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FUNDAÇÃO INSTITUTO CAPIXABA DE PESQUISAS EM CONTABILIDADE, ECONOMIA E FINANÇAS - FUCAPE WILLIAM NEWTON BERNARDINO COMPREENDENDO O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL DE REPATRIADOS BRASILEIROS VITÓRIA 2013

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FUNDAÇÃO INSTITUTO CAPIXABA DE PESQUISAS EM CONTABILIDADE, ECONOMIA E FINANÇAS - FUCAPE

WILLIAM NEWTON BERNARDINO

COMPREENDENDO O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL DE REPATRIADOS BRASILEIROS

VITÓRIA 2013

WILLIAM NEWTON BERNARDINO

COMPREENDENDO O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL DE REPATRIADOS BRASILEIROS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração da Fundação Instituto Capixaba de Pesquisa em Contabilidade, Economia e Finanças (FUCAPE), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração, Linha de pesquisa Estratégia e Governança Pública Privada.

Orientador: Prof. Dr. Bruno Felix Von Borell de Araújo

VITÓRIA 2013

WILLIAM NEWTON BERNARDINO

COMPREENDENDO O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL DE REPATRIADOS BRASILEIROS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração da Fundação Instituto Capixaba de Pesquisa em Contabilidade, Economia e Finanças (FUCAPE), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração, Linha de pesquisa Estratégia e Governança Pública Privada.

Aprovada em 04 de novembro de 2013.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Bruno Felix Von Borell de Araújo (FUCAPE)

Profª. Drª. Graziela Xavier Fortunato (FUCAPE)

Prof. Dr. Bruno Funchal

(FUCAPE)

VITÓRIA 2013

Dedico este trabalho a Deus,

aos meus pais José da Cruz

Bernardino (In memoriam) e

Therezinha Rodrigues

Bernardino (In memoriam), a

minha amada esposa Ângela, e

aos meus queridos filhos

Mateus, Débora e Samuel.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, em primeiro lugar, pois Ele é o motivo maior da minha

conquista, a razão da minha existência. Provai e vede que o Senhor é bom; bem-

aventurado o homem que nele confia.

A minha esposa Ângela pelo amor, força e compreensão nas horas mais

difíceis; aos meus filhos Mateus, Débora e Samuel por terem me apoiado e

suportado minha ausência em tantos momentos importantes de suas vidas.

A Samarco Mineração S. A., nas pessoas de Benedito Waldson Pinto e

Laurinho José da Silva, por terem me incentivado e me proporcionado chegar à

realização deste projeto.

A Roberta Guasti Porto que ofereceu apoio em momento oportuno.

Aos colegas de trabalho da GRT (Gerência de Relações do Trabalho) que

compreenderam e apoiaram minhas ausências.

Ao professor Dr. Bruno Felix Von Borell de Araújo, não só pelas orientações e

contribuições inigualáveis necessárias à concretização deste trabalho, mas também

pela sua atitude de respeito e solidariedade humana.

A todos os Professores da FUCAPE, que muito contribuíram para o meu

aprendizado e aquisição de novas experiências e competências, em especial o

professor Dr. César Tureta, que me ensinou o papel da metodologia.

Aos meus familiares, irmãos e amigos que oraram por mim e comemoraram

comigo esta conquista.

A todos que direta ou indiretamente deram suas contribuições e me apoiaram

nesta jornada.

“A man can receive only what is given him from

heaven”.

(The Holy Bible)

RESUMO

O presente projeto descreve o plano para um estudo que foi realizado com o objetivo

de: a) analisar os problemas de readaptação enfrentados por repatriados brasileiros;

b) identificar as táticas que estes indivíduos utilizam na minimização destes

problemas. Dentro da perspectiva de adaptação transcultural de Black et al. (1991),

que descreve os três aspectos ou dimensões de adaptação transcultural (adaptação

geral, adaptação à interação e adaptação ao trabalho), por meio de um trabalho

exploratório-descritivo, desenvolvido sob uma abordagem qualitativa e realização de

entrevistas semiestruturadas com 13 repatriados organizacionais brasileiros buscou-

se contribuir para a literatura, ao propiciar uma análise de conteúdo com o propósito

de elucidar os problemas de adaptação do repatriado brasileiro, após seu retorno de

uma designação internacional. Este estudo foi o primeiro a apontar como reduzir o

“Choque cultural reverso”, através das táticas reveladas pelos repatriados

brasileiros, reconhecidos como atores sociais principais no processo. Enfatiza-se

este achado nas particularidades do âmbito brasileiro da repatriação. Em síntese,

esta pesquisa identifica e fornece as táticas para lidar com os problemas de

adaptação transcultural tais como insegurança urbana, custo de vida, moradia,

alimentação, mobilidade, burocracia, educação, readaptação familiar,

ressocialização, relações no trabalho com colegas, superiores e com clientes e

fornecedores. Em termos práticos, este estudo oferece ideias para gestores de

recursos humanos como o estabelecimento de um plano de expatriação, onde a

repatriação é uma etapa bem definida, estruturada e alinhada com as táticas de

readaptação adotadas pelos repatriados. Como limitações do estudo destaca-se a

investigação ter sido feita com repatriados vindos de países mais desenvolvidos que

o Brasil, e o caráter transversal da amostra, o que não permitiu se analisar como as

táticas evoluem com o passar do tempo.

Palavras-chave: Adaptação transcultural. Choque cultural reverso. Expatriado

organizacional. Gestão internacional de recursos humanos. Repatriação.

ABSTRACT

This project describes the plan for a research that was conducted in order to: a)

Analyze the readjustment problems faced by Brazilian returnees. b) Identify the

tactics that the individuals use in minimizing these problems. From the perspective of

cross-cultural adjustment of Black et al. (1991), which describes the three aspects or

dimensions of cross-cultural adjustment (general adjustment, interaction adjustment

and adjustment to work), through a descriptive exploratory work developed under a

qualitative approach and semi-structured interviews with 13 Brazilian organizational

returnees intend to contribute to the literature by providing a content analysis in order

to elucidate the adaptation problems of the Brazilian returnee, after his return from

international assignment. This study was the first to point out how to reduce the

"reverse culture shock" through the tactics revealed by returnees recognized as

social actors in the process. It emphasizes this finding in the context of the

particularities of the Brazilian repatriation. In summary, this study identifies and

provides tactics for dealing with the problems of cultural adaptation such as urban

insecurity, cost of living, housing, mobility, bureaucracy, education, family

readjustment, resocialization, relations at work and with customers / suppliers. In

practical terms, this study offers ideas for human resource managers such as

establishing a plan of expatriation, where repatriation is a well-defined step,

structured and aligned with the tactics adopted by repatriated. The limitations of the

study highlight the research being done with returnees from countries more

developed than Brazil, and the cross-sectional nature of the sample, which did not

allow to analyzing how the tactics evolve over time.

Keywords: Cross-cultural adjustment. Reverse culture shock. Organizational

expatriate. International management of human resources. Repatriation.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Problemas e Táticas de Ajuste - Adaptação Geral ................................... 42

Quadro 2: Problemas e Táticas de Ajuste - Adaptação à interação .......................... 56

Quadro 3: Problemas e Táticas de Ajuste - Adaptação ao Trabalho ......................... 63

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 16

2.1 EXPATRIAÇÃO ................................................................................................... 16

2.2 REPATRIAÇÃO ................................................................................................... 24

2.3 CHOQUE CULTURAL REVERSO: UM DESAFIO PARA A REPATRIAÇÃO ..... 29

2.4 PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS DE APOIO À REPATRIAÇÃO ........................ 32

3 METODOLOGIA .................................................................................................... 37

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS ............................................................................. 40

4.1 ADAPTAÇÃO GERAL ......................................................................................... 40

4.2 ADAPTAÇÃO À INTERAÇÃO ............................................................................. 56

4.3 ADAPTAÇÃO AO TRABALHO ............................................................................ 62

5 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... 69

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 82

APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ...................... 86

Capítulo 1

1 INTRODUÇÃO

Em um cenário de internacionalização de empresas num mundo globalizado,

as organizações se preparam e se adéquam para atingir seus objetivos estratégicos

buscando cada vez mais um alto nível de competitividade. As organizações

brasileiras que atuam como exportadoras estão inseridas há várias décadas neste

cenário comercial, porém, o processo de internacionalização é bem contemporâneo.

Com resultados expressivos de mercado no Brasil as organizações começaram a

visualizar o cenário global o que resultou na busca imediata pela internacionalização

(ARAUJO et al., 2012b). Para viabilizar essas operações, muitas empresas elegeram

a prática da expatriação, cuja finalidade é de enviar profissionais para outro país no

exterior, um grupo especial denominado expatriado, em um período definido de

permanência, para uma função específica ou para atuarem na conquista de uma

meta (PELTOKORPI; FROESE, 2009). A expatriação é composta por várias etapas,

dentre as quais se encontram a repatriação, a fase de retorno do profissional de uma

designação internacional ao país onde atuava quando recebeu tal atribuição (VIDAL;

VALLE; ARAGÓN, 2007).

O processo de repatriação é o fechamento do ciclo de uma designação

internacional, sendo a última fase do processo de expatriação. A literatura destaca a

importância da gestão do processo de expatriação que deve ser diferenciada da

gestão local (HOMEM; TOLFO, 2008), o que inclui ressaltar que a recorrente

inobservância e negligência com o apoio organizacional durante a fase de

repatriação pode ocasionar resultados nefastos para o indivíduo e para a

organização (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007).

11

Ao término do período de expatriação inicia-se a fase de regresso ao país de

origem, e com ela novos desafios. Uma das dificuldades encontradas na expatriação

é a adaptação transcultural, considerada a espinha dorsal do processo, onde o

expatriado se depara com aspectos diferentes na cultura anfitriã que podem lhe

causar geração de incerteza e problemas de adaptação. Fato semelhante pode

também ocorrer na etapa da repatriação aonde, o repatriado e seus familiares irão

se deparar com outros aspectos de ajustamento, provenientes inclusive, de um

processo de aculturação. Estudos anteriores apontam que, durante o período da

designação internacional, como resultado de várias transformações que podem ter

ocorrido ao mesmo tempo ou em caráter individual no país de origem, na

organização de procedência, na sociedade, ou mesmo com o expatriado, e também

sua família, ao passar pelo processo de readaptação após o retorno, nesta etapa

podem surgir dificuldades conhecidas como “Choque Cultural Reverso”

(GREGERSEN; STROH, 1997; STROH; GREGERSEN; BLACK, 1998;

ANDREASON; KINNEER, 2005; VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007; 2008).

