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A Agenda Pós-2015 A Sociedade Civil e o Futuro que Queremos Pautar na ONU BRASIL ANÁLISE Alessandra Nilo e Damien Hazard SETEMBRO 2014 Passados quatorze anos do lançamento das Objetivos de Desenvolvi- mento do Milênio, as Nações Unidas (ONU) enfrentam o desafio de definir e acordar os novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), num contexto de crise econômica e financeira, de transfor- mação da geopolítica mundial, de mudanças climáticas e ainda de crise alimentar, instabilidade social, conflitos armados e aumento das des- igualdades em diversas partes do mundo. Diversas organizações brasileiras acompanharam os debates e tensões do processo, inclusive produzindo insumos para influenciar essa pri- meira fase de negociação entre os Estados-membros e em articulação direta com o governo brasileiro que, por sua vez, somente em 2014 instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para acordar posi- ções, mas o diálogo com a sociedade civil ainda é incipiente e carece de canais formais para o debate. Sobre o estado da arte desse grande debate global sobre “desenvolvi- mento sustentável”, para a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) os ODS são, sem dúvida, uma oportunida- de de romper com o mantra, comprovadamente ineficaz, de que cres- cer economicamente será suficiente para alavancar um outro modelo de desenvolvimento sustentável. Porém pouco parece estar em curso para que seja revertida a atual tendência de manutenção do status quo que nos leva, sempre, a modelos insustentáveis e desiguais. Há, por- tanto, muito a ser feito entre outubro de 2014 e setembro de 2015, e a organizações da sociedade civil precisam incidir estrategicamente e mudar essa correlação de forças entre evoluir, estagnar ou retroceder.

FRIEDRICH EBERT

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A Agenda Pós-2015A Sociedade Civil e o Futuro queQueremos Pautar na ONUBRASILANÁLISEAlessandra Nilo e Damien HazardSETEMBRO2014Passados quatorze anos do lançamento das Objetivos de Desenvolvi-mento do Milênio, as Nações Unidas (ONU) enfrentam o desafio dedefinir e acordar os novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável(ODS), num contexto de crise econômica e financeira, de transfor-mação da geopolítica mundial, de mudanças climáticas e ainda de crisealimentar, instabilidade social, conflitos armados e aumento das des-igualdades em diversas partes do mundo.Diversas organizações brasileiras acompanharam os debates e tensõesdo processo, inclusive produzindo insumos para influenciar essa pri-meira fase de negociação entre os Estados-membros e em articulaçãodireta com o governo brasileiro que, por sua vez, somente em 2014instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para acordar posi-ções, mas o diálogo com a sociedade civil ainda é incipiente e carecede canais formais para o debate.Sobre o estado da arte desse grande debate global sobre “desenvolvi-mento sustentável”, para a Associação Brasileira de Organizações NãoGovernamentais (Abong) os ODS são, sem dúvida, uma oportunida-de de romper com o mantra, comprovadamente ineficaz, de que cres-cer economicamente será suficiente para alavancar um outro modelode desenvolvimento sustentável. Porém pouco parece estar em cursopara que seja revertida a atual tendência de manutenção do status quoque nos leva, sempre, a modelos insustentáveis e desiguais. Há, por-tanto, muito a ser feito entre outubro de 2014 e setembro de 2015, ea organizações da sociedade civil precisam incidir estrategicamente emudar essa correlação de forças entre evoluir, estagnar ou retroceder

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  • A Agenda Ps-2015A Sociedade Civil e o Futuro que

    Queremos Pautar na ONU

    BRASIL

    ANLISE

    Alessandra Nilo e Damien HazardSETEMBRO 2014

    Passados quatorze anos do lanamento das Objetivos de Desenvolvi-

    mento do Milnio, as Naes Unidas (ONU) enfrentam o desafio de

    definir e acordar os novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentvel

    (ODS), num contexto de crise econmica e financeira, de transfor-

    mao da geopoltica mundial, de mudanas climticas e ainda de crise

    alimentar, instabilidade social, conflitos armados e aumento das des-

    igualdades em diversas partes do mundo.

    Diversas organizaes brasileiras acompanharam os debates e tenses

    do processo, inclusive produzindo insumos para influenciar essa pri-

    meira fase de negociao entre os Estados-membros e em articulao

    direta com o governo brasileiro que, por sua vez, somente em 2014

    instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para acordar posi-

    es, mas o dilogo com a sociedade civil ainda incipiente e carece

    de canais formais para o debate.

    Sobre o estado da arte desse grande debate global sobre desenvolvi-

    mento sustentvel, para a Associao Brasileira de Organizaes No

    Governamentais (Abong) os ODS so, sem dvida, uma oportunida-

    de de romper com o mantra, comprovadamente ineficaz, de que cres-

    cer economicamente ser suficiente para alavancar um outro modelo

    de desenvolvimento sustentvel. Porm pouco parece estar em curso

    para que seja revertida a atual tendncia de manuteno do status quo

    que nos leva, sempre, a modelos insustentveis e desiguais. H, por-

    tanto, muito a ser feito entre outubro de 2014 e setembro de 2015, e

    a organizaes da sociedade civil precisam incidir estrategicamente e

    mudar essa correlao de foras entre evoluir, estagnar ou retroceder.

  • Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

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    Sumrio

    I. Apresentao

    II. Introduo

    III. ONU: O futuro ps-2015 j comeou Para entender melhor Os resultados do Grupo de Trabalho Aberto (GTA)

    IV. Engajamento da sociedade civil A participao em geral da sociedade civil na

    Agenda Ps-2015 e construo dos ODS A atuao das OSC brasileiras no debate dos ODS Atuar em parceria, ao fundamental do processo Consideraes gerais

    V. Algumas recomendaes

    VI. Comentrios finais

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    050708

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    I. Apresentao

    Este documento trata sobre os processos de dis-cusso e negociao em torno da criao dos Ob-jetivos de Desenvolvimento Sustentvel (ODS) no contexto da Agenda Ps-2015, com o objetivo de contribuir para informar o conjunto das organiza-es da sociedade civil (OSC) e tambm subsidiar o seminrio elaborado em parceria com as organi-zaes Fundao Friedrich Ebert FES e Artigo 19 nos dias 9 e 10 de setembro de 2014 Os Obje-tivos de Desenvolvimento Sustentvel: o que est em jogo nestas negociaes? Anlises e estratgias da sociedade civil. Ele busca relatar o processo no mbito internacional, tendo como foco a dinmica nacional.

    O texto foi elaborado pela Abong Associao Brasileira de ONGs, responsvel por um processo de consulta em 2013, que reuniu cerca de oitenta organizaes e movimentos e que, desde ento, vem mobilizando organizaes sobre o tema e rea-lizando aes de incidncia junto a governos (prin-cipalmente brasileiro), o que tem contribudo para ampliar o nvel de conhecimento da sociedade so-bre essa agenda.

    O trabalho de articulao de atores sociais para dis-cutir a Agenda Ps-2015 possibilitou Abong se aproximar da Artigo 19, que vem trabalhando o tema com particular ateno liberdade de expres-so e de imprensa. Da mesma forma, propiciou o encontro com a FES na conjuntura da aproximao da 69 Assembleia Geral da ONU e do encerramen-to da primeira fase de negociao dos ODS. Desses encontros surgiu a ideia de organizar um seminrio para facilitar o dilogo entre organizaes da socie-dade civil sobre a agenda de desenvolvimento ps-2015 e de aproximar os resultados desse dilogo com o posicionamento oficial do governo brasileiro.

    A redao do documento foi assumida por mem-bros da direo da Abong que acompanham essa agenda e que coordenaram a consulta nacional. O trabalho foi assessorado pelos profissionais do es-critrio da Abong em So Paulo, das reas de As-suntos Internacionais e Comunicao. O texto foi desenvolvido a partir da anlise documental das

    negociaes, das atividades realizadas e dos con-tedos e reflexes produzidos a partir da partici-pao de representantes da Abong e da Gestos nos espaos de negociao internacional, assim como do levantamento de informaes junto a diferentes parceiros da sociedade civil.

    Alm desta Apresentao, os captulos deste docu-mento esto divididos da seguinte forma:

    II. Introduo. Trata do contexto das Metas de Milnio e do processo que originou o debate dos ODS e sua operacionalizao;

    III. ONU: O futuro ps-2015 j comeou. In-forma sobre as negociaes que levaram aos resul-tados do Grupo de Trabalho Aberto e do Comit de Peritos em Financiamento Sustentvel e das ten-ses que antecedem a realizao da 69 Assembleia Geral da ONU em setembro de 2014;

    IV. Engajamento da sociedade civil. Discorre sobre a atuao das OSC no debate da Agenda Ps-2015 e de definio dos ODS, com foco no papel da Abong e de organizaes brasileiras;

    V. Algumas recomendaes. Explora algumas das preocupaes e propostas das OSC brasileiras sobre a segunda fase do processo, que inicia aps a realizao da 69 Assembleia Geral da ONU.

    VI. Comentrios finais.

    Recife e Salvador, setembro de 2014.

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    Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

    II. Introduo

    Como seguimento Declarao do Milnio, ado-tada em 2000, a Organizao das Naes Unidas, conduzida na poca por Kofi Annan,1 estabele-ceu os Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) visando orientar os esforos da comunida-de internacional para o desenvolvimento at o ano de 2015, tendo como linha de base o ano de 1990. So 48 os indicadores sugeridos pela ONU para avaliar a implementao de 21 metas distribudas entre oito grandes objetivos: 1. Erradicar a pobreza extrema e a fome; 2. Atingir o ensino bsico univer-sal; 3. Promover a igualdade entre os sexos e a auto-nomia da mulher; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a sade das gestantes; 6. Combater o HIV/Aids, a Malria e outras doenas; 7. Garantir a sustentabilidade ambiental; 8. Estabelecer uma par-ceria mundial para o desenvolvimento.

    Alm de se comprometer com esses objetivos, o Brasil ainda ampliou voluntariamente algumas me-tas (temos 24) e indicadores (60 nacionais), alm de mapear as aes de governo que tm impacto sobre os ODM visando reforar os resultados ou eviden-ciar situaes que seriam imperceptveis se somente considerados os indicadores delineados pela ONU.2

    Apesar de todas as crticas principalmente a de que eles focam em pobreza, mas no questionam a desigualdade e suas causas estruturantes e mesmo longe de ser uma plataforma ideal de transforma-o, os ODM tornaram-se, sem dvida, uma ferra-menta estratgica para a misso das Naes Unidas3

    1 .

