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Copyright © 1998 by Jurandir Freire Costa Direitos desta edição reservados à EDITORA ROCCO LTDA. Avenida Presidente Wilson, 231, 8 Q andar 20030-021 - Rio de Janeiro, RJ Te!.: (21) 3525-2000 - Fax: (21) 3525-2001 [email protected] www.rocco.com.br AGRADECIMENTOS Printed in Brazi/ilmpresso no Brasil preparação de originais LAURANEVES CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Estes estudos fazem parte de uma pesquisa sobre sexualidade e amor, realizada no Instituto de Medicina Social da UERJ. A pesquisa foi inicialmente financiada pela Fundação Ford e, em eguida, apoiada financeiramente pelo CNPq.·O relatório de campo sobre a sexualidade não foi publicado e a parte relativa à questão do amor deverá ser desdobrada em um volume posterior. Agradeço a todos os colegas, amigos e estudantes que com crí- ticas e indicações bibl iográficas tornaram possível este trabalho. C873s Costa, Jurandir Freire, 1944- _ . Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico I Jurandir Freire Costa. - Rio de Janeiro: Rocco: 1998. (Gênero Plural) ISBN: 85-325-0925-8 1. Amor. 2. Romantismo. J. Título. lI. Título: Estudos sobre o amor romântico. 98-1336 CDD-306-7 CDU-392.61 Rio de Janeiro, maio de 1998

FREIRE COSTA, Jurandir. Sem Fraude Nem Favor

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Copyright © 1998 by Jurandir Freire Costa

Direitos desta edição reservados àEDITORA ROCCO LTDA.

Avenida Presidente Wilson, 231, 8Q andar20030-021 - Rio de Janeiro, RJ

Te!.: (21) 3525-2000 - Fax: (21) [email protected]

AGRADECIMENTOS

Printed in Brazi/ilmpresso no Brasil

preparação de originaisLAURANEVES

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Estes estudos fazem parte de uma pesquisa sobre sexualidade eamor, realizada no Instituto de Medicina Social da UERJ. Apesquisa foi inicialmente financiada pela Fundação Ford e, emeguida, apoiada financeiramente pelo CNPq.·O relatório de

campo sobre a sexualidade não foi publicado e a parte relativa àquestão do amor deverá ser desdobrada em um volume posterior.Agradeço a todos os colegas, amigos e estudantes que com crí-ticas e indicações bibl iográficas tornaram possível este trabalho.

C873sCosta, Jurandir Freire, 1944- _ .

Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor românticoI Jurandir Freire Costa. - Rio de Janeiro: Rocco: 1998.

(Gênero Plural)

ISBN: 85-325-0925-8

1. Amor. 2. Romantismo. J. Título. lI. Título:Estudos sobre o amor romântico.

98-1336 CDD-306-7CDU-392.61

Rio de Janeiro, maio de 1998

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Numa cena do filme Terra das sombras, o personagem dohistoriador inglês C. S. Lewis pergunta a um colega de univer-sidade se ele é feliz. O colega responde: "Eu sou o que sou; a vidaé o que é. O que isso tem a ver com felicidade?" O diálogo diziarespeito ao amor. Lewis estava apaixonado pela poetisa ameri-cana Joy Gresham, e o colega ignorava o que era amar. Naseqüência, Joy morre inesperadamente de câncer. O sofrimentode Lewis é imenso e a moral do filme é clara: sem amor estamosamputados de nossa melhor parte. A vida pode até ser maistranqüila e livre de dores quando não amamos. Mas trata-se deuma paz de cinzas, como a do colega de Lewis. Nada subs· .a felicidade eróti ;_nad.a...tra nto do amor-paixão român-tico corres ondido. Diante dele tudo empalidece; sem ele até oque engrandece erde a razão de ser.

Esta ima e amor tí ica do antismo, nos é total-:nente famili r. Ela domina o imaginário no qual o amor eróticoé o signo do supremo Bem. Entretanto a esar do eno eprestígio cultural, o amo ixou.de,s r um I2.!:!IQ....!})e~deencanto ara se tornar uma corvéia. Quando é bom não dura equando dura Ja nao entusIasma. "Os fins do Ser e a Graçacntresson a a, e iza et Browning/Manuel Bandeira, pa-recem distantes como conto de fadas. Na prática, muitos come-(Iam a se convencer de que "a 'frer" e uem não quiser

INTRODUÇAO

Logo, esquecerás tudo; logo,todos te esquecerão.

Marco Aurélio

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sofrer deve desistir de amar. Realizar o amor sonhado tornou-se;.; desafio ou uma massacrante obsessao. Caaa dia mais osdeserdados da paixfu;büscam a cu~ para seus male . Umadescoman rtráqqina de reparar amores.infelizes foi posta ~mar-€fl.a-e;-pôuGe--a-peu6&,-&Fgs 'mero dos ue gravitam emtorno dela:, clientes, funcionários, proprietários, gestores,ideólogos, "garotos/garotas-propaganda" e assim por diante.Desde as lições de vida oferecidas pelas personagens de teleno-velas, passando por conselhos paterno~/~~ternos e ~pi~iõessavantes de psicanalistas, psicólogos cogmtrvrstas, behavioristas,psicofarmacologistas, neurocientistas, religiosos, cartomantes,astrólogos e centenas de outros peritos, tudo e todos parecemquerer resolver um "problema" cada vez mais rebeld.e ao ades-tramento.

Os artigos deste livro não pretendem oferecer soluções - seé que existem - para os dilemas do amor. Pretendem, simples-mente, sugerir outro modo de pensar sobre est~ vene:andaquestão. A sugestão é que tentemos desfazer o monotono pêndu-10 que oscila entre a culpabilização dos indivíduos pelos "fraca~-sos" de amor e a condenação da paixão amorosa como desvarioinstitucionalizado. Ao contrário disso, enso ue o amor ne 'uma impostura, como uerem alguns, nem é o sagrado profa~a-

e: do por nossa "im iedade n ' a' como uerem outros. º--"'0 . I d -~ \ amor é uma cren a em lona, to a cren a, o e ser:,-)~'>'l>.QJantida,alterada-> disQensada, trocada melhorada, piora ~

uz:;v~o~abolida. O amor foi inventado como o fogo, a roda, o casamento,íl~ "medicina-õ"fabrico do pão, a arte erótica chinesa, o computa-

~~ dor, o cuidado com o próximo, as heresias, a democracia, o:,.,J" nazismo, os deuses e as diversas imagens do universo. Nen um

de seus constituintes ativos co nitivos ou conativos é fixo pornatureza. Tudo pode ser recriado, se acharmos que assim deves~ função do que julgarmos melhor para todos e cada um .denós. Para isso, entretanto, é preciso mostrar que nossas convic-ções amorosas podem ser aperfeiçoadas, q.u~l~uer que seja osentido que v nhamos dar ao termo perfectibilidade.

Nesta introdução e nos textos que compõem o volume,procuro analisar algumas das mais tenazes "intuições" sobre o

INTRODUÇÃO

amor, com vistas à discussão de seus enigmas morais. De modobreve, .três principais afirmações sustentam o credo amorosodominante: I) o amor é um sentimento universal e natural,presente em todas as épocas e culturas; 2) o amor é um sentimen-to surdo à "voz -,,' lável ela for a da vontadee3)oamoréacondi ãosine d ma u

odemos as' . Esses tópicos formam uma espécie de catálogo'de competência mínima exigido dos candidatos ao vestibular doamor. Vejamos cada um deles isoladamente.

Em primeiro lugar, tomemos a crença na universal idade e nanaturalidade do amor. O argumento que dá suporte à crença dizmais ou menos o seguinte: em todas as culturas conhecidastemos testemu da Qresen a do amor- ~. Isso prova queele é um dom gratuitamente oferecido ela mãe natureza.Portanto, ~do que venha a roibi-Io inibi-I o ou desmoralizá-Ioé desumano e antinatural. Habituamo-nos a pensar dessa forma

-e qua quer afirmação diferente aparece como contra-intuitiva ecarente de fundamento. Na verdade, esse raciocínio faz parte doaprendizado das "intuições indubitáveis" sobre nossos senti-mentos. A render a valorizar o amor como um bem dese·.á 'aprender ao mesmo tem o a não duvidarde sua universalid~ee de sua naturalidade. Só que a idéia da naturalidade e universa-lidade da experiência amorosa nada tem de evidente por simesma. Quan o dizem s que amor é universal estamosdizendo -ue sabemos reconhecer em experiências emocionaispassadas semelhanças ou identidades com experiências amoro-sas presentes. as a ca acida e ara reconhecer semelhançasou diferenças em fatos afastados no tempo e no es a o éensina a e aprendida como qualquer outra. uem nos ensina queõ amor de eléna por Páris, de Romeu por Julieta, de Cleópatrapor Marco Antônio, de Tristão por Isolda é igual ao amor quesentimos,já selecionou previamente, no" fatos passados, o quedeve ser identificado com os traços relevantes dos amores atuais.Além . er ue os amores históricos ou lendários são

n[h €!.quiloque devemos sentir integra a abilidade de ver o amorcomo ai o randioso, mágico, que atravessa o tem o e o espaço-com a força de um ra-numano e extr n, ldano. Saber

-N~f):';S <• ,.1\Q -s- \<O.AJ \1). ::>r'(\ . """' r-'9>5 D'> '("' .,.~\) ?c P

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14 SEM FRAUDE NEM FAVOR

amar é reco ~ se e te os sentimentos dos heróis eeroínas dos enredos amorosos exemplares. Do contrário, o ue

sentimos não é o "verdadeiro amor" e sim uma contrafação, um~pálido'ré: exo Õguesentirem;s uando o amor enuinamente,nostoêar.

O contra-exemplo dessa descrição pode ser dado,empiricamente, pelas culturas nas quais a "experiência univer-sal" do amor não se repete. Em geral, interpretamos essasanomalias como sinal de atraso cultural ou da presença, nasociedade, de dispositivos antiamorosos que julgamos contrári-os à natureza. Mas aceitar este argumento significa conceder quea universalidade de que se fala é sinônimo de "virtual idade" enão de "necessidade". O que é virtual pode ser "obrigatório" ou"opcional". Empregada no sentido de "potencial obrigatório", apalavra "universal" tem um sentido completamente diverso dosentido contido na idéia de "universal" como "potencialopcional". Por exemplo, quando dizemos que compor músicaclássica é uma potencial idade universal dos humanos, "univer-sal", nesta acepção, não é o mesmo que "universal" numa fraseque afirma a universalidade de nossa capacidade de regular ahomeostase orgânica pela ingestão de alimentos. O que é virtuale opcional é matéria de preferência e escolha; o que é virtual eobrigatório é matéria de coerção inevitável. Não podemosescolher não respirar, sob pena de morrermos, mas podemosdecidir se vamos ou não jogar futebol ou fazer música. Obvia-mente, o que chamamos de opcional não depende exclusivamen-te de decisões intelectuais. Os hábitos culturais, as limitaçõessociais, as particularidades psicológicas ou os talentos pessoaispodem agir como motivos coercitivos na determinação daspreferências. Mas tais condicionamentos, por mais fortes quesejam, não são lógica ou empiricamente equiparáveis às deter-minações dos fatos naturalmente compulsórios. I

I Pode-se perguntar por que não emprego as tradicionai.s cat~,gori,~s "arbi.trário" .e "n,e~e~,-sário" para falar 00 que chamo de "potencial opcional e potencial obrigatório .Responderia que estas categorias estão exaustivamente comprometidas com a c,rençanuma divisão essencial entre os fatos da natureza e fatos da cultura. que procuro cnncar.como será visto adiante.

INTRODUÇÃO

Em resumo, guando falamos da universalidade do amor,em re amo" . ersa" o eq 'valente à o encia-lidade artilhável por muitos ou or todos" ~ ex licitarassimilamo ue é opcional ao ue é obri atório. A diferença,entretanto, é grande. Nem tudo que podemos sentir ou fazer nosdeve ser imposto. A princípio, todos podemos acreditar na vidaapós a morte, mas tal crença não é condição de nossa sobrevivên-cia física ou psíquica e, por isso, obrigar todos a aceitá-Ia é umato de violência. Outra coisa é a "imposição" do que é impres-cindível à sobrevida. Aceitamos sem problemas que precisamosnos alimentar e aprender a falar porque sabemos que, sem isto,não atualizaremos o potencial de humanização que temos conoscodesde o nascimento. Dizer que todos temos de comer ou de falaré diferente de dizer que todos temos de rezar ou acreditar emdiscos voadores. Não nos sentimos obrigados a adotar crençasopcionais, e, se formos forçados a assumi-Ias, sentiremos aobrigação como um atentado à nossa independência e liberdadede escolha. A cren . . ade do senti me to românticoé do tipo das cren as o cionais não das cren a necessárias.

om a idéia de "naturalidade" ocorre o mesmo deslizamentode conceitos pertencentes a registros lógicos diversos, observa-do no caso da idéia de "universalidade". Ao afirmar que o amoré um sentimento natural, queremos dizer que ele não é construídode forma histórico-cultural e, portanto, preexiste e independe davontade ou de escolhas racionais. Entretanto, a oposição natural!cultural é fruto de uma disputa teórica que não somos obrigadosa aceitar. Imaginar que o mundo se divide em domíniosontológicos incomensuráveis, o da natureza e o da cultura, é umacrença opcional. Só quando acreditamos que existe um fossometafísico intransponível entre as "entidades naturais" e as"entidades culturais" é possível situar o amor no escaninho danatureza e inferir disto sua invariância cultural ou suabrigatoriedade psicológica e moral.

Para o naturalismo pragmático, no entanto, essa distinção éintelectualmente irrelevante. Todos os hábitos mentais ou práti-cas lingüísticas, incluindo as crenças emocionais, são fenôrne-n s naturais. No paradigma darwinista, crenças emocionais são

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habilidades desenvolvidas na evolução da espécie humana e, emconseqüência, pertencem à natureza do homem como qualqueroutra de suas habilidades: cantar, dançar, brincar, dormir, cons-truir teoremas, inventar preconceitos, colecionar borboletasetc.' Dividir o mundo em natureza e cultura é uma maneiraprática de Iidar com coisas e eventos e não uma exigência lógicado pensamento quando espelha verdadeiramente a "intrinse-cal idade do mundo natural" ou a "intrinsecalidade do mundocultural", como postula a teoria representacionalista da lingua-gem e do conhecimento. Sendo assim, o amor pode ser descritocomo um "fato cultural" ou como um "fato natural", tanto faz.Nenhum dos qualificativos nos obriga a amar romanticamente,sob pena de traição à "natureza natural" ou à "natureza cultural"do sujeito. Isto porque nem toda habilidade humana, pelo fato deser natural e exeqüível, é desejável. Inúmeras habilidades natu-rais são, de fato, moralmente recomendáveis. Outras, entretanto,nos parecem repulsivas, embora possam ser exercidas pela

2 A concepção de naturalismo pragmático que adoto é a sugeri da por Bjorn Ramberg. naseqüência de trabalhos sobre Donald Davidson e Richard Rorty. Esta concepção nada tema ver com idéias aparentemente similares, nascidas da sociobiologia ou da chamadapsicologia evolucionista. Para Rarnberg, o naturalismo pragmático é um conceito amplo.deflacionário, comparado ao determinismo biologizante das teorias materialistas. Issosignifica dizer que as habilidades mentais dos seres humanos, embora entendidas comonaturais, podem e devem ser descritas de múltiplas maneiras, nenhuma delas mais"fundamental", mais "analítica" ou mais "explicativa" que a outra. Em termos práticos,isso quer dizer que, no naturalismo pragmático, o vocabulário da intencional idade, queé o vocabulário da gramática do amor, não é redutível ao vocabulário das leis nomológicasdas ciências ernpíricas. Em primeiro lugar, porque explicar condutas humanas em termosde "justificações, motivos. ou razões" é, em geral, muito mais eficiente, do ponto de vistapreditivo. do que explicar estas mesmas condutas dispondo apenas do vocabulário dasneurociências, por exemplo. Em segundo lugar, porque, em geral. quando descrevemoscomportamentos intencionais, adotamos a "atitude prescritiva", que dá relevo aos padrõescornportamentais regidos por normas ou valores. e quando descrevemos manifestaçõesbiológicas não-intencionais adotamos a "atitude descritiva", que dá relevo aos "padrõesde regularidades" testáveis experimentalmente. Os diversos vocabulários são "maneirasde tornar salientes diferentes padrões causais do mundo" e a mudança de linguagemimplica mudança na maneira como concebemos o que somos. Assim, tanto as habilidadesmentais do sujeito quanto as puramente fisiológicas são fatos naturais, o que não significa.repito. que não existam diferenças entre elas e que seja indiferente. do ponto de vistamoral. descrevê-l s fisicalisticamente ou mentalisticamente. Ver Ramberg. Bjorn.Naturalizing Idealizations - Pragmatism and lhe Interpretivist Strategy. 1997. inédito.exemplar fotocopiado; Ramberg. Bjorn. Post-Ontolcgical Philosophy of Mind. Rortyversus Davidson. 1997. inédito. exemplar fotocopiado.

INTRODUÇÃO 17

maioria dos indivíduos. Repudiamos violentamente o canibalis-mo, o assassinato, o incesto, a humilhação dos mais frágeis, aescravidão, o sacrifício ritual de animais, o extermínio depopulações civis em guerras etc. não obstante a naturalidadedestas práticas, comuns em muitas culturas. Afirmar que o amoré universal e natural é a enas uma for aximizar seu teorde ideal ização, o que nada tem de reproy.ável - apenas nãosignifica ue amamos orque a "natur.:.ez "as.s· o exige.