O “Choque Cultural Reverso-CCR” é frequentemente apontado na literatura

como causa principal de falha no processo de repatriação que, se for mal sucedida,

tende a levar ao desligamento do profissional da organização e uma possível

contratação do indivíduo por algum concorrente (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007), o

que por consequência geraria grandes perdas, tanto concernente ao capital

intelectual quanto às enormes expensas financeiras despendidas em todo o

transcurso. Como as organizações prodigalizam recursos em processos seletivos

longos e demorados, deslocam profissionais considerados executivos chave, e

investem num processo tão custoso e estratégico, torna-se clara a importância de

compreender mais explicitamente como sucede o processo de readaptação de

12

indivíduos repatriados (STROH; GREGERSEN; BLACK, 1998; SUUTARI;

BREWSTER, 2003; WITTIG-BERMAN; BEUTELL, 2009). Este é um assunto

relativamente novo para as organizações brasileiras que, devido à sua recente

abertura à internacionalização (ARAUJO et al., 2012b), ainda precisam compreender

melhor como o expatriado brasileiro lida com o processo de reintegração ao

ambiente brasileiro.

O campo de pesquisa sobre repatriação proporciona aberturas para o

desenvolvimento. É uma teoria em evolução, sem respostas homogêneas de como

minimizar o CCR, com menor atenção dos acadêmicos e práticos, apesar do

aumento de repatriações ao Brasil. O foco da literatura de repatriação se apresenta

em estudos feitos com repatriados americanos e ingleses (GREGERSEN; STROH,

1997; STROH; GREGERSEN; BLACK, 1998; 2000; LAZAROVA; CALIGIURI, 2001;

KRAIMER; SHAFFER; BOLINO, 2009; PELTOKORPI; FROESE, 2009), franceses e

alemães (PELTOKORPI; FROESE, 2009), tendo sido posteriormente estendido para

outros países como Finlândia (SUUTARI; BREWSTER, 2003; MAKELA;

BREWSTER, 2009), Japão (GREGERSEN; BLACK, 1996; STEVENS et al., 2006;

HERMAN; TETRICK, 2009), Austrália (CHEW; DEBOWSKI, 2008; CIERI et al.,

2009; THARENOU; CAULFIELD, 2010) e Espanha (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007;

2008), por exemplo. No Brasil, detectou-se escassa literatura publicada até o

momento. Algumas exceções foram identificadas nos estudos de Vianna e Souza

(2009) e Lima e Braga (2010).

A literatura internacional destaca a importância da Adaptação Transcultural no

contexto da expatriação (PELTOKORPI; FROESE, 2009) e a necessidade de se

minimizar o CCR, causador de prejuízos e falhas nos processos de repatriação das

organizações (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007). Torna-se imprescindível encontrar

13

respostas de como lidar com os problemas de readaptação e oferecer subsídios

para se melhorar a gestão da repatriação. Diante de tal magnitude, a academia

demanda estudos exclusivos sobre os entraves na adaptação de repatriados

brasileiros, um contexto ainda pouco explorado. Em razão desta pequena

abrangência de estudos desenvolvidos no domínio brasileiro e dado o crescente

número de repatriações ao Brasil (BROOKFIELD..., 2012), busca-se ampliar

respostas no campo acadêmico de repatriação, no sentido de melhor compreender

como reduzir o choque cultural reverso no contexto aqui discutido. Sendo assim, o

problema de pesquisa que se apresenta é: como repatriados brasileiros lidam com a

readaptação transcultural após o retorno de uma designação internacional? Diante

dessa conjuntura, este estudo estabeleceu como objetivo: a) analisar os problemas

de readaptação enfrentados por repatriados brasileiros; b) identificar as táticas que

estes indivíduos utilizam na minimização destes problemas.

As evidências empíricas da pesquisa revelam nas três dimensões de

adaptação transcultural (adaptação geral, à interação e ao trabalho) de Black et al.

(1991) que, repatriados advindos de países mais desenvolvidos que o Brasil são

passíveis de problemas de readaptação. A “Insegurança urbana”, o “Alto custo de

vida”, “Opções inadequadas de moradia”, “Dificuldades com a alimentação”,

“Restrições de mobilidade”, “Rejeição à burocracia”, “Desajuste ao sistema de

educação”, “Falta de readaptação da família”, “Dificuldade de reconstruir laços

sociais”, “Rejeição a brasileiros”, “Relutância à ressocialização”, “Problemas na

relação com colegas de trabalho”, “Dificuldades na relação com superiores”,

“Problemas na relação com clientes/fornecedores” são entraves enfrentados pelos

entrevistados no retorno de uma designação internacional. Diante de tais problemas,

os repatriados utilizam-se de táticas para minimizá-los tais como “Adotando

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aparência modesta em público”, “Importando”, “Alugando moradia temporária”,

“Mantendo hábitos alimentares do exterior”, “Residindo próximo ao trabalho”,

“Buscando apoio de repatriados”, “Negociando datas conciliadoras para o retorno”,

“Orientando a família”, “Reproduzindo vínculos do exterior”, “Adotando estilo de

gestão flexível”, “Reajustando-se à hierarquia” e “Reconquistando clientes”.

Identificados os problemas e as estratégias utilizadas, sugere-se que estes façam

parte de um plano de expatriação cuja etapa da repatriação contemple treinamento

específico, orientação e apoio consultivo especializado a fim de prover a

organização de recursos para uma boa gestão de expatriados.

Por meio de um trabalho exploratório-descritivo, desenvolvido sob uma

abordagem qualitativa e realização de entrevistas semiestruturadas com 13

repatriados organizacionais brasileiros, com no mínimo um ano de experiência no

exterior, que retornaram de designações internacionais da Alemanha, Austrália,

Bélgica, China, França, Holanda e Inglaterra, procurou-se contribuir para a literatura

ao propiciar uma análise de conteúdo com o propósito de elucidar os problemas de

adaptação do repatriado brasileiro, após seu retorno de uma designação

internacional. Espera-se que essa análise some-se aos resultados já encontrados na

literatura existente, após ter revelado particularidades do âmbito brasileiro em tal

processo. Em termos práticos, através de um plano de expatriação de longo prazo,

cujo teor contempla a fase de repatriação que precisa ser bem definida, estruturada

e alinhada com todo o processo de expatriação, incorporada com práticas de

acomodação imediata, aluguel temporário com recursos para inibir a insegurança

urbana, disponibilização de imóvel mobiliado, apoio consultivo especializado em

tributação e despachante, serviços de relocação, de psicólogo ou terapia familiar,

pagamento de escola internacional, aulas de português para os filhos no estrangeiro

15

e após o retorno, programa de saúde financeira, viabilização de “workshops” e

seminários, propostas de treinamento e critério adicional de recrutamento e seleção,

tencionou-se colaborar com ideias para gestores de recursos humanos do cenário

internacional a respeito de como melhor conduzir o processo de readaptação de

expatriados ao Brasil.

Este estudo se inicia com uma revisão da literatura de expatriação e que inclui

sua fase de repatriação, discorre sobre o processo de adaptação e práticas

organizacionais. Posteriormente, foram descritas a metodologia empregada na

pesquisa, análise e discussão dos resultados. O estudo finaliza com a apresentação

das conclusões, limitações da pesquisa e recomendações para gestores e estudos

futuros.

Capítulo 2

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 EXPATRIAÇÃO

Diante da globalização da economia e o aumento da internacionalização das

empresas, o fluxo de mobilidade nas designações internacionais ascendeu

vertiginosamente (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007). O processo nas organizações

de enviar um empregado, de seu local de origem, para um novo país de destino, a

fim de cumprir uma designação internacional por um período de tempo determinado

é chamado de expatriação sendo estes empregados denominados expatriados

organizacionais. Caligiuri (2000) define os expatriados organizacionais como sendo

empregados designados por uma organização internacional, para executar uma

atividade profissional em um país estrangeiro e ali habitar e viver, cumprindo uma

atribuição internacional, que pode ser de dois anos ou se estender por um período

maior. Peltokorpi e Froese (2009) estipulam a designação oscilando de seis meses a

cinco anos, dentro de um espaço de tempo estabelecido antecipadamente. A

diferença no posicionamento desses autores reflete a falta de consenso na literatura

em relação à duração da atribuição (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007).

Dentro desta categoria de trabalhadores internacionais existe outro tipo,

caracterizado como expatriados voluntários, referindo-se a indivíduos que exercem

atividades profissionais no exterior, inserido numa relação de emprego regular, mas

que por motivos particulares e por autodeterminação, sem estar vinculado a uma

atribuição internacional patrocinada por uma empresa, se deslocaram para um país

estrangeiro (ARAUJO et al., 2012a). Neste estudo, no entanto, será considerado

17

apenas o grupo de expatriados organizacionais, uma vez que se concebe o

interesse em estudar como as empresas podem ser precisas na adoção de práticas

que facilitem o processo de readaptação de expatriados ao Brasil. Como expatriados

voluntários retornam ao país de origem geralmente por conta própria, e não com o

apoio de uma organização (PELTOKORPI; FROESE, 2009), a proposta do estudo

pode ser mais expressiva mediante uma ênfase na expatriação organizacional. Ao

término do período atribuído à designação, ocorre o retorno destes profissionais em

um processo chamado de repatriação, uma etapa da expatriação que tratará de

todas as particularidades da volta do repatriado e seus familiares, bem como dos

reflexos que impactam o ajustamento dos envolvidos no país de origem, em todas

as dimensões da adaptação. Este estágio será explorado com mais detalhes no

próximo tópico desta revisão da literatura.

