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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Srgio Cedano
A FUNO ADMINISTRATIVA E A PROTEO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE MORADIA.
MESTRADO EM DIREITO ADMINISTRATIVO
SO PAULO
2010
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Srgio Cedano
A FUNO ADMINISTRATIVA E A PROTEO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE MORADIA.
MESTRADO EM DIREITO ADMINISTRATIVO
Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Direito Administrativo, sob a orientao do Prof. Doutor Clovis Beznos.
SO PAULO
2010
Banca Examinadora
___________________________
___________________________
___________________________
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Eurpedes (in memorian) e Maria
Lcia, que forjaram meu carter com extrema dignidade.
minha esposa Elisane e minha filha Carolina
pela compreenso e apoio incondicional.
minha irm Simone Cedano, exemplo de doura
e determinao.
Ao meu cunhado Eliseu Rossi, advogado brilhante e
amigo de todas as horas.
Ao carssimo Professor e Orientador Clovis Beznos
pelas valiosas lies de Direito Administrativo e pela especial ateno durante
todo o desenvolvimento desse trabalho acadmico, demonstrando verdadeiro
comprometimento e amor pelo debate jurdico.
Ao Professor Slvio Lus Ferreira da Rocha,
exemplo de magistrado e ser humano.
Especial agradecimento aos amigos e Professores
da COGEA/PUC, Carolina Zancaner Zockun, Jlia Plenamente Silva,
Mariana Mencio, Maurcio Zockun e Ricardo Marcondes Martins.
RESUMO
A funo administrativa eminentemente teleolgica, porquanto est adstrita a
satisfazer interesses pblicos primrios e, para tanto, encontra-se lastreada em dois
princpios basilares, quais sejam: supremacia do interesse pblico sobre o privado e o da
indisponibilidade dos interesses pblicos. Toda a atuao administrativa, para ser
vlida, deve obedincia ao princpio da dignidade da pessoa humana, seja na sua
acepo negativa, objetivando impedir a atuao arbitrria do Estado, seja na
perspectiva positiva, em que o Estado dever ter como meta permanente a proteo da
vida em todas as suas acepes.
No exerccio da funo administrativa, o Estado realiza atividades como a interveno
no domnio social, por meio das polticas pblicas e atividades de fomento
administrativo, a gesto de bens pblicos e o poder de polcia. A inao estatal reveste-
se de ilegitimidade e configura-se como prtica ilegal, de modo a conferir direitos
pblicos subjetivos aos administrados lesados.
A Constituio Federal, no inciso IX do art. 23, definiu como matria de competncia
administrativa comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios
promover programas de construo de moradias e a melhoria das condies
habitacionais e de saneamento bsico. Percebe-se, portanto, que a questo da moradia
est inserida no contexto do dever-poder do Estado, eis que includa no mbito do piso
vital mnimo ou do mnimo existencial para a efetividade do direito subjetivo a uma
vida digna (art. 6, CF).
O Texto Constitucional, ao estabelecer expressamente que a propriedade dever atender
a sua funo social (art. 5, XXIII) e, especialmente, quando reputou como princpio da
ordem econmica a existncia digna de todos, conforme os ditames da justia social
(art. 170, II e III), provocou o surgimento de uma nova estrutura interna do conceito de
propriedade. A incluso do princpio da funo social modifica a estrutura do direito de
posse, na medida em que o possuir deixa a condio de mero observador de respeito
erga omnes, como mero sujeito passivo universal, e passa a titularizar direitos
subjetivos, em ateno superior previso constitucional do direito social de moradia e
o conseqente acesso aos bens vitais mnimos, inclusive na relao com o Estado.
Palavras-chave: (1) funo administrativa; (2) dignidade pessoa humana; (3) moradia.
SUMMARY
The administrative function is eminently teleological, since it is related to satisfying
primary interests, and as such, finds itself supported by two basic principles: the
supremacy of public interest over the private and the inalienability of public interests. In
order to be valid, all administrative actions must follow the human beings principle of
dignity, whether in its negative sense, aiming at stopping the States arbitrary actions, or
in its positive perspective, in which the State must have as permanent objective the
protection of life in all its connotations.
In the exercise of the administrative function, the State realizes activities such as
intervention on social domain, by means of public policies and activities to support the
administration, the management of public assets and the power of the police. The state
inaction is considered illegitimate and an illegal practice, in such a way as providing
individuals who had their rights violated the right to make demands on the State.
The Federal Constitution, paragraph 9 or article 23, defined as common administrative
competence of the Union, the States, Federal District and Municipalities, the promotion
of programs to build homes and to improve the living conditions and basic sanitation.
Therefore, it is observed that the issue of having a residence is inserted in the context of
the right-power of the State, included in the scope of the minimum vital space or
existential minimum for the execution of the subjective right of a dignified life (art. 6,
CF).
The Constitutional Text, establishing expressly that property must have its social
function (art. 5, 23) and, especially when it is considered everyones existence with
dignity as a principle of the economic order, according to the social justice (art. 170, 2 e
3), resulted in the emergence of a new internal structure of the concept of property. The
inclusion of the social function principle modifies the structure of the right of
ownership, in that to own leaves the condition of a mere observer of erga omnes respect,
as a mere universal passive subject, and starts to consider subjective rights, following
the superior constitutional consideration of the social right of residence and the
consequent access to minimum vital assets, including in the relation with the State.
Key word: (1) administrative function; (2) human beings principle of dignity; (3) build homes.
6
SUMRIO I) INTRODUO .........................................................................................................................9 II) FUNO ADMINISTRATIVA .............................................................................................13 1. O Estado e suas Funes. ...........................................................................................................13 2. A funo Administrativa. ...........................................................................................................16 3. O Regime Jurdico Administrativo..............................................................................................19
3.1. Supremacia do interesse pblico sobre o privado...................................................................20 3.2. Indisponibilidade dos interesses pblicos..............................................................................22 3.3. Princpios da Administrao Pblica. ...................................................................................24
3.3.1. Princpio da Legalidade..............................................................................................26 3.3.2. Princpio da Impessoalidade .......................................................................................28 3.3.3. Princpio da Moralidade.............................................................................................29 3.3.4. Princpio da Publicidade ............................................................................................30 3.3.5. Princpio da Eficincia. ..............................................................................................31 3.3.6. Princpio da Motivao ..............................................................................................32 3.3.7. Princpio da Proporcionalidade...................................................................................32 3.3.8. Princpio da Finalidade. .............................................................................................34
4. A Omisso Administrativa. ........................................................................................................37 5. A Funo Administrativa e a Dimenso Vertical da Dignidade da Pessoa Humana.........................40 III) A PROTEO CONSTITUCIONAL DA MORADIA COMO UM DIREITO
FUNDAMENTAL. OS COMPONENTES CONCEITUAIS......................................................45 1. Direito de Moradia e a Funo Social das Propriedades Privada e Pblica. ....................................53 2. O Direito de Moradia e a Funo Social da Posse. .......................................................................58 3. O Direito de Moradia e a Proteo de Pessoas em Situao de Risco.............................................61 IV) AS FUNES ADMINISTRATIVAS EM ESPCIE E A PROTEO DO DIREITO DE
MORADIA............................................................................................................................63 1. A Interveno no Domnio Social e a Garantia do Mnimo Existencial. .........................................63
1.1. Polticas pblicas. ...............................................................................................................67 1.1.1. Conceito e os pensamentos dos Professores Celso Antnio Bandeira de Mello e Maria
Paula Dallari Bucci....................................................................................................68 1.1.2. As objees ao controle do mrito administrativo e a separao entre os poderes. ..........69 1.1.3. A objeo da efetividade das normas programticas e a garantia do mnimo
existencial.................................................................................................................74 1.2. Atividade de fomento como mecanismo de implementao do direito de moradia. ..................83
1.2.1. Conceito de atividade de fomento...............................................................................85 1.2.2. Princpios. ................................................................................................................86 1.2.3. Anlise crtica da deciso do STF no Recurso Extraordinrio n 407.688/SP: a
penhorabilidade do bem de famlia como atividade de fomento estatal. .........................87 1.2.4. Alguns exemplos de atividade de fomento ao direito de moradia. .................................89
1.2.4.1. Reduo da taxa de financiamento do setor imobilirio. ...................................89 1.2.4.2. Polticas pblicas e as entidades do terceiro setor. ...........................................90 1.2.4.3. Cooperativismo do setor imobilirio. ..............................................................90 1.2.4.4. Participao estatal na pesquisa de materiais e outros recursos empregados na construo de moradias..............................................................................................90
2. A Gesto de Bens Pblicos e a Proteo do Direito de Moradia. ...................................................91 2.1. Conceito de bem pblico. ....................................................................................................91 2.2. Distino entre os bens pblicos e os bens difusos (bens ambientais). .....................................91
2.3. Classificao dos bens pblicos............................................................................................92 2.3.1. Bens de uso comum do povo ......................................................................................92 2.3.2. Bens de uso especial do Estado...................................................................................93 2.3.3. Bens dominiais ..........................................................................................................93
2.4. Regime Jurdico dos bens pblicos. ......................................................................................94 2.4.1. Inalienabilidade.........................................................................................................94 2.4.2. Imprescritibilidade.....................................................................................................94 2.4.3. Impenhorabilidade e no-onerao..............................................................................94
2.5. Distino entre propriedade e domnio..................................................................................95 2.6. Gesto dos bens pblicos e o exerccio da funo social pro moradia. .................................96
2.6.1. Autorizao de uso para fins urbansticos....................................................................97 2.6.2. Permisso de uso .......................................................................................................98 2.6.3. Concesso de uso: .....................................................................................................98 2.6.4. Concesso de direito real de uso .................................................................................99 2.6.5. Direito de superfcie: .................................................................................................99 2.6.6. Concesso de uso especial para fins de moradia.........................................................100
V) A PROTEO DO DIREITO DE MORADIA E O EXERCCIO DA POSSE NO
TITULADA. .........................................................................................................................102 1. Distino entre Posse e Deteno (ou ocupao) de Bem Pblico....................................................102 2. A Funo Social da Posse. .......................................................................................................104 3. A Desapropriao Judicial........................................................................................................108 4. A Urbanizao de Favelas. .......................................................................................................110 5. Indenizao por Benfeitorias e Direito de Reteno. ..................................................................112 6. Limites Auto-Executoriedade do Poder de Polcia. ..................................................................113 VI) CONCLUSES FINAIS ....................................................................................................119 VII) BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................121
8
I) INTRODUO
O Estado dotado de poder poltico para promover o atendimento das
necessidades do cidado, atendendo aos objetivos fixados pelo artigo 3 da Constituio
Federal. A efetivao de tais objetivos deve nortear toda atividade estatal, em especial
no exerccio de suas funes mais relevantes: legislativa, executiva e judiciria.