Em segu_~o_l_ugar, ve ·.illllilS_a_q.ue$.tão..da~s.pontaneidade" .Nesse ponto, percebe-se, igualmente, como se processa a sele-ção dos elementos dacrença amorosa mais adequados à exaltaçãodo romantismo. Na lin ua em comum o acentuamcs,oaspecto inv tá . t á e do_amor, sublinhamos assensações e sentimentos em detrimento das crenças e jul amen-tõs que lhes são, da mesma forma ol)g~l)iais. Masdar relevoaos dOIS prImeiros -Zm;-;nentes signi lCé! caucionar a idéiaromântica de gue o amor é um edaço sentimental do d~s!ino aôqual esta os e. e ues, sem chances de reação. Nesta imagw.,a fra ueza da racional idade e da vontade é real ada e exibidacomo rova d indiferen a do coração "às razões da Razao .Qra, a pratica amo. e raoica mente a idealiza ão.Amamos co entimentos mas também com razões e julgamen-tos. A racional idade está tão resente no ato de amar quanto asmais im etuosas aixões. A ar é deixar-se levar elo im ulsopassional incoercível mas sabendo" uem ou "o que" pode e

eve ser eleito como ob'eto de amor. A ima em do amor trans-gressor e livre de amarras é mais uma e a do ideário românticodestinactia ocultar a evidência e ue os amantes, socia~_falando, são _D-ª maioriaJensatos, obedientes, conformistas econservadores. Sentimo-nos atraídos sexual e afetivamente por---- '---------------------~--~----~--------~---certas essoas mas raras vezes essa atração contrarIa os gostosou preconceitos de classe, "raça", religião 01 posição econômi-cO-sQciaLque..limi.ta o 01 dos gue "merecem ser amados". Naretórica do romantismo, o amofé' fieI a enãS'à sua própriaespontanel a e:....An:alidade sociale psicoló ica dos sUJ!.!!.osãiZoutra cois . O amo ' eletivo como ual uer outra emo ãopresente em códigos de interação lê vinculação inter oais.

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Pode-se argumentar, no entanto, que o selo cultural nãoanula o aspecto involuntário do amor. O impulso amoroso seacomoda, certamente, ao universo de objetos e valores ao redordo sujeito. Mas, nestes limites, continua sendo irracional, quan-do não irrefreável. É verdade. Entretanto, admitir a variação doque atrai ou excita eroticamente significa admitir que a emoçãoamorosa não é culturalmente cega, surda ou muda. Como todoideal, o amor tem endereços nobres e salas de espera vip. Nãocircula a esmo num vác o . ten ões e pr o o contrá-rio, produz hierar uias de e'os e objetos interna' adasprocesso e forma ão das suboetividades., O certificado dees ontanel a e sentiI é uma mera vinheta de ro agandado produto ideoló ico. uan . ontâneo, diz-se, melhor

- .2 ~! Resta completar: desde que a espontaneidade não deixea quadra gramada dos fortunate few! Em outros termos e demaneira crua: amamos ideologicamente como fazemos filmes;escrevemos livros; viajamos; cozinhamos; divertimo-nos; tra-balha os~ ezamos ou filosofamos. s nãr to a o amorirrelevante, torna-o a enas humano, p-erfeitamente humano.

Em terceiro lugar, vem a questão mais delicada, a relação doamor com a felicidade. Mesmo a ml m o que o amor nao éuniversal, natural ou es ontaneo, podemos dêsejar mantê-Iocomo ideal de felicidade. Quanto a isso não há dúvidas. Até$e"gunda ordem, seria insensato excluir o amor de nos$ãS vidas,pois isso representaria, para muitos, trocar o sonho provável pelodesencanto certo. Ideais culturais não são trapos de papel.-º-romantismo a oroso foi e continua sendo uma das marcasregistradas d c c t I. as existem ideais e "ideais".A guns ideais são formados de modo a estarem ao alcance damaioria e a reverem suas injunções no sentido do aperfeiçoa-mento; outros, além de germinar na escassez, resistem à mudan-ça reivindicando o direito de eternidade, não obstante a contin-gência do mundo. É o caso do romantismo amoroso. Aconteceque a vida é infidelidade a normas e disso não escapa nenhumengenho humano. Insistindo em ser 1esmo num mundo ue setornou outro, o ideal amoroso fez ex lodir contradições latentesem sua isiória cultural

INTRODUÇÃO 19

O amor romântico, quando se estabilizou como norma deconduta emocional na Euro ao-respondeu a anseios de autono-mia e felicidade essoais ine uivocamente criati~eennquecedores. Sua íntima associação com a vida privadaburguesa o transformou em um elemento de e uilíbrio indis en-sável entre o dese'o de felicidade individual e o com romissocom os ideais coletivos. No presente, o cenário mudou. O valordo amor foi hi erinflacionado e sua partici a ão na dinâmibem comum chegou quase ao ponto zero. E, à medida ue refluíaaceleradamente ara o interior do privado, o romantism as u-mia a forma de moeda forte da elicidade junto com o sexo e oconsumo. Diga-se de passagem que, desde o início, o amortendeu a monopolizar a felicidade, de um modo que pareciadesmesurado a espíritos mais críticos da cultura, como Engels.Comentando a teoria moral de Feuerbach, Engels dizia: "Masamor! - sim, com Feuerbach o amor está em toda parte e ésempre o maravilhoso deus trabalhador que nos ajuda a superartodas as dificuldades da vida prática - e isso numa sociedadedividida em classes, com interesses diametralmente opostos.Nesse ponto, os últimos vestígios de seu caráter revolucionáriodesaparecem da filosofia, deixando apenas a velha canção:Amai-vos uns aos outros; caiam nos braços uns dos outros,independente de sexo ou propriedade - uma orgia universal dereconciliação."?

O_que nos fins do século XIX era uma fantasia social tratadapor En eis como um embuste !J-e ece ter se tornadorealid~ amor se tornou fantasma oricamente potent~oni resente e . ciente Deixei ser um meio de acesso àf~cidade para tornar-se seu atributo essencial....A.iliip-óteses eexplicam a mud casão.i úmeras. Podemos ensar que a perdade interesse ela vida p-ública, raticamente reduzida a uestõesde mercado, provocou um enorme retraimento dos su'eitos araa vi a rivada, com a conseqüente exalta ão das ex ectativasamoro as. Podemos também supor que a liberação e a emanei-

,1 Engels. Friedrich. Ludwig Feuerbach and lhe End 01 Classical German Philosophy.Pequim. Foreign Languages Press. 1996. p 37.

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:0 SEM FRAUDE NEM FAVOR

pação das cha das norias sexuais trouxees eran a de realização amorosa,...::a:.::u:.:m:.:.:::.en:..:.t:;:;a:;!.n~d""o,-,-"•.•.•.••.•.•.•..•.~~~~timento afef vo no ideal do a Pode

ue, sem a for a dos meios t di- família reli iã ertencimento olítico ertencimento nacio-nal se urança de trabalho, apreço pela intimidade re ras maisestritas de pudor morald2LecOnceitos sexuais, códigos mairígidos de satisfação sensual etc. -, restou aos indivíduos a. entidade amorosa derradeiro abrigo nu~mundo obre eIdeais de Eu.

Qualquer uma dessas explicações é aceitável, sobretudoquando articulada às demais. O mais importante, contudo, éobservar o que ocorreu com o amor quando se deslocou para ocentro imaginário do ideal de felicidade pessoal. Privados deoutros ideais afetivamente importantes, voltamo-nos para oamor como quem espera a arca de Noé. Só que o Dilúvio chegouantes da arca. O amor se tornou a última razão do sujeito,justamente quando seu universo moral de origem não pôde maisgarantir-lhe o poder ideal de outrora. Cercado de violência,competição, frivolidade, superfluidade, egoísmo desenfreado eindiferença, o amor ergueu-se como uma fronteira ou umatrincheira entre o sujeito moral e a barbárie do mercado. Mas,sitiado e fora do nicho ecológico original, perdeu a perfeiçãomítica que tinha. Enquanto foi emblema do cuidado com asgerações, da harmonia entre "sexos desiguais" e da fam íl ia como"célula da sociedade", guardou a transcendência que o protegiado tempo e do uso; quando se tornou um sentimento a mais nadieta dos prazeres a quilo, passou a ser visto como qualquer coisaou pessoa na cultura do consumo: perdeu o interesse, lata dolixo!

Sem a retaguarda dos laços culturais mais vastos, o amortornou-se derrisório. Em vão quisemos fazer dele um só e omesmo passaporte para a "ilha dos prazeres" e para o céu dasemoções perenes. A operação malogrou. Sem a moralidadetradicional, () amor mostra os pés de barro de toda paixãohumana; com amoralidadetradicional, traz um ranço de ascetismoque ninguém mais pode aceitar. Presos ao impasse, insistimos

INTRODUÇÃO

em pôr vinho velho em odres novos. Continuamos invocandoritualisticamente o amor. Mas como quem pede proteção aosdeuses da chuva mandando e-mails com dados de satélitesmeteorológicos! Donde os inevitáveis qüiproquós. Acusamo-nos de narcisistas, egoístas e descomprometidos com o outro.Mas não nos perguntamos se o amor com que sonhamos podesobreviver ao desmoronamento da moral patriarcal e, sobretudo,à nossa paixão pelo efêmero. Em seu berço histórico, o amor foiembalado por adiamentos, renúncias, devaneios, esperanças nofuturo e "doces momentos do passado". Ele nasceu na "Era dosSentimentos", do gosto pela introspecção e por histórias sem fimde apostas ganhas e perdidas. Hoje entramos na "Era dasSensações", sem memória e sem história." Nada nos parece maisbizarro e tedioso do que aventuras sem orgasmos e sofrimentossem remédio à vista. A rendemos a gozar com o fútil e opassageiro e todo "além do princí io do razer" é só um vício delinguagem ou a merCla os costumes. Em suma, vivemos numamora upla: de um lado, a sedução das sensações; de outro, asaudade dos sentimentos. Queremos um amor imortal e comaãta de validade marcada: eis sua mcontornável antmomia e suamoderna vicissitude!

e pensarmos, no entanto, que as emoções não habitam ascavernas ou as clareiras das "essências emocionais", podemosrenovar nossa gramática emotiva sem abrir mão dos ideais deamor que venhamos a reinventar. Isso nada tem de impossível;no passado, exaltamos muitos outros ideais que, ao caducarem,não nos deixaram órfãos de felicidade. Já pensamos que afelicidade só existia na bravura e na sabedoria com que entráva-mos e saíamos da esfera pública, para expor feitos e palavras aosplendordo espaço comum. Já pensamos que a felicidade vinha

da santidade e gememos e choramos ao perceber que só ospremiados com agraçadivina ultrapassavam a soleira da beatitudeonde a maioria se detinha. Hoje continuamos a ver na coragem

'I Il' tópico é aprofundado e justificado no último artigo deste volume. "Sobre a gramáticati •• 1111101' romântico'

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e na sabedoria um valor. Mas ninguém é infeliz ou frustradoemocionalmente porque não segue os passos de Antígona,Ulisses, Péricles ou Sócrates. Da mesma forma, muitos continu-am vendo na religião o sentido da vida e da morte. Mas ossuspiros dos místicos já não despertam, na maioria de nós,nostalgia alguma de padecer na carne as volúpias do amor casto.

Vendo o amor romântico com olhos de mortais que apostamna vontade de agir, talvez possamos dizer o que Lionel Trillingdizia de Aristóteles: ele não gostava de heróis; os heróis sãosempre melhores do que os humanos. O mito dos heróis eheroínas amorosos que seqüestrou nossos espíritos é "mais" e"menos" do que sabemos e podemos. É "mais" se aceitarmos servítimas impotentes do fetiche amoroso; é "menos" se aceitarmosque a emoção amorosa não nasceu pronta e acabada em algumlugar da mente e pode ser aperfeiçoada por outros sentimentos,razões e ações. Nem crédulos, nem desconfiados, talvez amelhor ergunta sobre o amor se·a aguela dirigida à ~avontade de potência: como fazer da vida agyilo-que...queremos epão a có ia do ue Quiseram por nós? Não custa lembraroquedizia Marco Aurélio sobre a vanidadedàs crenças que julgamoseternas: "Logo, esquecerás tudo; logo, todos te esquecerão."

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA

Nada seria mais justo do que tomar o pensamento de Marcuse ede Foucault como ponto de partida para abordar o tema da utopiasexual e amorosa. Comparar o que disseram sobre sexo, amor eutopia me pareceu uma boa maneira de refletir sobre os costumessexuais e amorosos atuais.

EROS E SEXUALIDADE EM MARCUSE

Marcuse precedeu Foucault na crítica aos hábitos sexuais mo-dernos. Em Eros e civilização, sua tese é de que Freud seequivocou quando viu na culpa e na infelicidade o inevitáveltributo pago pelos indivíduos para se protegerem da destruiçãomútua. Sem a sublimação das pulsões e o adiamento do princípiodo prazer, dizia ele, nada pode defender os mais fracos daviolência homicida dos mais fortes. Mas, à medida que renuncia-mos à satisfação erótica, renunciamos à gratificação pulsional.O mal-estar da cultura é insuperável. Pior do que isso, sequerpodemos saber se a repressão do prazer resulta em preservaçãoda vida em comum, pois, ao sublimar o eros, deixamos boa partedo terreno cultural liberado para as manifestações da pulsão demorte. m suma, dessexualizamos as vidas individuais à custade sublimação, repressao.§Su abilidade e canalizamos a ener-gia do sexo ara o trabalho rodutivo e as rela ões essoais - -erotizadas. Além de insatisfeitos eroticamente, alteramos a~ - ------economia ulsional e infletimos o e uilíbrio entre as pulsões

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~ma direção perigoE. _ uanto maior é a dessexualiza ão,maior é a ossibilidade da pulsão pe morte agir livremente.- Mãrcuse não aceita essa dialética. Em seu entender, elamostra dois grandes defeitos: Freud teria tomado "a civilização"como sinônimo de interiorização das necessidades alienadas docapitalismo industrial e, malgrado ele mesmo, confundiu eroscom sexualidade. Se, de fato, uma sociedade afogada em sexua-lidade não pode ser feliz, há como pensar numa sociedade felize pacificada sob o regime do erotismo. No que concerne aoprimeiro tópico, Marcuse diz que Freud não soube distinguirentre princípio de realidade e princípio de desempenho. Oprincípio de realidade, ou seja, aquilo que põe limites à satisfa-ção sexual, transformou-se em princípio do desempenho nasociedade capitalista industrial, racionalizada e organizada emtorno do consumo. Nesta sociedade, a úncia às ulsõessexuais é.exorhirantc.não porque reprime,a sexualidade, mas------- - -porque transf~ma o sexo em mercadoria. Em suas palavras:

Hoje, comparada à dos períodos puritano e vitoriano, a liberdadesexual aumentou indiscutivelmente (embora uma reação contra adécada de 1920 possa observar-se claramente). Ao mesmo tempo,porém, as relações sexuais passaram a estar muito mais assimila-das às relações sociais; a liberdade sexual se harmoniza com oconformismo lucrativo. O antagonismo fundamental entre sexo eutilidade sexual - em si mesmo um reflexo do conflito entre oprincípio de prazer e o princípio de realidade - é obnubilado pelaprogressiva incrustação do princípio de realidade no princípio doprazer. (Marcuse, 1981, p. 95.)

Por trás da dessublimação repressiva, esconde-se a verda-deira repressão sexual.

Quanto à confusão feita por Freud entre sexo e erotismo,Marcuse acredita que não pode haver liberação sexual em ummundo alienado política e economicamente. A sexualidade livrenão poderia ter "utilidade" reprodutiva, familiar ou econômica,pois sua única finalidade seria o usufruto do princípio do prazer.Marcuse volta Freud contra Freud. Seu eros seria o mesmo erosfreudiano, porém livre das mazelas ideológicas. Lendo Platão

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em seu favor, diz que: "O poder criador de cultura de Eros ésublimação não-repressiva: a sexualidade não é desviada nemimpedida de atingir seu objetivo; pelo contrário, ao atingir seuobjetivo, transcende-o em favor de outros, buscando uma grati-ficação mais plena" (ibid. p. 184). Resumindo, transformar osexo em eros significa rejeitar, simultaneamente, o bem-estaralienado do capitalismo, a imagem do indivíduo possessivo einstrumentalizador dos outros e da natureza. Só assim a sexua-lidade coisificada pelo regime de mercado seria combatida evencida. No lugar, adviria o reino da Imaginação, da Fantasia ouda Utopia. Estes termos, no vocabulário marcusiano, são refe-rentes co-extensivos de uma mesma imagem de sujeito e demundo. Com a imaginação no poder, o "indivíduo reconciliar-se-ia com o todo; o desejo com a realidade e a felicidade com arazão" (ibid. p. 134). Razão, Beleza e Sensualidade se encontra-riam num logos estético e erótico, representados nas persona-gens de Orfeu e Narciso. Transformada em eros, a sexualidade,enfim refeita das cicatrizes da alienação sexual, coincidiria coma sublimação não-repressiva. "Tudo seria ordem e beleza, luxo,calma e voluptuosidade", diz ele, citando 8audelaire (ibid. 150).

Não importa, no momento, criticar a interpretação marcusianade Freud. Sua versão é uma entre outras. Prefiro considerá-Ia emsua positividade, pouco interessando a maior ou menor fidelida-de às ambivalências e complexidades do pensamento freudiano.Como Freud, Marcuse assimila eros à sexualidade e utilizaambos os termos como: a) sinônimo de energia vital de ligação;daquilo que unifica os seres vivos, e b) como sinônimo deprazersexu I, genital ou pré-genital, diretamente investido no objetoou sublimado. Esta indiferenciação traz uma série de dificulda-des teóricas. A primeira vem da fusão da genealogia da sexua-lidade com a genealogia do amor, que selá discutida maisadiante. A segunda nasce da contradição entre historicização enaturalização. Identificando eros à sexualidade psicanalítica,que compreende tanto o prazer sensual quanto a ágape, Marcusetermina por "naturalizar" o que, em toda a sua obra, quishistoricizar! Este tópico é fundamental.

