Frederico Ribeiro - Monografia

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Monografia apresentada à UFMS para obtenção do título de bacharel em direito.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL - UFMS FACULDADE DE DIREITO - FADIR

FREDERICO RIBEIRO BARCELLOS DE SOUZA

REFORMAS PROCESSUAIS EM BUSCA DO DIREITO PRESTAO JURISDICIONAL EM PRAZO RAZOVEL

Campo Grande - MS Outubro de 2010

REFORMAS PROCESSUAIS EM BUSCA DO DIREITO PRESTAO JURISDICIONAL EM PRAZO RAZOVEL

FREDERICO RIBEIRO BARCELLOS DE SOUZA

REFORMAS PROCESSUAIS EM BUSCA DO DIREITO PRESTAO JURISDICIONAL EM PRAZO RAZOVEL

Trabalho final de graduao apresentado como requisito para colao de grau no Curso de Graduao em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, turma 2010 matutino, sob a orientao da Prof. Aurlio Tomaz da Silva Briltes.

Campo Grande - MS Outubro de 2010

AGRADECIMENTOS

minha famlia, pelo carinho e compreenso, sobretudo meus pais, Simone e Valdemar, apoio incondicional em meus projetos, sendo inimaginvel ter chegado at aqui sem vocs; Aos amigos e colegas de turma, pelo apoio e incentivo nas horas difceis; principalmente Nat, Carol, Natlia, pelos dias e noites de companheirismo em bibliotecas; Ao professor Aurlio Tomaz da Silva Briltes, pela orientao e disposio, sempre presente auxiliando sobremaneira na elaborao do texto; No mais, a Coltrane, Miles Davis, Muddy Waters, Paul Butterfield, Robert Johnson, Bowie, Hendrix, Dave Brubeck, Arthur Lee, Robert Fripp, Clapton, Bach, Beethoven, Tchaikovsky e tantos outros que me acompanharam, inspiraram e impulsionaram, na solitude durante madrugadas a fio, a vencer este desafio; A todos vocs meu muito obrigado!

Levei vinte anos para fazer sucesso da noite pro dia gjgghghjggkgkhgk(Eddie Cantor)

RESUMO

A durao excessiva dos processos judiciais problema que aflige no a sociedade brasileira, mas notado em praticamente todo o mundo. No Brasil, com a edio da Emenda Constitucional 45 em 2004, foi adicionado ao rol de direitos e garantias fundamentais a garantia da durao razovel do processo. A partir da aproximao do assunto com a teoria dos direitos fundamentais faz com que a celeridade seja encarada sob o ponto de vista humanstico, buscando-se ento a qualidade da prestao jurisdicional por meio da negao do excesso, seja de rapidez ou lentido. O tema entrou definitivamente na agenda dos operadores de direito com o Projeto de Lei do Senado n. 166, que ir instituir o novo Cdigo de Processo Civil, pautado fortemente pelos valores da celeridade processual.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual Civil; Emenda 45; Razovel Durao do Processo; Conselho Nacional de Justia; Novo Cdigo de Processo Civil;.

SUMRIO

INTRODUO......................................................................................................................9 1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO......................................................11 1.1 O MUNDO GLOBALIZADO E A CULTURA DA ACELERAO....................................11 1.2 UM BREVE HISTRICO SOBRE O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO........................15 1.3 CAUSAS DA MOROSIDADE.........................................................................................18 1.4 O PRINCPIO DA EFETIVIDADE E O DA RAZOVEL DURAO DO PROCESSO...20 1.5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAO JURISDICIONAL...................................................................................................................28 1.5.1 Responsabilidade Civil do Estado: Conceito, Evoluo e Pressupostos..............28 1.5.2 Responsabilidade Civil por Atos Judiciais.............................................................32 1.5.3 Responsabilidade Civil pela Violao Garantia do Prazo Razovel...................34 1.6 CONCLUSES PARCIAIS..............................................................................................37

2 ESTADO ATUAL DO JUDICIRIO BRASILEIRO: MECANISMOS DE AGILIZAO E SIMPLIFICAO DOS PROCEDIMENTOS..........................................................................41 2.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL 45..................................................................................41 2.1.1 As Ondas Renovatrias do Acesso Justia.........................................................42 2.2 O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA........................................................................44 2.2.1 As Metas do CNJ.....................................................................................................47 2.3 A INFORMATIZAO DOS PROCESSOS.......................................................................53 2.3.1 A Informatizao das Varas Cveis em Campo Grande...........................................55 2.4 AS SMULAS VINCULANTES.........................................................................................57

3 COMENTRIOS ACERCA DO ANTEPROJETO DO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL........................................................................................................................................63 3.1 A CONJUNTURA DA ELABORAO DO NOVO CDIGO: UMA ADVERTNCIA........65 3.2 PONTOS POLMICOS DO ANTEPROJETO..................................................................69 CONCLUSO........................................................................................................................... 74 REFERNCIAS.........................................................................................................................76

INTRODUO

A excessiva durao dos processos judiciais no preocupao que surgiu hoje, nem restrita realidade brasileira. uma mazela existente em grande parte dos Judicirios mundo afora. O texto aqui desenvolvido ir traar linhas sobre este problema. Verificar-se- que o tema abordado deveras complexo e jamais se resolver sem muita vontade poltica e esforo daqueles que compem a mquina judiciria e, numa viso mais ampla, de todos aqueles que lidam com a Justia. Mas imaginar que meras alteraes em legislao, por mais profundas que sejam, possam sanar o problema por si s, refutar uma grande realidade: o Judicirio precisa se renovar no s as Leis para acompanhar o desenvolvimento errante desta sociedade. Nos idos dos anos 90, o legislador comeou a se atentar para o tema e o atual Cdigo de Processo Civil comeou a ser reformado. Desde ento, inmeras reformas se sucederam na tentativa de tornar o processo civil brasileiro mais efetivo e dinmico, o adaptando realidade atual, de informaes na velocidade da luz e complexidade das relaes humanas. Desta feita, o atual Cdigo possui inmeras emendas, adicionando instrumentos mais adequados para a efetiva prestao da tutela jurisdicional, como por exemplo, a tutela especfica. O constituinte derivado tambm se movimentou e em 2004 editou a Emenda Constitucional 45, que ficou conhecida como reforma do Judicirio, alterando diversos dispositivos na Carta Maior, inclusive adicionando a durao razovel do processo no rol de direitos e garantias fundamentais. Com ela, criou-se tambm o Conselho Nacional de Justia. Com o estabelecimento do CNJ como rgo fiscalizador da atuao do Poder Judicirio, referido Poder comeou a ser observado com mais ateno. Detectaramse deficincias e mudanas foram propostas no sentido de se aperfeioar a prestao da atividade jurisdicional. Nesse diapaso que foram editadas as famosas dez metas para o Judicirio em 2009 e, por conseguinte, em 2010, que sero tambm mencionadas neste texto.

Pois nesta esteira vem o presente trabalho, analisar o que foi j feito nesse sentido, observar mais de perto essas recentes mudanas, diagnosticar as causas da morosidade judicial e comentar sobre a efetividade do processo civil em geral. O objetivo perquirido, pois, de definir o direito fundamental de acesso justia, confront-lo com outros direitos inerentes aos litigantes e definir o campo de atuao do legislador neste sentido. No s se analisar o campo legislativo do problema at por que o problema no se resolve com meras alteraes em diplomas legais mas tambm observar o quanto as outras causas (como problemas na estrutura de Tribunais) contribuem para agravar este quadro. Esta faceta do problema (estrutura do Judicirio) ser abordada mais profundamente no Captulo II, inclusive verificando-se a informatizao processos e procedimentos em varas e tribunais, destinando um estudo localizado, com a informatizao das varas cveis em Campo Grande. J no campo legislativo tambm existem mudanas em curso. Em 2009 foi elaborado no Senado o Projeto de Lei n. 166, que instituir o Novo Cdigo de Processo Civil. O mister maior deste novo cdigo, como vem sendo propalado por seus criadores e pela comunidade jurdica, exatamente de tornar o processo mais efetivo, com menos entraves e barreiras, para que o jurisdicionado consiga de fato exercer seus direitos pleiteados, consagrando assim o pleno acesso Justia. Alguns pontos polmicos sero abordados, contudo vale o lembrete de que o Projeto de Lei no foi votado, existindo to somente um Anteprojeto para o Novo Cdigo, pendente de mudanas e reformas. Mudanas estas que vm sendo propostas pela comunidade jurdica por meio de audincias pblicas da qual o autor teve oportunidade de participar em Campo Grande. Por mais que o texto ainda no tenha sido promulgado, j vem repercutindo nos bastidores jurdicos, e como seu objeto interfere diretamente no assunto abordado, o texto dedicar um captulo para sua analise. Enfim, o problema aqui exposto merece ateno da comunidade jurdica e dos operadores de direito

1. O DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO

1.1 O MUNDO GLOBALIZADO E A CULTURA DA ACELERAO

Vivemos em uma sociedade regida pelo tempo. uma afirmao eloquente, mas retrata com fidelidade a marca de nossa era. Encara-se a acelerao como um verdadeiro fetiche, um valor mximo. Compartilhamos a cultura do fast food: tudo deve ser apresentado de modo fragmentado e o mais rpido possvel. O tempo passa a ser o verdadeiro termmetro das relaes sociais, um verdadeiro bemmaior. Tambm fala-se muito em crise da modernidade, pois, para alguns, este discurso teria se exaurido no sculo XX, diante da impotncia do discurso totalizante, de idias e solues gerais para enfrentar problemas de uma sociedade cada vez mais complexa, individualista e fragmentada. Na sociedade ps-moderna, ento, o poder no reside mais na propriedade dos meios de produo (como ocorreu outrora na Revoluo Industrial e asceno do capitalismo moderno), mas seno no conhecimento e informao, que circulam em velocidade acentuada em virtude do avano tecnolgico.1 O mundo moderno exige que algumas decises sejam tomadas com base em juzos de probabilidade, no sentido de que direitos provveis sejam tutelados em detrimento daqueles improvveis. A prpria legislao j prev mecanismos nesse sentido2. O micro ganha lugar de destaque em relao ao macro. Pode-se afirmar que este paradigma retrata, de certa forma, uma adaptao do Direito e do processo aos postulados da ps-modernidade. Evidente que tal adaptao no pode ser integral, sob pena de se desmantelar toda a racionalidade do sistema jurdico, que1

