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A. S. Freitas As Máscaras As Máscaras do Ateísmo do Ateísmo Uma crítica à filosofia ateísta I L U S T R A D O

FREITAS, A. S. - As Máscaras do Ateísmo (ilustrado)

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A. S. Freitas

As MáscarasAs Máscarasdo Ateísmodo Ateísmo

Uma crítica à filosofia ateísta

I L U S T R A D O

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Contato com o autor: [email protected]

CIP ­ Brasil. Catalogação na Fonte.Câmara Brasileira do Livro, SP

Freitas, André de Sousa.As Máscaras do Ateísmo – Ilustrado.Uma crítica à Filosofia Ateísta.1ª Edição. São Paulo, 2011.

1. Filosofia e Teoria da Religião.2. Apologética Cristã.3. Ateísmo. I. Título.

    CDD­210

Índice para catálogo sistemático:1. Filosofia e Teoria da Religião ­ 210

Última revisão: 08 de Outubro de 2012.

Este livro é uma versão resumida e ilustrada da obra “As Máscaras do Ateísmo”, com 334 páginas do mesmo autor.

Todos os direitos reservados ao autor. Reproduções da obra poderão ser feitas, desde que citada a fonte (autor, ano, editora e local) e não destinadas a uso comercial. O uso comercial sem autorização expressa por escrito do autor, sujeitará o infrator nos termos da lei n. 6.895 de 17/12/1980, à penalidade prevista nos artigos 184 e 186 do código penal.  Registrado na Fundação Biblioteca Nacional em 3 de Março 

de 2003, sob o número 370.829, livro 686, folha 489. “AS MÁSCARAS DO ATEÍSMO” ­ 2006SP_1258.

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Sumário

INTRODUÇÃO.........................................................................................................5

A MÁSCARA DA ERUDIÇÃO..................................................................................7

David Hume e o empirismo do séc. XVIII...............................................................................8Friedrich Nietzsche e o Radicalismo do Séc. XIX................................................................12Bertrand Russell e a Filosofia Analítica................................................................................17Jean-Paul Sartre e o Existencialismo do Séc. XX................................................................21Richard Dawkins e a nocividade da fé..................................................................................25Tendências atuais.................................................................................................................28

AS MÁSCARAS DE CIÊNCIA................................................................................31

De Galileu a Einstein: a física contraria a fé?.......................................................................31A Evolução das Espécies.....................................................................................................33A Psicologia e a Fé...............................................................................................................39A Cultura Cristã e as Ciências Sociais.................................................................................43Confrontando a Fé com a História........................................................................................51

CONCLUSÃO........................................................................................................57

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INTRODUÇÃO

Ateísmo é a crença na inexistência de Deus. Os defensores dessa visão gostam de usar palavras sofisticadas e se valer de ideias filosóficas, fazendo com que as pessoas que estão tomando contato com essas ideias pela primeira vez fi­quem com a  impressão  de que não podem combater tais pensamentos. Nesse primeiro contato, muitas pessoas religiosas sentem um duro golpe em suas con­vicções e somente depois de se refazerem é que começam a pensar em formas de defender sua crença na existência de Deus. As máscaras do ateísmo são os dis­farces usados pelos ateus, disfarces esses que fazem com que seus argumentos se pareçam algo muito profundo e abrangente, que para serem compreendidos seja necessário conhecer muito de ciência e filosofia, quando na verdade não é bem assim, pois como veremos, em todas áreas da ciência e em várias formula­ções filosóficas, o ateísmo parte de um único e injustificável pressuposto: a in­credulidade quanto ao sobrenatural.

O pensamento ateu existe desde os tempos mais remotos. A formalização de seus argumentos, porém, pode ser estudado a partir dos pensadores gregos. O filósofo grego Epicuro (341­270 a.C.) questiona, por exemplo, a origem dos ma­les, já que Deus tem poder e desejo em eliminá­los. Aristófanes (447­385 a.C.) também aludiu a problemas na concepção do divino, quando alegou que mesmo nos seios dos deuses havia injustiça, já que o próprio Zeus, segundo a mitologia, teria destronado seu próprio pai.

Com a difusão do cristianismo, a filosofia se amoldou aos princípios cris­tãos, e somente na renascença o ateísmo voltou a ter força no pensamento erudi­to.  Na ciência,  o desenvolvimento da mecânica e das leis  físicas através das quais o movimento dos corpos podiam ser previstos, surgiu a ideia de que assim como no funcionamento dos sistemas celestes (planetas, estrelas e corpos celes­tes em geral em relação a seus movimentos), todo e qualquer movimento, até mesmo os movimentos produzidos pelo corpo humano, também seriam preditos por leis. Dessa forma, não existiria vontade, livre­arbítrio ou sobrenatural, pois tudo seria explicado a partir das leis da física. Nesse ínterim, a filosofia materi­alista usurpou o status de regra de fé dos filósofos e cientistas: não existe sobre­natural, tudo o que há está na natureza (naturalismo), e todas as respostas es­tão na ciência (cientismo).

O ateísmo dessa época considerava ser impossível acreditar no sobrenatu­ral, ou seja, o povo só acreditava em Deus porque não conhecia ciência e filosofia de  forma suficiente para saber que tal  crença era absurda.  O filósofo David Hume (1711­1776) argumentou contra a crença em milagres, alegando ser im­possível para a mente humana aceitar o sobrenatural.

Com o passar do tempo, surgiu a teoria da evolução das espécies, o que na 

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Busto de Epicuro.

Uma máscara: a ocultação da face como símbolo da

manipulação ideológica.

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opinião dos ateus fez diminuir ainda mais a possibilidade de se acreditar em Deus, particularmente na Bíblia. Nessa época, o determinismo (crença de que todo o futuro está previamente determinado e pode ser previsto pelas leis físi­cas) atingiu seu ponto máximo. Alguns filósofos como Nietzsche chegaram a di­zer que a vontade era algo que não existia, era uma mera invenção humana que foi construída para culpar as pessoas e lhes condenar, mantendo­as assim domi­nadas pelos sacerdotes de diversas religiões.

O desenvolvimento das  ciências sociais,  da psicologia e  da arqueologia também forneceram combustível para o ateísmo. Teorias sobre o surgimento das religiões foram construídas, bem como teorias sobre a criação da Bíblia, todas elas partindo do pressuposto da inexistência de Deus. Psicologistas escreveram sobre a religião como fruto da psique humana. A moral também não deixou de ser citada e justificada num cenário ateísta, e para isso filósofos existencialistas lançaram mão de sua erudição para mostrar que a ética não é um benefício pro­duzido pela religião. Aliás, os mais recentes ataques contra as religiões seguem no sentido de dizer que as religiões destroem a ética, por perpetuarem erros do passado ao impor suas doutrinas e tradições formadas em épocas remotas.

Se no início os ateus alegavam ser impossível para uma mente aberta acreditar em Deus, agora alegam que apesar de ser possível acreditar em Deus, essa crença é nociva, é responsável por muitos retrocessos e males na história da humanidade. Apesar disso, cada vez mais a ciência avança e o espaço para a crença ateísta se encolhe. A arqueologia moderna, apesar da insistência de al­guns ateus em interpretarem as evidências de forma a contrariar o testemunho bíblico, expõe cada vez mais que a Bíblia é um livro verdadeiro em suas narra­ções, e lançando fora interpretações forçadas da Bíblia, não há qualquer evidên­cia científica que a contrarie, o que faz com que ela seja cada vez mais acredita­da nos mais altos círculos intelectuais. Ultimamente, evidências que sugerem a ação divina, como a impossibilidade da formação da matéria viva a partir da matéria morta, como algum testemunho de milagre ou como o surpreendente fato de o quanto nosso planeta é propício a vida, é contrariado pelos ateus com o uso da estatística, quando são obrigados a admitir o fato a partir de uma proba­bilidade ínfima, como alguém ganhar na loteria todas as vezes desde que existe loteria   por   pura   sorte.  Em   breve,   tais justificativas não poderão mais ser acei­tas, e o ateísmo será desmascarado. Sem máscaras,   ele   não   deixará   de   existir, mas   mostrará   sua   verdadeira   face,   a face da contrariedade a Deus,  do anti­cristianismo.

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Nietzsche: o filósofo da morte de Deus.

Fóssil de um dinossauro. Descobertas científicas nem sempre se amoldam a crenças religiosas estabelecidas.

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A MÁSCARA DA ERUDIÇÃO

Nessa parte, conheceremos os pensamentos de alguns filósofos que os le­varam a afirmar que Deus não existe. Como veremos, esses pensamentos são sempre falhos, seria sempre possível criar um raciocínio alternativo admitindo a existência de Deus.

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Filósofos: como construtores do pensamento erudito, podem

influenciar toda uma sociedade.

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DAVID HUME E O EMPIRISMO DO SÉC. XVIII

David Hume (1711­1776) nasceu em Edimburgo, na Escócia. Foi filósofo e historiador, e é considerado um dos mais importantes nomes do iluminismo. Seu pai faleceu quando ele ainda era criança. Frequentou a universidade dedicando­se à carreira jurídica, mas a abandonou entregando­se a filosofia. Estudou, como autodidata na França, onde lançou o livro “Tratado da natureza humana”. Seu livro não foi apreciado na época, embora tenha sido considerado posteriormente como obra de significado excepcional para a filosofia. Foram­lhe recusadas ca­deiras nas universidades de Edimburgo e Glasgow, pela sua concepção ateísta da realidade. Hume trabalhou como psiquiatra e como secretário, teve fama de literário  e historiador.  Seu trabalho teve grande prestígio quando Immanuel Kant (1724­1804) afirmou que este o despertou do sono dogmático.

Ensaio sobre o Entendimento Humano

Esse livro foi lançado por Hume no ano de 1748, e nele Hume mostra seu pensamento   sobre   a   origem das ideias.  Ele acredita que as ideias se originam das im­pressões, que são os contatos diretos   com   os   objetos   ou sentimentos.   Olhando   para um objeto, por exemplo, uma xícara   de   chá,   você   capta suas impressões:  sua forma, cores,   desenhos,   tamanho etc.   Quando   você   não   está mais   olhando   para   aquele objeto,   ainda   assim   você pode se lembrar dele. Assim são   as   ideias,   elas   nascem das   impressões,   mas   conti­nuam   existindo   em   nossa mente   independentemente dos objetos.

Dessa   forma,   nossa mente   pode   criar   objetos imaginários,   apenas   usando as   ideias.   Você   pode   nunca ter  visto  uma montanha de ouro,   mas   pode   imaginar uma. Por isso a ideia de um ser majestoso e infinito, cha­mado   Deus   existiu:   porque os   homens   usaram   o   poder de  suas mentes em criarem seres imaginários.

Entre   as   muitas   for­

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David Hume: cérebre por seu empirismo e ceticismo

filosófico.

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mas de conexão entre ideias, Hume destaca a associação por causa­efei­to: o efeito faz lembrar da causa. Ele acredita   que   quando   dizemos   que um efeito procede de uma causa, por exemplo, queimaduras procedem do contato   da   pele   com   o   fogo,   essa crença se baseia somente na experi­ência.   Para   ele,   nada   justifica   a crença  de que da  próxima vez  que alguém encostar no fogo se queima­rá de novo. Sabemos disso só porque até hoje isso sempre aconteceu des­sa mesma forma. Da mesma forma, sabemos que se soltarmos uma pe­dra ao ar livre, ela cairá, porque todas as vezes que alguém a solta, ela sempre cai.

Mas nem todos os efeitos são assim tão certos. Pense no caso de tomar um remédio: nem sempre aquele remédio faz a pessoa melhorar imediatamente, al­gumas vezes a pessoa melhora, outras não. Assim, as pessoas acreditam mais nos remédios que funcionaram mais vezes, e duvidam dos remédios que funcio­naram poucas vezes. Se um remédio nunca funcionou, certamente ele não será mais usado. Até aqui, todos estamos de pleno acordo, mas observe o que ele pre­tende dizer, usando esse mesmo raciocínio, em relação a fé: milagres não exis­tem, pois assim como o remédio que nunca funciona, nunca vemos nenhum mi­lagre acontecer. Portanto, conclui ele, é impossível a mente humana aceitar um milagre, assim como é impossível a mente humana pensar que uma pedra possa ser solta no ar e não cair. É claro que esse raciocínio é muito fraco: por que te­mos que duvidar de algo que jamais aconteceu? Quem jamais viu neve deve du­vidar que ela existe? Quem jamais viu o mar deve duvidar que ele existe? E de­vemos duvidar que o centro da Terra é quente só porque até hoje ninguém foi até lá? Essa conclusão de Hume é tão absurda que hoje não é aceita nem mesmo pelos ateus.

Hume fala também nesse livro sobre vontade e livre­arbítrio. Segundo ele, para se acreditar no livre­arbítrio, é necessário acreditar também que alguns efeitos sejam independentes das causas, pois se tudo tiver uma causa definida, ninguém pode dizer que decidiu livremente. Mas por outro lado, ele alega que o livre­arbítrio precisa supor que os efeitos dependam das causas,  porque sem isso, como alguém poderia ser punido por algo que fez,  se os efeitos de uma decisão errada não são decorrentes  dessa  escolha? Hoje em dia esse argumento não vale nada. Entende­mos que a vontade própria e o  livre­arbítrio são perfeitamente possíveis, e isso não contra­ria o fato de que decisões implicam em con­sequências que podem ser positivas ou negati­vas. O pensamento dele está tão ultrapassado que chega parecer absurdo hoje acreditar que um filósofo pensou realmente dessa maneira. 

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Por a mão no fogo causa queimaduras? Só acreditamos

nisso por causa de nossas experiências cotidianas. Hume

alega que nada pode provar que numa próxima experiência isso

novamente ocorrerá.

Vista parcial da atual cidade de Edimburgo, onde David Hume

nasceu.

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Mas ele usa esse raciocínio para defender que o homem não tem, na verdade, um livre­arbítrio, e dessa forma, Deus está envolvido nas culpas humanas, pois se o ser humano não é perfeito, foi porque seu criador o fez imperfeito. Essa ideia de culpar Deus pelos erros do ser humano é tão inválida que, mesmo se fosse verdade, não poderíamos nos queixar, pois o próprio Deus desceu da sua glória e pagou o resgate do ser humano levando consigo toda culpa e punição, dando ao homem a oportunidade de salvação de graça.

Na verdade, parece que nem ele tinha tanta convicção sobre esse argu­mento contra o livre­arbítrio, tanto é que na continuação do livro ele volta a fa­lar sobre milagres, deixando o assunto sobre livre­arbítrio e causa­efeito de lado. Agora ele começa a atacar os testemunhos de milagres, e seus argumentos são na verdade fortes, mas falsos. Ele diz que os milagres só existem onde não há ninguém que seja crítico, pois onde há alguém que questione os fatos, os mila­gres incrivelmente desaparecem. Escreve ainda que os maiores milagres da his­tória  ficaram testificados em livros sagrados,  sendo que ninguém dos nossos dias presenciou tais coisas para confirmá­los. Para ele, quanto mais leigo é um povo,   mais   eles   acreditam   em milagres, e quanto mais estuda­do é um povo, menos se acredi­ta em milagres. Isso sinalizaria que milagres sejam apenas ilu­sões sobre coisas que não pude­ram ser explicadas corretamen­te. Hume afirma que é mais fá­cil   acreditar   que   determinada história de milagre seja menti­ra do que acreditar no milagre, pois   milagre   nunca   se   vê,   e mentiras vemos todos os dias.

Como ele já havia dito, é impossível para a mente huma­na acreditar num milagre, mas ele tem um problema aqui:  há quem acredite   em milagres.  E agora?  Sua   resposta   é:   acredi­tar num milagre é um milagre! É claro que ele afirma isso qua­se zombando de quem crê no so­brenatural, mas por mais incrí­vel que pareça, essa conclusão é a própria prova de que sua teoria está errada. Evidentemente, Hume entende que um milagre é uma ação sobrenatural, mas alegar que é impossível a mente humana aceitar um milagre é mostrar que não entende a extensão de um mila­gre: se o ser divino pode intervir no curso da natureza, pode também intervir na mente humana, tornando­a apta a aceitar a fé.

Há uma consideração importantíssima sobre sua conclusão de que quanto mais ignorante o povo, mais se crê em milagres. O filósofo Gilbert Chesterton (1874­1936) falou sobre isso, mostrando que quem considera ignorante um povo que crê em milagres é porque já decidiu que crer em milagres implica em igno­

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“A multiplicação dos peixes”, de Rafael Sanzio de Urbino. Para

Hume, os milagres só são acreditados por pessoas

ingênuas.

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rância. Quem considera ajuizado um povo que não crê em milagres, é porque já decidiu que duvidar de milagres é racional. Mas essas decisões são realmente sábias? Muitas pessoas, especialmente ateus, afirmam que a crença no sobrena­tural parte de um dogma, enquanto que quem duvida do sobrenatural assim pensa porque é um livre pensador. Chesterton observou que o que acontece é o contrário: o intelectual que não crê em milagre, não crê porque tem um dogma a sustentar,  o  dogma do ma­terialismo;  enquanto   isso  o leigo que crê  no sobrenatu­ral,   crê   porque   viveu   uma experiência pessoal assusta­dora   ou   maravilhosa,   por­tanto,   crê   porque   pode   in­terpretar  suas experiências de   forma   independente   de quaisquer   doutrinas   prees­tabelecidas, ou seja, ele sim, é um livre pensador.

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R E S U M OFilósofo: David Hume (1711-1776)

Argumentação ateísta: a) Se existe livre-arbítrio, então a sequência de causas e efeitos fica quebrada, já que a livre decisão humana não parte de uma causa (pois assim não seria livre), mas nesse caso, o homem não pode ser culpado por seus atos. Mas se a sequência de causas e efeitos for válida, então Deus é culpado pelos pecados humanos, pois estes não são mais que consequências de sua obra. b) Milagres não podem ser aceitos pela mente humana, pois contraria o testemunho dos sentidos, mas havendo quem os testifique, é mais plausível pensar que tal pessoa esteja enganada ou esteja tentando enganar, o que não contraria os sentidos. Por isso, milagres só são acreditados por pessoas ignorantes.

