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7/25/2019 Franois Recanati - Pela Filosofia Analtica
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Crtica
26 de Agosto de 2004 Filosofia
Pela filosofia analtica
Franois Recanati
Centre National de la Recherche Scientifique, Paris
So cada vez mais numerosos, ainda que muito minoritrios na populao filosfica
francesa, aqueles que se interessam pela, e mesmo que se reclamam da, filosofia
analtica. No passado, tratava-se sobretudo de pessoas que, decepcionadas por certos
aspectos da tradio filosfica dominante em Frana, lhe viravam resolutamente as
costas a partir do momento em que descobriam, com a tradio analtica, os atractivos
do pensamento argumentativo. Actualmente, parece que um interesse pela filosofia
analtica perceptvel num pblico mais vasto. Diferentes factores contribuem paraalargar a audincia francesa da filosofia analtica para alm do pequeno cenculo dos
filsofos que se passaram para os anglo-saxnicos, segundo a sugestiva expresso
de Jean-Franois Lyotard:
No decurso da sua evoluo, os centros de interesse da filosofia analtica diversificaram-
se (1): j no existe, hoje em dia, qualquer questo filosfica que os filsofos analticos
no abordem. testemunho disso o livro que o filosofia analtico Thomas Nagelconsagrou recentemente s grandes questes supostamente caractersticas da filosofia
continental
Revela-se uma convergncia entre as teorias de certos filsofos que pertencem tradio
analtica (Kuhn, Feyerabend) e as de filsofos continentais como Michel Foucault. Estas
convergncias so, por vezes, explicitamente reivindicadas
A Alemanha, que desde h muito o modelo dos franceses em matria de filosofia,
desperta para a filosofia analtica. Vemos antigos alunos de Heidegger, como Tugendhat
(2), reencontrar a herana de Frege fala-se de pragmtica transcendental Wittgenstein
apresentado como trao de unio entre os analticos e os hermeneutas. Sente-se j o
impacto desta evoluo nas mentalidades filosficas francesas, to receptivas ao que se
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passa alm-Reno
Tem neste momento lugar um debate, que envolve filsofos analticos, sobre o
irracionalismo e o historicismo caractersticos da filosofia continental (e mais
especificamente francesa), na sua relao com os supostos racionalismo e anti-
historicismo da filosofia analtica (3). Este debate no deveria deixar indiferente o pblico
francs: em Razo, Verdade e Histria, Putnam, mesmo adoptando uma posio
matizada, ataca os filsofos franceses Rorty, que parece ter-se empenhado, atravs dos
seus escritos sobre o pragmatismo, em impor Heidegger e Derrida aos seus colegas
anglo-saxnicos, invoca o testemunho do pblico francs publicando mesmo em Frana
(4) uma notcia crtica do livro de Putnam Bouveresse responde-lhe com um requisitrio
contra o irracionalismo e a filosofia francesa, e com uma defesa da filosofia analtica.
O pblico francs tem, portanto, todas as razes para se interessar pela filosofia
analtica. Tem, por outro lado, os meios para se interessar por ela: numerosos textosde filosofia analtica esto hoje disponveis em francs, e os trabalhos de exegese
acumulam-se. H uma coisa, no entanto, que cruelmente faz falta: uma ideia
minimamente precisa do que a filosofia analtica.
questo O que a filosofia analtica? pode responder-se com segurana que a
tradio a que pertencem Frege, Russell, Moore, Wittgenstein (o primeiro e o segundo),
os neopositivistas, os lgicos polacos da escola de Lvov-Varsvia, Popper, Quine,Goodman, os filsofos da linguagem comum, Putnam, Rawls, Kripke, etc., ou ainda que
a corrente filosfica actualmente dominante nos pases anglo-saxnicos e, mais
geralmente, no mundo. Uma resposta deste tipo, todavia, no muito satisfatria,
porque no nos diz o que caracteriza a filosofia analtica como tradio (ou, se se
prefere, como movimento). no entanto muito difcil ir alm de uma tal resposta, e
caracterizar, ainda que de forma vaga e aproximada, a filosofia analtica, pois existem
diferenas muito marcadas entre filsofos analticos de diferentes pocas, entre asdiferentes escolas de uma mesma poca, e at entre os diferentes filsofos analticos
de uma mesma escola. Estas diferenas parecem ser insuperveis, e desencorajam
qualquer tentativa de caracterizao global tanto mais que as tentativas de
caracterizao que foram feitas no passado revelam-se hoje inaceitveis, na medida
em que abraavam manifestamente o ponto de vista da poca em que eram feitas,
quando no reflectiam pura e simplesmente a concepo dominante, nessa poca,
num subgrupo particular de filsofos analticos. E no faltam filsofos analticos que
sustentem, buscando argumentos na diversificao de interesses assinalada mais
atrs, que a prpria noo de filosofia analtica, meio sculo depois do apogeu do
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positivismo lgico, deixou de corresponder ao que quer que seja de bem definido (5).
, contudo, uma tal caracterizao da filosofia analtica que gostaria de tentar nas
pginas que se seguem. De acordo com o conselho de Jean Piel, intitulei esta tentativa
Pela Filosofia Analtica porque as caractersticas que serei levado a atribuir-lhe
parecem-me constituir boascaractersticas, caractersticas filosoficamente desejveis:de facto, porque entendo a filosofia analtica do modo que vou expor que eu mesmo
me reclamo deste movimento. Mas no tentarei justificar esta avaliao neste artigo, e
contentar-me-ei em deix-la surgir de tempos a tempos.
I
Parece-me que preciso, para comear, abandonar todas as esperanas de
caracterizar a filosofia analtica atravs de algum trao doutrinal, quer dizer, atravs de
uma tese filosfica particular, porque a filosofia analtica quer-se universal e no exclui
a priori nenhuma doutrina particular: enquanto movimento pluralista, a filosofia analtica
no dogmtica, contrariamente s escolas que podem aparecer no seu seio. Deixa-
se de pertencer a uma escola determinada o positivismo lgico, por exemplo se
se deixa de aderir doutrina constitutiva desta escola, mas no existe uma doutrina tal
que se deixe de ser um filsofo analtico se se deixa de aderir a ela. De facto, adiversidade de filosofias que fizeram a sua apario na histria do movimento analtico
no de modo nenhum inferior diversidade de doutrinas aparecidas na histria da
filosofia em geral. verdade que algumas doutrinas tm maior atractivo que outras
para a maioria dos filsofos analticos mas, justamente, muitos deles, pondo, por
assim dizer, nfase no desafio, parecem encontrar prazer na descoberta de novos
argumentos a favor das doutrinas aparentemente mais opostas quelas a que a
maioria dos filsofos analticos adere, e no se sentem desqualificados por causadisso.
O que caracteriza a filosofia analtica no , portanto, de ordem doutrinal. No
tambm um domnio de investigao: se os filsofos analticos privilegiaram certos
domnios de investigao, como a filosofia da linguagem ou a filosofia das cincias,
certo que um filsofo analtico no ficaria diminudo (no perderia ipso factoa sua
qualidade de filsofo analtico) se se ocupasse exclusivamente num domnio que osseus colegas tivessem abandonado, qualquer que fosse esse domnio no h nesta
matria mais dogmatismo do que em matria doutrinal
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A filosofia analtica caracteriza-se ento por um mtodo? Poder-se-ia acreditar que o
uso da nova lgica de Frege, Russell et alii na formulao e soluo (ou dissoluo)
dos problemas filosficos uma caracterstica essencial da filosofia analtica, mas o
facto de a filosofia da linguagem comum ter combatido e recusado este uso impede de
ir mais longe nesta direco. Em vez de um mtodo nico, seria preciso invocar um
conjuntode mtodos esta soluo, contudo, s credvel se se estiver em condiesde precisar o que os mtodos em questo tm em comum, e nisso precisamente que
reside a dificuldade.
Na minha opinio, a filosofia analtica s pode ser caracterizada se que pode s-lo
de todo por um certo esprito. De que esprito se trata? Talvez, muito simplesmente,
do esprito cientfico! O esprito cientfico, num sentido que falta definir, animava a
filosofia at Kant, e os filsofos analticos afirmam frequentemente fazer parte dele,passando por cima da reaco romntica dos grandes filsofos ps-kantianos que
desvirtuaram o sentido do empreendimento filosfico ao precipitar o divrcio entre a
cincia e a filosofia.
preciso, bem entendido, que eu diga o que entendo por esprito cientfico. Em vez
de citar Popper, o que nos conduziria onde desejo mas se arriscaria a constituir uma
dessas interpretaes abusivas dos seus pontos de vista contra as quais protestaconstantemente, apoiar-me-ei na declarao liminar do filsofo polaco Ajdukiewicz (6)
no Congrs International de Philosophie Scientifique que se realizou na Sorbonne em
1935, incentivado pelos positivistas lgicos. O carcter cientfico, diz Ajdukiewicz, s
pode ser atribudo a esse gnero de esforo intelectual que ultrapassa a conscincia
individual e se torna um bem comum (7). A citao seguinte de Reichenbach faz eco a
esta declarao de Ajdukiewicz, qual voltarei um pouco mais adiante:
O carcter social do trabalho cientfico est na origem da sua fora os recursos da
colectividade acrescentam-se ao poder limitado do indivduo, os erros do indivduo so
corrigidos pelos outros membros da colectividade, e das contribuies respectivas de
vrios indivduos inteligentes resulta uma espcie de inteligncia colectiva
suprapessoal, capaz de encontrar respostas que um indivduo isolado no poderia
nunca descobrir. (8)
A investigao cientfica, nesta concepo, caracteriza-se pela intersubjectividade.