    2 < h t t p : / / w w w. i p e a . g o v. b r / d e s a f i o s / i n d e x .php?option=com_content&view=article&id=1283:reportagens-materias&Itemid=39>.

    3 O sistema ONU composto por programas, fundos e agncias especializadas e tem seis principais rgos: o Con-selho de Segurana, a Assembleia Geral (rgo principal e de carter deliberativo em que participam todos os pases membros, cada um com direito a voto), o Conselho de Tu-tela, a Corte Internacional de Justia, o Conselho Econ-mico e Social e o Secretariado (tem funes administrativas e dirigido pelo secretrio-geral, eleito pela Assembleia por cinco anos, com direito a reeleio). Os Programas e Fundos reportam-se Assembleia Geral e ao Conselho

    de fomentar a paz entre os pases, cooperar com o desenvolvimento sustentvel, monitorar o cum-primento dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais. Acordados por 189 pases, mesmo sem ser um acordo vinculativo (isto , que se torna lei nacional ao ser firmado), certo que os ODM ganharam ateno da opinio pblica mundial e que bastante dinheiro4 foi mobilizado via campa-nha Oito Jeitos de Mudar o Mundo, resultado,5 principalmente, do importante papel da ONU no estmulo cooperao internacional nas reas eco-nmica, social, cultural e humanitria e de sua con-tribuio via investimentos em reas essenciais para o desenvolvimento humano.

    O Relatrio de 2014 da ONU6 analisa os recen-tes avanos e desafios no caminho para atingir os Objetivos. Intitulado Uma vida de dignidade para todos, nele, Ban Ki-moon aproveita para marcar uma forte mensagem: A nossa gerao a primei-ra com recursos e conhecimento para acabar com a pobreza extrema e colocar nosso planeta em um curso sustentvel antes que seja tarde demais.

    Segundo o relatrio, os dados analisados mostram que globalmente a pobreza e a fome foram signi-ficativamente reduzidas, mas que os desafios con-tinuam.

    Nas regies em desenvolvimento, a proporo de pessoas

    Econmico e Social (ECOSOC). As agncias especializa-das so independentes e vinculadas entidade por acordos especiais, reportando-se diretamente ao ECOSOC. Mais informaes: .

    4 O Fundo para Alcance dos MDG (Millennium Develop-ment Goals) tem oramento em torno de U$ 900 milhes e um dos mecanismos de cooperao criados para apoiar a agenda().

    5 Dados para os pases individuais e a composio de todas asregiesestonosite.

    6 Baseou-se em consultas online e nas informaes dos rela-trios do Painel de Alto Nvel de Ban Ki-moon sobre Agen-da para o Desenvolvimento ps-2015 , doPactoGlobal daONU, das Comis-ses Regionais da ONU e da Rede de Solues para o De-senvolvimentoSustentvel.

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    que vivem com menos de 1,25 dlar por dia caiu mais da metade, de 47%, em 1990, para 22%, em 2010, com a maioria vivendo em reas rurais. No entanto, grande parte deste progresso foi feito em poucos pases, principalmente China e ndia. Alm disso, mesmo que as metas da pobreza sejam alcanadas, 1,2 bilho de pessoas ainda vivem em extrema misria. (...), apesar do forte crescimento econmico recente e declnio das taxas de pobreza na frica Subsaariana, o nmero de pessoas em condies de escassez de recursos aumenta e a regio ainda vulnervel a choques que podem prejudicar os avanos.(...) A meta de reduzir para metade a porcentagem de pessoas que sofrem de fome at 2015 est perto do alcan-ce. A proporo de pessoas subnutridas nas regies em desenvolvimento caiu de 23,2%, no perodo de 1990 a 1992, para 14,9%, em 2010-2012. No entanto, uma em cada oito pessoas permanece cronicamente subnutrida e uma em cada quatro crianas sofre de atrofia do cresci-mento por causa da desnutrio.

    O relatrio 2014 cita estratgias bem sucedidas, tais como como a juno entre crescimento econmico e polticas de redistribuio de renda importantes para o desenvolvimento na Amrica Latina e fri-ca, as reformas no setor agrcola no leste asitico, que tiraram centenas de milhes da pobreza, assim como os programas na sia e Amrica Latina, que combinaram aumento na produo e distribuio de alimentos com educao nutricional e distribui-o de terra. Ele afirma que tais iniciativas foram importantes na reduo da mortalidade infantil e melhora da sade materna.

    Apesar de insistir na necessidade de maior acele-rao para fazer avanar os ODM at 2015, o re-latrio j dialoga diretamente com as discusses do ps-2015 e coloca, entre as prioridades da nova agenda, o combate desigualdade e excluso, o empoderamento de mulheres e meninas, a educa-o e sade de qualidade, o combate s mudanas climticas, o aumento da contribuio positiva dos migrantes e os desafios da urbanizao.

    Esse dilogo extremamente importante e opor-tuno pois, apesar dos avanos, os recursos necess-rios (e as lideranas) se revelaram insuficientes para alcanar todos os objetivos definidos e, mesmo

    com o mrito de ter apontado diretrizes para as po-lticas das Naes, no h como negar que os ODM tm importantes limites, desde a sua criao. Alm de terem sido elaborados de forma centralizada pelo Secretariado da ONU, o que gerou muita re-sistncia inicial, eles minimizaram a importncia da justia social e da sustentabilidade ambiental na sua concepo do desenvolvimento, focando na pobre-za sem questionar a desigualdade. Alm de ser uma agenda considerada reducionista num momento no qual as Naes Unidas consagravam seu Ciclo de Conferncias Sociais dos anos 1990, os ODM deixaram de fora questes fundamentais como, por exemplo, uma j evidente epidemia global de vio-lncia contra as mulheres.

    III. ONU: O futuro ps-2015 j comeou

    A busca do planeta pela dignidade, paz, prosperidade, jus-tia, sustentabilidade e fim da pobreza chegou a um momento de urgncia sem precedentes. Ban Ki-moon, 2014

    Sem dvida, passados quatorze anos do lanamen-to dos ODM, o contexto atual de agravamento da crise econmica e financeira nos Estados Uni-dos e na Europa, de transformao da geopoltica mundial, de mudanas climticas e ainda de crise alimentar, instabilidade social, conflitos armados e aumento das desigualdades em diversas partes do mundo impe novos desafios para a humanidade.

    Com base em dados e indicadores disponveis, possvel afirmar o quanto a inequidade persiste e que, apesar da propalada nova geopoltica e de avanos para diminuio de pobreza extrema, a de-sigualdade global segue um insulto condio hu-mana, com um evidente aumento de informaes, pesquisas e papers7 comprovando (e denunciando) os danosos impactos sociais de tamanha concentra-o em mos de to poucas pessoas.

    Se em 2000 a situao era difcil, hoje ficou mais complexa, pois a pobreza no tem mais limites por fronteiras ou classificao de pases. A pobreza existe em todo lugar, inclusive nos pases desen-

    7 99% da riqueza mundial possuda por apenas 29 mil indivduos, segundo dados do Credit Suisse.

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    Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

    volvidos, como causa e consequncia de relaes desiguais de poder em mbitos poltico, social, de gnero, econmico ou racial.

    O documento final da Cpula dos ODM 2010 solicitou ao secretrio-geral que levasse em consi-derao as questes relevantes ara a futura agenda de desenvolvimento global ps 2015. E a prpria ONU, depois da primeira dcada de trabalho (Re-latrio 2011), que reconhece que empoderar mu-lheres, desenvolver-se industrialmente e em escala num modelo ecologicamente sustentvel e proteger as pessoas mais vulnerveis de situaes de emer-gncia e das mltiplas crises e guerras, da volatilida-de nos preos de alimentos e energia, seca, da chuva e tsunamis, tudo ao mesmo tempo, no uma tare-fa fcil, nem pequena.

    nesse contexto que, apesar de ter prazo de va-lidade at 2015 e da insistncia de muitos gover-nos de que necessrio intensificar esforos para o cumprimento dos atuais ODM, o debate sobre o futuro ps-2015 capturou a agenda da ONU desde a Conferncia sobre Desenvolvimento Sustentvel, a Rio+20, realizada no Brasil, em 2012. Ali, foi sela-do o acordo entre os Estados-membros de criar um conjunto de metas de desenvolvimento sustentvel. Essas deveriam ter um nmero limitado, serem aspiracionais e fceis de comunicar, abordando de forma equilibrada todas as trs dimenses do desenvolvimento sustentvel, em harmonia com a agenda de desenvolvimento das Naes Unidas.

