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Capítulo 5 Funções analíticas complexas 5.1. Introdução As funções analíticas são as funções representáveis por séries de potências. Até meados do séc. XVII a noção de função confundia-se com a de fórmula algébrica com variáveis, envolvendo somas, diferenças, produtos, quocientes e raízes de ordens arbitrárias. A partir da descoberta de uma série de potências para o logaritmo em 1668, independentemente por N. Mercator 1 e W. Brouncker 2 , seguiu-se um período em que foram descobertos muitos desenvolvimentos em séries para funções, nomeadamente por J. Gregory 3 , I. Newton, G.W. Leibniz 4 , entre outros, embora a convergência de séries ainda não tivesse sido tornada rigorosa. Gregory sugere claramente em 1668 a identificação da ideia de função com a de fórmula que envolve expressões algébricas e séries destas expressões. A obtenção de desenvolvimentos em séries de potências para certas funções racionais e trigonométricas, e a descoberta por Gregory em 1671 das séries de Taylor 5 de funções, levaram a que neste período a noção de função se confundisse com a de função analítica, mesmo sem se dispor de um esclarecimento cabal da convergência de séries. Em 1748, após importantes contribuições para o cálculo de somas de certas séries numéricas e do comportamento assimptótico de séries divergentes (em particular a relação do logaritmo com a série dos recíprocos dos números naturais, conhecida por série harmónica), L. Euler publicou séries de potências para, entre outras, as funções 1 Nicholas Mercator (1620-1687). 2 William Brouncker (1620-1684). 3 James Gregory (1638-1675). 4 Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). 5 Brook Taylor (1685-1731). 65

Funções analíticas

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Page 1: Funções analíticas

Capítulo 5

Funções analíticas complexas

5.1. Introdução As funções analíticas são as funções representáveis por séries de potências.

Até meados do séc. XVII a noção de função confundia-se com a de fórmula algébrica com variáveis, envolvendo somas, diferenças, produtos, quocientes e raízes de ordens arbitrárias. A partir da descoberta de uma série de potências para o logaritmo em 1668, independentemente por N. Mercator1 e W. Brouncker2, seguiu-se um período em que foram descobertos muitos desenvolvimentos em séries para funções, nomeadamente por J. Gregory3, I. Newton, G.W. Leibniz4, entre outros, embora a convergência de séries ainda não tivesse sido tornada rigorosa. Gregory sugere claramente em 1668 a identificação da ideia de função com a de fórmula que envolve expressões algébricas e séries destas expressões. A obtenção de desenvolvimentos em séries de potências para certas funções racionais e trigonométricas, e a descoberta por Gregory em 1671 das séries de Taylor5 de funções, levaram a que neste período a noção de função se confundisse com a de função analítica, mesmo sem se dispor de um esclarecimento cabal da convergência de séries.

Em 1748, após importantes contribuições para o cálculo de somas de certas séries numéricas e do comportamento assimptótico de séries divergentes (em particular a relação do logaritmo com a série dos recíprocos dos números naturais, conhecida por série harmónica), L. Euler publicou séries de potências para, entre outras, as funções 1 Nicholas Mercator (1620-1687). 2 William Brouncker (1620-1684). 3 James Gregory (1638-1675). 4 Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). 5 Brook Taylor (1685-1731).

65

Page 2: Funções analíticas

66 Funções analíticas complexas exponencial, seno e coseno. Em 1755 Euler aplicou séries de Taylor para desenvolver o seu cálculo diferencial e utilizou as séries como instrumento unificador da teoria dos números e da análise, utilizando-as para obter propriedades de números, como foi o caso do estudo da distribuição dos números primos com base na função zeta que, para um dado valor, dá a soma da série dos recíprocos dos números naturais elevados a esse valor. Em 1812, C. Gauss estudou sistematicamente a convergência da série hipergeométrica e obteve séries para uma ampla classe de funções. O conceito de convergência de sucessões e séries só foi rigorosamente estabelecido em 1821 por A.L. Cauchy no seu Cours d’Analyse Algébrique da École Polytechnique, onde também aparece de forma clara a definição de função dos nossos dias, como correspondência unívoca entre pontos de dois conjuntos sem referência a expressões que as definam. Cauchy considera esta noção de função a propósito da noção de continuidade, mas não a explora em relação a outros contextos, como por exemplo o de integral. B. Bolzano6 já tinha considerado esta noção de função em 1817, também a propósito do estudo da continuidade, nas suas lições sobre funções na Universidade de Praga, as quais permaneceram na forma de manuscrito até 1930, altura em que foram impressas e publicadas. As consequências desta definição de função para a integração aparecem claramente nos trabalhos de P.G.L. Dirichlet7 de 1829 e nos trabalhos de B. Riemann de 1854, a propósito do seu conceito de integral. N.H. Abel8 estabeleceu em 1826 que toda a série de potências complexa tem um raio de convergência no intervalo [ , isto é, a série é absolutamente convergente para pontos no interior de um círculo com esse raio e centro no ponto onde a série de potências está centrada, e diverge no exterior desse círculo. A fórmula para calcular o raio de convergência a partir dos coeficientes da série apareceu pela primeira vez num trabalho de Cauchy de 1821, embora tenha sido provada apenas em 1892 na tese de doutoramento de J. Hadamard9.

]

+∞,0

Em várias situações é necessário calcular integrais de funções definidas por séries, para o que é conveniente poder integrar séries termo a termo. Em 1884, a propósito de uma demonstração de Cauchy publicada em 1841 que integrava uma série termo a termo sem justificação, P. Tchébychev10 observou que tal só era possível em casos particulares. Em 1848, G.G. Stokes11 e P. Seidel12, independentemente, introduziram o conceito de convergência uniforme para assegurar a possibilidade de integração de séries termo a termo, o qual foi depois amplamente explorado por K. Weierstrass. As funções analíticas são indefinidamente diferenciáveis (portanto são contínuas bem como as suas derivadas de qualquer ordem) e as suas derivadas de ordem arbitrária

6 Bernard Bolzano (1781-1848). 7 Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1859). 8 Niels Henrik Abel (1802-1829). 9 Jacques Hadamard (1865-1963). 10 Pafnuti Tchebychev (1821-1894). 11 George Gabriel Stokes (1819-1903). 12 Philip Seidel (1821-1896).

Page 3: Funções analíticas

5.3. Sucessões e séries de funções uniformemente convergentes 67 são também funções analíticas. Além disso, as representações em séries de potências de uma função são necessariamente as correspondentes séries de Taylor, cujo coeficiente de cada ordem é a derivada dessa ordem da função no ponto onde a série de potências está centrada dividida pelo factorial da ordem.