A funo administrativa eminentemente teleolgica, porquanto est adstrita a
satisfazer interesses pblicos primrios e, para tanto, encontra-se lastreada em dois
princpios basilares, quais sejam: supremacia do interesse pblico sobre o privado e o da
indisponibilidade dos interesses pblicos. Toda a atuao administrativa, para ser
vlida, deve obedincia ao princpio da dignidade da pessoa humana, seja na sua
acepo negativa, objetivando impedir a atuao arbitrria do Estado, seja na
perspectiva positiva, em que o Estado dever ter como meta permanente a proteo da
vida em todas as suas acepes.
Assim, no basta a mera invocao da satisfao do interesse pblico,
preciso que o administrador pblico esteja pautado em perseguir um dado e especfico
interesse pblico, definido, atual ou potencial, mas determinado. A invocao abstrata
do interesse pblico afasta-se do dever de satisfao do interesse pblico primrio para
aproximar-se do interesse pblico secundrio, ou melhor, do interesse pessoal do
administrador, em evidente desvio de poder ou de finalidade. A atuao abusiva do
agente pblico importa em verdadeiro estado de ilcito administrativo, que no permite
invocar o exerccio das potestades ou das prerrogativas pblicas, enquanto instrumentos
de concretizao da dignidade da pessoa humana. Com isso, mostra-se desarrazoada e
contraditria a atuao do administrador pblico que no cumpre a funo social da
propriedade pblica, colocando-a em verdadeiro estado de abandono prolongado,
invocar a supremacia do interesse pblico sobre o particular e sob o manto da auto-
executoridade do poder de polcia retirar uma famlia que, com sua moradia, confere ao
bem pblico uma funo social constitucionalmente assegurada e que foi imputada pela
Constituio ao prprio ente estatal como competncia material de proteo.
9
A distino entre propriedade e domnio serve para justificar a proteo
constitucional do bem pblico em face da usucapio, mas no significa que a
propriedade pblica no tenha que cumprir a sua funo social e que o possuidor pode
se valer legitimamente dos demais instrumentos de proteo decorrentes da posse, como
o direito de indenizao por benfeitorias e o direito de reteno.
De fato, a Constituio Federal, no inciso IX do art. 23, definiu como matria
de competncia administrativa comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municpios promover programas de construo de moradias e a melhoria das condies
habitacionais e de saneamento bsico. Percebe-se, portanto, que a questo da moradia
est inserida no contexto do dever-poder do Estado, eis que includa no mbito do piso
vital mnimo ou do mnimo existencial para a efetividade do direito subjetivo a uma
vida digna (art. 6, CF).
A prpria Constituio Federal traa, no seu artigo 23, o planejamento da
atuao estatal a ser necessariamente observado pelo administrador, o que limita o juzo
discricionrio de convenincia e de oportunidade em matria de polticas pblicas
associadas ao mnimo existencial, prescrevendo o inafastvel dever de combate
pobreza e aos fatores de marginalizao, promovendo a integrao social dos setores
desfavorecidos (inciso X).
No vlida a inovao da separao entre os poderes como objeo
possvel ao controle do Poder Judicirio. Na verdade, a separao entre os Poderes de
Estado no se apresenta de forma estanque ou compartimentada, mas, ao contrrio, atua
como importante mecanismo de interao entre as funes estatais voltadas
construo de uma sociedade livre, justa e solidria (art. 3, I, da CF).
Com efeito, no basta uma Constituio prdiga em direitos fundamentais de
primeira gerao, preciso que o Estado oferea as condies mnimas necessrias para
que esses direitos se tornem realidade. Os direitos sociais ou de segunda gerao so
verdadeiros direitos de crdito assegurados sociedade, pois atuam como mecanismos
garantidores ou de implementao dos direitos de primeira gerao, como o direito
vida, liberdade, segurana e propriedade. Para combater as ineficincias do Estado,
a tutela coletiva e a legitimidade conferida ao Ministrio Pblico armam a sociedade
10
com importante instrumento de efetividade dos direitos sociais, assegurando o controle
judicial sempre que diante de leso ou ameaa de leso a direito fundamental.
O direito de moradia tem caracterstica predominantemente de direito difuso,
por ser de natureza transindividual, indivisvel, de titularidade dispersa entre pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato, no interesse geral de proteo ao
mnimo existencial pelo Estado. A Ao Civil Pblica constitui importante mecanismo
de controle judicial da poltica pblica de moradia, na medida em que atinge o interesse
de titulares indeterminados que ficariam inviabilizados se fossem exercidos em tutela
individual ou coletiva em litisconsrcio multitudinrio.
Do mesmo modo, a Ordem econmica deve atuar de forma a assegurar a
todos existncia digna, conforme os ditames da justia social (art. 170, caput, da CF).
Assim, alm do dever de promover diretamente o acesso ao direito de moradia, o
Estado, no exerccio da atividade administrativa, tem por misso constitucional
promover o fomento dessa atividade, facilitando e estimulando a participao da
sociedade na implementao de polticas pblicas voltadas ao acesso a um teto onde se
abrigue com a famlia de modo permanente e em condies de habitabilidade.
O princpio da solidariedade (art. 3, I, da CF) impe a todos- Poder Pblico
e sociedade- sacrifcios recprocos para a consecuo de objetivos como o de
desenvolvimento nacional e de reduo da pobreza e da marginalizao. O direito de
moradia deve ser assegurado mesmo na relao entre particulares. a denominada
teoria da eficcia horizontal dos direitos fundamentais em contraposio eficcia
vertical dos direitos fundamentais, em que se observa o respeito aos direitos
fundamentais nas relaes entre indivduo e Estado. Com efeito, h uma
conscientizao crescente e generalizada de que os indivduos tm o dever de serem
solidrios, protegendo-se mutuamente.
A objeo da reserva econmica do possvel no pode ser transformada em
instrumento justificador das mazelas e ineficincias estatais, cabendo, inclusive, o
controle da constitucionalidade das leis oramentrias sempre que o planejamento
governamental, ou a ausncia dele, revelar-se ineficiente na tarefa de concretizao de
tais objetivos constitucionais. Os princpios da eficincia, da moralidade e da
proporcionalidade trazem o debate do controle judicial dos instrumentos oramentrios
11
do cenrio poltico para o jurdico, orientado pelos deveres de racionalidade e de
motivao.
O conceito moderno de dignidade informado pela solidariedade humana. A
incluso do princpio da funo social modifica a estrutura do direito de posse, na
medida em que o possuir deixa a condio de mero observador de respeito erga omnes,
como mero sujeito passivo universal, e passa a titularizar direitos subjetivos, em ateno
superior previso constitucional do direito social de moradia e o conseqente acesso
aos bens vitais mnimos.
O Texto Constitucional, ao estabelecer expressamente que a propriedade
dever atender a sua funo social (art. 5, XXIII) e, especialmente, quando reputou
como princpio da ordem econmica a existncia digna de todos, conforme os ditames
da justia social (art. 170, II e III), provocou o surgimento de uma nova estrutura interna
do conceito de propriedade, que deve refletir tambm, e principalmente, sobre o bem
pblico, posto que por definio encontra-se vinculado satisfao de interesses
pblicos.
12
II) FUNO ADMINISTRATIVA
1. O Estado e suas Funes.
O homem, como ser social, desde os primrdios e durante todo o perodo de
sua existncia, est sempre ligado a um tipo de sociedade. No vive isolado, mas em
grupos, em face de interesses materiais ou de objetivos espirituais.
Justamente por isso, Darcy Azambuja1 nos ensina que
(...) a primeira em importncia, a sociedade natural por excelncia, a famlia, que o alimenta, protege e educa. As sociedades de natureza religiosa, ou Igrejas, a Escola, a Universidade, so outras tantas instituies em que ele ingressa; depois de adulto, passa ainda a fazer parte de outras organizaes, algumas criadas por ele mesmo, com fins econmicos, profissionais ou simplesmente morais: empresas comerciais, institutos cientficos, sindicatos, clubes etc. O conjunto desses grupos sociais forma a sociedade propriamente dita. Mas, ainda tomado nesse sentido geral, a extenso e a compreenso do termo sociedade variam, podendo abranger os grupos sociais de uma cidade, de um pas ou de todos os pases, e, nesse caso, a sociedade humana, a humanidade. Alm dessas, h uma sociedade, mais vasta que a famlia, menos extensa do que diversas Igrejas e a humanidade, mas tendo sobre as outras uma proeminncia que decorre da obrigatoriedade dos laos com que envolve o indivduo; a sociedade poltica, o Estado.