    Para tornar o debate possvel e evitar que os novos objetivos ficassem exclusivamente sob responsabi-lidade do Secretariado da ONU, a Rio+20 estabele-ceu dois processos intergovernamentais:

    O Grupo de Trabalho Aberto,8 composto por Estados--membros, com mandato para discutir as questes centrais e, a partir dessas consideraes, desenhar uma proposta de Objetivos de Desenvolvimento Sustentvel, foi institudo em 22 de janeiro de 2013 por deciso da Assembleia Geral.9 Para seu funcio-

    8 Veja toda a agenda e informaes sobre as sesses do GTAem.

    9 67/555 (ver A / 67 / L.48 / Rev.1).

    namento, usou-se um sistema de crculo eleito-ral de representao. No incio, a ideia era que o grupo fosse formado por apenas trinta pases, mas, como muitos demandaram participar, a soluo en-contrada foi a de que alguns lugares deveriam ser compartilhados. Essas combinaes resultaram na partilha de assentos entre pases sem afinidades polticas em todas as reas, gerando, em alguns ca-sos, dificuldades em estabelecer posies comuns entre eles. Sob coordenao de dois co-presidentes, o Sr. Csaba Korosi, Representante Permanente da Hungria, e o Sr. Macharia Kamau, Representante Permanente do Qunia, o GTA trabalhou entre maro de 2013 e julho de 2014. Seu relatrio foi um fundamental componente para a 69 Assembleia,

    O Comit Intergovernamental em Financia-mento para o Desenvolvimento Sustentvel. Por meio da Resoluo 66/288, de 11 de setembro de 2012, a Assembleia Geral das Naes Unidas en-dossou a deciso expressa nos pargrafos 255 e 256 da declarao O Futuro que Queremos,10 resulta-do da Rio+20, que pedia a criao de um comit de peritos em financiamento para o desenvolvimento sustentvel, estabelecendo que este seria composto de trinta representantes de pases e dos seus respec-tivos suplentes. O Comit foi oficialmente criado em junho de 2013, com a aprovao das pessoas indicadas por regio para comp-lo. No ms sub-sequente, ocorreu sua primeira reunio, que definiu sua metodologia de funcionamento e seus procedi-mentos formais. O Comit teve um total de cinco sesses, cada uma composta de vrias reunies, in-cluindo tanto consultas abertas, quanto momentos de deliberao fechados participao de quem no fosse membro. Foram trabalhados trs conjun-tos de temas:

    I. Mapeamento de necessidades de financiamento, fluxos correntes e tendncias emergentes e o im-pacto da conjuntura nacional e internacional;

    II. Mobilizao de recursos e seu uso efetivo:

    1 0 < h t t p : / / w w w. u n c s d 2 0 1 2 . o r g / c o n t e n t /documents/727The%20Future%20We%20Want%2019%20June%201230pm.pdf>.

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    a) Recursos nacionais (pblico e privado): aumen-tando eficincia e mobilizando recursos adicionais;

    b) Recursos externos (pblico e privado): aumen-tando eficincia e mobilizando recursos adicionais;

    c) Financiamento misto e novas iniciativas;

    III. Acordos institucionais, coerncia em polticas, sinergias e questes de governana.

    Alm do GTA e do Comit de Peritos, a Rio+20 tambm criou o Frum Poltico de Alto Nvel (HLPF, de sua sigla em ingls). Os objetivos do HLPF so: (a) assegurar a liderana poltica e orien-tao sobre o desenvolvimento sustentvel; (b) acompanhar e rever o progresso na implementao dos compromissos dos ODS; (c) reforar a integra-o das dimenses econmica, social e ambiental do desenvolvimento sustentvel e (d) enfrentar os desafios novos e emergentes do desenvolvimento sustentvel. Espera-se que ele supervisione a aplica-o do quadro de desenvolvimento ps-2015.

    O Frum Poltico de Alto Nvel aprovou, em 9 de julho de 2014, uma Declarao Ministerial que tam-bm compe o conjunto de documentos que in-fluenciaro o relatrio do secretrio-geral e as deci-ses da 69a Assembleia. Essa Declarao reafirma os princpios aprovados na Rio+20 e diz que uma abor-dagem integrada para a erradicao da pobreza e de-senvolvimento sustentvel deve promover a paz e a segurana, a governana democrtica, o Estado de direito, a igualdade de gnero e os direitos humanos para todos. A declarao observa que um processo ps-2015 transparente e centrado nas pessoas deve conter contribuies de todas as partes interessadas, incluindo a sociedade civil, instituies cientficas, parlamentos, autoridades locais e setor privado.

    Entretanto, apesar de a resoluo da Assembleia Geral que criou o HLPF ter disposies detalhadas sobre a participao da sociedade civil, organiza-es e movimentos sociais no tiveram acesso a in-formaes crticas e documentos, e foram excludos da observao das negociaes informais do texto. A declarao final deixa muito a desejar no que diz respeito garantia de um quadro de responsabiliza-

    o baseada em direitos e da participao da socie-dade civil em futuras sesses do HLPF.

    Para entender melhor

    O documento final da Cpula dos ODM 2010 soli-citou ao secretrio-geral que iniciasse um processo para pensar a agenda de desenvolvimento global para alm de 2015. Esse processo foi formaliza-do com o documento final Rio+20 O Futuro que Queremos.

    Alm dos espaos de dilogo e negociaes inter-governamentais, o secretariado da ONU criou um calendrio com vrios fluxos de trabalho envolven-do suas agncias e a sociedade civil (com participa-o tambm dos governos), incluindo, por exemplo, consultas nacionais lideradas pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento, PNUD, em mais de cem pases e consultas temticas online abertas toda populao.

    O relatrio do Grupo de Alto Nvel do secretrio--geral e o relatrio de consultas nacionais e te-mticas promovidas pela ONU subsidiaram a 68a Assembleia da ONU (Set. 2013), que indicou os processos da Agenda Ps-2015, que ser conclu-da com a adoo das novas metas globais de De-senvolvimento Sustentvel em Setembro de 2015, durante uma reunio de Cpula.

    Tambm foram realizados Dilogos Estruturados sobre Mecanismo de Facilitao de Tecnologia. Como estipulado no documento final do evento especial da Assembleia Geral de 25 de setembro de 2013, os resultados desses dilogos orientaro a Assembleia Geral na elaborao da agenda de de-senvolvimento ps-2015.

    Finalizados os relatrios do Grupo de Trabalho Aberto, do Comit de Peritos em Desenvolvimento Sustentvel e do Painel de Alto Nvel11 o secretrio--geral far seu informe para a 69a Assembleia que, por sua vez, definir os passos seguintes da segunda fase da negociao.

    11 Agncia de alto nvel da ONU. Ir monitorar a imple-mentao da agenda ps-2015.

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    Os resultados do GTA

    A proposta do Grupo de Trabalho Aberto foi re-sultado de dezesseis meses de debate e seu docu-mento final12 foi aprovado na tarde de 19 de julho, aps uma ltima rodada de negociaes que durou ininterruptas trinta horas de tenso debate na sede da ONU, em Nova York. So dezessete as propostas de Objetivos de Desenvolvimento Sustentvel que se-guiram para a 69a Assembleia, em setembro de 2014:

    1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todas as partes.

    2. Acabar com a fome, alcanar a segurana ali-mentar, melhorar a nutrio e promover a agricul-tura sustentvel.

    3. Assegurar uma vida saudvel e promover o bem-estar de todos, em todas as idades.

    4. Assegurar uma educao inclusiva de qualidade e equitativa e promover oportunidades de aprendi-zagem permanente para todos.

    5. Alcanar a equidade de gnero e empoderar to-das as mulheres e meninas.

    6. Assegurar a disponibilidade e gesto sustentvel de gua e saneamento para todos.

    7. Garantir o acesso seguro energia de baixo cus-to, sustentvel e moderna para todos.

    8. Promover o crescimento econmico sustentado, inclusivo e sustentvel, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos.

    9. Construir infraestrutura resiliente, promover a industrializao inclusiva e sustentvel e fomentar a inovao.

    10. Reduzir a desigualdade dentro e entre os pases.

    11. Fazer com que as cidades e os assentamentos

    12 .

    humanos sejam inclusivos, seguros, resilientes e sustentveis.

    12. Assegurar padres de consumo e produo sustentveis.

    13. Adotar medidas urgentes para combater a mu-dana climtica e seus impactos.

    14. Conservar e utilizar de maneira sustentvel os oceanos, mares e recursos marinhos para o desen-volvimento sustentvel.

    15. Proteger, restaurar e promover o uso susten-tvel dos ecossistemas terrestres, a gesto susten-tvel das florestas, combater a desertificao, deter e reverter a degradao da terra e deter a perda da biodiversidade.

    16. Promover sociedades pacficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentvel, proporcionar o aces-so justia para todos e construir instituies efica-zes, responsveis e inclusivas em todos os nveis.

    17. Reforar os meios de implementao e revita-lizar a parceria global para o desenvolvimento sus-tentvel. Nessa ltima meta, destacam-se os sub-temas finanas, tecnologia, capacitao, comrcio, questes sistmicas, coerncia poltica e institucio-nal, parcerias multi-stakeholders, de dados, monitora-mento e prestao de contas.

    A conjuntura internacional, extremamente blica e com muitas mudanas nas alianas geopolticas, tencionou ainda mais questes de fundo que, como sempre, influenciam os debates na ONU, especial-mente num momento de crescente conservadoris-mo entre alguns grupos de Estados-membros que tm deixado as negociaes dos ltimos trs anos nas Naes Unidas mais prximas a espaos de in-terdio do que um locus para busca de consenso.

    As negociaes, tendo como pano de fundo o di-reito ao desenvolvimento e a questo do quo equi-librada nos pilares da sustentabilidade poderia ser essa agenda, foram difceis. Estiveram no topo da lista das questes mais contenciosas os objetivos relacionados sade e aos direitos sexuais e repro-

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    dutivos, igualdade de gnero, aos meios de imple-mentao, linguagem sobre sociedades pacficas/acesso justia incluindo a referncia ao Estado de direito, alteraes climticas, ocupao estran-geira e terrorismo e responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

    Dado o impasse para chegar a um consenso sobre essas questes na ltima plenria, os co-presidentes convocaram grupos menores de discusso para al-gumas dessas reas no caso de direitos sexuais e re-produtivos e gnero, por exemplo, foram realizadas vrias sesses informais, presididas pelo embaixador de Palau, sem qualquer resultado concreto devido relutncia do grupo liderado pela Arbia Saudita e Vaticano em negociar e chegar a um acordo.

    Por outro lado, o grupo dos 77 (G77) e China, que inclui nos dias atuais 131 pases em desenvolvimen-to, persistiu na sua posio de que era necessrio incluir uma linguagem urgente sobre ocupao co-lonial e estrangeira, no s no caput (narrativa in-trodutria do ODS), mas tambm como uma meta dentro do proposto Objetivo 16 que trata da paz e a justia. Mas, de fato, os motivos de insatisfao do conjunto de pases vo desde o contedo e o alcance das metas, at deciso de mencionar ou no certas Conferncias de reviso das Naes Unidas, alm de vrias crticas sobre a escassez e a debilidade dos propostos meios de implementao (MOI).

    importante notar que, por diferentes razes, o texto final est longe de ser satisfatrio para vrios Estados-membros nenhuma das delegaes que tomaram a palavra na sesso plenria de encerra-mento (cerca de trinta) demonstraram estar total-mente satisfeitas com o resultado, muitas afirmando que este serviria como uma proposta de trabalho ou uma boa base para as negociaes ps-2015.