Progride atravs da crtica mtua dos membros da comunidade cientfica, que se
corrigem uns aos outros. O esprito cientfico da filosofia analtica reside no facto de a
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investigao ser igualmente intersubjectiva e de progredir, como na cincia, pela crtica
mtua dos membros da colectividade.
A socializao da investigao implica certas obrigaes, que Ajdukiewicz glosa do
seguinte modo:
No basta respeitar os princpios da sinceridade intelectual, ou seja, no basta no se
deixar guiar, nas opinies que se defendem, por nada que no seja a convico
sincera apoiada numa reflexo profunda. -se alm disso obrigado a expor apenas o
que se sabe exprimir por palavras intersubjectivamente compreensveis e o que est
em condies de estabelecer e justificar, assumindo o compromisso de garantir esta
justificao.
Para que a formulao verbal seja intersubjectivamente compreensvel, no basta que
exista a possibilidade de as nossa palavras serem convenientemente compreendidas
por outros, preciso ainda [que exista a possibilidade de] serem compreendidas no
seu sentido prprio. [Por outro lado,] assumimos a responsabilidade de garantir uma
justificao quando ela acessvel ao controlo dos outros, que a podem verificar ou
repetir. Um trabalho intelectual que no pudesse satisfazer as duas exigncias que
acabamos de formular no poderia nunca tornar-se um terreno de colaborao e no
teria o direito de tirar partido da designao de cincia.
A observncia destes dois postulados determina o mtodo e a linguagem, restringindo
ao mesmo tempo o mbito do nosso esforo filosfico. Quando queremos satisfazer as
duas exigncias de que acabamos de falar, no podemos fazer nenhum uso da
intuio bergsoniana, nem da Wesensschau de Husserl (respeitando no entanto o
seu valor nos domnios que lhe so prprios) nem de mtodos anlogos, visto que os
resultados a que estes mtodos conduzem no se deixam de todo formular de uma
forma intersubjectivamente compreensvel e no se prestam a ser justificados de um
modo que nos permita o compromisso de apresentar garantias. As teses adquiridas porestes meios podem ser verbalmente comunicadas aos outros, mas ento o uso das
palavras apenas sugestivo, no desempenhando estas outro papel que no o de
evocar nos auditores as reaces mentais desejadas. Enunciam-se ento as tese
metaforicamente, faz-se uso de comparaes e exemplos, mas no se est em
condies de as formular em expresses directas, quer dizer, tais que para serem
entendidas baste compreend-las literalmente (9).
Nesta passagem, Ajdukiewicz deduz da intersubjectividade caracterstica do trabalhocientfico duas obrigaes formais que se aplicam a priori a toda a filosofia de
inspirao cientfica. Em primeiro lugar, preciso ser claro, quer dizer, literalmente
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compreensvel por outro lado, preciso oferecer justificaes publicamente
controlveis para as suas teses por exemplo, argumentos explcitos, cuja validade
cada um possa comprovar por si mesmo. Mais do que algum elemento de doutrina ou
algum mtodo particular, estas duas obrigaes formais parecem-me caractersticas da
filosofia analtica.
O que impressiona desde logo nos filsofos analticos , com efeito, a preocupao de
clareza e de preciso, e o recurso sistemtico a argumentos. Os filsofos analticos no
se contentam, como acontece frequentemente com os outros filsofos (a quem, falta
de melhor termo, chamarei doravante os no-A), com afirmaes veementes ou
metforas sucessivas ponderam, e s concedem crdito s suas prprias teses (ou s
dos outros) na proporo dos argumentos invocados em seu favor. Por outro lado, no
prprio enunciado das teses ou dos argumentos, os filsofos analticos desconfiam daobscuridade grandiloquente e vaga querendo antes de mais ser compreendidos, de
modo a tornar possvel a crtica dos outros membros da colectividade filosfica,
procuram a transparncia de expresso e empenham-se em precisar tanto quanto
possvel os seus argumentos e anlises, sem se contentarem com uma imagem ou
uma aluso. Da uma ateno minuciosa dedicada ao detalhe, ateno minuciosa que
constitui, como a clareza e o recurso sistemtico aos argumentos, um dos traos
caractersticos da filosofia analtica.
Disse-se muitas vezes que os filsofos analticos so filsofos do detalhe: ocupam-se
do microscpico em filosofia, ao passo que os no-A so mais atrados pelo
macroscpico. Os atributos respectivos destas duas tradies so os seguintes: de um
lado, a clareza, a preciso e a sobriedade do outro, a profundidade, o sentido de
sntese e do grandioso. (A diferena entre as duas surge primeira vista: os filsofos
analticos escrevem tradicionalmente pequenos artigos, consagrados resoluo de
problemas de detalhe os no-A escrevem livros espessos e fazem sistemas. Para uns
a miniatura, para os outros o fresco.) Mas na perspectiva analtica no serve de nada
construir sistemas grandiosos se as fundaes so frgeis e os materiais friveis: os
castelos de areia que se obtm deste modo s so bons para impressionar os
ignorantes.
Antes de avanar na caracterizao da filosofia analtica porque o que acabo de
dizer no de modo algum suficiente gostaria de regressar impossibilidade,
alegada mais atrs, de a definir por um qualquer trao doutrinal. As caractersticas que
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acabo de enunciar, e as que muito provavelmente serei levado a formular na
continuao, no correspondero a elementos de doutrina que, por sua vez, podem
servir para caracterizar a filosofia analtica? No verdade que todo o filsofo analtico
defende, precisamente pelo facto de o ser, a tese segundo a qual o filsofo se deve
exprimir claramente, deve preferir os argumentos s afirmaes peremptrias, etc.? E
se se admite isto, no se estar a admitir tambm, contrariamente ao que disse hpouco, que existem teses, elementos de doutrina, cuja adopo caracteriza mais ou
menos a filosofia analtica?
No creio. Existe uma diferena entre a teoria e a prtica dos filsofos e o que
caracteriza a filosofia analtica uma certa prtica, no uma certa teoria. Pode muito
bem acontecer que um filsofo analtico, criticando a sua prpria tradio, se declare
partidrio do modo continental em filosofia foi assim que Hilary Putnam (um dosprincipais filsofos analticos contemporneos) pde sustentar recentemente que a
viso de um filsofo conta mais que o rigor dos seus argumentos, e que a filosofia est
mais prxima das artes que das cincias (10). Com este tipo de tomada de posio,
Putnam, sem dvida nenhuma, aparenta-se teoricamente aos no-A mas na sua
prtica permanece inteiramente um filsofo analtico. No repudiou, na prtica, os
ideais da filosofia analtica que enunciei mais atrs (clareza, preciso, recurso aos
argumentos, etc.) e s isso que conta. Indo mais longe, pode-se, parece-me,
imaginar sem contradio um filsofo analtico que se declarasse abertamente hostil
aos ideais da filosofia analtica um filsofo que dissesse preferir os slogans aos
argumentos, o vago preciso, a opacidade transparncia, as metforas aos
conceitos, etc. No creio que um tal filsofo deixasse ipso facto de ser um filsofo
analtico: s deixaria de o ser se pusesse as suas teorias em prtica. (Do mesmo
modo, bem entendido, um no-A que se declarasse favorvel aos ideais analticos nose tornaria por isso um filsofo analtico.)
A distino que acabo de fazer entre a teoria e a prtica impede-me de conferir toda a
sua importncia, entre as caractersticas da filosofia analtica, a um aspecto que no
entanto me parece implicado pela intersubjectividade trata-se da ideia de que
possvel umprogresso em filosofia. A clareza, a sobriedade, o recurso aos argumentos,
etc., servem essencialmente para tornar possvel a crtica mtua dos membros dacolectividade filosfica e a crtica mtua por sua vez no tem outro fim que no a
correco e o melhoramento das tentativas de cada um. Estas noes de correco e
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de melhoramento implicam a de progresso e no se trata de um progresso puramente
individual (desenvolvimento da personalidade filosfica ou aperfeioamento de um
sistema concebido como obra de arte), pois a crtica mtua implica padres e
objectivos comuns e no especficos do indivduo: a colectividade inteira que progride
na sua investigao, graas crtica mtua dos seus membros. A imagem que a
prtica dos filsofos analticos impe ento a de uma colectividade intelectual tendocertos objectivos e procurando atingi-los por tentativas e aproximaes sucessivas a
de uma colectividade, numa palavra, progredindo na investigao da verdade.
Infelizmente, a tese segundo a qual possvel um progresso em filosofia uma tese e
como qualquer outra tese no pode servir para caracterizar a filosofia analtica. Tudo o
que posso dizer a este respeito, portanto, que esta tese , a priori, mais atraente para
um filsofo analtico do que para um no-A, e sobretudo que ela virtualmente
implicada pela prpria prtica dos filsofos analticos.
ideia de que possvel um progresso em filosofia ligo um outro aspecto caracterstico
da filosofia analtica por oposio filosofia dos no-A: a recusa em confundir a
filosofia com a histria da filosofia, e uma certa desenvoltura face aos grandes filsofos
do passado (11).