De acordo com a literatura, há uma série de motivos para se expatriar um

empregado, a partir de um interesse da empresa, levando-se em conta seus

objetivos e metas para tal atribuição e considerando o interesse e a inclinação do

empregado em participar de uma designação internacional. Criar e transferir

vantagem competitiva no país de origem para suas unidades no estrangeiro, gerir o

conhecimento e desenvolver lideranças globais são as razões que levam uma

organização a enviar empregados para uma designação no exterior (VIANNA;

SOUZA, 2009). Conforme Kraimer, Shaffer e Bolino (2009), profissionais que

possuem habilidades, capacidades e competências de gestão no cenário global,

capazes de conciliar a heterogeneidade humana e cultural, cada vez mais se tornam

uma mão de obra escassa e crítica para a competitividade das empresas. Para o

expatriado, uma atribuição internacional pode ser traduzida como um grande

incremento no desenvolvimento de sua carreira, bem como a aquisição de um nível

18

de conhecimento diferenciado, valorizado pelo mercado, para sua progressão

pessoal, bem como o ensejo de vivenciar outra cultura, de conhecer novos

costumes, lugares e idiomas. Segundo Vianna e Souza (2009), as organizações que

procuram a internacionalização necessitam de profissionais com capacidades e

competências, que atendam ao requisito de atuação em um ambiente de alta

complexidade e que exige expertises adequadas para exercer a gestão de pessoas

em nível local. Homem e Tolfo (2008) afirmam que, para que as organizações sejam

ampliadas e tenham um desenvolvimento global além das suas divisas geográficas é

indispensável obter êxito nas atribuições internacionais de profissionais expatriados.

Entre as dificuldades encontradas na expatriação destaca-se a adaptação

transcultural, fundamental na designação internacional e considerada a espinha

dorsal deste processo. É um estágio que abrange também aqueles que

acompanham e participam com o expatriado da atribuição, normalmente, a família

(PEREIRA; PIMENTEL; KATO, 2005; ANDREASON, 2008). Ao deixar seu país de

origem e viajar para outro país de destino, o expatriado vai se deparar com vários

aspectos diferentes na cultura anfitriã que geram a criação de incerteza e podem

interferir no ajustamento local (CLAUS; LUNGU; BHATTACHARJEE, 2011; ARAUJO

et al., 2012b). Estudos anteriores avaliaram o processo da adaptação transcultural

na expatriação, tais como os de Black (1988), Black, Mendenhall e Oddou (1991), e

outros mais recentes como Peltokorpi e Froese (2009), Ramalu et al. (2010), Pan

(2011), Caligiuri e Tarique (2012). No Brasil, podem-se encontrar alguns estudos

que exploram a adaptação transcultural de brasileiros no exterior e de estrangeiros

no Brasil, como os de Pereira, Pimentel e Kato (2005), Araújo et al. (2012a; 2012b) e

Araújo et al. (2013). As pesquisas relatam as dificuldades encontradas no cotidiano,

com a alimentação, transporte, lazer, clima, e no ambiente geral da cultura do país

19

anfitrião. Diversos fatores são identificados como a insatisfação com o trabalho e o

reflexo no desempenho, aspectos organizacionais, relacionamento com pares,

subordinados e supervisores, e também outras dificuldades na socialização, como a

interação com habitantes locais fora do contexto de trabalho. Estes estudos

nacionais e internacionais descrevem o desconforto, o abalo, as consequências que

os expatriados e familiares podem sentir e sofrer ao longo de uma atribuição

internacional, as táticas e métodos encontrados para minimizar os impactos de uma

adaptação transcultural. Como resultados das pesquisas são propostos novos

modelos e avaliações das dimensões da adaptação transcultural que servem de

embasamento para o desenvolvimento contínuo da literatura.

A literatura relata alguns modelos que descrevem as fases do processo de

adaptação de um expatriado a uma nova cultura, dentre eles a teoria da curva em U

(U-Curve Theory of Adjustment – UCT). A concepção desta teoria se deu através

das pesquisas de Lysgaard (1955) apud Black e Mendenhall (1991) que

acompanhou diversos grupos de estudantes da Noruega permanecendo por

variados períodos nos Estados Unidos. Neste modelo, a adaptação é vista como um

fenômeno unitário percebido pelo expatriado no ambiente geral.

Conforme salientado por Black e Mendenhall (1991), a teoria da curva em U

divide o processo de adaptação em quatro fases distintas: a primeira é a Fase da

Lua de mel que se refere ao encanto e sedução inicial que a nova cultura produz no

indivíduo e diz respeito ao momento em que ele está fascinado pelos sons e

imagens encantadoras na cultura com a qual começa a interagir. Esta paixão cultural

é seguida pela segunda fase da Desilusão ou Choque Cultural, etapa em que

aparecem os desencantos culminados com episódios frustrantes e desafiadores,

onde o indivíduo deve lidar seriamente com os problemas e com a aspereza da vida

20

no cotidiano na cultura de destino. A terceira é a Fase de Ajustamento, que se

caracteriza pela adaptação que caminha passo a passo, ocasião em que o indivíduo

incorpora padrões e comportamentos da nova cultura, familiariza-se com os hábitos

e consegue tramitar melhor e de forma mais tranquila no ambiente do país de

acolhimento. A quarta e última etapa é a Fase de Domínio, onde a familiarização e

intimidade com o entorno ocorre de forma plena e suave produzindo incrementos

que são incorporados na interação do indivíduo com o novo ambiente transmitindo-

lhe confiança, e sua capacidade de atuar se torna eficaz minimizando, ou mesmo,

eliminando a tensão outrora muito presente no início da adaptação. A figura 1

sintetiza o modelo da UCT de Lysgaard (1955) apud Black e Mendenhall (1991).

Figura 1: A Curva em U de adaptação do Expatriado Fonte: González e Oliveira (2011, p. 1124).

Com a evolução das pesquisas a adaptação passou a ser vista como um

conceito multifacetado que, segundo Selmer (2001), não é um simples fato de se

adaptar psicologicamente, mas é o reflexo de uma contínua interação em várias

21

dimensões da adaptação, onde o indivíduo precisa estar habilitado para administrar

conflitos e saber fazer escolhas na nova cultura estrangeira.

Black (1988) define adaptação transcultural como o grau no qual o indivíduo

está psicologicamente íntimo e com uma sensação interior de bem estar, motivado

por inúmeros aspectos e formatos de um local totalmente novo e desconhecido.

Segundo Takeuchi et al., (2005), esta conceituação é definida pelo grau de

dificuldade ou facilidade, que os indivíduos demonstram ao se relacionar com o novo

ambiente cultural, e o reflexo que esta relação tem no seu estado de conforto.

Adaptação transcultural requer redução de incerteza, aliviando a tensão e ansiedade

produzidas pela mudança, através da qual o expatriado pode se sentir mais

familiarizado e melhor ambientado. Expatriados têm a propriedade e a capacidade

de diminuir as incertezas ao imitar e/ou assimilar comportamentos condizentes com

a nova cultura (PELTOKORPI; FROESE, 2009). Black (1988), dentro da perspectiva

de adaptação transcultural, descreve três aspectos ou dimensões de adaptação:

Adaptação ao trabalho, cujo desafio é o ajuste do relacionamento com lideranças e

parceiros profissionais do exterior bem como aos novos valores organizacionais,

padrões do trabalho e suas configurações. A interação com locais se traduz na

socialização, no convívio com pessoas, fora do ambiente de trabalho. E a adaptação

geral à cultura estrangeira que é compreendida por aspectos alimentares, hábitos,

lazer, compras, clima e temperatura, transportes e particularidades da vida em geral

no país anfitrião.

O estudo de Black, Mendenhall e Oddou (1991) propôs um modelo de

adaptação internacional focando em fatores que influenciam estas três dimensões, e

classificando-os em duas categorias: adaptação antecipada e adaptação no país

anfitrião. A primeira tem um impacto relevante de fatores antecipatórios individuais e

22

requer um treinamento prévio para filtrar expectativas, motivações e avaliar a

experiência no âmbito internacional. A segunda, diz respeito à adaptação local à

nova cultura no país anfitrião. Shaffer, Harrison e Gilley (1999) ampliaram este

modelo e testaram outros aspectos como fatores de trabalho, fatores

organizacionais, fatores de ocupação de cargo, fatores de interação social e fatores

individuais no quesito de adaptação local. Os resultados da pesquisa confirmaram

as proposições de Black et al. (1991) de que muitos fatores são de fato indicadores

de adaptação.

Existem facilitadores cuja contribuição pode ser de grande valia no sucesso

da expatriação melhorando e acelerando a fase de adaptação do expatriado.

Segundo Araujo et al. (2012b), valores pessoais são citados como predecessores da

adaptação transcultural, pois, são impulsionadores e motivadores das ações e

atitudes. A abertura a mudanças denota flexibilidade e isto possibilita maior

facilidade à adaptação geral e ao relacionamento com locais. Dentro da

característica pessoal do expatriado, a sua personalidade é um indicador confiável

na avaliação do desempenho do cargo bem como do seu modo de atuar no

ambiente de trabalho. Este quesito explicará suas atitudes levando-se em conta que,

indivíduos com grande abertura para novas experiências têm mente aberta, são na

sua essência originais e perceptivos na maneira de pensar; portam-se

inteligentemente, têm boa capacidade de imaginação e posturas imparciais na forma

de julgamento (CALIGIURI, 2000; RAMALU et al., 2010), sendo consequentemente,

receptivos e sensíveis aos elementos da nova cultura. Indivíduos que se expõem a

riscos são mais flexíveis, maleáveis e imbuídos de forte ambição, sendo desta

forma, caracterizados como candidatos que possuem aspectos facilitadores para a

adaptação profissional (VIANNA; SOUZA, 2009). Destaquem-se também outros

23

fatores individuais como sensibilidade cultural, habilidades na língua do destino, uma

boa experiência prévia internacional, utilização de contatos nas redes sociais os

quais promovem contribuições e facilitam bastante o ajustamento cultural (CLAUS;

LUNGU; BHATTACHARJEE; 2011).

Os estudos e pesquisas acadêmicas apontam a família, e de uma forma

especial, o cônjuge, como agente substancial no processo de adaptação no que

tange a atividades fora da organização (PEREIRA; PIMENTEL; KATO, 2005;

ANDREASON, 2008). O cônjuge precisa proativamente buscar se inferir na cultura

anfitriã considerando seus interesses pessoais, e possuir um nível de tolerância na

medida certa, para sujeitar o período da designação organizacional (Black, 1988).

Caso o cônjuge busque oportunidades no mercado de trabalho ou venha a se

envolver em atividades sociais com a comunidade, a adaptação tende a ser muito

mais fluida e menos tensa, corroborando para melhorar o período dispensado na

atribuição internacional (VIANNA; SOUZA, 2009).

Fatores organizacionais tendem a promover o processo de adaptação.

Conforme Homem e Tolfo (2008), gestão de pessoas, critérios de recrutamento e

seleção, o pacote de remuneração juntamente com os benefícios para o local de

destino, treinamento transcultural prévio e de idioma, o apoio para a família e o

social e outros mais são práticas Internacionais de Recursos Humanos que podem

contribuir para uma atribuição no estrangeiro.