Refutação: Hume erra ao pensar que uma vez quebrada a sequência de causas e efeitos, ela fica totalmente inválida. O homem escolhe livremente, mas suas escolhas desencadeiam consequências que podem ser julgadas. Assim, inocentar o homem e culpar a Deus pelos pecados é um erro grosseiro. Mas apesar de não ser o culpado pelos pecados humanos, o próprio Deus quitou a dívida do homem pagando o preço dos seus pecados na cruz. Quanto aos milagres, se há um Deus que pode fazer um milagre na natureza, também o pode na mente humana, fazendo-a aceitar o milagre. Milagres sempre foram aceitos mesmo por pessoas de elevado nível de conhecimento, e a história dá forte testemunho disso (Galileu, Newton, Pascal, Pasteur, Kierkegaard etc).

“Dr. House”: o seriado traz a figura caricata de um

intelectual cético, cuja incredulidade é supostamente

justificada por sua saliente inteligência.

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FRIEDRICH NIETZSCHE E O RADICALISMO DO SÉC. XIX

Friedrich W. Nietzsche (1844­1900), filósofo alemão nascido em Rocken, é considerado um dos mais importantes filósofos de todos os tempos. Filho de pro­testantes, doutrina a qual fora educado em toda a infância, perdeu o pai e o ir­mão aos cinco anos de idade, e mudou­se para Naumburg, a morar com a mãe, a irmã, duas tias e a avó. Em 1858, conseguiu uma bolsa de estudos na escola de Pforta. Sob a influência dos professores, começou a afastar­se do cristianismo; e estudou muito o latim e os clássicos gregos. Saindo de Pforta, foi a Bonn, onde estudou filosofia e teologia. Nietzsche viveu um período de entrega às orgias e aos vícios, ao cigarro e à bebida, mas depois as deixou, julgando serem prejudici­ais à percepção e ao pensamento. Foi músico amador e amigo do compositor ale­mão   Richard   Wagner   (1813­1883),   a   quem mais tarde criticou. Suas principais obras são: “O princípio da tragédia” (1872), “Assim falou Zaratustra” (1883­85), “Genealogia da moral” (1887),   “O   Anticristo”   (1888),   “O   crepúsculo dos ídolos” (1889), entre outras. Nietzsche so­freu frustrações amorosas, e o fim de sua vida foi trágico: vitimado pela loucura, dizia ser o sucessor do ‘deus morto’ e escrevia cartas assi­nando como ‘o crucificado’.  Ao fim da vida, a obra de Nietzsche começa a ganhar notorieda­de, e após sua morte, influencia os formadores dos  regimes  totalitaristas  europeus  posterio­res, como o nazismo.

Crepúsculo dos Ídolos

Nesse livro, lançado em 1889, Nietzsche afirma que o ser humano vive em decadência. Para ele, a humanidade começou a contrariar seus instintos de vida e poder desde os pensa­dores gregos. A própria criação da moral resu­me essa decadência. Ele pensa que no lugar de controlar os instintos como vingança, ambição, desejo e poder, o ser humano deveria cultivá­los, pois quando em nome da moral esses dese­jos são retraídos, o homem passa a cultivar o tédio pela vida.  Nietzsche alega que as reli­giões   mostram   Deus   como   inimigo   da   vida, pois ele  sempre está  ordenando a moral e  o controle dos instintos. Ele menciona o sermão em que Jesus ensina a cortar a mão e arran­car o olho caso estes venham a ser motivo de escândalo  a  seu  possuidor.  Contrário  a   esse ensino, ele desabafa: não devemos admirar os dentistas  que  arrancam os  dentes  para  eles não   doerem  mais,  mas   devemos   admirar   os 

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Nietzsche: em seu obituário escreveu-se: “Um notável

Anticristo”.

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dentistas  que  recuperam os  dentes sem precisar arrancá­los.

Igual a Hume, Nietzsche não acredita no livre­arbítrio, ele diz que vontade   própria  não  existe:   nossas decisões  e  atitudes  não  passam de um   equilíbrio   entre   efeitos   físicos, químicos e biológicos em nosso orga­nismo. Sendo assim, ninguém pode ser   responsabilizado   pelo   que   faz, pois só é possível agir de forma ine­vitável.

Sua opinião sobre a religião é a de que elas são formas de adestra­mento  humano,  ou  seja,   formas de tornar as pessoas adestradas. Ele explica que um animal selvagem é forte, ins­tintivo e vigoroso, mas o animal adestrado é enfraquecido e vive de forma doen­tia. Da mesma forma, o ser humano religioso é doentio e enfraquecido, ensinado a conformar­se com o que tem e renunciar sua própria vida. Se as religiões são meios de enfraquecer os homens, o cristianismo para Nietzsche é a forma mais extrema de se atingir esse objetivo: no judaísmo, pelo menos eles se identifica­vam como uma nação, e por essa identificação lutavam e mostravam bravura, seu Deus era muitas vezes tido como um capitão a frente de exércitos. No cristi­anismo, não há luta física, não há um país ou uma bandeira territorial a ser de­fendida, a luta do indivíduo é contra ele mesmo, contra seus instintos de força e beleza, seu próprio Deus não representa força ou vigor, é um Deus bondoso e hu­milde, que se entrega a morte sem sequer reclamar.

Nietzsche afirma que o valor de uma coisa reside no que se paga por ela, e nem tanto no quando se pode adquirir com ela. Ele fala isso tendo em mente a liberdade que a fé religiosa restringe e oferece ao ser humano. A religião restrin­ge os apetites instintivos, mas oferece a liberdade da vida, enquanto isso, Ni­etzsche se queixa do quanto se paga por essa liberdade (o abandono dos instin­tos  selvagens).  Mas quanto   tempo uma sociedade  sobreviveria  se  permitisse tudo o que seus indivíduos desejassem? Roubos, vinganças, violações de todas as naturezas, domínio do mais forte entre outras arbitrariedades seriam certamen­te dominantes. A filosofia de Nietzsche deu muita força aos regimes fascistas e nazistas,  que  levaram o mundo a testificar um de seus piores  capítulos nas grandes guerras.

O Anticristo

Este livro é uma moção de repúdio de Nietzsche ao cristianismo. Aqui ele diz tudo o que pensa sobre a fé cristã, expressando que para ele essa crença foi a pior coisa que aconteceu na história da humanidade, em suas palavras, o cristi­anismo é a imortal vergonha da humanidade.

Ele começa o livro dizendo que felicidade é ter poder. O bem, para ele, é conquistar o poder, enquanto que o mal é a fraqueza, é a perda de poder. Como já dito, ele acredita que o cristianismo é uma forma de adestramento do ser hu­mano. Enquanto Cristo pregava a compaixão, ele acredita que a compaixão en­fraquece o ser humano, pois ele deixa de dominar quando se compadece. A com­

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Um animal selvagem expressa força e vitalidade. Para

Nietzsche, um cristão é uma “doentia besta humana”.

Foto do regime nazista: apesar de amplamente negado, a

filosofia de Nietzsche contribuiu com a formação desse regime

bárbaro.

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paixão do próprio Deus pelo ser humano assusta Nietzsche: para ele, a cruz sig­nifica a inversão de valores, pois o próprio Deus sendo todo poderoso, mostra compaixão e se deixa enfraquecer e morrer pelo homem, um espetáculo de fra­queza e perda de poder. Ele diz que a ideia de um Deus bondoso e fraco surgiu da experiência de servidão dos judeus. Eles teriam invertido o significado de bem e mal para se manter em vantagem. Evidentemente, essa concepção é equivo­cada,   pois   o   cristianismo   não   foi   uma adequação do judaísmo (os judeus recu­saram o próprio Cristo), e outra: os ju­deus também recusaram a servidão, não se conformaram a ela, pois ainda no pri­meiro século da era cristã, eles se insur­giram contra o império dominante numa fracassada revolta.

Nietzsche diz que prefere o budis­mo como religião, pois nele não há com­bate ao pecado, e sim combate ao sofri­mento; não há orações, mas sim regimes. Assim,   o  budismo aceita  muito  mais  o corpo,  compreende  suas necessidades  e 

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Acima: estátua do Buda em Hong Kong. Abaixo: concentração de

monges budistas na Tailândia. A substituição de orações por

regimes e do combate ao pecado pelo combate ao sofrimento fez

Nietzsche considerar essa religião mais realista.

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prega uma virtude que se direciona aos valores hu­manos. Ele faz essa comparação para dizer que, len­do os evangelhos, entendeu que Jesus ensinou uma forma budista de filosofia de vida, mas como foi mal interpretado, mudaram sua mensagem original e cri­aram a religião cristã. Para ele, se tirar os acrésci­mos que a igreja colocou nos evangelhos, o que sobra é o tipo psicológico de Jesus: um estilo de vida sem reações. Como ele chegou nessa conclusão? Removen­do dos evangelhos o que decidiu remover, e acrescen­tando o que desejou acrescentar.  Assim,  não só  os evangelhos mas qualquer livro pode se tornar um en­sinamento budista.

Na sequência, ele procura justificar como o su­posto evangelho budista de Jesus se tornou o evange­lho que conhecemos. Para ele, os discípulos não en­tenderam nada quando Jesus morreu. Se ele era fi­lho de Deus, porque não sobreviveu ou não reagiu e venceu seus algozes? Logo encontraram uma justifi­cativa: morreu pelos pecados. Nietzsche alega que foi Paulo quem criou tais conceitos, ele o chama de  di­sangelista (ao contrário de evangelista, que significa portador da boa nova, disangelista significa portador da má nova), afirmando que é necessário usar luvas para ler o Novo Testamento, já que ali existe muita sujeira!

Seu ponto seguinte é alegar que a religião cristã envenenou o mundo com sua contrariedade ao conhecimento. O filosófico pensamento grego e romano su­cumbiu, e a teologia cristã reinou por muitos anos. Nesse tempo, pessoas foram mortas e verdades foram escondidas. Nietzsche sugere que o próprio texto bíbli­co mostra a má intenção dos sacerdotes em relação ao conhecimento: na história do Éden, por exemplo, o homem foi expulso do paraíso por se alimentar do co­nhecimento,  e mesmo com todas as armas divinas contra a ciência (trabalho desgastante, maldição, dores de parto, doenças e morte), o conhecimento come­çou a prosperar e para pará­lo, o próprio Deus decide afogar a espécie humana, poupando apenas um religioso fiel com sua família. É evidente que a árvore do conhecimento do bem e do mal apresentada na Bíblia não representa o co­nhecimento científico, e a razão pela qual o dilúvio aconteceu não foi a prosperidade da ciência, mas a prosperidade do mal. Nietzsche sabia dis­so, mas com a intenção de difamar a fé, ele ignora essa compreensão e tenta surpreender os ingênuos com sua equivocada interpretação.

É bastante surpreendente a conclusão que Nietzsche chega em re­lação a reforma protestante. Ele louva a igreja romana quando ela vivia sua maior corrupção, o que não é surpresa, já que ele define o bem como o uso do poder e o mal como renúncia ao poder. Para ele, essa igreja vivia um momento de vida e beleza, quando não estavam preocupados em ne­gar a própria vida, mas em rechear de ouro suas suntuosas catedrais, do­minar os povos e conquistar riquezas. Lutero desferiu um golpe contra a secularização da igreja, e Nietzsche lamenta esse golpe. Afirma que se o cristianismo não for abolido do mundo, a culpa é dos alemães, pois Lutero 

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Acima: o Apóstolo Paulo, por Rembrandt. Para Nietzsche, o

culpado em deturpar o ensinamento budístico de Jesus.

Abaixo: Lutero, o alemão reformador da fé: 'os alemães

serão os culpados se o cristianismo não desaparecer da

Terra', disse Nietzsche.

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era alemão e a Alemanha foi o principal berço da reforma.Nietzsche conclui seu livro promulgando uma lei contra o cristianismo. 

Ele escreveu: “Com isto concluo e pronuncio meu julgamento: eu condeno o cris­tianismo; lanço contra a Igreja cristã a mais terrível acusação que um acusador  já teve em sua boca. Para mim ela é a maior corrupção imaginável; busca perpe­trar a última, a pior espécie de corrupção [...] Denomino o cristianismo a grande  maldição,  a grande corrupção interior,  o grande instinto de vingança, para o  qual nenhum meio é suficientemente venenoso, secreto, subterrâneo ou baixo –  chamo­lhe a imortal vergonha da humanidade...”

As leis dele são: I) Renunciar a própria vida é vício; II) Colaborar na obra de Deus é crime; III) O lugar onde Jesus viveu deve ser transformado no lugar mais horrível e indesejado da Terra; IV) Castidade é um pecado contra o espírito santo da vida; V) Padres e pastores devem morrer de fome; VI) História sagrada será maldita, Deus será nome de xingamento; VII) O resto nasce a partir daqui.

No final, ele assina essa lei como “Nietzsche, o Anticristo”.Nietzsche fica indignado com a fé cristã. Ele não compreende como as pes­

soas aceitam que o próprio Deus, que deveria ser o mais forte e intocável, seja sofredor e prove da morte. Por causa dessa indignação ele enunciou que “Deus morreu”. Ele prega o homem que valoriza sua própria vida, que remove os obs­táculos de seu caminho e atinge seus objetivos. Contrário a Jesus, esse Super­homem despreza a compaixão e o considerar os outros superiores a si mesmo; ele domina e compete com outros para ser sempre o melhor. Por isso, Nietzsche escreveu: “Deus morreu, agora nós queremos que viva o super­homem”.

Existem muitas contradições nessas ideias. A primeira delas, é a de que ao mesmo tempo que ele louva o uso do poder, ele condena a religião por ades­trar as pessoas e mantê­las dominadas pelos sacerdotes. Ora, se o uso do poder é louvável, então por que não aplaudir os sacerdotes quando eles supostamente dominam? A segunda grande contradição é a sua condenação da igreja cristã so­bre a destruição das culturas e ciências gregas e romanas. A dominação da igre­ja romana, que não era algo verdadeiramente cristão, é condenada por impedir a ciência e a diversidade cultural, mas essa mesma dominação é vista como po­sitiva quando ele critica a reforma protestante. Afinal, Nietzsche elogia o uso do poder, mas condena o uso do poder quando esse uso é realizado pelos seus ad­versários ideológicos. Flagrantemente parcial e contraditório.

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“Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o

matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós

os algozes dos algozes? (…) Nunca existiu ato mais

grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a

fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda a

história até hoje!” - Nietzsche.

A anunciação nietzschiana da morte de Deus não é uma

simples declaração de descrença, mas a constatação

de que os valores religiosos deixaram de vigorar como

norma de conduta na sociedade.

R E S U M OFilósofo: Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Argumentação ateísta: a) Deus é inimigo da vida, pois prega a autorrenúncia. A religião domestica os homens, os tornando fracos e malogrados. b) Divindade cristã é o colapso da divindade judaica. c) Doutrinas cristãs refletem a lógica do ódio disseminada por Paulo, pelas quais culturas gregas, romanas e islâmicas foram destruídas.

Refutação: a) Nietzsche identifica o bem como o uso do poder, mas lamenta o uso do poder dos que dominaram em nome de uma religião. Só a autorrenúncia pode frear os instintos nocivos do ser humano. b) Os judeus jamais se adaptaram a servidão e sempre recusaram a fé em Jesus. c) A adulteração do evangelho por Paulo é inventiva, e a destruição de culturas se deu pelo anseio de dominação, e não pela prática do evangelho como Cristo propôs.

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BERTRAND RUSSELL E A FILOSOFIA ANALÍTICA

Bertrand Arthur William Russell (1872­1970), matemático e filósofo britâ­nico, foi um dos mais importantes popularizadores da filosofia no século XX. Re­cebeu o prêmio Nobel da Literatura em 1950, pelos seus ideais humanitários e pela sua contribuição à liberdade do pensamento. Russell pertenceu a uma fa­mília aristocrática inglesa; seus pais morreram quando ele ainda era criança. Estudou filosofia na Universidade de Cambridge, tornou­se membro do Trinity College em 1908, mas perdeu a cátedra por recusar­se alistar à primeira guerra mundial. Em 1939, foi lecionar nos Estados Unidos, na Universidade da Califór­nia. Foi nomeado professor no City College, em Nova Iorque, mas teve sua no­meação anulada por ser considerado moralmente impróprio. Foi um militante pacifista, mediou o conflito dos mísseis de Cuba a fim de evitar um ataque mili­tar; organizou com Albert Einstein o movimento Pugwash, com o objetivo de combater a proliferação de armas nucleares.

Elaborou a tese da fundamentação logicista da matemática, onde assegu­ra que todas as verdades matemáticas podem ser deduzidas de umas poucas verdades lógicas; concebeu ainda a teoria das descrições definidas, e formulou algumas teses de teoria do conhecimento. Russell escreveu várias obras, entre as quais se destaca “The principles of Mathematics”, de 1903; os três volumes em coautoria com Whitehead, publicados entre 1910 e 1913, intitulados “Princi­pia Mathematica”. Mas a obra que Russell desbanca­se em defender sua moral em detrimento da moral religiosa (especificamente a moral cristã) é o ensaio es­crito a partir de uma palestra dada em 1927 sob o título “Why I am not a Chris­tian” (“Porque eu não sou cristão”). E esse é o livro que vamos analisar.

Porque não sou Cristão

Nesse livro, Russell escreve as razões sobre sua escolha em rejeitar a dou­trina cristã, e ele fará isso baseado em dois fundamentos, que ele acredita ser os dois fatores que determinam a identidade de um cristão: acreditar em Deus e na imortalidade da alma, e atribuir alguma supremacia a pessoa de Jesus de Naza­ré, considerando­o pelo menos o mais sábio dentre os homens.

Sobre a existência de Deus, ele trata de mostrar inconsistências nas pro­vas clássicas da existência de Deus, que são: o argumento da Primeira Causa, o argumento da Lei Natural, o argumento da Prova Teológica e o argumento da Moral.  Quanto ao argumento da Primeira Causa,  ele  questiona se  o  próprio Deus é efeito de alguma causa. Como se alega que Deus não precisa ter uma causa, então a suposição inicial de que todas as coisas tem uma causa está erra­da, e assim o argumento é inválido. Já em relação ao argumento da Lei Natural, Russell pergunta: “Por que Deus lançou essas leis, e não outras?” Se responder­mos que as leis da natureza foram essas porque são elas que tornam o mundo possível, então nem Deus poderia se livrar dessa regra, ou seja, não é onipoten­te. Já se dissermos que Deus criou essas leis porque assim o quis, então há um rompimento na sequência de leis naturais, o que invalidaria o argumento envol­vendo Deus e as leis naturais. Mas esse rompimento é necessário e não invalida o argumento: o argumento não diz que a existência de Deus implica nessas ou naquelas leis, mas que Deus criou leis que fazem o universo funcionar. Refutan­do a prova Teológica da existência de Deus, Russell afirma que o mundo está 

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Bertrand Russell: o nobre e sábio galês que não

compreendeu a essência da fé.