Os filsofos analticos interessam-se em primeiro lugar pelosproblemas filosficos, osquais tentam resolver (ou dissolver) e quando se interessam pelo que disseram os
grandes filsofos do passado, secundariamente que o fazem, por interesse pelos
problemas com os quais estes se confrontaram. Por consequncia, a atitude dos
filsofos analticos face aos grandes filsofos do passado no essencialmente
diferente, como j foi muitas vezes observado, da sua atitude face aos seus prprios
colegas: uma atitude de colaborao em que o respeito no exclui a crtica. A um
filsofo analtico no est interdito dizer: Plato engana-se, Descartes no tem razo
neste ponto ou Nesta passagem Kant faz uma confuso. Os no-A ficam por vezes
chocados com esta impudncia, mas preciso reparar que ela tambm uma forma
de respeito: os problemas a que se dedicavam os grandes filsofos do passado (o
problema da alma e do corpo, o problema da existncia do mundo exterior e dos outros
espritos, o problema do nominalismo e do realismo, o problema da identidade pessoal,
o problema da induo, etc.) so sempre actuais para os filsofos analticos: no socuriosidades arqueolgicas. por isso que, face a estes problemas, os filsofos
analticos se sentem solidrios com os filsofos do passado comprometidos com
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eles num mesmo empreendimento o que os autoriza a trat-los como tratam os seus
colegas, corrigindo-os quando se oferece a ocasio.
Os no-A, esses, sacralizam os grandes filsofos do passado. No se sentem de modo
nenhum prximos deles, semelhantes a eles, confrontados com as mesmas
dificuldades. Ao passo que os filsofos do passado, como os filsofos analticosactualmente, procuravam resolver problemas, os no-A no se interessam nada por
estes o que lhes interessa em alto grau o que disseram os filsofos do passado. Os
problemas que eles procuravam resolver no so julgados actuais, e algum que os
tomasse a srio (um filsofo analtico, por exemplo) provocaria sorrisos. Os no-A
antes de mais um historiador srio ou fantasista que toma o discurso filosfico
como objecto. Os problemas, no melhor dos casos, s so tomados em considerao
indirectamente, enquanto objecto de reflexo de um grande filsofo ao passo que,inversamente, para um filsofo analtico a reflexo dos grandes filsofos s
indirectamente tomada em considerao, enquanto reflexo sobre um problema
sempre actual.
tempo de recapitular as caractersticas da filosofia analtica que estabeleci at agora.
So elas:
1. a clareza e a sobriedade
2. o recurso aos argumentos
3. a preciso, a mincia e o carcter explcito das teses e dos argumentos
4. a recusa de reduzir a filosofia histria da filosofia.
Por mais importante que seja a ideia de que possvel um progresso em filosofia, no
podemos, pelas razes que disse atrs, inclu-la na presente lista. Todas estas
caractersticas se prendem, de perto ou de longe, com o que chamei espritocientfico, definido pela intersubjectividade e a intersubjectividade (a prioridade
concedida discusso, crtica mtua) constitui se se quiser uma quinta caracterstica,
particularmente importante na medida em que a maior parte das outras decorrem dela.
Resta-me introduzir uma sexta caracterstica, tambm particularmente importante: aos
olhos de muita gente ela que define a filosofia analtica.
II
Como repararam todos os que tentaram definir a filosofia analtica, a linguagem ocupa
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um lugar considervel no seu mbito: os filsofos analticos esto quase sempre
dispostos a falar da linguagem do que tal enunciado, ou tal palavra, quer dizer, etc.
Os filsofos analticos no perguntam: O que a justia? Em vez disso perguntam:
Que queremos dizer com os predicados "justo" e "injusto"? E apressam-se a
decompor esta questo metalingustica em vrias outras: Que tipos de coisas
atribumos estes predicados? Uma tal atribuio susceptvel de verdade e falsidade?Se sim, sob que condies essa atribuio julgada verdadeira? Que processos
utilizamos quando nos empenhamos numa tal avaliao?, etc. Do mesmo modo, as
investigaes dos filsofos analticos sobre o conhecimento tomam a forma de uma
reflexo sobre os enunciados da forma X sabe que P, as suas investigaes sobre a
causalidade consistem em analisar os enunciados causais, e assim por diante. Em
filosofia da religio, por exemplo, tm-se ttulos como O Estatuto Lgico de Deus (ou
seja, da palavra Deus) em filosofia moral temos os ttulos seguintes:A Linguagem da
Moral A Linguagem da tica tica e Linguagem A Lgica do Discurso Moral etc.
Uma das crticas que mais frequentemente se fazem aos filsofos analticos assenta
numa interpretao errada desta caracterstica: acusam-nos de ter abandonado o
projecto tradicional da filosofia e de j no se interessarem pelas coisas, pelo mundo
que nos rodeia, mas apenas pelas palavras, decaindo por isso da categoria de filsofos
para a de linguistas. Esta crtica inteiramente infundada. Com efeito, se verdade
que os filsofos analticos esto quase sempre dispostos a falar da linguagem, isso no
implica que no falem da mesma coisa que os outros filsofos.
Existem duas formas de defender a tese segundo a qual os filsofos analticos, ainda
que se ocupem essencialmente da linguagem, falam da mesma coisa que os outros
filsofos. A primeira consiste em sustentar que tambm os outros filsofos falam
constantemente da linguagem (mesmo quando no se do conta disso), e a segunda
que falar da linguagem pode ser uma forma de falar do resto do que no
linguagem. Vamos considerar estas duas concepes, associadas respectivamente
aos nomes de Carnap e de Quine, cada uma por sua vez.
No fundamento da estratgia metalingustica em filosofia existe a ideia de que se pode
dizer a mesma coisa de duas formas diferentes, e mais particularmente em dois nveis
de linguagem diferentes. A noo de ordens de linguagens bem conhecida: quando
falamos da realidade no lingustica, situamo-nos numa linguagem de primeira ordem
numa segunda ordem (a ordem metalingustica), falamos da linguagem que, na
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primeira ordem, nos permite falar da realidade a uma terceira ordem
(metametalingustico), falamos da metalinguagem que, na segunda ordem, nos
permite falar da linguagem da primeira ordem e assim por diante, indefinidamente.
Carnap e Reichenbach sublinharam a possibilidade (enganadora, segundo eles) de
transferncias de ordens de linguagem: o que acontece quando um pensamento
logicamente dependente de uma certa ordem expresso por meio de um enunciadoque pertence gramaticalmente a um outra ordem. Assim, a verdade metalingusticax
deixa-se reformular, em y, na ordem inferior de linguagem:
x Submarino significa embarcao que anda debaixo de gua.
y Um submarino uma embarcao que anda debaixo de gua.
Aparentemente o enunciado ydiz qualquer coisa sobre submarinos mas, segundo
Reichenbach (12), esta aparncia enganadora: a informao no diz respeito aos
prprios submarinos, mas palavra submarino, de que y, comox, enuncia o
significado.
Na terminologia de Carnap, y um enunciado pseudo-objectivo, ou seja, um
enunciado formulado como se incidisse sobre objectos no lingusticos, embora incida
sobre formas lingusticas (13) o contedo de um tal enunciado metalingustico, diz
ainda Carnap, mas est disfaradode enunciado objectivo. Para determinar se um
enunciado aparentemente objectivo , de facto, pseudo-objectivo, Carnap (14) elabora
um teste bastante complicado, cuja ideia de base que um enunciado aparentemente
objectivo, como y, deve ser reputado de pseudo-objectivo precisamente pelo facto de
ser equivalente ao enunciado metalingusticox. Esta noo de pseudo-objectivo
pertinente para a anlise do discurso filosfico, pois segundo Carnap os enunciados
filosficos que no so totalmente desprovidos de sentido (o que acontece com umcerto nmero de enunciados metafsicos), e que no so j explicitamente
metalingusticos, so enunciados pseudo-objectivos, susceptveis, como y, de ser
parafraseados por enunciados metalingusticos equivalentes. (Remeto o leitor
interessado para a quinta parte de The Logical Syntax of Language, seco A, onde
Carnap justifica esta tese com diversos argumentos e d exemplos de enunciados
filosficos pseudo-objectivos e das suas tradues.)
A ideia de Carnap que a filosofia globalmenteuma disciplina de segunda ordem
uma disciplina metalingustica, por assim dizer, que incide no sobre factos objectivos
mas sobre discursos. Esta ideia remonta a Wittgenstein, para quem a filosofia no um
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discurso terico que vem juntar-se aos outros, mas uma actividade de clarificao (15).
Segundo esta concepo, muito difundida entre os filsofos analticos, os homens tm,
numa primeira ordem, um certo nmero de discursos (a palavra no faz parte do
vocabulrio dos filsofos analticos, e evoca sobretudo a terminologia dos no-A): o
discurso cientfico, bem entendido, mas tambm o discurso tico, o discurso poltico, o
discurso esttico, etc. e a filosofia consiste em reflectir, numa segunda ordem, sobreestes discursos. Uma tal reflexo clarificadora no pode ser confundida com os
discursos que toma por objecto, ainda que, como assinala Schlick, alguns discursos
tenham por vezes necessidade dessa reflexo clarificadora para progredir. Regra geral,
a exigncia de clareza, a exigncia reflexiva, no est forosamente ligada exigncia
de progresso que anima o discurso cientfico por isso que Bouveresse chega a opor,
no seu ltimo livro, a tica da clareza e a tica do progresso:
Para os que julgam a filosofia unicamente em termos da contribuio hipottica para o
saber futuro, o cmulo da futilidade representado pelos filsofos que pensam, como
Wittgenstein, que o objectivo da actividade filosfica no a produo de estruturas
cada vez mais complicadas e poderosas, mas a clareza e a transparncia das
estruturas, quaisquer que sejam (Philosophische Untersuchungenprefcio). Uma vez
que os progressos do saber apenas se podem efectuar numa certa confuso
deliberadamente aceite e alimentada, a investigao da clareza por si mesma deve ser
considerada como empreendimento obscurantista e reaccionrio por excelncia.