Fatores de trabalho também são fomentadores de influência na adaptação.

De acordo com Andreason e Kinneer (2005), indivíduos em designações em um país

estrangeiro costumam usufruir de uma medida mais robusta de responsabilidade e

autonomia no trabalho, o que lhes garante certa independência e um maior nível de

status social. Expatriados ocidentais têm como características pessoais dar valor

24

para uma comunicação aberta e translúcida, para a prestação de contas individual,

para o reconhecimento das expectativas de desempenho de forma clara bem como

para o retorno da sua atuação e envolvimento (PELTOKORPI; FROESE, 2009). A

oportunidade do avanço e desenvolvimento na carreira também é bem vista pelo

expatriado para aceitar uma designação no estrangeiro contribuindo para sua

adaptação (SUUTARI; BREWSTER, 2003).

2.2 REPATRIAÇÃO

Em decorrência da vertiginosa ascendência de expatriações nos últimos anos,

o volume de repatriações também aumenta à medida que ocorre o término das

designações internacionais (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007). A literatura sobre

Repatriação ainda está em evolução e vem apresentando estudos em vários países

como os Estados Unidos e Reino Unido (LAZAROVA; CALIGIURI, 2001), Finlândia

(SUUTARI; BREWSTER, 2003), Japão (STEVENS et al., 2006), Austrália (CIERI et

al., 2009), Espanha (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007; 2008) e outros mais. Porém

no Brasil, poucos estudos foram localizados, carecendo de um aprofundamento na

literatura de Repatriação no contexto brasileiro (VIANNA; SOUZA, 2009; LIMA;

BRAGA, 2010).

Nesta fase específica da repatriação ocorre o fechamento do ciclo de uma

designação, com a volta do expatriado para a empresa no país de origem depois de

cumprir uma atribuição internacional no exterior (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007).

Lazarova e Caligiuri (2001) não descrevem expatriação e repatriação como se cada

um fosse um processo separado, mas entendem a expatriação como o início e a

repatriação como o final de um mesmo processo. Para Begley, Collings, e Scullion

(2008) é mister que se complete de forma integralizada o ciclo de investigação

25

Expatriação-Repatriação para que se tenha uma visão plena e sistêmica do

conjunto. É preciso dar um encadeamento às etapas de forma sequencial – da

seleção até a repatriação – integrada e aderente com os objetivos estratégicos da

organização. É primordial que indivíduos e organizações fiquem alertas no tocante

ao êxito da expatriação, o que possibilitará alcançar maior abrangência de sucesso

efetivo na etapa da repatriação (CERDIN; PARGNEUX, 2009). De acordo com

Wittig-Berman e Beutell (2009), a repatriação é identificada como a volta para o

ambiente de origem após um período determinado da atribuição no exterior. Esses

autores diagnosticam esta fase da designação internacional não só como a que

recebe menos atenção dos acadêmicos e práticos, mas também a mais crítica para

a carreira do expatriado e para o programa de expatriação como um todo de uma

empresa. Para isto, é fundamental desenvolver uma estratégia duradoura e profícua

de repatriação para as organizações (CHEW; DEBOWSKI, 2008).

Uma gestão de repatriação adequada e bem estruturada é um elemento

chave para organizações com atribuições internacionais. Segundo Vidal, Valle e

Aragón (2007), se empregados da organização de origem observam falhas na

adaptação de repatriados e que as expatriações não refletem valor do ponto de vista

do desenvolvimento de carreira, então a disposição destes trabalhadores irá diminuir

em relação a uma atribuição internacional e poderia reduzir a perspectiva de

internacionalização da empresa. De maneira clara, a literatura reconhece que a

gestão da organização local deve ser diferenciada da gestão internacional (HOMEM;

TOLFO, 2008). Kraimer, Shaffer e Bolino (2009) destacam a criticidade da

desafiadora etapa de repatriação e como ela é importante para o êxito do ciclo

completo da atribuição internacional que iniciou com a expatriação. As organizações

carecem, na sua maioria, de um planejamento aprimorado de longo prazo e mais

26

cuidadoso de suas atribuições internacionais, com critérios, regras e procedimentos

claros e bem definidos. A fase de repatriação, que geralmente não é prevista neste

plano, precisa estar bem definida, estruturada e alinhada compondo o escopo de

todo o processo de expatriação (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007). Normalmente, um

ou dois anos depois do regresso profissionais repatriados em virtude de uma gestão

deficiente, deixam a organização à procura de novos postos e oportunidades

laborais, cooperando neste sentido para um percentual de falha relevante nos

processos de repatriação (LAZAROVA; CALIGIURI, 2001).

Repatriados são considerados indivíduos estratégicos, por terem adquirido

uma experiência internacional de grande valor, que poderá ser usada na

organização objetivando ser mais competitiva numa escala global (STROH;

GREGERSEN; BLACK, 2000; LAZAROVA; CALIGIURI, 2001). O conhecimento de

mercados estrangeiros e suas nuances, clientes e fornecedores locais, fluência na

língua de contato, flexibilidade e uma adaptabilidade maior são alguns dos vários

elementos que compõem esta experiência única (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007).

Repatriados têm um papel significativo e incontestável na propagação e ingerência

da gestão do conhecimento organizacional, pois, através deles é possível acelerar

com eficácia a velocidade da transferência de conhecimento entre a sede da

organização e suas subsidiárias (CERDIN; PARGNEUX, 2009).

Todo o capital intelectual apreendido no novo país é reconhecido como ativo

crítico de valor das organizações internacionais, e por indução, espera-se que o

profissional tenha aptidão, esmero e perícia para liderar no intuito de propagar os

conhecimentos mediante o seu empenho, desvelo e comprometimento com toda a

equipe no seu ambiente de trabalho de origem, corroborando para o fomento da

competitividade (LAZAROVA; CALIGIURI, 2001). Observa-se ainda que, a

27

organização almeja que o repatriado seja capaz de assumir maiores

responsabilidades para alavancar e adicionar maior valor ao negócio. A organização

espera que o esforço de seu investimento na atribuição internacional possa ser

revertido em resultados factíveis e significativos, que gerem retorno dos vários

recursos aplicados e um incremento favorável na sua vantagem competitiva.

Considerando este panorama, a retenção de repatriados dentro da

organização é um ativo de grande valor, cuja permanência suporta a estratégia de

controle da empresa de baixar os custos e ampliar sua projeção no mercado global

(VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007). É preciso ter uma análise esmerada e bem

direcionada nas políticas e práticas globalizadas de Recursos Humanos, a fim de

que a repatriação funcione como um processo integrado na visão sistêmica. Nesse

sentido, ela poderá ser uma prática que contribui para a prospecção internacional da

empresa, de maneira a superar todo tipo de ruptura entendendo que esta etapa é

um importante e habilidoso instrumento de retenção de talentos para a organização

(LAZAROVA; CALIGIURI, 2001; STROH; GREGERSEN; BLACK, 1998).

Alguns fatores podem interferir na etapa de repatriação, quando estes

profissionais retornarão ao país de origem. Andreason e Kinneer (2005) citam

problemas de readaptação pessoal causados por fatores como mudança na

autonomia e responsabilidade na função, perda do pacote diferenciado de

remuneração e benefícios, perda de status no âmbito da organização bem como

queda de influência na comunidade, uma vez que era comum a família transitar na

elite econômica e social. Além disso, estes expatriados e suas famílias mudaram,

alteraram a personalidade, assumiram valores, atitudes, hábitos da cultura anfitriã de

forma que se torna difícil readaptá-los à sua cultura de origem. Em resumo,

28

repatriados, família, organização, comunidade, a nação, muita coisa pode ter

mudado (STROH; GREGERSEN; BLACK, 2000).

Segundo Gregersen e Stroh (1997), a adaptação transcultural é multifacetada

tanto na expatriação quanto na repatriação. As dificuldades na adaptação geral são

proeminentes especialmente quando a experiência internacional acontece em

países que estão em estágios mais avançados de desenvolvimento que o Brasil. O

regresso ao país torna-se estranho, percebe-se uma diferença nos fatos

concernentes às questões sociais, econômicas e políticas, bem como de

infraestrutura e segurança (VIANNA; SOUZA, 2009). Segundo Araujo et al. (2012a),

a burocracia é a marca registrada brasileira no quesito de alcançar retornos

imediatos e positivos para soluções de problemas. O ambiente brasileiro gera muitas

dificuldades nas obrigações diárias. O pesquisador cita que para os mais simples e

habituais processos do dia a dia existem normas em número abusivo que acabam

criando resistência para um bom atendimento e fornecimento de serviços de

qualidade, o que provoca lentidão nas soluções de problemas e gera inquietação,

travando todo o processo de adaptação.

Para alguns executivos, a fase de ajustamento é muito difícil e complicada.

Diante de inúmeras dificuldades, a alternativa passa a ser procurar por uma nova

colocação no mercado de trabalho, muitas vezes no próprio concorrente do negócio

(STROH; GREGERSEN; BLACK, 2000). O Choque Cultural Reverso é a

terminologia usada para caracterizar os problemas associados com o processo de

repatriação, o qual inclui as dificuldades no ajustamento ao novo trabalho, à nova

organização e às condições dos aspectos da vida em geral (VIDAL; VALLE;

ARAGÓN, 2007). Tal impacto é descrito no próximo tópico.

29

2.3 CHOQUE CULTURAL REVERSO: UM DESAFIO PARA A REPATRIAÇÃO

Ao término de uma designação internacional tem-se o fechamento do ciclo

completo do processo com o estágio da repatriação, que é a fase em que o

expatriado regressa finalmente, ao seu país de origem. Para Zikic (2006), o

processo da repatriação já começa a acontecer de fato, desde o momento exato que

se define o término da atribuição, dando sequência e andamento aos preparativos

para o regresso ao país de origem. Esta fase alcançará um nível de criticidade nos

primeiros meses em que o repatriado volta e começa sua socialização na

organização que o expatriou. Algo que pode ser totalmente enganoso e tendencioso

é ter a intuição de que o retorno ao país de origem é algo tranquilo e fácil de

assimilar, uma vez que o repatriado volta para um ambiente e cultura que sempre

lhe foram peculiares (STROH; GREGERSEN; BLACK, 2000; ANDREASON;

KINNEER, 2005).

