados do projeto,de gestões, no sentido obrigar o poderpúblico a cumprir as suas obrigaçõespara com os beneficiários da reformaagrária, possibilitando-lhes dispor dascondições materiais mínimas, necessá-rias à sobrevivência na área.

Por diversas vezes, foi procurado pe-los grupos políticos dominantes locaispara se juntar a eles, mas sempre de-clinou do convite. Manteve-se fiel aosseus princípios de continuar ao ladodos trabalhadores, lutando pela refor-ma agrária e pela melhoria das condi-ções de vida e de trabalhado dos as-sentados. Tornou-se uma liderança co-nhecida e respeitada no município ena região, o que o levou a ocupar pos-

É preciso ter claro, no

entanto, que o assédio, as

práticas de aliciamento e

convencimento feito pelos

chefes políticos às lideranças

dos trabalhadores têm

mão dupla.

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tos expressivos, como por exemplo,representante dos assentamentos naComissão Estadual do PROCERA; pre-sidente da Associação Central dos Pe-quenos Produtores da Região Centro-Sul, reunindo 22 associações de agri-cultores da região produtora de citrusde Sergipe, residentes em 18 colôniasagrícolas do Estado e 4 assentamentosde reforma agrária do INCRA, com cer-ca de 1.350 famílias de produtores delaranja e, aproximadamente, 7 mil pes-soas; além de ser um dos fundadoresdo Partido dos Trabalhadores, no mu-nicípio de Santa Luzia do Itanhy.

É preciso ter claro, no entanto, queo assédio, as práticas de aliciamento econvencimento feito pelos chefes polí-ticos às lideranças dos trabalhadorestêm mão dupla, isto é, encontram res-sonância no oportunismo de algumasdelas - a chance de tirar proveito pes-soal - mas também numa visão deque, aceitando o convite para fazerparte daquele grupo político - que ge-ralmente tem o controle da máquinaadministrativa municipal - podem con-seguir algo para o assentamento. Dolado de quem alicia ou coopta, a inten-ção é obter dividendos eleitorais.

Veja-se, a exemplo disso, o que dizum dos assentados que hoje exercemandato de vereador :

“Acho que todos os assentamentostem quase gente suficiente para ele-ger um vereador, e era isso que deviase fazer para eleger um vereador;porque, quer queira quer não, todosnós sabe que hoje a gente vive numpaís em cima de política. A gentequer pedir uma coisa?, quer dizer, on-de tem um vereador o prefeito já temum receio de perder aquele vereador;então você tem força, tem comoadquirir as coisas; ele pode informarcertas coisas para o vereador e assimvou conseguindo as coisas, como hojenós temos o posto médico aqui...”(J.A.,assentamento Vitória da União).

Os assentados e o processo eleitoralQuanto à participação dos assenta-

dos no processo eleitoral, constatou-seque ela ocorre apenas no dia da elei-ção, quando vão depositar o seu votona urna. E que a decisão de votar emum determinado candidato é forte-mente influenciada pelo compromissode lealdade do assentado para com ocandidato, caracterizado quase semprepor favores pessoais prestados emmomentos de privações materiais oude apoio moral em situações de pro-blemas familiares, transformando-se ovoto naquilo que Martins (1994:35)denomina de “débito político”.

Para os trabalhadores de um modogeral, esse dia possui um significadoimportante por representar o momen-to em que retribuirão a quem os aju-dou, a “recompensa” pela benemerên-cia feita nos momentos de necessida-de ou “precisão”.

Entretanto, se essa situação é a pre-dominante no cenário político de Ser-gipe, em alguns municípios onde fo-ram constituídos assentamentos, apartir de ocupações de terra organiza-da por movimentos sociais, principal-mente pelo MST, ela vem pouco apouco sofrendo modificações. Algunsprojetos, embora de forma ainda tími-da, têm conseguido produzir fraturasno modelo de subordinação ao poderlocal constituído, apoiando candidatosdo próprio assentamento, disputandoespaço político com os grupos domi-nantes. Em outras palavras, podem servistos como um sopro de novidade,representando concretamente a possi-bilidade real de construção de um no-vo modo de vida e de uma maiorconscientização e, conseqüentemente,de uma nova forma de fazer política.

Um bom exemplo é o assentamen-to Vitória da União, onde um grupo detrabalhadores, na época militantes doMST, desde que ocuparam a área, temmantido uma linha de conduta política

independente e de confronto abertocom o poder local, chegando ao pontode criar o PT, no município de SantaLuzia do Itanhy, e disputar a eleição de1996, com um candidato a vereador dopróprio assentamento, fazendo oposi-ção a outro assentado, ligado ao atualprefeito do município, filiado ao PSDB.

O enfrentamento de uma culturapolítica alicerçada no personalismo eno clientelismo vem exigindo dos gru-pos que se contrapõem a essa realida-de, competência para analisar a con-juntura e determinação para resistir àspressões dos poderosos e à fragilidadepolítica dos seus iguais.

A eclosão de uma nova cultura polí-tica implica a implosão dos velhos va-lores, de antigas concepções cristaliza-das ao longo de uma história de sub-serviência, de alienação e supõe a“transição do momento econômico aomomento ético-político, ou seja, ‘a ela-boração da estrutura em superestrutu-ra na consciência dos homens, a pas-sagem da esfera da necessidade à daliberdade, expressando o ‘salto’ entreo determinismo econômico e a liber-dade política que dá origem às novasiniciativas”(Iamamoto,1998:98).

Assentados e/ou filhos de assenta-dos dos projetos Ivan Ribeiro e Califór-nia também têm participado do pro-cesso político, concorrendo a cargoseletivos como vereador e até mesmodeputado estadual, ou apoiando can-didatos que residem nas proximidadesdo assentamento e que com elesmantêm relações de amizade.

Por outro lado, é preciso notar queesse espaço que começa a ser ocupa-do por alguns assentados não se res-tringe ao poder legislativo, alcançandotambém o executivo municipal e enti-dades associativas agrícolas. Assim,foram encontrados assentados ocu-pando o cargo de secretário municipalde agricultura, presidente de uma cen-tral regional de associações de peque-

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nos agricultores, membros do conse-lhos municipais de desenvolvimento,presidente de cooperativa de produ-ção agrícola etc.

Ainda que as mudanças observadasno campo político, a partir da consti-tuição dos assentamentos no municí-pio, não tenham alcançado de manei-ra expressiva os titulares dos lotes,haja vista as relações de subordinaçãoao poder local que marcam historica-mente as suas vidas, elas afloram commuito ímpeto nas novas gerações,onde os filhos dos assentados têm tidouma participação política ativa, tantonos partidos políticos de oposição co-mo nos movimentos sociais, com des-taque para o PT e o MST.

Na eleição para prefeitos e vereado-res em 1996, todos os assentamentospesquisados apresentaram nomes,alguns indicados pelas forças políticasconservadoras locais, outros por parti-dos políticos progressistas, através dedecisão coletiva de seus membros. As-sim, alguns assentados ou filhos de as-sentados participaram do processoeleitoral como candidatos, emboramuitas vezes não tenham sido votadosnem mesmo pelos seus parentes. Asrelações de compadrio, de amizade ede favor, por um lado, e a históricadesconfiança que os camponeses nor-destinos depositam na capacidade dealguém igual a eles possa bem repre-sentá-los no parlamento e a atender àsnecessidades do assentamento, poroutro, estão por trás desse tipo decomportamento.

É o que se depreende da fala dedona Z., professora do curso de alfabe-tização de jovens e adultos do assenta-mento Ivan Ribeiro :

“Olha, eu vou dizer ao senhor: essenegócio de eleição, apoiar candidatoé ... Eu descobrir isso, porque agora euvou dizer, porque o ano passado, umsobrinho meu se candidatou prá ve-reador; então, aqui tinha uma família

que ele confiava e a família votavaprá ele, aliás todos da família. E umdia eu descobri sem querer, a própriapessoal disse, que fulana votou parfulano e mais, dizia a ele que votavaprá ele... É uma coisa que a gente nãosabe dizer”.

Atualmente, os três assentamentospesquisados têm quatro representan-tes na câmara de vereadores dos res-pectivos municípios, sendo um deleseleito pelo PT e os outros por partidosgovernistas (PSDB e PMDB). Três de-les são assentados e/ou filhos de as-sentados e o outro mora num povoa-do vizinho ao projeto, mantendo umbom relacionamento com os assenta-dos. Ressalte-se que em Santa Luziado Itanhy, onde está localizado o as-sentamento Vitória da União, o assen-tado-vereador já está no seu segundomandato consecutivo.

Independentemente das siglas par-tidárias pelas quais foram eleitos, serepresentam de fato os interesses dosassentados, se adotam práticas assis-tencialistas ou se foram guindados acargos de mando no executivo munici-pal devido às ligações que possam terou não com os grupos políticos domi-nantes, não se pode negar que a pre-sença de assentados ocupando espa-ços que até pouco tempo eram deexclusivo acesso dos “bem-nascidos”,membros das oligarquias rurais, cons-titui um avanço provocado pela forma-ção dos assentamentos rurais naquelemunicípio.

A prova é tanto que políticos in-fluentes no âmbito municipal, como oatual prefeito de Canindé de São Fran-cisco, tentam minimizar essa conquis-tas, enfatizando a desunião dos assen-tados na escolha de candidatos dopróprio assentamento e, erroneamen-te, afirmando que o projeto Califórnianão tem nenhum vereador.

“ O projeto Califórnia, sempre, nãofaz nenhum candidato porque eles

são desunidos e chega lá os outros ve-readores pedindo voto e eles... achoque não sabem nem em quem votam,certo? Terminado a eleição, eles ficamsem nenhum representante.

Ao mesmo tempo, reconhece quehouve mudança na política local e vis-lumbra novas perspectivas para oscolonos do projeto com a chegada doMST ao município, à frente do assenta-mento Jacaré-Curituba11.

“Hoje a nossa política mudou,entendeu? Eu acho que a visão delesvai ser outra, já nós temos aqui umreassentamento, foi feito agora, re-centemente, pelo INCRA, com duzen-tos casas. Então nós temos uma es-cola lá que tem duzentos e nove alu-nos, aprendendo lá no próprio perí-metro onde foi reassentado esse co-lono lá e acho que já tem pessoas lácandidato e acho que dessa vez ago-ra eles vão se unir e o pessoal doINCRA que tiver assentamento peloINCRA deve ter um candidato, devaganhar. E o projeto Califórnia temque se conscientizar que tem que fa-zer um candidato deles também”.

A importância de os assentamentosterem seus próprios representantes nolegislativo é compartilhada tambémpor técnicos do governo que ali traba-lham, que vêem na eleição de pes-

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A importância de os

assentamentos terem seus

próprios representantes no

legislativo é compartilhada

também por técnicos do

governo que ali trabalham,

que vêem na eleição de

pessoas do próprio assenta-

mento uma maior sensibilidade

aos problemas que afligem

os seus moradores.

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soas do próprio assentamento umamaior sensibilidade aos problemasque afligem os seus moradores.

“Não resta dúvida que tem algunspolíticos que são vinculados de algu-ma forma ao Projeto Califórnia e issonaturalmente dá assim uma maiorabertura, uma maior sensibilidadeprá se poder reivindicar alguma coisae trabalhar junto com eles em algumaações, aí prá o projeto. Isso realmentetem facilitado, mas acredito que essasensibilidade venha acontecer commaior intensidade através de umaprópria ação dos participantes do pro-jeto, quer dizer, fazendo alguma re-presentação das próprias associaçõesjá existentes para que realmente acoisa se concretize. Eu acho que a ini-ciativa maior tem que partir daqui prálá porque assim eu acredito que podehaver uma reciprocidade em termode ação concreta para o projeto Cali-fórnia” (C.S., chefe do escritório da Co-hidro no projeto).

Para os assentados ligados ao MST,no entanto, os vereadores não passamde “paus-mandados” dos prefeitos,incapazes de contribuir para uma mu-dança efetiva nas condições de vida damaioria da população do município edo assentamento, em particular. Se amaneira como historicamente vemsendo feita a política nos municípiossergipanos, e de resto no país, lhes dárazão, não é menos verdade que a pre-sença física de alguém do assentamen-to na câmara municipal, exercendouma função política, muda o panora-ma, traz visibilidade ao assentamento ecoloca questões de interesse dos as-sentados que até então eram ignora-das pelas autoridades governamentais.

Nesses casos, a estratégia utilizadapelos grupos políticos para a conquistado voto tem sido a abordagem indivi-dual, feita diretamente ou através dasassociações constituídas, à frente dasquais geralmente se encontram as lide-

ranças emergentes dos agricultores,tentando cooptá-las e fazê-las seguir oseu ideário político. Em parte, isso éfacilitado na medida em que as associa-ções são formadas de imediato, porindução dos técnicos do governo, comoexigência para que os assentados pos-sam vir a se beneficiar de projetos so-ciais a serem ali implementados, condi-ção indispensável para a sobrevivênciainicial dos que ali se encontram.

Sobre isto, assim se manifestou umtécnico que trabalha no projeto Cali-fórnia:

“Primeiro, eles acham um jeitinhode chegar até a associação, depoisque chega na associação, eles man-tém contato com aqueles, geralmenteem associação tem aqueles líderes,através desses líderes é que eles vãoter acesso maior, no caso propriamen-te dito, dentro do projeto, mas a portade entrada é um associação”.

Diante da importância desse canalde interlocução política dos assenta-dos com o poder local, Machado (1987)afirma que : “a questão fundamental quese coloca, portanto, é compreender aassociação como um espaço de parti-cipação do pequeno produtor. Para isso,torna-se necessário apreender a dinâ-mica de participação de afirmar ounegar os interesses do pequeno pro-dutor na área”.

O grupo coletivo 5 de março, do As-

sentamento Vitória da União, destoada situação política dos demais assen-tamentos, pela própria composição damaioria dos seus integrantes, respon-sáveis pela implantação do MST, noEstado de Sergipe, hoje rompidos comessa organização. A afinidade ideológi-ca, as relações de parentesco e amiza-de e as raízes culturais (são todos deSergipe) conformam a identidade dogrupo, contribuindo para sua manu-tenção, apesar dos embates políticoscom o poder local e dos bloqueiospartidários aos projetos que encami-nham para aprovação do conselho dedesenvolvimento municipal.

Esse grupo foi responsável pela cria-ção do PT, em Santa Luzia do Itanhy, em1996, e um dos seus integrantes foicandidato a vereador nas eleições mu-nicipais daquele mesmo ano, obtendouma votação expressiva, considerandoque o seu maior adversário, tambémmorador do assentamento, já era verea-dor e tinha o apoio do atual prefeito.

“No mesmo ano da fundação, agente lançou candidato e o nosso tra-balho é um trabalho de reunião, de visi-ta, de ir a comunidade, conversando,não teve aquele trabalho que dá telha,dá o fogão, dá o botijão, o remédio,nada disso, então quer dizer pelo nú-mero de voto que a gente teve a genteacha que foi satisfatório.” (JR e M, as-sentados de Vitória da União, fundado-res e dirigentes do PT de Santa Luzia).

Apesar da resistência dos grupospolíticos consolidados, visando a ma-nutenção das tradicionais formas defazer política, os assentamentos sãoresponsáveis pela instauração de no-vas maneiras de encarar o processopolítico, na perspectiva de entendê-locomo síntese das vivências individuaise das demandas coletivas. Nesse sen-tido, a entrada desse novos atores sig-nifica uma nova alternativa que seapresenta para a superação gradativada velha ordem estabelecida.

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Os assentamentos são

responsáveis pela

instauração de novas

maneiras de encarar o

processo político, na

perspectiva de entendê-lo

como síntese das vivências

individuais e das demandas

coletivas.

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Grande parte dos assentados aindasão usados como massa de mano-bra11, apesar da participação direta dostrabalhadores, nas lutas econômicas epolíticas, para a desapropriação dasáreas onde hoje encontram-se assen-tados (Vitória da União e Ivan Ribeiro),o que comprova o fosso existente en-tre os dois tipos de lutas acima referi-dos e o nível de consciência das lide-ranças e daqueles que os seguem.

A diversidade de siglas partidáriasconfunde os trabalhadores, face aosobjetivos difusos dos vários partidosvoltados apenas para interesses políti-cos de diferentes grupos, distantes, emsua grande maioria, dos interesses dapopulação.

Dallari (1991: 61) confirma esse ra-ciocínio: “os partidos não atraem oseleitores porque são vistos como organi-zações afastadas do povo, dominadas emanipuladas por pequenos grupos; esem a efetiva e permanente participa-ção de muitos militantes os partidosnão conseguem superar as característi-cas de agrupamentos elitistas, controla-dos e usados por seus dirigentes”

Na opinião de um vereador de Ja-paratuba, a eleição de assentados paracargos políticos garante a visibilidadedo assentamento diante da sociedade:

“Na política é fundamental a parti-cipação deles, que é uma forma queeles tem até de começar a mostrarque existe aquele assentamento, e co-meçar a despertar que tem que serfeito alguma coisa ali, acho que é aforma que eles tem de poder partici-par” (S, ex- secretário de agriculturade Japaratuba e atual vereador do mu-nicípio).

Qualquer assentado que pretendaser eleito para a câmara municipal dosmunicípios onde estão localizados osprojetos, necessita disputar voto tam-bém fora do assentamento, exceção fei-ta ao projeto Califórnia, por ter númerode eleitores suficientes para eleger mais

de um vereador. São ilustrativos dissoos casos de Japaratuba e de Santa Luziado Itanhy, onde um morador de um po-voado próximo ao assentamento IvanRibeiro, conseguiu ser eleito vereadorpelo PT e um outro assentado de Vitóriada União, foi reeleito vereador.

O que se percebe é que os eleitos,por serem geralmente indicados porpequenos grupos - vinculados a asso-ciações, movimentos sociais, igreja,não conseguem se legitimar enquantoautênticos representantes políticos dosassentamentos.

Como J.F., do projeto Califórnia:“Tem um rapaz, meio doidinho,

não era nem muito trabalhador, o Z.C,que parece que teve um apoio bomdo povo da igreja e S. que ele era ocabeça da chapa de S. que teve mui-tos votos que seu trabalho foi maissustentável. Pobrezinho, o Z. C passa-va necessidade, o pai dele deu duastarefas de terra e não toca é um ma-landrão, mas é boa praça. Eu sei queele conseguiu se eleger mas foi assimuma política intensiva, mas não foi oprojeto Califórnia, não o pessoal doprojeto” (J.F., Projeto Califórnia).

Se, nas eleições municipais, os as-sentados se fazem representar, che-gando inclusive a eleger candidatos ori-undos dos próprios assentamentos, omesmo não acontece quando o pleitoé para a escolha de governador, depu-tados estaduais e federais e senador.Talvez porque as eleições a cargos ele-tivos, ao nível estadual, extrapolem ouniverso das relações pessoais, esta-belecidas nos assentamentos entre li-deranças e liderados, que carregam aherança histórica do clientelismo e dopaternalismo.

No assentamento Ivan Ribeiro, agrande liderança política do padre G., nomunicípio de Japaratuba, não conseguiutransferir os votos que teria, caso tivessesaído candidato, ao candidato apoiadopor ele, membro do MST e principal lide-

rança do referido assentamento.Segundo uma assentada daquele

projeto, essa liderança é considerada“uma chave de controle aqui, porquese não fosse J.R. para aqui não vinhaverba, não vinha nada, porque os ou-tros não sabe procurar, não sabe ca-minhar, não sabe conversar e J.R. équem resolve os problemas; quandoeles vão tirar dinheiro J.R. é quem vaifazer... conversar lá com o povo doINCRA mais a EMDAGRO; quando éprá prorrogar uma conta que eles nãotem prá pagar J.R. é quem vai conver-sar lá no Banco” (Z, professora do as-sentamento Ivan Ribeiro).

O líder mencionado, apesar de per-tencer ao quadro de dirigentes do MST, ede ser o responsável direto pelas nego-ciações entre os assentados e governo,no que diz respeito às suas demandas,tem sua liderança alicerçada em suasqualidades pessoais, e não no fato depertencer àquele movimento social.

Os entrevistados sabem da existên-cia do MST e da sua luta pela reformaagrária, porém não se reconhecem en-quanto partidários ou vinculados a ele,ao contrário dos seus filhos. Participame contribuem com as ações do MST,mas parece que o fazem muito maiscomo forma de carinho, respeito e re-conhecimento àquele que os lidera,do que por se sentirem parte integran-te do MST. Em outros termos, o MSTtem sido respeitado pelas ações queempreendem em busca de soluçõesde problemas concretos dos assenta-mentos, mas não tem sido capaz deagregar ou trazer para a militância no-vos elementos.

Quase sempre, o que tem sido ob-servado nos projeto de reforma agráriade Sergipe é a incapacidade de o MSTmanter em suas fileiras, de forma per-manente, aqueles trabalhadores queele mobilizou e organizou para a ocu-pação das terras. As defecções e asanimosidades que têm se estabeleci-

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do entre as lideranças do MST e ossem-terra, após o assentamento, têmsido freqüentes e de grande monta.

Refletindo-se sobre a lógica dos as-sentados no processo eleitoral, perce-be-se que apenas no caso da eleiçãopara vereadores é que eles se deposi-tam nos seus “iguais” maior credibili-dade, elegendo-os, talvez pela maiorpossibilidade de acompanhamento di-reto às ações dos eleitos, de um lado,ou por considerar menor o nível deexigência em termos de conhecimen-tos daqueles que deverão ingressar nolegislativo municipal.

Tal constatação inscreve-se na lógi-ca da valorização, do respeito que osmenos aquinhoados depositam quedetêm o poder do conhecimento, e opoder econômico para conferir-lhes opoder político, aliado à herança histó-rica e cultural que garante a perpetua-ção dos mesmos no cenário políticoestadual e nacional.

Assim sendo, a participação políticados assentados, limitada à ação do vo-to alienado, insere-se nas “formas”ideológicas de pensar a existência: asformulações quanto à própria naturezado homem (de que existem os capa-zes e os incapazes); as formulaçõesquanto às pré - determinações existen-ciais de alguns (“pobres sempre have-rá entre vós”); as formulações quantoàs pré - determinações sociais de ou-tros (os intelectuais e os sábios são osletrados; os ignorantes e alienados sãoos não-letrados, cabendo a estes obe-decer as decisões dos letrados ou exe-cutar ordens). Essa forma de pensar épassada para a população, muitas ve-zes como uma forma importante de“participação” (Souza, 1990: 83).

As lideranças dos assentamentos,apesar do descrédito para os cargoseletivos estaduais, continuam merece-doras de crédito dos seus pares, nadireção das associações existentes, atéporque, entre os “iguais”, eles se desta-

cam como detentores de um conheci-mento maior.

Nessas organizações, eles cumprema função de liderança elaborada porGIBB: “a função do líder é representare dar expressão às necessidades e aosdesejos do grupo e contribuir de mo-do positivo a satisfazer essas necessi-dades. Se manterá na posição de líderenquanto corresponder a essas expec-tativas. Quando não cumprir essa fun-ção será eliminado. E fracassará quan-do seus seguidores perceberem quesuas metas se diferenciam das deles”(Whittaker, 1979: 119).

Com a implantação dos projetos deassentamento, o número de eleitoresde alguns municípios aumentou signi-ficativamente, mas o tratamento dadoa essas novas áreas de moradia e deprodução pelos executivos municipaisnão difere das áreas tradicionais, ape-sar da peculiaridade das primeiras, ca-racterizada pelo acesso a terra e pelaurgência na definição de políticas agrí-colas que possam garantir a viabilida-de econômica desses projetos.

Entre 1990 e 1998, o crescimento donúmero de eleitores foi de 18,4% emJaparatuba, 39,1%, em Santa Luzia doItanhy, e 81,1%, em Canindé do SãoFrancisco, como mostra a tabela abaixo.

Com se pode observar, o maiorcrescimento do número de eleitoresocorreu justamente entre 1990 e1992, portanto, no período em que osassentamentos começaram a ser im-plantados (casos de Ivan Ribeiro e Vi-tória da União) ou na fase de conclu-são da etapa de seleção e assenta-

mento de colonos (caso do projetoCalifórnia).

Esse fato vai provocar uma mudan-ça no número de vereadores do muni-cípio de Santa Luzia, passando de 7 a9 vereadores, tendo contribuído paraisto, segundo lideranças políticas lo-cais, a implantação dos assentamentosVitória da União e Santa Luzia.

Atualmente, o município de Canindédo São Francisco tem 10 vereadores,Japaratuba, 8, e, Santa Luzia do Itanhy, 9.

Apesar de os assentamentos con-centrarem um número significativo devotantes, as famílias deslocam-se deforma precária para as sedes dos mu-nicípios para cumprirem com o deverpolítico de escolher seus representan-tes, devido à centralização dos locaisde votação. Entende-se que essa cen-tralização favorece ao histórico “votode cabresto”, através do controle doseleitores pelos cabos eleitorais respon-sáveis pelo transporte das famílias aoslocais de votação. Tal situação persisteacentuadamente em todos os municí-pios do estado de Sergipe.

No dia da eleição, em todos os as-sentamentos pesquisados, percebe-se obraço da política local, com oferta decarro para o transporte até a cidade,local de votação, lanches, bebidas, e noslocais de votação a presença de boca deurna, até mesmo sendo feita por assen-tados. Assim, um tipo de convulsão cer-ca os dias que antecedem a eleição,além do calor da sua realização, surgin-do ódio e afeição na mesma proporção.

É comum, na noite que antecede aseleições no interior sergipano, encon-

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Número de eleitores nos municípios dos assentamentos pesquisados - 1990/1998

Município 1990 1992 1996 1998

Japaratuba 8.028 8.712 9.284 9.485

Sta. Luzia do Itanhy 5.265 7.495 7.740 7.323 *

Canindé do São Francisco 5.192 7.187 8.222 9.402

Fonte: TRE/SE(*) Após revisão eleitoral feita no município pelo TRE em 1997. As principais causas da diminuição ocor-rida entre 1996 e 1998 foram : eleitores residindo em outros municípios e o não comparecimento deeleitores ao TRE, após três chamadas, através de carta, televisão e rádio.

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trar famílias inteiras na frente da casa,enroladas com cobertores, esperandoalgum político passar com cestas dealimento, ou qualquer outro produto.Porém, em alguns municípios a pre-sença do Partido dos Trabalhadores (PT)barrou um pouco está prática.

Um outro aspecto a ser ressaltado éque, em decorrência do aumento dapopulação total, os assentamentospassaram a receber um volume maiorde recursos repassados pelo Fundo deParticipação dos Municípios - FPM. Se-gundo informações da prefeitura deSanta Luzia do Itanhy, o município tevesua cota do FPM aumentada de 0,6para 0,8, após a formação dos trêsassentamentos (Vitória da União, San-ta Luzia e Mocambo). Provavelmente,situação semelhante tenha acontecidono município de Canindé do São Fran-cisco, haja vista o forte aumento dasua população, no período.

Notas* Parte integrante da Pesquisa “Os Impac-

tos Regionais dos Assentamentos Rurais emSergipe: dimensões econômicas, políticas esociais, financiada pela FINEP, sob a coorde-nação geral dos Prof. Leonilde Sérvolo Medei-ros e Sérgio Leite, do CPDA/UFFRJ.

1. Professor da Universidade Federal deSergipe - UFS, Doutor em Desenvolvimento,Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ.

2. Enfocando a situação econômica e polí-tica de Sergipe, na década 85/ 95, Ibarê afir-ma “Em Sergipe uma das tendências marcan-tes da última década foi o predomínio do PFL.Na esfera local, o PFL congregou grande partedos integrantes do PDS, inclusive o Governa-dor João Alves Filho que integrou a AliançaDemocrática e afirmou-se no Estado como onome mais representativo dos seus quadros(...) Em 1994, a vitória do candidato do PSDB,Albano Franco, deveu-se sobretudo ao PFL”(Ibarê, 1995: 14).

3. Na eleição para governador em 1998,dos 17 prefeitos municipais eleitos em 1996pelo PFL somente dois, os prefeitos de Ribei-rópolis e São Miguel do Aleixo, seguiram a ori-entação do partido no primeiro turno. No se-gundo, a esses dois somou-se um terceiro, oprefeito de Pedrinhas. Os demais preferiram

apoiar o candidato do PSDB, reeleito gover-nador do Estado, mesmo tendo o seu partidocandidato próprio.

4. Entendido como uma relação que se es-tabelece entre indivíduos de status sociais de-siguais, que se conhecem pessoalmente eque é mantida com base numa reciprocidadede intercâmbio, em que o “ patrão” oferececertos bens materiais, geralmente alguma aju-da social, alimentos, acesso a empréstimos,proteção etc., enquanto o “cliente” lhe dá emtroca obediência, trabalhos voluntários mal-remunerados ou seu voto nas eleições.

5. Termo aqui utilizado para designar aprática ainda hoje muito comum no Nordestebrasileiro, de que se valem determinados gru-pos políticos, através de personalidades influ-entes do interior do estado, para conseguirmanter cativos os votos da parcela da popula-ção menos esclarecida, ou seja, o eleitor votasempre no candidato indicado pelo chefe po-lítico a que está vinculado.

6. Recentemente, o governador de Sergipeviajou para Washington com o objetivo de ne-gociar com o FIDA a duplicação dos recursosdo Pró-Sertão, passando dos atuais U$ 18 mi-lhões para U$ 32 milhões, de modo a poderincorporar ao programa mais 6 municípios daporção norte do semi-árido sergipano, quemais têm sofrido com as secas periódicas queocorrem na região.

7. É muito difícil os dois grupos que domi-nam a política municipal caminharem juntos,no apoio a um mesmo candidato. O mais co-mum é que, em virtude das divergências polí-ticas locais, um deles fique na oposição, atéque se apresente nova oportunidade para adisputa e possam sair vencedor. A perpetua-ção do poder, através do “ filhotismo político”ou de pessoas ligadas visceralmente aogrupo, é a tônica da conformação do espaçode disputa política nos municípios sergipanos.

8. Ilustram muito bem esse fato municípioscomo Itabaiana, Lagarto, Nossa Senhora doSocorro e Estância que, face á densidade eleito-ral que possuem, permitem às lideranças políti-cas interioranas indicar nomes para ocuparemcargos comissionados na máquina estadual.

No contexto interiorano de Sergipe, maisespecificamente, voto é mercadoria, com todoo seu fetiche.

9. Sobre a origem e a forma como agem os“coronéis”, veja-se o clássico Coronelismo, En-xada e Voto, de Victor Nunes Leal, São Paulo,Alfa-Omega, 1975.

10. Exemplo disso, é que no dia 16 de ju-lho de 1999 o então prefeito de Canindé do

São Francisco foi preso pela Polícia RodoviáriaFederal da Bahia, portando, irregularmente,metralhadoras de uso exclusivo das forças ar-madas, acompanhado de dois seguranças,soldados da Polícia Militar de Sergipe.

11. O projeto irrigado Jacaré-Curituba, com10.000 hectares de terra, deverá ser entreguea mais de 700 famílias de trabalhadores sem-terra ligados ao MST, para exploração agro-pecuária.

12. Entendido enquanto coletividade que se-gue à risca a indicação de um pequeno grupo.

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Política e Democracia

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Celi Zulke Taffarel *

O socialismo e as tarefasrevolucionárias da juventude1

IntroduçãoLimito a contribuição que trago aodebate sobre o “socialismo e astarefas revolucionárias da ju-ventude” a elementos cen-trais da conjuntura atuale a indicações de qua-tro encontros deJovens ocorridos emdiferentes países,com diferentes pro-nunciamentos e cir-cunstancias históricas:1920 (Lênin), 1938(Trotsky), 1968 (Fidel),2000 (MST), 2002(MST).

Esta não é a primeira vezque jovens se reúnem pararefletir, debater, estudar e, comisto, armarem-se para o enfrentamen-to e assumirem, com consciência declasse, suas tarefas revolucionárias.

Ao longo da histórica luta da classetrabalhadora, podemos reconhecermuitos eventos que reuniram jovensdispostos a enfrentar, prática e teorica-mente, as questões de seu tempo.

Vou me reportar a quatro momen-tos ocorridos no último século (XX),um dos séculos em que, contraditoria-mente, tivemos grandes avanços cien-tíficos e tecnológicos, muitas conquis-tas e direitos foram demarcados, mastambém foi o século mais violento e

destruidor. Duas guerras mundiais e,aproximadamente, 70 conflitos arma-dos em curso, do Oriente a AméricaLatina, incentivados pela política de re-lações internacionais dos Estados Uni-dos e demais paises imperialistas.

As perguntas a serem respondidasão as seguintes: “O que caracteriza omodelo capitalista de produção e cir-culação de mercadorias e o que talmodelo determina para a juventude?Existe alternativa ao capitalismo?

Quais os elementos centrais que ca-racterizam o projeto histórico socia-

lista e quais as tarefas revolucio-narias da juventude na cons-

trução do socialismo?”O Objetivo é reconhe-

cer os elementos cen-trais dos projetos histó-ricos capitalista e so-cialista e o que deter-mina a juventude. Emúltima instância, é des-velar a lógica e as deter-

minações que permitemindicar ações estratégicas

na luta de classes.

DesenvolvimentoNo marco dos anos 20, do século XX

Em 1920, na nascente União Sovié-tica, Vladimir Ulianov, Lênin, dirigiu-seaos jovens reunidos em um Congressoda União das Juventudes Comunistase ressaltou a importância da juventudena organização de um regime socialque ajude o proletariado e as classestrabalhadoras a conservar o poder emsuas mãos e a criar uma sólida basesobre a qual deverão ser consolidadasas relações, nas quais não exista explo-ração entre os homens.

O problema essencial, destaca Lê-nin, é que, com a transformação da

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velha sociedade capitalista, o ensino, aeducação e a instrução das novas gera-ções, chamados a criar a sociedadecomunista, não podem continuar sen-do o que era antes.

O que aprender e como aprendersão tarefas essenciais colocadas à ju-ventude. O ponto principal defendidopor Lênin sobre o que aprender era“aprender o que é o comunismo”. Fa-zê-lo, acessando criticamente o conhe-cimento científico e tecnológico pro-duzido na base da velha sociedade -“assimilando o tesouro de conheci-mentos acumulados pela humanida-de” - e ser capaz de coordenar todo es-te conhecimento e saber agir. Saberque comunismo vem do latim com-munis, que significa comum. A socie-dade comunista significa que a terra,as fábricas, o trabalho são comum.

Isto significa, portanto, criar a culturaoperária, a partir da critica e da com-preensão do desenvolvimento lógico doacervo de conhecimentos conquistadospela humanidade, sob o jugo da socie-dade capitalista, da sociedade latifundiá-ria, da sociedade burocrática. Formarhomens cultos, superar a ignorância e acegueira são a tarefa principal. Homenscom disciplina férrea e com uma firme-za indomável na dura luta.

Significa romper com a escola velhaque forjava os dóceis de que necessi-tavam os capitalistas.

Significa contrapor, ao adestramen-to autoritário, a disciplina consciente, aexperiência de vida, a coesão, unifican-do e organizando as forças para a luta,a fim de criar uma vontade única paraderrotar os capitalistas e os latifundiá-rios. É, desta maneira, que é precisoenfocar as tarefas fundamentais paraaprender o comunismo.

A peculiaridade dos métodos é rea-lizar a atividade prática de modo quelhe permita, ao aprender, ao organizar-se, ao agrupar-se, ao lutar, fazê-lo comconvicção, com moral que está subor-

dinada aos interesses da luta de clas-ses do proletariado.

A luta da classe trabalhadora consis-te em derrubar tudo que permite a umaparte da sociedade se apropriar do tra-balho da outra parte. A apropriação econcentração da terra dividem as clas-ses em latifundiários e camponeses.

A luta de classes continua mudandosuas formas. É necessário derrubar to-das as formas de manifestação da ex-ploração. Esta é uma das principais pe-culiaridades da tarefa da juventude. Abase da moralidade comunista está naluta para conquistar e alcançar o co-munismo.

A Educação, na luta contra os explo-radores, na construção das alianças como proletariado, contra o egoísmo, contraa psicologia e os costumes individualis-tas são tarefas da juventude. Derrubar ascercas do latifúndio burguês, no campoda educação, ciência e tecnologia e vin-cular o aprendizado à prática da mudan-ça social são os desafios.

O ensino, a educação e a instruçãonão podem estar limitados à escola eseparados da agitação da vida. Semtrabalho, sem luta, o conhecimento li-vresco não tem absolutamente nenhumvalor porque continuaria o divórcio en-tre teoria e prática.

A tarefa é saber como estudar, combase nos problemas práticos concre-tos. É transformar o comunismo emguia para o trabalho prático, ou seja,orientar o trabalho com base no proje-to histórico comunista.

À juventude cabe ainda como tarefaajudar o partido nesta construção. Toda amassa da juventude operaria e campo-nesa deve estar incorporada a esta tare-fa. Deve colocar mãos à obra para ani-quilar o analfabetismo, colaborar com osdemais jovens que não têm condiçõespara livrar-se da ignorância, alcançando,assim, resultados práticos, em sua apren-dizagem ligada à vida cotidiana.

No marco dos anos 30, do século XXEm 1938, Trotsky dirige-se à organi-

zação de jovens reunida em torno daIV Internacional e reconheceu que ocaráter revolucionário de um partido éatrair para as suas bandeiras (reivindi-cações) a juventude.

O atributo básico da juventude resi-de na disposição de entregar-se total ecompletamente à causa socialista e is-to exige sacrifício, valores, decisões,com base na clara compreensão do cur-so dos acontecimentos e dos métodosapropriados para a ação.

Isto se obtém através da teoria, daexperiência de vida e do espírito luta-dor, disposto ao auto-sacrificio revolu-cionário, disposição de ir até o fim .

Esta é a tarefa da educação e da au-to-educação da juventude revolucio-nária. O entusiasmo esfria, se não esti-ver baseado em uma compreensãoclara do desenvolvimento histórico.

Em 1938, na Conferência Interna-cional da Juventude, foi interpretado eadotado o programa ratificado na con-ferencia de fundação da IV Internacio-nal. Ali está expresso que somente fa-lando a linguagem dos jovens, expri-mindo suas aspirações e garantindouma organização que seja deles, serápossível manter a juventude em tornodo programa da IV Internacional.

A organização autônoma de jovens,com clareza dos objetivos históricos edas necessidades da classe, deve seruma organização comunista que polari-ze contra a colaboração de classes. Aorganização de jovens deve ser autôno-ma e os jovens devem ocupar-se dastarefas organizativas, das finanças, docontrole teórico e organizativo, sendo oCongresso seu organismo soberano.

O Programa da Juventude continha,em sua plataforma de luta: 1. Um futu-ro aos jovens, um futuro ao mundo; 2.Luta pelo futuro: luta pelo pão; 3. direi-to ao trabalho; 4. todos juntos para a

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luta; 5. profissionalização; 6. direito àvida; 7. reivindicações para os jovensdo campo; 8. para as jovens; 9. abrir asescolas e as universidades; 10. Pão li-vros e direitos para os jovens coloniza-dos; 11. direito ao lazer; 12. Programada revolução.

Tais reivindicações não podem estarseparadas da luta do conjunto de rei-vindicações dos trabalhadores, defen-diam os jovens.

No marco dos anos 60, do século XXEm 1968, Fidel Castro, em Santa

Clara, Cuba, dirige-se à juventudeabordando, com extrema clareza, overdadeiro objetivo que deve ter umarevolução social que é formar um ho-mem novo, com uma nova prática,uma nova consciência e com umaética social diferente, e, neste proces-so, a juventude tem um papel funda-mental.

Para romper com o regime de escra-vidão, com o regime de exploração, in-justiças, abusos, crimes que deixou co-mo herança a ignorância, o desempre-go, a juventude teve um papel impor-tante, no processo revolucionário, tevemuito a ver com as novas condições devida do povo cubano. O fato de a ju-ventude ter discutido os pontos do pro-cesso revolucionário demonstra que ofruto da consciência de um povo é fun-damental.

A tarefa da Revolução é, essencial-mente, formar o homem novo de quefalava Che Guevara, o homem de cons-ciência verdadeiramente revolucioná-ria, socialista, o homem de consciênciaverdadeiramente comunista. À juven-

tude cabe refletir e defender a socieda-de socialista porque é ali que quer vi-ver. Quando assim procedem é porquea revolução penetrou suas consciên-cias, a consciência do povo, um povoque faz as coisas, não por imposições,mas porque assim as compreende,porque assim as quer fazer.

Os caminhos para chegar a umasociedade superior são difíceis porqueos homens vêm da sociedade capita-lista, cheio de egoísmo e inimizadesentre si. É preciso chegar ao pleno de-senvolvimento das forças produtivas,de modo que o homem possa criar osbens materiais, em quantidade sufi-ciente para que cada um possa satisfa-zer as suas necessidades. E a medidaem que as forças produtivas se desen-volvem, deve-se ir desenvolvendo aconsciência comunista.

Cada passo à frente, nas forças pro-dutivas, deve ser uma passo à frentena consciência comunista, na cons-ciência do povo.

Em Cuba, os direitos dos cidadãos àsaúde, educação e cultura são gratui-tas e devem ser mantidas. Não devemser comercializadas a educação, a saú-de e a cultura.

A cada uma deve ser reservadoaquilo que seja de acordo com sua ne-cessidade e capacidade.

O caminha do comunismo é longoe árduo, alertava Fidel aos Jovens Cu-banos. O caminho da justiça e igualda-de passa pela revolução de onde tira-mos lições. É possível desenvolver aconsciência revolucionária que resisteao choque com as leis da economiaegoísta do capitalismo.

Na revolução cubana, o povo desar-

mado, analfabeto, fez a revolução, en-frentou o exercito armado pelos Ian-ques. Lutou contra todas as armas uti-lizadas pelo imperialismo para derrotara revolução, a arma do bloqueio eco-nômico, principalmente. Mas a luta foivencida pelo povo que com seu espíri-to revolucionário, garantiu a convivên-cia social superior e firmou novos va-lores sociais e morais.

O motor do revolucionário é a cons-ciência do dever com o futuro. O traba-lho não é um meio individual de ga-nhar a vida, mas, sim, o meio de todaa sociedade. O bem estar de todos ad-vém da consciência comunista quesignifica que as riquezas que fizermosserão divididas entre todos. Ter cons-ciência da revolução e compreender oque fazer para avançar na construçãoda sociedade comunista é tarefa da ju-ventude, ressalta Fidel Castro.

No marco do final do século XX: ano de 2002 No IV Congresso Nacional do MST,

em 08 de agosto de 2000, Frei Bettofaz menção ao sonho de um Brasilsem desigualdade social, um Brasilsem injustiça, sem miséria. Mas o queconstatamos é a destruição, ou seja, atendência à destruição das forças pro-dutivas e dos meios de produção e danatureza, que estão cada vez maisacentuada.

Somos uma nação estuprada pelocapital especulativo. O desafio, diz FreiBetto, é não ceder em princípios éti-cos e morais. Construir uma nova op-ção para o Brasil é superar os valoresburgueses, o egoísmo, o individualis-mo, ambição pelo poder, a vaidade, aesperteza, a exploração, o individualis-mo, a vingança. Um projeto para oBrasil deve ser construído por muitosMovimentos, com base nas lutas po-pulares.

O Projeto para o Brasil está emcurso na ação dos militantes que ocu-

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Construir uma nova opção para o Brasil é superar os valores

burgueses, o egoísmo, o individualismo, ambição pelo poder, a

vaidade, a esperteza, a exploração, o individualismo, a vingança.

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pam, lutam e reivindicam, que têm co-ragem e esperança. Estão em curso,nos homens e mulheres, novos comvalores que permitem enraizar um pro-jeto para o Brasil. Projeto assumido nastarefas cotidianas, nas coisas comunitá-rias, na fé, no respeito, e que todospossam partilhar o pão, o prazer e apaz. Projeto assumido pelos que nãotem vergonha de sonhar e lutar pelasociedade socialista, sem repetir erros,mas capaz de tornar as riquezas doBrasil acessível a todos os brasileiros.

No marco do iníciodo século XXI - 2002Estamos em 2002, início do século

XXI, em uma conjuntura que expressaa crise destrutiva do sistema de produ-ção e circulação de mercadorias, ba-seado na propriedade privada dos mei-os de produção, na exploração do tra-balho, do trabalhador, da explotaçãoda natureza, da especulação financei-ra, das altas taxas de lucro, da concen-tração de renda.

O Relatório anual do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimen-to, edição 2002, divulgou que o Brasilestá entre os quatro piores países emdistribuição de renda e ocupa o 73º lu-gar no ranking do IDH (Índice de De-senvolvimento Humano), apesar deestar entre as 10 maiores economia domundo.

O Brasil continua acentuando dis-torções graves, por exemplo, somente15% dos alunos que ingressam no en-sino fundamental continuam no ensi-no médio e somente 10% da juventu-de conseguem ingressar na Universi-dade. No Estado da Bahia, esta situa-ção é ainda pior porque menos de 8%dos jovens conseguem ingressar emum curso superior e, destes, a maioriafreqüenta o ensino privado.

Os dados sobre a violência na Ba-hia, denunciados pela Comissão deJustiça e Paz, da Arquidiocese de Salva-

dor, são calamitosos. Trabalhadores,homens, negros, com idade entre 14 e25 anos, são as maiores vítimas. Ri-beiro, um dos autores do dossiê sobreviolência, alerta “Você é negro, jovem etrabalhador? Não venha pra Bahia:morre-se fácil.”

A tendência à destruição vem sendocomprovada pelos fatos. A falta de umlastro real na produção de bens, ocrescimento econômico impulsionadopelos Estados Unidos, nos anos 80 e90, estão ruindo. A economia de mer-cado dependente do capital “fictício”chegou a seu limite, demonstrandoque se manteve com base em falca-truas e corrupção.

As políticas de ajustes impostos naAmérica Latina, através do Consensode Washington (implementação de re-formas), com o monitoramento cons-tante dos Bancos Internacionais, doFMI, do Banco Mundial, deixaram umlastro de miséria, destruição e conflitossociais.

Para manter o império, após des-truir uma base de industrialização, decomprometer a educação, o desenvol-vimento científico e tecnológico da re-gião, estão sendo implementadas me-didas estratégicas, entre as quais des-tacam-se: planos de militarização, pla-no de formação de áreas de livre co-mércio, planos para assegurar direitosautorais (lei de patentes), planos paramercantilizar a educação, medida for-temente defendida pela OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC).

A consolidação da ALCA prevista pa-ra 2003, implementada com estraté-gias militares, econômicas, políticas eideológicas destruidoras, significará adesnacionalização das economias dos

33 países das Américas, excetuando-seCuba. Significa redução de cláusulas edireitos sociais, redução de salários,aumento do desemprego, privatiza-ções das ultimas estatais, privatizaçãoda educação e da saúde, aumento dadívida externa, controle da tecnologia,controle da produção energética, daágua e da Amazônia, controle militardireto do imperialismo.

No Brasil, a Base de Alcântara fazparte desta estratégia. Novas bases mi-litares estão sendo implantadas na Co-lômbia (Três Esquinas e Tolima), noEquador (Manta), no Peru (Iquitos) . OPlano Colômbia é a expressão maisavançada deste processo, com o pre-texto de lutar contra o narcotráfico, re-compõe-se o estado burguês, em crisepelas lutas das massas e pela guerrilha.

Para implementar tal projeto impe-rialista, é preciso destruir as organiza-ções populares e convertê-las em do-mesticadas ONGs. É preciso criminali-zar os movimentos sociais de caráterconfrontacional, como o MST, acabarcom os sindicatos e mantê-los sob rígi-da regulamentação (Lei de Greve),cooptar a intelectualidade, destruir oucooptar os partidos operários indepen-dentes, eliminar estrategicamente amilitância, matando-as física, mental,financeira ou moralmente.

Atualmente, são 88 presos políticosno Brasil. Trabalhadores rurais sem ter-ra, sem antecedentes criminais, presosna luta pela terra.

Em pleno processo eleitoral, o go-verno brasileiro (FHC, Malan, Fraga)compromete o futuro governo a serempossado, em janeiro de 2003, assi-nando acordos com o FMI, por pressãode bancos internacionais, fazendo com

A economia de mercado dependente do capital “fictício”

chegou a seu limite, demonstrando que se manteve

com base em falcatruas e corrupção.

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que, no primeiro semestre do novo go-verno, terá que ser administrada umadívida de U$ 112,283 bilhões (FSP,16de agosto 2002). Com tais acordos, se-rão pagas, cada vez mais, a dívida ex-terna e, cada vez menos, as dividas so-ciais que significam as reivindicaçõesdos trabalhadores por terra, trabalho,educação.

Para manter sua hegemonia, estesistema, em franca decomposição, ba-seado na lógica do mercado, que con-traditoriamente se expande e se des-trói, investe no mercado bélico paramanter o espírito beligerante entre asnações como única forma de resolverconflitos, no mercado da prostituição,inclusive infantil, no mercado das dro-gas e da exploração do trabalho infan-til. Com isto, acelera-se a decomposi-ção social mundial, ficando evidenteque o sistema capitalista de produçãoe circulação de mercadorias está acen-tuando a barbárie.

Este sistema se mantém sob cincopilares: 1) a propriedade privada dosmeios de produção (a terra, a nature-za, o conhecimento, a indústria, osbancos, as comunicações); 2) a explo-ração do trabalho e do trabalhador; 3)a lógica do mercado; 4) a organizaçãodo poder a partir do estado burguês;5) a concepção burguesa de democra-cia; 6) a moral e ética burguesas.

As poucas e curtas experiênciasmundiais, em contraponto a tal siste-ma, nos apontam o socialismo comoopção a ser forjada na luta.

Isto significa lutar: 1) para socializaros meios de produção e planificar aeconomia, de acordo com as necessi-dades e reivindicações das massas; 2)tornar o trabalho socialmente útil orien-tado pelo beneficio comum social; 3)lutar contra os mercados capitalistas; 4)destituir do poder do Estado a burgue-sia e seu ordenamento legal; 5) desen-volver a concepção de democracia, apartir da ótica da classe trabalhadora

contra a ditadura do capital; 6) contra-por a ética burguesa, os valores moraise à ética da luta contra a exploração.

A base dos trabalhadores deve ser areferência da luta da classe trabalha-dora. Fora desta referência, a discussãosobre democracia e ética só reforçavalores da burguesia, como se a explo-ração não existisse e a história tivesseterminado, restando somente a 3ª via -“humanizar o capitalismo”, taxar asgrandes fortunas, controlar o capitalespeculativo.

ConclusãoO atual sistema de produção de

mercadorias não apresenta alternativade futuro para a juventude. Contra estesistema, temos que lutar, incidindo emseus pilares centrais, com convicção eética revolucionárias.

Portanto, não basta elegermos Lulapresidente do Brasil. É preciso arrancarum acordo com Lula, com base nasreivindicações da juventude. Reivindi-cações emergenciais e históricas porterra, trabalho, educação. Isto implica-rá romper com o FMI e pagar as divi-das sociais com a população brasileira.

A luta contra as privatizações, contrao latifúndio, contra a mercantilização daeducação e da saúde, contra a ALCA,contra a entrega da Base de Alcântara, aluta contra as negociações com o FMI, aluta contra o pagamento da dívida ex-terna, significam a luta, pela soberaniado Brasil, a luta pela vida digna de to-dos. Estas questões estão no centro doembate e do enfrentamento.

Podemos, por fim, reconhecer queas tarefas para a juventude estão, cadavez mais, difíceis e complexas. Pode-mos reconhecer a atualidade do que

foi defendido em diferentes lugares(União Soviética, França, Cuba, Brasil),em diferentes épocas (1920, 1938,1968, 2000), por diferentes dirigentespolíticos (Lênin, Trotsky, Fidel Castro,MST/Frei Betto), quando confronta-mos os fatos da realidade. É preciso,pois, avançar na luta pelo socialismo,contra a barbárie capitalista.

Referências BibliográficasANDRADE; Everaldo. Juventude e Socialis-

mo. São Paulo. O Trabalho, 1999.BATISTA; Paulo Nogueira. O Consenso de

Washington: A visão neoliberal dos problemaslatino-americanos. Consulta Popular nº 7, SãoPaulo, 1999.

GOULART; Serge. Mercosul, Nafta, Tratadosde Livre Comércio. Origem, significado e con-seqüências. Santa Catarina, Gráfica RioSul,Editora Companhia de Informação LTDA. S/D.

GUIMARÃES; Samuel. A Política dos Esta-dos Unidos para o Mundo e Para o Brasil.Consulta Popular nº 8. 2000.

STEDILLE; Miguel Henrique e CORBISIER,Ana. As tarefas revolucionárias da Juventude.São Paulo. Expressão Popular.2000.

ZANETTI, José Carlos; RIBEIRO, Lutz Mo-lert; OLIVEIRA, Nelson de. A Outra face daMoeda: Violência na Bahia. Salvador, Bahia,Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese deSalvador. 2000.

Notas1. Exposição apresentada na abertura do

“1º ACAMPAMENTO DE JUVENTUDE: SOBERA-NIA SIM, ALCA NÃO!”, ASSENTAMENTO TERRAA VISTA - ARATACA BAHIA , 16 A 18 DE AGOS-TO DE 2002

Dra. Celi Zulke Taffarel é professora titularna FACED/UFBA e Secretária Geral doANDES-SN.

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Política e Democracia

As poucas e curtas experiências mundiais,

em contraponto a tal sistema, nos apontam o socialismo

como opção a ser forjada na luta.

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 45

Entrevista: Francisco de Oliveira

Por Antônio Ponciano Bezerra *

Francisco de Oliveira

Professor titular (aposentado) do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, com presençamarcante no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento(Cebrap) e Centro de Estudos da Cidadania, economistae sociólogo, Francisco de Oliveira representa, na atualidade, um dos intelectuais brasileiros mais destacado pela coerência política, sem meias-palavras,dedicado, há mais de três décadas, à reflexão crítica da história política brasileira.Francisco de Oliveira concedeu esta entrevista à Universidade e Sociedade, posicionando-se sobre temas como militância sindical, inflação monetária,eleições nacionais, acordo com o FMI e ALCA e o desastroso governo de FHC.

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Entrevista: Francisco de Oliveira

Universidade e Sociedade - O se-nhor, como professor, já fez militânciasindical junto ao movimento docentenacional?

Francisco de Oliveira - Não, nuncafiz. A não ser pela minha participaçãona ADUSP. Mas em caráter nacional,nunca fiz. Em primeiro lugar, porqueentrei tarde na universidade; a maiorparte da minha carreira foi fora daUniversidade, embora tenha ensinadona PUC-SP desde 1980. O Aloísio Mer-cadante foi importante na Associaçãode Docentes da PUC. Mas eu nunca fizmovimento sindical de caráter nacio-nal, até mesmo porque a USP é muito“uspiana”, ou seja, a gente tem um cer-to recorte muito estadual, que fazcom que as universidades estaduaisnão se liguem muito no movimentonacional. Eu acho que isso atrapalha arelação entre os professores da USP,Unicamp e Unesp com o sindicalismonacional docente.

US - Como o senhor avalia hoje omovimento sindical brasileiro?

F.O - Como todo mundo sabe, omovimento sindical brasileiro foi forte-mente erodido nos últimos dez anos. Éum processo talvez já mais antigo, masnos últimos dez anos acelerou-se essaerosão. Há categorias muito importan-tes para o sindicalismo que tiveram osseus efetivos muito diminuídos, comoos bancários e a própria categoria meta-lúrgica; duas categorias importantesaqui em São Paulo, na reconstituiçãodo sindicalismo. São categorias que fo-ram muito danificadas pela reestrutura-ção produtiva, pelas privatizações e pelacrise econômica. Então, uma categoriacomo a dos petroleiros, que nunca foimuito grande, mas era muito importan-te do ponto de vista político, sofreuuma derrota forte em 95 - no primeiroano de Fernando Henrique - e essa der-rota tirou a categoria dos petroleiros docentro da luta política mais importante.

Veja a nossa própria categoria - docen-tes - que foi muito desclassificada nosúltimos dez anos. Os funcionários públi-cos foram, em geral, identificados comoinimigos públicos porque, na retóricaneoliberal, a elevação dos gastos públi-cos dá em inflação monetária; inflaçãomonetária é uma experiência que a so-ciedade não quer mais viver. E houve,portanto, também, uma desqualificaçãosemântica muito forte nesses dez anosde neoliberalismo e isso tirou o movi-mento sindical do centro do movimen-to político. Então, hoje, o movimentosindical é bastante mais fraco do que há20, 15 anos atrás, devido à conjunçãodesses fatores de crise, reestruturaçãoprodutiva, privatizações... E o discurso

político neoliberal desclassificou essesatores o que, infelizmente, teve acolhidanuma parte da sociedade. Esse discursoliga, por exemplo, funcionário público àinflação. É uma equação fácil de fazeratualmente por qualquer pessoa e issodanificou muito o movimento sindical.

US - Como intelectual, professor ecientista social, qual a sua opinião so-bre intelectuais, a exemplo de FHC,que optaram por atuar no campo dopoder dominante com uma postura, aprincípio, avessa a tudo que o cons-truiu como político de oposição?

F.O - Os intelectuais brasileiros têmuma posição central, na política, hámuito tempo. Se repassarmos a história

brasileira, vamos encontrar, em todosgrandes movimentos, desde que a gen-te pode se considerar uma Nação - nãonos 500 anos falados, porque 300 fo-ram de colônia - mas como Nação, osintelectuais tiveram uma presença fortee sempre estiveram muito perto do po-der. Ou tiveram uma presença muitoforte, fazendo parte e liderando movi-mentos antipoder ou movimentos dereforma do poder. Desde o fim do Im-pério, a presença de intelectuais, sobre-tudo jornalistas, publicistas, mas dequalquer forma, intelectuais. Na campa-nha da Abolição, na campanha Republi-cana, já é notável a presença de intelec-tuais. Depois, na República Velha, tam-bém é notável a presença de intelec-tuais. Em campanhas como a da vacina,a do voto obrigatório, a da circunscriçãomilitar obrigatória. Bilac, por exemplo,era um intenso participante político.Depois a gente tem uma série de inte-lectuais propriamente conservadores, aexemplo de Alberto Torres, Oliveira Via-na e Chico Campos; essa geração deconservadores esteve muito próxima dopoder, foram agentes importantes - foipor Oliveira Viana e Chico Campos quese fez a Legislação do Trabalho - quetodo mundo pensa que foi tirada dacartola de Vargas.

Então, eu diria que essa relação deintelectuais com o poder não é nova, équase fundadora do Brasil. E depoistemos toda a história da esquerda, apresença de intelectuais na fundaçãodo Partido Comunista, a presença deintelectuais na fundação do PartidoSocialista. Antes, a presença de intelec-tuais no Anarquismo, uma presençamuito forte. E o que surpreende, por-tanto, em Fernando Henrique Cardoso,como emblema do intelectual, é eleter ido para uma posição completa-mente oposta à que teve na juventudee que manteve até os anos 80, comomilitante da oposição democrática. Dealguma maneira, portanto, essa pre-

Os funcionáriospúblicos foram,

em geral, identificados

como inimigospúblicos

porque, na retórica neoliberal, a inflação dos gastos dá

em inflação monetária

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Entrevista: Francisco de Oliveira

sença de intelectuais na política não énova; surpreende essa mudança deposição, que se pode explicar em ter-mos de interesses, pode-se explicarem termos de um movimento de - eudiria - de “aburguesamento” do inte-lectual. Mas do ponto de vista pessoalmais íntimo será sempre um enigma.Surpreendeu muito as pessoas queacompanharam a sua carreira políticae decepcionou muito. E acho que, atéhoje, não tem uma explicação satisfa-tória. Permanecerá um enigma, a meumodo de ver.

US - Neste momento singular emque vivemos da história política brasi-leira, o Partido dos Trabalhadores -um partido de esquerda - se vislumbracomo preferência nacional à Presi-dência da República. Como o senhorse posiciona diante deste fenômeno?

F.O - Analiso a questão do Partidodos Trabalhadores no quadro geral bra-sileiro. O quadro geral brasileiro de hojeé um quadro de indeterminação muitoalta. Esses processos mais recentes, dosúltimos dez anos, promoveram umaruptura das relações entre classe, inte-resses, política, partidos, de tal formaque as linhas de força entre esses ele-mentos estão perdidas; elas, nestemomento, restam muito indefinidas. Setomarmos as coligações que disputam aPresidência, não se pode definir nenhu-ma delas em termos de classe, de inte-resses, de representação. Pode-se dizer,por exemplo, que a coligação que sus-tenta o candidato Lula representa, emgrau maior, interesses dos trabalhado-res, mas de uma forma muito indefini-da. De forma que o PT está imerso nu-ma crise que é geral na sociedade brasi-leira que, eu diria, é uma crise de repre-sentação. Os partidos não são capazes,hoje, de responder, nem expressar, nemrepresentar, determinados setores dasociedade. Isso é devido não à coopta-ção ideológica, não à infidelidade parti-dária - questões desse tipo ficam mais

na área dos interesses pessoais e indivi-duais -, mas é devido à enorme turbu-lência dos últimos dez anos. A genteestá avaliando mal as transformaçõeshavidas no Brasil, neste período neolibe-ral. Elas foram profundas, avassaladoras- transformações não no sentido positi-vo, transformações na sociedade, naestrutura social, na relação de interesses.E isso não poderia deixar de afetar apolítica.

Tomemos o seguinte exemplo: asprivatizações promoveram um revolvi-mento na própria estrutura de classes,no interior da burguesia, que hoje ficamuito difícil dizer quais são os partidos,quais são os interesses dessa burguesiae onde eles estão. A gente sabe dizer

isso de um modo vago, mas de ummodo preciso não sabemos. Antes dasprivatizações, as revistas especializadaselencavam as principais empresas bra-sileiras. Durante décadas, tomando-sealguma revista que se dedicava a isso,como a antiga Visão, depois a Exame;ou se tomarmos uma publicação queatravessa esse tempo todo, que é aRevista da Fundação Getúlio Vargas,que produz em cada ano um rankingdas mais importantes empresas brasi-leiras, o que veremos? Pois bem: duran-te décadas, o grupo privado que apare-cia no topo das empresas brasileiras erao grupo Votorantim. Com as privatiza-ções, de repente, o grupo Votorantimcaiu da primeira posição entre os gru-pos privados brasileiros - não a maior

empresa brasileira; a maior empresabrasileira continua sendo a Petrobrás -mas dos grupos privados brasileiros, deum ano para o outro, com as privatiza-ções, a Votorantim despencou do pri-meiro lugar entre os grupos privadosbrasileiros, para talvez ser, hoje, o quar-to ou o quinto. Foi substituído, comogrupo privado, pela nova empresa quecontrola a Vale do Rio Doce, que eraantes uma empresa estatal.

Isso dá uma idéia do revolvimentoque houve, do embaralhamento deforças e de interesses, no interior daprópria burguesia. Não há política queresista a isso. A política não é uma tra-dução literal da economia, mas ela émuito ligada; elas têm relações, que osclássicos reconheceram no campo ci-entífico que chamaram de EconomiaPolítica, que é uma tensão entre a eco-nomia e a política. Mesmo concebendoe admitindo que a política não é a tra-dução nem da estrutura de classes,nem dos interesses econômicos, deve-se admitir também que elas têm rela-ções muito fortes e que, portanto, ummovimento desses na economia nãopode deixar de repercutir na política. Éisso mais ou menos o que está se pas-sando. No campo da burguesia, foi is-so. No campo do operariado e dos tra-balhadores, houve uma pesada rees-truturação produtiva. Só a categoriados bancários, por exemplo, foi reduzi-da a um terço do que era há quinzeanos. Isto pesa muito na política. Osbancários, aqui em São Paulo, elegiamfacilmente três ou quatro deputados.Veremos, agora, quantos eles elegem.Certamente, com muito esforço, um.

Então, tudo isso mexeu com as rela-ções e a política está numa fase - ameu modo de ver - de muita indeter-minação. E o PT está imerso neste pro-cesso. É predominantemente um parti-do que expressa interesses de uma fra-ção importante de trabalhadores, masmesmo assim foi atingido também por

As privatizações promoveramum revolvimento na própria

estrutura de classes, no interiorda burguesia, que hoje ficamuito difícil dizer quais são

os partidos, quais são os interesses dessa burguesia

e onde eles estão.

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Entrevista: Francisco de Oliveira

essa crise e perdeu uma parte da suacapacidade de representar. Então, o PT,hoje, mais ou menos, atua como qual-quer partido. Quer dizer, tenta caçar vo-tos em qualquer segmento social. Essaé a crise pela qual o PT passa, imersonessa outra enorme crise que - a meumodo de ver - ocorre na sociedade bra-sileira e que estilhaça os partidos. Vejao candidato à continuidade do governoFernando Henrique. Por mais que elese esforce, não consegue mais ligaraqueles interesses que o próprio Fer-nando Henrique ligou. A razão, umpouco, da sua má performance está aí.Não está em que ele é mal-preparado,não está só em que ele é muito antipá-tico, não está só em que lhe falta caris-ma. Tudo isso é verdade, mas é que édifícil dizer a que interesses ele precisa-mente atende, hoje. Digamos que é ointeresse dos banqueiros, porque pos-sivelmente é a única fração da burgue-sia que efetivamente ganhou muitonesses dez anos neoliberais. Mas nin-guém faz política apenas defendendointeresse de banqueiro. Há uma criseda representação que é grave.

US - A atual situação econômicabrasileira, sobretudo em relação àespeculação financeira da supervalo-rização do dólar em relação ao real, éatribuída ao chamado “efeito Lula”. Osenhor acha que isto procede?

F.O - Vou dar uma resposta hetero-doxa e que o PT não gosta dela. Mas euacho que a burguesia está fazendo umahomenagem ao PT. Porque, de fato, seo PT tem um programa de transforma-ção e se a burguesia não tivesse medodesse programa de transformação,adiantaria muito pouco. Então, há, nes-se movimento da alta do dólar, duascoisas, concluímos: em primeiro lugar, ofato de que o Brasil tem dívidas pesa-das. Isso os bancos e o sistema finan-ceiro sabem, dispõem de seus intelec-tuais orgânicos, que se debruçam dia-

riamente sobre as cifras das economiasde todos os países, sobretudo daquelesem que atuam; qualquer banco queatua aqui no Brasil tem um batalhão deeconomistas dedicados à análise per-manente, diária, dos indicadores. Todoseles sabem que o serviço da dívida pesamuito no Brasil. O serviço da dívida é al-go em torno de 7% do PIB, uma mons-truosidade. E todos eles também sa-bem como é fácil hoje acompanharpelos jornais que a criação de divisascapazes de fazer com que o Brasil pa-gue folgadamente seus compromissos,foi comprometida pela própria reces-são. Então, em primeiro lugar, há algode real nisso. E o que é que faz um es-

peculador como George Soros? Como onome diz, ele especula, ele ganhadinheiro especulando. Então, quem sesurpreender com o comportamento daespeculação, não sabe nada do capita-lismo. Há, em primeiro lugar, portanto,um fato real; o fato de que as dificulda-des da economia brasileira para honraras suas dívidas são reais. Em segundolugar, o fato de que o especulador fi-nanceiro - não produtivo - ganha di-nheiro é assim mesmo. Ou a gentepensa que George Soros fez fortunacom o trabalho produtivo? Em terceirolugar, eu diria, essa é uma homenagemao PT. Se ele de fato não representassetransformação, o mercado não se mo-veria. É uma espécie de homenagemque o vício presta à virtude. Mas isso éuma fala muito heterodoxa e os meuspróprios companheiros do PT não gos-tam.

US - Como o senhor avalia esseúltimo acordo do Brasil com o FMI?

F.O - As forças que mais pressiona-ram para que o FMI fizesse emprésti-mo ao Brasil foram os próprios bancos.A pressão mais forte veio dos bancos,e entre estes, dos bancos estrangeiros.A moral do empréstimo do FMI é queele é feito para garantir que os bancospossam tirar o seu dinheiro do Brasil.Quando você financia dívida, é assimque você faz. Se tomarmos o nosso ca-so, o caso de qualquer um de nós, in-dividualmente. Quando você tem umadívida e não pode pagar, mas você temhaveres que projetam ao credor umapossibilidade de que você venha a pa-gar, o credor volta a lhe emprestar: oque é que ele está fazendo? Ele estágarantindo o dinheiro dele. A mesmacoisa se passa numa relação entre paí-ses: o empréstimo que financia a dívi-da é uma garantia para os credores,não é uma garantia para o devedor.Isso significa que era o dinheiro neces-sário para que os bancos possam reti-rar seu próprio dinheiro do Brasil, semameaças de quebra, tal como ocorreuna Argentina. Na Argentina, ocorreuuma quebra real, de fato. Os bancos jáhaviam ganho muito dinheiro na Ar-gentina, mas em determinado mo-mento a economia argentina quebrou,e eles quebraram. Eu vi, nas últimasvezes que fui à Argentina, no últimoano, com certa regularidade - pelo me-nos três vezes nesse último ano - vocêtem na Argentina até agências literal-mente quebradas, depredadas pelopúblico. Não é só o fato de que os ne-gócios ruíram; em determinadas situa-ções, a fúria dos depositantes argenti-nos foi tanta que eles depredaram asinstalações. Então o empréstimo doFMI é uma tentativa de evitar que issose repita no Brasil. Do ponto de vistanacional, só agrava a dívida. Hoje vocêtem que a relação dívida/PIB está em66%, segundo os últimos dados publi-

A moral do empréstimo do FMI é que ele é um

empréstimo feito para garantirque os bancos possam tirar o

seu dinheiro do Brasil.

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cados em jornais. Há um mês, ela era55%; em um mês, ela saltou para66%. Isso agrava as dificuldades, signi-fica que você tem mais dívidas parapagar, significa que uma fração maiordo orçamento tem que ser destinadapara pagamento do serviço da dívida eisso compromete as perspectivas deum governo futuro. Então, são dois as-pectos: aquele que diz respeito ao cre-dor (o empréstimo é bom para os cre-dores) e o que diz respeito ao devedor(o empréstimo é ruim para o devedor,neste caso, o Brasil).

US - Uma outra questão polêmica eo senhor como economista pode secolocar muito bem nisso: o senhorfaria a implementação da ALCA?

F.O -Eu acho que nisso o Lula temacertado. O Acordo de Livre Comérciodas Américas não é um acordo, é umaanexação. É como a Alemanha fez coma Áustria, antes da 2ª Guerra Mundial.É algo parecido, porque o tamanho daeconomia dos EUA é incomparávelcom a realidade das nossas econo-mias. Você não pode fazer um acordodesse jeito. Acordo se faz entre entes,entidades, pessoas com mais ou me-nos a mesma posição, a mesma esta-tura, o mesmo poder. O “acordo” entreos USA e a América Latina é como fa-zer um acordo entre um campeãomundial peso-pesado e um jovem queatua na categoria de peso-pena. Colo-que os dois no ringue e o resultado écompletamente previsível; não se pre-cisa de bruxo nem de feiticeiro. A ALCAé uma coisa assim. O tamanho da eco-nomia norte-americana não é com-patível com acordos com a AméricaLatina. Então será uma anexação.

E o risco maior, qual é? O riscomaior é que ele dê certo. O que signi-fica isso? Significa que se o Brasil con-seguir realmente aumentar suas ex-portações para os Estados Unidos, seráo risco maior. Todo mundo espera que

isso aconteça, mas há dois problemas:em primeiro lugar, isso não vai aconte-cer, porque a economia americana já éaltamente devedora no mundo todo, omercado americano é disputadíssimopelas empresas de todos os países, e osócio privilegiado hoje, o parceiro pri-vilegiado hoje dos EUA chama-seChina. Então o Brasil tem pouca mar-gem para aumentar as exportações

para os Estados Unidos. E o contráriotambém é verdadeiro: os Estados Uni-dos não têm muito o que exportarpara nós, porque os Estados Unidos sósão competitivos em altíssima tecnolo-gia. No mais, eles não são. Na produçãode commodities eles não são competi-tivos; não aguentariam uma concorrên-cia aberta com o Brasil em produtos taiscomo suco de laranja, soja, aço, porquenão são competitivos, o trabalho é mui-to caro para eles. Só são competitivosem altíssima tecnologia, que não secompra todos os dias; isso é uma com-pra que se faz uma vez ou outra.

O que é que pode acontecer com aALCA? Pode acontecer que os EUAdêem algumas facilidades e a gentecomece a exportar. Qual será o passoseguinte? Será aumentar a desnacio-nalização da economia brasileira, por-que aquelas empresas que tiveremsucesso os americanos virão aqui com-prá-las. A história com o México ilustraesse caso. O NAFTA é um acordo que,como todo mundo sabe, envolve o Ca-

nadá, Estados Unidos e México. O Mé-xico aumentou, sim, suas exportaçõese tem, hoje, um nível de exportaçãoque é três vezes o do Brasil, sendo90% para os Estados Unidos. O Méxicoperdeu sua autonomia financeira, mo-netária e cambial porque não podemexer mais em sua economia. Me-xendo, ele afeta as suas exportaçõespara os EUA e eles reagirão imediata-mente. Em segundo lugar: no México,praticamente todas as empresas, queexportam muito do México para os Es-tados Unidos, são hoje de propriedadenorte-americana. Qual foi o sucessodo México? Em terceiro lugar, apesardisso tudo, a renda do trabalhador me-xicano é uma constante no tempo;não melhorou em nada o salário dostrabalhadores mexicanos. Isso podeacontecer conosco.