Wittgenstein diria que justamente a exigncia de clareza, e no a da novidade e do
progresso, que constitui a especificidade da filosofia e a torna estranha ao esprito da
cincia Quando Frege censurava os matemticos da sua poca por no saberem e
no procurarem saber de que falavam quando utilizavam palavras como nmero,
varivel, identidade, etc., no pensava que a confuso conceptual impede
necessariamente uma disciplina cientfica que tolera a sua progresso normal. O que o
escandalizava era a depreciao qualitativa, e no a diminuio quantitativa doconhecimento matemtico que resulta desta atitude (16).
Bouveresse cita ainda Wittgenstein, que compara as matemticas aos germes da
batata, cujo crescimento no entravado pela obscuridade.
Portanto, de acordo com esta concepo, a filosofia no nos diz nada sobre o mundo,
mas esclarece-nos sobre os discursos que fazemos sobre o mundo, e por erro que os
filsofos se exprimem no modo material, como se falassem do mundo, da realidade.
Este gnero de impropriedade no tem em princpio consequncias, mas o
desconhecimento dos filsofos sobre a natureza da sua disciplina teve por vezes
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efeitos nefastos: acreditou-se que a filosofia se ocupava como as cincias de um
aspecto da realidade ocupando as cincias o terreno da realidade natural, a filosofia
dever-se-ia ocupar de uma realidade especial, sobrenatural, metafsica: da a ideia de
que a filosofia tem uma dignidade particular que faz dela uma supercincia, a cincia
do ser, da realidade ltima, por oposio s cincias locais, que tm por objecto os
fenmenos.
Ayer, numa interveno no colquio de Royaumont de 1958 sobre a filosofia analtica,
d a entender que esta concepo metalingustica da filosofia unnime entre os
filsofos analticos:
Uma das razes pelas quais insistimos [] em dizer que a filosofia uma actividade
que incide sobre a linguagem, que estamos convencidos que a filosofia no est em
condies de rivalizar directamente com as cincias de que ela , por assim dizer,
uma actividade secundria, ou seja, que no incide directamente sobre os factos mas
sobre o modo como exprimimos os factos. E por isso que ns, que de outros pontos
de vista estamos muito divididos [], estamos completamente de acordo neste ponto.
No se pode considerar que o que os franceses chamam reflexo filosfica possa ser
uma reflexo que incida directamente sobre os factos, e no sobre o modo de
descrever os factos. Dito de outro modo, para ns no cabe na filosofia uma espcie
de supercincia. (17)
Ayer, neste passo, retoma palavra por palavra a posio que defendia j em 1936, no
seu compndio de positivismo lgico para uso do pblico ingls, Linguagem, Verdade e
Lgica. absolutamente notvel que no s Ayer no tenha mudado nesta questo (ao
passo que, como os outros neo-positivistas, abandonou grande nmero das suas
posies anteriores), mas tambm que esta questo obtenha, se o que ele diz
verdade, a unanimidade entre os filsofos analticos presentes no colquio Royaumont,ainda que estes filsofos se oponham uns aos outros em numerosos aspectos. Tudo se
passa como se a ideia de que a filosofia uma disciplina de segunda ordem estivesse
definitivamente adquirida depois de Wittgenstein e dos neopositivistas, ao contrrio de
um certo nmero de ideias que, tendo sido defendidas por eles, acabariam por ser
rejeitadas pelos seus sucessores.
Na verdade, Ayer engana-se: nem todos os filsofos analticos e, desde logo, nemtodos os que estavam presentes em Royaumont esto de acordo com esta
caracterizao da filosofia herdada de Wittgenstein e do positivismo lgico. Mas
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sintomtico que Ayer se tenha enganado neste ponto, porque este erro um dos mais
difundidos sobre a filosofia analtica: actualmente muito comum fazer da tese
segundo a qual a filosofia uma disciplina de segunda ordem (uma disciplina crtica
em vez de terica) um dogma da filosofia analtica, ou pelo menos um princpio
fundamental que um filsofo analtico no pode deixar de aceitar.
J disse, por vrias vezes, que nenhuma tese tal que um filsofo analtico no possa
deixar de a aceitar sem deixar de ser filsofo analtico. A tese segundo a qual a filosofia
uma disciplina de segunda ordem no excepo a esta regra: no s um filsofo
analtico poderia, sem se desvirtuar, recusar esta tese, como alm disso muitos o
fizeram, entre os quais filsofos analticos de primeiro plano como Russell, Popper,
Quine e Austin. Por muito difundida que esteja este tese oriunda de Wittgenstein, no
se pode portanto consider-la como essencial filosofia analtica.
Segundo Russell e Austin, a filosofia no se distingue das cincias pelo seu objecto
no pode por isso dizer-se que ela incide sobre os discursos ao passo que a cincia
incide sobre a realidade. A cincia e a filosofia so um s e o mesmo projecto que visa
o conhecimento, e o que distingue a filosofia das cincias , se se quiser, puramente
negativo: o facto de que, contrariamente cincia, a filosofia no se pode orgulhar de
nenhum resultado positivo. Este facto, todavia, no revela necessariamente umadeficincia intrnseca da filosofia, que seria incapaz de obter resultados slidos. Com
efeito, como assinala Russell:
Logo que, sobre qualquer assunto, se torna possvel um saber definido, esse assunto
deixa de ser chamado filosofia, e torna-se uma cincia separada. O estudo dos cus
na sua totalidade pertence hoje astronomia houve um tempo em que esta estava
includa na filosofia. A grande obra de Newton tinha por ttulo Os Princpios
Matemticos da Filosofia Natural. Do mesmo modo, o estudo do esprito humano, que,
h pouco tempo ainda, fazia parte da filosofia, desligou-se dela e tornou-se a cincia
da psicologia. Mostra-se assim que, em larga medida, a incerteza da filosofia mais
aparente que real: as questes s quais somos desde j capazes de dar respostas
definidas so colocadas nas cincias, e s as outras questes, para as quais no
podemos fornecer tais respostas, permanecem para constituir esse resduo a que se
chama filosofia. (18)
Austin desenvolveu, por vrias vezes, concepes anlogas:
A filosofia est sempre a ir alm das suas fronteiras e a entrar nos domnios dos seus
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vizinhos. Creio que o nico modo claro de definir o objecto da filosofia dizer que ela
se ocupa de todos os resultados, de todos os problemas que permanecem ainda
insolveis depois de tentados todos os mtodos experimentados noutras reas. Ela o
depsito dos restos das outras cincias, onde se encontra tudo o que no se sabe
como agarrar. A partir do momento em que se encontra um mtodo respeitvel e
seguro para tratar uma parte destes problemas residuais, logo uma cincia nova se
forma, que tende a desligar-se da filosofia medida que define o seu objecto e afirma
a sua autoridade. ento baptizada: matemtica o divrcio data de h muito ou
fsica a separao mais recente ou psicologia, ou lgica matemtica o corte
ainda est fresco ou at, quem sabe, amanh talvez gramtica ou lingustica? Creio
que deste modo a filosofia transbordar cada vez mais do seu leito inicial. (19)
Dada a sua concepo de filosofia, nem Russell nem Austin podem admitir a tese
segundo a qual a filosofia uma disciplina de segunda ordem que tem por objecto alinguagem e os discursos de primeira ordem. (Passa-se o mesmo, como indiquei, como
filsofos como Popper e Quine, ainda que as suas concepes no sejam idnticas s
de Russell e Austin.) No entanto, estes filsofos no so menos fiis que os outros
estratgia metalingustica: no se distinguem, neste aspecto, dos outros filsofos
analticos. A concluso que se impe a seguinte: preciso dissociar o recurso
estratgia metalingustica, que um dos traos fundamentais da filosofia analtica, da
justificao carnapiana desta estratgia, justificao baseada numa concepodiscutvel da filosofia como disciplina de segunda ordem.