    Alguns Estados-membros, por exemplo, Argentina, Brasil, Romnia, Polnia, expressaram explicita-mente srias preocupaes sobre a parte procedi-mental da negociao (embora sem detalhar), ape-lando para a necessidade de se fazer um balano das lies aprendidas tanto sobre o processo quanto sobre o contedo, que servisse de referncia para as futuras negociaes ps-2015, notando que houve discus-

    ses circulares e sem solues e que, em muitos casos, esse formato esgotou suas possibilidades.

    Assim, o anncio da aprovao definitiva do tex-to pelo co-presidente Kamau, do Qunia, foi um momento que concluiu uma batalha acirrada de po-sies totalmente conflitantes entre Estados-mem-bros, cujas reaes foram divididas entre os temas contenciosos j descritos. O fato de que a esmaga-dora maioria dos Estados-membros decidiu bater o martelo sobre o texto final, apesar de desgostos, foi, por si s, considerado uma grande conquista.

    Ilustrar um pouco dessas contendas ajuda a explicar por que, apesar dos intensos (e tensos) debates, o resultado do GTA foi ainda pouco ambicioso, na medida em que no prope uma estruturante trans-formao dos sistemas econmicos e financeiros, nem a proteo e garantia plena dos direitos huma-nos de todas as pessoas. O GTA tampouco prope medidas fortes quando trata dos meios de imple-mentao dos objetivos, o que, na prtica, vai impe-dir uma necessria e to esperada justa distribuio dos benefcios do desenvolvimento.

    Certamente, h propostas interessantes aprova-das. O Objetivo 5, por exemplo, que visa alcanar a igualdade de gnero e empoderar as mulheres e meninas, foi uma importante conquista, e essa a primeira vez que h uma meta global que reconhece o cuidado no remunerado e o trabalho domstico das mulheres. Outro exemplo o Objetivo 4, que garante uma educao livre, igual e de qualidade e oportunidades de aprendizagem ao longo da vida. A linguagem sobre TRIPS13 no ruim e foi impor-tante o debate que insistia na promoo do acesso justia como algo central para sociedades pacficas.

    Na impossibilidade de fazer uma anlise mais am-pla, vamos destacar abaixo alguns temas que vo demandar ateno na segunda fase de negociao ou melhor calibragem/aperfeioamento a partir dos indicadores que sero construdos.

    13 TRIPS: do ingls Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, o Acordo sobre Aspec-tos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio.

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    Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

    Para o Grupo Principal de Mulheres, o direito humano alimentao; os direitos das mulheres tomada de decises sobre a paz e a segurana e a controlar sua sexualidade livre de coero, a viver livre de discriminao e violncia; os direitos dos povos indgenas e todos os direitos sexuais esto notavelmente ausentes. Essa anlise reiterada pe-los grupos que trabalham com HIV e populaes--chave e mesmo com a repetida afirmao do se-cretrio-geral, Ban Ki-moon, de que ningum ser deixado para trs, os dogmas religiosos impediram que gays, lsbicas, transgneros e trabalhadores do sexo, por exemplo, tivessem espao na proposta construda.

    O fato de que os objetivos e metas trabalhadas pelo GTA dialogam pouco com os direitos humanos e no se propem a rever o paradigma, comprova-damente desastroso, de crescimento econmico a qualquer custo grave. Ainda mais quando o do-cumento no prope um compromisso que avance para redimensionar a relao de poder entre os pases.

    Nesse contexto, tambm nos preocupa que o sis-tema ONU ainda no tenha bons mecanismos de transparncia e accountability e, assim como os go-vernos, esteja cada vez mais dependente e, certa-mente, mais influenciado, pelo setor corporativo privado. O ODM8, por exemplo, que todos/as reconhecem que no avanou, pedia parcerias glo-bais lideradas pelos governos. O que aconteceu, no entanto, foi o crescimento do poder do setor pri-vado para alm da noo institucional de estados geridos por governos, corroendo, inclusive, via as Parcerias Pblico-Privado (PPP) a infraestrutura de servios pblicos j construdas. Os dados tam-bm j comprovam o quanto, em muitos pases, a ganncia e a corrupo alimentam algumas dessas parcerias e bloqueiam as reformas legais neces-srias para que estas se alinhem com os desejveis princpios de igualdade, liberdade e justia social.

    Assim, tendo em vista as falhas sistmicas do mer-cado neoliberal da dcada passada (e temos de re-conhecer que falhou), essa seria a hora de os Esta-dos reclamarem de volta a direo das Parcerias Globais para o Desenvolvimento, desenvolvendo um quadro liderado pela ONU de governana que

    incorporasse a prestao de contas, comunicao transparente, avaliao independente e mecanis-mos de monitoramento. No campo das parcerias estratgicas, vale lembrar que um futuro verdadeira-mente sustentvel e igualitrio demanda, alm dos mecanismos formais de monitoramento das aes governamentais, um ambiente propcio atuao da sociedade civil.

    Alm disso, para que a Agenda Ps-2015 possa ser efetivamente transformadora como se prope, deve haver um foco na democratizao econmica, assumindo que o atual Objetivo 1 de reduzir pobre-za extrema no ser suficiente e incorporando meios e compromissos para reduo da riqueza extrema. Tal atitude exigiria muito mais vontade e capacida-de poltica do que a observada atualmente na ONU.

    Finalmente, ainda temos em aberto a questo sobre como calibrar, na nova agenda dos ODS, os ODM que ainda no foram concludos.

    Breve anlise do relatrio final do Comit In-tergovernamental de Peritos para Financia-mento para o Desenvolvimento Sustentvel IECSDF, da sua sigla em ingls:14

    O Comit, basicamente, se debruou sobre as op-es de financiamento para o desenvolvimento sus-tentvel efetivo e encaminhou seu relatrio As-sembleia Geral em agosto de 2014. Sua operao no tinha acordos formais para a participao da sociedade civil, que foi convidada pela Comisso a apresentar as suas propostas em sesses especficas e teve bastante dificuldade para acompanhar o pro-cesso de negociao.

    O relatrio final do IECSDF ser um fundamento do debate na Assembleia Geral sobre o financia-mento dos ODS. Disponibilizado em 8 de agosto,15 aponta opes de possveis fontes de financiamen-to para o desenvolvimento sustentvel, porm pou-co aprofunda a questo de como acessar tais fontes e

    14 Por Claudio Fernandes, economista. Membro da Ges-tosedaCampanhaTTFBrasil..

    15 .

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    certo que a III Conferncia sobre Financiamento para o Desenvolvimento, a ser realizada em Julho de 2015 ter muita influncia sobre a definio de quem ir pagar e como ser paga a conta dos ODS16.

    Se bem que o relatrio leva em considerao de-mandas expressas pela sociedade civil, como igual-dade de gnero, direitos de populaes indgenas, migrantes, idosos e jovens, ele no forte o sufi-ciente para nomear os grupos marginalizados ou as minorias quando tratando das inequidades so-ciais (pargrafo 76). Alm disso, no conseguiu es-tabelecer uma transio para uma agenda realmente ampla, inclusiva, que equilibre o tom de responsabi-lidades comuns, porm diferenciadas, entre pases. As responsabilidades dos pases desenvolvidos, por exemplo, no poderiam se limitar a prover recur-sos financeiros, estes tambm deveriam financiar a transio de suas prprias economias para padres sustentveis de produo e consumo em harmonia com os objetivos de desenvolvimento nas reas am-biental, econmica e social.

    positivo o fato de que a progressividade fiscal elencada como um dos princpios a ser adota-dos para atingir maior mobilizao de recursos no mbito nacional (pargrafo 65) e para reduo de inequidade econmica e tambm so apontados os problemas gerados pelos fluxos ilegais de capital e pela manuteno dos parasos fiscais, que alimen-tam toda uma gama de contravenes financeiras, como a lavagem de dinheiro de atividades ilcitas (pargrafo 163). Contudo o relatrio no firme em apresentar os meios de solucionar os proble-mas, mesmo afirmando que sua soluo dos fluxos ilegais, por exemplo, poderia gerar fontes adicionais de financiamento para os ODS.

    O relatrio enaltece o papel de transparncia e ac-countability (responsabilidade) nos setores pblico e privado para garantir eficincia no uso dos recursos financeiros (pargrafo 61:9); enfatiza a transparn-cia e a prestao de contas de todas as formas de financiamento em todos os nveis (abordagem es-tratgica 9); e inclui a importncia da sociedade civil

    16 http://www.un.org/esa/ffd/

    organizada no processo. Mas a seo sobre gover-nana global ainda vaga sobre como operaciona-lizar as necessrias mudanas para que todas essas afirmaes se concretizem.

    O documento reconhece a importncia dos re-cursos da cooperao internacional dos pases da OCDE17 pases desenvolvidos que contribuem com recursos voluntrios ou da Assistncia Oficial para o Desenvolvimento (ODA) usada como par-te de sua poltica externa , mas admite que chegou o momento de encontrar mecanismos inovadores de financiamento, incluindo a possibilidade da ado-o de taxas sobre transaes financeiras (TTF). No entanto, comparando a verso final com o zero--draft, essa linguagem foi completamente diluda e a TTF aparece apenas uma vez no relatrio, mencio-nada como um experimento que ser operacional na Europa em 2016, ignorando outros exemplos j existentes, inclusive no Brasil. Houve, claramente, um enfraquecimento da linguagem que havia sido adotada desde o Consenso de Monterrey de 2002 (pargrafo 51).

    O relatrio reconhece gnero como dimenso fun-damental da vulnerabilidade pobreza (pargrafo 27) e inclui a igualdade de gnero nas necessida-des de financiamento relacionadas erradicao da pobreza e da fome (pargrafo 31), assim como no contexto de abordagem inclusiva para alcanar resultados concretos no terreno (abordagem es-tratgica 8). Ele defende que gastos pblicos sejam consistentes com as estratgias de desenvolvimento sustentvel, incluindo metas de gnero (pargrafo 70) e investimentos de fundos pblicos para lidar com as vulnerabilidades estruturais vivenciadas pe-las mulheres (pargrafos 78 e 79); o acesso e escala de servios financeiros disponveis para as mulhe-res so tratados no pargrafo 90 e a afirmao de que os aspectos de gnero devem ser considerados na fase de concepo dos projetos de financiamento mistos so tratados no pargrafo 137. Mas questes essenciais para o financiamento da agenda de igual-dade de gnero esto aqum dos compromissos assumidos em Doha (2008) ou em Busan (2009).