Então, o meu temor não é o de quea ALCA não dê certo, não é de que se-jamos invadidos por produtos norte-americanos. Ao contrário, é que ela dêcerto e, em dando certo, os países daAmérica Latina - incluindo o Brasil -perderão toda sua autonomia nacio-nal. A ALCA pode ser, de fato, umaanexação.

US - Essa questão da ALCA desen-cadeou um movimento político - oPlebiscito, que movimentou váriossetores da sociedade brasileira. O se-nhor acha que este movimento tevealgum efeito no sentido de se repensaresse acordo?

F.O - Eu gostaria que o Plebiscito,tal como se realizou, com a adesão ex-pressiva de parte da população - aque-la que teve acesso à essa informação,aquela que pôde se movimentar; fala-se em cerca de 10 milhões de votos noplebiscito, dos quais 98% manifesta-ram-se contra à assinatura do acordoda ALCA. Eu aderi ao plebiscito - voteinuma urna que estava até na Escolade Serviço Social da Universidade Fe-

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Entrevista: Francisco de Oliveira

O tamanho daeconomia

norte-americananão dá parafazer acordo

com ninguém, principalmentecom a América Latina.

Então será uma anexação.

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deral do Rio de Janeiro, porque nessedia eu participava de uma Banca deconcurso lá - e eu gostaria que ele ti-vesse um efeito maior sobre a política,sobre os partidos e sobre os políticos.Ele terá efeito. Nenhum Presidente searriscará a assinar qualquer coisaapressadamente, tendo 10 milhões depessoas que disseram “não” a esseacordo. Mas o Plebiscito não terá oefeito na medida em que ele foi tãoexpressivo. Infelizmente acho que não,porque os partidos em geral não parti-ciparam do Plebiscito. O PT, que semovimentou muito no início, terminouretirando-se do Plebiscito. O PSTU, quepermaneceu atuando dentro do Ple-biscito, não tem envergadura paratransformar a manifestação dos cida-dãos em matéria política. Quem temessa envergadura é a CNBB, o MST, emalguma medida, mas não mais que en-tre seus militantes - e os partidos estãoreagindo mal à questão do Plebiscito,inclusive o PT, eu acho. Mas, sem dúvi-da, servirá como um aviso aos partidosna abertura de negociações que seanuncia para breve sobre a ALCA, e euestou vendo de forma muito pessimis-ta a repercussão dessa expressivamanifestação cidadã e sua acolhidapelo sistema partidário, pelo sistemapolítico. Gostaria que não fosse assim.

US - Como o senhor vislumbra aeconomia brasileira, no próximo ano,se for eleito um governo Lula?

F.O - Se houver um governo Lula -como tudo indica, daqui até o domin-go próximo, se bem que estão se en-saiando várias coisas, como essa deontem (30/9/2002) no Rio de Janeiro,que foi muito grave e pode ser que ou-tras coisas estejam sendo preparadas -é evidente que só algo como umabomba de vários megatons pode afas-tar o Lula da Presidência, ou já no pri-meiro turno, ou num segundo e defini-tivo turno. O que será um governo Lula

no próximo ano? Algo muito difícil, por-que herda uma situação extremamen-te deteriorada, com o governo damaior potência mundial bastante hos-til. O governo Bush ainda não incluiu oLula no eixo do mal porque está“pagando para ver”. É a administraçãoda maior potência mundial que émaniqueísta, uma pobreza de com-

preensão do que é o mundo contem-porâneo, que assusta. Com as atitudesdos especuladores, e dos credores, ex-pressa hoje no movimento contra amoeda brasileira, o ambiente interna-cional é muito hostil. A União Européianão tem capacidade de contrapor-se aisso. A economia japonesa está mergu-lhada numa longa letargia, tambémnão pode contrapor-se a isso - nemtem interesse para contrapor-se. Aúnica potência que, no futuro, a prazomédio, vai se colocar como capaz dedizer “não” aos Estados Unidos é aChina. E a China não tem nenhum inte-resse no momento em bancar nenhu-ma posição. Do ponto de vista interna-cional, estamos em uma situaçãomuito solitária e muito difícil.

Como a situação interna é muitograve, com um comprometimento fi-nanceiro e fiscal também muito grave(cerca de 35% do orçamento da Re-pública é destinado ao pagamento dedívidas), será um governo extrema-mente difícil e complicado. No primei-ro ano, não se pode esperar muita coi-

sa. O que se pode esperar e exigir deum governo Lula é uma ruptura comesse quadro, uma transparência repu-blicana como talvez nunca houve noBrasil, e um decidido empenho de rea-lizar uma política social que possa co-meçar a tirar boa parte da populaçãobrasileira da situação em que está; refa-zer e reconstruir o Estado Nacional - quehoje é uma ficção. Os episódios de on-tem no Rio de Janeiro, os episódios dedesafio do crime organizado, por exem-plo, são o atestado da falência do Esta-do brasileiro. Isto é o que se deve, se po-de exigir do Lula, mas nada de muitomiraculoso. Aliás, homens e mulheresdeveriam pedir tudo, menos milagre.

US - Por fim professor, gostaria queo senhor fizesse uma avaliação desses8 anos do governo FHC.

F.O - O professor Reinaldo Gon-çalves, Titular de Economia Internacio-nal da Faculdade de Economia da UFRJ,é um nome conhecido na roda doseconomistas e dos militantes do PT.Reinaldo Gonçalves fez o seguinte, numtrabalho que já deve ter uns quatro me-ses: tomou as principais variáveis eco-nômicas: crescimento do PIB, total eper capita, relação dívida/PIB (que elechamou de vulnerabilidade financeira),relação dívida/orçamento, exportaçõesem relação ao PIB, inflação e ranqueou-os tendo por base todos os governoscivis da República, desde Prudente deMoraes (por governos civis eu querodizer, eleitos pelo voto). Excluiu Deo-doro e Floriano, porque não conside-rou válidos, e incluiu a Ditadura Militarde 64 a 84. Obteve o seguinte e sur-preendente resultado, ponderando to-dos os indicadores,de que resultou umindicador único: o governo FernandoHenrique Cardoso foi o pior governo daRepública, perdendo até para Wences-lau Braz - que é considerado um dospiores que este país já teve. FHC sóganhou no item queda da inflação, mas

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Entrevista: Francisco de Oliveira

FernandoHenrique foi o

pior governo da República, perdendo atépara Wenceslau Braz - que é

considerado um dos piores que este país já teve.

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Entrevista: Francisco de Oliveira

perdeu no crescimento da renda, nocrescimento da renda per capita, cresci-mento das exportações, dívidas internae externa, perdeu num indicador queGonçalves chamou “distância em rela-ção aos Estados Unidos” - mediu, pelocrescimento do PIB e pelo crescimentoda renda per capita brasileira, a distân-cia em relação aos Estados Unidos. Essadistância havia encurtado; com Fernan-do Henrique voltou a alargar-se. Isto é,a dependência, que Cardozo teorizou,aumentou.

O surpreendente de tudo é que ogoverno Fernando Henrique é bem ava-liado, e ele é um desastre monumental.Então, esta é uma avaliação quantitativa- que tem seus problemas, certamente- mas que trabalhou com os indicado-res econômicos mais usuais - e que sãopúblicos e notórios -, de outro lado, sese quiser uma avaliação qualitativa, sig-nifica que o governo Fernando Henri-que diminuiu a autonomia brasileira.Ficou com uma política econômicaamarrada ao dólar, amarrada aos em-préstimos externos e diminui a autono-mia, nossa soberania. Isso significa que,do ponto de vista da cidadania, ele tor-nou os nossos votos inúteis, além dasquestões que são hoje muito contun-dentes: o desemprego dobrou no pe-ríodo de Fernando Henrique. O desem-prego medido pelo IBGE - que é umamedida conservadora - era de 4%, noprimeiro ano do mandato de FernandoHenrique; hoje é de 8%. O que os eco-nomistas chamam “desemprego aber-to”. E este governo é bem avaliado! Te-mos visto uma imprensa complacente,que ressalta sempre o Presidente. Estegoverno passou para mãos privadas umpatrimônio que custou muito a estepaís fazer. Custou coerção estatal, cus-tou repressão... As grandes empresasestatais não foram tiradas da cartola,não. Fomos nós que as financiamos. Tu-do isto, que custou enormemente, eleentregou “sem mais aquela”. E este go-

verno tinha a pretensão de ter encerra-do a Era Vargas e colocar-se superior-mente a ele, Vargas. Se você tomar es-tes indicadores que o Reinaldo Gonçal-ves alinhou, ele perde de Vargas e deJuscelino em todos os itens, menos nataxa de inflação, que, mesmo assim,com Vargas e Juscelino não era nada es-tratosférica. Ele perde dos dois, que sãoos dois grandes heróis burgueses doBrasil no século XX - se é que a burgue-sia ainda constrói heróis - perde para osdois de lavada, mas perde muito feio;não é por pouca coisa, não. A taxa decrescimento média do governo Jusce-lino foi quatro vezes a do governo Fer-nando Henrique e ele teve oito anos.Juscelino governou durante cinco. A ta-xa média de crescimento do governoFernando Henrique, com todas as pon-derações, não passa de 1,5% ou 2%. Ataxa de crescimento média do governo

Kubitschek foi de 8%. O crescimento darenda per capita, no governo FernandoHenrique, foi em média de 0,6. Cha-mam esse governo de algo notável?! Ocrescimento da renda per capita, no go-verno Juscelino, mesmo com uma po-pulação que, à época, ainda crescia cer-ca de 2,5% ao ano - hoje a populaçãocresce na verdade a 1,3% ao ano, ficamais fácil reduzir-se a miséria e a desi-gualdade do ponto de vista demográfi-co, que sempre foi uma espécie de bes-ta-fera dos economistas liberais Rober-to Campos e Glycon de Paiva, que hojeninguém sabe quem é, nos anos 50dizia: “isso aqui é um país de coelhos.

As pessoas trepam, trepam, trepam... efazem filhos”. Pois é, a famosa explosãodemográfica hoje está reduzida a 1,3%.Não é mais problema. Apesar disso, arenda per capita com Juscelino cresceua 5% ao ano. Com Fernando Henriquecresceu a 0,6%.

Mesmo com a alta inflação herdadade Sarney, nós tínhamos superávit nabalança comercial. Tivemos hoje o pri-meiro superávit na balança comercial nogoverno Fernando Henrique devido àrecessão, e não ao esforço de exporta-ção. As importações foram muito com-primidas e aí apareceu o saldo. Aí, ogoverno salta de alegria e os jornais lhefazem côro, o que é um absurdo. Vocêse louva como se disséssemos o seguin-te, para usarmos uma metáfora cruel: écomo se você pudesse se regozijar porseu filho nascer nanico. Como ele nascenanico, não vai gastar pano para se ves-tir. Em que mundo nós estamos? Entãovocê louva um saldo comercial porque aeconomia não cresceu. E ele canta vitó-rias! Isto é uma enorme contradição,que só é explicada pelo poder da mídia,que mascara tudo. É um governo quetermina dessa forma e tem 40% depopulação favorável. Durma-se com umbarulho desses! Se não for - segundo oestudo feito por Reinaldo Gonçalves - opior governo da República, está lá entreos piores em todos os pontos de vista.Esta é a minha avaliação. Mais que aquantitativa, é a avaliação qualitativaque deve ser enfatizada. Nós perdemosmuito da autonomia, muito da sobera-nia e, portanto, muito da cidadanianeste governo. Ele tornou inútil o nossovoto. A gente vota, devemos votar, deve-mos tentar que a política possa recupe-rar a capacidade de dirigir o país, masnesses anos ele tornou o nosso votoinútil. O que é que você faz quando vocêvota para os seus representantes noCongresso e estes votam o orçamento eo Banco Central, de uma penada, elevaa dívida interna de uma semana para

A taxa média de crescimento do governo

Fernando Henrique, com todasas ponderações, não passa de

1,5% ou 2%. A taxa de crescimento média do governo

Kubitschek foi de 8%.

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outra em 10%. De que vale o seu voto?Foi a isso que ele nos conduziu. Estegoverno, se houvesse uma opinião pú-blica informada, uma opinião públicanão mistificada pela mídia, este governoreceberia nota zero. As cidades brasilei-ras estão ingovernáveis.

US - Sendo assim, até mesmo aaparente glória desse governo, de teralta aprovação pública, se transformaem desonra diante do “emburreci-mento” da população pois, que honrahá em ser aprovado por quem temfalta de capacidade crítica neste parti-cular? (intervenção de Jair Jatobá)

F.O - É contraditório falar em embur-recimento da população, neste momen-to em que as pesquisas de opiniãoapontam o Lula com cerca de 40% deintenção de voto. Mas este é um fenô-meno estudado já há muito tempo pelaFilosofia e pela Sociologia, a opinião pú-blica moderna é muito manipulável.Não se trata de emburrecimento no sen-tido de perda das capacidades cogniti-vas, mas se trata de um processo maisgeral de mistificação que atinge a todos,e dentro do qual você tem muita dificul-dade de refletir e todos os meios decomunicação são um forte indutor des-sa mistificação. Podemos ir a qualquerperiferia e a qualquer favela na cidadede São Paulo, hoje, e veremos uma po-pulação pobre - miserável mesmo - de-fronte da televisão vendo os programastipo Reality Show, se divertindo comaquilo. Aquilo é uma farra de ricos ex-posta, aquilo, mais ou menos, equivale aLuis XIV que, por detrás dos portões for-temente guardados de Versailles, colo-cava a sua mesa no pátio do castelo, sebanqueteava, e o povo do lado de foraolhando... Os miseráveis que, 50 anosdepois, fariam a Revolução Francesa. Éigual, só que era um punhado de genteque conseguia chegar aos portões doPalácio de Versailles; hoje são milhõesque ficam olhando aquele espetáculo

obsceno que lhes é dado como diverti-mento. Isso embota a capacidade refle-xiva de cada um de nós e nos torna inú-teis. Se não fosse isso, esse governomereceria zero.

Se as pessoas ponderassem: “o queaconteceu comigo nos últimos oitoanos, o que aconteceu com meu irmão;o que aconteceu com o meu vizinho,com o filho do meu vizinho; o que acon-teceu com alguém que eu não conheço,mas que eu sei que existe? O que acon-

teceu?”. Aconteceu isso, o desemprego.Quer dizer, um em cada cinco brasilei-ros, pelas contas do DIEESE-SEADE, emSão Paulo, nesta cidade que já foi omotor da economia brasileira, um emcada cinco paulistanos está desempre-gado. A taxa de desemprego aqui é de20% e na maioria das capitais brasileirasronda por aí. Em Salvador, que é a maisformosa de todas, junto com o Rio deJaneiro, a taxa de desemprego é de25%. E eles sustentam um tipo comoACM. Quer dizer, um em cada quatrohabitantes de Salvador está desempre-gado. Se as pessoas pudessem fazer es-ta reflexão: “o que aconteceu com aspessoas que eu conheço?” O que acon-teceu em termos de sua experiência co-tidiana de ter sido assaltado alguma vez?Se a gente fizesse essa reflexão, o gover-

no Fernando Henrique ia tirar nota zero.E isso acontece de fato. Eu moro aquiem São Paulo há 35 anos - além dosmeus anos anteriores em Recife - e nes-ses anos todos, eu havia sofrido um as-salto. Na minha casa, o ladrão entrou elevou tudo. Felizmente eu não acordei,porque se tivesse acordado, eu não es-taria hoje aqui. No último ano, eu fui as-saltado duas vezes. Coisa boba, mas é acoisa boba que humilha mais.

Na experiência do cotidiano, a vio-lência não é mais uma coisa que vocêsó vê ocorrer com os outros; ela ocorrecom você. Se as pessoas fizessem essareflexão, esse governo teria nota zero. Ogoverno Sarney saiu quase com o raboentre as pernas e não foi pior que ogoverno Fernando Henrique em qual-quer dos itens que você queira, mesmocom a inflação tendo chegado no nívelmais alto que a história brasileira já co-nheceu. Quando o Sarney terminou omandato, a inflação era de 88% aomês, e mesmo com isso o governo Sar-ney não foi pior que o de FernandoHenrique. Um oligarca, alguém dequem se poderia esperar pior. Um go-verno que se fez de pedaços, que her-dou de Tancredo, sem a legitimidade deTancredo. Um governo de “peixe de He-mingway”: o caboclo pescou em altomar um peixe de 300 kg e quando che-gou em terra só tinha o esqueleto. Foi ogoverno Sarney. O governo FernandoHenrique teve maioria folgada no Par-lamento; fez o que quis. Formou maio-rias, passou o trator por cima da oposi-ção; nós todos fomos reduzidos a neo-bobos, jurássicos. É duro!

* Antônio Ponciano Bezerra é editor daRevista Universidade e Sociedade, 2º Vice-Presidente - Andes-SN - Regional NordesteIII. Professor Titular da Universidade Fede-ral de Sergipe. Esta entrevista contou coma contribuição da profa. Janete Luzia Leite(Diretora do Andes-SN/Regional Rio de Ja-neiro), do jornalista do Andes-SN - LuizAndré Barreto e do Secretário Executivo daRegional São Paulo/Andes-SN, Jair Jatobá).

Entrevista: Francisco de Oliveira

Podemos ir aqualquer

periferia e aqualquer favela

na cidade deSão Paulo, hoje,

e veremos uma populaçãopobre - miserável mesmo -

defronte da televisão vendo osprogramas tipo Reality Show,

se divertindo com aquilo.Aquilo é uma farra de ricos

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 55

Sabe-se que a economia global éprofundamente assimétrica. Desapare-ce a fronteira norte-sul, porém a dife-rença de crescimento econômico, ca-pacidade tecnológica e condições so-

ciais entre zonas do mundo aumentama cada instante e criam um hiato aindamaior entre os países. A globalizaçãoredesenhou o mapa econômico domundo. Novos centros de crescimentoafloraram. Por outro lado, se marginali-zaram política e economicamente re-giões inteiras. A globalização é um pro-cesso desigual, acompanhado do fra-cionamento e marginalização, não so-mente nos países pobres, mas tam-bém nos países industrializados e ricos.

O cenário promissor e de pessimis-mo é o retrato do quadro político, eco-nômico, social e cultural atual. A edu-cação, alavanca indispensável no pro-cesso de desenvolvimento, tem suaimportância desdobrada. Teoricamenteé a alternativa mais viável de elevar o

Educação, Avaliação e Privatização

Educação:

Educação: uma visão panorâmica mundialO pós-modernismo, período caracterizado por inovações e rápidasmudanças em praticamente todos os setores produtivos da sociedade,está afetando a vida de um grupo significativo da população - aquela que tem acesso aos bens produzidos pelo trinômio ciência, tecnologia e informática. Por outro lado, mantém quase inalterada a vida cotidianada maioria da população do planeta Terra. Se, de um ângulo, a ciência, a tecnologia e a informática auxiliaram e estão auxiliando mais ou menosum terço da população a viver melhor, mais confortavelmente e aumentar a esperança de vida; dois terços, a cada dia, vêem suas condições básicas de vida deterioradas e pioradas. Esse fenômeno ocorre tanto nos países industrializados como nos países que estãoem via de desenvolvimento, porém esta é uma característica marcantenos países chamados de terceiro mundo: África subsaariana, Ásia meridional, países árabes e países latino-americanos e Caribe.

Ernâni Lampert *

visão panorâmica mundial eperspectivas para a América Latina

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nível tanto pessoal quanto social dapopulação. A educação, aparelho ideo-lógico do Estado e da classe poderosae dominante, ao longo de toda a histó-ria serviu para acentuar e aumentar oshiatos entre os ricos e os pobres. Ospaíses da Europa estão seguros deque, para continuar sendo um pontode referência no mundo, devem inves-tir no conhecimento, porque a educa-ção é de uma importância abrumado-ra no momento de determinar a posi-ção de cada país na competência glo-bal. Seguindo esta linha de pensamen-to, Korsgaard (1997) diz: a educação,que até há pouco tempo estava ligadaa uma certa fase da vida, agora se con-verteu em uma necessidade que cobretoda a vida. Isto implica que todo umlapso de vida, em que não se haviadado prioridade às políticas educacio-nais, se volta agora à pedra angular noprocesso de renovação da sociedade.A educação de adultos é agora parteda educação contínua e de aprendiza-gem, ao longo de toda a vida.

Dados da Conferência Internacionalda “Educação para Todos”, em 1990,em Jomtiem, Tailândia, publicados noRelatório Mundial de Educação daUNESCO, demonstram as grandes dis-paridades. Em 1992, os gastos públi-cos por aluno foram 4.270 dólares nospaíses industrializados; nos países emvia de desenvolvimento, 218 dólares, enos países mais pobres, 38 dólares.Em relação à taxa de escolaridade pri-mária, as diferenças não são tão ex-pressivas, apesar de que na África sub-saariana a taxa era de 73,1%. Nos paí-ses em via de desenvolvimento, era de98,4%, contra 99,7% nos países de-senvolvidos. No ensino secundário adisparidade era enorme: 44,9% nospaíses em vias de desenvolvimentocontra 95,8% nos países desenvolvi-dos. A taxa de alfabetização, em 1995,era de 70,4% nos países de via de de-senvolvimento, contra 98,7% nos paí-

ses desenvolvidos. As disparidadeseram acentuadas: África Subsaariana,56,6%, e o Sul da Ásia, 50,2%, e entreas diferentes partes dos países em viade desenvolvimento. A alfabetizaçãoda mulher nos países em via de desen-volvimento (47,3%) é outro fenômenoque merece análise.

O Fórum Mundial sobre a Educação,celebrado de 26 a 28 de abril de 2000,em Dacar, Senegal, adotou o Marco deAção de Dacar - Educação para Todos.Esse marco baseia-se no mais amplobalanço da educação básica realizadoaté agora. Retrata os avanços que cadapaís obteve na educação básica. Os re-sultados apresentados nas seis confe-rências celebradas: em Johannesburgo(1999); Bangkok (2000); Cairo (2000),Recife (2000), Varsóvia (2000) e SantoDomingo (2000) mostram a realidadede cada país e região e a situação emnível mundial. O Marco de Ação de Da-car, conseqüência da ConferênciaMundial sobre Educação celebrada em1990, em Jomtien, representa um com-promisso coletivo dos governos dos paí-ses em cumprir os objetivos e as finali-dades da educação para todos.

Na África Subsaariana a educaçãopara todos ainda é uma utopia. Nos úl-timos anos, quase um terço dos paísesforam devastados pela guerra e pelosconflitos civis. Os desastres ecológicos,os ajustes econômicos severos, a cargacom a dívida, a desorganização naadministração pública, a corrupção, apandemia do HIV/Aids são fatores quedificultam o progresso. Somente unsdez países conseguiram a educaçãoprimária universal. Os programas para

primeira infância são escassos e sinali-zados nas zonas urbanas. Cerca de50% das crianças estão fora da escola.O abandono escolar está aumentandopor diferentes motivos: guerras, custoselevados da educação, crianças obriga-das a trabalhar e falta de infra-estrutu-ra básica. É necessário considerar que,na nova divisão internacional do traba-lho, a África já não é um continentedependente senão estruturalmente ir-relevante desde o ponto de vista dosistema. Em determinadas zonas daÁfrica, existem sociedades regidas peloprincípio da tradição, onde mudançaspodem colocar em perigo a convivên-cia, os fundamentos da produção e aordem social. Assim, a educação temuma escassa razão de ser. A imitaçãoda ação e as atitudes se constituem nofundamento da aprendizagem. Os mi-nistros da educação, representantes dasociedade civil e organismos interna-cionais para o desenvolvimento, reuni-dos em Johannesburgo, no final do sé-culo XX, renovaram o compromisso“Educação para o Renascimento daÁfrica no Contexto de uma Economia,uma Comunicação e uma CulturaMundializada”.

Países da Ásia e do Pacífico, duran-te a conferência sobre avaliação, em2000, em Bangkok, consideraram quea educação, que é um direito funda-

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Educação, Avaliação e Privatização

Em determinadas zonas da África, existem sociedades regidas

pelo princípio da tradição, onde mudanças podem colocar em

perigo a convivência, os fundamentos da produção e a ordem

social. Assim, a educação tem uma escassa razão de ser.

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Educação, Avaliação e Privatização

mental, deve ser garantida a todas aspessoas, especialmente aos mais des-protegidos e excluídos. Os principaisdesafios a serem enfrentados referem-se às disparidades crescentes dentrodos países, particularmente uma bre-cha persistente entre os centros urba-nos e as zonas rurais; a discriminaçãocontra as meninas, especialmente naÁsia Meridional; o alto índice de reten-ção; deficiências nos orçamentos daeducação nacional; deficiência na iden-tificação, aperfeiçoamento e expansãodas melhoras práticas na educação bá-sica; dificuldades para reformar os cur-rículos de modo que possam atenderaos desafios e necessidades dos jo-vens da região; falta de dados estatísti-cos confiáveis; falta de capacidade pa-ra avaliar os problemas educacionais;insuficiência de meios para avaliar orendimento e o êxito na aprendiza-gem. A partir dos principais desafios,os países da Ásia e do Pacífico estabe-leceram as seguintes estratégias: - in-vestimento e mobilização de recursos;- um novo “espaço” para a sociedadecivil; - educação e eliminação da po-breza; - aproveitamento imparcial dasnovas tecnologias; - desenvolver a au-tonomia de professores primários eanimadores pedagógicos; reforma dagestão educacional; - integração deatividades de desenvolvimento; - inter-câmbio de informações, experiências einovações.

Os progressos alcançados nos paí-ses árabes no final do século XX, aindaque tendo em conta os esforços dosEstados, foram abaixo das expectati-vas. A pobreza, o desemprego, a vio-lência, os conflitos, a marginalização,as diferenças entre os gêneros e o no-

madismo impediram êxitos na educa-ção, que é a conseqüência do contex-to político, econômico, social e cultu-ral. Na educação da primeira infância,de modo geral, pode-se evidenciaruma melhora nos índices de matrícu-las nos anos 90. Dez Estados mostra-ram uma taxa inferior entre os 13% e50% e somente dois Estados (Líbano eKuwait) alcançaram índices superioresa 70%. A educação primária obteve osmaiores avanços, mesmo que os índi-ces de matrícula bruta do Djibuti, Mau-ritânia, Sudão e Iêmen sigam baixos(cerca de 72%). É oportuno registrarque a Mauritânia e o Sudão têm reali-zado enormes progressos nos últimosanos. As diferenças entre as zonas rur-ais e urbanas e da participação da mu-lher na educação primária continuasendo um obstáculo. Estima-se queexistam 68 milhões de analfabetos(63% são mulheres). Egito, Argélia,Marrocos, Sudão e Iêmen repartem-seem 70% desta cifra. O analfabetismo éum subproduto negativo de uma edu-cação primária insuficientemente es-tendida no passado. A formação deprofessores é outro problema que osEstados Árabes necessitam enfrentar.Um percentual pequeno de professo-res possuem o diploma mínimo exigi-do para a tarefa docente.

Entre os representantes dos paísesdo Grupo E-9, os mais povoados domundo, onde habita mais de 50% dapopulação mundial (Bangladesh, Bra-sil, China, Egito, Índia, Indonésia, Mé-xico, Nigéria e Paquistão), existe umconsenso sobre os êxitos registradosdurante os últimos anos no âmbito daeducação. Entre os êxitos alcançadosestá a maciça redução do analfabetis-mo de adultos; o aumento substancialdos serviços educativos pré-escolares;o adiantamento significativo da educa-ção básica universal; a maior eqüidadea respeito de sexo no acesso à escola;a descentralização dos serviços educa-tivos; o desenvolvimento do marcocurricular; a utilização da educação àdistância para a expansão do aprendi-zado e a formação de professores; oadiantamento no processo de inclusãode crianças com necessidades espe-ciais no conjunto das escolas. É possí-vel evidenciar os progressos alcança-dos, porém os desafios persistem enecessitam de respostas. Assim, sãoimprescindíveis ações concretas paracombater o elevado número de analfa-betos em alguns países; facilitar oacesso à educação em zonas remotase inacessíveis; expandir os serviços daeducação da primeira infância; melho-rar a qualidade e o rendimento daaprendizagem. Para responder satisfa-toriamente aos grandes desafios, é ne-cessário um desenvolvimento social eeconômico com igualdade medianteuma educação de qualidade para to-dos; uma participação efetiva dos dis-tintos segmentos sociais em todo oprocesso educativo; adoção de méto-dos de ensino mais recentes, basea-dos em uma tecnologia mais moder-na, e principalmente a solidariedadeinternacional com apoio técnico e fi-nanceiro.

A realidade no continente europeué diferente. A maior parte dos paísestêm em comum uma tendência demo-

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 57

No contexto atual, é imprescindível renovar esforços a fim de com-

bater o racismo, o etnocentrismo, o anti-semitismo e a xenofobia -

fenômenos tão comuns em países desenvolvidos.

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gráfica à diminuição. Esse fenômenofaz com que aumente a importânciada qualidade da educação em todosos níveis e a necessidade de uma edu-cação permanente. O ensino primárioe o primeiro ciclo de ensino secundá-rio são praticamente universais. Naparte oriental do continente europeu,a realidade educacional é diferente emrelação à parte ocidental. Em funçãodas recentes transformações do siste-ma político e econômico, na maioriados casos, evidencia-se uma reduçãode gastos com educação; uma danifi-cação das condições de trabalho do-cente; uma desvalorização dos saláriosdos professores e o aumento das desi-gualdades sociais. Nos países da Euro-pa Central e Oriental, o aumento doíndice de abandono escolar, a escassamotivação de alguns alunos, o rendi-mento inferior de alunos mais desfa-vorecidos, a degradação, a violência eo surgimento de fenômenos de exclu-são social são alguns aspectos queprejudicam a educação. De maneirageral, os países da América do Norte eEuropa conseguiram superar os princi-pais problemas da educação infantil,primária e secundária, acabando como analfabetismo e investindo na for-mação de professores. No contextoatual, é imprescindível renovar esfor-ços a fim de combater o racismo, o et-nocentrismo, o anti-semitismo e a xe-nofobia - fenômenos tão comuns empaíses desenvolvidos.

Reunidos em Santo Domingo de 10a 12 de fevereiro de 2000, os países daAmérica Latina, Caribe e América doNorte avaliaram os progressos alcan-çados na região e renovaram o com-promisso da Educação para Todos pa-ra os próximos quinze anos. O marcode Ação Regional comprometeu-se aeliminar as injustiças ainda existentese contribuir para que todos possamcontar com uma educação de qualida-de. Muitos foram os êxitos alcançados

na última década na região: aumentona educação da primeira infância -período de 4 a 6 anos; aumento signi-ficativo de acesso da quase totalidadede meninos e meninas na educaçãoprimária; ampliação dos anos de esco-laridade obrigatória; diminuição daporcentagem de analfabetos e abertu-ra e participação de fatores múltiplos.Por outro lado, se faz necessária umaatenção especial para eliminar algunstemas pendentes: altas taxas de repe-tição e desistência; baixa prioridade daalfabetização e da educação de jovense adultos; baixos níveis de aprendiza-gem dos alunos; baixo valor e profis-sionalismo dos docentes; baixo au-mento nos recursos; insuficiente dis-ponibilidade e utilização das tecnolo-gias de informação e comunicação.

A modo de conclusão, é possíveldestacar que a avaliação da Educaçãopara Todos em 2000 mostra avançossignificativos em muitos países. No en-tanto, em pleno século XXI, mais de113 milhões de crianças estão semacesso à escola primária; existem 880milhões de adultos analfabetos em to-do o mundo e a discriminação nos gê-neros continua impregnando os siste-mas de educação, principalmente en-tre os países mais pobres. Sabe-se queno último decênio a educação avan-çou no plano mundial, porém as dis-paridades permanecem. Dados daavaliação, realizada em nível nacional,regional e mundial, indicam que emplano mundial o número de matrícu-las no primário aumentou (em 1998contou com 44 milhões a mais decrianças que em 1990). O índice geral

de alfabetização de adultos passou pa-ra 85% de homens e 74% para mulhe-res. Ainda que quantitativamente osdados indiquem uma melhora, mi-lhões de seres humanos estão sendoexcluídos da educação e vivem emcondições inaceitáveis. Somente umadecidida vontade política, sustentadapor alianças de diferentes segmentossociais, é capaz de mudar o quadro.Outro avanço significativo é que atual-mente, devido às investigações em di-ferentes áreas do saber humano, épossível entender melhor os múltiplosfatores que influem na demanda daeducação, assim como compreenderas diferentes causas que excluem cri-anças, jovens e adultos das oportuni-dades de aprendizagem.

Os bons resultados obtidos no últi-mo decênio são produto de investi-mentos na área da educação dos paí-ses, alguns mais que outros. Geral-mente os países mais adiantados, de-vido a ingressos proporcionalmentemaiores e à conscientização de queinvestir em educação é a chave do pro-cesso de desenvolvimento, investemmais que os países emergentes. Estesúltimos, com escassos ingressos, faltade conscientização, ausência de umavontade política e às vezes dominadospela corrupção, deixam de aplicar em

Educação, Avaliação e Privatização

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Existem 880 milhões de adultos analfabetos

em todo o mundo e a discriminação nos gêneros

continua impregnando os sistemas de educação,

principalmente entre os países mais pobres

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educação e tecnologia. Esta políticaaumenta o hiato entre os países indus-trializados e os em via de desenvolvi-mento. Este fenômeno é evidenciadopelos dados. A população infantil éconstituída por 60% de meninas quenão têm acesso à educação primária.Certamente Ásia Meridional e Áfricasubsaariana, onde o avanço tem sidomais difícil, apresentam maiores difi-culdades. Os países da América e doCaribe, devido às diferenças regionaise de grupos sociais, baseadas na desi-gualdade de ingresso, ainda não con-seguiram proporcionar a educação pa-ra todos.

Torres (2001), especialista em Edu-cação Básica, Assessora Internacionalem Educação e conhecedora da reali-dade e dos problemas educativos devários países, com muita propriedaderessalta que tanto nos países desen-volvidos como nos em vias de desen-volvimento, incluindo o sistema priva-do de ensino, a educação exige pro-fundas transformações, novas organi-zações e estratégias, novas maneirasde pensar e de fazer melhorar a quali-dade e a eficiência de um sistema edu-cativo e escolar que não funciona eque demonstra ser inadequado para agrande maioria da população (crian-ças, jovens e pobres). Investir na me-lhoria deste mesmo sistema, fazê-lo àscustas de uma grande dívida interna-cional e com qualidade sempre abaixodo exigido para garantir níveis míni-mos de igualdade na oferta educativae conseguir impactos que “fazem a di-ferença” entre aqueles que aprendem,é um péssimo negócio para as pes-soas, os países e as agências financia-doras. O que temos pela frente é o de-safio de um compromisso sério e reno-vado para que se construa uma educa-ção diferente para todos, não apenaspara remoçar a velha educação. Com amentalidade e as estratégias tradicio-nais não será possível alcançar a “edu-

cação para todos” e uma educaçãodiferente, ainda que com grande inver-são de recursos, um aumento no prazoe uma pauta renovada no potencialdas novas tecnologias. A única possibi-lidade de garantir a educação paratodos é pensar de outra maneira, a par-tir de outras lógicas, de uma nova com-preensão comum que integre educa-ção e política, educação e economia,educação e cultura, educação e cidada-nia, políticas educativas e política so-cial, mudanças na educação que ve-nham de baixo para cima de ordem lo-cal, nacional e global. A educação paratodos somente é possível a partir deuma visão ampliada e renovada daeducação que volte a investir nas pes-soas, em sua capacidade e potenciali-dades, no desenvolvimento e na sin-cronia dos recursos e dos esforços detoda a sociedade no desempenho co-mum de fazer da educação uma neces-sidade e uma tarefa de todos.

O século XXI e a educação: perspectivas para a América LatinaO desemprego, e o novo subempre-

go, o aumento gradual dos excluídos,dos exilados, dos imigrantes, a guerraeconômica entre os países e blocos dopoder, a incapacidade de dirigir as con-

tradições do mercado liberal, o agrava-mento da dívida externa na maioriados países, o comércio de armamen-tos, a baixa estabilidade política, amultiplicação das guerras interétnicas,o surgimento do “Estado Fantasma” -criado pela máfia e pelo cartel de dro-gas, são algumas características da so-ciedade atual. Este contexto problemá-tico gera insegurança, incerteza e me-do. A entrada do século XXI traz à hu-manidade contradições de todas as or-dens. Se, por um ângulo existe muitootimismo e esperança pelo desconhe-cido, por outro ângulo as incertezas, osmedos, as ansiedades ocupam a men-te humana. Sabe-se que o século XXIé mais incerto para uma grande parteda humanidade que o século anterior,porque a morte do velho aniquila asvelhas certezas e o novo ainda não ter-minou de nascer. Segundo Imbernón(1999), não há nada seguro abaixo dosol: encontramo-nos ante uma novaforma de ver o tempo, o poder, o tra-balho, a comunicação, a relação entreas pessoas, a informação, as institui-ções, a velhice, a solidariedade.

A globalizacão econômica e finan-ceira, resultado da política neoliberalimposta aos países industrializados eemergentes, exige um homem e umamulher cada vez mais preparados paraenfrentar o cotidiano familiar, social,laboral e cultural. Os avanços da tecno-logia e da informática são uma forçadecisiva que mudou a maneira depensar, sentir e atuar. O perfeito domí-nio da informática e suas aplicações é,sem dúvida alguma, a última tendên-cia que invadiu o ritmo cotidiano dasociedade atual.

Educação, Avaliação e Privatização

O perfeito domínio da informática e suas aplicações é,

sem dúvida alguma, a última tendência que invadiu

o ritmo cotidiano da sociedade atual.

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A tecnologia produziu e está produ-zindo revoluções na microeletrônica,na biotecnologia, nas informações, nascomunicações e nos transportes. Mui-tos autores analisam os paradoxos datecnologia: alguns apontam as vanta-gens, outros os perigos da era da infor-mática. Bohórquez (1999), analisandoos paradoxos da tecnologia de ponta(microeletrônica, informática, teleco-municações, robótica e laser), assinalaque, ao mesmo tempo que os inven-tos tecnológicos constituem uma es-perança para um mundo mais huma-no, garantindo um nível de subsistên-cia para as pessoas; por outro ângulo,em nenhum momento da história tive-mos um aumento tão significativo depessoas que vivem na mais absolutamiséria, desprovidas de saúde, mora-dia e educação. Gómez-Bezares eEguizábal (1999) são do parecer deque o desenvolvimento tecnológiconão pode ser visto como uma ameaça.Se utilizarmos adequadamente os re-cursos físicos, humanos e a tecnologiaque está à nossa disposição, é possívelatender às necessidades básicas daspessoas no século XXI. Soares (1998)adverte que, ao mesmo tempo que es-tamos produzindo o progresso, tam-bém estamos ampliando os limites doterror e a extinção de tudo o que vive.Gurtner e outros (1998) pensam que oemprego da tecnologia da informaçãoe da comunicação é uma conseqüên-cia do esforço que a própria evoluçãoimpõe à sociedade e à nova maneirade viver. Os autores alertam sobre osperigos das novas tecnologias no ensi-no, já que dificultam a formação dehábitos de estudo e provocam trans-formações nas práticas e funções doprofessorado. Lampert (2001) ressaltaque no século XXI não é possível igno-rar a revolução tecnológica e muitomenos da Internet, paradigma tecnoló-gico da comunicação de massas. Oparecer do autor é de que se necessi-

ta aproveitar o potencial da tecnologiapara atender os interesses, as peculia-ridades e ritmos de aprendizagem dosestudantes, porém o emprego egoísta,abusivo e sem ética do aparelho tec-nológico colaborará para a formaçãode indivíduos acríticos e de um mundodesumano. Em relação a esta proble-mática, Torres (2000) diz que desen-volver o pensamento crítico é a razão ea missão central da educação, educa-ção que prepara não somente para aadaptação nas mudanças, senão tam-bém para antecipá-las e dirigi-las, e éao mesmo tempo condição para seupróprio desenvolvimento.

A tecnologia necessita ser analisadadentro do contexto atual e sob diferen-tes prismas. Pedagogicamente, a Inter-net é uma excelente ferramenta parase obter uma gama de informações,de atualização, de educação perma-nente e de comunicação sem frontei-ras. É uma ferramenta que, se utilizadaadequadamente, trará grandes benefí-cios aos seus usuários. Politicamente,é imprescindível pensar que os neoli-berais invistam muito em tecnologiasem necessariamente melhorar a qua-lidade de ensino. Este fenômeno privi-legia os grandes conglomerados, quelucram com a venda de aparelhos tec-nológicos. Outro aspecto a destacar é

que a tecnologia permite reduzir osgastos com o público, com o saláriodos professores. Hargreaves (2001)alerta que, ainda que os professores eas escolas sejam os agentes das mu-danças na sociedade de informação,eles também são vítimas da reduçãode gastos com o bem público, com ocongelamento dos salários, trabalhan-do mais e ganhando menos.

O setor quaternário ou informacio-nal, em que a informação é a matéria-prima e o processamento destas é ofundamento do sistema econômico, éo setor que mais está se desenvolven-do na atualidade. Atualmente as pes-soas que não possuem as competên-cias para criar e tratar a informação fi-cam excluídas do processo produtivo.De acordo com Flecha e Tortajada(1999), a sociedade informacional re-quer uma educação intercultural quan-to aos conhecimentos e os valores,assim como a vontade de corrigir adesigualdade das situações e as opor-tunidades.

No contexto atual, em que a infor-mação é a base de tudo e a escola nãoestá mais apta a atender as exigênciasde uma sociedade inconstante, atransformação da escola na comunida-de de aprendizagem é uma resposta àatual transformação social. Na comuni-dade de aprendizagem, todos osrecursos educativos e culturais de uma

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Educação, Avaliação e Privatização

Politicamente, é imprescindível pensar que os neoliberais

invistam muito em tecnologia sem necessariamente

melhorar a qualidade de ensino.

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comunidade geográfica e social sãoarticulados e aproveitados para aten-der as necessidades básicas de apren-dizagem de seus membros: crianças,jovens, idosos, famílias. Segundo Im-bernón (2001), a educação no futuronão estará tanto nos professores, masno apoio da comunidade. De acordocom Flecha e Tortajada (1999), as co-munidades de aprendizagem partemde um conceito de educação integra-da, participativa e permanente. Inte-grada porque se baseia na atuaçãoconjunta de todos os componentes dacomunidade educativa, sem nenhumtipo de exclusão e com a intenção deoferecer respostas às necessidadeseducativas de todos os discentes.Participativa porque, na atual socieda-de, recebemos constantemente, detodas as partes e em qualquer idade,muita informação, cuja seleção e pro-cessamento requer uma formaçãocontinuada. Segundo Torres (2001), autilização de comunidades de aprendi-zagem implica: adotar como exemplomais a aprendizagem que a educação;assumir que toda comunidade huma-na possui recursos, agentes, institui-ções e redes de aprendizagem; esti-mular a busca e o respeito ao “diver-so”, e envolver crianças, jovens e adul-tos, valorizando a aprendizagem entregerações e pares.

Portanto, em uma sociedade infor-macional, é imprescindível a participa-ção da comunidade para superar osprocessos de exclusão. É necessáriouma ruptura epistemológica. A educa-ção necessita ser vista como uma prá-tica social concreta e não um fato abs-trato, distante, descontextualizado. Aescola necessita ser revista, adaptadaàs novas exigências, expectativas e ne-cessidades de um mundo que estásempre em transformação, que nãotem um quadro paradigmático orienta-dor definido e único.

A educação à distância, que ao

longo da história passou por distintosperíodos, certamente será uma dasperspectivas mais viáveis, útil e deenorme aceitação no século XXI. Oselevados déficits públicos de grandeparte dos países, os sucessivos cortesno investimento em educação e nasaúde, a necessidade de reduzir gastoscom o pessoal, as deficiências no siste-ma convencional de educação, o incre-mento e avanços nos recursos tecnoló-gicos, a possibilidade de reciclar eatualizar parte significativa da popula-ção conferem à educação à distânciacredibilidade para, de imediato e acusto reduzido, atender as necessida-des de uma sociedade que mudaconstantemente. Sabe-se que a educa-

ção à distância tem acompanhado, deforma mais ágil, as mudanças incorpo-radas pelas novas tecnologias, possibi-litando uma aproximação maior com arealidade dos alunos e, ao mesmotempo, tornando a aprendizagem maisdinâmica e interessante. A partir dosanos 90, as novas tecnologias como oe-mail, a Internet e as teleconferênciaspermitiram uma espécie de diálogocom o destinatário. Isso representa semdúvida um progresso, uma possibilida-de de interagir. As novas tecnologiaspodem contribuir com a melhoria do

ensino, tanto convencional quanto àdistância. Porém, os equipamentos emsi só não operam milagres. O mais im-portante é explorar e aproveitar todosos recursos disponíveis para a constru-ção de uma educação de qualidade,mais humana, solidária, em que o serhumano é o sujeito. A educação à dis-tância é uma tendência no século XXI.Ela não é uma solução para todos osproblemas de ensino: apresenta mui-tas contradições e desafios que neces-sitam ser superados, porém é umamodalidade de responder aos desafiosde igualdade de oportunidades, deeducação permanente, de superaçãodos limites tempo/espaço e restriçõeseconômicas. É uma perspectiva quenecessita de investigação para sermais bem conhecida, melhorada, e deeliminar preconceitos. A educação àdistância tem um enorme percurso pa-ra percorrer e necessita de saídas ur-gentes para atender aos desafios.

Ferrer (1998) ressalta que no sécu-lo XXI necessitamos de uma educaçãoque permita a convivência entre as di-ferentes culturas, que dê prioridade aoensino por toda a vida; que utilize todoo potencial das novas tecnologias; quenão se limite às classes; que tenha im-plicações com a família; que forme pa-ra a autonomia e a responsabilidade;uma educação universalista que po-tencialize o pensamento crítico, criati-vo e solidário. Santamaría (1998), emseu artigo sobre as transformações so-ciais e a educação no limiar do sécu-lo XXI, enfatiza a necessidade de se terlíderes para revolucionar a educação,que é a base do futuro. A educaçãoterá que ser de grande prioridade nofuturo. Necessitamos aprender sozi-

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As finalidades da educação, na atualidade,

parecem estar mais claras que nunca, visto que esta se converteu

em um requisito indispensável para viver na nossa sociedade.

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Educação, Avaliação e Privatização

nhos, aprender com quem nos rodeia,com os outros países e com as cultu-ras diferentes. Se quisermos manter aescola, necessitamos agitar e revolu-cionar quase tudo: conteúdos, méto-dos, edifícios, espaços e, sobretudo, avisão da realidade. Necessitamos, demaneira urgente, de uma nova arqui-tetura da educação, capaz de coorde-nar a educação formal e a informal;capaz de transformar os objetivos, osmétodos, os conteúdos, e capaz deoferecer às crianças, aos adolescentese aos adultos uma autêntica igualdadede oportunidades. Segundo Subirats(1999), as finalidades da educação, naatualidade, parecem estar mais clarasque nunca, visto que esta se converteuem um requisito indispensável para vi-ver na nossa sociedade. Por sua vez, oconhecimento é a grande produção donosso tempo. O autor chama a aten-ção para a necessidade de a educaçãoformar indivíduos capazes de buscar emanejar por sua conta os conheci-mentos propriamente ditos. A compe-titividade e o economicismo, pilaresque são de grande utilidade para for-çar o desenvolvimento dos sistemasprodutivos, hoje começam a ser valo-res fortemente daninhos para a socie-dade, já que resultam em desigualda-des ferozes e constituem uma ameaçapara o sistema e a natureza humana.Para o autor, a recuperação do concei-to integral de educação, que continuasendo uma utopia, é indispensável naeducação do século XXI.

A educação integral e a educaçãopara a cidadania são perspectivas quenecessitam ser retomadas e revaloriza-das. Vivemos em uma sociedade ba-seada na ciência e tecnologia, que, co-nectada à informática e coordenadapelos grandes conglomerados dos paí-ses centrais, comanda a vida das pes-soas. O processo de internacionaliza-ção, a tendência crescente da centrali-zação do conhecimento e a globaliza-

ção da economia parecem ser irrever-síveis e certamente intensificaram-seno século XXI. Lamentavelmente, nasociedade pós-moderna o importanteé o setor produtivo e financeiro; osvalores morais, éticos e a solidariedadesão constituídos pelo cidadão consu-midor. A formação da cidadania é umprocesso complexo e lento. De acordocom Serrano (1999), a educação paraa cidadania é uma exigência da socie-dade civil. Sua formação requer demo-cracia, justiça social, igualdade, liberda-de, e o processo de cidadania se fazprincipalmente através de ações con-cretas e práticas. Uma das possibilida-des de se exercer a cidadania é o ser-viço voluntário. O serviço voluntário éuma perspectiva que está ganhandoespaço tanto em países industrializa-dos como em países emergentes. Ar-ron (1999) assinala que atualmente naGrã-Bretanha, Alemanha e França háum crescimento das organizações devoluntariado. Estas organizações estãoatuando nos diferentes setores sociais:pobreza, terceira idade, infância, imi-grantes, mulher, esporte, meio ambi-ente, saúde, cooperação internacional,e têm a intenção de garantir que todapessoa tenha atendidas todas as suasnecessidades e tenha uma vida digna.Este serviço traz à população um bene-fício social e tem uma dimensão edu-cativa, porque estimula os processosde conscientização pessoal e comuni-tária. São verdadeiras escolas de cida-dania.

Analisando o ensino técnico e pro-fissional do século XXI, Power (1999) édo parecer de que a formação deveorientar a satisfação das demandas da

sociedade do conhecimento e não dasrevoluções industriais. A formação téc-nica e profissional deve ser pensadacomo um processo para toda a vida ecomo uma parte integral da educaçãobásica para todos, auxiliando os alu-nos a conseguirem êxitos nas compe-tências básicas, como: matemática, lín-gua estrangeira e informática; habilida-des mentais como a criatividade, a so-lução de problemas e a tomada de de-cisões; habilidades pessoais como asocialização, a auto-estima, a autocon-fiança, a autogestão e a integralidade.

Rigal (1999), referindo-se à educa-ção para o século XXI, propõe a escolacrítico-democrática na América Latina.A escola para a nova época necessitafundamentar-se na vertente crítica dopensamento pós-moderno. É umaconcepção teórica que prioriza a análi-se da produção social e histórica dasdiferenças e desigualdades com umaintenção totalizadora. Concebe os sig-nificados e os textos como práticasmateriais estruturalmente determina-das; procura, portanto, ligar a discus-são do cultural com uma reflexão so-bre suas vinculações e sua determina-ção pela base material. A escola crítico-democrática é concebida como umaforma político-cultural. É uma maneirade reescrever o institucional de talforma que facilite a recuperação do su-jeito como protagonista, situado tem-poral e espacialmente a partir do res-

A escola crítico-democrática é concebida como

uma forma político-cultural. É uma maneira de reescrever

o institucional de tal forma que facilite a recuperação

do sujeito como protagonista

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peito e da acepção do diverso e inaca-bado. Como síntese, a finalidade daescola do século XXI, segundo o autor,é construir uma cultura orientada emdireção ao pensamento crítico, quepretenda dotar o sujeito individual deum sentimento mais profundo de seulugar no sistema global, e de seu po-tencial papel protagônico na constru-ção da história. Em relação às funções,a outra escola terá três funções: a so-cializadora, práticas educativas demo-cráticas, incluindo a participação dosdiversos atores, e reconstrutora. Quan-to aos objetivos, a escola crítica e de-mocrática tem um papel relevante naformação de sujeitos políticos: formargovernados que possam ser governan-tes. O tema central da instituição é rei-vindicar a singularidade da naturezaeducativa. Deve-se fortalecer os espa-ços e as tomadas de decisões. Na rela-ção ensino-aprendizagem, deve-serespeitar a importância dos processoscomo instância de produção dialógicacoletiva e de negociação cultural. Ocurrículo deve ser considerado umproduto cultural, núcleo de relaçõesentre a educação e o poder, identida-de social e construção de produção deidentidades individuais e sociais. Se-gundo Giroux (1999), a pedagogia crí-tica é uma maneira de prática socialque surge de determinadas condiçõeshistóricas, contextos sociais e relaçõesculturais. Arraigada a uma visão ética epolítica, a pedagogia crítica se preocu-pa com a produção de valores e rela-ções sociais para formar estudantescom uma cidadania crítica e capacida-de de negociar e participar nas estrutu-ras mais amplas de poder.

A América Latina apresenta peculia-ridades próprias. De modo geral, care-ce de bens elementares: saúde, educa-ção, trabalho e estabilidade política. Ascausas da falta de desenvolvimentosão históricas e estruturais e caracteri-zam-se pela desigualdade setorial de

produtividade, desarticulação da eco-nomia e dependência exterior. A longahistória da colonização e da explora-ção produz preços baixos de seus pro-dutos e da matéria-prima, salários infe-riores aos cobrados nas multinacionaise o benefício somente das cúpulas go-vernamentais. Cabe à educação, umdos pilares fundamentais, mudançasda realidade. Os países latino-america-nos necessitam de uma educação fle-xível, capaz de responder às necessida-des ao longo de toda a vida. A educa-ção básica deve permitir que a criançae o adolescente cresçam em dimensãoética e cultural, científica, tecnológica,econômica e social. A universidade de-ve preparar-se e preocupar-se com aeducação continuada e garantir o pa-trimônio cultural. Certamente os paí-ses necessitam de ajuda e cooperaçãointernacional para desenvolver-se acurto prazo, porém a assistência ne-cessariamente deve considerar a plu-ralidade das culturas, o respeito à na-tureza e a transmissão dos bens cultu-rais e das tradições.

Para concluir, é oportuno afirmarque a educação é um elemento chavede desenvolvimento sustentável para apaz e estabilidade de um país, e, sobre-tudo, é um direito humano fundamen-tal. No século XXI, a sociedade certa-mente continuará alcançando avançosem praticamente todas as áreas do sa-ber humano. No campo educativo, nospaíses latino-americanos, é imprescin-dível unir esforços dos diferentes seg-mentos sociais, do governo e organis-

mos não-governamentais, para que:

• a educação infantil seja estendidaa todos os meninos e meninas;

• todos os meninos e sobretudo asmeninas em idade escolar tenhamacesso ao ensino primário gratuito deboa qualidade;

• todos os jovens e adultos tenhamacesso aos programas educativos, depreparação profissional e/ou de rea-daptação profissional ou de educaçãopermanente;

• os governantes elaborem e im-plantem programas de educação paratodos, para a erradicação do analfabe-tismo;

• seja diminuída drasticamente aporcentagem de analfabetos e deadultos analfabetos funcionais;

• a qualidade de ensino básico, pri-mário e secundário seja melhorada;

• sejam fomentadas políticas públi-cas por organismos internacionais paradiminuir as disparidades entre a edu-cação básica dos países ricos e dos po-bres;

• sejam aproveitadas as novas tec-nologias da informação e da comuni-cação para promover a educação paratodos;

• sejam incrementados programaspara aumentar a participação e reten-ção dos alunos no sistema escolar;

• sejam mesclados o material didá-tico convencional com as novas tecno-logias;

• sejam atendidas, através de adequa-dos programas, as pessoas com algumaincapacidade física e psicológica;

• o Banco Mundial, os bancos regio-nais de desenvolvimento, assim comoo setor privado, sejam mobilizados pa-ra oferecer subsídios e assistência paraprojetos educativos;

• os recursos públicos, assim comoos donativos, sejam controlados paraserem aplicados nos programas edu-cativos;

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Educação, Avaliação e Privatização

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• haja uma assistência e acompa-nhamento da educação para todos;

• que sejam criados Fóruns de Edu-cação para Todos em diferentes paísesda América Latina para acompanhar odesenvolvimento;

• sejam criados programas especiaispara atender crianças, jovens e adultosafetados por HIV/AIDS, a fome ou amá saúde ou dificuldades na aprendi-zagem;

• sejam propiciados aos professoresrecursos de reciclagem, de atualizaçãona área pedagógica, porém contextua-lizados;

• seja utilizada na alfabetização ini-cial a língua local;

• nas reformas educativas, os dife-rentes atores sociais tenham participa-ção, representação e voz;

• as reformas educativas tenhamuma preocupação com a formação decidadãos críticos, reflexivos, capazes detransformar a realidade;

• haja uma inversão nas condiçõesde trabalho e no salário dos professo-res;

• as políticas públicas levem emconsideração as reais necessidades enão critérios político-partidários;

• a organização curricular seja flexí-vel e enfatize mais a formação que ainformação.

As sugestões apresentadas são al-gumas perspectivas concretas de mu-danças na educação, principalmentenos países emergentes, porque nospaíses desenvolvidos já são contem-pladas a maioria das sugestões. Sabe-se que uma verdadeira revolução naeducação não poderá ocorrer semuma revolução do atual quadro políti-co, econômico, social e cultural impos-to para os países emergentes, e certa-mente a educação por si só não terá ascondições de em curto prazo transfor-mar a sociedade, porém através deuma verdadeira educação e conscien-tização é possível começar o processo

de reversão e de humanização. Paramodificar as políticas públicas, é indis-pensável a transformação dos atuaisquadros de referência ideológica, mo-ral, social e cultural. Portanto, uma dis-posição política é condição imprescin-dível para uma verdadeira revoluçãoparadigmática.

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* Ernâni Lampert é doutor em ciências daeducação; professor adjunto da FundaçãoUniversidade Federal do Rio Grande.

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Educação, Avaliação e Privatização

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Educação, Avaliação e Privatização

A privatização da gestão da educação pública na reforma do Estado brasileiro

Dalila Andrade Oliveira *

Este ensaio pretende discutir a privatização da gestão da educação pública que vem ocorrendo no Brasil, no atual contexto de reforma do Estado.Considera fundamental a discussão desta temática, por ocasião da realização do IV CONED e por entender ser este umespaço privilegiado para trazer à luz a

forma escamoteada com que o processo indireto de privatização da educação brasileiravem se dando, sobretudo, a partir da adoção de novas estratégias de gestão e financiamentopara os diferentes níveis e etapas de ensino. A política de privatização da educação públicaassume peculiaridades em relação aos processos de privatização em geral, como, porexemplo, o que ocorre com as empresas estatais.Por tratar-se de um serviço público básico, considerado de primeira necessidade, e que, por isso mesmo, toda a população teriadireito ao seu acesso, a educação pública se vê,diante de um cenário favorável à privatização deserviços, até bem pouco tempo, mantidos peloEstado, sujeita a pressões que têm por objetivo adotar a lógica privada na sua gestão.

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Educação, Avaliação e Privatização

O debate sobre a privatização daeducação pública assume, por estasrazões, especificidades que nos obri-gam a esforços de compreensão paraobservar e tornar claras certas estraté-gias que são tecidas, muitas vezes, deforma sub-reptícia, nos subterrâneosda política governamental. Por não se-rem as universidades e escolas básicaspúblicas, organizações passíveis devenda, vem ocorrendo, com maior fre-qüência, nos últimos anos, o desenvol-vimento de estratégias diretas e indire-tas que visam à mudança no caráterdestas instituições, às vezes, de formagradual e paulatina, para permitir a di-minuição da participação do Estado,no setor educacional, e o repasse dedeterminados serviços à iniciativa pri-vada.

A década de 90 representou umperíodo singular no Brasil, em termosde reformas. Foram postas em marchauma série de mudanças, inclusive naeducação, sob a justificativa da neces-sidade de modernizar o Estado. Con-tudo, para compreender o processo dereformas no Brasil, tanto do Estado emgeral, quanto da educação em particu-lar, é necessário situar a questão, apartir de uma análise estrutural. Assim,para compreender a educação no con-texto atual é fundamental concebê-lacomo uma das Condições Gerais deProdução1, indispensável, à plena rea-lização da produção capitalista noatual estágio de desenvolvimento. Sóassim é possível entender os esforçosinternacionais, sobretudo dos organis-mos pertencentes à ONU, para obriga-rem os países em desenvolvimento areformarem seus sistemas de ensino, afim de se assegurar as condições ne-cessárias à realização da produção ca-pitalista. Sendo assim, no Brasil dosanos 90, configurou-se um contextode reformas cujo objetivo principal pro-clamado era a modernização do Esta-do e sua adequação às exigências da

economia mundial. Para tanto, os refe-renciais perseguidos pelos reformado-res estatais foram as tendências geren-ciais apontadas pela literatura maisrecente, em contrapartida à chamadacrise do modelo weberiano de admi-nistração burocrática2.

As reformas educacionais desenvol-vidas, no mesmo contexto, estavamimbuídas da mesma racionalidadepresente na reforma do Estado brasi-leiro, cuja maior expressão é a Refor-ma Administrativa. A suposta crise domodelo weberiano de administraçãotem implicado o desenvolvimento deoutras formas de organização do servi-ço público, cujo eixo se assentaria so-bretudo na flexibilidade administrativa.Para tanto, estes modelos pressupõema descentralização dos serviços e aten-dimento e a desregulamentação, sem

o que tal modelo não seria viável.Trata-se de um processo que pres-

supõe a focalização das políticaspúblicas, nas populações muito vulne-ráveis, a partir da definição de um pa-drão mínimo de atendimento; a des-centralização do atendimento do ní-vel central para o local; a desregula-mentação para permitir maior flexibi-lidade orçamentária e administrativa,sobretudo para recorrer a fontes alter-nativas de custeio e, por fim, atingirmaior efetividade das políticas, geran-do maior impactos através da expan-são do atendimento (verificado comdados estatísticos) com menores cus-tos. A reforma da educação básica rea-lizada no Brasil, nos anos 90, colocouem prática tal modelo: foi focalizado oensino fundamental através de políti-cas de planejamento e financiamento,tais como o Fundo de Desenvolvimen-to e Manutenção do Ensino Funda-mental e Valorização do Magistério –FUNDEF, criado com a Lei n.º 9.424/96e o Plano Nacional de Educação –PNE, transformado em Lei, sob o n.º10.172, de janeiro de 2001, que atri-buem prioridade aos indivíduos entre7 e 14 anos.

Tais procedimentos legais pressu-põem ainda a descentralização de açõesadministrativas e a repartição de recur-sos públicos destinados ao financia-mento da educação, em âmbito fede-ral, estadual e municipal, estabelecen-do, através do FUNDEF, um custo míni-mo aluno ano. Tal política resultou emum forte estímulo à municipalização,já que o atendimento ao ensino fun-damental recai como uma prioridadeem educação sobre os municípios,além de consistir em uma possibilida-de de recebimento de mais recursospara as municipalidades mais caren-tes. Tais procedimentos só foram pos-síveis depois de mudanças significati-vas na legislação educacional atualque passou a se caracterizar pelo seu

A descentralização tem,

na atualidade como principal

eixo, a flexibilização e

desregulamentação da

gestão pública, com a

justificativa de busca de

melhoria no atendimento

ao cidadão/contribuinte

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Educação, Avaliação e Privatização

aspecto desregulamentador, permi-tindo maior flexibilidade para que asunidades escolares buscassem formasde complementação orçamentária, aocusto mínimo aluno ano, junto à co-munidade local e outras agências.Com esta estratégia o Brasil conseguiuelevar as taxas de atendimento aos in-divíduos entre 7 e 14 anos de 92,7%,em 1994, para 97%, em 19993, geran-do, portanto, maior efetividade daspolíticas públicas.

A descentralização, como orienta-ção para o planejamento, embora nãose configurasse como novidade, pois jáestava prevista na reforma do Estadoda década de 60, no Decreto n. 200,de 1967, assume novo caráter nas re-formas dos anos 90. A descentraliza-ção tem, na atualidade como principaleixo, a flexibilização e desregulamen-tação da gestão pública, com a justifi-cativa de busca de melhoria no atendi-mento ao cidadão/contribuinte, redu-zindo as mediações existentes entre oEstado e o cidadão. Contudo, será atra-vés da tentativa de municipalização, de-fendida como a possibilidade de permi-tir às populações maior controle sobre agestão das políticas públicas, pela proxi-midade física com os meios de decisãoe gestão das mesmas, que o Estadobuscará descentralizar-se.

Segundo Silva (1998: 352), “o pro-cesso de democratização que o paísviveu fez aumentar, simultaneamente,o interesse por movimentos descen-tralizadores, como se descentralizaçãofosse sinônimo de democracia”. Omesmo autor nos chama atenção parao fato de que tal movimento não sedeu (nem se dá) sem conflitos. Na rea-lidade, trata-se de um novo pacto fe-derativo que encontra vivas resistên-cias na relação entre governo nacionale subnacionais.

A descentralização passa então anortear as reformas propostas para aorganização e administração dos siste-

mas de ensino, seguindo as orienta-ções gerais no quadro de reformas doEstado brasileiro. Ressalta-se, neste qua-dro, o relativo recuo que o Estado na-cional vem apresentando, tanto na suaparticipação direta, no setor produtivo,quanto em outras esferas de seu do-mínio, provocando mudanças nas for-mas de financiamento das políticas so-ciais, que passam via de regra, pelo re-curso à iniciativa privada.

A Emenda Constitucional n.º 19, dejunho de 1998, reflete a racionalidadepresente na reforma do Estado assu-mida pelo governo de Fernando Hen-rique Cardoso. A instituição das Orga-nizações Sociais e dos Contratos deGestão podem interferir nos rumosque vem tomando a gestão da educa-ção brasileira. Com o argumento detentar equacionar as exigências popu-lares de maior acesso aos serviços pú-blicos e a necessidade de responderpor maior eficiência nos já ofertados, ogoverno brasileiro tem conduzido mu-danças nos aspectos gerenciais daspolíticas públicas, orientado por crité-rios de racionalidade administrativacalcados na economia privada4. Contu-do, tais políticas têm focalizado o aten-dimento aos muito pobres5, às popula-ções vulneráveis, sob a justificativa deque os recursos disponíveis não sãosuficientes para atender a todos emigual proporção.

Segundo Draibe (1998), a partir deanálise comparativa da tendência dereformas de políticas e programas so-ciais na América Latina, considerandoa experiência de sete países, o recei-tuário predominantemente propostopara as mudanças na área social apóia-se em três grupos de justificativas: osepisódios de ajustamentos fiscais, daprimeira metade dos anos 80, que exi-giam do gasto social maior eficiência eprincipalmente uma forte adequaçãoaos objetivos macroeconômicos; a reo-rientação do gasto social para atenderao previsível empobrecimento da po-pulação, resultante dos impactos doajustamento recessivo sobre emprego,renda e redução dos serviços sociais.Para tanto, a focalização do gasto, aopção por fundos sociais de emergên-cia e por programas compensatóriosdirigidos exclusivamente aos grupospobres e vulneráveis passam a comporo núcleo da estratégia de reforma so-cial; e, por fim, o gasto social teria depriorizar ações básicas de saúde, nutri-ção e, principalmente, programas decaráter produtivo, como investimentoem “capital humano”.

As políticas educacionais mais re-centes espelham exatamente a ten-dência apontada por Draibe (1999),sendo que o FUNDEF e o ProgramaNacional do Bolsa Escola, parece cons-tituírem-se os melhores exemplos. En-tretanto, para adotar as reformas quetêm como foco as políticas sociais diri-gidas à pobreza, foi necessário ao Go-verno emendar a Constituição Federal.As emendas constitucionais que espe-cialmente permitiram um novo parâ-metro de políticas públicas para a edu-cação no Brasil dos anos 90, foram a járeferida EC n.º 19, de junho de 1998, e,principalmente a EC n.º 14, de setem-bro de 1996, que modifica o capítuloconcernente à educação. O argumentodo governo FHC para reformar aConstituição, no que se refere à educa-

A focalização do gasto,

a opção por fundos sociais de

emergência e por programas

compensatórios dirigidos

exclusivamente aos grupos

pobres e vulneráveis, passam a

compor o núcleo da estratégia

de reforma social.

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ção, foi de que esta ampliou as obriga-ções do Estado para com o setor edu-cacional, acolhendo interesses e aspi-rações dos diversos segmentos sociais,sem a necessária avaliação da efetivapossibilidade de ação governamental.

O regime de colaboração entre asdiferentes esferas administrativas seráindispensável para a constituição de fa-to de um sistema único que possa fo-calizar o atendimento aos mais neces-sitados, funcionando de maneira inte-grada e articulada. O regime de colabo-ração entre municípios, estados e Uni-ão será a base da criação do referidoFUNDEF6, por permitir uma repartiçãode obrigações e responsabilidades nocumprimento de um dever legal do Es-tado para com a população. O reforçoà municipalização do ensino funda-mental que se assiste no Brasil, em al-guns estados mais que em outros, apartir de 1997, com a criação do FUN-DEF, reflete bem essa tendência.

Contudo, a descentralização da edu-cação, nas suas vertentes administrati-vas, financeiras e pedagógicas, ocorreránão só como uma transferência de res-ponsabilidade dos órgãos centrais paraos locais, da União para os estados edestes para os municípios, como impli-cará também um movimento de repas-se direto de certas obrigações deórgãos do sistema para a escola. Assim,a democratização da educação serácompreendida pelo Estado como umanecessidade de procurar imprimir maiorracionalidade à gestão da mesma. Sãoproposições que convergem para no-vos modelos de gestão do ensinopúblico, fundados em formas mais fle-xíveis, participativas e descentralizadasde administração dos recursos e dasresponsabilidades. As reformas educa-cionais, portanto, constituíram-se deorientações administrativas cujo refe-rencial será a lógica da economia priva-da.7 Na gestão da educação pública, osmodelos fundamentados na flexibilida-

de administrativa podem ser percebi-dos na desregulamentação de serviçose na descentralização dos recursos,para o qual a escola é fortalecida comonúcleo do sistema8. São modelos ali-cerçados na busca de melhoria da qua-lidade na educação, entendida comoum objetivo mensurável e quantificávelem termos estatísticos, que poderá seralcançado a partir de inovações incre-mentais na organização e gestão dotrabalho na escola.

Tal processo fez com que fossemampliadas as responsabilidades e es-paços de decisão nas unidades escola-res, tais como a elaboração do calen-dário escolar, o orçamento anual daescola, bem como a definição de prio-ridades de gastos, entre outras. Emcontra partida, verifica-se que, atravésda autonomia, as escolas não só pas-sam a contar com maiores possibilida-des de decidir e resolver suas questõescotidianas com mais agilidade, comotambém essa abertura vem estimulan-do as escolas a buscarem complemen-tação orçamentária por sua própriaconta, junto à iniciativa privada e a ou-tras formas de contribuição da popula-ção9. A maior flexibilidade com quepassam a contar, fruto da descentrali-zação administrativa, parece repousarna possibilidade de a escola pública

estatal passar a buscar, fora do Estado,meios para garantir melhor sua sobre-vivência, ou seja, formas alternativasde financiamento.

O incentivo à busca de alternativasde financiamento pode ser observadoem todos os níveis da educação públi-ca no Brasil. As escolas básicas têm si-do motivadas, desde o início dos anos90, sobretudo a partir das reformasorientadas pelo Plano Decenal de Edu-cação, a buscarem parcerias junto àiniciativa privada ou outras formas deajuda, que recorrem ao voluntarismo,como, por exemplo, a chamada políti-ca de adoção. Passados mais de dezanos das primeiras iniciativas, pode-mos constatar que resultaram em pou-cos frutos. Estudos e pesquisas10 vêmdemonstrando que se trata de estraté-gias frágeis já que as empresas priva-das não apresentam interesse em es-tabelecer pareceria com escolas públi-cas que muito pouco ou quase nadapodem oferecer, afinal a relação deparceria pressupõe certa reciprocida-de. As adoções de escolas públicas porempresas privadas, públicas ou ONGtambém têm demonstrado seus limi-tes como ações que verdadeiramenteinterfiram nos rumos e processos es-colares.11 O voluntarismo sempre foievocado pelo governo e pela mídia,nos últimos tempos, para sensibilizar apopulação com a situação de precarie-dade da escola pública, conclamandoa todos que façam da educação públi-ca alvo de sua boa ação. Campanhascomo “O dia da família na escola” e“Amigos da escola” são exemplos deações que reforçam a imagem de quea escola pública é lugar de filantropia evoluntarismo. E o problema é que sesabe que a contrapartida disso está nadificuldade em se reconhecer a escolacomo lugar de trabalho e a educaçãocomo atividade profissional.

Além disso, as escolas públicas sevêem, muitas vezes, compelidas a pro-

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curar angariar recursos até mesmojunto às comunidades do seu entorno.Temos chamado de comunitarismoum tipo de ação que desenvolve a ins-tituição pública através de seu corpofuncional com a comunidade em bus-ca de meios materiais para melhor sedesenvolver, sem contudo transformaressas práticas em momentos de cons-cientização e luta política. As festas ju-ninas, os mutirões e outras formas decampanha que procuram incentivar asfamílias a contribuir com seu trabalhoou dinheiro para a escola.