Na repatriação pode ocorrer este tipo de julgamento e, consequentemente, o

processo ser totalmente negligenciado. O que não é percebido é que muitas vezes o

cenário nacional do país de origem pode ter sido alterado, a sociedade e os hábitos

sofridos ajustamentos, a família e os amigos mudados de contexto, e o próprio grupo

que retorna já comporta um perfil de características totalmente transformado pela

cultura do exterior (GREGERSEN; STROH, 1997; ANDREASON; KINNEER, 2005).

Viana e Souza (2009) relatam a sensação que o repatriado tem quando ele se

percebe como um verdadeiro estranho na sua própria terra quando retorna de

30

países que são bem mais modernizados que o país da origem. A literatura mostra

que o repatriado pode ficar chocado com o clima, com os hábitos e costumes devido

a sua mudança de atitude durante a expatriação sentindo-se como um verdadeiro

estrangeiro em sua própria terra natal (GREGERSEN; STROH, 1997). Em resumo,

quando repatriados retornam ao seu país de origem, eles mudaram, a organização

mudou e sua comunidade também foi transformada (STROH; GREGERSEN;

BLACK, 1998). Esta diversidade de mudanças pode gerar o “Choque Cultural

Reverso (CCR)”, identificado na literatura como causador principal de problemas na

repatriação (GREGERSEN; STROH, 1997; STROH; GREGERSEN; BLACK, 2000;

ANDREASON; KINNEER, 2005; THARENOU; CAULFIELD, 2010). O Choque

Cultural Reverso é a nomenclatura utilizada para caracterizar os problemas

associados com o processo de repatriação, o qual inclui as dificuldades no

ajustamento ao novo trabalho, à nova organização e às condições dos aspectos da

vida em geral (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2007).

Um choque é um evento surpresa, impreciso, marcante e particular que

desencadeia e fomenta uma análise psicológica do próprio indivíduo impelindo-o a

uma tomada de decisão de deixar o emprego (THARENOU; CAULFIELD, 2010). A

repatriação tem sido neste sentido, negligenciada pela empresa e menos lembrada

pela literatura acadêmica podendo causar o desligamento voluntário do repatriado

da organização (STROH; GREGERSEN; BLACK, 1998; 2000; VIDAL; VALLE;

ARAGÓN, 2007). Esta movimentação acarreta custos diretos expressivos e danosos

para a organização, que investiu alto naquele empregado e necessita substituir

executivos com vivência internacional e vasta experiência corporativa. Custos

substanciais indiretos também são assumidos quando repatriados levam consigo no

seu portfólio de carreira, importante conhecimento de mercado, uma relação de

31

proximidade com clientes no país anfitrião e habilidades internacionais de valor

estratégico (GREGERSEN; BLACK, 1996). Além disso, a perda de um proficiente

empregado internacional tipicamente se traduz em fornecer vantagem ao competidor

direto, conquanto seja provável que repatriados busquem trabalho nestas empresas,

fornecendo desta maneira ao oponente um valioso ativo humano. Agregado a esta

perda financeira virá também, a perda do capital intelectual e social na transmissão

de conhecimento, bem como interferência nas futuras expatriações (STROH;

GREGERSEN; BLACK, 1998; 2000; LAZAROVA; CALIGIURI, 2001).

O retorno ao país de origem pode gerar um sentimento de desapontamento

social devido à perda de status social e autoestima resultado da queda no padrão de

vida. A perda de vantagens, somadas aos benefícios existentes no período da

expatriação reflete no momento da readaptação (ANDREASON; KINNEER, 2005).

Observa-se que faltar com um planejamento adequado de carreira alimenta e

reforça o impacto deste choque (SUUTARI; BREWSTER, 2003). Voltar, pois, para o

local de origem, não tem sido retratado nos estudos científicos como sendo uma

experiência simples de ser gerenciada. Wittig-Berman e Beutell (2009) afirmam que,

os anos de experiência adquiridos no trabalho no decorrer da atribuição

internacional tendem a ser ignorados pela organização e acabam sendo mais um

obstáculo da progressão de carreira do que um facilitador. Assim, tem se observado

também que possibilitar ao repatriado o desenvolvimento na carreira no retorno ao

país de origem é um fator de contribuição para a adaptação (VIANNA; SOUZA,

2009). Os indivíduos que mais se enquadram e se adaptam na cultura do país

anfitrião podem encontrar mais dificuldade na readaptação quando retornam ao local

de origem. Suutari e Brewster (2003) ratificam esta afirmação ao dizer que,

profissionais são psicologicamente mais aptos e recebem uma melhor preparação

32

para lidar com questões inesperadas na expatriação do que na repatriação. Isto

aguça o aspecto motivacional para o âmbito negativo uma vez que na repatriação

podem ocorrer alterações de fato, relevantes no aspecto profissional.

Na dimensão de adaptação ao trabalho relata-se o conflito de papéis, devido

à incongruência de normas, regras, mal entendidos, procedimentos de trabalho

ineficientes ou ausência de recursos, sendo alimentada com a falta de transparência

e clareza, não legitimação da autoridade, redução de responsabilidade e decréscimo

na autonomia do cargo (ANDREASON; KINNEER, 2005; VIDAL; VALLE; ARAGÓN,

2007; 2008). Em relação à interação com locais na origem falta uma intensificação

de contato, tanto para o expatriado, e na mesma medida ou mais, quanto para a

família durante a designação, a fim de minimizar este tipo de impacto no estágio de

readaptação (GREGERSEN; STROH, 1997).

Reduzir o Choque Cultural Reverso é um grande desafio na repatriação. De

acordo com Vidal, Valle e Aragón (2007), garantir a uniformização da cultura

organizacional entre a matriz e suas subsidiárias parece ser um fator minimizador de

influência na adaptação do repatriado ao trabalho. Isto fica bem claro quando se

comparam unidades organizacionais no estrangeiro, que podem ser mais inovadoras

e modernas, do que a matriz no país de origem, cuja cultura está mais defasada.

Diante desta instigação, algumas práticas da Gestão Internacional de Recursos

Humanos (GIRH) são apontadas na literatura como possíveis minimizadores do

CCR.

2.4 PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS DE APOIO À REPATRIAÇÃO

Um dos desafios da GIRH é estabelecer práticas de suporte adequadas para

repatriados, de maneira a ajudá-los se adequarem ao contexto de uma missão

33

internacional (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2008). O processo de repatriação demanda

um planejamento bem definido e estruturado de carreira, suportado pela adoção de

um modelo globalizado (WITTIG-BERMAN; BEUTELL, 2009). A literatura enfatiza

que, para mitigar o problema de oportunidades de carreira que são bem limitadas

para repatriados, as organizações usam tradicionalmente várias abordagens (Ex.:

preparar o expatriado psicologicamente e emocionalmente para enfrentar os

entraves do retorno, disponibilizar uma posição com o devido escopo na estrutura

organizacional onde possam se encaixar e focar em sua gestão de carreira) como

solução viável (SUUTARI; BREWSTER, 2003; WITTIG-BERMAN; BEUTELL, 2009;

HERMAN; TETRICK, 2009; KRAIMER; SHAFFER; BOLINO, 2009).

A repatriação é uma ponte para a progressão de carreira (HERMAN;

TETRICK, 2009). Vidal, Valle e Aragón (2007) afirmam que, repatriados são

cônscios de que adquiriram uma ótima evolução na experiência pessoal e

profissional durante a atribuição. Por esta razão, existe o desejo do reconhecimento

e valorização pela organização e, da ocasião favorável de aplicar o conhecimento

robustecido pela vivência no exterior. Em caso negativo, este fato poderá gerar a

insatisfação. Por isso, diante da crescente importância da carreira sem fronteiras e

dependendo da forma como a empresa atende a expectativa de carreira deste

repatriado, esta poderá produzir um efeito de incliná-lo ou não ao desligamento da

organização.

O mercado global demanda elevados níveis de inteligência cultural, e os

indivíduos que buscam esta carreira devem gerenciar com propriedade suas

experiências, para, tanto se tornarem quanto permanecerem competitivos

(HERMAN; TETRICK, 2009). Vidal, Valle e Aragón (2008) afirmam que a satisfação

do repatriado com o processo de repatriação é diretamente proporcional à

34

funcionalidade das práticas organizacionais, subsidiadas por Recursos Humanos

que estão sendo executadas na organização, e salienta nesse sentido, o papel

estratégico que elas têm no sucesso do processo de repatriação. Na visão de

Lazarova e Caligiuri (2001), a questão chave é a avaliação que o repatriado faz

sobre as práticas de RH, sobre o nível e grau de atendimento que elas terão sobre

suas necessidades reais. A qualidade do suporte da organização na sua visão

subjetiva é que determinará seu nível de aliança com a organização, o que vai

diretamente fomentar a real permanência ou não do repatriado na empresa.

Vidal, Valle e Aragón (2007), argumentam que não apresentar a devida

clareza nas atividades, tarefas e responsabilidades exigidas pela função, bem como

os conflitos que o novo cargo representa provocam problemas no trabalho, sendo

ratificado por estudos anteriores. A clareza e transparência nas atribuições da

função devem ser uma premissa que serve de base para as políticas de Recursos

Humanos, como um facilitador para a redução de incerteza (GREGERSEN; STROH,

1997). Porém, os resultados de base qualitativa da pesquisa de Vidal, Valle e

Aragón (2007) sugerem que, o que de fato facilita a adaptação ao trabalho não é o

conhecimento exato e explícito das condições delineadas para o repatriado, mas sua

capacidade de assimilar tudo isto e o quanto ele é flexível para aceitar o que está

sendo proposto pela empresa, para o cumprimento de suas responsabilidades, que

por sua vez podem contribuir para a redução do CCR. Nota-se a falta de consenso

nesta literatura apresentada com posicionamentos diversificados entre os autores.

A inclusão de um mentor no país anfitrião é um tipo de recomendação para

que se mantenham resguardados e monitorados os interesses dos futuros

repatriados, enquanto participam de uma atribuição internacional (VIDAL; VALLE;

ARAGÓN, 2007). A figura do mentor é importante, a fim de garantir e proporcionar

35

uma comunicação clara e transparente entre a matriz e a subsidiária, pois assim se

contribui para a atualização frequente do expatriado, enquanto cumpre uma

designação internacional. Ele ficará, assim, informado de todos os processos e

práticas em vigor no local de origem. De acordo com Shaffer, Harrison e Gilley

(1999), este tipo de suporte deve estar presente tanto no país anfitrião quanto no

local de origem. Isto traz segurança e facilita a adaptação no retorno.