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Depois de Foucault, Marcuse ficou sendo visto como odifusorda "hipótese repressiva" sobre a sexualidade. A meu ver,entretanto, não é esta a maior fraqueza teórica de Eras ecivilização. O tendão de Aquiles de Marcuse é a invenção de umeras feito à imagem e semelhança do sexo, e nisso se deixouof~scar pelo culto à "sexualidade". Como exemplo do engano,veja-se sua leitura de Platão. Marcuse interpreta a imagem da"escada ou ascensão do amor", projetando no passado as crençassexuais modernas, de modo a encontrar, no início, o que já eraconhecido no fim. Dizer que o que pensamos sobre "sexo" éidêntico ao que os gregos pensavam sobre "eros" é a melhormaneira de convencer a todos de que eros é um sexo "melhora-do" e que neste sexo revisitado pela psicanálise marxista está achave da reconciliação sexual na terra. A idéia de liberaçãosexual reforça a "intuição" atual de que o mundo, antes e depoisde Freud, foi sempre o mesmo em matéria de sexo. No entanto,como mostrou Foucault, o sexo é uma realidade lingüísticarecente. Não existe referente fixo ou universal do termo sexua-lidade (ver Costa, 1995). Erotizando o sexo, Marcuse não seliberou da cultura sexual moderna. Pelo contrário, levou-a aoextremo. Sua utopia continua presa ao mundo que ele desejavadesalienar, fazendo desaparecer.

Outro ponto é sua visão de eros como equivalente aoprincípio vital. Neste caso, Marcuse lida com as idéias de vidae morte e não de sexo ou sensualidade. Por exemplo, rediscutindoos mitos de Narciso e de Orfeu, afirma ele:

A experiência órfica e narcísica do mundo nega aquilo quesustenta o mundo do princípio do desempenho. A oposição entrehomem e natureza, sujeito e objeto, é superada. O ser é experimen-tado como gratificação, o que une o homem e a natureza para quea realização plena do homem seja, ao mesmo tempo, sem violên-cia, a plena realização da natureza (...)5 O amor de Narciso érespondido pelo eco da natureza. Certo, Narciso manifesta-secomo o antagonista de Eros; despreza o amor que une a outrosseres humanos e, por isso, é castigado por Eras (...) [mas] quando

s A citação é de 8achelard em L "fali e/ les Réves. cit. por Marcuse. p. 151.

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA

se mostra hostil e esdenhoso do amor entre os caçadores e asninfas, rejeita um Eras por outro. Vive à custa de um Eros próprio,e não se ama excl usivamente a si próprio. Não sabe que a imagemque admira é a sua. Se sua atitude erótica é afim da morte e acarretaa morte, então o repouso, o sono e a morte estão dolorosamenteseparados e distintos: o princípio do Nirvana impera em todos osestágios. E, quando morre, continua a viver como a flor que temseu nome (ibid. pp. 151-152).

O universo erótico, nessa perspectiva, pouco tem a ver comdisputas sobre repressão ou liberação sexuais. O que está emjogo é a ambição de domínio de si ou do outro; da vidae da morte;da inquietação e da quietude, por último, de nossa passagem oupermanência na terra. O sujeito, assim pensado, é tão oposto atudo que conhecemos como formas de subjetivação sexual ouamorosa que dificilmente conseguiríamos vê-lo aprisionado aimpasses sexuais, tais como os entendemos. Assim, diz ele: "Oshomens podem morrer sem angústia se souberem que o que elesamam está protegido contra a miséria e o esquecimento. Apósuma vida bem cumprida, podem chamar a si a incumbência damorte - num momento de sua própria escolha" (ibid. p. 204).Marcuse constrói, aqui, uma legítima utopia. O Sócrates doBanquete dá lugar ao Sócrates do Fédon.

A SEXUALIDADE EM FOUCAULT

Foucault critica a tese de que a "sexualidade" e o "sexo" são umarealidade objetiva, independente de descrição. De início, procu-rou mostrar como as sexualidades ocidentais foram construídas,alternadamente, por momentos de repressão e incitação aosurgimento de novas crenças e condutas eróticas. Ao estudarposteriormente as éticas sexuais antigas, tornou a explicaçãomais complexa. Além de sexualmente formado pela ação dosdispositivos disciplinares, o sujeito também aprende a se cons-tituir sexualmente, agindo sobre si por meio das tecnologias do

If. Inspirado em Peter Brown e Pierre Hadot, começa a discutiras noções de "ascese" e de construção de "estilos de vida" peloxcrcício meticuloso dos usos dos prazeres e dos cuidados de si.

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Daí surge a divisão das éticas sexuais em éticas dos atos,prazeres e desejos, e é deste ângulo que se tematiza a noção de"erótica" como um capítulo da discussão mais ampla sobre asaphrodisia. O campo dos prazeres, entre os gregos, ainda nãotinha como modelo o prazer sexual nem se definia exclusiva-mente pelas relações com o desejo. O equivalente ao prazersexual moderno, isto é, o prazer físico-sensual, era apenas umdos prazeres no espectro dos demais prazeres corporais, matériados exercícios de ascese. Só no momento em que a preocupaçãocom o controle dos atos se transforma em preocupação com ocontrole dos desejos, o conjunto dos prazeres físicos passa aorganizar-se numa hierarquia cujo topo é ocupado pelo prazersexual, correlato do sujeito da sexualidade (ver Foucault, 1984,1985).

A genealogia do sujeito sexual em Foucault foi e continuasendo muito debatida." O que importa particularmente é marcara ruptura com Marcuse e os resultados para a problemáticaamoroso-sexual de hoje. Em primeiro lugar, Foucault nega aespontaneidade criadora do sexo e a suposta gênese cristã eburguesa de nossa moral sexual. Muitos dos hábitos sexuais docristianismo - pelo menos do cristianismo depois de Paulo deTarso - foram herdados dos gregos e romanos. Em segundolugar, o sexo, visto em Marcuse como "vítima" da repressão, naversão foucaultiana se tornou um sexo solicitado pelas práticasde disciplina corporal, atreladas aos interesses de classe, denação ou de grupos sociais que emergiram com a sociedadeburguesa, industrial e capitalista. Em terceiro lugar, Foucaultdesvincula a reflexão sobre o amor da reflexão sobre o sexoembora sem acentuar suficientemente o relevo teórico destadissociação.

Explicando melhor, o pensamento de Foucault se deslocouda questão sexual para uma reflexão sobre a amizade, com a

" A reformulação das idéias de Foucault sobre a gênese da moderna moral sexual e osimportantíssimos conceitos de "ascese' e de "estilo de vida ou de existência" se devemà contribuição dos estudos filosóficos de Pierre Hadot e dos estudos históricos de PeterBrown. Ao que conheça. Francisco Ortega foi o primeiro a chamar a atenção para aimportância de Hadot e Brown no último pensamento de Foucault.

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intenção de sublinhar a di stinção entre a ética erótica antiga e amoral sexual atual. A ética erótica dos atos se distingue da moraldo desejo por três razões principais. Em primeiro lugar, nãopretendia aplicar-se indistintamente a todos os indivíduos - erauma ética restrita aos homens livres, excluindo mulheres, crian-ças, estrangeiros e escravos. O eras, na ética pederástica, nãoestava sujeito à codificação ou leis às quais todos devessemobedecer. A erótica era uma prática de aperfeiçoamento de vidaque tinha como pressuposto a liberdade e não a obediência àordem legal. A excelência ética consistia em dominar os exces-sos para melhor governar a si; aos outros e a cidade. Em segundolugar, o domínio de si não buscava controlar o "desejo interior",masos atos praticados na interação erótica. Foucaultexemplificaeste tópico, falando de "problemática da penetração", na éticados atos, e da "problemática da ereção", na ética do desejo deorigem cristã, mais especialmente agostiniana. Em terceirolugar, na ascese antiga dos prazeres residia um embrião teóricodo que poderia ser uma ética sexual desenvolvida no quadro daamizade. Este ponto precisa ser aprofundado.

A prática das aphrodisia, em geral, e da pederastia, emparticular, pareciam inaceitáveis a Foucault por motivos pecu-liares à cultura grega. Mas as características de a) liberdade dereinvenção subjetiva, b) não-universalização e c)descentramentosexual contidas em suas regras deveriam ser revitalizadas pelacrítica de seus limites históricos. A amizade seria o meio paraessa renovação. Nela a sexualidade seria descentrada e a singu-laridade dos experimentos subjetivos, respeitada e incentivada.Por isso, nos últimos estudos, Foucault, opôs amizade a sexua-lidade. A pergunta, então, seria: quais os objetivos de Foucaultao combater o sexo em nome da amizade? Numa entrevista de1978, a resposta é clara:

o objetivo fundamental a que se propõem [tratava-se do tema dosmovimentos em defesa das minorias sexuais] é digno de admira-ção: produzir homens livres e esclarecidos. Mas, justamente pelofato de terem se organizado segundo categorias sexuais - aliberação da mulher, a liberação homossexual, a liberação da

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mulher do lar - é extremamente prejudicial. Como podemosliberar efetivamente pessoas que são ligadas a um grupo queexige subordinação a ideais e a objetivos especlficos? Por que omovimento de liberação da mulher deve liberar apenas mulheres?Francamente, não estou certo de que aceitariam a adesão doshomens! Muitas vezes, as seções locais de movimentos homosse-xuais são, na prática, clubes privados. A verdadeira liberaçãosignifica conhecer a si mesmo e, freqüentemente, só pode serrealizada por intermédio de um grupo, seja qual for (Foucault,1994, IV, pp. 677-678).

Ou seja, o sexo é como o eros foi, o ponto de apoio para afabricação de "identidades sexuais" que Foucault repelia emnome da liberdade! Na Grécia Antiga, a prática erótica visava aconstruir identidades subjetivas submissas às necessidades dapolis; na modernidade, a prática sexual visa a reproduzir asregras da vida privada do indivíduo burguês. Foucault queriaguardar, da: Antiguidade, a idéia de amizade, intimamenteimplicada na idéia de ascese individual, estilização da existênciae de ética voltada para o domínio dos atos e não para o "conhe-cimento da verdade do desejo". Mas recusava a moral identitáriacomprometida com relações fixas de dominação entre sujeitos ede subordinação a valores transcendentais imutáveis. Esta era arestrição que fazia à noção de amizade na Antiguidade. Naphiliagrega, na amicitia romana ou na caritas/agape das comunidadescristãs primitivas, a prática da amizade era propriedade de umaelite ou visava a um Bem Comum Universal. Seu objetivo finale a conhecer a verdadeira essência do ato que torna um homemsanto ou sábio. Além do mais, todos esses arcanos da amizademoderna tinham como condição da verdadeira realização aabolição dos prazeres sensíveis, inclusive os prazeres sexuais. Aamizade contemporânea, por seu turno, herdou das antepassadasa mesma repulsa ao prazer, desprezando, além disso, a dignidademoral com que foi outrora investida, vindo a tornar-se um puroartefato compensatório para os males da sociabilidade pública eprivada. Na étic da amizade foucaultiana, o sexo pode ou nãoestar presente, mas nem deve ser aprioristicamente expurgadonem encampar as possibilidades de prazer que ela pode produzir.

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Foucault pretendia conciliar, em suma, o melhor da Gréciae de Roma com o sentido de liberdade presente no sujeitoocidental contemporâneo. Sua noção de amizade aludia a umaespécie de teia de relações fluidas, flexíveis, em que os sujeitospudessem sempre escapar das normas que fixam "identidadessociais", elaborando novos experimentos de subjetivação. Éeste, em meu entender, o sentido da frase acima mencionada: "Averdadeira liberação significa conhecer a si mesmo e,freqüentemente, só pode ser realizada por intermédio de umgrupo, seja qual for. " Como diz Ortega:

O projeto foucaultiano de uma ética da amizade no contexto deuma possível atualização da estética da existência permite trans-cender o marco da auto-elaboração individual para se colocarnuma dimensão coletiva. A amizade supera a tensão existenteentre o indivíduo e a sociedade mediante a criação de um espaçointersticial (uma subjetivação coletiva) suscetível de considerartanto as necessidades individuais quanto objetivos coletivos e desublinhar sua interação. (...) A amizade supera, para Foucault, adicotomia tradicional eros/philia e traz consigo a possibilidade deconstruir uma forma de vida, a partir de uma escolha sexual. (...)Estes novos tipos de relacionamento e de sociedade multiformese compreendidos sob a noção de amizade se opõem às formas derelação prescritas e normalizadas (ibid. p. 12).

A amizade seria, desse modo, uma espécie de dispositivorenovador de subjetividades, no qual a "ascese" dominaria a"disciplina" na criação de estilos de existência, conforme ospreceitos da liberdade imaginada por Foucault. Essa liberdade,grosso modo, pode ser aproximada do que outros pensadoresteo izaram como sendo a liberdade de recriação subjetiva dosujeito num mundo onde a tradição perdeu a autoridade cufturale o monopólio na direção de condutas e consciências. Assim,Hannah Arendt se refere a uma liberdade semelhante, comoderivada da capacidade de pensar e compreender o sentido daação (Arendt, 1979, 1981, 1993); Richard Rorty a denomina decapacidade de redescrever a subjetividade por meio de novasmetáforas (Rorty, 1989) e Agnes Heller, mais próxima de Nie-tzsche, chama-a de ética da personalidade (Heller, 1996).

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AMIZADE, SEXO E AMOR

Mas, assim como em Marcuse existe uma dissolução do eróticono sexual, em Foucault existe a tendência a apagar a distinçãoentre sexo e amor na teoria da amizade. No entanto, é precisa-mente este o problema quando observamos as contradições doamor-paixão romântico. Tomando o amor como sinônimo deamor-paixão e soldando-o automaticamente ao sexo, admiti-mos, sem reservas, toda a moral do romantismo amoroso,inclusive a premissa de sua naturalização. Foucault apostou naética dosprazeres e da amizade como meio de combater a moraldo sexo e do desejo. A questão é saber se uma ética da amizadeé compatível com o valor imaginário atribuído ao amor-paixãoromântico. O tema, entretanto, nunca ocupou um lugar centralna reflexão foucaultiana, dedicada à oposição entre os prazeressexuais e os não-sexuais. Conhecemos uma única passagem dosDits et Écrits que faz referência à distinção entre amor, sexo eamizade como provável assunto de investigação intelectual.Respondendo a uma pergunta de Dreyfus e Rabinow, Foucaultdizia: "Mas não se esqueça de que O uso dos prazeres é um livrosobre a moral sexual; não é um livro sobre o amor ou sobre aamizade ou sobre a reciprocidade." (Foucault, 1995, IV, p. 388,grifo meu.)

Sugiro que o esquecimento do amor, em Foucault, se devea duas razões. A primeira é que, como a maioria de nós, eleresistia a admitir que o amor, como todo ideal cultural, pudesseter uma dimensão coercitiva. Essa hipótese, evidentemente, éextrapolada a partir do estudo do tema na literatura especializa-da. A idealização do sentimento amoroso no Ocidente o tornaquase invulnerável a críticas. A segunda razão é conseqüênciade seus achados teóricos. Foucault não se interessava pelo amorporque não via neste hábito cultural um instrumento disciplinar,formador de "identidades sociais", no sentido discutido acima.De fato, o amor, diferente do sexo, sempre foi um aspecto darelação intersubjetiva passivel de "trabalho ético" e não de

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA

"codificação moral" como a sexualidade. A modulação indivi-dual das preferências amorosas não visa a proibir, permitir ouregular trocas de amor; visa a tipificar o estilo de amar de cadaum. Não conhecemos, no Ocidente, a proibição de amar comoconhecemos a proibição de ter relações sexuais ou contrairvínculos matrimoniais dentro de certo círculo de parceiros.Portanto, a liberdade estilística no domínio do amor reproduzia,de certa maneira, a liberdade estilística da erótica grega queFoucault quis revalorizar, retomando a discussão sobre a amiza-de. O amor foi para o sujeito moderno o que o "sexo" ou a eróticaforam para o homem livre dapolis grega. Fazer da prática sexualalgo semelhante à prática histórica do amor no Ocidente era oque Foucault esperava das relações de amizade.

No entanto, se o amor moderno, como o eros antigo, nuncaroi regulado pelo modelo disciplinar da transgressão/condena-ção/punição ou obediência/aprovação/premiação, esteve sem-pre sujeito à "problematização". A noção de problematizaçãoroi criada por Foucault para explicitar a diferença entre a éticasexual antiga e a moral sexual cristã, fonte da moderna moral idade.Problematiza-se aquilo que se é livre para fazer, mas que sebusca aperfeiçoar, com vistas a uma vida melhor mais sábiamais justa, mais verdadeira, mais santa, mais bela ~u mais feliz:Mas é justamente este conceito que ilustra a importância damissão de Foucault em relação ao amor. Só se problematiza o

que se presta a controvérsias e não o que admite acordos tácitos.No caso grego, a problematização da ética pederástica derivavada "antinomia dos rapazes", isto é, da contradição entre aprescrição do prazer sexual e a defesa da honra do erómenos, quenão podia ser passivo, nem física nem emocionalmente narelação sexual com o erastes. No caso do amor-paixão român-t ico, não cessamos de problematizar as relações amorosas por-que suas regras de realização exigem igualmente dos indivíduosUI11 desempenho contraditório em muitos aspectos.'

() p nto de partida para essa afirmação se baseia em nossa experiência clínica. comounnlista. c na pesquisa que fizemos com jovens universitários entre 18 e 25 anos. no Riodr Janeiro. De modo breve podemos dizer que o fundamental da antinomia a que me referi

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Penso que a ética da amizade só se tornará culturalmenteplausível se puder ser percebida como uma alternativa aosdilemas do amor-paixão romântico. Enquanto estivermos con-vencidos de que o ideal romântico de amor representa o apogeuda perfeição amorosa, não temos razões para abandonar ummodo de vida sentimental por outro. No momento é isto queacontece. uando não realizamos o ideal i ., io do amor,buscamos ex licar a im ossibilida ~J1 ndo a nós mesmos,aos outros ou ao mundo mas nunca contestando as re ras

reside nas relações entre o ideal amoroso e o ideal sexual. A primeira observação sobreessa relação diz respeito à dissociação entre satisfação sexual e satisfação amorosa. Aantiga insatisfação cultural com a "repressão sexual" foi contornada pelo código daliberação sexual. A posse imaginária do objeto sexual; as estratégias de apresentação desi ao outro como objeto do desejo sexual; o critério da liberdade ou do direito à livreescolha etc. permitiram aos sujeitos lidar com a sexualidade como um "problema sobcontrole". Os indivíduos, na maioria, já não duvidam de que a satisfação sexual é algumacoisa devida a todos e de que qualquer coerção desse direito moral significa abuso ouviolentação da vida privada. Desde que a prática sexual seja considerada "natural", todaliberdade deve ser concedida. E, mesmo no caso das chamadas minorias, como a deinclinação homoerótica, a opinião geral é de que, embora "antinatural", o homossexualismodeve ser deixado em paz em sua "antinaturalidade".