Essas estratégias de recurso à co-munidade para o financiamento daeducação não se restringem à educa-ção básica. A reforma da EducaçãoProfissional que se implantou no Bra-sil, com o Decreto n.º 2.208, de 17 deabril de 1997, reflete a tentativa de co-locar em prática as orientações daspolíticas públicas para a educação bá-sica e profissional, já comentadas aqui.A educação profissional passa à condi-ção de complemento da educação bá-sica e geral, que deverá organizar trêstipos de formação, sendo elas: básica –não exigindo escolaridade prévia e po-dendo ter duração variável; técnica –educação profissional de nível médioque exige a conclusão da educação bá-sica regular ou deve ser feita em conco-mitância com o ensino médio; e a tec-nológica – formação profissional de ní-vel superior. Assim, a educação profis-sional passa a relacionar-se com outrasmodalidades de ensino e não mais sócom o ensino médio.

A estratégia de separar a educaçãoprofissional da educação geral podeestar sendo orientada pela busca debarateamento da educação básica,obrigatória e mais ampla. Com o deverde garantir a gradativa universalizaçãogratuita do ensino médio, o poder pú-blico encontra-se pressionado a res-ponder a demanda pelo atendimentoao mesmo, à medida que aumentam

os concluintes do ensino fundamental.Mas a referida estratégia permite

ainda uma outra “vantagem” ao MEC,que é a possibilidade de estabelecerparcerias para a oferta da educaçãoprofissional, apelando para acordoscom a iniciativa privada, através deprogramas desenvolvidos em conjuntocom empresas, ou ainda, com o Siste-ma S. Permite, ainda, articulações comoutros Ministérios, com o Ministério doTrabalho e Emprego - MTE, por exem-plo, possibilitando a utilização de ou-tros recursos, tais como os do Fundode Amparo ao Trabalhador – FAT, res-

ponsabilizando, mais uma vez, os tra-balhadores pelo financiamento de suacapacitação para o trabalho.

Na educação superior, o papel dasfundações criadas dentro das universi-dades públicas tem sido cada vez maisampliado. De estratégia legal para via-bilizar ações financeiras e administrati-vas na rapidez que as agências de fo-mento exigem mas que os órgãos pú-blicos não respondem, passaram aconstituir-se em importantes meios decaptação de recursos. No ano de 2000,a Universidade Federal de Minas Ge-rais, UFMG, arrecadou, através de suafundação, a FUNDEP, 85,9 milhões dereais. Segundo o jornal Folha de SãoPaulo, esta verba é mais que o triplo

do orçamento de custeio e capital(usado para investimento em infraes-trutura e manutenção) que o MECcontava naquele ano, que foi de 26,7milhões.

Alguns estudos vêm demonstrandoque as reformas de Estado ocorridasnos anos 90, nos países latino-ameri-canos, trazem uma orientação mais oumenos convergente com o modelo bri-tânico de reforma implantado no pe-ríodo tatcheriano. Em tais reformas,percebe-se, como traço comum, apreocupação com reduzir os gastospúblicos destinados à proteção social,principalmente dos pobres, e a priori-zação da assistência social aos maispobres, sobretudo, a partir de fundospúblicos criados para este fim, comexistência provisória.12

A tentativa por parte do Estado decapitanear o processo de mudanças naeducação que ocorre na década de 90,será fundada no discurso da técnica eda agilidade administrativa. Para tanto,as reformas implementadas na educa-ção, no período mencionado, serãoimplantadas de forma gradativa, difusae segmentada, porém com rapidezsurpreendente e com mesma orienta-ção. A lógica assumida pelas reformasestruturais que a educação pública vaiviver no Brasil, em todos os âmbitos(administrativo, financeiro, pedagógi-co) e níveis (básica e superior), temum mesmo vetor. Os conceitos de pro-dutividade, eficácia, excelência, eficiên-cia e efetividade serão importados dasteorias administrativas para as teoriaspedagógicas.

Na educação, especialmente na Ad-ministração Escolar, verifica-se a trans-posição de teorias e modelos de orga-nização e administração empresarias eburocráticas para a escola como umaatitude freqüente. Em alguns momen-tos, tais transferências tiveram por ob-jetivo eliminar a luta política no interiordas escolas, insistindo no caráter neu-

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Alguns estudos vêm

demonstrando que as reformas

de Estado ocorridas nos anos

90, nos países latino-america-

nos, trazem uma orientação

mais ou menos convergente

com o modelo britânico de

reforma implantado no

período tatcheriano.

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tro da técnica e na necessária assepsiapolítica da educação. Embora o deba-te crítico em torno destas questões te-nha sido demasiado exaustivo, em dé-cadas passadas, não foi capaz de evitarque as tendências mais recentes emadministração educacional e mesmoas direções tomadas pelas políticaspúblicas para a gestão da educaçãoresgatassem as teorias administrativascomo teorias políticas13.

O texto da Emenda Constitucionalnº 19, de 1998, reflete com muita cla-reza a lógica racional impressa na re-forma do Estado em curso. A possibili-dade de criação das Organizações So-ciais e dos Contratos de Gestão vai in-terferir nos rumos que tomará o deba-te em torno da Autonomia Universitá-ria, o que converge com as orientaçõesmais recentes para a gestão da educa-ção básica. Sendo que, na gestão daeducação básica, as reformas realiza-das em âmbito estadual e até munici-pal, em alguns casos, anteciparam asdiretrizes assumidas posteriormentepelo MEC.14.No caso das universidadespúblicas, a tentativa do MEC de reduzira regulamentação do Artigo 207, daConstituição Federal, na realização decontratação entre as universidades pú-blicas e o Estado, representa seu inten-to de realizar os contratos de gestão.

De acordo com Abrúcio (1999), o es-tabelecimento de relações contratuais,por parte do Estado, baseia-se em trêspressupostos. O primeiro é o de que,numa situação de falta de recursos, amelhor forma de aumentar a qualidadeé introduzir relações contratuais decompetição e de controle. O segundo,quase como conseqüência do primeiro,é o de que a forma contratual evita asituação de monopólio. E, finalmente, oterceiro refere-se à maior possibilidadeque os consumidores (supostamente)têm de controlar e avaliar o andamentodos serviços públicos, a partir de ummarco contratual.

Gestão, financiamento e avalia-ção como articulação essencial à pri-vatização da educação

Considerando que a educação é umdireito público assegurado a todos oscidadãos brasileiros e que para tanto oEstado deverá organizá-la, no sentidode melhor atender a exigência legal,podemos considerar que é obrigaçãodo poder público não só desenvolvermeios para oferecer educação comotambém controlar a sua oferta no se-tor privado. Com esta finalidade, foramcriados o Conselho Nacional de Educa-ção e os conselhos estaduais e muni-cipais. Portanto, analisar o processo deprivatização da educação brasileira exi-ge que se observe também o movi-mento de ampliação ou possível retra-ção do setor privado nos níveis básicoe superior da educação nacional.

Segundo o Censo da Educação Su-perior de 2000, realizado pelo MEC, astrês maiores universidades brasileirashoje são particulares. O jornal Folha deSão Paulo, comentando o fato em ma-téria jornalística, afirma que estas insti-tuições são “verdadeiros conglomera-dos de ensino surgidos a menos deuma década” (jornal Folha de SãoPaulo, 02/12/2001). A constatação doJornal se deve ao fato de que, em me-nos de dez anos, as universidades par-ticulares passaram a ocupar três dosprimeiros cinco lugares destinados às

maiores instituições superiores de en-sino no Brasil. O crescimento aligeira-do destas instituições pode ser obser-vado a partir dos dados de crescimen-to de matricula apresentados pelo re-ferido Censo. A Universidade Paulista –UNIP, do empresário Di Gênio, apresen-tando uma diferença de 31.467 alunos,em 2000, a mais que a USP, a segundacolocada, sendo sucedida pela universi-dades Estácio de Sá e ULBRA.

O crescimento do setor privado, naeducação superior, pode ser ainda ob-servado se comparamos o crescimen-to obtido nas matrículas, em curso degraduação, nas instituições públicas eprivadas. Entre os anos de 1999 e2000, a matrícula nos cursos de gra-duação obteve um crescimento signifi-cativo na ordem de 14%. Nas institui-ções particulares de ensino, o cresci-mento do número de alunos matricu-lados em cursos de graduação, de1999 para 2000, foi de 17,5%, enquan-to nas federais foi de 9,1% e nas esta-duais, 9,8%.

O crescimento do setor privado naeducação brasileira, tão bem demons-trado pelos dados oficiais do MEC,ocorre em um contexto de mudançasna educação nacional marcado pelocrescimento da participação (pelo me-nos, do ponto de vista formal) da so-ciedade nas instituições públicas. Acomposição do Conselho Nacional deEducação deveria contemplar as repre-sentações da sociedade brasileira or-ganizada em torno da educação.15

A incorporação de novos mecanis-mos de participação, mesmo que ain-da de forma tímida, presente nos no-vos modelos de gestão educacional, éresultado da expressão de antigas lu-tas dos movimentos organizados e dasresistências dos trabalhadores às for-mas capitalistas de organização e ges-tão do trabalho. Mas, é importante ob-servar que quando as políticas oficiaisde educação adotam tais modelos, o

A Universidade Paulista – UNIP,

do empresário Di Gênio,

apresentando uma diferença

de 31.467 alunos, em 2000, a

mais que a USP, a segunda

colocada, sendo sucedida

pela universidades Estácio

de Sá e ULBRA.

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Educação, Avaliação e Privatização

fazem atribuindo-lhes novos significa-dos, o que resulta em que contenham,na aparência, conteúdos mais consen-suais, mas na sua prática efetiva con-servem pressupostos autoritários.16

De acordo com o mesmo Censo,entre os anos de 1998 a 2000, houveum crescimento de 18% nas matrícu-las de estudantes em instituições fede-rais de ensino. Este crescimento ocor-reu sem ter havido um aumento pro-porcional do número de professores. Apartir da observação das políticas deautonomia, financiamento e avaliação,as quais vêm sendo submetidas a edu-cação pública no Brasil hoje e, em es-pecial, as Instituições Federais de En-sino Superior – IFES, percebe-se a es-treita ligação entre financiamento eavaliação como eixos da gestão.

Na educação básica, tal tendênciaapresenta-se predominante a partirdas reformas educacionais dos anos90. As reivindicações por maior auto-nomia para as escolas têm sido res-pondidas pelo Estado com a possibili-dade da descentralização administrati-va e financeira. A autonomia pedagógi-ca, compreendida como a liberdadede cada escola construir o seu projetopedagógico, tem caráter limitado jáque, em muitos casos, tais projetossão elaborados de acordo com crité-rios de produtividade definidos previa-mente pelos órgãos centrais e garanti-dos pelos processos de avaliação.

Uma característica peculiar à meto-dologia de projetos, bastante usualnos procedimentos administrativosatuais, é o estabelecimento dos objeti-vos, metas e prazos a serem alcança-dos e cumpridos, já no momento deelaboração dos projetos, pelo própriocoletivo interessado. Tal recurso temlevado à responsabilização dos pró-prios envolvidos pelos resultados daspolíticas aplicadas, detectados os re-sultados na avaliação de desempenhorealizada pelos mesmos. O risco colo-

cado pela adoção acrítica dessas me-todologias está justamente na possibi-lidade de legitimar políticas discrimi-natórias, através da aceitação de crité-rios de produtividade e eficiência de-terminados de fora.

A evidência da forte influência que areforma do Estado, sobretudo a refor-ma administrativa, vem exercendo so-bre o setor educacional começa a serdemonstrada na literatura recente so-bre o tema. Na educação superior taltendência se evidenciaria na substitui-ção do sistema altamente burocráticoe centralizado, baseado no financia-mento incremental, para um outro cal-cado na contenção de gastos públicos,na descentralização administrativa ena introdução de processos de avalia-ção.17

A política de Gratificação por Estí-

mulo à Docência – GED, implementa-da pelo MEC, em 1998, também de-monstra a tendência, cada vez mais as-sumida pelo Estado, de vincular finan-ciamento e avaliação. Tais políticas vêmprovocando a intensificação do traba-lho docente, modificando em essênciasua natureza. Ao mesmo tempo que éexigida dos professores mais presençaem sala de aula e produção acadêmi-ca, de caráter científico, reforçam-se asincumbências administrativas, em faceda redução de pessoal. Percebe-se atentativa de abordagem do trabalhoacadêmico como composto por ativi-dades mensuráveis em termos quanti-tativos, com pouco tempo destinado àreflexão e ao estudo e constantemen-te posto à prova acerca de sua opera-cionalidade. Expõem-se, assim, os pro-fessores, a uma realidade em que to-dos devem competir com seus pares,dificultando a integração coletiva e es-casseando a possibilidade de práticasmais solidárias nas suas atividades detrabalho. Ao mesmo tempo que reco-nhecem a possibilidade de o professorbuscar complementação salarial atra-vés de prestação de serviços externosà universidade, desde que contribuacom uma porcentagem para sua insti-tuição empregadora. Essas políticasnão só jogam para o professor resol-ver, no plano individual, seu problematrabalhista (má remuneração) comoainda o coloca como captador de re-cursos para a Instituição.

A eficácia, contudo, das menciona-das políticas, que atrelam financia-mento e avaliação como principais ins-trumentos de gestão, só é conseguidaa partir da legitimidade conferida aosprocessos de avaliação utilizados peloMEC, junto à sociedade em geral. A ex-ploração da imagem do servidor públi-co como um funcionário que trabalhapouco, é moroso e ineficiente, junto àopinião pública, passou a ser umaconstante nos discursos da reforma.

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Ao mesmo tempo que é exigida

dos professores mais presença

em sala de aula e produção

acadêmica, de caráter

científico, reforçam-se as

incumbências administrativas,

em face da redução de pessoal.

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Educação, Avaliação e Privatização

Isso porque, como afirma Abrúcio(1999: 176): “Ao sentimento antiburo-crático aliava-se a crença, presenteem boa parte da opinião pública, deque o setor privado possuía o melhormodelo de gestão.” A avaliação de de-sempenho passou a ser apresentadacomo instrumento indispensável à oti-mização do trabalho dos servidorespúblicos, tanto nas instituições de edu-cação básica quanto nas de ensino su-perior.

O momento sugere cautela e a ne-cessidade de maiores investigaçõesque possam desvendar as estratégiasadotadas por setores que conspiramcontra a educação pública, gratuita epara todos, no Brasil, ao mesmo tem-po que devem propor caminhos quecontribuam para a consolidação deum projeto democrático de educaçãoe sociedade. Vínculos cada vez maisestreitos entre a academia e o movi-mento social organizado, como refleteo CONED, são fundamentais para quea construção de projetos políticos fac-tíveis e conseqüentes possam sinalizaruma sociedade mais justa, onde aeducação seja, de fato, um direito detodos.

Notas1 Refiro-me ao conceito de CGP desenvol-

vido por BERNARDO (1991).2 Cf.: ABRÚCIO (1999); BRESSER PEREIRA

& SPINK (1999).3 Cf.: www.inep.gov.br4 Observa-se nas reformas dos serviços

públicos no Brasil que os cortes orçamentá-rios priorizam o “enxugamento” de pessoal,não correspondendo à mesma lógica para osgastos com infraestrutura material. Cf: DINIZ(2002).

5 Cf.: SALAMA (1997).6 Maiores detalhes sobre a criação e fun-

cionamento do FUNDEF, ver: PINTO (2000)7OLIVEIRA (1996). Discuto esta questão

em capítulo de livro intitulado: “A qualidadetotal na educação: os critérios da economiaprivada na gestão da escola pública”.

8 Cf.: OLIVEIRA (1997). “Educação e plane-jamento: a escola como núcleo do sistema”.

9 Pesquisa realizada por SOUSA (2000)analisa as parcerias realizadas nas escolas pú-blicas, em São Paulo.

10Cf.: SOUSA (2000).11 Ver: OLIVEIRA (2000).12 Cf.: DRAIBE (1997), DINIZ (1997),

SALAMA (1997) e ABRUCIO (1999), entre ou-tros.

13 Sobre as teorias administrativas comoteorias políticas, ver: BRUNO (1997)

14 A reforma da educação realizada emMinas Gerais nos anos de 1991 e 1998 tinhacomo uma de suas prioridades a descentrali-zação administrativa, financeira e pedagógica.Cf. DUARTE & OLIVEIRA (2000). Ao mesmotempo que em outros estados brasileiros seassistiam reformas educacionais na mesmadireção. Cf. COSTA (1997). Alguns estudo apon-tam tais processos de descentralização da edu-cação como portadores de uma lógica privatis-ta e desregulamentadora, Cf: ROSAR (1995).

15 A criação de conselhos na educaçãobrasileira não é nova como bem assinala Cury(2000); remonta aos tempos imperiais. En-tretanto, a profusão de conselhos, vivida maisrecentemente em todos os âmbitos da admi-nistração educacional, é inteiramente nova.

16 A esse respeito, ver o conceito de“refuncionalização” nas reformas administrati-vas e educacionais, no Estado de Minas Ge-rais, desenvolvido por SILVA,1994.

17 Cf.: TRINDADE (1999)

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* Dalila Andrade Oliveira é doutora emEducação pela USP. Professora da Facul-dade de Educação/UFMG.

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Educação, Avaliação e Privatização

Minha escolha por focalizar o processo de avaliação que vem sendoconduzido pela Universidade Federalde Minas Gerais - UFMG, fundamenta-se na crença de queuma discussão acerca das concepçõese mecanismos de avaliação na educação superior deve consideraras contribuições e lições que aprática institucional traz para o tratamento do tema. Para tanto, farei,em primeiro lugar, uma apreciaçãosobre as concepções e mecanismosde avaliação vigentes no cenárioeducacional brasileiro para, em seguida, apresentar os aspectos mais especificamente relacionados à UFMG.

A crise institucional vivida pelas uni-versidades está inscrita no cenário dacrise do Estado do Bem-Estar Social,que está levando, de modo mais des-tacado, à deterioração progressiva daspolíticas sociais, já que a necessidadede redução das despesas públicasafeta, com maior intensidade, a áreasocial3. Este cenário levou à adoção deuma cultura gerencialista no setor pú-blico, induzindo à criação de sofistica-dos mecanismos de controle e respon-sabilização que chegam a colocar emquestão, entre outros aspectos, a auto-nomia da universidade.

A avaliação, voltada mais para o pro-duto do que para o processo, tem sidoum pré-requisito para a implementa-ção desses mecanismos na educação.A sua prática, na educação superior,tem sido concebida com base no mé-rito, orientada pela lógica da regulaçãoe do controle, do cumprimento derequisitos e normas, e voltada para aidentificação e seleção dos “melhores”,

por meio de rankings classificatórios,com vistas ao estabelecimento de polí-ticas de incentivos e financiamento.

Além disso, a pressão que as socie-dades vêm exercendo sobre as univer-sidades públicas, no sentido do cha-mado “accountability”, tem significadopara elas intensificação da cobrançaquanto aos seus resultados, levando-as a considerar sua responsabilidade

Avaliação do ensino de graduação:a experiência da UFMG1

Maria do Carmo de Lacerda Peixoto 2

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Educação, Avaliação e Privatização

na utilização dos recursos públicos,bem como quanto à qualidade dosserviços e processos por elas gerados.Em conseqüência, a busca de maioreficiência e eficácia tem estado no cen-tro das atenções da política e da ges-tão universitárias, visando garantir seuespaço público e criativo para respon-der, com qualidade e competência, àsatribuições a elas destinadas pelas so-ciedades contemporâneas.

A avaliação, entendida como umanecessidade estrutural da vida da uni-versidade4, desempenha um papel im-portante na garantia desse espaço, co-mo conseqüência do caráter públicode uma instituição que tem por finali-dade a produção e a disseminação doconhecimento, num duplo compro-misso com a expansão das fronteirasdo conhecimento, da arte, da cultura, ecom a formulação de subsídios para asolução dos problemas sociais. Nessaperspectiva, a avaliação teria por fun-ção social buscar o aperfeiçoamentoda qualidade da educação, para trans-formar a universidade numa instituiçãovoltada para e comprometida com ademocratização do conhecimento e daeducação, assim como com a transfor-mação da sociedade.

Considerando a regulamentação vi-gente no caso brasileiro, relativa às po-líticas de avaliação da educação supe-rior, é preciso lembrar que ela faz partede um contexto no qual, como é sabi-do, a lei maior da educação foi aprova-da após a regulamentação de diversasiniciativas governamentais, no campoda educação. Exemplos disso foram acriação do Conselho Nacional deEducação - CNE, a lei que criou o FUN-DEF, a lei que regulamentou a escolhade dirigentes das universidades e ospróprios procedimentos de avaliação daeducação superior. Entre outros aspec-tos, isto significa que as políticas educa-cionais, em vigor, têm vínculos claroscom o projeto político de desenvolvi-

mento econômico e social do país, naperspectiva do governo em exercício.

Os princípios gerais norteadoresdesta avaliação foram firmados pelaLei de Diretrizes e Bases - LDB e pelodecreto 2306/97, vinculando-a ao cre-denciamento e recredenciamento dasinstituições de ensino superior, à auto-rização e reconhecimento de cursos,bem como à renovação periódica doreconhecimento. Para viabilizar essesprocessos, foram considerados os re-sultados do exame nacional de cursose da análise das condições de oferta,regulamentados pelo decreto 2026/-96. A partir de 2002, a portaria 990 doMEC instituiu a realização da avaliaçãodas condições de ensino, em substitui-ção à das condições de oferta.

A lógica dessa política enfrenta, ho-je, uma contradição que pode ser ob-servada a partir de um acontecimentorelativamente recente. Por ocasião da“Jornada para unificação dos instru-mentos de avaliação das condições deoferta dos cursos de graduação”, ocor-rida em Brasília, em 22 de junho de2001, foram expostos para os mem-bros das comissões de especialistas osobjetivos que levaram à transferênciada responsabilidade da avaliação dascondições de oferta de cursos e insti-tuições da Secretaria de Ensino Su-perior para o INEP/MEC5.

Ao mesmo tempo em que se pre-tende implementar um modelo únicoglobalizado de qualidade no sistemade ensino superior, esta jornada apre-sentou uma proposta de padronizaçãodos instrumentos de avaliação dos cur-sos e instituições como base dessenovo processo e construída em conso-

nância com este modelo. Em princípio,isto pode conduzir, de modo mais ace-lerado, à configuração desse modeloglobalizado. Não é aí que reside a con-tradição, é claro.

No texto introdutório distribuído aosparticipantes, afirma-se que “o sistemaestá sendo reestruturado para integrar,usando a mesma base de dados, omesmo padrão conceitual, a mesmaclassificação de áreas de conhecimen-to, procedimentos compatíveis e amesma postura ética, todos os proces-sos que demandam a necessidade deavaliação” (p.3/4). Isto significa que osistema de avaliação da educação su-perior passará a atuar consoante umpadrão fortemente homogeneizador, oque leva a perguntar se, com base nes-se padrão, será possível ao governofederal conduzir o sistema de educaçãosuperior a se estruturar segundo o mo-delo de diferenciação institucional defi-nido na reforma da educação superior,tal como ele pretende6. Considerando,ainda, que segundo consta do parecer776/97, os princípios gerais da propos-ta de diretrizes curriculares para os cur-sos de graduação formulada peloConselho Nacional de Educação se fun-damentam na flexibilidade curricular,cabe perguntar, também, se e atéquando essa flexibilidade poderá sermantida, já que os currículos serão de-frontados com uma avaliação que éhomogeneizadora.

Isto posto, lembro que, por outrolado, formulada como proposta doPrograma de Avaliação Institucional dasUniversidades Brasileiras – PAIUB, aavaliação institucional faz parte do ce-nário das universidades públicas brasi-

A avaliação institucional deve ser um processo socialmente organizado e promovido por atores sociais com legitimidade e competência técnica, ética e política, institucionalmente conferidas e reconhecidas.

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Educação, Avaliação e Privatização

leiras, desde o início da década de 90,numa perspectiva de que, mais do quecomo instrumento de controle e res-ponsabilização, ela atue para a emanci-pação institucional. Este processo en-contra-se ainda consolidação no país,passando por fases em que tem sidomais ou menos enfatizado por partedas políticas governamentais, estando,no momento, em total recesso7.

Essa avaliação deve ser feita em arti-culação com ênfases e prioridades es-tabelecidas coletivamente, dependen-do da existência de vontade políticapara ocorrer. Deve visar à qualidade dotrabalho realizado pela instituição, con-cebida como um processo pedagógicodestinado a compreender as dificulda-des existentes e a potencializar as con-dições de construir com melhor quali-dade os agentes e a instituição. Nessecampo, a existência de um retornoconstrutivo dos seus resultados é fun-damental para garantir a valorização esustentação do processo de avaliação.

Realizada numa organização com-plexa e com funções públicas como éa universidade, a avaliação institucio-nal deve ser um processo socialmenteorganizado e promovido por atores so-ciais com legitimidade e competênciatécnica, ética e política, institucional-mente conferidas e reconhecidas.Esses agentes ou sujeitos sociais com-prometidos com o processo de cons-trução do objeto e dos objetivos é queirão estabelecer os critérios, normas,metodologia e instrumentos que leva-rão à produção dos juízos de valor edos dispositivos para a transformaçãodas realidades avaliadas.

A avaliação institucional, conduzidapelo PAIUB, compõe-se de três dimen-sões, complementares e interativas: aavaliação interna, que fornece as basespara a avaliação externa a qual, porsua vez, alimenta novos processos in-ternos. Na primeira dessas dimensões,os sujeitos pertencem à mesma reali-

dade que está sendo avaliada, às ve-zes, com duplo estatuto de avaliadorese avaliados. A avaliação, nesse caso,coloca a utilidade social da universida-de em meio a um conjunto mais am-plo de utilidades sociais, ao mesmotempo em que envolve uma compara-ção entre modelos institucionais eseus desempenhos. Isto faz com que areferência da avaliação esteja semprefora da instituição avaliada.

A avaliação externa, por sua vez,confirma o sentido de transparência eo caráter público da universidade e daavaliação, pois se faz com a participa-ção efetiva dos membros da comuni-dade científica, de órgãos públicos li-gados à educação, ciência e tecnolo-gia, e de representantes da sociedadeorganizada. Sua eficácia, em grandeparte, depende da qualidade, utilidadee pertinência dos dados produzidospela avaliação interna. O confronto en-tre as avaliações praticadas na esferainterna, finalmente, com aquelas reali-zadas por membros externos, deveproduzir uma síntese a respeito daconcepção que se tem sobre a institui-ção, sobre os encaminhamentos indi-cados para a melhoria da qualidade dauniversidade e do próprio papel daavaliação, como um processo contínuode transformação e aperfeiçoamento.

Tratando da avaliação, no caso es-pecífico da UFMG, no início da décadade 90, foi constituída sua ComissãoCentral de Avaliação, voltada para oscursos de graduação e integrada aosprocedimentos do Programa de Ava-liação Institucional das UniversidadesBrasileiras - PAIUB. No início de 1998,esta comissão central, por resoluçãodo Conselho de Ensino, Pesquisa e Ex-tensão, foi transformada em ComissãoPermanente de Avaliação do ensino degraduação, decisão que implicou, entreoutros aspectos, o compromisso da uni-versidade em aportar recursos para arealização da avaliação. Desse modo, a

UFMG assumiu a responsabilidade pelacondução dos procedimentos e estu-dos que fossem considerados necessá-rios, independentemente da existênciade outros recursos destinados à avalia-ção pelo MEC, através do PAIUB.

O trabalho que vem sendo realiza-do compreende, inicialmente, a avalia-ção interna. Semestralmente são apli-cados os questionários de avaliação dedisciplinas a todos os alunos dos cur-sos de graduação e, com a mesma re-gularidade, é aplicado um questioná-rio para que os formandos avaliem ocurso por eles cumprido. Os resultadosdesses questionários têm sido devolvi-dos aos colegiados de curso, ainda emformato preliminar. Procedimentosdestinados ao melhor aproveitamentodesses registros avaliativos, inclusivetendo em vista dar maior visibilidadeaos resultados, vêm sendo estudadose deverão ser implementados proxi-mamente, tendo em vista que aindahá problemas a serem enfrentados, noque diz respeito à forma e ao conteú-do da divulgação dessas avaliações.

Estudos sobre o perfil de candidatose aprovados nos vestibulares têm sidotambém realizados, bem como sobre aevasão dos cursos de graduação. Essesestudos têm permitido formular políti-cas relativas ao processo de seleção evoltadas para estimular alterações curri-culares, entre outros aspectos. Encon-tra-se, em planejamento, também, arealização de uma proposta de acom-panhamento de egressos dos cursos degraduação, visando a analisar sua situa-ção profissional e explicitando o signifi-cado da sua permanência na UFMG,para a inserção profissional. Um estudopiloto para os cursos de Engenharia jáestá em andamento.

Quanto à avaliação externa, no pe-ríodo de 1997 a 1999, foram avaliadosos 37 cursos de graduação, excetua-dos aqueles criados a partir de 1998,cujo ciclo de formação ainda não se

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Educação, Avaliação e Privatização

completara. Ex-alunos e profissionaisde renome das áreas nos campos aca-dêmico e profissional foram indicadospelos cursos para comporem as comis-sões de avaliação. Foram avaliados as-pectos relativos ao currículo, ao corpodocente, discente e técnico-adminis-trativo e às condições de infra-estrutu-ra. Entre o segundo semestre de 1998e o primeiro de 2000, o Pró-reitor deGraduação e o presidente da Comis-são Permanente de Avaliação visitaramtodos esses cursos, discutindo o rela-tório da comissão de avaliação exter-na. Foi estabelecendo o prazo de seismeses para a apresentação de propos-tas destinadas a intervir nos problemasapontados pela avaliação externa. Paraestimular o atendimento dessas me-tas, a Câmara de Graduação do Conse-lho de Ensino, Pesquisa e Extensão –CEPE introduziu, nos editais elabora-dos quando da concessão de recursosda universidade aos projetos dos cole-giados de cursos e ao programa de bol-sas da graduação, mecanismos quepriorizam a solução desses problemas8.

Está em planejamento, também, arealização de um novo ciclo de avalia-ção externa, envolvendo, além dos cur-sos que participaram da etapa anterior,aqueles que não foram ainda avaliados.Pretende-se, dessa forma, tornar essamodalidade de avaliação uma atividaderegular da universidade. Isso implicará aformulação de novos procedimentos,tendo em vista promover um avançonas condições anteriormente examina-das. Também vêm sendo analisados osprocedimentos utilizados nas análisesfeitas por ocasião das avaliações dascondições de oferta dos cursos peloMEC, de forma a proceder às compara-ções necessárias para municiar a uni-versidade no diálogo com o MEC, bemcomo a incorporar informações porven-tura não constantes dos procedimentosinstitucionalizados na UFMG. Umaquestão, em particular, que vem preo-

cupando a Comissão Permanente deAvaliação, é de como induzir mudançasem cursos que foram muito bem avalia-dos pela avaliação externa e, ao mesmotempo, vêm obtendo conceito A, noexame nacional de cursos e nas condi-ções de oferta. Os parâmetros orienta-dores dessas mudanças constituem-senos aspectos centrais desta questão.

A comissão publica, anualmente,um Caderno de Avaliação (encontra-seno número 4), distribuído para todasas instituições de ensino superior dopaís, e destinado a divulgar estudosproduzidos na universidade sobre aavaliação do ensino de graduação. Ne-le, têm sido publicados não só estudosassinados por membros da comissãopermanente de avaliação, como pordocentes de diversos cursos, analisan-do situações específicas dos mesmos.

Pode-se dizer que o conjunto deprocedimentos que vem sendo condu-zido na UFMG atua em concordânciacom uma concepção de avaliação ori-entada pela lógica de transformaçãoda instituição, visando à construção deuma qualidade e excelência não exclu-dentes, com a finalidade de identificaros acertos e dificuldades frente aos ob-jetivos de levar à melhoria institucionale de construir uma universidade com-prometida com o desenvolvimento ci-entífico e social. São procedimentosque se baseiam, sobretudo, no méritoe na relevância científica, acadêmica esocial da instituição9.

Concluindo, acrescento que, no pla-nejamento de trabalho da comissãopermanente de avaliação e da reitoriarecém-empossada, encontra-se a pro-posta de, a médio prazo, proceder àimplementação da avaliação institucio-nal em sentido amplo, envolvendo to-das as atividades da universidade. Issorepresentará uma alteração substanti-va no escopo de abrangência da co-missão e no compromisso da UFMGpara com a avaliação institucional.

Notas1. Palestra proferida na mesa redonda

Concepções e mecanismos de avaliação, noSeminário sobre Educação Superior, promovi-do pelo ANDES-SN, no CEFET-BH, entre 3 e 6de abril de 2002.

2. Maria do Carmo de Lacerda Peixoto édoutora em Educação pela UFRJ e professorada Faculdade de Educação da UFMG. Coor-denadora do GT Política da Educação Superiorda ANPEd 1998-2001. Presidente da Comis-são Permanente de Avaliação da UFMG.

3. Sobre as crises da universidade, ver San-tos (1996).

4. Sobre a avaliação da universidade comonecessidade estrutural e conjuntural, ver Bel-loni (2000).

5. Este processo avaliativo foi, pela portaria990 anteriormente citada, convertido na ava-liação das condições de ensino.

6. Sobre os componentes da reforma daeducação superior brasileira, ver Catani e Oli-veira, 2000. E sobre a introdução do modelode diferenciação institucional na reforma daeducação superior brasileira, ver, entre outros,Sguissardi (2000).

7. Sobre a avaliação institucional, ver DiasSobrinho (2002).

8. A UFMG destina recursos no orçamentopara a melhoria dos cursos de graduação epara três modalidades de bolsas para os alu-nos desses cursos: iniciação à docência, apri-moramento discente e acadêmico especial.Estes recursos são distribuídos por meio deeditais, com base no mérito dos projetosapresentados.

9. Belloni, op. cit., ibidem.

Referências bibliográficasBELLONI, Isaura– A função social da avalia-

ção institucional, in: José Dias Sobrinho e Dil-vo Ristoff (orgs.) – Universidade desconstruí-da, avaliação institucional e resistência, Floria-nópolis, RAIES/Insular, 2000.

CATANI, Afrânio Mendes e OLIVEIRA, JoãoFerreira – A reforma da educação superior noBrasil nos anos 90: diretrizes, bases e ações,in: Afrânio M. Catani e Romualdo P. Oliveira –Reformas educacionais em Portugal e no Bra-sil, Belo Horizonte, Autêntica, 2000.

DIAS SOBRINHO, José – Educação e avalia-ção: técnica e ética, in: José Dias Sobrinho eDilvo Ristoff (orgs) – Avaliação democrática,Florianópolis, Insular, 2002.

SANTOS, Boaventura de Sousa – Pela Mãode Alice, o social e o político na pós-moderni-dade, São Paulo, Cortez, 1996, cap. 8.

SGUISSARDI, Valdemar – Diferenciação ediversificação: marcas das políticas de educa-ção superior no final do século, in: ValdemarSguissardi (org.) – Educação superior, velhos enovos desafios, São Paulo, Xamã, 2000.

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

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Educação, Avaliação e Privatização

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 77UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

O público e o privado na educação superior

O Estado e os interesses privatistasEste texto busca explici-tar a influência hege-mônica dos interessesprivatistas na educação,que se implementamnas instituições públi-cas, através das políti-cas e programas gover-namentais. Objetivarevelar as diversas con-figurações e manifesta-ções desses interessesna educação pública,especialmente no ensino superior.

A atualidade dessadiscussão é ressaltadano panorama dapolítica educa-cional encetada no Brasil, desde adécada de 1990, especialmente nogoverno de Fernando HenriqueCardoso, quando se torna evidente ainfluência das idéias neoliberais e deorganismos internacionais como oFMI, o Banco Mundial, a OMC, UNES-CO, representantes dos interesses dosgrandes oligopólios transnacionais,que impõem políticas de ajuste estru-tural, de desenvolvimento econômicoe de reformas do Estado, como pré-requisito para a renegociação da dívi-da do país e para novos empréstimos, tendo, como objetivo de fundo,

a inserção/adaptação do país,na nova ordem capitalista mundial.As políticas sociais ostentam configu-rações híbridas em que se entre-meiam interesses públicos e privados,interpenetram lógica mercantil eempresarial nos negócios públicos.

Embora visto de forma diferente noplano da Filosofia Política e assumindoformas diferentes no plano da realida-de histórica, o Estado moderno é indis-sociável da sociabilidade capitalista, dasua dinâmica de divisão social em quea satisfação das necessidades é marca-

da pelas diferençase desigualdades.Diante da igualda-de, apenas formal,da sociedade mo-derna, o Estado seapresenta como me-canismo de regula-ção e de interme-diação dos confli-tos sociais, comoespaço por ondeperpassam os con-flitos das classes ede seus distintossegmentos, sendo,portanto, uma es-fera política quemantém, necessa-

riamente, umainteração com

a sociedade civil.2 Assume-se o enten-dimento de Poulantzas (1985), acercado Estado, como condensação dos in-teresses conflitantes das classes sociaisno capitalismo moderno, como ummediatário de uma sociedade divididaem classes, que, embora não repre-sente mecanica e instrumentalmenteapenas os interesses de uma únicaclasse, historicamente tem assumido,através de uma relação de forças, pre-dominantemente, os interesses daclasse dominante.

Assim, o Estado tem se legitimadocomo principal representante dos inte-

Maria Do Socorro Xavier Batista1

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Educação, Avaliação e Privatização

resses hegemônicos do capital, e, con-seqüentemente, dos interesses priva-tistas, em todas os domínios da socie-dade. No Estado como se configurouno Brasil, foi sempre presente uma in-terpenetração ou entrelaçamento en-tre a esfera pública e a privada, espe-cialmente sob o fundo público, queentra na composição e reprodução docapital, promovendo-se uma amplia-ção do Estado, através do financia-mento do capital e da força de traba-lho. Configuração em que a participa-ção do fundo público, na formação dataxa de lucro, tornou-se um compo-nente estrutural e insubstituível noprocesso de acumulação de capital(Oliveira, 1993).

Esse entrelaçamento passa a evi-denciar o que aponta Oliveira (1993:-139): “um extravasamento das esferasprivadas, das relações privadas, parauma esfera pública não-burguesa que,por variadas razões, tomou freqüente-mente a forma estatal”. Na vertenteneoliberal da regulação estatal do fun-do público, a defesa de uma diminui-ção da ação estatal frente às políticassociais e a conseqüente ênfase na re-produção do capital, as fronteiras daesfera pública se esmaecem, e, comodecorrência, tem-se a perversão daação estatal, “que perde o poder deestabelecer as diferenças entre interes-ses gerais e particulares. Nisto consisteo que tem sido chamado de ‘privati-zação’ do Estado”. As fundações deapoio à pesquisa existentes na maiordas universidades são um exemplo tí-pico do entrelaçamento das esferaspública e privada.

Os interesses privatistas na educaçãoA discussão em torno do público e

do privado, na educação brasileira,tem estado presente na arena política,desde os anos 20, especialmente, porocasião da elaboração das constitui-ções e das legislações que regem aeducação. Tal discussão reflete e reve-la um debate entre os setores envolvi-dos na educação pública e defensoresdela (sindicatos e associações de pro-fessores, entidades científicas e estu-dantis, intelectuais) e a escola privada(proprietários e dirigentes de escolasprivadas), que abrange, desde umaquestão mais geral e de princípio, so-bre o dever do Estado para com a edu-cação, em todos os níveis, sobre a ex-clusividade do Estado na oferta deeducação, até uma disputa pela fatiado fundo público destinado ao finan-ciamento da política educacional.

No que se refere ao dever do Estadopara com a educação, de um lado, háos setores (amplo leque de entidadesligadas ao Fórum Nacional em Defesada Escola Pública) que defendem aresponsabilidade do Estado e a com-petência na oferta educacional, em to-dos os níveis, de outro, estão aquelesque advogam a liberdade e a compe-tência de grupos (filantrópicos, religio-sos) e de empresários para oferecereducação, com fins lucrativos ou não.No que concerne ao destino dos recur-sos do fundo público voltados para aeducação, as posições em disputa gi-ram em torno do destino que o Estadodeve dar a esses recursos. As posiçõesse alternam entre os que defendem aexclusividade desses recursos para asinstituições estatais e aqueles que de-

fendem a aplicação de recursos públi-cos nas escolas privadas, de naturezaempresarial ou não.

Ao se constatar a supremacia do se-tor privado sobre o público - em nú-mero de alunos, de instituições e derecursos envolvidos - e o constante re-passe de recursos públicos para as ins-tituições privadas, especialmente deensino superior, verifica-se que os inte-resses privados têm prevalecido nessadisputa.

Os confrontos sociais e políticos emtorno da educação, como um dos as-pectos importantes da democracia edo direito de cidadania, apesar de te-rem permitido avanços significativos,alcançados pela educação pública, nãolograram ainda a universalização daeducação fundamental e na superiorainda é extremamente restritivo.

Os meandros entre o público e o pri-vado, reinantes na educação, têm inspi-rado um debate e uma produção aca-dêmica (Weber, 1991; Martins,1988,1991; Cunha (org.), 1985; Cury e No-gueira, 1985) que têm revelado e refle-tido os diversos aspectos e as interfacesdesse tema. A captura da educação porinteresses privados abrange aspectoseconômicos, sociais e políticos. Mesmoquando se trata de proveito econômico,os interesses não se restringem apenasà transferência de recursos públicos pa-ra a escola privada, mas ultrapassam oâmbito de grupos e pessoas envolvidasno processo educacional, que passam aobter vantagens pessoais com os recur-sos públicos.

Entre outros mecanismos de trans-ferência de recursos públicos, ou geri-dos pelo Estado, para o setor privado,identificados por Weber (1991:32),destacam-se: compra de vagas às es-colas particulares, pelo Estado, com re-cursos provindos do MEC (mesmohavendo vagas ociosas na rede públi-ca); convênio salário-aula, que consis-te em ceder professores da rede públi-

O clientelismo político é uma das formas de captura

de serviços públicos para interesses particulares.

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 79

ca, geralmente os melhor qualificados,para escolas confessionais ou leigas,onde passam a desenvolver suas ativi-dades docentes. Esses mecanismos,além de manterem a escola privada,reforçam uma visão simbólica de quesó ela pode oferecer um padrão dequalidade à população.

Ainda segundo Weber (p.34-36), di-versos são os mecanismos de submis-são da educação a interesses particula-res. A escola pública pode ser utilizadapor grupos políticos e por seus proje-tos político-sociais. O clientelismo polí-tico é uma das formas de captura deserviços públicos para interesses parti-culares. Ele pode contribuir para oagravamento da desvinculação dasações públicas das necessidades reaisdo povo, para a utilização das necessi-dades educacionais, para a distribui-ção de empregos públicos e de conci-liação de interesses de grupos políti-cos. Pela visão particularista, a escolapública, muitas vezes, pode ser perce-bida como extensão da casa e da famí-lia, passando a “ser regida, principal-mente, por laços afetivos e não por re-gras públicas, definidas em função dasatividades de ensino” (Weber, 1991:37).

Nessa visão, destaca-se, também, opapel das relações interpessoais teci-das via parentesco, amizade e alianças,no recrutamento de gestores, profes-sores, técnicos e demais profissionaisda educação e na indicação de direto-res e de supervisores educacionais. Anomeação de diretores ligados a gru-pos aliados políticos dos prefeitos egovernadores, pode gerar mecanismosclientelistas, utilizados com freqüêncianas escolas públicas, os quais, na visãode Weber, já citada, (p.36), devem serinterpretados como formas de privati-zação do ensino público, e, ao mesmotempo, de controle ideológico da açãoeducacional. Nesse mesmo estudo,Weber (p.37) demonstrou que o recru-tamento docente, via convite pessoal,

no período 1964/1986, em Pernam-buco, sobretudo no interior do Estado,transformou muitas escolas em domí-nio familiar, congregando, além de pa-rentes próximos que se nomeavampelos laços de parentesco, como tam-bém amigos, agregados e aliados polí-ticos e seus parentes, artifícios repro-duzidos até mesmo em divisões da Se-cretaria de Educação do Estado. Situa-ção que pode ser percebida em todosos estados.

A municipalização do ensino, deacordo com Weber (1991:35), tem“contribuído para reforçar o clientelis-mo e os interesses privados, tanto polí-ticos quanto econômicos na área daeducação”. O localismo pode expressaros interesses de grupos políticos deter-minados e locais, que podem superporinteresses específicos e projetos pró-prios aos planos oficiais de educação.

No ensino superior, podem ser ob-servados alguns elementos de entrela-çamento entre o público e o privado.No que se refere à transferência de re-cursos públicos para o setor privadosão correntes os seguintes expedien-tes: distribuição de crédito educativo,destinado ao pagamento de mensali-dades em Instituições de Ensino Su-perior Privadas, financiamento de pes-quisa nessas instituições, isenção deimpostos, empréstimos. Todos essesmecanismos de entrelaçamento de in-teresses privados na educação, alémde reforçarem o destaque à escola pri-vada, do ponto de vista dos objetivoseconômicos, aumentando o processode acumulação, nesse setor, do pontode vista simbólico e ideológico, a edu-cação privada é realçada como aquela

que tem melhor capacidade de terqualidade e validade como capital cul-tural que permite status e ascensãosocial.

Com o avanço da política neoliberalno Brasil, nos anos 1990, a reduçãodos gastos e dos direitos sociais am-pliou o espaço do mercado nas áreasde saúde e de educação. A pouca re-gulamentação e a falta de controle doEstado sobre a qualidade e preçosdessas áreas têm contribuído para oflorescer do comércio de saúde e edu-cação, contribuindo para a ampliaçãoda denominada “nova burguesia deserviços”, ligada, principalmente, à ex-ploração dos serviços de saúde e edu-cação. “A política governamental temconsistido em deixar essas empresasde educação e saúde obterem taxasde lucro muito altas, de modo a se ex-pandir celeremente, como vem ocor-rendo, para que desempenhem umafunção da qual o Estado pretende des-vencilhar-se” (Boito Jr., 1999: 67-68).

O público e o privado na educação a partir da reforma do EstadoNo contexto contemporâneo, mar-

cado por uma crise de acumulação docapital, as reformas são incluídas nasestratégias de superação dessa crise,que incluem a reestruturação do pa-drão da sociabilidade capitalista mun-dial, cujos impactos causam mudançasem todos os aspectos da vida: da rea-lidade concreta às representações sim-bólicas, ideológicas e políticas, mudan-ças que afetam todos os países, mascausam efeitos mais deletérios nospaíses dependentes.

A partir da crise econômica e da

Educação, Avaliação e Privatização

O localismo pode expressar os interesses de grupos políticos

determinados e locais, que podem superpor interesses específicos

e projetos próprios aos planos oficiais de educação.

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE80 - Ano XII, Nº 28, novembro de 2002

crise do Estado, desde a década de1970, vem-se desenrolando uma ten-dência mundial de promoção de refor-mas do Estado. Na década de 1990,nos países periféricos ou dependentes,o reformismo orientado pelo ideárioneoliberal buscou submeter toda a so-ciabilidade e suas interdependências àracionalidade instrumental da lógicamercantil e assumiu centralidade naspolíticas governamentais, adotandoum caráter de contra-reforma, poisbusca reverter o avanço das políticassociais compensatórias típicas do Esta-do de Bem-Estar, que, no caso brasilei-ro, naquele momento, ainda se esbo-çavam de forma incipiente.

No Brasil, consagrou-se a reformado Estado, como elemento central dapolítica governamental, especialmentea partir de 1994, primeiro governo deFernando Henrique Cardoso, buscan-do-se um redirecionamento nas rela-ções Estado, sociedade e mercado enas relações entre o público e o priva-do, especialmente nas políticas sociais.Essa influência orientou reformas es-truturais que redefiniu a ação do Esta-do, na economia com a desregula-mentação dos mercados, diminuiu aação empresarial do Estado com a pri-vatização das empresas estatais. Pro-moveu-se uma “reengenharia” nas ins-tituições públicas, que favoreceu umimbricamento do público e do privado,com um novo tipo de instituição depropriedade pública não-estatal - Or-ganizações Sociais, que podem ser fi-nanciadas com recursos públicos eatravés da compra de serviços e doa-ções, por parte dos usuários dessesserviços. Chauí (1999: 5), analisando areforma do Estado, afirma que ela estáfundamentada em um pressupostoideológico básico:

“o mercado é portador de raciona-lidade sociopolítica e agente principaldo bem-estar da República. Esse pres-suposto leva a se colocar direitos so-

ciais (como a saúde, a educação e acultura) no setor de serviços definidospelo mercado. Dessa maneira, a Re-forma encolhe o espaço público de-mocrático dos direitos e amplia o es-paço privado, não só ali onde isso se-ria previsível - nas atividades ligadas àprodução econômica - mas também,onde não é admissível - no campo dosdireitos sociais conquistados.”

Desse modo, através das privatiza-ções explícitas das empresas estatais eimplícitas dos serviços públicos, permi-te-se uma apropriação de bens e servi-ços mais rentáveis, pela iniciativa priva-da e diminui-se a ação do Estado co-mo executor de políticas e sua funçãode estabilizador dos efeitos desiguali-tários da acumulação capitalista. Bor-ram-se as fronteiras entre a esfera pú-blica e a esfera privada.

Na visão do pensamento dominan-te, ou ideologia dominante, do neoli-beralismo, hegemonizado pelas forçaspolíticas aliadas ao capital, a força doEstado deve-se concentrar na sua ca-pacidade de submeter toda a sociabili-dade e suas interdependências à lógi-ca mercantil, especialmente nas políti-cas públicas criadas e providas pelofundo público. Esse pensamento apon-ta a crise do Estado e o seu suposto agi-gantamento, especialmente no que serefere às políticas sociais, como ele-mentos justificadores da necessidadede se reformar o Estado, em direção à“modernidade”, a um Estado mínimo,ágil, eficiente.

Em relação ao papel e às funçõesdo Estado na sociedade e na econo-

mia, a orientação é no sentido de sereduzir a sua atuação em relação àregulamentação das relações de troca,seja de mercadorias, de serviços ou detransações financeiras, e das relaçõesde compra e venda da força de traba-lho, incluindo, preferencialmente, ostrabalhadores do Estado.

No tocante à reforma do Aparelhodo Estado, aplica-se uma mudança deparadigma organizacional e adminis-trativo. Ao modelo burocrático de corteweberiano, até então prevalecente su-perpõe-se uma administração geren-cial, herdada da iniciativa privada, quese fundamenta nos princípios da flexi-bilização, descentralização, desregula-mentação, administração por resulta-dos e qualidade total, supostamentevisando à redução dos custos, ao au-mento da eficiência e da produtividadee à melhoria da qualidade dos servi-ços, mas que na verdade privatiza, des-responsabiliza o poder público das po-líticas sociais, assume um lógica exclu-dente. Nessa reforma privilegiou-se adimensão institucional descolada dadimensão do Estado “como expressãodas relações de poder no conjunto dasociedade” (Sader, 1999:129), da de-mocracia e da cidadania, onde o cida-dão é reduzido ao consumidor.

Os programas de modernização ede reforma administrativa que procu-ram adotar novas morfologias de orga-nização, adotam como princípio o pri-vilegiamento da ação do Estado dire-cionada para a acumulação do capital,nessa direção salienta Chauí (1999:2):

“Visto sob a perspectiva da luta polí-tica, o neoliberalismo não é, de manei-

Educação, Avaliação e Privatização

Através das privatizações explícitas

das empresas estatais e implícitas dos serviços públicos,

permite-se uma apropriação de bens e serviços

mais rentáveis, pela iniciativa privada.

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

ra nenhuma, a crença na racionalidadedo mercado, o enxugamento do Estadoe a desaparição do fundo público, masa posição, no momento vitoriosa, quedecide cortar o fundo publico no pólode financiamento dos bens e serviçospúblicos (ou o do salário indireto) emaximizar o uso da riqueza pública nosinvestimentos exigidos pelo capital.”

No que tange à privatização dos ser-viços públicos são adotadas várias fór-mulas: o incentivo e a concessão aempresas para venderem serviços, atransferência da prestação de serviçospara organizações públicas não esta-tais de caráter privado, que captamrecursos do fundo público e dos usuá-rios dos serviços, ou, ainda, pela trans-ferência dos recursos públicos paraempresas privadas.

A orientação para as políticas sociaisé a mercantilização, transformação dedireitos sociais em filantropia e o usodiscriminatório dessas políticas. A des-centralização tem sido apontada comoinstrumento importante para agilizar aação estatal, tornar o Estado “enxuto”e para fortalecer as funções de regula-ção e de coordenação do Estado, as-pectos intimamente relacionados coma administração gerencial que prevê adescentralização de decisões e de fun-ções. Nesse cenário, os entrelaçamen-tos entre o público e o privado na edu-cação assumem novos contornos.

As interfaces entre o público e o privado na política na universidade públicaNas propostas e programas para o

ensino superior, as estratégias meta-morfoseiam-se mas os princípios pri-vatistas são recorrentes. Embora assu-mindo contornos e formatos diferen-tes, a política governamental para auniversidade pública, desde a décadade 19703, vem sistematicamente reve-lando uma concepção privatista, redu-

cionista, que se preocupa sobremanei-ra com a relação custo-benefício ecom a redução ou destruição do cará-ter público da universidade, com umaintencional confusão conceitual ondeo público e o privado se confundem. Ainiciativa privada e as relações de mer-cantis são valorizadas como instânciasde eficiência e qualidade.

Desde o regime militar, vêm-se des-tacando uma tendência de redução doensino estatal público e gratuito e umincentivo à expansão do ensino supe-rior privado, de perfil empresarial, quetem levado a uma predominância doensino privado sobre o público. Entreas propostas gestadas naquele perío-do, que até hoje são realçadas, embo-ra apareçam dissimuladas ou comoutras características, está a autono-mia financeira para as IFES, que apare-ce quase sempre associada à idéia decomplementação orçamentária dessasinstituições, por outras fontes que nãoo poder público, especialmente a ini-ciativa privada.

Essa lógica privatista fez com que,em diversas conjunturas políticas, osgovernos buscassem formatos institu-cionais que permitissem uma flexibili-dade que possibilitasse que as institui-ções públicas pudessem ser providaspor recursos captados na iniciativa pri-vada. Essa idéia tomou forma durantea ditadura militar quando foi reforçadauma estrutura bipolar no sistema deensino superior público, que passou aser constituído de instituições com re-gime jurídico dual, formado de autar-quias de regime especial, que são ins-tituições de direito público, ligadas à

administração indireta, e de fundaçõesde direito público, que se organizavamcomo ente jurídico de direito privado.Esse modelo foi adotado, como umaalternativa que poderia proporcionaruma gestão descentralizada “mais flexí-vel”, que tornaria possível uma autono-mia financeira que permitiria aberturapara recursos privados, uma vez queexigia, em sua composição, uma partede recursos e patrimônios privados.

Na década de 1980, o MEC formu-lou propostas e fomentou discussõessobre a unificação das Instituições deEnsino Superior Federais (IFES) comtransformação das universidades au-tárquicas em fundações, além de terprovocado ensaiado a introdução doensino pago nas instituições estatais.Além disso, foram criadas, nas autar-quias, as fundações de direito privadoque fazem a gestão de recursos oriun-dos de outras fontes, especialmenteprivadas, para financiar atividades depesquisas, de ensino, consultorias.Essa estrutura privada paralela dentrodas instituições públicas mostrou umatendência de crescimento até os diasatuais, assumindo as funções de depo-sitário dos recursos de cobranças detaxas de cursos de especialização e deextensão, cada vez mais freqüentesnas universidades.

Nos anos 1990, as idéias privatistascontinuam presentes nas propostas dereestruturação da Universidade dosgovernos. Inicialmente, em 1991, como primeiro presidente eleito, após operíodo da ditadura. O governo Collor,no conjunto do Projeto de Recons-trução Nacional (PRN), apresentou a

Educação, Avaliação e Privatização

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Com o governo de Fernando Henrique, fortaleceram-se as idéias

privatistas e ampliaram-se os espaços da iniciativa privada na

educação superior, pela influencia das idéias e programas neoli-

berais orientadas e monitoradas pelo FMI e pelo Banco Mundial.

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proposta de “Uma Nova Política para oEnsino Superior”, baseada em trêspontos principais: a “autonomia uni-versitária”, vinculada à autonomia fi-nanceira, que pretendia instituir umorçamento global de responsabilidadeda União, complementado por recur-sos que deveriam ser captados na ini-ciativa privada; o “Exame de Habilita-ção Profissional”, que seria uma avalia-ção institucional centrada no aluno,que consistia de uma prova obrigató-ria, realizada no final do curso, à qualtodos os concluintes deveriam subme-ter-se; a introdução de um tal “ServiçoCivil Obrigatório”, que constituía umaprestação de serviços em órgãos públi-cos, por parte de todos os formandose que se configuraria numa forma depagamento da educação recebida nasinstituições universitárias públicas. Es-sas propostas foram amplamente con-testadas pelos segmentos da comuni-dade acadêmica (ANDES-SN, FASU-BRA, UNE e pelo CRUB), especialmen-te pelo movimento docente, e acaba-ram sendo rejeitadas no CongressoNacional.

Em seguida, a partir de 1994, com ogoverno de Fernando Henrique, forta-leceram-se as idéias privatistas e am-pliaram-se os espaços da iniciativa pri-vada na educação superior, pela in-fluencia das idéias e programas neoli-berais orientadas e monitoradas peloFMI e pelo Banco Mundial, amplamen-te defendidas e implementadas pelosministros representantes desses orga-nismos, como o Ministro da Adminis-tração e da Reforma do Estado, Bres-ser Pereira (2000), que implementou aReforma do Estado. Este, para justificara implementação desses princípios nauniversidade pública, afirmava que ha-via um reducionismo conceitual noBrasil que confundia o “público” comosinônimo de estatal, que seria a ori-gem da crise da universidade brasilei-ra. Para ele, “O essencial é, gradual-

mente, tornar as universidades funda-ções autônomas, de direito privado,que contratem professores e funcioná-rios pela legislação trabalhista e orga-nizem fundos de pensões para eles”.

Coerente com as mudanças políti-cas e administrativas do Estado os sis-temas educacionais estatais, inclusiveo ensino superior, também se reconfi-guram adotando um “modelo institu-cional gerencialista”, que, segundo Li-ma (1997:37-45), “tomam como basea atividade econômica e a organizaçãoprodutiva, o mercado, introduzindo acultura da empresa no domínio da ad-ministração pública”. Analisando asreformas educacionais implementadasno Brasil.

Azevedo (2001:3) revela as imbri-cadas relações entre educação e eco-nomia, presente nos princípios das po-líticas educacionais:

“Estas reformas têm em comum atentativa de melhorar as economiasnacionais pelo fortalecimento dos la-ços entre escolarização, trabalho,produtividade, serviços e mercado, ebuscam obter um melhor desempe-nho escolar no que tange à aquisi-ção de competências e habilidadesrelacionadas ao trabalho, controlesmais diretos sobre os conteúdos cur-riculares e sua avaliação, implicandotambém na adoção de teorias e téc-nicas gerenciais próprias do campoda administração de empresas”.

A conjugação desses interesses fezcom que o ensino superior fosse alvode uma ampla reforma, orientada poruma lógica privatista que combina du-as estratégias simultâneas, relaciona-das com o financiamento. De um lado,promove uma redução dos recursosdo fundo público para a educação es-tatal, e, de outro, amplia o espaço doensino superior privado.

Nesse período, houve uma tendên-cia de um vertiginoso crescimento doensino superior privado, desde a déca-da de 1980. Tendência que veio se acu-mulando e atingiu, no ano de 2000,67% das matrículas, restando 33% pa-ra as instituições públicas, como reve-lam os últimos dados do Censo do En-sino Superior, realizado pelo INEP, quemostra que a rede privada cresceu 17,5%, nesse mesmo ano, perfazendo umtotal de 1 milhão e 800 mil alunos, en-quanto que as instituições públicasapresentam dados inferiores. As institui-ções estaduais apresentaram 9,8% decrescimento e têm 332 mil matrículas;as matrículas nas Instituições Federaisde Ensino Superior (IFES) aumentaram9,1%, chegando a 483 mil alunos.

Concomitante ao crescimento doensino privado houve uma progressivadesresponsabilização do poder públi-co com o financiamento do ensino su-perior estatal. Além disso, manteve-sea tradição de repasse de recursos pú-blicos para instituições privadas. Pro-moveu-se, também, a utilização do ar-cabouço da administração pública ge-rencial para a obtenção de eficiência,eficácia e produtividade nas institui-ções públicas.

Uma das propostas de reforma daeducação superior, durante o governode Fernando Henrique, que previatransformar as atuais universidades fe-derais em Organizações Sociais, nosmoldes previstos pela reforma Admi-nistrativa projetava dividir o atual siste-ma universitário em unidades isoladas,

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regidas pela lógica contratualista ins-trumental que visa a atingir metas eobjetivos predeterminados nos contra-tos de gestão. É uma lógica racionalis-ta, baseada, prioritariamente, na rela-ção custo-benefício, que ignora os im-perativos das relações de classe e depoder, no interior da comunidade uni-versitária, ignorando as especificidadesda produção científica, cultural e artís-tica. Essa visão espelha-se nos princí-pios fragmentadores típicos do capita-lismo atual, que vê a sociedade comoum agregado de instituições isoladas,ou interligadas apenas pela lógica cal-culista que busca atingir os indicadorese prognósticos previstos no contrato.Como a lógica que preside a reforma éa quantitativa, com dotações cada vezmais insuficientes, as instituições sãoinstadas a aumentar sua produtivida-de, aumentando as vagas, produzindomais, com menos investimento.

A concepção de autonomia univer-sitária, nas propostas do governo, é as-sociada basicamente à liberdade paraas instituições captarem recursos emoutras fontes ligadas ao setor privado,através de parcerias com empresas. Elatambém vem agregada à idéia de ra-cionalização administrativa e de gas-tos, com a descentralização adminis-trativa, com o controle dos resultados,através de sistema de avaliação, e, pa-ra tanto, associa-se a um sistema deacompanhamento e avaliação de indi-cadores administrativos e financeiros.

Desde 1994, as IFES vêm passandopor uma série de mudanças centraliza-das, controladas e dirigidas pelo gover-no federal, pelo MEC, pelo ConselhoNacional de Educação, orientadas poruma avalanche de aparatos legais (leis,decretos, portarias, resoluções) queatingem todos os aspectos dessas ins-tituições: os processos de avaliaçãoinstitucional, a gestão, a estrutura e ofuncionamento, os cursos e currículos,nas relações de trabalho. Tais mudan-

ças são orientadas pela centralização econtrole na direção da política e pelafalta de autonomia das instituições,pela fragmentação e diversificação, ali-geiramento, pela redução dos recursose sua racionalização, pela contenção eprecarização da política de pessoal(Batista, 2000).

A política adotada pelos estados pa-ra as universidades estaduais tambémse pauta pela lógica da esfera privada,com a implantação das universidadesno formato de Organizações Sociais(Tocantis e Paraná), previstas na refor-ma do Estado. Essas organizações, em-bora privadas, não seguem a lógica dolucro, típica das empresas privadas;embora públicas, no sentido de presta-rem serviços ao público, não são esta-tais. Nos interstícios entre a esfera pú-blica e a esfera privada, essas organiza-ções se inspiram no chamado TerceiroSetor, que se apresenta na forma deinúmeras Organizações Não Governa-mentais (ONGs) que vêm prestandoserviços típicos das políticas sociais es-tatais.

A universidade pública brasileiravem intensificando os contratos comempresas para o desenvolvimento depesquisas e cursos sob encomenda,voltados inteiramente para os interes-ses das empresas contratantes. O Bra-sil segue a mesma diretriz das univer-sidades americanas onde as empresasprivadas “doam” recursos para finan-ciar programas, exigindo como com-pensação a apropriação de todo o co-nhecimento gerado pelas pesquisas. 4

Os padrões de eficiência da admi-nistração privada influencia a avaliação

da educação, na qual prevalecem asidéias de eficácia de desempenho, me-dida pelos resultados estatítiscos, queservem de parâmetros de eficiência ecredibilidade e para estabelecer ran-king de instituições e cursos e para ori-entar a oferta e a procura por vagas noensino superior e caracterizar os “Cen-tros de Excelência”, como sinônimo deprodutivos e servem de ícones e vitri-nes para um modelo de universidadeque privilegia instituições e cursos quesão mais produtivas e que geram maisprodutos para a iniciativa privada. Co-mo diz Sevcenko (2000), a eficácia dedesempenho é medida em termos desucessos estatísticos, de capitais, pro-dutividade e visibilidade, todos conver-síveis em valores de marketing paraatrair novas parcerias, dotações einvestimento”.

As concepções privatistas e o entre-laçamento entre o privado e o públicoestão agora plasmadas e disseminadasno interior das instituições, configuran-do uma “privatização interna”, nas prá-ticas institucionais, dos docentes e fun-cionários que são decorrentes, de umlado, das políticas e programas gover-namentais e, de outro, são resultadodas representações sociais e simbóli-cas das pessoas que compõem a cha-mada comunidade universitária, querefletem as contradições, as práticas,as idéias, os interesses que compõemo universo da sociedade.

O processo de privatização internoda Universidade vem se implementan-do através de diversos mecanismos:

“a cobrança de taxas para a reali-zação de atividades de ensino e

A política adotada pelos estados para as universidades

estaduais também se pauta pela lógica da esfera privada,

com a implantação das universidades no formato de

Organizações Sociais.

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extensão; de convênios com empre-sas privadas para a realização depesquisas; da venda de serviços eprodutos produzidos pela Universi-dade; da cobrança de taxas; de alu-guel de imóveis, de dependênciascomo estádios e salas, para a reali-zação de atividades do interesse dacomunidade, no espaço da Universi-dade” (Batista, 2001:6).

Grande parte dos professores quetêm seu contrato de trabalho com dedi-cação exclusiva e que não poderiampor lei desenvolver nenhuma atividaderemunerada paralela, burlam esse dis-positivo e desenvolvimem outras ativi-dades fora da Universidade, mantêmconsultórios, escritórios, escolas, hospi-tais, ministram aulas em instituições pri-vadas de ensino superior, escolas, cursi-nhos preparatórios para os vestibulares.Além disso, promovem-se a venda deserviços, assessorias, consultorias e cur-sos, dentro da instituição universitária,muitas vezes utilizando-se da sua infra-estrutura. Muitas dessas atividades sãoencaradas sem nenhum constrangi-mento ético, antes são vistas comoforma de complementação salarial. Namaioria dos casos, o trabalho e o enga-jamento na instituição empregadoratornam-se secundária, um “bico”.

A lógica do custo benefício está pre-sente nos processos de avaliação (Pro-vão), cujos critérios são os empresa-riais; na redução de recursos com aimplantação de cursos de curta dura-ção (cursos seqüenciais); com o aligei-ramento especialmente dos cursos deformação de professores; cursos à dis-tancia, pela internet (unirede); cursossazonais, nas férias.

O mercado de educação via internetestá em expansão, organizado tantopor instituições públicas, quanto maisacentuadamente por empresas, quesomam cerca de 65 mil alunos e maisde 30 mil cursos online (Canudo pela

internet. Revista Isto é, 15/08/2001).As universidades públicas constituíramum consórcio de 68 instituições e pla-nejam desenvolver cursos voltados pa-ra a formação de professores, paraatender de forma rápida e com poucosgastos a exigência da Lei de Diretrizese Bases de 1996 de que todos os pro-fessores do ensino fundamental te-nham curso superior.5

A concepção de qualidade da edu-cação não é referenciada numa quali-dade social amparada nos anseios enecessidades dos setores sociais majo-ritários e excluídos da sociedade, masfundamenta-se qualidade total quepreza os princípios da eficiência e pro-dutividade.

O financiamento da pesquisa cientí-fica, nas IFES, é um sistema paralelo ediferenciado das verbas do MEC, é ori-undo de instituições governamentaisfinanciadoras, como CAPES, CNPQ, FA-PESP, é fragmentado, privilegia as áre-as geraram conhecimentos e tecnolo-gias que podem ser absorvidas pelasempresas.

“A confusão das fronteiras entreas universidades, os organismospúblicos de pesquisa e as empresasvisa erigir como norma a colocaçãodo Estado e do setor público a servi-ço do interesse privado. Todos osprojetos de reforma das instituiçõesuniversitárias ou de pesquisa visamalinhá-las com o ideal empresarialda grande empresa integrada, man-tendo parcerias contratuais múlti-plas. Sua outra função é redirecionarpessoal considerado não como umariqueza, mas como um encargo a ali-

viar ou rentabilizar.” (George e Gould,apud Cogiola, 2001:142-143).

Nessa prática de captação de recur-sos, desenvolvem-se, interpenetram-se as lógicas mercantis que subordi-nam as práticas acadêmicas aos inte-resses privados. Criam-se condições di-ferenciadas de trabalho e verdadeirascastas ou corporações de professoresque contam toda infraestrutura e meiosde trabalho, os recursos oriundos deempresas, agências financiadoras eoutras instituições privadas ou públi-cas que, embora destinadas ao traba-lho na universidade pública, são apro-priados de forma privada. (Pinheiro,1997:60).

Conclusões Pode-se observar que, nos diversos

governos, no decorrer das últimas dé-cadas deste século XX, uma identidadecomum nas propostas para o ensinosuperior, se caracteriza pela progressi-va desobrigação do poder público como financiamento e com a execução daeducação superior.

A estratégia privatizante traveste-sede uma ideologia modernizante quenão explicita os verdadeiros objetivos,mas estão, cada vez mais, se amplian-do, no interior das instituições, as idéi-as e práticas privatistas.

A realidade excludente desse nívelde ensino torna clara uma concepçãode que a educação superior não deveser uma política estatal de acesso uni-versal e de obrigação do poder públi-co. Pois, poucos estudantes têm aces-so às instituições públicas, que ofere-cem somente cerca de 33% das vagas

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

A concepção de qualidade da educação não é

referenciada numa qualidade social amparada nos

anseios e necessidades dos setores sociais majoritários

e excluídos da sociedade.

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e somente 3,8% dos milhões de estu-dantes brasileiros, em todos os níveisde ensino, chegam a um curso superior.

Entretanto, durante esse período,essa política sofreu reveses, avanços erecuos, em decorrência da resistênciado movimento docente organizado naANDES-SN, dos demais segmentos dacomunidade universitária e científica eda pressão da sociedade e de seusmovimentos sociais.

Notas1. Dra. em Sociologia, Professora do PPGE-

Programa de Pós-Graduação em Educação daUFPB.

2. Emprega-se a concepção de Gramscique compreende a sociedade civil como as-pecto fundamental da sociedade, relacionan-do-se intrinsecamente com o Estado, delesendo parte : “Podemos fixar dois grandes “-níveis” superestruturais: o primeiro pode serchamado de “sociedade civil”, isto é, o conjun-to dos organismos vulgarmente denominadosde “privados”; e, o segundo, de “sociedadepolítica” ou do “Estado”. Esses dois níveis cor-respondem, de um lado, à função de “hege-monia”, que o grupo dominante exerce emtoda a sociedade; e de outro, à “dominaçãodireta” ou ao comando que é exercido atra-vés do Estado e do governo “jurídico” (Grams-ci,1988:149).

3. Na verdade, em 1965, o relatório doconsultor Rodolph Atcon, convidado pelo go-verno militar, já continha muitas propostas eidéias que desde então fazem parte das pro-postas para o ensino superior no Brasil. (Ba-tista, Maria do Socorro Xavier. A reforma doEstado, a reforma da Universidade e o movi-mento docente: resistência e embate de pro-jetos. Tese de doutorado defendida no Pro-grama de Pós-Graduação em Sociologia daUniversidade Federal de Pernambuco, Agostode 2000).

4. Em novembro de 1998, a Universidadeda Califórnia, Berkeley, fechou um acordocom a empresa suíça Novartis: uma doaçãode 25 milhões de dólares foi concedida aoDepartamento de Microbiologia (Plant andMicrobial Biology). Em contrapartida, a grandepotência suíça da farmácia e da bio-tecnolo-gia recebeu da universidade pública o direitode se apropriar de até um terço das descober-tas feitas pelos pesquisadores do departa-mento (inclusive, as financiadas pelo Estado

da Califórnia ou pelo governo federal), assimcomo a concessão de negociar patentes dasinvenções decorrentes das pesquisas. Além

disso, a universidade concedeu à Novartis ocontrole de duas das cinco cadeiras da Comis-são de Pesquisa do Departamento, que tem atarefa de distribuir os fundos de pesquisa.(WARDE, Ibrahim. A vampirização mercantil.Disponível em:http://www.uol.com.br/carosa-migos/ 13/05/2001).

5. A UniRede criou o programa UniRedeProDocência com vistas propiciar a qualifica-ção e capacitação, entre 2002 e 2004, de 180mil professores. “O UniRede ProDocência con-tribuirá, assim, para atender à meta do PlanoNacional de Educação de formar aproximada-mente um milhão de professores até o ano de2006”. (http://www.unirede.br/licenciaturas).Já existem nove cursos de graduação de Pe-dagogia a Distância no país credenciados peloMEC. (http://www.unirede.br/infouni34). AUniversidade do Estado de Santa Catarina jáatinge 15 mil professores e a meta é atendertodos os 26 mil professores ainda não gradua-dos no estado. A Universidade Federal do Pa-raná vem atendendo a mais de mil alunos,todos professores na Educação Básica.