Neste capítulo são estabelecidos os factos acima referidos e algumas consequências importantes, entre as quais: o conjunto dos zeros de uma função analítica numa região onde não é identicamente zero é finito ou infinito numerável sem pontos limite na região; o Teorema de Liouville13, provado em 1844 por Cauchy no caso geral e num caso particular por Liouville (funções analíticas limitadas em todo o plano complexo são necessariamente constantes); o Teorema de Unicidade de Funções Analíticas (funções analíticas numa região que coincidem num conjunto com um ponto limite são necessariamente iguais), o Princípio do Módulo Máximo (o módulo de uma função analítica numa região não pode ter máximos locais a não ser que seja constante) e o correspondente resultado para mínimos (o módulo de uma função analítica numa região onde não é constante só pode ter mínimos locais em pontos onde se anule). Estes três esultados apareceram em 1851 na tese de doutoramento de B. Riemann. r

5.2. Sucessões e séries de números complexos Uma sucessão de números complexos é uma função de ℕ ∪ em ℂ,

. Com , diz-se que a sucessão é convergente se são convergentes as sucessões de números reais e cujos termos são, respectivamente, as partes reais e imaginárias dos termos de . Em caso de convergência, o limite da sucessão é o número complexo cujas partes real e imaginária são, respectivamente, os limites das sucessões de números reais e . Resulta destas definições que as propriedades usuais dos limites de somas, produtos e quocientes de sucessões de números reais também se verificam para sucessões de números complexos.

nz 0

nx

nzn α nnn zyx =),( nznx ny

nznz

ny

Diz-se que uma sucessão de números complexos é uma sucessão de Cauchy se qualquer que seja

nz0>ε existe ∈M ℕ tal que | , para todo n ℕ com

. Como para se verifica | , conclui-se que é uma sucessão complexa de Cauchy se e só se as sucessões reais das suas partes real e imaginária, e , são sucessões de Cauchy. Em ℝ todas as sucessões de Cauchy são convergentes para números reais, isto é, ℝ é um espaço completo. Conclui-se que também em ℂ todas as sucessões de Cauchy são convergentes para números complexos e, portanto, ℂ é um espaço completo.

ε<+mnz| nmn xz − ++

− |nz2|nz =

∈m,| mny +Mn > nn z=)n yx ,( 22 || nnm yx −+−

nznx ny

Diz-se que uma série de números complexos ∑∞

=0n nz , com , é convergente se as séries das suas partes real e imaginária, respectivamente e

, são convergentes; caso contrário diz-se que a série é divergente. Em caso de convergência, chama-se limite ou soma da série

nnn zyx =),(∑∞

=0n nx∑∞

=0n ny∑∞

=0n nz ao limite da S 13 Joseph Liouville (1809-1882).

Page 4: Funções analíticas

68 Funções analíticas complexas sucessão das suas somas parciais ∑ =

= N

n nN zS0

e escreve-se ∑∞

==

0n nzS

0

= + . As sucessões de termos de séries de números reais convergentes convergem

necessariamente para zero. Portanto, se a série de números complexos ∑ é convergente, temos , e, em consequência, .

∑∞

=0n nx

=0n nzi ∑∞

=0n ny

0,0 →→ nn yx →nz

∑∞

=0n nz

|n

nf

0

nn z=)nx ,

y

||,n yx

∑∞

=0n nz

f

||0

=n nz∞

=0n ny∑∞

=n

⊂n

Uz ∈)(z

U

f ∈NnU⊂−)( fzf n

U|

ε<− |)() zf Nn >Uz ∈

∑∞

=0)(

n n zf

)(0

zfn

k k=S

nf⊂nU f γ

f ∫→γ

fn∫γ f

∈NUzz ∈0,

ε<− |)()( zfzfn

zN ∈> ,n N>ε+)( 0znε −+ )(zfn

0>

<)( 0zf+− )() 0 fzfz nn

z →

+− ()() fzfz nn

nU⊂

− ()( fzf

nff

ε) f()( 00

zfzfz =→ Uz ∈0

Uz∈, γL γ

( ) γLγ

zfzf n − )()(γ

dzzf n = ∫∫ )(γ∫ εdzzf ≤− )(zfn )(

Diz-se que uma série de números complexos , com ( , é absolutamente convergente se a série real dos valores absolutos dos seus termos é convergente. Tal como para séries reais, a convergência absoluta de uma série implica a sua convergência (simples). Na verdade, é | , pelo que a convergência da série de números reais ∑ implica a convergência absoluta das séries de números reais e ∑ . Como as séries de números reais que são absolutamente convergentes são (simplesmente) convergentes, conclui-se que as duas últimas séries são convergentes e, portanto, também é convergente.

||n ≤ z

0 nx

5.3. Sucessões e séries de funções uniformemente convergentes Diz-se que uma sucessão de funções complexas definidas em conjuntos

ℂ é uma sucessão uniformemente convergente num conjunto U ℂ se para cada a sucessão de números complexos é convergente e, designando por

o limite desta sucessão, verifica-se para todo )(zn

>ε que existe ℕ tal que e | , para e (ou seja, a desigualdade

pode ser uniformemente assegurada para todos os pontos , desde que ). Diz-se que uma série de funções

(zfn

ε<|)Nn >

Uz ∈(z

é uma série uniformemente convergente num conjunto U ℂ se a sucessão das suas somas parciais, , é uniformemente convergente em U .

⊂)z ∑=(n

Os limites de sucessões e séries uniformemente convergentes num conjunto U ℂ cujos termos são funções contínuas em U são funções contínuas neste conjunto e podem ser integradas sobre caminhos seccionalmente regulares no conjunto, termo a termo, como se estabelece nos dois resultados seguintes. (5.1) Teorema: Seja uma sucessão de funções contínuas em conjuntos abertos

ℂ com uniformemente num conjunto U ℂ, e f n → ⊂ um caminho fechado

seccionalmente regular em U . Então é contínua em U e .

Dem. Seja 0>ε arbitrário. Existe ℕ tal que U e | para todo . Então, para n e , verifica-se

nU⊂U

−)(z≤)z ( 00 f .

Como é contínua em U , fazendo e notando que 0z é arbitrário, conclui-se que lim e, portanto, é contínua em todo . z

Para todo Nn> , designando por o comprimento do caminho , verifica-se

γdzdzzf ≤− ∫)( .