Ora, o mesmo não pode ser dito do ideal de satisfação amorosa. Para a maioria dosentrevistados, o ideal de real ização emocional depende: a) de encontrar um parceiro porquem se sinta, ao mesmo tempo, atração sexual e atração amorosa; b) de encontrar ummeio de tornar esta parceria ideal permanente. Mas este ideal é posto como "inatingível"e muitos se mostram descrentes quanto à possibilidade de sua concretização. A descrençanasce da convicção de que as parcerias não podem durar por dois motivos: a) um dosparceiros se sente sexualmente atraído por outro, enquanto a parceria afetiva ainda dura,e não quer abrir mão de sua liberdade sexual; b) ou a "paixão" cessa, levando com elao interesse sexual e afetivo em relação ao outro. Portanto, na ausência de obrigaçõesreligiosas, sociais, familiares etc., que imponham uma permanência compulsória daparceria, como na famíl ia monogâmica e nuclear tradicional, resta a expectativa de acharuma fórmula que tome a atração sexual e a atração amorosa duráveis. Pelo que pudemosver. essa fórmula não existe na consciência nem nos sonhos dos jovens pesquisados. Asparcerias sexuais renováveis são facilmente concebíveis e praticáveis, mas as amorosas,não' A forma de vida responsável pela gramática amorosa ou pelo aprendizado do amorem nossa cultura é mais rigorosa em suas exigências. Aprendemos a sentir atração sexualpor pessoas que pouco conhecemos ou que encontramos pela primeira vez. Aprendemostambém que atração fisica é algo fácil de ser sentido, pois depende de nossa "naturezabiológica". Mas aprendemos que o "amor", em sua forma apaixonada, só acontece"raramente e com pessoas especiais". O "amor", em sua forma apaixonada, ou, resumindode uma vez por todas, o "amor-paixão romântico", é culturalmente definido, percebido,sentido e discutido como um "evento raro" e que, por conseguinte, tem um enorme valorcultural. O amor-paixão romântico se tornou, assim, um imenso problema moral. Assim,fomos levados a considerar que "a questão da sexualidade" se tornou menos importantemoralmente do que "a questão amorosa" no que concerne à realização emocional dosindivíduos.

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA

comportamentais, sentimenta isou cognitivas que interiorizamosquando a rendemos a r. Da forma ue o sexoreli ioso ou médico-científico normatizou as ex eriências deprazer do sujeito, crian o visões entre o moral e o imoral, onormal e o anormal, o amor-paixão romântico encam ou a idéiade felicidade sentimental criando seus árias e cidadãos deprimeira classe. E verdade os excluíJos do amor romântico nãose constituíram aind" "contra12artida a renderam sidera '" nfelizes' '_',...'-"ª","M..ç!,;

dos", "irreal izados", "neuróticos", "a iosos" "Qill:Çísi"frustrados" " " e outros estig.!:f1asauto-aplicad<?~tas autodescri ões obviamente, não produzem o mesmo mal-c tarpsíquico do preconceito. Nadiscnmmaçao, o SUjeitoaprendeque na a po e fãzer para mudar o predicado que o torna"inferior" ou "desviante" e a única saída é legitimar a diferença,afirmando-a como um valor ideal autônomo. No caso do amor,s a solução não existe. O ideal tem o assentimento de todos.

Aprendemos a crer romanticamente é uma tarefasimples e ao alcance de ual uer essoa razoavelmente adulta,madura, sem inibições afetivas ou im edimentos culturais ...Q

mtimento do insucesso amoro or isso mesm a&QlllP1!.:nhado de cul a, baixa da auto-estima e não de revolta contra ovalor imposto, como na situa ã de preconcejjg, Poucos sãonpazes de dUVidarda "universalidade" e da "bondade" desteunor culturalmente oferecido como ai o sem o gue nos sentire-

111 profundamente infelizes. Acredito que, sem uma crítica àItI alização do amor-paixão romântico, temos poucas chancesli propor uma vida sexual, sentimental ou amorosa mais livre.I'nra que a ética da amizade foucaultiana se torne um experimen-1\) moral viável, seránecessário antes "problematizar" a antinomiado amor romântico de nossos dias.

o AMOR COMO PROBLEMA MORAL

I lm dos motivos pelos quais os indivíduos dificilmente conse-l'lllm imaginar soluções para seus conflitos amorosos é a manei-I I como se tornam "sujeitos do amor" ou "sujeitos afetivos".

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Tratarei, em seguida, de esboçar uma breve genealogia do"sujeito do amor", mostrando sua relação com a invençãohistórica do amor-paixão romântico.

A METAFÍSICA DO OBJETO DE AMOR

Faz parte da idealização do amor considerá-Io um valor em si .---- - 'independente de ligações com quaisquer outros interesses hu-manos ou mun anos. Assim a rendemos ausar o termõ'ãi11O eassim a rendemos a amar. Mas o moderno romantismo não~nstruiu esse mito amoroso do_nada, apenas Ih~ deu o coloridoes ecial ue analisaremos em segu·da. A fi ura idealizada doamor tem uma longa história, rofundamente enraizada no

ensamento ocidental, Essa idealiza ão é . r nte~ tdealiz -seo ob' eto amado e o sujeito.do,a . Comecemos ela Qrimeira,

_que chamo de "metafísica do objeto de amor".ido do amor como ai o om o e Verdadeiro sur e

no Ocidente a partir da Grécia antiga. A maioria dos especialis-tas-filósofos, hist"õriaaores, antropólogos, sociólogos, psicólo-gos, psicanalistas, literatos etc. - concorda em ver em O banque-te, de Platão, a grande fonte do mito amoroso no Ocidente. Masos sete discursos sobre o amor contidos no texto platônico nãosão exatamente equivalentes no significado que dão ao termoEros (ver Platão, 1972; Robin, 1992; Kierkegaard, 1993;Waterfield, 1994; Comte-Sponville, 1996; Galpérin, 1996;Ménissier, 1996). Quando analisamos o mito latônico de Eros

, 'vemos que muitos sentidos são dados à natureza do amor.Alguns deles, em especial.aqnel s os discufSõs de Aristófanes,Agatão e Fedro, se.impuseram na tradição e oramreapropriados

ela ment . ade moderna romântica, visando a le iti ar a idéiade ue o "verdadeiro amor" seria um sentimento único ~-fundí~el, universal e i~eco a natureza hu~na. E~ suma,

_n.Qâ-disclJJ:sosCitados de O banquete, o amor é apresentado.f.Q.illQ...um im ulso ue se dirige a um outro, homem ou mulher, domesmo sexo ou do sexo o osto -=nããcepção que damos atual-mente à idéIa e 'diferença sexual" (ver Costa, 1995) - :=.e~c~o~>l-..um composto afciizo eito de de e'o' de falta do . o do

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA 37

ti scj de nostalgia ontoló ica do ob'eto ideal erdido; deorrimento ecorrente da erda ou da ausência deste ob' eto: de-- 'de 'ria i sa, quando o objeto é possuído tc. Revista desse" mlo, a erótica atontca e ato emelbanças com a

Itll ia de amor romântico atual.No discurso de Diotima, entretanto, Sócrate IDGStr ma

outra face de Eros em nada semelhante aos a ores:..sd!s0Lr!:,ÇollllanJ~:...-1110.Amor aparece como uma resIlosta humana econheci-uicnto prévio do verdadeiro Bem e da verdadeira Beleza, estes,

1111 valores permanentes aos quais o homem sábio deve as Ira"f:( ) I~ros sensÍ'lt:.Lé,_poLisso.mesmQ Rosto no Rã! ais baixod., "escada.do amm:", como s costuma.chamat.a.concep ..ção,pl uônica do ideal amoroso (Bloom, 1993). O verdadeiro amorI Ilí referido à osse do que é permanente, tanto no o ~eto quanto111)sujeito e, na metafísica latônica, em absoluto se trata e azernincidi o ue é durável com a futilidade da atra ão sensuãicutimental nem mesmo com o investimento político na polis~

O eSquema platônico será retomado quase ipsis literis pelôS"pl irneiros padres da Ig~.ia". No cristianismo dos primeirosI eulos, o amor dedicad a eus tam ém uardará os tra os

di ssa busca de um Bem Absoluto não- erecível e cu' a essênciaIlId pende do su elto. me or exemplo é a concepção do amorti mnto Agostinho (ver Agostinho, 1949, 1984, 1995). Em santo

iostinho - pensador, simultaneamente, cristão e romano -, onunr verdadeiro é de Deuse ara Deus. Só esse amorverdad ir-=~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~'II·tlrita$..,pode se eterno. uanto ao amor sensível, a cupiditas,

lI' é re ido elo duplo anseio de desejar o ue não se tem e QQ111'do de erder o ue se adquiriu. Como sublinha Hannah

I -ndt, em santo Agostinho "a felici ade só é alcançada quando11 unado se torna um elemento permanentemente inerente de1I1)~•.'O próprio ser" (Arendt, 1996, p. 19). O amor-caritas vai1lIIIlUro imaginário amoroso da Alta Idade Média e toda me ta-lnl.idc cristã ocidental até proximadã;;entea revolu ão cultu-I 1I 11' rrida entrU500-1700. Com pequenas nuanças, ele vai serI. III rado nos padres Capadócios- Basílio de Cesaréia, Gregório.1, Nrssa e Gregório de Nazianzo -, em são Paul ino de Nola, são1Illllurdo de Clairvaux e em santo Tomás de Aquino (ver Fabre,

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38 SEM FRAUDE NEM FAVOR

1949; Kenny, 1981; Kristeva, 1988; Pe1ikan, 1993; Gilson,1995; Monzani, 1995; Tomás de Aquino, 1996).

Para santo Tomás, o objeto do amor era igualmente oSupremo Bem e a felicidade consistia em sua contemplação.Como disse Kristeva, no tomismo

o homem, ser inteligente, não se deixa apenas mover pelo objeto,mas julga se o objeto singular convém à noção universal do bem.A conveniência é, em suma, um julgamento de conveniência, umconhecimento amoroso não somente de si, mas também doamado. O amor é assim definido, podemos constatá-Io uma vezmais, não subjetivamente (não há subjetivismo propriamente ditonessa antologia), como uma relação anterior a todo afeto, relaçãoessa que implica um conhecimento prévio, um julgamento, umaintenção (Kristeva, op. cit. p. 212).

Santo Tomás de A uinoJeviv~ as 2!incipais crenças amo-rosásda Antiguidade, Como no pensam-ellto clássico greco-romano, o amor verdadeiro é o amor de algo previãiiientec. ecido, o verdadeiro Bem. A felicidade está no encontrocontemplativo com este Bem que é Deus (Kenny, op. cit. p. 46;Monzani, op. cit. p. 66).

A dinâmica amorosa com respeito ao Bem, citando nova-mente Kristeva, era concebida como um movimento ascenden-te, guiado pela razão; como nos pagãos, ou pelo julgamento emdireção ao dom de Deus, como no cristianismo. De ual uerforma, tanto no eras re o uanto na aggI2.eou caritas cristãs oamor correto era ima ina o o um sentimento voltado ara

-;1 o g.ue-transG€ndi, :vid..a.rolll:ldanae aspirava à eternidade.Monzani sintetiza com clareza essa concepção do amor: -

Se há um Bem objetivo, ao qual o sujeito deva aspirar, é a essemesmo Bem que ele deve tender para realizar sua perfeição ética.Esse bem deve ser conhecido pelo sujeito e, mediante esse atoinaugural, ele tenderá irresistivelmente à posse desse Bem. O atosubseqüente é a atração irresistível que esse objeto deve exercerno sujeito. Conhecendo-o, ele o amará. E esse amor ao Bem é quedeverá guiar toda a dinâmica de suas paixões (...) por isso,~o essa ordem, o amer.prece ao dese .o e este à deleita ão(ibid. pp. 66-67).

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA

Essa crença amorosa foi absolutamente he emônica. A1II n vertente mls Ica o amor cristão e o fenômeno do amor• I11j S êlÍSputaram o cenário cultural da' a esmdada. A111uica cns a pode ser exemplificada pelo pensamento de são1II rnardo de Clairvaux. Em são Bernardo, a noção de felicidadeIIIHI,. sa, guiada pelo julgamento ou pela razão, dá lugar à

p .riência de uma alegria incompleta, feita de ansiedade ed. 'J que só se realiza provisoriamente na posse do objetohll .rl. O afeto precede o conhecimento, e o verdadeiro Bem se11J(1,'lrana experiência extática de fusão com o amado. AntesI1I sa experiência, o desejo de Deus é descrito como ânsia,ulrimento, violência da privação. Diz ele: "A plenitude da

ti "ria não consome o desejo, é antes o óleo que alimenta aI luuna'' (in Kristeva, op. cit. p. 190). Kristeva resume o pensa-IIUIIL de são Bernardo da maneira que se segue: "Esse sofrimen-til, I rovocado pela falta do outro, é o desdobramento indispen-IIV I da satisfação beata presumida e atingida. O sofrimento

r uudicionaria assim o gozo, enquanto o gozo seria o estímuloI' 11 ti Limanova busca dolorosa. Dialética masoquista do gozo sobI li/junção de um ideal tão amoroso quanto fundamentalmente

ver ?" (ibid).uanto ao amor cortês e suas relações com a cultura medi-

tl, ti literatura sobre o assunto é imensa (Bernos, 1991; Bloch,11)1) ; Dalarun, 1990; Duby, 1988a, 1988b, 1989, 1990, 1995;I )lIvi znaud, 1995; Heer, 1961; Heers, 1974; Heinemann, s/d;, IINt0va, 1988; Le Goff, 1995, 1993, 1985, 1983; Lewis, s/d;I III I rodine, 1979; Markale, 1987; Meia, 1984; Péret, 1956;" ruoud, s/d, 1993; Rougemont, s/d, 1988). Procuraremos1111 uizar o aspecto de "desejo insatisfeito" comum a ele e à111 :H ica cristã. q tema do amor cortês foi analisado por Denis deI Illl)'cmont como sendo o predecessor do amor-paixão rornân-I1 u, '111 seu aspecto de culto ao sofrimento. O autor, do mesmoIIIIIdo que Kristeva, alude à experiência do sofrimento comoI Ild<lde natureza "masoquista" e inerente ao amor cortês. A

II II I 'J1 ia à psicanálise, nos dois autores, é explícita. Embora aI IIIgoria do maso uismo possa ser discutível em súa filiação à

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sexologia oitocentista, O mais importante é destacar no fenôme-no do amor cortês: a) a relação do sofrimento com o amor-paixão; e b) a laicização do objeto do amor.

N..oque diz respeito ao sofrimento, Lot-Borodine....critico,!! aexcessiva unilateral idade da análise de ougcm 1. a amorcortês, diz ela, é um fato sociossentimental ue não ode serr simp es.descri ão de busca masoquista do sofrimen-to. Bxistiram três tipos de amor aos uais o termO' amor c A

referêncIa: o "amor-abandono" o "amor cortês ro riamentedito" e o serviço de amo( (ver Borodine, op. cit. pp. 30-31 ).]9a modalidade do "amor-abandono" corrobora a tese da busca dosofrimento sustentada or Rougemont. No "amor cortês propria-mente dito" e no' serviço e amor", o que existe é a sublimaçãodo amor carnal, que em nada se aproxima da idéia do "amorinfeliz". No fundo, a discussão de Lot-Borodine com Rougemontvisa à leitura do resultado sentimental de um fato aceito porambos, qual seja, "a renúncia à posse do objeto do desejo". ParaRougemont como para Kristeva, essa renúncia implica o gozocom o sofrimento, enquanto para Lot-Borodine a renúncia podeser vista como espiritualização sublimada. De ualguer forma,inau ura-seno Ocidente u.!!}.anova 12ráticacultural em relação aoarnor. Na tradição clássico-medieval,._a renúncia recomendadaconcernia ao amo carnal. Ma havia sempr~ a promessa daposse do ol>jeto, na contemplação ou na fusão com o Supre-moBem, em sua versão agã o"ü"'Cristã. A realização amorõsã,portanto, estava prevista. No fim do percurso, o sábio antigo ouo santo medieval alcançariam a felicidade em vida ou ifOSami)rte. No e.11w,S ..do-amor cortês, ao-contrário a felicidade está naaceitação da pró ri renúncia, e o ue se discute {se_iss_o é------ r.'p_osslve sew SOll .e to.

a outro aspecto fundamental da sociedade de cortesia é a. aiclzação do ü5jetoTdt;a-rcto-a-l1íõf:-ÃÍmagem da Dama, da_Sen ora assa a su stltuir olugãfae Deus como objeto dodeseio, Essa mundaniza ão do amor e ~valoriz~ão 'da igurada mulher fJram res onsáveis por um enorme enriquecimentodo vocabuláno senti~ental. a esforço masoquistaou sublima:

'Tório, dependendo da interpretação, obrigava os partidários do

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amor de cortesia a narrarem suas experiências emocionais numalinguagem nova, feita de metáforas que se teciam e reteciam,compondo um afresco de termos emotivos incomensurável emrelação às culturas precedentes. Além disso, ao dissociar a idéiad amor, nã emo Bem as a .. bé d xínculaonjugal o a o ê .p.ar.olUlS co dições culturais ara.a...x osão do amor- aixão romântico séculos mais tarde. Junto

c m a mística cristã a revolu ão amorosa das sociedadesde, rtesia pode ~ida como o verdadeiro precursor e o tesouro deImagens que fornecerão muitos dos clichês do romantismo.111 o VII e início do sécu o

No entanto, apesar das diferenças, toda a gramática amorosaocidental, da Grécia antiga até o Renascimento e o AntigoRegime, tinha um ponto em comum: o amor buscava sem re umnem objetivo, independente do sujeito. a Supremo Bem greco-r mano; o Deus cristão' a Dama do amor cortês' ou a osiçãos cial nas artes da sedu ão e da galanteria no Renascimento e nasS ciedades de Corte (ver Elias, 1987, 1990; Febvre, 1944;I ibeiro, 1984, 1993), todos estes lugares ou objetos idealizadosI desejo, tidos como a causa última do movimento amoroso. A

I .Ieolo aia.daamor suas causas e finalidades últimas, vinha do-ol jeto,

A contrapartida dessa metafísica do objeto amoroso era a.n ase no sujeito do amor como sujeito do "conhecimento" e da

"v ntade" e a instrumentalização do sentimento para finsl ducativos. Ver o amor como um instrumento em direção aoIl m era o mesmo que descrevê-lo como um meio para obtençãoti um fim e não um fim em si mesmo. Falando da Grécia antiga,liz Jaeger:

É preciso admitir que esse amor de um homem por um adolescenteou por uma criança desempenhava um papel capital na sociedadearistocrática da antiga Hélade e se ligava estreitamente a seusideais morais e sociais. (...) O Estado espartano fez de Eras umelemento essencial de sua areté. E as relações entre amante eamado se revestiam de um significado educativo, assim como asrelações que um pai mantém com o filho. De fato, elas superaram

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a autoridade paterna, em muitos aspectos, sobretudo na idade emque os jovens se faziam homens e se libertavam do domíniodoméstico e da tradição familiar. É impossível pôr em dúvida asmúltiplas afirmações feitas sobre o valor formativo de Eros e quese transformam em apologia em O banquete, de Platão (Jaeger,1964, p. 238).