São Tomás de Aquino: um dos formuladores das provas da existência de Deus, as quais

Russell contra argumenta.

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longe de ser o resultado da obra de um ser infinitamente sábio, po­deroso e bondoso. Para isso, ele cita regimes totalitários e grupos de terrorismo envolvidos em ações de intolerância social. Não é, po­rém, uma ideia cristã pensar que Deus pretenda tornar este mun­do um paraíso perfeito. Sobre os argumentos da Moral, desfere for­tes críticas. Um argumento concebido por Kant põe Deus como um padrão de bem. Pode ser verdadeiro, mas não tem qualquer valor como prova da existência de Deus, pois não há como verificarmos essa suposição.

Agora ele tratará de mostrar o que pensa de Jesus, mostrando que ele não era tão sábio. A primeira coisa que Russell aponta é o ensinamento de Jesus que leva a entender que o fim do mundo ocorreria nos dias daquela geração, o que não aconteceu. Jesus disse aos discípulos, quando proferia profecias sobre o fi­nal dos tempos, que tudo aquilo aconteceria ainda antes que os seus seguidores percorressem todas as cidades da judeia. Evidentemente, se trata de uma inter­pretação particular e equivocada, pois Cristo ainda não voltou, mas até hoje as aldeias de Israel não foram totalmente alcançadas com seu evangelho. Russell alega que Cristo usava de ameaças quando censurava os fariseus, tipo de atitu­de que outros sábios não usariam. Fala também do fato de Jesus ter amaldiçoa­do a figueira e permitido que os espíritos imundos entrassem na manada de por­cos, atestando assim sua indiferença com a natureza. Mas o conteúdo e a essên­cia dos ensinamentos de Cristo não são mencionados, de modo que as acusações indicadas não passam de argumentação irrisória.

Com todas essas considerações, Russell afirma que as religiões são dota­das de crueldade. Ele diz que nas épocas de maior apego a fé, maiores horrores foram cometidos. Mas ele não se preocupa em ressaltar que, nessas épocas e na prática desses horrores, os próprios ensinamentos bíblicos foram esquecidos.

A Religião Contribuiu para a Civilização?

Um outro ensaio de Russell, que leva o nome deste título, também trata de   sua   descrença   em   Deus. Ele indica que a religião não trouxe   muita   contribuição para   a   civilização,   aliás,   as únicas   contribuições   que   ele reconhece são a fixação do ca­lendário e a predição de eclip­ses pelos sacerdotes egípcios. Russell se vale de interpreta­ções duvidosas da Bíblia para argumentar: ele diz que é im­possível   olhar   para   o   sofri­mento em um hospital infan­til e concluir que aquelas cri­anças sofrem por serem peca­doras, mas essa é uma atitu­de   equivocada   dentro   da religião   cristã:   Cristo   mani­

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Vista do mura das lamentações, em Jerusalém: mesmo sendo o

berço do cristianismo, a judeia não é um território

predominantemente cristão.

Com o objetivo de desmoralizar a fé, Russell apela: 'somente

sendo tão cruel quanto o Deus em que se crê para afirmar que

o sofrimento de crianças doentes seja consequência de

sua imoralidade'. Evidentemente, essa crítica não

cabe a crença cristã.

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festava misericórdia aos neces­sitados, não lhes apontava cul­pas.

Diz Russell ter duas prin­cipais razões contra a religião. Uma delas é   intelectual, e é  a de   que   não   há   razão   alguma para se supor que determinada religião seja  verdadeira.  A ou­tra é moral, e se resume no fato de   que   as   religiões   nasceram em uma época  em que  os  ho­mens   eram   mais   cruéis,   e   a prática   dessas   religiões   fazem perpetuar   muitas   ações   desu­manas. Quanto a primeira razão, apenas fica manifesto sua falta de imagina­ção: a existência de algo independe de nossas suposições. Em relação à perpetu­ação de ações desumanas, essa crítica não vale para a fé cristã, cuja essência é o amor ao próximo. Ele afirma ainda que a religião coíbe alguns impulsos que ser­vem para amenizar o egoísmo. Estes impulsos são: a família, o patriotismo e o sexo. Sobre a família, é uma fantasia pensar que a Igreja cristã coíbe sua insti­tuição. O patriotismo não é contrariado pelo evangelho, mas colocado em segun­do plano. Mesmo assim, a patriação celestial é um impulso ainda mais impor­tante em atenuar o egoísmo das pessoas. Já sobre o sexo, o padrão cristão é o da restrição ao matrimônio, e é muito questionável se a prática sexual faz diminuir o egoísmo de alguém. O matrimônio cumpre esse papel, mas o ato sexual em si pode ser realizado num puro surto egoísta de satisfação carnal.

Russell também apela para a ciência para justificar algumas de suas su­posições. O apelo que faz, entretanto, é flagrantemente errôneo: ele diz que não existe livre­arbítrio, pois a ciência pode prever o desenvolvimento de qualquer sistema a partir de leis físicas bem estabelecidas. O problema que ele não men­ciona é que as leis estabelecidas não explicam como é possível agirmos por deci­são própria.

Mesmo sendo um matemático logicista muito importante,  Russell  reco­nheceu que é impossível provar a inexistência de Deus. Ele ficou tão incomoda­do com essa impossibilidade que tratou, astutamente, de dizer que quem tem que provar qualquer coisa são os religiosos, e não os ateus. Dizia ele: suponha que exista um bule chinês celestial em órbita do Sol, mas a uma grande distân­cia da Terra. Por ser pequeno esse bule, os telescópios não podem encontrá­lo. Assim, ele poderia tentar fazer alguém acreditar que esse bule realmente existe, mas as pessoas não acreditariam sem uma prova disso. Da mesma forma, se Deus existe, são os religiosos quem devem provar sua existência, não sendo obri­gação dos ateus provarem sua inexistência. Isso está certo, mas não é intenção de um religioso provar a existência de Deus. O religioso diz, em conformidade com sua convicção: é necessário ter fé.

Voltando a questão original deste tópico, se a religião contribuiu com a ci­vilização, temos de dizer, ao menos em nome da fé cristã, que muitas foram as contribuições. Só para exemplificar, em vilas e vilarejos, bem como em grandes cidades, em seus subúrbios e periferias, a quantidade de pessoas, especialmente 

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Madre Tereza de Calcutá. Impossível associar sua imagem

com egoísmo, mas de uma forma curiosa e não bem argumentada,

Russell considera que os ensinamentos da Igreja estão

fundamentados no ódio e egoísmo.

Se alguém alegar que existe um bule de chá no espaço, em

órbita do Sol, terá de prová-lo, caso contrário, jamais será

acreditado. O ônus da prova é de quem afirma, não de quem

contesta. Com esse argumento, Russell questiona se os ateus

precisam argumentar contra a existência de Deus, ou se são os

religiosos que precisam comprová-la.

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jovens, que mudaram de vida saindo da marginalidade para uma vida devota, de trabalho e compromisso familiar, é indescritível. Mas são realizações silencio­sas, que não trazem uma bandeira estampada, que não é homenageada em fes­tas populares nem lembrada nos grandes círculos intelectuais.

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R E S U M OFilósofo: Bertrand Russell (1872-1970)

Argumentação ateísta: a) Russell questiona as provas clássicas da existência de Deus, e afirma que Jesus não foi tão sábio quanto outros, por ameaçar seus oponentes com o inferno e ensinar que seu advento seria nos dias daquela geração, além de ser indiferente com a natureza. b) Aponta duas objeções contra a fé: a objeção intelectual, de que não há razão para se acreditar em Deus, e a objeção moral, de que a religião perpetua a crueldade herdada da época em que foi criada. c) Alega que a tarefa de provar a existência de Deus é dos teístas, não sendo responsabilidade dos ateus argumentar sobre sua inexistência.

Refutação: a) A existência de Deus não depende das provas clássicas, elas não são mais do que tentativas de racionalização da fé; ainda assim, Russell tropeça em sua refutação da prova da lei natural. Suas críticas a Jesus são irrisórias, a base moral que ele usa para sustentá-las são frutos da ampla difusão dos valores evangélicos ao longo de séculos. b) A objeção intelectual não tem fundamento, seria esse o caso se o ser humano não demonstrasse necessidades espirituais, e a objeção moral não se aplica a fé cristã, que prega o amor. c) Assim como o astrônomo não precisa provar a existência da galáxia de Andrômeda para seus céticos, o religioso não precisa provar a existência de Deus.

Imagens de outdoors criados pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, que foram

publicados em Porto Alegre (RS) em 2011.

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JEAN-PAUL SARTRE E O EXISTENCIALISMO DO SÉC. XX

Jean­Paul Sartre (1905­1980), filósofo francês nascido em Paris, é considerado   o   maior   intelectual   do Existencialismo.   Devido   ao   faleci­mento do pai dois anos após seu nas­cimento, foi morar com o avô pater­no,   protestante.   Graduou­se   em 1929 pela École Normale Supériure e passou a viver com Simone de Be­auvoir.   Após   o   curso   de   filosofia, prestou o serviço militar como mete­orologista.   Teve   grande   influência do pensamento existencialista de So­ren Kierkgaard (1813­1855). Foi pri­sioneiro dos alemães entre 1940­41, e após ser solto por razões médicas, fundou o grupo “Socialismo e Liber­dade” a fim de atuar junto à  resis­tência contra os alemães. Apesar de ter exaltado a liberdade em suas pri­meiras obras,  após a guerra Sartre volta sua atenção para as questões da   responsabilidade   civil.   Embora fosse   um   admirador   do   marxismo, decepcionou­se com as ações de guerra da União Soviética. Foi contemplado ao prêmio Nobel de Literatura por sua obra “As Palavras” (1964), mas recusou­o. Ficou cego em seus últimos anos, e faleceu em 1980 devido a um tumor pulmo­nar.

As principais  obras  de  Sartre  são:   “A Imaginação”   (1936),   “A Náusea” (1938), “O Muro” (1939), “O Imaginário: Psicologia fenomenológica da Imagina­ção” (1940), todas dominadas pelo seu pensamento de liberdade, onde propunha a descrição dos fenômenos sem qualquer ideia preestabelecida. Na fase de guer­ra publicou o “O Ser e o Nada” (1943), considerada a obra fundamental da teoria existencialista, e a peça teatral “As moscas” (1943), uma crítica camuflada ao regime totalitarista alemão.  Anos mais tarde ele se direciona à  produção  de obras de teatro, dentre as quais destacam­se: “Entre quatro paredes”  (1945); “Mortos sem sepultura” (1946); “A prostituta respeitosa” (1947), “O diabo e o bom Deus” (1951) entre outras. Em todas essas peças Sartre busca expor a incli­nação má do ser humano em relação a seu próximo. Em 1946 publica “O exis­tencialismo é um humanismo”, procurando esclarecer críticas feitas às ideias do existencialismo  expostas  em  “O Ser  e  o  Nada”.  Em “O  fantasma de  Stálin” (1956), critica ao marxismo; filosofia ao qual não rejeita, mas salienta seus pro­blemas. Sartre foi editor, junto a outros intelectuais, do jornal “Tempos moder­nos” de 1945 a 1955.

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Jean-Paul Sartre: se Deus existe ou não, não há

qualquer diferença.

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O Existencialismo é um Humanismo

Existencialismo é uma doutrina que afirma que o ser humano não tem uma essência primordial, ou seja, não existem valores ou padrões preestabeleci­dos para sua conduta, todos os valores, sejam eles de ordem moral ou social fo­ram criados posteriormente pelo próprio ser humano. Assim, o homem primeiro existe, depois constrói sua identidade humana. Essa construção envolve todos os indivíduos, num processo chamado subjetividade: as decisões humanas fazem estabelecer seus valores. Quando alguém se casa, está escolhendo o modelo do matrimônio como ideal para si, e mesmo sem pensar nisso, o escolhe também para toda humanidade. Logo, toda decisão que alguém toma envolve a humani­dade na construção de seus valores, de modo que não existe um padrão a ser se­guido, não há uma orientação prévia de quais serão as escolhas bem sucedidas, de modo que o ser humano se flagra abandonado em suas decisões. Percebendo essa condição de abandono, pois não há um sobrenatural que o possa direcionar para o bem ou para o mal, o homem vive sua angústia, a angústia de quem pre­cisa decidir mas não dispõe sequer de um sinal sobre qual decisão tomar, e mes­mo não decidindo está escolhendo não decidir, o que é já uma decisão. Desse ra­ciocínio, Sartre diz que o homem é condenado a ser livre. É fácil ver que essa concepção é materialista em sua própria construção. Quando Sartre diz que não existe um padrão estabelecido ao ser humano, está testificando o fundamento ateu de sua doutrina. Para a doutrina cristã, o ser humano foi criado com propó­sitos definidos pela soberania divina, e os padrões centrais de conduta determi­nados ao ser humano estão fixados na consciência de cada indivíduo.

Uma crítica muito forte que a doutrina existencialista recebia (principal­mente por pessoas que viveram os horrores das guerras),  era a de que pelas suas suposições não se podia condenar quem quer que seja por suas ações, já que não existiam padrões preestabelecidos. Em relação a isso, Sartre escreveu que as ações poderiam ser julgadas quando fossem consideradas de má­fé, ou seja, quando por essas ações se privava a liberdade de alguém. Com um discurso técnico e extenso, ele tenta justificar essa ideia sem deixar transparecer que está   se   contradizendo,   mas   na verdade,   quando   diz   que   ações que privam a liberdade são ações más, está escolhendo a liberdade como   padrão   preestabelecido,   o que vai contra sua própria tese.

Seu entendimento sobre as decisões humanas o fazem acredi­tar que mesmo provando a exis­tência de Deus nada mudaria, ou seja, o homem continuaria aban­donado em suas escolhas, pois até mesmo se um anjo lhe falasse, se­ria ele quem teria de decidir que a voz foi de um anjo e não de um demônio, ou se aquela voz não foi de seu próprio inconsciente. Ten­tando   mostrar   que   a   doutrina cristã  não  dá   respostas,  ele   fala 

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Acima, um presídio; abaixo, tanques de guerra. O que torna

um ato aceitável ou condenável? O certo e errado, para Sartre, é

uma construção humana, construção essa não guiada ou

justificada por qualquer padrão preestabelecido. O homem está,

portanto, “condenado a ser livre”.

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de algo que lhe aconteceu: um jovem o procurou para pedir um conselho. O jo­vem queria uma opinião para decidir se deixava a mãe solitária em casa e se alistava na guerra afim de vingar a morte de seu irmão, ou se deixava de lado o desejo de vingança e ficava com a mãe já velha em casa acolhendo­a. Diante des­sa circunstância,  sua resposta  ao  jovem foi:   “Invente,  você  é   livre”.  Ou seja, qualquer decisão seria correta, desde que tomada em concordância com sua von­tade. Nesse ponto, Sartre faz uma infeliz afirmação: nem a doutrina cristã teria uma resposta para esse jovem. Certamente ele deixou de considerar muita coisa para dizer isso, basta lembrar que Cristo ensinou o amor ao próximo, não ha­vendo espaço para vingança na conduta cristã.

Uma ilustração poderá  deixar mais claro o equívoco aqui flagrado: dois homens seguiam por certo caminho. Um deles chamava­se Existencialista, e o outro, Cristão. A certo ponto, o caminho fez uma bifurcação: cada um decidiu ir por um lado, embora ambos seguissem ao mesmo destino: procuravam a resi­dência   da   senhora   Liberdade.   Existencialista   seguiu   pelo   caminho   chamado ‘ateísmo’,  e Cristão seguiu pelo caminho chamado  ‘fé’.  Perderam­se de vista. Após longa caminhada, tanto para um quanto para o outro, finalmente Existen­

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“O nascimento do novo homem” de Salvador Dali

(1943): uma crítica à guerra e à promessa de transformação

social. A doutrina existencialista leva a responsabilidade das

barbaridades ao próprio homem, já que ele é o único

responsável por escolher o que é bom ou não para si. Mas os

valores de natureza moral seriam mesmo criados pelo ser

humano ou seriam absolutos, dado que todos seres humanos

concordam com os mais fundamentais deles, como o

direito a liberdade?

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cialista vislumbra o final de seu caminho: uma mansão antiga com inscrições ao alto: “Liberdade”. Alegra­se, mas ao entrar, sua alegria transforma­se em an­gústia, pois se vê desamparado, quando observa que no interior daquela resi­dência não há ninguém, e tudo está abandonado às traças. Angustiado, sai pelos fundos da casa e vê a chegada do caminho chamado ‘fé’, também dando na mes­ma residência. Ri­se consigo mesmo e diz: “Meu amigo Cristão não terá vanta­gem alguma em ter escolhido o caminho da fé, pois ambos remetem a esse mes­mo lugar; logo aqui ele chegará também. A única vantagem minha é que o cami­nho do ateísmo era mais espaçoso que o caminho da fé”. Passa­se o tempo e nada de Cristão chegar. Somente depois de muito esperar, é que Existencialista indignado volta tomando o caminho da fé esperando encontrar­se com o amigo ainda em viagem. A certa altura do caminho, ele percebe que seu amigo já está longe, pois somente no caminho da fé havia mensageiros do Rei anunciando que a mansão da liberdade havia se mudado, transferindo­se do reino da terra para o reino dos céus, e por isso os viajantes tomavam um atalho chamado Cruz, apontado pelos mensageiros, para irem à nova mansão da Liberdade. Não sei se Existencialista chegou ao atalho da cruz em tempo, pois as portas da mansão da Liberdade iriam se fechar a meia­noite; mas se não chegou, perdeu toda a via­gem.

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R E S U M OFilósofo: Jean-Paul Sartre (1905-1980)

Argumentação ateísta: a) A existência humana precede sua essência (valores de certo e errado). Nenhuma moral religiosa pode dar ao homem respostas absolutas. b) É indiferente Deus existir, pois mesmo nesse caso, o homem tem de lidar com suas próprias escolhas.