Como 0>ε é arbitrário, conclui-se que . Q.E.D. ∫∫ →γγ

ff n

Page 5: Funções analíticas

5.3. Sucessões e séries de funções uniformemente convergentes 69 (5.2) Teorema: Seja uma série de funções contínuas uniformemente ∑∞

==

0)()(

n n zfzf

convergente num conjunto U ℂ e ⊂ γ um caminho seccionalmente regular em U . Então é contínua em U e f

∑ ∫∫∞

=

=0

)()(n

n dzzfdzzfγγ

.

Dem. O resultado é consequência imediata do teorema anterior, aplicado à sucessão cujos termos são as somas parciais da série, ∑ =

= n

k kn fS0

, com U . Q.E.D. Un = 5.4. Séries de potências complexas As séries de potências complexas são da forma

(5.3) , nn

nazc )(

0−∑

=

com ℂ, para ℕ . Os coeficientes da série de potências são os números c e diz-se que se trata de uma série de potências centrada no ponto .

∈ncaz ,,n

∈n 0∪a

Com os números e , com n ℕ , fixos, se ℂ designa o conjunto de pontos

a nc ∈ 0∪ ⊂Cz para os quais a série (5.3) converge, a soma da série define uma função ℂ, tal que . →CS : ∑∞

=n− )a=)

0(( n

n zczS O resultado seguinte estabelece que para cada série de potências complexa centrada num ponto existe um círculo aberto centrado neste ponto, com em cujo interior a série converge e em cujo exterior diverge, ou então a série converge em todo o plano complexo (designando =ℂ, neste caso temos convergência em ), ou converge para

a )(aBR ,0>R

B ∞+)(aB ∞+ )(aaz = e diverge em ℂ . A convergência é uniforme em cada círculo

fechado centrado em e contido em . \ a

(aBRa ) (5.4) Proposição: Para cada série de potências complexa centrada num ponto ℂ, da ∈aforma (5.3), com n

nnc ||lim

∞→ finito e n

nncR ||lim/1

∞→= em que se considera +∞=R se

este limite é zero, verifica-se: 1) A série é uniformemente convergente em qualquer círculo fechado )(aBr , com Rr < , 2) A série é absolutamente convergente para todo , )(aBz R∈

3) A série é divergente para todo ∈z ℂ )(\ aBR . Dem. O resultado baseia-se nas ideias do teste da raiz para a convergência de séries, o qual, por seu lado, se baseia nas propriedades de convergência de progressões geométricas de números reais, nomeadamente na sua convergência quando a razão é inferior a 1 e divergência quando a razão é superior a 1. 1) Seja 'r um número real arbitrário tal que . Verifica-se ( e, como Rrr <<< '0 '/1)/1 rR <

nncR ||/1 =

n ∞→, existe lim ∈M ℕ tal que implica | .

Portanto, para Mn > '/1 rn <| /1cn

∈z )(aBr é e | , para . A série é uma progressão geométrica de razão r , pelo que é convergente. Em

r≤|az −| nr )'nn azc ||| ≤−

'/ rr /(1<

Mn >∑∞

=0)(

nnr '/ r

Page 6: Funções analíticas

70 Funções analíticas complexas consequência, a série é absolutamente convergente para um número que designamos por . Com

∑∞

=−

0)(

nn

n azc)(zS ∑ =

−N

nn

n azc0

)(=N zS )( e ∈z )(aBr , para verifica-se MN >

/(1)'/(

rrr

−=|a n ≤

|||1

zcNn

n≤∞

+=∑)(

1

azcNn

nn −

+=∑)(z =

z)(ar

)(aBR Raz >− | ρR/1/ <ρ nlimR/

ρ/1| /1 >nnc (||) −>n z

n z(∑∞

n(n zc

R /1=+∞= 0=R

\ aaz =)(aBR

|/|1 nc+| nc|)(| azc n

n =−|) n

/|)(| 11 azc n

n − ++

=−

0(|

n n azclim az −

Lcn | ==Br Rr <<

a

)(aBR

)(a Rr <<0

Ω

f Ω(Br

)'')(

1

1 rrrSzS

N

Nn

n

N

−−

+∞

+=∑ .

O lado direito da desigualdade anterior pode ser feito arbitrariamente pequeno tomando suficientemente grande (independentemente de N )(aBr ). Conclui-se que a série

é uniformemente convergente em ∑∞

=−

0)(

nn

n azc B , para Rr < . 2) Ficou provada no curso da demonstração de 1). 3) Se ∈z ℂ \ é | . Seja um número real arbitrário tal que

|| z −aR << ρ . Verifica-se 1 e, como nc ||=n

1∞→

, existem números naturais arbitrariamente grandes tais que | . Portanto, |

para um número infinito de termos, pelo que a sucessão de termos c não converge para zero e, em consequência, a série

n 1)/|( >− nn aazc ρ

na)−

=−

0)a n é divergente. Q.E.D.

Chama-se raio de convergência da série de potências (5.3) a n

nc ||limn ∞→

, considerando R se o limite é zero e se o limite é infinito. No caso em que

n nc ||imln ∞→

é infinito, a série diverge em ℂ porque nos pontos deste conjunto os termos da série não convergem para zero, e converge trivialmente em para zero pois os seus termos são, nesse caso, identicamente nulos. Ao círculo chama-se círculo de convergência da série. Em pontos da fronteira deste círculo pode-se, em geral, ter convergência ou divergência de acordo com a série específica que se considere. Verifica-se, também, que o raio de convergência da série (5.3) satisfaz

|n ∞→

, quando este limite existe. Na verdade, se |n ∞→

existe e tem o valor

/||lim/1 1ncR += |lim ncL , então

n ∞→. O teste da razão para séries

reais implica que a série ∑ é convergente para e é divergente para , pelo que da proposição precedente resulta

nlim .

||L

∞→

1|| <−azn |/|1+

Lc1|| >− azL R/1|

)(a 0 R A convergência uniforme em círculos fechados , com e igual ao raio de convergência de uma série de potências centrada num ponto , estabelecida no teorema anterior, conjugada com o teorema (5.2) garante que a soma da série define uma função contínua em cujos integrais em caminhos seccionalmente regulares em círculos Br , com , podem ser calculados integrando a série termo a termo, o que é usado mais abaixo para provar que as funções holomorfas são sempre representáveis por séries de potências.