    17 Sigla para Organizao para a Cooperao e o Desen-volvimento Econmico.

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    Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

    Faltam referncias explcitas previso de fundos geis para financiar a equidade de gnero; neces-sidade de dados desagregados por gnero; e o tema das mulheres no trabalho precrio e/ou no remu-nerado permanece invisvel, apesar de presente no relatrio do GTA.

    Muita nfase foi dada s parcerias pblico-privadas, mas o relatrio no especfico sobre quais cri-trios devem ser estabelecidos em tais parcerias tampouco ampliou o conceito de PPP para incluir, alm das empresas, instituies da sociedade civil, uma demanda expressada em diferentes ocasies por vrios grupos da sociedade civil.18

    certo que o relatrio aborda desafios cruciais para os direitos humanos, como as desigualdades sociais, a importncia de preservao do meio ambiente, a necessidade de pisos de proteo social, entre ou-tros. Mas faltou ambio ao Comit, que no con-seguiu recomendar qualquer conjunto ousado de reformas. Esperamos que as recomendaes e anlises em nosso relatrio estimulem discusses (...) e inspirem novas ideias e solues inovadoras. (...) nossas recomendaes so convites troca de ideias e de experincias entre os pases e ao reforo da cooperao internacional baseada numa parceria global renovada para o desenvolvimento sustent-vel. Afinal, como tem sido reiterado pela socieda-de civil, infelizmente tal convite, apesar de bem-vin-do, no o suficiente para gerar ao e est muito aqum de responder s tarefas e desafios que hoje enfrentamos.

    IV. Engajamento da sociedade civil

    A participao em geral da sociedade civil na Agenda Ps-2015 e construo dos ODS

    A construo dos novos Objetivos de Desenvolvi-

    18 Pargrafo 23 (traduo livre): A soluo inclui melho-res incentivos privados, alinhamento com objetivos pbli-cos e criar uma estrutura poltica que estimule investimento comfinslucrativosnestasreas,aomesmotempo,commo-bilizao de recursos pblicos para atividades essenciais do desenvolvimento sustentvel.

    mento Sustentvel tem sido muito mais consultiva e participativa do que foi o processo das Metas do Milnio. Globalmente, organizaes da sociedade civil tm monitorado a agenda de forma intensa e contribudo para o debate dos ODS. E tm feito isso de forma altamente qualificada, no apenas questionando e problematizando os contedos, como tambm apresentando alternativas concretas s propostas em negociao, oferecendo anlises consistentes tanto aos governos aliados quanto aos processos conduzidos pelo Secretariado, aos quais tm oferecido amplas recomendaes em todas as reas temticas.

    Estruturalmente a participao da sociedade civil possvel atravs de sistemas estabelecidos es-pecialmente atravs dos Grupos Principais (Major Groups), que representam nove setores: Mulheres, Crianas e Jovens, Povos Originais, ONGs, Traba-lhadores e Sindicatos, Autoridades Locais, Neg-cios e Indstria, Comunidade Cientfica e Tcnica, Camponeses e Grupos Rurais.

    De acordo com a ONU,19 desde a primeira Confe-rncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992 a Cpula da Terra , foi reconhecido que o desenvolvimento sustentvel no pode ser alcanado pelos governos sozinhos. Essa noo se reflete enfaticamente no documen-to marco resultante, o Agenda 21, cuja Seo 3 ressalta a criticidade de aproveitar a competncia e capacidade de todos os setores da sociedade. A formalizao desse conceito reconheceu esses nove setores da sociedade como os principais canais atravs dos quais os cidados e cidads poderiam se organizar e participar nos esforos internacionais para alcanar o desenvolvimento sustentvel por meio das Naes Unidas.

    O documento final da Conferncia Rio+20, O Fu-turo que Queremos, por sua vez, reafirma que o desenvolvimento sustentvel requer o envolvimen-to significativo e a participao ativa desses grandes grupos e de todos os tomadores de deciso relevan-tes no planejamento e implementao de polticas

    19 .

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    de desenvolvimento sustentvel. Ele reconhece os esforos e os progressos realizados a nvel local e subnacional e o papel fundamental que os legislati-vos e judicirios locais, regionais e nacionais tm na promoo do desenvolvimento sustentvel. Isso in-clui o seu papel para envolver os cidados e as partes interessadas e fornecer-lhes informaes relevantes para as trs dimenses do desenvolvimento susten-tvel. Alm disso, O Futuro que Queremos desta-ca a importncia do envolvimento de outros agentes, como as comunidades locais, grupos de voluntrios e fundaes, migrantes e suas famlias, bem como pessoas idosas e pessoas com deficincia.

    Isso quer dizer que governos signatrios da Rio+20, como o Brasil, se comprometeram a trabalhar mais de perto com os principais grupos da sociedade civ-il e partes interessadas e a promover sua participa-o ativa nos processos que contribuem para a to-mada de deciso, planejamento e implementao de polticas e programas para o desenvolvimento sus-tentvel em todos os nveis. Eles igualmente con-cordaram em trabalhar para a melhoria do acesso s tecnologias da informao e comunicao, espe-cialmente as redes e servios de banda larga, a fim de superar as lacunas digitais atravs de uma maior cooperao internacional.

    Alm da participao formal atravs dos Grupos Principais, existem articulaes da sociedade civil planetria, a exemplo da Campanha Beyond 2015 (ou Para alm de 2015), que tambm buscam in-cidir na agenda. A Beyond 201520 uma campanha que, desde 2010, promove a viso de uma agenda transformadora para suceder os ODM e hoje a maior coalizo global da sociedade civil incluin-do desde organizaes de base comunitria at ONGs internacionais, representantes da academia e sindicatos. Atualmente conta com mais de 1.100 membros, em 132 pases (56% destes do Sul). As organizaes da Campanha so constantemente convidadas a colaborar na definio das posies que promove junto aos pases e nas negociaes intergovernamentais. A Campanha est estruturada em coordenaes regionais, tendo como principal referncia no Brasil a Abong.

    20 .

    A atuao das OSC brasileiras no debate dos ODS

    Diversas organizaes e movimentos da sociedade civil brasileira esto hoje ativos no processo de dis-cusso da Agenda Ps-2015 e na negociao dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentvel (ODS). Esse envolvimento o resultado de uma trajetria de articulao na esfera internacional que se estru-turou durante as ltimas dcadas, a partir da par-tio ativa em redes e fruns internacionais sobre os mais diversos temas relacionados ao desenvol-vimento, desde a Conferncia das Naes Unidas para o Desenvolvimento Sustentvel de 1992. Isso inclui tambm a organizao de eventos da socie-dade civil que buscam produzir dilogo e tencionar o debate, tais como a Cpula dos Povos de 2012, espao paralelo da sociedade civil Conferncia Rio+20, e todas as edies do Frum Social Mun-dial, a partir do primeiro realizado em Porto Alegre no ano de 2001.

    O fato de muitos desses eventos da sociedade ci-vil planetria terem ocorrido no Brasil propiciou s organizaes nacionais que atuam na defesa de direitos e bens comuns uma experincia mpar, pois contribuiu para fomentar e ampliar sua insero no cenrio mundial em diferentes instncias interna-cionais relacionadas aos direitos humanos (em seus vrios temas), comrcio, clima, meio ambiente, eco-nomia, entre outros.

    De forma geral, possvel afirmar que s recente-mente, a partir de 2013, o debate mais especfico so-bre a Agenda Ps-2015 ganhou maior flego na pau-ta da sociedade civil brasileira e da Amrica Latina.

    Mesmo na Europa e Amrica do Norte, tm sido os grupos tradicionais e geralmente bem-financiados os que acompanham esse debate, especialmente os que ocupam papis de liderana e maior incidncia via os Grupos Principais da ONU (Major Groups).

    A Abong foi estimulada, em 2012, a entrar no pro-cesso via articulaes internacionais s quais per-tence, mais especificamente pelo Frum Interna-

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    Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

    cional de Plataformas Nacionais de ONGs (FIP)21 e a Mesa de Articulacin (Articulao latino-ameri-cana de redes de ONGs).22 O objetivo era contri-buir com a mobilizao e a expresso da sociedade civil brasileira na expectativa da 68 assembleia das Naes Unidas, em 2013, que iria indicar os proces-sos desta chamada Agenda Ps-2015.

    Assim, em dezembro de 2012, a Abong foi escolhi-da por uma articulao internacional de redes da so-ciedade civil23 para realizar uma consulta nacional com organizaes do seu campo de atuao (defesa de direitos e bens comuns) no Brasil. A consulta, que ocorreu no primeiro semestre de 2013, con-tou com a participao de 78 organizaes, redes e movimentos em atividade, e incluiu um seminrio de mobilizao e visibilidade em So Paulo e trs oficinas temticas (Salvador, Recife e Braslia) com associadas e parceiros, sobre temas especficos: en-frentamento ao racismo, infncia e juventude, HIV e equidade de gnero. O resultado foi publicado no relatrio O mundo que queremos ps-2015,24 que apresenta um conjunto de recomendaes para o governo brasileiro e para a ONU e que foi entre-gue Secretaria Geral da Presidncia, ao Ministrio do Meio Ambiente (em audincia com a ministra Izabella Teixeira, representante do Brasil no Painel de Alto Nvel da ONU), ao Itamaraty e ao PNUD.

    O debate e a sua dinmica tomaram novos rumos depois da 68 Assembleia da ONU em 2013, onde j estava indicada a dificuldade de convergir as agen-das de desenvolvimento e as de sustentabilidade socioambiental, em harmonia com os demais ma-crotemas educao, sade, gnero, entre outros. Diante de uma cada vez mais acirrada disputa, hou-ve necessidade de aumentar o compartilhamento de informaes entre os movimentos sociais e am-

    21 .

    22 .

    23 Pela campanha global Beyond 2015, pelo GCAP Glo-bal Call for Action Against Poverty, pelo Frum Interna-cional de Plataformas Nacionais de ONGs e pela CIVICUS World Alliance for Citizen Participation.