Os clássicos estudos de Foucault acima citados vão namesma direção. As relações pederásticas faziam parte da éticados prazeres que articulavam a formação de si com o governo dapolis ou a preparação dos rapazes para a vida política. Emsentido um pouco diverso, Hadot confirma essas opiniões. Emseus trabalhos sobre os "exercícios espirituais" ou exercícios deascese, ele mostra o profundo vínculo que liga a idéia de amoraos objetivos socioculturais mais vastos (Hadot, 1987, 1995).No processo de purificação em direção ao supremo Bem, Erosse transformava em philia, amizade. Este era o caminho naturalrumo à Beleza e à Sabedoria. Diz Hadot: "[Eros] é apenas umapelo, uma possibilidade que se abre, mas não é a Sabedoria nema Beleza em si ( ...). [Ele] ( ...) sofre por ser privado da plenitudede ser e aspira a atingi-Ia" (Hadot, 1987, p. 103). Este amor-philia estava a serviço de algo que o transcendia e, para realizar-se, tinha como pressuposto a "vida em comum" dos praticantesem busca de uma nova forma de vida (Hadot, 1995, p. 93).Assim, philia e "comunidade de vida", em todas as escolasfilosóficas gregas, eram termos indissociáveis. Detendo-se naanálise de Platão, diz ele:

[Platão] não quer formar homens de Estado hábeis, mas homens.Para concretizar sua intenção política, Platão deve fazer umimenso desvio, isto é, criar uma comunidade intelectual e espiri-tual que será encarregada de formar, tomando o tempo que fornecessário, novos homens (. ..) convencido de que o homem sópode viver como homem numa cidade perfeita, Platão queria,esperando a realização da cidade, fazer viver seus discípulos nascondições de uma cidade ideal e queria, pelo fato de não podergovernar uma cidade, que estes discípulos pudessem governarseus próprios eus segundo as normas dessa cidade ideal. (...) Aeducação se fará no seio de uma comunidade, de um grupo, de um

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círculo de amigos onde reinará uma atmosfera de amor sublimado(ibid. pp. 97-98).

Em Cícero, a amizade é assim descrita:

Estão em funesto erro, portanto, aqueles que crêem que a amizadeautoriza a libertinagem e toda espécie de desregramentos. Anatureza nos deu a amizade para secundar a virtude e não para sercúmplice do vício; ela no-Ia deu para que nossa virtude, que noisolamento não pode ascender às máximas coisas, a elas cheguecom o apoio e o concurso de uma nobre companhia. Os queformaram essa sociedade da amizade, ou a formarão algum dia,certamente, olharão um amigo virtuoso com o melhor e o maisfeliz dos auxílios que se possa conseguir a fim de conquistar osoberano Bem. Esta é, digo eu, a sociedade em que se encontramtodas as coisas que os homens julgam desejáveis, a honestidade,a glória, a tranqüilidade e a alegria da alma; portanto, somentequando estas coisas estão presentes, e não sem elas, a vida é feliz(Marco Túlio Cícero, s/d, p. 161).

Essa tradição clássica será reatualizada na idéia das comu-nidades cristãs de vida, centradas no amor-caritas. Nas Confis-sões, referindo-se ao amigo Alípio, santo Agostinho dizia:

Só superficialmente nos interessava, tanto a ele como a mim, abeleza conjugal que há nos deveres do matrimônio e na educaçãodos filhos. (...) Falávamos com aborrecimento dos dissaborestumultuosos da vida humana. Já tínhamos quase resolvido viversossegadamente, retirados da multidão. Tínhamos projetado aquelesossego deste modo: se alguma coisa possuíssemos, ajuntaríamospara uso comum, combinando formar de tudo um só patrimônio,de tal forma que, por uma amizade sincera, não houvesse umobjeto deste, outro daquele, mas de tudo se fizesse uma só for-tuna, sendo tudo de cada um e tudo de todos (Agostinho, 1973,pp. 122-123).

!\ decisão foi simplesmente adiada. Conforme Peter Brown,,1 .onversão de Agostinho foi uma experiência grupal. Ao optar

por LIma vida de abstinência, ele e seus amigos mais íntimosI p .ravam resgatar, vivendo em comum num plano sagrado da

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vida, as alegrias de uma união verdadeiramente casta, posto queimaculada, de almas semelhantes" (Brown, 1990, pp. 324-325).

No caso do amor leigo, como o amor cortês, também osentimento amoroso se achava atrelado a tarefas educativas dasociedade. Segundo Heer, a prática da transmissão de herançasna Europa do século XII deixava sem dinheiro, poder e proprie-dades todos os filhos mais jovens dos senhores feudais. Ocostume da transmissão de herança pelo parentesco lateral e nãovertical fazia com que os aparentados do herdeiro tivessemdireitos aos bens que os descendentes diretos do senhor feudalnão tinham, pelo fato de serem mais jovens. Criou-se, assim, umgrupo de jovens nobres, "inquieto e belicoso", que só tinha umachance de adquirir terra e poder: casar com uma noiva rica. Sódesta forma poderiam manter sua posição no escalão da aristocra-cia feudal. Duby, em outros termos, ratifica essa interpretação:

Desnecessário insistir no fato de que todo casamento era então umassunto decidido, conduzido e concluído pelo pai e pelos mem-bros mais velhos da linhagem. Estes, naturalmente, tratavam emprimeiro lugar do casamento do primogênito. Mas, como essaunião punha em jogo o futuro da casa, eles agiam com muitaprudência; aguardavam a ocasião verdadeiramente boa, e issoprolongava outro tanto a "mocidade". Quanto aos outros filhos,sua atitude era muito mais circunspecta ainda, mas por outrasrazões. Importava, com efeito, não autorizar muitos filhos maismoços a casar-se, por receio de que se multiplicassem em excessoos ramos laterais da linhagem e de que estes viessem a abafar otronco principal. Além disso, e sobretudo, casar um filho erasempre amputar o patrimônio para estabelecer o novo esposo egarantir o "dote", isto é, as arras esponsalícias de sua mulher.Todos se resignavam a isso para o mais velho. Mostravam-semuito mais reticentes em fazê-to novamente em favor de outrofilho. Os filhos mais moços eram votados a uma "mocidade" maislonga" (Duby, 1989, pp. 100-10 1).

Ora, é dessa massa dos sem-herança que vão surgir oscavaleiros. O problema da privação de terras e bens é o problemaque a sociedade de cortesia vai tentar enfrentar com a culturacavaleiresca e com o amor cortês. Esses jovens se mostravam

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dispostos a rebelar-se contra a ordem social dos mais velhos econtra seus principais aliados, o clero e o papado de Roma. Acultura cavaleiresca, organizada em torno do amor cortês, pro-curou dissolver essa ameaça por meio do amor. A educação dosmoços passou a ter no amor "o objetivo e o agente de suaeducação" (Heer, op. cit. p. 172). Nas palavras de Heer: "O amorcortês era uma maneira aceitável de rebeldia contra os costumessociais dominantes e era conscientemente adotado para servir aeste fim" (ibid.). Numa interpretação diferente mas que reafirmao mesmo papel pedagógico do amor cortês, Kõhler diz:

Parece que existe um abismo entre a realidade anárquica e brutalda vida cotidiana da cavalaria, mesmo na segunda era feudal, e omodelo humano ideal que os escritores elaboraram. (...) A tensãodialética entre ideal e realidade encontra sua expressão literária noamor, que é o único domínio onde a vida instintiva, apenasdomesticada pela política e pela religião, anárquica e hostil àsociedade, pode tornar-se um princípio de ordem, sem ser obriga-da a renegar-se, quer dizer, renegar a realidade feudal. (...) O amorcomo instância educativa, isto é, concebido, ao mesmo tempo, emum sentido bem concreto e universal, como instância organizadorase elaborando sobre as bases indestrutíveis da natureza humana,constitui a grande descoberta dos trovadores (Kõhler, 1974,pp. 161-162).

A constância do vínculo entre o amor e a educa ão ara avida pública e ara a Qreserva ao v r s ulturais é l2atentç.

mesmo pode ser dito das relações amorosas no Renascimento, I pogeu as Socle a es e Corte. Como mostra RenatoJnnine 'b' ~ estudes.sol e.Do Juan, o .o. o de amorI ' ta persona em era aradi mático dos ideais morais de seuI~mpo e ada.tinha er comum com os ideais o amor cortês el'OIl1 o amor- miza e do crísüanismnmedieval (ver Ribeiro, op.-cit.). Don Juan é uma figura característica do Antigo Regime.Vive no terreno da ação e da aparência e não no mundo onde anorma é explicar o que se faz pelo que se é, tendo como base asuracteristicas emocionais íntimas ou interiores. O que interessa

1/ 1)011 Juan é marcar sua posição social no seio da aristocracia.() domínio das mulheres é um tópico nessa prática de apresenta-

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ção de si ao mundo da corte. Pouco importa a recompensa emgozo sexual ou efusão sentimental. A glória e a honra são oprêmio e o reconhecimento de seu valor. Renato Janine Ribeirodiz que, em certa medida, o mesmo vale para o Valmont, deChoderlos de Laclos, em As ligações perigosas. Nos dois casos,a fidelidade a um modo de vida aristocrático reduz o discursoamoroso à prática da sedução e da galanteria. Todos são mais oumenos cúmplices nesse jogo, porque todos têm como ideal amanutenção e a reprodução da vida de corte que, em' últimainstância, é o que conferia sentido a suas existências."

O sujeito, na metafísica do objeto de amor, não tinha suaessência definida pela experiência do sentimento amoroso.Antes de mais nada, ele é razão, querer, vontade ou conhecimen-to. Sabia, de antemão, qual era a natureza do Supremo Bem eutilizava o amor para chegar até lá. A subjetividade era umepifenômeno da ação da alma na direção justa e verdadeira. Osentimento podia acompanhá-Ia ou não, mas não devia determi-nar seu curso ou progresso. O Bem objetivo atraía e monopoli-zava as consciências individuais. A boa vida, a vida digna, santa,honrada ou gloriosa, era aquela fiel aos objetivos da polismundana ou da comunidade sagrada.

A METAFÍSICA DO SUJEITO AMOROSO

Ora, e2.sa idéia da transcendência e da alteridade do obj§to-folltede amor foi desde cedo contrabalans;ada po uma metafísica.dosujeito amoroso que vai se manifestar plenamente no rnovimen-to romântico.- moora os primeiros~tígios dessa metafísicapossam ser encontrados nos "cuidados de si" das asc s clássi-

- cas~ vamos pa Ir da cultura cristã onde ela se ex rime num~vocabulário mais próximo d;Se;sibiJidade atual. Suge;;;;;

/.(1 que a moderna concepção do sujeitqamoroso teve ori em em~/• Esta descrição do amor no Renascimento e nas Sociedades de Corte é sumária e, de certa

forma, esquemática. Limitamo-nos a selecionar os aspectos da prática amorosa que maiscontrastavam com a prática do amor romântico de séculos posteriores. Para uma melhorvisão do período ver Lázaro. 1996. e a bibl iografia por ele mencionada.

três fontes históricas: 1) amteorias sobre o sujeito nascidas

A MÍSTICA CRISTÃ E O AMOR CORTÊS

A literatura sobre o a cortês é ua tável. A prosa ea poesia dos trovadores foi objeto de infindáveis análises porparte de especialistas, em particular os literatos. Não vamosreproduzir tais estudos, mencionaremos apenas casosparadigmáticos dessa empresa de conversão dos sujeitos àcrença de que o amor era o valor que dava sentido a suas vidas.Dois fenômenos serão evocados, a Religião de Amor, com seuCódigo, e os Tribunais do Amor. A título de ilustração, obser-vem-se algumas regras do S=ódigo do Amor encontrado nummanuscrito do século XII:

I. A alegação de casamento não é uma desculpa válidacontra o amor.

2. Quem não é ciumento não sabe amar.3. Ninguém pode dar-se a dois amores.8. Ninguém que não tenha um motivo razoável pode ser

privado do direito de amor.13. O amor divulgado raramente dura.15. Toda pessoa que ama empalidece diante do amado.16. Diante da visão imprevista de quem amamos, trememos.21. Pelo verdadeiro ciúme, a afeição de amor sempre cresce.22. Da suspeita e do ciúme que deriva dela, o amor sempre

cresce.23. Quem está tomado por pensament s de amor come e

dorme menos.25. O amor verdadeiro só encontra o bem naquilo que pode

agradar o amado.26. O amor nada pode recusar ao amor.27. O amante só pode saciar-se com o gozo do amado.

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29. O hábito excessivo dos prazeres impede o nascimentodo amor.

30. Uma pessoa que ama é ocupada pela imagem do amadoassiduamente e sem interrupção.

3 I. Nada impede que uma mulher seja amada por doishomens e um homem por duas mulheres (ver Péret, op.cit., e Markale, op. cit).

Além deste Código do Amor, os episódios das Cortes ouTribunais de Amor mostram a idealização do que conhecemoscomo amor romântico. Damas como Eleonor de Aquitânia,Maria de Champagne, Ermengarda de Narbonne, Elisabeth deVermandois e Alix de Champagne presidiam julgamentos deamor, nos quais arbitravam conflitos surgidos entre o casalcortês. Um exemplo é dado por Markale:

Um cavaleiro· amava, com um amor excessivo, uma dama que serecusava obstinadamente a amá-Ia. Ao final, tocada por suaperseverança, ela lhe propôs a esperança do amor com a condiçãode que ele assumisse um compromisso solene: "Vós obedecereissempre às minhas ordens e se faltardes a uma delas sereiscompletamente privado de amor." Evidentemente o suspirantepronunciou o sermão e a dama ordenou-lhe que não mais adesejasse nem celebrasse seu elogio em público. O amante foi,assim, preso numa armadilha. No entanto, suportou esta situaçãodolorosa até o dia em que, ouvindo falar mal daquela a quemamava tão apaixonadamente, não pôde conter-se, refutou ascalúnias pronunciadas contra ela e fez-lhe um elogio vibrante.Isso foi levado até os ouvidos da dama, que declarou que ele deviaser privado de esperança de amor, pois, ao fazer seu elogio, haviacontrariado suas ordens. O caso foi levado diante da condessaMaria de Champagne. O julgamento feito foi o seguinte: "Essadama foi muito rigorosa em sua exigência. (...) O dito amorosonão cometeu falta alguma, esforçando-se, por justas reprovações,de convencer os detratores de sua dama de que estavam errados.Com efeito, se ele se comprometeu por meio de um tal sermão foipara obter mais facilmente seu amor. Parece, então, injusto que adama lhe tenha ordenado que não se inquietasse por causa desteamor" (Markale, op. cit. p. 93).

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA

~itual dos "julgamentos de amor", assim como em seus"códigos", vemos o processo de individualização amorosa ins-talar-se aulatinamente na ai' e cultural. Diferente doamor platônico ou das am izades clássicas e cristãs, a idealiza ãodescontrolada das emoçÕes sensíveis; da relação dual; dahumanização do objeto amado; da aceitação de sentimentos"vis" como ciúme, suspeita, ressentimento; o rebaixamentomoral do casamento etc. mostram o catecismo do amor- alxaor mântico quando em germe. Os elementos de instabilidade(desconfIança quanto ao amor do parceiro, ausência de elossociais que garantam a força do vínculo a dois etc.) dão a tônicade ansiedade, competição e corrida permanente para manter oparceiro desejado. Como observou Markale: "Sempre por essemedo de se ver suplantado ou preterido por outro, o amante sec força em ser o melhor, o mais corajoso, o mais atento, o maiscuidadoso. Ele se envolve numa luta perpétua contra o laisser-aller que mata o amor, afogando-o no hábito e no conformismo"(ibid. p. 75). E, nos casos em que o código do amor é levado aoextremo, como no exemplo do amor-abandono de Tristão eIsolda, a aflição passa a ser constitutiva do que Markale chamouti "casal infernal": "O inferno se abre diante dos amantes, que. nstituem realmente o casal infernal (grifos do autor) mais.aracterístico de toda a literatura. Devorados pela angústia,esgotados pela febre do ciúme, eles, enfim, só encontram sere-nidade e pacificação refugiando-se juntos na morte" (ibid.).