5.5. Funções analíticas Diz-se que uma função complexa definida num conjunto aberto ℂ é uma função analítica14 em se para cada círculo aberto (Figura 5.1) existe uma

⊂Ω⊂)a

14 Alguns autores preferem definir função analítica como função diferenciável, identificando na própria definição as noções de analiticidade e holomorfia. Preferimos, contudo, a definição de analiticidade pela existência de representações em séries de potências, seguindo a opção de Karl Weierstrass (1815-1897) e

Page 7: Funções analíticas

5.7. Fórmula de Parseval para séries de potências complexas e consequências 71 série de potências centrada em , a ∑∞

=−

0)(

nn

n azc , cuja soma é , para cada . Assim, as funções analíticas são as funções representáveis por séries de potências.

)(zf )(aBz r∈

Ωa B (a)r

)(aBr

γ

wBr∈

raz /|||) −≤

w

* 1)(/ +− nn aw)(N wS>ε −)(w

g( .wg(w)(

=

)

z ∈

*\ γ

Figura 5.1: Analiticidade de em Ω : a série de Taylor em converge para f a f em

É claro que o conjunto das funções analíticas é um espaço linear complexo com a soma e a multiplicação por escalares complexos usuais. O resultado seguinte dá uma classe de funções analíticas definida por integrais que usaremos em várias situações. No capítulo seguinte estabelece-se que também são analíticas as funções obtidas por limites de sucessões e séries de funções analíticas uniformemente convergentes em subconjuntos compactos do domínio da função definida pelo limite. Como consequência, observa-se que este processo de passagem ao limite de sucessões e séries de funções, que aplicado ao conjunto das funções polinomiais o estende definindo o conjunto das funções analíticas, quando aplicado a este conjunto não conduz a uma nova extensão. (5.5) Proposição: Seja ℂ um conjunto aberto, ⊂Ω γ um caminho seccionalmente regular em ℂ e g uma função complexa definida e absolutamente integrável sobre . Então a função definida por f

dwzw

wgzf ∫ −=

γ

)()(

é analítica em *\ γΩ e tem, em cada círculo aberto , a representação *)( γ⊂aBr

em série de potências

Dem. Considere-se um círculo aberto arbitrário B . Como | para e

*\)( γΩ⊂ar

1< )(aBz r∈ *γ∈w , para cada fixo a série geométrica )(aBz r∈n

( ) ( n

nn azdw

awgzf −

−=∑ ∫

∞+

=+

01

)()(γ

, para . (az) )

awaz /()( −−

( )( ) zwaw

azn

n −=

−−∑

=+

10

converge uniformemente em γ . Fixa-se e define-se e . Para cada

)(aBz r∈0

)(=

−=∑N

naz

)/(1)( zwwS −= 0 existe ∈M ℕ tal que | para todo ε<|)(wSNS*, γ∈> wMN , e verifica-se

∫∫∫∫ ≤−≤−γγγγ

εdtwSwSdwwgSwdwgwS NN ))()()()() Logo,

( )( )n

nn azdw

awwgdw

zwwgzf −

−−= ∑∫∫

+∞

=+

01

)()()(γγ

(aB f

, , )(aBr

Ωpelo que é analítica em . Portanto é analítica em f r . Q.E.D. de Élie Cartan (1869-1951) que se identifica com a consideração de funções dadas por limites de sucessões de funções polinomiais.

Page 8: Funções analíticas

72 Funções analíticas complexas O resultado seguinte estabelece que as funções analíticas são indefinidamente diferenciáveis e que as suas derivadas são dadas pelas séries de potências que se obtêm derivando termo a termo a série que dá a função.

(5.6) Teorema: Se é uma função analítica num conjunto aberto Ω ℂ, então é f ⊂ findefinidamente diferenciável em (em particular ) e as derivadas Ω )(Ω∈ Hf )f ,(k

∈k ℕ , também são analíticas em Ω . Além disso, se ∞

(5.7) , para , nn

nazczf )()(

0−=∑

=

Ω⊂∈ )(aBz r

então

(5.8) knn

kn

k azckn

nzf −∞

=

−−

=∑ )()!(

!)()( , para ℕ, , e ∈k )(aBz r∈

(5.9) !

)()(

nafc

n

n = .

Dem. O raio de convergência da série (5.7) é nncR ||lim/10 =

n ∞→ e os raios de convergência

das séries (5.8) são nnk knncR )!/(!||lim/1 −=

n ∞→. Como15 1)!/(!lim =−n knn

∞→n,

os raios de convergência de todas as séries consideradas no enunciado são iguais, para k ℕ. 0RRk = ∈

Se provarmos que a função é holomorfa e a sua derivada é dada pelo caso particular da fórmula (5.8) para , obtêm-se os resultados para as derivadas de ordem superior por aplicação sucessiva do resultado para a primeira derivada. A fórmula (5.9) obtém-se directamente de (5.8) tomando

f1=k

az = .

Fixa-se Bz ∈ e )(0

aR r tal que | . Considera-se e definida pela fórmula (5.8) com , isto é,

0| Rrz << zaBw r \)(∈ )(zg1=k ∑∞

==

1()

n n zcn −− 1)na(zg0=

aw −

. Sem perda de generalidade, pode-se considerar (esta situação pode ser sempre obtida por mudança de variáveis , ). Obtém-se

aw ='azz =' −

nn

∑∞

=

−−=−

−−

1

1)()()(n

nn zn

zwzwczg

zwzfwf .

Para a expressão entre parênteses nesta fórmula é zero. Para verifica-se 1=n 2≥n2 −n )()( 12321 −−−− +++++−=− nnnnnn zwzzwzwwzwzw Κ

e, portanto, 1

1

11 −

=

−−− −

=−−− ∑ n

n

k

kknnnn

znzwznzwzw .

Por outro lado,

∑ ∑∑∑∑−

=

=

−−−−−

=

−−−

=

−−−

=

−−− −+=−=−2

0

1

1

111

1

11

1

11

1

11 )1()(n

j

n

i

jjnjjnn

k

kknn

k

kknn

k

kkn zwjzwjzwkzwkzwkzw

1

1

12

1

111 )1( −

=

−−−

=

−−−− −=+−− ∑∑ nn

k

kknn

i

jjnnn znzwzwzn = w .

15 Verifica-se 1 , nkknn <−< )!/(! nnn nkknn <−< )!/(!1 , 1lim =

∞→

n

nk , 1lim =

∞→

n

nn .

Page 9: Funções analíticas

5.7. Fórmula de Parseval para séries de potências complexas e consequências 73 Conjugando estas fórmulas, obtém-se

∑ ∑∑ ∑∞

=

=

−∞

=

=

−−− −≤−≤−−−

2

1

1

2

2

1

1

11 ||||)()()(n

n

k

nn

n

n

k

kknn krczwzwkczwzg

zwzfwf

∑∞

=

−−−=2

2

2)1(

n

nn rcnnzw .

