FunçãoAdm Dir AMoradia

Embed Size (px)

DESCRIPTION

m

Citation preview

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Srgio Cedano

    A FUNO ADMINISTRATIVA E A PROTEO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE MORADIA.

    MESTRADO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

    SO PAULO

    2010

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Srgio Cedano

    A FUNO ADMINISTRATIVA E A PROTEO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE MORADIA.

    MESTRADO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Direito Administrativo, sob a orientao do Prof. Doutor Clovis Beznos.

    SO PAULO

    2010

  • Banca Examinadora

    ___________________________

    ___________________________

    ___________________________

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Eurpedes (in memorian) e Maria

    Lcia, que forjaram meu carter com extrema dignidade.

    minha esposa Elisane e minha filha Carolina

    pela compreenso e apoio incondicional.

    minha irm Simone Cedano, exemplo de doura

    e determinao.

    Ao meu cunhado Eliseu Rossi, advogado brilhante e

    amigo de todas as horas.

    Ao carssimo Professor e Orientador Clovis Beznos

    pelas valiosas lies de Direito Administrativo e pela especial ateno durante

    todo o desenvolvimento desse trabalho acadmico, demonstrando verdadeiro

    comprometimento e amor pelo debate jurdico.

    Ao Professor Slvio Lus Ferreira da Rocha,

    exemplo de magistrado e ser humano.

    Especial agradecimento aos amigos e Professores

    da COGEA/PUC, Carolina Zancaner Zockun, Jlia Plenamente Silva,

    Mariana Mencio, Maurcio Zockun e Ricardo Marcondes Martins.

  • RESUMO

    A funo administrativa eminentemente teleolgica, porquanto est adstrita a

    satisfazer interesses pblicos primrios e, para tanto, encontra-se lastreada em dois

    princpios basilares, quais sejam: supremacia do interesse pblico sobre o privado e o da

    indisponibilidade dos interesses pblicos. Toda a atuao administrativa, para ser

    vlida, deve obedincia ao princpio da dignidade da pessoa humana, seja na sua

    acepo negativa, objetivando impedir a atuao arbitrria do Estado, seja na

    perspectiva positiva, em que o Estado dever ter como meta permanente a proteo da

    vida em todas as suas acepes.

    No exerccio da funo administrativa, o Estado realiza atividades como a interveno

    no domnio social, por meio das polticas pblicas e atividades de fomento

    administrativo, a gesto de bens pblicos e o poder de polcia. A inao estatal reveste-

    se de ilegitimidade e configura-se como prtica ilegal, de modo a conferir direitos

    pblicos subjetivos aos administrados lesados.

    A Constituio Federal, no inciso IX do art. 23, definiu como matria de competncia

    administrativa comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios

    promover programas de construo de moradias e a melhoria das condies

    habitacionais e de saneamento bsico. Percebe-se, portanto, que a questo da moradia

    est inserida no contexto do dever-poder do Estado, eis que includa no mbito do piso

    vital mnimo ou do mnimo existencial para a efetividade do direito subjetivo a uma

    vida digna (art. 6, CF).

    O Texto Constitucional, ao estabelecer expressamente que a propriedade dever atender

    a sua funo social (art. 5, XXIII) e, especialmente, quando reputou como princpio da

    ordem econmica a existncia digna de todos, conforme os ditames da justia social

    (art. 170, II e III), provocou o surgimento de uma nova estrutura interna do conceito de

    propriedade. A incluso do princpio da funo social modifica a estrutura do direito de

    posse, na medida em que o possuir deixa a condio de mero observador de respeito

    erga omnes, como mero sujeito passivo universal, e passa a titularizar direitos

    subjetivos, em ateno superior previso constitucional do direito social de moradia e

    o conseqente acesso aos bens vitais mnimos, inclusive na relao com o Estado.

    Palavras-chave: (1) funo administrativa; (2) dignidade pessoa humana; (3) moradia.

  • SUMMARY

    The administrative function is eminently teleological, since it is related to satisfying

    primary interests, and as such, finds itself supported by two basic principles: the

    supremacy of public interest over the private and the inalienability of public interests. In

    order to be valid, all administrative actions must follow the human beings principle of

    dignity, whether in its negative sense, aiming at stopping the States arbitrary actions, or

    in its positive perspective, in which the State must have as permanent objective the

    protection of life in all its connotations.

    In the exercise of the administrative function, the State realizes activities such as

    intervention on social domain, by means of public policies and activities to support the

    administration, the management of public assets and the power of the police. The state

    inaction is considered illegitimate and an illegal practice, in such a way as providing

    individuals who had their rights violated the right to make demands on the State.

    The Federal Constitution, paragraph 9 or article 23, defined as common administrative

    competence of the Union, the States, Federal District and Municipalities, the promotion

    of programs to build homes and to improve the living conditions and basic sanitation.

    Therefore, it is observed that the issue of having a residence is inserted in the context of

    the right-power of the State, included in the scope of the minimum vital space or

    existential minimum for the execution of the subjective right of a dignified life (art. 6,

    CF).

    The Constitutional Text, establishing expressly that property must have its social

    function (art. 5, 23) and, especially when it is considered everyones existence with

    dignity as a principle of the economic order, according to the social justice (art. 170, 2 e

    3), resulted in the emergence of a new internal structure of the concept of property. The

    inclusion of the social function principle modifies the structure of the right of

    ownership, in that to own leaves the condition of a mere observer of erga omnes respect,

    as a mere universal passive subject, and starts to consider subjective rights, following

    the superior constitutional consideration of the social right of residence and the

    consequent access to minimum vital assets, including in the relation with the State.

    Key word: (1) administrative function; (2) human beings principle of dignity; (3) build homes.

    6

  • SUMRIO I) INTRODUO .........................................................................................................................9 II) FUNO ADMINISTRATIVA .............................................................................................13 1. O Estado e suas Funes. ...........................................................................................................13 2. A funo Administrativa. ...........................................................................................................16 3. O Regime Jurdico Administrativo..............................................................................................19

    3.1. Supremacia do interesse pblico sobre o privado...................................................................20 3.2. Indisponibilidade dos interesses pblicos..............................................................................22 3.3. Princpios da Administrao Pblica. ...................................................................................24

    3.3.1. Princpio da Legalidade..............................................................................................26 3.3.2. Princpio da Impessoalidade .......................................................................................28 3.3.3. Princpio da Moralidade.............................................................................................29 3.3.4. Princpio da Publicidade ............................................................................................30 3.3.5. Princpio da Eficincia. ..............................................................................................31 3.3.6. Princpio da Motivao ..............................................................................................32 3.3.7. Princpio da Proporcionalidade...................................................................................32 3.3.8. Princpio da Finalidade. .............................................................................................34

    4. A Omisso Administrativa. ........................................................................................................37 5. A Funo Administrativa e a Dimenso Vertical da Dignidade da Pessoa Humana.........................40 III) A PROTEO CONSTITUCIONAL DA MORADIA COMO UM DIREITO

    FUNDAMENTAL. OS COMPONENTES CONCEITUAIS......................................................45 1. Direito de Moradia e a Funo Social das Propriedades Privada e Pblica. ....................................53 2. O Direito de Moradia e a Funo Social da Posse. .......................................................................58 3. O Direito de Moradia e a Proteo de Pessoas em Situao de Risco.............................................61 IV) AS FUNES ADMINISTRATIVAS EM ESPCIE E A PROTEO DO DIREITO DE

    MORADIA............................................................................................................................63 1. A Interveno no Domnio Social e a Garantia do Mnimo Existencial. .........................................63

    1.1. Polticas pblicas. ...............................................................................................................67 1.1.1. Conceito e os pensamentos dos Professores Celso Antnio Bandeira de Mello e Maria

    Paula Dallari Bucci....................................................................................................68 1.1.2. As objees ao controle do mrito administrativo e a separao entre os poderes. ..........69 1.1.3. A objeo da efetividade das normas programticas e a garantia do mnimo

    existencial.................................................................................................................74 1.2. Atividade de fomento como mecanismo de implementao do direito de moradia. ..................83

    1.2.1. Conceito de atividade de fomento...............................................................................85 1.2.2. Princpios. ................................................................................................................86 1.2.3. Anlise crtica da deciso do STF no Recurso Extraordinrio n 407.688/SP: a

    penhorabilidade do bem de famlia como atividade de fomento estatal. .........................87 1.2.4. Alguns exemplos de atividade de fomento ao direito de moradia. .................................89

    1.2.4.1. Reduo da taxa de financiamento do setor imobilirio. ...................................89 1.2.4.2. Polticas pblicas e as entidades do terceiro setor. ...........................................90 1.2.4.3. Cooperativismo do setor imobilirio. ..............................................................90 1.2.4.4. Participao estatal na pesquisa de materiais e outros recursos empregados na construo de moradias..............................................................................................90

    2. A Gesto de Bens Pblicos e a Proteo do Direito de Moradia. ...................................................91 2.1. Conceito de bem pblico. ....................................................................................................91 2.2. Distino entre os bens pblicos e os bens difusos (bens ambientais). .....................................91

  • 2.3. Classificao dos bens pblicos............................................................................................92 2.3.1. Bens de uso comum do povo ......................................................................................92 2.3.2. Bens de uso especial do Estado...................................................................................93 2.3.3. Bens dominiais ..........................................................................................................93

    2.4. Regime Jurdico dos bens pblicos. ......................................................................................94 2.4.1. Inalienabilidade.........................................................................................................94 2.4.2. Imprescritibilidade.....................................................................................................94 2.4.3. Impenhorabilidade e no-onerao..............................................................................94

    2.5. Distino entre propriedade e domnio..................................................................................95 2.6. Gesto dos bens pblicos e o exerccio da funo social pro moradia. .................................96

    2.6.1. Autorizao de uso para fins urbansticos....................................................................97 2.6.2. Permisso de uso .......................................................................................................98 2.6.3. Concesso de uso: .....................................................................................................98 2.6.4. Concesso de direito real de uso .................................................................................99 2.6.5. Direito de superfcie: .................................................................................................99 2.6.6. Concesso de uso especial para fins de moradia.........................................................100

    V) A PROTEO DO DIREITO DE MORADIA E O EXERCCIO DA POSSE NO

    TITULADA. .........................................................................................................................102 1. Distino entre Posse e Deteno (ou ocupao) de Bem Pblico....................................................102 2. A Funo Social da Posse. .......................................................................................................104 3. A Desapropriao Judicial........................................................................................................108 4. A Urbanizao de Favelas. .......................................................................................................110 5. Indenizao por Benfeitorias e Direito de Reteno. ..................................................................112 6. Limites Auto-Executoriedade do Poder de Polcia. ..................................................................113 VI) CONCLUSES FINAIS ....................................................................................................119 VII) BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................121

    8

  • I) INTRODUO

    O Estado dotado de poder poltico para promover o atendimento das

    necessidades do cidado, atendendo aos objetivos fixados pelo artigo 3 da Constituio

    Federal. A efetivao de tais objetivos deve nortear toda atividade estatal, em especial

    no exerccio de suas funes mais relevantes: legislativa, executiva e judiciria.