O Estado, assim considerado a Nao politicamente organizada, o conjunto
orgnico formado pelo Territrio, Povo e Governo. O Territrio a base fsica do
Estado; o Povo o seu elemento humano e o Governo, o seu rgo diretivo.
O governo o poder ou a autoridade do Estado. Na definio de Jos Afonso
da Silva2, governo o conjunto de rgos mediante os quais a vontade do Estado
formulada, expressada e realizada, ou conjunto de rgos supremos a quem incumbe o
exerccio das funes do poder poltico.
Assim, o Governo a expresso poltica de comando, de iniciativa, de fixao
de objetivos do Estado e de manuteno da ordem jurdica vigente3.
importante ressaltar, contudo, que os conceitos de Governo e de
Administrao Pblica no se confundem. Nesse aspecto, cabe registrar importante
diferencial traado pela doutrina de Hely Lopes Meirelles4 que assim dispe:
1 Darcy Azambuja, Teoria Geral do Estado, p.3. 2 Jos Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.109 3 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. .59. 4 Idem, p. 60.
13
(...) comparativamente, podemos dizer que governo atividade poltica e discricionria; administrao atividade neutra, normalmente vinculada lei ou norma tcnica. Governo conduta independente; administrao conduta hierarquizada. O Governo comanda com responsabilidade constitucional e poltica, mas sem responsabilidade profissional pela execuo; a Administrao executa sem responsabilidade constitucional ou poltica, mas com responsabilidade tcnica e legal pela execuo. A Administrao o instrumental de que dispe o Estado para pr em prtica as opes polticas do Governo.
A peculiaridade do poder do Estado (poder poltico) , segundo Carlos Ari
Sundfeld5, de um lado, o fato de basear-se no uso da fora fsica e, de outro, o reservar-
se, com exclusividade, ao uso dela. Decorrem disso duas conseqncias muito
importantes. A primeira: o poder do Estado se impe aos demais existentes em seu
interior, razo pela qual lhes superior. Os poderes do patro, do pai, do sindicato, da
diretoria do clube so subordinados ao poder do Estado. A segunda: o Estado no
reconhece poder externo superior ao seu.
O Estado , pois, dotado de poder poltico para promover o atendimento das
necessidades do cidado, proporcionando-lhe condies de viver em harmonia, ter
prosperidade e, enfim, atingir o bem-estar social.
Pela primeira vez na histria constitucional do Brasil, a Constituio Federal
de 1988, abriu um artigo especfico para as finalidades do Estado brasileiro, cuja
consecuo deve figurar como vetor interpretativo de toda a atuao dos rgos
pblicos, dispondo no seu artigo 3: construir uma sociedade livre, justa e solidria;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.
A consecuo de tais objetivos deve nortear toda atividade estatal, em especial
no exerccio de suas funes mais relevantes: legislativa, executiva e judiciria. Cabe
ressaltar, contudo, que essa separao de funes no absoluta ou estanque, pois a
Constituio Federal conferiu mecanismos de colaborao entre os poderes, tornando-os
independentes e harmnicos entre si. Como exemplos, temos: as medidas provisrias
editadas pelo Presidente da Repblica; o julgamento do crime de responsabilidade pelo
Senado Federal; a apreciao das contas e gastos pblicos pelo Legislativo, com auxlio
5 Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos de direito pblico, p. 23.
14
dos Tribunais de Contas; a composio dos Tribunais Superiores com membros
nomeados pelo Presidente da Repblica, aps aprovao do Senado.
A esses mecanismos de interdependncia entre os poderes, a doutrina
denomina de sistema de freios e contrapesos, buscando o equilbrio necessrio
realizao do bem da coletividade e, principalmente, evitando o arbtrio e os desmandos
to prejudiciais ao interesse pblico.
Para a proposta deste trabalho, interessa mais de perto o exerccio da
funo administrativa e a sua relao com os fundamentos e objetivos do Estado
Democrtico de Direito, em especial o princpio fundamental da dignidade da pessoa
humana (art.1, III), e os deveres de respeito e proteo.
15
2. A funo Administrativa.
De incio, cabe recordar que o conceito de funo tpico do direito
administrativo, mas dele no exclusivo.
Sobre o tema interessante o destaque feito pela doutrina de Fbio Konder
Comparato6 sobre o amplo conceito que a expresso funo possui na cincia
jurdica: Funo - enquanto desempenho, adimplemento, execuo - a atuao
prpria de algum ou de algo num sistema, isto , num conjunto coordenado de partes
em relao a um fim ou objetivo. E prossegue o doutrinador: Mas a todo poder
correspondem deveres e responsabilidades prprias, exatamente porque se trata de um
direito-funo, atribudo ao titular para consecuo de finalidades precisas. Assim,
tambm exercem funo o tutor; o curador e o sndico da massa falida.
Em direito administrativo, funo significa vnculo inseparvel que une o
poder outorgado ao agente e o dever que lhe imposto, dirigido ao atingimento de
determinado objetivo que sempre ser de interesse pblico.
Assim, como adverte o Professor Celso Antnio Bandeira de Mello7:
(...) existe funo quando algum est investido no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do interesse de outrem, necessitando, para tanto, manejar os poderes requeridos para supri-las. Logo, tais poderes so instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles, o sujeito investido na funo no teria como se desincumbir do dever posto a seu cargo. Donde, quem os titulariza maneja, na verdade, deveres-poderes, no interesse alheio.
o exerccio da denominada relao de administrao a que o saudoso
administrativista Rui Cirne Lima8 adverte como a relao jurdica que se estrutura ao
influxo de uma finalidade cogente. De fato, na relao de administrao h uma
predominncia dos aspectos ligados ao dever e finalidade. (se contrape idia de
propriedade, em que h a predominncia do aspecto ligado vontade), posto que a
finalidade que a atividade de administrao se prope aparece defendida e protegida
contra o prprio agente e contra terceiros.
Desta forma, a funo administrativa pressupe os seguintes elementos
bsicos: (a) agente pblico; (b) dever; (c) finalidade; (d) interesse pblico; (e) previso
6 Fbio Konder Comparato, O Poder de Controle na Sociedade Annima, pp. 282-283. 7 Celso Antnio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p..32 . 8 Princpios de Direito Administrativo, p. 106.
16
em lei; (f) poderes para a realizao de seu dever (g) interesse alheio ao sujeito que
maneja o poder9.
Agente pblico deve ser entendido como sendo toda pessoa, fsica ou jurdica,
de direito pblico ou privado investido no desempenho de atividade estatal.
Dever a conduta prevista e imposta pelo ordenamento jurdico ao agente e de
observncia obrigatria, sob pena de sofrer sanes jurdicas.
A finalidade o desgnio estabelecido em lei, ou seja, o objetivo que deve
ser necessariamente perseguido pelo agente pblico. prprio do conceito de funo o
atingimento de finalidade pr-estabelecida.
O interesse pblico o contedo da finalidade10. O agente pblico deve atuar
perseguindo sempre o interesse pblico primrio, vale dizer, o interesse da sociedade e
o no da prpria Administrao (interesse secundrio). O ideal seria que tais interesses
se confundissem em um s, mas no o que se observa na realidade.
Poderes so os instrumentos e prerrogativas postos disposio do agente
pblico para o cumprimento de seus deveres. O uso dessas prerrogativas somente ser
legtimo quando e na medida indispensvel ao atingimento dos interesses pblicos.
Por derradeiro, o interesse perseguido pelo agente h de ser alheio esfera
jurdica privada.
Com efeito, quem exerce funo administrativa est adstrito a satisfazer
interesses pblicos primrios, ou seja, interesses da coletividade como um todo e no da
prpria Administrao Pblica em si mesma considerada e, para tanto, encontra-se
lastreada em regime jurdico prprio, enquanto conjunto sistematizado de princpios e
regras que confere identidade ao exerccio dessa funo, diferenciando-a das demais
atividades estatais (jurisdicional e legislativa tpicas).
A funo administrativa encontra-se presente nas atividades de interveno
estatal no domnio social (polticas pblicas e atividade de fomento administrativo), na 9 Egon Bockmann Moreira, Processo Administrativo, p. 31. 10 Adotaremos o conceito de interesse pblico do Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, que adverte ser o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivduos pessoalmente tm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem", op. cit. p. 32.
17
gesto de bens pblicos, nos servios pblicos e no exerccio do poder de polcia
administrativo.
O regime jurdico administrativo e a proteo constitucional do direito de
moradia traro as repercusses jurdicas necessrias em todos esses setores da atividade
estatal, seja impondo o dever prestacional, seja limitando ou contendo suas
prerrogativas. A prpria inatividade do Estado reveste-se de ilegalidade (abusividade) e,
como tal, traz conseqncias jurdicas favorveis aos administrados capazes de
consolidar at mesmo uma situao de fato, ainda que em detrimento do Poder Pblico,
mas em homenagem garantia da dignidade da pessoa humana.