Para dissociar a estratgia metalingustica em filosofia da sua justificao carnapiana
preciso comear por distinguir duas ideias estreitamente associadas em Carnap e
Reichenbach: a ideia de que um certo nmero de enunciados aparentemente
objectivos se deixam parafrasear por enunciados metalingusticos (mais ou menos)
equivalentes, a ideia de que a formulao metalingustica (no modo formal) maiscorrecta que a outra (no modo material), a qual apenas pseudo-objectiva e
esconde a verdadeira natureza da informao veiculada. perfeitamente possvel
rejeitar a segunda ideia sem rejeitar a primeira: o que faz Quine, que aceita a
distino entre o modo formal e material como duas maneiras de exprimir a mesma
coisa, mas recusa conceder a primazia primeira, o que o leva a recusar a noo de
enunciado pseudo-objectivo (20). Do mesmo modo, Austin admitiria certamente que um
enunciado definidor como yequivale mais ou menos ax, mas recusaria dizer quex a
forma correcta e y a incorrecta. Reichenbach justifica esta ideia dizendo que em y,
apesar das aparncias, o que est em causa a palavra submarino e no a coisa:
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pode construir-se um submarino, diz ele, mas no defini-lo (visto que a palavra
que definida). Mas Austin pensa precisamente que numa definio o que est em
causa tanto a palavra como a coisa, o que explica que a mesma definio possa ser
indiferentemente expressa por meio dex e de y:
Ainda que possamos perguntar de forma sensata Cavalgamos a palavra "elefante" ou
o animal?, e de forma no menos sensata Escrevemos a palavra ou o animal?, no
teria qualquer sentido perguntar Definimos a palavra ou o animal?. Porque definir um
elefante (se que alguma vez fazemos tal coisa) uma forma global de descrever
uma operao que implica ao mesmo tempo a palavra e o animal (21)
Correspondendo s duas ideias que acabamos de distinguir, existem duas formas de
responder objeco segundo a qual a filosofia analtica esquece o projecto tradicional
da filosofia e se fecha numa considerao estril da linguagem. Pode-se dizer, emprimeiro lugar, seguindo Carnap, que todo o enunciado filosfico com sentido um
enunciado metalingustico, qualquer que seja o modo como formulado (no modo
formal ou no modo material) deste ponto de vista, os filsofos analticos mais no
fazem do que explicitar, optando por exprimir-se tanto quanto possvel no modo formal,
uma caracterstica geral do empreendimento filosfico, e os seus enunciados no so
metalingusticos por oposio aos enunciados dos filsofos tradicionais, que seriam
objectivos: os enunciados dos filsofos tradicionais (desde que tenham sentido)
tambm so metalingusticos, ainda que por vezes tenham uma aparncia de
objectividade.
A outra resposta menos radical, mas tem o mrito de no depender, como a primeira,
de uma doutrina particular sobre a natureza dos enunciados filosficos. Consiste
simplesmente em constatar a equivalncia entre as formulaes metalingusticas dos
filsofos analticos e os enunciados objectivos (ou aparentemente objectivos) que
lhes correspondem. Dizer que a justia tal ou tal coisa, definir a justia mas
tambm, e de forma idntica, enunciar as condies de aplicao do predicado justo.
Uma definio, como sublinha Austin, tanto uma definio da coisa como da palavra,
e as questes O que a justia? e Quais so as condies de aplicao do
predicado "justo"? no so duas questes diferentes, mas a mesma questo
formulada de duas maneiras diferentes. Do mesmo modo, interrogar-se sobre o que o
conhecimento interrogar-se sobre as condies de verdade que devem ser satisfeitas
para que se possa dizer de alguma pessoa que ela conhece algo, e portanto
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interrogar-se sobre as condies de verdade dos enunciados do tipo Xsabe que P.
As formulaes metalingusticas da filosofia analtica, olhadas deste ponto de vista, so
inofensivas e no representam uma desnaturao do projecto tradicional da filosofia.
(Alis, os prprios filsofos do passado recorreram amplamente a tais formulaes.)
A segunda resposta tem o mrito de ser filosoficamente mais neutra que a primeira,mas tambm tem um inconveniente que a primeira no tem: no diz nada sobre as
razes que podem existir para se adoptar a estratgia metalingustica em filosofia. Diz
apenas que no se correm riscos ao adopt-la. Mas, se a formulao objectiva e a
formulao metalingustica so equivalentes, por que seria uma prefervel outra? Por
que seria ento preciso privilegiar sistematicamente as formulaes metalingusticas?
Parece difcil responder a estas questes sem aderir posio de Carnap, para quem
os enunciados filosficos, como quer que sejam formulados (e desde que no sejamdesprovidos de sentido), so intrinsecamente metalingusticos. Iremos ver, contudo,
que se pode responder a estas questes mesmo se se pensar, como Quine, que os
enunciados filosficos no so menos objectivos que os enunciados das cincias.
A noo de transferncia de ordem de linguagem no se limita aos casos em que um
contedo metalingustico expresso na ordem inferior de linguagem: ela pode
igualmente cobrir os casos em que um contedo objectivo expresso na ordemsuperior de linguagem, ou seja, de forma metalingustica. Quine baptizou de ascenso
semntica esta transferncia particular de ordem de linguagem, diferente daquela de
que temos vindo a falar at agora.
A ascenso semntica o processo que consiste em exprimir na ordem da
metalinguagem uma informao dependente da ordem inferior de linguagem: para
exprimir uma certa informao de ordem n, ascende-se, na escala semntica dasordens de linguagem, para a ordem n+1. Consideremos, para ilustrar este mecanismo,
os enunciados ae b:
a A neve branca.
b O enunciado A neve branca verdadeiro.
O enunciado bincide metalinguisticamente sobre o enunciado a, ao qual atribui a
propriedade de ser verdadeiro mas ao mesmo tempo incide sobre a realidade de que
fala o enunciado a. Como diz Quine (22), atribuir ao enunciado A neve branca a
propriedade de ser verdadeiro , ipso facto, atribuir neve a propriedade de ser
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branca. Enunciar b, portanto, uma maneira(indirecta) de dizer o que diz o enunciado
a, a saber, que a neve branca: a informao veiculada pelo enunciado a, ainda que
dependente da primeira ordem ( da realidade que se trata em a, e no da linguagem),
expressa, em b, na ordem superior de linguagem.
H ascenso semntica ou, para empregar uma expresso que prefiro, desviometalingustico, quando se diz alguma coisa no directamente, como em a, mas
indirectamente, dizendo algo sobre o enunciado que diz essa coisa. Por meio do
enunciado bdiz-se que a neve branca dizendo que o enunciado que diz que a neve
branca verdadeiro. Um tal desvio justifica-se s vezes por razes tcnicas. Na sua
Philosophy of Logic(23) Quine d o exemplo seguinte. Dadas duas proposies no
metalingusticas, como Scrates mortal, Aristteles mortal, Tom mortal (ou
igualmente: Scrates Scrates, Aristteles Aristteles, Tom Tom) podeefectuar-se a operao lgica de generalizao sem mudar de ordem de linguagem:
Todos os homens so mortais e Qualquer homem ele mesmo pertencem mesma
ordem de linguagem que Scrates mortal e Scrates Scrates. Mas se se
tomam proposies mais complexas, como A neve branca ou no branca,
Scrates mortal ou no mortal, O gato um animal ou no um animal, etc., e
se tenta efectuar a operao de generalizao, -se forado a mudar de ordem de
linguagem e a dizer que todos os enunciados de tipo Pou no P so verdadeiros.
Como sublinha Quine, o que obriga a esta ascenso semntica no o facto de "Tom
mortal ou Tom no mortal" incidir de algum modo sobre os enunciados ao passo
que "Tom mortal" e "Tom Tom" incidem sobre Tom. Os trs incidem sobre Tom. A
mudana de ordem de linguagem no provocada pela natureza das informaes em
jogo (tanto os enunciados do tipo Scrates mortal ou no o como os do tipo
Scrates Scrates falam do mundo e so no metalingusticos), mas pelo modooblquo como as exemplificaes sobre as quais efectuamos a generalizao esto
ligadas umas s outras no caso das proposies complexas. portanto por uma razo
puramente tcnica que fazemos um desvio pela metalinguagem, e este desvio no tem
consequncias com efeito, ainda que passemos ordem superior de linguagem, no
deixamos de falar da realidade no lingustica, pois dizer que um enunciado
verdadeiro dizer o que diz esse enunciado. Se os enunciados que declaramos
verdadeiros falam da realidade no lingustica, ento os enunciados metalingusticospor meio dos quais os declaramos verdadeiros falam igualmente, apesar das
aparncias, da realidade no lingustica.
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Do mesmo modo, pode justificar-se por razes tcnicas ou formais o facto de os
filsofos analticos conduzirem sistematicamente as suas discusses ao nvel da
metalinguagem. Os filsofos analticos, como vimos, procuram ser claros, precisos e
explcitos, de modo a poderem ser compreendidos e, portanto, criticados pelos seus
colegas. Ora, h sempre um risco de equvoco, mesmo quando nos exprimimos de
forma clara mas diminui-se este risco se, no ficando satisfeito com enunciar(claramente) a sua tese ou a sua teoria, o filsofo tornar preciso o que quer dizer com
ela, de modo a prevenir eventuais mal-entendidos: ento, o enunciado Pdo filsofo
desdobra-se num enunciado metalingustico (ou num conjunto de tais enunciados) Q,
cuja funo analisar P, especificar a sua interpretao e explicitar as suas
implicaes. Uma tal reflexo analtica do filsofo sobre os seus prprios enunciados
(cuja forma mais simples o comentrio Quer dizer com isto que) torna o que ele
diz ao mesmo tempo mais claro, mais preciso e mais explcito.