    A funo administrativa eminentemente teleolgica, porquanto est adstrita a

    satisfazer interesses pblicos primrios e, para tanto, encontra-se lastreada em dois

    princpios basilares, quais sejam: supremacia do interesse pblico sobre o privado e o da

    indisponibilidade dos interesses pblicos. Toda a atuao administrativa, para ser

    vlida, deve obedincia ao princpio da dignidade da pessoa humana, seja na sua

    acepo negativa, objetivando impedir a atuao arbitrria do Estado, seja na

    perspectiva positiva, em que o Estado dever ter como meta permanente a proteo da

    vida em todas as suas acepes.

    Assim, no basta a mera invocao da satisfao do interesse pblico,

    preciso que o administrador pblico esteja pautado em perseguir um dado e especfico

    interesse pblico, definido, atual ou potencial, mas determinado. A invocao abstrata

    do interesse pblico afasta-se do dever de satisfao do interesse pblico primrio para

    aproximar-se do interesse pblico secundrio, ou melhor, do interesse pessoal do

    administrador, em evidente desvio de poder ou de finalidade. A atuao abusiva do

    agente pblico importa em verdadeiro estado de ilcito administrativo, que no permite

    invocar o exerccio das potestades ou das prerrogativas pblicas, enquanto instrumentos

    de concretizao da dignidade da pessoa humana. Com isso, mostra-se desarrazoada e

    contraditria a atuao do administrador pblico que no cumpre a funo social da

    propriedade pblica, colocando-a em verdadeiro estado de abandono prolongado,

    invocar a supremacia do interesse pblico sobre o particular e sob o manto da auto-

    executoridade do poder de polcia retirar uma famlia que, com sua moradia, confere ao

    bem pblico uma funo social constitucionalmente assegurada e que foi imputada pela

    Constituio ao prprio ente estatal como competncia material de proteo.

    9

  • A distino entre propriedade e domnio serve para justificar a proteo

    constitucional do bem pblico em face da usucapio, mas no significa que a

    propriedade pblica no tenha que cumprir a sua funo social e que o possuidor pode

    se valer legitimamente dos demais instrumentos de proteo decorrentes da posse, como

    o direito de indenizao por benfeitorias e o direito de reteno.

    De fato, a Constituio Federal, no inciso IX do art. 23, definiu como matria

    de competncia administrativa comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos

    Municpios promover programas de construo de moradias e a melhoria das condies

    habitacionais e de saneamento bsico. Percebe-se, portanto, que a questo da moradia

    est inserida no contexto do dever-poder do Estado, eis que includa no mbito do piso

    vital mnimo ou do mnimo existencial para a efetividade do direito subjetivo a uma

    vida digna (art. 6, CF).

    A prpria Constituio Federal traa, no seu artigo 23, o planejamento da

    atuao estatal a ser necessariamente observado pelo administrador, o que limita o juzo

    discricionrio de convenincia e de oportunidade em matria de polticas pblicas

    associadas ao mnimo existencial, prescrevendo o inafastvel dever de combate

    pobreza e aos fatores de marginalizao, promovendo a integrao social dos setores

    desfavorecidos (inciso X).

    No vlida a inovao da separao entre os poderes como objeo

    possvel ao controle do Poder Judicirio. Na verdade, a separao entre os Poderes de

    Estado no se apresenta de forma estanque ou compartimentada, mas, ao contrrio, atua

    como importante mecanismo de interao entre as funes estatais voltadas

    construo de uma sociedade livre, justa e solidria (art. 3, I, da CF).

    Com efeito, no basta uma Constituio prdiga em direitos fundamentais de

    primeira gerao, preciso que o Estado oferea as condies mnimas necessrias para

    que esses direitos se tornem realidade. Os direitos sociais ou de segunda gerao so

    verdadeiros direitos de crdito assegurados sociedade, pois atuam como mecanismos

    garantidores ou de implementao dos direitos de primeira gerao, como o direito

    vida, liberdade, segurana e propriedade. Para combater as ineficincias do Estado,

    a tutela coletiva e a legitimidade conferida ao Ministrio Pblico armam a sociedade

    10

  • com importante instrumento de efetividade dos direitos sociais, assegurando o controle

    judicial sempre que diante de leso ou ameaa de leso a direito fundamental.

    O direito de moradia tem caracterstica predominantemente de direito difuso,

    por ser de natureza transindividual, indivisvel, de titularidade dispersa entre pessoas

    indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato, no interesse geral de proteo ao

    mnimo existencial pelo Estado. A Ao Civil Pblica constitui importante mecanismo

    de controle judicial da poltica pblica de moradia, na medida em que atinge o interesse

    de titulares indeterminados que ficariam inviabilizados se fossem exercidos em tutela

    individual ou coletiva em litisconsrcio multitudinrio.

    Do mesmo modo, a Ordem econmica deve atuar de forma a assegurar a

    todos existncia digna, conforme os ditames da justia social (art. 170, caput, da CF).

    Assim, alm do dever de promover diretamente o acesso ao direito de moradia, o

    Estado, no exerccio da atividade administrativa, tem por misso constitucional

    promover o fomento dessa atividade, facilitando e estimulando a participao da

    sociedade na implementao de polticas pblicas voltadas ao acesso a um teto onde se

    abrigue com a famlia de modo permanente e em condies de habitabilidade.

    O princpio da solidariedade (art. 3, I, da CF) impe a todos- Poder Pblico

    e sociedade- sacrifcios recprocos para a consecuo de objetivos como o de

    desenvolvimento nacional e de reduo da pobreza e da marginalizao. O direito de

    moradia deve ser assegurado mesmo na relao entre particulares. a denominada

    teoria da eficcia horizontal dos direitos fundamentais em contraposio eficcia

    vertical dos direitos fundamentais, em que se observa o respeito aos direitos

    fundamentais nas relaes entre indivduo e Estado. Com efeito, h uma

    conscientizao crescente e generalizada de que os indivduos tm o dever de serem

    solidrios, protegendo-se mutuamente.

    A objeo da reserva econmica do possvel no pode ser transformada em

    instrumento justificador das mazelas e ineficincias estatais, cabendo, inclusive, o

    controle da constitucionalidade das leis oramentrias sempre que o planejamento

    governamental, ou a ausncia dele, revelar-se ineficiente na tarefa de concretizao de

    tais objetivos constitucionais. Os princpios da eficincia, da moralidade e da

    proporcionalidade trazem o debate do controle judicial dos instrumentos oramentrios

    11

  • do cenrio poltico para o jurdico, orientado pelos deveres de racionalidade e de

    motivao.

    O conceito moderno de dignidade informado pela solidariedade humana. A

    incluso do princpio da funo social modifica a estrutura do direito de posse, na

    medida em que o possuir deixa a condio de mero observador de respeito erga omnes,

    como mero sujeito passivo universal, e passa a titularizar direitos subjetivos, em ateno

    superior previso constitucional do direito social de moradia e o conseqente acesso

    aos bens vitais mnimos.

    O Texto Constitucional, ao estabelecer expressamente que a propriedade

    dever atender a sua funo social (art. 5, XXIII) e, especialmente, quando reputou

    como princpio da ordem econmica a existncia digna de todos, conforme os ditames

    da justia social (art. 170, II e III), provocou o surgimento de uma nova estrutura interna

    do conceito de propriedade, que deve refletir tambm, e principalmente, sobre o bem

    pblico, posto que por definio encontra-se vinculado satisfao de interesses

    pblicos.

    12

  • II) FUNO ADMINISTRATIVA

    1. O Estado e suas Funes.

    O homem, como ser social, desde os primrdios e durante todo o perodo de

    sua existncia, est sempre ligado a um tipo de sociedade. No vive isolado, mas em

    grupos, em face de interesses materiais ou de objetivos espirituais.

    Justamente por isso, Darcy Azambuja1 nos ensina que

    (...) a primeira em importncia, a sociedade natural por excelncia, a famlia, que o alimenta, protege e educa. As sociedades de natureza religiosa, ou Igrejas, a Escola, a Universidade, so outras tantas instituies em que ele ingressa; depois de adulto, passa ainda a fazer parte de outras organizaes, algumas criadas por ele mesmo, com fins econmicos, profissionais ou simplesmente morais: empresas comerciais, institutos cientficos, sindicatos, clubes etc. O conjunto desses grupos sociais forma a sociedade propriamente dita. Mas, ainda tomado nesse sentido geral, a extenso e a compreenso do termo sociedade variam, podendo abranger os grupos sociais de uma cidade, de um pas ou de todos os pases, e, nesse caso, a sociedade humana, a humanidade. Alm dessas, h uma sociedade, mais vasta que a famlia, menos extensa do que diversas Igrejas e a humanidade, mas tendo sobre as outras uma proeminncia que decorre da obrigatoriedade dos laos com que envolve o indivduo; a sociedade poltica, o Estado.