SARMENTO, Daniel. apud.RAMOS, Carlos Henrique. Processo Civil e o Principio da Razovel durao do Processo. Curitiba: Juru Editora.2008. p. 48. 2 Art. 273, Cdigo de Processo Civil: O juiz poder, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequvoca, se convena da verossimilhana da alegao e: I Haja fundado receio de dano irreparvel ou de difcil reparao; II fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propsito protelatrio do ru.

deve, como regra geral, ser marcado pela ampla reflexo e estabilidade. Enfim, o breve panorama exposto aqui tem a finalidade de atuar como uma forma de advertncia. O processo, no fim, nada mais que a racionalizao ou formalizao de um dilogo humano, mas delimitado por requisitos formais (ditados pelo ordenamento jurdico), que logre cumprir suas diretrizes constitucionais. Desta forma, a questo da durao excessiva dos processos est longe de ser uma peculiaridade da experincia jurdica brasileira. um problema que aflige diversas sociedades, incluindo-se aqui aqueles tidos como mais desenvolvidos na escala mundial, tanto que, hodiernamente, no h discusso alguma sobre reformas processuais que, ou no mencione expressamente, ou que tenha como fundamento a questo da morosidade da prestao da tutela jurisdicional. A consagrao da garantia do processo sem dilaes indevidas faz parte dos modernos movimentos do incremento do acesso justia, em seu aspecto substancial.No divergente a lio do professor Boaventura de Sousa Santos3:O problema da morosidade da justia , numa perspectiva comparada, talvez o mais universal de todos os problemas com que se defrontam os tribunais em nossos dias. No assumindo a mesma acuidade em todos os pases , no entanto, sentido em todos eles e, virtualmente, tambm em todos objecto de debate poltico. Compreende-se que assim seja. A maior ou menor rapidez com que exercida a garantia dos direitos parte integrante e principal dessa garantia e, portanto, da qualidade da cidadania, na medida em que esta se afirma pelo exerccio dos direitos. Por esta via, o problema da morosidade da justia constitui um importante interface entre o sistema judicial e o sistema poltico, particularmente em regimes democrticos.

Como visto, a preocupao em torno das dilaes indevidas dos feitos perante os tribunais j sentida a nvel global. Referidas dilaes configuram um enorme obstculo para que o processo cumpra seus compromissos institucionais. Ao contrrio do que reza o dito popular, justia que tarda, falha sim. O tempo pode (e causa) o perecimento de pretenses, danos imensurveis, tanto econmicos, quanto psicolgicos, estimula aventuras jurdicas e a adoo de posturas temerrias das partes, e acaba, como ltima consequncia, por gerar descrena ao Judicirio e ao Estado em sua acepo mais ampla. Saindo do campo processual/jurdico em strictu3

SANTOS, Boaventura de Sousa apud RAMOS, Carlos Henrique. Processo Civil e o Principio da Razovel durao do Processo. Curitiba: Juru Editora.2008. p. 50.

sensu, a morosidade fator que pode, e, de fato o faz, frear o crescimento econmico ao desestimular investimentos pela falta de eficincia judiciria. Como pode observar-se, a questo aqui em pauta extrapola os limites jurdicos e tcnicos do assunto, tema de extrema relevncia que afeta a todos, com suas importantes repercusses. Mas como, afinal, chegou-se a essa discusso, de que o processo tarda demais para atingir seu provimento final? De quando data essa preocupao? Podese argumentar que, no passado, at no muito distante, no se tinha esse olhar crtico sobre o Judicirio e a forma pela qual prestava sua tutela. Tanto verdade, que o inciso LXXVIII s foi adicionado ao rol de direitos e garantias fundamentais do Art. 5 da Constituio Federal com a Emenda Constitucional n. 45, a chamada Reforma do Judicirio, em 2004. Dito inciso prega que a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao. Por que o constituinte originrio, em 1988, j no fez expressamente essa previso? Pode-se concluir que a preocupao com a durao excessiva na tramitao dos feitos tenha se acentuado nos ltimos anos, sendo dita ateno voltada para ela no sentido de agilizar o processo e inclusive, inserir no rol de garantias fundamentais sua durao por prazo razovel. Mas o aumento de demandas em tramitao nos tribunais no necessariamente um mau sintoma na sociedade brasileira. A crescente demanda pode ser encarada como a disseminao do ideal de cidadania, operada pela Constituio Cidad de 1988. Neste texto se assegurou a todos os cidados inmeros direitos e os instrumentos a perquiri-los. Consta no Art. 5, XXXV, a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito. O simples aumento da populao j seria, por si s, causa de sobrecarga de trabalho. Mas nem este o ponto. Na verdade, medida que vo se disseminando os conhecimentos dos direitos, a conscincia de cidadania, a percepo de carncias e flagelos e o sentimento de que se pode fazer algo, paralelamente emerge, na populao at ento inerte, a busca da demanda judicial, e aumenta-se muito a percentagem dos que litigam, pleiteiam, batem s portas da Justia para salvaguardarem-se. Some-se a isso fatores como a crescente complexidade da vida

social e econmica, o incremento dos negcios e relaes interpessoais, ter que o plexo de possveis litgios que surgiriam (e surgem) cresceu em progresso geomtrica, ao passo que o crescimento e aparelhamento das instituies judicirias em mera progresso aritmtica. Os grandes avanos sociais dos ltimos anos deram-se no campo da facilitao do acesso justia, o que um feito a ser fervorosamente comemorado, pois rompeu com obstculos ilegtimos que o interrompiam, entretanto, no outro lado da balana, surge o desafio de dar eficincia ao aparelho estatal para que absorva, de maneira satisfatria, a crescente demanda. Concluindo, a populao tomou conhecimento de que ao Judicirio compete assegurar seus direitos de cidado, ocorre que aquele ainda no foi aparelhado para esta realidade. Surgiu ento e nos ltimos anos se acentuou bastante a necessidade imperiosa de se adequar o nus do tempo do processo entre as partes atravs da acelerao processual. Contudo, necessrio ressaltar, se de um lado a demora dos feitos algo prejudicial e deve ser combatido, por outro lado tambm uma consequncia natural de um regime que deve assegurar um patamar mnimo de garantias e prerrogativas processuais. Deve-se distinguir a demora natural da demora patolgica. Um tempo mnimo sempre ser necessrio, para o exerccio do contraditrio, para o magistrado ter contato com as provas, para se convencer e prolatar sua sentena com prudncia, enfim, a pratica regular dos atos processuais corriqueiros. Deve-se acelerar o processo de maneira que no se prive os jurisdicionados de seus direitos processuais bsicos. No se pode cair na armadilha da justia instantnea, da rapidez acima de tudo. No est equivocado Aury Lopes Jnior ao afirmar que h de se ter certa cautela com o perigo da chamada acelerao garantista4, pois no se pode cair no extremo, no qual a durao do processo abreviada para violar, e no para garantir. A celeridade deve ser encarada como a qualidade da prestao jurisdicional e a negao do excesso, seja este excesso de rapidez ou de lentido.

4

LOPES JR., Aury. Introduo crtica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 2 Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 126.

Este, sem dvida, o maior desafio dos processualistas e legisladores contemporneos, o norte da maioria das reformas processuais passa pela de tramitao dos feitos.

1.2 UM BREVE HISTRICO SOBRE O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Atualmente o Judicirio brasileiro passa por uma crise institucional. Durante anos desempenhou suas funes e nunca foi colocado em tanta evidencia como submetido nos dias de hoje. Talvez a falta de informaes de um perodo de Estado de exceo dificultasse o acesso a dados e estatsticas ou a tecnologia da poca no permitia tamanha troca de informaes quanto vista agora, com a transmisso de dados e execuo de tarefas se d instantaneamente pela Internet. Ou talvez somente no existisse a vontade ou necessidade de se observar o funcionamento do Judicirio mais atentamente. Enfim, fato que os tempos definitivamente mudaram. Hoje os olhos da sociedade e, sobretudo, dos aplicadores do Direito se voltaram com mais ateno para a atuao do Poder Judicirio. Dele espera-se mais e melhor, espera-se seu aperfeioamento, seu aprimoramento, para que consiga, de fato, cumprir sua misso institucional. Sobre esta misso so dispensados maiores comentrios acerca de sua importncia. Um Judicirio forte e independente elementar para a consolidao do Estado Democrtico de Direito e da prpria Democracia. o guardio da Constituio Federal - sobretudo dos Direitos Fundamentais- garantidor das liberdades do indivduo, balanceando sua condio de impotncia perante o Estado. Diante de tamanha importncia, comeou a ser observado mais de perto. Enquanto o mundo todo se moderniza e se questiona a todo momento, em busca de melhores respostas para seus problemas, por que no os juzes e tribunais no fariam o mesmo? Nunca se olhou com tanta ateno para o dia a dia de uma vara, cartrio ou tribunal. O que era, muitas vezes, feito sob a vontade subjetiva de cada autoridade, hoje tem regras, metas e prazos que devem ser observados.

Simplificam-se os procedimentos, colhem-se resultados e todos parecem estar ganhando. No s o comportamento temerrio das partes e a m gesto de processos que contribuem para a chamada morosidade processual. Esses somente so uma ponta da corda, chamada de subjetiva, pois lida com questes atinentes aos sujeitos envolvidos na relao processual. Tambm h culpa no arcabouo de mecanismos existentes para quem simplesmente no quer obedecer ao comando judicial e litigar com boa-f, protelando ao mximo o trnsito em julgado e o cumprimento efetivo das decises. A prpria legislao, sobretudo o Cdigo de Processo Civil, possui sua parcela de responsabilidade. Mas no se quer aqui atribuir ao Cdigo vigente a pecha de obsoleto e intil, mas o fato que as relaes jurdicas mudaram, assumindo feixes inimaginveis naqueles longnquos 1973, data de promulgao do Codex, de sorte que a legislao deve se adaptar para acompanhar e solucionar, de maneira satisfatria, s demandas da sociedade. Jamais devemos nos olvidar que o Estado e a Lei esto a servio da sociedade, jamais o contrrio. Se esta evolui, aqueles devem acompanh-la. O Cdigo de Processo Civil de 1973 (ou tambm conhecido como Cdigo Buzaid, em referencia a seu mentor, Alfredo Buzaid, ento Ministro da Justia) foi poca um primor de excelncia e tecnicidade. Em vigor at hoje, trouxe inovaes e estabeleceu na doutrina processual civil a rigidez e padres de institutos que utilizamos at hoje. Separou em livros distintos o processo de conhecimento, de execuo e de cautelar, seguindo tendncias modernas poca.5 Seu livro que trata do processo de conhecimento completo e tcnico, abordou desde a jurisdio, passa pela inicial, trata o direito de defesa, recursos, etc. Estabeleceu padres e possibilitou a consolidao do processo civil como cincia autnoma. O valor dessa contribuio incomensurvel, pois se conhecemos a sistemtica do processo civil hoje do jeito que ele , com todas suas nuances e tcnicas, muito se deve ao Cdigo de Buzaid, arquiteto dessa sistemtica.5

Exposio de Motivos, Cdigo de Processo Civil de 1973 O projeto est dividido em cinco livros. O primeiro se ocupa com o processo de conhecimento; o segundo, com o processo de execuo; o terceiro, com o processo cautelar; o quarto, com os procedimentos especiais; e o quinto, com as disposies gerais e transitrias.A matria dos trs primeiros livros corresponde funo jurisdicional de conhecimento, de execuo e cautelar. A dogmtica do processo civil moderno sanciona esta classificao. O processo cautelar foi regulado no Livro III, porque um tertium genus, que contm a um tempo as funes do processo de conhecimento e de execuo. O seu elemento especfico preveno.