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

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Educação, Avaliação e Privatização

IntroduçãoO propósito deste estudo é refletiracerca de alguns temas possíveis parao debate sobre a associação entreensino, pesquisa e extensão e a novaconfiguração do ensino superiorbrasileiro.

A esse respeito, a políticagovernamental para a educaçãosuperior brasileira pode sercaracterizada, no que se refere àorganização universitária, como “lenta,gradual e segura”,1 em direção àruptura da indissociabilidade entreensino, pesquisa e extensão, expressano artigo 207, da Constituição de1988, da República Federativa doBrasil (CF/88). Seu objetivo central éa diversificação das instituições deensino superior brasileiras.

Os sucessivos Decretos relativos aesse ensino, que regulamentaram aLei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional de 1996 (Lei nº 9.394/96,LDB) são exemplos da condição men-cionada. Assim é que, no artigo 8º do

Decreto nº 3.860, de 9 de julho de2001, a questão da indissociabilidadenas universidades desapareceu da le-gislação educacional: “As universida-des caracterizam-se pela oferta regularde atividades de ensino, de pesquisa e

de extensão...” (grifos meus). Já os doisDecretos anteriores, nº 2.207 e nº 2.306(ambos de 1997) afirmavam que “asuniversidades, na forma do dispostono artigo 207 da Constituição Federal,caracterizam-se pela indissociabilida-

Ivetti Magnani *

Ensino, pesquisa, extensão e a nova tipologia doensino superior brasileiro

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de das atividades de ensino, de pes-quisa e de extensão...” (grifos meus).2

Esse tema merece reflexão. As aná-lises da Reforma do Estado Brasileiro edo atual projeto social vigente, a meuver, fornecem algumas pistas para en-tender o referido tema. Por enquanto,gostaria de deixar claro que este estu-do tem por finalidade analisar a ruptu-ra do princípio expresso no artigo 207,da CF/88, que afirma a indissociabilida-de entre o ensino, a pesquisa e a ex-tensão e o seu impacto na atual confi-guração do ensino superior brasileiro.

É oportuno assinalar que, do pontode vista histórico, as funções ensino,pesquisa e extensão foram contem-pladas (com status diferenciado) peloEstatuto das Universidades Brasilei-ras, de 1931, considerado por Mariade Lourdes Fávero o marco estruturalda concepção de universidade emnosso país.

A associação ensino-pesquisa só foiformalizada na Lei da Reforma Univer-sitária (Lei nº 5.540/68). Porém tal as-sociação não se concretizou, sendoque até se tornou senso comum, entreos que estudam o formato institucio-nal do ensino superior, o fato de que aexcepcionalidade se tornou regra, con-solidando-se o estabelecimento isola-do dessas atividades.

Cabe observar, também, a predomi-nância de estabelecimentos não-uni-versitários e a expansão do setor priva-do como duas características que têmprevalecido ao longo da história da edu-cação superior brasileira, porém comênfases diversas e em conjunturas dife-rentes. Assim é que o ensino superiorbrasileiro iniciou-se em 1808, por meiode estabelecimentos isolados, voltadosbasicamente para o ensino, não sendoa pesquisa sequer cogitada como umade suas funções. O modelo então ado-tado para o ensino superior foi o napo-leônico, justamente o da dissociaçãoentre ensino e pesquisa.

A esse respeito encontram-se váriostrabalhos como os de Eunice RibeiroDurham, Helena Sampaio, Luiz Anto-nio Cunha, entre outros. Por este moti-vo, não vou entrar em reiterações des-necessárias.

Nos tempos atuais, ao romper como princípio constitucional da indisso-ciabilidade entre ensino, pesquisa eextensão, num outro cenário e comnovas roupagens, foram dadas as con-dições para perenizar a desigualdade ea elitização do ensino superior, nosmarcos do neoliberalismo e da Refor-ma do Estado Brasileiro, ocasionandoum novo impacto na tipologia do ensi-no superior brasileiro.

O corolário dessa condição é a legi-timação de novas formas de discrimi-nação e exclusão social e a naturaliza-ção de uma espécie de darwinismosocial que vêm gerando uma cidada-nia de segunda classe, também via osegmento superior de ensino.

A LDB, os Decretos nº 2.207/97, nº 2.306/97, nº 3.860/01 e a nova configuração do ensino superior brasileiroA nova LDB reconfigurou a educa-

ção superior no Brasil, sendo depoisregulamentada no que diz respeito àorganização acadêmica desse nível deensino por meio de sucessivos Decre-tos - o 2.207/97, o 2.306/97, sendo omais recente e o que está vigorando, ode nº 3.860, de 9 de julho de 2001.

De acordo com esses Decretos, as

instituições do ensino, superior, quan-to à organização acadêmica, assim seclassificam: (Ver tabela abaixo)

Nesses três Decretos, quanto à tipo-logia anterior3, a nova figura é o CentroUniversitário, definido como instituiçãode ensino pluricurricular que se carac-teriza pela excelência do ensino ofere-cido, pela qualificação do seu corpodocente e pelas condições de trabalhoacadêmico oferecidas à comunidadeescolar.4

Os Centros Universitários poderãoreceber o privilégio da autonomia paracriar, organizar e extinguir, em sua se-de, cursos e programas de educaçãosuperior, remanejar ou ampliar vagasnos cursos existentes, além de outrasatribuições devidamente definidas noato de seu credenciamento.5

O que se constata nos Decretos nº2.207/97 e nº 2.306/97 é que os Cen-tros Universitários “abrangiam uma oumais áreas de conhecimento”, sendoque no Decreto nº 3860/01 esta con-dição foi suprimida, porém foi acres-centado o exame nacional de Cursos,instituído pela Lei nº 9.131/95 e co-nhecido como “provão”.

Comparando-se os três Decretos,verifica-se que o Decreto nº 3.860/01aglutinou as faculdades integradas, fa-culdades, institutos ou escolas supe-riores em um inciso (III), diferente-mente dos Decretos nº 2.207/97 e nº2.306/97 que as classificou em incisosseparados, como pode ser observadono quadro anterior. Apesar dessa cons-

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Educação, Avaliação e Privatização

DECRETOS

nº 2.207/97 nº 2.306/97 nº 3860/01Art. 4º Art. 8º Art. 7ºI - universidades I - universidades I - universidadesII - centros universitários II - centros universitários II - centros universitáriosIII - faculdades integradas III - faculdades integradas III - faculdades integradas,

faculdades, institutos ou escolas superiores

IV - faculdades IV - faculdadesV - institutos superiores ou escolas superiores

V - institutos superiores ou escolas superiores

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tatação, pode-se afirmar que não sedistinguem as faculdades integradasdas faculdades, institutos ou escolassuperiores. Segundo Luiz Antonio Cu-nha, no Brasil, essas instituições sem-pre foram tratadas como sinônimas.6

Com relação ao ensino, pesquisa eextensão e à configuração do ensinosuperior brasileiro, objeto deste estudo,os três Decretos estipulam que somen-te as universidades poderão desenvol-ver atividades de ensino, pesquisa eextensão, atendendo ao que dispõemos artigos 52, 53 e 54 da LDB. Quantoàs outras instituições, não consta dosDecretos a obrigatoriedade de desen-volverem atividades de pesquisa e ex-tensão. Além do mais, no Decreto nº3.860/01, não consta a indissociabili-dade do ensino, da pesquisa e da ex-tensão (referida anteriormente), pre-sente nos decretos anteriores.

A diferenciação dessas instituições,na qual estão embutidas concepçõesdistintas acerca da associação das ati-vidades de ensino, pesquisa e exten-são, traz consigo a idéia de elitização ede desigualdade, esta sempre presen-te na realidade educacional brasileira.Ou seja, ao definir novos estabeleci-mentos de ensino superior mediante aruptura do princípio constitucional daindissociabilidade entre ensino, pes-quisa e extensão, o Decreto nº 3.860/-01 aprofundou e pretendeu tornar irre-versível a configuração de instituiçõesde diferentes características, fixandopara muitas a preparação de profissio-nais (ensino) e para poucas a produ-ção de conhecimentos conjuntamentecom a preparação de profissionais (en-sino, pesquisa e extensão) 7.

A esse respeito, vale a pena citar aargumentação utilizada na conclusãodo livro Novas Faces da Educação Su-perior no Brasil: reforma do Estado emudança na produção, de João dosReis Silva Jr. e Valdemar Sguissardi. Pa-ra esses autores, o estudo das funções

ensino, pesquisa, extensão e seus des-dobramentos no atual formato institu-cional do ensino superior brasileiromostrou ser decorrente de um “proces-so de reformas no interior de um radi-cal movimento de transformações polí-tico-econômicas em nível mundial”. 8

Seguindo essa reflexão, torna-seimportante assinalar que, no exame daatual formatação institucional do ensi-no superior configurada pelo Decretoque está em vigor, o de nº 3.860/01,encontram-se fortes indicadores, nesteâmbito educacional, da presença derecomendações do Banco Mundial. Odocumento “La Enseñanza Superior:las lecciones derivadas de la experien-cia”, dirigido aos países em desenvolvi-mento, critica o modelo de investiga-ção da universidade européia, “por sercaro e pouco apropriado para satisfa-zer as múltiplas demandas do desen-volvimento econômico e social e asnecessidades de aprendizagem de umalunado diversificado”.9 O documentoprivilegia a maior diferenciação no en-sino superior mediante a implantaçãode instituições não-universitárias bemcomo maior ênfase nos estabeleci-mentos privados.10

Postulei o caráter elitista da atual ti-pologia das instituições do ensino su-perior exatamente por permitir a pou-cos a formação (produção de conheci-mentos e preparação profissional) emuniversidades plenamente constituí-das (as que contemplam as três fun-ções - ensino, pesquisa, extensão) e a“muitos” a formação (preparação pro-fissional) em instituições não-universi-tárias (voltadas exclusivamente para oensino). Não faz parte da formação de

qualquer profissão o caráter investiga-tivo?

Nessa linha de raciocínio, Claudio deMoura Castro, funcionário do BancoInteramericano de Desenvolvimento -BID, “apesar de não fazer parte do es-tafe administrativo [do governo Fernan-do Henrique Cardoso] é sem dúvida[formador] de opinião e tem expressa-do idéias indicadoras de posturas queo governo está adotando, ou pretendeadotar, atuando como ‘balões de en-saio’”,11 dividindo o ensino superior emquatro funções:

1) Formar elites, que são as pes-soas que pensam melhor, que vãoassumir a liderança ou que vão criti-car as lideranças. As instituições queoferecem esse ensino também serãoas produtoras de conhecimento, ouseja, terão pesquisa. Modelos: Har-vard, Princeton e Yale, nos EUA.

2) Formar profissionais, comodentistas, médicos, advogados, enge-nheiros. São áreas onde não dá paraoperar sem vencer uma linguagemprópria, que se adquire em um perío-do longo de aprendizagem específi-ca. Esse ensino tem necessidade deprofessores com experiência profis-sional, o que colide com a políticabrasileira de impedir que profissio-nais sejam professores universitáriosde primeira grandeza.

3) Formar técnicos. É semelhanteà profissional mas trata-se de áreasque “subiram o morro”. São práticas,com linguagem própria, mas queantes eram aprendidas no nívelsecundário. Exemplo: contadores,técnicos em eletrônica, fisioterapeu-tas. Como o ensino profissional, este

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Educação, Avaliação e Privatização

Os projetos sociais dominantes, ao longo da história

do ensino superior brasileiro, mostraram o caráter

elitista desse nível de ensino.

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deve ter laços estreitos com o merca-do de trabalho - as empresas têmque interferir nesse ensino. Mas é deduração bem mais curta.

4) Formar pessoas com uma edu-cação geral, não essencialmente vol-tada para uma única profissão. Osexemplos são os cursos denomina-dos nos EUA como “liberal arts”(artesliberais). É a área que exige menosinvestimento.” 12

Como se observa, a não ser para oque é denominada de quarta função,as restantes são comparáveis ao esti-pulado pelo Decreto nº 3.860/01. Pos-to dessa forma, pode-se inferir que asuniversidades plenamente constituí-das estão voltadas para a elite, comoafirma Claudio Moura Castro, com re-lação à primeira função? Além domais, verifica-se que o critério diferen-ciador entre a três primeiras funções éa presença da pesquisa. Quais serãoos mecanismos ou critérios adotadospara os que vão freqüentar as institui-ções da primeira função? Seriam crité-rios meritocráticos, com forte ênfaseindividual, para as pessoas “inteligen-tes” a melhor formação, que em es-sência ocultam a profunda desigualda-de social das sociedades capitalistas?Enfim, a argumentação empregada nareportagem consagra a naturalizaçãode uma espécie de darwinismo social,expressa no corolário deste estudo.

Com efeito, os projetos sociais do-minantes, ao longo da história do ensi-no superior brasileiro, mostraram o ca-ráter elitista desse nível de ensino. As-sim é que, analisando-se o ensino su-perior brasileiro do ponto de vista his-tórico, verifica-se a presença do elitis-mo, na construção desse ensino, des-de a sua criação no século XIX. Esse ca-ráter elitista manifestou-se de diferen-tes formas: na própria legislação, naoferta limitada de vagas, na forma difi-cultada de acesso, na diferenciação deinstituições (públicas e particulares,

estas voltadas quase exclusivamentepara o lucro), entre outras.

Sem dúvida, cabe assinalar, no quediz respeito à educação em geral e aoensino superior em particular, que ossetores contra-hegemônicos tambémformularam seus projetos. Porém, es-tes nunca conseguiram ultrapassar asbarreiras impostas pelo setor hegemô-nico. Exemplo disso é a reforma univer-sitária de 1968, que contemplou, masdescaracterizando, algumas reivindica-ções de professores e estudantes quese mobilizaram, desde o início dos anos60, para reestruturar a universidade bra-sileira.

Ainda para exemplificar, acerca daspropostas alternativas de setores orga-nizados no interior do ensino superior,como o dos docentes, em julho de1996, foi aprovada, no XXXII ConselhoNacional das Associações de Docentes- CONAD, a Proposta da ANDES/SN(Associação Nacional de Docentes doEnsino Superior/Sindicato Nacional)para a Universidade Brasileira. A indis-sociabilidade entre ensino, pesquisa eextensão é um dos princípios que fun-damentam o padrão unitário de quali-dade estipulado por essa proposta.Assim é que:

O princípio da indissociabilidade entre oensino, pesquisa e extensão reflete umconceito de qualidade do trabalho aca-dêmico que favorece a aproximação en-tre universidade e sociedade, a auto-re-flexão crítica, a emancipação teórica eprática dos estudantese o significado so-cial do trabalho acadêmico. A concretiza-ção desseprincípio supõe a realização deprojetos coletivos de trabalho que se re-ferenciam na avaliação institucional.13

Cabe lembrar que a Associação Na-cional de Docentes do Ensino Superior- Sindicato Nacional - ANDES/SN, ma-nifestou-se contrária à nova Lei de Di-retrizes e Bases da Educação Nacional,bem como à ruptura do princípio cons-titucional da indissociabilidade entreensino, pesquisa e extensão.

O Projeto neoliberal e a Reforma do EstadoNo caso brasileiro, constata-se a

presença do projeto neoliberal, sobre-tudo, desde o início dos anos 90, como governo do presidente FernandoCollor de Mello. Com efeito, é com eleque tem início o processo de aberturada economia ao mercado internacio-nal via redução das barreiras alfande-gárias. O programa de privatização ede desmonte do Estado faz parte daagenda Collor, como pré-condição pa-ra o combate da inflação. Outras medi-das foram tomadas no sentido do pro-jeto neoliberal. É no seu governo queé lançado o programa de reestrutura-ção produtiva, enfatizando-se a gestãopela qualidade e pela produtividade.

O governo do presidente FernandoHenrique Cardoso mantém a mesmaagenda: acabar com a inflação, privati-zar, reformar a Constituição para flexi-bilizar as relações entre o Estado e asociedade, bem como as relações en-tre capital e trabalho. Tal agenda, po-de-se afirmar, vai ao encontro das pro-postas neoliberais preconizadas peloConsenso de Washington.14

Tendo em vista o projeto neoliberal,já mencionado, merecem ser destaca-dos os mecanismos criados pelo ajus-te governamental, considerando o ob-jeto deste estudo. Os mecanismos sãobasicamente quatro:

* desregulamentação das relações sociais;

* privatização;* descentralização das atividades an

tes desempenhadas pelo Estado;* concentração dos mecanismos de

controle.15

Segundo Mauro Augusto Del Pino,esses quatro mecanismos “podem serperfeitamente encontrados em plenofuncionamento não só nas sociedadesem que o projeto neoliberal já se en-contra em fase adiantada de implanta-ção mas também, de forma evidente,

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na sociedade brasileira.”16

A desregulamentação implica a ex-tinção dos direitos sociais expressos naConstituição de 1988, que vai atingir asaúde, a educação e a previdência so-cial. Para isso, está em curso a Reformado Estado, implementada pelo presi-dente Fernando Henrique Cardoso,desde o seu primeiro mandato.

A privatização já atingiu, entre ou-tros, a telefonia, a Companhia Vale doRio Doce, a Embratel, a Companhia Si-derúrgica Nacional, a Embraer, o Portode Santos- Terminal.17 Um dos efeitosmais imediatos dessa política é a per-da da capacidade do Estado de esta-belecer políticas nesses setores. O Es-tado deixa de ser o agente reguladordessas políticas, restando apenas omercado.18

A descentralização consiste emtransferir para outros setores, especial-mente particulares, o que antes eradesenvolvido pelo Estado.

Por fim, a concentração dos meca-nismos de controle. Neste mecanismo,“o Estado e as classes dirigentes nãose atrevem a entregar ao mercado, pe-lo menos neste momento inicial, a re-gulação de certos procedimentos es-senciais à implementação e à reprodu-ção do ideário neoliberal.”19 Exemplodesse mecanismo é a Lei nº 9.131/95,que trata nos sete parágrafos do artigo3º e no artigo 4º, do exame nacionaldos Cursos de graduação, pois o MEC(Ministério da Educação) controla asavaliações. Para garantir esse controle,o referido exame foi incorporado aoDecreto nº 3.860/01, o mais recenteque regulamenta o ensino superiorbrasileiro.

O que se pode esperar do ajusteneoliberal em relação ao ensino supe-rior? Para responder a essa questão,vale a pena citar Miriam Limoeiro Car-doso:

A política neoliberal para educação,ciência e tecnologia propõe redução drás-tica de recursos para o setor, privatizaçãogeneralizada e acelerada, aplicação deótica privada no funcionamento do setorpúblico, elitização e forte hierarquizaçãodo sistema escolar e de pesquisa, redun-dando em sensível rebaixamento educa-cional e cultural fora dos poucos centrosconsiderados e tratados como de exce-lência. Como a educação é para os neoli-berais não um direito e sim um investi-mento que, portanto precisa ser avaliadopelo retorno que oferece, no sistemacomum, não de excelência, as áreas ava-liadas como de baixo retorno tendem aser reduzidas e mesmo extintas. No geral,a educação se torna mais pragmática emais técnica, com redução do espaço edo tempo para o exercício da crítica e oaprofundamento das questões, afetandonegativamente toda a produção do saber.Na verdade, a quantidade e a qualidadeda educação oferecida dependem dasdemandas, pressões e contra-pressõesno mercado, por um lado (econômico) edo nível e do exercício efetivo da cidada-nia (político-ideológico), só que com apolítica neoliberal este tende a tornar-semuito restrito.20

Um dos mecanismos do ajuste neo-liberal examinados anteriormente refe-re-se à desregulamentação das rela-ções sociais, fazendo parte deste me-canismo a Reforma do Estado. Postaneste termos, a Reforma do Estado éparte integrante do ajuste neoliberal,implicando esta condição todas as con-seqüências apontadas anteriormentepara a educação em geral e para o en-sino superior em particular.

Além do mais, a descentralizaçãoenquanto mecanismo de ajuste neoli-

beral também deve ser considerada porse constituir uma das metas da Refor-ma do Estado.

A análise dos principais documen-tos referentes à Reforma do Estado,empreendida pelo Ministério da Admi-nistração Federal e Reforma do Estado(MARE, extinto em 1º de janeiro de1998) e acompanhada de perto peloMinistério da Educação, fornece pistaspara o entendimento da hipótese dopresente estudo.

Essa Reforma no primeiro mandatodo presidente Fernando Henrique Car-doso, foi comandada pelo MARE, capi-taneada à época, por Luiz Carlos Bres-ser Pereira, explicação necessária, poisa Reforma tem a marca de sua con-cepção de Estado.

Para Bresser Pereira, o conceito Es-tado está relacionado ao aparelho deEstado, à organização estatal democrá-tica e ao sistema legal que lhe dá cons-tituição. A Reforma proposta é, pois,Reforma do Aparelho de Estado.

Tomando-se por base as duas gran-des metas da reforma do aparelho doEstado, a flexibilização e a descentrali-zação, seria oportuno retomar os prin-cípios condizentes com essas metas.Assim é que, em nome da flexibiliza-ção, está postulada a eliminação doregime jurídico único, do concurso pú-blico e da dedicação exclusiva para oexercício da docência, favorecendocontratos mais ágeis e econômicos,como os “temporários”, “precários” eoutros mecanismos já em vigor.

Um outro ponto central quando aquestão é flexibilizar, no âmbito do en-sino superior brasileiro, encaminha-seno sentido de aceitar e promover a di-versificação das instituições, mediantea flexibilização do princípio constitu-cional da indissociabilidade do ensino,da pesquisa e da extensão.

Por fim, nessa linha de raciocínio,um dos aspectos que merece ser des-tacado na proposta da Reforma do

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Educação, Avaliação e Privatização

A desregulamentação implica a extinção dos direitos sociais

expressos na Constituição de 1988, que vai atingir a saúde,

a educação e a previdência social.

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Aparelho do Estado, é o referente à ad-ministração pública gerencial, pois éaqui que vamos encontrar, como umde seus princípios, a flexibilização, ca-tegoria importante para o entendi-mento da ruptura do princípio consti-tucional da indissociabilidade entre oensino, pesquisa e extensão, incorpo-rada ao mais recente Decreto que re-gulamenta o ensino superior, o de nº3.860/01. A supressão do termo indis-sociabilidade, nesse Decreto, pode serconsiderada expressão da política edu-cacional brasileira, apontada na intro-dução do presente trabalho, do meca-nismo “lento, gradual e seguro”, naatual tipologia do ensino superior bra-sileiro, no que concerne à organizaçãoacadêmica.

Considerações finaisNos marcos do neoliberalismo, a

educação (e, no caso específico, o en-sino superior) subordinada apenas àsregras do mercado, terá conseqüên-cias na esfera dos direitos sociais, poisdeixará de ser considerada tambémcomo um investimento social; na esfe-ra do conhecimento, reduzindo-se otempo necessário para reflexão, críticae aprofundamento do saber, resultaem uma filosofia utilitarista e uma con-cepção fragmentária do conhecimen-to, concebido como mercadoria. Regu-lada pelo mercado, a educação tendea se elitizar e hierarquizar ainda mais,privilegiando os centros de excelênciavoltados às elites e aceitando a desi-gualdade como norma. Tais concep-ções questionam a noção de cidada-nia, atribuindo-lhe novo significado.Não se trata mais de cidadão, mas decliente, e é significativo encontrar, nosdocumentos oficiais referentes à Re-forma do Estado, que examinei, a ex-pressão cidadão-cliente, que é, a meuver, contraditória em seus próprios ter-mos. Em outras palavras, “o neolibera-lismo precisa, em primeiro lugar, ain-

da que não unicamente, despolitizar aeducação, dando-lhe um novo signifi-cado como mercadoria para garantir,assim, o triunfo de suas estratégiasmercantilizantes e o necessário con-senso em torno delas”.21

A categoria flexibilização diz respei-to a muitos aspectos, mas o pontocentral para o presente estudo enca-minha-se no sentido de aceitar e pro-mover uma diversificação das institui-ções, mediante a flexibilização doprincípio constitucional da indissocia-bilidade do ensino, da pesquisa e daextensão. No Decreto nº 3.860/01, aindissociabilidade foi suprimida ten-tando romper o mencionado princípioconstitucional.

Constata-se, então, que a flexibiliza-ção faz parte da Reforma do Aparelhode Estado, proposta por Bresser Perei-ra, sendo o seu impacto mais evidentea negação do que Marilena Chauí de-nomina de especificidade da ação uni-versitária: o ensino e a pesquisa, cons-tituindo-se, portanto, uma hierarquiza-ção na configuração do ensino supe-rior brasileiro, estabelecendo para mui-tas instituições a preparação de profis-sionais (ensino) e para poucas a produ-ção de novos conhecimentos conjunta-mente com a preparação de profissio-nais (ensino, pesquisa, extensão).

A tipologia do ensino superior brasi-leiro, a partir da reforma desse nível deensino delineada pela LDB/96 e regu-lamentada pelo Decreto nº 3.860/01,anuncia novos cenários e novos atores,mudou mas continua o mesmo, ou se-ja, constata-se a prevalência do caráterelitista presente desde os primórdiosda criação do ensino superior brasilei-ro, no século XIX.

Notas1. Vale lembrar que essa expressão foi uti-

lizada pela ditadura militar, instalada no Brasilem 1964, para configurar a transição parauma “suposta” democracia. Iniciada em 1974,sob a direção do General Ernesto Geisel. Essa

transição se instala com uma política de “dis-tensão lenta, gradual e segura”. Refiro-me à“suposta” democracia porque a consolidaçãoda democracia, em países latino-americanos,ocorre em contextos de profunda desigualda-de social, levando Pablo Gentili a afirmarque...”[nesses contextos] a democracia [seria]possível somente se ela [fosse] de ‘novo tipo’(delegativa, controlada, tutelada, etc), ele-mento este último que não [ofereceria] me-nos evidências ao fato de que a democracia,no contexto de um profundo e crescente apar-theid social, nunca [tenderia] a consolidar-se,nem suas instituições públicas a ampliar-se ouestender-se”. (GENTILI, 1994, p. 120).

2. O Decreto nº 2.207/97 foi revogado peloDecreto nº 2.306/97 e este, por sua vez, foi re-vogado pelo Decreto nº 3.860/01.

3. A tipologia das instituições de ensino su-perior, instituída pela Lei nº 5.540, de 28 denovembro de 1968, apresentava a seguinteconfiguração: 1. universidades; 2. federaçãode escolas, caracterizada por uma congrega-ção de estabelecimentos isolados de umamesma localidade ou de localidades próximasou escolas integradas, variantes de federação,compostas por associações de estabelecimen-tos isolados pertencentes à mesma entidademantenedora e 3. estabelecimentos isolados(Cf. DUARTE, 1984; CARVALHO, 1975, v. II).

4. Art. 6º do Decreto nº 2.207/97; art. 12do Decreto nº 2.306/97 e art. 11 do Decretonº 3.860/01.

5. Artigo 12 do Decreto nº 2.306/97, §§ 1ºe 2º; artigo 11, §§ 1º e 2º, do Decreto nº3.860/01. No parágrafo primeiro do artigo 6ºdo Decreto 2.207/97 não constava a possibili-dade de “remanejar ou ampliar vagas noscursos existentes”.

6 Luiz Antonio CUNHA, Cadernos dePesquisa, nº 101, jul. 1997a, p. 26.

7. Sigo aqui as considerações de DeiseMANCEBO sobre o Decreto nº 2.306/97, de-senvolvidas em seu texto “Políticas para aeducação superior e cultura universitária: oexercício da solidão no ideário neoliberal”.ANPEd, XX Reunião Anual. Caxambu/MG,1998.

8. p. 2719. BANCO MUNDIAL, 1995, p.3110. Ao analisar as políticas para o ensino

superior, Luiz Antonio Cunha argumenta quea “lógica intrínseca da reforma do ensino su-perior, empreendida no triênio 1995-1997, re-vela a presença de certas recomendações nosrelatórios do Banco Mundial, assim como re-flete o protagonismo de grupos internos que

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buscam valorizar suas propostas mediante oendosso político de agências internacionais,importantes não apenas devido ao poder fi-nanceiro que representam, como também pe-lo valor simbólico que tais propostas osten-tam depois de consagradas pelo agente exter-no” (1997b, p. 57-8).

11. Maria Aparecida Segatto MURANAKA eCésar Augusto MINTO. O capítulo “Da Edu-cação Superior” na LDB - uma análise. Uni-versidade e Sociedade, nº 15, fev. 1998, p. 67.

12. Folha de São Paulo, 2 set. 1996, Cader-no 3, p. 10

13. Cadernos ANDES, nº 2. Edição especial,atualizada e revisada Proposta da ANDES/SNpara a Universidade Brasileira, 1996, p. 17. Aprimeira versão da proposta da ANDES datade 1982. Em julho de 1986, foi aprovada ou-tra no Conselho Nacional das Associações deDocentes - CONAD, A Proposta das ADs (Asso-ciações de Docentes) e da ANDES (AssociaçãoNacional de Docentes do Ensino Superior)para a Universidade Brasileira. A atual Propos-ta é uma versão atualizada desta última.

14. Consultar a esse respeito: TEIXEIRA,1996, p. 52 e SILVA JR. e SGUISSARDI, 1999, p.78. O Consenso de Washington remonta anovembro de 1989, quando funcionários dogoverno norte-americano e dos organismosfinanceiros internacionais como o FMI, BancoMundial, BID se reuniram, na capital dos Es-tados Unidos, para fazer uma avaliação dasreformas econômicas conhecidas como oConsenso de Washington. Suas propostasabrangeram dez áreas: 1. Disciplina fiscal; 2.Priorização dos gastos públicos; 3. Reforma tri-butária; 4. Liberalização financeira; 5. Regimecambial; 6. Liberalização comercial; 7. Inves-timento direto estrangeiro; 8. Privatização; 9.Desregulação; 10. Propriedade intelectual. Es-sas propostas podem ser resumidas em emdois pontos básicos: a) redução do tamanhodo Estado, e b) abertura da economia.

15. Baseei-me em Mauro Augusto DELPINO. Consultar Neoliberalismo, Crise e Edu-cação. Universidade e Sociedade, nº 10, jan.1996, p. 75-81.

16. Ibidem, p.79.17. Consultar a respeito Aloysio BIONDI. O

Brasil Privatizado: um balanço do desmontedo Estado.

18. Mauro Augusto DEL PINO, p. 79, grifomeu.

19. Ibidem, p. 79.20. Reflexões sobre ética e construção do

conhecimento, 1994, p. 24-5, grifos meus.21. GENTILI, P., p. 244-5, grifos meus.

Referências BibliográficasANDES/SINDICATO NACIONAL, Cadernos

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* Ivetti Magnani é Doutora em Educaçãopela USP. É professora do Curso de Pedago-gia e do Programa de Pós-Graduação LatoSensu do UNIFAI (Centro Universitário As-sunção).

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Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 93

Educação, Avaliação e Privatização

Nicholas Davies *

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

A relação a seguir pretende ser a mais abrangente e pre-cisa possível, compilada inicialmente a partir das informa-ções no Prolei (Programa de Legislação Integrada), constan-te da página do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pes-quisas Educacionais - http://www.inep.gov.br), que, emboraapresentassem lacunas e até erros, foram conferidas e reti-ficadas (quando cabível) mediante consulta ao periódicomensal Lex, especializado em sistematização da legislaçãofederal, encontrável em boas bibliotecas de Faculdades deDireito e de Tribunais de Justiça e também consultável nasua página na Internet: http://www.lexeditora.com.br. A me-lhor fonte (para leis, decretos e medidas provisórias) é aPresidência da República, cujo endereço eletrônico (http:-//www.planalto.gov.br) relaciona, no item “base referencialda legislação brasileira”, a legislação por assunto, facilitando

Legislação educacional federal- um início de sistematização

Nos últimos anos, a legislação educacional federalmudou bastante e freqüentemente ficamos sem sabera lei, decreto, resolução ou qualquer outro documentolegal em vigor num determinado momento. A listagema seguir foi pensada justamente para preencher estalacuna de sistematização dessa legislação, em nível federal. Obviamente, conforme o caso, será também necessário consultar a legislação estadual ou municipal em vigor, se a consulta se referir a algum aspecto que dependa também de normatização pelos sistemas estaduais e/ou municipais de ensino. Vale lembrar que parte da legislação listada a seguir pode já não estar em vigorno momento dessa publicação e, por isso, será muitas vezes preciso a consulta a mais de um item da legislação, pois uma lei, resolução, portaria pode ser parcial ou inteiramente revogada.

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enormemente a consulta. Também nos baseamos na lista-gem de pareceres e resoluções contida na página do Con-selho Nacional de Educação (CNE) (http://www.mec.gov.br).A íntegra de muitos ou todos os documentos listados abai-xo pode ser obtida em uma das seguintes fontes: (1) pági-nas do Inep (Prolei) e do MEC (nesta só as resoluções epareceres do CNE) na Internet, (2) periódico Documenta,editado pelo CNE, (3) Diário Oficial da União (D.O.U.), (4)periódico Lex (que não publica os pareceres do CNE), (5)endereço eletrônico http://www.planalto.gov.br, da Presi-dência da República. A grande vantagem do periódico Lex éque costuma publicar a legislação com as correções deerros ou omissões porventura existentes na primeira publi-cação no D.O.U., falhas essas que ocorrem com relativa fre-qüência, bem como menciona a legislação revogada ou al-terada. A desvantagem do Lex é de, por não ser órgão ofi-cial, a legislação nele publicada não ter validade jurídica.Além disso, ele só costuma estar disponível nas bibliotecasalguns meses depois da legislação ser publicada no D.O.U.Para informações sobre legislação bem recente (últimas se-manas), a melhor fonte é o D.O.U. (www.in.gov.br) ou o sitehttp://www.planalto.gov.br.

Vale lembrar que a listagem a seguir não pretende sercompleta, pois, além de outras fontes não pesquisadas pornós, existe legislação que, embora não faça referência explí-cita à educação, tem efeitos sobre ela. Um exemplo de fontenão pesquisada é o Ministério do Trabalho e seus vários ór-gãos, que editam portarias, resoluções e documentos ou-tros sobre a educação técnica e/ou profissional. Outra fonteé o Conselho Nacional de Assistência Social, que concedecertificados de filantropia a entidades educacionais priva-das. Um exemplo de legislação sem referência explícita àeducação escolar porém com efeitos sobre ela são as váriasEmendas Constitucionais (EC) promulgadas desde 1988,como a EC de Revisão 1, de 1994 (que criou o Fundo Socialde Emergência), a EC 10, de 1996 (que prorrogou, com alte-rações, a EC de Revisão 1), a EC 17, de 1997 (que prorrogoua EC 10), e a EC 27, de março de 2000, que mantém, comalterações, a EC 17, desvinculando 20% dos impostos fede-rais da educação. Um outro exemplo é a Lei 9.846, de outu-bro de 1999, prevendo o ressarcimento parcial, através deempréstimos federais, das perdas dos governos estaduaiscom o Fundef em 1998, 1999 e 2000. Quando encontramosno periódico Lex informação de legislação relativa à educa-ção, ainda que parcial, procuramos incluí-la. É o caso da Lei9.786, que trata do ensino no Exército brasileiro, e da Lei9.998, que prevê recursos do Fundo de Universalização dosServiços de Telecomunicações para as escolas públicas.Cabe lembrar que os conselhos profissionais (de Medicina,

Odontologia, Engenharia, OAB etc.) também editam normasrelativas ao ensino de sua especialidade, cuja inclusão aquinão pretende ser completa e objetiva principalmente cha-mar a atenção dos educadores para órgãos que, emboranão façam parte dos sistemas de ensino, influenciam asnormas educacionais.

A propósito do Prolei, é preciso certa cautela nas infor-mações nele contidas, pois, além de erros, se mostra bas-tante desatualizado (em dezembro de 2001 só continhainformações sobre legislação de fevereiro de 2001) e apre-senta omissões inaceitáveis. Por exemplo, fazendo a consul-ta pela palavra-chave “salário-educação”, constatamos a nãoinclusão de três documentos importantes na listagem: aEmenda Constitucional 14, a Lei 9.424 (que regulamentouo Fundef) e o Decreto 3.142, de 16/8/1999. Também é pre-ciso certa cautela com a página do Conselho Nacional deEducação (dentro da página do MEC), que não estava, emmeados de dezembro de 2001, tão atualizada nas informa-ções sobre seus pareceres e resoluções quanto a página daAssociação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior(http://www.abmes.org.br). Deve-se prestar muito cuidadotambém na consulta ao periódico Lex, pois ele não procuraabarcar toda a legislação educacional dentro de um únicoverbete - educação - e a distribui por verbetes como ensino,fundos, programas (merenda, por exemplo), Ministério daEducação, salário-educação, sem remeter uns aos outros.

Os documentos listados aqui compreendem artigos daCF de 1988, as ECs 11 e 14, leis, decretos, medidas provisó-rias relacionadas à educação (com os números das suasedições anteriores), portarias, instruções e resoluções doMEC, interministeriais e de órgãos subordinados (INEP,FNDE, CAPES), pareceres e resoluções do CNE e abrangemquase que exclusivamente o período de 1995 aos últimosmeses de 2001 em que foi possível conseguir informaçãosobre a legislação, com um ou outro documento de anosanteriores a 1995 que constava da página do Prolei. Valelembrar que só são listados aqui os pareceres do CNE deinteresse mais geral, omitindo-se os específicos (autoriza-ção e reconhecimento de cursos, por exemplo), cujos deta-lhes devem ser obtidos no D.O.U. ou em Documenta. Quan-to à apresentação da legislação, segue o critério de ordemcronológica decrescente, ou seja, da mais recente para amais antiga. Quando as informações da ementa sobre alegislação não eram claras sobre o seu conteúdo, procura-mos resumi-lo entre parênteses. Sempre que possível, indi-camos quando uma legislação foi alterada ou revogada poroutra posterior. No caso das portarias, muitas não foramincluídas por terem vigência ou alcance limitado, como asque estipulam ou prorrogam prazos ou se referem a dota-

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Educação, Avaliação e Privatização

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ções orçamentárias. Para simplificação, indicamos a seguiras principais siglas usadas aqui. CAPES (Comissão de Aper-feiçoamento de Pessoal do Ensino Superior), CNE (Conse-lho Nacional de Educação), D.O.U. (Diário Oficial da União),FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do EnsinoSuperior), FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento daEducação), IES (Instituições de Ensino Superior), INEP (Ins-tituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), MEC(Ministério da Educação e Desporto), SESu (Secretaria deEducação Superior), do MEC.

1- Constituição Federal (CF)Arts. 205 a 214 (Título VIII, Capítulo III, Seção I) e Arts. 60 e 61

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CFde 1988.

2- Emendas Constitucionais (EC)EC 14, de 12/9/96 - Modifica os art. 34, 208, 211 e 212 da CF e

dá nova redação ao art. 60 do ADCT (cria o Fundo de Manutençãoe Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização doMagistério, o Fundef).

EC 11, de 30/4/96 - Permite a admissão de professores, técnicose cientistas estrangeiros pelas universidades brasileiras e concedeautonomia às instituições de pesquisa científica e tecnológica.

3- Leis10.328, de 12/12/01 - Introduz a palavra “obrigatório” após a

expressão “curricular” constante do § 3º do art. 26 da LDB (Educa-ção Física é tornada componente curricular obrigatório).

10.302, de 31/10/01 - Vencimentos dos servidores das institui-ções federais de ensino superior.

10.287, de 20/9/01 - Nova redação do art. 12 da Lei 9.394. (No-tificação ao Conselho Tutelar municipal da relação de alunos comíndice de faltas superior a 50%)

10.269, de 29/8/01 - Nova denominação para o INEP.10.260, de 12/7/01 - Dispõe sobre o FIES e dá outras providên-

cias.10.219, de 11/4/01 - Cria o Programa Nacional de Renda Míni-

ma vinculada à educação - “Bolsa Escola”, e dá outras providências.10.207, de 23/3/01 - Renegociação de dívidas no âmbito do

Programa de Crédito Educativo, e outras providências. 10.197, de 14/2/01 - Acresce dispositivos ao Decreto Lei 719, de

31/7/69, para dispor sobre o financiamento a projetos de implanta-ção e recuperação de infra-estrutura de pesquisa nas instituiçõespúblicas de ensino superior e de pesquisa, e dá outras providências.

10.187, de 12/2/01 - Institui a Gratificação de Incentivo à Docên-cia e dá outras providências.

10.172, de 9/1/01 - Aprova o Plano Nacional de Educação e dáoutras providências.

10.168, de 29/12/00 - Institui contribuição de intervenção dedomínio econômico destinada a financiar o Programa de Estímuloà interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, e dáoutras providências.

9.998, de 17/8/00 - Institui o Fundo de Universalização dos Ser-viços de Telecomunicações.

9.870, de 23/11/99 - Dispõe sobre o valor total das anuidadesescolares, e dá outras providências.

9.849, de 26/10/99 - Altera artigos da Lei 8745/93. Contrataçãopor tempo determinado para atender necessidade temporária. In-clui contratação de professores substitutos.

9.846, de 26/10/99 - Critérios para a concessão de empréstimo,pela União, aos Estados e ao Distrito Federal, destinado ao ressar-cimento parcial das perdas decorrentes da aplicação da Lei 9.424,de 24/12/96 (Fundef).

9.795, de 27/4/99 - Dispõe sobre a educação ambiental, instituia Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências.

9.790, de 23/399 - Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurí-dicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações daSociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina a parceria.

9.786, de 8/2/99 - Dispõe sobre o ensino no Exército brasileiroe dá outras providências.

9.766, de 18/12/98 - Altera a legislação que rege o salário-edu-cação e dá outras providências (Resultante da MP 1607-24, de19/11/98).

9.732, de 11/12/98 - Altera dispositivos das Leis 8.212 e 8.213,ambas de 24/7/91, da Lei 9.317, de 5/12/96, cancelando a isençãode contribuições para a seguridade social de entidades educacio-nais sem fins lucrativos.

9.678, de 3/7/98 - Institui a Gratificação de Estímulo à Docênciano Magistério Superior (GED) e dá outras providências.

9.640, de 25/5/98 - Número de cargos de direção e funçõesgratificadas das Instituições Federais de Ensino Superior dos Cen-tros Federais de Educação Tecnológica, das Escolas AgrotécnicasFederais, das Escolas Técnicas Federais, das Instituições Federais deEnsino Militar, e dá outras providências.

9.536, de 11/12/97 - Regulamenta o parágrafo único do art. 49da LDB (transferências ex officio).

9.533, de 10/12/97 - Autorização para o Poder Executivo conce-der apoio financeiro aos municípios que instituírem programas degarantia de renda mínima associados a ações sócio-educativas.

9.532, de 10/12/97 - Alteração legislação tributária federal (so-bre isenção fiscal de entidades educacionais privadas e outras)(Resultante da MP 1602, de 14/11/97).

9.515, de 20/11/97 - Admissão de professores, técnicos e cien-tistas estrangeiros pelas universidades e instituições de pesquisacientífica e tecnológica federais.

9.475, de 22/7/97 - Nova redação ao art. 33 da LDB (dispõe so-bre o ensino religioso no ensino fundamental público).

9.448, de 14/3/97 - Transforma o INEP em autarquia. RevogaDecreto-Lei 580, de 30/7/38.

9.424, de 24/12/96 - Dispõe sobre o Fundef, na forma previstano art. 60, § 7º do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Tran-sitórias), e dá outras providências.

9.288, de 1/7/96 - Altera dispositivos da Lei 8.436, de 25/6/92,que institucionaliza o Programa de Crédito Educativo para estudan-tes carentes.

9.192, de 21/12/95 - Altera dispositivos da Lei 5.540, de 28/11-/68, que regulamentam o processo de escolha dos dirigentes uni-versitários, e revoga as Leis 6.420/77 e 7.177/83.

9.131, de 24/11/95 - Altera dispositivos da Lei 4.024, de 20/12-/61, e dá outras providências (Cria o Conselho Nacional de Edu-cação e institui os Exames Nacionais de Curso, vulgo “Provão”)

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 95UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Educação, Avaliação e Privatização

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9.045, de 18/5/95 - Autorizao MEC e o Ministério da Culturaa disciplinarem a obrigatorieda-de de reprodução, pelas editorasde todo o País, em regime deproporcionalidade, de obras emcaracteres “braille”, e a permitir areprodução, sem finalidade lu-crativa, de obras já divulgadaspara uso exclusivo de cego.

8.978, de 9/1/95 - Constru-ção de creches em conjuntos re-sidenciais financiados pelo SFH(Sistema Financeiro da Habita-ção).

8.958, de 20/12/94 - Relações entre as instituições federais deensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as funda-ções de apoio, e outras providências.

8.948, de 8/12/94 - Instituição do Sistema Nacional de Educa-ção Tecnológica.

8.436, de 25/6/92 - Institucionaliza o Programa de Crédito Edu-cativo para estudantes carentes.

8.170, de 17/1/91 - Regras para a negociação de reajustes dasmensalidades escolares, e outras providências (Retificação publica-da no D.O.U. em 24/1/91).

8.150, de 28/12/90 - Aplicação financeira de recursos recolhi-dos ao FNDE e outras providências.

8.078, de 11/9/90 - Dispõe sobre a proteção do consumidor edá outras providências.

4 - Decretos4.048, de 11/12/01 - Altera composição do Conselho Delibe-

rativo do FNDE.4.035, de 28/11/01 - Regulamenta o art. 19 da Lei 10.260, de

12/7/01 (FIES).3.949, de 3/10/01 - Regulamenta a Lei 10.168, de 29/12/00.3.932, de 19/9/01 - Requisitos básicos para a regulamentação

da Gratificação de Incentivo à Docência (GID).3.908, de 4/9/01 - Altera o parágrafo 3º do art. 10 do Decreto

3.860, de 9/7/01 (campi fora de sede)3.899, de 29/8/01 - Altera os incisos I e II do art. 8° do Plano de

Metas para a Universalização de Telecomunicações em Escolas Pú-blicas de Ensino Médio, aprovado pelo Decreto 3.754, de 19/2/01.

3.898, de 29/8/01 - Altera os incisos I e II do art. 8° do Plano deMetas para a Universalização de Telecomunicações em EscolasPúblicas de Ensino Profissionalizante, aprovado pelo Decreto3.753, de 19/2/01.

3.879, de 1/8/01 - Altera a estrutura regimental e o quadrodemonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadasdo INEP.

3.864, de 11/7/01 - Acresce dispositivo ao Decreto 3.860, de9/7/01.

3.860, de 9/7/01 - Organização do ensino superior, avaliação,cursos e instituições. Revoga os Decretos 2.026, de 10/10/96, e2.306, de 19/8/97.

3.823, de 28/5/01 - Aprova o regulamento do programa nacio-nal de renda mínima vinculado à educação - “Bolsa Escola”, e dá

outras providências.3.806, de 26/4/01 - Regula-

menta a Lei 10.197, de 14/2/01,que acresce dispositivos aoDecreto-Lei 719, de 31/7/69,para dispor sobre o financia-mento a projetos de implanta-ção e recuperação de infra-estrutura de pesquisa nas insti-tuições públicas de ensino su-perior e de pesquisa, e dá outrasprovidências.

3.772, de 14/3/01 - Aprova aestrutura regimental e o quadro

demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadasdo MEC e dá outras providências.

3.769, de 8/3/01 - Estabelece diretrizes para execução de pro-jetos voltados para a área social e cria o Comitê de Gestão e Acom-panhamento do Projeto Alvorada.

3.754, de 19/2/01 - Aprova o Plano de Metas para a Universa-lização de Serviços de Telecomunicações em Escolas Públicas deEnsino Médio.

3.753, de 19/2/01 - Aprova o Plano de Metas para a Universali-zação de Serviços de Telecomunicações em Escolas Públicas deEnsino Profissionalizante.

3.742, de 1/2/01 - Fixa o valor mínimo anual por aluno de quetrata o art. 6º, § 1º da Lei 9.424, para o exercício de 2001 (Fundef).

3.741, de 31/1/01 - Altera a redação do art. 5º do Decreto2.406, de 27/11/97, que regulamenta a Lei 8.948, de 8/12/94(Centros de Educação Tecnológica).

Resolução 1 (do Senado Federal), de 15/1/01 - Cria, no âmbitodo Senado Federal, a Universidade do Legislativo Brasileiro.

3.554, de 7/8/00 - Dá nova redação ao § 2º do art. 3º do De-creto 3.276, de 6/12/99, que dispõe sobre a formação em nívelsuperior de professores para atuar na educação básica, e dá outrasprovidências.

3.504, de 12/6/00 - Altera dispositivos do Decreto 2.536, de6/4/98, que dispõe sobre a concessão de Certificado de Entidadede Fins Filantrópicos a que se refere o inciso IV do art. 18 da Lei8.742, de 7/12/93.

3.501, de 12/6/00 - Aprova a estrutura regimental e o quadrodemonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadasdo Ministério da Educação, e dá outras providências.

3.462, de 17/5/00 - Nova redação ao art. 8º do Decreto 2.406,de 27/11/97, que regulamenta a Lei 8.948, de 8/12/94 (CentrosFederais de Educação Tecnológica)

3.326, de 31/12/99 - Fixa o valor mínimo anual por aluno deque trata o art. 6º, § 1º da Lei 9.424, e dá outras providências(Fundef).

3.295, de 15/12/99 - Procedimentos para escolha e nomeaçãode membros das Câmaras que compõem o Conselho Nacional deEducação, de que trata o art. 8º da Lei 4.024, de 20/12/61, com aredação dada pela Lei 9.131, de 24/11/95, e outras providências.

3.276, de 6/12/99 - Formação em nível superior de professorespara atuar na educação básica, e outras providências (Retificaçãopublicada no D.O.U. em 8/12/99).

3.274, de 6/12/99 - Regulamenta o § 4º do art. 1º da Lei 9.870,

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Educação, Avaliação e Privatização

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 97

Educação, Avaliação e Privatização

de 23/11/99 (anuidades escolares).3.182, de 23/9/99 - Regulamenta a Lei 9.786, de 8/2/99, que

dispõe sobre o ensino no Exército brasileiro, e dá outras providên-cias.

3.142, de 16/8/99 - Regulamenta salário-educação e revoga oDecreto 2.948, de 27/1/99.

2.948, de 27/1/99 - Recolhimento e distribuição do salário-edu-cação (Retificação publicada no D.O.U. em 2/2/99). (Revoga De-creto 994, de 15/11/93).

2.890, de 21/12/98 - Estrutura regimental e quadro demonstra-tivo dos cargos e funções gratificadas do MEC.

Resolução 108 (do Senado), de 16/12/98 - Autorização globalaos Estados para contratar operação de crédito junto ao GovernoFederal para compensar perdas de receita decorrentes da implan-tação do Fundef, regulamentado pela Lei 9.424.

2.855, de 2/12/98 - Aprova o estatuto e o quadro demonstrati-vo dos cargos de direção e funções gratificadas das Escolas Téc-nicas Federais, e dá outras providências.

2.728, de 10/8/98 - Dá nova redação ao art. 1º do Decreto2.609, de 2/6/98, e acrescenta parágrafo ao seu art. 5º (Dispõe so-bre o apoio financeiro da União aos municípios que instituíremprogramas de garantia de renda mínima).

2.668, de 13/7/98 - Critérios para pagamento da Gratificação deEstímulo à Docência (GED) no Magistério Superior.

2.666, de 10/7/98 - Altera dispositivos do Decreto 2.548, de15/4/98, que aprova o Regimento Interno e o Quadro Demonstra-tivo dos Cargos de Direção e Funções Gratificadas das Escolas Agro-técnicas Federais, e dá outras providências.

2.609, de 2/6/98 - Regulamenta a concessão de apoio financei-ro aos municípios que instituírem programa de garantia de rendamínima, de que trata a Lei 9.533, de 10/12/97, e dá outras provi-dências.

2.561, de 27/4/98 - Altera a redação dos arts. 11 e 12 do Decre-to 2.494, de 10/2/98, que regulamenta o disposto no art. 80 daLDB (Credenciamento de instituições de ensino).

2.552, de 16/4/98 - Nova redação ao § 1º do art. 5º do Decreto2.264, de 27/6/97, que regulamenta a Lei 9.424 no âmbito federal(Conselho de Acompanhamento e Controle Social sobre o Fundef).

2.548, de 15/4/98 - Aprova o regimento interno e o quadro de-monstrativo dos cargos de direção e funções gratificadas das Esco-las Agrotécnicas Federais, e dá outras providências.

2.536, de 6/4/98 - Concessão do Certificado de Entidade deFins Filantrópicos a que se refere o inciso IV do art. 18 da Lei 8.742,de 7/12/93, e outras providências.

2.530, de 26/3/98 - Acresce o § 3º ao art. 5º do Decreto 2.264,de 27/6/97, que regulamenta a Lei 9.424 no âmbito federal(Fundef)

2.520, de 19/3/98 - Aprova a estrutura regimental e o quadrodemonstrativo dos cargos em comissão e funções gratificadas doFNDE e dá outras providências.

2.494, de 10/2/98 - Regulamenta o art. 80 da LDB e dá outrasprovidências (Educação à distância).

2.406, de 27/11/97 - Regulamenta a Lei 8.948, de 8/12/94, edá outras providências. (Centros de Educação Tecnológica). (Altera-do pelo Decreto 3.741, de 31/1/01).

2.370, de 10/11/97 - Bolsas de estudo e pesquisa no âmbito doMEC e do Ministério da Ciência e Tecnologia para 1998.

2.306, de 19/8/97 - Regulamenta, para o Sistema Federal de En-sino, as disposições contidas no art. 10 da Medida Provisória 1.477-39, de 8/8/97, e nos arts. 16, 19, 20, 45, 46 e § 1º, 52, parágrafoúnico, 54 e 88 da LDB, e dá outras providências (IES privadas).

2.264, de 27/6/97 - Regulamenta a Lei 9.424, de 24/12/96, noâmbito federal, e determina outras providências (Fundef).

2.208, de 17/4/97 - Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39a 42 da Lei 9.394 (LDB) (Educação profissional).

2.207, de 15/4/97 - Regulamenta, para o Sistema Federal de En-sino, as disposições contidas nos art. 19, 20, 45, 46 e §1º, 52, pará-grafo único, 54 e 88 da Lei 9.394, de 20/12/96 (que dispõem so-bre instituições de ensino, educação superior, autorização e reco-nhecimento de cursos e da adaptação da legislação educacional daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios às disposiçõesda LDB), e dá outras providências. (Revoga os Decretos 1.303/94,1.334/94 e 1.472/95) (Revogado pelo Decreto 2.306, de 19/8/97).

2.026, de 10/10/96 - Procedimentos para o processo de avalia-ção dos cursos e instituições de ensino superior (“provão”).

1.916, de 23/5/96 - Regulamenta o processo de escolha dos di-rigentes de instituições federais de ensino superior, nos termos daLei 9.192, de 21/12/95.

1.734, de 7/12/95 - Regulamenta o art. 7º da Lei. 9.131, de 24/-11/95, que altera os dispositivos da Lei. 4.024, de 20/12/61 (trâ-mite de processos no CNE).

1.716, de 24/11/95 - Procedimentos para escolha e nomeaçãode membros do CNE, de que trata o art. 8º da Lei 4.024, de 20/-12/61, com redação dada pela Lei 9.131/95.

1.472, de 28/4/95 - Nova redação ao caput do art. 13 do Decre-to 1.303, de 8/11/94, suspendendo, até a instalação do ConselhoNacional de Educação (CNE), a criação de cursos superiores de gra-duação em todo o Território Nacional, bem como o aumento devagas nos cursos já existentes.

1303, de 08/11/94 - Dispõe sobre a criação de universidades eestabelecimentos isolados de ensino superior e revoga os Decretos98.377, 98.391, 98.404/89 e 359/91.

359. de 09/12/91 - Regulamenta o artigo 47 da Lei 5.540/68 erevoga o Decreto 105/91.

331, de 01/11/91 - Nova redação ao § 1º do artigo 1º do Decre-to 80.536/77, que regulamenta a Lei 6.420/77.

105, de 25/04/91 - Regulamenta o art. 47 da Lei 5.540/68. 49, de 5/3/91 - Altera o Decreto 87.911/82, que regulamenta o

art. 47 da Lei 5.540/68.

5- Medidas provisórias (MP)Os dados a seguir foram obtidos no periódico Lex, na publica-

ção Levantamento de medidas provisórias, 11ª edição, editada peloSenado Federal em setembro de 2000, e no site http://www.pla-nalto.gov.br (Presidência da República), onde pode ser consultadaa íntegra de todas as MPs. O primeiro número identifica a MP e osegundo, depois do hífen, o número de vezes que foi reeditada.Após cada MP, são indicados, entre parênteses, os números ante-riores da mesma MP. Deve-se lembrar que o teor de muitas MPssofreu alteração durante suas sucessivas reedições e que elas têmforça de lei durante sua vigência e reedição. Em outras palavras, aMP mais recente não tem necessariamente o mesmo conteúdoque as MPs anteriores. As alterações das MPs são indicadas no Le-vantamento de medidas provisórias. Informa-se também a lei em

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98 - Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Educação, Avaliação e Privatização

que se transformou a MP, caso isso tenha acontecido.2.178-36, de 24/8/01 - Dispõe sobre o repasse de recursos fi-

nanceiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),institui o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), altera a Lei9.533, de 10/12/97, que dispõe sobre o Programa de Garantia deRenda Mínima (PGRM), institui programas de apoio da União àsações dos Estados e Municípios voltadas para o atendimento edu-cacional, e dá outras providências (2.178-35, 2.178-34, 2100-33,2100-32, 2100-31, 2100-30, 2100-29, 2100-28, 2100-27, 1979-26,1979-25, 1979-24, 1979-23, 1979-22, 1979-21, 1979-20, 1979-19,1979-18, 1979-17, 1979-16, 1979-15, 1979-14, 1979-13, 1853-12,1853-11, 1853-10, 1853-9, 1853-8, 1853-7, 1784-6, 1784-5, 1784-4, 1784-3, 1784-3, 1784-2, 1784-1, 1784).

2.173-24, de 23/8/01 - Altera dispositivos da Lei 9.870, de23/11/99, que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares(2.173-23, 2.173-22, 2.091-21, 2.091-20, 2.091-19, 2.091-18, 2.091-17, 2.091-16, 2091-15, 1968-14, 1968-13, 1968-12, 1968-11, 1968-10, 1968-9, 1968-8, 1968-7, 1968-6, 1968-5, 1968-4, 1968-3,1968-2, 1968-1, 1930).

2.208, de 17/8/01 - Dispõe sobre a comprovação de qualidadede estudante e de menor de 18 anos nas situações que especifica.(Sobre emissão de carteira de estudante).

2.094-28, de 13/6/01 - Fundo de Financiamento ao Estudantedo Ensino Superior (FIES) e outras providências (2094-27, 2094-26,2094-25, 2094-24, 2094-23, 2094-22, 1972-19, 1972-18, 1972-17,1972-16, 1972-15, 1972-14, 1972-13, 1972-12, 1972-11, 1972-10,1972-9, 1972-8, 1865-7, 1865-6, 1865-5, 1865-4, 1865-3, 1865-2,1827-1, 1827). Transformou-se na Lei 10.260, de 12/7/01.

2099-35, de 22/2/01 - Renegociação de dívidas no âmbito doPrograma de Crédito Educativo e outras providências (2099-34,2099-33, 1978-32, 1978-31, 1978-30, 1978-29, 1978-28, 1978-27,1978-26, 1978-25, 1978-24, 1978-23, 1978-22, 1978-21, 1978-201978-19, 1905-18, 1905-17, 1905-16, 1905-15, 1905-14, 1905-13,1777-12, 1777-11, 1777-10, 1777-9, 1777-8, 1777-7, 1777-6, 1706-5, 1706-4, 1706-3, 1706-2, 1706-1, 1706). Transformou-se na Lei10.207, de 23/3/01.

2.140, de 13/2/01 - Cria o Programa Nacional de Renda Mínimavinculada à educação - “Bolsa Escola”, e dá outras providências.Transformou-se na Lei 10.219, de 11/4/01.

2.125-12, de 26/1/01 - Institui a gratificação de incentivo àdocência (GID) e dá outras providências (2.125-11, 2051-10, 2051-9, 2051-8, 2051-7, 2051-6, 2051-5, 2051-4, 2020-3, 2020-2, 2020-1, 2020). Transformou-se na Lei 10.187, de 12/2/01.

2.106-11, de 26/1/01 - Acresce dispositivos ao Decreto-Lei 719,de 31/7/69, para dispor sobre o financiamento a projetos deimplantação e recuperação de infra-estrutura de pesquisa nas ins-tituições públicas de ensino superior e de pesquisa, e dá outrasprovidências (2.106-10, 2021-9, 2021-8, 2021-7, 2021-6, 2021-5,2021-4, 2021-3, 2021-2, 2021-1, 2021). Transformou-se na Lei10.197, de 14/2/01.

1890-67, de 25/10/99 - Dispõe sobre o valor total anual dasmensalidades escolares e dá outras providências (1890-66, 1890-65, 1890-64, 1890-63, 1733-62, 1733-61, 1733-60, 1733-59, 1733-58, 1733-57, 1733-56, 1477-55, 1477-54, 1477-53, 1477-52, 1477-51, 1477-50, 1477-49, 1477-48, 1477-47, 1477-46, 1477-45, 1477-44, 1477-43, 1477-42, 1477-41, 1477-40, 1477-39, 1477-38, 1477-37, 1477-36, 1477-35, 1477-34, 1477-33, 1477-32, 1477-31, 1477-

30, 1477-29, 1477-28, 1477-27, 1477-26, 1477-25, 1477, 1429,1386, 1344, 1304, 1265, 1228, 1192, 1156, 1119, 1087, 1060, 1035,1012, 988, 963, 932, 887, 817, 751, 697, 651, 612, 575, 550).Transformou-se na Lei 9.870, de 23/11/99.

1861-17, de 27/9/99 - Critérios para a concessão de emprésti-mo, pela União, aos Estados e ao Distrito Federal, destinado ao res-sarcimento parcial das perdas decorrentes da aplicação da Lei9.424, de 24/12/96 (1861-16, 1861-15, 1861-14, 1759-13, 1759-12, 1759-11, 1759-10, 1759-9, 1759-8, 1759-7, 1688-6, 1688-5,1688-4, 1688-3, 1688-2, 1688-1, 1688). Transformou-se na Lei9.846, de 26/10/99 (Fundef)

1607-24, de 19/11/98 - Altera a legislação do salário-educaçãoe dá outras providências (1607-23, 1607-22, 1607-21, 1607-20,1607-19, 1607-18, 1607-17, 1607-16, 1607-15, 1607-14, 1607-13,1607-12, 1565-11, 1565-10, 1565-9, 1565-8, 1565-7, 1565-6, 1565-5, 1565-4, 1565-3, 1565-2, 1565-1, 1565, 1518-3, 1518-2, 1518-1,1518). Transformou-se na Lei 9.766, de 18/12/98.

1657-18, de 5/5/98 - Dispõe sobre o número de cargos de dire-ção e funções gratificadas das Instituições Federais de Ensino Supe-rior, dos Centros Federais de Educação Tecnológica, das EscolasAgrotécnicas Federais, das Escolas Técnicas Federais, das Institui-ções Federais de Ensino Militar, e dá outras providências (1964-17,1616-16, 1616-15, 1616-14, 1616-13, 1534-12, 1534-11, 1534-10,1534-9, 1534-8, 1534-7, 1534-5, 1534-4, 1534-3, 1534-2, 1534-1,1534). Transformou-se na Lei 9.640, de 25/5/98.

1602, de 14/11/97 - Altera a legislação tributária federal e dáoutras providências (isenção fiscal de instituições educacionais).Transformou-se na Lei 9.532, de 10/12/97.

1568, de 15/2/97 - Transforma o Inep em autarquia federal e dáoutras providências. Transformou-se na Lei 9.448/97. (Revogou oDecreto-Lei 580/38)

1159, de 27/10/95 - Altera dispositivos da Lei 4.024, de 20/12/-61, e dá outras providências (1126, 1094, 1067, 1041, 1018, 992,967, 938, 891, 830, 765, 711, 661). Transformou-se na Lei 9.131(Conselho Nacional de Educação).

524, de 8/6/94 - Estabelece regras para a conversão das men-salidades escolares nos estabelecimentos particulares de ensinoem Unidade Real de Valor (URV), e dá outras providências.

451, de 21/3/94 - Dispõe sobre o reajuste das mensalidadesescolares no mês de agosto de 1993. (430, 413, 389, 373, 361,352, 344). Transformou-se na Lei 8.869/94.

369, de 12/11/93 - Dá nova redação ao art. 4º da Lei 8.170, de17/1/91 (358, 249, 343) Transformou-se na Lei 8.747/93.

290, de 17/12/90 - Estabelece regras para a fixação e negocia-ção de encargos educacionais e dá outras providências (265, 244,223, 207) Transformou-se na Lei 8.170/91.

274, de 3/12/90 - Dispõe sobre a aplicação financeira de recur-sos recolhidos ao FNDE e dá outras providências (257, 235, 213,203, 194). Transformou-se na Lei 8.150/90.

183, de 30/4/90 - Dispõe sobre critérios de reajuste das men-salidades escolares e dá outras providências (176). Transformou-sena Lei 8.039/90.

104, de 14/11/89 - Cria empregos, funções comissionadas efunções gratificadas nas tabelas permanentes das instituições deensino superior que menciona, e dá outras providências. Transfor-mou-se na Lei 7.909/89.

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 99

Educação, Avaliação e Privatização

6- Portarias (do MEC, CAPES, FNDE, INEP e interministeriais) Como a imensa maioria é do MEC (Gabinete do Ministro e Se-

cretaria de Educação Superior), apenas as outras são explicitamen-te identificadas. Não são indicadas aqui as portarias do FNDE rela-tivas ao repasse da quota-estadual do salário-educação e todas asrelativas a prazos e a modificações de dotações orçamentárias deórgãos do MEC.

Ano 20012.941, de 17/12/01 - Torna a redação obrigatória no vestibular

para as IES.2.402, de 9/11/01 - Novas condições para o aumento de vagas,

sem autorização prévia, em cursos ou habilitações.2.253, de 18/10/01 - Autoriza a inclusão de disciplinas não pre-

senciais em cursos superiores reconhecidos.1.985, de 10/9/01 - Estabelece critérios e procedimentos para a

suspensão do reconhecimento e desativação de cursos de gradua-ção, e dispõe sobre a suspensão temporária de prerrogativas deautonomia de universidades e centros universitários do sistema fe-deral de ensino.

1.980, de 6/9/01 - Distribuição de autorizações para provimen-to dos cargos de Professor do Ensino de 3° Grau e limites máximospara provimento na Classe de Professor Titular.

1.765, de 28/8/01 - Procedimentos para inscrição e seleção doscandidatos do FIES referentes ao segundo semestre de 2001.

1.858 (GM), de 16/8/01 - Altera o inciso I do item 7 do Anexoda Portaria 1.726, de 3/8/01.(FIES)

1.785, de 9/8/01 - Altera a redação do art. 16 da portaria 1.886,de 30/9/94 (Diretrizes curriculares dos cursos jurídicos)

1.726, de 3/8/01 - As IES não gratuitas já participantes do FIESou que desejarem participar do processo seletivo referente aosegundo semestre de 2001 deverão outorgar Termo de Adesão.Revoga a portaria 91, de 18/1/01.

1.725, de 3/8/01 - Estudantes regularmente matriculados emcursos superiores não gratuitos poderão habilitar-se ao FIES.

34 (CAPES), de 19/7/01 - Regulamento do Programa de Apoioà Aquisição de Periódicos.

1.466, de 12/7/01 - Procedimentos de autorização de cursosfora de sede por universidades.

1.465, de 12/7/01 - Critérios e procedimentos para o processode recredenciamento de instituições de educação superior do sis-tema federal de ensino.

1.432, de 9/7/01 - Programa Nacional de Bolsa Escola.1295 (GM), de 28/6/01 - Cursos a serem avaliados pelo ENC

em 2002.1291 (GM), de 27/6/01 - Institui, na Secretaria de Educação

Fundamental, a Comissão de Análise de Projetos de EducaçãoEscolar Indígena.

1290 (GM), de 27/6/01 - Institui, na Secretaria de EducaçãoFundamental, a Comissão Nacional de Professores Indígenas erevoga a portaria 1060, de 25/9/97.

73 (Interministerial), de 21/6/01 - Dispõe que a educação físicaconstitui-se componente curricular obrigatório da educação básica,sendo facultativa nos cursos noturnos.

1.222 (GM), de 20/6/01 - Dispõe que os Cursos Superiores deTecnologia estão excluídos da suspensão constante do art. 1º da

Portaria 1.098, de 5/6/01.135 (SE), de 23/5/01 - Determina às Unidades da Administra-

ção Direta e às entidades vinculadas ao Ministério da Educação aredução de consumo de energia elétrica, até março de 2002.

766 (Interministerial), de 17/5/01 - Institui Grupo de TrabalhoInterministerial com a finalidade de elaborar, implementar, avaliare acompanhar proposta relativa aos temas transversais Saúde eOrientação Sexual.

1075 (SES), de 11/5/01 - Dispõe sobre contratações de profes-sores substitutos pelas instituições federais de ensino superior.

38 (INEP), de 10/5/01 - Constituição do Programa ComunidadeGestora de Informações Educacionais como apoio ao processo depublicização da informação educacional para uso e geração doconhecimento.

30 (Sec. de Educ. Média e Tecnológica), de 12/4/01 - Procedi-mentos de autorização para a contratação de professores substitu-tos e visitantes, por parte das Escolas Agrotécnicas Federais, EscolasTécnicas Federais, Centros Federais de Educação Tecnológica e Co-légio Pedro II.

578 (GM), de 28/3/01 - Altera o art. 1º da Portaria 92, de 18/1/-01. (FIES)

514 (GM), de 22/3/01 - Dispõe sobre a oferta e acesso a cur-sos seqüenciais de ensino superior.

715 (SES), de 22/3/01 - Altera dispositivos da Portaria 352, de7/2/01 (FIES)

11 (CAPES), de 16/3/01 - Concessão de bolsas de estudo depós-graduação strictu senso aos graduandos que obtiverem notamáxima no Exame Nacional de Cursos.

19 (INEP), de 1/3/01 - Sistemática para a realização do ENEM2001.

352, de 7/2/01 - Procedimentos para inscrição e seleção doscandidatos ao processo seletivo do FIES referente ao primeiro se-mestre de 2001 e outras providências.

92, de 18/1/01 - Estabelece que estudante brasileiro regular-mente matriculado em curso superior não gratuito poderá habili-tar-se ao FIES e revoga a portaria 479, de 5/4/00.

91, de 18/1/01 - Adesão de instituições de ensino superior nãogratuitas ao FIES.

2 (Ministério das Comunicações), de 17/1/01 - Define o Progra-ma Educação, que trata da disseminação de recursos de telecomu-nicações e informática nas escolas públicas federais, estaduais emunicipais.

64, de 12/1/01 - Procedimentos para o reconhecimento de cur-sos/habilitações de nível tecnológico da educação profissional(cursos superiores de tecnologia) e sua renovação, no SistemaFederal de Ensino.

Portarias 1-20, de 4/1/01 - Exame Nacional de Curso de Psico-logia (1), Medicina (2), Matemática (3), Jornalismo (4), Economia(5), Física (6), Direito (7), Engenharia Civil (8), Biologia (9), Ad-ministração (10), Letras (11), Pedagogia (12), Engenharia Mecânica(13), Farmácia (14), Engenharia Química (15), Engenharia Elétrica(16), Agronomia (17), Medicina Veterinária (18), Odontologia (19),Química (20).

1, de 2/1/01 - Procedimentos para registro de bens patrimo-niais adquiridos pelo MEC através das concorrências internacionaisSESu/MEC 01/97, 02/97, 03/97, 04/97 e 05/97 e seus respectivosprocessos 23123.002162/96-34, 23123.002176197-20, 23123.002178-

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/97-55, 23123.002179197-18 e 23123.002498/97-04, destinadosàs instituições federais de ensino superior (Ifes) por intermédio doPrograma de Modernização e Consolidação da Infra-Estrutura Aca-dêmica das Ifes e seus hospitais universitários.

Ano 20002.188, de 28/12/00 - Coeficientes de distribuição do Fundef a

vigorar em 2001 (5 partes).1.953 (Interministerial), de 28/11/00 - Efetiva, por intermédio

da Secretaria de Assistência Social (SEAS), a descentralização dosrecursos orçamentários, no valor de R$ 60 milhões, ao FNDE, des-tinados à continuidade da concessão de apoio financeiro de quetrata o Programa de Renda Mínima, para cumprimento do dispos-to na legislação pertinente.

1.923, de 17/11/00 - Relação de municípios que poderão plei-tear o apoio financeiro da União a programas de renda mínima, emcomplemento à relação constante do anexo à portaria 1.250, de9/11/98.

1.896, de 14/11/00 - Resultados do Censo Escolar de 2000 doEstado do Rio de Janeiro.

