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Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Exatas e da Natureza Programa de Pós-Graduação em Geografia A AÇÃO COLONIZADORA PRODUZINDO O ESPAÇO: de aldeias indígenas à Alagoa da Perdição (1766-1816) EMMANUEL CONSERVA DE ARRUDA João Pessoa, outubro, 2007

FRONTEIRAS PERDIÇÃO

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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Exatas e da Natureza Programa de Pós-Graduação em Geografia

A AÇÃO COLONIZADORA PRODUZINDO O ESPAÇO:

de aldeias indígenas à Alagoa da Perdição (1766-1816)

EMMANUEL CONSERVA DE ARRUDA

João Pessoa, outubro, 2007

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Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Exatas e da Natureza

Programa de Pós-Graduação em Geografia

A AÇÃO COLONIZADORA PRODUZINDO O ESPAÇO: de aldeias indígenas à Alagoa da Perdição

(1766-1816)

Emmanuel Conserva de Arruda

Orientadora: Ariane Norma de Menezes Sá

DISSERTAÇÃO apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia.

João Pessoa – PB

2007

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Emmanuel Conserva de Arruda

A ação colonizadora produzindo o espaço: de aldeias indígenas à Alagoa da Perdição (1766-1816). Dissertação apresentada pelo mestrando Emmanuel Conserva de Arruda ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do CCEN-UFPB, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia. Avaliado em _____________________________ com média___________________ Banca Examinadora da DISSERTAÇÃO DE MESTRADO:

_______________________________________________________________

Belarmino Mariano Neto (UEPB)

_______________________________________________________________

Maria de Fátima Ferreira Rodrigues (PPGG);

_______________________________________________________________

Ariane Norma de Menezes Sá (UFPB) Orientadora

UFPB/2007

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Ao meu pai (in memoriam) e a minha mãe, Cornélio Conserva e Maria Arruda, e meus irmãos Renato, Nilton, Fábio e Fabíola, dedico

esse trabalho. São para mim exemplo, força e alegria.

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AGRADECIMENTOS

É sempre muito difícil agradecer, pelo temor de parecer exagerado para uns ou faltoso

para outros. Mas não posso deixar de dar reconhecimento, agradecendo aqueles, que de forma

direta ou indireta, contribuíram para realização deste trabalho. Afinal, o conhecimento é uma

construção coletiva.

À Ariane Sá, mais que professora, é uma amiga que tenta nos conduzir com extrema paciência e competência nos difíceis e mal remunerados percursos da vida acadêmica. Pela sua confiança, compreensão, disponibilidade e apoio nesta pesquisa e além dela. Aos professores do mestrado. Todos foram muito importantes para minha incursão na geografia, com idéias e indicações bibliográficas que serviram de base teórica e metodológica para o trabalho. Especialmente aos Doutores: Raimundo Barroso Cordeiro Júnior; Carlos Augusto de Amorim Cardoso e as Doutoras Doralice Sátyro Maia; Ariane Norma de Menezes Sá e Maria de Fátima Ferreira Rodrigues. À Sônia, secretária da coordenação do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, que além de descomplicar a burocracia, sempre nos recebe com atenção e carinho. Aos meus colegas mestrandos, que se tornaram importantes pilares de apoio nos momentos de desânimo e com os quais dividi as dificuldades e alegrias que são proporcionados por uma pós-graduação. Em especial, aos colegas Luciano, Anderson e Benedito, além de colegas nos tornamos amigos. Sem eles não teria histórias engraçadas para lembrarmos. Ao LEPAN (Laboratório de Ensino e Pesquisa em Análise Espacial) do Departamento de Geociências/UFPB, especialmente ao professor Richarde Marques, que me orientou na confecção dos mapas. Aos integrantes do grupo de estudo sobre a Paraíba Imperial. Base para esta e outras tantas pesquisas. No início, éramos só alguns alunos e muitas perguntas. Hoje, somos grandes amigos em busca de respostas. A história fortaleceu nossa amizade. A Fabrício Morais, Mayrinne Meira e Maximiano Machado que mesmo com o afastamento que este período força, nunca deixaram de demonstrar amizade e preocupação. Ao colega de graduação em história e também mestre em geografia, Carmelo Filho, por está sempre disponível para me ajudar a compreender os novos conceitos que a geografia me trouxe. À Elainy Camelo, por suportar com paciência e carinho as variações de humor que um trabalho de pós-graduação nos proporciona.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a ação colonizadora no sertão da Paraíba, na área hoje polarizada pelo atual município de Princesa Isabel, a partir do processo de ocupação e funcionalidade desse espaço, bem como os agentes envolvidos e a motivação que impulsionaram essa mobilidade, compreendendo a assim a apropriação do espaço produzido. Para isso é feita uma análise bibliográfica para demonstrar como alguns autores paraibanos construíram a história da Paraíba seguindo um modelo muito próximo e dando pouca ênfase ao processo de colonização do sertão. A escolha do recorte temporal deste trabalho (1766-1816) corresponde à concessão da primeira data de terras ou sesmaria naquele local (novembro de 1766) e o recorte final foi escolhido por ser este o ano (1816) de expedição da última carta de sesmaria para Alagoa da Perdição. Dito com outras palavras, nosso principal problema foi avaliar as alterações ocorridas no espaço em estudo. Desta maneira, procuramos demonstrar que a colonização do sertão da Paraíba e sua reorganização espacial foi obra de colonizadores com a participação direta de vários grupos indígenas que tiveram importante papel nesse processo. Objetivamos destacar as mudanças ocorridas durante a colonização do sertão da Paraíba enfatizando os agentes presentes neste processo. Perceberemos neste trabalho que os contatos interculturais entre índios e colonizadores foram essenciais para promover o processo colonizador e permitir a reorganização do espaço. Palavras-chave: Paraíba (Século XVIII); Colonização; Organização do Espaço.

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ABSTRACT This work has as objective to analyze the colonizadora action in the hinterland of the Paraiba, the area today polarized by the current city of Princesa Isabel, from the process of occupation and functionality of this space, as well as the involved agents and the motivation that had stimulated this mobility, understanding thus the appropriation of the produced space. For this a bibliographical analysis is made to demonstrate as some paraibanos authors had very constructed to the history of the Paraiba following a model next and giving little emphasis to the settling process of the hinterland. The choice of the secular clipping of this work (1766-1816) corresponds to the concession of the first date of lands or would sesmaria in that place (November of 1766) and the final clipping was chosen by being this the year (1816) of expedition of the last letter of would sesmaria for Alagoa da Perdição. Said with other words, our main problem was to evaluate the occured alterations in the space in study. In this way, we look for to demonstrate that the settling of the hinterland of the Paraiba and its space reorganization were workmanship of colonizadores with the direct participation of some aboriginal groups that had had important paper in this process. We objectify to detach the occured changes during the settling of the hinterland of the Paraiba being emphasized the agents gifts in this process. We will perceive in this work that the intercultural contacts between indians and colonizadores had been essential to promote the process colonizador and to allow the reorganization of the space.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................10 1. CAPÍTULO I: Autores e análise sobre a colonização do sertão ...................19

1.1 Literatura Clássica sobre o tema....................................................................21 1.2 Datas e notas: a contribuição de Irineu Pinto ................................................22 1.3 A História inteligível: a obra de Horácio de Almeida ...................................24 1.4 Irenêu Joffily: uma preocupação geográfica .................................................27 1.5 Três autores, histórias semelhantes ...............................................................30

2. CAPÍTULO II: Sertão: índios e colonizadores..............................................33

2.1 Tapuia: no sertão já havia gente ....................................................................37 2.2 Terras para o gado: o leitmotiv da colonização .............................................54

3. CAPÍTULO III: Alagoa da Perdição: sesmarias e sesmeiros........................64

3.1 Perdição de Histórias e de lendas ..................................................................65 3.2 As Sesmarias .................................................................................................69 3.3 Lourenço de Brito Correia: primeiro sesmeiro de Alagoa da Perdição.........71 3.4 As Sesmarias confinantes ..............................................................................78 Considerações Finais: ..........................................................................................88

4. REFERÊNCIAS: ............................................................................................91

5.1.Documentação: .......................................................................................91 5.2.Bibliografia: ............................................................................................91

5. ANEXOS.........................................................................................................97

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 - Dança dos Tapuia ................................................................................... 48

Figura 02 - Homem Tapuia ....................................................................................... 48

Figura 03 - Mulher Tapuia ........................................................................................ 48

Mapa 01 - Tribos indígenas da Paraíba – Séculos XVII e XVIII.............................. 51

Mapa 02 - Primeiros caminhos da ocupação do sertão ............................................. 60

Fluxograma 01 – Burocracia sesmarial – Parahyba – 1766 ...................................... 74

Quadro 01 – Obras clássicas da Paraíba Colonial ..................................................... 20

Quadro 02 – Aldeamento Corema no Piancó ............................................................ 53

Quadro 03 – Levantamento das sesmarias confinantes ............................................. 80

ABREVIATURAS

AHEPB - Arquivo Histórico do Estado da Paraíba.

FUNESC - Fundação Espaço Cultural

IHGP - Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba.

MIHGP - Memorial do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.

SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.

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I N T R O D U Ç Ã O __________________________________________

O objeto primeiro de toda investigação geográfica é a Terra, pois é a perspectiva telúrica que especifica a análise geográfica (MORAES, 2000).

O espaço, dentre outras possibilidades, é um produto da interação entre indivíduos,

grupos ou culturas com o meio em que vivem e se realiza no tempo, estando em constante

construção. Este trabalho tem como objetivo analisar a ação colonizadora no sertão da

Paraíba, na área polarizada pelo atual município de Princesa Isabel, a partir do processo de

ocupação, arranjo e funcionalidade desse espaço, bem como os agentes envolvidos e a

motivação que impulsionava essa mobilidade, compreendendo assim a apropriação do espaço.

A área em estudo, no que diz respeito aos aspectos morfológicos, encontra-se

localizado sobre as serras que formam o conjunto denominado de Serra do Teixeira. Esse

conjunto de Serras compõe uma projeção individualizada e espacialmente reduzida de níveis

altimétricos que formam a superfície aplainada do Maciço da Borborema.

Essa formação situa-se entre 600 e 800m e se dispõe no sentido leste-oeste

(CARVALHO, 1985). Está localizada nas seguintes coordenadas geográficas: 7° 44’ 16’’ de

latitude sul e 37° 59’ 35’’ de longitude a oeste de Greenwich. Possui 600 metros de altitude

em relação ao nível do mar e limita-se ao Norte com os municípios de Curral Velho e Nova

Olinda (54 km); ao Sul com os municípios pernambucanos de Flores (6 km), Triunfo (3 km) e

de Quixaba (8 km); a Leste com Tavares (18 km) e a Oeste com São José de Princesa (6 km)

e Manaíra (20 km), todos localizados na Paraíba.

O município atualmente possui uma área de 395 km2, situado na porção sudeste da

Microrregião Serra do Teixeira, aproximadamente a 418 km de João Pessoa, capital do

Page 11: FRONTEIRAS PERDIÇÃO

11

Estado. A sua extensão ocupa uma área de aproximadamente 12,9% do total da superfície da

Microrregião Serra do Teixeira (PARAÍBA. 1985).

A escolha do recorte temporal deste trabalho (1766-1816) corresponde à concessão da

primeira data de terras ou sesmaria naquele local (novembro de 1766). O recorte final foi

selecionado por ter sido em 1816 que foi localizada a última doação de terras destinada para

àquela sesmaria, quando já se era denominada Alagoa da Perdição.

É sobre essas mudanças ocorridas no tempo e no espaço que versou essa pesquisa.

Fizemos um levantamento bibliográfico sobre o tema e, a partir desse, selecionamos as obras

mais representativas da historiografia paraibana, elas foram pesquisadas numa perspectiva de

releitura combinada com a análise de fontes primárias, o que possibilitou uma

problematização do objeto e uma nova abordagem sobre as alterações ocorridas no espaço em

estudo.

Também realizamos uma contextualização do processo de colonização do sertão da

Paraíba, sobretudo na área polarizada pelo atual município de Princesa Isabel, identificando

seus principais agentes: coroa portuguesa, colonizadores, índios. Entendemos que, para se

estudar esse processo, é necessário conhecer a organização social dos habitantes nativos.

A região designada de sertão, que depois viria a se chamar Piancó, antes da chegada

dos colonizadores, era habitada pelos índios da tribo dos Corema, mais genericamente,

chamados de Tapuia. Portanto, era um lugar que já estava habitado. Para uma melhor

compreensão da área em estudo vejam o mapa a seguir:

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Digitalização: Richarde Marques da Silva. Fonte: Adaptado de: IBGE, 200

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Embora hoje a palavra sertão nos remeta a inúmeros significados e apresente uma

grande capacidade de evocar situações, lugares, objetos e símbolos, para Rodrigues, “Sertão é,

primordialmente, uma noção polissêmica. Esta afirmativa remete à impossibilidade de ‘uma’

resposta absoluta no sentido de ‘uma’ realidade objetivada, substantivada e una que traduza a

gama de significados que ela comporta” (RODRIGUES, 2001, p.127). Além de a palavra

sertão ter vários sentidos, também possui uma diversidade de interpretações, leituras e

significados que o torna diverso. No tempo histórico toma várias conotações, expressando

através dos localismos e regionalismos a relação da sociedade com a natureza na busca de

uma identidade.

As principais fontes primárias utilizadas foram as cartas de doações de sesmarias,

pesquisadas no Arquivo Público do Estado da Paraíba. Esta parte da pesquisa ficou

prejudicada pela má conservação do acervo de documentos históricos no arquivo do Estado.

A maioria encontram-se armazenados em local que não apresenta condições satisfatórias para

tal fim1. Apesar das dificuldades de consulta, eles permitiram identificar o processo de doação

de sesmarias e a conformação inicial do território.

Com o pressuposto de que, quando os primeiros colonizadores chegaram, já havia

habitantes naquela região, discutiremos os contatos e os conflitos com os primeiros moradores

europeus que vinham para desenvolver a criação de gado, o principal móvel dessa corrida

colonizadora.

Esses conflitos reduziram a população indígena no interior da Paraíba e o tempo fez

com que fossem pouco lembrados por seus descendentes. Isso se reflete em muitas das

histórias dos municípios, em que sequer sua presença é mencionada.

Foucault lembra que:

1 Associado a isso o ambiente também não oferece condições para que o pesquisador desenvolva suas funções com a qualidade esperada, pois, apesar de possuir sistema de refrigeração, o mesmo nem sempre funciona e os horários muitas vezes são incompatíveis, abrindo muitas vezes apenas pela manhã.

Page 14: FRONTEIRAS PERDIÇÃO

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A utilização de termos espaciais tem um quê de anti-história para todos que confundem a história com as velhas formas da evolução, da continuidade viva, do desenvolvimento orgânico, do progresso da consciência ou do projeto da existência. Se alguém falasse em termos de espaço, é porque era contra o tempo. É porque ‘negava a história’, como diziam os tolos, é porque era ‘tecnocrata’. Eles não compreendem que, na demarcação das implantações, das delimitações de domínios, o que se fazia aflorar eram processos [...] (FOUCAULT, 1982, p. 159).

Assim, os processos de organização do espaço, segundo Santos (1985), não podem ser

compreendidos separando-se termos tão próximos e interligados como tempo e espaço. A

natureza interdisciplinar deste trabalho permite construir um tipo de conhecimento mais

completo e complexo.

Para ele, a importância da dimensão histórica no âmbito da geografia é constatada

quando se concebe que “A noção de espaço é inseparável da idéia de sistema de tempo”

(SANTOS, 1985, p. 22). Afirma ainda que, a essência do espaço é social, pois é nele que

ocorrem as relações entre os indivíduos.

Apesar de entender o espaço como uma totalidade, o autor propõe, como recurso

metodológico, que em alguns casos não seja dividido para melhor análise. Por estes

“elementos do espaço2” mudarem seu papel no sistema espacial a cada momento histórico,

reforça a importância da dimensão temporal na análise do mesmo.

Já Moraes (2002) conclui que, nos países de formação colonial, a dimensão espacial

adquire particular destaque no esclarecimento dos processos sociais e da vida política em

especial. “Neles, a geografia emerge como determinação básica, reveladora de motivações e

como instância explicativa de estruturas e práticas históricas” (MORAES, 2002, p. 175).

Para reforçar a importância de se trabalhar conjuntamente as idéias de espaço e tempo,

de geografia e história ele afirma:

2 Os elementos do espaço são os homens, as firmas, as instituições, o meio ecológico e a infra-estrutura.

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15

A Terra e seus habitantes mantêm-se na mais estreita reciprocidade, não podendo um ser apresentado em todos os seus aspectos sem o outro. Assim, pois, a Geografia e a História devem sempre andar juntas. A Terra tem influência sobre os habitantes e estes últimos sobre a Terra (MORAES, 1989, p. 181).

Ou seja, um tem influência sobre o outro, ficando impossível ao pesquisado

desenvolver um trabalho satisfatório caso queira abordar apenas um aspecto, desprezando a

uma visão mais ampla que permita perceber o todo e não apenas o espaço ou o tempo.

Em “Espaço e Método” (1985), Santos permite perceber que se pode trabalhar com um

período mais longo, tendo em vista que “a noção de espaço é assim inseparável da idéia de

tempo. A cada momento da história local, regional, nacional ou mundial, a ação das diversas

variáveis depende das condições do correspondente sistema temporal”.

Dessa maneira, “a formação de um espaço supõe uma acumulação de ações

localizadas em diferentes momentos”. Isso permite que se trabalhe em determinado espaço,

no nosso caso, Princesa, possibilitando perceber como, em diferentes períodos históricos, o

espaço foi percebido de maneiras diferentes e quais marcas permaneceram no espaço

(rugosidades), além de verificar os agentes produtores do espaço nesses diferentes períodos.

Nesse sentido, entende-se que a geografia e a história não devem ser separadas na

análise de uma dada realidade, sobretudo no caso do meu objeto de estudo, em que

utilizaremos tanto conceitos da história quanto da geografia para a análise das modificações

ocorridas no espaço.

Nesse trabalho diferentes conceitos foram utilizados. A referência maior é o de espaço

produzido. Durante o período de colonização, foi possível perceber como se deu a apropriação

do espaço no sertão paraibano. Ou seja, como os homens, europeus e índios, alteraram o

espaço por meio da ocupação das terras, formando a partir delas, aldeias, povoados, vilas e

cidades.

Page 16: FRONTEIRAS PERDIÇÃO

16

Segundo Claval (2001) o conceito de espaço produzido foi criado por Henry Lefebvre,

no instante em que rompeu com a idéia de que o mundo vivido pelos homens é produto de

forças que se impõem a eles, como a natureza, a distância e a infra-estrutura. Para ele:

Henry Lefebvre rompe simultaneamente com a ortodoxia marxista e com os pressupostos compartilhados pelas perspectivas naturalista e funcionalista, concedendo uma função essencial às instâncias conceptuais: é pelo fato das camadas populares recusarem as condições que lhe são impostas, aspirarem a outras maneiras de viver e lutarem para consegui-los que a realidade acaba se transformando (CLAVAL, 2002, p. 24).

Com isto, Lefebvre introduz o conceito de espaço produzido. No Brasil, este foi

apropriado e desenvolvido por Milton Santos, que faz dele um dos pilares da sua proposta de

geografia crítica.

Partindo do entendimento da geografia humana como ciência social que tem como

finalidade:

O processo universal de apropriação do espaço natural e de construção de um espaço social pelas diferentes sociedades ao longo da história. Defende-se que tal processo é passível de ser identificado num corte ontológico do real, isto é, manifesta-se na realidade com determinações específicas ímpares, atuando como elemento particularizador, em si uma mediação na análise dos fenômenos históricos. Sendo este processo o resultado exclusivo do trabalho humano, e apreendendo o trabalho como ato teleológico de incorporação e criação de valor, acata-se que a formulação categorial mais precisa e genérica para expressá-la deva ser a da valorização do espaço (MORAES, 2002, p. 51).