    O Estado, assim considerado a Nao politicamente organizada, o conjunto

    orgnico formado pelo Territrio, Povo e Governo. O Territrio a base fsica do

    Estado; o Povo o seu elemento humano e o Governo, o seu rgo diretivo.

    O governo o poder ou a autoridade do Estado. Na definio de Jos Afonso

    da Silva2, governo o conjunto de rgos mediante os quais a vontade do Estado

    formulada, expressada e realizada, ou conjunto de rgos supremos a quem incumbe o

    exerccio das funes do poder poltico.

    Assim, o Governo a expresso poltica de comando, de iniciativa, de fixao

    de objetivos do Estado e de manuteno da ordem jurdica vigente3.

    importante ressaltar, contudo, que os conceitos de Governo e de

    Administrao Pblica no se confundem. Nesse aspecto, cabe registrar importante

    diferencial traado pela doutrina de Hely Lopes Meirelles4 que assim dispe:

    1 Darcy Azambuja, Teoria Geral do Estado, p.3. 2 Jos Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.109 3 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. .59. 4 Idem, p. 60.

    13

  • (...) comparativamente, podemos dizer que governo atividade poltica e discricionria; administrao atividade neutra, normalmente vinculada lei ou norma tcnica. Governo conduta independente; administrao conduta hierarquizada. O Governo comanda com responsabilidade constitucional e poltica, mas sem responsabilidade profissional pela execuo; a Administrao executa sem responsabilidade constitucional ou poltica, mas com responsabilidade tcnica e legal pela execuo. A Administrao o instrumental de que dispe o Estado para pr em prtica as opes polticas do Governo.

    A peculiaridade do poder do Estado (poder poltico) , segundo Carlos Ari

    Sundfeld5, de um lado, o fato de basear-se no uso da fora fsica e, de outro, o reservar-

    se, com exclusividade, ao uso dela. Decorrem disso duas conseqncias muito

    importantes. A primeira: o poder do Estado se impe aos demais existentes em seu

    interior, razo pela qual lhes superior. Os poderes do patro, do pai, do sindicato, da

    diretoria do clube so subordinados ao poder do Estado. A segunda: o Estado no

    reconhece poder externo superior ao seu.

    O Estado , pois, dotado de poder poltico para promover o atendimento das

    necessidades do cidado, proporcionando-lhe condies de viver em harmonia, ter

    prosperidade e, enfim, atingir o bem-estar social.

    Pela primeira vez na histria constitucional do Brasil, a Constituio Federal

    de 1988, abriu um artigo especfico para as finalidades do Estado brasileiro, cuja

    consecuo deve figurar como vetor interpretativo de toda a atuao dos rgos

    pblicos, dispondo no seu artigo 3: construir uma sociedade livre, justa e solidria;

    garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as

    desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de

    origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.

    A consecuo de tais objetivos deve nortear toda atividade estatal, em especial

    no exerccio de suas funes mais relevantes: legislativa, executiva e judiciria. Cabe

    ressaltar, contudo, que essa separao de funes no absoluta ou estanque, pois a

    Constituio Federal conferiu mecanismos de colaborao entre os poderes, tornando-os

    independentes e harmnicos entre si. Como exemplos, temos: as medidas provisrias

    editadas pelo Presidente da Repblica; o julgamento do crime de responsabilidade pelo

    Senado Federal; a apreciao das contas e gastos pblicos pelo Legislativo, com auxlio

    5 Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos de direito pblico, p. 23.

    14

  • dos Tribunais de Contas; a composio dos Tribunais Superiores com membros

    nomeados pelo Presidente da Repblica, aps aprovao do Senado.

    A esses mecanismos de interdependncia entre os poderes, a doutrina

    denomina de sistema de freios e contrapesos, buscando o equilbrio necessrio

    realizao do bem da coletividade e, principalmente, evitando o arbtrio e os desmandos

    to prejudiciais ao interesse pblico.

    Para a proposta deste trabalho, interessa mais de perto o exerccio da

    funo administrativa e a sua relao com os fundamentos e objetivos do Estado

    Democrtico de Direito, em especial o princpio fundamental da dignidade da pessoa

    humana (art.1, III), e os deveres de respeito e proteo.

    15

  • 2. A funo Administrativa.

    De incio, cabe recordar que o conceito de funo tpico do direito

    administrativo, mas dele no exclusivo.

    Sobre o tema interessante o destaque feito pela doutrina de Fbio Konder

    Comparato6 sobre o amplo conceito que a expresso funo possui na cincia

    jurdica: Funo - enquanto desempenho, adimplemento, execuo - a atuao

    prpria de algum ou de algo num sistema, isto , num conjunto coordenado de partes

    em relao a um fim ou objetivo. E prossegue o doutrinador: Mas a todo poder

    correspondem deveres e responsabilidades prprias, exatamente porque se trata de um

    direito-funo, atribudo ao titular para consecuo de finalidades precisas. Assim,

    tambm exercem funo o tutor; o curador e o sndico da massa falida.

    Em direito administrativo, funo significa vnculo inseparvel que une o

    poder outorgado ao agente e o dever que lhe imposto, dirigido ao atingimento de

    determinado objetivo que sempre ser de interesse pblico.

    Assim, como adverte o Professor Celso Antnio Bandeira de Mello7:

    (...) existe funo quando algum est investido no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do interesse de outrem, necessitando, para tanto, manejar os poderes requeridos para supri-las. Logo, tais poderes so instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles, o sujeito investido na funo no teria como se desincumbir do dever posto a seu cargo. Donde, quem os titulariza maneja, na verdade, deveres-poderes, no interesse alheio.

    o exerccio da denominada relao de administrao a que o saudoso

    administrativista Rui Cirne Lima8 adverte como a relao jurdica que se estrutura ao

    influxo de uma finalidade cogente. De fato, na relao de administrao h uma

    predominncia dos aspectos ligados ao dever e finalidade. (se contrape idia de

    propriedade, em que h a predominncia do aspecto ligado vontade), posto que a

    finalidade que a atividade de administrao se prope aparece defendida e protegida

    contra o prprio agente e contra terceiros.

    Desta forma, a funo administrativa pressupe os seguintes elementos

    bsicos: (a) agente pblico; (b) dever; (c) finalidade; (d) interesse pblico; (e) previso

    6 Fbio Konder Comparato, O Poder de Controle na Sociedade Annima, pp. 282-283. 7 Celso Antnio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p..32 . 8 Princpios de Direito Administrativo, p. 106.

    16

  • em lei; (f) poderes para a realizao de seu dever (g) interesse alheio ao sujeito que

    maneja o poder9.

    Agente pblico deve ser entendido como sendo toda pessoa, fsica ou jurdica,

    de direito pblico ou privado investido no desempenho de atividade estatal.

    Dever a conduta prevista e imposta pelo ordenamento jurdico ao agente e de

    observncia obrigatria, sob pena de sofrer sanes jurdicas.

    A finalidade o desgnio estabelecido em lei, ou seja, o objetivo que deve

    ser necessariamente perseguido pelo agente pblico. prprio do conceito de funo o

    atingimento de finalidade pr-estabelecida.

    O interesse pblico o contedo da finalidade10. O agente pblico deve atuar

    perseguindo sempre o interesse pblico primrio, vale dizer, o interesse da sociedade e

    o no da prpria Administrao (interesse secundrio). O ideal seria que tais interesses

    se confundissem em um s, mas no o que se observa na realidade.

    Poderes so os instrumentos e prerrogativas postos disposio do agente

    pblico para o cumprimento de seus deveres. O uso dessas prerrogativas somente ser

    legtimo quando e na medida indispensvel ao atingimento dos interesses pblicos.

    Por derradeiro, o interesse perseguido pelo agente h de ser alheio esfera

    jurdica privada.

    Com efeito, quem exerce funo administrativa est adstrito a satisfazer

    interesses pblicos primrios, ou seja, interesses da coletividade como um todo e no da

    prpria Administrao Pblica em si mesma considerada e, para tanto, encontra-se

    lastreada em regime jurdico prprio, enquanto conjunto sistematizado de princpios e

    regras que confere identidade ao exerccio dessa funo, diferenciando-a das demais

    atividades estatais (jurisdicional e legislativa tpicas).

    A funo administrativa encontra-se presente nas atividades de interveno

    estatal no domnio social (polticas pblicas e atividade de fomento administrativo), na 9 Egon Bockmann Moreira, Processo Administrativo, p. 31. 10 Adotaremos o conceito de interesse pblico do Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, que adverte ser o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivduos pessoalmente tm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem", op. cit. p. 32.

    17

  • gesto de bens pblicos, nos servios pblicos e no exerccio do poder de polcia

    administrativo.

    O regime jurdico administrativo e a proteo constitucional do direito de

    moradia traro as repercusses jurdicas necessrias em todos esses setores da atividade

    estatal, seja impondo o dever prestacional, seja limitando ou contendo suas

    prerrogativas. A prpria inatividade do Estado reveste-se de ilegalidade (abusividade) e,

    como tal, traz conseqncias jurdicas favorveis aos administrados capazes de

    consolidar at mesmo uma situao de fato, ainda que em detrimento do Poder Pblico,

    mas em homenagem garantia da dignidade da pessoa humana.