Mas o que no imaginava Alfredo Buzaid (e seria impossvel faz-lo) era que as relaes e lides levadas para analise do Judicirio se tornariam to complexas como hoje so. Hoje temos lides coletivas, interesses difusos, processos em massa, demandas repetitivas. A modernizao da sociedade e o amplo acesso ao Judicirio (corroborado pelo ditame constitucional a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito, consagrado no art. 5, XXXV da Carta Maior) possibilitaram essa chamada indstria de processos, para a qual no estavam preparados nossos tribunais. Como dito acima, o Cdigo de 1973 foi um primor de tcnica e consolidou os institutos processuais, mas foi projetado para lidar com lides individuais, possibilitando ao Juiz ater-se ao caso concreto e decidir, um a um, as demandas a ele levadas. Isso fica evidente no art. 189, II, do atual cdigo, que impe ao magistrado a obrigao de decidir em 10 dias. Em 1973 isso poderia de fato ocorrer, mas atualmente praticamente impossvel. A realidade que se vive hodiernamente completamente diferente quela poca distante. Existem processos que esto conclusos para sentena por meses ou at anos sem deciso. Como citado acima, a sociedade mudou e a Lei deve acompanhar suas mudanas, a fim de resolver de maneira satisfatria os conflitos que surgiram nos ltimos anos.

1.3 AS CAUSAS DA MOROSIDADE

Aps anotaes acerca da cultura da acelerao na qual vivemos e consideraes sobre o nosso processo civil, uma breve analise historia, neste captulo o objetivo dissecar o sistema judicial para, sem a pretenso de querer ser conclusivo, mas buscar apontar algumas causas que sufocam o Judicirio brasileiro. Deve-se, contudo, ressaltar que a consequncia gerada no estgio atual no exclusivamente imputada a uma ou outra a causa, sendo o problema resultante de um plexo de fatores, que reunidos em seu conjunto, trouxeram tona o problema como hoje conhecemos. De incio, para adotar uma posio metodolgica, vamos valer-se dos ensinamentos de Jos Rogrio de Cruz e Tucci6, que buscou delimitar ordenadamente os fatores bsicos causadores da morosidade na justia,6

CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio. Tempo e Processo: uma anlise emprica das repercusses do tempo na fenomenologia processual. So Paulo: RT, 1998, p. 89.

tais quais: a) institucionais, que dizem respeito a uma eficiente administrao judiciria; b) de ordem tcnica e subjetiva, relativos a alguns aspectos da ordem processual positiva, e ao preparo dos operadores de direito; c) derivados da insuficincia material, relativos s condies de trabalho, instalaes, nmero de funcionrios, etc. Interessante reparar que todos esses fatores podem ser identificados nos diversos ordenamentos, variando a intensidade com a qual um ou outro contribui para a lentido. Como j foi dito, a morosidade dos processos est longe de ser um problema somente da justia brasileira. Na realidade, estamos diante de um dos maiores desafios dos judicirios do mundo afora. Tecendo breves comentrios acerca de cada um dos fatores acima elencados, comear-se- pelos institucionais. Estes podem ser associados, principalmente, falta de politicas pblicas que priorizem o problema da morosidade. Alm, quando este tema vem tona, somente fatores de ordem tcnica so abordados, sendo os valores de ordem cultural, poltica ou econmica deixados de lado. As questes de ordem tcnica so certamente mais debatidas, como por exemplo a reforma do procedimento de execuo, a reduo dos recursos, o novo cdigo de processo civil, mas isoladamente dos demais fatores, fazem que os esforos legislativos sejam inadequados. Mesmo com inmeras mudanas e reformas no processo, o direito processual continua ineficaz para fazer valer, num espao de tempo razovel, o direito assegurado na lei material. Por sua vez os fatores de ordem subjetiva no podem ser jamais deixados de lado. Estes dizem respeito ao material humano que opera a mquina judiciria, ou seja, o cerne de tudo, o que molda e faz o sistema moldar-se, ou seja, os juzes, serventurios da justia e advogados. Importantssimo a valorao dos atributos individuais e subjetivos, pois por mais que seja a lei aperfeioada, sem profissionais capazes, dedicados e engajados no se pode conceber uma boa justia. Aqui entra em evidncia o papel das universidades, do ensino jurdico, que deveria se atentar mais a esse aspecto importantssimo de nossa ordem jurdica. O ensino ministrado deixa a desejar nesse aspecto, muitas vezes a universidade e os professores se preocupando em formar tcnicos, na acepo estrita da palavra, o que no parece

prudente. de extrema importncia a mudana de mentalidade dos operadores de direito nesse aspecto, para que no se deixem acomodar e se comprometam com os ideais de uma sociedade democrtica, com a prestao de um servio pblico de excelncia, marcado pelo fim de posturas burocrticas no desempenho de suas funes. Por fim os fatores derivados da insuficincia material. Pode-se afirmar que um grande empecilho prestao judicial em tempo razovel a falta de infraestrutura dos tribunais, compreendido aqui a desproporo do nmero de trabalho por nmeros de juzes/funcionrios existentes. Mais alm de chamar a ateno para maior aporte financeiro no setor, deve-se atentar para o correto gerenciamento de recursos j existentes, que devem ser utilizados com racionalidade e de acordo com prioridades estabelecidas. De certa forma, o CNJ (Conselho Nacional de Justia, rgo que ser estudado em mais detalhes em capitulo adiante) j veio justamente com esse mister, o de aplicar ao Judicirio um modelo de gesto, para que se otimize os recursos existentes, de sorte que dito rgo ser abordado em especfico em posterior captulo Este obstculo da insuficincia material coloca em xeque a garantia do processo em durao razovel. Esta garantia constitucional no se dirige somente ao legislador, mas ao Executivo e ao Judicirio, da que seu enfrentamento no pode ser desvinculado ao estudo de custas, despesas e possibilidades financeira pelo Estado. Concluindo, tem-se que as causas da morosidade processual dividem-se em institucionais, de ordem tcnica e derivados da insuficincia material. As causas derivadas de insuficincia material dependem diretamente de vontade poltica estatal para serem solucionadas. Falta ao ente pblico a vontade poltica de investir seriamente no fortalecimento do Judicirio para que, ao menos, os fatores derivados de desta causa sejam, ao menos, mitigados. 1.4 PRINCPIO DA EFETIVIDADE E O DA RAZOVEL DURAO DO PROCESSO

O Princpio da Razovel durao do Processo j foi abordado neste trabalho, inclusive com suas causas e abordado dentro da realidade brasileira. Para arrematar o assunto e partir para a analise do principio da efetividade, no pode-se deixar de citar as precisas palavras de Nicolo Trocker, citado pelo eminente processualista paranaense Luiz Guilherme Marinoni7. Segundo Trocker, uma justia realizada com atraso sobretudo um grave mal social; provoca danos econmicos (imobilizando bens e capitais), favorece a especulao e a insolvncia e acentua a discriminao entre os que podem esperar e aqueles que, esperando, tudo podem perder. Um processo que se desenrola por longo tempo, torna-se um cmodo instrumento de ameaa e presso, uma arma formidvel nas mos do mais forte, para ditar ao adversrio as condies de sua rendio. Se o tempo do processo prejudica o autor que tem razo, tal prejuzo aumenta de tamanho na proporo da necessidade do demandante, o que confirma o que j dizia Carnelutti h muito tempo, isto , que a durao do processo agrava progressivamente o peso sobre as costas da parte mais fraca. J patente o mal que a demora processual causa sociedade, considerando um indivduo por si s ou a sociedade como um todo. Mas e o princpio da efetividade, qual seu sentido e significado, sua real mensurao neste contexto? O princpio da efetividade est diretamente relacionado com o mandamento constitucional do processo em tempo razovel. Este recente inovao do legislador constitucional, mas indubitavelmente em nosso ordenamento jurdico j existia conveno nesse sentido. A Conveno Americana sobre Direitos Humanos Pacto de So Jos da Costa Rica (da qual o Brasil signatrio) j estabelecia ser a prestao jurisdicional em tempo adequado um dos direitos fundamentais do ser humano. Tambm deita razes no artigo 6, inciso I, da Conveno Europia dos Direitos do Homen e das Liberdades Fundamentais, que estabelece toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativamente e publicamente num prazo razovel, por um tribunal independente e imparcial institudo por lei, que decidir sobre seus direitos e obrigaes civis ou sobre o fundamento de qualquer acusao em matria penal contra ela dirigida.

7

TROCKER, Nicolo. apud. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. 2ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 156.