Essa compreensão da geografia ajuda a entender nosso objeto de estudo como fazendo

parte da ação em que toda sociedade para se reproduzir cria formas, mais ou menos duráveis

sobre a terra e isso o inclui no processo universal, essa vivência social do espaço cria

rugosidades que duram mais que os estímulos que lhe deram origem.

Outro processo que foi percebido nessa pesquisa foi a apropriação do espaço

produzido, “que implica a constante revivificação das formas herdadas, atribuindo-lhes uma

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17

funcionalidade em face da organização social vigente” (MORAES, 2002, p. 54). Os processos

de produção e apropriação do espaço permitem apreender como se deu a relação dos grupos

sociais com o espaço na área em estudo.

Moraes (2002) afirma que a valorização do espaço pode ser apreendida como processo

historicamente identificado de formação de um território, na qual,

Este envolve a relação de uma sociedade específica com um espaço localizado, num intercâmbio contínuo que humaniza essa localidade, materializando as formas de sociabilidade reinante numa paisagem e numa estrutura territorial (MORAES, 2002, p. 57).

Tal arcabouço teórico norteou a elaboração deste trabalho, que foi dividido em quatro

capítulos. No primeiro capítulo, de forma breve, demonstramos a partir de três autores, Irineu

Pinto, Horácio de Almeida e Irenêu Joffily como a historiografia paraibana trabalhou o tema.

No segundo capítulo, após descrever o espaço em estudo, apresentamos os índios

como Agentes produtores do espaço, e não como elementos da natureza como diziam os

cronistas. Demonstramos como eles se utilizaram e modificaram o espaço para atender às suas

necessidades. Para isso utilizo uma bibliografia de geógrafos e historiadores que trataram do

tema. Enfocando o intercâmbio cultural e como os hábitos de ambos, índios e colonizadores,

modificaram a natureza.

Para que compreendamos como se deu esse intercâmbio cultural, se faz necessário

entender que a cultura é um processo acumulativo, e resulta das experiências de gerações

anteriores. Elas tanto pode incitar como restringir a ação criativa das pessoas. “Ruth Benedict

escreveu em seu livro O crisântemo e a espada3 que a cultura é como uma lente através da

qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto,

têm visões desencontradas das coisas” (LARAIA, 2003, p. 67).

3 Benedict, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva, 1972.

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18

Assim, a carga cultural que possui o índio ou o europeu fazia com que suas visões

acerca do mesmo espaço fossem conflitantes. Dessa forma, o que para o colonizador era um

amontoado de árvores, bichos e inúmeras possibilidades de torná-lo rico, para os índios, ali

não se encontrava um mundo amorfo, mas sim com formas definidas. Ali era seu lar e que

guardava sua história.

No terceiro capítulo, enfocamos o processo de colonização e o sistema sesmarial. Os

agentes produtores do espaço e os interesses que os movia foram ressaltados. Foram eles:

sertanistas, representantes da Coroa Portuguesa, os sesmeiros e a Igreja Católica. O

crescimento populacional e a organização administrativa e política do espaço, passando este a

ter uma nova conformação.

Page 19: FRONTEIRAS PERDIÇÃO

19

C A P Í T U L O I _______________________________________________

AUTORES E ANÁLISES SOBRE A COLONIZAÇÃO DO SERTÃO

A literatura que trata da colonização do sertão da Paraíba possui importantes trabalhos

que apresentam, em termos gerais, a forma como ocorreu esse processo. Tais obras, por serem

abrangentes, excluem as especificidades de cada lugar, diferenças geográficas, culturais e até

mesmo sociais, que caracterizam a colonização do sertão, mas aparecem diluídas na

generalidade destes trabalhos.

Estas lacunas certamente seriam preenchidas pelos trabalhos de história local, por

tratarem de um espaço reduzido, o que permitiria que visualizássemos melhor estas

diferenças. No entanto, esses trabalhos realizados, muitas vezes, por historiadores diletantes,

não possuem preocupação científica.

Escrevem, geralmente, baseando-se na tradição oral, que, apesar de ser uma rica fonte

histórica, é permeada por mitos, lendas e silêncios, não permitindo ao leitor de hoje

vislumbrar, de forma adequada, o processo histórico da colonização. A história de Princesa é

exemplo disso.

As referências encontradas sobre a colonização deste município e que são recorrentes

na historiografia, dizem que:

O que delineou, o que marcou a posse efetiva da terra, foi sem dúvida a instalação da primeira fazenda de criação de gado, localizada as margens da lagoa da Perdição, de propriedade de Dona Nathália do Espírito Santo, (segundo depoimentos de antigos moradores do município, Dona Nathália era natural de Pesqueira-PE), que demarcou no início do século XVIII, ”uma data de terra”, cujos limites eram conhecidos pelos habitantes mais antigos (MARIANO, P., 1991. p.10).

Page 20: FRONTEIRAS PERDIÇÃO

20

É dessa maneira que a colonização do espaço territorial do município é repassada.

Desde as primeiras obras de história da Paraíba, que trazem capítulos dedicados aos

municípios. Um exemplo que pode ser citado é o livro de Celso Mariz, “Através do Sertão”,

datado da primeira década do século XX. Ele apresenta esta mesma versão e passa a palavra

“ao intelligente e criterioso missivista Sr. Liberalino de Almeida, moço academico ali

residente e bastante conhecedor do assumpto” e que contribuiu, enviando-lhe esta história

(MARIZ, 1910, p. 83).

Temos por finalidade rever este processo a partir de um ponto de vista acadêmico e

contribuir para o resgate dessas histórias que estavam perdidas no tempo e nos arquivos. O

material levantado permitiu a identificação de novos nomes para a história de Princesa,

pessoas que nunca foram citadas na literatura, que eram desconhecidas na história local.

Esta pesquisa também permitiu que visualizássemos a conformação inicial das

sesmarias distribuídas na região, deixando-nos perceber como se deu o processo de divisão

das terras que viriam a formar o atual município de Princesa e municípios vizinhos, visto a

grande extensão das sesmarias.1

Baseando-se em Silva (2001), mas sem a pretensão de um estudo geral, temos por

objetivo maior demonstrar como algumas das principais obras clássicas de síntese histórica

apresentam o período em foco, e também, a forma de tratamento dada pelos autores ao tema

em estudo. Para tanto, escolhi os autores que, juntos, formaram a pedra fundamental da

História da Paraíba, a partir dos quais a “história oficial” tem seus alicerces, que se perpetuam

nas obras que vieram em seguida.

Estes clássicos têm importância não só pelo seu caráter histórico, mas, especialmente,

pelo levantamento e preservação de informações que certamente se apagariam com o passar

do tempo.

1 O terceiro capítulo apresenta uma discussão trata exclusivamente das sesmarias.

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21

1.1 Literatura Clássica sobre o tema

Elaboramos o seguinte levantamento para apresentar uma visão geral dos autores,

considerados clássicos pela historiografia paraibana, que tratam da Paraíba colonial. Algumas

obras foram selecionadas para analisar a forma como seus autores elaboraram suas visões

sobre a ocupação territorial da Paraíba.

Quadro 01 – Obras Clássicas da Paraíba Colonial

DATA AUTOR OBRA Nº pág. 1892 JOFFILY, Irenêo Notas sobre a Parahyba 259 1908 PINTO, Irineu Ferreira Datas e Notas para a História da

Parahyba – Vol I 355

1916 PINTO, Irineu Ferreira Datas e Notas para a História da Parahyba – Vol II

310

1909 TAVARES, João de Lyra A Parahyba 1910 TAVARES, João de Lyra Apontamentos para a História

Territorial da Parahyba – Vol I 771

1911 TAVARES, João de Lyra Apontamentos para a História Territorial da Parahyba – Vol II

577

1912 MACHADO, Maximiano Lopes

História da Província da Parahyba 525

1922 MARIZ, Celso Apanhados Históricos da Parahyba 331 1939 MARIZ, Celso Evolução Econômica da Paraíba 217 1966 LEAL, José Itinerário Histórico da Paraíba 265 1966 ALMEIDA, Horácio de Historia da Paraíba – Vol. I 320 1978 ALMEIDA, Horácio de Historia da Paraíba – Vol. I e II 320 e 276

O processo de colonização do sertão paraibano, sobretudo na região do Piancó,

aparece nestas obras de forma superficial. Tal característica é comum nesse gênero de

produção historiográfica, que não atenta para as especificidades de cada lugar. Como se o

processo de colonização do sertão tivesse ocorrido da mesma forma nas diferentes regiões e

épocas.

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22

Não podemos cobrar deles, entretanto, uma forma de escrever história que só surgiu

tempos depois, quando os historiadores passaram a voltar o foco para as especificidades, se

afastando das temáticas que só tratavam de fatos e nomes que consideravam grandes, ou

dignos de serem imortalizados.

De todas as obras-sínteses clássicas lidas, três, por serem mais representativas, foram

escolhidas para se ver o que a historiografia clássica tem a mostrar. Uma foi escrita na última

década do século XIX. Quanto às outras, uma é datada do início do século XX e a outra nos

chega em meados deste mesmo século.

Consideramos importante esta distância entre as datas, pois permite perceber a maneira como

o tema é visto em diferentes épocas. Seus autores também são de importância fundamental

para a elaboração da história oficial da Paraíba.

1.2 Datas e Notas: a contribuição de Irineu Pinto

Alguns destes documentos se achavam em tal estado de ruína [...] felizmente, porem, cheguei ainda a tempo de salvar da voragem das traças estas preciosidades históricas que talvez dez annos depois não existissem (PINTO, 1977, p. 7).

Irineu Ferreira Pinto foi um intelectual nascido na capital do Estado da Paraíba do

Norte em 7 de abril de 1881. Trabalhou na administração dos Correios e na Secretaria do

Estado, dedicado às pesquisas históricas e literárias. Foi igualmente um dos sócio-fundadores

do IHGP, no qual exerceu os cargos de secretário e bibliotecário.

Nos primeiros anos do IHGP, deu uma importante contribuição para sua produção

historiográfica, publicando diversos trabalhos. Fundou, também, o clube literário Benjamin

Constant, composto pela elite intelectual do Estado.

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23

Faleceu no dia 27 de março de 1918, deixando uma importante obra para a história

paraibana (IHGP, 1995, p.90). Considerado um dos ícones da historiografia da Paraíba e

De todos esses historiadores da época, o pai fundador, indubitavelmente, foi Irineu Ferreira Pinto [...] Não fora ele muita coisa estaria perdida para sempre, na implacável seletividade da memória (SILVEIRA. In: OLIVEIRA, MENEZES e LIMA, 2002, p.7).

Em seu livro “Datas e Notas para a História da Paraíba – Vol. I”, editado pela primeira

vez em 1908, Pinto faz um levantamento da documentação a respeito da história da Paraíba,

sem nenhuma preocupação analítica, listando os fatos cronologicamente. É uma seleção de

documentos feita para elaborar uma história a partir do que ele acreditava ter importância para

nela figurar. Este livro oferece uma quantidade volumosa de documentos, tornando-o uma

obra indispensável para o pesquisador de história da Paraíba.

Dentro do recorte da pesquisa referente à temática abordada, esta obra nos apresenta

importantes documentos de grande relevância que tratam da colonização do sertão da Paraíba,

da existência de fazendas de gado no Piancó em 1690, dos limites de sesmarias, criação de

aldeias e a descoberta de ouro na região. Pinto traz ainda relevantes dados referentes aos

índios que habitavam aquela região à época da colonização, e que ou foram mortos ou se

integraram à cultura dos europeus.

Um exemplo dessa assimilação cultural está em um documento em que um índio da

chamada nação Coremas, que empresta seus conhecimentos de como se embrenhar no sertão,

recebe patente de General. Isso nos mostra que, apesar da enorme violência do processo de

colonização, houve uma troca recíproca de culturas, que se mesclaram para moldar uma nova

com elementos de ambas (PINTO, 1977, pp. 84-117).

Percebe-se nestes documentos que nem sempre o colonizador era receptivo ao índio,

principalmente quando este não atendia aos seus interesses.

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Nos fins do ano passado e no correr deste, os índios tapuias Payacús e Goyacús, da tribu dos Icós que se estendiam desde o Valle do Catolé até as margens do Piranha, foram dizimados pela guerra encarniçada que lhes fizeram os mestres de campo dos Paulistas, residentes no Piancó e Assú (PINTO, 1977, p.88).

Documentos como estes demonstram a agressão aos povos indígenas e permitem

perceber a sua existência e atuação. Vários outros reforçam esta afirmação, ao considerarem

que os colonizadores queriam terras e estando estas ocupadas pelos índios que não se

submetiam, acabava ocorrendo conflitos. Alguns documentos apontam a reação indígena,

atacando aldeias, combatendo os invasores de suas terras e, por isso, presos e castigados.

Quase sempre mortos.

Embora este autor não busque ir além da informação que o documento traz, a sua obra

não tem seu valor diminuído. Além de ser o passo inicial, que deu o primeiro molde à História

da Paraíba, foi também a salvação para uma série de documentos que, sem ele, estariam

esquecidos, perdidos para a história.

1.3 A História Inteligível: a obra de Horácio de Almeida

Algumas janelas novas foram abertas sobre o passado da Paraíba, por modo a suscitar renovadas pesquisas. Está neste caso a penetração para o interior. Outros capítulos despertarão por igual a perspicácia dos estudiosos (ALMEIDA, 1978, vol. I, p. 9).

O segundo autor analisado é Horácio de Almeida. Natural de Areia, cidade do brejo

paraibano, nasceu em 21 de outubro de 1896. No ano de 1936, ingressou no IHGP.

Convocado por Coriolano de Medeiros, com mais outros nove, fundou em 1941 a Academia

Paraibana de Letras.

Almeida teve intensa atividade intelectual na Paraíba. No Rio de janeiro, onde morou até os

86 anos, quando veio a falecer, deixou fama de “muito polêmico [...] um crítico muito severo,

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25

vigoroso e, até certo ponto, sarcástico”.2 Deixou uma grande produção bibliográfica na qual

trata de diferentes temas: históricos, jurídicos, dicionários, entre outros (ARRUDA, 2003, p.

192).

O livro de Almeida aqui analisado é “História da Paraíba – Vols. I e II”, publicado em

1978, sendo que a primeira edição do volume I foi de 1966. Esta obra é fundamental para a

historiografia paraibana, pois foi a primeira a atingir o grande público, sobretudo, pelo estilo

da escrita, bastante didático. Ele tem a preocupação de escrever com uma linguagem acessível

e clara, como forma de garantir a aceitação das suas interpretações.

Por estar escrevendo na década de setenta do século XX, demonstra cuidados com

metodologia e crítica histórica, o que não era comum nos autores que o antecedem na

historiografia paraibana. Diferente de Pinto, Almeida não apenas traz a informação, mas

também faz comentários e cita as fontes de sua pesquisa. Este livro, pela qualidade e pela

quantidade de dados informativos, tornou-se referência obrigatória para quem estuda a

história da Paraíba.

Almeida, no final do volume I, nos oferece importantes informações acerca dos povos

indígenas que habitavam o interior da Paraíba, que seriam divisões (subgrupos) dos Cariris,

um ramo da nação Tapuia. 3

Os que habitavam na Paraíba dominavam o planalto da Borborema, na bacia superior do Paraíba, acima de Taperoá, tinham o nome de Sucurus. No médio Paraíba ficavam os Bultrins, que foram aldeados em Campina Grande. Os Ariús, os Pegas, os Panatis e os Coremas ocupavam o sertão de além Borborema, com penetração pelo Rio Grande do Norte e parte do Ceará (ALMEIDA, 1978, vol. I, p. 263, grifo nosso).

Além desta localização geográfica das tribos indígenas, Almeida ainda faz

comentários acerca do que cronistas como Elias Herckmans4 escreveram sobre os cariris.

2 Jornal A União, 07 jun. 1983. 3 Este assunto será trabalhado no próximo capítulo.

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26

Relata, inclusive, importantes informações sobre a vida destas tribos, seus hábitos sociais,

religiosos e culturais. Traz também conhecimento sobre a herança indígena que os

colonizadores absorveram: o consumo da mandioca, o uso da rede para dormir, os benefícios

terapêuticos das plantas medicinais e vários outros hábitos que os índios nos legaram.

No volume II da mesma obra, Almeida aprofunda a temática indígena e relata todo o

processo que seguiu à expulsão dos holandeses e restauração da Paraíba. Ficou marcada a

partir de então pela intensa penetração da pecuária para o interior, pois a criação de gado tinha

que se desenvolver distante das plantações de cana-de-açúcar. Segundo Almeida,

Ao contrário do que se deu no litoral, a penetração para o interior da Paraíba correu pacífica, sem luta com os naturais da terra. A luta veio depois, suscitada pelos brancos, que não modificaram jamais os seus métodos de colonização (ALMEIDA, 1978, vol. II, p. 19).

Diferente dessa afirmação, a penetração para o interior nunca foi pacífica. Desde seu

primeiro momento houve diversos confrontos entre índios e colonos, motivados pela posse de

terras e captura de índios para o cativeiro.

Foram estas disputas, presentes desde o início, que ele chamou de “fase mais

interessante da história”, na qual homens ávidos por terras faziam de tudo para consegui-las.

Muitas vezes, matavam e poucas vezes morriam.

É nessa corrida pela terra que Almeida apresenta, com riqueza de detalhes, disputas

entre colonos e índios e entre colonos e colonos para criar sesmarias. Neste processo,

percebem-se os caminhos traçados pelos colonizadores para dominarem os povos indígenas,

seus primeiros ocupantes, e abrirem espaço para a criação de gado e a lavoura. Seguindo a

trajetória de Antônio de Oliveira Ledo, um foreiros da Casa da Torre, e outros, se vê como foi

sangrenta a colonização do sertão.

4 Elias Herckmans foi Governador da Capitania da Paraíba sob o domínio holandês, no período de 1636 a 1639 e neste último ano, escreveu a “Descrição Geral da Capitania da Paraíba”, que traz informações a respeito dos índios que habitavam o interior da Capitania, no capítulo intitulado: Breve descrição dos costumes dos tapuias.

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Nessa obra, podemos ver a revolta indígena conhecida por “Guerra dos Bárbaros”, que

reuniu diversos grupos indígenas contra o inimigo comum: o invasor branco, que é como se

refere Almeida aos europeus. E o subseqüente processo que quase provocou o extermínio

desses povos que resistiam ao domínio externo.

Em paralelo, temos informações a respeito da fundação de diversas vilas e arraiais

nascidos, muitas vezes, onde antes eram aldeias indígenas. Vilas como Alhandra, Monte-mor

da Preguiça e Nossa Senhora da Conceição de Campina Grande.

Embora Almeida dê uma roupagem nova, a sua versão apresenta os mesmos nomes e

fatos que os demais autores escolheram para compor a história da Paraíba. Ainda que muitas

vezes, ele os critique e traga informações pitorescas, a história que elabora possui a mesma

estrutura das demais, com os mesmos “heróis” e as mesmas datas.

1.4 Irenêu Joffily: uma preocupação geográfica

A finalidade da obra era somente escrever uma memória, ou antes, dar uma breve notícia da Parahyba do Norte; informando sobre o seu estado atual e suas origens, terreno este nunca investigado por nenhum escritor, penetrando quase as escuras, orientado apenas por referências resultantes de alguns documentos que coligiu e que ainda assim, só pode recorrer de memória (JOFFILY, 1977, p. 106).

O terceiro e último autor escolhido nasceu na freguesia de Campina Grande, onde hoje

é o atual Município de Esperança, em 15 de dezembro de 1843. No ano de 1856, ele foi

estudar em Cajazeiras, tendo como mestre o padre Rolim, de quem foi discípulo e recebeu sua

formação literária.

Em Recife, ingressou na Faculdade de Direito e tornou-se Bacharel em 1866. De volta

à Paraíba, ocupou os cargos de Promotor Público nas Comarcas de São João do Cariry e de

Campina Grande, onde foi nomeado Juiz Municipal em 1868.