Como e 0Rr < nn

nn cnnc ||lim2/)1(|| =−

nnlim

∞→∞→, conclui-se que a série no último termo

da expressão anterior é convergente. Fazendo zw)(z

→ , este termo converge para zero, pelo que existe e f ′ ∑∞

=1n ncn −− 1)( naz==′ )()( zgzf , o que conclui a demonstração. Q.E.D. O teorema anterior estabelece que para uma função ser representável por uma série de potências centrada num ponto a ℂ tem de ser indefinidamente diferenciável, e a série que a representa é a sua série de Taylor centrada no ponto ,

∈a

∑∞

=

−0

)(

)(!

)(n

nn

azn

af .

É possível ter séries de Taylor de funções reais indefinidamente diferenciáveis que não convergem para essas funções, ou seja, há funções reais indefinidamente diferenciáveis que não são analíticas. Ver-se-á no capítulo seguinte que tal não pode acontecer para funções complexas. Para estas funções até basta existir a primeira derivada num conjunto aberto para que a função seja indefinidamente diferenciável e analítica nesse conjunto.

5.6. Zeros de funções analíticas complexas O resultado seguinte estabelece que o conjunto dos zeros de uma função

analítica numa região que não é identicamente zero é um conjunto de pontos isolados e cada zero tem uma ordem ou multiplicidade, isto é, um número ℕ que é o menor inteiro positivo para o qual a derivada de ordem da função nesse zero não se anula.

)( fZf

∈mm

(5.10) Teorema: Se é uma função analítica numa região Ω ℂ onde não é f ⊂identicamente zero, então não tem qualquer ponto limite em , isto é, não existe )( fZ Ωqualquer sucessão de pontos de tal que , é finito nz zfZ \)( Ω Z (∈→ zzn Kf ∩)para todo Ω⊂K compacto, é finito ou infinito numerável, e a cada )f(Z )( fZ∈acorresponde um único ℕ tal que , para todo ∈m )(z) gaz m−()(zf = Ω∈z , com g analítica em e . O número m é a ordem do zero de . Ω 0) ≠(ag a fDem. Seja o conjunto de todos os pontos limite de em . Como é contínua em , verifica-se , pelo que todos os pontos limite de lhe pertencem e, portanto, é um conjunto fechado.

A

A

)( fZ Ω fΩ )( fZA ⊂ A

Tome-se Za ∈ e tal que . Como é analítica em , tem representação em série de potências

)( f 0>r Ω⊂)(aBr f Ω∑∞

==

0()

n nc∈

− )( nazzfn

, para . Há então duas possibilidades: (i) 0 para todo ℕ, ou (ii) existe um menor inteiro ℕ tal

)(aBz r∈=nc ∈m

que c . No primeiro caso, . No segundo caso, define-se 0≠m AaBr ⊂)( e Aa int∈

Page 10: Funções analíticas

74 Funções analíticas complexas

=Ω∈−

=−

.se,\se,)()(

)(azc

azzfazzg

m

m

É claro que e ( )aHg \Ω∈ ∑∞

= + −=0

)()(k

kkm azczg , para . Portanto, )(aBz r∈ g é

analítica em e . A continuidade de Ω )( =ag 0≠mc g garante que existe uma vizinhança de onde a g não se anula. Segue-se que é um ponto isolado de , pois , para

aΩ∈

)Z ( f)()( zgaz m−)(zf = z . Conclui-se que se a terá de se verificar o

primeiro caso acima considerado e, portanto, é um conjunto aberto. Como, neste caso, é um conjunto aberto e fechado, com tem–se

A∈A

AB \Ω=A BA ∪=ΩΩ=A

, com abertos e disjuntos. Como é um conjunto conexo, tem de ser ou . No primeiro destes casos é identicamente zero em . No segundo caso tem um número finito de pontos em cada subconjunto compacto de , dado que toda a sucessão de pontos num conjunto compacto tem pelo menos um ponto limite nesse conjunto. Como toda a região Ω ℂ é uma união numerável de uma família expansiva de conjunto compactos16 , para n ℕ, conclui-se que ou é finito ou é infinito numerável.

B∅

(

A,

)f

Ω

n∞∪

=A)f

Z

f

⊂=Ω

Ω

nK=1 nn KK ⊃+1 ∈

(ZΩ

Prova-se por indução que as derivadas de qualquer ordem de satisfazem, para ℕ, k , , onde as funções h são analíticas em . Resulta que para e

. Portanto, é o menor k ℕ para o qual . Q.E.D.

)()()( zgazzf m−=)()() 1 zhaz k

km +−−+0) = mk <

0)() ≠ak

∈kk

0) ≠

m≤ ( ) ()()!/(!)()( zgazkmmzf kmk −−−=Ω ()( af k

m ∈ (f(!)()( = agmaf m

Uma consequência imediata deste teorema é o resultado seguinte estabelecido por Riemann em 1851. (5.11) Teorema de unicidade de funções analíticas: Se são funções analíticas gf ,complexas numa região ℂ e num conjunto com um ponto limite em Ω , ⊂Ω gf =então em Ω . gf =

Dem. Nas condições da hipótese é analítica e tem um ponto limite em . Resulta do teorema anterior que = Ω e, portanto, em Ω . Q.E.D.

gf −( fZ

)( gfZ −Ω )g− gf = O resultado anterior garante que uma função analítica numa região fica univocamente determinada pelos seus valores em qualquer conjunto que tenha pelo menos um ponto limite da sua região de analiticidade. Trata-se de um importante resultado de unicidade. Uma consequência é que duas funções diferentes analíticas numa região ℂ só podem coincidir num número finito de pontos em cada subconjunto compacto de Ω , e num conjunto numerável de pontos de . Note-se que o resultado pode falhar se o conjunto de analiticidade considerado não é conexo.

⊂ΩΩ

16 Ver os exercícios do apêndice II.

Page 11: Funções analíticas

5.7. Fórmula de Parseval para séries de potências complexas e consequências 75 5.7. Fórmula de Parseval para séries de potências complexas e consequências Nesta secção obtêm-se propriedades importantes de funções analíticas complexas que podem ser provadas com base na Fórmula de Parseval17 para séries de potências complexas18, segundo a qual a média quadrática da soma de uma série de potências sobre uma circunferência de raio inferior ao raio de convergência da série é igual à soma dos quadrados dos módulos dos termos da série num ponto da circunferência.