    18

  • 3. O Regime Jurdico Administrativo.

    A Constituio Federal, no seu artigo 1, expressamente, estabeleceu que o

    Brasil adotou como regime de governo a repblica.

    O princpio republicano tem por caracterstica principal o fato de o governante

    no ser o titular do poder, mas o representante de quem, verdadeiramente, o seu

    titular, vale dizer, da sociedade.

    Outra no a disposio do pargrafo nico do artigo 1 do Texto

    Constitucional quando assim estabelece: Todo o poder emana do povo, que o exerce

    por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituio.

    O termo repblica provm da expresso res publica que significa a coisa

    pblica, ou seja, coisa do povo e para o povo, exatamente para expressar a idia de que

    o governante no o dono dos bens, servios e atividades que disponibiliza, mas age

    como administrador de interesses que no lhe so prprios, representando, como j

    mencionado, a vontade popular. o fundamento da soberania nacional haurida na

    vontade popular.

    exatamente essa caracterstica fundamental, qual seja, a de representar

    interesses de terceiros, que confere identidade estrutura da Administrao Pblica,

    pois est pautada no exerccio de bem gerir os negcios pblicos, pelo regime jurdico

    administrativo.

    O regime jurdico administrativo compreende, pois, um conjunto sistematizado

    de princpios e regras que confere identidade ao Direito Administrativo, diferenciando-o

    dos demais ramos do Direito.

    A atividade administrativa, em especial o exerccio dos poderes da

    Administrao, deve estar, necessariamente, direcionada para a satisfao do interesse

    pblico. o denominado exerccio da funo administrativa para a consecuo dos

    interesses de outrem.

    O regime peculiar da Administrao Pblica est lastreado em dois princpios

    basilares, quais sejam: supremacia do interesse pblico sobre o privado e o da

    19

  • indisponibilidade dos interesses pblicos. Tais princpios servem de alicerce para os

    demais princpios que regem toda atividade do administrador pblico.

    3.1. Supremacia do interesse pblico sobre o privado.

    A Administrao Pblica est aparelhada com instrumentos e prerrogativas

    para a consecuo da finalidade pblica, ou seja, com vistas satisfao de interesses da

    sociedade que representa, porquanto nos Estados Democrticos o poder emana do povo

    e em seu proveito ter de ser exercido.

    Nesse sentido a lio do Professor Roque Antnio Carrazza11 que, ao tratar do

    princpio republicano, traz colao o comentrio de Thomas Cooley:

    Toda a corporao legislativa deve legislar tendo em vista o bem pblico, e no o proveito individual de quem quer que seja, e o ato deve ser inspirado pela luz dos princpios gerais que constituem o fundamento natural das instituies representativas. Aqui, entretanto, atingimos a esfera da discrio legislativa. O que for para o bem pblico, e o que exigem os princpios em que se apia o governo representativo, compete legislatura o decidir, sob a responsabilidade dos seus membros para com os eleitores.

    E mais frente o prprio mestre traz as suas consideraes sobre o tema:

    Portanto, em face da instituio republicana, que se baseia na perfeita igualdade de direitos das pessoas, nossos governantes so comissionados para tratar, no de negcios prprios, mas de outrem, ou seja, de todo o povo. So delegados do povo, ao qual devem servir. Podemos dizer, enfim, com o grande Rui Barbosa, que so do prprio povo os atos legtimos que os Poderes Legislativo e Executivo, em seu nome, praticam.

    Do princpio da supremacia decorrem as seguintes conseqncias ou princpios

    subordinados: (a) posio privilegiada do rgo encarregado de zelar pelo interesse

    pblico e de exprimi-lo, nas relaes com os particulares; (b) posio de supremacia do

    rgo nas mesmas relaes12.

    Em razo do interesse que representa, o ordenamento jurdico confere posio

    privilegiada Administrao Pblica para tornar ainda mais eficaz a proteo do

    interesse pblico. So exemplos: os prazos processuais dilatados ao Poder Pblico

    (art.188, CPC); a necessidade de prvia intimao do representante da Administrao

    quando da concesso de liminares contra o Estado (Lei 8.437/92).

    11 Roque Antnio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributrio, pp. 44-45. 12 Celso Antnio Bandeira de Mello, op. cit., p. 30.

    20

  • A supremacia decorre da posio de verticalidade que a Administrao Pblica

    se encontra em face do particular. A desigualdade do poder pblico justifica-se pelo

    interesse que persegue, ainda que, para tanto, tenha de impor restries unilaterais aos

    administrados, pois o sacrifcio individual cede passo ao benefcio coletivo. As

    prerrogativas pblicas compreendem um conjunto de atribuies especiais conferidas

    Administrao, na relao jurdico-administrativa, derrogatrias do direito comum e que

    so indispensveis satisfao de interesses pblicos.

    Da combinao da posio privilegiada com a posio de supremacia resulta a

    exigibilidade dos atos administrativos e, em certas hipteses, a prpria executoriedade,

    alm do exerccio da autotela. Na verdade, so verdadeiros instrumentos a serem

    manejados apenas quando necessrios e indispensveis ao atingimento da finalidade

    pblica.

    A supremacia do interesse pblico, pelo sistema republicano, apresenta-se

    como um instrumental colocado disposio do Estado para a satisfao dos interesses

    coletivos. No pode ser descrito separado ou contrapostamente aos interesses privados.

    Do mesmo modo, ele no pode ser descrito sem referncia a uma situao concreta e,

    sendo assim, em vez de um princpio abstrato teramos regras condicionais concretas de

    prevalncia13.

    A posio de supremacia jurdica da Administrao apenas ser legtima

    quando alcanar de forma direta e imediata o interesse pblico efetivo e determinado.

    Entretanto, quando o objeto direto e imediato da atividade administrativa no a

    satisfao do interesse pblico, mas simplesmente o interesse secundrio do sujeito

    administrativo, a Administrao fica em posio de igualdade com os sujeitos privados,

    dispondo da mesma posio jurdica e dos mesmos poderes que lhes cabem. Quando

    realiza interesse secundrio desde que coincidente com o interesse pblico/coletivo

    primrio a Administrao no pode exercer sua supremacia em face dos particulares,

    devendo renunciar ao exerccio concreto de sua posio juridicamente predominante14.

    De fato, descabe ao administrador pblico, sob uma invocao imprecisa e

    vaga de atuao conforme o interesse pblico, impor constrangimentos aos direitos de

    13 Humberto Bergmann vila, Repensando o princpio da supremacia do interesse sobre o particular, RTDP, p. 177. 14 Renato Alessi, Diritto Amministrativo, p. 164.

    21

  • propriedade e liberdade dos indivduos. indispensvel comprovar, no caso concreto,

    que a atuao administrativa est em perfeita sintonia com a ordem jurdica vigente,

    operacionalizando, assim, os imperativos da dignidade da pessoa humana, boa

    administrao, razoabilidade e proporcionalidade, igualdade e boa-f.

    Com efeito, compartilho dos ensinamentos de Maral Justen15 quando adverte

    que: nenhum interesse pblico se configura como convenincia egostica da

    Administrao Pblica. O chamado interesse secundrio (Alessi) ou interesse da

    Administrao Pblica no pblico.

    Na verdade, as prerrogativas no significam uma carta em branco para o poder

    pblico de modo que possam ser manejadas aleatoriamente ou para a satisfao de

    interesses pessoais. Devem, isto sim, perseguir a finalidade pblica e, para tanto, sofrem

    os condicionamentos dos princpios norteadores da Administrao Pblica. Exatamente

    pelo aspecto finalstico que informa a atuao do administrador que o Professor Celso

    Antnio prefere referir-se s prerrogativas no como poderes, mas deveres-poderes,

    ressaltando o aspecto subordinado do poder em relao ao dever.

    3.2. Indisponibilidade dos interesses pblicos.

    prprio de quem exerce funo administrativa representar interesses de

    terceiros que no se encontram na esfera de livre disposio de quem quer que seja. O

    poder pblico no tem sobre tais bens disponibilidade, pois no age na qualidade de

    dono, mas de curador.

    Cabe apenas registrar que o administrador no tem disponibilidade substancial

    dos interesses pblicos, podendo transacionar com o particular aspectos meramente

    patrimoniais que dizem respeito, por exemplo, aos valores de indenizao a serem pagos

    pelos prejuzos que causar; a melhor forma de se restabelecer o status quo ante, no

    caso de danos ao meio ambiente; dilao de prazo para o saneamento de irregularidades

    ou para adotar medidas que reduzam a emisso de poluentes. Esta a melhor

    15 Maral Justen Filho, Conceito de interesse pblico e a personalizao do Direito Administrativo, RTDP-26, pp.119.

    22

  • interpretao que a doutrina vem realizando do art. 17, 1 da Lei 8.429/92, quando

    veda a transao em matria de Improbidade Administrativa.

    Como conseqncias da indisponibilidade do interesse pblico, podemos

    mencionar a vedao ao usucapio de bens pblicos (arts. 183, 3 e 191, da CF); a

    obrigatoriedade da licitao (art. 37, XXI, da CF); a seleo de pessoal por concurso

    pblico de provas ou de provas e ttulos (art. 37, II, da CF); a impenhorabilidade dos

    bens pblicos; a exigncia de lei autorizativa para a alienao de bens imveis (Lei

    8.666/93).

    A indisponibilidade ocorre porque o interesse pblico primrio no

    titularizado pelo administrador, mas pelo Estado. Considera-se interesse pblico o

    interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivduos pessoalmente tm

    quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato

    de o serem"16.

    oportuno o registro das conseqncias e consideraes que os ilustres

    Professores Srgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari17 extraem do conceito:

    O interesse pblico, como um todo, na verdade se realiza por meio de especficos interesses pblicos, ou seja, de situaes concretas que a ordem jurdica qualifica como tal, de maneira a sempre comportar verificao, exame e controle e contestao. Fica tambm perfeitamente claro que algo no se torna de interesse pblico apenas por ser fruto da atuao de um agente pblico; ao contrrio, este que tem, em sua atuao, a obrigao de perseguir a realizao de algo previamente qualificado como de interesse pblico.