A metafísica cristã do sujeito amoroso antecede historica-mente o a rtês. Na cu tura e cortesiãCõm12ete c~eúltimo e consegue sobreviver à sua decadência, mantend - eIbsolutamente viva no lstlclsmo espai1 o o século XVI.N esta mística, o essencial do amor sa rado é naturalmentepreserva o. escreve-se o amor como oriundo de Deus e diri-I'indo-&e.. ra eus. ellnpantadop et nosu'eitoque,1\ I .tadopela.paíxã divina, rea e amorosa ente. Mas, diferentedll corrente dominante do cristianismo, no pensamento místico<, .unor se revela não como conhecimento a essência divina e.1111 como "sentimento ou vlvencla el}1oci~'-desta...rne-::sm:aI ·.·~ncia.~entequ~ena e nordivinocomo"conhe-

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çimento? .o.amor é um instrumento na educação do sujeito paraa vida coletiva, seja ela a cidade ou a comu a correntesentimenta IS a ao contrário, o amor é visto sobretudo como

exer ' . autoperjeição; como a relasãoE.articular de umindivíduo com Deus ou com um outro indivíduo convertido a

esma cren . Os efeitos de sub· etiva ão nas duas correntes sãodiversos. No último caso, o sujeito amoroso tende a ser seupropno o ~e o e amor, pOISe o sentimento e amor em si quee I ea Iza o como a verdadeira m rca a.presea de Deus.

- Essa diferença fica explícita quando opomos o pensamentode santo Agostinho ao de são Paulino de Nolano que diz respeitoà amizade. São Paulino, contemporâneo de Agostinho e, comoele, amigo de Alípio, tinha muita precaução no uso que fazia dotermo amizade, para não o confundir com a amizade do mundopagão: "Para Paulino, como para Cícero, a amizade é fundada navirtude. Mas ela não depende mais da Iivre escolha de dois seresque se elegeram reciprocamente para serem amigos. Ela é umdom de Deus; uma graça do alto. O homem pode, sem dúvida,esforçar-se para obtê-Ia, solicitando-a, mas é Deus que guardatoda a iniciativa e que destinou, ou melhor, predestinou, mesmoantes da origem do mundo, as almas umas para as outras" (Fabre,op. cito p. 139). Por isso, Paulino não crê que seja preciso "umlongo comércio para dar à amizade todo o seu desenvolvimento:ela é desde o primeiro instante perfeita, pois tem sua fonte emDeus: 'É por efeito da graça divina que nos conhecemos eestamos unidos pelas entranhas do amor do Cristo. Assim, épreciso que nossos corações permaneçam sempre de acordo,pois o Cristo é o autor deste acordo. Que poder, que esquecimen-to poderia, então, separar o que Deus uniu?'" (ibid. p. 140).

A concepção de Paulino está próxima, como diz Fabre, daconcepção platônica: "Assim como para Platão, o amante, serecebeu para isso os dons necessários C .. ) buscará e encontrará,no objeto amado, um reflexo da eterna Beleza, reflexo que oconduzirá até a visão da própria Beleza, aspecto do Bem Abso-luto, assim, em definitivo, é a 'caridade do Cristo', caritasChristi, o amor divino, esse amor que suscita e nutre a amizadeentre duas almas; que o amigo reencontra no coração do amigo

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omo em seu próprio coração" (ibid. p. 141). Mas a via amorosanão se atravessa suavemente, por meio de um exercício deuutoconhecimento ou pela progressiva aceitação racional do que• a natureza do amor. Por isso Paulino é cuidadoso. Para falar deamizade usa a palavra affectus, affectio, para se referir à amizadeentre os homens, e caritas e dilectio para se referir à amizade ouamor divinos (ibid. pp. 144-145). N unca utiliza o termo amicitia,empregado por Cícero, como tradução da philia grega, pois estaamizade mundana não tem a verdade e a intensidade da amizaderistã.

Sua insistência em distinguir a amizade espiritual cristã daamizade humana o separava, neste ponto, de santo Agostinho:

A maneira de ver de Agostinho é profundamente diferente da dePaulino. (...) Sem dúvida, ele escreveu nas Confissões páginasadmiráveis sobre a amizade. Como Paulino, ele também marca aoposição que separa a amizade cristã da simples amizade humana.Mas insiste muito menos do que ele nesta oposição e não parecemarcá-Ia com uma oposição de vocabulário. Sobretudo, em teoriapelo menos (...) ele dá muito menos lugar à amizade cristã pessoaldo que Paulino. Depois de ter narrado, nas Confissões, o senti-mento apaixonado e exclusivo que tinha dedicado, na adolescên-cia, a um amigo, de quem não nos diz o nome e cuja morte o tinhadeixado num imenso desespero, ele conclui por estas palavras,que afogam de tal forma em Deus as amizades individuais quequase as fazem dissolver-se: "Felizo que Vos ama, felizoque amao amigo em Vós, e o inimigo por amor de Vós. Só não perdenenhum amigo aquele a quem todos são queridos n' Aquele quenunca perdemos." Texto que põe, por assim dizer, amigos einimigos no mesmo patamar e pretende ignorar as amizadesessoais para deixar subsistir apenas o amor de todos os homens

(...) (ibid. pp. 152-153).

Para são Paulino, a amizade era principalmente amizadepcs oal:

Amar a Deus, ele sabe o que é, por experiência pessoal. Mas talexperiência é incomunicável. (...) O amor ao próximo é uma coisamais tangível e ele fala dele de bom grado. Com uma condição,entretanto: deve se tratar de um "próximo" bem determinado. Pois

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1I11l0 mostrou Boswell, em vários períodos entre os séculos VIIII a cultura monacal fará do amor ou da amizade divinos

motivo para a expressão de sentimentos absolutamente apaixo-11 rd s entre religiosos (Boswell, 1980, pp. 191-219). Por exem-plo, na correspondência de Walafrid Strabo (809-849), abade douiosteiro de Reichenau, para o monge Gottschalk, ou na corres-pondência do monge Anselmo (séc. XII) para um de seus.ltscipulos, a vocação pedagógica do amor se perdia num hori-unte de emoções particulares, em que Deus parecia intervir

unicamente para legitimar, da perspectiva do cristianismo, odesmesurado elo amoroso entre os amigos/amantes.

Essa versão exacerbada do amor-amizade cristã foi, porIssirn dizer, domesticada. Com são Bernardo de Clairvaux, aIntensidade apaixonada do amor foi retida, mas seu suporte nonutro mundano foi banido. Em sua metafísica cristã do sujeito11110rOSO,são Bernardo transfigurou o corpo do outro no corpo

do próprio sujeito e fez da luta contra este corpo o cerne daI rpcriência mística. Diferente de santo Agostinho ou de santoIornás de Aquino, são Bernardo deu ênfase à experiência

111 ss aI do conflito e do sofrimento como sinal da plena realiza-~.\0 do amor divino no homem. Sua mística - a "místicaI rxtcrciense" - aproxima-se do amor cortês, que também exaltaI natureza amorosa do sujeito, porém difere do último, por não1mulizar em nenhum sujeito, idealizado ou não, o objeto-fonte111 desejo (ver Rougemont, op. cit.; Kristeva, op. cit. Gilson,

!lp. cit.).Para são Bernardo, "o ponto culminante do conhecimento

humano é alcançado pela alma no êxtase em que esta se separa,l\to .crta forma, do corpo, esvazia-se e perde-se, para fruirde uma

"P \cie de convívio com Deus" (Gilson, op. cit. p. 364). A uniãoI • tútica era incomunicável e, para explicá-Ia, constrói-se umau-oria do sujeito em que o afeto e o desejo têm um papel central.I lido que afeta o sujeito afeta seu corpo e seu espírito. PorI unhccer essa realidade, Deus enviou Jesus à terra: "Creio,1" int a mim, que reside ali a razão principal pela qual o Deus

111 rsível quis ser visto na carne e tomou rosto humano para falarII1 h mens; ele contava que as criaturas de carne, que não são

amar todos os homens ao mesmo tempo lhe parece, sem dúvida,uma empresa muito abstrata e, por isso mesmo, quimérica. (...)Cada vez que Paulino fala com precisão do amor ao próximo é apropósito de um de seus correspondentes (...) a propósito de umaamizade espiritual (Fabre, op. cit. p. 135).

Essa idéia de amizade leva são Paulino a criar um vocabu-lário para falar de amor no qual estão presentes muitos doselementos que serão reencontrados nas experiências românticasdo amor cortês, da mística cristã de épocas posteriores ou dosromantismos setecentista e oitocentista. A intimidade do sujeitoé esquadrinhada em busca de intensidades afetivas que o ligamao outro amado. Na correspondência com Severo, isso fica claro.São Paulino se dirige ao amigo num tom que iremos encontrarentre os apaixonados modernos:

Estou cansado de convidar-te. Não me restam nem votos nempalavras a acrescentar às preces e às cartas, tantas vezes gastas emvão. Venho dar-te palavras em troca de palavras que recebi: é oúnico consolo que deixaste às nossas relações, pois fizeste desa-parecer a esperança de nossa reunião. Estes consolos, pelo menos,quero aquecer meu coração com eles, se bem que não tragamfrutos. Mas tu começas também a te tornares avarento em relaçãoa eles, pois, agora, é só em ocasiões (grifos no original) queprocuras chegar até mim. Durante quase dois anos inteiros medeixaste em suspenso e torturado pela espera cotidiana de tuachegada (ibid. p. 296).

Em outro trecho citado por Fabre, diz ele:

Aquele de quem falo és tu, sim, tu, a maior e a melhor parte de mimmesmo, tu, nosso repouso, tu, nossa alegria. Em ti está o apoio deminha cabeça, a morada de meu espírito, e isto, não apenas na vidapresente, mas como espero e como tenho confiança no Senhor,para sempre, por sua graça, em seu corpo e em seu espírito. Domesmo modo, se tu fazes alguma coisa a mais do que eu,pela graça de Deus, tu o fazes comigo, tu o fazes para mim (ibid.p.331).

Essa cultura do amor religioso traduzido em amor-amizadepessoal tenderá a se reproduzir em outros momentos históricos.

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capazes senão de amor carnal, voltariam todo o seu elã para oamor salutar de Sua carne" (Kristeva, op. cit. p.187). Ciente daforça da volúpia do corpo, são Bernardo fez do sujeito um teatroem que a luta entre o espírito e a carne seria permanente, commomentos de trégua no encontro extático com Deus. Comosanto Agostinho, ele definia o desejo como "concupiscência dacoisa ausente" (ibid. p.188). Mas, em sua dinâmica amorosa, osujeito é prisioneiro de dois desejos. O primeiro vem da carne etem de ser ordenado na direção do amor a Deus. O segundo é odesejo do próprio Deus dando origem ao ímpeto místico nohomem que ele chama de "voraz". Sobre o desejo humano, dizsão Bernardo: "É [Deus] quem inspira os teus desejos: é ele aindaque tu desejas; É ele quem sacia o desejo" (ibid.). E, continuan-do: "O festim de núpcias está preparado ... Deus, o Pai, nosespera, ele nos deseja não só por causa de seu amor infinito -como o filho único que está no seio do pai no-lo diz: Meu pai vosama -, mas por ele mesmo, como diz o Profeta: não é por vós queo farei, mas por mim" (ibid. p. 189).

O mais interessante é que a teologia bernardina prolongasanto Agostinho na importância dada à guerra do amor contra osexo. Para os dois, o arrancamento da alma de sua prisão carnalera uma experiência de dilaceração. Mas santo Agostinho, nessesentido mais próximo da "escada do amor" de Platão, via nesseprocesso uma subida sem solavancos, em que a vontade e .0

querer desempenhavam o papel principal. Em são Bernardo, odesenraizamento do corpo e da carne é sempre violento. Épreciso uma força igual e contrária que impulsione o espíritopara cima. O amor que, de início, é amor de si, só chega até Deuspela violência da paixão: "Minha carne e meu coração desfale-cem; mas Deus é a fortaleza do meu coração, e minha porçãopara sempre" (ibid. p. 192). Este estado de arrebatamento contrao corpo rumo a Deus é permanente: "( ...) os que purificaram acloaca de sua alma não devem por isso acreditar-se inteiramentepurificados; pelo contrário, é então que para eles se faz sentir anecessidade de purificação constante, não somente com águamas com fogo" (ibid. p. 193).

A partir daí, Kristeva conclui:

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o amor à maneira de são Bernardo é em última instância esse traçode união que constitui a especificidade do homem como natureza-e-sentido, corpo-e-idealidade, pecado-e-graça-divina. Evoque-mos uma das múltiplas expressões de tais ambivalências: "Ama-mos nosso espírito também carnalmente, quando o dobramos naprece, com lágrimas, suspiros e gemidos. Amamos nossa carnecom amor espiritual, quando, tendo-a submetido ao espírito, aexercemos espiritualmente no bem e velamos com discernimentopela sua conservação" (ibid. pp. 196-197).

Portanto, finaliza Kristeva, "na mística cisterciense o ser dohomem é um ser amoroso. Nem' pecado nem sabedoria, nemuatureza nem conhecimento. Mas amor" (ibid.). Como a maioriados autores atuais, Kristeva vê na linguagem de são Bernardolima espécie de intuição do que nossa prática lingüística ensinaI (Imo evidente e verdadeiro: a profunda ligação entre a paixão

xual e a paixão amorosa. Porém, como bem observouI{ougemont, isto já significa uma projeção retrospectiva de1I0S as crenças modernas (ver Rougemont, op. cito pp. 116-123).I 111Agostinho, a sexualidade começava a erigir-se como obstá-11110 à plenitude do verdadeiro amor, pois tornou-se, por exce-I -ncia, o significante da Queda, do Pecado e da incapacidade queII homens têm de se auto governar sem uma direção espiritual(v 'r Pagels, 1992). Em são Bernardo de Clairvaux, esta conver-

o e completa. Dessa maneira, quando o sujeito se torna•. ujeito do amor" sua subjetividade será concebida como subje-uvidade em luta contra o sexo. Mas isso não quer dizer que "o

" é uma realidade objetiva imutável que, na era moderna,Ih veráser "liberado" dos grilhões do amor religioso repressivo.( ) 111110r,entendido como estágio espiritual superior ao desejoI irnal, foi uma invenção histórica que inscreveu, em sua gramá-11tH, a idéia de sexo como um inimigo perigoso, violento,uubativel e que só as almas privilegiadas poderiam vencer.

I enis de Rougemont argumenta, com razão, que a "carne"li, II ra alguma coisa "desconhecida" ou "recalcada" no pensa-nu n! místico. Falando dos místicos espanhóis, diz:

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(... ) para os homens do século XVI, a linguagem erótica era ;naisinocente do que pode parecer aos nossos olhos. Somos nos osneuróticos, herdeiros do "puritanismo" aburguesado de um sécu-lo XIX descrente. São João da Cruz, que descreveu numa páginade extraordinária penetração psicológica os movimentos da carneatraída pelo impulso místico no seu início, não exagera e tambémnão dissimula a gravidade relativa de tais acidentes. Recitar aquias fórmulas "sublimação" e "recai que" é simplesmente recusarsaber do que se fala. Onde está o recalque, onde está a censura,quando Teresa escreve a um religioso que lamenta :ent~~ un:aemoção dos sentidos cada vez que começa uma oraçao: CreIOque isso não interfere na oração e que o melhor a fazer é não lhedar importância alguma"? Da mesma forma, escrevendo a um deseus irmãos que não conseguia comungar sem sentir o desejosexual e que, por isso, recebera a ordem de comungar apenas umavez por ano, são João da Cruz o aconselha a não se inquietar, areceber o sacramento uma vez por semana, haja o que houver - eo irmão se cura, porque perdeu o medo. Em termos de psicanálise,reconheçamos que são João da Cruz desempenha, nesse caso, opapel de médico e não o de neurótico. Escreve santa T~re.sa:"talvez nos pareça que certas coisas que se encontram no Cânticodos Cânticos poderiam ter sido escritas de outra maneira. Dadanossa ignorância, não me surpreenderia que isso nos ocorresse a?espírito. Ouvi mesmo dizer que certas pessoas evitam ouvi-Ias. ODeus, como é grande a nossa miséria! Sucede conosco o mesmoque a animais venenosos, que transformam em veneno tudo queingerem" (ibid. p. I 19).

A diferença, portanto, entre Agostinho e a mística de são8ernardo e dos santos espanhóis não reside no reconhecimentoou desconhecimento das "raízes sexuais do amor-paixão". ComoRougemont, acreditamos que a cisão se estabelece na maneiracomo os "racionalistas" cristãos concebem a relação com Deus.Para a filosofia agostiniana, a unidade com Deus era impossívelna terra, mas possível no céu, e isso bastava para o contentamen-to da alma. Para os místicos, essa união impossível, entrevistaaqui e ali em momentos extáticos, era o mote para a criação deum vocabulário em tudo similar ao do "amor infeliz" no gênerodo amor cortês. Diz Rougemont: "( ... ) se a alma não pode se unir

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('S. .cncialmente a Deus, como preconiza a ortodoxia cristã, então11 .unor da alma por Deus é, nesse sentido específico, um amorrrclproco infeliz (grifos do autor). Podemos então prever queI <; amor se exprimirá na linguagem passional, isto é, na1,,1 uagem da heresia cátara 'profanizada' pela literatura e«lotada pelas paixões humanas. Isto porque sua retórica é a queuiclhor se presta para traduzir e comunicar a essência completa-mente inefável do sentimento que se vive" (Rougemont, op. cit.11 114). Como exemplo, ele' cita o místico Ruysbroek:

. is que é chegado o irresistível desejo. Esforçar-se continuamen-te por apreender o que não é ápreensível.. E o objeto do desejo nãopode ser nem abandonado nem apreendido. Abandoná-Io é algode intolerável e conservá-I o, impossível. O próprio silêncio nãotem bastante força para o agarrar em suas mãos. E todas asmetáforas do amor-paixão afluem na prosa inflamada deRuysbroek: irnersão do amor, desfalecimentos, abraços, explo-sões de impaciência, ardência de amor que consome noites e dias,

rgia de amor, volúpias transbordantes, embriaguez, cicatrizes ..."Ele bebeu o espírito e o coração", eis as palavras que Ruysbroekpõe na boca de uma de suas beguinas ao referir-se ao Cristo. "Eume perdi em sua boca", diz outra. E uma terceira: "Sorver os

Ihares do amor e aí submergir inebriada ... " (ibid.).