18
3. O Regime Jurdico Administrativo.
A Constituio Federal, no seu artigo 1, expressamente, estabeleceu que o
Brasil adotou como regime de governo a repblica.
O princpio republicano tem por caracterstica principal o fato de o governante
no ser o titular do poder, mas o representante de quem, verdadeiramente, o seu
titular, vale dizer, da sociedade.
Outra no a disposio do pargrafo nico do artigo 1 do Texto
Constitucional quando assim estabelece: Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituio.
O termo repblica provm da expresso res publica que significa a coisa
pblica, ou seja, coisa do povo e para o povo, exatamente para expressar a idia de que
o governante no o dono dos bens, servios e atividades que disponibiliza, mas age
como administrador de interesses que no lhe so prprios, representando, como j
mencionado, a vontade popular. o fundamento da soberania nacional haurida na
vontade popular.
exatamente essa caracterstica fundamental, qual seja, a de representar
interesses de terceiros, que confere identidade estrutura da Administrao Pblica,
pois est pautada no exerccio de bem gerir os negcios pblicos, pelo regime jurdico
administrativo.
O regime jurdico administrativo compreende, pois, um conjunto sistematizado
de princpios e regras que confere identidade ao Direito Administrativo, diferenciando-o
dos demais ramos do Direito.
A atividade administrativa, em especial o exerccio dos poderes da
Administrao, deve estar, necessariamente, direcionada para a satisfao do interesse
pblico. o denominado exerccio da funo administrativa para a consecuo dos
interesses de outrem.
O regime peculiar da Administrao Pblica est lastreado em dois princpios
basilares, quais sejam: supremacia do interesse pblico sobre o privado e o da
19
indisponibilidade dos interesses pblicos. Tais princpios servem de alicerce para os
demais princpios que regem toda atividade do administrador pblico.
3.1. Supremacia do interesse pblico sobre o privado.
A Administrao Pblica est aparelhada com instrumentos e prerrogativas
para a consecuo da finalidade pblica, ou seja, com vistas satisfao de interesses da
sociedade que representa, porquanto nos Estados Democrticos o poder emana do povo
e em seu proveito ter de ser exercido.
Nesse sentido a lio do Professor Roque Antnio Carrazza11 que, ao tratar do
princpio republicano, traz colao o comentrio de Thomas Cooley:
Toda a corporao legislativa deve legislar tendo em vista o bem pblico, e no o proveito individual de quem quer que seja, e o ato deve ser inspirado pela luz dos princpios gerais que constituem o fundamento natural das instituies representativas. Aqui, entretanto, atingimos a esfera da discrio legislativa. O que for para o bem pblico, e o que exigem os princpios em que se apia o governo representativo, compete legislatura o decidir, sob a responsabilidade dos seus membros para com os eleitores.
E mais frente o prprio mestre traz as suas consideraes sobre o tema:
Portanto, em face da instituio republicana, que se baseia na perfeita igualdade de direitos das pessoas, nossos governantes so comissionados para tratar, no de negcios prprios, mas de outrem, ou seja, de todo o povo. So delegados do povo, ao qual devem servir. Podemos dizer, enfim, com o grande Rui Barbosa, que so do prprio povo os atos legtimos que os Poderes Legislativo e Executivo, em seu nome, praticam.
Do princpio da supremacia decorrem as seguintes conseqncias ou princpios
subordinados: (a) posio privilegiada do rgo encarregado de zelar pelo interesse
pblico e de exprimi-lo, nas relaes com os particulares; (b) posio de supremacia do
rgo nas mesmas relaes12.
Em razo do interesse que representa, o ordenamento jurdico confere posio
privilegiada Administrao Pblica para tornar ainda mais eficaz a proteo do
interesse pblico. So exemplos: os prazos processuais dilatados ao Poder Pblico
(art.188, CPC); a necessidade de prvia intimao do representante da Administrao
quando da concesso de liminares contra o Estado (Lei 8.437/92).
11 Roque Antnio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributrio, pp. 44-45. 12 Celso Antnio Bandeira de Mello, op. cit., p. 30.
20
A supremacia decorre da posio de verticalidade que a Administrao Pblica
se encontra em face do particular. A desigualdade do poder pblico justifica-se pelo
interesse que persegue, ainda que, para tanto, tenha de impor restries unilaterais aos
administrados, pois o sacrifcio individual cede passo ao benefcio coletivo. As
prerrogativas pblicas compreendem um conjunto de atribuies especiais conferidas
Administrao, na relao jurdico-administrativa, derrogatrias do direito comum e que
so indispensveis satisfao de interesses pblicos.
Da combinao da posio privilegiada com a posio de supremacia resulta a
exigibilidade dos atos administrativos e, em certas hipteses, a prpria executoriedade,
alm do exerccio da autotela. Na verdade, so verdadeiros instrumentos a serem
manejados apenas quando necessrios e indispensveis ao atingimento da finalidade
pblica.
A supremacia do interesse pblico, pelo sistema republicano, apresenta-se
como um instrumental colocado disposio do Estado para a satisfao dos interesses
coletivos. No pode ser descrito separado ou contrapostamente aos interesses privados.
Do mesmo modo, ele no pode ser descrito sem referncia a uma situao concreta e,
sendo assim, em vez de um princpio abstrato teramos regras condicionais concretas de
prevalncia13.
A posio de supremacia jurdica da Administrao apenas ser legtima
quando alcanar de forma direta e imediata o interesse pblico efetivo e determinado.
Entretanto, quando o objeto direto e imediato da atividade administrativa no a
satisfao do interesse pblico, mas simplesmente o interesse secundrio do sujeito
administrativo, a Administrao fica em posio de igualdade com os sujeitos privados,
dispondo da mesma posio jurdica e dos mesmos poderes que lhes cabem. Quando
realiza interesse secundrio desde que coincidente com o interesse pblico/coletivo
primrio a Administrao no pode exercer sua supremacia em face dos particulares,
devendo renunciar ao exerccio concreto de sua posio juridicamente predominante14.
De fato, descabe ao administrador pblico, sob uma invocao imprecisa e
vaga de atuao conforme o interesse pblico, impor constrangimentos aos direitos de
13 Humberto Bergmann vila, Repensando o princpio da supremacia do interesse sobre o particular, RTDP, p. 177. 14 Renato Alessi, Diritto Amministrativo, p. 164.
21
propriedade e liberdade dos indivduos. indispensvel comprovar, no caso concreto,
que a atuao administrativa est em perfeita sintonia com a ordem jurdica vigente,
operacionalizando, assim, os imperativos da dignidade da pessoa humana, boa
administrao, razoabilidade e proporcionalidade, igualdade e boa-f.
Com efeito, compartilho dos ensinamentos de Maral Justen15 quando adverte
que: nenhum interesse pblico se configura como convenincia egostica da
Administrao Pblica. O chamado interesse secundrio (Alessi) ou interesse da
Administrao Pblica no pblico.
Na verdade, as prerrogativas no significam uma carta em branco para o poder
pblico de modo que possam ser manejadas aleatoriamente ou para a satisfao de
interesses pessoais. Devem, isto sim, perseguir a finalidade pblica e, para tanto, sofrem
os condicionamentos dos princpios norteadores da Administrao Pblica. Exatamente
pelo aspecto finalstico que informa a atuao do administrador que o Professor Celso
Antnio prefere referir-se s prerrogativas no como poderes, mas deveres-poderes,
ressaltando o aspecto subordinado do poder em relao ao dever.
3.2. Indisponibilidade dos interesses pblicos.
prprio de quem exerce funo administrativa representar interesses de
terceiros que no se encontram na esfera de livre disposio de quem quer que seja. O
poder pblico no tem sobre tais bens disponibilidade, pois no age na qualidade de
dono, mas de curador.
Cabe apenas registrar que o administrador no tem disponibilidade substancial
dos interesses pblicos, podendo transacionar com o particular aspectos meramente
patrimoniais que dizem respeito, por exemplo, aos valores de indenizao a serem pagos
pelos prejuzos que causar; a melhor forma de se restabelecer o status quo ante, no
caso de danos ao meio ambiente; dilao de prazo para o saneamento de irregularidades
ou para adotar medidas que reduzam a emisso de poluentes. Esta a melhor
15 Maral Justen Filho, Conceito de interesse pblico e a personalizao do Direito Administrativo, RTDP-26, pp.119.
22
interpretao que a doutrina vem realizando do art. 17, 1 da Lei 8.429/92, quando
veda a transao em matria de Improbidade Administrativa.
Como conseqncias da indisponibilidade do interesse pblico, podemos
mencionar a vedao ao usucapio de bens pblicos (arts. 183, 3 e 191, da CF); a
obrigatoriedade da licitao (art. 37, XXI, da CF); a seleo de pessoal por concurso
pblico de provas ou de provas e ttulos (art. 37, II, da CF); a impenhorabilidade dos
bens pblicos; a exigncia de lei autorizativa para a alienao de bens imveis (Lei
8.666/93).
A indisponibilidade ocorre porque o interesse pblico primrio no
titularizado pelo administrador, mas pelo Estado. Considera-se interesse pblico o
interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivduos pessoalmente tm
quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato
de o serem"16.
oportuno o registro das conseqncias e consideraes que os ilustres
Professores Srgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari17 extraem do conceito:
O interesse pblico, como um todo, na verdade se realiza por meio de especficos interesses pblicos, ou seja, de situaes concretas que a ordem jurdica qualifica como tal, de maneira a sempre comportar verificao, exame e controle e contestao. Fica tambm perfeitamente claro que algo no se torna de interesse pblico apenas por ser fruto da atuao de um agente pblico; ao contrrio, este que tem, em sua atuao, a obrigao de perseguir a realizao de algo previamente qualificado como de interesse pblico.