    O conceito de interesse pblico apresentado pelo Professor Celso Antnio no

    est em contraposio observao do tambm ilustre administrativista Maral Justen

    Filho18quando adverte que o interesse pblico tutelado pelo Estado no aquele

    abstrato ou difuso, mas aquele orientado a atender necessidades pertinentes ao valor da

    dignidade da pessoa humana.

    Do exposto, percebe-se que a atividade administrativa est subordinada ao

    ordenamento jurdico e que o interesse pblico no pode ser livremente disponibilizado,

    16 Celso Antnio Bandeira de Mello, op. cit. p. 32. 17 Srgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Processo Administrativo, p. 77. 18 Maral Justen Filho, op. cit., pp.130.

    23

  • evidenciando, assim, que a atuao do administrador est pautada por princpios

    informadores.

    No mesmo sentido, leciona a Professora Maria Sylvia19:

    (...) ao lado das prerrogativas, existem determinadas restries a que est sujeita a Administrao, sob pena de nulidade do ato administrativo e, em alguns casos, at mesmo responsabilizao da autoridade que o editou. Dentre tais restries citem-se a observncia da finalidade pblica, bem como os princpios da moralidade administrativa e da legalidade, a obrigatoriedade de dar publicidade aos atos administrativos e, como decorrncia dos mesmos, a sujeio realizao de concursos para seleo de pessoal e de concorrncia pblica para a elaborao de acordos com particulares.

    3.3. Princpios da Administrao Pblica.

    Os princpios so os vetores interpretativos que orientam a correta aplicao

    da norma quanto extenso e profundidade dos valores consagrados pelo sistema

    jurdico. So dotados, pois, de positividade e determinam regras de comportamento,

    conferindo unidade e racionalidade interna do regime jurdico. Os princpios orientam

    na soluo de problemas prticos, sem perder de vista o condicionamento que rege a

    atuao do administrador, qual seja, o interesse pblico.

    O Professor Juarez Freitas20, ao avaliar a importncia dos princpios

    constitucionais para a Administrao Pblica, leciona, com muita preciso, que os

    princpios nucleares de estatura constitucional, norteadores da administrao no Brasil,

    encontram-se, afortunadamente, no mais das vezes, agasalhados de modo expresso e at

    reiterado no texto da Constituio, no obstante valiosssimos de tais princpios somente

    serem conhecidos por inferncia ou por desenvolvimento interpretativo. Ainda quando

    implcitos, funcionam como diretrizes superiores do sistema, fazendo s vezes de seus

    mximos e autnticos paradigmas teleolgicos para aplicao de todas as normas.

    Ao aplicador caber identificar, no caso concreto, a incidncia de um

    determinado princpio. A generalidade, abstrao e capacidade de expanso dos

    princpios permitem ao intrprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no

    prprio sistema a soluo mais justa21. De outra parte, os princpios no podem ser

    19 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, p. 59. 20 Juarez Freitas, O controle dos atos administrativos e os princpios fundamentais, p.47. 21 Lus Roberto Barroso, Interpretao e aplicao da Constituio, p. 160.

    24

  • utilizados sem qualquer critrio, porquanto so capazes de reduzir a discricionariedade

    do aplicador da norma e impor-lhe o dever de motivar seu convencimento.

    Na consagrada formulao de sua teoria tridimensional do direito, demonstrou

    Miguel Reale que a norma jurdica a sntese resultante de fatos ordenados segundo

    distintos valores. Com efeito, leciona o mestre, onde quer que haja um fenmeno

    jurdico, h, sempre e necessariamente, um fato subjacente; um valor, que conforme

    determinada significao a esse fato; e, finalmente, uma norma, que representa a relao

    ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor. O saudoso

    Professor sintetiza o Direito, como tudo que existe em razo do homem e para reger

    comportamentos humanos, est imerso no mundo da vida (Lebenswelt), ocorrendo esse

    fato tanto para as formas espontneas e ainda no conceitualmente categorizadas da vida

    jurdica, quanto para as estruturas normativas racionalmente elaboradas 22.

    Da a preciosa advertncia de Celso Antnio Bandeira de Mello23 no sentido

    de que violar um princpio muito mais grave que transgredir uma norma. A

    desateno ao princpio implica ofensa no apenas a um especfico mandamento

    obrigatrio, mas a todo o sistema de comandos. a mais grave forma de ilegalidade ou

    inconstitucionalidade, conforme o escalo do princpio violado, porque representa

    insurgncia contra todo o sistema, subverso de seus valores fundamentais, contumlia

    irremissvel a seu arcabouo lgico e corroso de sua estrutura mestra.

    O sistema normativo deve acomodar os diversos valores tutelados, de modo a

    garantir uma convivncia harmnica entre as regras e princpios, sobretudo diante das

    antinomias existentes no ordenamento jurdico. Nesse sentido, a oportuna lio de Paulo

    Bonavides24, adotando os critrios de Dworkin, ao destacar que, no conflito entre as

    regras, a acomodao das antinomias feita pelo sistema do tudo ou nada, de modo

    que uma delas ser sacrificada, mediante a sua excluso do sistema. Diferentemente

    sucede quando se cuida de princpios. Estes no se excluem, mas se harmonizam,

    atravs da ponderao dos valores conflitantes, permitindo a atuao do princpio da

    proporcionalidade.

    22 Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, p. 90-96. 23 op.cit. p, 53. 24 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 357.

    25

  • 3.3.1. Princpio da Legalidade.

    A origem da proteo dos direitos individuais remonta ao pacto entre Joo

    Sem Terra e os bares e que se consubstancia na Magna Carta de 1215 e se vai

    consolidar na Petition os Rights de 1628, confirmada no Bill os Rights, de 1689, mas foi

    com a Declarao francesa dos Direitos do Homem e do Cidado, de 26 de agosto de

    1789, que se deu a consagrao dos princpios de conteno do poder.

    A Declarao de 1789 afirma, como finalidade, a conservao dos direitos

    naturais do homem, que so a liberdade, a propriedade, a segurana e a resistncia

    opresso (art. 2). A lei passa a ser a expresso da liberdade, posto que assume a

    expresso de vontade geral, devendo ser a mesma para todos, seja para proteger, seja

    para punir (art. 6).

    No Brasil, desde a Constituio do Imprio de 1824, a lei assume a condio

    de medida necessria imposio de obrigaes, deveres e direitos, tanto para o

    particular, quanto para o Poder Pblico (art. 179, I: Nenhum Cidado pde ser

    obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, seno em virtude da Lei; II:

    Nenhuma Lei ser estabelecida sem utilidade publica; III: A sua disposio no

    ter effeito retroactivo; XIII. A Lei ser igual para todos, quer proteja, quer

    castigue, o recompensar em proporo dos merecimentos de cada um).

    O princpio da legalidade, previsto expressamente no art. 37 da Constituio

    Federal de 1988, significa que o administrador est completamente adstrito aos

    comandos da lei, nos limites da lei e para atingir a finalidade que ela dispe. a

    decorrncia lgica do Estado de Direito, pois a submisso lei tem por fundamento dar

    concretude vontade popular.

    Ao contrrio dos particulares, que podem fazer tudo aquilo que a lei no

    probe, a Administrao s pode fazer o que a lei expressamente autoriza, eis que

    detentora de poderes e prerrogativas. Da, a clebre frase de Miguel Seabra Fagundes25,

    segundo o qual Administrar aplicar a lei de ofcio.

    No basta, contudo, a mera previso em lei para que o ato administrativo seja

    considerado vlido e legtimo preciso a exata subsuno do caso concreto ao comando

    25 Miguel Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judicirio, pp.16-17.

    26

  • abstrato, genrico e impessoal da lei. o que a doutrina26 denomina de dupla

    demonstrao como condio de validade do ato: motivo legal - lei autorizativa da sua

    emanao - e motivo de fato - verificao, no caso concreto, da situao ftica

    agasalhada pela lei.

    sempre oportuno trazer baila a lio do Professor Celso Antnio Bandeira

    de Mello27:

    No Brasil, o princpio de legalidade, alm de assentar-se na prpria estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, est radicado especificamente nos artigos 5, II, 37 e 84, IV, da Constituio Federal. Estes dispositivos atribuem ao princpio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, no deixando vlvula para que o Executivo se evada de seus grilhes. , alis, o que convm a um pas de to acentuada tradio autocrtica, desptica, na qual o Poder Executivo, abertamente ou atravs de expedientes pueris - cuja pretensa juridicidade no iludiria sequer a um principiante-, viola de modo sistemtico direitos e liberdades pblicas e tripudia vontade sobre a repartio de poderes.

    Portanto, a Administrao no poder proibir ou impor restries aos direitos

    dos particulares se no estiver previamente embasada num comando legal que lhe

    faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Ou seja, jamais o poder pblico

    poder se valer originariamente de decreto, regulamento, resoluo ou portaria para

    impor condicionamentos aos administrados sem que estejam previamente amparados na

    lei.

    De fato, a funo do ato administrativo s poder ser a de agregar lei nvel

    de concreo; nunca lhe assistir instaurar originariamente qualquer cerceio a direitos

    de terceiros28.

    No mesmo sentido, Geraldo Ataliba29 ressalta que o dever da legalidade na

    atuao administrativa decorre do princpio republicano, segundo o qual ao

    administrador cabe dar cumprimento vontade do povo, pois constitui o seu

    representante, de modo que nenhuma expresso de vontade estatal ser compulsria

    seno amparada em lei.