Na mística de inspiração franciscana, a linguagem do amor11. li ~ menos passional e violenta: "Meu coração se derrete como"~I10no fogo quando abraço estreitamente meu Senhor, gritando:I 1111 r do Amor me consome, uno-me ao Amor, ébrio de amor.N I" ihamas, ardo e enlanguesço, gritando: vivendo, morro, eurorrcndo, vivo. Contudo, não amo, mas tenho sede de amor e11111\' de me unir ao Amor" (ibid. p. 115). Nos místicos espa-III,t'lis, a linguagem do amor-paixão espiritual chega ao auge. São1I I ()da Cruz diz, em Saudade:

( ...) Ali me feriu o amor,l' o coração me arrancava.Inssc-Ihe que me matasse,pois de tal sorte chagava.Metia-me em seu fogo

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sabendo que me abrasava,desculpando a mariposaque no fogo se acabava.Estava-me consumindo,e só em ti respirava (ibid. p. 58).

Teresa de Ávila, por seu turno, diz:

Subitamente a alma sente nela não sei que desejo de Deus. Em uminstante penetrada inteiramente por esse desejo, entra num taltransporte de dor que se alça acima dela mesma e de tudo que écriado. Deus a coloca num deserto tão profundo que ela nãopoderia, fazendo os maiores esforços, encontrar na terra uma sócriatura que pudesse lhe fazer companhia. Aliás, mesmo quepudesse, ela não quereria, pois só aspira a morrer nesta solidão.( ... ) Às vezes, a intensidade da agonia do sofrimento é tanta quea faz perder o sentimento (... ) mas existe nesta agonia do sofrimen-to uma felicidade tão grande que não sei a que comparar. É ummartírio inefável, ao mesmo tempo dor e delícia (santa Teresa deÁvila, 1981, I, pp. 212-214).

Em outro trecho da mesma obra, lemos:

Pouco tempo depois, ele deu, conforme sua promessa, provascabais da verdade das visões. Eu senti minha alma abrasada porum amor muito ardente ( ... ) meu coração a todo instante estavaprestes a explodir e me parecia verdadeiramente que me arranca-vam a alma. Oh, meu adorável Mestre, de que soberano artifício,de que delicada indústria, vós utilizais para com vossa escrava!( ... ) Que mistério, com efeito, e que espetáculo é o de uma almaconsumida de amor que ela não acendeu. Ela vê claramente queo ardor que a queima lhe vem não de seus esforços mas do amorexcessivo que Nosso Senhor lhe porta. É deste braseiro divino quecai a centelha que a abrasa inteiramente. ( ... ) Aprouve ao Senhorfavorecer-me algumas vezes com esta visão. Vi um anjo perto demim ( ...) pequeno e muito belo. ( ... ) Eu via nas mãos deste anjo umlongo dardo deouro cuja ponta de ferro tinha, na extremidade, umpouco de fogo. De tempos em tempos ele o metia em meu coraçãoe o empurrava até as entranhas. Ao retirá-lo, ele parecia levá-Iasconsigo, deixando-me toda abrasada de amor de Deus. A dordessa ferida era tão viva que me arrancava fracos suspiros de que

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falei antes. Mas esse martírio indizível me fazia saborear, aomesmo tempo, as mais suaves delícias. E eu não podia nem queriadesejar seu fim, nem encontrar felicidade fora de Deus (ibid. 11,pp.96-98)

Como resumiu Cioran, as lágrimas e a volúpia do sofrimentoíoram a marca da cultura mística. Os santos e os místicos, disseilc, não precisavam de olhos: "Eles não olhavam para o mundo.Seus corações eram seus olhos" (Cioran, 1995, p. 7). A místicari tã do sujeito amoroso inventou uma retórica que, com

pequenas variantes, será encontrada, como "conteúdo subjeti-v ", em quase toda a prosa e poesia românticas.

o SUJEITO AMOROSO NO PENSAMENTOPOLÍTICO-FILOSÓFICO LEIGO

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a felicidade desta vida não consiste no repouso de um espíritosatisfeito. Pois não existe finis ultimus (fim último) nem summumbonum (bem supremo) como é falado nos livros dos antigosfilósofos morais. Nem o homem pode viver quando seus desejoschegam ao fim, tal como quando seus sentidos e imaginação ficamparalisados. A felicidade é J!m contínuo progresso do desejo, deum objeto para outro, a obtenção do primeiro sendo um caminháaraao en ao ose u O.Acausa lssoé ueoob'e o

do homem não é gozar apenas uma vez, e só por um momento, masassegurar para sempre o caminho de seu desejo futuro onzam,Or' cilpp. 93-94). >

A afirmação de Hobbes vai na direção inversa da concepçãosocrática sobre o verdadeiro amor ou da concepção agostinianasobre o bem do amor como aquilo "que não se pode perder contraa vontade" (ver Platão, 1972, p. 38; Arendt, op. cit. pp. 10-l2).Nos dois casos, a idéia de que o amor busca a posse eterna doobjeto amado aponta para o desprezo dos bens temporais. Afelicidade duradoura só pode vir da contemplação ou posse doSupremo Bem, imortal por natureza. Em O banquete, repetindoo discurso de Diotima, Sócrates fala da precariedade do amor àscoisas sensíveis, como os belos corpos, e diz que o amor, aocontemplar corretamente o que é belo, não muda nem morre(Platão, ibid. p. 48). Quanto ao desejo em santo Agostinho, dizArendt: "Todo desejo anseia por sua realização, que é seupróprio fim. Um desejo duradouro só poderia ser ou uma contra-dição ou uma descrição do inferno" (Arendt, op. cit. p. 32). Oúnico desejo que alcança a plenitude é o desejo de Deus, pois sóaí o homem encontra alegria, serenidade e verdadeira satisfação,

O sujeito do desejo, em Hobbes, é a descrição do en ano dostolos, em Platão, e o inferno em santo Agostinho. Tudo aQuiloque era colocado co . -meta do su eito no movo ento

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I 1111111, se consideramos que não existem sensações absolutarnen-li uulifcrentes, concluiremos mais uma vez que os diferentes1'1.111 li prazer e de dor são a lei segundo a qual desenvolveu-se

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o gérmen de tudo aquilo que somos, para produzir todas as nossasfaculdades; (...) portanto, desejar é a mais remente de todas asrossas necessidades; or isso ma um dese'o é satisfeito eformamo-nos um outro. Fre üentemente, obedecemos a vários aomesmo tempo, ou, se não o podemos, dis omos paralmr-Otl'tfÕmomento aqueles aos uais as circunstâncias resentes nao nospermitem abrir nossa alma. Assim nossas paixões se renovam, sesucedem, se multiplicam, e vivemos só para desejar e na medidaem que desejamos (Monzani, ibid. pp. 211 e 213).

o NASCIMENTO DO SUJEITO AMOROSOE A SOCIEDADE DE CORTE

Grande parte dos elementos da fabricação histórica do sujeitoamoroso estavam prontos para ser utilizados pelo Romantismo.

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( rct rica do amor cortês, a mística ca!Qlica e o ensamentoludftico-fi1OsOTiCõ aVlameríado no Ocidente a imagem doumor como ''algo Imanente" ao sujeito, e que poderia levá-Io à1I Ir 'idade ou mferiêi ade, dependendo do rumo que lhe fosseti Id . Um outro fato histórico, no entanto, iria contribuir decisi-

1I11Cnteara a i ven ão do amor romântico: a crise da Socieda-IIl- de Corte. Mais róXimo no tem o do Rgwantismo. esteli lIomenoganhou sobretudo ex ressão literária.

A gênese e o funcionamento da vida de corte foi o objeto detudo de Norbert Elias (ver op. cit.). Para o autor, a vida em

I ort ,com suas exigências de civilidade, obrigou os su· eitos a11111controle de si até então desconhêêi o. civilização se deuI t'xpensas de um expurgo eexpressões violentas de sentimen-tos agressivos ou amorosos. A necessidade de ermanecerpróximo do rei levou os nobres rurais, sobretu o, a abrirem mão,HlS poucos, da mam estaçao o que sen Iam ou pensavam emluv r de condutas taticamente mãis aâequa as à obten ão dosI/lv res reaise a manutençao a OSI ao de restí io entre ospnrc . O processo CIVIIzatorio ou de "a ão da nobreza,I UIl10 o chamou Ias roduziu, assim, um dURlo movimento.Ik im lado, t.@!l.â[Qrmouos nobres em cortesão~, fazendo-os verII I vida de corte o próprio sentido da vida; de outro, ~ovocouuma reas!9 à dureza das regras desse mesmo modo de Vida, que( 11' ntrou na literatura sua mais viva ex ressão.

De início, diz ele, ' a curialização da nobreza de espada"provocou uma onda de sentimento de perda do ambiente rural ed.1 antiga moralidade guerreira:

urante a fase de transição, alguns nobres que tinham nascido ecrescido nos domínios dos seus antepassados viram-se obrigadosa habituar-se à vida de corte, muito mais requintada, maisdiversif mai;-;:ic rela ões humanas, mas também muitomais submetida à necessidade de autocontro e. ...) O passadotransforma-se numa visão onírica.A vida no campo surge comoO ímbolo da inocência perdida, da simplicidade livre e natural; érrcqQ~!2.!~.~.1ent;Postaem confronto com a .vlda_cltad.m~, CO~l avida de corte e as suas pressões, as-obsigações hlerargUlcas.ornplicadas, o autodomínio que exige de cada um. (...) Mas a

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"):ida.-Camp.e.s.~ue evocavam nas suas c0l!v~!sas, nos seuslivros, nos seus divertimentos, tinha muito poucas ligações coma vidâ real~oma vida dos camQ2neses nas suas terra;-r) OroméfIT(~gia de forma e isódica no roman-ce de cavalaria exp-rime~Igia dos nobres e das suas damascurializadas ue sonham com uma vida cam estre embelezaaapela distância. (...) Quando estudamos estes acessos de romantis:-

J!!9 da sociedade curial abordamos o problema crucia das atltu ese modos de percepção ue nos_habituillTIQ;;acha oman ICOS

(Elias, 1987, pp. 184-185).

Assim, para Elias, certos termo e posteriormente serão amarca atente do Romantis o - como d e raizamento aliena-ção e idealização do passado - come am a sur _ir e,.$.Si ome-to, em resposta à centralização estatal das vidas individuais.Di erente, porem, as elites artísticas e unIversitárias burguesasdo século XIX, que irão buscar as raizes do passado idealizadona consciência da história, a aristocracia de corte constrói a fontede seus mitos num presente inacessível - a vida do campo:- Q.romance pastoril com seus astores e pastoras, será para QS

~rtesãos insatisfeitos o que ~ aventuras de cavaleiros feudais.....e mestres ar esaos aa ade Média serão Qara a bur ~siailust ada,xesponsá-ve ela invenção do Romantismo. Daí vea concepção do amor gue encontrará seu aQo eu o "romantis-mo amoroso '. Elias aponta o romance A stré ia, de Honoré

.d'Urfé, como o fato literário mais representativo deste novoethos. Em Astréia trata-se de analisar a dissimulação e osdisfarces dos amores de corte. Aftivolidade a sensualidade, afrieza e o calculismo desses amores são criticados em nome dasimplicidade.Tiíõfalidade, honesriôaôe-e5efeza dos amorespastoris. Esse imaginário amoroso rompia os laços com o amorcortesão, exclusivamente voltado para a perpetuação do equiIT-brio polltico das casas e linhãgérr fiobres e para conservar oprestígio dos senhores.arístocráticos -e contribuiu para a difusão

.da crença no amor como "virtude privada", sem com romissoscom ideais úblicos." --

Elias mostra como essa nova imagem do amor, feita devinhetas do amor cortês, o misticismo ca o lCOou de novas

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA 65

uu-táforas amorosas, é contemporânea do processo derutcriorização dos sentimentos. incremento da-s práticas aemtocontenção emocional, exigi das pela vida de corte, produzi-

1.1111 um enorme efeito de intirnização e singularização.~111 i ulaÇ.ão-das novas e ras de rod..u ão de bie ividadesr-utimentais à idealização da suposta espontaneidade dos pasto-

Il" c 2astoras foi um dos princi ais ontos de a oio ara odl .cnvolvimento da idéia romântica de amor. Diz Elias:

Muitas vezes, quando empregamos a palavra "amor" no sentidoque hoje lhe damos, esquecemos que o ideal de amor, modelo detodas as relações amorosas reais, ncarna uma forma de ligaçãoafetiva entre o homem e a mulher orientada em longa medida pornormas sociais e pessoais. (...) A versão aristocrática do amorapresenta-nos já o idea], romântico que irá ser glor~ado nasobras literárias da burguesia dos séculos seguintes. A pro osta élima atração sentimental apaixonada entre um homem e um.a1\1 ulher jovens, arnbos soIteiros: essa paixi!2.sópode real iz -se no'3 amento, com exclusão e qua quer outra solução. A paixãodeste homem é toda por aq~ulher, a paixão da mulher é toda o (,2-p r aquele homem. Um ideal como este já pressupõe, portanto, I>,~~~lima individualização muito marcada. Exclui todo e qualquer Ia o ~ 'V•.•.ounoroso, mesmo fugaz, de qualquer dos apaixonados por uma cJ....

t rceira pessoa. Como se trata de duas essoas marcadas or ","orO?uutodominios muito individualizados.e.caurççqs, muito diferen- r" <.I';adas:a-estratégia da con uista' is com licada e demormais tempo que outrora. (...) Este é o verdadeiro motivo pelo qual.I.' relações amorosas só podem ter lugar depois de um períodopr' batório, depois dos mal-entendidos, das provas ou façanhasti 'vidas a si próprios ou a outros terem sido vitoriosamenteconcluídas. A estraté . dificil e aventurosa dacon uista do amorque preenche grande arte do romance é, pois, um sintomari I distância crescente que se estabeleceu entre as pessoas(Ihid. pp. 223-224).

( 'ontinuando, Elias fala de alguns efeitos do novo exercício111 unllvidualização amorosa:

li!,', ão amorosa tal como é encarada pelos heróis de Astréia é\1111 id al. Surge-nos como uma mistura complexa de impulsos

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passionais e de imperativos da consciência. (...) A este nível doprocesso civilizador, o homem retira dela uma vantagem suple-mentar: desfruta a espera do prazer, uma alegria melancólica quese mistura com o sofrimento do amor, a tensão do deseJodá-lheuma sensação gratIfIcante. Sao estas as características que dão a;ste amor a sua tonalidade tipicamente romântica. (...) O prolon-gamento dojogo amoroso e o prazer secundário que reSUItãaa

tensão do dese'o não satisfeito estão intimamente ligados a umaerta ética do amor, a submissão completa dos apaixona os a

certas normas sociais ue es são ditadas ela ró ria consciên-CIa. Destas normas faz parte a fidelidade inguebrantável do'home ' ulher a da (ibid. p. 224). -

É fácil perceber, pelo que observa Elias, traços comuns aoideário do amor cortês e ao amor místico. Enfim, coube aRousseau a tarefa de promover a grande síntese da imagem dosujeito amoroso, reprocessando os acontecimentos históricos deque foi herdeiro e fornecendo o molde imaginário de todo omodo de amar no Ocidente moderno. Rousseau parte da discus-são do que seria o egoísmo, na linguagem dos autores quemencionamos. P mo ara Hobbes Locke e Condillac,"a fonte de nossas aixões a ori em e . cí io de todas asoutras a única ue com o homem e não o deixa iamaisenquanto ele vive, é o amour de soi: paixão primitiva, inata,anterior a qua quer ou ra, e a ual todas as outras são apenasmodificações ousseau, 1966, p. 275). Mas, ao contrano doque foi visto no gensame to que o recedeu ara Rousseau esseamour de soi é originário e não derivado de aI uma outra coi .Ele nasce o esamparo infantil e é a resposta ime lata eautomática do ambiente humano aos movimentos instintivos dacnança:

Toda criança se apega à sua nutriz: Rôrnulo devia apegar-se à lobaque o havia aleitado. De início, este apego é puramente maquinal.O que favorece o bem-estar de um indivíduo o atrai; o que oprejudica produz repulsa: existe aqui apenas um instinto cego. Oque tran forma este instinto em sentimento, o apego em amor, aaversão em ódio, é a intenção manifesta de nos prejudicar ou denos ser útil. Não nos apaixonamos pelos seres insensíveis que

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA

c iuern apenas o impulso que lhes é imprimido, mas por aquelesti, quem esperamos o bem ou o mal por suas disposições inte-nor s, por suas vontades, aqueles que vemos agir livremente alav r ou contra, que nos inspiram sentimentos semelhantes àque-1 s que nos mostram. O que nos serve, buscamos; mas o que nosquer servir, amamos (ibid. p. 276).