Criticando a tese ou a teoria P, um outro filsofo, ao responder ao primeiro, seguir o
mesmo caminho: situando-se desde logo ao nvel da metalinguagem, procurar
mostrar que, entre as implicaes de P, existe uma que indesejvel ou ento
procurar mostrar que Pno implica, contrariamente ao que pensara o primeiro
filsofo, uma certa proposio Rcuja verdade era precisamente o que se tratava de
explicar, de modo que P, enquanto tal, j no pode ser considerada uma explicao
satisfatria ou ento tentar prosseguir a anlise e, distinguindo duas interpretaes
possveis de P, examin-las- separadamente de forma crtica, para concluir que se
deve rejeitar quer uma, quer a outra, quer as duas (demonstrar, por exemplo, que a
tese ou a teoria P falsa numa interpretao e trivial na outra) poder igualmente levar
a cabo uma comparao de Pcom uma teoria alternativa P', e concluir pela
superioridade desta em termos de economia conceptual ou de simplicidade terica eassim por diante.
evidente que o filsofo que partida prope a tese Ppode tambm ele colocar-se
desde logo no plano metalingustico. Em vez de afirmar P, pode, simplesmente,
anunciar esta tese e fazer dela o objecto da sua investigao: s no termo das suas
anlises o seu discurso metalingustico sobre Paparecer como equivalente a uma
afirmao de P: com efeito, dizer que uma tese filosoficamente satisfatria, que
resolve o problema que se propunha, ou que melhor que as teses alternativas que
foram propostas, o mesmo que defender essa tese, que fazer-se seu advogado o
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mesmo que afirmar a referida tese com argumentos favorveis. Do mesmo modo,
mostrar, como o adversrio de P, que esta tese no satisfatria ou que inferior a
uma outra, o mesmo que atacar a referida tese. Pode-se portanto afirmar e combater
uma tese situando-se ao nvel da metalinguagem e tomando-a como objecto.
O interesse deste artifcio no se reduz ao facto de que, graas a ele, os filsofos seexprimem de forma mais clara e mais explcita. A clareza e a preciso, como vimos,
servem essencialmente para tornar possvel a discusso, a crtica mtua. Ora, no
existe discusso possvel se no h uma base mnima de acordo que permita
circunscrever o desacordo a crtica mtua pressupe um quadro terico comum no
interior do qual os antagonistas se possam opor. O desvio metalingustico tem por
funo, nomeadamente, fornecer uma tal base mnima de acordo, um tal quadro terico
mnimo. Quine formula esta ideia do modo seguinte:
Uma das principais razes pelas quais preferimos concentrar-nos na linguagem que
se nos dirigimos directamente aos problemas dos fundamentos da realidade corremos
o risco de introduzir um conjunto de pressuposies que tocam nos esquemas
conceptuais mais profundos, nos hbitos de pensar e de sentir mais enraizados, a tal
ponto que nenhum dos antagonistas pode opor o seu ponto de vista aos de outros sem
dar a ideia de incorrer numa petio de princpio. Pode discutir-se infindavelmente
deste modo sobre as faculdades e as entidades, que ningum concebe da mesma
maneira. Cada um manter o seu ponto de vista, que procede de um esquema
conceptual oposto. Ora, a retirada filosfica para a linguagem um processo que nos
ajuda a escapar a tais crculos viciosos. Vejamos como.
A funo central e primordial da linguagem tratar dos objectos comuns, de dimenso
corrente, de uso familiar, do gnero daqueles que encontramos no mercado. aqui
que quaisquer interlocutores se podem entender perfeitamente apesar de qualquer
desacordo no que respeita aos seus pontos de vista ontolgicos. Ora, as prprias
palavrasconstituem uma das espcies de tais objectos comuns de dimenso corrente,
e por conseguinte as pessoas entendem-se bem ao discutir as palavras, apesar de
qualquer desacordo ontolgico. Bem, ento eis o truque: transformar a discusso
ontolgica em discusso da linguagem, de modo a insistir no j sobre tais ou tais
pretensos factosontolgicos irredutveis, mas antes sobre os benefcios e os objectivos
metodolgicos que favorecem tal ou tal teoriadiscursiva ontolgica. O truque retirar-
se da discusso directa dos traos fundamentais da realidade e em vez disso virar-separa a discusso das virtudes pragmticas das teorias da realidade. (24)
Portanto, a ideia de base que se diz a mesma coisa no modo material e no modo
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metalingustico, mas que este ltimo tem a vantagem de fornecer um ponto de partida
concreto sobre o qual os antagonistas podem entender-se perfeitamente. Se se
pergunta O que a justia? (25), haver uma confrontao de pontos de vista
opostos sem que aparea uma possibilidade de arbitragem mas se se pergunta Quais
so as condies de aplicao do predicado "justo"? ou Que processos utilizamos
quando nos empenhamos numa avaliao em termos de justia e de injustia?, serpossvel opor contra-exemplos a uma primeira tentativa de resposta, ou seja, casos
que ilustrem o facto de que as condies ou os processos propostos no so os bons.
O ponto importante que o proponente e o oponente se ponham de acordo pelo
menos sobre o objectivo que se propem: fornecer condies necessrias e suficientes
para a aplicao de um predicado, ou fornecer processos, ou no importa o qu,
conforme a natureza do predicado em questo. Sendo assim, em face de contra-
exemplos que tendam a denunciar uma certa proposio em anlise como no
satisfatria, suposto que o proponente modifique a sua proposio ou mostre que os
contra-exemplos so apenas aparentes e que de facto, correctamente analisados, so
compatveis com ela. A discusso progride deste modo essencialmente porque se
atinge um consenso mnimo sobre os objectivos do processo e o modo de proceder.
III
Procurei mostrar nas partes anteriores que as caracterizaes substanciais da
filosofia analtica so inaceitveis. A filosofia analtica, como disse, no se caracteriza
nem por uma doutrina particular, nem por um domnio de investigao, nem mesmo por
um mtodo, mas apenas por um esprito ou por um estilo. Qualquer tentativa de
caracterizao substancial fracassa perante o facto de que o movimento analtico
sobreviveu ao abandono das doutrinas mais centrais do neopositivismo e ao
alargamento dos interesses e dos mtodos para alm dos domnios que em primeiro
lugar integravam o movimento (filosofia da lgica e epistemologia).
Esta questo da caracterizao da filosofia analtica (por oposio filosofia dita
continental (26)) est no centro do debate em que desejo intervir agora: o debate
entre filsofos analticos tradicionais e filsofos ps-analticos. Os primeiros, nos
quais me incluo, suspeitam da filosofia Continental e afirmam de boa vontade a sua
diferena. Os segundos, vindos da tradio analtica, declaram-se a favor de uma
superao desta e espreitam com agrado para o lado do outro da filosofia analtica, a
saber, a filosofia Continental.
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Parece-me que as razes para desejar uma superao da filosofia analtica (ou para
considerar essa superao realizada) so indissociveis de uma concepo
substancial da filosofia analtica. De facto, o elenco de argumentos da filosofia ps-
analtica faz essencialmente apelo renovao doutrinal efectuada por filsofos como
o segundo Wittgenstein, Quine ou Davidson. Esta renovao doutrinal conduziu ao
abandono de um certo nmero de dogmas da filosofia analtica como o atomismosemntico ou a distino analtico/sinttico. igualmente posta em causa a ideia de
que a filosofia, enquanto empreendimento cognitivo, se situaria ao lado da cincia e
no da literatura. A recolocao de todas estas questes explica o interesse dos
filsofos ps-analticos pela filosofia Continental, que nunca esteve submetida aos
dogmas rejeitados.
Mas se tive razo em afirmar que a verdadeira diferena entre filosofia analtica efilosofia Continental formal (estilstica) em vez de substancial (doutrinal), ento as
pretensas justificaes doutrinais avanadas pelos filsofos ps-analticos a favor de
uma mudana de atitude para com a filosofia Continental perdem a fora. As razes
que um filsofo analtico tradicional tem para estar contraa filosofia Continental so em
primeiro lugar razes formais. um estilode filosofia que se pretende promover
quando se defende o ideal da filosofia analtica, e no uma doutrina ou um conjunto de
doutrinas. Recorde-se o que foi dito anteriormente sobre Putnam.
Sendo Hilary Putnam um dos arautos da filosofia ps-analtica, o exemplo
particularmente bem escolhido dadas as necessidades da presente demonstrao.
Sustento que um filsofo analtico pode abandonar os dogmas mais caros filosofia
analtica e contudo permanecer inteiramente um filsofo analtico desde que continue a
argumentar do modo que caracteriza a filosofia analtica. precisamente o que faz
Putnam. Quem alguma vez negou seriamente que ele tenha sido e continue a ser um
filsofo analtico? S isso basta para mostrar que a verdadeira diferena entre analtico
e Continental formal, como afirmo. Portanto, no plano formal que se deve situar o
debate entre partidrios e adversrios da filosofia analtica.
Ora, no plano formal, a filosofia analtica tradicional no tem nenhuma dificuldade em
fazer prevalecer o seu ponto de vista. Quem pretenderia recusar o ideal estilstico da
filosofia analtica? Este ideal consiste no emprego de argumentos to explcitos quanto
possvel, de modo a clarificar o debate filosfico e a favorecer, pela elucidao das
teses em presena, a crtica mtua das teorias adversas. Alguns, no terreno ps-
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analtico, parecem ter a inteno de recusar este ideal, mas abstm-se de passar
aco. Assim, Putnam declara que David Lewis no mais claro que Derrida
dando a entender que o que ou no claro questo de convenes mas ele
prprio escreve mais como David Lewis do que como Derrida. Deveremos ver nisso
uma muito contingente questo de hbito? No creio: enquanto filsofo, Putnam no
seria Putnam se escrevesse de forma diferente. essencial a Putnam o filsofoser umfilsofo analtico que escreve como escreve. Seja como for, Putnam um caso extremo
no muito menos extremo do que Rorty. Os outros partidrios da superao tomam
o cuidado de precisar que querem continentalizar um pouco a filosofia analtica no
plano doutrinal (quer dizer, importar ideias novas) conservando as qualidades
estilsticas da filosofia analtica.