(5.12) Teorema (Fórmula de Parseval para séries de potências): Se para , onde ∑∞

=−=

0)()(

nn

n azczf )(aBz R∈ R é o raio de convergência da série, e Rr <<0 , então

∑∫∞

=−

=+0

222

||)(21

n

nn

i rcdreaf θπ

π

πθ .

Dem. Define-se19 ∑∞

==+=

0)()(

ninn

ni ercreafg θθθ . Para Rr< fixo, esta série é uniforme-

mente convergente para . [ ]ππθ ,−∈

Considera-se o produto interno para funções contínuas em definido por [ ππ,− ]( )∫>=<

πθθψθϕπψϕ d)()(2/1,

−π. Das propriedades do produto interno e da

possibilidade de integrar termo a termo séries uniformemente convergentes (teorema (5.2)), obtém-se

><=><=+ ∑∑∫∞

=

=−

00

2

,,)(21

m

immm

n

innn

i ercercggdreaf θθπ

πθ θ

π

∑∑∞

=

=

+ =><=0

22

0,

||,n

nn

im

mn

inmnmn rceercc θθ ,

visto que

≠=

===>< ∫∫ −

.se,0se,1

21

21, )(

mnmn

dedeeee mniiminimin π

πθπ

πθθθθ θ

πθ

π

Q.E.D.

É útil dispor de majorações simples para as derivadas de qualquer ordem de funções analíticas, como as dadas pelo resultado seguinte de Cauchy que é uma consequência directa da Fórmula de Parseval para séries de potências obtida no teorema anterior.

17 Mark-Antoine Parseval (1775-1836). 18 Trata-se de um caso particular da Fórmula de Parseval válida em espaços lineares complexos com produto interno que estabelece a igualdade entre o quadrado da norma de um vector e a soma dos quadrados dos valores absolutos das componentes do vector num sistema ortonormal, generalizando o Teorema de Pitágoras para triângulos. 19 É de notar que, com nnn , esta série é uma série trigonométrica complexa, cujas parte real e imaginária são séries trigonométricas reais:

cyx =),(

∑∑ ∞=

∞= ++−= 00 ))cossin()sincos(n nnnn

nn

innn nynxinynxrerc θθθθθ

Page 12: Funções analíticas

76 Funções analíticas complexas (5.13) Estimativas de Cauchy: Se é uma função analítica num círculo aberto f )(aBR

e Mzf ≤)( para , então )(aBz R∈

kk

RMkaf !)()( ≤ , para ℕ. ∈k

Dem. Para , obtém-se da Fórmula de Parseval para séries de potências (5.12) Rr <<02

2

0

22 )(21|| Mdreafrc i

n

nn ≤+= ∫∑ −

ππ

πθ .

Portanto e | . Como 222|| Mrc nn ≤ n

n rMc /|≤ Rr < é arbitrário, verifica-se . Da fórmula (5.8) estabelecida no teorema (5.4), obtém-se nRn Mc /|| ≤

kkk

RMkckaf !!)()( ≤≤ , para ℕ. Q.E.D. ∈k

Uma outra consequência directa da Fórmula de Parseval para séries de potências é que as funções analíticas em ℂ limitadas são necessariamente constantes. (5.14) Teorema de Liouville: Uma função analítica em ℂ limitada é constante.

Dem. Supõe-se Mzf ≤)( para ∈z ℂ. Como é analítica em ℂ, pode ser representada em série de potências por . Resulta da Fórmula de Parseval para séries de potências (5.12) que

f∑= ∞

=0)(

nn

n zczf

22

0

22 )(21|| Mdreafrc i

n

nn ≤+= ∫∑ −

ππ

πθ , para todo . 0>r

Tal só é possível se para todo ℕ, ou seja se é constante. Q.E.D. 0=nc ∈n f É também consequência directa da Fórmula de Parseval para séries de potências o resultado seguinte que estabelece que o módulo de uma função analítica numa região

ℂ não poder ter máximos locais a não ser quando a função é constante (Figura 5.2). Este resultado aparece pela primeira vez provado na tese de doutoramento de B. Riemann, em 1851, com uma demonstração diferente da que se segue.

⊂Ω

(5.15) Princípio do Módulo Máximo: Se é uma função analítica numa região f

⊂Ω ℂ, então || não tem máximos locais em a não ser que seja constante em . f Ω Ω

Se Ω⊂K é um conjunto limitado e fechado e não é constante neste conjunto, fentão o máximo de | em |f K é assumido em pontos da fronteira deste conjunto. Dem. Seja )(aBr um círculo fechado contido em Ω tal que )()( afreaf i ≤+ θ , para todo . Como é analítica em , pode ser representada em série de potências por , para

[ πθ 2,0∈∑∞

==)(

nzf

] f)na

Ω−

0(n zc )(aBz r∈ . Resulta da Fórmula de Parseval para séries

de potências (5.12) que 2

022

0

22 )()(21|| cafdreafrc i

n

nn =≤+= ∫∑ −

ππ

πθ .

Portanto, para todo n ℕ, o que implica para 0=nc ∈ )()( afczf o == )(aBz r∈Ω

. Resulta do Teorema da Unicidade de funções analíticas (5.11) que é constante em . f

Page 13: Funções analíticas

5.7. Fórmula de Parseval para séries de potências complexas e consequências 77 A função || f é uma função contínua no conjunto compacto K , pelo que assume um valor máximo neste conjunto. Este valor não pode ocorrer em pontos interiores a K porque, então, || teria máximos locais nesses pontos de Ω , o que não pode acontecer. Portanto, o valor máximo é assumido em pelo menos um ponto da fronteira de

fK .Q.E.D.

É de notar que o Princípio do Módulo Máximo pode ser directamente demonstrado para funções holomorfas numa região ℂ com base na Propriedade de Valor Médio (4.13), a qual implica

⊂Ωθθ derafaf iπ ∫ +≤ )(2/(1)( ( )) desde que Ω⊂)(aBr

)(aBR

. Na verdade, se || tem um máximo local em existe um círculo aberto onde f Ω∈a

)(aff ≤ . Se existissem e tais que Rr <<0 [ 2,0∈ ]πθ0 )(af<)( eraf i+ θ para , por continuidade, esta desigualdade também se verificaria para valores de 0θθ = θ

numa vizinhança de pelo que a média de | na circunferência de centro e raio 0θ |f a r seria menor do que o valor | , em contradição com a Propriedade de Valor Médio. Conclui-se que | no círculo aberto . Do teorema (3.12) resulta que é constante em . O resto prova-se como no final da demonstração anterior.

|)(af|)| af =

)(aR

(| f )a(BR fB

Por outro lado, o módulo de uma função analítica numa região Ω ℂ onde não é constante só pode ter mínimos locais em pontos onde se anule (Figura 5.2).