O conceito de interesse pblico apresentado pelo Professor Celso Antnio no
est em contraposio observao do tambm ilustre administrativista Maral Justen
Filho18quando adverte que o interesse pblico tutelado pelo Estado no aquele
abstrato ou difuso, mas aquele orientado a atender necessidades pertinentes ao valor da
dignidade da pessoa humana.
Do exposto, percebe-se que a atividade administrativa est subordinada ao
ordenamento jurdico e que o interesse pblico no pode ser livremente disponibilizado,
16 Celso Antnio Bandeira de Mello, op. cit. p. 32. 17 Srgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Processo Administrativo, p. 77. 18 Maral Justen Filho, op. cit., pp.130.
23
evidenciando, assim, que a atuao do administrador est pautada por princpios
informadores.
No mesmo sentido, leciona a Professora Maria Sylvia19:
(...) ao lado das prerrogativas, existem determinadas restries a que est sujeita a Administrao, sob pena de nulidade do ato administrativo e, em alguns casos, at mesmo responsabilizao da autoridade que o editou. Dentre tais restries citem-se a observncia da finalidade pblica, bem como os princpios da moralidade administrativa e da legalidade, a obrigatoriedade de dar publicidade aos atos administrativos e, como decorrncia dos mesmos, a sujeio realizao de concursos para seleo de pessoal e de concorrncia pblica para a elaborao de acordos com particulares.
3.3. Princpios da Administrao Pblica.
Os princpios so os vetores interpretativos que orientam a correta aplicao
da norma quanto extenso e profundidade dos valores consagrados pelo sistema
jurdico. So dotados, pois, de positividade e determinam regras de comportamento,
conferindo unidade e racionalidade interna do regime jurdico. Os princpios orientam
na soluo de problemas prticos, sem perder de vista o condicionamento que rege a
atuao do administrador, qual seja, o interesse pblico.
O Professor Juarez Freitas20, ao avaliar a importncia dos princpios
constitucionais para a Administrao Pblica, leciona, com muita preciso, que os
princpios nucleares de estatura constitucional, norteadores da administrao no Brasil,
encontram-se, afortunadamente, no mais das vezes, agasalhados de modo expresso e at
reiterado no texto da Constituio, no obstante valiosssimos de tais princpios somente
serem conhecidos por inferncia ou por desenvolvimento interpretativo. Ainda quando
implcitos, funcionam como diretrizes superiores do sistema, fazendo s vezes de seus
mximos e autnticos paradigmas teleolgicos para aplicao de todas as normas.
Ao aplicador caber identificar, no caso concreto, a incidncia de um
determinado princpio. A generalidade, abstrao e capacidade de expanso dos
princpios permitem ao intrprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no
prprio sistema a soluo mais justa21. De outra parte, os princpios no podem ser
19 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, p. 59. 20 Juarez Freitas, O controle dos atos administrativos e os princpios fundamentais, p.47. 21 Lus Roberto Barroso, Interpretao e aplicao da Constituio, p. 160.
24
utilizados sem qualquer critrio, porquanto so capazes de reduzir a discricionariedade
do aplicador da norma e impor-lhe o dever de motivar seu convencimento.
Na consagrada formulao de sua teoria tridimensional do direito, demonstrou
Miguel Reale que a norma jurdica a sntese resultante de fatos ordenados segundo
distintos valores. Com efeito, leciona o mestre, onde quer que haja um fenmeno
jurdico, h, sempre e necessariamente, um fato subjacente; um valor, que conforme
determinada significao a esse fato; e, finalmente, uma norma, que representa a relao
ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor. O saudoso
Professor sintetiza o Direito, como tudo que existe em razo do homem e para reger
comportamentos humanos, est imerso no mundo da vida (Lebenswelt), ocorrendo esse
fato tanto para as formas espontneas e ainda no conceitualmente categorizadas da vida
jurdica, quanto para as estruturas normativas racionalmente elaboradas 22.
Da a preciosa advertncia de Celso Antnio Bandeira de Mello23 no sentido
de que violar um princpio muito mais grave que transgredir uma norma. A
desateno ao princpio implica ofensa no apenas a um especfico mandamento
obrigatrio, mas a todo o sistema de comandos. a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalo do princpio violado, porque representa
insurgncia contra todo o sistema, subverso de seus valores fundamentais, contumlia
irremissvel a seu arcabouo lgico e corroso de sua estrutura mestra.
O sistema normativo deve acomodar os diversos valores tutelados, de modo a
garantir uma convivncia harmnica entre as regras e princpios, sobretudo diante das
antinomias existentes no ordenamento jurdico. Nesse sentido, a oportuna lio de Paulo
Bonavides24, adotando os critrios de Dworkin, ao destacar que, no conflito entre as
regras, a acomodao das antinomias feita pelo sistema do tudo ou nada, de modo
que uma delas ser sacrificada, mediante a sua excluso do sistema. Diferentemente
sucede quando se cuida de princpios. Estes no se excluem, mas se harmonizam,
atravs da ponderao dos valores conflitantes, permitindo a atuao do princpio da
proporcionalidade.
22 Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, p. 90-96. 23 op.cit. p, 53. 24 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 357.
25
3.3.1. Princpio da Legalidade.
A origem da proteo dos direitos individuais remonta ao pacto entre Joo
Sem Terra e os bares e que se consubstancia na Magna Carta de 1215 e se vai
consolidar na Petition os Rights de 1628, confirmada no Bill os Rights, de 1689, mas foi
com a Declarao francesa dos Direitos do Homem e do Cidado, de 26 de agosto de
1789, que se deu a consagrao dos princpios de conteno do poder.
A Declarao de 1789 afirma, como finalidade, a conservao dos direitos
naturais do homem, que so a liberdade, a propriedade, a segurana e a resistncia
opresso (art. 2). A lei passa a ser a expresso da liberdade, posto que assume a
expresso de vontade geral, devendo ser a mesma para todos, seja para proteger, seja
para punir (art. 6).
No Brasil, desde a Constituio do Imprio de 1824, a lei assume a condio
de medida necessria imposio de obrigaes, deveres e direitos, tanto para o
particular, quanto para o Poder Pblico (art. 179, I: Nenhum Cidado pde ser
obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, seno em virtude da Lei; II:
Nenhuma Lei ser estabelecida sem utilidade publica; III: A sua disposio no
ter effeito retroactivo; XIII. A Lei ser igual para todos, quer proteja, quer
castigue, o recompensar em proporo dos merecimentos de cada um).
O princpio da legalidade, previsto expressamente no art. 37 da Constituio
Federal de 1988, significa que o administrador est completamente adstrito aos
comandos da lei, nos limites da lei e para atingir a finalidade que ela dispe. a
decorrncia lgica do Estado de Direito, pois a submisso lei tem por fundamento dar
concretude vontade popular.
Ao contrrio dos particulares, que podem fazer tudo aquilo que a lei no
probe, a Administrao s pode fazer o que a lei expressamente autoriza, eis que
detentora de poderes e prerrogativas. Da, a clebre frase de Miguel Seabra Fagundes25,
segundo o qual Administrar aplicar a lei de ofcio.
No basta, contudo, a mera previso em lei para que o ato administrativo seja
considerado vlido e legtimo preciso a exata subsuno do caso concreto ao comando
25 Miguel Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judicirio, pp.16-17.
26
abstrato, genrico e impessoal da lei. o que a doutrina26 denomina de dupla
demonstrao como condio de validade do ato: motivo legal - lei autorizativa da sua
emanao - e motivo de fato - verificao, no caso concreto, da situao ftica
agasalhada pela lei.
sempre oportuno trazer baila a lio do Professor Celso Antnio Bandeira
de Mello27:
No Brasil, o princpio de legalidade, alm de assentar-se na prpria estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, est radicado especificamente nos artigos 5, II, 37 e 84, IV, da Constituio Federal. Estes dispositivos atribuem ao princpio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, no deixando vlvula para que o Executivo se evada de seus grilhes. , alis, o que convm a um pas de to acentuada tradio autocrtica, desptica, na qual o Poder Executivo, abertamente ou atravs de expedientes pueris - cuja pretensa juridicidade no iludiria sequer a um principiante-, viola de modo sistemtico direitos e liberdades pblicas e tripudia vontade sobre a repartio de poderes.
Portanto, a Administrao no poder proibir ou impor restries aos direitos
dos particulares se no estiver previamente embasada num comando legal que lhe
faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Ou seja, jamais o poder pblico
poder se valer originariamente de decreto, regulamento, resoluo ou portaria para
impor condicionamentos aos administrados sem que estejam previamente amparados na
lei.
De fato, a funo do ato administrativo s poder ser a de agregar lei nvel
de concreo; nunca lhe assistir instaurar originariamente qualquer cerceio a direitos
de terceiros28.
No mesmo sentido, Geraldo Ataliba29 ressalta que o dever da legalidade na
atuao administrativa decorre do princpio republicano, segundo o qual ao
administrador cabe dar cumprimento vontade do povo, pois constitui o seu
representante, de modo que nenhuma expresso de vontade estatal ser compulsria
seno amparada em lei.