    26 Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, op. cit., pp 55-56 27 Celso Antnio Bandeira de Mello, op. cit. , pp. 60-61. 28 Idem., p. 61. 29 Geraldo Ataliba, Repblica e Constituio, pp. 96-97.

    27

  • Mas, por lei deve ser entendida tanto uma especfica modalidade de ato

    normativo quanto o sistema jurdico como um todo, compreendendo, inclusive, a

    Constituio Federal e os princpios jurdicos30.

    O Professor Marcelo Figueiredo31 salienta com muita propriedade que

    a noo de Estado de Direito carrega igualmente uma inteno valorativa. Ele limitado por uma Constituio. Esta, por sua vez, deve ser a sntese da vontade popular, fielmente representada. Qualquer Estado que pretenda ser rotulado de Estado de Direito deve submeter-se Constituio e ser responsvel perante o Direito. A autoridade pblica deve exercer seus poderes conforme o Direito, e jamais aplic-la de forma prejudicial ou retroativa, respeitando os direitos individuais, sociais, culturais e polticos.

    Na verdade, preciso ressaltar que o administrador pblico deve estar atento

    s leis e realidade social que se apresenta, sob pena de se converter o legalismo estatal,

    fruto da desateno ou do menosprezo da realidade social e das latitudes axiolgicas das

    regras de direito em um Estado sem qualquer compromisso com a organizao

    democrtica da comunidade poltica, transformando o Estado de Direito em ordem

    repressora e dissociada do sentimento geral de justia32.

    3.3.2. Princpio da Impessoalidade

    O poder pblico tem de tratar a todos os administrados sem discriminaes ou

    favoritismos, pois a sua atuao est pautada em comandos genricos, abstratos e

    impessoais. Tambm est consagrado expressamente no caput do art. 37 da CF e no

    princpio geral da isonomia (art. 5, caput da CF), como garantia fundamental do

    indivduo.

    O princpio da impessoalidade serve como fundamento ao Estado

    Democrtico; pois, como bem lembra a Professora Renata Porto Adri33, o Estado de

    Direito aquele traduzido pelo governo de leis e no de homens. A desvinculao

    30 Nesse sentido, Srgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Processo Administrativo, p. 55. 31 Marcelo Figueiredo e Valmir Pontes Filho (organizadores), Estudos de Direito Pblico em homenagem a Celso Antnio Bandeira de Mello, A crise no entendimento clssico do princpio da legalidade administrativa e temas correlatos, p.431. 32 Carlos Roberto Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e os Princpios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, p 193. 33 Renata Porto Adri, Princpio da Impessoalidade, p. 26.

    28

  • pessoal do governo fundamento e inspirao para a existncia atual e concreta do

    princpio da impessoalidade em nosso texto constitucional.

    O contedo mnimo da impessoalidade traduz-se na vedao de dispensar

    tratamento pessoal aos administrados, a ponto de criar entre eles tratamento favorecido

    de uns em detrimento de outros. Para tanto, como adverte Ana Paula Oliveira vila34,

    preciso incluir definio de impessoalidade a objetividade da atividade

    administrativa durante o procedimento de escolha dos meios destinados satisfao

    das necessidades pblicas, na deciso, na execuo e na organizao administrativas.

    o que explica Carmen Lcia Antunes Rocha: De um lado, o princpio da

    impessoalidade traz o sentido de ausncia de rosto do administrador pblico; de outro,

    significa a ausncia de nome do administrado. De fato, o princpio, ao mesmo tempo

    em atua ao lado da atuao administrativa regida por uma finalidade pblica, exige do

    administrado atuao transparente e descomprometida com a promoo pessoal de seus

    atos, sem que o seu mandato, o seu cargo, emprego ou funo seja transformado em

    veculo de propaganda pessoal (art. 37, 1, CF).

    3.3.3. Princpio da Moralidade

    De acordo com o princpio da moralidade, a Administrao e seus agentes

    devem atuar na conformidade de princpios ticos, compreendendo a lealdade e a boa-

    f.

    Nesse sentido, oportuna a lio de Juarez Freitas35:

    (...) resultam superadas antigas posturas que consideravam os juzos ticos como inteiramente desconectados ou estranhos apreciao jurisdicional e que, com a entronizao constitucional do princpio da moralidade, esto abertos os caminhos para a superao da vergonhosa impunidade que campeia na Administrao Pblica, podendo-se confiar em uma nova ordem administrativa baseada na confiana, na boa-f, na honradez e na probidade.

    Para o Professor Mrcio Cammarosano, o administrador, no exerccio da

    funo administrativa, no est preocupado com os preceitos da moral comum, pois

    destes se ocupam os legisladores quando elaboram as leis, mas com os preceitos morais 34 O princpio da Impessoalidade da Administrao Pblica, p. 46. 35 Juarez Freitas, Do princpio da probidade administrativa e de sua mxima efetivao, RIL 129/63-64.

    29

  • que foram jurisdicizados, ou seja, com os preceitos morais que receberam a vestimenta

    da ordem jurdica. E isto se d porque os valores que envolvem a moral comum sofrem

    variaes no tempo e no espao, criando verdadeira situao de insegurana jurdica,

    pois o que moral e aceito culturalmente hoje pela sociedade poder deixar de s-lo

    amanh e vice-versa.

    Assim, leciona o Professor Mrcio Camarosano:

    (...) violar a moralidade violar o Direito. questo de legalidade. A s violao de preceito moral, no jurisdicizado, no implica invalidade do ato. A s ofensa a preceito que no consagra, explcita ou implicitamente, valores morais, implica a invalidade do ato, mas no a moralidade administrativa.36

    Contudo, adotamos a posio do Professor Celso Antnio Bandeira de

    Mello37, quando confere ao princpio da moralidade uma abordagem mais ampla,

    atrelando-a ao bom costume na Administrao, atendendo ao disposto no interesse

    pblico e no interesse de terceiros. Para o ilustre Professor, a moralidade administrativa

    no parte de uma noo de costume administrativo, mas de costume enraizado na

    sociedade, naquilo que ela acredita correto, so costumes que a prpria sociedade

    acredita que devam ser realizados.

    O Professor Celso Antnio sintetiza o princpio, asseverando que:

    (...) a conduta leal e de boa-f em relao contraparte uma das principais caractersticas da moralidade administrativa, vista por um dos lados; vista pelo seu outro ngulo, o princpio da moralidade administrativa representa uma atitude leal e de boa-f do administrador pblico em relao prpria administrao, em relao defesa do interesse pblico. esta composio necessria, que tem de existir entre a preocupao de defesa do interesse pblico e o respeito aos direitos dos cidados, aquilo que vai permitir que se considere que h ou no h maior ou menor moralidade administrativa.

    3.3.4. Princpio da Publicidade

    O princpio da publicidade consagra o dever de manter transparncia nos atos

    e gesto pblicas. Constitui, pois, importante instrumento de controle do poder pblico.

    36 Mrcio Cammarosano. Tese de doutorado. O princpio constitucional da moralidade e o exerccio da funo administrativa, p. 135. 37 Celso Antnio Bandeira de Mello. Princpio da Moralidade, in Revista de Direito Tributrio-69, p. 183.

    30

  • Outro no o pensamento de Antnio Carlos Cintra do Amaral38, quando

    conclui pautado pelos ensinamentos de Colao Antunes, que a publicidade inclui-se em

    uma noo mais ampla, que a transparncia, esta abrangendo, ainda, a comunicao e

    a proximidade.

    A Administrao Pblica brasileira tem o dever de no apenas respeitar o

    princpio da publicidade, inscrito no art. 37 da Constituio, mas de ser transparente,

    posto que representa os interesses dos reais detentores do poder, ou seja, da sociedade e,

    como tal, no pode ocultar seus atos, principalmente aqueles ocasionadores de restries

    individuais aos administrados.

    3.3.5. Princpio da Eficincia.

    Eficincia tudo o que se espera em qualquer campo da atividade humana,

    principalmente daquele que atua direcionado ao atendimento do interesse 1)pblico.

    O princpio da eficincia exige que a atividade administrativa seja exercida

    com presteza, perfeio e rendimento funcional. o mais moderno princpio da funo

    administrativa, que j no se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade,

    exigindo resultados positivos para o servio pblico e satisfatrio atendimento das

    necessidades da comunidade e de seus membros.39

    O princpio em causa veio lume no Direito ptrio por meio da Emenda

    Constitucional 19/98, tornando-se mxima constitucional da Administrao Pblica. A

    incluso do princpio ao caput do artigo 37 do Texto Constitucional marca a tnica

    da Administrao Pblica Gerencial40 implantada pela Emenda 19/98.

    Como observa Egon Bockmann Moreira41, parte da doutrina critica a incluso

    da eficincia ao texto constitucional, pois na realidade a boa administrao constitui

    dever inafastvel do poder pblico, estando ou no sob a gide de um princpio

    38 O princpio da publicidade no Direito Administrativo. RBDP, ano 1, n 02, p. 2003 39 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 89. 40 Alice Gonzales Borges, A Implantao da Administrao Pblica Gerencial na Emenda Constitucional

    19/98. RTDP-24. 41 Egon Bockmann Moreira, Processo Administrativo, p. 159-160.

    31

  • constitucional. No mesmo sentido, adverte Joo Caupers42 que a administrao pblica

    est condicionada por um dever geral de boa administrao.

    3.3.6. Princpio da Motivao

    O princpio da motivao determina que a autoridade administrativa deve

    apresentar, prvia ou concomitantemente, as razes de fato e de direito que a levaram a

    tomar uma deciso.