Refutação: a) Embora considere que não existam valores fundamentais preestabelecidos, Sartre precisa eleger a liberdade como valor absoluto (sem admitir) para consolidar sua defesa ao existencialismo quanto a acusação de anarquismo. A moral cristã é enfática em defender o amor ao próximo como compromisso social, e esse compromisso dá respostas. b) A existência de Deus muda tudo no cenário existencialista, pois então existem valores preestabelecidos ao ser humano.

Liberdade: um padrão absoluto que rege as ações na

construção dos valores humanos.

Balança: símbolo de justiça. A ausência de padrões preestabelecidos ao ser humano faz da justiça uma livre criação humana. Mas há um padrão pelo qual nossas ações são avaliadas, que indica quais atitudes são consideradas corretas e incorretas. Esse padrão é univresal, independe de cultura ou época, e é através dele que o senso comum de justiça se estabelece. A própria existência desse padrão explicita a invalidade da visão materialista do mundo.

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RICHARD DAWKINS E A NOCIVIDADE DA FÉ

Clinton Richard Dawkins (1941­     ), zoó­logo   e   etnólogo   queniano,   conhecido   como “Rottweiler de Darwin”,  dado o rigor com que defende o darwinismo; é um dos maiores divul­gadores do ateísmo na atualidade. Através de palestras, participação em programas de TV, li­vros e documentários, ele tem disseminado suas ideias contrárias à fé em todo o mundo. As prin­cipais obras dele são:  “O gene egoísta” (1976), “O Rio que saía do Éden” (1995), “A escalada do monte   improvável”   (1997),   “Desvendando   o arco­íris” (1998), “O capelão do diabo” (2003) e “Deus, um delírio” (2006). O mais conhecido de seus documentários intitula­se “Raiz de todos os males?” (“The Root of All Evil?”), feito para a te­levisão inglesa, onde enfatiza a inutilidade das religiões, garantindo que o mundo seria melhor sem as mesmas. O documentário de cerca de no­venta minutos,  dividido  em dois  episódios,   foi exibido pela primeira vez em 2006, e temos a se­guir uma análise de vários dos seus argumen­tos.

Raiz de todos os Males

No documentário, Dawkins tenta estabelecer uma relação entre religião e ódio. Ele mostra imagens de um atentado suicida e afirma que aquilo não é o problema de uma religião específica, mas de todas as religiões, inclusive a cris­tã. Seguindo as ideias de Bertrand Russell, ele fala da escassez de milagres en­tre   pessoas   de   maior   nível   intelectual.   Visitando  um   santuário   mariano   na França, ele sugere que os milagres ali testificados não são examinados rigorosa­mente, e se fossem, se constataria que não são milagres. Depois disso, ele con­versa com judeus, muçulmanos e cristãos, salientando as questões de intolerân­cia religiosa entre os judeus e muçulmanos, e a contrariedade com a ciência da evolução por parte de pastores protestantes. Com isso, ele conclui que as reli­giões atrapalham o desenvolvimento social e científico.

Dawkins identifica a fé como um vírus ideológico. Baseado em seu conhe­cimento em biologia, ele diz que o padrão de propagação das ideias religiosas é o mesmo padrão de propagação dos vírus, além disso, o vírus geralmente prejudi­ca quem o contrai; da mesma forma, a fé além de não trazer benefícios a seu possuidor, ainda o prejudica.

Toda crítica que Dawkins faz contra a religião sempre é baseada em erros que as pessoas religiosas cometem, por exemplo, como dizer que a ciência está errada ou como matar pessoas de outras religiões por não concordar com elas. Em relação ao cristianismo, esses atos errôneos não fazem parte dos ensinamen­tos,  embora sejam muitas  vezes praticados;  mas nesses  casos,  errados  estão quem os cometem, e não a doutrina religiosa em si.

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Richard Dawkins: um dos maiores proselitistas ateu da

atualidade.

Vírus Influenza: seu padrão de propagação é semelhante,

para Dawkins, ao da difusão de ideias religiosas.

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Deus, um Delírio

Trata­se de um livro muito popular de Dawkins, onde ele mostra toda sua ideia ateísta. Seu argumento é: quem criou Deus? Embora saiba que essa per­gunta é descabida, ele a faz propositalmente, com a intenção de não abrir mão do naturalismo (pensamento que considera que tudo o que existe deva estar na natureza), e levar seus leitores a raciocinarem com ele sempre do ponto de vista materialista. Alguns experimentos que procuram mostrar que a fé é inútil e que a doutrina religiosa é nocivas são mencionados. Um deles é o experimento das preces. Nesse experimento, um grupo de pessoas internadas num hospital teve seus nomes registrados e entregues a uma determinada igreja, para que seus fiéis orassem por eles. Outro grupo de pessoas internadas não teve seus nomes registrados, e portanto, não receberam as orações dos fiéis daquela igreja. A for­ma que os doentes se recuperaram mostrou que as orações não tiveram qual­quer efeito, aliás, entre os que receberam oração, aqueles que souberam que es­tavam recebendo oração pioraram mais em sua saúde que aqueles que não sabi­am que estavam recebendo oração. O interessante é que ninguém questionou o método aplicado, ou seja, como Deus responde quando ele sabe que alguém o quer   experimentar?   Existem   vários exemplos  disso  na  Bíblia,   e   em   todos eles, Deus não se manifesta quando não há   uma   intenção   verdadeiramente pura.

Um outro experimento  que cha­ma a atenção, agora feito no sentido de dizer que a doutrina religiosa faz mal para a sociedade, é o seguinte: foi per­guntado para um grupo de alunos isra­elitas do ensino fundamental o que eles achavam da história bíblica da conquis­ta de Josué. A grande maioria disse que a conquista foi um ato heroico. Depois de  algum tempo,  os pesquisadores  es­creveram   a   mesma   história   de   Josué trocando seu nome por um nome desco­nhecido, e os nomes dos países envolvi­dos por nomes de países diferentes. Os alunos leram a história e agora respon­deram que a conquista foi absurda, já que   o   povo   habitante   das   terras   con­quistadas foi brutalmente violentado pelos invasores. Dawkins conclui que foi a fé e a lealdade com a doutrina religiosa que fez as crianças acharem a conquista de Josué algo positivo, quando na verdade teria sido um genocídio bárbaro. No­vamente, é um experimento muito criativo, mas serão mesmo válidas as conclu­sões? O que eles não perceberam foi que a história de Josué está envolvida num contexto muito maior, e o resultado da experiência mostra a prevalência do con­ceito de bem e do mal em relação ao conceito de certo e errado. Em todo caso, as narrações do Antigo Testamento mostram as ações de um povo que tinha por missão a intermediação da vinda do Messias, e não a representação do Reino de Deus em sua essência. Essa representação é cargo da Igreja fundada por Jesus 

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A conquista de Jericó: para Dawkins, um vergonhoso

genocídio sustentado pela convicção religiosa.

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a partir de seus ensinamentos, que inclui o amor aos inimigos, o que é propria­mente contrário as mortes e sofrimentos das guerras em qualquer época.

Apesar de ter se tornado um best­seller, o livro de Dawkins é fraco e seus argumentos são reciclados de pensadores antigos.  Na opinião de pessoas dos mais altos níveis acadêmicos, Dawkins fez um desfavor para a causa ateísta, criando um livro cheio de provocações e argumentação emotiva, ao invés de fun­damentar seus argumentos de forma criteriosa. Mas seu livro não é inútil: serve para denunciar muitos absurdos cometidos em nome da fé.

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R E S U M OFilósofo: Richard Dawkins (1941- )

Argumentação ateísta: a) A religião está associada ao ódio, a fé é um processo de não pensar. b) Quem criou Deus? A interferência de Deus na natureza não pode ser conferida, o que mostra sua inexistência. c) A religião perpetua os erros do passado.

Refutação: a) Religião e ódio podem coexistir, mas não é esse o caso do discípulo de Jesus. Grandes pensadores da história foram e são pessoas religiosas. b) Deus está além da natureza, e as interferências divinas (os milagres) não podem ser comprovadas pelos critérios da ciência porque os critérios da ciência são limitados. c) As tradições perpetuam os erros do passado, e não a verdadeira religião segundo Cristo.

Imagens de outdoors criados pela Associação

Brasileira de Ateus e Agnósticos, que foram

publicados em Porto Alegre (RS) em 2011.

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TENDÊNCIAS ATUAIS

Na atualidade, temos uma popularização das ideias ateístas na sociedade. Por um lado, os defensores dessas ideias tem usado meios eficazes de propagá­las, e por outro, a Igreja em geral tem deixado o evangelho em segundo plano, priorizando o exibicionismo denominacional. Os principais fatores que tornam a Igreja impopu­lar são acusações de charlatanice, corrupção moral e intolerância religiosa.

A charlatanice ocorre quando testemunhos de milagres em geral (curas, providências extraordinárias) são forjados para atrair multidões. Tais crimes são possíveis, mas não fornecem uma base sólida para se desacreditar de Deus: não se condena a ciência médi­ca por charlatões que se passam por médicos a fim de enganar al­guém. A corrupção moral é a acusação mais grave contra a igreja da atualidade. Enquadra­se aqui o desvio do dinheiro arrecadado para fins particulares, algo que se tornou comum em alguns seg­mentos   evangélicos;   a   pedofilia,   cujas   acusações   e   condenações mancharam profundamente a imagem do catolicismo romano, entre outras acu­sações. Mas a mais importante e efetiva acusação contra a igreja na atualidade é a de intolerância social. O evangelho é considerado segregador, onde devotos de outras confissões religiosas são demonizados, assim como pessoas de conduta alternativa ou principalmente homossexuais. O prêmio Nobel de literatura José Saramago disse que a religião nunca foi uma forma de aproximar as pessoas, pelo contrário, ela sempre foi uma forma de separá­las. De fato, não há  meio mais fácil de tornar dois povos irreconciliáveis do que através da religião. Entre­tanto, o evangelho de Cristo não pode receber essa condenação: foi Jesus quem ensinou as pessoas a amarem seus próprios inimigos. O cristão que segrega ou age de forma intolerante está contrariando sua própria fé.

Mas não é só a Igreja que recebe acusações em nossos dias. Os ateus tam­bém lançam acusações contra a Bíblia e contra o próprio Deus. Contra a Bíblia, alegam que está repleta de contradições e absurdos. Falam por exemplo de inco­erências em suas narrações, mas geral­mente   essas   incoerências   provem   da má interpretação que fazem de seu tex­to.  Em Gênesis 1,  por  exemplo,  o  ho­mem foi criado junto com sua mulher, mas em Gênesis 2, a mulher foi forma­da   depois   do   homem.   Evidentemente, Gênesis 2 detalha aquilo que Gênesis 1 descreve de forma sucinta. É um argu­mento frágil e tolo, mas quando formu­lado e  bem articulado  por  um filósofo em um livro,   torna­se  um assombroso flagrante de incoerência textual. Algu­mas dessas ditas incoerências se refe­rem a detalhes de uma narração que di­ferem quando descritos por um ou por outro escritor, como a descrição da com­pra do Campo de Sangue, com o dinhei­

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É impossível falar de críticas à Igreja atual sem mencionar o

uso das arrecadações, especialmente numa época em

que o volume de escândalos envolvendo enriquecimento ilícito por parte dos líderes

evangélicos tem se multiplicado.

Atentados terroristas nos EUA: a religião fomenta o mal?

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ro que Judas recebeu para trair seu Senhor: em Mateus (27.6­8) foram os prínci­pes dos sacerdotes que o compraram, mas em Atos dos Apóstolos (1.16­19) foi o próprio Judas quem o comprou. Há, em casos como este, um flagrante disparate, mas esse disparate só serve para conferir maior autenticidade ao texto, pois é inevitável que um fato, quando observado por mais de uma pessoa, gere algu­mas divergências em sua descrição. Se não houvesse uma só discrepância entre as narrações os céticos usariam essa mesma exatidão para acusar o cânon bíbli­co de ser uma obra forjada.

As acusações contra Deus, quando o ateu admite a existência de Deus so­mente para blasfemá­lo, consiste em culpá­lo pelos males do mundo. É o velho conhecido “problema do mal”: se Deus é bondoso e poderoso, deveria suprimir o mal do mundo, fazendo com que as pessoas vivessem sem sofrimentos. Tal argu­mento ignora que a culpa pelos sofrimentos é do próprio homem, e que de fato, o próprio Deus já  providenciou uma forma de salvação. As vicissitudes da vida não são um estorvo, nem algo que torne a vida uma desventura, mas são obstá­culos que dignificam aqueles que os enfrentam, cujas vitórias redundam num peso de glória indescritível. Desse ponto de vista, a existência dos sofrimentos glorifica a Deus por dar ao ser humano a possibilidade de vencer, tornando­o mais do que um mero vivente sem conquistas.

O ateísmo da atualidade é difundido nas escolas, nas universidades, em publicações de cunho científico, em filmes, seriados e em diversas manifestações culturais, sempre levantando a bandeira da racionalidade. Além dessa ostenta­ção, militantes ateus se infiltram nos meios legais com a intenção de censurar toda informação religiosa,  como no abstruso caso onde o Congresso Nacional brasileiro cogitou discutir assuntos relacionados com a liberdade de expressão religiosa sem a presença dos representantes religiosos, pois tal presença, para os militantes ateístas, causaria parcialidade e prejudicaria os debates. Na ver­dade, eles queriam a distância dos religiosos para criarem leis que dificultassem a disseminação da fé. Este sim, era com certeza um propósito absolutamente parcial e tendencioso.

O ateísmo de nossos dias é bem diferente do ateísmo no passado. Da época dos gregos até a renascença, o ateísmo se manifestava indicando que acreditar em Deus era impossível, algo contrário ao conhecimento racional. Isso se mos­trou ineficiente e logo o argumento passou a ser a indiferença da crença em Deus: ter fé não muda nada. Poucos religiosos cederam a esse apelo e continua­ram crendo, de modo que agora, a aposta é: a fé prejudica o mundo. Assim, aos poucos, a crença religiosa deixou de ser considerada irracional para ser conside­rada ofensiva, e aos poucos, o ateísmo deixará de ser uma negação da existência de Deus e passará  a ser uma rejeição pessoal deliberada, onde os propósitos, vontades e planos divinos serão alvo de blasfêmias e acusações. Essa última face do ateísmo, agora sem máscaras, mostrar­se­á um puro sentimento anticristão.

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Há contradições na Bíblia Sagrada? Milhares de páginas

na web apontam um grande número de supostas

contradições, mas geralmente são frutos de má

interpretação dos leitores.

Cartazes e capas de revistas de divulgação ateísta. A

disseminação ateísta tem ido além das salas de aulas.

Jonh Lennon: inspiração ateísta em músicas como “Imagine” e “God”, que marcaram uma geração.

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AS MÁSCARAS DE CIÊNCIA

Nesta parte, falaremos sobre algumas descobertas   científicas  que  os  ateus  usam como base para defenderem sua descrença em Deus. Como veremos, basear na ciência uma decisão em acreditar ou não no sobre­natural  não é  uma escolha sábia,  aliás,  a própria ciência se sustenta num particular método,  que  é  questionado,  debatido  e   ja­mais definitivo.

Os   céticos   geralmente   afirmam   não aceitarem   nada   que   não   seja   comprovado empiricamente, e por isso não gostam da re­ligião, que exige a crença naquilo que se não vê.  Mas na verdade, quando acreditam na ciência,  especialmente  nalguma teoria,  es­tão  exatamente  aceitando  algo  passivo  de comprovação. O próprio desenvolvimento da ciência funciona baseado em fé: o cientista propõe uma teoria de acordo com alguns resultados experimentais que dispõe, e acredita que aquela teoria funcionará em outros casos. Enquanto a teo­ria não for contrariada por alguma experiência nova, ela prevalecerá. Se pensar­mos na fé religiosa dessa forma, ela resiste porque até hoje nenhuma evidência científica a derrubou, como comprovaremos a seguir.

DE GALILEU A EINSTEIN: A FÍSICA CONTRARIA A FÉ?

Entre os séc. XVI e XVII houve um forte confronto entre ciência e religião. Esse confronto se deu especificamente entre os astrônomos e a direção da Igreja Católica, quando a teoria de que a Terra não era o centro do Universo surgiu com base em observações astronômicas.  Nas observações,  constatou­se que o nosso planeta se move em torno do Sol, assim como os outros planetas do siste­ma solar. Para a Igreja na época, pensar que a Terra não era o centro do Uni­verso era um absurdo, pois a descrição da criação no Gênesis é focada na Terra, além do ser humano ser a primícia da criação e assim por diante. Perder o privi­légio de ser único era algo inadmissível para os religiosos. O astrônomo italiano Galileu Galilei (1564­1642) chegou a ser condenado a desmentir o que escreveu sobre o assunto. Mesmo sendo contrariado pela Igreja, Galileu era um cristão mais convicto do que boa parte do clero da época. Costuma­se afirmar que ele di­zia que a Bíblia ensina como se vai para o céu, e não como vão os céus. Mas o 

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Galáxia de Andrômedra. Imagem do espaço impressiona

pela grandeza.

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tempo se passou e hoje em dia ninguém mais contesta o fato de que a Terra gira em torno do Sol, isso sequer incomoda quem acredita na Bíblia, aliás a Bíblia não diz nada sobre a posição da Terra no espaço.

Depois de Galileu, muito tempo se passou sem surgir qualquer desacordo entre conceitos cosmológi­cos   e   a   Bíblia.   Somente com a teoria da relativida­de   de   Albert   Einstein (1879­1955), aliada com a moderna   física   quântica, surgiram   novos   confron­tos.   O   novo   confronto   se deu  pelo  desenvolvimento da teoria do Big­bang, que diz que toda matéria exis­tente   no   Universo   surgiu de   uma   grande   explosão. Algumas   pessoas   pensa­ram que a crença religiosa estaria  ameaçada,  porque uma explicação foi dada para o surgimento de todas as coisas sem a necessidade de um criador. O físico britânico Stephen Hawking, considerado por muitos um dos maiores cientistas da atualidade, defende que não há lugar para Deus na concepção  científica  moderna:  é  possível  explicar  o  surgimento  da matéria  e mesmo do espaço e do tempo a partir das leis da física, e por essas leis, tudo teve um início num único instante, nada existiu antes desse instante, pois até mesmo o tempo passou a existir dali em diante. Sendo assim, não há 'antes do big­bang', de modo que Deus não poderia estar criando o Universo. Evidente­mente, a visão materialista domina essa descrição. Se pensarmos no plano espi­ritual, onde o tempo não é, nem precisa ser, sincronizado com o tempo no plano material, o lugar para ação de Deus perma­nece válido. Além do mais, quem promulgou as leis a partir das quais o Universo funciona? Os ateus diriam: o acaso, mas tal resposta é uma escolha tão dotada de fé quanto a crença em Deus.