    24 Foi lanado em agosto de 2013 e est disponvel no link: .

    pliou-se o chamado ao em todos os nveis, fa-zendo com que, paulatinamente, mais organizaes passassem a prestar maior ateno a essa agenda.

    A Abong optou por potencializar o trabalho e a experincia acumulada por organizaes associadas e movimentos parceiros (alguns j envolvidos no debate), e aprofundou sua ao por meio de estra-tgias complementares e articuladas de mobilizao nacional e internacional, comunicao, incidncia poltica junto ao governo brasileiro e contnua sen-sibilizao das associadas.

    Promoveu diversos eventos sobre a Agenda Ps-2015, a exemplo do seminrio de abertura do F-rum Social Temtico de Porto Alegre (2014), com o tema Crise capitalista e Agenda Ps-2015, rea-lizado juntamente com parceiros do Chile, Frana, Brasil e Egito.

    Tem publicado diversos artigos sobre a Agenda Ps-2015, como, por exemplo, no Le Monde Diplo-matique Brasil, no Correio Braziliense e na Carta Ca-pital. Alm dos Informes Abong, tem publicado em diferentes sites como Sul 21, TTF Brasil, Vida Brasil, Gestos e FIP.25

    Participou das duas edies da Arena da Participa-o Social Ps-2015, organizadas pela Secretaria Geral da Presidncia do Brasil.26

    Fez, ainda, contribuies para diversos documentos para incidncia poltica, dentre os quais: Narrativa, Valores e Metas Campanha Beyond 2015: contri-buies levadas pela Mesa de Articulao para dis-cusso em Pretria (maro 2014), que definiu a po-sio final sobre valores e objetivos da Campanha.

    Assinatura e divulgao da nota Alerta Vermelho (iniciativa da Gestos no mbito internacional, em abril 2014, assinada por cerca de 900 organizaes).

    25 ;;.

    26 Em fevereiro no Rio de Janeiro e em maio, em Braslia.

  • Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

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    Organizou o documento de posio coletiva com contribuies para o debate temtico durante as reunies do Grupo de Trabalho Aberto, em Nova Iorque.

    Atuar em parceria, ao fundamental do processo

    A partir de 2014, a Abong intensificou esforos para articular diversas organizaes e movimentos nacionais, buscando estabelecer uma atuao con-junta. Tem realizado reunies virtuais, socializado informaes e preparado documentos de posio sobre as negociaes. Com isso, tem fortalecido as convergncias e potencializado a incidncia coleti-va e a visibilidade de outras entidades no processo. Uma das principais preocupaes da Abong tem sido a de aumentar o nmero de organizaes bra-sileiras que acompanham a agenda internacional, uma vez que observamos que este trabalho ainda concentra-se na mo de poucos atores e atrizes e precisa ser expandido.

    Essas iniciativas tem sido realizadas em parceria e dilogo com vrias organizaes atuantes nesse de-bate. No processo de elaborao desse documento, por exemplo, registramos o protagonismo das se-guintes organizaes:

    A Ao Educativa, que promove direitos educativos, culturais e da juventude, passou a acompanhar a Agenda Ps-2015 pela importncia desse proces-so nas orientaes sobre as polticas educacionais em escala global, incluindo as questes relativas educao de pessoas adultas. Tem produzido ma-teriais informativos sobre o assunto,27 e tambm documentos e posicionamentos em conjunto com redes parceiras, a fim de informar e mobilizar as or-ganizaes da sociedade civil, tanto nacionais como de outros pases, a acompanharem o processo.

    A Agenda Pblica, formada por um conjunto de pro-fissionais ligados universidade e ao setor pbli-co com o intuito de aprimorar a gesto pblica e a governana democrtica com participao cidad,

    27 .

    atuou nos processos de municipalizao dos ODM e busca agora qualificar a discusso sobre os ODS no nvel subnacional. Considera os ODS um dos pilares do seu planejamento para os prximos qua-tro anos. Nos dois ltimos anos, a Agenda Pblica participou do 3 Prmio Brasil dos ODM, colabo-rou com municpios nas estratgias de municipali-zao dos ODM, elaborou e divulgou o Guia de Municipalizao dos ODM, assessorou a constru-o da Rede ODM Brasil.28

    A Articulao Sul (Centro de Estudos e Articulao de Cooperao Sul-Sul), que estimula o dilogo no campo da cooperao Sul-Sul e da cooperao in-ternacional para o Brasil entre os mbitos de pes-quisa aplicada, polticas pblicas e prticas, acom-panha os debates relacionados construo da agenda e ao envolvimento do Brasil. A Articulao Sul j promoveu um debate com outros atores da sociedade civil e tem produzido e divulgado infor-maes a respeito no Observatrio Brasil e o Sul.29

    A Artigo 19 Brasil envolveu-se na Agenda Ps-2015 buscando promover a boa governana com nfase nas reas relacionadas transparncia, liberdade de expresso e acesso informao. Para tal, tem atua-do de forma engajada nos debates, contribuindo para a articulao da Agenda ps-2015 em mbitos nacional e internacional, inclusive realizando ses-ses paralelas e reunies estratgicas de incidncia poltica durante as reunies do Painel de Alto Nvel e do Grupo de Trabalho Aberto, em Nova York.

    A Artigo 19 elaborou cartas abertas e posicionamen-tos pblicos defendendo a insero e manuteno dos temas que hoje recaem sob o Objetivo 16 da minuta aprovada na 69a Assembleia Geral da ONU. Em parceria com a Abong e a Fundao Friedrich Ebert (FES), realizou a oficina com comunicado-res/as sobre os ODS, alm de ser co-organizadora junto com Abong e FES do seminrio Os Obje-tivos de Desenvolvimento Sustentvel: o que est em jogo nestas negociaes? Anlises e estratgias da sociedade civil.

    28 .

    29 .

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    Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

    Coletivo Feminino Plural30 uma organizao do mo-vimento de mulheres com foco nos temas de sade, direitos sexuais e reprodutivos e na violncia de g-nero. O Coletivo acompanha os processos de ne-gociao internacional para seguimento da agenda de Cairo sobre populao e desenvolvimento, um tema que foi incorporado Agenda Ps-2015. O Coletivo coordenou a Fase 4 de monitoramento de Cairo implementada pela Rede Feminista de Sade/Rede de Sade das Mulheres Latino-americanas e do Caribe, participou dos processos de Cairo+15 e da preparao de Cairo+20, para avaliao da CIPD em Nova Iorque. Participou tambm de vrias delegaes nacionais para as comisses da ONU, tais como a Comisso sobre a Situao das Mulheres e Comisso de Populao e Desenvolvi-mento. Atualmente, coordena o Monitoramento da CEDAW (Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher) no Brasil, cujos temas so sade (mortalidade materna, aborto, HIV) e trfico de mulheres.

    A Gestos-Soropositividade, Comunicao e Gnero de-senvolve programas com pessoas soropositivas e vulnerveis ao HIV, promove aes educativas e mobiliza diferentes agentes sociais e polticos para o monitoramento de polticas pblicas locais, nacionais e internacionais. Desde 2003, vem mo-bilizando a sociedade civil nacional para o moni-toramento das metas acordadas na Declarao de Compromisso da Sesso Especial da Assembleia Geral Extraordinria das Naes Unidas de 2001. Atualmente acompanha os debates da ONU sobre direitos sexuais e reprodutivos, sade e equidade de gnero. Alm de atuar como Secretaria Regio-nal da LACCASO,31 como membro da Fora Tarefa de Alto Nvel para ICPD e Alm32 e Coordenao da Campanha TTF Brasil,33 a Gestos representa a Abong nos processos de articulao e incidncia internacional em torno da Agenda Ps-2015. A Gestos/Abong participaram da 68a Assembleia da ONU, em 2013, e acompanharam as reunies do

    30 .

    31 .

    32 .

    33 .

    GTA e do Comit de Peritos para Financiamento Sustentvel. Em maro de 2014, a Gestos foi con-vidada a expor na reunio do Comit e, em abril, A. Nilo, representando a Gestos/LACCASO, a Abong e a Campanha TTF Brasil, foi oradora principal no Frum sobre Alianas Estratgicas, organizado pelo Presidente da Assembleia, John Ashe.34 A in-terveno da Gestos tem focado muito na agenda econmica, na de direitos sexuais e reprodutivos e direitos humanos em geral. Por isso, coordenou uma ao global em abril chamada Bandeira Ver-melha (Red Flag), que em menos de duas semanas foi assinada por quase oitocentas organizaes de todo o mundo, denunciando a ausncia dos DH no debate e o risco de que a agenda das popula-es marginalizadas ficasse de fora do ps-2015, o que de certa forma aconteceu.35 Recentemente, nos dias 2 e 3 de setembro, a instituio realizou o IX Frum UNGASS AIDS Brasil, reunindo em Reci-fe 75 representantes dos movimentos AIDS e de direitos sexuais e reprodutivos para debater o tema Desafios para Construo dos ODS e a Agenda Ps-2015.36

    O Instituto Igarap atua em questes relacionadas ao desenvolvimento e segurana, atravs de pesqui-sas, formulao de polticas pblicas e articulao. Discute as implicaes que a violncia acarreta ao desenvolvimento, ressaltando o caso paradigmtico do Brasil nesse mbito. Sobre a Agenda Ps-2015, atua na construo do Objetivo 16 (Promover sociedades pacficas e inclusivas para o desenvolvi-mento sustentvel, proporcionar o acesso justia para todos e construir instituies eficazes, respon-sveis e inclusivas em todos os nveis), e tem sido consultor para o Painel de Alto Nvel. Produz co-nhecimentos e publica informaes a respeito, com a elaborao de indicadores (a exemplo do ndice de Segurana da Criana) e da divulgao de rela-trios e anlises. Tambm participa de articulaes, estabelecendo relacionamento com organizaes

    34 .

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    que trabalham com o tema da violncia e acesso justia e com atores governamentais, a exemplo do Itamaraty.