A razoabilidade do tempo agora previsto expressamente na Constituio Federal e no pode ser entendida como norma vaga, como posies j se manifestaram, mas sim autoaplicvel, como direito fundamental que . Pois bem, de repente o legislador e o aplicador do direito se viu diante de um dilema. Existe um princpio, autoaplicvel, mas que prescinde de parmetros e balizas para ser aferido de maneira razovel o atendimento (ou no) do mandamento constitucional. Como fixar, ento, esse prazo? Quais elementos devem ser levados em considerao para se atestar o cumprimento da ordem do legislador? Surgiu, destarte, a necessidade de encontrar-se parmetros para sua aplicao. Estudando o tema e preocupado exatamente com essa mesma questo de importante relevncia, Robson Carlos de Oliveira8 assinalou que a Corte Europia dos Direitos do Homem fixou trs critrios, trs parmetros que balizariam quando um processo teve durao razovel e se atingiu aos fins preconizados pela Estado de Direito. Podem ser assim descritos com as devidas adaptaes nossa realidade: a) a complexidade do objeto do processo, vale dizer, a complexidade e a natureza da causa posta em discusso e sujeita ao crivo jurisdicional; b) o comportamento do litigantes e de seus procuradores, e na esfera penal, dos advogados de defesa; c) a atuao do rgo jurisdicional, o qual deve ter agora a redobrada ateno para no mais permitir a chicana processual ou atos que importem em dilao desnecessria do processo, passando a ter o poder-dever de impor as multas e sanes j contidas no Cdigo de Processo Civil, em especial nos artigos 14, pargrafo nico, 17 e 18, alm das medidas de apoio s tcnicas de cumprimento de sentena que condena o devedor em obrigao de entrega de coisa, fazer ou no fazer. Nesse ltimo item foi focada a necessidade de existir um comprometimento do juiz com a sua atividade. Ele parte chave no processo e a demora ou no da deciso definitiva, passa por sua responsabilidade, em maior ou menor grau, dependendo do caso. Deve o magistrado buscar solues dentro do ambiente que lhe oferecido para trabalhar contra a longevidade excessiva dos processos sob sua responsabilidade e, portanto, abandonar aquela velha concepo de que o8

OLIVEIRA, Robson Carlos de. O princpio da razovel durao do processo, explicitado pela EC 45 de 08.12.2004 e sua aplicao execuo civil. In: Reforma do Judicirio e primeiras reflexes sobre a Emenda Constitucional 45/2004. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 656.

processo um fim em si mesmo, tornando-se excessivamente processualista, em detrimento da concretude do direito material em voga. Aqui vem tona a lembrana de que o processo um mero instrumento de realizao do direito material e somente existe em funo deste. Ou ainda, na sntese do professor Jos Roberto dos Santos Bedaque9, o processualista deve aceitar a natureza instrumental do processo civil, solucionando as questes maiores do processo com os dados inerentes ao direito substancial que a regula, revendo seus institutos fundamentais e relativizando a autonomia do prprio processo. Em sua mo, o princpio da efetividade est ligado ao ideal da mxima coincidncia possvel, da qual j tratava com maestria Chiovenda, em uma de suas citaes mais famosas, que na medida do que for praticamente possvel, o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que tem o direito de obter. Ora, da leitura dessa simples construo pode-se extrair o sentido do Princpio da Efetividade. E tambm extrair outras concluses. Numa interpretao primria, pode-se concluir de plano que se no houver coincidncia absoluta entre o direito que a parte tem e o resultado que obteve em juzo, o processo no ser efetivo. Essa uma exegese em sentido estrito do princpio. Mas evidentemente que o processo ser efetivo signifique somente isso. Nas palavras de Leonardo Ferres da Silva Ribeiro10, o processo civil no s precisa estar apto a efetivar todos os direitos assegurados, mas tambm, e principalmente, a faz-lo da forma mais gil, clere e eficaz, com o menor dispndio de tempo e de recursos possvel, traduzindo assim uma preocupao social. verdade que a efetividade se afere tambm na observao da diferena entre o que se postulou e o que se conseguiu em juzo. Quando se obteve aquilo exatamente que se postulou, o processo foi, enfim, efetivo; quando obtm-se a menor do que se tem direito, ele no foi. Ocorre, todavia, que obter-se tudo que tem direito no traduo necessria que o processo foi efetivo para aquele que buscava seu direito, pois, para configurar-se a efetividade, mister tambm aferir se a9

10

BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Direito e Processo Influncia do Direito Material sobre o Processo. 5 Ed, So Paulo: Malheiros, 2009, p. 15. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Prestao Jurisdicional Efetiva: uma garantia constitucional. In: Processo e Constituio. Estudos em homenagem ao professor Jos Carlos Barbosa Moreira. Luis Fux, Nelson Nery Jr., Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.) So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 155.

tutela jurisdicional foi conferida dentro de um prazo razovel, que possibilite parte que possui o direito de fruir do bem da vida obtido. De nada adianta, caso o bem obtido seja gozado pelos herdeiros e sucessores, j que o autor inicial faleceu no curso da ao, que tardou a atingir um provimento final. No tambm s se observando a tica do autor que se desvenda a efetividade ou no do processo. Ora, no pelo fato de que o autor vem a juzo e narra um direito que julga ter e tem seu pedido julgado improcedente que o processo no considerado efetivo. Pois o foi em relao ao ru, que obteve o mister conferido aos litigantes no polo passivo, ou seja, a improcedncia da demanda. Provou ao juzo que o direito invocado pelo autor no pertencia a este, mas ao ru, que convenceu o julgador dessa tese. Houve, portanto, o atendimento ao postulado da mxima coincidncia possvel, pois o ru obteve o reconhecimento de seu direito, e, por conseguinte, a improcedncia da demanda, ou at mesmo, um plus, pelo pedido via reconveno. Nesse sentido, as palavras precisas de Jos Carlos Barbosa Moreira11, em toda a extenso da possibilidade prtica, o resultado do processo h de ser tal que assegure parte vitoriosa o gozo pleno da especfica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento e arremata cumpre que se possa atingir resultado semelhante com o mnimo dispndio de tempo e energia. Mas surge em evidncia nos tempos atuais uma outra questo, transcende os problemas da celeridade. Com o advento da Emenda Constitucional 45, que adicionou o famoso inciso LXXVIII ao Artigo 5, passou-se a discutir com mais fervor a questo da morosidade processual, e com ela outro debate emergiu. A discusso acerca da efetividade-celeridade-segurana jurdica. Um valor no se confunde com o outro. Na realidade, entendo que a efetividade um valor mximo, princpio maior de nosso processo, princpio que, por sua vez, se decompe em celeridade e segurana jurdica. Estes ltimos so princpios corolrios da efetividade, preceituadores de ideais conflituosos e que esto em evidncia principalmente pelo anteprojeto do novo Cdigo de Processo Civil em trmite no Congresso. Ao anteprojeto existem crticas e elogios, sendo sua meta maior reduzir a morosidade excessiva dos processos. Tal propsito nobre, mas, segundo alguns estudiosos do assunto, a segurana jurdica tem sido mitigada sobremaneira, no sido dispendida11

MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual, stima srie. Saraiva: So Paulo, 2001..

a devida ateno pelo legislador, suscitando questionamentos acerca dessa supresso do contraditrio. Porm, esse tema deixaremos para tratar em captulo posterior, quando da abordagem do Novo Cdigo em detalhes. De volta efetividade, seu conceito exatamente este, da conjugao de princpios. Nas palavras de Jos Roberto dos Santos Bedaque12 o processo efetivo aquele que, observado o equilbrio entre os valores segurana e celeridade, proporciona s partes o resultado almejado pelo direito material. Pretende-se aprimorar o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela jurisdicional. Mas constitui perigosa iluso pensar que simplesmente conferir-lhe celeridade suficiente para conseguir a to almejada efetividade. No se nega a necessidade de reduzir a demora, mas no se pode faz-lo em detrimento do mnimo de segurana, valor igualmente essencial ao processo justo. Em princpio, no h efetividade sem contraditrio e ampla defesa. A celeridade apenas mais uma das garantias que compe a ideia de devido processo legal, e no a nica. A morosidade excessiva no pode servir de desculpa para o sacrifcio de valores tambm fundamentais, pois ligados segurana do processo. Alm do binmio celeridade - segurana jurdica, decorrentes da efetividade processual, esta ainda para ser atingida de maneira plena uma adequao entre a ordem jurdica e a realidade socioeconmica de dada sociedade, o direito a uma justia adequadamente organizada e formada por juzes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo da realizao da ordem jurdica justa; o direito a preordenao dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; e por fim o direito remoo de todos os obstculos que se anteponham ao acesso efetivo justia com tais caractersticas. Estes requisitos esto intimamente ligados teoria da clusula de reserva do possvel, que adapta a ordem jurdica realidade socioeconmica existente. Arrematando a questo da efetividade como conjugao de princpios, precisas as palavras de Jos Carlos Barbosa Moreira, no sentido de que se uma Justia lenta demais decerto uma Justia m, da no se segue que uma Justia muito rpida seja necessariamente uma Justia boa. O que todos devemos querer

12

BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Tcnica Processual. 3 Ed. So Paulo: Malheiros, 2010. p. 49.

que a prestao jurisdicional venha ser melhor do que . Se para torn-la melhor preciso aceler-la, muito bem; no, contudo, a qualquer preo13. Pois bem, como explanado acima, a efetividade um princpio maior, decorrente da conjugao de celeridade e segurana jurdica. As reformas que vierem precisam, portanto, de eliminar entraves e desafogar o Judicirio, mas sem se descuidar das garantias processuais que permeiam o contraditrio. uma tarefa rdua. Contudo, tudo que foi exposto acima se situa predominantemente no campo terico das coisas. No porque o legislador constitucional derivado se atentou morosidade e inseriu na Carta Maior uma clusula aberta destinada a resolver o problema, que estes seriam, como que em passe de mgica, resolvidos da noite pro dia. Se isoladamente considerada e sem as medidas concretas, de apoio prestao jurisdicional, ilusrio acreditar que este entrave simplesmente se resolva. Na realidade, parece que a razovel durao do processo somente a ponta do iceberg, j que abaixo dos limites da relao processual existem problemas gigantescos para serem solucionados, sem os quais, jamais se poder dar cumprimento norma constitucional em comento. Da que o legislador no somente se preocupou em dar ao princpio status de direito fundamental, mas vem realizando esforos concretos, no sentido da agilizao, que sero comentados com maior detido em captulo subsequente. O fato que somente a reforma operada pela Emenda 45 no foi suficiente para a soluo do problema. H que se buscar alternativas o tempo todo, pois o desafio tambm se renova, o que exige novas ideias e solues para novos obstculo. O que no se pode deixar ocorrer que a norma constitucional se torne letra morta. Continuam a existir pontos de estrangulamento depois da reforma que devem ser atacados da maneira correta, nunca se olvidando do princpio da efetividade e sua faceta da segurana jurdica. As medidas em concreto sero analisadas em captulo oportuno, mas algumas consideraes podem ser feitas desde j, a ttulo de exemplificao. Por exemplo, o comportamento do Juiz no processo. Ora, no se concebe mais a figura do Juiz como mero expectador do13

MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Apud BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Tcnica Processual, cit., p.49.