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Fundou a Gazeta do Sertão, periódico que criticava o governo da Paraíba e que, por

esse motivo, acabou sendo fechada. Isso fez com que ele fosse morar no Rio de Janeiro,

tornando-se revisor do Jornal do Commercio, onde publicou suas “Notas Sobre a Parahyba”

em forma de folhetos, só vindo a ser lançado como livro em 1892.

Em Campina Grande no dia 7 de fevereiro de 1902. Irenêo Joffily morreu aos 59 anos

de idade. Foi um dos idealizadores do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano - IHGP

(1905), mas não participou de sua fundação, que ocorreu três anos após a sua morte. Ele

também foi sócio correspondente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de

Pernambuco (1862) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838).

Empenhado em desvendar os aspectos físicos da Província, o autor discordava da

configuração geográfica que encontrara. Assim, deu início a uma investigação a partir das

fronteiras com Pernambuco, sempre de Leste a Oeste. Joffily visitou diversos acidentes

geográficos que dividiam o rio Paraíba do Capibaribe, Moxotó e Pajeú com o intuito de

redefinir o mapa da Paraíba.

Ajudado por moradores locais, percorreu vários pontos da Província e pôde assim

defini-la como semelhante a uma viola, e não com a forma retangular como era até então

conhecida. Através desse contato direto percebeu, aspectos nunca antes observados sobre as

deficiências e potencialidades da Paraíba.

Além da configuração geográfica, Joffily analisou a divisão Jurídica, Administrativa e Eclesiástica da Paraíba no período de implantação da República, constatando a existência de 29 Comarcas, 42 Municípios e 42 Paróquias, sendo que existiam 16 Comarcas com 1 Município e 13 Comarcas com 2. Dessa forma, o autor pôde perceber que a divisão Judiciária como estava definida, não poderia existir, devido aos poucos recursos públicos da Província, pois dificultava a aplicação da lei. As incursões que o autor fez pela Província, possibilitaram um conhecimento que, segundo ele, o credenciou a descrever tanto as questões político-sociais quanto a dinâmica do comércio e da agricultura da Paraíba, na segunda metade do século XIX (FERNANDES, O., 2003, p.141).

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29

Nesse ponto, o autor desenvolveu uma preocupação diferente dos demais autores, que

na grande parte de suas obras mantém uma intensa preocupação em transmitir a sua verdade

dos fatos e garantir a credibilidade de suas idéias. Joffily, embora busque credibilidade,

mantém uma preocupação maior em descobrir as falhas nos limites territoriais da Paraíba, do

que em apontar heróis para sua história.

Essas viagens permitiram perceber os principais aspectos da agricultura e comércio.

Deixando-o convicto de que a melhor solução para diminuir as mazelas que devastavam o

sertão seria a canalização das águas do rio São Francisco e o aumento no número de açudes,

beneficiando a agricultura.

Nesses ingressos pelo interior da Província, Joffily percebeu males que iam além dos

naturais:

A Parahyba do Norte é, como algumas Províncias do Brasil, sem importância e esquecida de todos, principalmente do Governo. Sujeita a Pernambuco, assim no comércio como Eclesiástica e Juridicamente, compuge-nos vê-la feita quase que uma colônia desta Província. Queremos tratar de seu comércio, lembrando a vantagem de torna-la independente e florescente, de sua agricultura, dos recursos minerais de seus terrenos, de sua autonomia Eclesiástica e Judiciária, e, enfim, de tudo o que lhe possa interessar. Tal e, pois, o motivo principal para que convergem todos os nossos esforços. A nossa política é, especialmente, o bem da Paraíba. Não somos bairristas, mas se apesar de nossa declaração alguém enxergar bairrismo no que escrevemos, seremos bairristas (JOFFILY, 1977, p. 18).

A constatação da dependência da Paraíba em relação a Pernambuco ficou evidente

para Joffily quando este percorreu os sertões da Província em fins do século XIX. A partir daí

percebeu que a maioria das mercadorias paraibanas escoavam para a Província vizinha em

nosso prejuízo.

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30

1.4 Três autores, histórias semelhantes

Os três autores analisados possuem claras diferenças no estilo de escrever. Isso é

motivado pela metodologia utilizada e pelo contexto a partir do qual cada autor escreveu sua

história.

Entre uma publicação e outra, vários anos as separam, e isso faz com que cada

construção historiográfica responda ao lugar social, às fontes documentais e bibliográficas e

aos rumos da historiografia de cada momento (CERTEAU, 1976). Tudo isso interfere na

forma de escrever e na concepção de história que o autor possui, transparecendo na sua obra

essas influências.

A historiografia paraibana produzida sobre o século XIX foi elaborada numa perspectiva basicamente política, feita nos moldes de uma história dita tradicional, baseada em datas, em grandes feitos e homens, deixando um vazio quando se tenta compreender, de forma mais específica, a integração da Paraíba no processo de descolonização e formação do Estado nacional em suas especificidades regionais e locais. Essa historiografia, na maioria das vezes, ignora a sociedade global, a comparação e a análise. Segundo Julliard5, quando não se utiliza uma dessas perspectivas de análise, a história política deixa de criar uma problemática em torno dos temas que se propõe a estudar, não mantendo, também, um diálogo com outras especialidades da história e ciências afins (SÁ e MARIANO, 2003, p. 13).

A análise desses autores nos faz chegar a conclusões interessantes, pois, mesmo com

estilos diferentes, percebemos que Irineu Pinto produziu uma obra descritiva, através de uma

enorme quantidade de documentos. Esta obra, mesmo parecendo superada, tendo em vista as

novas metodologias de pesquisa, possui um grande valor documental para compreender a

formação da Paraíba sobre o que, indubitavelmente, ainda há muito que fazer.

5 JULLIARD, 1995.

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31

Almeida foi além da exposição descritiva de dados. Fez constantes críticas aos

documentos e às leituras que outros autores fizeram destes, usando a crítica e a metodologia

para se aproximar da “verdade” histórica. Apresentou, contudo, a estrutura das histórias que

elaborou semelhantes as dos outros autores. Eles mostraram a história pelo lado dos

vencedores, privilegiando datas e exaltando nomes, compondo com isso uma história

protagonizada por heróis.

Mesmo Almeida, que inovou trazendo informações sobre os diversos grupos

indígenas, hábitos e costumes dos colonizadores, ainda possui certa carga de preconceito,

exemplificada neste trecho:

No entender de Batista Caetano (em carta dirigida a Ramiz Galvão e publicada a título de introdução na Arte da Gramática da Língua Brasílica da Nação Kiriri, do padre Mamiani, em 1877), o atraso nos costumes e hábitos dos cariris explica-se pela circunstância das condições geográficas, como já pensava Humboldt, que também os estudou. O argumento merece toda consideração, pois ainda hoje, entre o homem que nunca saiu do pé de serra e o da cidade marítima é bem sensível a diferença de estrutura moral, intelectual e até mesmo lingüística (ALMEIDA, 1978, VOL I, p. 264).

Afirmações como essas, além de reforçar a idéia de “determinismo geográfico”, em

que o ambiente tem influência fundamental sobre o homem, deixam transparecer certo

convencionalismo a respeito dos povos indígenas. Podemos identificar, assim, nos relatos dos

primeiros cronistas, que eles viam estes povos, principalmente os do sertão, como uma raça

inferior, incapaz de absorver a cultura européia, tida como mais elevada.

Apesar de, não se detendo apenas aos documentos, ter inovado, trazendo a experiência

de diversos trabalhos de campo e percebendo novas nuances nos problemas que assolam a

Paraíba, Joffily acabou não diferindo dos demais autores. Participou da luta na construção de

uma história paraibana dissociada da de Pernambuco.

Page 32: FRONTEIRAS PERDIÇÃO

32

Seguiu, dessa forma, os passos em direção à formação da paraibanidade, pois

construiu uma narrativa em que o paraibano é possuidor de bravura e princípios pacíficos na

construção da sua própria história.

Por serem obras-síntese da história da Paraíba, nas três obras citadas o tema do

processo de colonização do sertão é visto nas suas generalidades, seja quando se trata de

colonos, dos índios ou da interação das duas culturas.

As demais obras clássicas que antecederam ou que sucederam a estes autores, não

diferem muito na forma como a matéria é abordada. Isso se dá, não só por estes autores

possuírem dados em comum nas suas biografias: estudando nas mesmas escolas, ocupado

cargos públicos e jornalísticos, mas, sobretudo, por serem idealizadores ou fazerem parte do

IHGP, fundado em 1905, com a preocupação de preservar e difundir a história da Paraíba.

O escopo era o de elaborar “[...] um tipo específico de ser humano que se define por

ser paraibano” (DIAS, 1996, p.50). E que possui, nesta identidade construída, características

exclusivas como bravura, paz e resistência, que formam a paraibanidade.

Esses autores, na tentativa de construir uma história que explicasse a Paraíba como um

todo, mesmo quando a elaboram, não conseguiram produzir a história da formação dos

municípios de forma satisfatória.

Apenas a partir da década de oitenta do século XX, com a revalorização das histórias

locais, é que foram produzidas obras nesse sentido, mas que ainda estão restritas a poucos

lugares.

Tais obras clássicas embora não tragam informações aprofundadas sobre o tema em

estudo, permitem compreender, de forma simples, como se deu o processo de colonização do

interior da Paraíba. Baseados nesses clássicos e à luz de novas pesquisas veremos como se

deu a busca por novas terras e os conflitos daí gerados, que, aos poucos, foram delineando o

mapa da colonização do interior da Paraíba.

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33

C A P Í T U L O I I __________________________________________

SERTÃO: ÍNDIOS E COLONIZADORES

Não há sociedade sem espaço para lhe servir de suporte. A instituição da sociedade é, pois, sempre inseparável daquela do espaço. Ela toma formas variadas (CLAVAL, 2001, p.207).

Para conhecermos como se deu a colonização nas terras que antes eram habitadas

pelos índios da tribo Corema, e que posteriormente passou a chamar-se Alagoa da Perdição, é

preciso que antes tenhamos uma visão panorâmica da colonização do que é hoje o Nordeste. É

por isso que, neste capítulo, veremos como se deu tal processo, buscando perceber os

principais personagens que atuaram nessa ação. Para Moraes,

A colônia é um resultado da instalação lusitana nas novas terras, cujo desenvolvimento se dá com a incorporação constante de novos espaços, com a conquista e exploração de novos lugares. O território colonial é, portanto, um anexo no espaço imperial da metrópole [...] Foi a colonização lusitana que inventou e gerou o “Brasil”, na apropriação das terras “desconhecidas” dessa porção do Novo Mundo, na submissão das populações nativas defrontadas, na ocupação perene de certos lugares. Não há nenhum elemento de identidade (política, étnica, lingüística, ou natural) pré-colonial que agregue esta porção do planeta num conjunto unitário, que lhe dê alguma feição individualizadora ou identitária. Não existe um passado comum nem demarcações naturais que minimamente delimitem e articulem o espaço onde se constrói a colônia (MORAES, 2000, p.410).

É por não haver uma identidade única para o período colonial, se faz necessário

compreender como se deu a colonização no sertão da Paraíba e quais foram as especificidades

que o produziram.

A transformação do mundo natural em espaço humanizado, legitimada pelas

necessidades, requerimentos, desejos e esperanças das pessoas, pode ser vista tanto como um

projeto de emancipação coletiva como de realização do conforto na vida individual. Trata-se

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de um momento no qual o homem passa a se relacionar não mais com uma natureza pura, mas

sim, com uma natureza socializada e inserida no território.

O entendimento geográfico dos conteúdos deste período pode ser analisado a partir da

contribuição de Santos. Segundo este autor, a mudança da primeira para a segunda natureza

ocorre pelo uso das técnicas e ferramentas como extensão do corpo humano. Dessa forma, a

sociedade coloca sua marca sobre a natureza e partir desta transformação, o homem passa não

só a modificar a natureza, como também a ser produtor de espaço. De acordo com Santos:

Pela produção o homem modifica a Natureza Primeira, a natureza bruta, a natureza natural, socializando, dessa forma, aquilo que Teilhard de Chardim chama de 'ecossistema selvagem'. É por essa forma que o espaço criado como Natureza Segunda, natureza transformada, natureza social ou socializada. O ato de produzir é, ao mesmo tempo, o ato de produzir espaço (1978, p.163).

Além disto, torna-se difícil encontrar a natureza primeira, remanescente da natureza

bruta, natural. Fato mais perceptível na cidade e nas terras agrícolas onde a presença humana

se materializa mais intensamente, sendo mais difícil em áreas remotas. Essa dificuldade

esteve presente mesmo quando os europeus chegaram ao “Novo Mundo”. Acreditavam eles

que estavam chegando ao paraíso, um lugar tal qual Deus o fez, e que nenhum dos nativos

haviam interferido no que eles encontraram.

Não. Não era uma natureza bruta que eles viram. A paisagem que eles encontraram e

que atualmente muitos ainda acreditam no que foi relatado, era, no dizer de Santos, uma

natureza segunda. Os índios, embora de forma discreta aos olhos do europeu, há milhares de

anos já estavam adequando o espaço às suas necessidades, criando uma natureza socializada.

Eles também possuíam sua maneira de perceber este espaço, embora, aos olhos europeus,

natureza e índio fossem indissociáveis.

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Entendendo que a formação de um espaço supõe uma acumulação de ações localizadas

em diferentes momentos a partir da interação do homem com o meio, pode-se afirmar que a

construção do espaço em estudo começou bem antes da chegada dos colonizadores.

Ela começou quando os nativos alteraram a natureza para facilitar sua sobrevivência,

tornando-se, com esse ato, um agente produtor de espaço. Essas alterações causadas pelos

índios na paisagem podem ser percebidas na leitura dos cronistas que escreveram sobre eles.

Abreu, que bebeu na rica fonte dos cronistas, expõe a impressão que estes lhe passaram:

‘Mais pálida em colorido e fraca em força numérica é a fauna do sertão’ lembra Goeldi. Suntuoso uniforme de gala nos descampados não seria desejável nem proveitoso. Para os animais sertanejos é demais vantagem a sua roupa branco-amarelada e monótona que no meio do capim se conserva neutra entre a cor do solo e o colorido da macega torrada pelo sol. Se por um lado, no litoral, é aparelho útil a asa comprida, apropriada ao vôo persistente, e, por outro lado, o pé trepador, para o morador da mata, torna-se precioso dote para formas animais que vivem correndo pelo solo uma perna comprida e capaz de corresponder a fortes exigências. Aí estão para atestá-lo a seriema de alto coturno e a gigantesca ema. O próprio lobo brasileiro muniu-se, além de umas orelhas grandes, a modo de chacal do deserto, de longas pernas a feitio de galgo. Entre estes animais nem um pareceu próprio ao indígena para colaborar na evolução social, dando leite, fornecendo vestimenta ou auxiliando o transporte; apenas domesticou um ou outro, os mimbabas da língua geral, — em maioria aves, principalmente papagaios, só para recreio. De caça e principalmente de pesca era composta sua alimentação animal. Possuía agricultura incipiente, de mandioca, de milho, de várias frutas. Como eram-lhe desconhecidos os metais, o fogo, produzido pelo atrito, fazia quase todos os ofícios do ferro. A plantação e colheita, a cozinha, a louça, as bebidas fermentadas competiam às mulheres; encarregavam-se os homens das derrubadas, das pescarias, das caçadas e da guerra. As guerras ferviam contínuas; a cunhã prisioneira agregava-se à tribo vitoriosa, pois vigorava a idéia da nulidade da fêmea na procriação, exatamente com a da terra no processo vegetativo; os homens eram comidos em muitas tribos no meio de festas rituais. A antropofagia não despertava repugnância e parece ter sido muito vulgarizada: algumas tribos comiam os inimigos, outras os parentes e amigos, eis a diferença. Viviam em pequenas comunidades. Pouco trabalho dava fincar uns paus e estender folhas por cima, carregar algumas cabaças e panelas; por isso andavam em contínuas mudanças, já necessitadas pela escassez dos animais próprios à alimentação (ABREU, s/d, p.6).

Percebe-se com isso a interação dos índios com o meio em que viviam. Eles não

ficavam, como é de se imaginar, deitados em redes esperando que a natureza lhes desse tudo.

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Em vez disso, plantavam os alimentos de que necessitavam e modificavam vastas áreas

através do corte das árvores, preparo da terra, queimadas; caçavam alguns animais para

alimentar-se, bem como, domesticavam outros para distração.

Esses atos já demonstram a interação do índio com seu meio e o entendimento que

tinham do espaço que ocupavam. Como foi dito na epígrafe: “não há sociedade sem espaço”.

Veremos, então, como os índios aos poucos foram sendo absorvidos ou dizimados pelos

europeus.

Geralmente, na historiografia, quando há referência aos colonizadores que foram para

o interior do Brasil em busca de terras para se apropriarem, chamam-os de “descobridores”,

levando a crer que foram esses os primeiros a chegar às terras por eles apossadas.

De acordo com MARIANO, S. (em fase de elaboração) 1: “A palavra descobrimento

dá a impressão de que as terras situadas no sertão eram vazias. Passíveis, portanto, de serem

ocupadas. Foi com esse discurso que o governo português empreendeu a ocupação do interior

[...]” e ampliou os seus domínios.

Bem mais do que uma justificativa para efetuar a posse, para o europeu, a expressão

descobrimento era uma ocultação ideológica dos países colonizadores. Na sua concepção, o

índio fazia parte da natureza, o que os fazia entender que as terras do “Novo Mundo” estavam

desabitadas. Mas não era essa a realidade.

Quando os europeus cruzaram o Atlântico, chegaram a uma terra que possuía uma

gigantesca população de nativos, que se espalhavam por todo o seu território e “[...] dividiram

os indígenas em dois grandes grupos: os Tupi, que falavam a “língua geral”,2 e os Tapuia, que

falavam a “língua travada” (língua macro Jê), isto é, outros idiomas que eles não

compreendiam” (PIRES, 1990, p.25).

1 Texto sobre a colonização do Brasil de autoria de Serioja Mariano, a ser editado. 2 A expressão “língua geral” foi, inicialmente, utilizada por portugueses e espanhóis para qualificar línguas indígenas de grande difusão numa área e, posteriormente, sistematizada pelos padres jesuítas no século XVI, sendo falada até o séc. XIX pelos povos indígenas que habitavam o litoral. (Verbete Língua geral, elaborado por Ronaldo Vainfas. In: VAINFAS, 2000, p. 346-348).

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Ao contrário dos Tupi, que possuíam uma unidade lingüística, facilitando o contato

com os europeus, a diversidade de línguas faladas pelos Tapuia dificultava a comunicação e

prejudicava o contato.

A expressão “Tapuia”, utilizada pelos colonizadores, é uma designação criada pelos

índios de língua tupi-guarani para os povos indígenas que habitavam o sertão e cujas línguas

pertenciam a outro tronco lingüístico, e para os europeus passou a equivaler à palavra

“bárbaro”.

Infelizmente, as fontes que trazem informações sobre estes povos foram produzidas

por cronistas europeus que, em sua maioria, só tratavam dos Tupi, que habitavam toda a faixa

litorânea. Mais próximos, portanto, dos núcleos iniciais de povoamento europeu, facilitando o

contato e a observação.

Sobre os Tapuia, são poucas as informações registradas. O que se tem em mãos para

análise são observações feitas sob o foco “preconceituoso” do europeu do período colonial e

dos Tupi do litoral.

É necessário, antes de expor como se deu o processo de produção do espaço da

Paraíba pelos colonizadores, vermos algumas informações acerca destes indígenas que

habitavam o interior paraibano e como foi a sua relação com os colonos e até mesmo com a

natureza.