Existe um fato que nunca é mencionado pelos ateus por razões óbvias.   Trata­se da física quântica ter derrubado a ideia do determinismo filosófico. Isso significa que muitos fi­lósofos  ateus como Hume,  Nietzsche,  Russell  entre  outros, que acreditavam não existir livre arbítrio porque todas ações se enquadravam nas leis deterministas da natureza, inclusi­ve nossas decisões, tiveram suas conclusões invalidadas. Ago­ra, a ciência provou existir espaço para a livre ação, já que seu limite é bem mais restrito do que se supunha, e já reco­nhecemos  não  ser  possível  descrever   todos  movimentos  de um sistema, mas apenas suas probabilidades.

Existem outras discordâncias clássicas entre a Bíblia e a ciência, mas elas são todas falsas, pois interpretam a Bíblia de maneira equivocada.  Vejamos:  alega­se que na Bíblia a 

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O Sistema Solar: para a Igreja romana do séc. XVII, o fato de

que a Terra não está no centro do Universo foi um golpe em

suas crenças.

Albert Einstein, o formulador da teoria da relatividade.

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Terra é plana e quadrada, mas não é verdade, pois no livro de Isaías está escrito   sobre   o   círculo   da   Terra. Fala­se também sobre a profecia de que estrelas cairão do céu, acusando ser essa uma profecia impossível de se cumprir, mas quem assim questi­ona fala de estrelas no sentido cien­tífico atual, o que pode não ter sido a intenção de Jesus ao proferir tal pro­fecia. Trata­se mais de uma provoca­ção do que de um argumento ateísta. O mesmo acontece em relação a nar­ração do Sol ter parado em seu curso na peleja de Josué. Dizem os céticos: quem se move é a Terra, como pôde o Sol ter parado? Mas para quem ob­serva da Terra, é legítima a afirma­ção de que o Sol percorre ou deixa de percorrer o céu.

Tirando   a   má   interpretação dos textos bíblicos, não há na física ou na astronomia qualquer contradi­ção em relação a fé cristã.  A Terra não é o centro do Universo, e o Uni­verso teve um início, mas quem pôs tudo a existência foi Deus, e contra essa concepção não há  argumentos, apenas a decisão de se crer ou não.

A EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES

A teoria da evolução das espécies é sempre considerada pelos ateus como a maior evidência de que a Bíblia está errada. Isso porque o primeiro capítulo da Bíblia narra a criação dos seres vivos sem qualquer indicação de um processo de evolução.

A teoria da evolução diz que as espécies de seres vivos nem sempre existi­ram como são. Elas se desenvolveram gradativamente até se tornarem o que são hoje, e nesse desenvolvimento foi onde as espécies se diferenciaram umas das outras. Por exemplo, o homem e o macaco são frutos do desenvolvimento de um único ancestral. Vamos expor rapidamente a história dessa teoria.

A teoria da evolução surgiu com o trabalho de um biólogo chamado Jean­Baptiste Lamarck (1744­1829). Ele dizia que as características dos animais fo­ram desenvolvidas pelos seus hábitos. Por exemplo, as girafas tem pescoços lon­gos porque por muitas gerações elas se esticavam para se alimentarem das fo­lhagens mais altas das árvores. Mas logo se percebeu que essa teoria está erra­da: fizeram uma experiência onde se cortaram as caudas de ratos por várias ge­rações, mas mesmo assim eles sempre nasciam com rabos normalmente. Somen­te em 1859 foi que Charles Darwin (1809­1882) publicou seu famoso livro “A 

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Manuscrito Einstein de 1914 sobre campos gravitacionais.

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Origem das Espécies”, onde ele afirma que o desenvolvimento das espécies se dá principalmente pelo processo de sele­ção natural, ou seja, existem pequenas variações   em   cada   indivíduo   de   uma mesma espécie,  como por  exemplo,  al­guns são mais fortes, outros mais altos, outros   tem   pernas   ou   braços   maiores etc., e os indivíduos que sobrevivem são aqueles que tem as melhores condições de   adaptação   ao   ambiente   onde   vive. Assim, o pescoço das girafas é longo não porque elas  se esticavam, mas porque entre   as   girafas   haviam   algumas   de pescoço   mais   longo   que   as   outras,   e como estas se nutriam ou se defendiam melhor, foram as que sobreviveram com o   passar   de   muitas   gerações.   Darwin morreu   muito   antes   da   descoberta   do DNA  (ácido   desoxirribonucleico),   e   so­mente com os estudos da biologia mo­derna é que os mecanismos bioquímicos relacionados   com   a   evolução   são   bem compreendidos. A seguir, daremos uma descrição  resumida dos  principais  me­canismos de desenvolvimento dos seres vivos.

Até  alguns séculos atrás, acredi­tava­se   que   animais   pudessem   surgir espontaneamente da matéria não viva. Por exemplo, de um monte de lixo surgiam camundongos, mosquitos e vermes. Evidentemente, esses animais não surgiam do lixo, mas se procriavam ali, ou seja, eles vinham de algum lugar e ali se reproduziam. Até se entender que ani­mais só surgem  da reprodução, ou seja, um animal só pode surgir se nascer de outro da mesma espécie, foi preciso muita pesquisa. Foi somente no século XIX que Louis Pasteur provou isso definitivamente. Hoje, existem algumas teorias que especulam sobre o surgimento dos seres vivos a partir da matéria inanima­da, afinal, o ideal materialista parte do pressuposto de que tudo o que existe está na natureza e deve ser explicado pela ciência. Assim, com a existência dos seres vivos não é diferente: em algum momento ocorreu esse surgimento, e cabe à ciência explicá­lo. A principal teoria é a da sopa primordial. Basicamente, essa teoria diz que num ambiente aquoso primordial, com condições físicas e quími­cas apropriadas, uma forma primitiva de vida deve ter surgido. Na década de 50, alguns pesquisadores realizaram uma experiência mostrando ser possível o surgimento espontâneo de aminoácidos em laboratório, sendo que os aminoáci­dos são os componentes essenciais para a formação de seres vivos. Recentemen­te, um pesquisador chamado Sidney Fox ganhou a atenção do mundo quando disse ter descoberto uma forma muito primitiva de vida, que era construída ape­nas com matéria não viva, mas seus 'seres vivos' eram apenas proteínas que in­

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Charles Darwin: principal mentor da teoria da Evolução

das Espécies.

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teragiam entre si num processo de auto replicação, incapazes de desenvolver qualquer tipo de autonomia, o que é típico dos seres vivos. Assim, até hoje a ci­ência não tem uma palavra final sobre o surgimento dos seres vivos.

Se   não   entendemos   o   surgi­mento dos seres vivos, tudo o que sa­bemos é que no processo de replica­ção   genética   está   o   segredo   para compreendermos   sua   evolução.   O processo de evolução se dá pelo acú­mulo de pequenas modificações nos genes   dos   animais,   isso   pode   ser comparado a um painel gigante for­mado   por   pequeninas   peças   colori­das, que é modificado numa série de etapas. A cada etapa, uma peça ale­atória é trocada de lugar com a peça vizinha. Depois de milhares de eta­pas, o painel final será bem diferen­te do inicial, mas se tivermos inicial­mente   dois   painéis   idênticos,   após milhares de etapas, eles ficarão bem diferentes um do outro, e ambos bem diferentes   do   modelo   inicial.   É   de uma forma semelhante a esta que os genes de um determinado animal vão sendo mudados gerações após gerações. Mas porque existe apenas um número determinado de espécies sobreviventes, e não infinitas espécies, já que as modificações são aleatórias? Aqui entra o pro­cesso de seleção natural que Darwin descobriu: apesar das modificações serem aleatórias,  alguns tipos não podem sobreviver porque não podem se adaptar bem ao meio em que vivem. Por exemplo, um urso polar pode nascer ligeiramen­te modificado em sua pele, sendo esta menos protetora do frio, mas este urso certamente não sobreviveria até se tornar adulto e procriar, ou caso vivesse até procriar, sua saúde seria debilitada, tornando­os fadados a extinção. Em resu­mo, a seleção natural (adaptação ao habitat) funciona como um filtro que permi­te sobreviver apenas algumas espécies, e não qualquer tipo de ser vivo como po­deria surgir das modificações aleatórias dos genes.

Com o processo de evolução, as espécies podem então serem modificadas em várias formas viáveis, e quando a modificação dos genes altera o sistema re­produtor de tal forma que a espécie modificada não pode mais ter cruza­mento fértil com a espécie original, considera­se que aconteceu a especia­ção, ou seja, essa modificação fez surgir uma nova espécie. Dessa forma, é possível pensar que todas as espécies existentes surgiram de uma mes­ma espécie ancestral, mas esse pensamento não é, a princípio, necessá­rio. O que o torna necessário é outro fator: a universalidade do código ge­nético. O código genético é o sistema de interpretação usado no momento da reprodução de um ser vivo. Funciona como uma escrita. As informa­ções do DNA dos pais são como um manual de construção do novo ser vivo que está sendo gerado, e a forma como essas informações são inter­pretadas é a mesma em todos os animais existentes. Desse fato admirá­

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Até o séc. XVII, acreditava-se que ratos nasciam do lixo, sem a necessidade de reprodução.

A ideia do surgimento de seres vivos a partir da matéria bruta (abiogênese) só foi

derrubada definitivamente com os trabalhos de Louis

Pasteur no séc. XIX.

Chimpanzé: seu DNA difere do DNA humano em menos de 5%.

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vel, conclui­se das duas uma: ou todos ani­mais  procedem de um mesmo progenitor (de onde herdou essa forma de interpreta­ção do código genético), ou se as espécies surgiram inicialmente já separadas, então houve uma coincidência extrema e inexpli­cável para que todos eles tenham o mesmo código   genético.   Os   cientistas,   evidente­mente,   não  optaram   pela  notável   coinci­dência, mas pela hipótese do ancestral co­mum.

A  evolução  das  espécies   existe   e   é comprovada   por   milhares   de   evidências. Uma delas é o caso de uma ave que vive na Ásia, chamada toutinegra esverdeada. Ela vive numa região com extensão de mais de 3 mil quilômetros, mas ela sofre o processo de especiação, ou seja, se cruzarmos uma delas do extremo dessa região com outra do outro extremo, elas não se cruzam, sen­do portanto de espécies diferentes, mas se cruzarmos uma delas de um extremo com uma intermediária, elas terão cruzamento fértil,   e  se  cruzarmos  essa   intermediária com uma do outro extremo, elas também terão cruzamento fértil. Assim, as aves de um extremo dessa região tem algumas mo­dificações em relação as aves das regiões intermediárias, mas não são modificações que não comprometem a reprodução entre elas, o mesmo acontece com essas mesmas aves da região intermediária com as aves do outro extremo, mas entre as aves de um extremo e do outro extremo, as modifica­ções  acumuladas são  tantas  que compro­metem a reprodução entre elas.

Criacionismo

Agora vamos falar sobre o criacionismo, ou seja, a doutrina que ensina que os seres vivos foram criados por Deus. O criacionismo é uma doutrina ex­tensa, existem muitas formas de professá­lo. A mais conhecida, porém, é o cria­cionismo fundamentalista. Nessa confissão, acredita­se que o mundo foi criado em seis dias de 24 horas, e que todos animais surgiram nesse período, sendo já criados da forma como são conhecidos hoje. Esse tipo de crença é bem recente na história da igreja, na época dos reformadores, por exemplo, acreditava­se na in­terpretação metafórica dos dias da criação. Os fundamentalistas tem a intenção de desacreditar a teoria da evolução com a própria ciência, e alguns argumentos deles são:

1) O registro fóssil mostra o surgimento das espécies de forma simultânea 

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Mapa ilustrativo da evolução das espécies.

Toutinegra: evidencia viva do processo de especiação.

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num pequeno intervalo de tempo, o que contraria a tese evolucionista. 2) Os se­res vivos são complexamente irredutíveis e tem complexidade especificada, ou seja, não podem ter se desenvolvido a partir de formas muito primitivas, pois eles tem partes independentes e complexas, que precisariam ter evoluído inde­pendentemente para depois se juntarem, mas antes de se juntarem, essas par­tes não formavam um ser vivo. São portanto, frutos de um design ou projeto in­teligente. 3) O sistema solar é extremamente propício à vida, e não só o sistema solar, mas também o Cosmo, o que indica a existência de um propósito referente a vida.

Quanto ao primeiro argumento, existem teorias evolutivas que o expli­cam, como a teoria do equilíbrio pontuado, que alega que as modificações nos ge­nes são sutis, mas quando afetam genes críticos, produzem muitas e grandes al­terações em pouco tempo. O segundo argumento leva a uma discussão intermi­nável, pois os evolucionistas dizem que por mais complexos que os organismos sejam, a evolução pode seguir caminhos exóticos, cujos resultados parecem inex­plicáveis, alguns verificados em simulação de computador. E quanto ao terceiro argumento, não se trata de um argumento contra o evolucionismo, mas contra o ateísmo. O evolucionismo explica somente o desenvolvimento dos seres vivos, já o fato de o Universo e o sistema solar serem propícios à vida, pode in­trigar um ateu, mas não necessariamente a um evolucionista. Aliás, é essa a distinção que temos de mostrar aqui: onde um religioso diverge de um ateu? Em aceitar ou não que os animais evoluem? Não! Em acei­tar ou não que a vida é fruto de um projeto? Sim! O cristão crê que Deus propiciou o Universo para o surgimento e desenvolvimento da vida, independentemente de como esse desenvolvimento se dá. Acredi­ta ainda que os seres vivos tem em si algo além de matéria, e que o ser humano tem algo de especial, pelo fato de ter sido criado conforme a imagem e semelhança de Deus, e são esses pontos que nem o evolucio­nismo nem qualquer teoria científica pode explicar. A vida é mais que um afortunado arranjo de moléculas, e o ser humano é especial pois so­bressai a todos animais. Como dizia Chesterton, se pararmos de olhar para livros sobre o homem e sobre os aminais e começarmos a olhar di­

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“A Criação de Adão”, de Michelangelo.

Michael Behe: proponente da ideia de Projeto Inteligente.

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retamente para o homem e para os animais, veremos que a diferença entre eles é absurda, e o fato deles serem quase idênticos em sua estrutura biológica torna essa diferença ainda mais inexplicável. O erro dos ateus não está na ciência da evolução, mas em considerar que tudo o que existe está na natureza, e que a ci­ência pode explicar todos os fatos. Se admitissem o sobrenatural – que é inacessível à ciência, per­ceberiam que compreendendo os mecanismos da natureza, fica cada vez mais clara a existência de algum propósito relacionado a vida. Acreditar nis­so requer fé, mas não requer que neguemos a ci­ência. A grande jogada ateísta aqui consiste em fazer intensa propaganda de que a ciência é con­tra a fé, mas isso não passa de uma máscara a ser denunciada.

O segredo da vida, isto é, a exata diferença entre um ser vivo e uma mera máquina formada por  um sofisticado  arranjo de  moléculas,  dificil­mente é   compreendido,  mas pode ser  observado na missão da vida – a perpetuação da espécie.  A própria existência de uma missão,  ou função de utilidade dos seres vivos, sendo elas consideradas do ponto de vista materialista ou espiritualista, é incompatível com um entendimento casual da existência: soa muito estranho e inexplicável atribuir ao acaso a produção de objetos que têm missões a cumprir!

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Galáxia M 104: famosa por sua forma peculiar. As constantes

físicas do Universo são minunciosamente ajustadas

para propiciação à vida?

“Que o homem e os animais são iguais é, num certo sentido, um truísmo; mas que, sendo tão iguais, eles

sejam tão disparatadamente desiguais, esse é o choque e o enigma” (Chesterton).

Uma metrópole, símbolo das realizações humanas. Em termos de realizações, os animais estão muito aquém dos

seres humanos.

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A PSICOLOGIA E A FÉ

Neste capítulo, vamos discutir sobre a argumentação psicolo­gista do ateísmo. Basicamente, a estratégia dos ateus é a de usar a psicologia para esclarecer o surgimento da religião na história da humanidade, e explicar, dum ponto de vista materialista, o signifi­cado da crença religiosa para o indivíduo. Vamos aqui recorrer a dois pensadores de grande contribuição para o desenvolvimento da psicologia, Sigmund Freud e Carl G. Jung. O primeiro era um ateu declarado, já  o segundo, apesar de não ser ateu – era um cristão protestante, tem ideias que levam a concluir que o sagrado nada mais é do que uma aspiração da psique humana, o que é uma fonte de combustível para a descrença na existência de Deus.

Freud e “O Futuro de uma Ilusão”

Sigmund Freud (1856­1939), considerado o pai da psicanálise, foi um grande incentivador do ateísmo. Sua doutrina psicanalista, na verdade, em nada versa diretamente sobre o assunto, mas ele fez analogias diretas entre essa doutrina e o comportamento religioso humano, don­de se infere constantemente o testemunho ateísta da psicanálise.

Uma obra de Freud que discorre diretamente sobre a associação de seus pensamentos a respeito da religião é “O Futuro de uma Ilusão”, escrito em 1927. Trata­se de um ensaio, considerado dos maiores dele, ao lado de “O Mal Estar na Civilização” e “Moisés e o Monoteísmo”. Vamos empreender uma análise do conteúdo deste texto a fim de conhecermos a fundo até onde a ciência da psica­nálise – há quem considere que a psicanálise não merece o título de ciência, mas essa concepção é controversa e remonta a uma profunda discussão epistemológi­ca – influi no pensamento ateu deste importante e renomado pesquisador. “O Futuro de Uma Ilusão”, é um pequeno ensaio, mas de importância considerável, principalmente no esboço da formulação do ateísmo freudiano. A maior consta­tação da leitura deste livro é o fato de que a teoria da psicanálise não se defron­ta com a fé, são efetuadas apenas analogias entre essa ciência e o comportamen­to religioso, mas nenhuma inferência conclusiva direta pode ser extraída de tais considerações. O livro é composto de dez capítulos sem títulos, e o seu objetivo é dissecar o efeito da religião na civilização.