processo. Deve existir maior participao deste, no deixando de lado a inrcia da jurisdio, mas, uma vez provocada e desencadeado o processo, o Juiz passa a integr-lo, devendo conduzir o feito de maneira que propicie as partes as oportunidades de tecerem suas alegaes e coibir eventuais abusos de direito. Deve o magistrado impulsionar o processo em direo sentena, assegurando os princpios inerentes ao devido processo legal (tanto o processo em prazo razovel, quanto a observncia do contraditrio e ampla defesa), evitando chicanas processuais e impondo as penalidades que a lei reserva ao litigante de m-f. Deve o julgador estar antenado realidade social, preocupado com um justo resultado e perquirir a verdade real, determinando, se julgar conveniente e necessrio, a realizao de provas ex offcio, sem que se tenha por ferido o princpio da imparcialidade. Na medida que determina a realizao de certa prova que julga indispensvel para seu convencimento, no sabe qual ser o resultado dessa prova, que poder beneficiar ou um, ou outro dos litigantes, mas no h que se falar em quebra da imparcialidade. Concluindo, no se admite, portanto, que formalidades excessivas e desnecessrias atrapalhe o bom andamento do processo. Nunca se pode esquecer que o processo sempre um instrumento de concretizao do direito material, sob pena de inverter-se o fim pelos meios. O processo no (e devido a sua natureza instrumental) nunca ser um fim em si mesmo, devendo ser constantemente renovado, com novas solues, medida que no plano dos fatos novos problemas vo surgindo. No se pode atacar o problema de hoje com a soluo de ontem, e por isso que o processo est em constante mutao. Evidentemente que as reformas devem ser pautadas pelo respeito segurana jurdica e no ferir, por exemplo, direitos adquiridos, mas no h como se defender um processo com normas estticas para toda a eternidade. As mudanas de regras e tambm de comportamentos so essenciais para o desenvolvimento da Justia, e, em ltima analise, da prpria sociedade. No sentido da mudana de comportamentos, com o enfoque na figura do magistrado, anotou Joo Batista Lopes a postura burocrtica e protocolar do juiz entra em conflito aberto com as tendncias atuais do processo civil e, por isso, deve ser afastada. No se concebe, no estgio atual da doutrina processual brasileira,

que a parte seja prejudicada pelo apego ao fetichismo das formas e dogmtica tradicional. 14

1.5

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAO

JURISDICIONAL

A responsabilidade civil do Estado sempre foi um tema que suscitou muita polmica e discordncias no campo doutrinrio e jurisprudencial. Houve muitas batalhas judiciais at que a posio de nossos tribunais se tornasse clara, como sedimentado na doutrina atual. Contudo, no que tange responsabilidade civil por danos causados pela atividade jurisdicional o tema bastante esquecido, seja na imputao de responsabilidade a agentes judiciais, ou, especialmente, no que diz respeito violao da garantia da durao razovel do processo. Ora, se a prpria garantia vista com extrema tolerncia pelos agentes pblicos e pelos julgadores, no campo da responsabilizao do Estado os reflexos no poderiam ser diversos. No Brasil um tema no muito ventilado, mas o direito indenizao por prestao jurisdicional em prazo inadequado tem sido reconhecido e aplicado em alguns sistemas pelo mundo afora, sobretudo em prtica na Corte Europeia de Direitos Humanos. certo que possui carter eminentemente paliativo e no resolver o problema do estrangulamento, pois para isso so necessrias medidas frontais, estruturais, porm certo tambm que a reparao pode ser um instrumento til a minorar o sofrimento de quem sofreu prejuzos advindos t tutela jurisdicional excessivamente morosa.

1.5.1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO CONCEITO, EVOLUO E PRESSUPOSTOS

14

LOPES, Joo Batista. A prova no direito processual civil. 2 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Responsabilidade, em sua acepo jurdica, significa, em apertada sntese, o mesmo que a obrigao de reparar um dano, quando decorrente de ato ilcito, ou obrigao decorrente de clusula contratual. J se tratando de responsabilidade civil do Estado, ningum melhor do que um dos maiores expoentes do Direito Pblico Brasileiro, Celso Antnio Bandeira de Mello para nos emprestar seus ensinamentos:

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigao que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputveis em decorrncia de comportamentos unilaterais, lcitos e ilcitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurdicos. Como qualquer outro sujeito, o Poder Pblico pode vir a se encontrar na situao de quem causou prejuzo a algum, do que lhe resulta obrigao de recompor os agravos patrimoniais oriundos da ao ou absteno lesiva. Esta noo , hoje, curial no direito pblico.15

Depreende-se que o Estado, igualmente como nas relaes particulares, pode provocar danos a terceiros, no exerccio de suas funes administrativas. E como postulado republicano de que ningum est acima da Lei, pressuposto elementar do Estado Democrtico de Direito, deve o Estado como ente personificado se submeter ordem jurdica e ser responsabilizado nos causos em que causar danos a particulares. Neste sentido a lio histrica de Norberto Bobbio, que com a maestria que lhe peculiar, arrematou: com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do prncipe para o ponto de vista dos cidados. No Estado desptico, os indivduos singulares s tem deveres e no direitos. No Estado absoluto, os indivduos possuem, em relao ao soberano, direitos privados. No Estado de Direito, o indivduo tem, em face do Estado, no s direitos privados, mas tambm direitos pblicos. O Estado de Direito o Estado dos cidados.16 A evoluo jurisprudencial e doutrinria pode ser apresentada e explanada por meio de algumas fases bem delimitadas, que sero relatadas de maneira sinttica, de forma meramente ilustrativa.15

16

MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18 ed. So Paulo: Malheiros, 2005. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 15 tir. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro. Campus: 1992. p. 61.

Inicialmente, nos primrdios do Direito Pblico vigia o princpio da irresponsabilidade do Estado, o qual obviamente representava uma enorme desproteo dos administrados frente aos atos do Estado. Se revestia de um certo grau de absolutismo, sendo vigente em pocas de dinastias e dspotas, sob o argumento de que a responsabilidade pecuniria estatal frente aos sditos representaria um entrave execuo dos servios pblicos. Podia somente o lesado propor uma demanda frente ao causador do dano, do agente pblico responsvel, mas jamais frente ao Estado, pois a mxima adotada poca era de que the king can do no wrong, ou, em livre traduo, o rei nunca erra.17 Com a queda dos Estados Absolutistas a partir da Revoluo Francesa em 1789, esse modelo dspota foi sendo abandonado. Em seu lugar houve a ascenso da teoria civilista da culpa, ou seja, o modelo aquiliano, que imputa a responsabilidade ao sujeito em decorrncia da culpa. O modelo estipulava a responsabilizao do Estado no caso de ao culposa de seu agente.18 Os atos pblicos, segundo esta doutrina, eram divididos em dois subespcies. Os atos de imprio e atos de gesto. A responsabilizao estatal frente aos primeiros era impossvel, pois o princpios de direito pblico regeriam a atuao de modo a proteger a figura estatal. Quanto aos ltimos poderiam implicar a responsabilizao do Estado, com uma condio: desde que a conduta do agente pblico que causou o dano fosse dotada de culpa. J se pode imaginar a dificuldade por distinguir uns atos de outros, o que gerou enormes questionamentos dos indivduos lesados por atos estatais, fato que acabou por fazer surgir outra teoria para nortear a matria, a doutrina conhecida como publicista. Sob esta gide, para a atribuio da responsabilidade ao Estado, bastava a comprovao do mau funcionamento de determinado servio pblico, sem necessariamente a atribuio do dano a determinado agente. A culpa seria imputada genericamente Administrao. Segundo o professor Carvalho Filho 19, esta teoria tambm conhecida como teoria do rgo marcada pela premissa de que o rgo no se distingue do ente. Deste modo, a existncia do rgo carrega uma17

18

19

CAVALIERI FILHO, Srgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5 ed. So Paulo: Malheiros, 2004. p. 235. CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 474. CARVALHO FILHO, cit., p. 273.

premissa insupervel, a de que ele pertence a um ente uno, qual seja, o prprio Estado. Por essa razo, desnecessria a imputao ao rgo ou funcionrio determinado, bastando a vinculao da responsabilidade diretamente pessoa jurdica a qual o funcionrio culpado vinculado, o que, em ltima anlise, sempre o Estado. Por fim, aps todas as etapas evolutivas, elencadas em apertada sntese acima, o direito moderno alcanou a tese da teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Dita teoria baseia-se na premissa de que a responsabilidade do Estado independe de culpa, bastando a mera relao da conduta administrativa e o dano sofrido pelo administrado (nexo de causalidade). Assenta-se sobre o risco administrativo, postulado pelo qual o Estado deve arcar com o risco natural de seu amplo plexe de atividades. Ou, citando outra vez Carvalho Filho, uma maior quantidade de poderes deve corresponder um risco maior.20 J no ordenamento jurdico ptrio, a responsabilidade civil objetiva do Estado obteve chancela constitucional, devido a sua insero no 6, do art. 37 do Texto Maior, que aqui ser transcrito expressamente: As pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios pblicos respondero pelos danos causados que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsvel nos casos de dolo ou culpa. Com o advento dessa clusula no texto constitucional no h mais dvidas acerca da responsabilidade objetiva que o Estado possui frente aos administrados, resguardando ao Ente Pblico o direito de regresso ao agente causador, quando proceder com dolo ou culpa. Porm, o direito de regresso evidentemente no o exime da responsabilidade, devendo reparar o prejuzo e depois regressar contra seu agente culpado.

1.5.2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS JUDICIAIS

20

CARVALHO FILHO, cit., p. 476.

J no que diz respeito responsabilizao estatal pelos atos praticados pelo Poder Judicirio, a doutrina e jurisprudncia foi oscilante ao longo do tempo. De acordo com os seguidores da tese da irresponsabilidade alguns argumentos podem ser trazidos baila, como por exemplo; O Judicirio soberano e independente, os juzes devem agir com independncias em suas funes, sem o temor de que suas decises possam ensejar sua responsabilidade perante o jurisdicionado; que o magistrado no funcionrio pblico; entre outros argumentos. Parte da doutrina tambm sustenta que o dever de indenizar s seria imposto se fosse expressamente previsto em Lei, ou na hiptese de culpa manifesta no dever de julgar. A independncia do Judicirio e de qualquer Poder da Repblica inquestionvel. princpio maior republicano, concebido por Montesquieu e consagrado em nossa Carta Maior e de quase totalidade dos Estados do planeta. Cada Poder tem sua independncia e autonomia, porm o ponto nevrlgico aqui comentado no a independncia por si s. Esta no lhe confere imunidade, que seria o resultado de se colocar um ou outro Poder acima do Estado Democrtico. Ora, a soberania do Estado como um todo e no h nenhum poder que dele possa se sobrepor. A responsabilidade do Estado em face de atos jurisdicionais deve persistir at pela questo da isonomia, pois todos os poderes esto sujeitos ao princpio da legalidade, expoente do direito pblico. Independncia, neste sentido, significa estritamente a ausncia de

interferncias externas, de quem quer que seja, em suas decises, mas jamais irresponsabilidade. Caso contrrio os outros poderes reivindicariam essa mesma imunidade, o que colocaria em xeque o sistema como um todo. O Poder Judicirio como rgo integrante do Estado e prestador de servio pblico (e indelegvel) deve sim estar sujeito ao controle. Todo poder deve estar sujeito a controle, pois sem controle, tende o poder a caminhar para o arbtrio. Nesse sentido, a ilustre professora Maria Sylvia Zanella di Pietro21. Porm, por bvio que referido controle no seria pleno, sob pena de interferncia de outros poderes em suas questes, violando a clusula de separao dos poderes.