Outra prática importante é a visita periódica ao país de origem. Estudos

anteriores revelam que é preciso ter contato habitual com a empresa a fim de manter

o expatriado atualizado sobre as mudanças e procedimentos ocorridos na

organização, o que vai corroborar na sua adaptação quando vier a ser repatriado

(GREGERSEN; STROH, 1997).

O grau de autonomia recebido no cargo é outro fator que precisa ser bem

dimensionado. Enquanto cumprem uma designação no exterior, expatriados gozam

de um nível mais alto de autonomia e uma amplitude maior de responsabilidade. Isto

ocorre em função do tamanho reduzido da subsidiária no estrangeiro. Com o retorno

à empresa matriz esta escala tende a diminuir. Procurar manter esta escala em um

nível razoável pode reduzir a incerteza e facilitar assim, a adaptação do indivíduo

repatriado (GREGERSEN; STROH, 1997; ANDREASON; KINNEER, 2005).

Vidal, Valle e Aragón (2007) ressaltam a importância do pacote de

remuneração a ser oferecido ao repatriado destacando sua relevância até mesmo

como futura avaliação para o aceite de uma nova designação internacional. Sua

inadequação gera insatisfação na desenvoltura das atividades laborais. Estes

autores sugerem alterar o sistema de remuneração de uma avaliação pelo cargo

para uma avaliação cuja premissa é o conhecimento, o que pode dar origem à

motivação e satisfação na organização.

36

São inúmeros fatores organizacionais que interferem e alteram a satisfação

do indivíduo com o processo. Dentre eles, a forma como a empresa gere a carreira

profissional dos seus empregados, a clareza de suas práticas de repatriação, e quão

bem apurados são os anseios e perspectivas de trabalho dos empregados antes de

serem repatriados (VIDAL; VALLE; ARAGÓN, 2008).

Como o processo de internacionalização das organizações brasileiras é um

fenômeno recente (TANURE; BARCELLOS; FLEURY, 2009), pode ser que

empresas nacionais estejam vivenciando nesse exato momento, desafios

relativamente novos e particulares no contexto. Dado a escassez de pesquisas

prévias que tenham analisado as dificuldades de adaptação e práticas adotadas em

repatriação no Brasil, objetiva-se que esta pesquisa venha a somar para a literatura

de repatriação.

Capítulo 3

3 METODOLOGIA

Como este trabalho estabelece seu foco no entendimento e compreensão do

fenômeno, decidiu-se por um estudo de caráter exploratório e perscrutador com uma

abordagem de pesquisa utilizando análise qualitativa. Este tipo de abordagem

permite alcançar uma convergência de significações, condutas, princípios e desejos,

buscando atingir o resultado perscrutador proposto para a pesquisa. Por meio de um

trabalho exploratório-descritivo, desenvolvido com 13 repatriados organizacionais

brasileiros, com no mínimo um ano de experiência no exterior, que retornaram de

designações internacionais da Alemanha, Austrália, Bélgica, China, França, Holanda

e Inglaterra, objetivou-se contribuir para a literatura ao propiciar uma análise com o

propósito de elucidar os problemas de adaptação do repatriado brasileiro, após seu

retorno de uma designação internacional. O tamanho da amostra foi definido com

base no conceito de Dey (1999, 257) e Charmaz (2006, p. 158) de “suficiência

teórica”, ou seja, as entrevistas foram conduzidas até que atingissem um nível de

relativa repetição de dados e que possibilitasse a formação de um quadro teórico

abrangente que capturasse os principais aspectos sobre o fenômeno em questão. A

intenção do uso do método foi de buscar maior profundidade investigativa no sentido

de compreender as dificuldades geradas no confronto habitual com a adaptação

pelos repatriados brasileiros, assim como as eventuais práticas adotadas pelas

organizações no processo efetivo de repatriamento desses profissionais, mediante a

interação e decifração pelo pesquisador.

38

A pesquisa abrangeu quatro organizações brasileiras de grande porte com

operações internacionais, com vários anos de atuação no exterior, contribuindo com

uma forte experiência de atuação. As empresas se localizam na região Sudeste do

Brasil, notadamente nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Seu acesso foi

determinado exclusivamente pelo critério de conveniência.

A técnica de coleta dos dados foi de entrevistas pessoais com tratamento

particular e individualizado, executadas por meio de um roteiro semiestruturado,

composto por questões abertas, na tentativa de se identificar incidentes críticos.

Desta maneira o pesquisador adentrou o cenário dos participantes e evitou a

delimitação das respostas com “sim” e “não”, proporcionando-lhe o controle da linha

de questionamento (CRESWELL, 2007). Foram encaminhadas cartas-convite às

empresas selecionadas e envolvidas na pesquisa, oficializando o pedido à direção

da empresa. Os convites para as pesquisas foram primeiramente direcionados aos

respectivos profissionais da área de Recursos Humanos de cada empresa que por

sua vez remeteram para os e-mails dos sujeitos da pesquisa. Para ampliar a

quantidade de entrevistas foi empregada a técnica de amostragem comparada à

bola-de-neve, cujo sentido é o acúmulo contínuo (HECKATHORN, 1997). Os

entrevistados foram convidados a indicar outros repatriados organizacionais para

incrementar a quantidade dos sujeitos da pesquisa. O período deste processo de

entrevistas ocorreu entre os meses de agosto a setembro de 2013.

Optou-se neste estudo, por estreitar os sujeitos da pesquisa a repatriados

organizacionais, cujo foco foi previamente definido e estabelecido, e não a outros

tipos de repatriados, visando obter-se um grupo de participante análogo e mais

homogêneo: repatriados organizacionais somente de empresas que realizam

operações fora do Brasil, com no mínimo um ano de experiência internacional e que

39

residem atualmente no Brasil pelo menos nos últimos seis meses. A adoção de um

critério de estipular um limite mínimo de experiência de vida após o retorno ao país

deve-se ao fato de não possibilitar o surgimento de participantes em estágios

diversos de adaptação compondo a amostra (PIRES et al., 2006). Desta maneira foi

possível apurar as diferenças geradas pelas respostas que demonstraram a

diversidade e profusão de experiências vividas pelo repatriado, através do reflexo

nos meses iniciais de readaptação. Toda coleta das entrevistas foi codificada

conforme a interpretação de seus significados. As significações semelhantes

concernentes aos mesmos conceitos foram agrupadas através de códigos. A técnica

de análise dos dados adotada no estudo foi análise de conteúdo (BARDIN, 1977),

por ser um conjunto de técnicas de análise das comunicações, utilizando-se de

procedimentos interpretativos das características de conteúdo de cada entrevista,

típico da pesquisa qualitativa.

Capítulo 4

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste tópico são apresentadas as principais dificuldades enfrentadas pelos

entrevistados, nas três dimensões de adaptação transcultural (adaptação geral,

interação e ao trabalho). A análise também inclui a apresentação das táticas

utilizadas pelos profissionais participantes da pesquisa para lidar com tais

dificuldades.

4.1 ADAPTAÇÃO GERAL

Inicia-se esta análise introduzindo os principais desafios e táticas de

adaptação no retorno ao Brasil, no que se refere à dimensão de adaptação geral. O

quadro 1 sintetiza os achados desta categoria. No referido quadro, são

apresentados os problemas enfrentados pelos entrevistados durante a repatriação.

Ao fazê-lo, apresentam-se o código usado na análise e sua descrição. Na mesma

linha, apresenta-se a tática correspondente usada para solucionar tal problema,

expondo também o código que descreve a tática e uma breve descrição de seu

significado.

41

Problemas Táticas

Código Descrição do Problema Código Descrição da Tática

Insegurança urbana

Dificuldade de lidar com a sensação de risco de violência no cotidiano.

Adotando aparência modesta em público.

Adotar um estilo de aparência mais simples e mais comum que não desperte a atenção para si.

Intimidação e medo pelo grau de criticidade da violência nos meios de transporte.

Reduzindo a distância.

Conciliar local de trabalho, escola dos filhos e moradia dentro da mínima distância possível para evitar exposição ao risco.

Redobrando atenção.

Reposicionar o comportamento diário redobrando os cuidados e atenção de maneira preventiva e cautelosa.

Alto custo de vida

Dificuldade de se adaptar à relação desfavorável entre renda e consumo.

Economizando.

Reduzir o padrão econômico de vida em relação ao período no exterior.

Importando.

Utilizar viagens a passeio para comprar itens no exterior a um custo reduzido.

Opções inadequadas de moradia

Bloqueio em voltar para um local sem ter informações suficientes do ambiente, segurança, criminalidade, infraestrutura, etc.

Alugando moradia temporária.

Facilitar a acomodação imediata dando-lhe oportunidade de avaliar com tranquilidade a definição de onde e como morar; alugar a moradia um pouco antes do retorno da família.

Dificuldades com a alimentação

Obstáculo em manter o cardápio padrão nacional do arroz com feijão e alimentos gordurosos; diferença na qualidade.

Mantendo hábitos alimentares do exterior.

Utilizar receitas oriundas da cultura do país estrangeiro e manutenção de hábitos alimentares mais saudáveis adquiridos no exterior para uma melhor qualidade de vida.

Restrições de mobilidade

Perda das facilidades de transporte alternativos, como a bicicleta, encontradas e disponibilizadas no país estrangeiro.

Residindo próximo ao trabalho.

Investir mais alto ao residir perto do local de trabalho para evitar o transtorno do tráfego das grandes cidades.

Rejeição à burocracia

Complexidade em lidar com as questões documentais, tributárias e de impostos brasileiros, principalmente com a Receita Federal.

Buscando apoio consultivo de empresas.

Buscar serviço especializado em questões tributárias às expensas da organização.

Contratempo desgastante no processo de mudança dos itens pessoais reforçado pela inexperiência de quem ficou um tempo fora do país e perdeu o traquejo com a complexidade brasileira.

Buscando apoio de repatriados.

Encontrar apoio em repatriados com experiência prévia no assunto.

Dificuldade de entender a funcionalidade de órgãos públicos e cartórios por ainda ser imaturo e jovem no momento da expatriação e inexistência de cartórios em países desenvolvidos.

Buscando apoio de amigos.

Buscar orientar-se com ajuda de amigos e colegas que entendam do assunto.