Em concluso, parece-me que estamos em presena de uma disjuno poucofavorvel ao ponto de vista ps-analtico. Das duas uma:
Ou nos situamos no plano doutrinal, e ento o debate que o filsofo ps-analtico quer
introduzir um falso debate, que visa um adversrio falso (o suposto filsofo analtico,
definido substancialmente). Toda a gente est de acordo em superar a filosofia
analtica, se ela for entendida como um conjunto de doutrinas historicamente datadas
que j ningum defende hoje toda a gente est de acordo em superar Carnap, por
exemplo. (H muito que isso est feito.) Pessoalmente, estaria mesmo de acordo em ir
mais longe e em ultrapassar os filsofos aos quais se atribui a referida superao
Quine, Davidson e os outros. Superemos vontade, a questo no essa!
Ou nos situamos no plano formal, e ento o filsofo ps-analtico deve tomar conscincia
da sua prpria prtica e assumi-la com toda a lucidez, em vez de a depreciar verbalmente
numa pose narcsica de auto-humilhao.
Ser realmente impossvel ou indefensvel uma caracterizao substancial da filosofia
analtica? Sustentei esta posio argumentando com o facto de no haver doutrina ou
mtodo que um filsofo analtico no possa eventualmente recusar, continuando a ser
um filsofo analtico. Mas este argumento nada pode contra uma caracterizao
substancial mais flexvel, fundada na noo de tipicidade. Um filsofo analtico tpico
(na verdade, um prottipo do filsofo analtico) seria um filsofo como Carnap, que
adere a determinadas doutrinas, no interior de um determinado domnio, utilizando
determinados mtodos. Quanto maior fosse a distncia relativamente a este prottipo,menos se estaria na filosofia analtica. Nesta ptica, reconhece-se a possibilidade de
fazer filosofia analtica tratando de tica aplicada ou de metafsica, ou rejeitando este
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ou aquele dogma do empirismo lgico, mas conserva-se ainda assim a ideia de uma
caracterizao substancial fundada num pequeno nmero de traos distintivos.
No creio que esta aproximao d conta de forma satisfatria do que se chama
filosofia analtica, pois tende a minimizar a sua evoluo. A filosofia analtica evoluiu
de tal modo no decurso da sua histria que o que era tpico numa poca deixou de oser.Assim, era tpico numa poca rejeitar a metafsica, e um metafsico confesso
(Whitehead, por exemplo) no podia deixar de se situar fora da filosofia analtica. Mas
actualmente a metafsica um dos principais domnios da filosofia analtica, a ponto de
um filsofo analtico tpico como David Lewis ser antes de mais um metafsico. No
pode portanto reduzir-se a evoluo e a pluralizao da filosofia analtica ao
aparecimento de filsofos analticos relativamente atpicos no que respeita aos critrios
que prevaleciam nos anos 20 (e que nos permitiriam, hoje ainda, avaliar a tipicidade ouatipicidade de um filsofo analtico) foram os prprios critrios de tipicidade que
evoluram. Houve, se se quiser, uma multiplicao dos prottipos.
verdade que se poderia sustentar que a noo de filosofia analtica se esbateu um
pouco desde o afastamento do ideal positivista. A pluralidade da filosofia analtica faz a
noo estar um pouco menos circunscrita, um pouco mais subtil que no passado. Mas
o que importante, aos olhos dos zeladores da filosofia analtica, o que permanece,o que no mudou: o estilo, o apego a certos valores como a clareza e a
intersubjectividade. Encontramos de novo o mal-entendidoprinceps: aqueles que
querem superar a filosofia analtica entendem-na num sentido estreito que
precisamente os seus zeladores recusam.
De resto, existe mesmo uma diferena de atitude relativamente filosofia Continental.
O partidrio da superao da filosofia analtica benvolo, o partidrio da filosofiaanaltica desconfiado. Tambm neste caso est envolvida a escolha de uma
caracterizao substancial ou formal. Porque se existem grandes diferenas estilsticas
entre a filosofia analtica e filosofia Continental, pode existir pontualmente uma certa
aproximao de doutrinas. Decorre daqui um argumento prtico a favor de uma
concepo substancial (em vez de formal ou estilstica) das solidariedades filosficas:
uma tal concepo conduz ao pluralismo, ao passo que o partidrio da filosofia
analtica se fecha na sua capela e no seu sectarismo, e no quer deixar entrar ningum
que no seja gemetra. Chamo a este argumento prtico o argumento do pluralismo.
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Respondo que o pluralismo que assim se privilegia um pluralismo muito particular:
com um esprito ecumnico, toleram-se estilos, modos diferentes de filosofar, e aquilo
que conta a convergncia das doutrinas, ou melhor, o parentesco dos universos
filosficos instaurados nestes diversos modos. A filosofia analtica, essa, favorece um
outro tipo de pluralismo, que consiste em encorajar a multiplicao das doutrinas e das
divergncias tericas, e o que conta a qualidade da argumentao. O primeiropluralismo testemunho de uma orientao mais ideolgica, no sentido que dei a
este termo na introduo ao primeiro nmero de L'ge de la science(27): o fim conta
mais que os meios, as concluses so mais determinantes que os argumentos que a
elas conduzem. Seja como for, trata-se de duas formas diferentes de pluralismo, e no
de uma oposio entre pluralismo e no pluralismo. Existe um sentido em que a
filosofia analtica se define pelo seu pluralismo, pelo seu carcter essencialmente
aberto (em virtude precisamente do seu carcter argumentativo, lgico). Este
pluralismo vale o outro.
Para terminar desejaria evocar um contra-ataque possvel do filsofo ps-analtico: este
poderia sustentar que precisamente uma caracterizao puramente formal da filosofia
analtica, como a que preconizo, impossvel. Existem pelo menos duas teses que um
filsofo analtico no poderia recusar, e que parecem definir um fundo comum de
doutrina partilhado por todos os filsofos analticos. Por um lado, a tese segundo a qual
possvel, pela crtica mtua e pela refutao, progredir de forma colectiva em filosofia
esta tese, como anteriormente sublinhei, a justificao ltima da prtica
argumentativa dos filsofos analticos. E por outro lado a tese segundo a qual a
filosofia, enquanto disciplina argumentativa, se ocupa deproblemase visa uma
realidade diferente de si mesma. Estas duas teses so constitutivas de uma posio
metafilosfica que denomino por cognitivismo, e que est subjacente prtica dosfilsofos analticos. Ao cognitivismo ope-se uma concepo de filosofia como
disciplina auto-interpretativa fechada sobre si mesma e votada ao repisar da sua
prpria histria. Estas duas concepes defrontam-se sobre a questo das relaes
que a filosofia mantm com a sua histria, por um lado, e com a cincia e o senso
comum, por outro. concepo cognitivista ligam-se as duas ideias seguintes,
vigorosamente rejeitadas pela filosofia Continental: que se pode dissociar a filosofia da
histria da filosofia (como se pode dissociar a qumica da histria da qumica), e queno existe soluo de continuidade entre a filosofia, a cincia e o senso comum.
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Admito de boa vontade que uma metafilosofia de tipo cognitivista est implicada na
prpria prtica da filosofia analtica, mas defendo que est implicada de forma
essencialmente prtica. Por outras palavras, as teses cognitivistas enunciadas acima
devem ser concebidas como princpios reguladores de valor normativo e no como
princpios tericos ou descritivos. Aceit-las leva a fazer boa filosofia do ponto de vista
analtico, ou seja, uma filosofia clara e argumentada, e neste sentido tm valor denormas para a filosofia analtica mas a sua aceitao a este ttulo no implica
necessariamente a sua adopo a ttulo de elementos de doutrina.
Assinalemos em primeiro lugar que Martial Guroult, um dos filsofos que mais insistiu
sobre o carcter auto-referencial da filosofia e mais especificamente da obra
filosfica singular por oposio ao discurso da cincia, tambm insistiu muito, apesar
disso, no facto de que a filosofia s se pode realizar atravs de um projecto de tipocognitivo ou cientfico (projecto ilusrio, segundo ele, mas todavia necessrio) (28).
Guroult reconhecia portanto o valor normativo ou regulador do cognitivismo. De resto,
Guroult rejeitava como falsa a concepo cognitivista da filosofia, ainda que visse nela
a expresso de um projecto essencial filosofia. Poder o filsofo analtico fazer o
mesmo e rejeitar, no plano terico, as duas teses mencionadas mais acima, afirmando
ao mesmo tempo a sua importncia enquanto princpios reguladores? No poderia
faz-lo sem sucumbir a uma forma de contradio pragmtica anloga quela que
afecta o filsofo ps-analtico quando continua a praticar uma forma tradicional de
filosofia analtica. Portanto, existe efectivamente um problema para o ponto de vista
que defendo: parece que uma caracterizao puramente formal da filosofia analtica
esbarra com a impossibilidade em que se veria um filsofo analtico de rejeitar as duas
teses mencionadas mais acima sem cair numa contradio de tipo pragmtico. Se,
alm disso, e semelhana do filsofo ps-analtico, se considera que estas teses socontestveis, parece que se est no direito de rejeitar a filosofia analtica na medida em
que esta no pode deixar de incorporar (de modo mais ou menos explcito) as teses em
questo.