26 Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, op. cit., pp 55-56 27 Celso Antnio Bandeira de Mello, op. cit. , pp. 60-61. 28 Idem., p. 61. 29 Geraldo Ataliba, Repblica e Constituio, pp. 96-97.
27
Mas, por lei deve ser entendida tanto uma especfica modalidade de ato
normativo quanto o sistema jurdico como um todo, compreendendo, inclusive, a
Constituio Federal e os princpios jurdicos30.
O Professor Marcelo Figueiredo31 salienta com muita propriedade que
a noo de Estado de Direito carrega igualmente uma inteno valorativa. Ele limitado por uma Constituio. Esta, por sua vez, deve ser a sntese da vontade popular, fielmente representada. Qualquer Estado que pretenda ser rotulado de Estado de Direito deve submeter-se Constituio e ser responsvel perante o Direito. A autoridade pblica deve exercer seus poderes conforme o Direito, e jamais aplic-la de forma prejudicial ou retroativa, respeitando os direitos individuais, sociais, culturais e polticos.
Na verdade, preciso ressaltar que o administrador pblico deve estar atento
s leis e realidade social que se apresenta, sob pena de se converter o legalismo estatal,
fruto da desateno ou do menosprezo da realidade social e das latitudes axiolgicas das
regras de direito em um Estado sem qualquer compromisso com a organizao
democrtica da comunidade poltica, transformando o Estado de Direito em ordem
repressora e dissociada do sentimento geral de justia32.
3.3.2. Princpio da Impessoalidade
O poder pblico tem de tratar a todos os administrados sem discriminaes ou
favoritismos, pois a sua atuao est pautada em comandos genricos, abstratos e
impessoais. Tambm est consagrado expressamente no caput do art. 37 da CF e no
princpio geral da isonomia (art. 5, caput da CF), como garantia fundamental do
indivduo.
O princpio da impessoalidade serve como fundamento ao Estado
Democrtico; pois, como bem lembra a Professora Renata Porto Adri33, o Estado de
Direito aquele traduzido pelo governo de leis e no de homens. A desvinculao
30 Nesse sentido, Srgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Processo Administrativo, p. 55. 31 Marcelo Figueiredo e Valmir Pontes Filho (organizadores), Estudos de Direito Pblico em homenagem a Celso Antnio Bandeira de Mello, A crise no entendimento clssico do princpio da legalidade administrativa e temas correlatos, p.431. 32 Carlos Roberto Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e os Princpios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, p 193. 33 Renata Porto Adri, Princpio da Impessoalidade, p. 26.
28
pessoal do governo fundamento e inspirao para a existncia atual e concreta do
princpio da impessoalidade em nosso texto constitucional.
O contedo mnimo da impessoalidade traduz-se na vedao de dispensar
tratamento pessoal aos administrados, a ponto de criar entre eles tratamento favorecido
de uns em detrimento de outros. Para tanto, como adverte Ana Paula Oliveira vila34,
preciso incluir definio de impessoalidade a objetividade da atividade
administrativa durante o procedimento de escolha dos meios destinados satisfao
das necessidades pblicas, na deciso, na execuo e na organizao administrativas.
o que explica Carmen Lcia Antunes Rocha: De um lado, o princpio da
impessoalidade traz o sentido de ausncia de rosto do administrador pblico; de outro,
significa a ausncia de nome do administrado. De fato, o princpio, ao mesmo tempo
em atua ao lado da atuao administrativa regida por uma finalidade pblica, exige do
administrado atuao transparente e descomprometida com a promoo pessoal de seus
atos, sem que o seu mandato, o seu cargo, emprego ou funo seja transformado em
veculo de propaganda pessoal (art. 37, 1, CF).
3.3.3. Princpio da Moralidade
De acordo com o princpio da moralidade, a Administrao e seus agentes
devem atuar na conformidade de princpios ticos, compreendendo a lealdade e a boa-
f.
Nesse sentido, oportuna a lio de Juarez Freitas35:
(...) resultam superadas antigas posturas que consideravam os juzos ticos como inteiramente desconectados ou estranhos apreciao jurisdicional e que, com a entronizao constitucional do princpio da moralidade, esto abertos os caminhos para a superao da vergonhosa impunidade que campeia na Administrao Pblica, podendo-se confiar em uma nova ordem administrativa baseada na confiana, na boa-f, na honradez e na probidade.
Para o Professor Mrcio Cammarosano, o administrador, no exerccio da
funo administrativa, no est preocupado com os preceitos da moral comum, pois
destes se ocupam os legisladores quando elaboram as leis, mas com os preceitos morais 34 O princpio da Impessoalidade da Administrao Pblica, p. 46. 35 Juarez Freitas, Do princpio da probidade administrativa e de sua mxima efetivao, RIL 129/63-64.
29
que foram jurisdicizados, ou seja, com os preceitos morais que receberam a vestimenta
da ordem jurdica. E isto se d porque os valores que envolvem a moral comum sofrem
variaes no tempo e no espao, criando verdadeira situao de insegurana jurdica,
pois o que moral e aceito culturalmente hoje pela sociedade poder deixar de s-lo
amanh e vice-versa.
Assim, leciona o Professor Mrcio Camarosano:
(...) violar a moralidade violar o Direito. questo de legalidade. A s violao de preceito moral, no jurisdicizado, no implica invalidade do ato. A s ofensa a preceito que no consagra, explcita ou implicitamente, valores morais, implica a invalidade do ato, mas no a moralidade administrativa.36
Contudo, adotamos a posio do Professor Celso Antnio Bandeira de
Mello37, quando confere ao princpio da moralidade uma abordagem mais ampla,
atrelando-a ao bom costume na Administrao, atendendo ao disposto no interesse
pblico e no interesse de terceiros. Para o ilustre Professor, a moralidade administrativa
no parte de uma noo de costume administrativo, mas de costume enraizado na
sociedade, naquilo que ela acredita correto, so costumes que a prpria sociedade
acredita que devam ser realizados.
O Professor Celso Antnio sintetiza o princpio, asseverando que:
(...) a conduta leal e de boa-f em relao contraparte uma das principais caractersticas da moralidade administrativa, vista por um dos lados; vista pelo seu outro ngulo, o princpio da moralidade administrativa representa uma atitude leal e de boa-f do administrador pblico em relao prpria administrao, em relao defesa do interesse pblico. esta composio necessria, que tem de existir entre a preocupao de defesa do interesse pblico e o respeito aos direitos dos cidados, aquilo que vai permitir que se considere que h ou no h maior ou menor moralidade administrativa.
3.3.4. Princpio da Publicidade
O princpio da publicidade consagra o dever de manter transparncia nos atos
e gesto pblicas. Constitui, pois, importante instrumento de controle do poder pblico.
36 Mrcio Cammarosano. Tese de doutorado. O princpio constitucional da moralidade e o exerccio da funo administrativa, p. 135. 37 Celso Antnio Bandeira de Mello. Princpio da Moralidade, in Revista de Direito Tributrio-69, p. 183.
30
Outro no o pensamento de Antnio Carlos Cintra do Amaral38, quando
conclui pautado pelos ensinamentos de Colao Antunes, que a publicidade inclui-se em
uma noo mais ampla, que a transparncia, esta abrangendo, ainda, a comunicao e
a proximidade.
A Administrao Pblica brasileira tem o dever de no apenas respeitar o
princpio da publicidade, inscrito no art. 37 da Constituio, mas de ser transparente,
posto que representa os interesses dos reais detentores do poder, ou seja, da sociedade e,
como tal, no pode ocultar seus atos, principalmente aqueles ocasionadores de restries
individuais aos administrados.
3.3.5. Princpio da Eficincia.
Eficincia tudo o que se espera em qualquer campo da atividade humana,
principalmente daquele que atua direcionado ao atendimento do interesse 1)pblico.
O princpio da eficincia exige que a atividade administrativa seja exercida
com presteza, perfeio e rendimento funcional. o mais moderno princpio da funo
administrativa, que j no se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade,
exigindo resultados positivos para o servio pblico e satisfatrio atendimento das
necessidades da comunidade e de seus membros.39
O princpio em causa veio lume no Direito ptrio por meio da Emenda
Constitucional 19/98, tornando-se mxima constitucional da Administrao Pblica. A
incluso do princpio ao caput do artigo 37 do Texto Constitucional marca a tnica
da Administrao Pblica Gerencial40 implantada pela Emenda 19/98.
Como observa Egon Bockmann Moreira41, parte da doutrina critica a incluso
da eficincia ao texto constitucional, pois na realidade a boa administrao constitui
dever inafastvel do poder pblico, estando ou no sob a gide de um princpio
38 O princpio da publicidade no Direito Administrativo. RBDP, ano 1, n 02, p. 2003 39 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 89. 40 Alice Gonzales Borges, A Implantao da Administrao Pblica Gerencial na Emenda Constitucional
19/98. RTDP-24. 41 Egon Bockmann Moreira, Processo Administrativo, p. 159-160.
31
constitucional. No mesmo sentido, adverte Joo Caupers42 que a administrao pblica
est condicionada por um dever geral de boa administrao.
3.3.6. Princpio da Motivao
O princpio da motivao determina que a autoridade administrativa deve
apresentar, prvia ou concomitantemente, as razes de fato e de direito que a levaram a
tomar uma deciso.
As razes de fato e direito so fundamentais, principalmente no exerccio da
competncia discricionria, quando o administrador tem margem de liberdade para
atuar, invocando razes de convenincia e de oportunidade.
A Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, indica relao dos atos administrativos
que devero ser motivados, com indicao dos fatos e dos fundamentos jurdicos, em
especial, quando neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses. Tais prerrogativas
so verificveis em larga escala no exerccio do poder de polcia.
com a explicitao dos motivos que se torna possvel avaliar a correta
atuao do administrador; permitindo, inclusive, recorrer ao Poder Judicirio,
questionando o que foi decidido.
3.3.7. Princpio da Proporcionalidade
o princpio da proibio do excesso, compatibilizando meios e fins, de modo
a evitar restries desnecessrias ou abusivas por parte da Administrao Pblica, com
violao aos direitos e garantias fundamentais.
O princpio da proporcionalidade est implicitamente previsto na Constituio
Federal e expressamente no artigo 111 da Constituio do Estado de So Paulo e no
artigo 2, da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo
da Administrao Pblica Federal e normatiza princpios consagrados pela doutrina.
42 Introduo ao Direito Administrativo, p. 69.
32
O princpio em causa pode ser entendido como a adequao entre meios e fins
da atuao administrativa, de modo a evitar a imposio de obrigaes, restries e
sanes em medida superior quelas estritamente necessrias ao atendimento do
interesse pblico.
A melhor e a mais adequada escolha do administrador tem relevncia no
exerccio de competncia discricionria, quando a norma legal confere margem de
liberdade ao agente na aplicao da lei ao caso concreto, valorando, com seu
subjetivismo, o preenchimento das lacunas existentes. No exerccio da competncia
vinculada, por sua vez, pouca ou nenhuma liberdade restar ao administrador, pois a
intensidade e a extenso da funo administrativa esto integralmente definidas na
norma.
No aspecto da atuao discricionria convm trazer colao o magistrio de
Diogo de Figueiredo Moreira Neto43 demonstrando que a proporcionalidade atua como
critrio, finalisticamente vinculado, quando se trata de valorao dos motivos e da
escolha do objeto. Deve haver, pois, uma relao de pertinncia entre a finalidade e os
padres de oportunidade e de convenincia.
Jos Joaquim Gomes Canotilho44 reconhece a funo positiva do princpio da
proporcionalidade, informando materialmente os atos do Poder Pblico, impondo (a)
conformidade de meios; (b) exigibilidade (ou necessidade) e (c) proporcionalidade em
sentido restrito.
A conformidade impe que a medida adotada para a realizao do interesse
pblico deve ser apropriada aos fins que ela persegue. Ou seja, a conduta administrativa
h de ser idnea ao atingimento do interesse pblico posto em jogo. , pois, o vnculo
de pertinncia entre a finalidade buscada pela norma e os meios assumidos pelo agente.
A exigibilidade tem relao com a menor onerosidade ou desvantagem
possvel ao particular. Administrao deve, na escolha das opes definidas pela lei,
apontar aquela que menor desvantagem traga ao administrado. A escolha deve, pois,
recair sobre o comportamento administrativo imprescindvel e certo ao atingimento dos
fins legais.
43 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de Direito de Direito Administrativo, p. 40. 44 Jos Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, p. 120.
33
No basta a medida ser adequada e necessria, preciso avaliar se o resultado
obtido com a interveno proporcional carga coativa da mesma45.
A proporcionalidade deve ser aferida segundo os valores do homem mdio46,
em congruncia com as posturas normais j adotadas pela Administrao Pblica, sob
pena de o agente superar a demarcao de seu poder, porque ultrapassa o necessrio
para desincumbir do dever de bem cumprir a lei. Todo ato desproporcionado
invlido, j que praticado com excesso em relao competncia47.
Por fim, cabe apenas mencionar que o princpio da proporcionalidade deve ser
observado na definio do contedo e na imposio de limitaes sobre o direito de
propriedade. No caso, o legislador estar obrigado a concretizar um modelo social
fundado, de um lado no reconhecimento da propriedade privada; de outro, no princpio
da funo social, no restringindo a liberdade alm do estritamente necessrio.48 De tal
modo, que as garantias fundamentais e os objetivos da Repblica Federativa do Brasil
(art. 3, CF) prevaleam sobre os interesses patrimoniais, ainda que meramente
secundrios da Administrao Pblica.
3.3.8. Princpio da Finalidade.
De acordo com o princpio da finalidade, o administrador sempre dever
perseguir um objetivo certo e inafastvel de todo ato administrativo: o interesse pblico.
Para tanto, indispensvel que se utilize o ato apto a atingir a finalidade para a qual foi
idealizado, ou seja, o fim previsto, explcita ou implicitamente, na regra de competncia
do agente (art. 2, par.n., e, da Lei 4.717/65).
Na verdade, o exerccio das prerrogativas do Estado s estar legitimado quando
presente, de fato, o interesse pblico, no um suposto interesse pblico do Estado
(difuso, indeterminado, totalmente divorciado da realidade), mas aquele representativo
dos verdadeiros interesses da comunidade. O interesse pblico deve aparecer como algo
certo, determinado, exercitvel em curto espao de tempo, perfeitamente passvel de ser 45 Egon Bockmann Moreira, op. cit., p. 81-82. 46 Lcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, p.47. 47 Celso Antnio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle Jurisdicional, p. 98. 48 Gilmar Mendes, O princpio da proporcionalidade na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal:
novas leituras. Revista Dilogo Jurdico, Vol. I- n 5- agosto de 2001.
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reconhecido no caso concreto. Como adverte com muita propriedade Hctor Jorge
Escola49 la simple invocacin del interes pblico, como lago vago e inasible, no sirve
para nada: es como uma forma, dentro de la cual nada existe. Es una aparencia,
cuando en verdad debe ser una realidad.
Como o interesse pblico eleito pelo legislador, o princpio da finalidade no
uma mera decorrncia do princpio da legalidade, mas uma inerncia dele; est nele
contido, pois corresponde aplicao da lei tal qual ; ou seja, na conformidade de sua
razo de ser, do objetivo em vista do qual foi editada50.
O Professor Celso Antnio conclui:
Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prtica de ato desconforme com sua finalidade no aplicar a lei; desvirtu-la; burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. Da por que os atos incursos neste vcio- denominado desvio de poder ou desvio de finalidade- so nulos. Quem desatende ao fim legal desatende prpria lei.
O uso do poder constitui prerrogativa da autoridade pblica que deve faz-lo
sem abuso. Usar normalmente do poder empreg-lo segundo as normas legais, a moral
da instituio, a finalidade do ato e as exigncias do interesse pblico. Abusar do poder
empreg-lo fora da lei, sem utilidade pblica51.
O desvio de poder pressupe que a autoridade seja competente para a prtica
do ato, executando-o, porm, com a finalidade diversa da prevista em lei. A prtica do
ato exorbitando no uso de suas faculdades administrativas caracterizar excesso de
poder, ainda que a finalidade perseguida seja de interesse pblico.
No basta, portanto, perseguir o interesse pblico imperioso que o agente
realize o ato dentro da esfera de sua competncia. Desta maneira, podemos dizer que o
abuso do poder o gnero do qual o desvio de poder e o excesso de poder so as
espcies. Ambas, ensejam a nulidade do ato administrativo.
O excesso de poder pode tipificar crime de abuso de autoridade quando incide
nos tipos penais previstos na Lei 4.898, de 09 de dezembro de 1965, caracterizando,
assim, ato arbitrrio.
49 Hctor Jorge Escola. El Interes Pblico como fundamento del derecho administrativo, p. 245. 50 Celso Antnio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 64. 51 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 95.
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Por fim, oportuno mencionar que o desvio de poder tambm ocorre por
omisso do agente pblico que deixa de agir, quando deveria faz-lo, animado por
intenes pessoais, favoritismos ou, em fim, objetivando finalidade alheia da regra de
competncia que o habilitava.
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4. A Omisso Administrativa.
O respeito ao regime jurdico administrativo concretiza o denominado direito
fundamental boa administrao pblica, que compreendido, na lio de Juarez
Freitas52, como o direito fundamental administrao pblica eficiente e eficaz,
proporcional cumpridora de seus deveres, com transparncia, motivao, imparcialidade
e respeito moralidade, participao social e plena responsabilidade por suas
condutas omissivas e comissivas, impondo, assim, a cogncia da totalidade dos
princpios constitucionais que a regem.
Antes da prpria anlise do regime jurdico administrativo e dos princpios de
regncia, imperativo reconhecer qual o fundamento da legitimidade do poder estatal,
o que confere fora para que seja aceito por aqueles sobre os quais se exerce, para
induzir os seus destinatrios a obedec-lo? O prprio Hobes afirma que para a
segurana dos sditos necessrio que algum detenha legitimamente no Estado o
sumo poder.
da Cincia Poltica a preocupao com o reconhecimento da legitimidade do
poder estatal. Noberto Bobbio ensina que o critrio majoritrio utilizado para
reconhecer a legitimidade do poder estatal o do carter relacional, vale dizer, o
Estado s manifesta legitimamente o seu poder perante os seus destinatrios quando
mantm com eles uma relao de satisfao ou compromisso com o interesse social.
No exerccio da funo administrativa, a carter relacional encontra-se
presente no dever-poder estatal de satisfazer o interesse primrio, ou interesse da
sociedade destinatria do poder estatal.