21

Infelizmente, as garantias da magistratura acabam por gerar uma falsa ideia de intangibilidade e infalibilidade do magistrado, no reconhecida aos demais agentes pblicos. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. So Paulo: Atlas, 2006. p. 629).

Entretanto, para uma elucidao mais ampla do tema sob comento, a doutrina geralmente cinge a atividade do judicirio, com vistas facilitar a abordagem. Estabeleceu-se a responsabilidade pelos atos tipicamente jurisdicionais e a responsabilidade pela atividade judiciria. No pargrafo anterior, ao comentar a hiptese de responsabilizao do Estado por atos judiciais, concluiu-se que deve ser feita de maneira ponderada, de maneira que no fique a menor, com a total irresponsabilidade do Estado nesse sentido, conforme advogado por alguns22; nem uma responsabilidade excessiva, de forma a interferir na atividade tpica das funes judicirias. Mas como chegar ao meio termo? Foi a partir da que a doutrina dividiu os atos nas duas categorias citadas. Nas primeiras, atos tipicamente jurisdicionais, mais nebulosa a imputao de responsabilidade. Arguir-se- no sentido da independncia do Judicirio, e, de fato, plausvel os argumentos. No se defende a total responsabilizao do judicirio, por todo e qualquer ato, mas o posicionamento aqui no sentido de refutar a irresponsabilidade do Poder Judicirio. Isso uma tese que no se pode coadunar, sob pena da j descrita acima imunidade deste ou de qualquer Poder. Desta forma, nos atos jurisdicionais tpicos, de mrito de decises judiciais, difcil a interferncia e imputao de responsabilidades. A soluo nestes casos so as que o prprio ordenamento jurdico confere, como a ao rescisria ou a ao anulatria (querela nulitatis insanabilis). Da que atualmente a responsabilidade por atos judiciais tpicos s admitida a partir da hiptese prevista no art. 5, LXXV da Constituio Federal (erro judicirio no processo penal). De resto, a coisa julgada pe uma pedra em discusses acerca de mrito de decises judiciais, que sero atacadas pelos remdios prprios da Judicirio. Em outra mo, quanto atividade judiciria j mais pacfica a possibilidade de responsabilizao do Estado, nos casos em que h desdia por parte do magistrado, como por exemplo, retardando injustificadamente o andamento dos feitos sob sua responsabilidade, perda de autos, etc; negligncia de serventurios, falhas no servio judicirio, entre outras inmeras hipteses possveis. Tanto assim que um rgo de controle do Judicirio j se encontra em pleno funcionamento, o Conselho Nacional de Justia, que por mais que seja um rgo do Poder Judicirio, o fiscaliza, mas no o mrito de suas decises, em regra, sua fiscalizao se d no22

GASPARINI, Digenes. Direito Administrativo. 9ed. So Paulo: Saraiva, 2004. p. 877.

mbito administrativo, no interferindo na autonomia do magistrado. O CNJ ser abordado em detalhes no prximo captulo. Assim, assentado o entendimento da possibilidade de responsabilidade pela atividade judiciria, e no pelo mrito ou atos tipicamente jurisdicionais, frtil se torna o campo para a discusso da responsabilidade civil do Estado pela violao da garantia da durao razovel do processo.

1.5.3. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA VIOLAO GARANTIA DO PRAZO RAZOVEL

O tema que ser abordado a partir de agora , de certa forma, esquecido pela doutrina nacional. Na verdade, com o iminente advento do novo Cdigo de Processo Civil, as recentes reformas operadas no Judicirio para tentar solucionar a crise dos pontos de estrangulamento, que o assunto vem sido debatido de forma mais recorrente pelo meio jurdico e acadmico. Desta forma, uma parte da doutrina sustenta que, com base no supracitado Art. 37, 6 e sua atribuio de responsabilidade objetiva atividade estatal as dilaes indevidas e danos decorrentes de paralisaes injustificadas em virtude de falhas no servio judicirio. Argui-se que a demora injustificada na prestao do servio jurisdicional, servio essencialmente pblico e indelegvel, entraria no conceito de servio pblico imperfeito, indenizvel portanto. Outra parcela de doutrina refuta essa responsabilizao plena e objetiva, defendendo que somente nos casos da demora decorrer de funcionamento anormal do servio judicirio ela deva ocorrer. Caso contrrio, como a garantia do da durao razovel do processo traz consigo uma certa carga de indeterminao conceitual, em demorando o processo por sobrecarga de servio meramente, ou por falhas estruturais, dever-se-ia adentrar ao estudo da responsabilidade com culpa.23

23

CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. cit., p. 497.

Porm, ao se analisar a fundo este argumento, cair-se- numa redundncia. Ora, seno vejamos. Embora no explicito, tal posicionamento induz crena de que a sobrecarga de servio impossibilitou o Estado justifica razoavelmente a demora por parte do ente pblico. Porm, trocando em midos, se houve aparente sobrecarga de trabalho e o Estado no foi capaz de absorver de maneira satisfatria, h uma evidente falha no servio pblico. No pode se atirar Constituio Federal que assegura aos cidados seus mais bsicos direitos a culpa pela demora. Se a Carta Maior assegura a todos o direito de ao, o direito de petio, o direito ao processo em prazo razovel nus do Estado, sim, atender a esses mandamentos constitucionais. E no o contrrio (adaptar a Constituio s limitaes estatais). Sedimentada a ideia de que o Estado tem sim a possibilidade de reparar o dano causado atrasos injustificados na prestao jurisdicional decorrentes de funcionamento anormal de suas instituies, outro tema que suscita discusso a da possibilidade do Estado realizar a denunciao lide, nos termos do Art. 70 e seguintes do Cdigo de Processo Civil, ao funcionrio que deu causa morosidade injustificada. Ora, a denunciao de agentes pblicos em situaes de reparao de danos pacfica, expressamente citada no art. 37, 6 da Constituio Federal (assegurado ao Estado o direito de regresso contra o agente, quando este incorrer em dolo ou culpa). O ponto nevrlgico que surge a de saber se o Estado pode realizar a denunciao do magistrado nestes termos, com base no artigo supracitado e tenha o julgador incorrido nas hipteses do art. 133 do mesmo cdigo. Transcritos aqui sero os referidos artigos para elucidao do assunto:

Art. 70. A denunciao da lide obrigatria: I - ao alienante, na ao em que terceiro reivindica a coisa, cujo domnio foi transferido parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evico Ihe resulta; II - ao proprietrio ou ao possuidor indireto quando, por fora de obrigao ou direito, em casos como o do usufruturio, do credor pignoratcio, do locatrio, o ru, citado em nome prprio, exera a posse direta da coisa demandada; III - quele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ao regressiva, o prejuzo do que perder a demanda. Art. 133. Responder por perdas e danos o juiz, quando: I - no exerccio de suas funes, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providncia que deva ordenar de ofcio, ou a requerimento da parte. Pargrafo nico. Reputar-se-o verificadas as hipteses previstas no no II s depois que a parte, por intermdio do escrivo, requerer ao juiz que determine a providncia e este no Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.

Os argumentos mais comuns contrrios denunciao seriam aqueles que dizem respeito diversidade de fundamentos da responsabilizao do Estado e de seu agente. De qualquer forma, tendo o prejudicado a possibilidade de reparao, assegurado estar de qualquer forma, o direito do Estado regressar ante seu agente que agiu com culpa. Anote-se que, de uma forma ou de outra, os agentes estaro sujeitos, em ltima analise, s sanes e procedimentos administrativos disciplinares, conforme o caso, em virtude de sua responsabilidade funcional. Eventualmente, as partes tambm podero ser responsabilizadas, no por dilaes indevidas, mas sim por litigncia de m-f, caso incorram nas condutas do art. 17 do Cdigo de Processo Civil. A aplicao da sano em tela incumbncia do juiz condutor do feito. Evidente que se a dilao indevida for provocada por alguma das partes no h que se falar em responsabilizao do Estado, pois neste caso, ausente estaria o requisito indispensvel a toda e qualquer responsabilizao, objetiva ou no, o nexo de causalidade. Sem este, impossvel imputar algum dano ao Estado ou a quem quer que seja. Finalmente, cabe uma ressalva que, se no for dada a devida ateno, pode acabar por confundir um e outro conceito. No se pode ter a responsabilidade objetiva como inverso do nus da prova. A responsabilidade objetiva somente o fator que pode imput-la sem o elemento culpa, essencial no estabelecimento da responsabilidade aquiliana, prpria do direito privado. isso e nada mais. Caso fosse nus da prova, o demandante se eximiria de provar o fato constitutivo de seu direito e no isso que de fato ocorre. Aquele que pleiteia algo contra o Estado sob o manto da responsabilidade objetiva deve provar todos os elementos constitutivos de seu direito, qual seja, o nexo causal entre o fato lesivo e o dano e o montante a ser indenizado, excetuando-se a culpa, dispensvel nestes casos. Isso no significa dizer que o juiz no poder inverter o nus para facilitar o acesso justia ou

quando a produo da prova necessria se tornar excessivamente difcil, de forma que impediria o exerccio do direito. O que se refuta a vinculao automtica entre um instituto e outro. No diferente as palavras de Hely Lopes Meirelles, cujas palavras vo neste sentido.24 Neste sentido, as demandas que versem sobre dilaes indevidas e a sua indenizao caber ao demandante provar e demonstrar expressamente a extenso dos danos que efetivamente sofreu. No demais recordar que a indenizao a maior do dano ilcita, na modalidade de enriquecimento ilcito. Por essa a razo da discriminao, na maior preciso possvel do dano sofrido e indenizvel com vistas a se evitar o enriquecimento ilcito, que seria a tentativa de se reparar um ato ilcito com outro ato ilcito. Assim que a indenizao por danos materiais deve ser, evidentemente, comprovada com forte material probatrio ao passo que possvel reparao de dano moral no deve ser grande a ponto de causar enriquecimento ilcito e nem pouca a ponto de no ter a capacidade de prevenir futuras violaes. Essa lio j antiga e provm do carter punitivo do dano moral.