Ω

Re

Im

|f|

Figura 5.2: Ilustração do Princípio do Módulo Máximo em regiões

e do seu corolário para mínimos

(5.16) Corolário: Se é uma função analítica numa região ℂ, então || apenas f ⊂Ω ftem mínimos locais em pontos de onde se anula ou é constante em . Ω f Ω

Se Ω⊂K é um conjunto limitado e fechado e não é constante nem tem zeros fneste conjunto, então o mínimo de || em f K é assumido em pontos da fronteira de K . Dem. Os pontos onde se anula são claramente mínimos locais de | . Do teorema (5.10) sabe-se que há duas situações possíveis para o conjunto dos zeros de em

: (i) , ou (ii) não tem pontos limite em Ω . Na primeira situação, tem mínimo local igual a zero em todos os pontos de . Na segunda situação, é um conjunto fechado e é um conjunto aberto. Se são conjuntos disjuntos fechados relativamente a tais que

f |f

B

)( fZ f

( fΩ Ω=)( fZ )( fZ

' Ω=Ω

f)Ω Z

)(\ fZ'Ω

A,BA=' ∪Ω , obtém-se que e )( fZ∪A B

são conjuntos disjuntos fechados relativamente a e Ω . Como é um conjunto conexo, tem de ser ou

Ω =Ω=

B∪fZ∪ (A( )) Ω∅=B B . Isto implica que Ω é um conjunto

conexo que, como é aberto, é uma região em ℂ. Como não se anula na região , o Princípio do Módulo Máximo (5.15) pode ser aplicado a 1 e obtém-se que |1 não

'f '

ff/ /

Page 14: Funções analíticas

78 Funções analíticas complexas tem máximos locais (e equivalentemente | não tem mínimos locais) em , a não ser que seja constante neste conjunto.

|f 'Ω

K

∑ =nk 0

2/1(

=0 ((

k

)/1( n

|f

||) fa <

ψ

A função || f é uma função contínua no conjunto compacto 0> , pelo que assume um valor mínimo neste conjunto. Este valor não pode ser assumido em pontos interiores a K porque, então, | teria mínimos locais diferentes de zero nesses pontos de , o que não pode acontecer. Portanto, o valor mínimo é assumido em pelo menos um ponto da fronteira de

|fΩ

K . Q.E.D.

Exercícios 5.1. Prove: Uma função analítica em ℂ que satisfaz | , para algum ℕ e todo f nzzf |||)( < ∈n ∈z ℂ tal

que é suficientemente grande, é necessariamente polinomial. || z) )a− ∈a5.2. Desenvolva 1 em série de potências de ( , com ℝ, e determine os correspondentes

raios de convergência. 1/( 2z+ z

5.3. Seja f , onde a série tem raio de convergência ∑∞== 0)( k

kk zaz 1>R , e Prove

que o mínimo do desvio quadrático médio 0

, onde = k

kn zazS )( .θπ π θ dPef i∫ −2 )(|) θei 2|)( P é um polinómio

de grau ℕ, é e é assumido se e só se . ∈n ∑∞=0 |k +

2|kna nSP =5.4. Determine todos os valores de ∈z ℂ para os quais a série dada é convergente:

a) ∑ z b) z∑ c) ∑ d) ∞

=1k

k kk

k /1

=

2

1/ kz

k

k∞

=∑

e) ∞

=

−−

0 2k

k

zz

∑ f) ∑ e .

=

+0 1k

k

zz ∞

=0k

kz

5.5. Calcule o raio de convergência da série dada, para ∈z ℂ e n ℕ: ∈

a) ∑ ( b) ∑ c) ∑ d) (∑ e) ∑ z f) ∞

=1)/

k

kkz∞

=1k

kz∞

=1)(

k

kkz kn

k

k zk )20

=

=0

!

k

k ∑ . −2

)!2)! kz

kk

n5.6. Mostre que se é analítica numa vizinhança da origem, então existe n ℕ tal que . f ∈ 3/)1( nf −≠g =fg5.7. Prove: Se e f são funções analíticas numa região de ℂ onde , então pelo menos uma

das funções é zero na região. 0

5.8. Prove: Se , f g e gf são funções analíticas numa região de ℂ, então é constante ou f g é zero na região.

5.9. Prove: Uma função inteira tal que a sua representação em série de potências centrada em qualquer ponto de ℂ tem pelo menos um coeficiente igual a zero é necessariamente polinomial.

5.10. Prove: Se e f g são funções analíticas num círculo aberto e contínuas no seu fecho que não se anulam no interior desse círculo e | na circunferência , então em

)(aBr|| g= )(aBr∂ gf λ=

)(aBr para algum ∈λ ℂ com | . 1|=λ)a f ′f |)(a′ \ a f )(aB5.11. Prove: Se é analítica em e | em B , então é injectiva em ). (Br (f ′− )(ar r

Exercícios com aplicações a hidrodinâmica, electroestática e propagação de calor em equilíbrio

5.12. Consideram-se escoamentos hidrodinâmicos planos estacionários, solenoidais e irrotacionais20 (exercício 3.20) com potencial de campo de velocidades ϕ , função de corrente e potencial complexo . ),( ψϕ=f

20 Como observado no exercício 3.20, todas estas situações de hidrodinâmica correspondem a situações de electroestática. Em particular, as alíneas deste exercício correspondem aos campos eléctricos de: (a) um filamento condutor cilíndrico carregado perpendicular ao plano na origem, (b) um par de filamentos condutores cilíndricos carregados perpendiculares ao plano na origem e simétricos, (c) um dipolo bifilar eléctrico perpendicular ao plano na origem, (d) um filamento condutor cilíndrico carregado perpendicular a um semiplano limitado por um isolador eléctrico

perfeito plano, (e) um par de filamentos condutores cilíndricos perpendiculares ao plano na origem com cargas iguais, sobreposto a

um campo eléctrico uniforme ou, em alternativa, o resultado de um campo eléctrico uniforme no infinito na presença de um isolador eléctrico perfeito cilíndrico perpendicular ao plano e com secção igual à oval de Rankine,

(f) um dipolo bifilar eléctrico perpendicular ao plano na origem sobreposto a um campo eléctrico uniforme ou, em alternativa, o resultado de um campo eléctrico uniforme no infinito na presença de um isolador eléctrico perfeito cilíndrico de revolução perpendicular ao plano,

(g) uma corrente eléctrica constante num filamento rectilíneo perpendicular ao plano, (h) um canto definido por dois semiplanos isoladores eléctricos perfeitos intersectando-se ao longo de uma recta

perpendicular ao plano na origem. Podem-se obter outras situações de electroestática trocando isoladores com condutores e funções potenciais com funções de corrente. Também se obtêm situações de propagação de calor em equilíbrio, substituindo o potencial da velocidade por temperatura e as linhas de fluxo de fluido por linhas de fluxo de calor.