2.1 Tapuia: no sertão já havia gente

Um dia vivemos! O homem que é forte Não teme da morte; Só teme fugir; No arco que entesa Tem certa uma presa, Quer seja tapuia, Condor ou tapir. (DIAS, 1965, p. 419)

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Pertencentes, em grande parte, à família Jê ou a grupos isolados, pouco se sabe da

origem dessas nações do interior. Algumas eram provenientes do litoral e se deslocaram para

o sertão, pressionadas pelos europeus e outras tribos inimigas. Os Tapuia quase não

mantiveram contato com os portugueses. Por essa razão são precárias as informações sobre

esses grupos, sobretudo no período colonial.

Ao contrário dos Tupi, os Tapuia possuíam uma multiplicidade de línguas que

dificultavam ainda mais o contato. Isso contribuiu para que no século XIX, o romantismo

explorasse essa dicotomia, apresentando os Tupi como heróis e possuidores dos valores

civilizatórios, aparecendo como cristãos e falando o português.

Os Tapuia, porém, eram tidos como os mais bárbaros entre os bárbaros. Essa mesma

conotação também serviu para fazer referência ao sertão como o lugar da barbárie.

Referindo-se especificamente ao conceito de sertão no período colonial, Arruda (2000)

disse que foi parâmetro para representar espaços simbólicos dicotômicos.

A idéia de sertão apareceu em diversos discursos nomeando realidades geográficas distintas. Transformou-se em oposição ao termo civilização e foi utilizado como justificativa para numerosos projetos de (re) ocupação dos territórios interiores do país. Articulou-se com vários anseios de construção da identidade nacional, usada como recurso ordenador da memória da história de algumas cidades (ARRUDA, 2000, p.219).

Assim, no período colonial, a idéia de sertão foi uma maneira de indicar o

desconhecido, tido como um lugar inóspito, terra a desbravar, região habitada por selvagens

bárbaros.

No período da colonização da Capitania Real da Paraíba, o sertão representava

também toda uma área ainda não ocupada que equivalia, no século XVII, ao que se conhece

hoje por Cariri, Seridó, Brejo e Curimataú, além do próprio Sertão (GUEDES, 2006, p. 20).

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Sobre o conjunto de imagens e representações do sertão colonial, percebe-se, de modo geral, que a definição sintética deste espaço apenas como sinônimo de interior, em oposição ao litoral, está muito longe de atingir a complexidade e heterogeneidade de conotações criadas no período colonial em relação ao sertão. Assim, entre o sertão desconhecido e idealizado do século XVI e aquele espaço “sem lei” do século XVIII, existiu uma grande diversidade de conotações que variaram em função do tempo e das conjunturas [...] Vale destacar ainda, a contribuição dos índios Tupi na construção deste imaginário dos colonizadores em relação ao sertão, principalmente quando este era ainda pouco conhecido. Seja na criação dos mitos de “eldorados” ou no olhar Tupi sobre os índios do sertão, não podemos perder de vista o fato de que a cultura colonial em gestação era mestiça e a imagem barroca do sertão e seus habitantes também devia sê-lo. O sertão desta forma, era entendido como o lugar do outro que está à margem da sociedade. Neste sentido, era o lócus de quilombolas, bandeirantes e criminosos foragidos, além de ser a morada dos índios “Tapuia” (GUEDES, 2006, p. 32).

Compreende-se, com isso, que o sertão colonial é mais um registro simbólico do que

um espaço físico delimitável. Por possuir um valor simbólico culturalmente elaborado, e que

foi se modificando com o avanço da colonização, transformava-se em território na medida em

que as relações de poder estabeleciam-se sobre as bases físicas. Constituiu-se numa fonte

abundante de representações criadas pelo imaginário social da época e pelas relações sociais

que ocorreram ao longo do tempo.

Amado aponta o sertão como uma categoria espacial que se faz presente no cotidiano e

no pensamento do Brasil desde a época da chegada dos portugueses ou até mesmo antes disso.

Atualmente, “segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), designa

oficialmente uma das subáreas nordestinas, árida e pobre, situada a oeste das duas outras, a

saber: ‘agreste’ e ‘zona da mata’” (AMADO, 1995, p. 145). Para os nordestinos o sertão é tão

fecundo de significados, que sem ele a noção de nordeste se esvazia por falta de seu principal

referencial.

A autora vai além da categoria espacial e aponta o sertão como uma das categorias

mais recorrentes no pensamento social brasileiro, sobretudo na nossa historiografia, a partir

dos relatos dos cronistas e nos séculos que se seguem. Torna-se, a partir daí, imprescindível

nas construções historiográficas que tinham a nação brasileira como tema básico.

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Os historiadores reunidos em torno do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e identificados com a historiografia ali produzida, como Varnhagen, Capistrano de Abreu (1975 e 1988) e Oliveira Viana (1991), utilizaram e refinaram o conceito. Outros historiadores importantes do período, como Euclides da Cunha (1954) e Nelson Werneck Sodré (1941), em sua fase pré-marxista, e, posteriormente, Sergio Buarque de Holanda (1957 e 1986) e Cassiano Ricardo (1940), trabalharam, de diferentes formas, com a categoria “sertão” (AMADO, 1995, p. 146).

Depois de um longo período sendo bastante citado pelos historiadores, o sertão sai um

pouco de foco na década de cinqüenta, permanecendo bastante presente nos trabalhos dos

sociólogos e de alguns antropólogos, só reaparecendo na historiografia na década de 1990.

Assim, o sertão tornou-se uma categoria de entendimento do Brasil. No inicio na condição de

colônia de Portugal, e depois, no século XIX, como uma nação.

O sertão como categoria cultural foi muito presente na literatura brasileira. Tanto em

obras literárias eruditas como nas populares, especialmente oral e cordel. Nas obras eruditas,

principalmente na “literatura regionalista”, que tem o sertão como lócus ou faz referencia

direta a ele: “A literatura brasileira povoou os variados sertões que construiu com personagens

colossais, poderosos símbolos, narrativas míticas, marcando com eles forte, funda e

definitivamente, o imaginário brasileiro” (AMADO, 1995, p. 146).

O sertão é culturalmente onipresente. Encontra-se em todas as manifestações

artísticas: pintura, escultura, teatro, poesia. Finalmente, o sertão é uma das categorias que

mais se identificaram com a cultura brasileira. Conceito trazido pelos portugueses e absorvido

pelos colonos, categoria que foi construída durante todo o período colonial.

O que para alguns era sinônimo de interior, lugar distante, desconhecido, bárbaro, para

outros, colonos, escravos ou índios, estando degredados, perseguidos, fugidos e que por

alguma razão encontrou nessas distantes terras uma nova chance de viver, este sertão

“representava liberdade e esperança; liberdade em relação a uma sociedade que os oprimia,

esperança de uma nova vida, melhor, mais feliz” (AMADO, 1995, p. 150).

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Desde o princípio, portanto, o sertão apresentou essa duplicidade de sentido. De ser

bom ou de ser mal. Isso dependendo do ponto de vista de quem dele falava. Do lugar de onde

se falava, do referencial do observador.

As informações que virão a seguir, acerca dos povos indígenas e sua interação com os

primeiros colonos, são provenientes dos relatos dos cronistas. Assim sendo, escritas do ponto

de vista deles, carregando toda a carga de preconceitos, crenças e opiniões próprias do

período em que foram escritas.

Devemos destacar que os Tapuia não deixaram registros de sua versão da história.

Mesmo assim, estas crônicas são importantes, pois nos permite conhecer uma cultura que foi

bastante desestruturada no período colonial. Permite-nos, enfim, perceber o outro.

Muitas informações passadas pelos cronistas, por terem sido feitas em diversas

línguas, atribuem a tribos iguais, nomes diferentes, ou a uma tribo, o mesmo nome do seu

cacique. Muito destes registros têm confundido os pesquisadores.

Os povos indígenas (Tupi e Tapuia) que habitavam o Brasil, além de possuírem

diferenças culturais e lingüísticas, mantinham uma secular inimizade que os levava a

constantes guerras. Desta antipatia entre as tribos inimigas se aproveitaram os europeus,

pouco numerosos, para encontrarem aliados na difícil tarefa de conquistar as terras do Novo

Mundo. Percebemos essa intenção já nas primeiras crônicas do período que anunciam:

Não se pode numerar nem comprender a multidão de barbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra do Brasil; porque ninguém pode pelo sertão dentro caminhar seguro, nem passar por terra onde não acha povoações de indios armados contra todas as nações humanas, e assi como são muitos permitiu Deos que fossem contrarios huns dos outros, e que houvesse entrelles grandes odios e discordias, porque se assi não fosse os portuguezes não poderião viver na terra nem seria possivel conquistar tamanho poder de gente (GÂNDAVO, 1980, p.14, grifo nosso).

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Esta discórdia foi bem explorada, dando aos portugueses o número necessário de

aliados para permitir o sucesso do empreendimento colonial. Desta discórdia e da pouca

receptividade dos índios que não habitavam no litoral, nasceu a fama do sertão como sendo

um espaço hostil.

A relação entre sertão e índios “Tapuia” pode ser comprovada, inclusive, através dos mapas do período em questão, já que em muitos deles o vasto interior do Brasil não estava representado pelo termo sertão, mas sim pelo termo “Tapuia” ou mesmo nação dos “Tapuias”. Em outros casos, aparecem nos mapas representações iconográficas de índios bárbaros no interior, esses por sua vez só poderiam ser os “Tapuia” associados ao espaço-sertão e enxergados muitas vezes pelos colonizadores como uma humanidade irredutível (GUEDES, 2006, p. 27, ). 3

Uma importante descrição dos índios que habitavam o interior da Paraíba foi feita por

Herckmans. O autor apresenta as diferentes etnias e a sua localização na Capitania. Também

fala da mobilidade destes indígenas, salientando que não se fixavam em lugar algum e que se

regulavam pelas estações do ano para coletar os alimentos. Ainda acrescenta uma exposição

da aparência física destes índios:

Este povo de Tapuias é robusto e de grande estatura, os seus ossos são grossos e fortes, a cabeça grande e espessa, a sua cor natural é atrigueirada, o cabelo é preto, e de ordinário o trazem pendente sobre o pescoço, mas por diante até acima das orelhas cortam-no igualmente, o que faz parecer que trazem um boné sobre a cabeça [...] Puxam a pele sobre o membro viril, e o prendem com um atilho, de modo que fique todo metido no corpo (HERCKMANS, 1982, p.39).

Além disso, é feita referência ao hábito de andar nu, com exceção dos dias de festa ou

de guerra, e atribui a isso a dificuldade de distinguir quem entre eles é o rei ou superior. A

3 Quando nos mapas aparecem os termos “nações” ou “reinos” para denominar os grupos indígenas do sertão, (conforme os exemplos abaixo) significa reconhecer neles uma certa organização não apenas social, mas sobretudo do espaço, estando dessa maneira esta imagem muito longe daquela que entendia o sertão como espaço caótico e da incivilidade.

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única coisa que diferencia o rei é o seu corte de cabelo “como uma coroa” e pelas unhas dos

polegares compridas.

Herckmans também relata a prática do Endocanibalismo4, pois, para as tribos tapuias,

era uma demonstração de afeto o parente ou amigo guardar em seu corpo o cadáver do

companheiro. Vejamos

Se morre algum deles, seja homem ou mulher, em sendo morto, comem-no, dizendo que o finado não pode ser melhor guardado ou enterrado do que em seus corpos, e isto fazem do seguinte modo. Tomam o cadáver, lavam-no e esfregam-no bem, fazem um grande fogo sobre o chão, acima do qual põem o corpo e deixam-no assar bem. Logo que esteja bem assado, o comem com grande algazarra e lamúrias. Às vezes não o podem todo, então guardam o resto para ocasião oportuna, especialmente os ossos que, depois de queimados, pisados e reduzidos a pó misturam com a sua farinha e assim comem. Os amigos (parentes) mais próximos do morto, quer seja homem ou mulher, cortam o cabelo, em sinal de que deploram a morte de seus amigos. O berreiro e as lamentações dos amigos perduram somente até que o cadáver tenha sido comido (HERCKMANS, 1982, p.43).

Estas práticas foram, para os europeus, que a princípio achavam os índios “bons”, a

prova de que os nativos do Novo Mundo não eram homens iguais a eles. Isso os levou a

classificar a ingestão de carne humana como um sinal de barbarismo e a considerá-los

“maus”.

Essa mesma impressão nos passa Gândavo, referindo-se as tribos Tupi, na sua obra

“História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil”, escrita nos primeiros

anos da colonização portuguesa no Brasil (1576):

Hva das couſas em que eſtes Índios mais repugnam o ſer da natureza humana, & é que totalmente parece que ſe extremam dos outros homẽs, he nas grãdes & exceſſiuas crueldades q executam em qualqr peſſoa que podem auer ás mãos, como nam ſeja de ſeu rebanho. Porque nã tam ſómente lhe

4 Ingestão de parentes ou amigos já mortos. Difere do exocanibalismo, que fazia parte da guerra e consistia em aprisionar, abater e consumir o inimigo em meio de um longo ritual, sendo esta forma de canibalismo mais comum entre os Tupi. Embora o endocanibalismo fosse predominante nas tribos tapuias, há relatos que lhes atribui a prática do exocanibalismo. (Verbete Canibalismo, elaborado por Ronald Raminelli. In: VAINFAS, 2000, p. 90-92).

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dão cruel morte em tẽpo que mais liures & deſempedidos eſtã de toda a paixam: mas ainda depois diſſo, por ſe acabarem de ſatisfazer lhe comem todos a carne, vſando neſta parte de cruezas tam diabólicas, que ainda nellas excedem aos brutos animaes que nam tem vſo de rezam, nem forão nacidos pêra obrar clemência (GÂNDAVO, 1984, p.40v).

Podemos acrescentar ainda o poema épico de Santa Rita Durão no seu Canto I, estrofe

XXIX, que diz

Barbárie foi (se crê) da antiga idade A própria prole devorar nascida; Desde que essa cruel voracidade Fora ao velho Saturno atribuída: Fingimento por fim, mas é em verdade Invenção do diabólico homicida, Que uns cá se matam, e outros lá se comem: Tanto aborrece aquela fúria ao homem.

Como vemos, essa visão barbarizante dos índios já estava incrustada na mentalidade

do europeu desde os primeiros contatos. Na “historiografia subseqüente, a imagem dos índios

nos discursos tem alternado entre essas duas visões: o bom e o mau selvagem” (MARIANO,

N., 2003, p.120).

A idéia é reforçada, segundo os cronistas, por estes índios não conhecerem o Deus da

religião católica européia. Herckmans deixa isso bem claro nessa afirmação: “São homens

incultos e ignorantes, sem nenhum conhecimento do verdadeiro Deus ou dos seus preceitos;

servem, pelo contrário, ao diabo ou quaisquer espíritos maus, como tratando com eles temos

muitas vezes observado” (HERCKMANS, 1982, p. 39, grifo nosso).

Herckmans, também se referindo aos Tupi, faz referência à beleza dos rostos das

índias. Acrescenta que elas também andavam nuas, cobrindo “as suas vergonhas” com folhas

verdes, e tinham os cabelos negros e compridos. Eram bem menores que os homens e, quando

casadas, “mui serviçais e submissas aos seus maridos”, que as tratava quase como escravas

após o nascimento de algum filho. Passavam a ser responsáveis pelo transporte da bagagem

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quando migravam e pela construção da cabana no local onde escolhiam para se fixar

(HERCKMANS, 1982, pp.41-42).

Para se alimentarem, estes índios coletavam raízes, mel e frutas (especialmente o

caju); também caçavam, e algumas tribos praticavam a agricultura, plantando mandioca,

milho e alguns legumes.

Às mulheres Tupi, cabia a fabricação do cauim, espécie de bebida preparada com a

mandioca cozida e fermentada. Podia ser também preparada com caju ou com outras frutas,

ou ainda com milho e mandioca mastigados.

Praticamente todas as outras atividades econômicas eram realizadas exclusivamente por mulheres. Estas eram responsáveis por todos os trabalhos agrícolas, do plantio ao preparo do alimento, passando pela colheita. Também realizavam todos os passos necessários ao fabrico dos diferentes tipos de farinha e de bebidas fermentadas, bem como os recipientes de barro ou cestaria utilizados. Todos os serviços domésticos, como manter os fogos acessos e o abastecimento de água, bem como o transporte de material ou das crianças – inclusive durante as guerras - eram atividades femininas (FERNANDES, J., 2003, p.64).

O autor acrescenta que o trabalho feminino dos Tupi era central para a produção

social, seja no campo nutricional, simbólico ou guerreiro. A dimensão econômica desse

trabalho possuía um caráter essencial. Como resultado, o casamento era altamente valorizado

pelos homens para ter acesso a esta capacidade econômica das mulheres.

Nos povos Tapuia, as mulheres, embora não possuíssem alguns hábitos, como o

preparo do cauim, possuíam estrutura social bastante semelhante e também participavam de

atividades agrícolas e alimentícias da aldeia. Isso nos permite afirmar que elas também foram

peças fundamentais dentro da sociedade Tapuia.

A todo o momento os índios interagiam com seu meio, provocando mudanças que lhes

beneficiavam e permitiam a sobrevivência. Quando um local já não supria suas necessidades

se transferiam para outro local e começavam a deixar o espaço adequado a sua permanência.

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Para isso, se utilizavam de inúmeras ferramentas, feitas de madeira ou pedra, que facilitavam

o trabalho e permitia uma produção maior e mais rápida.

Com a chegada dos colonizadores, estes índios passaram a ter acesso a ferramentas

mais modernas. E o que podemos perceber no relato do Frei Vicente do Salvador (1627):

E quando algum vem de longe, as velhas daquela casa o vão visitar, ao seu rancho com grande pranto, não todas juntamente, mas uma depois de outra, no qual pranto lhe dizem as saudades que tiveram, e trabalhos que padeceram em sua ausência, e ele também chora dando uns urros de quando em quando sem exprimir coisa alguma, e o pranto acabado lhe perguntam se veio, e ele responde que sim, e então lhe trazem de comer, o que também fazem aos portugueses, que vão às suas aldeias, principalmente se lhes entendem a língua, maldizendo no choro a pouca ventura que seus avós e os mais antepassados tiveram, que não alcançaram gente tão valorosa como são os portugueses, que são senhores de todas as coisas boas, que trazem a terra de que eles dantes careciam, e agora as tem em tanta abundância, como são machados, foices, anzóis, facas, tesouras, espelhos, pentes e roupas, porque antigamente roçavam os matos com cunhas de pedra, e gastavam muitos dias em cortar uma árvore, pescavam com uns espinhos, faziam o cabelo e as unhas com pedras agudas, e quando se queriam enfeitar faziam de um alguidar de água espelho, e que desta maneira viviam mui trabalhados, porém agora fazem suas lavouras, e todas as mais coisas com muito descanso, pelo que os devem de ter em muita estima; e este recebimento é tão usado entre eles, que nunca ou de maravilha deixam de fazer, senão quando reinam alguma malícia ou traição contra aqueles, que vão às suas aldeias a visitá-los, ou resgatar com eles (SALVADOR, 1627, p.17).

Os portugueses em troca do que queriam, geralmente pau-brasil e outros tipos de

madeiras, davam aos índios as ferramentas necessárias para facilitar o trabalho diário que eles

exerciam e pelo qual eram imensamente gratos.

Como foi dito anteriormente, as mulheres tinham um importante papel na sociedade

indígena. Muitas das tarefas que envolvia a produção de alimentos ficavam unicamente ao

encargo delas:

As mães dão de mamar aos filhos sete ou oito anos, se tantos estão sem tornar a parir, e todo este tempo os trazem ao colo ora elas, ora os maridos, principalmente quando vão às suas roças, onde vão todos os dias depois de almoçarem, e não comem enquanto andam no trabalho, senão à véspera, depois que voltam para casa. Os maridos na roça derrubam o mato,

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queimam-no, e dão a terra limpa às mulheres, e elas plantam, mondam a erva, colhem o fruto e o carregam, e levam para casa em uns cofos mui grandes feitos de palma, lançados sobre as costas, que pode ser suficiente carga de uma azêmola, e os maridos levam um lenho aos ombros, e na mão seu arco e flechas, que fazem com as pontas de dentes de tubarões, ou de umas canas agudas, a que chamam taquaras, de que são grandes tiradores; porque logo ensinam aos filhos de pequenos a tirar ao alvo, e poucas vezes tiram a um passarinho, que não o acertem, por pequeno que seja (SALVADOR, 1627, p.19).