1.6 CONCLUSES PARCIAIS

Ao fim da primeira parte deste trabalho, algumas concluses podem ser extradas. Iniciou-se com uma abordagem a atual cultura ps-moderna da acelerao, da massificao, da alta complexidade das relaes entre indivduos e sujeitos, do tempo como termmetro das relaes institucionais e sociais, da substituio do micro pelo macro, etc. claro que estas mudanas sociais afetam diretamente o mundo jurdico, at em decorrncia deste ser um espelho da sociedade em geral. Responde aos anseios e vive em funo desta. Atualmente inegvel a massificao de processos nos tribunais, sendo que existem verdadeiros clientes do Judicirio, nas palavras Ophir Cavalcante Jnior, como grandes

24

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. So Paulo: Malheiros, 2007. p. 570.

corporaes e o prprio ente pblico, cujas demandas so responsveis por uma avalanche de aes e recursos, com a qual no estava preparado nosso sistema, que foi projetado sob uma tica de demanda individual.

Para isso, observou, preciso "uma mudana de cultura, em que o Estado passe a respeitar mais os direitos dos cidados, pois ele o maior responsvel pela grande litigiosidade existente hoje no Pas". Dados do CNJ e da OAB apontam que 70% dos quase 80 milhes de aes em tramitao no Judicirio do pas so processos envolvendo o Estado, representados por Unio, Estados e Municpios. Esse excesso de litgios, segundo Ophir, ocorre em parte em funo de mltiplos problemas ou demandas da sociedade que passam pelo aparelho estatal. Ele citou entre eles as contendas da sociedade brasileira com a Previdncia Social, as perdas de planos econmicos cobradas por aplicadores e consumidores, calote dos precatrios, questes tributrias, contestaes a planos de cargos e salrios, entre outros. Nesse contexto, Ophir disse que alm de uma mudana de cultura por parte do Estado, que altere a postura de desrespeito a direitos dos cidados, preciso tambm uma "melhoria da estrutura do Judicirio". Dentre os vrios aspectos legais comentados pelo presidente nacional da OAB, o que mais chamou ateno foi a forte objeo, no Congresso, possibilidade de, depois de contestada a petio inicial, o autor mudar o pedido.25

Para enfrentar essa massificao instrumentos devem ser introduzidos no sistema, mas com a ressalva j feita de nunca se descuidar da segurana jurdica e das garantias do contraditrio, sob pena de tornar o processo inefetivo. Como abordado, efetividade no se traduz em celeridade, necessariamente. um princpio que decorre da conjugao desta com a segurana jurdica. Aps, passou-se uma breve releitura sobre o histrico do processo civil brasileiro, desde o Cdigo Buzaid de 1973 at os dias de hoje. Foram abordadas as problemticas da poca e as de hoje e a incapacidade do sistema posto de combater os problemas atuais. Para problemas atuais precisa-se de solues atuais. Entretanto, no se deixou de enaltecer o Cdigo de Buzaid por ser um primor de tecnicidade, que seguramente marcar poca. Os institutos que podem ser observados corriqueiramente no dia a dia forense, como a delimitao de

25

Estado o maior cliente do Judicirio. Disponvel em . Acesso em: 11 out. 2010.

competncias, interveno de terceiros, citaes, decises do juiz em geral, so lies de grande valia decorrentes do Cdigo de 1973. Em seguida, passou-se a uma analise acerca das possveis causas da morosidade excessiva em julgar. Tecnicamente, dividiu-se em trs principais fatores, quais sejam; amente os fatores bsicos causadores da morosidade na justia, tais quais: institucionais, que dizem respeito a uma eficiente administrao judiciria; de ordem tcnica e subjetiva, relativos a alguns aspectos da ordem processual positiva, e ao preparo dos operadores de direito; derivados da insuficincia material, relativos s condies de trabalho, instalaes, nmero de funcionrios, etc. Dita separao serve de referncia no sentido de auxiliar os estudiosos a procurarem solues viveis, j que ao se segregar as causas pormenorizadamente, facilita-se a tarefa de enfrentar os problemas. Foi abordado tambm a possibilidade da aplicao da teoria da reserva do possvel na efetivao do direito a prestao jurisdicional em prazo razovel. Afastou-se a possibilidade, principalmente em razo de que o direito em questo consta no rol dos direitos fundamentais, possuindo, portanto, aplicao plena e imediata. Colacionou-se jurisprudncia a respeito. Continuando, debruou-se o texto sobre o princpio da efetividade propriamente dito e sua correlao com o princpio da razovel durao do processo. Concluiu-se que apesar de possurem cargas axiolgicas semelhantes, no se podem confundir. Caso o princpio da razovel durao seja exageradamente considerado, ao ponto das reformas, sob o pretexto de agilizar as demandas, acabar por prejudicar o princpio da segurana jurdica, o princpio da efetividade restar prejudicado. Por fim, abordou-se o tema da responsabilidade civil do Estado pela violao garantia do prazo razovel. Concluiu-se pela possibilidade de indenizao caso haja danos decorrentes da atividade judiciria, como erro cartorrio, dilaes injustificadas que causem prejuzos, etc, negando-se a possibilidade de indenizao por atos tipicamente judiciais, como decises judiciais strictu sensu.

2.

ESTADO

ATUAL

DO

JUDICIRIO

BRASILEIRO:

MECANISMOS

DE

AGILIZAO E SIMPLIFICAO DOS PROCEDIMENTOS

2.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL 45

O sistema constitucional advindo da redemocratizao do pas culminou na elaborao, em Assembleia livre, da Constituio Federal de 1988. Esta apresenta alguns pontos que merecem reparos, da a propalao da palavra reforma. Apesar da chamada Constituio Cidad ditar uma gama de direitos e estruturar de maneira democrtica a mquina estatal, percebeu-se que a atividade judiciria necessitava de reformas. Inicialmente, foram operadas reformas em mbito infraconstitucional, na legislao processual, notadamente as realizadas pelas Leis 9494/97 que generalizou a antecipao de tutela, importantssimo instrumento colocado disposio do Juiz para trazer efetividade ao processo; Lei 10.352/01, que reformou o sistema recursal e Lei 10.444/02, cujas alteraes significaram expressivas mudanas no processo/fase de execuo. Percebeu-se, entretanto, que mudanas mais abruptas eram necessrias, no somente da legislao processual, mas algo mais amplo, significativo, que alterasse a fundao do sistema. Neste contexto histrico surgiu a Emenda Constitucional 45, promulgada em 08/12/2004, com o intuito de adequar o funcionamento da Justia aos anseios de uma sociedade cada vez mais desenvolvida e complexa. Com toda a certeza a Emenda Constitucional 45 no foi e nem ser a soluo dos problemas do Judicirio, seria at pretensioso uma crena forte neste sentido. A soluo, como abordado no texto, envolve um plexe de fatores, cujas complexas causas requerem solues das mais diversas categorias e naturezas. Na realidade, em benefcios processuais propriamente ditos a emenda no foi eficaz para se

resolver substancialmente os pontos de estrangulamento. Contudo, representa uma conclamao da sociedade e dos operadores para um debate profcuo e estrutural acerca do problema, algo que era necessrio no momento. Passados seis anos de sua promulgao, percebe-se que a mentalidade de operadores de Direito atualmente no sentido de se alcanar a maior efetividade no processo, repensando o Judicirio neste sentido, para que atinja de fato seu mister institucional. Contudo, para se compreender melhor o contexto no qual a reforma foi elaborada, deve-se adentrar aos noutro assunto de de grande relevncia. Dita compreenso permitir operadores direito adotarem premissas

metodolgicas para a interpretao do texto e das reformas propriamente ditas. Um parnteses ser aberto, enfim, para abordar a inspiradora lio das ondas renovatrias do acesso justia.

2.1.1 AS ONDAS RENOVATRIAS DO ACESSO JUSTIA

No aspecto do acesso justia, foi elaborado pela doutrina trs grandes fases de elaborao cientfica, que ficaram conhecidas como as trs ondas do acesso justia. Os maiores expoentes desta doutrina foram, notadamente, Mauro Cappeletti e Bryant Garth. As trs ondas so, pela ordem26: a)os bices econmicos; b) os bices em relao tutela de direitos transindividuais;c) usurio da atividade jurisdicional. Algumas consideraes acerca destas trs ondas, que, segundo a doutrina, so as grandes dificuldades dos judicirios em cumprir seu mister com satisfatoriedade, ou seja, entreves econmicos, a dificuldade em lidar com direitos transindividuais e, por fim, a satisfao de seu usurio, ou seja, o jurisdicionado, que o ltimo interessado e afetado pelos defeitos e virtudes do servio prestado. a satisfao do

26

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Traduo de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Editora, 1998.

Primeiramente, a dogmtica jurdica, sobretudo a dogmtica processual, preocupou-se, com uma certa dose de razo, dos bices econmicos em se conseguir o acesso justia. Com razo porque este entrave o de mais difcil superao. Se o indivduo fosse obrigado a suportar as pesadas custas processuais, grande parcela dos jurisdicionados brasileiros estariam com seu direito de ao severamente prejudicado. Contudo, neste aspecto, o direito brasileiro j est de fato preparado a enfrentar a questo. A Lei 1060/50, com cerca de sessenta anos de idade, j garante aos economicamente carentes a possibilidade de demandar, independentemente do pagamento de despesas do processo. Com os mecanismos adequados a superar eventuais bices de natureza econmica de acesso justia, verificou-se que nem todas as posies, interesses e direitos subjetivos estavam aptos proteo por meio da atividade jurisdicional. Os instrumentos que estavam colocados disposio no conseguiam suprir, com razovel efetividade, a gama de interesses merecedores de ateno. Da que a ateno do legislador brasileiro se voltou encontrar solues, instrumentos aptos a tutelar os chamados direitos transindividuais. Atualmente, o ordenamento jurdico ptrio avanou sobremaneira. A legislao oferece um leque de instrumentos que possuem o condo de suportar adequadamente a tutela de direitos transindividuais. Dentre os diplomas, destacamse a Lei 4717/65 (Ao Popular), a Lei 7347/85 (Ao Civil Pblica) e a 8072/90 (Cdigo de Defesa do Consumidor). A ltima e terceira onda afetada diretamente pelo assunto tratado neste trabalho. A derradeira onda aquela que avalia a satisfao do usurio da atividade jurisdicional. Justia que no atende satisfatoriamente aos anseios dos interessados falha, e, de certo modo, impede a expresso de cidadania do mais necessitado. Justia tardia somente atende aos interesses daquele que pode esperar. O cidado comum no pode esperar. Conclui-se que, para destravar o terceiro bice de acesso Justia as reformas processuais que garantam maior celeridade so imprescindveis. Atualmente, no h como se falar em acesso pleno Justia sem reformas que garantam sua resposta em tempo razovel. Acesso pleno no se

traduz, puro e simplesmente, no direito de ao. Compreende algo maior, como, por exemplo, a efetividade do processo, que o instrumento processual tenha de fato o condo de fazer valer o direito material postulado, seja adequado para tal.