1.779 (Interministerial), de 31/10/00 - A Capes prestará coope-ração orçamentária e financeira ao Ministério das Relações Exterio-res, objetivando executar as ações previstas no Plano de Trabalho,parte integrante desta Portaria.

1.843, de 31/10/00 - Atualiza e consolida a sistemática para arealização anual do Exame Nacional de Cursos.

1.711, de 27/10/00 - Normas e orientações para a execução doPrograma de Desenvolvimento do Ensino Médio, no âmbito doProjeto Alvorada.

1.625, de 16/10/00 - Autoriza todos os municípios da Federa-ção a usar o Sistema de Apoio à Elaboração de Plano de Carreira eRemuneração do Magistério Público - SAPCR.

1.624, de 16/10/00 - Institui, em parceria com a Fundação San-tista, o “Prêmio Incentivo à Educação Fundamental/2001”, objeti-vando reconhecer e valorizar o mérito dos professores de 1ª a 4ªséries do ensino fundamental da rede pública que desenvolvemexperiências pedagógicas relevantes, premiando os 15 melhorestrabalhos de acordo com o regulamento a ser divulgado.

1.470, de 21/9/00 - Procedimentos para aditamento, suspen-são e encerramento dos contratos do FIES a partir do segundo se-mestre de 2000, e outras providências.

1.464, de 19/9/00 - Institui o Conselho Nacional do Fundo deFinanciamento ao Estudante do Ensino Superior - Conffiees, de na-tureza consultiva, com a atribuição de acompanhar, supervisionar eavaliar a execução das atividades desenvolvidas pelo FIES. (Retifi-cação publicada no D.O.U. em 3/10/00).

1.343, de 25/8/00 - Resultados preliminares do Censo Escolarde 2000.

59 (CAPES), de 11/7/00 - Aprova o Programa de Apoio à Pós-Graduação, anexo a esta portaria.

966, de 11/7/00 - Reconhece os programas de pós-graduaçãostricto sensu nas relações anexas cujos conceitos foram atribuídospelo Conselho Técnico Científico da Capes.

904, de 29/6/00 - Cursos a serem avaliados pelo ENC em 2001.1.647, de 28/6/00 - Constituição de comissões e procedimen-

tos de avaliação e verificação de cursos superiores. Revoga a porta-ria 2.297, de 8/11/99.

756, de 31/5/00 - Autoriza o FNDE a transferir os recursos finan-ceiros referentes ao Programa Dinheiro Direto na Escola aos Esta-dos, ao Distrito Federal e aos Municípios mantenedores dos esta-belecimentos de ensino e às unidades executoras ou às entidadesrepresentativas da comunidade escolar, sem necessidade de con-vênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, confor-me preceitua a Medida Provisória 1.784, de 14/12/00, e suas ree-dições.

52 (CAPES), de 26/5/00 - Aprova o regulamento do Programade Demanda Social e revoga a portaria 17, de 10/3/98.

637 (Interministerial), de 15/5/00 - Estabelece cooperação or-çamentária e financeira entre o MEC e o Ministério da Previdênciae Assistência Social, objetivando dar cumprimento ao estabelecidono Art. 5º do Decreto 3.117, de 13/7/99, no âmbito do Programade Garantia de Renda Mínima associado a ações sócio-educativas.

1234, de 11/5/00 - Procedimentos para aditamento, suspensãoe encerramento dos contratos do FIES e outras providências.

556, de 28/4/00 - Adesão de instituições de ensino superior aoFIES.

554, de 26/4/00 - Institui a Comissão Brasileira do Braille, vin-culada ao MEC.

43, de 12/4/00 - Instruções específicas para a implementaçãoda Política Nacional de Capacitação dos Servidores, no âmbito daadministração direta do Ministério da Educação.

911, de 12/4/00 - Procedimentos para inscrição e seleção doscandidatos ao processo seletivo do FIES referente ao primeiro se-mestre de 2000, e outras providências.

20 (INEP), de 10/4/00 - Dispõe sobre a publicação Em Aberto,do INEP.

482, de 7/4/00 - Cursos seqüenciais de formação específica ede complementação de estudos, com destinação coletiva ou indi-vidual, deverão ser ofertados por IES credenciadas que possuamcursos de graduação reconhecidos.

47 (CAPES), de 7/4/00 - Institui o Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares - PROSUP.

480, de 5/4/00 - Adesão de IES ao FIES.479, de 5/4/00 - Diretrizes para o FIES e outras providências.

(Revoga a portaria 860, de 27/5/99).480, de 5/4/00 - Adesão de IES ao FIES.31, de 23/3/00 - O Colégio Pedro II e as instituições de educa-

ção profissional integrantes do sistema federal de ensino deverãoadequar seus regimentos internos, incluída a organização didática,às disposições da Lei 9.394/96.

18 (INEP), de 23/3/00 - Criação da Comissão Consultiva do Sis-tema Integrado de Informações da Educação Superior (SIED-Sup).

30, de 21/3/00 - Instituições de educação profissional integran-tes do sistema federal de ensino devem reformular a oferta de cur-sos de nível técnico e os respectivos currículos para implantaçãoem 2001, atendendo aos princípios e critérios estabelecidos naResolução 4/99 da Câmara de Educação Básica do CNE.

235, de 3/3/00 - Aprova o regimento interno do INEP, com asalterações estabelecidas no Decreto 3.036, de 1999.

251, de 3/3/00 - Autoriza o FNDE a transferir, em dez parcelasmensais a partir de fevereiro, os recursos financeiros às entidadesexecutoras do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),sem necessidade de convênio, acordo, ajuste ou outros instrumen-tos congêneres, correspondendo cada parcela mensal à cobertura

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Educação, Avaliação e Privatização

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de vinte dias letivos.127, de 15/2/00 - Retifica os dados do Censo Escolar de 1999,

publicados por meio da portaria 1.835, de 22/12/99, relativos àsmatrículas do ensino fundamental, nas modalidades regular e es-pecial, nos Estados da Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Pernam-buco, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins, e os correspon-dentes coeficientes de distribuição dos recursos do Fundef a vigo-rar em 2000, publicados por meio da portaria 13, de 5/1/00.

117, de 14/2/00 - Cria o Conselho Diretor do Programa de Me-lhoria e Expansão do Ensino Médio - PROMED/PROJETO ESCOLAJOVEM, como parte integrante da Unidade de Coordenação deProgramas - UCP.

118, de 14/2/00 - Institui a Unidade de Coordenação de Progra-mas UCP, no âmbito da Secretaria de Educação Média e Tec-nológica (SEMTEC), incumbida de adotar as providências necessá-rias à implementação do PROEP - Programa de Reforma da Edu-cação Profissional - e do PROMED - Programa de Melhoria e Ex-pansão do Ensino Médio - 1ª fase, denominado doravante ProjetoEscola Jovem.

135, de 26/1/00 - O pagamento de bolsas de estudo de resi-dência médica só poderá ser realizado pelas instituições federaisde ensino superior por intermédio do SIAPE.

6 (INEP), de 25/1/00 - Sistemática e demais disposições para oExame Nacional do Ensino Médio em 2000.

82, de 20/1/00 - Avaliação do livro didático como parte do Pro-grama Nacional do Livro Didático (PNLD).

12, de 5/1/00 - Nova redação à relação das entidades que indi-carão os nomes a serem considerados para a recomposição dasCâmaras que integram o Conselho Nacional de Educação.

13, de 5/1/00 - Coeficientes de distribuição dos recursos doFundef a vigorar em 2000.

Ano 19991.835, de 22/12/99 - Resultados oficiais do Censo Escolar de

1999.1.823, de 20/12/99 - Relação das entidades que indicarão os

nomes a serem considerados para a recomposição das Câmarasque integram o CNE.

Portarias 1.779 a 1.796, de 17/12/99 - Objetivos, conteúdos ecritérios de avaliação dos ENCs de Medicina Veterinária (1.779),Química (1780), Psicologia (1781), Engenharia Elétrica (1782),Economia (1783), Direito (1784), Engenharia Civil (1785), Biologia(1786), Agronomia (1787), Administração (1788), Odontologia

(1789), Medicina (1790), Engenharia Mecânica (1791), Matemática(1792), Letras (1793), Jornalismo (1794), Física (1795) e En-genharia Química (1796).

1.679, de 2/12/99 - Requisitos de acessibilidade de pessoasportadoras de deficiências, para instruir os processos de autoriza-ção e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de ins-tituições.

1.647, de 25/11/99 - Credenciamento de centros de educaçãotecnológica e autorização de cursos de nível tecnológico da educa-ção profissional.

2.387 (Sesu), de 10/11/99 - Procedimentos para inscrição eseleção dos candidatos ao segundo processo seletivo de 1999 doFIES, e outras providências.

2.297 (Sesu), de 8/11/99 - Constituição de comissões e proce-dimentos de avaliação e verificação de cursos superiores.

2.296 (Sesu), de 5/11/99 - Procedimentos para fixação, emcada instituição de ensino superior participante do FIES, de limitede financiamento para o segundo processo seletivo de 1999, e ou-tras providências.

1627 (FNDE), de 3/11/99 - Aprova o regimento interno do FNDE.1.623, de 3/11/99 - Constituição e atribuições da comissão de

elaboração do ENC de Matemática.1622, de 3/11/99 - Constituição e atribuições da comissão de

elaboração do ENC de Letras.Portarias 1.559 a 1.569, de 27/10/99 - Constituição e atribui-

ções das comissões de elaboração dos ENCs de Medicina Vete-rinária (1.559), Medicina (1.560), Jornalismo (1561), EngenhariaQuímica (1.562), Engenharia Mecânica (1.563), Engenharia Elétrica(1.564), Engenharia Civil (1.565), Economia (1.566), Direito(1.567), Administração (1.568) e Odontologia (1.569).

1.487 (Interministerial), de 15/10/99 - Ações conjuntas nasáreas de educação e da saúde, para a identificação, a prevenção ea assistência da saúde auditiva de aluno do ensino fundamentaldas escolas públicas.

1.477, de 13/10/99 - Torna sem efeito a portaria 1.421, de 30/-9/99.

Portarias 1.468 a 1472, de 8/10/99 - Constituição e atribuiçõesdas comissões de elaboração dos ENCs de Agronomia (1.468), Bio-logia (1.469), Física (1.470), Psicologia (1.471) e Química (1.472).

1.467, de 8/10/99 - Aprova o regulamento do prêmio “Qualida-de na Educação Infantil”.

1.421, de 30/9/99 - Programa Nacional Biblioteca da Escola(PNBE).

1.449, de 23/9/99 - Regulamenta o art. 1º da portaria ministe-rial 1.120, de 16/7/98.

1.386, de 15/9/99 - Procedimentos para inscrição de candida-tos ao FIES, e outras providências.

1.306, de 2/9/99 - Aprova alterações do regimento do CNE.1.222, de 20/8/99 - Inscrição de candidatos ao FIES e outras

providências.1.186, de 29/7/99 - Adesão das IES ao FIES.1.120, de 16/7/99 - As IES integrantes do sistema federal de en-

sino deverão fazer publicar na íntegra seus editais de abertura deprocesso seletivo para ingresso em cursos de graduação.

999, de 29/6/99 - Cursos a serem avaliados em 2000 pelo ENC.43 (INEP), de 16/6/99 - Altera o art. 8º do anexo único da por-

taria 35, de 15/4/99 (ENEM).

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 101UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Educação, Avaliação e Privatização

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860, de 27/5/99 - Diretrizes para o Fundo de Financiamento aoEstudante do Ensino Superior (FIES).

861, de 27/5/99 - Prioridade de análise para recebimento dofinanciamento aos estudantes carentes das IES.

839, de 26/5/99 - Dispõe sobre a criação do Sistema Nacionalde Avaliação da Educação Básica (SAEB), institui o Comitê Con-sultivo do SAEB (COMSAEB) e revoga a Portaria 1.795, de 27/-12/94.

856 (Interministerial), de 26/5/99 - O FNDE e o INSS desenvol-verão, em colaboração, ações de fiscalização da execução de pro-gramas financiados pelo FNDE e das empresas optantes pelo Sis-tema de Manutenção do Ensino - SME.

651 (Interministerial), de 15/4/99 - Institui programas educati-vo-culturais e revoga portarias 832/76, 162/82 e 316/83.

35 (INEP), de 15/4/99 - Sistemática e demais disposições doExame Nacional do Ensino Médio de 1999. (Ver portaria 43, de16/6/99).

612, de 12/4/99 - Autorização e reconhecimento de cursos se-qüenciais de ensino superior.

606, de 8/4/99 - Autorização e reconhecimento de cursos supe-riores de formação específica.

31, de 6/4/99 - Institui Comitê Consultivo de Exame Nacionaldo Ensino Médio - COENEM.

510, de 15/3/99 - Data para o ENC.Portarias 336 a 345, de 4/3/99 - Objetivos, critérios de avalia-

ção e conteúdos dos ENCs de Administração (336), Medicina Ve-terinária (337), Engenharia Química (338), Odontologia (339),Matemática (340), Letras (341), Jornalismo (342), Engenharia Elé-trica (343), Direito (344) e Engenharia Civil (345).

319, de 26/2/99 - Institui, no MEC, a Comissão Brasileira deBraille.

6 (INEP), de 9/2/99 - Institui Comitê Técnico do Enem - COTENEM. 132, de 2/2/99 - Reconhecimento dos programas de pós-gra-

duação de mestrado e doutorado que obtiveram graus “3” a “7” nobiênio de 1996/97.

Portarias 126 a 128, de 1/2/99 - Objetivos, critérios de avaliaçãoe conteúdos dos ENCs de Medicina (126), Engenharia Mecânica eEngenharia Industrial Mecânica (127) e Economia (128).

100, de 21/1/99 - Convalida atos de gestão administrativa pra-ticados entre 22/12/98 e 8/1/99 no âmbito da competência local,pelos delegados das extintas delegacias do MEC.

Ano 19981.477, de 28/12/98 - Institui comissão especial com o objetivo

de coordenar e acompanhar os procedimentos administrativosconcernentes ao processo de encerramento das atividades das de-legacias do MEC.

1.386 a 1.395, de 22/12/98 - Constituição e atribuição de co-missões dos exames nacionais dos cursos de Engenharia Elétrica(1386), Engenharia Química (1387), Jornalismo (1388), Matemá-tica (1389), Letras (1390), Medicina Veterinária (1391), Odonto-logia (1392), Direito (1393), Engenharia Civil (1394), Administra-ção (1395) em 1999.

80 (CAPES), de 16/12/98 - Reconhecimento de mestrados pro-fissionais (revoga portaria 47, de 17/10/95).

1336, de 3/12/98 - Altera dispositivos do regimento interno doINES (Instituto Nacional de Educação de Surdos).

1.126, 1.127 e 1.128, de 8/10/98 - Constituição e atribuiçõesdas comissões dos exames nacionais dos cursos de Medicina, Eco-nomia e Engenharia Mecânica.

892, de 12/8/98 - Nova redação ao art. 5º da Portaria 963/97,dando competência ao Inep para contratar entidades que elabo-rem e apliquem exames do provão.

44 (CAPES), de 13/7/98 - Concessão das taxas escolares às ins-tituições particulares de ensino superior que mantenham pós-gra-duandos contemplados com bolsas de estudo da Capes. Revoga aportaria 74, de 10/12/96.

693, de 9/7/98 - Designação de Comissão Técnica do Certifica-do de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros.

1.105 (INEP), de 9/7/98 - Nomeia o Comitê Assessor do Programade Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (Paiub).

671, de 2/7/98 - Altera o inciso I do art. 2º da Portaria Intermi-nisterial MEC/MCT 2.089, de 5/11/97.

643, de 1/7/98 - Altera Portaria 1.787/94, sobre Certificado deProficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros - CELPE-BRAS.

560, de 25/6/98 - Cursos a serem avaliados em 1999 pelo ENC.559, de 25/6/98 - Aprova regimento interno do Instituto Na-

cional de Educação de Surdos (INES).545, de 24/6/98 - Determina a realização de intercâmbio de

dados cadastrais e financeiros relativos às empresas contribuintespara o salário-educação, entre INSS e o FNDE.

54 (INEP), de 17/6/98 - Sistemática para a realização do ExameNacional do Ensino Médio (Enem).

524, de 12/6/98 - Suspende expedição de registro profissionala professores e especialistas em educação. Revoga a portaria 399,de 28/6/89.

438, de 28/5/98 - Institui o Exame Nacional do Ensino Médio -ENEM.

635 (INEP), de 18/5/98 - Avaliação de desempenho individualdas IES, no âmbito do Programa de Avaliação Institucional dasUniversidades Brasileiras (Paiub), será coordenada pelo Depar-tamento de Política do Ensino Superior (Depes), da SESu/MEC.

29 (CAPES), de 20/4/98 - Sistemática de avaliação de cursosnovos, no âmbito da pós-graduação.

328, de 22/4/98 - Conselho Federal do Fundef. 322, de 16/4/98 - Forma de apropriação dos ganhos econômi-

cos resultantes da exploração do resultado de criação intelectualprotegida por direito de propriedade intelectual, por parte de ser-vidores do MEC.

302, de 7/4/98 - Procedimentos de avaliação do desempenhoindividual das instituições de ensino superior. Revoga a portaria mi-nisterial 1855, de 30/12/94, e as portarias da SESu 130, de14/7/93, 266, de 24/8/95, e 308, de 15/9/95.

301, de 7/4/98 - Procedimentos de credenciamento de institui-ções para oferta de cursos de graduação e educação profissionaltecnológica à distância.

264, de 20/3/98 - Institui o Sistema de Avaliação e Acompa-nhamento de Professores que irão atuar como multiplicadores dosNúcleos de Tecnologia Educacional (NTEs).

255, de 17/3/98 - Normas do Concurso Nacional de Softwarepara instituições nacionais de ensino superior.

146, de 10/3/98 - Designa professores para integrarem a Co-missão de Especialistas em Ensino.

177, de 5/3/98 - Realização do Censo Escolar.

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Educação, Avaliação e Privatização

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158 a 163, de 27/2/98 - Objetivos para os ENCs (“provões”) deMedicina Veterinária (158), Odontologia (159), Engenharia Civil (160),Engenharia Química (161), Administração (162) e Direito (163).

136, de 13/2/98 - Relação de nomes a serem considerados pa-ra a composição das Câmaras que integram o CNE.

54 a 57, de 5/2/98 - Objetivos para os provões de Jornalismo(54), Letras (55), Engenharia Elétrica (56) e Matemática (57).

53, de 27/1/98 - Suspende, durante o ano de 1998, os proces-sos de escolha da lista tríplice para diretor-geral para as escolas téc-nicas federais.

3, de 7/1/98 - Relação de entidades com os nomes por elas in-dicados com vistas à composição das Câmaras que integram oCNE.

Ano 1997Edital (Sesu) 4, de 10/12/97 - Convoca IES a apresentarem pro-

postas de novas diretrizes curriculares para os cursos superiores (aserem elaboradas pelas Comissões de Especialistas da Sesu).

2.160, de 20/11/97 - Relação de entidades que indicarão no-mes a serem considerados para a composição das Câmaras queintegram o CNE. Revoga a portaria 1455, de 29/11/95.

2.175, de 27/11/97 - Autoriza universidades e centros universi-tários integrantes do sistema federal de ensino que obtiverem con-ceito A ou B na maioria dos indicadores de avaliação dos cursos degraduação previstos no Decreto 2.026, de 10/10/96, em dois anosconsecutivos, a abrir cursos de graduação fora de suas respectivassedes, em quaisquer áreas do conhecimento, na mesma unidadeda federação em que tem sua sede autorizada, sem prévia consul-ta ao MEC.

2.108, de 11/11/97 - Altera o art. 2º da portaria 859, de 25/6/97(Fundef).

2.089 (Interministerial), de 5/11/97 - Registro e credenciamen-to das Fundações de Apoio mediante requerimento à Secretaria deEducação Superior (Sesu/MEC). (Revoga a portaria interministerial631, de 5/6/95)

2.041, de 22/10/97 - Critérios de organização institucional paracentros universitários adicionais aos já estabelecidos na legislaçãovigente.

2.040, de 22/10/97 - Critérios de organização institucional parauniversidades adicionais aos já estabelecidos na legislação vigente.

1.060, de 25/9/97 - Institui, junto à Secretaria de EducaçãoFundamental/MEC, o Comitê de Educação Indígena.

1.018, de 11/9/97 - Cria Conselho Diretor do Programa de Re-forma da Educação Profissional (Proep) (retificação publicada noDOU de 17/9/97)

1.005, de 10/9/97 - Criação de Unidade de Coordenação doPrograma de Reforma da Educação Profissional (Proep).

125 (INEP), de 5/9/97 - Informações a serem encaminhadaspelas IES ao INEP.

1.094 (Interministerial), de 5/9/97 - Estabelece um conjunto deatividades sob a denominação de Saúde na Escola.

972, de 22/8/97 - Comissões de especialistas de ensino supe-rior para assessoria à SESu (Revoga as portarias ministeriais 942,de 22/12/67, 509, de 30/9/87, e 879, de 30/7/97, e as portariasSESu 25, de 27/2/86, e 287, de 10/12/92).

971, de 22/8/97 - IES devem tornar públicas, através de catálo-go, até o dia 30 de outubro de cada ano, informações tais como

oferta de cursos, quando da divulgação dos critérios de seleção dealunos. (Revoga a portaria 878, de 30/7/97)

964, de 15/8/97 - Critérios de financiamento de projetos deavaliação do ensino básico.

963, de 15/8/97 - Sistemática para a realização anual do ExameNacional de Cursos. (Revoga a portaria 249, de 18/3/96).

877, de 30/7/97 - Procedimentos para o reconhecimento/habi-litações de cursos de nível superior e sua renovação.

878, de 30/7/97 - Instituições de ensino superior devem tornarpúblicas, através de catálogo, até 30 de setembro de cada ano, ascondições de oferta dos cursos quando da divulgação dos critériosde seleção de novos alunos.

879, de 30/7/97 - Critérios para constituição de Comissões deEspecialistas de ensino superior para assessoria à SESu (revogaportarias ministeriais 706, de 5/9/85, e 509, de 30/9/95, e as por-tarias Sesu 25, de 27/2/86, e 287, de 10/12/92).

880 (Interministerial), de 30/7/97 - Cria comissão interministe-rial com a finalidade de definir procedimentos, critérios, parâme-tros e indicadores de qualidade para orientar a análise de pedidosde autorização de cursos de graduação em Medicina, Odontologiae Psicologia.

837, de 21/7/97 - Institui, junto ao INEP, comissão consultivapara elaborar proposta para realização do exame nacional do ensi-no médio.

752, de 2/7/97 - Autorização para funcionamento de cursos forada sede, nas universidades (Revoga as portarias 838, de 31/5/93,alterada pela portaria 1.054, de 8/7/94, e 638, de 13/5/97).

745, de 30/6/97 - Cursos a serem avaliados pelo Provão em1998.

859, de 25/6/97 - Coeficientes de distribuição dos recursos doFundef. (Alterada pela portaria 2.108, de 11/11/97).

671, de 26/5/97 - Alteração da portaria 675, de 27/6/96 (cur-sos a serem avaliados no Provão 97).

646, de 14/5/97 - Regulamenta a implantação do disposto nosartigos 39 a 42 e 88 da Lei 9.394, e dá outras providências (educa-ção tecnológica). (Retificação do inciso IV do art. 2º publicada noD.O.U. de 26/5/97).

641, de 13/5/97 - Autorização de cursos em faculdades integra-das, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores em fun-cionamento. (Revoga a portaria 181, de 23/2/96).

640, de 13/5/97 - Credenciamento de faculdades, faculdadesintegradas, institutos superiores e escolas superiores.

639, de 13/5/97 - Credenciamento de Centros Universitários,para o Sistema Federal de Ensino Superior.

638, de 13/5/97 - Autorização para funcionamento de cursosfora da sede, em universidades.

637, de 13/5/97 - Credenciamento de universidades (retificaçãopublicada no D.O.U. de 7/7/97 e 7/8/97).

584, de 28/4/97 - Institui o Programa Nacional Biblioteca daEscola.

531, de 10/4/97 - Suspensão imediata de atos e procedimen-tos com vistas à implantação de cursos na área de Saúde.

525-530, de 9/4/97 - Objetivos, conteúdos e avaliação do ENC(“Provão”) de Administração (525), Direito (526), Engenharia Civil(527), Engenharia Química (528), Medicina Veterinária (529), eOdontologia (530).

522, de 9/4/97 - Criação do PROINFO, com a finalidade de dis-

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 103

Educação, Avaliação e Privatização

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

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seminar o uso pedagógico das tecnologias de informática e teleco-municações nas escolas públicas de ensino fundamental e médiodas redes estadual e municipal.

490, de 27/3/97 - Reconhece os cursos de pós-graduação emmestrado e doutorado que obtiveram conceitos A, B e C na avalia-ção da Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoalde Nível Superior - CAPES.

469, de 25/3/97 - Institui o Programa de Modernização e Qua-lificação do Ensino Superior.

145, de 31/1/97 - Exame Nacional de Cursos (“Provão”).

Anos 1996-19951.092, de 1/11/96 - Competências da Capes para elaborar rela-

tórios com vistas ao reconhecimento dos cursos de mestrado edoutorado.

71 (CAPES), DE 1/11/96 - Institui o Programa Especial de Bolsaspara Estudos e Pesquisas sobre a Pós-Graduação Brasileira.

835, de 21/8/96 - Dispõe sobre a aprovação do regimento doCNE.

718, 719, 720, de 9/7/96 - Dispõe sobre o Exame Nacional(“Provão”) dos cursos de Administração (718), Direito (719) e En-genharia Civil (720).

485, de 5/5/96 - Inclui, no catálogo de Habilitações, a Habili-tação Profissional Plena em nível de 2° Grau, de Técnico em MeioAmbiente e habilitação parcial de Auxiliar Técnico em Meio Am-biente.

363, de 19/4/96 - Inclui, no catálogo de Habilitações, a Habili-tação Profissional Plena em nível de 2° Grau, de Técnico em Far-mácia.

2 (Secretaria de Educação Fundamental), de 26/3/96 - Revogaas portarias 51 e 53/93 (Projeto de Educação Básica para o Nor-deste)

255, de 26/3/96 - Altera os Arts. 6º e 7º da portaria 181, de23/2/96.

249, de 18/3/96 - Sistemática para a realização anual do ExameNacional de Cursos (Revogada pela 963, de 15/8/97).

228, de 15/3/96 - Dispõe sobre a não-revalidação e o não-reco-nhecimento de diplomas de doutorado e mestrado obtidos medi-ante instituições estrangeiras, associadas ou não a instituições bra-sileiras, nas modalidades semipresencial ou à distância.

181, de 23/2/96 - Novos procedimentos de autorização parafuncionamento de cursos superiores de graduação. (Alterada pelaportaria 255, de 26/3/96, e revogada pela portaria 641, de13/5/97)

2, de 9/1/96 - Altera a redação do art. 11 da portaria 1770/94(Currículo mínimo para o curso de Arquitetura).

1, de 9/1/96 - Altera a redação do art. 6° da portaria 1721/94(Currículo mínimo para o curso de Enfermagem).

1.455, de 29/11/95 - Relação das entidades que indicarão osnomes a serem considerados para a composição das Câmaras queintegram o CNE.

99, de 26/7/95 - Procedimentos operacionais relativos às trans-ferências de recursos financeiros destinados ao financiamento deprojetos na área de educação básica.

631 (Interministerial MEC/MICT), de 5/6/95 - Instituições fede-rais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica pode-rão contratar, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei 8.666/93,

com entidades criadas com a finalidade de dar apoio a projetos depesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional,científico e tecnológico.

542, de 10/5/95 - Determina à FAE (Fundação de Assistência aoEstudante) que destine recursos para aquisição de livros didáticosrelativos às disciplinas de 5ª a 8ª séries do ensino fundamentalministrado nas escolas das redes públicas.

385, de 28/4/95 - Altera o art. 5º da Portaria 1.714, de 14/12/94(suspensão de ingressos de processos diversos no MEC).

7- Resoluções e instruções (de todos os órgãos do MECe de outros Conselhos, com exceção do CNE, cujos parece-res e resoluções são listados nos itens 8 e 9, mais adiante).Como a maioria é do FNDE (da sua Secretaria Executiva edo seu Conselho Deliberativo), só serão identificadas as deoutros órgãos. Como a maioria é composta de resoluções,apenas as instruções (a minoria) são identificadas. São indi-cadas também, no item 7.2, as resoluções e instruções rela-tivos à educação dos seguintes conselhos e órgãos: Con-selho Federal de Administração (CFA), Ordem dos Advoga-dos do Brasil (OAB), Conselho Nacional de Assistência So-cial (CNAS), Conselho Nacional de Imigração (CNI),Secretaria da Receita Federal (SRF).

7-1 - Órgãos do MECAno 200139, de 24/9/01 - Assistência financeira suplementar a projetos

educacionais no âmbito do Ensino Fundamental em 2001 (meren-da escolar).

28, de 28/6/01 - Orientações e diretrizes para assistência finan-ceira suplementar a projetos educacionais no âmbito do PNTE em2001.

27, de 28/6/01 - Critérios para apresentação dos documentosde habilitação necessários à celebração de convênios e formuláriosde prestação de contas.

24, de 20/6/01 - Orientações e diretrizes para assistência finan-ceira suplementar a projetos educacionais no âmbito da EducaçãoEspecial em 2001.

17, de 20/6/01 - Aprova a execução da Campanha Nacional deReabilitação Visual Olho no Olho, no âmbito do Programa Nacionalde Saúde do Escolar, para o exercício de 2001.

15, de 7/6/01 - Dispõe sobre os critérios e formas de transferên-cia e de prestação de contas dos recursos do Programa Dinheiro

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Direto na Escola - PDDE, destinados ao atendimento das escolasde educação especial, revoga a Resolução 8, de 8/3/00, e dá ou-tras providências.

14, de 16/5/01 - Orientações e diretrizes para assistência finan-ceira suplementar a projetos educacionais no âmbito dos Pro-gramas de Correção do Fluxo Escolar - Aceleração da Aprendiza-gem e Paz na Escola, da Educação Escolar Indígena e das Áreas Re-manescentes de Quilombos, para o ano de 2001.

13, de 26/4/01 - Orientações e diretrizes para assistência finan-ceira suplementar a projetos educacionais no âmbito do EnsinoFundamental para o ano de 2001.

12, de 26/4/01 - Orientações e diretrizes para assistência finan-ceira suplementar a projetos educacionais no âmbito da Educaçãode Jovens e Adultos para o ano de 2001.

13, de 26/4/01 - Orientações e diretrizes para assistência finan-ceira suplementar a projetos educacionais no âmbito do EnsinoFundamental para o ano de 2001.

11, de 20/4/01 - Orientações e diretrizes para assistência finan-ceira suplementar a projetos educacionais no âmbito da EducaçãoPré-Escolar, para o ano de 2001.

9, de 20/3/01 - Dispõe sobre os critérios e formas de transfe-rência e de prestação de contas dos recursos destinados à execu-ção do Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, revoga as reso-luções que menciona, e dá outras providências. (Revoga as resolu-ções 8, de 8/3/00, e 24, de 6/10/00).

3, de 21/2/01 - Execução do Programa Nacional do Livro Didá-tico.

1, de 6/2/01 - Sistematização e consolidação dos procedimen-tos administrativos de prestações de contas dos recursos financei-ros repassados à conta do Programa Nacional de Alimentação Es-colar (PNAE), a ser encaminhado pelo Conselho de AlimentaçãoEscolar (CAE), com parecer conclusivo, ao FNDE.

Ano 20005, de 22/12/00 - Sistematizar e consolidar procedimentos admi-

nistrativos de pagamentos decorrentes de decisões judiciais.3, de 18/12/00 - Dispõe sobre a arrecadação direta ao FNDE da

contribuição social do salário-educação em razão da opção peloSistema de Manutenção de Ensino Fundamental (SME), e dá ou-tras providências.

4, de 18/12/00 - Atendimento por estabelecimento particularde ensino fundamental a alunos beneficiários do programa SME,nas modalidades “Aquisição de Vagas” e “Escola Própria”, e dáoutras providências. Assunto: salário-educação.

27, de 15/12/00 - Prestação de contas do PGRM (Programa deGarantia de Renda Mínima) e outras providências.

24, de 6/10/00 - Alteração dos arts. 7º, 8º, 11 e 12 da Resolução8, de 8/3/00.

16, de 5/9/00 - Aprova a execução do programa, a ação de ensi-no, o nível/modalidade para o processo que especifica, para oexercício de 2000, nos moldes previstos nas Normas para Assistên-cia Financeira a Programas e Projetos Educacionais de 1999, apro-vada pelo Conselho Deliberativo do FNDE por meio da Resolução4, de 21/1/99, revalidada pela resolução 5, de 8/2/00.

17, de 5/9/00 - Aprova, na forma do anexo à presente resolu-ção, os convênios referentes à execução do Programa de TrabalhoAnual (PTA), financiados com recursos do salário-educação e ou-

tras fontes, firmados pelo FNDE.18, de 5/9/00 - Aprova, na forma do anexo à presente resolução,

os convênios referentes à execução dos programas Nacional deTransporte do Escolar e Saúde do Escolar/2000, financiados comrecursos do salário-educação e outras fontes, firmados pelo FNDE.

19, de 5/9/00 - Dispõe sobre o PROINSPE (Programa de Ins-peção Integrada de empresas e escolas) e dá outras providências.

20, partes 1 e 2, de 5/9/00 - Aprovação de convênios e termosaditivos firmados pelo FNDE para a execução do PGRM.

21, partes 1 e 2, de 5/9/00 - Aprovação de convênios firmadospelo FNDE com ONGs para execução do PDDE.

22, de 5/9/00 - Execução do PNLD (Programa Nacional do LivroDidático).

15, de 25/8/00 - Critérios e formas de transferência de recursosfinanceiros às secretarias de educação dos estados e do DistritoFederal, às prefeituras municipais e às escolas federais, à conta doPNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).

14, de 15/8/00 - Determina que, no exercício de 2000/2001, asescolas do ensino fundamental das redes públicas federal, esta-dual, municipal e do Distrito Federal participantes do ProgramaParâmetros em Ação sejam providas de materiais didático-pedagó-gicos voltados para a capacitação do docente.

1 (Sesu), de 7/8/00 - Seleção pública de candidatos aos Progra-mas de Residência Médica.

13, de 31/5/00 - Aprova a execução do Programa Nacional deSaúde do Escolar (PNSE) para o exercício de 2000, em favor dosestados, Distrito Federal e organizações não-governamentais, com-preendendo o financiamento de ações destinadas à produção dematerial didático-pedagógico, capacitação de docentes, prestação deserviços e aquisição de aparelhos para correções visual e auditiva.

2, de 25/5/00 - Aprova os papéis de trabalho da auditoria e dáoutras providências.

12, de 22/5/00 - Critérios e formas de transferência de recursosdestinados a apoiar financeiramente os municípios que instituíremprogramas de garantia de renda mínima, associados a ações sócio-educativas, de acordo com o que determina a Lei 9.533, de10/12/97, regulamentada pelo Decreto 3.117, de 13/7/99.

11, de 2/5/00 - Na execução da atividade de assistência financei-ra de que trata a Resolução 5, de 9/2/00, o FNDE exigirá, das enti-dades estaduais, municipais e do Distrito Federal, contrapartida emrecursos financeiros, ficando dispensada dessa exigência as organiza-ções não-governamentais filantrópicas e sem fins lucrativos.

10, de 21/3/00 - Na execução da atividade de assistência finan-ceira de que trata a Resolução 5, de 8/2/00, o FNDE exigirá, dasentidades estaduais, municipais e do Distrito Federal, contrapartidaem recursos financeiros e, das organizações não-governamentais,contrapartida em recursos financeiros ou em bens e serviços eco-nomicamente mensuráveis.

9, de 10/3/00 - Aprova os convênios 93.060 a 93.078, 93.082,93.084, 93.085, 93.087, 93.089 a 93.168, 93.170 a 94.301, 94.303a 94.338, 94.340 a 94.672, 94.674 a 94.944, 94.946 a 95.420 e95.422 a 95.472, referentes ao Programa de Trabalho Anual (PTA),financiado com recursos do salário-educação, firmados pelo FNDE.

7, de 8/3/00 - Critérios e formas de transferência de recursos fi-nanceiros às Secretarias de Educação dos estados e do Distrito Fe-deral, às prefeituras municipais e às escolas federais, á conta doPrograma Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 105UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

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Educação, Avaliação e Privatização

8, de 8/3/00 - Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). [Al-terado pela resolução 24, de 6/10/00].

6, de 18/2/00 - Aprova as normas para financiamento de proje-tos educacionais no âmbito do Fundo de Fortalecimento da Escola(Fundescola) - 2000, que acompanham esta resolução, estabele-cendo critérios e parâmetros para a concessão de assistência finan-ceira no exercício de 2000, a cargo dos projetos Fundescola I e II,a órgãos ou entidades federais, estaduais e municipais, para a exe-cução de ações voltadas à implementação e desenvolvimento doensino público fundamental regular, em zonas de atendimentoprioritário dos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

4, de 31/1/00 - Aprova a ação para o nível/modalidade de ensi-no e processo que especifica, para o exercício de 2000, nos mol-des previstos nas normas para Assistência Financeira a Programase Projetos Educacionais de 1999 aprovada pelo Conselho Delibe-rativo do FNDE por meio da Resolução 4, de 21/1/99.

Ano 199930, de 20/12/99 - Normas a serem observadas pela empresa

contribuinte do salário-educação responsável pela indicação dosalunos beneficiários da aplicação realizada em favor do ensino fun-damental dos seus empregados e dependentes à conta de dedu-ções desta contribuição social.

31, de 9/12/99 - Unidades executoras no âmbito das resoluções4, de 21/1/99, e 13, de 19/4/99, do Conselho Deliberativo do FNDE,de programas e projetos educacionais financiados pelo FNDE.

28, de 9/11/99 - Altera o inciso I, alínea “a” e o inciso III do art.2º da Resolução 8, de 23/3/99, publicada no D.O.U. de 24/3/99,Seção I, p. 47.

24, de 17/9/99 - Dispõe sobre o processo de assistência finan-ceira do FNDE em favor dos Estados, Distrito Federal, Municípios eOrganizações Não-Governamentais (ONGs) e revoga a Resolução5, de 26/5/97.

2 (SESU), de 9/9/99 - Processo de seleção de candidatos àadmissão em programas de Residência Médica.

19, de 15/7/99- Aprova o Manual do Conselho de AlimentaçãoEscolar do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), exe-cutado pela Diretoria de Ações de Assistência Educacional do FNDE.

20, de 15/7/99 - Altera a redação do § 2º do art. 6º da Resolu-ção 3, de 21/1/99, do FNDE.

5, de 2/2/99 - Isenção dos acréscimos legais incidentes sobre acontribuição social do salário-educação, aos contribuintes optantespelo Sistema de Manutenção de Ensino - SME.

2, de 21/1/99 - Critérios e formas de transferência de recursosfinanceiros às Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Fe-deral, às Prefeituras Municipais e às Escolas Federais.

3, de 21/1/99 - Dispõe sobre o Programa Dinheiro Direto naEscola e revoga a resolução 5, de 6/4/98.

Anos 1995-98Instrução 1, de 15/12/98 - Normas a serem observadas pela

empresa contribuinte do salário-educação responsável pela indica-ção dos alunos beneficiários da aplicação realizada em favor doensino fundamental dos seus empregados e dependentes, à contade deduções desta contribuição social. Revoga a Instrução 1, de15/12/97.

Instrução 2, de 15/12/98 - Estabelece normas a serem observa-

das pelo estabelecimento particular de ensino, como prestador deserviço ao FNDE, para atendimento dos alunos beneficiários daaplicação realizada em favor do ensino fundamental dos emprega-dos e dependentes da empresa contribuinte do salário-educação,e aprova contrato-padrão. Revoga a Instrução 2, de 15/12/97.

22, de 15/12/98 - Aprova as instruções 1 e 2, de 15/12/98.6, de 4/2/99 - Altera a resolução 18, de 21/9/98, que trata do

Programa Nacional de Renda Mínima.2, de 11/2/98 - Isenção dos acréscimos legais incidentes sobre

a contribuição social do salário-educação, aos contribuintes optan-tes pelo Sistema de Manutenção de Ensino (SME).

1, de 20/1/98 - Processo de assistência financeira do FNDE emfavor de órgão ou entidades federais, municipais e organizaçõesnão-governamentais, por intermédio de projetos educacionais ela-borados sob a forma de Plano de Trabalho.

Instrução 1, de 15/12/97 - Normas a serem observadas pelaempresa contribuinte do salário-educação responsável pela indica-ção dos alunos beneficiários da aplicação realizada em favor doensino fundamental dos seus empregados e dependentes, à contade deduções desta contribuição social. Revoga a Instrução 1, de23/12/96.

Instrução 2, de 15/12/97 - Estabelece as normas a serem obser-vadas pelo estabelecimento particular de ensino, como prestadorde serviço ao FNDE, para atendimento dos alunos beneficiários daaplicação realizada em favor do ensino fundamental dos emprega-dos e dependentes da empresa contribuinte do salário-educação,e aprova contrato-padrão. Revoga a Instrução 2, de 23/12/96.

14, de 16/12/97 - Aprova as instruções 1 e 2, de 15/12/97.10, de 31/10/97 - Dispõe sobre o disposto no item VII da reso-

lução 5, de 26/5/97.5, de 26/5/97 - Processo de assistência financeira em favor dos

Estados, Distrito Federal, Municípios e Organizações Não-Governa-mentais (Retificação publicada em 19/6/97)

Instrução 1, de 23/12/96 - Normas a serem observadas pelaempresa contribuinte do salário-educação responsável pela indica-ção dos alunos beneficiários da aplicação realizada em favor doensino fundamental dos seus empregados e dependentes, à contade deduções desta contribuição social. Revoga a Instrução 2, de11/12/95.

Instrução 2, de 23/12/96 - Estabelece as normas a serem obser-vadas pelo estabelecimento particular de ensino, como prestadorde serviço ao FNDE, para atendimento dos alunos beneficiários daaplicação realizada em favor do ensino fundamental dos emprega-dos e dependentes da empresa contribuinte do salário-educação,e aprova contrato-padrão. Revoga a Instrução 3, de 11/12/95.

34, de 31/7/96 - Processo de assistência financeira em favor deórgãos ou entidades estaduais, municipais e não-governamentaisque menciona.

4, de 14/2/96 - Critérios e formas de transferência de recursosfinanceiros às escolas públicas das redes estadual, do Distrito Fe-deral e municipal, à conta do Programa de Manutenção e Desen-volvimento do Ensino Fundamental - PMDE.

1, de 15/1/96 - Restringe a assistência financeira do FNDE aoatendimento dos pleitos formulados em 1995.

Instrução 3, de 11/12/95 - Dispõe sobre a participação de esta-belecimentos particular de ensino como prestador de serviços aoFNDE, no Sistema de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

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Fundamental - SME, a vigorar no exercício de 1996, e revoga a Ins-trução 4/94

Instrução 2, de 11/12/95 - Dispõe sobre a aplicação dos recur-sos oriundos do Sistema de Manutenção e Desenvolvimento doEnsino Fundamental - SME por empresa optante e sobre o contro-le e a fiscalização destes recursos, a vigorar no exercício de 1996, erevoga a Instrução 3/94.

Instrução 1, de 12/6/95 - Operacionalização do Programa deApoio Tecnológico às Escolas das Redes Estadual e Municipal deEnsino Fundamental.

15, de 6/6/95 - Instituição do Programa de Apoio Tecnológicoàs Escolas das Redes Estadual e Municipal do Ensino Fundamental.

7-2 Outros órgãosRes. Normativa 226 (CFA), de 13/8/99 - Dispõe sobre o registro

especial, nos CRAs, dos diplomados em cursos seqüenciais deensino superior de formação específica, com destinação coletiva naárea de Administração e outras consideradas conexas.

Res. 31 (CNAS), de 24/2/99 - Concessão do registro a entida-des de fins filantrópicos.

Res. 32 (CNAS), de 24/2/99 - Concessão ou renovação do cer-tificado de entidades de fins filantrópicos.

Ins. Normativa 133 (SRF), de 13/11/98 - Altera o art. 13 da IN133, de 21/9/98.

Ins. Normativa 113 (SRF), de 21/9/98 - Obrigações de naturezatributária das instituições de educação.

Ins. Normativa 2 (OAB), de 5/12/97 - Critérios para análise dereconhecimento de cursos jurídicos.

Ins. Normativa 3 (OAB), de 5/12/97 - Critérios para análise deestágios, nos pedidos de autorização.

Ins. Normativa 1 (OAB), de 19/8/97 - Critérios a serem observa-dos nos pedidos de autorização de novos cursos jurídicos.

Res. Normativa 1 (CNI), de 29/4/97 - Concessão de visto paraprofessor ou pesquisador de alto nível e para cientistas estrangeiros.

8- Pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE)

8.1 - Conselho Pleno (CP)CP 28/01, de 2/10/01 - Nova redação ao Parecer CP 21/01.CP 27/01, de 2/10/01 - Nova redação ao Parecer CP 9/01.CP 21/01, de 6/8/01 - Duração e carga horária dos cursos de

formação de professores da educação básica, em nível superior,curso de licenciatura, de graduação plena.

CP 15/01, de 2/7/01 - Aprecia a Indicação CP 1/01, que dispõesobre o caráter público das sessões das câmaras do CNE.

CP 9/01, de 8/5/01 - Diretrizes Curriculares Nacionais para aFormação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior,Curso de Licenciatura, de graduação plena.

CP 10/00, de 9/5/00 - Proposta de revisão do Decreto Federal3.276/99.

CP 115/99, de 10/08/99 - Institutos Superiores de Educação.CP 98/99, de 6/7/99 - Processo seletivo para acesso ao ensino

superior.CP 97/99, de 6/4/99 - Formação de professores para o ensino

religioso nas escolas públicas de ensino fundamental.CP 59/99, de 28/01/99 - Diretrizes Gerais para os Institutos Su-

periores de Educação.

CP 95/98, de 2/12/98 - Regulamentação de processo seletivopara acesso a cursos de graduação de Universidades, Centros Uni-versitários e Instituições Isoladas de Ensino Superior.

CP No. 026/97, de 02/12/97 - Financiamento da educação naLei 9.394.

CP 16/97, de 4/11/97 - Indicação No. 02/97 - Normas para sim-plificação dos registros e do arquivamento de documentos escolares.

CP 11/97, de 7/10/97 - Transferência ex-officio.CP 06/97, de 6/5/97 - Consulta sobre matrícula em cursos su-

periores.CP 08/97, de 6/5/97 - Apreciação da Indicação CNE 1/97, que

propõe alteração da Resolução CNE 1/97.CP No. 04/97, de 11/03/97 - Proposta de resolução referente ao

programa especial de formação de professores para 1º e 2º grausde ensino - Esquema I.

CP 05/97, de 11/3/97 - Interpretação do Art. 33 da Lei 9.394/96(ensino religioso).

CP 02/97, de 30/01/97 - Projeto de resolução que estabelecenormas de funcionamento do CNE.

CP 01/96, de 8/10/96 - Avaliação de sugestões de estratégiaspara atendimento das necessidades prementes de (re) qualificaçãoprofissional.

8.2 - Câmara de Educação Básica (CEB)CEB 15/01, de 2/7/01 - Solicita revisão do Parecer CEB 9/01

(técnico em radiologia)CEB 14/01, de 4/6/01 - Consulta sobre a oferta de cursos de

Educação de Jovens e Adultos.CEB 13/01, de 7/5/01 - Autorização para aplicação de provas no

exterior - Educação de jovens e adultos.CEB 11/01, de 3/4/01 - Consulta sobre a idade mínima para

matrícula de alunos na Educação Básica.CEB 9/01, de 13/3/01 - Consulta sobre a formação de Técnicos

em Radiologia.CEB 6/01, de 30/01/01 - Consulta sobre currículos do ensino

fundamental e do ensino médio no que diz respeito ao entendi-mento das expressões “parte diversificada” e “base comum nacio-nal” .

CEB 5/01, de 30/01/01 - Consulta sobre anulação do ParecerCNE/CEB nº 13/98, relativo à qualificação profissional de Auxiliarde Fisioterapia.

CEB 4/01, de 30/01/01 - Consulta sobre o entendimento e oalcance das expressões “Órgão responsável pela Educação” e “Ór-gãos responsáveis pelos Sistemas de Ensino”.

CEB 3/01, de 30/01/01 - Retifica o Parecer CEB 27/00, que res-ponde consulta quanto à forma de remuneração do Secretário deEducação do Município.

CEB 2/01, de 30/01/01 - Consulta sobre a distribuição da quotaestadual do salário-educação.

CEB 1/01, de 30/01/01 - Consulta sobre Inclusão de Educaçãodo Trânsito no Currículo das Escolas da Rede Municipal de Ensino.

CEB 10/01, de 3/4/01 - Consulta sobre convênio entre institui-ções de educação profissional para ministrar cursos de educaçãotécnica profissional a distância.

CEB 33/00, de 7/11/00 - Novo prazo final para o período detransição para a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionaispara a Educação Profissional de Nível Técnico.

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 107UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Educação, Avaliação e Privatização

Page 101: Francisco de Oliveira...de fato transformadora requer medi-das mais amplas, magnas. Essas considerações preliminares têm o propósito de problematizar o debate sobre a crise atual

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE108 - Ano XII, Nº 28, novembro de 2002

Educação, Avaliação e Privatização

CEB 15/00, de 4/7/200 - Pertinência do uso de imagens comer-ciais nos livros didáticos.

CEB 10/00, de 5/4/00 - Orientações sobre os procedimentospara a implantação da Educação Profissional de Nível Técnico.

CEB 4/00, de 16/2/00 - Diretrizes Operacionais para a Educa-ção Infantil.

CEB 16/99, de 5/10/99 - Diretrizes Curriculares Nacionais paraa Educação Profissional de Nível Técnico.

CEB 15/99, de 14/9/99 - Responde a consulta sobre abono defaltas a estudantes que se ausentem regularmente dos horários deaulas em razão de convicções religiosas.

CEB 14/99, de 14/9/99 - Diretrizes Nacionais para o funciona-mento de escolas indígenas.

CEB 2/99, de 29/1/99 - Referencial curricular nacional para aeducação infantil.

CEB 1/99, de 29/1/99 - Diretrizes Curriculares Nacionais para aformação de professores na modalidade normal em nível médio.

CEB 22/98, de 17/12/98 - Diretrizes Curriculares Nacionais daEducação Infantil.

CEB 20/98, de 2/12/98 - Consulta relativa ao Ensino Funda-mental de 9 anos.

CEB 15/98, de 1/6/98 - Diretrizes Curriculares Nacionais para oEnsino Médio.

CEB 4/98, de 29/1/98 - Diretrizes Curriculares para o EnsinoFundamental.

CEB 18/97, de 03/12/97 - Instituição da habilitação profissionalplena de Técnico em Automobilística.

CEB 17/97, de 03/12/97 - Diretrizes operacionais para a educa-ção profissional, em nível nacional.

CEB 16/97, de 2/12/97 - Competência do Licenciado em Peda-gogia para o exercício do magistério das quatro primeiras séries doensino fundamental.

CEB 15/97, de 03/11/97 - Responde a consulta sobre o ensinofundamental e médio (supletivo) com utilização de metodologiade ensino à distância.

CEB 14/97, de 03/11/97 - Responde a consulta sobre a Lei8.623/93, que dispõe sobre a profissão de Guia de Turismo.

CEB 12/97, de 08/10/97 - Esclarece dúvidas sobre a Lei 9.394(Complementa o Parecer CEB No. 5/97).

CEB 10/97, de 03/09/97 - Diretrizes para os Novos Planos deCarreira e Remuneração do Magistério dos Estados, do Distrito Fe-deral e dos Municípios.

CEB 09/97, de 02/09/97 - Solicita mudança de nomenclaturado Técnico em Processamento de Dados para Técnico em Infor-mática.

CEB 8/97, de 7/7/97 - Instituição, em nível nacional, da habilita-ção plena em desenhista de projetos e as habilitações parciais emdesenhista copista, auxiliar desenhista técnica e auxiliar desenhistaprojetista.

CEB 07/97, de 09/06/97 - Instituição, em nível nacional, da ha-bilitação profissional de Técnico em Biotecnologia.

CEB 06/97, de 09/06/97 - Aprecia proposta de reestruturaçãodo Curso de Estudos Adicionais para formação de professores naárea de deficiência auditiva.

CEB 05/97, de 07/05/97- Proposta de regulamentação da Lei9.394 (LDB), de 20/12/96.

CEB 03/97, de 12/03/97 - Aprecia os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs). CEB 4/97, de 11/3/97 - Criação da habilitação do curso de téc-

nico em estilismo em confecção industrial do Centro de Tecnologiada Indústria Química e Têxtil/RJ.

CEB 1/96, de 2/12/96 - Institui a habilitação profissional de téc-nico em agropecuária.

8.3 - Câmara de Ensino Superior (CES)CES 1.314/01, de 7/11/01 - Diretrizes curriculares para o curso

de PsicologiaCES 1.304/01, de 6/11//01 - Diretrizes curriculares nacionais

dos cursos de Física.CES 1.303/01, de 6/11/01 - Diretrizes curriculares nacionais dos

cursos de Química.CES 1.301/01, de 6/11/01 - Diretrizes curriculares nacionais

dos cursos de Ciências Biológicas.CES 1.300/01, de 6/11/01 - Diretrizes curriculares nacionais dos

cursos de graduação em Farmácia e Odontologia.CES 1.295/01, de 6/11/01 - Normas relativas à admissão de

equivalência de estudos e inclusão de Ciências Militares no rol dasciências estudadas no país.

CES 1.210/01, de 12/9/01 - Diretrizes curriculares nacionais doscursos de graduação em Fisioterapia, Fonoaudiologia e TerapiaOcupacional.

CES 1.133/01, de 7/8/01 - Diretrizes curriculares nacionais doscursos de graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição.

CES 1.021/01, de 4/7/01 - Reconhecimento de programas depós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), recomendadosem 26 de abril de 2001 pelo Conselho Técnico Científico da Capes.

CES 864/01, de 5/6/01 - Validade de projetos de cursos de pós-graduação stricto sensu, em convênio de parceria com instituições.

CES 859/01, de 5/6/01 - Encaminha recomendação 1/01, de8/3/01, do Conselho Técnico Científico da Capes, que dispõe sobrea validade dos cursos de pós-graduação stricto sensu.

CES 852/01, de 5/6/01 - Consulta sobre a competência dosConselhos Estaduais de Educação para autorizar cursos de especia-lização presenciais fora de sede.

CES 678/01, de 9/5/01 - Consulta sobre a resolução CNE 2/97(adaptação dos Estatutos das IES à LDB).

CES 583/01, de 4/4/01 - Orientação para as diretrizes curricula-res dos cursos de graduação.

CES 577/01, de 4/4/01 - Recredenciamento de IES.CES 492/01, de 3/4/01 - Diretrizes Curriculares dos cursos de

Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social,Ciências Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museo-logia.

CES 353/01, de 21/2/01 - Encaminha as recomendações e osrespectivos conceitos atribuídos pelo CTC no segundo semestre de2000, aos programas de pós-graduação stricto sensu que pleitea-ram o ingresso no sistema de avaliação

CES 142/01, de 31/01/2001 - Aprecia a Indicação CES 03/00,que propôs a constituição de comissão para analisar a questão davalidade de títulos expedidos por instituições brasileiras associadasa instituições estrangeiras ou expedidos diretamente por institui-ções estrangeiras.

CES 133/01, de 30/01/2001 - Esclarecimentos quanto à forma-ção de professores para atuar na Educação Infantil e nos Anos ini-

Page 102: Francisco de Oliveira...de fato transformadora requer medi-das mais amplas, magnas. Essas considerações preliminares têm o propósito de problematizar o debate sobre a crise atual

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 109

Educação, Avaliação e Privatização

ciais do Ensino Fundamental.CES 1.183, de 6/12/00 - Recredencia-

mento de IES.CES 373/00, de 5/4/00 - Consulta

sobre aprovação de professores para cur-sos de graduação.

CES 364/00, de 5/4/00 - Consulta so-bre matrícula de candidatos aos progra-mas especiais de formação pedagógicapara disciplinas do currículo do ensinofundamental, ensino médio e da educa-ção profissional de nível médio.

CES 303/00, de 4/4/00 - Consulta sobre a matrícula em cursosde especialização de candidatos recém-graduados que ainda nãopossuem o diploma de graduação.

CES 288/00, de 14/3/00 - Consulta tendo em vista o art. 64 daLei 9.394/96 (Formação de profissionais da educação para admi-nistração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educa-cional).

CES 235/00, de 16/2/00 - Consulta sobre a extinção de habili-tações no curso de Pedagogia e reformulação de seu currículo.

CES 88/00, de 27/1/00 - Autorização para oferta de cursos dePedagogia, Letras e Matemática, licenciaturas plenas, em caráterexcepcional.

CES 1046/99, de 10/11/99 - Consulta sobre os cursos de pós-graduação, com fulcro no Artigo 64 da Lei 9.394/96.

CES 970/99, de 9/11/99 - Curso normal superior e a habilitaçãoem educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental noscursos de Pedagogia.

CES 765/99, de 10/8/99 - Forma de ingresso em instituições deeducação superior de alunos provenientes de instituições teológicas.

CES 617/99, de 8/6/99 - Aprecia projeto de resolução que fixacondições de validade dos certificados de cursos de especialização.

CES 505/99, de 19/5/99 - Aprecia Indicação 1.103/98 da Câ-mara dos Deputados sobre reconhecimento de cursos superioresde Teologia como de graduação.

CES 241/99, de 15/3/99 - Cursos superiores de Teologia.CES 118/99, de 29/1/99 - Retificação do parecer CES 930/98,

relativo ao reconhecimento dos cursos de pós-graduação (mestra-do e doutorado).

CES 968/98, de 17/12/98 - Cursos seqüenciais no ensino supe-rior.

CES 908/98, de 2/12/98 - Especialização em área profissional.CES 738/98, de 5/11/98 - Critérios para a avaliação das solici-

tações de credenciamento de centros universitários.CES 556/98, de 5/8/98 - Recredenciamento das instituições de

ensino superior: condições, requisitos e procedimentos.CES 112/98, de 30/1/98 - Prerrogativas de autonomia para

abrir cursos fora de sede e para aumentar vagas.CES 84/98, de 29/1/98 - Consulta sobre o art. 48 da Lei 9.394/96.CES 776/97, de 03/12/97 - Orientação para as diretrizes curricu-

lares dos cursos de graduação.CES 750/97, de 03/12/97 - Prorrogação do prazo para adapta-

ção dos Estatutos das Universidades e Centros Universitários cre-denciados pela CES/CNE.

CES 744/97, de 03/12/97 - Orientações para cumprimento doart. 65 da Lei 9.394 - Prática de Ensino.

CES 670/97, de 06/11/97 - Cursos se-qüenciais no ensino superior.

CES 630/97, de 5/11/97 - Esclareci-mento sobre a validade ou não da ofer-ta de curso de licenciatura curta.

CES 600/97, de 03/11/97 - Autono-mia didático-científica das universidadese centros universitários do sistema fede-ral de ensino, e de seu exercício peloscolegiados de ensino e pesquisa.

CES 579/97, de 3/11/97 - Aviso No.344/97 - MEC/Secretaria de Educação Técnica e Tecnológica solici-ta mudança na nomenclatura de Técnico em Processamento deDados para Técnico em Informática.

CES 576/97, de 08/10/97 - Consulta sobre o art. 48 da Lei 9.394(diplomas de cursos superiores).

CES 553/97, de 08/10/97 - Interpretação do art. 52, inciso I, daLei 9.394/96 (produção intelectual institucionalizada).

CES 525/97, de 2/9/97 - Retificação do parecer 201/97 (consul-ta sobre o parecer CES 53/96).

CES 434/97, de 8/7/97 - Afinidade de curso para efeito de trans-ferência de aluno.

CES 377/97, de 11/6/97 - Consulta sobre a prerrogativa de uni-versidades estenderem cursos mantidos no Campus Central aosseus Campi autorizados e incorporados à sua estrutura central.

CES 376/97, de 11/06/97 - Obrigatoriedade da disciplina Edu-cação Física no ensino superior.

CES 316/97, de 07/05/97 - Esclarecimentos sobre a resolução12/83 (freqüência mínima para cursos de pós-graduação lato sensu)

CES 297/97, de 07/05/97 - Regulamenta o § 1º do art. 48 da Lei9.394 (registro de diplomas pelas Universidades).

CES 296/97, de 07/05/97 - Propõe critérios de reconhecimento do“notório saber” de acordo com o parágrafo único do art. 66 da LDB.

CES 51/97, de 30/01/97 - Prazo para que as instituições de edu-cação superior do sistema federal de educação adaptem seus esta-tutos e regimentos à nova LDB.

CES 78/96, de 7/10/96 - Solicita estudo sobre a adoção demedidas coibindo a revalidação de diplomas de graduação e pós-graduação na modalidade de ensino à distância, oferecidos peloColégio Brasileiro de Aperfeiçoamento e Pós-Graduação-COBRA.

CES 53/96, de 7/8/96 - Alteração de vagas iniciais nas institui-ções isoladas do sistema federal de ensino superior.

CES 44/96, de 7/8/96 - Cursos presenciais de pós-graduaçãofora de sede.

CES 23/96, de 10/7/96 - Propõe critérios para convalidação deestudos.

9- Resoluções do Conselho Nacional de Educação9.1 Conselho PlenoCP 1/99, de 30/9/99 - Institutos superiores de educação.CP 3/97, de 7/7/97 - Pedidos de recurso contra decisões do

Conselho Pleno e das Câmaras.CP 2/97, de 26/6/97 - Programas especiais de formação peda-

gógica de docentes para as disciplinas do currículo do ensino fun-damental, do ensino médio e da educação profissional em nívelmédio.

CP 1/97, de 24/3/97 - Funcionamento do Conselho Nacional de

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Educação e outras providências.

9.2 - Câmara de Educação Básica (CEB)CEB 2/01, de 11/9/01 - Diretrizes Nacionais para a Educação Es-

pecial na Educação Básica.CEB 1/01, de 29/01/01 - Prorroga o prazo final definido pelo

art. 18 da Resolução CEB 4/99, com período de transição para aimplantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a EducaçãoProfissional de Nível Técnico.

CEB 1/00, de 5/7/00 - Diretrizes Curriculares Nacionais para aEducação de Jovens e Adultos.

CEB 4/99, de 10/12/99 - Diretrizes Curriculares Nacionais para aEducação Profissional de Nível Técnico (Ver também Resolução CEB1/01). Revoga o parecer 45/72 do Conselho Federal de Educação.

CEB 3/99, de 10/11/99 - Diretrizes Nacionais para o funciona-mento das escolas indígenas e outras providências.

CEB 2/99, de 19/4/99 - Diretrizes Curriculares Nacionais para aFormação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais doEnsino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal.

CEB 1/99, de 7/4/99 - Diretrizes Curriculares Nacionais para aEducação Infantil.

CEB 3/98, de 26/6/98 - Diretrizes Curriculares Nacionais para oEnsino Médio.

CEB 2/98, de 7/4/98 - Diretrizes Curriculares Nacionais para oEnsino Fundamental.

CEB 1/98, de 28/1/98 - Institui a habilitação profissional plenade Técnico em Desenho de Projetos e as habilitações profissionaisparciais de Desenhista Copista, Auxiliar Desenhista Técnico e Au-xiliar Desenhista Projetista.

CEB 3/97, de 8/10/97 - Diretrizes para o novo Plano de Carreirae de Remuneração do Magistério dos Estados, do Distrito Federal edos Municípios.

CEB 1/97, de 9/6/97 - Institui a habilitação plena de Técnico deEstilismo em Confecção Industrial, no nível do ensino médio.

CEB 2/97, de 9/6/97 - Institui a habilitação plena de Técnico emVestuário e as habilitações profissionais de Desenhista de Moda eAuxiliar de Desenvolvimento do Vestuário no nível médio.

9.3 - Câmara de Ensino Superior (CES)CES 5/01, de 7/11/01 - Diretrizes Curriculares Nacionais do cur-

so de graduação em Nutrição.CES 4/01, de 7/11/01 - Diretrizes Curriculares Nacionais do cur-

so de graduação em Medicina.CES 3/01, de 7/11/01 - Diretrizes Curriculares Nacionais do cur-

so de graduação em Enfermagem.CES 2/01, de 3/4/01 - Cursos de pós-graduação strictu sensu

oferecidos no Brasil por instituições estrangeiras, diretamente oumediante convênio com instituições nacionais.

CES 1/01, de 3/4/01 - Normas para o funcionamento de cursosde pós-graduação.

CES 3/99, de 5/10/99 - Condições de validade dos certificadosde cursos presenciais de especialização. Revoga a Resolução 12/83do Conselho Federal de Educação.

CES 2/99, de 19/5/99 - Plenificação de licenciaturas curtas porfaculdades e faculdades integradas do sistema federal de ensino.

CES 1/99, de 27/1/99 - Cursos seqüenciais de educação supe-rior, nos termos do art. 44 da Lei 9.394.

CES 4/98, de 14/8/98 - Prorrogação do prazo para adaptaçãodos estatutos e regimentos das instituições de ensino superior dosistema federal de ensino à Lei 9.394.

CES 3/98, de 20/7/98 - Alteração de turnos de funcionamentode cursos de instituições de educação superior não-universitárias.

CES 1/98, de 7/4/98 - Prorroga o prazo para adaptação à Lei9.394/96 dos Estatutos das Universidades e Centros Universitárioscredenciados em 1996 e 1997.

CES 2/98, de 7/4/98 - Indicadores para comprovar a produçãointelectual institucionalizada, para fins de credenciamento, nos ter-mos do art. 46 e do art. 52, inciso I da Lei 9.394.

CES 2/97, de 13/8/97 - Prazo para adaptação dos estatutos eregimentos das instituições de ensino superior do sistema federalde ensino à Lei 9.394.

CES 3/97, de 13/8/97 - Registro de diplomas nos dois primeirosanos de vigência da Lei 9.394.

CES 4/97, de 13/8/97 - Altera a redação do art. 5º da Resolução12/83 do Conselho Federal de Educação (freqüência mínima paracursos de pós-graduação lato sensu)

CES 5/97, de 13/8/97 - Autorização para o prosseguimento dasatividades dos cursos na área de saúde, criados e implantados poruniversidades credenciadas, no período compreendido entre a da-ta de vigência da Lei 9.394, de 20/12/96, e do Decreto 2.207, de15/4/97.

CES 1/97, de 26/2/97 - Condições para validade de diplomas decursos de graduação e de pós-graduação em níveis de mestrado edoutorado, oferecidos por instituições estrangeiras, no Brasil, nasmodalidades semi-presenciais ou à distância.

CES 1/96, de 19/8/96 - Condições para que os estabelecimen-tos isolados de ensino superior vinculados ao sistema federal deensino, de acordo com a demanda e as necessidades sociais eregionais, possam aumentar ou reduzir em até 25% o número devagas iniciais de seus cursos.

CES 2/96, de 19/8/96 - Normas para autorização de cursos pre-senciais de pós-graduação lato sensu fora de sede, para qualifica-ção do corpo docente, e outras providências.

Referências bibliográficasABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Supe-

rior). Ensino Superior - Legislação Atualizada - anos 1997, 1998 e 1999.Brasília. (http://www.abmes.org.br)

BRASIL Presidência da República. (http://www.planalto.gov.br). BRASIL Mec. CNE (Conselho Nacional de Educação). (http://www.-

mec.gov.br)BRASIL Mec. Inep. Prolei (Programa de Legislação Integrada), dispo-

nível na página do Inep na Internet (http://www.inep.gov.br).BRASIL Senado Federal. Subsecretaria de Informações. Levanta-

mento de Medidas Provisórias. Dados atualizados até 20/9/00. 11ª edi-ção. Brasília, 2000.

Lex (coletânea de Legislação e Jurisprudência). São Paulo: Lex Edi-tora (periódico mensal)

*Introdução e compilação de Nicholas Davies, prof. da Faculdade deEducação da UFF (Universidade Federal Fluminense), Niterói, RJ-Maio de 2002.

110 - Ano XII, Nº 28, novembro de 2002

Educação, Avaliação e Privatização

Page 104: Francisco de Oliveira...de fato transformadora requer medi-das mais amplas, magnas. Essas considerações preliminares têm o propósito de problematizar o debate sobre a crise atual

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 113

Debates Contemporâneos

6Comecemos pelo fim. A guerrado Afeganistão, repetem-nos, hámeses, acabou. Quais são os seusresultados?

Para a maior parte dos políticose dos meios de comunicação, dolado de cá e do lado de lá do Atlân-tico, não existe nenhuma dúvida: a

guerra foi um enorme sucesso. Em-blemática, a respeito, a abordagemde Tony Blair, que o The Economistde outubro passado definiu como“o melhor propagandista dos Es-tados Unidos da América” o que,neste caso, não se pode desmentir.Na Frankfurter Allgemeine Zeitung,

Um “sucesso extraordinário”. As mentiras da guerra no Afeganistão.1

Vladimiro Giacché

“Combatamos pelos valores da civilização, parafazer avançar a causa da justiça, da liberdadehumana e da dignidade em todo o mundo”George W. Bush2

“Estamos aqui com a finalidade única decaçar os terroristas do país e de estabelecerum governo que não proteja o terrorismo”Donald Rumsfeld3

“A resistência afegã (contra os Soviéticos) foisustentada pelos serviços secretos dos USA e daArábia Saudita com o fornecimento de armasno valor de cerca de 6 bilhões de dólares. E azona ocupada na semana passada4, como ébem conhecida pela CIA, um complexo de seisacampamentos nas cercanias de Khost, onde osaudita exilado Osama Bin Laden financiouuma espécie de ‘universidade para terroristas’,para usar as palavras de um alto oficial da intelligence americana”.New York Times, 24 de agosto de 1998

“Quando vi na TV crianças afegãs mortas emoribundas, experimentei um sentimento renovado de segurança nacional. God bless America”Kate Sierra5

“Ao invés de enfrentar os problemas, oOcidente, pelo contrário, deixou-se absorverpela euforia insensata de uma nova vitória. Aquela contra o talebã. Uma euforia que parece alimentada deliberadamente parafazer esquecer os problemas reais do mundo. Uma espécie de cortina de fumaça inventadapara distrair a atenção do grande público”Mikhail Gorbatchev6

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de 8 de janeiro passado, podia efetiva-mente ser lido: “Blair define a guerrano Afeganistão como um sucesso ex-traordinário”. O subtítulo do artigo di-zia: “Continua-se a ignorar onde BinLaden se esconde”. Realmente um belosucesso...

Busquemos então enumerar os ob-jetivos declarados da guerra do Afega-nistão e verificar, se e em que medida,foram conseguidos.

I. Os “objetivos gerais”Objetivo nº 1: prender (“vivo ou morto”) Bin Laden e derrotar o “terrorismo internacional”Resultado: Bin Laden desapareceu

no nada.Mas a coisa não parece mais indis-

por tanto os americanos. Assim, o Mi-nistro da Defesa Rumsfeld, interpeladoa respeito, assume o tom seráfico deum sábio taoísta: “Prenderemos ounão prenderemos. Viverá ou morrerá.Está no Afeganistão ou em outra parte.Tentaremos encontrá-lo, se é que sepode achar, e tentaremos processá-lode um modo ou de outro”.7 E Kissinger- com uma calma decididamente sur-preendente - sustenta que a captura deBin Laden “tornou-se uma tarefa dosórgãos de intelligence mais do que dosboinas verdes”. A intelligence america-na levou a sério (Kissinger é um dosque entende de terroristas, pagou e ar-mou uma legião deles, a começar peloGeneral Pinochet) e - visto a inutilida-de das bombas de 7 toneladas e dosbombardeios que varreram cidades ealdeias afegãs - decidiu dotar-se dosmais modernos meios de investigação:assim, em 14 de março, o The Washin-gton Times informou-nos, finalmente,do fato que os afegãos que derem no-tícias úteis para a captura de Bin Ladenreceberão em troca ovelhas, instru-mentos agrícolas e sacos de sementes(tendo se demonstrado até agora inú-til o corte de 25 milhões de dólares

levado a efeito pelo Pentágono, no iní-cio da guerra).

Mas Mr. Rumsfeld e Mr. Kissingernão estão sozinhos. Se efetivamente al-gum jornalista, por bondade, chega aadmitir que a ausência da captura deBin Laden “deixa uma sombra sobre avitória da guerra do Afeganistão”8, oimperturbável Ministro da Defesa9

Martino, pelo contrário, como de hábi-to, está plenamente alinhado. E tem acoragem de sustentar que a captura deBin Laden e dos seus “não é agora tãoimportante assim”, “mesmo que a per-cepção da opinião pública vá em outradireção e espera que sejam presos.”10 Éverdadeiramente bizarra esta opiniãopública: convencem-na de todos osmodos que, para capturar um terroris-ta, é necessário fazer a guerra a umpaís e depois ela espera, inclusive, queeste terrorista também seja preso!