Desajuste ao sistema de educação

Complicação em organizar os períodos letivos dos filhos diante das diferenças existentes entre os dois países.

Negociando datas conciliadoras para o retorno.

Solicitar e negociar junto à liderança da empresa datas conciliadas para a repatriação considerando o término do período letivo dos filhos.

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Dificuldade para introduzir novo sistema de ensino e métodos educacionais aos filhos.

Preservando o padrão de educação.

Requisitar à empresa apoio referente a pagamento de escola internacional por um período buscando equilibrar a interface de readaptação linguística e método de ensino.

Embaraço e bloqueio dos filhos em utilizar a língua pátria no retorno à escola e convívio na sociedade.

Resgatando ou desenvolvendo o idioma dos pais.

Contratar durante e após o período da designação internacional, aulas particulares de português.

Falta de readaptação da família

Dificuldade do cônjuge em reposicionar sua vida emocional, doméstica, familiar e profissional.

Orientando a família.

Orientar a família sobre o cenário atual do país e a perspectiva da readaptação para o mercado de trabalho e aspectos gerais de readaptação.

Participar de terapia familiar utilizando os serviços de um psicólogo oferecidos pela organização.

Quadro 1: Problemas e Táticas de Ajuste - Adaptação Geral

Um desafio apresentado pelos entrevistados se refere à questão da

“Insegurança urbana”. Diversos entrevistados reportaram que, após terem se

acostumado com um padrão de maior segurança em países no exterior,

estranharam o fato de ter que se preocupar com objetos na rua, evitar o uso de itens

de valor em público, com o sentimento a todo instante de que a vida está por um fio

no trânsito e com o excesso de violência nos noticiários. Os relatos a seguir ilustram

essa observação:

Eu acho assim, o grande problema que nós enfrentamos é a segurança do país, de estar morando em um país bem inferior, em termos de segurança, em relação à Europa. Tem também a parte comportamental no trânsito. O trânsito aqui é caótico, a sua vida está em risco quando você está dirigindo. No exterior, a gente pode ter problema ao conduzir o veículo, mas em nenhum momento você acha que vai morrer no carro. É basicamente isso. Eu acho que o grande problema que a gente enfrentou mesmo foi segurança (E1, HOMEM, 55, CASADO). No primeiro momento, parece que você pensa que ainda está lá. Não cai muito a ficha que você voltou para um país em que você tem que ficar atento. O noticiário na TV é muito interessante, porque lá você vê os noticiários na televisão e não se fala de violência. Tem reportagens normais. Aqui não. Aí você volta e é aquela confusão toda. Você começa a despertar para isso de novo (E3, MULHER, 32, CASADA).

Segurança. Aqui eu não consigo andar pelas ruas, despreocupado. A partir das dezenove horas, eu não ando à vontade na rua. Embora na região aqui tenha um pouco de movimento, eu não ando despreocupado. A minha esposa também não se sente à vontade na região. Ela evita andar com o celular, que é um pouco melhor, porque tem medo de sair de casa e ser

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assaltada. Esse é um problema muito ruim que a gente tem aqui (HOMEM, 28, CASADO).

Uma tática utilizada para superar esse problema foi “Adotando uma

aparência modesta em público”. Essa tática permite que o indivíduo se readéque

ao padrão social brasileiro, evitando, assim, problemas de segurança. “Reduzindo a

distância”, ao estabelecer moradia e escola para os filhos perto do local de trabalho

e “Redobrando atenção”, em horários e locais mais propícios à violência são

outras táticas utilizadas pelos entrevistados, para evitar o mínimo de exposição ao

risco. Os depoimentos a seguir fornecem evidência empírica para esses códigos:

Eu acho que uma das características que a gente tentou sempre manter, é o que se chama em inglês de "low profile". Se eu tivesse que sair, me expor em algum lugar, eu nunca iria querer me expor como se fosse uma pessoa de alto nível social, andar de carro de luxo. Mas eu tive um amigo, que foi repatriado, que estava tão fissurado com isso que mandou blindar o carro dele. Isso me deu uma evidência de que existe uma preocupação nesse aspecto. O camarada acha que ele, por simplesmente ser um gerente de uma empresa que o expatriou, estaria exposto a um perigo a tal ponto que necessitaria blindar o carro dele. Eu falei que a gente mantinha um "low profile", que é assim: Se eu tivesse que sair, eu não saía vestido como se eu estivesse indo num baile. Lá no exterior, por exemplo, a minha esposa colocava anéis de brilhante, colares de ouro e andava de metrô, andava de ônibus na rua. Isso, aqui, você deixa de fazer, porque você não sabe quem é que, do outro lado, vai chegar e falar assim: Isso é um assalto (E1, HOMEM, 55, CASADO). A Alemanha é extremamente segura. Isso impactou bastante quando eu voltei. O Brasil é um país cansativo. Você tem que sair na rua olhando para ver se não tem ninguém te perseguindo, tem que ficar de olho na sua bolsa e isso eu não tive lá. Eu vivia de uma forma mais tranquila na Alemanha.

Aquela atenção básica de não andar em lugar escuro, não andar sozinha à noite, essas coisas. Até na hora de trancar o carro, coisa que eu não tinha lá. Claro que você tem preocupação, mas aqui você checa 3, 4 vezes se trancou o carro (E3, MULHER, 32, CASADA). Basicamente, foi essa. Morar perto do trabalho. O meu filho, que fazia escola internacional, eu propiciei para ele o transporte de van, esses transportes contratados e depois, quando ele saiu da escola internacional, eu coloquei ele do lado da minha casa. Tinha tanta escola que eu poderia

colocar ele, mas eu pus ele do lado da minha casa. (E1, HOMEM, 55,

CASADO).

Outro desafio identificado pelos repatriados foi o “Alto custo de vida”.

Alguns entrevistados declararam que o poder aquisitivo no Brasil é bem mais baixo

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comparado ao exterior, reduzindo o poder de compra de bens e serviços diversos. O

nível econômico dos repatriados cai para um patamar inferior, mesmo que se

mantenha o mesmo padrão de remuneração. A seguir, relatos de evidência empírica

para esses códigos:

E outro ponto que me incomodou bastante foi o alto custo de vida no Brasil. O alto custo dos produtos e a baixa qualidade dos produtos. Eu levei um tempo para me readaptar com isso, apesar de ter sido só um ano e meio (E3, MULHER, 32, CASADA). Houve, porque o poder aquisitivo aqui é bem menor. Os objetos aqui no Brasil são mais caros. Em termos financeiros, era quase semelhante o que eu ganhava lá ao que eu ganho aqui hoje. Mas lá eu comprava muito mais coisas do que compro aqui. Por exemplo, o carro que eu compraria lá por 30 mil reais, eu pagaria 60 aqui. Então você acaba perdendo poder de compra (E10, HOMEM, 28, CASADO).

Uma estratégia utilizada para superar esse problema foi “Economizando e

importando”. Reduzindo inicialmente os gastos comparados ao período da

designação internacional, e utilizando-se de viagens feitas ao exterior são iniciativas

utilizadas pelos repatriados. O relato a seguir evidencia esta estratégia:

No início eu tentava evitar. Eu faço muitas viagens a passeio ao exterior. Então, no início, tudo o que fosse possível trazer de fora eu trazia e ainda trago um pouco. Com o tempo isso foi passando. Mas no primeiro momento eu não comprava nada aqui (MULHER, 32, CASADA).

Outro problema que os repatriados salientaram foi o de “Opções

inadequadas de moradia”. Vários entrevistados alertaram sobre o receio de voltar,

sem ter primeiro o conhecimento adequado do local que a família iria morar. A

situação de insegurança diante dos riscos da criminalidade, e a falta de estrutura

urbana de algumas cidades brasileiras corroboram para agravar o problema. A falta

de um quadro estabilizado de moradia para a família do repatriado interfere na

redução de incerteza, possibilita a geração de conflitos familiares, ansiedade e

apreensão nos membros do grupo. O impacto do contraste com a realidade do

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exterior é outro ponto negativo. A estrutura disponibilizada em países mais

desenvolvidos que o Brasil remete o repatriado a reavaliar e readequar seu

posicionamento. Os relatos a seguir ilustram essas evidências:

Na readaptação, a empresa me ofereceu... Na verdade, o que eu achava que deveria ter foi a questão do aluguel de um apartamento, o que facilita a volta, porque você não sabe onde está morando, como é a região, o local, etc. (...) Qualquer mudança traz choque. E o que fazer, onde colocar a esposa e filhos são problemas que você tem na readaptação. Então pelo menos se você tem seu canto, seu lar, isso é mais fácil (E7, HOMEM, 39, CASADO). Como eu fui impelido a tomar uma decisão, a gente toma e se prejudica. Eu me prejudiquei nesse aspecto. Eu tive que abaixar as minhas expectativas, mas ao mesmo tempo eu não podia ser tão rígido nessa restrição de moradia porque eu também estava preocupado com a minha esposa (E1, HOMEM, 55, CASADO). O primeiro foi de acomodação adequada para a família no retorno. A empresa pagou pela hospedagem, mas aqui na cidade de Itambari (Nome fictício) carece de infraestrutura para família. Então nós ficamos num quarto de uma pousada, eram praticamente dois quartos, mas você imagina uma família de cinco morando em dois quartos com oito malas. Isso durou por dois ou três meses, e foi um período de achar uma casa para alugar. (...) A oferta de casas aqui em Itambari (Nome fictício) é escassa, e quando você filtra para casa de uma qualidade razoável fica mais escasso e mais caro ainda. Então eu saí do Brasil nove anos atrás com a percepção de que o mercado imobiliário era muito mais barato do que na Austrália, e chegando aqui eu vi que estava, talvez, até mais caro. Tanto para o fator de aluguel quanto para compra, e ainda tinha o estresse para encontrar uma casa de boa qualidade (E11, HOMEM, 43, CASADO).

Uma tática utilizada para superar esse problema foi “Alugando moradia

temporária”. Ter a oportunidade de, antes da chegada da família, fazer a

identificação e avaliação prévia do lugar definitivo da moradia com a devida cautela

é condição “Sine Qua Non” para trazer conforto e segurança para a família e facilitar

a acomodação, transmitindo tranquilidade para o repatriado. O fornecimento de uma

acomodação temporária em hotel, com estrutura adequada e por um período de

tempo pré-determinado, pode favorecer o repatriado na busca pela avaliação e

definição do local apropriado para o estabelecimento residencial. Aconselhamento

imobiliário e suporte logístico facilitam o reconhecimento da região e definição do

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local. Dentre os relatos dos entrevistados ocorrem também comparativos de

repatriados sobre a prática adotada anteriormente, durante a fase da expatriação.