    As razes de fato e direito so fundamentais, principalmente no exerccio da

    competncia discricionria, quando o administrador tem margem de liberdade para

    atuar, invocando razes de convenincia e de oportunidade.

    A Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, indica relao dos atos administrativos

    que devero ser motivados, com indicao dos fatos e dos fundamentos jurdicos, em

    especial, quando neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses. Tais prerrogativas

    so verificveis em larga escala no exerccio do poder de polcia.

    com a explicitao dos motivos que se torna possvel avaliar a correta

    atuao do administrador; permitindo, inclusive, recorrer ao Poder Judicirio,

    questionando o que foi decidido.

    3.3.7. Princpio da Proporcionalidade

    o princpio da proibio do excesso, compatibilizando meios e fins, de modo

    a evitar restries desnecessrias ou abusivas por parte da Administrao Pblica, com

    violao aos direitos e garantias fundamentais.

    O princpio da proporcionalidade est implicitamente previsto na Constituio

    Federal e expressamente no artigo 111 da Constituio do Estado de So Paulo e no

    artigo 2, da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo

    da Administrao Pblica Federal e normatiza princpios consagrados pela doutrina.

    42 Introduo ao Direito Administrativo, p. 69.

    32

  • O princpio em causa pode ser entendido como a adequao entre meios e fins

    da atuao administrativa, de modo a evitar a imposio de obrigaes, restries e

    sanes em medida superior quelas estritamente necessrias ao atendimento do

    interesse pblico.

    A melhor e a mais adequada escolha do administrador tem relevncia no

    exerccio de competncia discricionria, quando a norma legal confere margem de

    liberdade ao agente na aplicao da lei ao caso concreto, valorando, com seu

    subjetivismo, o preenchimento das lacunas existentes. No exerccio da competncia

    vinculada, por sua vez, pouca ou nenhuma liberdade restar ao administrador, pois a

    intensidade e a extenso da funo administrativa esto integralmente definidas na

    norma.

    No aspecto da atuao discricionria convm trazer colao o magistrio de

    Diogo de Figueiredo Moreira Neto43 demonstrando que a proporcionalidade atua como

    critrio, finalisticamente vinculado, quando se trata de valorao dos motivos e da

    escolha do objeto. Deve haver, pois, uma relao de pertinncia entre a finalidade e os

    padres de oportunidade e de convenincia.

    Jos Joaquim Gomes Canotilho44 reconhece a funo positiva do princpio da

    proporcionalidade, informando materialmente os atos do Poder Pblico, impondo (a)

    conformidade de meios; (b) exigibilidade (ou necessidade) e (c) proporcionalidade em

    sentido restrito.

    A conformidade impe que a medida adotada para a realizao do interesse

    pblico deve ser apropriada aos fins que ela persegue. Ou seja, a conduta administrativa

    h de ser idnea ao atingimento do interesse pblico posto em jogo. , pois, o vnculo

    de pertinncia entre a finalidade buscada pela norma e os meios assumidos pelo agente.

    A exigibilidade tem relao com a menor onerosidade ou desvantagem

    possvel ao particular. Administrao deve, na escolha das opes definidas pela lei,

    apontar aquela que menor desvantagem traga ao administrado. A escolha deve, pois,

    recair sobre o comportamento administrativo imprescindvel e certo ao atingimento dos

    fins legais.

    43 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de Direito de Direito Administrativo, p. 40. 44 Jos Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, p. 120.

    33

  • No basta a medida ser adequada e necessria, preciso avaliar se o resultado

    obtido com a interveno proporcional carga coativa da mesma45.

    A proporcionalidade deve ser aferida segundo os valores do homem mdio46,

    em congruncia com as posturas normais j adotadas pela Administrao Pblica, sob

    pena de o agente superar a demarcao de seu poder, porque ultrapassa o necessrio

    para desincumbir do dever de bem cumprir a lei. Todo ato desproporcionado

    invlido, j que praticado com excesso em relao competncia47.

    Por fim, cabe apenas mencionar que o princpio da proporcionalidade deve ser

    observado na definio do contedo e na imposio de limitaes sobre o direito de

    propriedade. No caso, o legislador estar obrigado a concretizar um modelo social

    fundado, de um lado no reconhecimento da propriedade privada; de outro, no princpio

    da funo social, no restringindo a liberdade alm do estritamente necessrio.48 De tal

    modo, que as garantias fundamentais e os objetivos da Repblica Federativa do Brasil

    (art. 3, CF) prevaleam sobre os interesses patrimoniais, ainda que meramente

    secundrios da Administrao Pblica.

    3.3.8. Princpio da Finalidade.

    De acordo com o princpio da finalidade, o administrador sempre dever

    perseguir um objetivo certo e inafastvel de todo ato administrativo: o interesse pblico.

    Para tanto, indispensvel que se utilize o ato apto a atingir a finalidade para a qual foi

    idealizado, ou seja, o fim previsto, explcita ou implicitamente, na regra de competncia

    do agente (art. 2, par.n., e, da Lei 4.717/65).

    Na verdade, o exerccio das prerrogativas do Estado s estar legitimado quando

    presente, de fato, o interesse pblico, no um suposto interesse pblico do Estado

    (difuso, indeterminado, totalmente divorciado da realidade), mas aquele representativo

    dos verdadeiros interesses da comunidade. O interesse pblico deve aparecer como algo

    certo, determinado, exercitvel em curto espao de tempo, perfeitamente passvel de ser 45 Egon Bockmann Moreira, op. cit., p. 81-82. 46 Lcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, p.47. 47 Celso Antnio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle Jurisdicional, p. 98. 48 Gilmar Mendes, O princpio da proporcionalidade na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal:

    novas leituras. Revista Dilogo Jurdico, Vol. I- n 5- agosto de 2001.

    34

  • reconhecido no caso concreto. Como adverte com muita propriedade Hctor Jorge

    Escola49 la simple invocacin del interes pblico, como lago vago e inasible, no sirve

    para nada: es como uma forma, dentro de la cual nada existe. Es una aparencia,

    cuando en verdad debe ser una realidad.

    Como o interesse pblico eleito pelo legislador, o princpio da finalidade no

    uma mera decorrncia do princpio da legalidade, mas uma inerncia dele; est nele

    contido, pois corresponde aplicao da lei tal qual ; ou seja, na conformidade de sua

    razo de ser, do objetivo em vista do qual foi editada50.

    O Professor Celso Antnio conclui:

    Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prtica de ato desconforme com sua finalidade no aplicar a lei; desvirtu-la; burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. Da por que os atos incursos neste vcio- denominado desvio de poder ou desvio de finalidade- so nulos. Quem desatende ao fim legal desatende prpria lei.

    O uso do poder constitui prerrogativa da autoridade pblica que deve faz-lo

    sem abuso. Usar normalmente do poder empreg-lo segundo as normas legais, a moral

    da instituio, a finalidade do ato e as exigncias do interesse pblico. Abusar do poder

    empreg-lo fora da lei, sem utilidade pblica51.

    O desvio de poder pressupe que a autoridade seja competente para a prtica

    do ato, executando-o, porm, com a finalidade diversa da prevista em lei. A prtica do

    ato exorbitando no uso de suas faculdades administrativas caracterizar excesso de

    poder, ainda que a finalidade perseguida seja de interesse pblico.

    No basta, portanto, perseguir o interesse pblico imperioso que o agente

    realize o ato dentro da esfera de sua competncia. Desta maneira, podemos dizer que o

    abuso do poder o gnero do qual o desvio de poder e o excesso de poder so as

    espcies. Ambas, ensejam a nulidade do ato administrativo.

    O excesso de poder pode tipificar crime de abuso de autoridade quando incide

    nos tipos penais previstos na Lei 4.898, de 09 de dezembro de 1965, caracterizando,

    assim, ato arbitrrio.

    49 Hctor Jorge Escola. El Interes Pblico como fundamento del derecho administrativo, p. 245. 50 Celso Antnio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 64. 51 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 95.

    35

  • Por fim, oportuno mencionar que o desvio de poder tambm ocorre por

    omisso do agente pblico que deixa de agir, quando deveria faz-lo, animado por

    intenes pessoais, favoritismos ou, em fim, objetivando finalidade alheia da regra de

    competncia que o habilitava.

    36

  • 4. A Omisso Administrativa.

    O respeito ao regime jurdico administrativo concretiza o denominado direito

    fundamental boa administrao pblica, que compreendido, na lio de Juarez

    Freitas52, como o direito fundamental administrao pblica eficiente e eficaz,

    proporcional cumpridora de seus deveres, com transparncia, motivao, imparcialidade

    e respeito moralidade, participao social e plena responsabilidade por suas

    condutas omissivas e comissivas, impondo, assim, a cogncia da totalidade dos

    princpios constitucionais que a regem.

    Antes da prpria anlise do regime jurdico administrativo e dos princpios de

    regncia, imperativo reconhecer qual o fundamento da legitimidade do poder estatal,

    o que confere fora para que seja aceito por aqueles sobre os quais se exerce, para

    induzir os seus destinatrios a obedec-lo? O prprio Hobes afirma que para a

    segurana dos sditos necessrio que algum detenha legitimamente no Estado o

    sumo poder.

    da Cincia Poltica a preocupao com o reconhecimento da legitimidade do

    poder estatal. Noberto Bobbio ensina que o critrio majoritrio utilizado para

    reconhecer a legitimidade do poder estatal o do carter relacional, vale dizer, o

    Estado s manifesta legitimamente o seu poder perante os seus destinatrios quando

    mantm com eles uma relao de satisfao ou compromisso com o interesse social.

    No exerccio da funo administrativa, a carter relacional encontra-se

    presente no dever-poder estatal de satisfazer o interesse primrio, ou interesse da

    sociedade destinatria do poder estatal.