Como é sabido, o discurso que sefez para Bin Laden vale também para ochefe dos talebãs, o mullah Omar. To-dos lembram das chacotas dos telejor-nais sobre o fato de que ele tinha esca-pado de motocicleta, quando, obvia-mente, o ponto era que ele tinha esca-pado. O mesmo vale, em geral, maispara os cabeças do regime talebã. Em17 de dezembro, o The WashingtonPost e o Los Angeles Times revelavamcomo, na cidade de Kandahar, fortale-za do regime, sequer um líder talebãfora preso. Em 9 de janeiro, foram sol-tos diversos ministros dos talebãs: en-tre eles, o ex-ministro da - sit venia ver-bo - Justiça e o ex-chefe da Segurança.Ainda em 28 de março, a AgênciaReuters nos informava do fato de que

o mullah Rehmatullah, um chefe tale-bã acusado de haver coordenado ofluxo de combatentes árabes no inícioda guerra, preso apenas 4 dias antes,fora solto pelas pressões de sua triboque ameaçara romper com o governoprovisório. Em nível local muitos tale-bãs continuam a governar regiões e ci-dades. De resto, como se sabe, a dife-rença entre mujaheddin e talebã é, porassim dizer, apenas de grau: por exem-plo, foi a Aliança do Norte que deu opassaporte afegão a Bin Laden, torna-do depois uma espécie de nume tute-lar para o regime talebã; foi a Aliançado Norte que destruiu as obras de artedo museu de Kabul, enquanto os tale-bãs decidiram fazer as coisas em gran-de estilo e destruíram as famosas está-tuas colossais de Buda.

Derrotada em todos os campos,portanto? Pareceria que sim. É de ficar-se atônito quando se sabe, a partir doThe Economist, que “os resultados mi-litares obtidos no Afeganistão deveri-am tornar orgulhosos os americanos eo mundo otimista”.11 Mas, atenção: osEstados Unidos têm um motivo legíti-mo de satisfação que consiste no fatode que se trata de uma derrota útil. Oencontro não realizado de Bin Ladenconsente efetivamente de “localizá-lo”

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É de ficar-se atônito quando se sabe, a partir do

The Economist, que “os resultados militares obtidos

no Afeganistão deveriam tornar orgulhosos

os americanos e o mundo otimista.

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e às suas bases onde seja mais cômo-do achá-las: na Somália, no Paquistão,na Geórgia, etc.12 E se Bin Laden fossepreso? Nenhum medo, mesmo nestecaso, a máquina da “guerra infinita”continuaria em frente. Rumsfeld já seadiantou: “Bin Laden poderia render-se amanhã e Al-Qaeda continuaria afuncionar”.

Objetivo nº 2: combater a violência e impedir novos massacres depois do 11 de setembroResultado: entre 4 e 7 mil civis mor-

tos (segundo estimativas) sob as bom-bas americanas no Afeganistão, alémde dezenas de milhares de militares.

A cura homeopática em suma: paraimpedir novos massacres, nós os faze-mos diretamente.

Sobre o assunto, existe uma pesqui-sa, documentadíssima, de Marc He-rold, da Universidade de Durhan, NewHansphire, que tornou público comojá, em 6 de dezembro de 2001, osmortos civis fossem pelo menos 3657- ou seja, mais que os mortos das Tor-res Gêmeas. É uma pesquisa de extre-mo interesse, pelo rigor científico e ameticulosidade com que documentaas mentiras oficiais, feitas acriticamen-te como é próprio das grandes mídiasnorte-americanas.13

A explicação para um número tãoelevado de vítimas civis, segundo MarcHerold, é uma só: “a vontade dos es-trategistas militares norte-americanosde lançar mísseis e soltar bombas so-bre áreas densamente povoadas doAfeganistão”. Que coisa se escondepor trás dessa escolha? Também nestecaso, é possível uma única resposta: avontade de aterrorizar a população. Ouseja, se as palavras têm um sentido, éo de efetuar bombardeios terroristas.De resto, basta considerar os efeitosde uma bomba de sete toneladas, achamada “Daisy-cutter”, para não po-der ter dúvidas a respeito.14

O elenco dos objetivos civis golpea-dos pelos bombardeios americanosvai das mesquitas aos depósitos doPrograma Alimentar Mundial em Kan-dahar, à sede da agência de especialis-ta, em retirada de minas da ONU (!),aos depósitos de alimento (!) da CruzVermelha Internacional em Kabul, aoshospitais, à sede em Kabul da televi-são árabe Al-Jazeera. E sobretudo con-tra inumeráveis aldeias inteiramentearrasadas.

Além disso, são acrescentados mas-sacres dos mais variados.

O massacre dos prisioneiros emMazar-i-Sharif, comandado pelos Esta-dos Unidos (mais de 600 mortos), oque fez com que se falasse em “limpe-za étnica em estilo afegão”15; a estepropósito, vale a pena recordar que,contra o parecer da ONU e da CruzVermelha, os Estados Unidos e a Ingla-terra se opuseram inclusive até mes-mo a uma investigação sobre os fatosocorridos. A Anistia Internacional defi-niu esta “recusa a priori” como “des-concertante e preocupante”.

O massacre de Takteh Pol, entreKandahar e a fronteira com o Paquis-tão (160 prisioneiros desarmados as-sassinados), a propósito dos quais

mesmo o The Economist, por um se-gundo, tirou a máscara e falou em“disturbing scenes”.16

O massacre de Kunduz, previstopela Cruz Vermelha Internacional (“emKunduz, como ocorreu em Mazar-i-Sharif, prepara-se um banho de san-gue”), com o corolário de mais 100prisioneiros que foram mortos no con-tainer durante o transporte (a fonte éo The New York Times, de 11 de de-zembro).

E, por último mas não menos im-portante (dulcis in fundo), o massacreconduzido em estilo nazista por unida-des de elite americanas na aldeia deUruzgan, em 23 de janeiro: assassina-tos de civis dormindo, execuções su-márias, torturas brutais de prisioneiros;tudo isso, entre outras coisas, em umazona tradicionalmente antitalebã!17

O acima exposto induziu o Alto Co-missário para os Direitos Humanos dasNações Unidas, Mary Robinson, a criti-car com insólita dureza os EstadosUnidos pela sua gestão na intervençãono Afeganistão. Depois de ter definidocomo “irracionalmente alto” o númerode vítimas civis, Robinson acrescentou:“não posso aceitar que sejam infligi-dos os chamados danos colateraiscontra aldeias habitadas e que nin-guém se preocupe sequer de pedir onome ou o número dos mortos. Estoumuito preocupada com este modo deintervir”.18

A isto são acrescentadas as represá-lias da Aliança do Norte sobre a popu-lação civil. Ainda em 4 de fevereiro, oThe Financial Times dava conta de vio-

Não é necessário ter uma mente genial - talvez pudesse ocorrer

até mesmo a George W. - para compreender que a guerra

piorou enormemente a situação: privando milhões

de indivíduos de alimentos, remédios, água.

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lências contra civis no norte do Afe-ganistão; violências tais que fizerammilhares de pessoas (principalmenteda etnia Pashtun) abandonar suas al-deias: a este respeito, falava explicita-mente em “limpeza étnica”.

Mas não acabou. Já no início daguerra, organizações internacionais co-mo a UNICEF tinham advertido sobreum possível “desastre humanitário”que pesava sobre 7 a 8 milhões depessoas reduzidas à fome.19 Não é ne-cessário ter uma mente genial - talvezpudesse ocorrer até mesmo a GeorgeW. - para compreender que a guerrapiorou enormemente a situação: pri-vando milhões de indivíduos de ali-mentos, remédios, água. Tiziano Terzinijá contava, por exemplo, em uma belareportagem sobre o Afeganistão: “exis-tem centenas de milhares de afegãos(250 mil apenas em Maslakh, perto deHerat) que para fugir dos bombardeiosamericanos acabaram em zonas remo-tas do país onde agora, por causa daneve, é impossível fazer chegar-lhes ali-mento, já morrem de fome e correm orisco de desaparecer em massa. Massua tragédia é algo que passa desaper-cebida: perturba o quadro positivo queos porta-vozes da CoalizãoInternacional contra o Terrorismo pre-tendem apresentar ao mundo e, salvoalgum funcionário horrorizado e rebel-de das Nações Unidas, ninguém faladeles, ninguém se indigna”.20 Apósalguns meses, o presidente dosMédicos sem Fronteira, Morten Ros-trup, deu as dimensões dos massacresprovocados pela guerra: em algumasprovíncias setentrionais, “a mortalidadesimplesmente duplicou-se de agosto

até hoje”; “a fome ameaça oAfeganistão, cínica e silenciosa”.21

Cínica e silenciosa: como a consci-ência do Ocidente.

Objetivo nº 3: defender e consolidar a liberdade no mundoResultado: um ataque concreto às

liberdades mesmo nos (poucos) paí-ses do mundo que de algum modo asusufruíam.

Uma das constantes na retórica queacompanhou este conflito (e que pre-sumivelmente será reapresentada tal equal nos próximos vindouros) diz res-peito à “defesa da liberdade”. Não éeste o lugar para uma análise em pro-fundidade deste (pseudo) conceito, oumelhor, daquilo que, vez por outra, seoculta por trás deste termo. Podemos,porém, tratar de fixar alguns pontosseguros.

Em primeiro lugar, o conceito de“liberdade” foi acompanhado, desdeos anos cinqüenta até o grande revivalda Guerra Fria no período Reagan, pelaluta contra o comunismo. Hoje é nova-mente proposto, em um contexto in-teiramente diferente, quase que, porum reflexo condicionado, que faz comque se identifique “a liberdade” com“os Estados Unidos”. De todo modo, omínimo que se pode dizer é que oconceito de liberdade que está em jo-go é - resumidamente - genérico e ri-

tual. Tomemos o discurso de GeorgeW. Bush à Associação dos Oficiais daReserva, em 22 de janeiro passado:“Combatamos pelos valores da civiliza-ção, para fazer avançar a causa da jus-tiça, da liberdade humana e da digni-dade em todo o mundo”. Trata-se cla-ramente de uma afirmação ritual e va-zia de significado.

Curiosamente, este conjunto de fór-mulas e frases feitas foi aceito e assu-mido, inclusive por intelectuais presu-midamente críticos (ou que já o foram).Para sair dos Estados Unidos (onde asvozes discordantes do coro podem sercontadas nos dedos de uma mão), es-ta é exatamente a abordagem, porexemplo, do philosophe Bernard Hen-ry-Lévy cuja crítica aos intelectuais con-trários à guerra, contida em uma entre-vista ao semanário alemão Der Spie-gel, está centrada exatamente no fatode que “os americanos não se limitama combater o terrorismo. Sua interven-ção serve mesmo para libertar o Afe-ganistão”.22 Seguem observações sobrea superioridade do Ocidente, que sabese autocriticar, após o que o entrevista-dor reafirma: “Então para o senhor tra-ta-se de um choque de civilizações,pela defesa da “liberdade” contra abarbárie?” A resposta é: “Sim, mas nãode uma guerra do Ocidente contra oIslã. A verdadeira guerra pela civiliza-ção tem lugar no interior do mundoislâmico”. Francamente é difícil pensarque a guerra do Afeganistão possa fa-zer explodir dinâmicas positivas e pro-cessos de democratização no mundoislâmico. E mais difícil ainda é imaginaradmitir que os vencedores da guerra,os carniceiros Dostum ou Rabbani, te-nham na “liberdade” qualquer interes-se diferente daquele de matar. Não fal-ta, finalmente, nesse verdadeiro e pre-ciso catálogo de lugares comuns impe-rialistas ao molho gauchiste, “o direitoà ingerência” derivado nada menosque do 68. Segundo Henri-Lévy, “este

Francamente é difícil pensar que a guerra do Afeganistão

possa fazer explodir dinâmicas positivas e processos

de democratização no mundo islâmico.

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direito tem no último período tornadopossível três guerras de libertação(sic!), na Bósnia, em Kosovo e agorano Afeganistão”. Aqui o arrebatamentoconduz Henri-Lévy a uma brincadeirabrutal, fazendo-o colocar lado a lado a“libertação” de Kosovo, em que osexércitos da OTAN - como hoje sabe-mos - tinham como aliados os terroris-tas de Bin Laden e Al-Qaeda, e aquelaafegã, conduzida contra eles. Mais istosão detalhes...

O ponto principal é outro. O fato éque o belicoso philosophe gasta o seudiscurso sobre a capacidade do Oci-dente de se autocorrigir e se autocriti-car sobre sua liberdade, exatamenteno momento em que aquela capaci-dade e esta liberdade tocam seus mí-nimos históricos, inclusive em relaçãoaos períodos mais obscuros da guerrafria. De resto, é significativo, deste pon-to de vista, que mesmo na propagan-da americana o conceito de “liberda-de” esteja quase sempre alinhado e, àsvezes substituído, pelo de “segurança”.

Com efeito, a operação “EnduringFreedom”, “Liberdade duradoura” (masna França traduzem-na, com involuntá-rio (?) sarcasmo, “Liberdade imutável” -ou seja a dos mortos), erodiu as liber-dades em considerável medida. Pen-semos na limitação do direito de im-prensa, pela censura e - o que é talvezainda pior - pela autocensura. No con-trole policial sobre as comunicações, acomeçar por aquela via internet (o FBIfoi plenamente autorizado a este con-trole e, enfim, diversos países europe-us, a começar pela Espanha, seguem-lhe o exemplo). Na detenção sem pro-cesso: nos Estados Unidos, como se

sabe, centenas de pessoas foram man-tidas em prisão durante meses, após o11 de setembro, sem ter sequer umaacusação contra elas. Na introdução detribunais militares, sem garantias e semapelação, para os casos de terrorismo.E, concretamente, nas jaulas-prisões deGuantanamo, uma verdadeira vergonhaem nível mundial, colocada em açãoem aberta violação da Convenção deGenebra de 1949 sobre o tratamentodos prisioneiros de guerra.

Por último, vale a pena lembrar adefinição extensiva de “terrorismo”. Ex-tensiva em um triplo sentido: porque éaplicada a todos os inimigos dos Esta-dos Unidos no mundo (a começar pe-los movimentos de libertação); porquese aplica (segundo propostas encami-nhadas mesmo na Europa) aos maisvariados fatos, até incluir “a ocupaçãode edifícios públicos”; e, finalmente,porque se faz um uso inédito da pro-priedade transitiva: para quem “terro-rista” não é apenas o terrorista, masquem o apóia, e quem apóia quem oapóia. Partindo desta definição, comose sabe, pode-se ir muito longe...23

Traduzindo concretamente, tudoisto significa um formidável ataque aodireito ao dissenso e a colocação em

ação de um instrumental que poderáser utilizado nos confrontos com os“inimigos” (internos) do momento, se-jam eles trabalhadores em luta ou mi-litantes antiglobalização. Também a re-cente e miserável aproximação berlus-coniana entre lutas sindicais e terroris-mo é filha deste clima.

Quem considerasse excessivo tudoquanto foi dito acima está convidado aler o discurso pronunciado a 26 de fe-vereiro, pelo deputado democrataamericano Dennis Kucinich, dirigidocontra o famigerado Patriot Act, a leiliberticida apresentada por Bush Jr.“contra o terrorismo”. Retomemos al-gumas frases em benefício de Henri-Lévy e de seus companheiros de fé:

“Como podemos justificar a anula-ção de fato da Primeira Emenda, dodireito de liberdade de palavra e dese reunir pacificamente?

Como podemos justificar a anula-ção de fato da Quarta Emenda, do di-reito de ser acusado com o auxílio deprovas e das proibições de busca, in-terrogatório e prisão não motivados?

Como podemos justificar a anula-ção de fato da Quinta Emenda, o ani-quilamento do processo justo e apossibilidade de efetuar encarcera-mentos por tempo indeterminadosem acusações?

Como podemos justificar a anula-ção de fato da Sexta Emenda, o direi-to a um processo rápido e público?

Como podemos justificar a anula-ção de fato da Oitava Emenda que

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Vale a pena lembrar a definição extensiva de “terrorismo”.

Extensiva em um triplo sentido: porque é aplicada a todos

os inimigos dos Estados Unidos no mundo .

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protege contra penas cruéis? Não podemos justificar intercepta-

ções vagas e o controle da internetsem supervisão judiciária... Não po-demos justificar investigações secre-tas sem um mandado. Não podemosjustificar que o Ministro da Justiçatenha o poder de indicar os gruposterroristas nacionais. Não podemosjustificar que o FBI tenha acesso totala qualquer tipo de dado que possaexistir de qualquer parte em um sis-tema, como dados médicos ou finan-ceiros.

Não podemos justificar que a CIAtenha a possibilidade de submeter ci-dadãos deste país às suas investiga-ções. Não podemos justificar um go-verno que prive o povo do direito àprivacy e depois pretender o direitoao segredo total sobre as própriasoperações”.24

Serão os historiadores que dirão queestes ataques à liberdade são um fenô-meno contingente (ainda que de extre-ma gravidade) ou se - como é maisprovável - eles se inserem em um pro-cesso, de um período mais longo, deprogressivo esvaziamento das formasde liberdades democráticas que temcaracterizarado a sociedade burguesapelo menos de um século para cá.25

Uma coisa é certa: trata-se de ataquesde extrema gravidade e concretude.

Objetivo nº 4: fazer triunfar o direito e a legalidade internacionalResultado: a este respeito o resulta-

do obtido é, digamos, decididamentecontra o que se pode imaginar. De fa-to, a intervenção dos Estados Unidos edos seus aliados no Afeganistão deter-minaram um golpe duríssimo no querestava de direito internacional.

Iniciou-se uma guerra sem declara-ção de guerra. Trata-se de uma guerrailegal, que viola o Estatuto da ONU.Sobre este ponto, a propaganda daguerra foi particularmente virulenta e

exitosa no intento de ocultar a realida-de das coisas. Valerá então a pena re-construir com maiores detalhes o queaconteceu.

Os passos utilizados pelos EstadosUnidos para desencadear a guerra noAfeganistão, violando o Estatuto da ONU,foram os seguintes:

a) em primeiro lugar, considerou-se o ataque terrorista de 11 de se-tembro como “um ato de guerra”,que só o é - se as palavras têm algumsentido - onde existam agressões deum Estado contra outro;

b) em segundo lugar, foi estendidoindevidamente o “direito à autodefe-sa”, que o Estatuto da ONU contemplaapenas como direito provisório de re-chaçar um ataque “enquanto o Conse-lho de Segurança não tenha tomadoas medidas necessárias para a manu-tenção da paz e da segurança interna-cionais” (Art. 51); de fato apenas oConselho pode empreender “com for-ças aéreas, navais ou terrestres, qual-quer ação que seja necessária paramanter ou restabelecer a paz e a segu-rança internacionais” (Art. 42);

c) em terceiro lugar, moveu-seguerra não a um Estado “agressor”,mas a um Estado que tinha dadohospitalidade aos presumidos terro-ristas;

d) em quarto lugar, moveu-se umataque não “proporcional” à ofensasofrida;

e) em quinto lugar, a guerra foiiniciada sem se ter de fato nem aomenos esgotado as alternativas (osEstados Unidos efetivamente recusa-ram a negociação com os talebãs).26

É importante sublinhar que estasviolações ocorreram com a cumplici-dade do Conselho de Segurança daONU, que:

a) através da resolução 1368, de12 de setembro de 2001, declarou osataques terroristas de 11 de setembro“uma ameaça à paz e à segurança in-ternacionais”, aceitando assim de fatoa equiparação entre ato terrorista eato de guerra;27

b) Sustentou que “o direito à legí-tima defesa individual ou coletiva”estava “em conformidade com o Es-tatuto” (sem nenhum aceno às su-pracitadas limitações fundamentais),e, portanto, ofereceu aos EstadosUnidos um pseudofundamento jurí-dico para a sua guerra; isto em aber-ta violação ao supracitado art. 42 doEstatuto.28

Observe-se que, sobre os outros trêspontos supramencionados nem mes-mo, o obediente Conselho de Seguran-ça teve condições de encontrar umafolha de parreira adequada para cobrir ailegalidade da intervenção americanano Afeganistão. Resta o fato de que oConselho de Segurança abdicou defini-

O obediente Conselho de Segurança teve condições

de encontrar uma folha de parreira adequada para cobrir

a ilegalidade da intervenção americana no Afeganistão.

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tivamente do seu papel. Não pode, por-tanto, espantar que o papel da ONU,em toda essa situação ocorrida, tenhasido absolutamente ridicularizado(mais ainda do que o fora nos casos doIraque e da ex-Iugoslávia): não apenasignorando os apelos do Comissariadoda ONU para os direitos humanos, a fimde que cessassem os bombardeiospara consentir as ajudas humanitárias,mas chegando a bombardear direta-mente, sem hesitar, as agências interna-cionais das Nações Unidas.

No que nos diz respeito, com a par-ticipação italiana na operação “Endu-ring Freedom”, foi violada a Constitui-ção italiana em três pontos: foi violadoo Art. 11, que admite a guerra apenascomo instrumento de defesa; foi viola-do o Art. 78, que prevê que, para a de-claração de guerra, deva haver umadeliberação formal do estado de guer-ra pelas Câmaras; foi violado o Art. 87,que prevê a declaração do estado deguerra pelo Presidente da República.Na verdade, esta guerra não foi nuncadeclarada. Tanto é verdade que, quan-do o Parlamento votou escandalosa-mente (com voto bipartisan), o reesta-belecimento do código penal militarem tempo de guerra, pela primeiravez, desde 1945, teve que modificar ne-gativamente o Art. 165 que previa pre-cisamente que o Código entrasse em vi-gor após a declaração de guerra.29

Foi violada (provavelmente) a Consti-tuição Alemã.

Foi legitimada a guerra como méto-do de resolução das controvérsias in-ternacionais e a presença - a título va-riado -, pela primeira vez, desde 1945,de todas as três nações derrotadas naSegunda Guerra Mundial: Itália, Ale-manha e Japão.

Alguns Estados - como a França -participaram das operações militares,sem sequer um voto parlamentar. Aíonde houve este voto, como na Itália,além das violações constitucionais das

quais falamos, atribuiu-se um mandatode contornos extremamente vagos quepermitem ser ampliados à vontade.

A Convenção de Genebra de 1949sobre o tratamento dos prisioneiros deguerra (primeiramente no Afeganistãoe depois em Guantanamo) foi repeti-damente violada. A este propósito, comreferência particular a Guantanamo, oex-presidente do Tribunal Penal Inter-nacional Antonio Cassese falou, semmeios termos, de “desprezo ao direitointernacional”. 30

Os Estados Unidos recusaram-seaderir ao Tribunal Penal Internacionalpelo motivo óbvio de que esse pudes-se um dia permitir-se até mesmo jul-gar também crimes americanos... 31

Conclusão: o novo século no qualestamos entrando aparece caracteriza-do, inclusive graças à guerra no Afe-ganistão, pelo completo esmagamen-to do direito internacional tal como foiestabelecido na Carta da ONU depoisdas horríveis experiências da SegundaGuerra Mundial. No seu lugar, comoprincípio regulador supremo das rela-ções entre os Estados, entra explicita-mente a força - ou seja, a guerra.32

Tudo isto ocorre em um contexto do-minado pelo “unilateralismo” america-no, que não apenas não reconhece ne-nhum papel aos organismos internacio-nais e multilaterais como a ONU, masultrapassa a própria OTAN, escolhendoos aliados sobre uma base bilateral.

Assim, por um lado, a OTAN é logochamada a declarar guerra - contra uminimigo ainda sem rosto - por solida-riedade com os Estados Unidos “ataca-dos”, na forma do Art. 5 do Tratado queinstituiu a Aliança (também nesse casopela primeira vez em 52 anos). E o seu

zeloso Secretário Geral, o inglês Rober-tson, em 8 de dezembro, em uma en-trevista a Die Welt, chega a dizer que oArt. 5 poderia ser utilizado tambémcontra o Iraque: “se existissem as pro-vas sobre o envolvimento do Iraquenos atentados contra os Estados Uni-dos, então, o artigo 5 ainda poderia va-ler”. Dois dias antes, desta vez em umaentrevista concedida ao jornal árabe AlHayat, Robertson tinha efetivamentefeito uma afirmação ainda mais sur-preendente: “a coalizão internacionalnunca afirmou que a luta conta o ter-rorismo está limitada a Osama BinLaden e à sua organização Al-Qaedaou ao regime afegão dos talebãs. Oprincipal objetivo continuará a ser der-rotar o terrorismo, e no momento emque existirem informações de covis deterroristas, estes lugares serão bombar-deados”. Em suma: a carta branca assi-nada pelo mundo aos Estados Unidospode ser retomada a qualquer momen-to e contra qualquer “inimigo”...

Por outro lado, a OTAN, nesta situa-ção, parece partilhar a sorte da ONU:dá o seu apoio incondicional aos Es-tados Unidos e é recompensada poruma gestão da guerra que a desmon-ta completamente - porque os EstadosUnidos desejam evitar ter que discutir,com quem quer que seja, sequer osplanos da sua guerra. Este último pon-

Os Estados Unidos recusaram-se aderir ao Tribunal Penal

Internacional pelo motivo óbvio de que esse pudesse um dia

permitir-se até mesmo julgar também crimes americanos.

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to merece atenção: é provável, de fato,que a guerra no Afeganistão seja mes-mo a lápide da OTAN. Não seremosnós que choraremos lágrimas quentespela sorte desta Aliança - pena porémque o que, em troca, é proposto pelosEstados Unidos seja algo ainda pior: oexercício despudorado e incondicionalsem qualquer vínculo, sequer formal,do seu imenso poder militar.

2. Os objetivos “afegãos”Até aqui nos ocupamos dos resulta-

dos, não exatamente brilhantes, obti-dos pela guerra sob o perfil dos objeti-vos mais gerais invocados perante aopinião pública internacional para asua justificação. Existem, porém, ou-tros objetivos mais diretamente refe-rentes ao Afeganistão, que merecemalgumas considerações.

Neste caso, a rigor, seria suficienteum levantar de ombros e lembrar ofato que, antes do 11 de setembro, so-bre estes altos objetivos éticos - nin-guém, nem nos Estados Unidos nemnas outras chancelarias mundiais - ti-nha pensado em todos estes anos, da-do que os senhores da guerra afegãantes, os talebãs depois - todos bemmuniciados com os soldos do Ociden-te, dotados de armas fornecidas pelosEstados Unidos e adestrados pelos ser-viços secretos americano, paquistanêse britânico - realizavam massacres, se-gregavam as mulheres, vendiam drogaa meio mundo, destruíam o patrimô-nio artístico, etc., etc.

Porém, assim como sobre algunsdesses objetivos se insistiu muito nosgrandes meios de comunicação, vale apena, de qualquer modo, fazer um

balanço sobre o que concretamente seobteve.

Objetivo nº 1: derrotar o comércioda droga

Resultado: A produção de ópio esteano aumentou consideravelmente.

Já em 10 de janeiro, o Financial Ti-mes, advertia em manchete: “Os Esta-dos Unidos estão perdendo a batalhapara eliminar uma colheita de ópio dedimensões excepcionais”. Este títuloaparentemente é um grito de alarme:na realidade é uma fantástica manifes-tação do tradicional humour inglês. Écomo se disséssemos que Berlusconiperdeu a batalha para tornar mais duraa lei sobre as falsidades dos Balanços.Na realidade os Estados Unidos não ti-veram nunca a intenção nem de des-truir, nem sequer de limitar a colheitade ópio, no Afeganistão.

A prova disto é tão simples quantoirrefutável: sequer uma bomba, entreas milhares com as quais os aviõesamericanos tão generosamente pulve-rizaram o solo afegão, acabou sobre asplantações de papoula de ópio.

Os motivos são de outra natureza.Em primeiro lugar, a maior parte

das plantações de papoula encontram-se nas zonas controladas pela Aliançado Norte e, em geral, dos senhores daguerra apoiados pelos Estados Unidos,do momento em que os Talebãs,depois da colheita recorde de 1999,tinham efetivamente banido a produ-ção da droga, para obter um duplo ob-jetivo: ter uma carta para negociar coma ONU (e guardar os soldos relativos -coisa pontualmente ocorrida), e man-ter altos os preços. Efetivamente, em2000 e 2001, caiu a produção nas zo-nas controladas pelos Talebãs.33 Esta éobviamente uma circunstância que amídia calou cuidadosamente, por me-ses, mas que hoje os jornais mais sé-rios admitem tranqüilamente.34 Assimcomo admitem que, exatamente porcausa da derrota dos Talebãs, a colhei-ta deste ano será superior àquela, ex-traordinária, de 1999. Eis, por exemplo,o que se pode ler no The Economist, de16 de março passado: “os camponesesna província de Helmand, aproveita-ram a derrota dos Talebãs para semear35000 hectares de papoula de ópio...Os senhores da guerra locais, que pro-vavelmente (sic!) tiram lucros deste co-mércio, não se preocuparam nem como senhor Karzai, nem com sua polícia”.E ainda: “Kathami, o presidente do Irã[entre seus cidadãos existem pelomenos 2 milhões de tóxico-dependen-tes], disse estar disposto a dar sua aju-da para a substituição das plantações,mas os senhores da guerra do Sul doAfeganistão não se interessaram pelacoisa. Nem a América”. The Economistdisse exatamente assim!

De resto, e este é o segundo motivo,

Sequer uma bomba, entre as milhares com as quais os aviões

americanos tão generosamente pulverizaram o solo afegão,

acabou sobre as plantações de papoula de ópio.

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é objetivamente difícil, principalmenteem um país destruído pela guerra, pro-por substituir um campo de papoulade ópio (que vale 9500 dólares porhectare) por um campo de grão (quenão rende 900). Calcula-se que 50%da produção da população afegã, dire-ta ou indiretamente, vivem da produ-ção e da comercialização da droga. Defato, para dizê-lo nos termos mais for-mais, próprios ao raciocínio econômi-co, o ópio é praticamente a única fontede renda valorizada do Afeganistão. E étambém o único setor em que oAfeganistão é líder, com 75 a 80% dototal da produção mundial.

Em terceiro lugar, entre os merca-dos para os quais a produção de heroí-na afegã se destina prioritariamentenão está o americano.35 É o Irã, o Pa-quistão (para o qual a economia ilegaldas zonas limítrofes com o Afeganistãoforma 51% do PIB), são as repúblicasex-soviéticas. A este último propósito,para ter uma idéia da gravidade dasituação bastará recordar que no 1º demaio Putin, durante o último encontrodos chefes de Estado da Comunidadede Estados Independentes, sustentouque o tráfico de droga de proveniênciaafegã exigia uma “reação imediata” epediu aos outros líderes presentes to-mar medidas mais eficazes para impe-dir a penetração da droga nos seus ter-ritórios. Enfim, entre os clientes doscultivadores afegãos de droga está aEuropa, cujo consumo de droga é sa-tisfeito em 95% pela heroína de pro-dução afegã. A este propósito, o gritode alarme foi lançado pelo FinancialTimes, cuja manchete de 18 de feve-reiro era: “A colheita afegã de ópioameaça a Europa”.36 Os conteúdos doartigo são interessantes. Entre outrascoisas, afirma-se aí que, segundo fun-cionários britânicos, a menos que ocultivo seja erradicado em março, umaexcelente colheita de ópio estará pron-ta para junho e “inundará a Europa até

o fim do ano”. O artigo prossegue as-sim: “esta estimativa está provocandonovas tensões entre os Estados Unidose seus aliados europeus. Funcionáriosingleses - apoiados pelos governos ale-mão, espanhol e italiano - querem umsuporte logístico mais consistente paraprogramas de ajuda” com a finalidadede substituir as culturas. E afirmamque “o fato é que os Estados Unidosmanifestam sobre o problema da dro-ga escasso interesse e oferecem poucacolaboração”. De fato, na mesma pági-na, um outro artigo, baseado sobretestemunhos de funcionários euro-peus, se intitulava: “Estados Unidos eONU ‘ignoram’ a ameaça do cultivoda droga”. Porém...

Enfim, e isto pode talvez ajudar acompreender a “preguiça” americanaem enfrentar o problema, a CIA estáenvolvida nos tráficos de droga doAfeganistão, desde o tempo da guerri-lha contra os soviéticos. Algumas so-ciedades que efetuam “operações co-bertas” pela CIA, como a Southern Aire a Evergreen, estabeleceram recente-mente suas bases em países limítrofesao Afeganistão, nos quais se refina aheroína, como o Uzbequistão. E o agen-te da CIA Richard Secord (já envolvidono tráfico de heroína no Vietnam, Laose Camboja, nos anos sessenta e impli-cado depois no escândalo Irã-Contras)foi visto, muitas vezes, no curso de 2001,na capital do Uzbequistão, ao lado deoutros agentes da CIA. Por outro lado,um dos principais traficantes de heroí-na do Afeganistão, Ayub Afridi, já utili-zado contra a União Soviética, foi liber-tado do cárcere em que se encontrava(como Talebã) pelos Estados Unidos,

em dezembro, “para ajudar a restabe-lecer o controle no Afeganistão”...37

Objetivo nº 2: defender os direitos das mulheresTodos recordam os rios de tinta gas-

tos, nos meses de outubro e novembrodo ano passado, sobre a tremenda si-tuação das mulheres afegãs sob os Ta-lebãs. Nada mais justo. Salvo o fato queaquela situação já durava anos, inclusi-ve decênios, na indiferença geral.

E agora? Os sustentadores da inter-venção não têm dúvidas. Considere-mos Fassino: “hoje estamos todosemocionados pelas primeiras imagensdas jornalistas afegãs na TV sem aburga: isto nunca teria sido possível senão houvesse a intervenção” (19 denovembro, em “Porta a Porta”). No diaseguinte, devia haver uma manifesta-ção sem burga convocada pela Uniãodas Mulheres Afegãs, diante da sededas Nações Unidas, em Kabul, para rei-vindicar os direitos das mulheres. Amanifestação foi proibida - “por moti-vos de segurança [sic!]”. Mas a marchatriunfal do progresso, guiada pelosexércitos libertadores, não podia de-ter-se neste banal incidente de percur-so. E, de fato, já em 21 de novembro aReuters dava a seguinte e entusiásticanotícia, divulgada na Itália pela AGI: “asmulheres afegãs, empregadas das

Debates Contemporâneos

Isto pode talvez ajudar a compreender a “preguiça”

americana em enfrentar o problema, a CIA está envolvida

nos tráficos de droga do Afeganistão, desde o tempo

da guerrilha contra os soviéticos.

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agências da ONU no Afeganistão pode-riam trabalhar apenas com o cabelo co-berto por um foulard: uma decisão queexigiu uma negociação entre represen-tantes das Nações Unidas em Kabul ea cúpula da Aliança do Norte”. Qual-quer comentário é supérfluo...

Circulação bastante menor tiveram,naqueles mesmos dias, outras notícias.Como a do apelo lançado “às NaçõesUnidas e à comunidade mundial” pe-las mulheres da RAWA (Associação Re-volucionária das Mulheres Afegãs). ARAWA bate-se coerentemente pelos di-reitos das mulheres no Afeganistão,desde os tempos da invasão soviética(sua líder foi assassinada por agentessoviéticos no Paquistão). Entre nós, pou-cos sequer conhecem o seu nome,porque sua atividade no Ocidente foiapoiada apenas por minúsculos gru-pos de ativistas de direitos civis. O quedizia então o apelo lançado pela Asso-ciação, a 13 de novembro - dia da en-trada da Aliança do Norte, em Kabul!Citemos alguns trechos: “O povo afe-gão não aceita a dominação da Aliançado Norte! ... O mundo deveria compre-ender que a Aliança do Norte é com-posta por bandos que já demonstra-ram sua verdadeira natureza criminosae desumana quando governaram oAfeganistão, de 1992 a 1996. A caçadaaos terroristas talebãs de Kabul é umdesenvolvimento positivo, mas o in-gresso dos estupradores e saqueado-res da Aliança do Norte não é senãouma notícia assustadora e chocantepara os aproximadamente dois mi-lhões de residentes em Kabul, cujas fe-ridas dos anos 1992-1996 ainda nãoestão cicatrizadas... A Aliança do Norteintensificará horrivelmente os conflitosreligiosos e étnicos e não se parará deavivar o fogo de uma nova guerra civilbrutal e infinita, para conquistar emanter o poder. Embora a Aliança doNorte tenha aprendido a comportar-se‘democraticamente’ e, muitas vezes,

sustentar os direitos das mulheres, elade fato não mudou, assim como umleopardo não pode perder suas man-chas. A RAWA já denunciou os atrozescrimes da Aliança do Norte. O tempoestá por acabar... Queremos pedir àsNações Unidas que enviem suas forçasde paz à região antes que a Aliança doNorte possa repetir os inesquecíveiscrimes que cometeram no períodoanterior”.

Parece-nos que o tom deste docu-mento diz muito a respeito das pers-pectivas de emancipação das mulhe-res do Afeganistão “libertado” pelas bom-bas americanas e pelas baionetas daAliança do Norte. A coisa não é de es-pantar, enquanto, como declarou Miri-am Rawi, ativista da Associação, “a dife-rença entre a Aliança do Norte e os Ta-lebãs, no que se refere aos direitos dasmulheres, é que os primeiros pratica-ram crimes contra as mulheres semanunciá-lo e os Talebãs, ao contrário, fi-zeram leis oficiais sobre isso”.38

Trata-se de uma revelação, uma des-coberta recente? Não. Desde 1985, ostrabalhadores dos centros médicos vo-luntários tiveram a sua atividade impe-dida nas zonas controlas pelo Mujahe-ddin, “porque os rebeldes tinham proi-bido as médicas mulheres - e isto emuma sociedade em que não é permiti-do a nenhum médico do sexo mascu-lino visitar pacientes do sexo femini-no”.39 Em um documento governa-mental americano da época, desclassi-ficado40, pode-se ler o que se segue:“qualquer mudança no modo tradicio-nal de vida é considerado errado e asidéias modernas - sejam comunistas

ou ocidentais - são vistas como umaameaça... [Os grupos tribais] opõem-seaos marxistas afegãos e aos soviéticosmais para proteger o seu velho modode vida do que para combater o comu-nismo. Algumas das reformas que tor-nam furibundas as tribos - por exem-plo a educação das mulheres - não sãonem comunistas nem antiislâmicas,mas entram em conflito com as per-cepções, próprias dos homens da tri-bo, daquilo que é justo”.41

Deste ponto de vista, portanto, adiferença que existe entre os Talebãs eas tribos hoje no poder no Afeganistão,é tudo, menos essencial. E a isto seacrescentam os numerosíssimos casosde violência sobre as mulheres, perpe-trados nas zonas paulatinamente “libe-radas” do Afeganistão, em particularcontra as mulheres da etnia Pashtun.42.A propósito a comissária da ONU paraos direitos humanos, Mary Robertson,de retorno de Mazar-i-Sharif, declarourecentemente ter ficado “chocada comas inumeráveis violências contra asmulheres Pashtun, submetidas a as-sassinatos, raptos, estupros, em núme-ro muito superior ao do período dosTalebãs”43

À luz disto pode-se facilmente com-preender porque motivo as mulheres

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Debates Contemporâneos

É importante que o mundo se dê conta da crueldade

destes falsos líderes impostos pelos Estados Unidos...

Os Estados Unidos são os verdadeiros pais dos Talebãs,

da Aliança do Norte e de Osama Bin Laden.

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da RAWA tenham feito a exigência deutilizar o Fórum Social Mundial dePorto Alegre para lança um apelo ulte-rior, destinado obviamente a cair novazio:

“Pedimos ao mundo que não re-conheça os atuais líderes do Afega-nistão como legítimos representantesdo País. É importante que o mundose dê conta da crueldade destes fal-sos líderes impostos pelos EstadosUnidos... Os Estados Unidos são osverdadeiros pais dos Talebãs, da Ali-ança do Norte e de Osama Bin La-den. O nosso povo quer e necessitade democracia, assim como pretendeeducação, liberdade, paz e um futuromelhor para nossos filhos”.44

Objetivo nº 3: reconstruir um país destruído por 20 anos de guerraComo? Mas do modo mais óbvio,

diabos: com uma outra guerra!Durante a qual, a título de exemplo,

foi lançada uma chuva de 244 mil no-vas mini-bombas que não explodiram,tornando-se minas terrestres; calcula-se que 48 mil dessas bombas não ex-plodiram. Então temos bombas ulte-riores que irão acrescentar-se às 10

milhões de minas que, segundo asestimativas da ONU, já estavam pre-sentes no território afegão. Resultado:para retirar as minas do Afeganistãoserão necessários 20 anos.45

Poderemos continuar citando asbombas de 7 toneladas lançadas so-bre centros habitados, de grande im-pacto “reconstrutivo” sobre os equipa-mentos urbanos; as migrações bíblicasque a guerra criou e que têm o efeitode acabar de destruir um tecido socialjá devastado e de tornar ainda maisgrave o abandono da agricultura.

Mas, no fundo, não vale sequer apena gastar muitas palavras sobre uma“motivação” tão ridícula da guerra noAfeganistão.

Basta ter claro o resultado: o paísestá (obviamente) mais destruído queantes e agora deve ser reconstruído.Portanto, gastam-se fundos para estafinalidade. Faz-se uma conferência in-ternacional em Tóquio. O resultadodesta é o seguinte: para 2002, serãogastos 1,6 bilhões de dólares (obvia-mente, entre os países doadores, osEstados Unidos contribuíram com ametade da contribuição da Europa, talcomo aconteceu em Kosovo);46 nospróximos anos se chegará a 4,5 bi-lhões. Pena que o mesmo ministro doexterior inglês, Jack Straw, tenha recen-temente desenvolvido o seguinte ra-ciocínio: “a reconstrução da Bósniacustou 5 bilhões de dólares. O Afega-nistão tem uma população quatro ve-zes maior e sua reconstrução poderiadurar de 5 a 10 anos. Devemos estarprontos para sustentar este custo”.47

Para o que, parece, ninguém estápronto. Em compensação, os EstadosUnidos, do início desta guerra até hoje,gastaram mais de 2 bilhões de dólarespor mês com as suas operações milita-res. É suficiente ter presente esta cifra,a despeito de qualquer propaganda,para compreender o que esteja real-mente no coração do imperialismo.

Objetivo nº 4: pacificar o paísResultado: passados seis meses do

início da guerra, violentos choques en-tre facções tiveram lugar em várias zo-nas do Afeganistão e foram, inclusive,atacadas bases americanas.

No mês de janeiro ocorreram confli-tos em todo o país. No norte, choquesarmados entre as facções de Dostum ede Rabbani (aliados no governo provi-sório) pelo controle do distrito de QalaZaal (entre Kunduz e a fronteira com oTajiquistão). No sul, preparativos deataque dos Pashtun de Kandahar à ci-dade de Herat controlada pelos taji-ques de Ismail Kahn, apoiados peloIrã. Choques em Gardez entre facçõesopostas da etnia Pashtun. Ao sul deKandahar, a resistência de pelo menos5 mil talebãs. Tanto que, em 31 de ja-neiro, o Finantial Times dava em man-chete: “Limites étnicos voltam (?) aameaçar a unidade do Afeganistão”.

Os sinais de uma reorganização dosTalebãs se fizeram mais insistentes emfevereiro.48 O Financial Times começoua falar em “Anarquia Afegã”.49 Na meta-de do mês, os americanos declararam(pela primeira vez) ter bombardeadofacções afegãs em luta entre si emKhost - e não Talebãs - para socorrer ogoverno provisório de Hamid Karzai.50

E o New York Times citou um relatórioclassificado51 da CIA, segundo o qual“o Afeganistão poderia recair em umasituação de violência e de caos”.52

As notícias mais recentes (11 demarço) falam de Talibãs e milicianosda Al-Qaeda refugiados e ativos em,

Debates Contemporâneos

Os Estados Unidos, do início desta guerra até hoje,

gastaram mais de 2 bilhões de dólares por mês com as

suas operações militares. É suficiente ter presente esta cifra,

a despeito de qualquer propaganda, para compreender

o que esteja realmente no coração do imperialismo.

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pelo menos, quatro regiões53, de ata-ques desferidos por militantes da Al-Qaeda a duas bases americanas nazona de Khost (19 e 20 de março) e,na primavera, de uma reorganizaçãomais geral das forças talebãs em vista deuma retomada em larga escala das hos-tilidades (The Times, 29 de março). Noinicio de abril, teve-se a notícia de umgolpe de estado abortado em cima dahora, e, em 20 de abril, os serviços secre-tos britânicos tornaram conhecidos osprojetos de eliminar o ancião ex-reiZahir Shah, assim que entrasse no país.54

De resto, já há algumas semanas, osdemocratas americanos perceberam adireção do vento e se permitiram ata-car o próprio Bush. Tom Daschle, ochefe do grupo democrata no Senado,declarou, em 2 de março, ao vivo naTV: “a batalha em curso no Afeganistãodemonstra que as ilusões de uma na-ção sob controle eram todas mentiro-sas”. A referência é à operação “Ana-conda”, conduzida por forças especiaisamericanas para derrotar os focos deresistência dos Talebãs, em Gardez,concluída com um meio fracasso adespeito das tolices contadas pelo mi-nistro da Defesa. E é significativo que ocomandante em chefe da operaçãoEnduring Freedom, o general TommiFranks, tenha deixado escapar um lap-so significativo e, ao render homena-gem aos soldados americanos mortosno Afeganistão, tenha dito que “nossospensamentos e nossas preces são paraas famílias e os amigos dos militaresque perderam sua vida nas operaçõesem curso no Vietnam”...55

Uma coisa é certa: o que está ocor-rendo desmente do modo mais cate-górico, os triunfalismos de quem - go-vernantes americanos e europeus como séquito da imprensa - desde dezem-bro, falava em um “término da guerra”,de “Talebãs debelados”, de uma pacifi-cação daqui para frente ao alcance damão, graças às bombas americanas e

talvez às tropas da ISAF.A verdade, como agora fica clara pa-

ra todos, é bem diferente. E não se tra-ta de derrotas militares contingentes.O problema é estrutural e nasce dascaracterísticas de fundo dos própriosaliados afegãos do Ocidente contra oregime dos Talebãs. No ato da tomadade Kabul, a situação foi resumida as-sim por Alberto Negri, um dos melho-res conhecedores do Afeganistão, en-tre os jornalistas italianos: “O Afega-nistão recomeça de onde havia sidodeixado entre 1992 e 1996 pela feroze homicida competição entre os muja-heddin, com a recondução ao poderdaqueles senhores de guerra que ti-nham desintegrado o país”56 O que es-tá acontecendo sob os nossos olhosnão é senão a conseqüência lógica doretorno deles ao poder. De resto, seria

bem ingênuo pensar que os soldos pa-gos aos inumeráveis rais locais pararomper com os Talebãs (o WashingtonTimes falou de mais de 7 milhões dedólares já gastos, a um custo individualde mais de 200 mil dólares) fossemmesmo garantia de paz futura.

Com efeito, basta esboçar breve-mente as figuras de alguns entre osprincipais novos donos do Afeganistãopara compreender o que estamos fa-lando. Comecemos por BurhanuddinRabbani, atual chefe da Aliança doNorte: no seu ativo, mais de 50 mil as-sassinatos e inumeráveis violências naprópria Kabul à época da tomada dacidade em 199257. Em Mazar-i-Sharif,temos Rashid Dostum: da etnia uzbe-ca, ex-sargento do Exército Vermelhodurante a invasão soviética, depois pas-sado aos mujaheddin, conhecido pelasua ferocidade - confirmada depois daconquista da cidade com massacres,violências e estupros. Em Jalalabad, te-mos Yunus Khalis, já líder da guerrilhaanti-soviética e mais recentemente fa-vorecedor dos Talebãs. Obteve a cida-de depois de um acordo que permitiuque os Talebãs pudessem fugir com asarmas. De resto, o mesmo Khalis é co-nhecido por ter dado refúgio, no pas-sado, nas suas terras, a numerosos mi-litantes árabes de Al-Qaeda. Podería-mos continuar listando.

Se tudo isto é verdade, não pode-mos senão compartir as recentes decla-rações do presidente-ditador do Uz-bequistão e atualmente o melhor alia-do dos Estados Unidos, na Ásia Central,o qual - em visita a Washington para re-ceber ordens, declarou textualmente:“não estou muito otimista sobre as

E não se trata de derrotas militares contingentes.

O problema é estrutural e nasce das características

de fundo dos próprios aliados afegãos do Ocidente

contra o regime dos Talebãs.

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perspectivas futuras”. Por isto, acrescen-tou, os Estados Unidos “não deveriamperder o controle da situação”.58

Assistimos aqui a uma curiosa inver-são. Agora a presença americana é so-licitada para resolver uma situação dedesordem que a guerra americana cri-ou (ou, pelo menos, amplificou enor-memente). Tinha mais razão um jorna-lista do Chicago Sun-Times que assimcomentava, em janeiro, os efeitos daintervenção dos Estados Unidos: “cria-mos novas possibilidades para o caos”.59

Mas o ponto é obvia e exatamenteo seguinte: a instabilidade do Afega-nistão é, na verdade, o melhor presen-te que se possa dar aos Estados Uni-dos porque lhes consentirá manter in-definidamente forças militares no paíse na Ásia Central. Escutemos Rums-feld: “Não sei quanto deveremos per-manecer no Afeganistão: um ano, cin-co, vinte? No Sinai, ficamos 22 anos...”Mais claro que isso...

ConclusõesA partir do exposto, seremos tenta-

dos a inverter as insolentes afirmaçõesde Tony Blair e de definir a guerra doAfeganistão como “um fracasso colos-sal”. Pecaremos por ingenuidade e co-meteremos um erro grosseiro.

Na verdade, ele tem razão: a guerrafoi realmente “um sucesso extraordiná-rio”. Apenas que os motivos e os bene-ficiários do sucesso não têm absoluta-mente nada a ver com aqueles que fo-ram “vendidos” à opinião pública mun-dial. Muito pelo contrário, têm muito aver, de um lado, com a retomada docomplexo militar-industrial americano ecom os investimentos públicos (em ar-mas) para sair da crise econômica dosEstados Unidos e, por outro, com ocontrole militar das rotas de petróleodo mar Cáspio e da Ásia Central e,mais em geral, com o controle de umaárea geopolítica crucial, situada comoestá no coração da Eurásia e entre a

Rússia e a China.Esta, e não outra, é a verdade que se

oculta por trás da propaganda de guer-ra que nos foi servida nestes meses.

Notas1. Rosso XXI. Bimestrale del movimento per

la confederazione dei comunisti. Ano 3, nº 11,junho de 2002. Tradução de Edmundo Fernan-des Dias. Agradecimentos especiais a MariaCristina Cardoso Pereira pela competente revi-são da tradução e à Giulia Crippa que tambémcolaborou nela. A responsabilidade e os errosporventura existentes é inteiramente devida aotradutor.

2. Discurso na Associação dos oficiais dareserva, 22 de janeiro de 2002.

3. Durante uma visita às tropas americanasno Afeganistão, dezembro de 2001.

4. NR - do ataque de mísseis americanosde agosto de 1998, depois dos atentados àsembaixadas americanas na África.

5. Frase escrita à mão na camiseta de KatieSierra, 15 anos, suspensa por esse motivo pe-la sua escola em Charleston, West Virgínia.

6. editorial publicado pelo La Stampa, 16de janeiro de 2002.

7. Entrevista ao La Stampa de 27 de feve-reiro de 2002.

8. A Flores D’Arcais, “La guerra è vinta. Madov’é Osama?”, La Republica, 17 de dezem-bro de 2001. Mas, veja-se, também, no mes-mo dia, F. Vaselli da ANSA: “Bandiera USA aKabul, ma mancano gli obiettivi più ambizio-si”. E de uma hora para outra o motivo princi-pal adotado pela guerra torna-se o “objetivomais ambicioso”...

9. NT - Ministro da Defesa italiana.10. Entrevista à Radio Radicale de 23 de ja-

neiro de 2002.11. Editorial de 22 de dezembro de 2001.12. Um exemplo significativo: em 19 de

abril de 2002 a Frankfurter Algemeine Zeitungdenunciou, com um artigo publicado com es-tardalhaço na primeira página (“Amerikani-sch-russische ‘Spielerei’ in Georgien”) que apresumida descoberta de membros da Al-Qaeda na garganta de Pankisi, era uma men-tira construída pelos serviços secretos ameri-canos e russos.

13. Veja-se http://pubpage.unh.edu/-~mwherold/ (veja-se também www.media-alliance.org). Uma versão precedente da pes-quisa foi publicada parcialmente por Il Ma-nifesto, em 23 de dezembro de 2001, sob otítulo “Quando i morti non contano...” As fon-

tes de Herold são, pelo contrário, representa-das principalmente por agências de imprensafrancesas, pela BBC e pelo The India Times.Somente em 10 de fevereiro de 2002, o TheNew York Times encontrou coragem paraafrontar o argumento, confirmando em subs-tância as cifras de Herold. Como veremos emoutras referências, o fato de que as verdades -não raramente minimizadas - venham à luzpost festum, depois de ocorridos os fatos, re-presenta uma constante do comportamentodos principais meios de comunicação duranteesta guerra.

14. Veja-se M. Dinucci, “La bomba ‘taglia-margherite’”, Il Manifesto, 9 de novembro de2001.

15. Veja-se R. Caprile, “La repressione gui-data dagli USA” e P. Garimberti, “Pulizia etnicain stile afgano”, ambos em La Repubblica, de29 de novembro de 2001.

16. The Economist, 1º de dezembro de 2001.17. Veja-se K. De Young, “The Black and

White Phase Turns to Gray”, no “WashingtonPost”, de 12 de fevereiro. Mas sobretudo omuito mais conseqüente M. G. De Lemos,“Soldier Blue” de 18 de fevereiro (www.lewro-ckwell.com/delemos17.html).

18. Entrevista a Die Zeit, divulgada pelaAdnkronos/DPA, 6 de março.

19. E. S. Herman, “Genocide as collateraldamage, but with sincere regrets”, Center forResearch on Globalization, 17 de novembrode 2001.

20. T. Terzani, “Lettera da Kabul”, Il Corrieredella Sera, 24 de dezembro de 2001.

21. M. Rostrup, “Ma ora fame e siccitàdevastano l’Afeganistan”, La Repubblica, 2 deabril de 2002.

22. “Ein Krieg um die Aufklärung”, DerSpiegel, nº 49 de 2001.

23. E, com efeito, exatamente com estaimputação, um cidadão da república tchecafoi preso há alguns meses. Acrescente-se queo conceito de terrorismo que vai se afirmandoé tanto (indevidamente) extensivo quanto -por assim dizer - incompleto. Inclui a Cuba deFidel Castro, e não os terroristas anticastristas.Inclui a Frente de Libertação da Palestina,mas, obviamente, não o terrorismo de estadode Israel, armado e financiado pelos EstadosUnidos, e dirigido pelo carrasco (de Sabra eChatila e agora, também, de Jenin) Sharon.Inclui as FARC colombianas, mas não os es-quadrões da morte que se alastram naquelecomo em outros paises da América Latina. Eassim por diante.

24. D. Kucinich, “A Prayer for Our Country”,

Page 117: Francisco de Oliveira...de fato transformadora requer medi-das mais amplas, magnas. Essas considerações preliminares têm o propósito de problematizar o debate sobre a crise atual

26 de fevereiro de 2002 (http://www/lew-rockwell.com/orig2/kucinich1.html).

25. L. Canfora, Critica della retorica demo-cratica, Roma-Bari, Laterza, 2002, desenvolveargumentos de extremo interesse.

26. Sobre isso ver M. Mandel, “All’Aja unafarsa irrilevante”, Il Manifesto, 17 de março de2002.

27. A expressão “ato de guerra”, porém,não é usada: evidentemente era muito mes-mo para eles...

28. É um pseudo-fundamento porque oEstatuto prevalece sempre sobre as resolu-ções do Conselho: “nenhuma interpretação,por mais autorizada, pode modificar a Carta”(D. Gallo “L’illegitima Difesa”, Il Manifesto, 21de outubro de 2001). E, portanto, a despeitodo Deputado Napoletano (ver a carta à LaRepubblica de 14 de outubro de 2001), estaguerra é e permanece ilegal. Sobre a matériaver também M. Chemillier-Gendreau, “L’abdi-cazione del Consiglio di Sicurezza”, Le MondeDiplomatique, 6 de novembro de 2001) e oapelo firmado por 120 juristas italianos “Il nodel diritto” publicado em Il Manifesto de 10 denovembro de 2001. É, portanto, falso afirmarque “as duas resoluções 1368 e 1373 ... confi-ram plena legitimidade às ações para enfren-tar-se e erradicar a ameaça terrorista”, se - co-mo parece - estas frases estão referidas àguerra (carta de Ciampi a Kofi Annan de 25 deoutubro de 2001). NT, Carlo Ciampi é presi-dente da Itália.

29. O novo Art. 165 afirma que as disposi-ções do Código penal de guerra “aplicam-seem todos os casos de conflito armado, inde-pendentemente da declaração do estado deguerra” (novo Art. 165). É um texto cuja peri-culosidade prática é comparável somente àsua contraditoriedade lógica, que de resto éuma conseqüência necessária do fato de quea guerra do Afeganistão nunca tenha sido ofi-cialmente declarada, Contra o reestabeleci-mento do Código de guerra votaram o PartidoComunista da Itália, os Verdes, o Partido daRefundação Comunista e uma parte (minori-tária) dos parlamentares do Partido Demo-crático de Esquerda.

30. Artigo publicado em La Repubblica de24 de janeiro com este título.

31. Em 1998, os Estados Unidos e outros 6paises recusaram-se a apor sua assinatura aotratado que instituía este tribunal. Ao final domandato Clinton aderiu. Bush esta agora bus-cando retirar a assinatura do tratado (!!). Istonão impediu, de resto, que até agora o Tri-bunal Penal Internacional tenha agido a servi-

ço dos Estados Unidos e não da ONU. Deresto, os tratados internacionais aos quais osEstados Unidos decidiram não aderir desde2001 são muitos outros: além do Protocolode Kyoto sobre a poluição da atmosfera; o tra-tado para o controle das armas biológicas (re-jeitado em julho; a recusa em aderir foi confir-mada mesmo depois do antrax); o tratadosobre centros financeiros offshore e da lava-gem de dinheiro; o tratado pelo banimentodas minas terrestres (antiuomo).

32. Sobre estes temas ver o ensaio de S.Senese “Guerra e nuovo ordine mondiale”,em Questione Giustizia, nº 2/2002.

33. Em 2000, nas zonas controladas pelosTalebãs, a produção caiu a 200 toneladas depapoula de ópio contra 3611 toneladas noano anterior (T. Withington, “Afghanistan: He-roin Trade Dilemma”, em Report on CentralÁsia do Institute for War and Peace Reporting,nº 99, 18 de janeiro de 2002).

34. Ver o Financial Times de 18 de feverei-ro, o Il Sole 24 Ore de 27 de fevereiro de 2002(artigo de Alberto Negri com o eloqüente títu-lo: “Narcotraffico 2002, una guerra che l’Af-ghanistan ha già perso”) e The Economist de16 de março de 2002.

35. Apenas 5% da heroína afegã chega aomercado americano. Fonte: Financial Times,de 18 de fevereiro.

36. Na mesma página, um outro título reci-tava: “USA e ONU ‘ignorano’ la minaccia dellacoltivazione della droga”.

37. Veja-se respectivamente M. Ruppert, “AReplay of CIA’s Vietnam-era Drug Dealing” de10 de dezembro de 2001 (www.copvcia.com)e The Asia Times de 4 de dezembro de 2001.

38. Veja-se a entrevista de Miriam Rawi aoJapan Times traduzida na página web: http:-//www. inventa t i .o rg/badg i r l z/ana l i -si/trad5.htm. O nome da entrevistada foi, ob-viamente, inventado para evitar represálias...

39. The Guardian, de 3 de abril de 1986 [!].40. NT - São chamados de desclassificados

os documentos oficiais que, por lei, após umdeterminado período são tornados públicos.

41. Journal of Peace Research, dezembrode 1987.

42. As primeiras notícias sobre o assunto,cuja fonte foi a ONU, ocorrem em novembroe se referem a Mazar-i-Sharif. Desde então ascoisas de fato não melhoraram: veja-se, porexemplo, o artigo de D. Filipov: “Warlord’s mencommit rape in revenge against Taliban”, pu-blicado no The Boston Globe de 24 de feverei-ro de 2002.

43. Declaração publicada pelo Il Manifesto,

de 13 de março de 2002.44. Agência ANSA de 4 de fevereiro de

2002. Infelizmente a realidade aparece bemdistante destas aspirações: ainda em 18 deabril, lemos que uma professora de Kandaharfoi desfigurada com ácido por represália.

45. Declarações do coordenador do pro-grama de retirada das minas da ONG Intersosà agência Adnkronos, em 26 de novembro de2001.

46. Fonte: Agência AGI, 22 de janeiro de2002.

47. J. Straw, “Rebuilding Afghanistan”, Fi-nancial Times, 21 de março de 2002. O artigoé tirado do livro Re-ordering the World: thelong-tem implications of September 11, Fo-reign Policy Centre, 2002.

48. P. Baker, “Taliban Reorganizing, Af-ghan Official Warns”, Washington Post, 10 defevereiro de 2002.

49. O editorial que leva este título foi publi-cado em 11 de fevereiro. O texto começa as-sim: “com triste previsibilidade o Afeganistãoestá voltando a escorregar em direção à anar-quia”.

50. J. F. Burns, “In a Shift, US Uses Airstrikesto Help Kabul”, New York Times, 19 de feverei-ro de 2002.

51. NT - Secreto.52. M. Gordon, “CIA warns that afghan

factions may bring chaos”, New York Times,21 de fevereiro de 2002.

53. Agência Reuters, que cita fontes dopróprio governo afegão. As quatro regiões são:Paktia, Wardak, Ghazni e Khost.

54. Deste ex-rei de opereta (foi destronadodurante suas férias em Capri, em 1973) os jor-nais se apressaram em produzir uma imagemde reconfortante sabedoria; esqueceram-sede informar-nos o fato de que, durante a Se-gunda Guerra Mundial, ele se alinhou com aAlemanha nazista. Sobre o tentado golpe deestado, verdadeiro ou presumido, ver M. Ra-sooli, “Afghan Coup Claims Under Scrutiny”,Reporting on Central Ásia, 4 de abril de 2002.

55. Agência ANSA, 5 de março.56. A. Negri, “Kabul, tornano i ‘signori di

guerra’”, Il Sole 24 Ore, 27 de novembro d 2001.57. Ver o Financial Times de 26 de novem-

bro: E. Luce, “Pashtuns have not forgottenRabbani massacres”.

58. T. D. Purdum, “Uzbekhistan’s LeaderDoubts Chances for Afghan Peace”, The NewYork Times, 14 de março.

59. A. Greeley, “US comes up short in Af-ghanistam”, Chicago Sun-Times, 25 de Janeirode 2002.

126 - Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Debates Contemporâneos

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Debates Contemporâneos

1. Para compreender o debateA crise de abastecimento hídrico nos grandescentros urbanos já é hoje uma realidade concreta para a maior parte dospaíses, especialmente no Terceiro Mundo.

Com o crescimento da demanda mundial auma taxa superior à renovabilidade do ciclo hi-drológico, todos os organismos internacionaisjá admitem que a falta de água e o comprome-timento de sua qualidade estarão entre os maio-res problemas da humanidade até a metadedeste século.

O intenso processo de industrialização dopós-guerra e a tecnificação da agricultura a par-tir da década de 60, foram os grandes respon-sáveis pelo assustador crescimento da deman-da de água verificada no mundo a partir da me-tade do século XX (gráfico 1).

Como então saciar a sede de uma popula-ção mundial que, nas próximas três décadas,deverá passar de quase 6 bilhões de indivíduospara próximo de 9 bilhões? As soluções clássi-cas até então apresentadas (construção de

A luta pela água: trajetória de

conflitos e as perspectivas nas políticas

públicas de abastecimento urbano

Adriano Severo Figueiró *

“Muita água tem o mundo,vasto palco de Raimundoe de figurantes incertos,pois dois terços do mundosão por água encobertos! (...)Querer impor ao povãoágua doce toda vendida

como pão arroz e feijão,de forma toda irrefletida,é penoso ataque patenteà multidão mais carente”

(Trecho de “Versos Livres” criados naresistência à venda da COMPESA1)

G rá fico 1 - C O N SU M O M U N D IA L D E Á G U A PO R SETO R

(1900 -20 00 )

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Agricultura IndústriasUrbano Total

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 127UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Fonte: Harrison e Pearce, 20012

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Debates Contemporâneos

mais barragens, dessalinização daágua do mar, canalização de longospercursos a partir das áreas mais úmi-das) já não são suficientes para fazerfrente à escassez de água e ao elevadocusto econômico e ecológico do seufornecimento.

As saídas são várias, porém as res-postas a estas questões transcendem aviabilidade técnica de aumento da ofer-ta de água ou de estratégias para aredução do consumo, pois se colocamno âmbito da globalização e da trans-formação do papel do Estado, resultan-do em formas diferenciadas de apro-priação e manejo dos recursos naturais.

Na perspectiva do modelo neolibe-ral, a solução para a crise de abasteci-mento hídrico representa transformar aconcepção deste recurso natural, de umbem público, administrado pelo Estado,em uma mercadoria, submetida à lógi-ca da capitalização. Neste contexto, oEstado vai perdendo gradualmente ocontrole sobre o processo de explora-ção, e passa a desempenhar apenasuma função de regulação da oferta, talcomo já é feito no Brasil, com a energiaelétrica e a exploração do petróleo.

Assim, este artigo se coloca comoum “pré-texto” para estabelecer algu-mas reflexões acerca destes elementosque compõem o quadro da gestão dosrecursos hídricos no contexto dastransformações das políticas de Esta-do. Busca-se, dessa forma, jogar umpouco de luz sobre a “crise de abaste-cimento hídrico” que toma conta docenário mundial, bem como sobre osmecanismos que têm permitido ao ca-pital a apropriação desta crise para im-pulsionar as forças de mercado.

2. A água na condição de recurso naturalEmbora considerado genericamen-

te como um recurso natural renová-vel3, o aumento da demanda e a redu-ção cada vez maior na qualidade da

água disponível, têm colocado o abas-tecimento hídrico entre os primeiroslugares da agenda ambiental mundial.

De fato, segundo dados da Organiza-ção Meteorológica Mundial (WMO4), oconsumo mundial de água cresceu maisde seis vezes, entre 1900 e 1995 (maisque o dobro das taxas de crescimentoda população), e continua a crescer rapi-damente com a elevação do consumonos setores agrícola, industrial e noabastecimento doméstico das grandescidades.

Destes três setores, é o abasteci-mento urbano que tem causado asmaiores preocupações no que se refe-re às projeções futuras, uma vez que aproporção da população urbana nomundo ainda deverá aumentar signifi-cativamente na primeira metade des-te século (gráfico 2).

O acesso a esse recurso e as impli-cações desse processo no “arranjo” dacidade e na organização e articulaçãodas formas de luta, são mais um doselementos que configura aquilo queLefèbvre denominou de “revolução ur-bana”5, uma vez que o aumento dademanda urbana de água não só tendea intensificar o conflito entre os diferen-tes tipos de usuários, como tambémdeverá promover uma disputa entre osmunicípios pelo controle das fontes deabastecimento.

Embora a água seja um recurso na-tural ainda abundante, ela se apresentaextremamente mal distribuída na su-

perfície do planeta. Um relatório de1998 do Banco Mundial7, mostra que1,4 bilhão de pessoas, em todo o mun-do, vivem em áreas de seca permanen-te, sendo que, segundo o mesmo rela-tório, esta população deverá dobrar nospróximos 25 anos. Um relatório domesmo ano, elaborado pelo PNUD8,alerta para o fato de que, ao se manteros atuais ritmos de exploração dos re-cursos hídricos, há um grave risco deque dois terços da humanidade soframuma falta de água moderada ou graveaté a metade do século atual.

Não apenas as disparidades na dis-tribuição do recurso, mas também ainsustentabilidade do modelo de de-senvolvimento dos países industrializa-dos, acabam por se traduzir em enor-mes diferenças nos níveis de consu-mo, conforme pode ser observado noquadro 1. Assim, enquanto a Américado Norte dispõe do dobro das reservasde água da Europa, e de pouco maisdo que o triplo da disponibilidade deágua do continente africano, o consu-mo da população norte-americana é depraticamente três vezes o da populaçãoeuropéia e de quase nove vezes o dapopulação africana9.

A garantia de reprodução de tal de-sajuste, com nítido favorecimento dospaíses desenvolvidos, se dá a partirda inclusão do debate sobre a água

nos mecanismos da política e do fi-nanciamento internacionais, tal comose discutirá adiante.

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 129

Debates Contemporâneos

O uso descontrolado da água, napromoção do crescimento agrícola, ur-bano e industrial, tem tido conseqüên-cias cada vez mais graves para a ma-nutenção do sistema ambiental subja-cente. Em algumas áreas, as retiradassão tão elevadas em comparação coma oferta, que a disponibilidade superfi-cial de água está sendo reduzida e osrecursos subterrâneos rapidamenteesgotados.

Diversos exemplos nesse sentidopodem ser evidenciados em diferentespontos do planeta. O desequilíbrio en-tre a exploração de água subterrânea ea estabilidade do solo tem provocadoum afundamento sistemático da Cida-de do México, que em alguns pontosjá chega a 7,5 metros (Spirn, 1995).Em diversas cidades litorâneas, o bom-beamento excessivo das águas subter-râneas tem promovido um rebaixa-mento do lençol freático e conseqüen-te contaminação dos mesmos pelaágua salobra.

Dados apresentados pela revista Na-ture demonstram que, em alguns paí-ses do sudeste asiático, mais de 50 porcento dos poços encontram-se conta-minados por metais pesados proveni-entes do uso de agrotóxicos e vaza-mento de produtos químicos.

Para o Brasil, estes dados não sãomenos preocupantes. O país que pos-sui a maior disponibilidade hídrica do

planeta (13,8% do deflúvio médiomundial), da qual, 97% armazenadano subterrâneo, perfura de oito a dezmil novos poços por ano, expondo asfontes de abastecimento a focos decontaminação de diferentes nature-zas12.

A disponibilidade de grandes reser-vas hídricas em países subdesenvolvi-dos e o aumento crescente da deman-da de recursos hídricos, em nível mun-dial, têm transformado o “mercado daágua” em um negócio bilionário, apre-sentando-se como a grande promessade commodity no futuro próximo.

Não é por outro motivo que o aces-so à exploração dos recursos hídricostem sido colocado, desde o ano de2000, na agenda de negociações dosorganismos multilaterais como condi-ção para a liberação de recursos finan-ceiros aos países subdesenvolvidos.

3. A água na condição de mercadoriaEm 1999, o FMI anunciou a criação

de um novo programa de financia-mento para os países mais pobres, de-nominado “Reduzir a Pobreza e Faci-litar o Crescimento” (Poverty Reduc-tion and Growth Facility - PRGF). Den-tro desse programa, 12 países foramobrigados a incluir, nos acordos deempréstimo, cláusulas relativas à priva-tização da água ou completa recupera-

ção do custo13, o que implica um au-mento substancial das tarifas de águae energia14.

Na lógica da flexibilização da econo-mia, com a retirada da subvenção doEstado, se dá o primeiro passo paraum processo posterior de privatização.

Assim, países africanos como Benine Guiné Bissau tiveram o sistema dedistribuição de água completamenteprivatizado. Em outros países, como aNigéria, o processo foi ainda mais radi-cal, uma vez que foram privatizadas asquatro maiores companhias governa-mentais (água, telecomunicações, ele-tricidade e petróleo).

Quando analisamos os dados cons-tantes no quadro 1, referente à relaçãoentre disponibilidade e consumo deágua, alguns elementos desse cenáriocomeçam a ficar mais compreensíveis.Observe-se que é na África e Américado Sul onde ocorrem os maiores “supe-rávits” hídricos dentro do TerceiroMundo, motivo pelo qual é justamentenestas áreas que o Fundo tem privile-giado a sua intervenção, sob a pretensadesculpa de erradicação da pobreza.

Enquanto a América do Norte conso-me 1m3 de água por habitante/ano pa-ra cada 9m3 disponíveis, na África, esteconsumo está na proporção de 1m3

para cada 25 m3 disponíveis, e na Amé-rica do Sul chega-se a 1m3 para cada90m3 disponíveis. O Brasil ocupa, por

QUADRO1- OFERTA E CONSUMO DE RECURSOS HÍDRICOS NO MUNDO

Oferta (1998) Consumo* Proporção

total (Km3/ano)

per capita (m3/hab/ano)

total(Km3/ano

per capita(m3/hab/ano**

oferta/consumo(m3/hab/ano)

Regiões

África (1995)* 3.996,00 5.133,05 145,14 202 25,41América do Norte (1991)* 5.308,60 17.458,02 512,43 1.798 9,71América Central (1987)* 1.056,67 8.084,08 96,01 916 8,82América do Sul (1995)* 1.008,91 30.374,34 106,21 335 90,67Brasil (1990)* 5.744,91 34.784,33 36,47 246 141,40Ásia (1987)* 13.206,74 3.679,91 1.633,85 542 6,79Europa (1995)* 6.234,56 8.547,45 455,29 625 13,68Oceania (1995)* 1.614,25 54.794,64 16,73 591 92,71Mundo (1987)* 41.497,73 6.998,12 3.240 645 10,85

* ano em que foi registrado o consumo**calculado pela população do ano em que foi registrado o consumoFonte: Adaptado de WRI (1998)10 e ANEEL (1999)11

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certo, a posição mais privilegiada destalista, uma vez que dispõe de uma ofer-ta de 141m3 de água por habitante/ano,para cada metro cúbico consumido.