    A recm-lanada REBRAPD (Rede Brasileira de Populao e Desenvolvimento) busca fortalecer a sociedade civil brasileira para seguimento do pro-cesso de implementao da agenda de Cairo em curso no Brasil e em temas relacionados com popu-lao e desenvolvimento. Um de seus focos par-ticipar do debate da definio dos ODS, em aes de advocacia poltica, de forma articulada no mbi-to nacional e internacional, com foco especial em questes relacionadas com direitos sexuais e repro-dutivos e polticas de equidade. Organizaes que hoje compem a REBRAPD atuaram no processo de reviso operacional ps 20 anos da Confern-cia Internacional de Populao e Desenvolvimento, em 2014, e contriburam para que a reviso dessa agenda fosse vinculada irrestritamente ao debate ps-2015.

    Consideraes gerais

    As causas defendidas por essas e outras organiza-es e movimentos brasileiros envolvidos no deba-te da definio dos ODS so diversas, tais como suas estratgias de atuao. Vrias esto articuladas com outras organizaes da sociedade civil nos mbitos internacional e nacional, constituindo-se como pontos focais com potencial para ampliao do debate. Produzem conhecimento e/ou informa-es a respeito. Mesmo demonstrando por vezes diferenas em estratgias de incidncia poltica e na busca ou nas prticas de relacionamento e dilogo com os entes governamentais, muitas reconhecem que, seja por falta de interesse dos grupos, seja por falta de uma maior capacidade de articulao com as redes nacionais e globais, o acesso informao sobre a Agenda Ps-2015 ainda restrito s organi-zaes que tm a capacidade estrutural de participar e acompanhar os trabalhos em Nova Iorque, espe-cialmente as que tm condies de enviar represen-tantes s reunies.

    Alm disso, ainda que haja canais disponveis na ONU, acompanhar e participar dos processos de construo dos novos Objetivos especialmente

    difcil para as organizaes que, apesar de sua com-provada capacidade de influenciar seus prprios governos, no dominam o ingls ou no tm mui-ta compreenso de como incidir politicamente nas agendas internacionais. Democratizar esse debate em nvel local, portanto, parece ser o caminho ne-cessrio para garantir que as vozes da sociedade civil fiquem mais fortes e sejam consideradas na cons-truo do futuro que queremos e merecemos ter.

    Ao mesmo tempo, o dilogo com o governo fede-ral se mostrou estratgico para aquelas organizaes que buscaram incidir na definio dos ODS a partir da influncia sobre posicionamento oficial do Brasil.

    fato que o governo demorou a iniciar um dilogo mais estruturado com a sociedade civil somente em 11 de fevereiro de 2014 a Secretaria Geral da Presidncia realizou a primeira oficina de trabalho com a sociedade civil, no Rio de Janeiro, intitulada Dilogos Sociais: Desenvolvimento Sustentvel na Agenda Ps-2015 Construindo a Perspectiva do Brasil.37 Mas, paralelamente, representantes gover-namentais, quando convidados, tem participado de eventos da sociedade civil e reunies desde 2013 e no se opuseram, por exemplo, a dialogar sobre as posies do governo em reunies com a Abong.

    V. Algumas recomendaes

    Sendo esta uma arena de acirrada disputa de ideias, concepes e alternativas para o desenvolvimento sustentvel, no caso brasileiro, o desafio que parece ser comum a todas as organizaes envolvidas no debate do ps-2015 continua sendo o de estabele-cer canais formais de dilogo entre governo brasileiro e sociedade civil sobre os processos de negociao. Entendemos que, apesar de todos os espaos aber-tos pelo Secretariado da ONU, essa uma discus-so intergovernamental e que devem ser os governos, portanto, nossos principais interlocutores. Assim, a Abong tem reiterado nos diferentes espaos a preo-

    37 O evento foi realizado em parceria com o Centro Mun-dial para o Desenvolvimento Sustentvel (Centro RIO+) e contou com a participao de 79 representantes de 41 OSC e 32 representantes do governo brasileiro e das Na-es Unidas.

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    cupao de que, apesar de convidada a expor suas propostas em espaos de dilogo, nem sempre a sociedade civil tem suas posies realmente ouvidas. Avaliamos que o acompanhamento da Agenda Ps-2015 , sem dvida, um bom momento para deba-ter a efetividade dessa nossa participao, pois ainda que exista algum processo de consulta sociedade civil, esse esforo pode se perder quando no h me-canismos formais para que nossas posies sejam efe-tivamente levadas por ns ao debate no momento de definio das prioridades do governo brasileiro. Portanto, a criao de mecanismos e compromissos formais entre o governo, as representaes das Na-es Unidas e a sociedade civil essencial no Brasil.

    Considerando os altos riscos relativos ao financia-mento privado de servios pblicos, recomenda-mos o desenvolvimento de um quadro vinculativo dos investimentos privados no que diz respeito a todos os aspectos de impacto ambiental, social e de governana, com indicadores claros que incluam desde as questes de prestao de contas at a igualdade de gnero e no discriminao de qual-quer tipo (que dialogue com a recente criao do grupo de trabalho intergovernamental da Comisso de Direitos Humanos para a reflexo sobre um ins-trumento internacional juridicamente vinculativo).

    No campo da educao, a Ao Educativa avalia que a proposta em curso, ainda que se mostre ambiciosa com a ampliao de metas para o alcance do ob-jetivo em educao e tenha envolvido mais atores no processo de formulao (governos, organismos multilaterais, fundaes, empresas e organizaes da sociedade civil), apresenta diversos gargalos que precisam ser superados, tais como: i) jogo de foras desiguais entre os atores envolvidos, com forte pre-sena do setor privado e sua agenda voltada para o mercado; ii) no incorporao dos acmulos, como reflexes e propostas produzidas em outros espa-os com forte presena da sociedade civil, no caso da educao: Marco de Ao de Dakar, Educao para Todos, Conferncias Internacionais de Educa-o de Adultos (CONFINTEA), dentre outros; iii) reduo do conceito de comunidade educacional para um pequeno nmero de convidados conside-rados experts no assunto; iv) concentrao das metas na mensurao e avaliao de aprendizagem

    em detrimento de propostas voltadas para a me-lhora da qualidade dos insumos (como professo-res, escolas adequadas, polticas afirmativas etc.); v) privilgio de determinado grupo etrio considera-do estratgico ao invs de buscar alcanar a oferta universal da educao os adultos acabam sendo preteridos na luta pela educao de qualidade para todos e todas.

    No campo dos direitos sexuais e direitos reprodu-tivos, o Coletivo Feminista Plural e a Gestos chamam a ateno para o crescente avano das foras con-servadoras contra os direitos humanos em geral, expresso no combate aos contedos e linguagem sobre diferentes temas. Est claro que o governo brasileiro no mbito internacional no tem o mes-mo empenho na defesa dos temas mais controver-sos no campo da sade, direitos sexuais e direitos reprodutivos nos quais j foi, em outros momentos, considerado um campeo. A Resoluo regional da Conferncia sobre Populao e Desenvolvimento, realizada no Uruguai em Agosto de 2013, da qual o Brasil foi protagonista, deu ao pas esse mandato, mas no debate do ps-2015 essa agenda tem sido assumida por outros atores do sul (Uruguai e Filipi-nas, por exemplo) e nela o governo no tem coloca-do o empenho necessrio para defesa do direito ao aborto seguro, da orientao sexual e identidade de gnero e outros correlatos. Manter a energia nessa agenda e persistir na direo de resistir aos ataques e, se possvel, abrir novos rumos, um dos desafios atuais importantes para um maior equilbrio nos trs pilares do desenvolvimento.

    O Forum Ungass AIDS Brasil corrobora com as preocupaes sobre a ausncia dos direitos sexuais na agenda e recomenda que, na fase de construo de indicadores, sejam reafirmados os direitos hu-manos; o acesso universal ao tratamento, preven-o, cuidado e apoio para o HIV; que seja dada n-fase ao enfrentamento do racismo e da inequidade de gnero como dimenses estruturantes do desen-volvimento e que seja enfatizada a necessidade de estados laicos.

    A REBRAPD nos lembra ainda que, na perspectiva plural do Plano de Ao de Cairo, as populaes esto subpresentes nas metas atuais, e que o Brasil

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    precisa defender, no processo de definio dos in-dicadores, que os temas correlatos agenda de po-pulao e desenvolvimento, centrais para garantir o cumprimento dos novos ODS, estejam presentes.

    A respeito do debate sobre paz e segurana, o Ins-tituto Igarap avalia que um importante passo j foi dado na medida em que o Brasil deixou de se po-sicionar como contrrio incluso de um objetivo especfico nessa temtica. No caso brasileiro, ser importante frisar a universalidade do objetivo, o im-pacto da violncia no desenvolvimento e o acesso universal justia. preciso trabalhar mais com a linguagem em torno de Estado de Direito (rule of law) e paz/segurana, j que estes so atualmente importantes pontos de contestao. O desafio atual ser encontrar uma linguagem adequada que seja aceita pelos distintos pases.

    Em relao liberdade de expresso e proteo da capacidade de organizao e de participao das organizaes da sociedade civil, a Artigo 19 preocu-pa-se com o fato de o relatrio final do GTA estar aqum do potencial que se vislumbrou durante suas negociaes. Assim, apesar de saudar o anncio re-ferente criao de um Conselho Consultivo de Espe-cialistas Independentes sobre a Revoluo dos Dados para o Desenvolvimento Sustentvel, enfatiza que a revoluo dos dados no alcanar xito sem que ocorram melhorias substanciais em termos de abertura dos governos a seus cidados e sem que haja um am-biente propcio para o espao da cidadania, o qual permita que indivduos, sociedade civil e comunida-des possam saber, falar, participar e atuar livremen-te. Para que esse objetivo seja alcanado, os direitos liberdade de informao, de imprensa, de asso-ciao e de reunio pacfica devem ser plenamente reconhecidos e possibilitados.

    Finalmente, para fortalecer o acompanhamento da sociedade civil no prximo perodo de negociaes, tendo em vista seu carter internacional comple-xo, fundamental ter fontes seguras sobre o que realmente acontece nas reunies da ONU e, nesse sentido, maior transparncia do processo funda-mental. Como destacado pela Agenda Pblica, pre-cisamos ampliar nossa capacidade de participao e divulgao das informaes e conseguir problema-

    tizar as ideias vindas de atores voltados para a priva-tizao ou quase-privatizao dos servios pblicos (incluindo educao), que acabam tendo mais espa-os tanto na prpria ONU como na grande mdia, tornando o debate muito pouco plural. Para que a participao das OSC seja efetiva e relevante, alm de acompanhar o debate, preciso fomentar polti-cas de participao social em todos os nveis.