Freud começa dizendo que a civilização desenvolve regras para que a cria­ção de riquezas seja possível. Por exemplo, se não houverem regras na sociedade, uma grande parte das pessoas não se submeteriam ao trabalho. Apesar dessas regras existirem já há muito tempo, as pessoas parecem não ter fácil adaptação a elas, por exemplo, a vontade de matar, o incesto e outros desejos  perversos  parecem  já  nascer  em algumas pessoas. Mas se as regras da sociedade são para seu próprio desenvol­vimento e para livrarem as pessoas de impulsos arbitrários de indivíduos neuróticos, elas são incapazes de livrar as pes­soas das calamidades naturais como tempestades e terremo­tos, ou de problemas como as doenças e a morte. Assim, a primeira tentativa da humanidade foi a de dialogar com as 

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Sigmund Freud: psiquiatra judeu-austríaco considerado o

'pai da psicanálise'.

As leis ajudam a defender os homens dos criminosos, mas

como os homens se defenderão contra as calamidades

naturais, como um terremoto? Para Freud, dessa busca

nasceram as religiões.

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forças   naturais,   logo,   o   sol,   a   lua,   as montanhas,  o  mar se tornariam seres dotados   de   vontades,   vontades   essas que teriam de ser satisfeitas para que eles viessem a favorecer o ser humano. Surgiram então as divindades, com a fi­nalidade de exorcizar os terrores natu­rais.   Mesmo   com   essas   divindades,   a morte não pode ser vencida, logo, a fun­ção  da  divindade tornou­se  também a de compensar os homens por seus sofri­mentos e morte. A sociedade teria aca­bado criando, dessa desesperada tenta­tiva de lidar com os sofrimentos, regras além daquelas anteriores, regras agora que prometem tornar os deuses favoráveis ao ser humano.

Dadas essas explicações imaginadas, Freud agora se propõe a criticar esse artifício chamado religião que os homens criaram. Para isso, ele inicia dizendo que as informações sobre os deuses e sobre os rituais não podem ser aprendidos naturalmente, eles tem de ser passados de geração em geração por sacerdotes, mas sendo assim, qual a garantia de que essas informações são corretas? Para essa pergunta, ele levanta as mais fúteis respostas. Diz que a garantia que os religiosos oferecem sobre suas crenças está no fato de que os seus antepassados também criam, ou que é proibido levantar essa questão. Para ele, a religião só é acreditada ou porque é considerada acima da razão ou porque as pessoas agem “como se” houvesse alguma garantia dessas ideias. Mesmo o pensamento de que a crença religiosa seja fruto de um sentimento interior, algo comunicado diretamente pelo Espírito Santo, Freud alega que seria ainda insuficiente para disseminar a fé, pois as pessoas que não receberam essa graça não teriam essa garantia para também acreditarem.

Com todas essas  considerações,  Freud diz  que as  religiões  nada mais são que ilusões, que propõe satisfação aos desejos e anseios enraiza­dos no interior do ser humano, seria uma forma do ser humano fingir para si mesmo. Para ele, não é coincidência que as promessas feitas pelas religiões para seus devotos correspondam exatamente com aquilo que o ser humano busca: vida eterna, paradisíaca e isenta de sofrimentos, além do reencontro com ente queridos já falecidos; pois tudo isso teria sido in­ventado exatamente com esse objetivo. Nenhuma dessas afirmações tem qualquer valor para afirmar a inexistência de Deus, são apenas cogita­ções baseadas na incredulidade.

Diante dessa incredulidade, Freud fala da necessidade de desen­cantar a sociedade: imagine uma sociedade onde a proibição a matar al­guém seja uma regra baseada na fé religiosa. Se um dia essa sociedade perceber que Deus não existe, a regra sobre não matar será abandonada. Somente após algum período de caos, essa mesma sociedade redescobrirá a necessidade de impor uma regra sobre não matar, mas agora não como regra religiosa, e sim como regra laica de sobrevivência. Da mesma for­ma, a humanidade precisa abandonar as regras de conduta baseadas em princípios religiosos. Com isso, Freud foi um dos primeiros a mencionar a neces­

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“A última ceia”, de Leonardo da Vinci. Freud questiona: que

garantia temos de que as ideias religiosas são

verdadeiras?

Para Freud, as promessas de paraísos eternos mostram que as religiões nada mais são que

ilusões humanas.

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sidade de extinção da fé religiosa.A comparação com o comportamento infantil  também é  evocado: assim 

como a criança que começa a desconfiar da estória de que bebês são trazidos por uma cegonha, a humanidade começa a perceber, para Freud, que as estórias de deuses e religiões são falsas. Assim, a religião é a neurose da humanidade. Se­gundo ele, por isso mesmo os indivíduos religiosos são geralmente poupados de outras neuroses. Sua preocupação é a de eliminar da educação infantil os valo­res religiosos.

Jung e a Análise da Psique

Carl Gustav Jung (1875­1961), psiquiatra suíço filho de pastor protestan­te, dedicou­se ao estudo dos meios pelos quais o inconsciente se expressa. Junta­mente com Freud, desenvolveram elementos da Psicologia Analítica, e apesar da apreciação mútua inicial, ao longo do desenvolvimento de seus estudos eles divergiram em opinião. Jung não concordava, por exemplo, com a posição de Freud em prognosticar qualquer elemento de natureza religiosa como fruto de uma ilusão; em oposição a isso, confere à experiência religiosa utilidade vital, tratando­a (quase que misticamente)  como um elemento cuja análise é necessária para o auto­conhecimento   humano.   Os   fatores   religiosos, para ele, estão diretamente ligados ao inconsci­ente.

Para   analisarmos   a   avaliação   que   Jung faz   da   religião,   recorreremos   a   uma   de   suas obras, escrita em 1940 e intitulada “Psicologia e Religião”. Neste trabalho, ele introduz o proble­ma da psicologia prática e suas relações com a religião; procura evidenciar a existência de uma função religiosa no inconsciente; e por fim, dis­corre sobre o simbolismo religioso dos processos inconscientes.

Jung se concentra em indicar uma auto­nomia do inconsciente de cada indivíduo. Para isso, relata sonhos que seus pacientes lhe conta­vam, destacando o fato de que várias informa­ções obtidas através dos sonhos eram informa­ções que não estavam antes na consciência de seus pacientes, ou seja, pessoas que não tinham consciência de certos assuntos apresentavam in­formações   sobre  esses  mesmos  assuntos   (refe­rentes a própria pessoa, como emoções, desejos, medos etc) em seus sonhos, ou seja, formulações geradas com a ação do  inconsciente.  Logo,  ele propõe que a consciência é apenas uma parte da totalidade humana, há uma outra parte – o in­consciente – que apesar de ser geralmente des­conhecida,   cumpre   um   papel   importante   nos processos psicológicos do ser humano.

Valendo­se da ideia do numinoso, isto é, a 

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Carl G. Jung: a religião como manifestação da psique

humana.

Freud alega que a situação da humanidade frente as religiões

é semelhante a criança que começa a desconfiar da

estória de que bebês são trazidos pela cegonha.

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percepção psicológica do sagrado,  Jung consente com a antiga afirmação  Homo homini lupos  (“o homem é o lobo do homem”), ou seja, as ideias religiosas são produzidas no inconsciente do in­divíduo e o afligem manifestando­se como numinoso. Com essa afirmação, ele sentencia que as ideias religiosas não tem qual­quer verdade sobrenatural, são apenas frutos da psique humana; além de inferir que essas sejam ameaçadoras ou amedrontado­ras. Com essa concepção, ele deduz que uma religião nada mais é do que a institucionalização de dogmas, que objetiva proteger o homem da experiência  numinosa  imediata,  ou seja,  de  algum tipo assombroso de experiência interior. Dessa forma, o católico romano, por exemplo, tem seus rituais e a confissão para inter­mediar sua experiência religiosa. O protestantismo, por sua vez, rompeu com tais  elementos   intermediários,   fazendo abrir­se  a oportunidade de novas experiências religiosas imediatas, o que pode ser, em sua opinião, um risco, já que os rituais religiosos fo­ram concebidos justamente para evitar tais experiências numinosas.

De sua vasta experiência em análise onírica (estudo dos sonhos),  Jung percebe um padrão que julga ser universal, algo como um eco proveniente do in­consciente humano, e que indica haver uma identidade maior associada a cada indivíduo, identidade essa apresentada de forma simbólica como uma quaterni­dade, ou seja, um conjunto fechado de quatro elementos complementares entre si. Esse símbolo, segundo ele, costuma ser representado nos sonhos como uma mandala, geralmente com o centro vazio. Conclui que a Trindade cristã é a ins­titucionalização   dessa   identidade,   que   juntamente   com  um   quarto   elemento completaria a totalidade humana. Quanto ao quarto elemento, que ocuparia o papel central, Jung chega cogitar ser a mãe de Deus ou o demônio, mas acaba concluindo de suas pesquisas que se trata unicamente do próprio indivíduo. As­sim, o centro da identidade humana, e também o centro das experi­ências numinosas seria o próprio ser humano. Mesmo sem afirmar explicitamente, está inferido aqui não só a inexistência do sobrenatu­ral, mas também o pensamento de que Deus, como projeção psíquica, nada mais é do que uma manifestação inconsciente da identidade hu­mana.

Jung consente com a morte de Deus anunciada por Nietzsche, mas a interpreta de outra forma: para ele, a morte de Deus indica que nós perdemos sua referência, que abandonamos a imagem de um ser pessoal que vive no céu, mas temos agora que procurá­lo em ou­tro lugar. Ele chega a dizer que a história da ressurreição de Cristo é uma manifestação dessa nova busca: o Deus ressurreto, diferente da­quele antes de morrer, deve ser encontrado dentro de nós, não como alguém distinto vivendo em nós, mas como sendo nós mesmos. A re­lação de Jung com o ateísmo é indireta; ele rejeita a ideia freudiana de considerar as religiões como meras ilusões, mas acredita que elas são manifestações da identidade humana.

Jung era protestante, mas suas conclusões somam combustível para a descrença num Deus pessoal. Ele poderia ser considerado o “descobridor de Deus”; mas com toda certeza, não o é em relação ao Deus Criador da natureza. É, entretanto, dum deus interior ao ho­

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Uma mandala tibetana. Jung identificou um padrão que considera ser universal: a

representação da divindade vinculada com a identidade

humana.

“A ascensão de Cristo”, por Garofalo. Jung acredita que a

ressurreição é o símbolo da busca pela nova divindade.

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mem que cria rituais e dogmas para protegê­lo de si mesmo.

A CULTURA CRISTÃ E AS CIÊNCIAS SOCIAIS

Uma das formas de atestar a veracidade dos pressupostos de uma religião   é através da avalia­ção de seus efeitos nas sociedades onde essa crença se estabeleceu. O cristianismo, por exemplo, prega a igualdade e a justiça, mas se países de maioria cristã não alcançaram tais ideais, como acreditar que essa religião tenha um efeito real na sociedade? Com o objetivo de desmascarar esse argumento, vamos discutir uma obra considerada muito importante de Max We­ber, chamada “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. A teoria socia­lista de Karl Marx, tida por alguns como uma espécie de solução definitiva para a sociedade, também será avaliada a partir de uma livre comparação com a pro­posta de Cristo para os dilemas humanos.

Baseados no dogma materialista, muitas explicações foram dadas para o surgimento das religiões, entre elas, a chamada teoria animista. Discutiremos um pouco dessa teoria a partir do trabalho de Edward Tylor intitulado “Cultura Primitiva”.

Tylor e a Cultura Primitiva

Edward Burnett Tylor (1832­1917), antropólogo britânico, é um ilustre re­presentante do evolucionismo cultural (vertente que atribui ao desenvolvimento cultural e religioso de um povo princípios similares ao evolucionismo darwinia­no). Considerado um dos pais do conceito moderno de cultura, sua principal obra é “Cultura Primitiva”, publicada em 1871, onde ele delineia suas teorias sobre o desenvolvimento da sociedade e da religião, teorias essas que aspiram a univer­salidade. Vamos analisar de forma breve sua teoria, onde temos a abordagem das origens da religião sob um ponto de vista materialista.

Tylor define cultura como o conjunto de todos os conhecimentos, crenças, artes, moral, lei e costumes adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade. Com isso, ele se propõe a explicar o desenvolvimento cultural das  sociedades  desde  o  meio selva­gem até a civilização. Os provérbios e ditados antigos, bem como os ritu­ais religiosos são para ele as princi­pais   fontes  de  conhecimento  de   te­mos hoje das culturas primitivas.

O   conceito   mais   importante em relação ao surgimento da crença no sobrenatural para Tylor é o ani­mismo. Animismo é uma teoria que alega que o surgimento da crença no sobrenatural  surgiu da  personifica­ção dos elementos naturais. Por ex­emplo, o sol, a lua, as montanhas, os 

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Condomínio de luxo ao lado de uma favela em São Paulo:

gritantes contradições em uma sociedade de cultura predominante cristã.

“Akhenaton e Nefertiti”, baixo-relevo egípcio que faz alusão ao culto ao sol. O sol

foi objeto de culto em inúmeras civilizações.

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relâmpagos entre muitos outros elementos, por impressionar o ser humano, pas­saram em algum momento a serem tratados como seres animados (daí o nome “animismo”), ou seja, como indivíduos dotados de personalidade. Mas a personi­ficação da natureza não parou por aí, logo o próprio ser humano passou a ter uma dupla personalidade: sua personalidade própria e a personalidade dos so­nhos, a alma. Segundo Tylor, a ideia de alma humana surgiu porque nos sonhos a pessoa pode estar em lugares diferentes de onde seu corpo realmente está, pode conversar com outras pessoas, fazer várias coisas – inclusive coisas impos­síveis para seu corpo natural como voar, sem contudo ter ido, falado ou feito de fato qualquer uma dessas coisas. Logo, passou­se a compreender que o ser hu­mano não é constituído apenas por seu próprio corpo, mas também por um fan­tasma que vagueia e age nos sonhos. Não foi difícil para os primitivos pressupor que na morte esse fantasma ficasse vagueando e agindo em algum lugar sem mais ser interrompido, pois a pessoa morta não mais acordará. Assim teria nas­cido a ideia da imortalidade da alma, e mais: sendo comum o fato de que pesade­los acontecem a quem dorme com muitas preocupações ou culpas que lhe inquie­tem, e os bons sonhos são praxe a quem não está sobrecarregado de perturba­ções, mas com a mente tranquila, logo a ideia de que após a morte a alma pere­grinará em eterna tranquilidade ou em eterna perturbação surgiu relacionada com as possíveis preocupações que aquela pessoa levou consigo: se suas ações em vida foram más ou boas. Dessa forma, um tênue esboço da ideia de paraíso e castigo eternos já pode ser deduzido dessa teoria.

Para construir uma teoria do desenvolvimento da religião, Tylor dá uma definição mínima que envolve todas as crenças religiosas. Segundo essa defini­ção, religião é simplesmente a crença em seres espirituais. O desenvolvimento da religião, para ele, se deu da seguinte forma: a crença em seres espirituais se deu com o animismo, onde vários elementos da natureza ganharam vida, numa espécie de espiritismo. O passo seguinte foi selecionar entre todos os elementos 

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“O sonho de Jacó” de Giovanni Batista Tiepolo (1726-29).

Segundo a teoria animista, os sonhos deram origem a crença

na alma.

Edward Tylor, principal desenvolvedor da teoria

animista.

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animados   alguns   que   passaram   a considerar mais importantes que ou­tros, e portanto, dominadores. Essa ideia   não   surgiu   do   nada,   mas   da própria   experiência   humana,   onde indivíduos passaram a dominar so­bre outros. Nesse passo, surgiu o po­liteísmo, já  que os elementos domi­nadores   galgaram   o  status  do   que hoje   entendemos   por   deuses.   Por fim,   com a experiência humana da monarquia,  onde um  indivíduo – o rei, domina sobre todos, o reflexo na crença sobrenatural foi imediato: há um ser espiritual dominante sobre todos, que é o verdadeiro Deus, que se eleva sobre todos deuses e os subjuga. Assim nasceu, para o animismo, o monoteísmo. Logo, o monoteísmo – a crença num único Deus, passa a ser considerado fruto da segregação social, estratificação e dominação econômica, e por essa razão vários intelectuais das ciências sociais interpretaram a religião como o fruto dum sistema que se pretende extinguir, e sem trégua passaram a rejeitar a Deus, tratando­o como versão animada da perversa dominação e segregação social, que tanta injustiça trouxe ao mundo nos mais diversos lugares e épocas.

A teoria de Tylor é coerente, completa e auto consistente, mas há um úni­co fator que a invalida completamente: ela não concorda com a realidade. Cerca de 40 anos depois da publicação da obra de Tylor, começou a ser desenvolvido um gigantesco trabalho pelo antropólogo e etnólogo britânico Wilhelm Schmidt (1868­1954), realizado a partir de contatos com tribos indígenas, povos aboríge­nes e com as mais diversas culturas consideradas primevas e isentas de conta­tos com colonizadores, e nessa consulta o que se verificou foi a existência da ideia de um Deus único, mesmo em culturas onde jamais se experimentou a mo­narquia. Com tais evidências (trata­se de um trabalho de dimensão enci­clopédica  de  12   largos  volumes   re­cheados   de   evidências),   Schmidt identifica a crença num Deus sobe­rano nas mais diversas culturas pri­mitivas consultadas. Ou seja, a cren­ça num Deus único, ao que tudo in­dica, é a mais antiga forma de cren­ça sobrenatural, contrariando e com­prometendo toda estrutura da teoria animista de Tylor.

Mas   apesar   das   evidências que a contradizem, a teoria de Tylor forneceu   combustível  para  uma  fo­gueira que fez e ainda faz em cinzas a   fé  de  milhões  de  pessoas  mundo afora: o comunismo marxista.

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Mosaico retratando “Alexandre o Grande”

encontrado nas ruínas da cidade romana de Pompeia.

Assim como no período helenista, dominadores

existiram em culturas primitivas, os quais

inspiraram o surgimento das divindades.