Considerando que 97% desta águadoce disponível no Brasil está estocadano subterrâneo, é perfeitamente com-preensível que o BIRD tenha interesseem gastar US$ 14 milhões a “fundo per-dido” em um projeto coordenado pelaOrganização dos Estados Americanos(OEA), intitulado “Gerenciamento Sus-tentável do Aqüífero Guarani”15. Esteaqüífero (do qual dois terços encon-tram-se em território brasileiro) superaos 100 trilhões de metros cúbicos deágua estocada e representa não apenasuma importante fonte de lucros a mé-dio e longo prazo, mas uma área estra-tegicamente localizada para o controledo cone sul americano.

Enquanto a mídia continuar concen-trando as nossas atenções, exclusiva-mente para a perda da biodiversidadetropical, estaremos perdendo gradual-mente o controle sobre a principal moe-da do século XXI: a água, cujo valor estra-tégico no controle do território já erareconhecido desde o tempo de Aristó-teles16. Além dos rios sul-americanosconterem um volume de água superiorao de qualquer outro continente - 946Km3 (o que corresponde a 47,3% daágua doce do planeta), mais de 50 gran-des bacias hidrográficas e inúmerosaqüíferos são compartilhados por doisou mais países, o que confere uma aten-ção geopolítica especial para essa região.

Sem dúvida, o controle sobre o ser-viço de distribuição da água não repre-senta uma parte insignificante do pro-cesso de enriquecimento do capitalinternacional. Que o digam os conflitosque eclodiram no território brasileiro,desde o final da década passada, frutoda entrega sorrateira do nosso patri-mônio: Bahia, Pernambuco, Fortaleza(CE), Região dos Lagos (RJ), RibeirãoPreto (SP), Limeira (SP), Manaus (AM),

Mato Grosso do Sul. O controle sobreos preços “de varejo” tem representa-do uma importante fonte de lucrospara o capital privado que, em nomeda quebra do monopólio do Estado,atribui o aumento das tarifas às forçasinvisíveis do “Mercado”, tal como acon-teceu no setor energético17.

Neste processo, o governo brasileirotem seguido à risca as indicações do“grande irmão do norte”, reduzindodeliberadamente o investimento nosetor de saneamento, com a finalidadede asfixiar as políticas públicas do se-tor e apressar as transferências para aeconomia de mercado. Esse processofica claramente demonstrado no gráfi-co 3, que compara a disponibilidadefinanceira do FGTS para investimentona área de saneamento e infra-estrutu-ra, com o investimento real no setorfeito pelo governo, durante os doismandatos de FHC. Desse modo, “aasfixia do setor público corresponde àoxigenação do setor privado, paraatender às exigências do FMI”18.

Um passo decisivo para o controletotal desse mercado, que arrecada noBrasil cerca de 12 bilhões de reais porano, poderá ser a aprovação do PL4.147/2001, que trata da regulamenta-ção do setor de água e esgoto no país.

Ao buscar definir diretrizes geraispara a política de saneamento, o Pro-jeto construído em parceria com o

Banco Mundial busca apropriar-se do“filet-mignon” do sistema20, preparan-do-o para a privatização e relegando “aparte deficitária” às calendas. Registre-se que este projeto só não foi aprova-do no ano passado, apesar do grandeesforço do governo, graças à vitoriosapressão da Frente Nacional pelo Sa-neamento Ambiental (FNSA).

4. As alternativas por dentro do mercadoDiante do inevitável esgotamento

dos recursos naturais, anunciado pelavoracidade do consumo modernistamundial, em meados da década de 70,duas alternativas passaram a ganharcorpo no debate das políticas públicascontemporâneas: de um lado, a possi-bilidade de uma repactuação social nomodelo de uso dos recursos, o que im-plicaria um novo “contrato natural”21

(Serres, 1991) e numa redefinição dasbases políticas e econômicas de sus-tentação deste modelo.

De outro lado, uma “ecologização”

da economia, buscando internalizar asconseqüências ambientais do desen-volvimento, através da atribuição dedireitos de propriedade e preços abens e serviços ambientais. Dessa for-ma, a saída para crise estaria nas com-pensações estabelecidas a partir derigorosas regras de valorização e distri-buição dos recursos. As infalíveis “leis

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Debates Contemporâneos

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GRÁFICO 3 - FGTS : RESCURSOS DISPONÍVEIS E APLICADOS EM

SANEAMENTO E INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL(em R$1000)

Aplicado em saneamento e infra-estruturaDisponível para saneamento e infra-estrutura

Fonte: Oliveira Filho (2002)19

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de mercado” estariam encarregadasde transformar estas regras na verda-deira eqüidade e justiça distributiva.

Não há dúvidas de que a pressão dogrande capital se encarregou de globali-zar a segunda alternativa, transforman-do-a em políticas de Estado, especial-mente a partir da ECO-92. Esta políticatem permitido converter a esgotabilida-de dos recursos, de um limite ao cresci-mento em um dinamizador deste cresci-mento, porquanto se busca converter osníveis de degradação, exclusão, risco eincerteza em um padrão comum demedida através dos preços de mercado(Leff, 1994)22. É a inescrupulosa remissãodo modelo capitalista de acumulação,supostamente liberto dos limites daesgotabilidade do Clube de Roma23 e le-gitimado pela farsa da encenação deuma participação democrática24. A ade-quada valoração, segundo as leis demercado, e a confiança na eficiência tec-nológica da exploração, são os instru-mentos de remissão do modelo capita-lista para enfrentar a exigüidade das re-servas de recursos naturais na entradado século XXI. Como diz Leff (1998)25, “atecnologia, que contribuiu para o esgo-tamento dos recursos, resolveria proble-mas da escassez global, fazendo des-cansar a produção num manejo indife-renciado de matéria e energia; os de-mônios da morte entrópica seriam exor-cizados pela eficiência tecnológica”.

No que se refere às políticas de abas-tecimento hídrico, os grandes avançosno cenário mundial, nos marcos dasalternativas de mercado, são relativos auma implementação cada vez mais di-fundida de gestões compartilhadas daágua26, bem como na instituição de me-canismos legais que viabilizem a outor-ga e a cobrança da água, segundo amodalidade de uso27.

Se estas alternativas não se colocamefetivamente como soluções à crise deabastecimento, posto que tão somentereorganizam o funcionamento do siste-

ma no contexto do mesmo modelo deinsustentabilidade, ao menos devemservir como espaços de possibilidadeao tensionamento e à materializaçãodos conflitos. Conflitos estes, a partirdos quais devem ser construídas alter-nativas de sustentabilidade para umdesenvolvimento alternativo, que te-nha as suas raízes na diversidade bioló-gica, econômica e cultural das diferen-tes regiões deste planeta.

5. As alternativas para além do mercadoFelizmente, alguns setores da classe

trabalhadora têm se manifestado, deforma contundente contra o avanço damercantilização da água e da naturali-zação dos processos econômicos sub-jacentes às diferentes formas de explo-ração dos recursos naturais.

No entanto, esta mobilização aindanão tem sido suficiente para deter aperda progressiva da autonomia sobrea gestão dos recursos. E, como vimos,no caso da água, este processo é espe-cialmente preocupante, uma vez quedefine as bases de conformação das di-ferentes atividades urbanas.

É preciso avançar no sentido de re-verter esse processo. E isso pressupõe oentendimento de que um adequadomodelo de gestão dos recursos hídricosnão passa pela “cobrança de um preçojusto” ou pelo estabelecimento de for-mas de propriedade ou formas adequa-das de uso dos recursos.

Um modelo adequado de gestãoimplica a necessária autonomia culturalde cada comunidade para definir assuas alternativas de desenvolvimentocom base nas suas necessidades e nopotencial ecológico da sua região, esta-belecendo as verdadeiras bases de uma“democracia ambiental” (Leff, 2000)28.

É exatamente este o ponto onde aslutas em defesa do meio ambiente searticulam com as lutas em defesa dademocracia e pela autodeterminação.

Assim, o conflito ambiental se apresen-ta como um campo politicamenteestratégico no contexto da luta de clas-ses, com interesses sociais, simbolis-mos e processos materiais que acabampor expressar diferentes racionalidades.A possibilidade de identificação destasdiferentes racionalidades da classe tra-balhadora em um projeto histórico queincorpore as condições ecológicas desustentabilidade às diversidades cultu-rais, na construção de um modelo alter-nativo de desenvolvimento, pode repre-sentar um ponto de unidade entre asdiferentes lutas setorializadas.

Neste contexto, o ecológico podecontinuar subordinado (por razões es-tratégicas, táticas e históricas) a reivin-dicações de autonomia cultural e de-mocracia política, como nos tem de-monstrado os diferentes movimentoscamponeses e indígenas na AméricaLatina (Leff, 1998).

Notas1. Companhia Pernambucana de Sanea-

mento.2. HARRISON, P.; PEARCE, F. Atlas of Po-

pulation and Environment. San Francisco: Uni-versity of California Press, 2001.

3. Embora o ciclo hidrológico das águassuperficiais possa se completar em questão dedias, especialmente nas áreas tropicais, segun-do dados do Instituto de Hidrometeorologia deLeningrado (World Water Balance and WaterResources of the Earth, 1974), o tempo neces-sário para a regeneração das reservas de águasubterrânea, situa-se por volta de 1400 anos, oque nos leva a relativizar o conceito de renova-bilidade dentro da escala humana de tempo.Tal discussão também é apontada por Tivy eO’Hare (1985) - Human Impact on the Ecosys-tem. New York: Oliver & Boyd.

4. World Meteorological Organization -WMO. Comprehensive Assessment of the Fre-shwater Resources of the World. Genebra:WMO, 1997.

5. LEFÈBVRE, H. La Revolución Urbana.Madrid: Alianza Editorial, 1983. Para o autor, a“revolução urbana” configura um conjunto detransformações que marcam um período emque os grandes problemas do crescimento eda industrialização (tão próprios do período

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pós-revolução industrial) cedem espaço aoconjunto de elementos próprios da problemá-tica urbana, com a complexificação dos sujei-tos e a intensificação dos conflitos.

6. op. cit.7. BANCO MUNDIAL. Gerenciamento de

Recursos Hídricos. Brasília: Secretaria de Re-cursos Hídricos, 1998.

8. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARAO DESENVOLVIMENTO - PNUD. Informe sobreDesarrollo Humano. Nova Iorque: ONU, 1998.

9. Segundo dados apresentados por Spirn(1995), esta divisão territorial do consumo jávem de longo tempo. Antes mesmo da Segun-da Guerra Mundial, enquanto cidades euro-péias como Londres e Berlim consumiam emtorno de 150 litros de água/dia, per capta, oconsumo diário médio em dez cidades ameri-canas era de 600 litros, ou quatro vezes mais.

SPIRN, A.W. O Jardim de Granito. São Pau-lo: EDUSP, 1995.

10. WORLD RESOURCES INSTITUTE - WWI.World Resources- 1998-99- EnvironmentalChange and Human Health. Oxford: OxfordUniversity Press, 1998.

11. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉ-TRICA - ANEEL. Atlas Hidrológico Brasileiro -Versão 1.0. Brasília: ANEEL, 1998. Versão emCD ROM.

12. Dados apresentados pelo IBGE (1998)apontam a falta de água potável e de sanea-mento como os responsáveis por 80% dasdoenças e 65% das internações hospitalaresno Brasil. Ainda segundo os dados do IBGE,são 11 milhões de pessoas sem acesso à águaencanada (25% dos domicílios urbanos (92%das famílias com renda inferior a três saláriosmínimos e 91% dos domicílios rurais). Nomundo todo, são 34 mil pessoas que morremdiariamente por enfermidades relacionadas àqualidade da água, segundo dados da UNES-CO (vide relatório na página da UNESCO-www.unesco.org).

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA EESTATÍSTICA - IBGE. Anuário Estatístico de1996. Rio de Janeiro: IBGE, 1998.

13. Na página do Fundo Monetário In-ternacional (www.imf.org) pode-se acessar ascartas de intenção preparadas pelos governosdestes países, em cumprimento aos termosimpostos pelo FMI para a liberação de dinhei-ro. Como o FMI está no topo da hierarquiadas instituições financeiras internacionais,conseqüentemente cabendo a ele estabeleceras condicionalidades para a aprovação do cré-dito em diversos outros organismos, é prová-vel que o impacto destes acordos seja aindamais lesivo do que se pode supor.

14. No caso da privatização dos serviços deágua de Cochabamba (Bolívia), a tarifa chegoua ter um acréscimo de 300%. Já na região deTucumán (Argentina), a privatização da água

elevou a tarifa em 100%, o mesmo acontecen-do em diversos outros países. Na Nicarágua, oacordo com o Fundo previu um aumento nastarifas de água e esgoto na ordem de 1,5% aomês até que o sistema possa se tornar “auto-sustentável”.

15. Segundo matéria da Folha de São Pau-lo, de dezembro de 1996, este projeto estácomposto por integrantes dos governos brasi-leiro, argentino, uruguaio e paraguaio, com ocusto total orçado em US$ 25 milhões.

16. “Política”, livro VII.17. Segundo dados do IDEC (2001), os rea-

justes das tarifas de energia elétrica variaramentre 3,15% até 26,57% para os setores co-mercial e industrial, enquanto que para o con-sumidor de baixa renda (até 30 kWh) o au-mento real (além da inflação) ficou na ordemde 321,45%

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DOCONSUMIDOR - IDEC (2001). Direitos do Con-sumidor de Energia Elétrica. http://www.idec.org.br.

18. Frase de Carlos Drummond, em maté-ria da revista Carta Capital, de 1/3/2000.

19. OLIVEIRA FILHO, A. Brasil: luta e resis-tência contra a privatização da água. PortoAlegre: FSM, 2002. (mimeo.)

20. O projeto 4.147/2001 coloca-se comoum grande instrumento facilitador da privatiza-ção do setor, especialmente a partir de doiseixos principais: de um lado, busca centralizaro controle dos serviços de saneamento a par-tir da transferência da titularidade dos serviços,dos municípios para os governos estaduais. Deoutro lado, elimina do conceito de saneamen-to básico os serviços de “maior risco” e menosatrativos ao capital internacional: coleta, trata-mento e disposição do lixo, drenagem urbana,além da cobertura completa dos serviços paraa zona rural. Os estados passariam a ter, dessaforma, a responsabilidade somente sobre ofornecimento de água e esgoto nas áreas ur-banas, o que facilitaria muito o processo denegociação com o capital privado.

21. Na figura simbólica daquilo que Serresdenomina de “contrato natural”, o autor cha-ma a atenção para a necessidade de se esta-belecer uma nova lógica nas relações da so-ciedade com a natureza, redefinindo o concei-to e o rumo deste mito moderno que a socie-dade industrial chamou de “desenvolvimen-to”. Para Leff (1998), “trata-se da reapropria-ção da natureza e da reinvenção do mundo;não só de um mundo no qual caibam muitosmundos, mas de um mundo conformado poruma diversidade de mundos, abrindo o cercoda ordem econômico-ecológica globalizada”.

SERRES, M. O contrato Natural. Rio de Ja-neiro: Nova Fronteira, 1991.

LEFF, E. Saber Ambiental. Sustentabilida-de, Racionalidade, Complexidade e Poder.Petrópolis: Vozes, 1998.

22. LEFF, E. Ecología y capital: racionalidadambiental, democracia participativa y desarrollosustentable. Cidade do México: Siglo XXI, 1994.

23. O Relatório do Clube de Roma, publica-do na década de 60, é um dos primeiros docu-mentos onde a crise ambiental é expressa ofi-cialmente como um problema global, e a es-cassez dos recursos naturais é aceita comouma realidade concreta. Apesar do seu con-teúdo alarmista, o referido documento foi umdos principais responsáveis pela realização daConferência das Nações Unidas sobre o MeioAmbiente Humano, celebrada em Estocolmo,em 1972, onde o debate ambiental se intensi-fica, e começam a ser gestadas as grandes po-líticas de uso dos recursos naturais para o finaldo século XX e início do século XXI.

24. Uma das principais estratégias de legi-timação do capital, atualmente, refere-se àaglutinação e coordenação de diferentes gru-pos sociais (trabalhadores, empresários, aca-dêmicos, indígenas, etc.) em torno da constru-ção de “um futuro comum”. Esta estratégia,por certo, reduz significativamente os custossociais de produção, cria uma representativi-dade universal para o modelo proposto ecompromete o exercício da autonomia destesgrupos. Como nos lembra Leff (1998), “a cida-dania global emerge da democracia represen-tativa, não para convocar o cidadão integral,mas suas funções sociais, fragmentadas pelaracionalidade econômica: como consumidor,legislador, intelectual, religioso, educador.”

25. op. cit.26. Aqui, mais uma vez, se montam as

encenações de uma falsa democracia repre-sentativa, já que os comitês de gerenciamen-to de bacias funcionam dentro do já conheci-do sistema tripartite (neste caso, usuários,Estado e sociedade civil), onde a presença dostrabalhadores, na maior parte das vezes, re-presenta apenas uma legitimação ou umamediação para os conflitos entre os diferentessegmentos do capital.

27. No Brasil isto se tornou possível a par-tir da aprovação da lei 9.433/97, na qual criao Conselho Nacional de Recursos Hídricos ese estabelece todas as diretrizes para o funcio-namento do sistema de gerenciamento. Co-mo conseqüência desse processo, em 1999foi criada a controvertida Agência Nacional deÁguas (ANA), encarregada de implementar aPolítica Nacional de Recursos Hídricos.

28. LEFF, E. La Complejidad ambiental. Ci-dade do México: Siglo XXI, 2000.

* Adriano Severo Figueiró é Professor doDepartamento de Geociências - UFSM, Dou-torando do PPGG-UFRJ.

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Martha D’Angelo *

O experimentalismo de Brecht, marcante em toda suatrajetória, não alimentava nem partia do desejo de salvar a arte da fatalidade profetizada por Hegel. ParaBrecht, a morte da arte não era um fantasma a ser exorcizado, muito pelo contrário. Ao se tornar uma mercadoria, a obra de arte atingiu de forma tão corrosivaa noção de “arte” que o apego a esta noção não fazmais o menor sentido. Brecht admitia que o que Hegelentendia por “morte da arte” pode significar apenas o

desaparecimento ou declínio de um certo tipo de arte. O caráter teleológico do historicismo de Hegel acaboureduzindo a arte a um determinado conceito de arte. A propósito, vale lembrar a observação de Paul Valérysobre a insuficiência de um conceito universal de arte.Para ele, as obras de arte, ao demonstrarem a realimpossibilidade de realização deste conceito, revelamtambém que a fraqueza não é dos artistas em relaçãoao conceito mas antes do próprio conceito.

Os fundamentos epistemológicosdo teatro de Brecht

“Por que temer o que é novo, em vez do que é velho?”(Brecht, 1978, p. 44)

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A vitalidade da obra de Brecht sedissolve completamente quando o seuexperimentalismo e anseio de mudan-ça são vistos como necessidade demanutenção da “pureza” do conceitode arte. O que estava em jogo não era,evidentemente, preservar a todo custoos valores eternos da arte. Por outro la-do, o experimentalismo de Brecht nãopode ser reduzido às suas manifesta-ções políticas mais explícitas. Comoobservou Roberto Calasso (1997:108),uma leitura honesta da obra de Brechthoje exige que o leitor elimine “dosseus textos primeiro aquela espessacrosta de um áulico kitsch social queali se depositou gradualmente”. Elimi-nadas estas impurezas, o engajamentopolítico e a ligação de Brecht com al-guns dos principais movimentos artís-ticos deste século aparece não comobusca de um estilo, mas como um ver-dadeiro aprendizado. A passagem pelonaturalismo, o expressionismo, o da-daísmo e a comédia popular de KarlValentin não levou Brecht a grandesrupturas e autocríticas, como tambémnão o orientou na direção de uma es-tética normativa, como a de Lukács, porexemplo. O contato com os movimen-tos artísticos mais importantes de suaépoca levou Brecht a uma reflexão pro-funda sobre a natureza do teatro e daarte em geral. Seu experimentalismonasce da necessidade de responder àpergunta: “o que é o teatro e qual a suafinalidade?” Foi a retomada permanen-te desta questão que afastou Brecht denormas estéticas rígidas.

Antes da modernidade, predomina-va no teatro grego e medieval a temá-tica religiosa; é a partir de Shakespeareque se desenvolve no teatro ocidentaluma experiência de caráter laico. O tea-tro moderno acompanha a tendênciageral da cultura, apontada por Webercomo tendência histórica irreversível,de autonomização em relação à religi-ão. Dentro desta tradição, o que distin-

gue a experiência de Brecht é o esforçode levar às últimas conseqüências a re-flexão sobre as condições históricasque limitam e orientam o trabalho doartista. De certo modo, é esse substra-to epistemológico que sustenta e dádensidade à obra de Brecht, destacan-do-a das demais. Esse caráter auto-re-flexivo não levou, entretanto, a um ar-refecimento da produção, como acon-teceu, por exemplo, com alguns surrea-listas que acabaram privilegiando a mi-litância política. O reconhecimento daslimitações da arte não se transformounum fator de inibição para Brecht, esim num desafio.

No ensaio “Que é o Teatro Épico?”(Was ist das epische Theater, 1931),Benjamin (1994) reconhece ter sidoBrecht o responsável pela eliminaçãodos vestígios da origem sagrada doteatro. Essa dessacralização levou aodesaparecimento do abismo que se-

para os atores do público. O palco nãodeixa de existir, mas “não é mais umaelevação a partir de profundidadesinsondáveis” (Benjamin 1994: 78).

O significado desta mudança ultra-passa o âmbito do próprio teatro eatinge os fundamentos da epistememoderna. A diferença mais marcanteentre os antigos gregos e os filósofosmodernos no que diz respeito à cons-trução do conhecimento é, precisa-mente, a redefinição do papel do sujei-to neste processo. Com a descobertado sujeito epistêmico por Descartes, anoção de conhecimento como desve-lamento do real foi substituída pelanoção de conhecimento como cons-trução do sujeito. A reminiscência pla-tônica e a teoria aristotélica de conhe-cimento como tomada de consciênciadas formas a partir das percepções dosujeito estão muito distantes do cons-trutivismo cartesiano. Nessas duas va-riedades epistemológicas existe umasintonia entre a ordem do mundo e apassividade do sujeito. A ênfase no su-jeito, típica da cultura moderna, trans-posta para o âmbito do teatro, redefi-niu a relação ator/espectador. Comosalientou Gerd Bornheim (1983: 52), éjustamente na época de Descartes quecomeça a se impor o que se chama depalco italiano, que, operando uma ver-dadeira cisão entre o palco e a platéia,chega ao ponto de colocar entre essasduas entidades um poço, onde se si-tua a orquestra. O público, reduzido àcondição de objeto, torna-se cada vezmais passivo, quieto, silencioso: elepode se fazer ouvir, até certo ponto,pelo riso na comédia, mas a comédia,segundo a tradição, é inferior e retratatipos humanos inferiores. Evidente-mente, essa passivização do públicoacontece através de um longo e lentoprocesso histórico, no decorrer do qualse desenvolvem também as técnicasque dão ao ator o poder de hipnotizaro espectador.

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Em sua investida contra essa dicoto-mia artista-público e a divisão ativo-passivo concernente a ela, Brecht pro-cura transformar as características quetêm definido o público historicamente.Para alcançar este objetivo, ele intro-duz mudanças fundamentais no palco.“O palco principiou a ‘narrar’” (Brecht,1978: 47), a descrever e utilizar coros eprojeções com finalidade crítica. Todasas técnicas capazes de provocar êxta-ses e efeitos de encantamento sãocondenadas por Brecht. Seu verdadei-ro propósito é analisar, resumindo aessência desta ação pedagógica, Bre-cht a define nos seguintes termos: “Oteatro passou a oferecer aos filósofosuma excelente oportunidade, oportu-nidade, aliás aberta apenas a todosaqueles que desejavam não só expli-car como também modificar o mun-do”. (Brecht, 1978: 48). Inspirado nosefeitos de distanciamento da arte dra-mática chinesa, o teatro épico obriga opúblico a refletir sobre as ações que sedesenvolvem no palco.

A aproximação entre o teatro e a fi-losofia acontece quando o distancia-mento, provocando a desnaturalizaçãodo acontecimento que está sendo nar-rado, leva o público a um tipo de atitu-de que corresponde ao espanto filosó-fico. É a partir dele que se estabelece odiálogo do público com os atores. Es-tes, a cada momento, retificam o seumodo de representar observando areação das pessoas. É importante, en-tretanto, considerar que os motivos eos objetivos do efeito de distancia-mento do teatro chinês permanecem,para Brecht, estranhos e suspeitos.Não se deve imaginar que, por seruma fonte do teatro épico alemão, oteatro chinês seja, necessariamenterealista e revolucionário. Para Brecht, aestranheza que ele provoca num euro-peu se explica inicialmente como uminevitável choque cultural entre Oci-dente e Oriente. Mas, ao constatar que

ele provoca a mesma estranheza entreos próprios chineses, Brecht percebeque esta explicação é insuficiente. Sur-ge daí a interpretação de que a técnicade distanciamento do teatro chinês éperturbadora em qualquer circunstân-cia e em diferentes contextos culturaisporque, além de provocar uma impres-são de mistério, parece não ter interes-se algum em revelar esse mistério.

Brecht justifica a sua apropriação eadaptação da técnica de distanciamen-to do teatro chinês admitindo que elatambém pode ser utilizada para dissol-ver a magia do teatro. As experiênciasdo teatro épico alemão desenvolve-ram o efeito de distanciamento tendoem vista objetivos sociais bem deter-minados, e de uma forma autônomaem relação ao teatro chinês. Seu obje-tivo é dar aos acontecimentos narra-dos no palco um caráter histórico, aocontrário do teatro burguês moderno,que procura dar aos seus temas umaatemporalidade. Brecht resumiu assima sua forma de entender a relaçãoentre a técnica de distanciamento e ahistória humana no teatro épico:

“Todos os acontecimentos relati-vos aos homens são examinados, tu-do tem de ser encarado de um pris-ma social. Um teatro que seja novonecessita, entre outros, do efeito dedistanciamento para exercer críticasocial e para apresentar um relato his-tórico das reformas efetuadas” (Bre-cht, 1978: 66).

Enquanto o teatro tentar ocultar queé teatro, rejeitando portanto o distan-ciamento, não poderá ocorrer, no sen-tido proposto por Brecht, a união entreaprendizagem e diversão, nem entre

teatro e filosofia. Ou seja, é precisodesmascarar o teatro para que elevolte a ser teatro de verdade. Movidopor esta preocupação, Brecht vai mos-trar a necessidade de se adotar umasérie de procedimentos, alguns apa-rentemente sem importância, capazesde colocar em evidência tudo o queestá subjacente à cena e à própria en-grenagem teatral. Neste sentido, pode-se falar que o teatro épico é essencial-mente metalinguagem. Para atingir demodo inquestionável seu objetivo, oteatro épico precisa neutralizar o tem-po todo a tendência adquirida pelo pú-blico de fugir de uma atitude analíticae deixar-se arrebatar pela ilusão de es-tar assistindo a um acontecimento na-tural, não ensaiado. No teatro burguês,o contato entre o público e o palco serealiza através da empatia, estandotoda a formação do ator voltada paraa produção deste fenômeno psíquico,oposto ao que o efeito de distancia-mento produz.

O que Brecht deseja do ator não é asua metamorfose total na personagemrepresentada, mas isto não significa,no entanto, um descompromisso coma expressão ou uma ausência de emo-ção na representação. Ao contrário domágico, que precisa esconder do pú-blico os truques que permitem a ob-tenção de determinados efeitos, o atordo teatro épico deve conseguir revelarao máximo os bastidores de uma boarepresentação. O distanciamento doator em relação à personagem que elerepresenta, ao ser explicitado no palco,leva o público a perceber mais facil-mente que o mundo humano, tantoquanto o mundo do teatro, é criação

Debates Contemporâneos

O distanciamento do ator em relação à personagem

que ele representa, ao ser explicitado no palco, leva o público

a perceber mais facilmente que o mundo humano,

tanto quanto o mundo do teatro, é criação do próprio homem.

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do próprio homem. O destaque sobreeste ponto é decisivo porque para Bre-cht “os homens de hoje estão, peranteas suas próprias realizações, exata-mente como outrora, perante as im-previsíveis catástrofes da natureza”(Brecht, 1978: 107)

Todo o teatro moderno, segundoesta visão, conduz à retomada do mi-to, não a sua superação. Em certa me-dida, o teatro épico reafirma a tese deMarx de que o homem, ao se autopro-duzir, produz a história.

A preocupação em afastar o palcode todo sensacionalismo temático le-vou Brecht a se perguntar se os acon-tecimentos representados pelo atorépico não deveriam ser conhecidos deantemão pelo público, e nesse caso osepisódios históricos seriam os maisapropriados. Curiosamente, o conheci-mento prévio do desfecho de uma his-tória é um aspecto marcante da tragé-dia antiga, onde os mitos e aconteci-mentos representados não trazemnenhuma novidade para o público. Iro-nicamente, Brecht sugere a retomadade histórias conhecidas como estraté-gia para negar o mito e superar os efei-tos provocados pela catarse, de aco-modação à realidade estabelecida. Agrande discussão que perpassa a tra-gédia antiga é o grau de autonomia dohomem em relação aos deuses. Comoobservou Vernant (1976), na maiorparte do tempo o poeta trágico dizaquilo que é esperado pelo públicoque vem ao teatro para ouvir o que jásabe. Os heróis trágicos são homensdilacerados por dois sistemas de valo-res: os do passado, condensados naslendas e mitos que estão sendo colo-cados em questão, e os valores da ci-dade, representados no palco pelo co-ro. O herói é posto em questão no diá-logo entre o passado e o presente. Oproblema da responsabilidade huma-na surge desse conflito e a dúvida dohomem se resume à pergunta “até

que ponto sou a única e exclusiva fon-te de minha própria ação?”

Na tragédia grega, o herói não sepergunta se deve agir ou não, e sim co-mo deve agir. É só com Hamlet que oproblema agir ou não agir, ser ou nãoser, aparece, ou seja, é só com Sha-kespeare que o suicídio surge comoalternativa ou possibilidade. Em suasanálises sobre a modernidade, WalterBenjamin destacou as implicações his-tóricas do suicídio e sua relação com oempobrecimento da experiência hu-mana. Na conferência “O Autor comoProdutor”, a importância da experiên-cia de Brecht aparece diretamente vin-culada ao modo como os desafios damodernidade são enfrentados por ele.A valorização do teatro épico surge, as-sim, do seu caráter reflexivo e de suacapacidade de orientar outros produto-res. Apropriando-se da técnica de dis-tanciamento do teatro chinês, e da téc-nica de montagem desenvolvida no ci-nema, no rádio e na imprensa, o teatroépico passou a se caracterizar pela in-terrupção da ação, ao contrário do tea-tro burguês moderno, preocupado como ritmo temporal da ação. O desenrolare o desfecho dos acontecimentos nãotêm tanta importância, sendo a fonteda dialética, neste caso, o próprio gestoe não a seqüência das ações. Esta imo-bilização do fluxo da vida, a interrupçãodo vivido como um refluxo - a dialéticaem estado de repouso - possibilita umacompreensão mais profunda da reali-dade.

A valorização do gestual em Brechté inseparável da visão descontínua econstrutiva da história do próprio Ben-jamin. A interrupção da cena no teatroépico tem como correlato a concepçãode revolução como interrupção do cur-so da história, tão bem apresentada nametáfora do caleidoscópio. Dominadapor uma dialética que mantém uma vi-são linear dos acontecimentos no tem-po, o curso da história se apresenta

como os giros de um caleidoscópioonde cada ordenação está predetermi-nada por uma ordem geral. Os concei-tos das classes dominantes são o es-pelho onde essa ordem geral se des-dobra. O caráter mítico da sociedadeburguesa, garantido com a manuten-ção desse ciclo, funciona como os gi-ros de um caleidoscópio. Estar sob odomínio do mito é estar submetido aforças não identificadas que movem ahistória no sentido de um eterno retor-no. Na modernidade, o que move esseciclo é a necessidade de reproduçãodo capital. Em sua interpretação deBrecht, Benjamin realça os aspectostécnicos de sua obra que apontam pa-ra o rompimento com uma história cí-clica, viciada, mecânica, que naturalizaprocessos e bloqueia a ação conscien-te dos homens. A interrupção da cenaem Brecht transpõe para o teatro aconclusão da metáfora de Benjamin,resumida na frase “o caleidoscópio de-ve ser destruído”.

O reconhecimento da determinaçãosocial do pensamento, tal como é ad-mitida no materialismo histórico, cons-tituia uma referência básica não só pa-ra Brecht, como também para Benja-min, Lukács e Adorno. Não obstante,as divergências entre eles às vezes sãotão profundas que o que poderia cons-tituir uma base unificadora de pensa-mento se dissolve nas diferentes for-mas de apropriação do marxismo e dolegado da Aufklärung. A despeito dasdiferentes metodologias que orientamcada um, o Lukács da Teoria do Ro-mance representa uma referência im-portante para os demais. Segundo Lu-kács, o romance como forma repre-senta, na modernidade, um esforço demanter algo próprio à narração épica.Como destacou Frederich Jameson,para Lukács, o romance representa “umsubstituto para a epopéia sob condi-ções de vida que doravante tornam aepopéia impossível” (Jameson, 1985:136).

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Ao contrário da antiga epopéia e datragédia, que possuem convençõespré-fixadas e uma forma fechada, o ro-mance é uma forma híbrida e proble-mática em sua própria estrutura. Noromance o processo narrativo é prece-dido de um vazio, situando-se dentrode um mundo que não tem um senti-do definido, um mundo inorgânico.Enquanto o herói épico é a voz da co-letividade, o herói do romance estásempre em oposição à natureza da co-letividade, e é precisamente a sua difi-culdade de integrar-se que constitui o“x” da questão. A reconciliação entre oherói do romance e a sociedade deveser laboriosamente construída no de-correr do livro; de outro modo, a pró-pria forma do romance ficaria compro-metida. É compreensível, portanto, queo protótipo do herói romanesco seja otransgressor, o pária, o louco. O objeti-vo do herói é a reconciliação com omundo. O romance como tentativa deatribuir um sentido para o homem epara o mundo resulta sempre de umdesejo imperioso e subjetivo. Mas, a re-conciliação entre o homem e o mundonão surge do confronto dos dois, e simda mente do romancista, que tentaforjá-la de modo obstinado. Por estarazão, a atividade do romancista se de-senvolve sempre sob o signo do que osromânticos alemães chamam de Ironia:o criador completa sua criação apon-tando para si mesmo. O romance ad-quire, deste modo, um significado ético,uma dimensão utópica e redentora. Aoposição e a busca hegeliana de identi-dade entre sujeito e objeto constitui amatéria prima da teoria lukacsiana doromance.

A partir daí Lukács afirma a necessi-dade de um realismo onde a visão detotalidade se imponha à fragmentaçãodo mundo reificado. Sua rejeição a to-da arte de vanguarda e às análises deBenjamin sobre a linguagem alegóricavisa à preservação de um conteúdo

histórico positivo nas obras de arte.Por outro lado, as críticas de Benjamine Brecht a Lukács atingem, sobretudo,sua concepção de realismo. A revisãodos debates entre esses três pensado-res nos remete aos aspectos mais po-lêmicos e profundos dos debates so-bre arte e conhecimento no século XX.

Respondendo à acusação de forma-lismo feita por Lukács ao seu trabalho,Brecht rebate procurando mostrar adefinição puramente formal de realis-mo que Lukács extrai do romance doséculo XIX. É sempre com ironia queele se refere às recomendações de Lukács aos escritores, tais como: sejamcomo Tolstoi, mas sem perder a iden-

tidade! Sejam como Balzac, mas atu-ais! Quanto à admiração por ThomasMann, ela nem era motivo de ironia,pois deixava Brecht profundamente ir-ritado. Ele considerava as obras desseescritor símbolo do burguês bem-su-cedido, artificiais, pedantes e inúteis.O apego à tese expressa em História eConsciência de Classe, da totalidadecomo categoria essencial do marxis-mo, levou Lukács a concluir que a par-te mais importante da obra de Brechté a que se inicia no período do exílio.A partir daí, o retorno aos cânones aris-totélicos e shakespearianos do dramafazem dele o maior dramaturgo realis-ta do século XX. Por atribuir ao expres-sionismo um papel importante na pre-paração ideológica do fascismo, Lu-kács considera decisivo o afastamentode Brecht desta tendência. Sem ir tãolonge quanto Lukács na crítica ao ex-pressionismo, Brecht admite as limita-ções políticas deste movimento quan-do reconhece sua incompreensão danatureza do capitalismo monopolista,mas observa que esta limitação tam-bém existe nas obras “realistas” deThomas Mann, que Lukács toma comaparadigma. Para Brecht, escrevendo noestilo de Thomas Mann, Tolstoi ou Bal-zac, como sugere Lukács, o romancistaapenas repete certas “normas” do rea-lismo. É mais provável, neste caso, queeste procedimento resulte em forma-lismo estéril e não na apreensão da to-talidade do real. A definição de realis-mo em Lukács é inseparável da suaidéia de continuidade entre a culturaburguesa progressista e o socialismo,posição que em última instância seopõe à filosofia da história de Benja-min. A incapacidade de Lukács de assi-

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Debates Contemporâneos

A definição de realismo em Lukács é inseparável

da sua idéia de continuidade entre a cultura burguesa

progressista e o socialismo

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

milar as obras de arte de vanguardafoi criticada tanto por Benjamin quan-to por Adorno. Eles concordavam so-bre a importância das vanguardas emgeral, mas avaliavam de modo diferen-te a obra de Brecht.

Respondendo ao ensaio de Benja-min “A Obra de Arte na era de sua re-produtibilidade técnica” (Das Kunst-werk im Zeitalter seiner technischenReproduzierbarkeit, 1936), Adorno ini-cia uma reflexão sobre arte e tecnicaque questiona o caráter contraditórioda perda da aura da obra de arte. Emsua linha de raciocínio, Adorno desva-loriza o papel crítico e desideologizan-te da práxis de classe assumida porBrecht. Este, por sua vez, sentia profun-da aversão pelo distanciamento dosfrankfurteanos em geral, e de Adornoem particular, das lutas concretas. Bre-cht e Benjamin valorizavam o que eleschamavam de “plumpes denken” (pen-sar pesado), em outras palavras, a sim-plificação de determinadas análisespara uma inserção e uma intervençãodireta nas lutas de classes. O grau desofisticação teórica exigido por Ador-no, dos artistas e intelectuais, levava-os, segundo Brecht, a uma impotênciapolítica. O modo crítico como ele se re-fere a esses intelectuais, chamando-osde “tuis”, demonstra sua rejeição a eles.Um “tui” é um tipo específico de inte-lectual, seu horizonte é a carreira acadê-mica, daí a sua crítica sofisticada e pas-siva da cultura e o seu distanciamentoda política.

A concepção de Brecht de uma prá-xis estético-crítica, que Benjamin con-siderava modelar, era vista com sus-peita por Adorno. Na Teoria Estética(s.d.: 277), ele diz textualmente queBrecht era um positivista. Questionan-do o caráter dialético da perda da auraapontado por Benjamin, e a concep-ção de vanguarda de Brecht, Adornochega a uma supervalorização da artede vanguarda quando confere a ela o

poder de agir com uma espora para apercepção. O caráter anti-social e a fei-úra da música de Schönberg, das pin-turas de Picasso e das peças de Becketrevelam que o endurecimento da for-ma surge como negação da dureza davida. Mas se o realismo e o experimen-talismo de Brecht eram vistos com re-serva e suspeita por Lukács e Adorno,o mesmo não acontecia com Benja-min. A linguagem direta, o modo apai-xonado de lidar com a política e as su-tilezas poéticas de Brecht causavamnele uma profunda impressão. A valo-rização da experiência de Brecht porBenjamin se mistura a uma profundaadmiração por sua estatura intelectuale pelo seu dinamismo. Desde que co-nheceu Brecht, em 1929, Benjamin per-maneceu atento aos recursos e proce-dimentos da pedagogia brechtiana ca-pazes de transformar o público consu-midor em público consciente. O projetoda revista Krise und Kritik (1930/31),coordenado pelos dois, apesar de nãoter ido muito longe, serviu para a elabo-ração de importantes reflexões sobre opapel da intelectualidade alemã no pro-cesso de democratização da culturadurante a República de Weimar. Nestamesma época, o trabalho de Benjaminno rádio tornou-se sua atividade princi-pal. Exercendo funções que iam delocutor a produtor, ele esteve presenteem mais de 80 programas (entre 1927e 1933) A correspondência entre a peçadidática de Brecht e os trabalhos radio-fônicos de Benjamin se evidencia naradiopeça “O que os alemães liam en-quanto seus clássicos escreviam” (Wasdie Deutschen Iasen, während ihreKlassiker schrieben, 1932)

A convicção de que a função da arte

na era da mídia é essencialmente peda-gógica constituiu um ponto de ligaçãomuito forte entre Brecht e Benjamin.Em 1938, durante os dias que passa-ram juntos na Dinamarca, as discussõesduras que tiveram, uma delas envolven-do a obra de Kafka e o ensaio de Ben-jamin sobre ela, não foram motivo paraque o vínculo entre os dois sofressequalquer abalo. Ao contrário, foi exata-mente após uma dessas violentas dis-cussões que Benjamin escreveu sobreBrecht: “Enquanto ele falava senti o im-pacto de forças à altura das do fascis-mo” (apud Wohlfarth, 1997, p. 175).

BibliografiaADORNO, T. Teoria Estética. Lisboa: Edições

70, s.d.BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e po-

lítica: ensaios sobre literatura e história da cul-tura/Walter Benjamin. 7ª edição. Tradução deSérgio Paulo Rouanet, prefácio de Jeanne Ma-rie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1994(Obras escolhidas v. 1)

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* Martha D’Angelo é professora de Filosofiae Epistemologia da UFF.

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Debates Contemporâneos

O caráter anti-social e a feiúra da música de Schönberg,

das pinturas de Picasso e das peças de Becket revelam que o

endurecimento da forma surge como negação da dureza da vida.

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Debates Contemporâneos

O objetivo desse artigo é discutir oassociativismo civil à luz de Aléxis deToqueville. Para desenvolver tal reflexão farei um breve relato sobre a emergência do Estado moderno edestacarei, em “Democracia naAmérica”, de Aléxis de Toqueville,trechos que poderão auxiliar na compreensão do assunto proposto.Por último, traçarei um rápido quadrodo associativismo no Brasil.

Antes de chegarmos a uma concep-ção moderna a respeito das instituiçõesnecessárias para um pleno desenvolvi-mento da vida pública, gostaria de daruma idéia de como se desenvolveu es-sa concepção. Desde seu nascimento,o Estado Moderno apresenta dois ele-mentos que o diferenciam dos Estadosdo passado. O primeiro é a autonomia(soberania), significando que a autori-dade do Estado não depende de forças

exteriores a ele. O se-gundo é a distinçãoentre Estado e Socie-dade, o que implica,conseqüentemente,um terceiro elemen-to: a separação entrepúblico e privado.

O absolutismo co-mo forma específicade poder é a primeiraface política dessenovo Estado. Trata-se,dentre outros concei-tos, de um regimepolítico constitucio-nal, não arbitrário e,sobretudo, de tradi-ções seculares e pro-fanas. O absolutismopoderia ser conside-rado uma forma degoverno histórica oci-dental, moderna doEstado, se não fos-

sem os outros ilustres exemplos de or-ganização estatal.

No absolutismo, há uma separaçãoentre política e teologia e a conquistade autonomia daquela, dentro de es-quemas de compreensão e de juízosindependentes de qualquer avaliaçãoreligiosa ou moral. Diante desse pontode vista, entram na história do absolu-tismo, como doutrina política, pensa-dores e movimentos que, sob um as-pecto estritamente técnico, deles se-riam excluídos pela pouca atenção da-da aos aspectos jurídico-institucionais,que fazem do absolutismo um fenô-meno constitucional.

Dentre os intelectuais que concor-dam com tal versão, lanço mão de Ni-colau Maquiavel (1469-1527), quecompara o absolutismo com esquemastradicionais, a ordem absoluta com acivil, apesar de achar a primeira sinôni-mo de tirania e de ilimitado poder. Es-creve n’O Príncipe que existe uma situa-ção de crise de todas as velhas institui-ções e que só se poderá reconstituir oestado, renovar a sociedade, se existir opoder absoluto de um Príncipe que en-cabece esse movimento.

Em seguida, com Thomas Hobbes(1588-1679), começam a surgir ele-mentos que fundamentam a concep-ção moderna do Estado. Para ele, noEstado Natural, os homens viviam emguerra e, por isso, estabeleceram umacordo (contrato) entre si. Este contrato

Associativismo civil e vida pública em Aléxis de Toqueville

Raylane Navarro1

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Debates Contemporâneos

seria para constituírem o Estado que osfreasse em seus despautérios, por isso,é criado um Estado de poder absoluto.

Esta concepção hobbesiana não en-contra eco, totalmente, nas formula-ções do seu contemporâneo, o filosofoinglês John Locke. John Locke (1632 -1704), fundador do empirismo filosófi-co moderno e teórico da revolução libe-ral inglesa, supõe que o homem no es-tado natural está plenamente livre, massente necessidade de limites para ga-rantir sua prioridade, daí os homens seagregarem em sociedades políticas e sesubmeterem a um governo. Para ele, énecessário construir um Estado que ga-ranta o direito à propriedade e à segu-rança da mesma. Este Estado surge deum contrato que, ao contrário da for-mulação hobbesiana, pode ser feito edesfeito a depender do respeito porparte do governo, pois, caso não haja,anula-se o contrato. Por conseguinte, ogoverno deve garantir determinadas li-berdades, tais como: a propriedade, a li-berdade política (assembléias e da pa-lavra) e de segurança pessoal, bem co-mo da iniciativa econômica.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),filósofo suíço, pensava ser o homemnaturalmente bom, quem o corrompeé a sociedade e o cultivo das ciênciase das artes conduz à ociosidade, pro-movendo a decadência moral e a de-terioração dos costumes. Crítico impla-cável da organização social, para ele adesigualdade entre os homens nasceuda propriedade privada, que geroutambém o Estado despótico. Contra-posto a este, o estado ideal seria resul-tante de um acordo entre os indiví-duos que cederiam alguns de seus di-reitos naturais para se tornarem cida-dãos. A base desse acordo seria a von-tade geral, identificada como a coletivi-dade, e, portanto, soberana.

Analisando o pensamento de Hegel(1770-1831), percebo que o Estado reú-ne em si os princípios da família e da so-ciedade civil, sendo que o Estado é asubstância social que chegou à cons-

ciência de si mesma, pois, para ele, oestado de natureza é o estado de rude-za, de violência e de injustiça. O homemprecisa sai desse estado para construiruma sociedade que seja um Estado.

Como se vê, as discussões acercadessa nova forma de Estado (moder-no) trazem, sempre, uma preocupaçãono sentido de estabelecer os limites ea possibilidade do poder dos gover-nantes. A tradição liberal afirmou-sejustamente com o naufrágio das teo-rias que davam suporte aos regimesdespóticos. Nessa tradição encontra-seum dos mais brilhantes intelectuais doséculo XIX: Aléxis de Toqueville, ao qualirei deter-me no próximo item para dis-cutir suas elaborações sobre o papeldas instituições civis, na democratizaçãoda vida pública emergente.

O nobre Aléxis de Toqueville (1805- 1859), como todo herdeiro da tradi-ção liberal, também se preocupavacom a conflituosa relação entre as li-berdades individuais e o poder do Es-tado. Sua perspectiva era a do ilumi-nismo, ou seja: Individualismo, Racio-nalismo e Universalismo. Toquevilllepartia do pressuposto de que haviauma tendência irreversível, partindo daEuropa, para afirmar os valores daIgualdade e da Liberdade:

O desenvolvimento gradual da igualda-

de é um fato providencial e tem desde as

seguintes características principais: é univer-

sal, durável, escapa dia-a-dia do controle

humano, e todos os acontecimentos, bem

como todos os homens, favorecem o seu

desenvolvimento. Seria sensato acreditar

que um movimento social que vem de tão

longe pudesse ser detido por uma geração?

Pode-se imaginar que, após ter destruído o

feudalismo e vencido os reis, a democracia

recue diante dos burgueses e dos ricos?

Deter-se-á ela justo agora que se tornou tão

forte e seus adversários tão fracos. 2

A sociedade que se desenhava na-quele momento, na visão dele, tinha asseguintes características: igualdade jurí-dica e cultural (entendida como igualda-de de condições), industrialismo, maiorcapacidade de circulação de mercado-rias, pessoas e informações, centraliza-ção administrativa (e a conseqüenteampliação do poder do Estado) e umatendência dos cidadãos a cuidarem desuas questões pessoais, descuidando davida pública, deixando-a à mercê dos or-ganismos estatais. Embora tivesse essavisão histórica do momento, ele prestousua maior contribuição ao pensamentopolítico a partir da sua análise compara-tiva entre os Estados Unidos e a França,países que, segundo o autor, tinhamprojetos comuns, mas formas bastantediferentes de efetivá-los:

As leis da república francesa podem e

devem, em muitos casos, ser diferentes da-

quelas que regem os Estados Unidos, mas

os princípios sobre os quais as constituições

se baseiam, estes princípios de ordem, de

equilíbrio dos poderes, de liberdade real, de

respeito sincero e profundo ao direito, são

indispensáveis a todas as repúblicas, devem

ser comuns a todas e pode-se se dizer de

antemão que, onde eles não existirem mais,

a república logo deixará de existir. 3

O que fixava a atenção de Toquevilleera a tremenda força de auto-organiza-ção da sociedade americana que paratudo se associava, equilibrando, da me-lhor maneira possível, a igualdade e aliberdade:

Nos EUA, as pessoas se associam com o

objetivo de segurança pública, comércio e

indústria, moral e religião. Não existe nada

que a vontade humana desista de atingir

pela ação livre do poder coletivo dos indiví-

duos. 4

O autor, em questão, atribuía essadisposição associativa do povo ameri-cano não somente a razões históricas

Toquevillle partia do

pressuposto de que havia uma

tendência irreversível, partindo

da Europa, para afirmar os

valores da Igualdade e

da Liberdade

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Debates Contemporâneos

ligadas à tradição para o regime repu-blicano, uma das questões principaisera a própria relação com a cultura dosliberais ingleses e suas fixações com opoder parlamentar e constitucional.Nesse aspecto, os cidadãos america-nos, desde a mais tenra infância, erameducados nessa cultura da igualdade eda liberdade.

O habitante dos EUA aprende desde o

seu nascimento que é preciso se apoiar

em si mesmo para lutar contra os males e

embaraços da vida; ele não lança sobre a

autoridade social senão um olhar descon-

fiado e inquieto, e somente recorre ao seu

poder quando não prescinde dele.

As instituições livres que os habitantes

dos EUA possuem e os direitos políticos de

quem fazem tanto uso lembram constante-

mente e de mil maneiras a cada cidadão,

que ele vive em sociedade. (...) ocupa-se

com o interesse geral inicialmente por ne-

cessidade e, depois, por escolha; o que era

calculo se torna instinto; e, por força do tra-

balho em prol dos seus concidadãos, assu-

me, enfim, o hábito e o gosto em lhe servir.5

Mas este autor, no entanto, tambémpercebia, na sua arguta observação,que a tensão entre liberdade e igual-dade, Estado a sociedade, não seriaeliminada tão facilmente. A igualdadede condições criava uma massa depessoas que podia se conformar comaquela situação imediata de bem-estare passar a cuidar, cada vez mais, deseus próprios interesses, deixando to-das as questões de interesse públicopara o Estado, que se agigantaria epassaria a exercer sobre o conjunto dasociedade um poder nefasto.

Tento imaginar sob quais novas feições

o despotismo poderia se produzir no mun-

do: vejo uma massa inumerável de ho-

mens semelhantes e iguais que incansa-

velmente se voltam para si mesmo em

busca de prazeres pequenos e vulgares

com os quais preenchem suas almas.

Cada um deles, refugiando-se à parte, é

como um estrangeiro ao destino de todos

os demais: seus filhos e amigos particula-

res constituem para ele toda a espécie

humana; quanto ao restante dos seus con-

cidadãos, está ao lado deles, mas não os

vê, toca-os e absolutamente não os sente;

ele não existe senão em si mesmo e para

si mesmo e, se lhe resta ainda uma famí-

lia, pode-se no mínimo dizer que ele não

tem mais pátria.

Os homens que habitam os países de-

mocráticos se não têm nem superiores,

nem inferiores, nem sócios habituais e ne-

cessários, recolhem-se de bom gado para

si mesmo e se consideram isolados.

Nos países democráticos, a ciência da

associação é a ciência mãe; o progresso de

todas as outras depende dos progressos

desta. (...) para que os homens permane-

çam ou se tornem civilizados é necessário

que a arte de se associar se desenvolva e

se aperfeiçoe entre eles na mesma propor-

ção que cresça a igualdade de condições.6

Não podemos esquecer que a apos-ta toquevilliana na ação humana vinhade um convencimento de que o ho-mem, embora limitado, ainda tem mui-to a fazer, muito a conquistar, muito aaperfeiçoar, pois, se por um lado, elepode sucumbir ao conformismo, poroutro, pode assumir sua autonomia emodelar o espaço público da melhorforma que lhe convier e for possível:

(...) a providência não criou o gênero

humano nem inteiramente nem completa-

mente escravo. É verdade que ele traça, ao

redor de cada homem, um circulo fatal do

qual ele não pode escapar; mas, nos seus

vastos limites, o homem poderoso e livre,

bem como o são os povos.7

Essa tendência será reforçada, se-gundo Toqueville, pela própria divisãodo trabalho que trazia um aspecto po-sitivo (produzir mais rápido e mais ba-rato), todavia, deixava os trabalhado-res habituados a atividades muito me-cânicas e repetitivas, o que repercutiano restante da sua vida cotidiana.

À medida que o princípio da divisão do

trabalho é mais plenamente aplicado, o

operário se torna mais frágil, mais limita-

do e mais dependente. A arte faz progres-

sos, o artesão regride. (...) O que se deve

esperar de um homem que passou vinte

anos de sua vida fazendo cabeças de alfi-

netes? E doravante em que pode nele se

dedicar esta poderosa inteligência huma-

na - que freqüentemente moveu o mundo

- senão na busca do melhor meio de fazer

cabeças de alfinete?

Em nossa época, a liberdade de asso-

ciação se tornou uma garantia necessária

contra a tirania da maioria. 8

A reflexão elaborada pelo nobre fran-cês, embora se encontrasse na linha datradição liberal iluminista, também discu-te os limites e os horizontes da vida emsociedade, da tensão permanente entreas forças do Estado e as forças sociais, datendência que existe ao isolamento e aoconformismo civil, quando da igualdade,da própria força massificante da modernadivisão trabalho. Enfim, embora defendaos princípios democráticos, o autor discu-tido tem plena consciência dos limites dademocracia:

Não seria necessário, então, considerar

o crescimento gradual das instituições e

dos costumes democráticos, não como o

melhor mas como o único meio que nos

resta de sermos livres e, sem amar o gover-

no da democracia, não estaríamos dispos-

tos a adotá-lo com o remédio mais indica-

do e o mais honesto que podemos opor

aos atuais males da sociedade? 9

Diante disso, queremos chamaratenção para o antídoto apresentadopelo autor para minimizar as conse-qüências nefastas da organização mo-derna (agigantamento do Estado,conformismo, esvaziamento da vida

O homem, embora limitado,

ainda tem muito a fazer,

muito a conquistar, muito a

aperfeiçoar, pois, se por um

lado, ele pode sucumbir ao

conformismo, por outro,

pode assumir sua autonomia

e modelar o espaço público.

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Debates Contemporâneos

pública, indiferença em relação aosoutros); O Associativismo Civil:

(...) aqui um pensamento que lembrará o

que disse em outra parte a respeito das liber-

dades distritais: não existe país onde as as-

sociações sejam mais necessárias para im-

pedir o despotismo dos partidos políticos ou

a arbitrariedade do Príncipe do que aqueles

onde a situação social é democrática.10

A partir da convicção de se refletir ra-cionalmente sobre essa dinâmica asso-ciativa e extrair dela formulações geraisque subsidiassem os estudos desse fe-nômeno ou sua ausência em outras lo-calidades, pude-se entender um poucoo emergente número de associações atu-ando no espaço público.

Os textos sobre associativismo civil,nos dias atuais, mostram que há umaevidente expansão do associativismono mundo. Seria uma tendência cres-cente, como afirmava Toqueville, deafirmação de valores democráticos - ci-dadania e participação política? O queé evidente é que, em praticamente to-dos os continentes, embora cada umno seu ritmo, com seus problemas e li-mites, todos incentivam as concepçõesliberais de cidadania, isto é, que “todossão iguais perante a lei”.

Num momento de globalização, es-sas organizações passam a atuar, inclu-sive, em escala mundial, como são oscasos, por exemplo, do movimento eco-lógico, da campanha do desarmamen-to, das “campanha da fraternidade”,aqui, no Brasil, da Campanha da nãoviolência e outras.

Destarte, o associativismo civil não éuma invenção dos dias de hoje. No en-tanto, em nenhum momento da His-tória do Brasil, por exemplo, constata-se uma proporção e diversidade tãoacentuada dessas organizações. Se-gundo Weffort (1991), no Brasil, pode-mos identificar essa expansão dos es-paços de cidadania, verificando índicesimportantes de participação cidadã,tais como o aumento do número detrabalhadores urbanos sindicalizados eum aumento considerável do número

de eleitores, além do elevado númerode associações civis registradas.

Como também sugere Toqueville, oprocesso de modernização vai estimu-lando as disparidades socais e potencia-liza as mais variadas formas de associa-tivismo civil. As liberdades de iniciativas,sejam elas políticas, econômicas, filan-trópicas, culturais etc., têm estimulado amobilização das forças sociais, no senti-do de construírem formas variadas deconquistar mais e melhores espaços devivência para os cidadãos.

Tomando como exemplo a cidadede Aracaju que tem uma populaçãoem torno de 585.000 habitantes, po-demos encontrar inúmeras formas deassociação que interferem no espaçopúblico, buscando melhorias de vida econquistas de direitos de cidadania. Nacapital sergipana, existem organiza-ções sindicais, filantrópicas, religiosas,associações de moradores, culturais ede educação. São organizações semfins lucrativos e que prestam serviçosmateriais ou políticos à população ara-cajuana (isso sem contar com o inte-rior do Estado), fazendo assim comque as necessidades sociais sejam di-minuídas, minimizando, dessa forma,as desigualdades sociais.

Como bem poderia dizer Toqueville:- essas formas de organizações podemnão ser perfeitas, mas certamente con-tribuem para a democracia, e à medidaque vão amadurecendo, vão se consoli-dando e atuando melhor. Inspirando-me nas concepções de Toqueville, pos-so afirmar que esse tipo de iniciativa éfundamental para conseguir fortalecer ademocracia. Ele acreditava que o envol-vimento do cidadão no espaço públicoera fundamental para que houvesse oaproveitamento de energias sociais es-senciais ao pleno desenvolvimento davida em comum.

No Brasil, essa conjectura pode serpercebida na medida em que encontra-mos uma crescente tendência à asso-ciação, nas formas mais variadas: cultu-ral, recreativa, religiosa, étnica, política,

sindical etc. O que mostra uma efetivaparticipação política na vida do país.Embora estejamos muito distantes deum equilíbrio entre Estado e Sociedadeno Brasil, podemos acreditar que essasassociações, não sem problemas, ve-nham contribuir no processo de demo-cratização de nossa sociedade.

O que se pode concluir é que umadas formas de garantir a democracia econseqüentemente a diminuição dosantagonismos sociais é o associativis-mo civil. Se for esse o caminho, ótimo,já há um início. Se não, melhor quesurja logo outro teórico, afinal já estána hora de sair do ciclo e entrar na li-nha. O tempo urge, a barriga ronca e opovo espera.

Notas1. Bacharel em Ciências Sociais e mestran-

da em educação pela UFS.

2. Todas as citações de Toqueville refere-

rem-se a sua Obra Democracia na América.

In.: WEFFORT, F (org.). Os Clássicos da Política

vol. II. São Paulo: Ática, 1989.

3. Idem

4. Idem

5. Idem

6. Idem

7. Idem

8. Idem

9. Idem

10. Idem

Referências bibliográficasBOBIO, N. MATTEUCCI, N. PASQUINO, G.

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São Paulo: abril cultural, 1994. (Col. Os Pen-

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TOQUEVILLE. A.. Democracia na América.

In.: WEFFORT, F. (org.). Os Clássicos da Política.

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 143

Debates Contemporâneos

Durante o primeiro semestre de2002, um vigoroso movimento degreve, na Faculdade de Filosofia(FFLCH) da principal instituição deensino superior do país (a USP), porcontratação de professores e contraas deploráveis condições de ensino,pôs no tapete a questão do estatutodas ciências humanas na universida-de, e contou com a aberta simpatiada opinião pública e até (parcialmen-te) da grande mídia.1 Ninguém dei-xou de notar a prioridade crescentedada, nas instituições de ensinosuperior e, sobretudo, nos órgãos

financiadores da pesquisa, às ciên-cias exatas e biológicas (estas, com agenética e as “biociências” em geral,as grandes vedetes do investimentocientífico dos últimos anos) em detri-mento daquilo que é chamado, alter-nativa e ambiguamente, de “ciênciashumanas” ou de “humanidades”,2

termo este que não esconde a incli-nação para destituí-las de carátercientífico. Tendeu-se, em reação aisso, a construir um discurso adjudi-cando às humanas um quase mono-pólio do saber crítico, sendo as bioló-gicas e exatas relegadas à simples

(ou complexas) funções técnicas. Seesse discurso foi um fator mobiliza-dor, não deixa de ser também oreverso simétrico do discurso “tecni-cista” ou “tecnocrático”, que valorizaas ciências em função de uma “utili-dade” que possa ser imediatamenteavaliada (em termos científicos ousimplesmente econômicos), apoiadonuma evidente, mas inconfessa, con-cepção (ou “filosofia”) pragmática.

Desde as suas origens, porém, aciência fez de seu caráter de saber crí-tico uma das suas pedras basais: “Nomundo grego do século VI a.C. produ-

Ciências Humanas: o que são, para que servem

Osvaldo Coggiola

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zir-se-ia a revolução intelectual quepossibilitaria a ciência como a conhe-cemos hoje: um saber crítico, objetivo,abstrato, consciente da sua própriamissão e do sentido de responsabili-dade que lhe impõe a exigência de ve-rificabilidade”.3 Se a área coberta pelasatualmente chamadas ciências huma-nas foi sempre objeto inseparável daconcepção dos grandes pensadorescientíficos (em Aristóteles, já encontra-mos a indicação, mas não o desenvol-vimento, de uma “antropologia”) aconstituição de um corpus de discipli-nas específicas sistematizadas sob acomum denominação de “ciências hu-manas” mal ultrapassa o século, eatende à estruturação institucional es-pecífica das universidades ocidentais,desenvolvidas como modelo universalcom a expansão européia ou “ociden-talização do mundo”. A própria voca-ção “técnica” (ou “utilitária”) das disci-plinas científicas, eufemisticamentechamadas de “duras”, não precede àrevolução industrial, isto é, a apropria-ção pelo capital da esfera da produção(ou a vitória histórica do modo de pro-dução capitalista propriamente dito):“A técnica, até o século XVIII, permane-ceu alheia à ‘filosofia científica’. Depoisde um período de desenvolvimentoparalelo, uma fecunda inter-ação ini-ciou-se entre as receitas práticas e asexplicações da natureza. A partir do sé-culo XIX, as principais técnicas se trans-formaram quase todas em simplesaplicações da ciência”.4

A impulsão histórica para o nasci-mento das que posteriormente seriamchamadas de ciências “humanas” ou “-sociais” surgiu no mesmo período his-tórico, e obedecendo a causas seme-lhantes: “Que foi o que deu unidade àsidéias sobre a estrutura e o desenvol-vimento da sociedade nascidas na Eu-ropa, no inacreditável século que vaida revolução inglesa à francesa, séculoque se denomina tradicionalmente

como Ilustração? Fundamentalmente,foi um interesse comum: aplicar ao es-tudo do homem e da sociedade essesmétodos ‘científicos’ de investigaçãoque haviam demonstrado recentemen-te seu valor e importância no campodas ciências naturais. O pressupostodos filósofos franceses e escoceses eraque, assim como acontece no reino fí-sico, na sociedade e na história, todasas coisas estavam unidas por umacomplexa trama de causas e efeitos, eque desvendá-la era a principal tarefados que se dedicavam ao estudo dohomem e da sociedade, os cientistassociais”.5 O projeto enciclopedista esta-va animado pelo mesmo espírito desistematização que incorporava tantoos conhecimentos oriundos das ciên-cias físico-naturais como aqueles queseriam ulteriormente postos sob aégide das “ciências sociais”: “O projetode reunir todos os conhecimentos hu-manos, estruturando-os em torno danova fé ilustrada no homem e na natu-reza apareceu na França, na primeirametade do século XVIII, expresso porhomens e grupos, em aparência, diver-sos e longínqüos. Chegavam a essaidéia pelo comum desejo de umagrande prova de força, que animava atodos. Sabiam que estavam vivendoum momento excepcional da história:finalmente chegara o século das luzes,era natural que nascesse o sonho deerigir um grande monumento em queficassem registrados todos os frutos daatividade humana, que atingia seu cu-me, consciente de si mesma e liberadados obstáculos que, nos séculos pas-sados, tinham entravado seu livre de-senvolvimento”.6

O projeto de Marx, desenvolvido emmeados do século XIX, não estava por-tanto essencialmente alheio ao “espíri-to da época”, embora encarnasse esteúltimo de maneira mais crítica quenenhum outro, no mesmo período. Demodo vulgar, os primeiros “cientistas

sociais” admitiam que o modo de pro-dução (e reprodução) da vida socialconstituía a única resolução possíveldo enigma do ethos grego ou do “es-pírito das leis” de Montesquieu, tal co-mo fazia William Robertson, em 1890:“em toda investigação sobre a açãodos homens enquanto estão juntosem sociedade, o primeiro objeto deatenção deve ser o seu modo de sub-sistência. Segundo as variações deste,suas leis e políticas serão diversas”. Sãomais recentes as investigações queapontaram no pensador árabe IbnKhaldun, bem antes do iluminismoeuropeu, a primeira reflexão sistemáti-ca acerca da dinâmica, progressiva ouregressiva, da sociedade humana,reflexão que ficaria geograficamenteconfinada devido à limitação da ex-pansão (e, posteriormente, derrota ecolonização pelas potências européi-as) da sociedade dita “islâmica”: “Em-bora consagrada à África do Norte, aobra de Ibn Khaldun apresenta umasignificação universal. Ao estudar por-que, nessa região, uma sucessão deperipécias históricas não conseguiuprovocar, no longo prazo, uma verda-deira evolução histórica, Ibn Khaldundescreveu uma das formas do fenô-meno do bloqueio estrutural que, comexceção da Europa ocidental, conhe-ceu durante séculos o mundo inteiro”.7

Em Marx e Engels, porém, a investi-gação acerca da origem, estrutura edinâmica da sociedade humana, ficoupermanentemente unida à preocupa-ção científica geral, como seguramen-te em nenhum outro autor anterior ouposterior. Quando a obra de Marx es-colheu como centro a “anatomia dasociedade burguesa” (a economia po-lítica), ela não se emancipou da suabase epistemológico-científica geral.Ao contrário, a revolução teórica espe-cífica do marxismo consiste exatamen-te em ter posto, no centro da “críticada economia política”, a teoria do va-

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lor-trabalho, como uma superação dadicotomia entre ciências naturais e so-ciais, operação teórica que teve porbase a junção, na produção capitalista,da ciência com a própria produção oua “transformação da ciência em forçaprodutiva imediata”, o que acontece,como notou François Vatin, quando ocapital se fez dono da esfera de produ-ção: “O conceito do trabalho apareceassim verdadeiramente no momentoem que a mecânica prática e a mecâ-nica racional puderam se juntar, ou se-ja, quando a formalização física pôdeser posta ao serviço da economia damáquina. Essa junção se opera entreos séculos XVIII e XIX, entre 1780 e1830, aproximadamente. Ela é con-temporânea da ‘revolução industrial’ edo nascimento da economia política ‘-clássica’”.8

Se a economia política moderna(Adam Smith) nasceu da crítica da di-mensão puramente naturalista dopensamento fisiocrático (fundamen-tando, então, a economia como uma“ciência social”, separada das ciênciasnaturais) Marx superou a economiaclássica justamente reintroduzindo adimensão natural na ciência econômi-ca (tendo, como ponto de partida, aanálise da contradição da mercadoria,simultaneamente “valor de uso”e “va-lor”), resolvendo teoricamente o mes-mo problema que a ciência natural daépoca tentava resolver, ao se transfor-mar em tecnologia: “O objetivo funda-mental é o mesmo: encontrar umamedida comum do valor do trabalho edo gasto de energia permitindo, rela-cionando um ao outro, obter uma ra-tio expressando a eficiência produtiva.Trata-se, nos dois casos, de tornarcompatíveis uma teoria do equilíbriocom uma teoria do movimento e datransformação. Na teoria mecânica, adinâmica se fundamenta na estática,isto é, na noção de equilíbrio, porém,evidentemente, o movimento não po-

de ser plenamente expresso dessamaneira; o estudo dos processos ter-modinâmicos (e a transformação da‘força viva’ em ‘trabalho’ já é, de certamaneira, um processo desse tipo) vaicomplicar ainda mais esse problema.Em matéria econômica, a interrogaçãocentral da obra de Marx é também ainsuficiência da teoria da troca tal co-mo ela é apresentada pelos liberaisclássicos. A troca, efetivamente, repou-sa ontologicamente sobre um princí-pio de equivalência; ora, se a atividadeeconômica não é senão uma série detrocas, como explicar o aparecimentode uma mais-valia?”.9

A crítica da sociedade capitalistatoma como ponto de apoio tanto a ci-ência natural quanto a social. As incur-sões de Marx e Engels na primeira,destarte, deixam de ser consideradascomo um exercício especulativo desti-nado a satisfazer uma curiosidade in-telectual, e passam a ser parte integralda crítica teórico-prática da sociedadeexistente. Sendo o exercício do traba-lho, em qualquer regime econômico,sucedido, ao longo da história um dis-pêndio físico de energia, somente sobo regime capitalista, vamos encontrarna força de trabalho humana, a parti-cularidade de ser fonte de valor. O va-lor é um fenômeno puramente social,o valor de um produto é, portanto,uma função social e não função natu-ral adquirida por representar um valorde uso ou trabalho, nos sentidos fisio-lógico ou técnico-material. O pensa-mento econômico evoluiu, no sentidode buscar desvendar as formas sociaise históricas das relações de trabalho,abstraindo todas as formas concretasde trabalho. O trabalho abstrato nãopossui um átomo sequer de materiali-dade, sua forma é puramente social eé especificamente uma construção so-cial da economia mercantil-capitalista.Vale observar que o trabalho abstratonão prescinde do trabalho fisiológi-

co\concreto, pois estes constituem osuposto do trabalho abstrato. Respon-sável por ser o criador de valor na so-ciedade capitalista, a realização do tra-balho abstrato está na dependência daexpansão e consumação do modo ca-pitalista de produção. A necessidadede universalização colocou-se na basedo processo histórico que engendra otrabalho abstrato como aquele quecria valor. “Quando a troca está restritaaos limites nacionais, o trabalho abs-trato não existe em sua forma maisdesenvolvida. O caráter abstrato dotrabalho atinge sua inteireza quando ocomércio internacional vincula e unifi-ca todos os países, e quando o produ-to do trabalho nacional perde suaspropriedades concretas específicas porestar destinado ao mercado mundial eigualado aos produtos do trabalho dasmais variadas indústrias nacionais”.10

Ao mesmo tempo que o trabalho abs-trato se constitui numa espécie de tra-balho socialmente igualado, não seencontra, no mercado mundial, ne-nhuma outra mercadoria capaz de re-gular o conjunto das diversas econo-mias a não ser o próprio trabalho.