Como decorrncia do dever-poder da atividade administrativa, a omisso do
Estado reveste-se de ilegitimidade e configura-se como prtica ilegal. De fato, o desvio
de finalidade ou de poder tambm estar presente quando o administrador deixa de
atender aos interesses pblicos para os quais encontra-se investido de modo vinculado.
52 Juarez Freitas, Direito Fundamental boa Administrao Pblica, p. 20.
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Sobre o assunto, torna-se oportuna a lio de Celso Antnio Bandeira de
Mello53:
O vcio de desvio de poder, como assentam os doutos, pode apresentar-se sob dupla modalidade.
Em uma delas, o agente administrativo, servindo-se de uma competncia que em abstrato possui, busca uma finalidade alheia a qualquer interesse pblico. Nesse caso, atua para alcanar um fim pessoal, que tanto pode ser o de perseguio a algum como o de favoritismo ou mesmo para atender um interesse individual do prprio agente. Em outra modalidade, busca atender uma finalidade pblica que, entretanto, no aquela prpria, especfica da competncia utilizada. A ter-se- valido de uma competncia do direito inadequada para atingimento da finalidade almejada.
De forma magistral ensina o Professor Juarez Freitas54, aproveitando dos
ensinamentos de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que a legitimidade do exerccio da
funo administrativa pressupe, exatamente, a observncia dos limites finalsticos
estatudos pelo vinculante novo papel do Estado, em termos de respeito ao direito
fundamental boa administrao, que pressupe, em linhas gerais, a gerao de
ambiente institucional favorvel a parceiros produtivos. Com a reduo de entraves
oriundos da quebra reiterada de confiana. E mais: pressupe, sem tardar, a contnua
sinergia entre as polticas pblicas e o estabelecimento pactuado de metas e resultados,
alm da criatividade, a inovao e o controle social em matria de oramento pblico.
A confiana, como bem destacou Jess Gonzlez Prez55, refere-se:
() a la imposibilidad de adoptar um comportamiento contradictorio, que encuentra su fundamento ltimo en la proteccin que objetivamente requiere la confianza que fundadamente su puede haber depositado en el ajeno y la regla de buena fe que impone el deber de coherencia en el comportamiento.
Com efeito, mostra-se contraditria a atuao do administrador pblico que
no cumpre a funo social da propriedade pblica, colocando-a em verdadeiro estado
de abandono prolongado, invocar a supremacia do interesse pblico sobre o particular e
sob o manto da auto-executoridade do poder de polcia retirar uma famlia que, com sua
moradia, confere ao bem pblico uma funo social constitucionalmente assegurada e
que foi imputada pela Constituio ao prprio ente estatal como competncia material
de proteo (art. 23, IX, da CF).
53 Celso Antonio Bandeira de Mello, Discricionariedade e Controle Jurisdicional, pp. 58-59. 54 Juarez Freitas, Discricionariedade administrativa e o direito fundamental boa Administrao Pblica, p. 18. 55 El principio general de la buena fe en el derecho administrativo, p.73.
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Desse modo, o administrado tem o direito subjetivo pblico56 de exigir do
administrador omisso a conduta comissiva imposta pelos princpios e regras
constitucionais, quer na via administrativa, o que pode faz-lo pelo exerccio do direito
de petio (art. 5, XXXIV, a, CF), quer na via judicial, formulando na ao pedido de
natureza condenatrio de obrigao de fazer, seja de cunho individual, seja para tutela
de valores difusos ou metaindividuais.
preciso registrar, porm, que aquelas atribuies constitucionais de natureza
administrativa ou material (art. 23 da CF), a exemplo do inciso IX, que impe Unio,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios o dever de promover programas de
construo de moradias e de melhoria das condies habitacionais e de saneamento
bsico, quando no so atendidas pelo administrador pblico ganham o status de
omisses especficas, porquanto esto ocorrendo mesmo diante de expressa imposio
no sentido do facere administrativo, seja no prazo previamente determinado, seja pelo
transcurso de prazo superior ao razoavelmente aceitvel57.
56 Adotaremos o conceito de direito subjetivo pblico do Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, que o relaciona ao dever do Estado concretizar o interesse pblico, deixando de atender substancialmente a legalidade a ponto de onerar pessoalmente algum que estaria livre de tal onerao ou de sonegar uma vantagem que poderia atingir a muitos. 57 A distino entre omisses genricas e omisses especficas no exerccio da funo administrativa bem destacada por Jos dos Santos Carvalho Filho, in Manual de Direito Administrativo, p. 38. Para o ilustre administrativista, apenas as omisses especficas podem caracterizar direito subjetivo do administrado, ficando as omisses genricas dentro da esfera de livre oportunidade.
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5. A Funo Administrativa e a Dimenso Vertical da Dignidade da
Pessoa Humana.
Com o Estado Social, o interesse pblico a ser alcanado pelo
administrador humaniza-se, na medida em que passa a preocupar-se no s com os
bens materiais que a liberdade de iniciativa almeja, mas com valores considerados
essenciais existncia digna; quer-se liberdade com dignidade, o que exige maior
interveno do Estado para diminuir as desigualdades sociais e levar a toda a
coletividade o bem-estar social58.
A verdade que a supremacia do interesse pblico sobre o privado encontra o
seu fundamento de validade na sistemtica constitucional, de modo que a sua invocao
no pode ser utilizada para legitimar arbtrios dos agentes pblicos e tampouco significa
que a Administrao Pblica possa atuar com a mesma liberdade conferida aos
particulares; antes, pelo contrrio, traduz em conjunto rgido de limitaes atuao
administrativa59.
Desse modo, verifica-se que a idia de supremacia do interesse pblico sobre o
privado no pode ser extrada abstratamente, mas da anlise do caso concreto60, aps o
exerccio de interpretao orientada pelos fundamentos e objetivos estampados no Texto
Constitucional, em especial, pelo postulado normativo da dignidade da pessoa humana,
que, apesar da sua natureza polissmica, atua como conceito jurdico-normativo a ser
observado por todos os rgos estatais, seja na sua acepo negativa, objetivando
impedir a atuao arbitrria do Estado, seja na perspectiva positiva, programtica ou
impositiva, em que o Estado dever ter como meta permanente a proteo da vida em
todas as suas acepes. a denominada eficcia vertical dos direitos fundamentais, em
que se observa o respeito aos direitos fundamentais nas relaes entre indivduo e
Estado (STF, RE 201819/RJ, j. 11/10/2005).
58 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Discricionariedade Administrativa na Constituio de 1988, p. 217-218. 59 Fbio Medina Osrio, Existe uma supremacia do interesse pblico sobre o privado no Direito Administrativo Brasileiro?, RTDP-28, pp. 50/51. 60 Nesse sentido, Clovis Beznos, Aspectos Jurdicos da Indenizao na Desapropriao, p. 34.Para o ilustre Professor no se pode conceber a priori a existncia de supremacia de certa gama de interesses que se sobreponham a outros em relao ao mesmo objeto, eis que a supremacia de interesses ou de direitos que destes so sinnimos, frente a outros, diante de uma lide, somente se pode dar pela interpretao pelo poder competente - o Judicirio-, da questo em debate, considerando os fatos e o direito aplicvel.
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No mesmo sentido, o Professor Celso Antnio adverte que
s mesmo um viso muito pedestre ou desassistida do mnimo bom senso que se poderia imaginar que o princpio da supremacia do interesse pblico sobre o privado no est a reger nos casos em que sua realizao traz consigo a proteo de bens e interesses individuais e que, em tais hipteses, o que ocorre... a supremacia inversa, isto , do interesse privado!
Tambm compartilha do mesmo entendimento Maral Justen Filho61, quando
leciona que
mesmo a supremacia e indisponibilidade do interesse pblico so subordinados a ele (refere-se ao princpio da dignidade da pessoa humana). Mais precisamente supremacia e indisponibilidade do interesse pblico so as vias insubstituveis para a realizao da dignidade da pessoa humana, que consiste que o ser humano no instrumento, qualquer das acepes que a palavra apresente. O ser humano no pode ser tratado como objeto. o sujeito de toda a relao social e nunca pode ser sacrificado em homenagem a alguma necessidade circunstancial ou, mesmo, a propsito da realizao dos fins ltimos de outros seres humanos ou de uma coletividade indeterminada.(...) O que no se admite a diluio da dignidade de um nico indivduo em virtude da existncia de um incerto e indefinido interesse pblico. (...) Os poderes atribudos ao Estado, no mbito da funo administrativa, no so voltados a produzir um interesse pblico abstrato, difuso ou apenas cognoscvel por parte do governante. A atividade administrativa do Estado se orienta a atender as necessidades individuais e coletivas pertinentes ao valor da dignidade da pessoa humana.
Outro no o ensinamento do Professor Celso Antnio62 quando
expressamente adverte que as prerrogativas inerentes supremacia do interesse pblico
sobre o privado somente sero legtimas quando alcanarem o interesse pblico; no
para satisfazer apenas interesses ou convenincias to-s do aparelho estatal, e muito
menos dos agentes governamentais.
verdade que nenhum direito ou garantia individual seja absoluta, mas
preciso que a atuao estatal esteja revestida de legitimidade e, portanto, em perfeita
consonncia com os dispositivos constitucionais, como reconheceu o Supremo Tribunal
Federal no MS 23.452, relator Min. Celso de Mello, ao estabelecer que
(...) razes de relevante interesse pblico ou exigncias derivadas do princpio de convivncia das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoo, por parte dos rgos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela prpria Constituio, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pblica ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.