As índias, em grupo ou individualmente, eram possuidoras de uma considerável

autonomia em relação aos homens. Autonomia que era exercitada em várias instâncias da vida

social. Se analisarmos o status feminino nestas sociedades, percebemos que a sua

contribuição era vital para a sociedade como um todo (FERNANDES, J., 2003, p.269).

Podemos afirmar que não foi a partir da chegada do europeu que ocorreu alteração no

espaço. Essa alteração já vinha acontecendo, provocada pelos índios. Com a chegada dos

portugueses, vieram também novas ferramentas e interesses que aceleraram e aprofundaram

essas mudanças.

Tornou-se necessária essa incursão nos hábitos dos Tupi para que entendamos como

os europeus dos primeiros anos da colonização percebiam o outro e quais as diferenças e

semelhanças existentes entre eles e os Tapuia.

Para melhor compreender os Tapuia, uma vez que eram os habitantes do sertão, à

época da chegada dos portugueses, veremos a seguir registros iconográficos do período em

três pinturas feitas por Albert Eckhout5. Ele registrou, primeiro em esboços, depois em

pinturas e gravuras, a hipnotizante natureza do Nordeste Brasileiro.

5 Nascido em Groingen, 1610, o pintor holandês Albert Eckhout foi companheiro de Franz Post na comitiva de Maurício de Nassau, quando o Conde veio governar o Brasil Holandês. A natureza e os tipos étnicos do Brasil ficaram conhecidos através dos seus impressionantes painéis, onde figuras são representadas em tamanho natural, a maioria das telas possuem mais de 2 metros de altura. Mas, apesar disso, não recebeu o mesmo reconhecimento que o colega, ficando esquecido durante séculos. Alguns, até hoje, contestam o valor artístico de sua obra, exaltando, apenas, seu valor documental. (Disponível em <http://www.areliquia.com.br/43AlbertE.htm>. Acesso em 03 de setembro de 2005).

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Figura 1 - Dança dos Tapuia (dança de guerra) Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Dan%C3%A7a_dos_Tapuias.jpg

Figura 3 – Mulher Tapuia (1641)

Fonte:http://commons.wikimedia.org/ wiki/Image:mulhertapuia.jpg

Figura 2 – Homem Tapuia (1643)

Fonte: http://commons.wikimedia.org/ wiki/Image:homemtapuia.jpg

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Essas imagens representam as mais antigas pinturas conhecidas sobre a América do

Sul. Mostram o que os descobridores encontraram ao aportar aqui, particularmente no

nordeste. Nelas, o pintor faz uma série de registros iconográficos sobre os índios Tarairiú, que

se identificam com o olhar dos cronistas, evidenciando o seu lado “selvagem”.

Eles andavam nus na mata virgem, estavam cercados por animais perigosos,

conservavam hábitos “bárbaros”, apesar da convivência com o homem branco e, muitas

vezes, praticavam o canibalismo. Embora algumas imagens não sejam condizentes com a

realidade, o pintor as utiliza para que o Velho Mundo tenha conhecimento, além da existência

dos nativos, da fauna e da flora do além-mar.

Tais gravuras foram construídas sem que seu autor tivesse jamais ido para o sertão ele

próprio ou encontrado pessoalmente os tapuia. A irrealidade da paisagem, com uma vegetação

em nada próxima da vegetação nativa do semi-árido, são elementos que nos deixam entrever o

fato do artista não ter tido um contato direto com o cenário por ele reproduzido.

Na realidade, Eckhout reproduz, como alguns cronistas antes e depois dele, um

conjunto de representações sobre os tapuias e o sertão existentes nas vilas açucareiras quando

de sua estadia em Pernambuco.

Segundo Borges (1993), em trabalho acerca da localização das aldeias indígenas na

Paraíba, os Tarairiú foram uma etnia diferente dos Cariri. Ao contrário do que aponta as

pesquisas mais recentes, o primeiro não está contido no segundo, foram agrupados

erroneamente por historiadores, lingüistas e antropólogos (BORGES, 1993, pp.21-42).

Puntoni, em sua tese de doutoramento, ratifica: “[...] o sertão encontrava-se habitado

por dezenas de grupos étnicos distintos, entre os quais se destacam os cariris e os tarairiús [...]

representado principalmente pelos janduís [...]” (PUNTONI, 2002, p.81).

Devido à quantidade de etnônimos diferentes no sertão nordestino (são relacionados

80), a pouca documentação e a diversidade idiomática, o estudo dessas sociedades indígenas é

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bastante prejudicado. Os Cariri, por exemplo, por estarem presentes em vasta extensão nos

sertões da Paraíba, Ceará e Bahia, eram tidos como uma grande etnia que habitava o interior.

Na Paraíba, é registrada a presença, junto aos Cariri, dos Corema, Icó, Paiacú,

Canindé, Janduí, Tarairiú, entre outros. Estes diferentes etnônimos eram tidos como

pertencentes à família Cariri ou aos Tarairiú. Essa idéia foi reforçada pela “Guerra dos

Bárbaros”, que os cronistas relatavam, em uma visão genérica, como levante ou confederação

dos Cariri.

A diversidade de dialetos extrapola os limites dessa etnia. Mesmo com um elevado

desconhecimento etnográfico desse conjunto diverso e a pouca documentação, podemos

classificar estes diferentes grupos como etnias distintas e não como pertencentes aos Cariri,

como é comum na literatura (DANTAS, SAMPAIO & CARVALHO, 1992, p. 432-433).

Borges (1993) apresenta um mapa da distribuição das tribos no solo paraibano que

tomamos por base para apresentarmos o espaço em estudo e a tribo que lá habitava no período

da sua reocupação pelos europeus.

Podemos perceber que a região onde se localizava a Alagoa da Perdição, atual

município de Princesa Isabel, era, antes da chegada dos colonizadores, ocupada pelos índios

da nação Tapuia e da etnia Corema.

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No início da colonização portuguesa, os diferentes grupos indígenas foram elementos

importantes desse processo. Bem mais que aliados ou fornecedores de produtos nativos,

serviram como o suplemento populacional que faltava para efetivar-se a empreitada colonial.

Puntoni (2002) salienta que:

O papel de povoador, destinado ao indígena, desempenhava uma função estratégica na construção do domínio colonial. Os autóctones eram os únicos capazes de dar o conhecimento das terras e contribuir para as tropas com os homens necessários às diversas guerras e escaramuças travadas entre os colonizadores e tribos que se manifestavam hostis, e entre os colonizadores de diversas nações (PUNTONI, 2002, p.50).

Além dos portugueses, os europeus que vieram colonizar o Brasil, dos mais diferentes

países, também se associaram aos grupos indígenas para possibilitar a fixação nos locais

escolhidos por eles para dominar. Em terras paraibanas não foi diferente. Os primeiros

portugueses que aqui habitaram tornaram-se ferrenhos inimigos dos índios Potiguara que

eram, por sua vez, inimigos dos Tabajara, ambos habitantes do litoral e oponentes dos Tapuias

do sertão.

Durante o período em que os holandeses dominaram a Paraíba (1634-1654), firmaram

alianças com os Potiguara e com os Tapuia (Janduí), para que combatessem os portugueses

nas lutas pela retomada da Capitania.

Após a expulsão dos holandeses do território paraibano, as rixas que tinham os

portugueses com estes índios se intensificaram. Foi dado, assim, início a um período de

intensos confrontos durante a colonização do interior, que resultaram em uma drástica

redução na população indígena. A maioria dos que restaram, foram aglomerados em

aldeamentos e missões, nos quais, sem capacidade de reação, eram vítimas da espoliação.

A política de aldeamento teve início no Brasil com a presença dos Jesuítas desde o

princípio da colonização. Os padres percorriam as aldeias pregando a palavra de Deus. Com o

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passar do tempo, essa estratégia missionária foi se modificando e passou a promover o

deslocamento das tribos do seu local de origem para aldeias próximas ao litoral.

Neves (1978) viu nisso uma profunda “alteração das formas de deslocamento dos

interlocutores”, na qual os índios eram quem se deslocavam no espaço e não os padres. Estes

deslocamentos provocaram uma considerável mudança no modus vivendi dos índios porque

era feito, principalmente, através de mecanismos usados na prática da escravização por meio

dos descimentos e reduções6.

No quadro dos aldeamentos missionários no nordeste século XVIII, apresentado na

obra “História dos índios do Brasil”, é feita referência a um aldeamento dos índios Corema no

sertão do Piancó, confirmando a presença desta etnia na região estudada. Vejamos este

quadro:

Quadro 02 – Aldeamento Corema no Piancó 1.

CAPITANIA

2. ALDEIA 3. VILA / ÁREA DE

REFERÊNCIA

4.

INVOCAÇÃO

5.

MISSIONÁRIO

6. NAÇÃO

Paraíba Coremas Sertão do Piancó N. Sra. do

Rosário

Capuchinho Tapuia

(Korema)

Fonte: DANTAS, SAMPAIO & CARVALHO, 1992, p. 446

Igualmente aos demais índios, que foram aldeados no período colonial, os Corema

foram reunidos em um aldeamento no sertão, não sofrendo deslocamento. Fora, ainda

reduzidos a uma aldeia controlada pelos frades capuchinhos, responsáveis por adequar os

índios às práticas religiosas e ao tempo cristão.

6 “Descer” ou “fazer descer” os índios significava deslocá-los do interior – os sertões – para o litoral, fixando-os nas proximidades de vilas e engenhos coloniais. Reduzir era sinônimo de submeter os índios ao cativeiro.

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2.2 Terras para o gado: o leitmotiv da colonização

A ambição de riqueza, foi a alavanca do movimento; e como em diversas capitanias do Brazil, foi a Parahyba por sua vez tomada da febre de descobertas (JOFFILY, 1977, p. 114).

Expulsos os holandeses, e instável a economia açucareira, novos agentes produtores

do espaço entraram em cena. Iniciou-se a expansão da pecuária, que, até então, era apenas

uma atividade complementar das terras litorâneas, produtoras de cana-de-açúcar.

Com a sua expansão, a criação de gado devia ser feita nas áreas mais distantes, para

que não houvesse destruição dos canaviais e também porque as terras do litoral já estavam, na

sua maioria, ocupadas. Os primeiros a solicitarem terras foram os senhores de engenho que,

com a economia enfraquecida, procuravam na criação de gado um meio para preservar a sua

riqueza.

De acordo com Fernandes “a análise historiográfica deixa perceber que a ação do

governo metropolitano e do seu aparelho colonial se alia à dos sertanistas que, até certo ponto,

antecede a dos criadores.” (FERNADES, I., 1991, p.14).

Os primeiros colonos a se embrenharem no sertão se depararam com os indígenas que,

até então, não tinham sido contatados. Esses contatos se tornaram cada vez mais agressivos e

estas violências atingem uma dimensão extrema quando

Ameaçados por todos os lados, os indígenas, originalmente os verdadeiros donos do sertão, tentando conter as invasões promovidas pelos sesmeiros, vaqueiros, foreiros, paulistas e missionários – que levavam consigo escravos e agregados – rebelaram-se, constituindo a “Guerra dos Bárbaros” a mais comovente e longa forma de resistência indígena daquele período (PIRES, 1990, p.44).

Devido à crescente resistência por parte dos índios, eles não tinham mais importância

para o desenvolvimento da Colônia. Pelo contrário, impediam a expansão da pecuária. As

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guerras por parte dos portugueses tinham por finalidade o aniquilamento completo e não a

sujeição ou a integração.

Nessa guerra, mais de 10.000 tapuias “conflagraram praticamente todo o sertão, desde

o recessos da Paraíba, ao longo da povoação de Bom Sucesso de Piancó, balizada pelo vale do

Jucurutu, na divisa do Rio Grande do Norte, e pelo vale do Pajeú, nas lindes de Pernambuco,

até o sertão do Jaguaribe, no Ceará” (BANDEIRA, 2000, p. 188).

A “Guerra dos Bárbaros”, como este conflito ficou conhecido na historiografia, se

desenvolveu com a expansão da pecuária e as doações de sesmarias no interior do Nordeste,

desde a Bahia até o Maranhão. Ocorreu entre a segunda metade do século XVII (1651) e o

início do XVIII (1720).

As etnias Tapuia que participaram mais ativamente dos conflitos com os colonos nos

sertões da Paraíba foram os Cariri e os Tarairiú. Essa guerra durou mais de meio século,

comprovando a dura oposição dos índios à dominação branca. Isso causou enormes prejuízos

para a Coroa e inúmeras baixas nas tropas que combatiam e nos povoados por eles atacados.

Para enfrentar a intensa resistência dos índios, os colonos do sertão nordestino se

aliaram aos paulistas,7 que recebiam, como recompensa pelos serviços prestados, além de

inúmeros privilégios, o direito de prear índios em “guerra justa”.8 Surgiu, com isso, o

“sertanismo de contrato”, com os paulistas convertidos em mercenários, recebendo os índios

que capturassem como pagamento.

A legalização do cativeiro indígena assegurou a permanência dos paulistas na “Guerra dos Bárbaros” e, ao mesmo tempo, abriu brechas para toda uma sorte de atrocidades cometidas contra os indígenas, justificadas sempre pela “guerra justa” (PIRES, 1990, p.67).

7 Refere-se aos aventureiros de São Paulo que participaram de expedições armadas pelo interior do Brasil; após o século XVIII; ficaram mais conhecidos como Bandeirantes ou Sertanistas. (Verbete Bandeirantes, elaborado por Ronald Raminelli. In: VAINFAS, 2000, p. 64-66). 8 As guerras contra os índios oponentes da colonização, eram, por lei, consideradas “justas” e os cativos, declarados escravos (PIRES, 1990, p.66).

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A participação dos paulistas na guerra foi marcada pala intensificação da violência.

Pelas brutalidades cometidas, ficaram celebres Matias Cardoso de Almeida e Domingos Jorge

Velho, entre outros que se especializaram em matar e cativar índios. Não respeitavam, muitas

vezes, nem mesmo os aldeamentos das ordens religiosas, na ânsia de escravizarem indígenas.

Eram constantes as reclamações dos Padres destes aldeamentos à Metrópole, para que

a violência destes homens fosse contida. Jorge Velho esteve escravizando e matando índios

Corema no sertão da Paraíba. A Metrópole, mesmo ciente dessa violência, usava a

justificativa de que a verdadeira intenção era pôr fim à guerra e que só estes “bárbaros”, com

sua truculência, seriam capazes de barrar os “bárbaros gentios”.

Depois de decorrido muito tempo e uma série de violências cometidas, Portugal tomou

medidas para pôr fim aos conflitos. “Para a metrópole e a burocracia colonial, a administração

da paz começou a assumir uma importância igual à da condução da guerra” (PIRES, 1990, p.

80).

Assim, por volta de 1720, já havia cessado a “guerra dos bárbaros”, deixando uma

enorme lista de povos que foram aldeados, escravizados, exterminados, assimilados pela nova

sociedade que se formou. Após este período, enfim, o sertão estava “despovoado” do “bárbaro

gentio” e pronto para receber o gado.

Após as guerras do sertão, deu-se início a sua colonização efetiva por parte dos

portugueses, que continuaram a exercer seu comportamento preferencial, a “mobilidade no

espaço geográfico e social” (FARIA, 1998, p.21). Assim, pediam ao Rei terras para criarem

seu gado, alegando, entre outras coisas, terem participado das lutas contra os “gentios”.

Nessa fase da conquista, na Paraíba, destacou-se o nome da família Oliveira Ledo.

Teodósio de Oliveira Ledo, que desde a guerra travada contra os índios, já estava atuando. É o

que nos diz Abreu:

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Resistiram bastante os índios do Pajeú, mas em tempo de d. João de Lencastro e por sua ordem Manuel de Araujo de Carvalho atacou-os. Simultaneamente penetrava da Paraíba Teodósio de Oliveira Ledo. Graças aos esforços dos dois, ficaram pacificados os sertões de Pajeú, Piancó e Piranhas (ABREU, s/d, p.72).

Devemos lembrar que esta paz custou a vida de muitos índios, e que estes sertanistas,

com seus métodos, em nada perdiam em truculência para os paulistas, durante a “Guerra dos

Bárbaros”.

Contudo, para se entender como se deu o apossamento das terras paraibanas desde seu

início, se faz necessário remeter à Bahia, à Casa da Torre, inicialmente pertencente a Garcia

d’Ávila. De duas vacas, passou, nas seis gerações que o sucederam, a um pecúlio que, no alto

da sua potestade, foi proprietária de terras que iam da Bahia à divisa do Maranhão com o

Piauí. Tornou-se, dessa forma, detentora de um poder equiparado ao do estado, “constituindo

um dos pilares do poder colonial” (BANDEIRA, 2000, p. 209).

Foram os Garcia d’Ávila que primeiro, na fase de conquista, embrenharam-se no

interior paraibano, vindo de Pernambuco pelo rio Pajeú e entrando na Paraíba pelo rio Piancó,

tomando posse de suas terras. Afirma Wilson Seixas (1975) a respeito da Casa da Torre:

Sem dúvida, foi ela quem abriu caminho dos descampados e misteriosos sertões da Paraíba. Foi igualmente a primeira a ocupar as terras do Piancó, Piranhas e Rio do Peixe, a partir de 1664, quando o coronel Francisco d’Ávila, transpondo o S. Francisco, subiu o rio Pajeú, afluente do grande rio nordestino, daí se comunicando com a bacia do Piranhas (SEIXAS, 1975, p. 65).

Devido à amplitude de seus domínios, a Casa da Torre teve que delegar, muitas vezes,

a seus curraleiros9, através de procuração, a inspeção e a conservação dessas terras que

recebia como sesmarias. A foreiros e arrendatários cabia a tarefa da ocupação econômica das

mesmas.

9 Pessoas encarregadas de cuidar dos currais de gado.

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Na Paraíba, Teodósio de Oliveira Ledo foi um “[...] dos seus procuradores, espécie de

vassalos que lhe pagavam o foro e lhe serviam, em troca de apoio e força junto ao governo

colonial [...]”.

Esses homens tinham tropas sob seu comando, o que facilitava a cobrança de foros e

evitava ocupações indevidas (BANDEIRA, 2000, p. 244). Os procuradores faziam o que bem

entendiam com as terras e seus ocupantes e, aos poucos, foram assumindo, verdadeiramente, o

seu domínio.

Teodósio, seguindo os passos do seu pai, Antônio de Oliveira Ledo, passou da etapa

de aquisição para a de posse das terras conquistadas. No Livro de Notas do Cartório de

Pombal, consta o registro de posse, por arrendamento, à Casa da Torre, de 28 propriedades na

primeira década do século XVIII.

Ao morrer, seus parentes herdaram “dois terços do agreste e da parte ocidental do

Cariri”. Ele também fundou os Arraiais de Boqueirão, Campina Grande, Piranhas e Piancó.

Núcleos de povoamento que se tornaram vilas e depois cidades (SEIXAS, 1975, pp. 66-69).

Os grupos que penetravam no sertão possuíam um número variável de pessoas, que ia

de algumas dezenas a milhares e eram compostos, essencialmente, por índios aliados e

escravos, cabendo a liderança a um branco ou mameluco.

O mapa a seguir (Mapa 02) foi feito a partir dos mapas publicados por Wilson Seixas

na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, nº 21 (1962) e de Irene Rodrigues,

no seu trabalho “Processo de ocupação do espaço agrário paraibano” (1991).

Do primeiro, foram utilizados os roteiros seguidos pela Casa da Torre e por Antônio e

Teodósio de Oliveira Ledo, que utilizaram os leitos dos rios para penetrarem nos sertões da

Paraíba. Do segundo, foram retirados os caminhos percorridos pelas boiadas que saiam do

sertão.