    Assim, a Abong, com apoio de vrios parceiros, tem insistido que na segunda fase do processo ps-2015 o governo brasileiro defenda a construo de indicadores sobre a participao da sociedade civil, que considerem a existncia ou no de um marco regulatrio favorvel ao trabalho das OSC, assim como a disponibilidade de financiamento pblico e sustentvel para realizao de suas aes em todos os nveis (global e nacionais).

    VI. Comentrios finais

    Aps o Seminrio realizado em So Paulo e mes-mo aps a 69a Assembleia Geral, que aprovou o documento produzido pelo Grupo de Trabalho Aberto, algumas questes seguem em aberto. Ainda h questionamentos sobre se o conjunto dos ODS propostos sero mesmo o motor de um planeta realmente sustentvel e, do ponto de vista opera-tivo, ainda no h muita clareza sobre como ser a nova fase de negociao. No momento de fecha-mento desse texto, sabemos apenas que esta ser coordenada pelos Representantes Permanentes da Dinamarca e Papua Nova Guin e que ser conclu-da entre os dias 28 e 30 de setembro de 2015.

    H, portanto, uma agenda intensa pela frente, que inclui calibrar os ODM com os ODS (sim, bom ir se familiarizando com este novo acrnimo) e isso implica dizer que, ao mesmo tempo em que se constroem os novos Objetivos necessrio finali-zar os atuais e, tudo isso, num contexto poltico e econmico cada vez menos favorvel ou previsvel.

    Com os relatrios do Grupo de Trabalho Aber-to e do Comit de Peritos em Financiamento concludos, espera-se, por exemplo, que o relat-rio do GTA seja o principal texto orientador dos prximos passos, ao mesmo tempo em que todos

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    Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

    buscam influenciar o Relatrio do secretrio-geral, Ban Ki-moon, agendado para publicao em no-vembro. Intensifica-se a tenso entre o papel dos Estados-membros e o do Secretariado da ONU, e a tenso entre os diferentes blocos de pases se-guiro fortes nesse cenrio voltil, onde os desen-volvidos fazem o discurso da crise e, portanto, de dificuldade de financiamento. E pressionam tanto para que as economias emergentes financiem uma parte da conta quanto para que sejam intensifi-cadas as parcerias com o setor privado, sem que sejam aprofundados mecanismos de accountability concretos para esse setor, o que pe em risco o papel de planejador e indutor do Estado. No h dvidas sobre o crescimento da influncia do setor privado na agenda da ONU e, nesse contexto, o controle social talvez seja a nica forma de via mo-nitoramento nacional e incidncia global, conse-guir reduzir danos e fazer avanar um pouco mais a agenda de direitos e equidade.

    No Brasil, em que pese a afirmao da Secretaria Geral da Presidncia da Repblica durante o Semi-nrio Os Objetivos de Desenvolvimento Sustent-vel: o que est em jogo nestas negociaes? Anlises e estratgias da sociedade civil,38 sobre o esforo governamental em estabelecer processos de consul-tas junto sociedade civil ou sobre a relevncia das OSC para elaborao da posio brasileira39 (cujo documento somente circulou pela primeira vez du-rante o Seminrio); e mesmo com a afirmao de que a participao social insere-se como objetivo de desenvolvimento sustentvel (...) e que deve ser um princpio orientador das negociaes, vale re-gistrar que a concretizao desse objetivo, na prtica ainda um desafio. Por exemplo, foi bastante difcil conseguir a insero de representantes da sociedade civil na delegao brasileira para a 69a Assembleia Geral. Tamanha dificuldade, cuja superao deman-dou grandes esforos em diferentes nveis, demons-tra o quo importante e urgente o estabelecimento de uma instancia formal de dilogo entre a sociedade civil e o governo sobre Poltica Externa.

    38 ;.

    39 .

    importante, tambm, pontuar que a Agenda Ps-2015, devido ao seu amplo escopo temtico, uma oportunidade para incluso de novas organizaes no debate. Avanar para a reduo das desigualda-des e mudar os padres de consumo e produo vai exigir um esforo amplo e coletivo do conjunto da sociedade planetria. Por isso, o fortalecimento da sociedade civil no controle social das polticas externas e na sua capacidade de articulao e inci-dncia junto ao governo brasileiro e a outros gover-nos estratgicos fundamental e, nesse contexto, uma maior articulao da regio latino-americana segue necessria. Mesmo pensando a curto prazo menos de um ano, agora tanto o cenrio global quanto o nacional preocupam e, diante de tantas complexidades, a Agenda Ps-2015 apenas ser uma oportunidade promissora se conseguirmos acompanhar de perto e influenciar o seu desenrolar nos prximos meses.

    No Brasil, a articulao entre 27 ministrios no algo simples e ainda h divergncias em torno de al-gumas questes, incluindo os meios de implemen-tao. Alm disso, est claro que burocracia gover-namental dificulta a integrao de ministrios para tratar de questes abrangentes e que houve pouco planejamento por parte do governo em relao Agenda Ps-2015 e aos ODS. Globalmente, mes-mo considerando a Agenda do Ps-2015 a partir de um conjunto de outras negociaes em pauta na ONU, e mesmo sabendo que o consenso por vezes exige uma posio mediana, observamos que, em alguns temas j entramos perdendo.

    O certo que o debate que acontece na ONU hoje ter efeito sobre todos os aspectos e polticas glo-bais, incluindo sade, educao, segurana, mudan-as climticas, paz e energia. Ele vai resultar, na pr-tica, na mobilizao de bilhes de dlares durante os prximos quinze anos, recursos que, espera-se, sero traduzidos em melhores servios e na garan-tia de direitos ainda inexistentes e inacessveis para bilhes de pessoas em todo o mundo.

    Mas a grande discusso de fundo, que preocupa a muitos dos movimentos sociais que acompanham a agenda, que se fala muito em objetivos susten-tveis mas pouco parece estar em curso para se

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    reverter a tendncia de apenas continuar a manuteno desse status quo que nos leva, sempre, a modelos in-sustentveis e desiguais.

    Por exemplo, curiosamente o Painel de Alto Nvel de peritos convidados para assessorar o secretrio--geral da ONU, Ban Ki-moon, no qual a ministra Izabela Teixeira representa o Brasil, recentemente divulgou uma carta aberta atualizando seu relat-rio do ano passado,40 na qual destacado o papel das empresas na consecuo da agenda, ilustrando a tendncia internacional para reforar o papel do setor privado mas o papel do Estado no con-siderado. Alm disso, mulheres, crianas e socieda-de civil, por exemplo, no so referidas no texto. Num momento em que at mesmo o Comit do Prmio Nobel reconhece a importncia dos direitos das mulheres e crianas, isso surpreendente, para dizer o mnimo.

    Os ODS, certamente, poderiam ser a grande opor-tunidade de romper com esse mantra, comprova-damente ineficaz, de que apenas o crescimento econmico move o desenvolvimento. Mas uma lio que, certamente, ainda no aprendemos com os ODM a de que o planeta e as vidas que nele ha-bitam no esto venda. Lamentavelmente, ainda no convencemos os Estados-membros da ONU a enfrentar o desafio de reconstruir um mundo que progride lentamente, mas que, de fato, encontra-se repetidamente beira do colapso h, portanto, muito a ser feito. E a sociedade civil ter um peso fundamental nesse jogo de foras entre evoluir e avanar ou estagnar e retroceder.

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    Alessandra Nilo e Damien Hazard | A AGENDA PS-2015

    Foto da mesa de abertura do seminrio Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentvel: o que est em jogo nestas negociaes? Anlises e estratgias da sociedade civil, que contou com Alessandra Nilo, Damien Hazard, Gonzalo Berron e Iara Pietricovsky.

    Alessandra Nilo depois de entregar o alerta vermelho da sociedade civil na dcima sesso do Gru-po de Trabalho Aberto, que aconteceu em abril de 2014.

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    Alessandra Nilo e Andr Calixtre debatendo na mesa Roda de dilogo com o governo, no se-minrio: Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentvel: o que est em jogo nestas negociaes? Anlises e estratgias da sociedade civil.

    Reunio dos grupos de parceiros sobre os ODS, que aconteceu no dia 9 de setembro.

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    Responsvel

    Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) BrasilAv. Paulista, 2011 - 13 andar, conj. 131301311 -931 I So Paulo I SP I Brasilwww.fes.org.br

    Autores

    Alessandra Nilo jornalista, coordenadora da ONG Gestos Soropositividade, Comunicao e Gnero e diretora estadual da Abong em Pernam-buco. Ela membro da Fora Tarefa de Alto Nvel para ICPD (www.icpdtaskforce.org) e representa a sociedade civil da Amrica Latina e Caribe no Con-selho Diretor da UNAIDS, alm de ser Secretaria Regional da LACCASO - Conselho Latinoamerica-no e Caribenho de ONG/AIDS (www.laccaso.net)

    Damien Hazard economista, coordenador da Associao Vida Brasil e diretor executivo da Abong, membro do Conselho Internacional do Frum Social Mundial e do conselho facilitador do Frum Inter-nacional de Plataformas Nacionais de ONGs (FIP).

    Friedrich-Ebert-Stiftung (FES)A Fundao Friedrich Ebert uma instituio alem sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e est compro-metida com o iderio da Democracia Social. Realiza atividades na Alemanha e no exterior, atravs de programas de formao poltica e de cooperao internacional. A FES conta com 18 escritrios na Amrica Latina e organiza atividades em Cuba, Haiti e Paraguai, implementadas pelos escritrios dos pases vizinhos.

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    AbongA Associao Brasileira de Organizaes No Governamentais Abong, fundada em 10 de agosto de 1991, uma sociedade civil sem fins lucrativos, democrtica, pluralista, antirracista e antissexista, que congrega organizaes que lutam contra todas as formas de discriminao, de desigualdades, pela construo de modos sustentveis de vida e pela radicalizao da democracia.