Page 15: Funções analíticas

5.7. Fórmula de Parseval para séries de potências complexas e consequências 79 a) Fonte ou sumidouro. Uma fonte, ou um sumidouro, é uma singularidade pontual da qual radiam

linhas de corrente (ψ constante) e em torno da qual as equipotenciais do campo de velocidades (ϕ constante) são circulares. Mostre que um potencial complexo para uma fonte de magnitude Q e fluxo simétrico em relação à singularidade situada na origem é (Figura 5.3)

zQzf log))2/(()( π= . b) Sobreposição de fonte e sumidouro. Mostre que um potencial complexo de um fluxo resultante

da sobreposição linear de uma fonte e um semidouro de magnitudes situados, respectivamente, nos pontos , com

Q±θier± ∈θ,r

()(z =ℝ, é (Figura 5.4)

)θlog()))log(2/( θπ ii erzerzQf +−− . c) Dipolo. Chama-se dipolo ao limite do par fonte-sumidouro da alínea anterior, quando e 0→r

mrQ =π/ é constante. Mostre que um potencial complexo é θ (Figura 5.5). zemzf i /)( −=

Re

Im

Re

Im

θ

Re

Im

θ

Figura 5.3: Fonte ou sumidouro Figura 5.4: Fonte e sumidouro Figura 5.5: Dipolo (com inversão de sentido)

d) Fonte perto de parede. Mostre que um potencial complexo de um fluxo no semiplano complexo superior resultante de uma fonte de magnitude situada no ponto ia do eixo imaginário (o eixo real é uma “parede”, i.e., a componente da velocidade na direcção normal ao eixo real é zero nos pontos deste eixo) é, para ℝ, (Figura 5.6)

Q

a+∈yx,(2x +

0>y)()2 xa a− )/)arctan(()/)(arctan((2))())log(4/(()( 22 xayxyiyyQiyxf ++++−=+ π .

(Sugestão: Considere o fluxo resultante da sobreposição linear da fonte dada com uma fonte auxiliarque é a sua imagem simétrica em relação ao eixo real. Este método é conhecido por método das imagens). e) Oval de Rankine21. Considere um escoamento resultante da sobreposição linear de uma fonte e um sumidouro pontuais de magnitudes situados nos pontos ± do eixo real, e um fluxo uniforme (velocidade rectilínea constante) de magnitude V na direcção e sentido do eixo real positivo. Mostre que um potencial complexo é (Figura 5.7)

Q± a∞

))/(())log(())4/(()( 2222 yaxyaxQxViyxf +−+++=+ ∞ π)/(2arctan))2/(( 222 ayxayQyVi −+−+ ∞ π

. Mostre que uma das linhas de corrente é uma oval. Observe que o fluxo exterior à oval de Rankine é o fluxo de uma corrente de escoamento em torno de um obstáculo cilíndrico com secção igual à oval de Rankine, quando a velocidade no infinito é constante na direcção e no sentido do eixo real positivo. f) Escoamento em torno de obstáculo cilíndrico de revolução com velocidade uniforme no infinito e circulação nula em torno do obstáculo. Mostre que o potencial complexo de um escoamento em torno de um obstáculo cilíndrico de revolução de eixo na origem e raio , com velocidade no infinito constante na direcção e no sentido do eixo real positivo e circulação em torno do obstáculo nula, é (Figura 5.8).

0>R

)/()( 2 zRzVzf += ∞(Sugestão: Considere a sobreposição de um fluxo uniforme com um dipolo na origem na direcção do eixo real tal que a circunferência de raio R com centro na origem seja uma linha de corrente).

Im

Re

Re

Im

Re

Im

Figura 5.6: Fonte perto de parede Figura 5.7: Oval de Rankine Figura 5.8: Obstáculo cilíndrico

21 William John Rankine (1820-1872).

Page 16: Funções analíticas

80 Funções analíticas complexas

g) Vórtice potencial. Um vórtice potencial é uma singularidade pontual em torno da qual as linhas de corrente são circunferências centradas na singularidade e as equipotenciais são semirectas com origem na singularidade. Mostre que um potencial complexo é , onde

é a magnitude do vórtice (Figura 5.9). zizf log))2/(()( πΓ−=

)2/( πΓ

Re

Im

Figura 5.9: Vórtice potencial

h) Escoamentos em cantos. Mostre que um potencial complexo para o escoamento num canto de amplitude angular πθ 2<<0 , com vértice na origem e um dos lados ao longo do eixo real é

(Figura 5.10). θπ/)( zVzf =(Sugestão: Aplique uma transformação conforme que transforme o semiplano superior no canto).

Re

Im

Re

Im

Re

Im

Re

Im

Re

Im

Re

Im

Figura 5.10: Escoamentos em cantos

5.13. Considere dois cilindros condutores paralelos de secções ortogonais circulares de raios perpendiculares ao plano complexo com eixos sobre os pontos do eixo real com potenciais eléctricos . Mostre que as linhas de fluxo e as linhas equipotenciais do campo eléctrico são como indicado na Figura 5.11, e que a capacidade dos condutores por unidade de comprimento é

farads/metro, onde

0>Rb±

/(cosh ))/(1 RbC −= πε ε é a constante dieléctrica do meio. (Sugestão: Na alínea e) do exercício anterior, obtenha equações cartesianas para as equipotenciais, observe que são circunferências e relacione com e a b R de forma às circunferências de raio R com centros em

serem equipotenciais, calcule a função de fluxo b± εψ=Φ . Calcule a carga por unidade de comprimento integrando a função de fluxo em torno de um condutor. Obtenha a capacidade por unidade de comprimento, dividindo a carga por unidade de comprimento pelo potencial V do condutor).

Im

ReR R-b b +V-V

Figura 5.11: Campo eléctrico de dois condutores cilíndricos paralelos ortogonais ao plano complexo