No mapa de Seixas, os sertanistas traçam o seguinte roteiro:

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Antônio de Oliveira Ledo – Bahia, Rio São Francisco, Rio Pajeú, Rio Sucurú, Rio Paraíba,

Boqueirão.

Casa da Torre – Bahia, Rio São Francisco, Rio Pajeú, Rio Piancó, Rio Piranhas e Rio do

Peixe.

Teodósio de Oliveira Ledo – Rio Paraíba, Rio Piancó, Rio do Peixe, Apodi, finalizando no

Arraial do Piancó (Pombal).

No início, os líderes destas expedições pediam terras em troca dos serviços prestados

na conquista do sertão, que facilmente conseguiam devido a sua influência junto autoridades

coloniais.

Referindo-se à Casa da Torre, acrescenta Abreu que “para adquirir estas propriedades

imensas, gastou apenas papel e tinta em requerimentos de sesmarias. Como seus gados não

davam para encher tamanhas extensões, arrendava sítios, geralmente de uma légua [...]”.

Desconsidera que, além de tinta e papel, estes homens formavam gigantescas expedições para,

antes de pedir as terras, despovoá-las. Tarefa que, muitas vezes, durava anos e custava muitas

vidas entre sertanistas e índios (ABREU, s/d, p.72).

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Neste mapa, podemos perceber que os sertanistas da Casa da Torre, os Garcia d’Ávila,

em 1664, saíram da Bahia e partiram para o Maranhão passando próximos as terras que

posteriormente se chamariam Alagoa da Perdição (em destaque), seguidos, nos anos

posteriores por aqueles que se tornariam seus procuradores, os Oliveira Ledo, família que se

fixou em definitivo no sertão da Paraíba e promoveu a colonização do sertão paraibano.

Percebemos também que os principais caminhos percorridos posteriormente pelo

gado, também só passaram nas proximidades da mesma, sendo este, um dos motivos pelo

qual a região só foi ocupada por sesmeiros na segunda metade do século XVIII, período em

que as regiões próximas já estavam ocupadas, desde o início deste mesmo século.

Esse período de expedições não teria sentido sem a presença dos procuradores,

arrendatários10 e vaqueiros. Sem eles, o domínio e posse destes imensos territórios não seriam

possíveis. Além disso, o ambiente sertanejo e o desenvolvimento da pecuária iriam moldar

uma sociedade com características próprias, a qual Capistrano de Abreu (s/d) chamou de

Civilização do Couro, justificando:

Pode-se apanhar muitos fatos da vida daqueles sertanejos dizendo que atravessaram a época do couro. De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforge para levar comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as broacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os banguês para cortume ou para apurar sal; para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz (ABREU, s/d, p.73).

Ele ainda traz importantes informações acerca da vida destes colonos, que agora

passaram a ser chamados vaqueiros, e que, ao longo da vida, enfrentaram por inúmeras

dificuldades. Alimentavam-se principalmente de farinha, carne, leite e seus derivados.

10 O procurador era aquele que representava o verdadeiro dono das terras, encarregado de mantê-las sob seu domínio. O arrendatário era aquele que alugava a terra ao procurador ou proprietário.

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Plantavam milho e coletavam mel e frutas silvestres. Cabia aos vaqueiros todo o

trabalho com o gado, após a ambientação deste nas novas terras. Eles eram encarregados de

tratar das doenças, marcar com ferro quente, cuidar das vacas que estivessem prenhes e

amansar os bezerros. Além disso, tinham que matar os predadores, fazer queimadas, abrir

bebedouros e cacimbas (ABREU, s/d, p.74).

Apenas depois de cinco anos de trabalho, é que estes homens começavam a ser

pagos, não com dinheiro, mas com bezerros. A cada quatro nascimentos de crias, uma lhe

pertencia. Essa forma de pagamento, conhecida como “quarta”, permitia que os vaqueiros,

após certo tempo de serviço, fundassem suas próprias fazendas.

Na Paraíba, isso se deu principalmente na segunda metade do século XVIII, em que

inúmeros pedidos de terras traziam a justificativa de que o solicitante possuía gado e

necessitava de terras para criá-lo.

As fazendas de criação se localizavam nas proximidades de um rio ou olho d’água,

não tendo diferença entre a casa do patrão e a do vaqueiro. A do primeiro era apenas um

pouco maior, com um alpendre ao lado. Também não existiam cercas para reter o gado, que

era criado solto. As cercas eram para as lavouras, para que o gado não as devorasse (ABREU,

s/d, p.74-80).

Vale salientar que a localidade em estudo, segundo a tradição oral, a historiografia e a

documentação, possuiu essas mesmas características de formação de fazendas para pecuária,

representando o que era comum no sertão dos séculos XVIII e XIX. Paulatinamente, as terras

indígenas foram sendo ocupadas pelos colonos para a criação de gado e a partir daí uma nova

cultura surgiu adequando a forma de viver a nova realidade.

O gado criado na Paraíba era vendido nas praças de Pernambuco e Bahia e os

caminhos traçados pelas boiadas eram semelhantes aos caminhos dos sertanistas. Ambos

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buscavam seguir os leitos dos rios, para ter garantido o fornecimento de água para homens e

bichos. Além disso, usavam os caminhos feitos pelos indígenas.

Estas boiadas percorriam enormes distâncias para serem comercializadas. Ao longo

destes caminhos, no início, foram fundadas diversas fazendas, que serviam para que o gado

descansasse e bebesse água, aí ficando o gado que não tivesse condição de prosseguir a

viagem, para que se restabelecesse e fosse vendido posteriormente.

Neste período, os novos agentes produtores do espaço já haviam provocado profundas

mudanças na paisagem e na vida dos nativos. Os índios que sobreviveram estavam retidos. Os

caminhos abriam-se, o gado se multiplicava e a maioria das terras já possuía novos donos.

É nesse contexto que, buscando terras ainda devolutas, chegava o primeiro sesmeiro

da Alagoa da Perdição e seus vizinhos, ocupando uma das poucas áreas que ainda estavam

“vazias” no sertão da Paraíba.

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C A P Í T U L O I I I ________________________________________

ALAGOA DA PERDIÇÃO: SESMARIAS E SESMEIROS

Os que restaram da carnificina oficial geraram o homem forte do sertão, representado no fazendeiro, vaqueiro, cantador de viola, romeiro do padre Cícero e cangaceiro de fama (ALMEIDA, 1978, vol. 2, p.60).

Passaremos a verificar como, na segunda metade do século XVIII, a área em estudo,

no alto sertão da Paraíba, começou a ser colonizada. Para tanto, utilizaremos cartas de doação

de sesmarias, que estão resumidas no livro de João de Lyra Tavares: “Apontamentos para a

história territorial da Paraíba” (1982) e dos documentos originais que se encontram no

AHEPB, infelizmente estes, estão em péssimas condições de conservação.

No período da colonização, quando um grupo anexava um território pretensamente

desabitado organizava, em seguida, uma cerimônia, e erguia um monumento que podia ser um

simples marco de pedra ou uma cruz, mas que marcasse sua passagem e atestasse o

acontecimento, evitando assim possíveis contestações.

Num espaço povoado, a tomada de posse exprime-se pela delimitação de fronteiras e pela multiplicação de marcas que lembram a identidade comum: cruz, igrejas, monumentos aos mortos ou arquiteturas tipificadas. É como se reescrevesse em toda parte a mesma proclamação de pertinência (CLAVAL, 2001, p. 216, grifo do autor).

A documentação compilada possibilitou identificar os primeiros sesmeiros da região,

bem como perceber como se deu o processo de posse de terras do sertão paraibano no período

colonial e a maneira como os grupos humanos passaram a modificar esse espaço.

As informações que esses documentos trazem, não correspondem à história oficial do

município que, até hoje é recontada tendo como única fonte a história oral, a partir das quais

muitas lendas surgiram. A seguir, abordaremos algumas.

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3.1 Perdição de histórias e de lendas

O mytho é o nada que é tudo, O mesmo sol que abre os céus É um Mytho brilhante e mudo. [...] Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecundal-a decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre. (Pessoa, 1972)

Tendo em vista o enriquecimento das pesquisas com documentos primários e para não

ignorar as histórias que, por várias gerações, relataram como aquelas terras foram sendo

colonizadas, tornou-se necessário o uso da tradição oral.

As pesquisas com estas fontes surgiram como meio de dar voz às memórias e

recordações de sujeitos diversos, na sua maioria, pessoas idosas que participaram de

acontecimentos passados ou parentes próximos que lhes ouviram narrando tais fatos. Por

conseguinte, é um metódo de coleta de informações através de entrevistas que, por uma

questão de tempo, não as fiz, mas me utilizei de bibliografia que relata as histórias narradas

pelos antigos moradores.

Esta versão da história, até então conhecida para o início da colonização do que é hoje

a área polarizada pelo município de Princesa Isabel, nada fala dos índios que ali viviam.

Apresenta Dona Nathália do Espírito Santo como a primeira proprietária das terras de Alagoa

da Perdição que, junto com o padre Francisco Tavares Arcoverde, teria fundado o núcleo da

futura cidade.

A história oral muitas vezes apresenta anacronismos, afinal, são histórias que tratam

de épocas remotas, mas que não diminui em nada a importância da informação trazida por

este tipo de narração.

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A palavra “Perdição” abre espaço para variadas histórias. Muitas tentam dar uma

explicação sobre o porquê deste nome, segredo que talvez tenha se perdido, gerando lendas

que misturam acontecimentos reais e imaginários, histórias possíveis e impossíveis, que

deixam marcas no tempo.

A que perdição este nome se refere? A perdição dos índios que lá existiam? Dos

homens que saiam em busca de terras tão distantes? Ou do gado que era criado solto?

Algumas histórias contam que caçadores perdidos, ao encontrarem uma lagoa, retomavam o

caminho certo. O que tinha essa pequena lagoa de especial para servir de referência? Esta

história é real ou foi feita só para explicar o nome?

Tais perguntas não precisam ser respondidas. A história oral tem sua importância, ela

diz muito da vida de um povo. Não é à toa que, atualmente, a lagoa que recebeu o nome de

Perdição, possui o formato de estrela e representa a rosa-dos-ventos, onde cada ponto cardeal

está representado.

Ela ainda dá a orientação que buscavam os caçadores perdidos. Essa também é a

função das lendas: dá orientação e explicação para quem dela precisa. Não importa se seja

“verdadeira” ou “falsa”, o importante é encontrar uma resposta e ainda como afirma Alberti:

Uma das principais vantagens da História oral deriva justamente do fascínio da experiência vivida pelo entrevistado, que torna o passado mais concreto e faz da entrevista um veículo bastante atraente de divulgação de informações sobre o que aconteceu (ALBERTI, 2005, p. 170).

Mas a credibilidade da História oral ainda é duvidosa para muitos acadêmicos.

Sobretudo, devido às possíveis falhas de memórias por parte do entrevistado, tais como

distorção de fatos por causa da velhice, auto-louvor, idealização do passado em virtude de

nostalgia ou até mentira deliberada. Entretanto, apesar de todos esses problemas, há hoje um

amadurecimento metodológico e uma estrutura necessária para recolher fontes orais a partir

de depoimentos.

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Seu amadurecimento só foi possivel após amplo movimento de transformação dessas ciências, que, com o tempo, deixaram de pensar em termos de uma única história ou identidade nacional, para reconhecer a existência de múltiplas histórias, memórias e identidades em uma sociedade (ALBERTI, 2005, p. 158).

Muitas das falhas de memória podem ser vistas como um recurso em vez de entrave,

pois a maneira como o depoente pensou e relatou um acontecimento, isto é, como o imaginou,

mostra a visão desse sujeito sobre o fato. Em outras palavras, de acordo com ideais

positivistas em voga, a história oral era carregada de subjetividade e parcialidade, o que ia de

encontro à objetividade e neutralidade científicas.

Contudo, segundo Alberti (2005, p. 163) “Hoje já é generalizada a concepção de que

fontes escritas também podem ser subjetivas e de que a própria subjetividade pode se

constituir em objeto do pensamento científico”.

O uso indireto da fonte oral, neste trabalho, permite uma maior complexidade do tema,

pois, ora expande o conhecimento obtido através dos documentos escritos, ora supre a

escassez dos mesmos. Cabe frisar que para esta pesquisa não foram realizadas entrevistas com

os antigos habitantes. Os depoimentos foram recolhidos na pesquisa bibliográfica.

Esses relatos, porém, foram comparados com a documentação encontrada para torná-la

uma Fonte histórica construída a partir da memória dos mais diferentes indivíduos. Tornou-se

relevante enquanto metodologia de pesquisa, na medida em que corroborou os conhecimentos

produzidos a partir das Fontes documentais e deu voz aos antigos narradores.

A história de D. Nathália, transmitidas oralmente, parece muitas vezes mirabolante

para os ouvidos de quem as escuta hoje. Na sua época, contudo, tinha sentido e era utilizada

como explicação.

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Nestes relatos, D. Nathália é citada de diversas formas, ora como fazendeira, o que é

coerente com a história colonial dessa região, ora quase como uma bruxa. Por fim, não

mencionam se quer o seu nome:

‘Os vaqueiros que tentavam arrebanhar um batalhão perdido nas abas da serra, narravam, fascinados, o que viam durante as noites de lua em que eram forçados a acamparem no mato, quando assombrados e perplexos, arregalaram os olhos incrédulos, no vulto de um cavalo alado, voando a direção da Lagoa e montado por uma mulher. E como em toda transcrição oral, a origem da construtora da Casa de Pedra, virou lenda. Transformou-se em mistérios. Mistérios recheados de verdades e fantasias, que ainda hoje se confundem com a história oficial. A lenda fala de uma mulher branca, de cabelos longos, que, nas noites de lua pousava a sua vassoura de cauda luminosa à beira da lagoa. Vinha do alto do chapadão da Borborema. Antes de desaparecer para sempre, na vassoura de cauda luminosa ou sobre o cavalo alado, essa mulher conquistara um nome bem significativo: Natália do Espírito Santo ’ A citação acima é do jornalista Paulo Marinho [Mariano], que acentua: ‘São estórias autenticadas pela transcrição oral, que se confundem com a própria história’ (MARIANO. P. apud OLIVEIRA SOBRINHO, 2002, p. 47-48).

Neste artigo, Mariano apresenta uma versão de história oral na qual D. Nathália ainda

é protagonista. Já seu livro, mostra outra que possui a mesma base, mas seu nome não mais é

mencionado. Neste processo, percebemos como as fontes orais são, a cada dia, recheadas com

novas informações, buscando prender a atenção de quem escuta. Vejamos mais uma,

Sempre às primeiras sextas-feiras de cada mês, alta noite, os notívagos mais afoitos saíam pelas ruas desertas e escuras na tentativa de desvendar a aparição enigmática de uma mulher gigantesca, de cabelos longos. Segundo afirmação dos habitantes mais antigos, a visão aterradora surgia do fundo da Lagoa da Perdição e era vista sentada na torre da Igreja, com o cabelo cobrindo o telhado e os pés tocando de leve o calçamento de pedras irregulares [...] Na fantasia de uns era a alma penada de uma sinhá maldosa que se transformara em mulher gigante como punição pelas chicotadas que mandara aplicar nos escravos de sua fazenda. Outros juravam que uma beata ganhava nova forma transformando-se num ser monstruoso, porque tinha um caso amoroso com o padre da paróquia. Além dos que afirmavam com convicção, citando até o nome de uma dama da sociedade que tivera “relações impuras” com um compadre e perambulava como alma penada, alta noite, transformada em espírito malfazejo (MARIANO, P., 1994, p. 107-108).

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Portanto, esta versão já não faz mais referências à Dona Nathália, mas permanecem

algumas características, que ganharam peso com o passar do tempo. Este tipo de história,

entretanto, pela forma alegórica e envolvente como é construída, poucas vezes são vistas sob

um olhar crítico.

Isso não quer dizer que a história de D. Nathália não tenha ocorrido, mas que,

possivelmente, nas inúmeras vezes que a história oral se repete, os acontecimentos tenham

sido ressignificados.

Buscar todas as peças deste quebra-cabeça levaria mais tempo que o permitido para se

elaborar uma dissertação, mas novos documentos, encontrados recentemente, já indicam a

existência e participação de D. Nathália no processo de colonização de Alagoa da Perdição.

Existem aqueles que apreciam lendas e outros que preferem ater-se à história. Para

Machado de Assis: “[...] a lenda é melhor do que história authentica. A lenda resumia todo o

fato [...] ao passo que a versão exata o reduz a uma cousa vaga e anonyma [...]” (ASSIS, apud

SANDES, 2000, p. 12).

Ambas são importantes e devem ser resgatadas dos arquivos e da memória. Afinal, a

história também é feita de relatos transmitidos oralmente pelas pessoas ditas “comuns”. Têm-

se, porém, em mãos documentos que atribuem a primeira posse a Lourenço de Brito Correia

passemos a outra versão da história.

3.2 As Sesmarias

É necessário não esquecer que a sesmaria foi criada para servir à realidade metropolitana, sendo transposta para a Colônia (JOBIM, 1983, p. 74).

A lei de sesmarias foi editada em Portugal em 1375, no reinado de D. Fernando (1367-

1383). Diz respeito ao aproveitamento de terras que tinham sido lavradas. Portanto, já tinham

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dono, mas por não estarem sendo utilizadas, deveriam ser redistribuídas. Isso ocorreu

principalmente após o período da Reconquista peninsular.

Foi criada com a finalidade de colocar em uso todas as terras produtivas e que não

estavam sendo utilizadas, reduzindo a importação de grãos e promovendo a ocupação efetiva

das terras desocupadas na Reconquista, além de forçar vadios e mendigos a trabalharem no

campo. Inicialmente, em Portugal, o sesmeiro era o fiscal de terras, encarregado de verificar o

aproveitamento das mesmas (PORTO, s/d, p.15).

Essa lei foi incorporada nas Ordenações1 seguintes: Afonsinas (1446), Manuelinas

(1521) e Filipinas (1603). Nas quais, entre outras disposições, acrescenta-se que: “não se

dessem maiores terras a uma pessoa que razoavelmente parecer que possa aproveitar” e “a

quem foram dadas as sesmarias não as aproveitarem no tempo determinado, as terras seriam

dadas a outros [...]” (JOBIM, 1983, p. 58).

As Ordenações Filipinas passaram a ser aplicadas ao território do Brasil, pois

permitiam que fossem dadas terras cobertas por matas ou que ainda não tivessem sido

lavradas.

Foi somente no reinado de D. João III (1521-1556), que primeiro se distribuiu terras

no Brasil pelo sistema sesmarial, quando criou as capitanias hereditárias (1534-1536),

concedendo aos Capitães Donatários o usufruto da terra, sem, no entanto, lhes conferir a

propriedade territorial.

Obrigava-se o capitão-mór a conceder datas de sesmarias de todas as terras compreendidas no lote que se lhe doava, não podendo, entretanto, tomal-as para si nem para sua mulher nem para o filho que tivesse de succeder-lhe na capitania. Era-lhe facultado dar terras a outros filhos e quaesquer parentes [...] Succedendo que algum dos filhos ou parentes aquinhoados herdasse a

1 Termo associado às antigas compilações jurídico-administrativas portuguesas. O seu uso mais vulgarizado, no pluraL, explicitou a referência a um corpo de leis – as leis gerais do reino. (Verbete Língua geral, elaborado por Maria de Fátima Gouvêa. In: VAINFAS, 2000, p. 436-437).

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capitania, corria-lhe o dever de renunciar dentro de um anno a sesmaria, por ventura recebida (TAVARES, 1982, p. 9-10).

O sistema de doação das sesmarias foi utilizado pelo colonizador português para

consolidar-se nas terras conquistadas. Ao ser utilizada no Brasil, a doação de sesmaria que

serviu, anteriormente, ao minifúndio português para produção de víveres, passou a servir ao

latifúndio colonial para produzir bens para exportação, como o açúcar e, posteriormente, o

couro. E o sesmeiro, de fiscal das terras dadas, no Brasil, passou a ser quem recebia as

sesmarias (PORTO, s/d, p.23).