A generalização do trabalho abstra-to, nas suas dimensões sociais e histó-ricas, fez Issak I. Rubin conceber ummarco na elaboração da idéia de ho-mem e de trabalho, que é justamentea base do surgimento das ciências hu-manas: “Não estaríamos exagerandose disséssemos que talvez o conceitode homem em geral, e de trabalho hu-mano em geral, surgiram sobre a baseda economia mercantil. Era precisa-mente isto que Marx queria mostrarquando indicou que o caráter humanogeral do trabalho se expressa no traba-lho abstrato” (grifo nosso).11 O traba-lho foi o denominador comum desteprocesso que permite a emergência daRevolução Industrial e, simultanea-mente, da economia política clássica.Ambas amplamente preparadas por

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um processo que combinou vários ele-mentos de síntese. Do ponto de vistada história da ciência, a partir do sécu-lo XVII, se inicia um movimento de re-novação do pensamento. “Nos títulosde centenas e centenas de livros cien-tíficos publicados no decorrer do sécu-lo XVII, o termo novus é recorrente.Não se tratava apenas de uma fórmu-la literária; através dele, exprimiam-sesignificativamente as exigências, in-quietações e insatisfações de umaépoca sensível à insuficiência dos mo-dos tradicionais de formação do ho-mem (...)”.12 Nascido no século XVII, opensamento cartesiano transformou-se na linha de re-elaboração do pensa-mento filosófico. Descartes foi a basedas fundamentações epistemológicasengendradas pela renovação dos co-nhecimentos acumulados. Neste con-texto, a matemática ocupou um papelde destaque: “Para os filósofos do sé-culo XVII a língua de Deus é a matemá-tica”.13 Porém, o pensamento cartesia-no ainda se postulava como incapazde propor e elaborar a síntese entre aciência e a tecnologia. “O progressoefetivo da ciência depende, para Des-cartes, da obra dos teóricos. A técnica,enquanto tal, não traz nenhuma con-tribuição para o progresso do sabercientífico”.14 A separação entre ciênciae tecnologia se desfez no interior doprocesso de evolução econômica docapitalismo. Na raiz deste processo, es-tá a elaboração do conceito de traba-lho que, para François Vatin, foi elabo-rado em referência explícita ao concei-to de trabalho humano. Esta elabora-ção foi produto do trabalho intelectualde físicos-engenheiros na articulaçãodo final do século XVIII e início do sé-culo XIX, mais precisamente entre1780 e 1830.

Isto somente foi possível devido aoprocesso histórico de elaboração dasgrandes sínteses responsáveis pelodesdobramento posterior do capitalis-

mo. Para que isto possa ser inteira-mente compreendido, faz-se necessá-rio relativizar a separação e/ou divisãodas ciências, em ciências humanas eexatas. O pensamento marxista elabo-rou-se neste contexto em que, de1848, com a publicação do ManifestoComunista, a 1867, com a publicaçãodo primeiro volume de O Capital, Marxem estreita colaboração com Engels, eambos intervindo diretamente no mo-vimento revolucionário da época, cria-ram uma síntese explicativa do proces-so histórico. Para Vatin, a reunião dassínteses elaboradas, no curso do sécu-lo XIX, encontram uma explicação exa-tamente na elaboração do conceito detrabalho, tanto na sua dimensão físico-mecânica quanto na político-econômi-ca. “Em sua construção como em seuobjetivo, a teoria mecânica do trabalhoe a teoria do valor de Marx são emefeito surpreendentemente similares.O objetivo fundamental é o mesmo:encontrar uma medida comum de va-lor do produto”.15 Verificamos, no sécu-lo XIX, a confecção de sínteses que so-mente puderam se combinar sob a ba-se do fenômeno social e histórico daRevolução Industrial. Longe de ser umfenômeno objetivado pelos diversosfatores que a historiografia habitual-mente enumera, devemos buscar, nasmudanças das relações de produção,e, portanto, nas relações sociais de tra-balho, a origem dos processos ocorri-dos na passagem do século XVIII aoXIX. Em O Capital, Marx não se limitouà análise das conseqüências da acu-mulação capitalista para o trabalhador,mas também para o próprio meio na-tural: “Com o predomínio sempre cres-cente da população urbana, acumula-da em grandes centros, a produçãocapitalista concentra, por um lado, aforça motriz histórica da sociedade,mas, por outro, dificulta o intercâmbioentre o ser humano e a natureza, istoé, o regresso à terra dos elementos do

solo gastos pelo homem na forma demeios de alimentação e vestuário, ouseja, perturba a eterna condição natu-ral de uma fecundidade duradoura daterra. Com isso a produção capitalistadestrói ao mesmo tempo a saúde físi-ca dos trabalhadores urbanos e a vidamental dos trabalhadores rurais... todoo progresso da agricultura capitalista éum progresso não apenas da arte dedepredar o trabalhador, mas também,ao mesmo tempo, da arte de depredaro solo; todo o progresso no aumentode sua fecundidade por um determi-nado prazo é ao mesmo tempo umprogresso na ruína das fontes dura-douras dessa fecundidade. Por isso aprodução capitalista não desenvolve atécnica e a combinação do processosocial de produção mais do que mi-nando ao mesmo tempo as fontes dasquais emana toda riqueza: a terra e otrabalhador”.

A economia política clássica iniciouum movimento que seria arrematadopor Marx: o do deslocamento da aten-ção da troca (circulação), que tinha ca-racterizado o pensamento mercantilis-ta, para a produção, e a própria noçãode modo de produção como chave deinterpretação da história humana e, apartir de certo desenvolvimento, tam-bém da história natural. Marx e Engelssempre consideraram a história huma-na como parte da história natural: “Asdiversas formações socioeconômicasque se sucedem historicamente sãodiversos modos de auto-mediação danatureza. Desdobrada em homem ematerial a ser trabalhado, a naturezaestá sempre em si mesma apesar des-se desdobramento”.16 Ao mesmo tem-po, Marx era ciente de que, pelo seucaráter tendencialmente mundial, omodo de produção capitalista mudavaqualitativamente as relações homem-natureza: “O capital eleva-se a um ní-vel tal que faz todas as sociedades an-teriores aparecerem como desenvolvi-

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mentos puramente locais da humani-dade, e como uma idolatria da nature-za... e a natureza se converte em obje-to para o homem, em coisa útil”.17 Se,para Marx, o progresso científico eraparte do progresso social geral, era im-possível considerá-lo em si, senãoimerso no quadro das relações sociaisimperantes, constituindo com elas umtodo orgânico. Objetivamente, isto éadmitido pelos representantes da ciên-cia “básica”, que não podem evitar apenetração das relações sociais nosseus gabinetes de pesquisa. Na fraseinicial de um importante texto de umdos mais famosos físicos do século XX:“Quando se fala hoje em física, o pri-meiro pensamento vai para as armasatômicas”.18

A especificidade do campo das ciên-cias humanas era percebida por Marx,que se opôs ao transporte da “organici-dade material” para o âmbito da histó-ria humana, criticando, por adiantado,as concepções organicistas de OswaldSpengler ou de Arnold Toynbee: “As fa-lhas do materialismo abstrato fundadosobre as ciências naturais, excluindo oprocesso histórico, são logo percebidasquando nos detemos nas concepçõesabstratas e ideológicas de seus porta-vozes, sempre que se aventuram a ul-trapassar os limites da sua especialida-de”.19 A dialética materialista não foiapenas filha da grandiosa filosofia espe-culativa arrematada por Hegel, da eco-nomia política inglesa e do socialismoutópico francês, mas também da enor-me revolução científica provocada pelodesenvolvimento do capitalismo e darevolução democrática, não como umajustaposição abstrata de todos esseselementos, mas como uma nova sínte-se superadora que, no mesmo momen-to em que se desenvolvia a fragmenta-ção das ciências, repôs a unidade daciência, na base dos enormes avançosrealizados na época: “A ciência da histó-ria se inscreve no grandioso processo

de extensão da cientificidade. Mais ain-da, converge com os grandes descobri-mentos do século em razão de que aconstituição da ciência da história écontemporânea do progresso funda-mental das ciências da natureza no sé-culo XIX, de sua integração na dimen-são temporal, de sua historicização:cosmologia racional, teoria das formasda energia, teoria celular, teoria da evo-lução. Portanto, toda ciência é realista ematerialista, mas implica uma forma dematerialismo incompatível com a formamecanicista dominante desde o séculoXVIII, desautorizada pelos progressos doXIX, que implicam todos a integração dotempo. Trate-se da nova biologia (Dar-win), da nova energética (R. Mayer) ouda ciência das sociedades (Marx confir-mado por Morgan enquanto às socieda-des primitivas), o racionalismo científicocaminha, na realidade, ao longo de umamesma frente, mas de uma frente comduas vertentes, anti-idealista e anti-me-canicista”.20 “Superação”, no caso, nãosignifica a eliminação da divisão do tra-balho científico, mas a sua conservaçãonuma unidade superior.

A ilusão de um “método científicoúnico” está na base da crítica de KarlPopper à teoria marxista, para a qualpretendeu aplicar o mesmo teste deverificação próprio das ciências exatase naturais (incorrendo no reducionis-mo). Na verdade, a “filosofia da ciên-cia” vive tropeçando desde o seu nas-cedouro com a ilusão do estabeleci-mento desse “método único”, o quesignificaria a redução da toda realidadeà ciência, cuja impossibilidade se veri-fica, justamente, no conceito de méto-do: “A fim de chegar a este conceitounívoco, tanto filósofos quanto histo-

riadores do método científico tiveramque selecionar um aspecto particulardo procedimento científico: observa-ção dos fatos, indução, experimenta-ção, medição e dedução matemática,postulação hipotética, predição e, pos-sivelmente, verificação e falsificação.Tentar um conceito unívoco abarca ne-cessariamente a exclusão de outroselementos essenciais, e a real tragédiadesta univocidade, no entanto, não re-side nem na exclusão de uma determi-nada característica particular postoque o elemento abandonado acabareaparecendo, resgatado por algumoutro autor- nem na própria perda doconceito de método”.21 Com seu méto-do dialético-materialista, Marx e Engelsnão pretenderam unificar abstrata-mente as diversas ciências e os méto-dos específicos de cada uma delas. Aocontrário, esse método consistia na su-peração da velha concepção filosóficoidealista (herdada do pensamento gre-go) que considerava a filosofia como“mãe” de todas as ciências, seja por-que estas são derivadas daquela, sejaporque aquela generaliza, no plano daabstração, os resultados concretosdestas. Esta concepção refletia, nopensamento, a escassa divisão socialdo trabalho existente nas sociedadespré-capitalistas (se comparada comaquela existente na sociedade burgue-sa). A Revolução Industrial, o desenvol-vimento do capitalismo, fez explodir abase material dessa concepção: “Nosperíodos anteriores havia íntima rela-ção entre ciência e filosofia, ambasnão se distinguiam muito bem (casoda Idade Média, quando elas eramidentificadas), ou a relação era óbvia(nos grandes sistemas filosóficos do

O racionalismo científico caminha, na realidade,

ao longo de uma mesma frente, mas de uma frente

com duas vertentes, anti-idealista e anti-mecanicista”.

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século XVII, a ciência tinha um papelde dependência). No século XVIII, éque vamos encontrar a separação en-tre elas, pelo menos na formulação deseus problemas. Este é o século dasespecificações de várias disciplinas ci-entíficas, das especializações. Depoisdo século XIX e, sobretudo, no nossoséculo, encontramos uma separaçãoradical entre ciência e filosofia, pelomenos numa visão superficial, pois seolharmos, com o devido cuidado eprofundidade, veremos que suas rela-ções são muito mais fortes do queaparece ou é proclamado”.22

O último grande sistema filosóficoespeculativo, o sistema hegeliano, ain-da impregnado da velha metafísica, le-vou, até suas últimas conseqüênciasmetodológicas, o desenvolvimento fi-losófico anterior, definindo o métododialético, mas ainda persistindo na in-versão idealista das relações entre ci-ência e filosofia. Segundo Robert Ha-vemann, físico alemão, “foi exatamen-te por esse motivo que Hegel fez quesua filosofia fosse mal vista pelos cien-tistas. Ele se imiscuía em todas as ciên-cias, a partir de seu sistema da lógicadialética. O que resultava daí era, namaioria das vezes, realmente ridículo.Na melhor das hipóteses, tratava-se deuma reprodução muito superficial dasconcepções científicas de seu tempo.Jamais conseguiu ele ir além daquilo aque a própria ciência já havia chegado.Ao contrário, as tentativas de aplicaçãode sua lógica, na maior parte dos cam-pos, levavam a absurdos conceituais.Foi por isso que esse grande pensadordialético não pôde ser de qualquerproveito para as Ciências Naturais.Suas concepções e manifestações fo-ram finalmente consideradas comoinúteis e dispensáveis pela maioria doscientistas da natureza. Em verdade, adialética só pode ser apreendida emsua concreticidade. Quando separa-mos a dialética de seu concretismo e a

transformamos em uma formalísticaabstrata, ela passa a ser um esquemainócuo. Petrifica-se em um sistema que,além do mais, se apresenta como oque há de mais universal, significativoe profundo que o espírito humano po-de atingir. Isolada da realidade, a dialé-tica deixa de sê-lo. Isolada da realidade,a dialética se transforma em disputagratuita sob a forma de contradiçõesabsurdas, fantásticas e sem sentido. Taldialética evidentemente não pode sermaterialista”.23 De acordo com Marx,em O Capital, “meu próprio métododialético é não só fundamentalmentediferente do hegeliano, mas inclusiveseu oposto. Para Hegel, o processo dopensamento (que ele transforma emobjeto independente, dando-lhe o no-me de idéia) é o criador do real. Paraele, o real é somente a manifestaçãoexterior da idéia. No meu enfoque, pe-lo contrário, o ideal não é senão o ma-terial transferido e transposto na men-te humana”. A tendência para a “frag-mentação” da ciência refletiu a própriatendência para a fragmentação da pro-dução, para o crescimento desordena-do da divisão social (capitalista) do tra-balho. Isto não significa a emancipa-ção da ciência da filosofia, mas a suasubmissão às “idéias dominantes deuma época”, que será consagrada “filo-soficamente” pelo positivismo francês(ou pelo utilitarismo anglo-saxão).Como diz o mesmo autor, “todo cien-tista, mesmo quando trata de proble-mas de sua especialidade, é sempreorientado por determinadas concep-ções filosóficas. Como dizia Engels, oscientistas são sempre escravos de de-terminada Filosofia; quanto mais ata-cam a Filosofia, tanto mais se transfor-mam em escravos das Filosofias maisatrasadas e mais limitadas. É precisoque se tenha clareza de que sempre sepensa “filosoficamente”.

Noutra direção de desenvolvimen-to, a “sociologia” comtiana na França,

o historicismo alemão, o utilitarismode Jeremy Bentham, John Stuart Mill,na Inglaterra, e outras vertentes ainda,desaguariam, na passagem do séculoXIX para o XX, na fundamentação daárea das ciências “sociais” ou “huma-nas”, que concluiriam absorvendo ins-titucionalmente as pré-existentes “filo-sofia”, “história” e “geografia”: o mo-numental projeto de Max Weber tenta-ria integrar criticamente quase todasestas vertentes, num diálogo contradi-tório, às mais das vezes implícito, comMarx, este então ignorado pela univer-sidade e a academia em geral (com asexceções de praxe, como a crítica quelhe fora feita pelo economista austría-co Böhm-Bawerk); não por acaso, umautor mais recente chamaria Weber, o“Marx da burguesia”.24 Caberia qualifi-car in totum todo este desenvolvimen-to de “vulgar”, tal como Marx fizeracom a economia pós-clássica, preocu-pada com as condições do equilíbrioeconômico, e não mais com as condi-ções histórico-sociais da formação dovalor? Certamente, certos desenvolvi-mentos filosóficos, a partir do pragma-tismo, deram a base epistemológicapara a (contra) revolução “marginalis-ta” na economia. Mas nem os marxis-tas mais críticos das “ciências huma-nas” chegaram a formular completa-mente o ponto de vista suposto acima.

Desde o seu início, a tradição das“ciências sociais” -Comte, Durkheim,Weber, depois Parsons e Lévi-Strauss-defendeu a existência de um pontoideal, a partir do qual o investigador po-deria estudar imparcial e objetivamen-te os fenômenos sociais, com a condi-ção de liberar-se das noções e prejuí-zos devidos a sua educação. O sociólo-go marxista francês Pierre Fougeyrollasconcluiu, em entrevista a Le Monde, de1987, que isso seria, na melhor das hi-póteses, “algo comparável à cosmolo-gia matemática antes da teoria da rela-tividade. As disciplinas chamadas ‘ciên-

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cias sociais’ produziram saberes frag-mentários consideráveis, mas suas teo-rias globais continuam delimitadas pe-lo horizonte das sociedades existentese tributárias da ideologia que garantesua sustentação... A pretendida conci-liação entre ciências sociais e marxis-mo é comparável ao casamento daágua com o fogo, que só pode resultarna extinção do fogo... com o marxismoé possível integrar os saberes fragmen-tários das ciências sociais, enquantoque trabalhando com as ciências sociaisé completamente impossível “integrar omarxismo”. Segundo o mesmo autor,“As ‘ciências sociais’ nasceram do es-forço histórico da burguesia para es-tender os métodos da ciência mate-mática da natureza aos fenômenoshumanos. Não se pode compreenderos seus limites senão a partir da ideo-logia do Século das Luzes... Diante das‘ciências sociais’, tributárias, ao nível dasua sistematização global, da tradiçãoespeculativa, isto é, da ideologia domi-nante, o marxismo torna possível oacesso à ciência, sob condição de sercompreendido como unidade viva dateoria (materialismo histórico) e da prá-tica (luta de classes)”.25

Um ponto de vista mais compreen-sivo pode-se desenvolver a partir daconsideração das relações entre ciên-cia e política (ou Estado) em cada es-tágio do desenvolvimento histórico(do capital). Ainda em época do libera-lismo do laissez faire, foi proposta, naInglaterra (em 1872), a criação de umMinistério da Ciência, proposta fracas-sada, provavelmente porque aindaimatura (ou não adaptada à “necessi-dade histórica” do capital). A oposiçãoabsoluta entre ciência e política defen-dida (e preconizada) por Max Weber,foi talvez o último suspiro de um libe-ralismo agonizante, superado pelo en-trelaçamento crescente entre Estado eeconomia próprio do capital monopo-lista. A crise econômica da década de

1930 varreu os últimos “preconceitos”:em 1933, nos Estados Unidos, Roose-velt criou o Science Advisory Board,para vincular os pesquisadores ao“New Deal”; a Alemanha de Hitler radi-calizaria o coorporativismo mussolinia-no, não deixando nem sombra da in-dependência da ciência (e da culturaem geral); na “iluminista” França, navéspera da II Guerra Mundial (em1939), criar-se-ia o Conselho Nacionalda Investigação Científica (CNRS), quecentraliza e quase monopoliza a inves-tigação científica até o presente.26 Asciências humanas, confinadas às uni-versidades e institutos de pesquisa, ti-veram que adaptar-se ao novo “mode-lo”, que determinaria crescentementesua morfologia e seu conteúdo: a bus-ca de uma “tecnologia social” oriundada pesquisa sociológica, antropológica,politológica, histórica, e até filosófica,transformou-se em fato corriqueiro:27

Claude Lévi-Strauss não chegou, na dé-cada de 1950, a defender a utilidade dasua “etnografia”, argumentando sua uti-lidade para a integração da mão-de-obra estrangeira (principalmente norte-africana) na sociedade francesa?

O lugar das ciências humanas ficoupreservado pela especificidade do seuobjeto, contraposto ao “tecnicismo”crescente das ciências “duras”, o que feznascer o mito das ciências humanascomo portadoras exclusivas do saber“crítico”, ou como constatou o matemá-tico René Thom: “A física é, a meu ver, aúnica ciência quantitativamente exata(pelo menos em parte), e isso é ummilagre que não se repetirá mais nasoutras ciências (mas) quando se lêemcertos textos de Strauss, Max Weber ou

Jacobson, tem-se de imediato a impres-são de uma inteligência extraordinária.Vê-se que se trata de espíritos podero-sos, ao contrário do que acontece nasciências experimentais; como disseHeidegger, ‘a ciência não pensa’. A ma-ioria dos cientistas de fato não pensa, ea teoria à qual se referem é, em geral,uma teoria extraordinariamente rudi-mentar, baseada em efeitos causativosde caráter imediato. Nas ciências huma-nas podemos ser inteligentes, enquan-to que nas ciências exatas é muito maisdifícil. Nas ciências humanas manipu-lam-se conceitos extremamente sutis eque desempenham um papel funda-mental na nossa interpretação das so-ciedades”.28 Por outro lado, como tam-bém constatou um cientista social “Asciências sociais, e certamente a sociolo-gia, raramente foram institucionalizadascomo as ciências naturais, e mesmo atéonde chegaram, os cientistas sociais pa-receram muito mais capazes de resistirà pressão que seus colegas. Parece real-mente haver uma diferença qualitativa.Num dos casos, o discordante é ignora-do e não recompensado. No outro, eleé aplaudido e respeitado”.29

A crescente divisão social do traba-lho, aliada ao “tecnicismo” científico,foram produzindo uma fragmentação(especialização) crescente do trabalhocientífico, que também atingiu as ciên-cias humanas (basta ver, hoje, qual-quer universidade relativamente im-portante, a quantidade de “faculda-des” vinculadas às ciências humanas,ou a quantidade de “departamentos”dentro de uma faculdade de filosofia).Isso se manifesta como processo defragmentação do conhecimento que o

O lugar das ciências humanas ficou preservado

pela especificidade do seu objeto, contraposto ao “tecnicismo”

crescente das ciências “duras”, o que fez nascer o mito das

ciências humanas como portadoras exclusivas do saber “crítico”.

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segmenta profundamente da realida-de e de si mesmo: o discurso que pre-valece sobre os fatos, a forma que pre-valece sobre o conteúdo, e a infinida-de de seitas acadêmicas que coexis-tem sem debate nem intercâmbio al-gum entre elas e com o resto das ciên-cias. Esse fenômeno não é exclusivodas ciências humanas, e é possivel-mente mais grave (por suas conse-qüências) no caso das ciências exatase biológicas. O editor do British Medi-cal Journal (uma das publicações maisrelevantes dessa área), Richard Smith,declarou que “apenas 5% dos artigospublicados (nas publicações médicas)têm o padrão mínimo de eficiência ci-entífica e relevância clínica” (no entan-to, eles são considerados a base damedição da produtividade universitá-ria, nos mais diversos países). Para Lu-cien Goldmann, a necessidade da re-cuperação da unidade das ciências hu-manas só seria possível com a procla-mação da hegemonia de uma delas (a“sociologia histórica” ou “história so-ciológica”) e excluiria, de saída, qual-quer aproximação com as ciências físi-co-naturais “O processo do conheci-mento científico implica, quando setrata de estudar a vida humana, a iden-tidade parcial entre sujeito e objeto doconhecimento. Por essa razão, o pro-blema da objetividade se apresenta demodo diferente nas ciências humanasdo que na física ou na química”.30

Para Jean Piaget, pelo contrario, tan-to a evolução as ciências humanas co-mo a das físico-naturais (em especial abiologia) tendia e tende a criar umaponte entre os domínios aparente-mente opostos de modo irreversível:“Desde a época em que se quis opor osujeito à natureza e fazer dele umcampo de estudos reservado às ciên-cias do espírito mais vizinhas da meta-física que das chamadas ciências exa-tas e naturais, produziu-se um grandenúmero de modificações na evolução

das ciências em geral; as tendênciasatuais, embora insistam na especifici-dade dos problemas a todos os níveisda realidade, estão longe de ser favo-ráveis a uma simples dicotomia. Umprimeiro fato é a evolução da biologia,cujas interpretações atuais são degrande importância para as interpreta-ções da formação do ‘sujeito’. ...Umasegunda zona fundamental de ligaçãoentre as ciências da natureza e as dohomem é constituída pelo intercâmbiodos métodos. As ciências do homemsão levadas a utilizar, cada vez mais,métodos estatísticos e probabilísticos,assim como modelos abstratos queforam desenvolvidos no campo dasciências da natureza...lembremos asconvergências entre as noções de en-tropia em física e em teoria da infor-mação”.31

O debate acerca da “cientificidade”das “humanidades” reconhecem duasvertentes. Uma, vulgar, foi particular-mente corrente, e particularmentecombatida, nos Estados Unidos. As hu-manidades seriam incapazes de con-clusões exatas, ou seja, de formularprognósticos, portanto de “gerar tec-nologia” (principalmente, políticas es-tatais para a “sociedade”, ergo, os con-flitos sociais). À esta preocupação, quepouco ou nada se interroga acerca dahistoricidade e, sobretudo, da contra-ditoriedade da própria “ciência”, res-pondeu, por exemplo, a “nova históriaeconômica” postulando uma aborda-gem hipotético-quantitativa susceptí-vel de incorporar, para o estudo da so-ciedade, métodos semelhantes, senãoidênticos, aos das disciplinas científicasem geral.32 Outra vertente é a da “futu-rologia”: em 1975, Daniel Bell presidiu

uma comissão criada pela AcademiaAmericana de Artes e Ciências, com-posta por cientistas de diversas áreas,inclusive humanas (como W. Leontief,R. Wood, Z. Brzezinski, D. P. Moynihan,Herman Kahn) que, através de um es-forço inter-disciplinar, propunha-se de-terminar os cenários (prováveis) doano 2000: a “futurologia”, assim criada,expandiu-se como uma praga mun-dial, embora os seus resultados nuncajustificassem sua popularidade, quetornou célebres (ou melhor, best sel-lers) teorias como a da “terceira onda”,do mencionado Herman Kahn.33

No reverso burocrático do imperia-lismo capitalista na “guerra fria”, a URSS,a vulgata stalinista nunca foi superada,apenas um pouco “sofisticada”: no seuprincipal Dicionário Filosófico, o verbe-te “ciência”, era seguido pelo verbete“ciência natural”, não havendo ne-nhum item consagrado à “ciência hu-mana” ou “social”.34 No trabalho, muitoelaborado (mais de 1000 páginas) deB. M. Kedróv, acerca da “classificaçãodas ciências”, apenas pouco mais deuma página era consagrada às “ciên-cias sociais... marxistas”, havendo tam-bém referências tangenciais à psicolo-gia e à sociologia, definidas como “ci-ências morais” (?).35 É evidente quenegar a existência de “problemas so-ciais” ou “humanos”, no “campo socia-lista”, era parte do sistema de domina-ção burocrática do stalinismo (e nadatinha a ver com a clara problematiza-ção da “revolução cultural” ou dos“problemas da vida cotidiana” feita porLênin e Trotsky, entre outros, no perío-do inicial da Revolução de Outubro).

A outra vertente da crítica ao carátercientífico das humanidades foi realiza-

A razão cartesiana deu conta, desde o seu nascimento,

do Outro, isto é, daquilo que o mundo clássico

percebeu (e qualificou) como o “Mal”.

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da em nome da crítica ao “discurso ci-entífico” em geral, ao reducionismo da“loucura da razão racional”, própria da“dialética de Aufklärung”, nos termosde Max Horkheimer e Theodor Adorno,racionalismo abstrato que desfraldariao seu conteúdo de barbárie nos cam-pos de concentração de Auschwitz eassemelhados, antes e depois do na-zismo. Segundo Michel Foucault, oDiscurso sobre o Método de Descartesfoi, de algum modo, um discurso deguerra: a razão cartesiana deu conta,desde o seu nascimento, do Outro, istoé, daquilo que o mundo clássico perce-beu (e qualificou) como o “Mal”.36 Se ainspiração imediata da corrente críticaque foi chamada de “pós-moderna”(mal definida e extremamente varia-da) encontrava-se explicitamente emMartin Heidegger, suas raízes, já nota-das por Georges Friedmann, em mea-dos da década de 1930, remontavammais longe: “(No final do século XIX), obergsonismo se localizava na correntede desconfiança respeito da razãohumana e da ciência produto dela. Sãosintomas de uma espécie de desequi-líbrio nas ideologias burguesas, quecoincidem com o começo do imperia-lismo e a maturação das contradiçõesna economia e na política mundiais...Antes da I Guerra Mundial, no coraçãode uma época aparentemente aindaracionalista, que confiava na ciência,estimulada pelas últimas ondas carte-sianas, se desenhava já um movimen-to claramente irracionalista, cujos pó-los, na França, eram a crítica ao meca-nicismo científico e o bergsonismo;nos EUA e na Inglaterra, o pragmatis-mo e o pluralismo; na Alemanha, osimpulsos românticos e místicos ao re-dor das ‘filosofias da vida’. Todos, emdefinitiva, tinham o mesmo sentido”.37

Também a chamada “teoria crítica”(ou “Escola de Frankfurt”) tinha toma-do, a partir de uma inicial inspiraçãomarxista, distância do racionalismo

abstrato do projeto iluminista. A críticaao “tecnicismo cientificista” sempre te-ve ponto de apoio na dialética marxis-ta: “A emergência do homem da or-dem universal da natureza, e sua des-naturação como mera manifestaçãoconstruída intelectualmente, não for-nece nenhum critério de explicação... Areviravolta cartesiano-kantiana, da on-tologia para a filosofia transcendental,ofereceu o esquema fundamental paratematização técnico-científica do mun-do, que permeava a primeira revoluçãoindustrial, em conexão estreita com adefinição das relações capitalistas deprodução”.38 O que Foucault acrescen-tou foi uma crítica ao “discurso científi-co” específico das ciências humanas,vinculado ao das ciências em geral eàs suas pretensões (ilusórias) de “co-nhecimento”: “As ciências humanas(são) esse corpo de conhecimentos(palavra demasiado forte: digamos, pa-ra sermos mais neutros, esse conjuntode discursos) que toma por objeto ohomem no que ele tem de empírico...O homem tornava-se aquilo a partir doqual todo conhecimento podia serconstituído em sua evidência imediatae não-problematizada; tornava-se, afortiori, aquilo que autoriza o questio-namento de todo conhecimento dohomem. Dai esta dupla e inevitávelcontestação: a que institui o perpétuodebate entre as ciências do homem eas ciências propriamente ditas, tendoas primeiras a pretensão invencível defundar as segundas que, sem cessar,são obrigadas a buscar seu própriofundamento, a justificação de seu mé-todo e a purificação de sua história,

contra o ‘psicologismo’, contra o ‘so-ciologismo’ contra o ‘historicismo’; e aque institui o perpétuo debate entre afilosofia, que objeta às ciências huma-nas a ingenuidade com a qual tentamfundar-se a si mesmas, e essas ciên-cias humanas, que reivindicam comoseu objeto próprio o que teria consti-tuído outrora o domínio da filosofia.Mas, se todas essas constatações sãonecessárias, isso não quer dizer que sedesenvolvem no elemento da puracontradição; sua existência, sua incan-sável repetição desde há mais de umséculo não indicam a permanência deum problema indefinidamente aberto;elas remetem a uma disposição epis-temológica precisa e muito bem deter-minada na história. Na época clássica,desde o projeto de uma análise da re-presentação até o tema da mathesisuniversalis, o campo do saber era per-feitamente homogêneo: todo conheci-mento, qualquer que fosse, procediaàs ordenações pelo estabelecimentodas diferenças e definia as diferençaspela instauração de uma ordem; issoera verdadeiro para as matemáticas,verdadeiro também para as taxinomias(no sentido lato) e para as ciências danatureza; mas igualmente verdadeiropara todos esses conhecimentos apro-ximativos, imperfeitos e, em grandeparte, espontâneos, que atuam naconstrução do menor discurso ou nosprocessos cotidianos da troca; era ver-dadeiro, enfim, para o pensamento fil-osófico e para essas longas cadeiasordenadas que os ideólogos, não me-nos que Descartes ou Spinoza, aindaque de outro modo, pretenderam es-

A “crise cognitiva” das ciências humanas, revelada

pela crítica externa (marxista) ou evidenciada pela

sua implosão interna, não fez senão pôr a questão

da sua unidade novamente sobre o tapete.

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tabelecer a fim de conduzir necessaria-mente das idéias mais simples e maisevidentes até as verdades mais com-plexas. Mas, a partir do século XIX, ocampo epistemológico se fragmentaou, antes, explode em direções dife-rentes. Dificilmente se escapa ao pres-tígio das classificações e das hierar-quias lineares à maneira de Comte;mas buscar alinhar todos os saberesmodernos a partir das matemáticas ésubmeter ao ponto de vista único daobjetividade do conhecimento a ques-tão da positividade dos saberes, deseu modo de ser, de seu enraizamen-to nessas condições de possibilidadeque lhes dá, na história, a um tempo,seu objeto e sua forma”.39

A “crise cognitiva” das ciências hu-manas, revelada pela crítica externa(marxista) ou evidenciada pela sua im-plosão interna, não fez senão pôr aquestão da sua unidade novamentesobre o tapete, não via uma hipotéticapluri-disciplinariedade “futurista”, masatravés da reconstituição da sua baseteórica: Quentin Skinner conseguiu reu-nir autores de todas as correntes men-cionadas acima num volume consa-grado à “volta da grande teoria nasciências humanas”.40 As ciências huma-nas, como foi dito, são recentes “por-que seu objeto é bastante recente: ohomem como objeto científico foiuma idéia surgida apenas no séculoXIX. Até então, tudo quanto se referiaao humano era estudado pela filoso-fia”.41 Tirar o Homem do céu da abstra-ção religiosa, ou metafísica, ao preçode transforma-lo numa abstração cien-tífica diversamente alienante, era umpasso tão necessário quanto libertar aforça produtiva do trabalho humanodos grilhões do trabalho compulsóriopela via da exploração, também alie-nante, do trabalho assalariado. Na suaCrítica da Filosofia do Direito de Hegel,dava o passo que o humanismo bur-guês era incapaz de realizar: “O ho-

mem não é um ser abstrato, exteriorao mundo real. O homem é o mundodo homem, o Estado, a sociedade. Es-te estado, esta sociedade, produzem areligião, uma consciência errada domundo, porque eles próprios consti-tuem um mundo falso. A religião é ateoria geral deste mundo, seu com-pendium enciclopédico, sua lógica sobforma popular, seu ponto de honraespiritualista, seu entusiasmo, sua san-ção moral, seu complemento solene,sua razão geral de consolação e de jus-tificação. É a realização fantástica daessência humana, porque a essênciahumana não tem realidade verdadei-ra”. Quando o estruturalismo chegarpara “queimar o campo das defuntasciências humanas”, nas palavras deFrançois Wahl, ou para, segundo Jean-M. Benoist, “enclausurar definitiva-mente uma época onde os conceitos edisciplinas científicas se deixaram con-taminar por esta noção mole e vaga,este balaio de gatos filosófico: o Ho-mem”, estaria chegando com um séculode atraso para realizar de um modo me-canicista (e regressivo) o que já fora rea-lizado de modo dialético, e estaria tam-bém abrindo o flanco para ser, por suavez, criticado por sua suposta “cientifici-dade” contraposta ao “humanismo” filo-sófico: “a filosofia nada a tem a ganharimitando a ciência”.42 Foucault e o estru-turalismo,43 de modo diverso, expres-saram um mal-estar que não podia serpreenchido pela generalização domodelo e os métodos da lingüística aocampo das “defuntas ciências huma-nas”.44 A crítica ao individualismo hu-manista e à racionalidade científicaabstrata, como projetos de dominaçãoque deságuam na barbárie (a elimina-ção do Outro), não poderia esquecer orealismo que percorria as representa-ções abstratas da racionalidade oci-dental, que devia ser resgatado do seuinvólucro idealista (tal como Marx rea-lizou com seu produto mais acabado,

a dialética hegeliana como culminaçãoda filosofia clássica alemã, e do proje-to cartesiano-kantiano em geral): “Oformalismo romano, a tendência paracriar sólidas estruturas convencionaispara conformar o sistema da convivên-cia, deixou uma marca profunda noespírito ocidental. A própria Igreja nãoteria subsistido sem essa tendência doespírito romano alheio às vagas e im-precisas explosões dos sentimentos, eas formas do Estado ocidental acusa-ram de modo perdurável essa mesmainfluência. Por trás do formalismo seocultava um realismo muito vigorosoque descobria com certeira intuição asrelações concretas do homem com anatureza, e dos homens entre si. Esserealismo -também implícito na casuís-tica jurídica e na idéia das relações en-tre o homem e as divindades -operavaeficazmente sobre a vida prática confe-rindo à experiência um alto valor, mui-to por cima da pura especulação. Estaatitude frente à natureza e a sociedadeseria legada pela romanidade aomundo ocidental, informando um ati-vismo radical e, a partir de certa época,um individualismo acentuado”.45

A “implosão” das ciências humanasnão as eliminou, mas colocou a neces-sidade do resgate da sua unidade, su-perando as abstrações teóricas alie-nantes contra as quais Charles WrightMills quis opor a “imaginação” (socio-lógica, no caso).46 Certamente, “no ca-so do físico, ou do matemático, o pas-sado da ciência pode, no limite, ser re-legado ao inconsciente. No caso do so-ciólogo ou do historiador, toda inova-ção de certa importância supõe umareleitura explícita do passado do pen-samento”.47 Para Thomas S. Kuhn, ahistória da ciência é a história das re-voluções científicas, uma história dastransições de um paradigma para ou-tro, que é explicada pelo fato recorren-te de que homens racionais, que sãoracionais em virtude de serem ho-

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mens, e não por serem cientistas, en-contram fatos que seus paradigmasnão podem explicar. O inventário dasciências humanas concluiu repondo anecessidade de sua recomposição uni-tária, pois “em que pese a crise queatravessam resultados incertos, mal-estar ideológico global, esmigalha-mento dos conhecimentos que contri-bui para desilusões nesse campo dosaber- elas desfraldam uma pluralida-de de aproximação e nos dirigem paramúltiplas redes de significação, para averdade objetiva do subjetivo e do ho-mem... Diversos pontos revelam, paraalém das diferenças específicas, umgrande parentesco na evolução dasidéias que subjazem, profundamente,a atividade das ciências humanas”.48

Mais do que isto, problemas cada vezmais agudos, como os da ecologia, su-blinham a urgência da necessidade dasuperação das barreiras entre ciênciashumanas e físico-naturais.49 Mas a rea-lização desta superação não é só umprocesso (ou projeto) científico, mashistórico-social, que coloca a supera-ção dialética daquilo que foi, simultâ-nea, e contraditoriamente, a base daemancipação humana e de sua aliena-ção: a antiga distinção entre dois tiposde vida humana -o homo faber e ohomo sapiens- orientados, o primeiro,para a criação prática da técnica pro-dutiva e o segundo para a reflexãocontemplativa e a ciência pura; ou se-ja, vinculados, um ao uso da mão, o ou-tro da inteligência.50 Pois é só na supe-ração social da divisão entre trabalhomanual e intelectual que poderia en-contrar base histórica real o projeto queMarx viu desenhar-se no próprio desen-volvimento histórico: “Chegará o dia emque a ciência natural abranja a ciênciado homem, ao mesmo tempo em quea ciência do homem abrangerá a ciên-cia natural: não haverá mais do queuma só ciência” (grifo no original).

Notas1. A Folha de São Paulo chegou a editoria-

lizar que “a greve, como instrumento político,serviu para mostrar à opinião pública o aban-dono das humanas. Espera-se, agora, que asituação comece a ser revertida. Sem humani-dades, a Universidade não seria ‘universitas’(o todo, universo). Não passaria de um aglo-merado de escolas técnicas”. Um leitor, mes-trando em ciência ambiental, chegou a ver nagreve um enfrentamento entre, “de um lado,o utilitarismo das conquistas técnico-científi-cas, liderado pelas ciências exatas e biológicase com uma rápida tradução em valores mone-tários. De outro, a construção de uma socieda-de livre, justa e solidária, encabeçada não sópela FFLCH, mas por todas as ciências huma-nas da USP. Humanidades que são muito me-nos traduzíveis do ponto de vista econômico,contudo essenciais na construção do desen-volvimento social. Parece que uma universida-de não pode deixar de garantir recursos atodas as ciências”.

2. Cf. Pedro E. da Rocha Pomar. Verbas pa-ra humanas caem, enquanto biológicas rece-bem mais. Revista Adusp, São Paulo, setem-bro 2002.

3. José Babini. El Saber en la Historia. Bue-nos Aires, CEAL, 1971, p. 20.

4. Vladimir Kourganoff. La Investigación Ci-entífica. Buenos Aires, EUDEBA, 1959, p. 22. Aprópria biologia se inscreve nesse processo: “Oponto de partida da biologia situa-se na épocado racionalismo europeu, em meados do sécu-lo XVIII, momento em que se pode certificar his-toricamente o início do predomínio do métodoexperimental na ciência. (Os precursores) colo-cam uma questão de enorme importância paraa nascente ciência biológica: a relação existenteentre matéria e vida” (Jean Rostand. Introduc-ción a la Historia de la Biología. Barcelona, Pla-neta-De Agostini, 1985, III).

5. Ronald L. Meek. Los Orígenes de la Ci-encia Social. El desarrollo de la teoría de loscuatro estadios. Madri, Siglo XXI, 1971, p. 1.

6. Franco Venturi. Los orígenes de la Enci-clopedia. Barcelona, Crítica, 1980, p. 14. ParaUmberto Cerroni, “a história da cultura revela-se dividida em dois grandes períodos, um ca-racterizado por uma submissão geral da ciên-cia físico-natural à filosofia, este submetidapor sua vez à teologia, o outro pela progressi-va adquisição de autonomia das ciências, noquadro de uma tendência para a laicização detodo tipo de saber” (Umberto Cerroni. Intro-ducción a la Ciencia de la Sociedad. Barce-lona, Crítica, 1978, p. 11). Cf. Owen Chadwick.The Secularization of the European Mind inthe 19th Century. Nova York/Melbourne, Cam-

bridge University Press, 1993.7. Yves Lacoste. El nacimiento del Tercer Mun-

do: Ibn Jaldun. Barcelona, Península, 1971, p. 11.Sobre Ibn Khaldun, ver também: Anouar AbdelMalek. Ibn Khaldun, fundador da ciência históricae da sociologia. In: François Chatelet (ed.).História da filosofia. Vol. 2: A filosofia medieval.Rio de Janeiro, Zahar, 1983, pp. 130-151.

8. François Vatin. Le Travail. Economie etphysique 1780-1830. Paris, PUF, 1993, p. 9.

9. François Vatin. Op. Cit., p. 107.10. Isaak Illich Rubin. A Teoria Marxista do

Valor. São Paulo, Brasiliense, 1980, p. 160.11. Isaak Illich Rubin, op. cit., p. 154.12. Paolo Rossi. Os Filósofos e as Má-

quinas 1400-1700, São Paulo, Companhiadas Letras, 1989, p. 67.

13. François Vatin. op. cit., p.13.14. Paolo Rossi. op. cit., p. 95.15. François Vatin. op. cit., p. 107.16. Alfred Schmid. El Concepto de Natura-

leza en Marx. México, Siglo XXI, 1976, p. 87.17. Karl Marx. Fundamentos de la Critica

de la Economia Politica 1857-1858 (Grundris-se). Buenos Aires, Siglo XXI, 1973.

18. Werner Heisenberg. Physique et Philo-sophie, Paris, Albin Michel, 1971, p. 9.

19. Karl Marx. O Capital. Vol. 1, Livro I. Riode Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 425.

20. André Tosel. La elaboración de la filo-sofía marxista por Engels e Lenin. In: Yves Be-laval. Las Filosofias Nacionales. Siglos XIX e XX.México, Siglo XXI, 1986, p. 292.

21. James A. Weisheipl. La Teoría Física en laEdad Media. Buenos Aires, Columba, 1967, p. 117.

22. Michel Paty. Ciência, filosofia e socieda-de. In: Osvaldo Coggiola. A Revolução France-sa e seu Impacto na América Latina. São Pau-lo, Edusp-CNPq, 1990, p. 95.

23. Robert Havemann. Dialética sem Dog-ma. Rio de Janeiro, Zahar, 1967, p. 164.

24. Julian Freund. Sociologia di MaxWeber. Introduzione al “Marx della borghesia”.Milão, Alberto Mondadori, 1968.

25. Pierre Fougeyrollas. Sciences Sociales etMarxisme. Paris, Payot, 1979, pp. 11 e 16. Omesmo autor produziu uma crítica contunden-te das ciências humanas contemporâneas:L’Obscurantisme Contemporain. Lacan, Lévi-Strauss, Althusser. Paris, SPAG-Papyrus, 1983.

26. Cf. Jean-Jacques Solomon. Ciencia yPolítica. México, Siglo XXI, 1974, pp. 35, 45 e 57.

27. Cf. por exemplo: Murray Leaf. Uma His-tória da Antropologia. Rio de Janeiro/São Paulo,Zahar/Edusp, 1981; Paul Mercier. História de laAntropologia. Barcelona, Península, 1989.

28. René Thom In: Idéias Contemporâne-as. São Paulo, Ática, 1989, p.67-68.

29. Geoffrey Hawthorn. Iluminismo e De-

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sespero. Uma história da sociologia. Rio de Ja-neiro, Paz e Terra, 1982, p. 17.

30. Lucien Goldmann. Las Ciências Huma-nas y la Filosofia. Buenos Aires, Nueva Visión,1967, p. 22.

31 Jean Piaget. A Situação das Ciências doHomem no Sistema das Ciências. Amadora,Beltrand, 1971, p. 104-107.

32. Cf. Ralph L. Andreano (ed.). La NuovaStoria Economica. Problemi e metodi. Torino,Einaudi, 1975; Para uma crítica, ver: Josep Fon-tana. La Nueva Historia Económica. In: Historia:Análisis del Pasado y Proyecto Social. Barce-lona, Grijalbo-Crítica, 1972. A “mensurabilida-de” como critério científico está também pre-sente em Frédéric Mauro: “A matéria humana édiferente das outras e as ciências humanaschamam-se assim em oposição às ciências emgeral, e também pela semelhança com elas. Odeterminismo social e a liberdade humana, aação do observado sobre o observador, a trans-formação -mais profunda do que na Física- doobservado pelo observador, a dificuldade derepetir as experiências e ainda outros caracte-res separam muito bem estes dois tipos de dis-ciplinas. Naturalmente, é preciso distinguir bemas Ciências Humanas de disciplinas que, porvárias razões, não são propriamente científicas.A Filosofia, por exemplo, que os programas dasuniversidades colocam abusivamente no grupodas Ciências Humanas, embora não seja ciên-cia, mas reflexão sobre a Ciência e tambémsobre a ação e a criação. A filosofia política nãoé a Ciência Política. As doutrinas econômicasnão são a Ciência Econômica. É preciso aquireagir com vigor contra uma concepção geral-mente partilhada pelos marxistas e contra aqual se ergueu Roger Garaudy: a confusão docientífico e do filosófico. Como todas as ciên-cias, as Ciências Humanas estão pouco a pou-co se separando da Filosofia, esta sendo o con-junto das perguntas que precisam ser coloca-das mas que não se podem resolver. A partir domomento em que um problema encontra suasolução científica, ele passa do domínio daFilosofia ao domínio da Ciência. Quem não vêcomo é infantil a pretensão marxista de quererresponder a tudo, mesmo às questões filosófi-cas e de pretender ao mesmo tempo que omarxismo seja uma ciência? Ou, se se quiser,de pensar que a “ciência” marxista põe fim àFilosofia? O que é verdadeiro na Filosofia está afortiori da Teologia ou da Filosofia fundadasobre a Revelação. Na medida em que Toynbeefaz uma teoria geral das civilizações, seu traba-lho é científico. Na medida em que pensa que,diferentemente das precedentes, as civilizaçõesatuais serão salvas pelo fomento cristão, fazumato de fé e entra na especulação teológica:

trabalho inteiramente legítimo, mas que sai daCiência. A Arte e a Literatura não são nesse ca-so ciências do homem, mas são o homem cri-ando, pensando e modificando o mundo. Seuestudo positivo é ciência humana ou social.Mas ele se une freqüentemente à critica, cujosjuízos de valor, se eles utilizam as Ciências Hu-manas, ultrapassam-nos e desembocam na ar-te nova ou na Filosofia” (Fréderic Mauro. Parauma classificação das ciências humanas. In: DoBrasil à América. São Paulo, Perspectiva, 1975,p. 45). A medida (a aritmética) como base his-tórica do racionalismo científico ocidental, estáanalisada em: Alfred. W. Crosby. A Mensuraçãoda Realidade. A quantificação e a sociedadeocidental 1250-1600. São Paulo, Unesp-Cam-bridge University Press, 1999.

33. Daniel Bell. Las Ciências Sociales des-de la Segunda Guerra Mundial. Madri, Ali-anza, 1982, pp. 62-63.

34. Rosenthal-Iudin. Diccionário Filosófico.Buenos Aires, Universo, 1917.

35. B. M. Kedróv. Clasificación de las Cien-cias. Moscou, Progresso, 1976, 2v.

36. Michel Foucault. Histoire de la Folie àl’Âge Classique. Paris, Gallimard, 1977.

37. Georges Friedmann. La Crisis del Pro-greso. Esbozo de historia de las ideas (1895-1935). Barcelona, Laia, 1977 (primeira ediçãofrancesa, 1936), pp. 70 e 184.

38. Hans Heinz Holz. Marx, la Storia, laDialettica. Nàpoli, Manes, 1996, p. 46.

39. Michel Foucault. As Palavras e as Coi-sas. Uma arqueologia das ciências humanas.São Paulo, Martins Fontes, 1981, p. 361-363.

40. Quentin Skinner (ed.). The Return ofthe Grand Theory in the Human Science. No-va York/Melbourne, Cambridge UniversityPress, 1994.

41. Marilena Chauí. Convite à Filosofia. SãoPaulo, Ática, 1994, p. 281.

42. Jean-Louis Dumas. Histoire de la Pen-sée. Vol. 3. Les temps modernes. Paris, Tal-landier, 1990, p. 461. Já em 1937, em TeoriaTradicional e Teoria Crítica, Max Horkheimer,defendia que “não é nas ciências da natureza,fundamentadas na matemática como um Lo-gos eterno, que o homem pode aprender aconhecer-se; e na teoria crítica da sociedadecomo ela é, inspirada e dominada pelo dese-jo de estabelecer uma ordem conforme a ra-zão”. O próprio logos matemático aceitou asua especificidade para a apreensão do real:“A linguagem matemática tem uma especifici-dade própria; suas regras, seu language game,são determinadas pelo valor demonstrativode suas proposições. As regras prescrevem aconstrução dos enunciados e indicam seu sig-nificado no discurso. Elas são prescritivas do

uso lingüístico e indicam não apenas ‘como’ acoisa é, mas como ‘deve’ ser” (Abrogio Gia-como Manno. A Filosofia da Matemática. Lis-boa, Edições 70, s.d.p., p. 117.).

43. Cf. Jean Viet. Los Métodos Estructura-listas en las Ciencias Sociales. Buenos Aires,Amorrortu, 1970.

44. Para uma crítica, ver: David Mc Nally.Língua, história e luta de classe. In: Ellen M.Wood e John B. Foster. Em Defesa da História.Marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro,Zahar, 1999.

45. José Luis Romero. La Cultura Occiden-tal. Buenos Aires, Legasa, 1986, p. 17.

46 Para as ciências exatas e naturais, colo-cou-se problema semelhante. Ver: Gerald Hol-ton. La Imaginación Científica. México, FCE,1985. Desde outro ângulo: Peter Medawar.The Limits of Science. Oxford, Oxford Univer-sity Press, 1989.

47. Fernand Dumont. La Dialéctica del ObjetoEconómico. Barcelona, Península, 1972, p. 16.

48. Jacqueline Russ. La Marche des IdéesContemporaines. Un panorama de la moder-nité. Paris, Armand Colin, 1994, pp. 265 e 310.

49. Uma superação reacionária destas bar-reiras foi proposta pela sociobiologia de Ed-ward O. Wilson, que foi logicamente aceitapelo darwinismo social: “Na visão microscópi-ca, as humanidades e ciências sociais se redu-zem a ramos especializados da biologia. A his-tória, a biografia e a ficção são os protocolosda investigação da etologia humana; a antro-pologia e a sociologia unidas constituem abiologia social de uma só espécie de prima-tas” (E. O. Wilson. Sociobiology: The New Syn-thesis. Cambridge, Harvard University Press,1975). Reduzindo as humanidades a ramosderivados da biologia, Wilson definiu o pro-grama reacionário da biotecnologia capitalista(que não deve confundir-se com a própriabiogenética): a resolução dos problemas hu-manos através da manipulação genética da-quilo que o cientista empresário Craig Venter,e um presidente norte-americano conhecidopelo seu uso inabitual de charutos, definiramcomo “a linguagem de Deus”. (Cf. OsvaldoCoggiola. Biotecnologia, capitalismo e fascis-mo. In: Universidade e Ciência na Crise Glo-bal. São Paulo, Xamã-Pulsar, 2001)

50. Rodolfo Mondolfo. Verum Factum.Desde antes de Vico hasta Marx. Buenos Aires,Siglo XXI, 1971, p. 9. Do mesmo autor: LaComprensione del Soggetto Umano nell’An-tichità Clássica. Firenze, 1967.

* Osvaldo Coggiola é professor do Depar-tamento de História da USP e vice-Presiden-te do ANDES-SN.

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Universidade e Sociedade - Comose deu o seu envolvimento com o mo-vimento docente local, regional e na-cional ?

Luiz P. Carapeto - O meu envolvi-mento com o MD aconteceu inicial-mente como representante da minhaUnidade, a Faculdade de Veterinária,no Conselho de Representantes daADUFPel, por volta de 1982/4, partici-pando das atividades da AD e de Co-mandos de Greves, local e nacional.Por falar em Comandos de Greve, on-de se dá minha inserção no MD ao ní-vel regional e nacional, lembro de al-gumas em particular como a Greve dasFundações (1985), a Greve que deuorigem ao PUCRCE (1987) e o traba-lho na Constituinte (1988), pois foramestes os momentos que me levaram aintegrar as Diretorias, inicialmente daANDES, enquanto Vice-presidente Re-gional, RS, na Diretoria presidida peloCompanheiro Sadi dal Rosso e, depois,do ANDES SN, como Secretário Geral,na gestão presidida pelo Companheiro

Carlos Eduardo Baldijão. Assim, enten-do que o meu envolvimento com oMovimento Docente se deu pela basee, principalmente, em momentos degrande efervescência política.

US - Poderia destacar momentos desua trajetória sindical, enfatizando difi-culdades e conquistas ?

Luiz - Gostaria de destacar algunsmomentos não de minha trajetóriapessoal no movimento sindical, mas,sim, momentos que o Sindicato meproporcionou vivê-los de forma inten-sa e apaixonante. Não seguindo umaordem cronológica, recordo a GreveNacional das Universidades Fundacio-nais (1985), quando garantimos, commuita mobilização, a isonomia de car-reira e salarial destas Instituições. Alémdesta incontestável vitória do MD, mui-

tos, e entre eles eu, ficamos marcadospelo XII CONAD de Niterói (12-14/-10/85), quando, ao se elaborar a Ava-liação Final da Greve, ocorreu a divisãodas Ads, resultando duas avaliações,sendo uma assinada pela ADUFSCar,ADUFOP, ASPUV, ADUFPel e ADUFMAT,na época, as consideradas xiitas. De-pois a Greve de 1987, na qual conquis-tamos o PUCRCE, unificando Autar-quias e Fundações, algo buscado aolongo da história da ANDES. Em no-vembro de 1988, 2º Congresso Extra-ordinário, a conquista maior: a trans-formação da Associação Nacional dosDocentes do Ensino Superior em SIN-DICATO NACIONAL DOS DOCENTESDAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPE-RIOR, o ANDES SN. Mais adiante, em1990, sendo Presidente da ADUFPel,transformá-la em Seção Sindical doANDES SN quase que de forma unâni-me pelos seus associados. A Greve de1991, aquela dos 106 dias, que semanteve mesmo com o CongressoNacional em recesso, que fez com que

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 157UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Memória do M D

Memória do Movimento Docente

Professor da Universidade Federal de Pelotas-RS,

militante sindical, com uma experiência de luta que se

estende do contexto local, regional ao nacional.

Por duas vezes, em mandatos distintos, foi Secretário Geral

do ANDES-SN. O companheiro Carapeto, neste registro,

fala de sua trajetória de luta no Movimento Docente.

Luiz Paiva Carapeto

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o então Min. Chiarelli fosse demitidopor Collor (que dupla, hein!) e a filia-ção à CUT. A luta para assegurar nossosdireitos na Constituição de 88, os em-bates na LBD. Ter vivido essas conquis-tas e convivido com Companheiros eCompanheiras, que não os enumeropara não ser traído pela memória, fa-zem com que as dificuldades encontra-das, tanto políticas como pessoais, fi-quem relegadas a um segundo plano.

US - Que avaliação política você fazdo período em que exerceu a funçãode Secretário Geral do ANDES SN ?

Luiz - Na minha opinião, a gestão

1990/92, Presidida pelo CompanheiroBaldijão, ficou marcada politicamentepela longa greve de 106 dias, pela de-missão do Min. Chiarelli, pela manu-tenção da greve, mesmo com o Con-gresso Nacional em recesso, entre ou-tros tantos episódios que demonstra-ram a maturidade política na condu-ção da greve pelo Comando Nacional,com a participação dos Companheirosda Coordenação do Setor das IFES. Po-liticamente, também, era muito fácilser Secretário Geral de um Sindicatoque contava com os Companheirosque integraram aquela Diretoria. Comtoda certeza, fizemos um trabalho soli-dário, participativo e, principalmente,havia cumplicidade nas nossas ações eentre nós. Não nos interessava em ser-mos eu, interessava, isso sim, sermosNÓS. A construção política daquela Di-retoria era coletiva e isso facilitava anossa intervenção, fosse qual fosse ocargo que ocupávamos.

US - Hoje, que visão você guardado processo de sucessão da Diretoriado Sindicato de que fez parte e queculminou com os episódios políticosdo famoso Congresso de Cuiabá ?

Luiz - Na minha avaliação, o tempose encarregou de mostrar que os ditos“episódios políticos de Cuiabá” nadamais foram que invenções oportunistasde algumas pessoas. Muitos, enquantonão entendessem o que se passavanos bastidores, não compreendiam asituação, porém bastava uma avaliaçãomais profunda de toda a situação cria-da por quem não pertencia à Arti-culação ANDES AD, mas desejava fazerparte da Chapa e, pior, sem legitimida-

de alguma, para se dar conta da reali-dade. A própria Diretoria do Compa-nheiro Márcio, integrada pelos Compa-nheiros Paulo Rizzo, Walter Almeida,Sylvio Frank Alem, Flávio Aguiar, entreoutros tantos, mostrou que os descom-passos que a Articulação ANDES ADencontrou naquela ocasião foram bemmenores do que muitos tentaram fazeracreditar. Aqui é necessário que se façaum registro da dedicação e do determi-nismo do Companheiro AlexandreNasser para que arestas fossem apara-das e que se concretizassem a Chapa e,posteriormente, a Diretoria.

Ainda hoje algumas pessoas tentamcomparar Cuiabá a Santa Maria. Não hánada que possa fazer algum elo entreestes episódios. Cuiabá, a tentativa rup-tura partia de fora e tinha um fundopolítico bem definido, Santa Maria, atentativa era puramente personalista.

US - Como você avalia a atuaçãode nosso Sindicato, numa compara-ção entre as décadas de 80 e 90 ?

Luiz - É bastante difícil avaliar essesperíodos devido às mudanças queocorreram na conjuntura do país, nasalterações ocorridas na política educa-cional, na relação entre as Instituiçõesestatais e privadas, principalmente nocrescimento numérico dessas, enfimnas diferentes realidades vividas e queestamos vivendo.

Hoje, passada mais uma eleição pa-ra a Diretoria do Sindicato, vejo comsatisfação que aqueles que mantêm ocompromisso com a linha sindicalistae democrática continuarão na direçãodo ANDES SN e, assim, mantemos a

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Memória do M D

Carapeto e uma pequenaamostra fotográfica de sua participação em eventos da ANDES-SN

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UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

perspectiva de manter e ampliar a lutana busca de uma Universidade Públicae Gratuita. Durante algum tempo, fi-quei preocupado em ver que o termoGratuita havia sumido das nossas rei-vindicações e, para mim, isso é funda-mental ainda estar na linha de frentedesse Sindicato.

Ainda dentro desse assunto, é ne-cessário que se retome, com a máximaintensidade, a luta e a inserção do Sin-dicato no interior das Universidadesprivadas, quer pelo crescimento, querpela falta de qualidade que encontra-mos em grande número dessas insti-tuições. Na minha avaliação, é nesseSetor que deveríamos nos lançar commais força e com o empenho dos ou-tros setores do Sindicato.

US - Como tem sido a sua partici-pação como sindicalista nos últimos 8anos ?

Luiz - Após ter participado, como 1ºSecretário da gestão da Diretoria presi-dida pela Companheira Maria Cristinade Morais, entendi que era necessáriodar uma parada nas atividades sindi-cais e me dedicar, com maior afinco, àsminhas atividades acadêmicas. Algunsprojetos que tinha, vinham sendo to-cados com intervalos e alguns se per-deram no tempo, pois caducaram. Sa-bia, e tinha necessidade pessoal, dedar maior atenção aos meus filhos e àminha companheira. Assim, desde lá,tenho participado da ADUFPel SSINDem suas lutas e contribuído, dentro dopossível, com as discussões que se fa-zem no Sindicato nacionalmente viaessa Seção Sindical.

US - Que visão crítica faz da nossaúltima greve nacional, de mais de cemdias ?

Luiz - A nossa última greve foi am-plamente vitoriosa e gostaria de obser-

vá-la por dois aspectos que considerofundamental. O primeiro, por termosconseguido alcançar uma grande par-cela das nossas reivindicações e ter-mos conseguido colocar em xeque asposições e ameaças do Ministro PauloRenato. O segundo, fundamental e de-cisivo para a continuidade do Sindica-to, a maneira como essa greve foi con-duzida pelo CNG e pelos CLGs que es-tavam verdadeiramente comprometi-dos com a luta das Universidades. Acoesão interna nessas Instituições fezcom que não se repetissem episódiosverificados na greve passada, quandoalgumas pessoas, de forma oportunis-ta, assumiram papéis que não lhes ca-biam. Ainda bem que isso acabou fi-cando clara com a posição e apoio as-sumido pelo Sr. Paulo Renato, na elei-ção para a Diretoria do Sindicato, ges-tão 2002-04.

US - Faça alguns encaminhamentospolíticos para o movimento docentenesta primeira década do século XXI.

Luiz - Isso é algo que não atrevo afazer, uma vez que o momento conjun-tural que estamos vivendo não permi-te, na minha opinião, a ninguém fazer.

Espero, sim, que continuemos a tra-jetória do MD dentro da sua AUTONO-MIA , da sua DEMOCRACIA interna eda sua COMBATIVIDADE, que vem des-de a sua criação.

US - Que análise você faz dos con-frontos atuais entre as lideranças sin-dicais do movimento docente ?

Luiz - Acho que essa pergunta estamal formulada e a refaço, responden-do-a com um breve comentário.

US - Que análise você faz dos con-frontos atuais entre as lideranças doMD e de pseudo-lideranças que bus-cam se apropriar, em proveito próprioe partidário, do ANDES SN ?

Luiz -O comentário: maléfico e es-pero que essas pseudo-lideranças bus-quem outros espaços para atuarem. Osdocentes das IES já deram mostra doque desejam que seja o seu Sindicato.As duas últimas eleições foram contun-dentes. Deve haver, e é necessário quetenhamos, o contraditório dentro doSindicato, mas é imprescindível que elese manifeste com honestidade e apon-te na direção da nossas lutas.

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Trabalho, educação e sindicalismo no Brasil: anos 90

José dos Santos Souza. Editora Autores Associados / Co-edição Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. 2002. 223 páginas.

Resenha

Por Célia Tanajura Machado

Olivro “Trabalho, educação e sin-dicalismo no Brasil: anos 90” éuma importante produção teó-

rica que nos convoca a refletir acercadas concepções e propostas educacio-nais do movimento sindical brasileironos anos 90. Fruto da pesquisa realiza-da por José dos Santos Souza, duranteo seu curso de mestrado na Univer-sidade Federal Fluminense, este traba-lho busca “[...] subsidiar o debate acer-ca da educação travado no interior dasorganizações da sociedade civil volta-das para os interesses da classe traba-lhadora” (p.13).

No primeiro capítulo do livro, JoséSouza, atento às profundas transforma-ções ocorridas no mundo do trabalho,principalmente a partir da década de80, procede a sua análise diferencian-do a concepção do trabalho sob a óticado capital, daquela propugnada sob aótica do trabalho. Essas concepçõessustentam dois diferentes modelos desociedade: um, sob a ótica do trabalho,tem a força de trabalho como valor deuso e incorpora o trabalho como um“elemento de vontade”, convertido ematividade livre, base de toda a liberda-de humana; e outro, sob a ótica do ca-pital, entende que a força de trabalhotem a finalidade de produção de mais-valia e que esta, ao ser vendida comomercadoria, garante ao homem a suasobrevivência (p.19).

Revisitando a teoria marxista, sejaem O Capital ou no Manifesto doPartido Comunista ou, ainda, pelaleitura de outros marxistas importan-tes como Gramsci, Carnoy, Borón,Coutinho, Enguita, Boito Jr. e tantosoutros, este livro constrói um rico ar-cabouço teórico para aqueles quepensam e buscam construir um pro-jeto educacional que possibilite a

emancipação da classe trabalhadora. Ainda neste capítulo, de forma iné-

dita e original, o autor inaugura a ex-pressão escola desinteressada do tra-balho, a partir do conceito de escolaunitária de Gramsci, que se constituinuma alternativa para a educação daclasse trabalhadora e, como ele mes-mo diz, “é a síntese entre o que há depositivo na escola desinteressada e naescola do trabalho e, por conseguinte,a negação da metafísica inerente à pri-meira e do pragmatismo inerente à se-gunda” (p.61).

No capítulo dois, ao trazer o debatepara a realidade brasileira, o autor fazuma rica análise dos modelos de socie-dade em disputa, nas eleições presi-denciais de 1994. Assim, nos permiteobservar que enquanto modelo forma-tado sob a ótica do capital, capitanea-do pelo PSDB, empresariado e parcelado movimento sindical, centralizadapela Força Sindical, “atribui à educaçãoda classe trabalhadora o papel de for-mação e qualificação de força de traba-lho [...], com vistas na garantia de maiorprodutividade e qualidade da indústrianacional como diferencial de competi-tividade no mercado globalizado” (p.123). O modelo elaborado sob a óticado trabalho e apresentado pela FrenteBrasil Popular (PT, PCB, PCdoB, PSB,PPS, PSTU e PV), em articulação com aCUT, prioriza o papel político da educa-ção de construção da cidadania plena,a despeito de não explicitar os vínculosda educação com o “mundo do traba-lho” e a relação existente entre educa-ção e desenvolvimento econômico(p.126), tão necessário à construção deuma proposta de educação para a clas-se trabalhadora.

Já o terceiro capítulo é totalmentedestinado à análise crítica das propos-

tas do movimento sindical para a edu-cação da classe trabalhadora, a partirda organização do novo sindicalismosurgido no Brasil na década de 80.Neste capítulo, o autor evidencia o mo-delo de desenvolvimento proposto pe-las centrais sindicais e o papel por elasatribuído ao Estado, às políticas sociaise à educação.

Explorando as contradições enfren-tadas para a construção de um projetode educação alternativo para a classetrabalhadora, o autor evidencia a faltade amadurecimento e de qualificaçãodos projetos das centrais, o que leva omovimento organizado dos trabalha-dores, inevitavelmente, a confluir comas propostas encampadas pelo empre-sariado, as quais não promovem a rela-ção entre formação para o trabalho eescola básica regular e, com isso, nãopossibilitam a construção do ideal daescola unitária.

Com verdadeiros desafios históricosa superar, conclui o autor, a classe tra-balhadora precisa qualificar a sua inter-venção na política educacional brasilei-ra e, só assim, poderá fazer avançar naconstrução de uma escola para o traba-lhador que seja síntese entre a forma-ção para o trabalho manual e a forma-ção para o trabalho intelectual.

O livro de José dos Santos Souza setorna leitura obrigatória para aquelesque militam no campo sindical, inter-vindo na gestão e na formulação de po-líticas para formação profissional, emais especificamente para aqueles queatuam no campo educacional, na apli-cação dessas políticas. Em um texto deleitura fluida e fácil, a despeito da com-plexidade do tema em debate, o autorprovoca o leitor a refletir sobre os dife-rentes modelos de educação em dispu-ta na sociedade. Vale a pena conferir.

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“Os sem-teto”: um suplício coletivo.

Por Antônio Ponciano Bezerra*

Fotos: Folha Imagem

502 anos depois da chegada dos portugueses ao Brasil, este territórioinsiste em não reconhecer aos nativos o direito à terra e, ao trabalhador,o acesso à moradia. A história nos conta que o monge franciscano AndréThevet fala, em sua obra “As singularidades da França Antártica”, de umaterra (hoje, Brasil) de gente maravilhosa, estranha, selvagem, sem fé, semlei, sem rei, uma espécie de bestas irracionais. Essa idéia tem perduradoaté hoje, numa outra ótica, isto é, na visão de nossos dirigentes que, porironia do destino, realizaram a inversão que lhes convém, reduzindo aclasse trabalhadora à massa de manobra e a ela negando todo e qual-quer direito social. As classes populares, no Brasil de hoje, se enxergamsem lei, sem esperanças, sem proteção, sem estado. A velha sigla colo-nial LFR (sem Lei, sem Fé, sem Rei) aumentou, desordenadamente, emextensão de ausências e exclusões.

Na atualidade, mais da metade da população brasileira se aglomera nasregiões metropolitanas, emigrou de uma miséria conhecida para uma ou-tra tragicamente desconhecida. Esse contingente populacional, para alémdo abandono e do descaso do governo, da vergonhosa situação de desem-prego e dos obscenos salários a que se expõe, é ainda a vítima privilegia-da da espoliação urbana, da ganância, da especulação imobiliária, da dita-dura do espaço, dos agentes financeiros, inclusive oficiais, como é o casoda Caixa Econômica Federal, aliás, um banco igualzinho a qualquer umoutro privado, de natureza lucrativa, com uma única diferença, ostenta achancela, a tutela, o aval do governo federal. A Caixa Econômica Federal vi-ve, hoje, de suas gorduras arrancadas do suor e do sangue do trabalhadorbrasileiro. É uma agência financeira asséptica, luxuosa, sem fiscalização,gananciosa, especulativa, tirana. De tudo isso, o que restou à classe traba-lhadora foi a segregação, sem fim, em becos, cortiços, favelas, buracos, bu-eiros, esgotos, pontes, viadutos, barracas de plástico, de papelão, tubos,valas, ruas, aliás, a rua é berço e leito de morte comuns aos excluídos. Ora,se extinto, esse banco “popular” do Estado não faria falta a ninguém, muitomenos à classe trabalhadora do país.

Este ensaio fotográfico espelha a “seriedade” da política habitacionalbrasileira, a voracidade fiscal da União e as condições trágicas de vida ede habitabilidade das classes populares no país. A seqüência de imagensrepresenta também, e tão bem, um dos dedos queridos da política habi-tacional do sociólogo presidente do Brasil – FHC.

* Antônio Ponciano Bezerra é professor doutor na Universidade Federal deSergipe, 2º Vice-presidente da Regional NE-III do ANDES-SN e editor da revistaUniversidade e Sociedade.

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 161UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Ensaio Fotográfico

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Despejo sumário, cínico e irresponsável -agente: o Estado brasileiro

Desabrigados: sem esperança, sem segurança, sem Estado.

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Cenas de despejo: o olhar infantil perde-se no infinito da desesperança, diante da frieza cínica do aparato policial.

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Prédios miseráveis se transformam em miseráveis favelas,nas grandes metrópoles do Brasil.

Um mundo de sem-teto: o dedo de FHC se agigantou nesses últimos 8 anos.

Debaixo de viadutos, o lar, doce lar, dos excluídos.

Túmulos de vivos: bueiros, grutas, espaços vazios,

embaixo de viadutos, pontes, passagens de pedestres.

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 163UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

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Como vivem os que “moram” em buracos sob pontes ou viadutos.

Valas debaixo de pontes recebem os seus

mais recentes habitantes.

Desabrigo sem fim: uma promessa velada,

silenciosa, do desgoverno no Brasil.

Numa passagem sobre esgotos,crianças desabrigadas brincam e se expõem a doenças infectocontagiosas.

164 - Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

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O cotidiano de desabrigadose desassistidos pelospoderes públicos do Brasil.

O buraco de “João-de-barro” também é, no Brasil, a casa do bicho homem.

Campo de concentração à brasileira.

Um homem e seu cachorro,à margem do esgoto Tietê,

sob uma ponte, circulam sua tapera e mostram o seu

pomar e horta regados àlodo e detritos a que

se transformou oRio dos Bandeirantes.

Ano XII, Nº 28, novembro de 2002 - 165UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

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166 - Ano XII, Nº 28, novembro de 2002

Prédios fantasmas, sem condições de habitabilidade, tornam-se “a parte que cabe” aos sem-teto no faustolatifúndio brasileiro.

Mobilização maciça contra a ausência do Estadobrasileiro na área de políticas públicas.

Grito por moradia: ocupação de prédios nos centros das grandes cidades brasileiras.

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Sonho que os excluídos transformaram em pesadelo.

Ocupação de prédios

abandonados -única esperança de moradia dos

excluídos.