A cultura indígenas norte-americana forneceu alguns exemplos da crença numa

divindade soberana antes de qualquer experiência de

monarquia ou similar.

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Marx e o Comunismo

Karl  H.  Marx   (1818­1883),  nasceu em Trèves   (sul  da  Prússia),   filho  de   ju­deus que se converteram ao protestantis­mo. Estudou direito e posteriormente filo­sofia em Berlim. Recebeu grande influên­cia do pensamento de Georg W. F. Hegel (1770­1831). Associou­se com jovens hege­lianos,   que   se   intitulavam   “espíritos   li­vres”. Foi redator do jornal “Gazeta Rena­na”,  que foi   fechado pelo governo devido ao seu teor radical. Na revolução de 1848, Marx   foi  preso  e   expulso  da  Alemanha, quando passou a morar em Londres,  em pobreza.   Seu   amigo   Friedrich   Engels (1820­1895),   coautor   de   várias   de   suas obras,  o ajudava financeiramente; e jun­tos, publicavam diversas literaturas onde divulgavam seus pensamentos. Sua prin­cipal obra, escrita em 1867, é “O Capital”. Marx  diferenciou­se  dos  demais   filósofos principalmente   pela   característica   mili­tante e ativa de suas doutrinas. Disse que o  trabalho dos  filósofos  até  então,  havia sido de analisar o mundo, mas agora, tratava­se de transformá­lo.

Para Marx, as religiões foram construídas com a finalidade de se manter as pessoas dominadas. Tal concepção é fruto de sua herança animista, que  visu­aliza na crença religiosa, sobretudo nas crenças monoteístas, o reflexo da estra­tificação social. Entretanto, esse conceito não cabe ao Evangelho: a dominação humana, apesar das advertências episcopais sobre a sujeição servil, é condena­da por Deus. Prestar serviços e ser sujeito a quem lhe comanda é advertência bí­blica, mas dominar pessoas ao bel prazer é uma prática própria do ego humano. A selvageria capitalista é incompatível com o mandamento cristão de amar ao próximo como a si mesmo. Apesar disso, o uso de meios oportunistas típico do capitalismo selvagem de nossos dias tem sido adotado, de forma infeliz, em mui­tas igrejas. São formas de constranger pessoas a participarem das atividades da igreja, de fazerem contribuições entre outros abusos. Mostrar que o evangelho não é um meio de dominação, como acreditam muitos adeptos do marxismo, re­quer expor que a comercialização da fé é um vício, e que a doutrina cristã tam­bém tem seu aspecto libertário.

Uma comparação entre as doutrinas marxista e cristã é útil para esclare­cer as diferenças entre as duas abordagens: ambas visam a libertação humana; a de Marx, a libertação dos proletários da tirania dos poderosos, a de Cristo, a libertação do homem de seus próprios pecados. O inimigo para Marx é a proprie­dade privada, para Cristo, é Satanás, que incita no homem a disposição a vaida­de. O paraíso marxista é a sociedade sem desigualdade social, sem Estado e sem coerções;  o  paraíso cristão é  a eternidade com Deus.  A solução proposta por Marx não abrange os problemas indicados por Cristo, por outro lado, a solução proposta por Cristo abarca os problemas indicados por Marx. Marx propõe a 

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Karl Marx, o defensor da extinção das classes sociais.

Símbolo comunista com representação do

proletariado: a Foice – ferramenta agrícola; e o martelo – ferramenta do

operário.

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luta entre as classes para solução dos problemas humanos, Cristo propõe a au­torrenúncia para esse fim. A solução proposta por Cristo é mais difícil e, de certa forma, passiva, pois lança a decisão para os próprios indivíduos e deixa os problemas sociais sujeitos a transformação interior dos indiví­duos  que a  compõe.  A proposta  de solução social marxista é ativa, não fica a mercê da opção pela transfor­mação   interior   de   cada   indivíduo, mas   remete   ao   proletariado   a   in­cumbência de lutar e reverter a des­vantagem   social   em   igualdade.   As duas   doutrinas   anunciam   soluções para o ser humano, e cada uma de­las tem um percalço. Curiosamente, elas  podem se  acusar  mutuamente de utopismo: a transformação social procedente   de   uma   transformação interior voluntária dos indivíduos é a utopia cristã; e a igualdade social conquis­tada a partir da iniciativa de pessoas não transformadas interiormente é a uto­pia marxista. Entretanto, a doutrina cristã não é uma proposta social, antes, uma necessidade espiritual, que se for aceita integralmente, seus benefícios se refletirão na sociedade como um todo. Assim, a considerada utopia cristã de so­lução para a sociedade através do Evangelho se desfigura, já que não é essa a fi­nalidade do cristianismo, e nem mesmo essa conquista é esperada, como já dito pelo apóstolo Pedro em sua epístola: “Mas os céus e a terra que agora existem pela mesma palavra se reservam como tesouro, e se guardam para o fogo, até o dia do juízo, e da perdição dos homens ímpios. (…) Mas nós, segundo a sua pro­messa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça” (2 Pedro 3.7, 13).

Max Weber e o Espírito Capitalista

Max Weber  (1864­1920),  nasceu na Alemanha e é   considerado um dos fundadores da sociologia. Seu trabalho de maior importância, “A Ética Protes­tante e o Espírito do Capitalismo”, escrito entre 1904 e 1905, chegou a ser consi­derado por alguns como a mais importante obra produzida no século XX. Nele, Weber trata de correlacionar o desenvolvimento do capitalismo ocidental com o pensamento protestante, especialmente com o calvinismo. Não se trata de um trabalho de cunho ateu, tampouco de crítica a qualquer religião, mas de uma obra monumental sobre a qual alguém pode erigir, de forma arbitrária, ideias negativas em relação a religião cristã, especialmente sobre as doutrinas protes­tantes, no sentido de lhas atribuir uma parcela de culpa nas muitas injustiças sociais decorrentes da selvageria típica do capitalismo contemporâneo, inclusive pela flagrante propensão de muitos líderes evangélicos atuais às benesses.

Weber identifica um processo de estratificação social em seu tempo – na Alemanha do final do séc. XIX e início do séc. XX, que consiste numa segregação social entre católicos e protestantes. Os protestantes, conforme indica Weber, 

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Imagem da revolução russa, ocorrida em 1917.

Max Weber, considerado o

fundador da sociologia.

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buscavam empregos mais voltados para as competências técnicas da indústria, do comércio e da agricultura, enquanto católicos eram mais propensos a área das ciências humanas. Weber identifica essa diferença cultural como fruto da doutrinação religiosa específica de cada segmento, e se dedica a expor seu en­tendimento sobre isso em seu livro.

O que ele chama de “espírito do capitalismo” não é a iniciativa voltada para o lucro a qualquer custo, mas a ideia de trabalho como uma finalidade hu­mana. O trabalhador engajado no espírito capitalista é aquele que deixa família, vida social, diversão, meditação, religião e qualquer outra coisa em segundo pla­no, sua vida é voltada ao trabalho e sua dedicação a trabalhar independe do re­sultado desse trabalho, é uma máquina de produção. O trabalhador tradicional (não dotado do espírito capitalista) vê o trabalho como um meio de ganhar a vida, ou seja, há algo em viver que é maior do que simplesmente o trabalho, este é apenas um meio para que a sua vida venha se realizar. Um exemplo mencio­nado pelo próprio Weber esclarece as diferenças: se o trabalhador tradicional re­cebe um aumento de salário, ele prefere trabalhar por menos tempo – e continu­ar ganhando o mesmo valor que antes, e tirar a vantagem em tempo livre para 

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Cena do filme “Tempos Modernos” (1936), estrelado por Charles Chaplin, onde é

feita uma crítica a mecanização da mão de obra.

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viver com a família ou aplicá­lo num hobby. Já o trabalhador dotado de espírito capitalista, vê no aumento de salário uma motivação extra para trabalhar ainda mais, e ocupar seu tempo totalmente envolvido em sua profissão.

Weber percebe que o homem com espírito capitalista não é lou­vado nas Escrituras Sagradas nem nos textos dos reformadores pro­testantes,  mas   também nota  que  a  doutrina   calvinista,  em maior grau que as demais doutrinas cristãs, levou os homens a aderirem esse espírito. O caminho percorrido nesse processo envolve os princí­pios específicos da doutrina calvinista; nessa doutrina, o homem não tem qualquer participação no processo de salvação, ou ele é eleito por Deus ou recusado. Caso seja eleito, nada pode ser feito para que essa eleição seja anulada, e caso seja recusado, nada pode ser feito para que essa  recusa  seja  reconsiderada.  Assim,  o   calvinista  praticante tem que ter convicção de sua eleição, pois qualquer dúvida é conside­rado reflexo de fé imperfeita, o que seria impossível a um salvo. A figura de pe­cadores arrependidos recorrendo a Cristo através da Igreja em busca de salva­ção é substituída por homens de elevada presunção, que acreditam na inevitável condenação  dos  moribundos  não  eleitos.  Nesse  processo,  a   intermediação  da Igreja foi suprimida, pois nada há que possa melhorar a condição de alguém di­ante de Deus, a não ser sua eleição, mas o ser eleito ou não por Deus é impassí­vel da intervenção humana. Weber menciona a conhecida (para os leitores de sua época e local) autoconfiança puritana e sua indiferença aos miseráveis da sociedade, a quem comumente consideravam perdidos.

A comparação entre esses protestantes autoconfiantes e os católicos – que dependiam de penitências e resignação para alcançar a graça divina, remete ao resultado observado em nível econômico:  autoconfiantes,  os calvinistas criam que a manifestação prática de sua salvação envolvia entre outras coisas sua dis­posição ao trabalho. A busca humana para tais pessoas reduziu­se a prosperida­de  econômica  da   família;   enquanto isso, para os católicos ou cristãos de outras vertentes protestantes, a bus­ca humana não se viu tão bem resol­vida e terminada numa certeza tão clara: assim como o próprio processo de   salvação,   a   luta   interior   e   as questões   existenciais   e   sociais   hu­manas continuaram a mover o entu­siasmo e levou os estudantes católi­cos de sua época a buscarem, majori­tariamente,   ofícios   mais   relaciona­dos   com   as   ciências  humanas.   Em resumo,   a   autoconfiança   calvinista se traduziu como frieza humana, ao passo que as incertezas espirituais e a constante mútua dependência en­tre as pessoas se traduziu como mai­or apego as causas humanas. Esse é o processo que Weber descreve cor­

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Reprodução de uma ilustração mostrando um

culto puritano.

A “Torre de Magdala”, sobre o cume de um monte

em Magdala, terra onde nasceu Maria Magdalena,

mulher que recebeu de Cristo o perdão e socorro,

ainda que pecadora e rejeitada pela sociedade.

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relacionando a ética protestante com o espírito calvinista. Apesar disso, ele mes­mo salienta que seria equivocado dizer que o protestantismo causou ou fomen­tou o capitalismo. Com essa ressalva, ele deixa a percepção de tratar­se da aná­lise de um caso real, e não de um resultado necessário, isto é, a doutrina calvi­nista na Europa tomou parte de forma acidental na construção do sistema capi­talista tal como o vemos hoje, mas isso não necessariamente aconteceria em ou­tros casos.

A ressalva indicada geralmente é ignorada quando se pretende associar a fé cristã (nesse caso, particularmente o protestantismo) com a imagem mais ter­rível do capitalismo mundial. Infere­se que graças a essa fé (nociva, então), o mundo ganhou um sistema comercial  onde reina a arbitrariedade e onde os mais poderosos tomam as iniciativas que lhes favorecem. Todas as injustiças so­ciais são contabilizadas, por esse raciocínio, na conta do evangelho. Mas essa as­sociação é correta? A doutrina calvinista é realmente a causadora – de forma acidental ou não – da tragédia econômi­ca mundial?

Como o próprio Weber fez ques­tão   de   indicar,   nem   os   reformadores nem   o   próprio   Cristo   apregoou   uma crença onde a frieza e a indiferença hu­mana tomavam parte da confissão. Se homens calvinistas caíram nesse erro, caíram   contrariando   os   preceitos   da própria   fé.   Católicos   também   comete­ram deslizes históricos, como condenar a pesquisa científica em vários momen­tos, mas nem isso implica que a fé cató­lica seja passiva de tais erros, da mes­ma forma, a crença calvinista não pode ser  acusada de produzir  a  indiferença para   com   os   necessitados.   O   erro   de uma parte considerável de adeptos de uma religião faz parecer que a própria religião   consinta   e   autorize   o   erro,   e esse é o caso aqui flagrado. Nos dias de hoje,  por exemplo,  a  Igreja evangélica brasileira está  embriagada pelo poder. Líderes são flagrados com dinheiro ilíci­to, outros usam espaços caros nos meios de comunicação para propagarem suas próprias denominações, e não o evange­lho de forma isenta. A forma como essa igreja entrará para a história será rela­tada de acordo com as iniciativas que sua liderança enceta hoje, mesmo sendo elas errôneas e havendo muitos adeptos que sabem do erro, advertem e não se­guem nos mesmos passos.

A  associação  entre  o   calvinismo 

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Gravura de João Calvino, reformador cristão francês do

séc. XVI. Defensor da forma de protestantismo que passou a

ser conhecido por calvinismo.

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europeu e o espírito capitalista é fruto de um processo que, se pudermos aceitar a análise de Weber, evidencia a má prática do evangelho numa época específica, o que não é qualquer novidade, pois em todas as épocas as notícias divulgadas com maior intensidade sobre a Igreja são sempre as más notícias. Suas conquis­tas verdadeiras em transformação de vidas ficam sempre anônimas e esqueci­das, mas assim deve ser, pois aqueles que se engendram na verdadeira missão evangélica cuidam para que tudo o que foi feito pela mão direita, a mão esquer­da não tomar conhecimento.

CONFRONTANDO A FÉ COM A HISTÓRIA

Em termos de conhecimento humano, não há autoridade maior que as ci­ências que investigam a história da humanidade para atestar ou condenar a narração bíblica. E diante do vasto campo de análise das ciências da história, a arqueologia e a geologia se impõe com maior precisão em relação a esse julga­mento. Junto a elas, a filologia, o estudo da linguagem e dos documentos históri­cos escritos, exerce também um papel fundamental para a compreensão do pas­sado. Em presença desse poder de decidir sobre a veracidade das narrações bí­blicas, muitos ateus têm lançado mão de mascarar as conclusões dessas ciências para beneficiarem suas convicções de contrariedade à fé. 

Argumentos arqueológicos confrontando os textos bíblicos encontram­se pautados no livro intitulado “E a Bíblia não tinha razão”, dos arqueólogos israe­lenses Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman. O livro explora os relatos bí­blicos com afirmações geográficas e os confronta com os achados da arqueologia moderna. Veremos que os autores são seletivos em suas abordagens, buscando sempre salientar os fatos que corroboram suas interpretações e atenuar a im­portância dos fatos que as contradizem. Não pretendemos julgar ou questionar quaisquer evidências arqueológicas, apenas discutiremos as interpretações da­das a elas, que, aliás, são bastante tendenciosas. 

Desenterrando a Bíblia

Os autores  aceitam a teoria  multi­documentária  de  Julius Wellhausen (que será detalhada mais adiante), e de acordo com essa teoria, o Antigo Testa­mento fora inventado no séc.  VII  a.C.,  época em que o rei  Josias governava Judá. Todas as suas conclusões são coincidentes com essa hipótese. Começando pela história dos patriarcas hebreus (Abraão, Isaque, Jacó), a descrição bíblica de seus dilemas familiares, os nomes dos lugares que aparece na Bíblia, e tudo o mais contido na narração é identificado como pertencente ao período de Josias. Um exemplo é o uso de camelos como transporte de cargas, que para eles, só se tornou comum depois do séc. XX a.C., ou seja, na época reivindicada aos patriar­cas tal prática não existia. Outro exemplo é a menção a cidade de Gerar na his­tória de Abraão, o que para eles mostra que tal história fora inventada por pes­soas em tempos bem posteriores, já que essa cidade só existiu séculos depois. Segundo os autores, as histórias dos patriarcas foram criadas com intenções po­líticas: suas relações de parentescos objetivavam motivarem vínculos estratégi­cos entre os vários povos da palestina antiga.

Mas eles não mencionam o fato de que outras evidências são abundantes a favor da veracidade das histórias bíblicas: os nomes das pessoas envolvidas nas histórias dos patriarcas bíblicos são consoantes com os nomes da época rei­

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Abaixo, código de Hamurabi: descobertas como a deste

código trouxeram luz ao conhecimento de culturas

antigas.

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vindicada pela Bíblia, e o mesmo acon­tece em relação aos costumes familiares narrados   no   Gênesis.   Tais   conclusões são provenientes do código de Nuzi, ex­traído de tabletes cuneiformes do povo Hurrita,  datados  de   cerca  do   séc.  XX a.C.,   que   confirmam   práticas   legais narradas no Gênesis, expondo que tais práticas eram comuns na época patriar­cal e em Nuzi, época em que as motiva­ções políticas da época de Josias inexis­tiam.

Os autores  também fazem men­ção as narrativas bíblicas da Canaã pa­triarcal,  que segundo eles,  não corres­pondem   a   Canaã   do   Bronze   Médio: muitas cidades mencionadas na Bíblia não existiam nessa remota época, mas eles não mencionam o fato de que a coalizão entre reis narrada em Gênesis 14 constitui­se uma notável exceção: tal texto é considerado de uma concordância excepcional pelos historiadores, as condições políticas da época, os nomes e luga­res tem concordância relevante, ao ponto de mesmo os céticos lhe considerarem um caso a parte. A seletividade de informações dos autores é tamanha que eles sequem mencionam tal fato.

Sobre a história do Êxodo, os autores são enfáticos: jamais existiu um êxo­do, nem mesmo uma estadia de judeus no Egito. Se houvesse uma jornada de 40 anos pelo deserto, resquícios certamente seriam encontrados, mas segundo eles, nada jamais foi observado. É curioso, entretanto, que logo depois, os autores fa­zem referência aos chamados “povos do mar”, que invadiram Canaã no séc. XXI a.C., mas jamais deixaram vestígios de sua origem. Isso lembra algo? O fato de não haver vestígios dos judeus saindo do Egito lhes levou a negar a história do êxodo bíblico, mas eles tem de confessar que invasões já ocorreram onde vestígi­os também não foram encontrados; ou seja, a falta de vestígios arqueológicos não é suficiente para se negar um fato.