Rousseau, no entanto, em vez de pretender descrever neu-111111 .nte a natureza do amor, desde lOgo faz um julgamento de

11m sobre o amour de so,ie não esconde seus intentos pedagó-'1IIlS, O amour de soi-même e bom em si mesmo e só corre oII ,l o de se tornar mau uando se transforma em amour propre,'1111 nasce da comgaraçjo do suj~ito com os ou ros _e que, untraria o mo ' to esp tâ~o dª-!l.atureza ibid. p. 277). Do,/1111111' de soi nascem as "paixões doces e afetuosas" e, do amourI"~tI/)f' ,as "odiosas e irascíveis" (ibid.). Dada esta com reensão,111 paixões, o pro ósito de Rousseau é educá-Ias. Sua pedagogia

, 111imenta tem duas vertentes. A grimeira é a da ied~ e. aI dll , \ção da crian a, trata-se de torná-Ia sensível ao sofri e tôrlu uutro. Deixaremos de lado essa questão e suas conseqüências

111 () políticas. Em rela ão ao amor e suas relações com aunlidade, Rousseau começa por divergir dos teóricos o

.I, . 'I e o prazer anterior teêltados. Um ese o - o dese'oI lIíll- ede a resen a do outro l2ara se realizar, pois é, em si,

II l jo de com lementaridade. Rousseau apóia-se nesse im ul-11 lII'iginário ara afirmar ue a sociabilidade é oss'vel sem

'llIl~' ou ' ~ 'ale aI do Estado,Osexoéa1'"\'11 da natureza gue torna a sociabilidade "natural", desde ue

111 limitado e orientado pelo "fato cultural" ~egüê~.1111 vi!Áv I da {2ré-maturação do filhote do h~m - gue é o'1111 11H' do.nutrn" suma ensin ndo-se à.crian, sentir

jI rlndc ou...fQ!!lPªixãQpelQs.Q.[rimento do outro e a domesticar.>, 1'01 .nte fj ça da natureza ue é o sexo, a concórdia social é1" .lvcl u.nhjetizc entàg.,...Lad.e r aixões, desejos e1'"' 'I' 'S, em função da moderaç~o:

( .) se a uniformidade de uma vida igual parece, de início, tediosa,11111Indo melhor, achamos, ao contrário, que o mais doce hábito da

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alma consiste em uma moderação do gozo que deixa poucoespaço para o desejo e para o tédio. A inquietação dos desejosproduz a curiosidade, a inconstância: o vazio dos prazeres turbu-lentos produz o tédio. Ninguém se entedia nunca de seu estadoquando não conhece absolutamente um outro mais agradável(ibid. p. 298).

Contraposto aos filósofos do desejo e do prazer, Rousseauvai na contramão. Seu Emílio nem de longe se envolve na"corrida do desejo" hobbesiana, embora continue a quererbuscar a felicidade na terra. A felicidade de Rousseau, noentanto, é concebível e teoricame"Irte ossível ois é definida deacordo G..Q.IJ.l.-O~r-ifleíJ3tes-&I-áss· e cristãos da tem erança. Apergunta remanescente é: como conseguir este estado de mode-ração, dada a aposta de Rousseau no poder do sexo como energiapor excelência da cooperação entre os seres humanos? Comoconciliar excesso e comedimento, intensidade e paz? A respostade Rousseau é que, com a imaginação, o sexo pode ser conver-tido em força útil, posta a serviço da felicidade do sujeito e dasociedade. Loc e Hchbeshauiam.ignorado Q:\ia1m socializadordo sexo. Rousseau o reabilit de orma cultu te sur ~-âente. Ele imagina a drenagem da sexualidade.p nstru ão

a sociedade iusta como a harmoniosa conjunção entre sexo,a~ casamento na unidade da família con·uga. omens emulheres se inclinam naturalmente uns para os outros e trata-sede tirar partido dessa inclinação para criar filhos, organizar afamília e criar, em seu interior, o sentimento de cidadania. Ouseja, o que Platão tomava como o "Eros vulgar ou pandêrnico",isto é, o Eros voltado para a procriação; o que os padres da Igrejaconsideravam um desprezível mal menor, isto é, o casamentocomo modo de atenuar a lascívia que corrompia as almas; o queos poetas e pensadores do amor cortês desprezavam comodesnecessário para a existência da experiência amorosa, poisbem, o casamento e a família serão, para Rousseau, o lugar doapogeu do amor.

De um só golpe, Rousseau vai reunir numa única figuraçãoideais do bem do amor, do sujeito amoroso e da felicidadeamorosa antes dispersos: a) na exaltação do amor ao Supremo

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111"1, u Deus ou à Dama; b) na xaltação dos desejos e prazeres,1i I III1ioconsiderados egoístas e anti-sociais; c) no controle daI ualidade, vista como algo vil ou como a marca da Queda ou1.1 l'ccado e, finalmente, d) na idéia de concórdia entre o sujeito

11: ocial, presente no amor clássico, antes de sua emancipaçãohulívidualista. A metafísica do objeto do amor se articulava à1111 I.tf"ísicado sujeito amoroso sem atritos. O amor, como proprie-1IIIIl intrínseca do sujeito, não colidia com o Bem social. Ele eraI dobradiça entre o empirismo das sensações e o idealismo do"'111 ao outro. A carne, transformada em sexo, se tornava dócil

I cll"p msava as agonias místicas e as renúncias trovadorescas do1111111' de cortesia. Rousseau criou operadores conceituais que

111 uuitirarn a conversão de elementos até então rebeldes a'li' ilqucr tentativa de conciliação. O amour de soi, o sexo e aI uulli ,finalmente, deram plausibilidade à idéia de uma felici-I",tI mundana feita de paixão e espírito, bem-estar individual e111 111 ' tar coletivo. A figura da parceria sexual amarrada aoI outrato conju aI feliz se tornou, cem o mostseu, Ioorc, a sú-'"1111 c breviáríndesse 'ili:ário amo 050 (Bloom, op. cit. p. 56).

'I' das as correntes românticas vão ser variantes desses11 'li IS de Rousseau. As mais tempestuosamente irraciona IS as

1111 cntuar o lado do romantismo que mimetiZãõãiTiõr co ês11 " urnor místico, na vertente do amor-aoandono ou do amor

,di li/:. Sofrimentos, renúncias, aspirações frustradas, mortes,til ,("tlnces dramáticos etc. vão compor o painel dessa imagem111' IIn r que se apresenta como anticonvencional, antiburguesa

I '11 luta contra a repressão religiosa. Ben'llmin Péret, e~osso111110, é um herdeiro à altura dessa tradição. Em sua AntologiaI" tunor sublime, ele defende uma VIsão escancaradamente

1.11 ilizada do amor romântICO. O amor é mistério ma' eIIt ilntria sexual do arceiro. Devemos nos entregar a ele, mesmoillI 'I 10 que estamos nos entregando às incertezas do acaso.

I,"hl pode dar certo e tudo pode dar errado. Não obstante a1111 ucza, é assim que se ama. Sem esta passividade cega, não

IIdll' 'cremos o êxtase amoroso. No amor sublime, diz Péret, a11 "idade é obrigatória. Mas só deixa de ser espúria e mesqui-

111. I quando engrandecida pelo sentimento amoroso. Em sua

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expressão, é assim que acontece a "sexualização do universo".uando o sexo se subordina ao amor e é or ele enobrecido e

engrandecido, o mun o se torna sexual, a vertigem dos amantesé plena (ver Péret, op. crt. ), A contrapartida dessa visão idílica seencontra no pessimismo soturno e ten a, que parece con Ir-mãr[a 'Rcchefoucauld, ao dizer: "Todo amor acaba, or m~violento que tenha sido, e o mais VIOento mars rapidamente doq@ os outros. Depois do amor vem-o desgosto' ª mais

atura' ão fugimos.por.al tempo" (in Kristeva, op. cit. p.390). Em outro texto, continua ele: "E o que há de singular e demuito triste, dizia-me esta manhã, é que minhas vitórias (comoas chamava, então, a cabeça cheia de coisas militares) não mederam um prazer que fosse a metade sequer da infelicidade pro-funda que me causaram minhas derrotas" (ibid. p. 391). Stendhalé o retrato em negativo de Péret. Em vez do triunfalismo, o der-~iâ..mo. Mas nos dois existe a mesma crença de que o amor ro-!I1ântico é um ideal sentimental Impossível de ser redescnto ems~ valor moral ou alterado em sua força performativa, no queconcerne à construçã,Q das suboetividades.

Esse veio do romantismo foi temperado pelo romantismoconformista, de acordo com os interesses familialistas da socie-dade burguesa em geral. Em trabalhos de sexólogos, psiquiatras,higienistas, moralistas, reformistas morais, filantropos etc. oromantismo literário sempre foi duramente criticado, em nomede um amor prudente, votado à reprodução da espécie e àmanutenção da ordem social (ver Costa, 1979, 1992, 1995). Sejacorno for, depois do Romantismo, o amor como ideal de perfei-ÇãO ética ou estétiCãSe impôscom o fascínib-e os aradoxos eque são eltos todos os grandes mitos cu turais. O fascínio oamor-paixão romântico, como ilustra Péret, é prõmeter um tipode felicidade na qual os indivíduos encontrariam a completude,numa perfeita adequação física e espiritual ao outro. Os parado-xos aparecem, por exemplo, nos trechos de Stendhal, que afir- .mam que a certeza da precariedade do sentimento amorosoconvive com a crença numa felicidade eterna sem que osindivíduos consigam escapar da ambigüidade da injunção.

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA 71

Na mesma direção, mas apontando para outro aspecto,uumcl mostra como a Ideolo lado romantismo se a ro riou da

IIU'llIfí icãOosujeito do amor. Para Simmel, o amor é "umalI! ioria primordial" que tamBém <É.."interioridade" absoluta:

O amor é sempre uma dinâmica que se gera, por assim dizer, apartir de uma auto-suficiência interna, sem dúvida tsazida, por seuobjeto exterior, do estado latente ao estado atual, mas que nãopode ser, propriamente falando, provocada por ele; a alma opossui enquanto realidade última, ou não o possui, e nós nãop idernos remontar, para além dele, a um dos movens exterior ouinterior que, de certa forma, seria mais que sua causa ocasional.J'~c ta a razão mais profunda que torna o procedimento de exigi-lo, a qualquer título legítimo que seja, totalmente desprovido de" mtido. Sequer estou certo de que sua atualização dependa!l impre de um objeto, e se aquilo que chamamos de desejo ou11 essidade de amor - esse impulso surdo e sem objeto, emp irticular na juventude, em direção a qualquer coisa a ser amada

já não é amor, que por enquanto só se move em si mesmo,di I mos um amor em roda livre. (...) A existência desse impulsoem objeto por assim dizer incessantemente fechado em si, acento

I I 'monitório do amor, puro produto do interior e, no entanto, jáI' nto de amor, é a prova mais decisiva em favor da essênciaentral puramente interior do fenômeno amor, muitas vezes

dls imulado sob um modo de representação pouco claro, segundo)qual o amor seria uma espécie de surpresa ou de violência vindas

di xterior (como também pode parecer, aliás, num plano subje-nvo li metafisico), tendo seu símbolo mais pertinente no "filtrodi' III110r",em vez de uma maneira de ser, de uma modalidade e de11111:1 rientação que a vida como tal toma por si mesma-como seI) 1111 r viesse de seu objeto, quando, na realidade, ~ai em direção'I ,I, ( immel, 1993, pp. 124-125). -

1'01' ILI é "originaridade absoluta" o amor é autôno o emII~11) UO QIazer sexual, à reprodução da espécie ou a compro-

111 lI' I Il11iliaresesociais,cóntinuaele.Eporqueé"interioridadeI, ••IIllI" immel chega à seguinte conclusão:

11 1J1I' para o amor moderno o verdadeiro objetivo é o amor, 11111" ndido, sendo tudo o que segue secundário e acidental, ele

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compreendeu - é a conseqüência desse conhecimento - que há, nooutro, algo impossível de se conquistar, que o absoluto do euindividual ergue uma muralha entre um ser e o outro, muralha quemesmo a mais apaixonada vontade dos dois conjugados não seriacapaz de demolir, e que faz de todo "ter" real que queira ser maisque a realidade e a consciência de ser-amado-de-volta uma ilusão(ibid. p. 155).

De modo inatacável, Simmel extrai as conclusões das pre-missas do amor com originaridade e interiorídade subjetivasabsolutas. Amar e ser correspondido é algo impossível, poispressupõe uma idéia de sujeito que impede esta possibilidade. Oindividualismo implícito na metafísica do sujeito amoroso levaao beco sem saída da "muralha entre dois absolutos" que queremamar, mas só poderiam amar plenamente se deixassem de ser os"sujeitos do amor" que são e que os leva a desejar o amorimpossível de concretizar-se. Deste modo, antecipava o queSartre, tempos depois, vai dizer sobre o amor, na famosapassagem de O ser e o nada:

Encontramos aqui o ideal da empresa amorosa: a liberdadealienada. Mas é aquele que quer ser amado que, enquanto quer quese o ame, aliena sua liberdade. Minha liberdade se aliena empresença da pura subjetividade do outro que funda minha objeti-vidade. (...) Cada um quer que o outro o ame, sem se dar conta deque amar é querer ser amado e que, assim, querendo que o outroo ame, ele quer somente que o outro queira que ele o ame. Assimas relações amorosas são um sistema de reenvios indefinidos,análogo ao puro "reflexo-refletido" da consciência, sob o signoideal do valor "amor", quer dizer, uma fusão das consciênciasonde cada uma delas conservaria sua alteridade para fundar aoutra. É que, com efeito, as consciências são separadas por umnada insuperável, posto que é, simultaneamente, negação internade uma por outra e nada de fato entre as duas negações internas.O amor é um esforço contraditório para superar a negação de fato,conservando, ao mesmo tempo, a negação interna. Eu exijo queo outro me ame e faço tudo para realizar meu projeto. Mas, se ooutro me ama, ele me decepciona radicalmente por seu amormesmo. Eu exigia dele que fundasse meu ser como objeto privi-legiado, mantendo-se como pura subjetividade em face de mim.

UTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA 73

I~,a partir do momento em que ele me ama, me experimentanquanto sujeito e se abisma em sua objetividade em face de

!TI inha subjetividade. O problema de meu ser-para-outrem perma-nece, então, sem solução. Os amantes permanecem cada umpoursoi em uma subjetividade total (Sartre, 1943, pp. 425-427).

vocabulário é diferente, o sentido é aproximadamente ouu-smo. Os sujeitos amorosos não podem abandonar os impera-tiVOS da "incomunicabilidade" derivada da maneira como sãoubjctivados. Por que não podem chegar ao outro é que amam,

I porque amam se dão conta de que o amor revela a impossibi-IltI «lc que tentavam superar amando. Entretanto, o desencontrouutulógico dos sujeitos amorosos só ganha o tom grandiloqüen-II 111.nte trágico e niilista quando aceitamos as premissas que1IIII Iam essa interpretação. Sartre, como Simmel, parte do pres-

"pc sto de que o amor moderno é o "verdadeiro amor" e não vêI r Ia para o mal-entendido amoroso, a não ser no diagnóstico da

I I11idição que o torna inviável. Mas, se seguirmos o que o próprio'1lIlrc recomenda, citando Alphonse de Waehlens na leitura quelI/de I-Ieidegger, podemos levar a sério e infletir, pragmatica-ruvut a frase Je suis ce que je dis (ibid. p. 422). Afinal, comoIH110u Luhman, o amor é um código de comportamento um1IIIIdeldeCànduta ue temos quan o a rende-1111)'a amar (ver Luhman, 1990, pp. 33-34).

Sartre, Simmel e Péret, sem se darem conta, mostram asI I' rn do aprendizado emocional seguidas no exerc!ci? d~ amo~.« )l1l1l1doanalisamos mais detidamente o amor romântico imagi-ruulo pelos autores- e é de amor romântico que, inegavelmente,I lrnta -, vemos que pelo menos cinco injunções estão contidas

111 I .: a) a idealização de um sentimento pessoal, apresentado1111110pleno, mágico, extático e superior em intensidade e gozo11 qualquer outra experiência emocional do indivíduo; b) adI qualificação moral do exercício puramente físico da sexua-l dud .; c) a exigência de uma sexualidade livre e, ao mesmou iupo, ubmissa ao amor. Só esta última condição a torna dignaIh, 1111r subi ime; d) O estabelecimento da sexualidade como pré-I quisito da realização do amor sublime e a conseqüente

I 11liIização do universo" e, por fim, e) a exigência de que o

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indivíduo entregue suachance de felicidade ao acaso,já que aelepertence o poder de revelar a pretensa imagem do ser amado queele possui sem saber, e que corre o risco de jamais encontrarenquanto viver, pois pode sempre confundi-Ia com mais umamiragem.

Vistas deduras quantoOcidente in u. Os ideais de bravura, coragem, santidade,vir indade espiritual, castidade corpórea,também edlam aos s us ntes fié' raticallks~bedi ~ cia a regr-as Qe condu contraditórias ou dificílimas deserem seguidas. Com um agravante, hoje temos a impressão eser mais livres e autônomos do que nunca, o que acentua o mal-estar provocado por uma questão que parece sem saída. O mongebudista Sangharakshita disse certa vez a propósito do sexo:

(...) o impulso sexual pode ser a fonte de fortes sentimentos deapego e possessividade, de ciúme, ódio e desespero. (...) Com opassar do tempo, cheguei à conclusão de que a razão pela qual asrelações sexuais são tão dificeis e, às vezes, acabam de modo tãodesastroso, é que as pessoas investem demais nelas. Freqüen-temente, elas parecem construir suas vidas em torno de suasrelações sexuais e não possuem outras relações sérias: nem comos parentes, por exemplo, e certamente não com seus amigos.

E, perguntado se havia dito que apaixonar-se era uma daspiores coisas que podem ocorrer a alguém, respondeu:

Apaixonar-se implica uma projeção psicológica ou ver na outrapessoa qualidades ou aspectos que, de fato, são qualidades easpectos de si mesmo, mas que são inconscientes. Isto significaque (...) num certo sentido você não as trata como seres humanos,mas COll10coisas, objetos. Talvez ambos se tratem como coisas epor esse meio satisfaçam certos apetites. Mas nisso nada existeque diga respeito ao desenvolvimento humano e muito menos aodesenvolvimento espiritual.

O que Sangharakshitadiz sobre o sexo, com ligeiras nuanças,vale para a idealização do romantismo amoroso. Não se trata,

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CTOPIA SEXUAL, UTOPIA AMOROSA 75

I ntrctanto, de desa rovar moralmente o amor ro ântico, emnome de um outro ideal com direito ao mesmo monopólio.-,.. ~I lata-se de peTgttAtaF-8Jl1t)~cirlN..et:ltar-l:lm o o deIIIllIr menos trá ico, heróico ou dramático e mais à altura denossa liberdade. Uma utopia sexual e amorosa, pensada oÚ";;ão1111' termOs de Foucault ou Marcuse, é radicalmente pluralista e.k-sidolatrada ou corre o risco de nada mais ser do que uma utopiapll'C cemente aposentada.

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