As concessões de sesmarias eram feitas de acordo com as leis portuguesas. Não existiu

no Brasil, até 1850, uma legislação especifica para controlar o acesso à terra. As poucas

medidas tomadas nesse sentido foram feitas através de cartas régias ou provisões. Devido à

grande extensão do território, a lei nunca foi aplicada devidamente e o critério de não doar

grandes extensões de terras foi desrespeitado, bem como a exigência de que o sesmeiro

tivesse condições materiais de desenvolver sua sesmaria (PORTO, s/d, p.57).

3.3 Lourenço de Brito Correia – primeiro sesmeiro de Alagoa da Perdição

A mão terrível e maléfica da Civilização, ali ainda não tocou, e, livre da opressão despótica da Máquina, ha um respirar calmo e sereno, um rescender cheiroso de juremas, flôres de pau-d’arco, moitas de “folhas de carne”, estrume de gado, enfim o perfume agreste do sertão epopéico [...] Quem aspira, aspira a ficar ali morando [...] Sua voz é a hamonia eterna e sempre nova do canto da juriti e do aboio nas quebradas na dansa das mil notas que ainda não foram reproduzidas e nunca o serão (DINIZ, 1938, p.163).

Em 1877, após as “guerras dos bárbaros”, as terras escolhidas por Lourenço para

funda sua fazenda já estavam praticamente desprovidas de índios que, na sua maioria, foram

mortos, confinados ou assimilados pela devastadora chegada dos europeus.

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Como saber se Lourenço de Brito Correia “aspirou ficar ali morando” e se assumiu as

terras ganhas? Se foi ele quem deu o primeiro passo para a colonização daquelas terras? E

quem foram, além dele, os agentes que modificaram aquele espaço?

Para responder a tais questionamentos, temos como fonte as “cartas de data e

sesmarias de terras”, ou seja, os registros das doações de sesmarias, entre os quais se

encontram os das sesmarias solicitadas por ele e que podem responder a estas perguntas.

Quando, em 18 de novembro de 1766, Lourenço de Brito recebeu oficialmente a

concessão das terras que depois seriam chamadas Alagoa da Perdição2, ainda eram as

Ordenações Filipinas que, com poucas alterações, regulavam as concessões de sesmarias. A

condição mínima de obtenção era que o pretendente fosse cristão e pagasse o dízimo para a

Ordem de Cristo.

Mas não era tão simples assim. Para ser o dono efetivo das terras, Lourenço de Brito

teve que se submeter à complicada burocracia lusitana e como, nesta época, o sertão não

possuía nenhuma vila, a sua petição teria que ser feita na cidade da Paraíba, onde passaria por

uma série de pessoas para que fosse avaliada e feita a concessão.

Encaminhada inicialmente ao Governador da Capitania da Paraíba, este a passava para

Câmara que, por sua vez a repassava: “E sendo-me a petição apresentada mandei por

despacho de 4 de Novembro que informasse o Doutor Provedor da fazenda Real, o qual

mandou enformar o doutor Procurador da Coroa, e fazenda, e que respondeu a Câmara na

forma da Ordem Regia” (AHEPB – Sesmarias – 1717/1768, p.159-159v).

Por fim, este despacho voltaria para o Governador, que daria o despacho final e

assinaria a “Carta de data e sesmaria de terras”, Em seguida, encaminhava para a Secretaria

Provedoria da Fazenda afim de que o secretário fizesse o registro.

2 Nesta primeira data de terras, não há referências à Alagoa da Perdição, essas virão em datas posteriores, que veremos a seguir. São estas referências (rios, sítios, lagoas) que permaneceram com o mesmo nome e permitem, hoje, a localização das sesmarias pertencentes à região do atual município de Princesa Isabel.

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Esse trajeto burocrático era comum a todos os pedidos de sesmarias desta época. Isso,

associado à enorme distância do litoral, fazia com que muitos sesmeiros demorassem anos

para registrar as suas terras. Para que percebamos melhor a complicada malha da burocracia

colonial com relação ao registro de sesmarias, apresento a seguir um fluxograma (01) que

detalha bem o que foi dito.

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Na petição enviada por Lourenço de Brito para seguir esse roteiro3, ainda de acordo

com as Ordenações Filipinas, ele teria que informar, inicialmente, o seu nome e o lugar em

que residia: “[...] Lourenço de Brito Correia, morador no Certão do Piancó como n’esta se

declara [...]”. Eram do sertão do Piancó todos os sesmeiros que declararam a sua origem.

Alguns por já estarem nas terras pedidas em sesmaria há anos, não informavam a sua origem.

Em seguida, devia informar a situação geográfica da terra, justificando as razões do

seu pedido: “[...] que elle no districto do certão do Piancó descobriu a custa de sua fazenda e

muito trabalho terras ocultas, capazes de criar gados, e como o supplicante necessita déllas

para criação de seus gados [...]”.

Possuir rebanho e não ter terras para criá-los, além de ter gastado seu próprio dinheiro

em busca de terras para fundar sua fazenda foi a justificativa que ele utilizou para solicitar as

terras.

A extensão das sesmarias pedidas, que antes eram bem maiores, neste período estava

limitada, pela provisão de 19 de maio de 1729 que dizia, “[...] a tres leguas de comprido e

uma de largo, ou três de largura e uma de comprido, ou finalmente de uma legua em quadro”

(TAVARES, 1982, p.12).

Foi dentro dessa extensão que Lourenço pediu sua sesmaria, fornecendo os seguintes

limites geográficos para a mesma:4

Fazendo piam no poço do Jutuba da parte do norte, correndo para o Sul do poco da escorregadinha pelo Riacho Cravatá acima ate a Serra da Borborema da parte do nascente, correndo pª o puente, pegando do Serrote dos Tapuias ate as nascentes do Riacho xamado timbauba com todas as suas vertentes (AHEPB – Sesmarias – 1717/1768, p.159).

3 O documento pode ser visto na íntegra nos anexos. 4 A lei não esclarecia, porém, a extensão de uma légua. Atribuíam-lhe a medida aproximada de três mil braças (uma braça equivalia a dez palmos ou 2,2 metros, mas havia diferenças regionais). Ou seja, 4.356 hectares. (Verbete Sesmarias, elaborado por Sheila de Castro Faria. In: VAINFAS, 2000, p. 529-531).

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É importante perceber que as delimitações da sesmaria eram feitas pelo próprio

sesmeiro. Para garantir a precisão, só tinha os olhos para medi-la e, devido às grandes

distâncias, um animal que o transportasse. Dessa forma, dificilmente as sesmarias concedidas

possuíam o tamanho exigido.

Os nomes dos marcos geográficos que eram utilizados (rios, poços, lagoas), ao longo

do tempo, foram se modificando. No entanto, a maioria permaneceu, permitindo o

reconhecimento da região a que pertenciam, como é o caso desta sesmaria aqui apresentada,

onde referências como o Jatobá, o riacho Gravatá e a serra da Borborema ainda possuem esta

mesma nomenclatura.

Ainda nesse trecho do documento, percebemos evidências da presença indígena na

região, que ele afirma não ter vizinhos, quando se refere ao “Serrote dos Tapuias”, apesar de

não mencionar, ainda, a lagoa que posteriormente daria nome a suas terras.

Certamente por lá ou existia o remanescente de uma aldeia indígena ou, muito

provavelmente, vestígios do que fora um dia. Mas, sem dúvidas, esse nome não seria

colocado a esmo, ali já existiam pessoas bem antes dele.

A petição encaminhada por Lourenço de Brito, como era de costume, além dos dados

acima citados, apresentava outras informações sobre as terras ocupadas: “[...] as quaes tem o

Supp.e [suplicante] já entrado a cultivar, não comtestando as ditas terras com visinho algum

por estarem muito distantes [...]”.

É nessa afirmação que se identifica seu pioneirismo nas sesmarias da região, devido à

ausência de vizinhos que, caso tivesse, teria que citá-los como referência. Notamos também

que ele, ao fazer o pedido, já estava ocupando a sesmaria solicitada, prática muito comum na

época.

Assim composta, a sua petição foi encaminhada ao Governador, dando início ao longo

percurso burocrático que ela tinha que percorrer. Quando chegou, em 04 de novembro de

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1766 às mãos do Procurador da Coroa e Fazenda, Antonio José Fojos, este, no dia 08 de

novembro, respondeu que, como estavam as terras desocupadas e esta doação não causaria

danos a terceiros, ele não via mal na concessão da sesmaria, desde que o sesmeiro cumprisse

as seguintes condições:

Que tendo no tempo futuro a possecão d’alguma Religião serão obrigados a pagar dizimos na forma dos mais seculares, e sendo em lugar de minas, ou caminho para ellas não lhe será concedido mais que meia légua em quatro, e fora destas será a sua concessão de três leguas de cumprido, ou tão bem légua e meia em quadra, não excedendo porem a taxa da lei, e caso, q. seja a margem de algum Rio Caudalozo, que para se passar necessite de Barca, será reservado ao menos meia légua para publico, e será obrigado a demarcar ao tomar da posse, e a requerer confirmação d’entro no quiquenio, tudo na forma das Ordens de Sua Magestade Fidelíssima (AHEPB – Sesmarias – 1717/1768, p.159v).

Após receber parecer favorável do Procurador, no dia 15 de novembro, a Câmara

respondeu: “[...] Conformamo nos com o parecer do Doutor Procurador da Coroa e Fazenda

[...]”. Essa resposta, que recebeu o Provedor da Fazenda Real, resultou na seguinte conclusão,

que foi encaminhada para o Governador da Capitania no dia 16 de novembro: “[...] A vista da

informação do Dr. Procurador da Coroa, e fazenda, e resposta da Câmara não tenho duvida se

conceda por data a terra que pede o Supplicante em sua petição [...]”.

Essa resposta final do Provedor resultou no despacho de 17 de novembro de 1717,

assinada pelo Governador, que concedeu,

Ao Supplicante as terras, que pede em sua peticão, as quaes em nome de Sua Magestade Fidelissima lhe dou, e faço pura, e irrevogável doação d’este dia para todo o sempre para o Supplicante, e seus herdeiros ascendentes, e decendentes (sic) com as clausulas, e condições, que aponta o Doutor Procurador da Coroa em sua resposta por serem na conformidade das Ordens de Sua Magestade (AHEPB – Sesmarias – 1717/1768, p.160).

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Ele ainda acrescenta que as terras dadas são reconhecidas como devolutas5, condição

fundamental para a doação. Lourenço teria que pagar somente o dízimo e reservar “[...]

fontes, pontes, pedreiras, e estradas necessárias para o bem comum por ser tudo conforme as

ordens de Sua Magestade [...]”. E que, em cinco anos, se não as tivesse cultivado e povoado,

as perderia para quem denunciasse o abandono.

Feita a concessão, o Governador informou, no próprio documento, que enviara o Juiz

às terras para que

Lh’as demarquem por seus verdadeiros rumos, e confrontações, e o metão de posse, e por firmesa lhe mandei passar a presente por mim assignada, e sellada com o signete de minhas armas, que se cumprirá como nélla se contem, e se registrará nesta Secretaria Provedoria da Fazenda, e onde mais tocar (AHEPB – Sesmarias – 1717/1768, p.160v).

Tal fiscalização in loco nunca era realizada, ficando por conta do sesmeiro localizar e

demarcar as terras que lhe eram concedidas.

O registro da sesmaria foi feito pelo secretário, José Pinto Coelho, da Secretaria

Provedoria da Fazenda, no dia 18 de novembro de 1766, passando, a partir dessa data,

Lourenço de Brito Correia a ser oficialmente declarado proprietário das terras que, mais tarde,

chamariam Alagoa da Perdição.

3.4 As sesmarias confinantes

O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio (LE GOFF, 1992, p.547).

5 Terras devolutas eram aquelas que, como pedia a lei, eram deixadas entre as sesmarias cedidas e que, posteriormente, com o povoamento excessivo, foram sendo dadas aos novos solicitantes.

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Por saber que, por trás de cada documento há uma série de intenções como nos aponta

Le Goff (1992). Buscaremos na documentação referente às sesmarias doadas das terras que

viriam a se chamar Alagoa da Perdição um pouco do que foi o processo de colonização no

sertão da Paraíba nos séculos XVIII e XIX.

Nessas páginas, podemos perceber um pouco do que era viver naquele período em que

as pessoas e seus animais saiam em busca de novas terras para desenvolver fazendas e ampliar

as possibilidades de uma vida melhor, efetuando nesse ato a apropriação do espaço produzido.

O fato de Lourenço de Brito ter recebido a data de terras, não quer dizer que ele,

necessariamente, ocupou a sesmaria em questão. Muitas pessoas recebiam sesmarias e não

residiam nas terras.

A tarefa de criar o gado e cultivar lavouras ficava por conta de um morador ou

vaqueiro. Mas alguns dados permitem afirmar que ele, como mandava a lei, cultivou e povoou

a sua sesmaria, sendo efetivamente um agente na produção daquele espaço. É o que nos

mostra a análise dos documentos das sesmarias que faziam divisas com a sua e até mesmo das

terras devolutas que existiam entre uma sesmaria e outra que posteriormente foram sendo

ocupadas.

Com o passar do tempo e a chegada de novos sesmeiros na região, as cartas de

sesmarias passaram a informar como limites, além dos marcos geográficos, os nomes dos

vizinhos da sesmaria solicitada. Um levantamento destas sesmarias, tendo por base a de

Lourenço de Brito, permitiu identificar alguns dos seus vizinhos e mostrar como se deu a

colonização daquele espaço (Quadro 03):

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Quadro 03 – Levantamento das sesmarias confinantes

Ano Sesmeiro Proveniente de

Ocupa- Cão

Justificativa Objetivo Localização

1766 Lourenço de Brito Correia

Nada consta (n/c)

Criador Descoberta c/ despesa

Criar Gado Sertão do Piancó

1767 Felippe Gomes de Leiros e Antonio Ribeiro de Oliveira

n/c Criador Descoberta c/ despesa

Criar Gado e lavouras

Serra Negra

1776 João de Sousa

n/c Criador Descoberta Criar Gado Alagoa do Junco

1777 Francisco de Arruda Câmara e Antonio Rodrigues Leal

Pombal Criador Descoberta Criar Gado Riacho do Gravatá /

1787 Ignácio da Luz, Thomaz de Souza e Clemente da Fonseca

n/c Já possui lá, gado e plantações

Oficializar a posse, criar gado e lavouras

Riacho Travessia

1788 Lourenço de Brito Correia

Alagoa da Perdição

Criador Necessita de mais terras

Criar gado e lavouras

Alagoa da Perdição

1791 José de Araújo Cavalcanti

n/c n/c Descoberta n/c Ribeira do Piancó

1815 Manoel Gomes da Silva

Sertão do Piancó

n/c Terras devolutas

n/c Cabeceiras do Riacho Gravatá

1816 Silvestre Martins de Oliveira

Sítio Macaco Agricultor

Terras devolutas

Transferência de posse

Vizinho ao seu sítio

1816 José de Paiva Mattos

Sertão do Piancó

n/c Aquisição por compra

Transferência de posse

Alagoa da Perdição

Fonte: Criado a partir da documentação manuscrita sobre sesmarias do AHEPB. Elaboração: Emmanuel Conserva de Arruda

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A análise destes documentos mostra que, um ano após o registro das terras de

Lourenço de Brito, no dia 08 de maio de 1767, recebeu concessão de sesmaria Felippe Gomes

de Leiros e Antonio Ribeiro de Oliveira, em terras próximas às de Lourenço. A sua carta de

sesmaria, no entanto, não deixa muito claro a localização da mesma, mas outras cartas a

identificam como o “sítio Alagôa do Livramento” (AHEPB – Sesmarias - 1717/1768, p.168-

170).

Após a doação dessa sesmaria, demorou aproximadamente dez anos para outro

registro ser feito. Só no dia 26 de maio de 1776 é que João de Souza recebeu concessão de

suas terras, sobre quais cita as seguintes confrontações: “[...] contesta p.la p.e do sul com

Lour.ço de Britto, p.la do N.e com a Serra do Maracajá, p.lo do Poente com João Paz, e p.la do

Nasc.te com Dom.os Alves [...]”. Dessa maneira, a conformação inicial da região ia se

delineando (AHEPB – Sesmarias - 1768/1776, p.165v-167v).

Vale salientar que não constam registros de terras para João Paz e Domingos Alves,

citados no documento anterior e em outros que virão em seguida. O mais provável é que eles

ou eram moradores em terras alheias, ou não tiveram interesse em registrar suas terras, já que

a lei garantia a posse, caso outro solicitasse, a quem já estivesse no local.

É possível, também, que estes registros tenham desaparecido dos arquivos. De

qualquer maneira, este dado é importante porque faz perceber que, ao se registrar as terras,

eram declarados os vizinhos que realmente estivessem nelas, sendo proprietários ou não. O

que confirma a presença de Lourenço na sua propriedade.

Mas a corrida por concessão de terras estava só começando. Em seguida, no dia 09 de

junho de 1777, receberam concessão o Capitão-mor Francisco de Arruda Câmara e Antonio

Rodrigues Leal, que também citam “[...] contestando pelo sul pelo riacho Cravatá acima com

Lourenço de Brito [...]” (TAVARES, 1982, p. 367).

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Em seguida a estes, em 11 de novembro de 1787, registram terras Inácio da Luz,

Thomaz de Souza e Clemente da Fonseca, informando que eles descobriram terras no riacho

chamado travessia “[...] constestando pelo sul com o sítio Alagôa do Livramento [...] correndo

pelo dito riacho abaixo [...] incluindo o lugar cachoeirinha [...] e pela do nascente extremando

com o sítio Alagôa da perdição de Lourenço de Brito, e pela do poente com terras incultas”

(TAVARES, 1982, p. 429). Foi a primeira vez, na documentação analisada, que Lourenço de

Brito teve sua propriedade denominada: Alagoa da Perdição.

O próprio Lourenço de Brito, alegando necessidade de mais terras para plantar e criar

gado, recebeu, em 06 de agosto de 1788, a concessão de mais uma sesmaria, vizinha à que lhe

pertencia, chamada, agora, Alagoa da Perdição, da qual declarou os seguintes limites: “[...]

pegando das extremas da data do supplicante da parte norte que fica servindo de extremo do

sul da nova sesmaria e continuando pelo mesmo rumo, que é do sul ao norte até encher-se da

dita porção [...]” (TAVARES, 1982, p. 328). O pedido de mais uma sesmaria confirmou a

posse de Lourenço nas terras concedidas e o torna proprietário de uma enorme porção de

terras.

Mas a formação desta enorme sesmaria não parou por aí. No dia 22 de março de 1791,

seu filho, José de Araújo Cavalcanti, também recebeu concessão de terras contíguas à sua,

Tendo principio nas nascenças do Riacho chamado da Velha que desagoa para o Pajaú, buscando o Piancó, com todas as agoas que nascem da Serra Grande, para o Riacho do Gravatá, entre os providos no Riacho de Ignácio da Luz, pela parte do Poente e do Nascente com a Data de Lourenço de Britto, athe o Riacho Macaco (AHEPB – Sesmarias - 1789/1808, p.59).

Assim, a família de Lourenço de Brito possuiu uma sesmaria cuja dimensão

corresponde à grande parte do atual município de Princesa Isabel, indo dos contrafortes do rio

Piancó a os do Pajeú. Terras que certamente, em vista da sua grande extensão, eram ocupadas

por vaqueiros e moradores, para efetuar a sua ocupação.

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No início do século XIX, já era dono de todas estas terras José de Araújo Cavalcanti

que, após a morte do seu pai, como era de lei, herdara as sesmarias que lhe haviam pertencido.

Isso é o que nos mostram as informações contidas nas datas de terras desse período.