Uma primeira forma de defender a filosofia analtica face a este contra-ataque
consistiria em admitir que uma caracterizao puramente formal da filosofia analtica
impossvel e em assumir como consequncia o cognitivismo enquanto doutrina terica
incidente sobre a natureza da filosofia. Desta forma, o filsofo analtico evita a
contradio pragmtica: adopta uma teoria da filosofia que justifica a maneira como
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pratica a filosofia neste caso, aceita o cognitivismo em metafilosofia para justificar
uma prtica argumentativa da filosofia. Ao fazer isto, todavia, o filsofo analtico expe-
se s crticas daqueles que, como os filsofos ps-analticos, rejeitam a metafilosofia
cognitivista. Mas existe uma outra forma de salvar a filosofia analtica da contradio
pragmtica, que no implica a adopo do cognitivismo enquanto doutrina terica e
que permite manter a ideia de uma caracterizao puramente formal da filosofiaanaltica. este segundo tipo de defesa que gostaria de apresentar como concluso
destas observaes.
Contrariamente a Martial Guroult, no creio que se possa interpretar o cognitivismo
metafilosfico como doutrina terica portanto, no creio que faa sentido rejeitaro
cognitivismo no plano terico, como Guroult faz. Parece-me que o cognitivismo e,
mais geralmente, toda a metafilosofia tem somenteum valor normativo ou prtico.Se tenho razo, nenhuma contradio pragmtica pode surgir entre cognitivismo
prtico e anticognitivismo terico, visto que no existe algo que seja cognitivismo ou
anticognitivismo terico. O cognitivismo no tem contedo terico e no pode
efectivamente ser aceite como verdadeiro nem rejeitado como falso.
o debate metafilosfico que no tem, de forma global, contedo terico. Isto deve-se
ao facto de que o objecto do debate metafilosfico, a saber, a prpria filosofia, no temuma natureza que esteja fixada de antemo, de forma a tornar possvel referir-se a
ela para circunscrever o debate metafilosfico. O que a filosofia? A filosofia em
primeiro lugar um corpus que compreende noes, ideias, temas, teses, problemas,
doutrinas, nomes, textos e obras. tambm uma prtica que consiste em produzir
trabalhos filosficos, ou seja, trabalhos que se ligam ao corpusfilosfico e que tm
vocao para se integrar nele. Para tornar possvel uma tal prtica, essencial que o
corpusem questo seja aberto. Mas a sua prpria abertura acarreta a indeterminao
da sua natureza: a natureza da filosofia no est fixada, porque afectada pela prtica
da filosofia, que pode evoluir livremente vontade dos que a fazem. A filosofia em
larga medida o que se faz dela, e neste sentido que no tem uma natureza pr-
determinada.
Na medida em que as metafilosofias correspondem a vrios usos que se podem fazer
da filosofia, no esto verdadeiramente em conflito umas com as outras, porque no
falam de uma realidade objectiva independente que se tratasse de determinar cada
uma tem a sua parte de verdade, pelo facto de serem expresso de uma prtica. Basta
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praticar uma filosofia estilisticamente unificada com o resto do discurso terico, como
fazem os filsofos analticos, para fundamentar o cognitivismo e conferir-lhe a sua parte
de verdade. Da mesma forma, a filosofia Continental realiza o seu anticognitivismo
metafilosfico praticando uma filosofia auto-insularizada relativamente ao resto do
discurso cognitivo.
A metafilosofia cognitivista do filsofo analtico no tem nesta perspectiva mais
contedo terico que qualquer outra metafilosofia (29). Ela tem um valor
essencialmente prtico e expressivo (e no substancial ou doutrinal) da oposio
analtico/Continental no se trata de um debate terico em que uns podem ter razo
e os outros estar enganados. Noexiste debate terico entre a filosofia analtica e a
filosofia Continental, contrariamente ao que pensam os filsofos ps-analticos. O
verdadeiro debate situa-se num plano diferente do terico infelizmente, os filsofosps-analticos procedem como se esse debate, o nico que verdadeiramente importa,
no existisse.
Franois Recanati
Notas
1. J. Piel, na introduo do nmero especial de Critiqueconsagrado filosofia analtica
anglo-saxnica (n.os399-400, Agosto-Setembro de 1980), fala da ramificao de
interesses testemunhada pela evoluo da filosofia analtica. Como exemplo deste
fenmeno, Putnam (Realism and Reason, p. 180) menciona o interesse tardio pela
filosofia dos valores que se seguiu publicao por John Rawls de Uma Teoria da
Justia.
2. Sobre Tugendhat veja-se o artigo de V. Descombes em Critique, n.o 407, Abril de 1981, e
o de J. Bouveresse ao n.o 425, Outubro de 1982. Um nmero especial de Critiquefoi,alis, consagrado filosofia alem contempornea: n.o 413, Outubro de 1981.
3. Vejam-se as obras de Putnam, Rorty e Bouveresse mencionadas no princpio deste
artigo.
4. R. Rorty, Solidarit ou objectivit?, Critique, n.o 439, Dezembro de 1983.
5. nomeadamente o que diz Putnam na passagem de Realism and Reasoncitada mais
atrs, na nota 1.
6. Sobre Ajdukiewicz, veja-se o artigo de P. Engel em Critique, n.os440-441, nmero
especial sobre a Polnia, Janeiro-Fevereiro de 1984.
7. L. Rougier (org.),Actes de Congrs International de Philosophie Scientifique, Hermann,
1936, vol. I, p. 19.
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8. H. Reichenbach, The Rise of Scientific Philosophy, University of California Press, 1951, p.
118.
9. L. Rougier (org.), op. cit.,pp. 19-20.
10. Veja-se Realism and Reason, e a recenso de Putnam ao livro pstumo de Gareth Evans
sobre a referncia, A Tecnhical Philosopher, London Review of Books, vol. V, n.o 9,
Maio de 1983.
11. Sobre a atitude dos filsofos analticos face histria da filosofia, veja-se o nmero
especial de Critiquemencionado na nota 1.
12. Elements of Simbolic Logic, Macmillan, 1947, cap. 1, 5.
13. R. Carnap, The Logical Sintax of Language, Routledge and Keagan Paul, 1937, p. 285.
14. Ibid., 63, 64 e 74.
15. Cf. L. Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus, 4122. Veja-se tambm M. Schlick,
The Future of Philosophy in G. Ryle (org.) Proceedings of the Seventh International
Congress of Philosophy, Oxford University Press, 1931, pp. 112-116.16. Le philosophie chez les autophages, p. 67.
17. La philosophie analytique, Cahiers de Royaumont, n.o 4, ed. De Minuit, 1962, reimp.
1979, pp. 339-340.
18. Os Problemas da Filosofia, p. 240 da edio inglesa.
19. La philosophie analytique, pp. 292-293 encontra-se uma citao anloga nos
Philosophical Papersde Austin, 2.a ed., Oxford University Press, 1970, p. 232.
20. Cf. Word and Object, MIT Press, 1960, p. 272, nota 2.
21. Philosophical Papers, p. 124.
22. Philosophy of Logic, Prentice Hall, 1970, p. 12.
23. Ibid., pp. 11-12.
24. la philosophie analytique, p. 343. Veja-se tambm Word and Object, p. 272.
25. Esta uma questo platnica, mas a estratgia que estou a descrever geral e no
implica uma concepo da filosofia que d um papel central a este tipo de questo.
26. A expresso filosofia continental inadequada porque a filosofia analtica pratica-se
tambm no continente europeu: a filosofia analtica no essencialmente anglo-saxnica, como muitas vezes se diz. (De facto, a Sociedade Europeia de Filosofia
Analtica [ESAP], que surgiu em 1990, agrupa, alm dos britnicos, filsofos de mais de
20 pases europeus.) Kevin Mulligan sugeriu uma soluo tipogrfica para eliminar a
ambiguidade da expresso filosofia continental: emprega filosofia Continental (com
maiscula) para designar o tipo de filosofia que comummente se ope filosofia analtica.
Adopto esta conveno neste artigo. (Sobre a filosofia Continental, veja-se o nmero da
revista Topoidirigido por Mulligan: Continental Philosophy Analysed, Topoi10:2,
Setembro de 1991.)
27. L'ge de la science(nova srie), vol. 1: Ethique et philosophie politique, Editions Odile
Jacob, 1988, p. 8. Neste texto cito Jean-Franois Revel: a ideologia, afirmo, consiste em
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ISSN 1749-8457
tomar em considerao, em presena de um pensamento ou da expresso de um
sentimento, no a fora das provas ou o peso dos factos nos quais se baseiam, mas sim
o carcter desejvel ou indesejvel das concluses que comportam, relativamente
prosperidade de uma teoria ou de um modo de sentir que se defende (J.-F. Revel,
Porquoi des philosophes?seguido de La cabale des dvouts, Robert Laffont, 1976, p.
185).
28. Veja-se, por exemplo, M. Guroult, La lgitimit de l'histoire de la philosophie, em E.
Castelli et al., La philosophie de l'histoire de la philosophie(Vrin, 1956), pp. 51-52 e 66-68.
29. interessante constatar que o expressivismo meta-metafilosfico permite pr o
cognitivismo metafilosfico ao abrigo da crtica.
Traduo de Fernando Martinho
Texto originalmente publicado em Crtica: Revista de Pensamento Contemporneo, 10 (Maio de 1993).
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