2.2 O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA

O Conselho Nacional de Justia um rgo do Poder Judicirio, criado aps a supracitada Emenda Constitucional 45/2004, que o adicionou ao rol do Art. 92 da Carta Magna. Foi criado com o objetivo bsico voltado reformulao de quadros e meios no Judicirio, sobretudo no que diz respeito ao controle e transparncia administrativa e processual. Sua sede na Capital Federal e rea de atuao todo o territrio nacional. Compe-se de 15 membros, nomeados pelo Presidente da Repblica depois de aprovada a escolha por maioria absoluta do Senado Federal. Os membros so definidos pelo Art. 103-B da Constituio Federal, verbis:

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justia compe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) reconduo, sendo: I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal; II - um Ministro do Superior Tribunal de Justia, indicado pelo respectivo tribunal; III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal; IV - um desembargador de Tribunal de Justia, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justia; VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justia; VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; X - um membro do Ministrio Pblico da Unio, indicado pelo Procurador-Geral da Repblica; XI - um membro do Ministrio Pblico estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da Repblica dentre os nomes indicados pelo rgo competente de cada instituio estadual;

XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; XIII - dois cidados, de notvel saber jurdico e reputao ilibada, indicados um pela Cmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Como se nota, a composio do Conselho mista, sendo formado por representantes da magistratura federal (inclusive do trabalho), estadual, membros do Ministrio Pblico, advogados e cidados. A Presidncia do Conselho cabe, obrigatoriamente, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao passo que a Corregedoria cabe ao membro proveniente do Superior Tribunal de Justia. Ainda em 2004, antes da efetiva instalao do Conselho, a AMB (Associao dos Magistrados Brasileiros) ajuizou a Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.367), aduzindo vcio formal de constitucionalidade alm de afronta aos artigos 2 e 18 da Carta Maior. Ambos os argumentos restaram afastados pelo Supremo, segundo o qual a presena de no magistrados na composio do Conselho no viola a Tripartio dos Poderes: (..) Subsistncia do ncleo poltico do princpio, mediante preservao da funo jurisdicional, tpica do Judicirio, e das condies materiais do seu exerccio imparcial e independente. Ainda neste sentido, no mesmo julgamento, asseverou o Min. Relator: pode ser que tal presena seja capaz de erradicar um dos mais evidentes males dos velhos organismos de controle, em qualquer pas do mundo: o corporativismo, essa molstia institucional que obscurece os procedimentos investigativos, debilita as medidas sancionatrias e desprestigia o Poder27 Pela simples leitura do Art. 103-B, 4, percebe-se nitidamente que o CNJ no possui carter jurisdicional, derrubando ainda mais a tese de que sua composio com membros no magistrados violaria a tripartio dos poderes. Suas funes, de acordo com a Carta Maior, so: 4 Compete ao Conselho o controle da atuao administrativa e financeira do Poder Judicirio e do cumprimento dos deveres funcionais dos juzes, cabendo-lhe, alm de outras atribuies que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

27

ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 13.04.2005.

I - zelar pela autonomia do Poder Judicirio e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no mbito de sua competncia, ou recomendar providncias; II - zelar pela observncia do art. 37 e apreciar, de ofcio ou mediante provocao, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou rgos do Poder Judicirio, podendo desconstitu-los, rev-los ou fixar prazo para que se adotem as providncias necessrias ao exato cumprimento da lei, sem prejuzo da competncia do Tribunal de Contas da Unio; III - receber e conhecer das reclamaes contra membros ou rgos do Poder Judicirio, inclusive contra seus servios auxiliares, serventias e rgos prestadores de servios notariais e de registro que atuem por delegao do poder pblico ou oficializados, sem prejuzo da competncia disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoo, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsdios ou proventos proporcionais ao tempo de servio e aplicar outras sanes administrativas, assegurada ampla defesa; IV - representar ao Ministrio Pblico, no caso de crime contra a administrao pblica ou de abuso de autoridade; V - rever, de ofcio ou mediante provocao, os processos disciplinares de juzes e membros de tribunais julgados h menos de um ano; VI - elaborar semestralmente relatrio estatstico sobre processos e sentenas prolatadas, por unidade da Federao, nos diferentes rgos do Poder Judicirio; VII - elaborar relatrio anual, propondo as providncias que julgar necessrias, sobre a situao do Poder Judicirio no Pas e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasio da abertura da sesso legislativa.

Depreende-se, portanto, que o CNJ no exerce funo jurisdicional e, mais, suas decises no esto acima do Judicirio, podendo serem revistas pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o supracitado julgamento da ADI 3.367 e o Art. 102, I, da Constituio Federal. As atribuies, como se compreende da leitura do artigo transcrito, so meramente administrativas do prprio Poder Judicirio, restrita ao controle financeiro, administrativo e disciplinar; alm de planejamento estratgico, com a proposio de polticas judicirias, trabalhando como um instrumento efetivo de desenvolvimento do Poder Judicirio28. Estando estabelecidas as caractersticas nucleares deste rgo, importante para o estudo em questo, passar-se- a uma abordagem acerca de suas metas

28

O Que o CNJ?. Disponvel em . Acesso em: 13 out. 2010.

para o Judicirio, tema que alterou frontalmente a rotina de cartrios e tribunais brasileiros. 2.2.1. As Metas do CNJ

No incio do ano de 2009, o Conselho Nacional de Justia editou metas a serem seguidas pelos Tribunais, de todos os nveis e todo territrio nacional, com o fito de aprimorar a prestao jurisdicional e agilizar os processos em tramitao. Estas metas ficaram conhecidas como metas de nivelamento do Judicirio.29 Apesar de no serem mandamentais, ou seja, no possurem o condo de obrigar os Tribunais a realizarem as diretrizes propostas, por fim as metas acabaram por impactar de grande forma o dia a dia forense em cartrios e varas por todo o Brasil. Tribunais expediram resolues de modo a normatizar e gerar obrigaes no sentido de se cumprir a meta. Alguns com maior aceitao e outros com mais resistncia s mudanas, as metas de fato interferiram no cotidiano forense. Nesse sentido, apresenta-se no site do Conselho Nacional de Justia uma sntese acerca das metas, verbis:

No 2 Encontro Nacional do Judicirio, realizado no dia 16 de fevereiro, em Belo Horizonte (MG), os tribunais brasileiros traaram 10 metas que o Judicirio deve atingir no ano de 2009 para proporcionar maior agilidade e eficincia tramitao dos processos, melhorar a qualidade do servio jurisdicional prestado e ampliar o acesso do cidado brasileiro justia. Atualmente, o Judicirio est empenhado em alcanar a Meta 2: Identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribudos at 31.12.2005 (em 1, 2 grau ou tribunais superiores). O objetivo assegurar o direito constitucional razovel durao do processo judicial, o fortalecimento da democracia, alm de eliminar os estoques de processos responsveis pelas altas taxas de congestionamento. Neste sentido, os tribunais e associaes sob a coordenao do Conselho Nacional de Justia, criaram a campanha Meta 2: bater recordes garantir

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Poder Judicirio Nacional ter que cumprir 10 metas at o final do ano. Disponvel em: . Acesso em: 18 out. 2010

direitos. Trata-se de um desafio que o Judicirio deve superar e um servio que a sociedade merece receber. Confira as 10 metas nacionais de nivelamento a serem alcanadas pelo judicirio no ano de 2009: 1. Desenvolver e/ou alinhar planejamento estratgico plurianual (mnimo de 05 anos) aos objetivos estratgicos do Poder Judicirio, com aprovao no Tribunal Pleno ou rgo Especial. 2. Identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribudos at 31/12/2005 (em 1, 2 grau ou tribunais superiores). 3. Informatizar todas as unidades judicirias e interlig-las ao respectivo tribunal e rede mundial de computadores (internet). 4. Informatizar e automatizar a distribuio de todos os processos e recursos. 5. Implantar sistema de gesto eletrnica da execuo penal e mecanismo de acompanhamento eletrnico das prises provisrias. 6. Capacitar o administrador de cada unidade judiciria em gesto de pessoas e de processos de trabalho, para imediata implantao de mtodos de gerenciamento de rotinas. 7. Tornar acessveis as informaes processuais nos portais da rede mundial de computadores (internet), com andamento atualizado e contedo das decises de todos os processos, respeitado o segredo de justia. 8. Cadastrar todos os magistrados como usurios dos sistemas eletrnicos de acesso a informaes sobre pessoas e bens e de comunicao de ordens judiciais (Bacenjud, Infojud, Renajud). 9. Implantar ncleo de controle interno. 10. Implantar o processo eletrnico em parcela de suas unidades judicirias.30

Conforme se verifica em uma rpida anlise, as metas de nivelamento de 2009 continham mandamentos de diversas categorias, no sentido de se economizar gastos, de se aprimorar gesto do Judicirio, - como a capacitao de servidores e a informatizao de procedimentos, que ser tratada adiante - chegando ao ponto de se determinar uma prioridade de tramitao de processos antigos. Essa ltima meta, conhecida como meta 02 do CNJ foi o ponto nodal da polmica gerada. Ela preceitua que os tribunais deveriam identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribudos at 31/12/2005 (em 1, 2 grau ou tribunais superiores). Tal preceito gerou polmica por parte de alguns tribunais, como foi dito, inclusive no Supremo Tribunal Federal. O Ministro Marco Aurlio teceu duras crticas, inconformado com a divulgao de dados acerca dos processos em tramitao no STF no site do CNJ, classificando o fato como30

Metas de Nivelamento Meta 02. Disponvel em: Acesso em: 18 out. 2010

inadmissvel subordinao da Suprema Corte: Reafirmo que o CNJ est surgindo como um super rgo. Um rgo que estaria numa concepo acima da prpria Constituio e do Supremo, disse. E completou: Essa corte jamais se submeter a diabruras deste ou daquele rgo31. O fato que as metas foram efetivamente implantadas e geraram resultados satisfatrios. A produo dos tribunais em 2009 foi superior a de anos passados. Para se facilitar o entendimento, colacionar-se- grfi