A partir de então, o sertão do Piancó passou a ser termo da vila de Pombal (fundada

em 04 de maio de 1772). Os sesmeiros tiveram que dirigir sua petição à Câmara desta vila,

para que as terras fossem fiscalizadas e a petição enviada ao Governador. Essa mudança

aumentou o tempo para se ter o registro da sesmaria.

Em um documento de 09 de julho de 1816, Silvestre Martins d’Oliveira, morador no

sítio Macaco, se dirigiu à Câmara da vila de Pombal pedindo as terras vizinhas ao seu sítio, as

quais Felipe Gomes de Leiros, anteriormente citado, recebeu por sesmaria,6 “[...] pegando da

Barra daquelle Riacho á extremar com o Sitio Sam José, sem que em todo este tempo a tenha

povoado, e menos feito o minimo beneficio, e nem a ter demarcado e confirmado [...]”. Nste

trecho percebe-se a importância do sesmeiro se apossar das terras ganhas, sob o perigo de

outro lhe tomar o direito de posse.

Sua petição foi negada, pois Manoel Antonio Moreira “[...] aprezentou em seu

requerimento, e trez documentos por meio dos quales se opões á Data [...]”, afirmando que

comprou as terras de Antonio Ribeiro de Oliveira, sócio de Felippe Gomes de Leiros e passou

a pedir para si a dita data de terras. Esse impedimento recebeu a seguinte conclusão: “[...]

como nem aquelles prim.os [primeiros] Sesmeiros, nem o mesmo Manoel Antonio Moreira em

tantos tempos tenha demarcado na fórma da condição com que sem.es [semelhantes] Datas

são concedidas, [...]”. Por este motivo, as terras são consideradas devolutas e, assim sendo,

capazes de serem dadas.

Então, após uma espera que durou de 20 de dezembro de 1815 a 09 de julho de 1816,

Silvestre Martins d’Oliveira recebeu a concessão das terras, com as seguintes confrontações:

6 Este documento não foi localizado. Sendo esta, a única referência a ele.

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Pegando do Riacho Cravatá no lugar aonde faz barra o Riacho Macaco por elle acima pela parte do Sul ate extremar com o Sitio Sam José pertencente a Feliz da Luz, p.a o Nascente com terras da Perdição de José d’Araujo Cavalcante, e mais Sesmeiros, para o poente com terras da Caxoeira de Francisco da Silva, e para o Poente a extremar com Cravatá (AHEPB – Sesmarias - 1716/1824, p.30-32v).

Bem mais que mostrar os limites da concessão feita a Silvestre Martins, esse trecho

demonstra que as terras que antes foram de Lourenço de Brito, pertenciam agora a seu filho “e

mais sesmeiros” que, por sua vez, embora no documento não apareça, já as tinham vendido a

José de Paiva Mattos. Só que este, mesmo após a compra e ocupação, não pediu o registro das

sesmarias adquiridas. Por isso, para a Câmara de Pombal, ainda é José de Araújo o seu

legítimo dono.

Não se pode precisar quando José de Paiva chegou à Alagoa da Perdição, mas um

pedido de terras devolutas, feito por Manoel Gomes da Silva, “[...] entre as sesmarias do

riacho Gravatá nas cabeceiras do dito riacho [...]”, apresentando as confrontações:

Pegando da parte do sul da lagôa chamada S. João, correndo rumo ao norte a extremar com a sesmaria do dito Francisco Freire Mariz e pela parte do nascente extremando com aguas da ribeira de Pagehú e da parte do poente no rumo do norte, apanhando dentro da compreenção das ditas sobras um serrote chamado do Gavião (TAVARES, 1982, p.75).

Fez com que José de Paiva procurasse a Câmara de Pombal, reclamando como sua,

parte das terras pedidas, mas “[...] ouvidos o procurador da corôa e provedor opinárão que não

havia prejuizo, porque o supplicante pedia as sobras das terras, depois de preenchidas as

sesmarias antigas.” A concessão para Manoel Gomes foi feita em 07 de agosto de 1815.

Embora José de Paiva já estivesse a mais tempo nas terras adquiridas, este último

sesmeiro registrado na Alagoa da Perdição, teve sua concessão datada de 10 de junho de

1816, onde se informa que

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Á José de Araujo Cavalcanti, e a sua mulher comprára uma porção de terra na Alagoa da Perdição pegando pelo lado do nascente no buraco do meio da dita Alagôa, e corrente ao sul ate o serrote, onde tem uma pedra redonda sobre uma lage pelo cam.o [caminho] d’Alagôa de Sam João que vai para o pajaú, e p.lo lado do Poente, pegando do mesmo buraco rumo direito ao poente até um lugar chamado Boenos Ayres, e dahí seguindo ao Sul í entestar com Agoas do Pajaú, a qual terra julgava o vendedor estar incluída sua sesmaria, que obteve seu Pae o falecido Lourenço de Brito da mesma Alagôa Perdição (AHEPB – Sesmarias - 1816/1824, p.19v-21v).

Para confirmar o que foi declarado, a Câmara enviou o “Juiz de Ventena” para o local

da sesmaria, o qual, após consultar os confinantes do sítio Buenos Ayres, Manoel Gomes e

Manoel Rodrigues, conclui: “[...] Faça o referido na verdade. Perdição 21 de M.o [maio] de

1815”.

Este documento indica, além da localização, que Lourenço de Brito fixou morada na

Alagoa da Perdição e que seu filho, por lá não residir, desconhecia os limites da sesmaria e,

por alguma razão, vendeu parte de sua propriedade. O que vem a seguir, depois da posse de

José de Paiva e as possíveis conexões destes sesmeiros com D. Nathália, estes documentos

não contam.

Como as doações de sesmarias foram suspensas em 1822, nenhuma lei regia a posse

da terra, o que durou até 1850, quando foi lançada a “Lei de Terras”.7 Nesse período, em que

não foram feitos registros, houve um intenso povoamento das terras do sertão, processo que,

para ser compreendido com mais clareza, é necessário que se pesquise nos registros de terras

feitos após a Lei de Terras, caso estes ainda existam.

Enfim, o território brasileiro configura-se pela presença reiterada do colonizador, que afirma o domínio da metrópole sobre os lugares de seu assentamento, criando uma nova situação na relação sociedade/espaço praticada nestas paragens. É a ocupação efetiva que qualifica a colônia, que

7 É como ficou conhecida a lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Ela foi criada para atender à necessidade de organizar a situação dos registros de terras doadas desde o período colonial e legalizar as terras ocupadas sem autorização, para depois reconhecer as devolutas e que pertenciam ao Estado. É um documento fundamental para compreender a organização agrária do Brasil. (Disponível em <http://www.webhistoria.com.br/lei1850.html>. Acesso em 24 de fevereiro de 2003)

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a objetiva como espaço subordinado. Portanto, o Brasil nasce e se desenvolve sob o signo da conquista territorial: trata-se da construção de uma sociedade e de um território, e mais, de uma sociedade que vai ter na montagem do território um de seus elementos básicos de coesão e identidade sociais. Por isso, a dimensão espacial será uma das determinações fortes em sua formação histórica (MORAES, 2000, p.411).

Foi essa documentação que possibilitou perceber como ocorreu o domínio da

metrópole sobre a colônia e a produção do espaço no sertão paraibano com seus principais

agentes, criando uma sociedade que, através de elementos de colonizadores e índios,

souberam se estabelecer e sobreviver.

Esse era o paradigma seguido nas várias áreas de ocupação. Como foi demonstrado até

aqui, Alagoa da Perdição se estruturou a partir da conquista territorial, que foi a lógica que

moveu a colonização, através da conquistas das terras que antes eram habitadas por índios. A

historiografia paraibana, como é composta de obras que abrangem temáticas e períodos

variados, não permite que se percebam as especificidades do processo de colonização do

sertão.

Em algumas localidades, as únicas histórias que ainda restam são transmitidas

basicamente pela tradição oral, que por falta de registro adequado e pelo pouco interesse que

as novas gerações dão a essas narrativas, é bem possível que desapareçam junto com os

malcuidados arquivos históricos.

Foi tentando responder a algumas perguntas que, depois de muitas leituras e do

levantamento documental, pude perceber que no processo de expansão da criação de gado,

iniciado no interior da Paraíba, logo após a expulsão dos holandeses e subjugação dos índios,

inúmeras pessoas pediram terras e, entre essas, foi possível identificar o primeiro sesmeiro

registrado para Alagoa da Perdição e seus vizinhos mais próximos, em terras que antes

pertenciam aos índios Corema.

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Através dos pedidos de datas de terras, foi possível entender o percurso para se obter

uma sesmaria, na segunda metade do século XVIII. Foi nessa difícil transição que se deu a

construção desse território e dessa nova sociedade.

É possível perceber ainda como diferentes membros de uma mesma família iniciaram

a formação de latifúndios, através de constantes solicitações de sesmarias. Tornando-se, com

isso, proprietários de extensas faixas de terras.

Enfim, no caso específico de Alagoa da Perdição, a história contada a partir da

documentação, juntamente com as fontes orais, permitiu visualizar uma parte do processo e

vislumbrar novos caminhos

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C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S ____________________________

Como foi demonstrado até aqui, Alagoa da Perdição se estruturou a partir da conquista

territorial. Lógica que move a colonização através da conquistas das terras que antes eram

habitadas por índios. Nesse processo de apropriação do espaço, identificamos diversos

agentes que nele atuaram.

A historiografia paraibana, como é composta de obras que abrangem temáticas e

períodos abrangentes, não permite que se perceba as especificidades do processo de

colonização do sertão, deixando importantes aspectos passarem despercebidos.

Em algumas localidades, as únicas histórias que ainda restam são transmitidas

basicamente pela tradição oral. Por falta de registro adequado e pelo pouco interesse que as

novas gerações dão a essas narrativas, é bem possível que desapareçam junto com os

malcuidados arquivos históricos.

Como vimos, as obras clássicas ou de histórias dos municípios que tratam desse

período, anulam os índios como sujeitos históricos, rejeitando como agentes de importância

para a formação social e a organização do espaço em estudo.

Em virtude disso, é evidenciada a presença dos índios que, junto aos colonizadores,

foram os principais agentes na apropriação do espaço do sertão no período colonial e que,

muitas vezes, são omitidos, mesmo que não intencionalmente, na produção sobre o período.

Entendemos como fator necessário, demonstrar, através da fala dos cronistas, como

viveram, atuaram e também se apropriaram do espaço em que viviam. Foram os índios da

tribo Corema, da nação Tapuia, que habitavam as terras que se tornaram a fazenda Alagoa da

Perdição de Lourenço de Brito Correia e demais sesmeiros.

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A partir do contexto histórico, motivações e itinerários da colonização do sertão da

Paraíba, bem como das concessões de terras através do sistema sesmarial, enfatizamos a

ocupação colonial do sertão, enfocando os agentes produtores do espaço (moradores,

sertanistas, missionários e índios) e seus diversos interesses.

Foi tentando responder a algumas perguntas que, depois de muitas leituras e do

levantamento documental, pudemos perceber que no processo de expansão da criação de gado

iniciado no interior da Paraíba, logo após a expulsão dos holandeses e subjugação dos índios,

inúmeras pessoas solicitaram terras e, entre essas, foi possível identificar o primeiro sesmeiro

registrado para Alagoa da Perdição e seus vizinhos mais próximos.

Através dos pedidos de datas de terras, foi possível entender o percurso para se obter

uma sesmaria na segunda metade do século XVIII. Possibilitando perceber ainda como

diferentes membros de uma mesma família iniciaram a formação de latifúndios, através de

constantes solicitações de sesmarias. Com isso, tornaram-se proprietários de extensas faixas

de terras antes habitadas por índios. Nessa difícil transição que se foi estruturando esse espaço

e essa nova sociedade.

Procuramos demonstrar que a colonização do sertão não foi obra apenas do europeu

colonizador e que dela também teve participação significativa para que o empreendimento

desse certo os povos indígenas. Inúmeros índios se associaram ao colonizador movido por

força ou interesse e, dessa forma, atuaram de formas diversas.

Gostaríamos de destacar a importância da proposta deste trabalho, entendendo que

poderia ser mais uma contribuição no sentido de tentarmos entender a formação da sociedade

sertaneja no período colonial, através das relações de seus principais agentes que, com

alianças e resistências, interagiram na produção do espaço.

Nossa análise se configura como uma contribuição para os estudos sobre a

organização do espaço no sertão paraibano. Ao mesmo tempo em que demonstra a

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insuficiência de pesquisas nessa temática e o descaso dos arquivos públicos, possibilitando a

perda de informações relevantes para a compreensão do tema. Há, ainda, muito a ser feito,

mas isso fica a encargo dos novos pesquisadores, que nesse trabalho verão alguns caminhos

por nós apontados.

No entanto, como se sabe, nenhum pesquisador esgota o tema que propõe tratar. Por

isso, faz-se necessário trabalhos que abordem questões, tais como esse que aqui

desenvolvemos. Eles são importantes para que compreendamos nossa formação territorial ou,

além disso, nossa formação como nação.

No caso específico de Alagoa da Perdição, enfim, a história contada a partir da

documentação, juntamente com as fontes orais e bibliográficas, permitiu visualizar uma parte

do processo e vislumbrar novos caminhos.

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R E F E R Ê N C I A S ________________________________________

DOCUMENTAÇÃO

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A N E X O S ______________________________________________

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FUNESC ‐ ARQUIVO HISTÓRICO  SESMARIAS – 1717 / 1768

Lourenço de Brito Correia

158.V Registro de huma carta de data, e sesmarias de

terras no distrito da serra da Borborema passada ao sobre.to

159. Jerônimo José de Melo e Castro # Faço saber aos

que esta minha carta de data, e sesmarias de ter-

ras de pura, e irrevogavel doação d‘este dia para todo

sempre virem, que a mim me enviou a diser por sua

petição Lourenço de Brito Correia, que elle no distri-

cto do certão do Piancó descobriu a custa de sua fa-

zenda e muito trabalho terras ocultas, capazes de cri-

ar gados, e como o supplicante necessita déllas pa-

ra criação de seus gados me pedia em conclusão

fosse servido conceder-lhe em nome de Sua Ma-

gestade Fidelíssima por data, e Sesmarias trez le-

guas de terra de cumprido e huma de largo, meia

para cada banda, fazendo piam no poço do Jutu-

ba da parte do norte, correndo para o Sul do po-

co da escorregadinha pelo Riacho Cravatá acima

ate a Serra da Boborema da parte do nascente,

correndo pª o puente, pegando do Serrote dos Tapuias

ate as nascentes do Riacho xamado timbauba com

todas as suas vertentes, que se achão déntro da

comprehenção da dita data de trez leguas de terra

as quaes tem o Supp.e já entrado a cultivar, não com-

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testando as ditas terras com visinho algum por esta-

rem muito distantes E receberia mercê. E sendo-

me a petição apresentada mandei por despacho de

159.V despacho de 4 de Novembro que informasse o Dou-

tor Provedor da fazenda Real, o qual mandou enfor-

mar o doutor Procurador da Coroa, e fazenda, e que

respondeu a Câmara na forma da Ordem Regia,

e sendo-lhe a petição apresentada n’ella veio com

a sua resposta do teor seguinte = Sem.r Doutor Pro-

vedor da Fazenda Real. Estando as terras de q.

o Supplicante faz menção devolutas, e desaprovei-

tadas, e não prejudicando a terceiro, não tenho du-

vida se lhe conceda por Sesmarias, com a clausu-

la porem que tendo no tempo futuro a posse-

cão d’alguma Religião serão obrigados a pagar di-

zimos na forma dos mais seculares, e sendo em

lugar de minas, ou caminho para ellas não lhe

será concedido mais que meia légua em quatro, e fo-

ra destas será a sua concessão de três leguas

de cumprido, ou tão bem légua e meia em qua-

dra, não excedendo porem a taxa da lei, e caso, q.

seja a margem de algum Rio Caudalozo, que para

se passar necessite de Barca, será reservado ao

menos meia légua para publico, e será obrigado

a demarcar ao tomar da posse, e a requerer con-

firmação d’entro no quiquenio, tudo na forma das

Ordens de Sua Magestade Fidelíssima. Para-

Hiba 8 [?] de Novembro de 1766. o Procurador da Co-

Roa, e Fazenda Antonio José de Fajos [?]. E res-

160. E respondeu a Câmara o seguinte = Conforma-

mo nos com o parecer do Doutor Procurador da Co-

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roa e Fazenda. Cidade 15 de Novembro de 1766 =

Mathias de Bastos Silva = Escrivão da Câmara

A escrevi = Pires = Rego = Lima = Gomes = Respondeu

o Doutor Provedor da Fazenda Real o seguinte = S. [?]

Coronel Governador A vista da informação do Dr.

Procurador da Coroa, e fazenda, e resposta da Câmara

não tenho duvida se conceda por data a terra que

pede o Supplicante em sua petição, não prejudican-

do a terceiro, e com todas as mais clausulas expre-

çadas na informação do Sto. [?] Procurador da Coroa. V.za

mandará o que for servido. Parahiba 16 de Novem-

bro de 1766 = Manoel Rodrigues Coelho = E sendo-

me apresentado a petição mandará por final des-

pacho de 17 de Novembro de 1766 que concedia

ao Supplicante as terras, que pede em sua peti-

cão, as quaes em nome de Sua Magestade Fidelis-

sima lhe dou, e faço pura, e irrevogável doação d’es-

te dia para todo o sempre para o Supplicante, e seus

herdeiros ascendentes, e decendentes com as clausulas,

e condições, que aponta o Doutor Procurador da Co-

roa em sua resposta por serem na conformidade

das Ordens de Sua Magestade, e as ditas terras lhe

dou como por devolutas, e desaproveitadas, sem pen-

cão, nem foro, salvo disimo a Deos, reservando

fontes, pontes, pedreiras, e estradas necessarias pa-

160.V necessarias para o bem comum por ser tudo

conforme as ordens de Sua Magestade, que

tão bem determina que dentro em cinco an-

nos as cultivem, e povoem, e impetrem [?] con-

firmação sua, pena de ficarem devolutas pa-

ra quem as denunciar, e com todas as mais

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clausulas, e condições, que aponta o Doutor

Procurador da Coroa. Pelo que mando ao Ju-

iz, e Previsão das demarcações lh’as demarquem

por seus verdadeiros rumos, e confrontações, e o

metão [?] de posse, e por firmesa lhe mandei pas-

sar a presente por mim assignada, e sellada

com o signete de minhas armas, que se cum-

prirá como nélla se contem, e se registrará

nesta Secretaria Provedoria da Fazenda, e on-

de mais tocar. Dada nesta Cidade da

Parahiba do Norte aos 17 de Novembro de

1766 = José Pinto Coelho = Secretario a fez es-

crever = lugar do Sello = Com a rubrica do

Senhor Governador = Carta de Data, e

Sesmarias de Terras de três leguas de cumpri-

do, e huma de largo, fazendo pião no po-

co da Jatuba da parte do nascente correndo

para o puente, pegando do serrote dos Tapuios

dos tapuios ate as nascentes do Riacho chama-

do Timbauba com huma alagoa estremando

com as agoas do Pajaú, que V. Sa. foi servi-

do conceder em nome de Sua Magestade

Fidelíssima a Lourenço de Brito Cor-

reia, morador no Certão do Piancó como

n’esta se declara Para V. As. Ver [?] = E não

se continha mais na dita Data a que me

reporto. Parahiba 18 de Novembro de 1766.

José Pinto Coelho

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A779a ARRUDA, Emmanuel Conserva de. A ação colonizadora produzindo o espaço: de aldeias indígenas à Alagoa da Perdição (1766-1816). /Emmanuel Conserva de

Arruda. – João Pessoa, 2007. 102p. Orientadora: Ariane Norma de Menezes Sá Dissertação (mestrado) – UFPB/CCEN 1. Colonização – Século XVIII – Paraíba.

2. Colonização – Paraíba (1766-1816). UFPB/BC CDU: 325.3 (813.3) (043)