A conquista de Canaã por Josué é desacreditada pelos autores devido ao fato de não haver evidência de destruição repentina nas cidades de Canaã da­quela época. Selecionando apenas os fatos que querem mostrar, eles nada dizem sobre a descoberta de fortificações em cidades como Gerar e Hazor, além de Jeri­có, as três cidades que biblicamente foram destruídas. Todas as demais, foram conquistadas gradativamente, não produzindo, portanto, vestígios de destruição repentina. Somente através do arqueólogo Randall Price, que é doutor em estu­dos arqueológicos no Oriente Médio, temos essas informações.

Nesse ponto, os autores do livro criam uma teoria curiosa sobre a origem dos judeus. Eles alegam que o povo judeu surgiu de uma revolução ocorrida há cerca de 3 mil anos antes de Cristo. Eram povos nômades, e só  puderam ser identificados por não conter ossos de suínos em seus assentamentos. Mas como procuram negar que tenha existido a lei de Moisés nessa época (senão estariam admitindo que os textos bíblicos tem validade), justificam o abandono ao consu­mo de suínos como uma busca por identidade. Muito conveniente e pouco con­

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Vista parcial de um sítio arqueológico em Jericó.

Gravura representando a batalha entre Ramsés III e os

'povos do mar'.

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vincente.Sobre o período de monarquia mostrado 

na Bíblia, ou seja, os reinados de Saul, Davi e Salomão, os autores diminuem sua importân­cia, chegando a dizer que tais reis não passa­vam de líderes tribais. Só não podem negar a existência do rei Davi porque há uma evidên­cia científica a qual eles não podem contestar. Trata­se de uma inscrição encontrada em Tel Dã, que contém uma menção a “casa de Davi”. Recentemente,   entretanto,   foi   descoberto   em Jerusalém   pela   arqueóloga   israelense   Eilat Mazar vestígios de uma casa real imensa e de importância indubitável. A desco­berta não pôde ser negada, mas sua importância foi minimizada, chegando a ser tratada por alguns jornais como fruto de uma investida financiada por interes­ses religiosos.

A falta de evidências em Jerusalém se deve em grande parte, como os pró­prios autores admitem, a falta de escavações. Por motivos políticos e religiosos, a escavação na Jerusalém antiga é praticamente impossível.

Sobre o reinado de Salomão, o livro mostra a parcialidade e a tentativa dos ateus em desacreditar na narração bíblica. Eles discorrem sobre o fato de que o estilo arquitetônico encontrado nos sítios arqueológicos das cidades de Me­gido, Hazor e Gezer são peculiares e iguais. Essas cidades, segundo a Bíblia, fo­ram construídas por Salomão, e a coincidência entre os estilos peculiares das construções e a descrição bíblica da origem dessas construções forneceu combus­tível para a crença de que a Bíblia estivesse correta, mas os autores alegam que a possibilidade de Salomão ser o construtor ruiu mediante as evidências: a data­ção dos achados levou tais construções a décadas de diferença da época atribuí­da ao reinado de Salomão. Décadas de diferença? A própria análise de datação, por melhor e mais acurada que possa ser, deixa uma tolerância de cerca de 4 a 5 décadas de incerteza para a data indicada. A alegação de décadas de diferença não pode ser válida, é simplesmente uma tentativa de atribuir desacordo entre o achado científico e a narração bíblica.

Os autores mantém um posicionamento parcial em todo seu trabalho. Cri­am ou exageram interpretações, minimizam ou se silenciam sobre fatos que lhes causam desconforto, fazendo com que o leitor sinta estar em contato com a voz da ciência em total imparcialidade. Franca enganação, na verdade, o livro nada mais é do que a tentativa de adequar as recen­tes descobertas arqueológicas ao modelo multi­documentário, para o qual a Bíblia nada mais é  que uma coleção de fábulas inventadas para dominar as pessoas.

Existem evidências arqueológicas que sequer foram menciona­dos pelos autores. Um deles é a evidência do dilúvio. A própria histó­ria do dilúvio tem base em muitas culturas, não apenas na literatura judaica. Os sumerianos, povo muito antigo, deixou importantes cole­ções de escritos que narram entre muitas histórias, uma inundação catastrófica em que apenas uma família se salvou. O mesmo acontece em várias culturas primitivas ao redor do mundo, inclusive entre os indígenas brasileiros na lenda de Tamandaré. Além desse testemu­

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Estela de Tel Dã, onde há uma menção a 'casa de Davi'.

Extrato geológico mostrando evidência de erosão. A faixa

escura é um depósito de carvão, registrando um

aglomerado de seres vivos fossilizados.

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nho etnográfico, evidências propriamente arqueológicas também existem: o sedi­mento diluviano, descoberto pelo arqueólogo inglês Leonard Wolley em suas es­cavações em Ur, deixa provas incontestáveis da existência de uma inundação sem precedentes. Mas em “E a Bíblia não tinha razão” nada disso é nem aludido nem refutado, é simplesmente ignorado.

Outra evidência importante que recebe o  silêncio dos  autores está  nos Pergaminhos do Mar Morto. O achado desses pergaminhos fez diminuir a dis­tância entre a versão atual e os mais antigos exemplares do Antigo Testamento em mais de mil anos! E os textos, datados do início da era cristã, em nada apre­sentam variações em relação ao cânon atualmente conhecido. A famosa acusa­ção de que os textos bíblicos foram manipulados pela Igreja ao longo da história na era cristã perdeu, com essa descoberta, qualquer possibilidade de ser levada a sério.

Wellhausen e a teoria multi-documentária

O estudioso bíblico alemão Julius Wellhausen escre­veu em 1878 um livro chamado “Prolegômenos à história de Israel Antiga”, em que tratou de tentar compreender como O Antigo Testamento surgiu. Seu trabalho é fruto da teoria animista de Tylor, e desencadeou a crença na não literalida­de do testemunho bíblico: suas histórias são fontes de inspi­ração, mas não são reais, são fábulas escritas com finalidade política na época do rei Josias, no séc. VII a.C.

A teoria  multi­documentária   consiste  em atribuir  à formação do cânon do Antigo Testamento um processo de combinação de lendas e textos fontes originários de povos da Canaã do séc. VII a.C. Basicamente, haveriam 4 fontes dis­tintas que foram usadas para formar o cânon: a fonte J (“je­ovita”), a fonte E (“eloísta”), a fonte P (“sacerdotal”) e a fonte D   (“deuteronômica”).  As  duas  primeiras   fontes  seriam as originais, provenientes de culturas distintas de povos distin­

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Imagem de pedaços dos pergaminhos do mar morto. A

descoberta desse material teve uma importância

inestimável os estudos da Bíblia judaica.

Julius Wellhausen, construtor da teoria da composição multi-

documentária do Antigo Testamento.

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tos da Canaã anterior a época de Josias. O deus de um dos povo era Jeová e o deus do outro povo era Eloim. Na reforma político­religiosa de Josias, ele juntou a cultura religiosa dos dois povos mais importantes (Judá e Israel) na intenção de fortalecer uma coalizão contra a dominação egípcia. A fonte D foi incluída nesse passo, quando os escribas de Judá inventaram o código de leis da Torá, para manter o povo sujeito ao seu comando. A existência da fonte P foi identifi­cada posteriormente, quando Wellhausen percebeu ser difícil explicar todos os textos a partir dessa interpretação, e essa fonte, para ele, foi incluída após o exí­lio, já que na confrontação dos textos pré­exílicos com os textos pós­exílicos ele observou certas incompatibilidades com sua explicação.

Mesmo citando vários exemplos entre os livros proféticos, ele reconhece casos difíceis e potencialmente contrários a sua tese. Um desses casos é a bata­lha de Micmás, quando Saul partiu para a guerra ignorando a ordem de Samuel de esperá­lo para o sacrifício. O texto faz referências a um altar a Jeová, mas es­tranhamente, não faz referência a um lugar específico para o sacrifício. O texto é estranho para a teoria de Wellhausen porque para ele, a invenção da lei objeti­vava centralizar Jerusalém como único lugar designado para adoração.

Wellhausen usou um método específico para chegar a tais conclusões, o chamado método Wolfiano. Esse mesmo método já foi também aplicado a outras literaturas, como na “Ilíada” de Homero, donde se obteve como resultado uma suposta composição da Ilíada por diversas fontes originais, assim como aconte­ceu na análise do Antigo Testamento. Hoje, porém, ninguém mais aceita que a Ilíada seja a costura de várias fontes, já que estudos mais detalhados levaram a conferir que se trata de uma obra única. Com a Bíblia, porém, o mesmo cuidado foi deixado de lado. O método Wolfiano não é mais utilizado, por mostrar que produz resultados equivocados, mas seu resultado em relação ao Antigo Testa­mento, surpreendentemente, foi mantido. A chamada Alta Crítica – vertente te­ológica que aceita a teoria multi­documentária,   pre­fere aceitar a subtração da literalidade de várias nar­rações  bíblicas a  rever  os resultados   obtidos   por Wellhausen   quando   utili­zou   um   método   que   hoje ninguém   mais   utiliza. Além  do  mais,   jamais   foi encontrado qualquer vestí­gio dessas supostas fontes originais.   Um   verdadeiro favor para os ateus e céti­cos,   um   desfavor   para   a crença na Bíblia.

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Estátuas de Josias e Manassés, reis de Judá e Israel, na Basílica El Escorial, em Madri, na

Espanha.

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CONCLUSÃO

O ateísmo é uma cosmovisão possí­vel e racional. Limita a existência ao domí­nio da matéria (materialismo) e o saber ao conhecimento   científico   (cientismo),   mas não é a única forma de racionalização da existência. As religiões são racionalizações possíveis da existência, e incluem em seus paradigmas  a  existência  espiritual.  Tudo isso,   enquanto   teoria,   pouco   representa: cada um escolhe seu caminho, e a escolha mais   coerente   pode   ser   aquela   que   abre mais possibilidades ou aquela mais econô­mica em suas suposições, o critério de es­colha   é   livre   e   individual.   O   que   muda tudo, entretanto, é o contato com o sobre­natural: uma experiência que por si elimi­na argumentos e derruba filosofias.

A   filosofia   se  desenvolve  e   em seu aprimoramento evolui também sua forma de confrontar a existência de Deus. Muitos filósofos atuais admitem a existência de Deus, e mesmo os ateus modifi­cam, com o tempo, sua forma de confrontarem a questão ideia de Deus na hu­manidade. O que de início era uma negação gratuita – baseada em argumenta­ção lógica, mostrou­se frágil e incapaz de eliminar das mentes a ideia de Deus. O passo seguinte foi então sentenciar que crer em Deus é impossível, pois sabe­mos (como criam) que a natureza se explica por leis bem determinadas, e nada foge de seus princípios, nem mesmo o espiritual, crer no sobrenatural é inassi­milável para a mente humana. Mas a mente humana assimila a ideia de Deus,  mesmo insistindo filósofos como Hume que isso seja impossível. Percebendo ser impossível tapar o sol com uma peneira, a estratégia mudou: é até possível crer em Deus, mas a crença não muda a realidade, ou seja, é inútil. O argumento de inutilidade não convence e a crença prevalece,   logo, torna­se necessário usar uma arma ainda mais ousada: crer em Deus é nocivo! Conviver com a fé religio­sa prejudica o desenvolvimento cultural e científico, perpetua falsos moralismos e faz retroagir a mente humana. Mesmo com esse argumento, a crença prospe­ra. O próximo passo será deixar a descrença de lado e admitir a rejeição pessoal a Deus. Nesse passo, o Deus a ser rejeitado com mais austeridade será o Deus cristão, e sua rejeição pessoal será a manifestação do anticristianismo. Esse es­tágio último do ateísmo será a exposição de sua face sem máscaras, a rejeição 

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pessoal a Deus.

A Ineficiência da Argumentação Ateísta

Os argumentos ateístas não têm o poder de ameaçar a crença religiosa. Isso se dá pelo fato de que nenhum argumento toca o âmago da fé. Os argumen­tos que tomam a religião como objeto – a análise de como quem está de fora – é ineficiente, uma vez que há uma lacuna na argumentação lógica que protege as verdades religiosas dos argumentos céticos: as evidências podem provar a vera­cidade ou a falsidade de determinados elementos, mas quanto ao transcenden­tal, nenhuma evidência o prova, e tampouco o refuta; o transcendental fica imu­ne à análise científica e mesmo à análise filosófica. De fato, ele se estabelece como uma hipótese sempre válida, mas logicamente jamais comprovada. 

Quando David Hume alega que os milagres não são passivos de aceitação porque nossa própria mente impede sua assimilação, um religioso debocha de seu argumento: está  tão errado que seu próprio caso é a prova em contrário. Quanto à  Nietzsche, sua própria conceituação de valores é  repugnante a um cristão, o que o torna simplesmente leviano. Sartre destitui a existência de Deus em troca de uma moral laica, mas necessita da liberdade como argumento e va­lor preestabelecido, conferindo ineficiência à sua teoria. Russell desfere críticas ao Cristo dos evangelhos, mas suas críticas fundamentam ainda mais os valores cristãos. 

Argumentos contra a Bíblia são superficiais e acusações de adultério do cânon não são confirmadas. Quanto às denúncias de comportamento ilícito por parte da Igreja, o fiel as reconhece, mas salienta que os infratores estão, em suas infrações, a negarem a sua própria fé. Acusações contra Deus não lhes cau­sam impressão, pelo contrário, fortalece o testemunho das escrituras. O uso da ciência gera apenas argumentos indiretos: manieta­se contra determinado texto sagrado  numa particular   interpretação.  De   fato,  nenhum  argumento  ateísta toca o interior da crença religiosa. 

Há um versículo de um salmo bíblico que expressa com exa­tidão a avaliação ateísta dos argumentos religiosos: “Por causa do seu orgulho o ímpio não investiga; todas as suas cogitações são: não há Deus” (Salmo 10.4). De fato, a máscara do ateísmo consis­te exatamente em considerar a inexistência de Deus um fato: ci­entistas céticos insistem em apontar erros na revelação bíblica a partir  da   leitura   fundamentalista   e   descontextualizada  de   sua mensagem; Freud evidencia um protótipo filogenético na compre­ensão  da  religiosidade  humana,  mas  descarta  gratuitamente  a existência do Pai Celestial; Jung, da mesma forma, decreta à di­vindade uma existência ontologicamente abstrata, apesar de ad­mitir a autonomia do inconsciente, donde se poderia igualmente atestar ali uma porta de comunicação entre o ser humano e um factual   mundo   espiritual.   Arqueólogos   dolosamente   negam   às narrações bíblicas historicidade, baseados apenas na escassez de evidências, o que é propriamente contrário à ciência; e finalmente, antropólogos e filólogos arremessam contra as escrituras sagradas métodos e evidências já descartados para outras análises por se mostrar inapropriados .

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“O Pensador”, do escultor francês

Auguste Rodim: se nos guiarmos pela nossa

própria razão e inteligência, colocamos

em xeque muitas das afirmações ditas

científicas do ateísmo.

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Desse modo, toda conjuntura do pensamento ateu, envolvendo toda filosofia e ciência que lhe dá suporte, não passa de um aparato inútil contra a fé, e isso parece ser bastante evidente por quem aceita a fé, aliás, as próprias escrituras testificam essa ineficiência, quando assinala que a sabedoria deste mundo é vã: “Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sá­bios na sua própria astúcia. E outra vez: O Senhor conhece os pensa­mentos dos sábios, que são vãos” (1 Coríntios 3. 19­ 20). 

O argumento do evangelho é o amor

Como já mencionado, o pensamento ateu vem sofrendo, desde a renascença, grandes alterações. Primeiro, alegou a impossibilidade da assimilação racional da fé, depois, a impossibilidade foi substituída pela inutilidade da fé, e já que nenhum desses posicionamentos confe­riu a extinção da fé, temos atualmente a mais insensata postura in­crédula, que julga haver nocividade no exercício da crença religiosa. Mas todos esses argumentos são realmente ineficientes, uma vez que a fé continua a ser muito bem assimilada por pessoas dos mais diver­sos níveis sociais e intelectuais. Por parte dos teístas, tentativas de impor a impossibilidade da recusa à fé, bem como inutilidade e nocivi­dade à incredulidade religiosa também já existiram, mas sempre ca­racterizadas por inferências ineficientes a um convencimento sobre a existência de Deus. De fato, indivíduos ateus existem, e muitas vezes de comportamento ético bastante exemplar, o que faz da alegação da nocividade social do ateísmo uma afirmação gratuita. A postura afir­mativa referente ao cristianismo deve se fundamentar em seus verda­deiros alicerces: primeiro, tratando­se duma fé, provas estão de ante­mão desqualificadas;  segundo, Cristo convida os homens a viverem sob a perspectiva divina, e se há algum argumento válido na exposi­ção da fé cristã a partir de um critério racional, deve ser o argumento baseado na avaliação dessa nova perspectiva de vida que Cristo pro­põe a seus fiéis. Como a súmula da vida cristã é a fé, a esperança e o amor, e sendo o amor o maior dentre os três, decorre que o argumento do evan­gelho é o amor. Nenhuma filosofia religiosa ou politicamente isenta, nem mesmo a mais acurada e universal  apreensão ética pode substituir ou convencer  de modo mais seguro e eficaz que esse poderoso argumento. A nova lei do amor (aos amigos e inimigos), a regra de ouro – fazer pelo próximo aquilo que desejamos que façam por nós – não são formulações exclusivas do cristianismo, mas corres­pondem aos caracteres centrais dessa doutrina. Nesse sentido, a fé cristã detém o argumento do amor, atestado e praticado pela sua própria divindade (o que causou surpresa no próprio adversário de Deus, que num de seus porta­vozes conferiu loucura à piedade divina, que culminou no Calvário: como pode o Todo Poderoso permitir­se morrer por amor?). A prática dessa moral custa caro ao egoísmo humano, e decorre desse alto preço de renúncia pessoal toda aversão característica à fé. Avaliando profundamente, a grande máscara do ateísmo con­siste na camuflagem da resignação ao apelo de Cristo, de cada um tomar sua cruz e seguir­ lhe. Somente esse argumento, o argumento do amor (não teoriza­do apenas, mas vivido), tem a eficiência de transformar pessoas antes descren­tes em fervorosos adeptos da fé. 

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