    Como decorrncia do dever-poder da atividade administrativa, a omisso do

    Estado reveste-se de ilegitimidade e configura-se como prtica ilegal. De fato, o desvio

    de finalidade ou de poder tambm estar presente quando o administrador deixa de

    atender aos interesses pblicos para os quais encontra-se investido de modo vinculado.

    52 Juarez Freitas, Direito Fundamental boa Administrao Pblica, p. 20.

    37

  • Sobre o assunto, torna-se oportuna a lio de Celso Antnio Bandeira de

    Mello53:

    O vcio de desvio de poder, como assentam os doutos, pode apresentar-se sob dupla modalidade.

    Em uma delas, o agente administrativo, servindo-se de uma competncia que em abstrato possui, busca uma finalidade alheia a qualquer interesse pblico. Nesse caso, atua para alcanar um fim pessoal, que tanto pode ser o de perseguio a algum como o de favoritismo ou mesmo para atender um interesse individual do prprio agente. Em outra modalidade, busca atender uma finalidade pblica que, entretanto, no aquela prpria, especfica da competncia utilizada. A ter-se- valido de uma competncia do direito inadequada para atingimento da finalidade almejada.

    De forma magistral ensina o Professor Juarez Freitas54, aproveitando dos

    ensinamentos de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que a legitimidade do exerccio da

    funo administrativa pressupe, exatamente, a observncia dos limites finalsticos

    estatudos pelo vinculante novo papel do Estado, em termos de respeito ao direito

    fundamental boa administrao, que pressupe, em linhas gerais, a gerao de

    ambiente institucional favorvel a parceiros produtivos. Com a reduo de entraves

    oriundos da quebra reiterada de confiana. E mais: pressupe, sem tardar, a contnua

    sinergia entre as polticas pblicas e o estabelecimento pactuado de metas e resultados,

    alm da criatividade, a inovao e o controle social em matria de oramento pblico.

    A confiana, como bem destacou Jess Gonzlez Prez55, refere-se:

    () a la imposibilidad de adoptar um comportamiento contradictorio, que encuentra su fundamento ltimo en la proteccin que objetivamente requiere la confianza que fundadamente su puede haber depositado en el ajeno y la regla de buena fe que impone el deber de coherencia en el comportamiento.

    Com efeito, mostra-se contraditria a atuao do administrador pblico que

    no cumpre a funo social da propriedade pblica, colocando-a em verdadeiro estado

    de abandono prolongado, invocar a supremacia do interesse pblico sobre o particular e

    sob o manto da auto-executoridade do poder de polcia retirar uma famlia que, com sua

    moradia, confere ao bem pblico uma funo social constitucionalmente assegurada e

    que foi imputada pela Constituio ao prprio ente estatal como competncia material

    de proteo (art. 23, IX, da CF).

    53 Celso Antonio Bandeira de Mello, Discricionariedade e Controle Jurisdicional, pp. 58-59. 54 Juarez Freitas, Discricionariedade administrativa e o direito fundamental boa Administrao Pblica, p. 18. 55 El principio general de la buena fe en el derecho administrativo, p.73.

    38

  • Desse modo, o administrado tem o direito subjetivo pblico56 de exigir do

    administrador omisso a conduta comissiva imposta pelos princpios e regras

    constitucionais, quer na via administrativa, o que pode faz-lo pelo exerccio do direito

    de petio (art. 5, XXXIV, a, CF), quer na via judicial, formulando na ao pedido de

    natureza condenatrio de obrigao de fazer, seja de cunho individual, seja para tutela

    de valores difusos ou metaindividuais.

    preciso registrar, porm, que aquelas atribuies constitucionais de natureza

    administrativa ou material (art. 23 da CF), a exemplo do inciso IX, que impe Unio,

    aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios o dever de promover programas de

    construo de moradias e de melhoria das condies habitacionais e de saneamento

    bsico, quando no so atendidas pelo administrador pblico ganham o status de

    omisses especficas, porquanto esto ocorrendo mesmo diante de expressa imposio

    no sentido do facere administrativo, seja no prazo previamente determinado, seja pelo

    transcurso de prazo superior ao razoavelmente aceitvel57.

    56 Adotaremos o conceito de direito subjetivo pblico do Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, que o relaciona ao dever do Estado concretizar o interesse pblico, deixando de atender substancialmente a legalidade a ponto de onerar pessoalmente algum que estaria livre de tal onerao ou de sonegar uma vantagem que poderia atingir a muitos. 57 A distino entre omisses genricas e omisses especficas no exerccio da funo administrativa bem destacada por Jos dos Santos Carvalho Filho, in Manual de Direito Administrativo, p. 38. Para o ilustre administrativista, apenas as omisses especficas podem caracterizar direito subjetivo do administrado, ficando as omisses genricas dentro da esfera de livre oportunidade.

    39

  • 5. A Funo Administrativa e a Dimenso Vertical da Dignidade da

    Pessoa Humana.

    Com o Estado Social, o interesse pblico a ser alcanado pelo

    administrador humaniza-se, na medida em que passa a preocupar-se no s com os

    bens materiais que a liberdade de iniciativa almeja, mas com valores considerados

    essenciais existncia digna; quer-se liberdade com dignidade, o que exige maior

    interveno do Estado para diminuir as desigualdades sociais e levar a toda a

    coletividade o bem-estar social58.

    A verdade que a supremacia do interesse pblico sobre o privado encontra o

    seu fundamento de validade na sistemtica constitucional, de modo que a sua invocao

    no pode ser utilizada para legitimar arbtrios dos agentes pblicos e tampouco significa

    que a Administrao Pblica possa atuar com a mesma liberdade conferida aos

    particulares; antes, pelo contrrio, traduz em conjunto rgido de limitaes atuao

    administrativa59.

    Desse modo, verifica-se que a idia de supremacia do interesse pblico sobre o

    privado no pode ser extrada abstratamente, mas da anlise do caso concreto60, aps o

    exerccio de interpretao orientada pelos fundamentos e objetivos estampados no Texto

    Constitucional, em especial, pelo postulado normativo da dignidade da pessoa humana,

    que, apesar da sua natureza polissmica, atua como conceito jurdico-normativo a ser

    observado por todos os rgos estatais, seja na sua acepo negativa, objetivando

    impedir a atuao arbitrria do Estado, seja na perspectiva positiva, programtica ou

    impositiva, em que o Estado dever ter como meta permanente a proteo da vida em

    todas as suas acepes. a denominada eficcia vertical dos direitos fundamentais, em

    que se observa o respeito aos direitos fundamentais nas relaes entre indivduo e

    Estado (STF, RE 201819/RJ, j. 11/10/2005).

    58 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Discricionariedade Administrativa na Constituio de 1988, p. 217-218. 59 Fbio Medina Osrio, Existe uma supremacia do interesse pblico sobre o privado no Direito Administrativo Brasileiro?, RTDP-28, pp. 50/51. 60 Nesse sentido, Clovis Beznos, Aspectos Jurdicos da Indenizao na Desapropriao, p. 34.Para o ilustre Professor no se pode conceber a priori a existncia de supremacia de certa gama de interesses que se sobreponham a outros em relao ao mesmo objeto, eis que a supremacia de interesses ou de direitos que destes so sinnimos, frente a outros, diante de uma lide, somente se pode dar pela interpretao pelo poder competente - o Judicirio-, da questo em debate, considerando os fatos e o direito aplicvel.

    40

  • No mesmo sentido, o Professor Celso Antnio adverte que

    s mesmo um viso muito pedestre ou desassistida do mnimo bom senso que se poderia imaginar que o princpio da supremacia do interesse pblico sobre o privado no est a reger nos casos em que sua realizao traz consigo a proteo de bens e interesses individuais e que, em tais hipteses, o que ocorre... a supremacia inversa, isto , do interesse privado!

    Tambm compartilha do mesmo entendimento Maral Justen Filho61, quando

    leciona que

    mesmo a supremacia e indisponibilidade do interesse pblico so subordinados a ele (refere-se ao princpio da dignidade da pessoa humana). Mais precisamente supremacia e indisponibilidade do interesse pblico so as vias insubstituveis para a realizao da dignidade da pessoa humana, que consiste que o ser humano no instrumento, qualquer das acepes que a palavra apresente. O ser humano no pode ser tratado como objeto. o sujeito de toda a relao social e nunca pode ser sacrificado em homenagem a alguma necessidade circunstancial ou, mesmo, a propsito da realizao dos fins ltimos de outros seres humanos ou de uma coletividade indeterminada.(...) O que no se admite a diluio da dignidade de um nico indivduo em virtude da existncia de um incerto e indefinido interesse pblico. (...) Os poderes atribudos ao Estado, no mbito da funo administrativa, no so voltados a produzir um interesse pblico abstrato, difuso ou apenas cognoscvel por parte do governante. A atividade administrativa do Estado se orienta a atender as necessidades individuais e coletivas pertinentes ao valor da dignidade da pessoa humana.

    Outro no o ensinamento do Professor Celso Antnio62 quando

    expressamente adverte que as prerrogativas inerentes supremacia do interesse pblico

    sobre o privado somente sero legtimas quando alcanarem o interesse pblico; no

    para satisfazer apenas interesses ou convenincias to-s do aparelho estatal, e muito

    menos dos agentes governamentais.

    verdade que nenhum direito ou garantia individual seja absoluta, mas

    preciso que a atuao estatal esteja revestida de legitimidade e, portanto, em perfeita

    consonncia com os dispositivos constitucionais, como reconheceu o Supremo Tribunal

    Federal no MS 23.452, relator Min. Celso de Mello, ao estabelecer que

    (...) razes de relevante interesse pblico ou exigncias derivadas do princpio de convivncia das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoo, por parte dos rgos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela prpria Constituio, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pblica ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.