Os depoimentos a seguir fornecem evidência empírica para esse achado:

Eu consegui alugar um apartamento um pouco antes de a minha família vir de volta, e isso ajudou. Mas em termos de moradia, o que foi a minha realidade, teve um lado financeiro (E7, HOMEM, 39, CASADO). Eu vou até fazer um comparativo com quando eu fui para a Austrália. Não era uma repatriação, mas só para falarmos de estratégias e suporte, que eu posso fazer e que a empresa que está repatriando alguém pode fazer. (...) Quando eu cheguei na Austrália, eles têm uma casa mobiliada que é para hóspedes, e eu fiquei três meses nessa casa. Era uma casa bem montada, toda mobiliada, e no primeiro dia que eu cheguei na cidade, tinha alguém me esperando para mostrar a casa, a estrutura, a cidade. Ela inclusive fez uma compra geral, deixou a casa com mantimentos, e eu fiquei três meses nessa casa. Era uma casa bem montada, toda mobiliada, e no primeiro dia que eu cheguei na cidade, tinha alguém me esperando para mostrar a geladeira cheia, que é para você driblar justamente esse fator de chegar com a família e ter que se situar. Foi uma ação simples, mas muito efetiva (E11, HOMEM, 43, CASADO). Isso aí foi o que a empresa me proporcionou. Além disso, é lógico, os aspectos materiais, ou, vamos dizer assim, logísticos, também tiveram que ser providos. Por exemplo, eu voltei e a gente não tinha onde morar. Você não volta com uma casa ou um apartamento alugado. Então a empresa providenciou que eu ficasse num apart-hotel por um período, até que se achasse uma moradia (E1, HOMEM, 55, CASADO). Na expatriação, foi fantástico o suporte. Eu tinha uma agência de relocação. Eu te falei eu cheguei lá em março de 2009, em janeiro de 2009, ou seja, dois meses antes, eu estive lá com essa agência rodando comigo em Bruxelas, com umas dez opções de apartamentos que eles já tinham pré-selecionado. (...) Eles me mostraram todos eles, um a um, de forma que eu escolhesse. Tinha ajuda de custo. Essa agência me levou numa espécie de prefeitura para eu fazer a minha identidade belga, minha carteira de motorista, eles deram todo um suporte nesse sentido. Então, não foi só questão da moradia, mas foi toda a questão cultural do país (E3, MULHER, 32, CASADA).

Outros problemas identificados pelos entrevistados foram “Dificuldades com

a alimentação”. Alguns entrevistados destacaram o excesso de açúcares e gordura

nos alimentos nacionais e a necessidade de se manter uma alimentação saudável e

de boa qualidade. Porém, a dificuldade apresentada pela falta de opção encontrada

no ambiente organizacional, após o retorno de uma designação internacional, são

obstáculos impeditivos que ampliam o desafio para uma alteração significativa de

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hábitos alimentares. A mudança do padrão de qualidade dos alimentos oferecidos

no Brasil, em contraste com o que foi disponibilizado no país estrangeiro é

notoriamente comparada. O contexto dos países anfitriões, quando o tipo de

alimentação ali oferecido se encaixa no perfil alimentar praticado ou desejado pelo

repatriado e seus familiares, pode favorecer uma forte inclinação de rejeição à

prática de hábitos alimentares no país de origem.

Quando eu fui, eu não senti, em nenhum momento, falta de feijão com arroz. Nenhuma. E, quando eu voltei, isso foi uma coisa que saiu do meu cardápio. Claro que depois a gente volta a todos os hábitos anteriormente com o tempo, mas, no princípio, isso não me fazia a menor falta e eu fazia questão de não comer feijão com arroz. (...) Eu tenho saudade da comida da Bélgica, porque é o meu estilo. Eles têm um carboidrato, que é sempre uma batata, e eu adoro batata, então eu não tive problema nenhum em me adaptar, e tinha uma proteína, que era uma carne, e legumes. (...) Então, para mim era fantástico. Eu acho que era exatamente o que eu buscava e não sabia. Quando eu voltei, por um tempo, eu me alimentava dessa forma. Mas quando você está num “self service”, na empresa tem um, não tem como você estar comendo dessa forma. Dependendo de alguns restaurantes, até hoje eu faço assim. Mas esse foi um impacto muito grande. Apesar de que, na Alemanha eu tive muita dificuldade com a comida. Então, essa é uma lembrança que eu trouxe comigo da Bélgica, que foi o impacto positivo da comida. (...) Eu nunca fui de comer muita gordura, mas eu acho que eu voltei de lá querendo comer menos gordura ainda (E3, MULHER, 32, CASADA). A qualidade de fruta e salada lá é muito melhor do que aqui. O preço é mais alto, mas a qualidade é muito melhor. O desperdício em uma feira é menos visível do que aqui. (...) Eu comia mais peixe, a gente morava próximo ao mar, a gente tinha acesso a uma boa qualidade de peixe. A gente brinca que nós devemos comer fruto do mar aonde a gente vê o mar, então, em Minas, a gente não come muito não. Claro que se encontram bons peixes em Belo Horizonte, não tenha dúvida, mas a gente sentiu um pouco a qualidade. (...) Agora outra coisa, é interessante você falar isso: cereal de manhã. A gente aprendeu a se alimentar com isso e gosta disso. O preço dessas coisas, aqui, é proibitivo. Na época em 2001, era proibitivo, mas hoje eu ainda acho muito caro. Na Austrália, você passa naqueles corredores do mercado e tem caixas enormes de cereal e, relativamente baratas, se comparado ao Brasil. Aqui você compra uns pacotinhos pequenos de cereal e o negócio é caro, você acha um de 1 kg e tem muito açúcar, a comida no Brasil tem muito açúcar, de forma geral, a gente se policia um pouco em relação a isso (E5, HOMEM, 50, CASADO).

Uma estratégia utilizada para superar esse problema foi “Mantendo hábitos

alimentares do exterior”. Cultivar bons hábitos alimentares mais saudáveis

adquiridos durante a designação internacional para se alcançar uma melhor

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qualidade de vida é tática importante utilizada pelos repatriados. A facilidade que a

Internet propiciou com a globalização favorece a interligação das culturas,

diminuindo a distância entre os povos. A influência da cultura do ambiente

estrangeiro gera transformação até mesmo na rotina diária do repatriado em termos

de alimentação. O que era de frequência semanal passa a fazer parte do cardápio

cotidiano. As evidências empíricas a seguir, ilustram a opinião dos entrevistados:

Até hoje eu olho receitas belgas na internet. Quando eu faço alguma coisa eu procuro fazer de lá. Isso tem me influenciado até hoje. Os vinhos, porque eu aprendi muito a tomar vinho lá, eu gosto bastante, tomo bastante. O que, para o brasileiro, talvez, seja alguma coisa mais para o final de semana, para eles é um hábito mesmo. Às vezes, no almoço você toma um vinho. Então, é uma coisa que eu trouxe comigo (E3, MULHER, 32, CASADA). Meu pai, como tem sítio perto de Belo Horizonte, tinha hortas, essas coisas, e a gente sempre pegava muita coisa por lá. A gente tentava manter uma qualidade disso aí. Hoje não, quer dizer, a gente ainda usa alguma coisa da horta dele, mas, na época, aquilo talvez tenha sido mais importante para manter uma qualidade de alimentação. (...) A gente vai criando alguns mecanismos de defesa. Hoje, nessa vinda de 2011, a gente passou a procurar aonde tem cereal sem açúcar. Foi uma luta, mas achamos. Nós temos uma granola sem açúcar, que a gente compra lá. Iogurte aqui tem muito mais açúcar. Tem essas comidas light que tem pouca gordura, mas tem muito açúcar (E5, HOMEM, 50, CASADO).

Outras dificuldades identificadas pelos entrevistados foram de “Restrições

de mobilidade”. Vários entrevistados reportaram que faltam transportes alternativos

de qualidade nos centros urbanos brasileiros e que são disponibilizados no país

estrangeiro. A perda das facilidades de locomoção, como a bicicleta, trens e outros,

geram um sentimento de frustração e desconforto. A estrutura disponibilizada pelo

país anfitrião para o uso destes transportes alternativos demonstra um planejamento

estruturado e funcional. Este é um fator de impacto significativo na avaliação do

repatriado. A dificuldade de locomoção, a falta de fluidez no tráfego das cidades

brasileiras, aliado à exposição constante dos riscos e da violência são problemas

apresentados pelos repatriados gerando insatisfação e receio constante.

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É um dos pontos de frustração que a gente tem. Na Europa eu ia trabalhar de bicicleta, com uma infraestrutura adequada para bicicleta. Aqui em Belo Horizonte fizeram uma estrutura absurdamente ridícula, que fica no meio dos carros, a ciclovia acaba no meio do nada. (...) Na Europa, quando não usava a bicicleta podia pegar um ônibus, um trem. Esse é um dos pontos de frustração. A minha visão depende muito também de onde eu morava e para onde eu vim que de acordo com as pesquisas é a terceira pior mobilidade do Brasil (E7, HOMEM, 39, CASADO). A gente sabia que a gente poderia morar muito bem lá no Belvedere e trabalhar na Savassi. Mas não vou ficar dirigindo, me expondo. Igual eu falei, a segurança não é só de trânsito, de bater, 'nego' ameaçar, 'nego' parado nos sinais de trânsito querendo vender as coisas pra gente, essas coisas assim que a gente, depois de oito anos, não se habituava, não tinha condições de entender isso (E1, HOMEM, 55, CASADO). Sim. Eu vejo que as grandes cidades, não só no Brasil, mas pelo mundo afora, estão piorando muito na questão de transporte. Em Belo Horizonte é um problema, é uma coisa alarmante a estrutura que se tem lá (E6, HOMEM, 45, CASADO).

Uma tática utilizada para superar esse problema foi “Residindo próximo ao

trabalho”. A estratégia pode ser mudar de cidade buscando equacionar a distância,

ou inibir a necessidade do uso de qualquer tipo de transporte. Investir em imóveis

nas imediações do trabalho é uma solução encontrada, ainda que isto eleve os

gastos pessoais evitando a dependência do deslocamento pelos meios de

transporte, sejam públicos ou privados, ou mesmo para coibir qualquer tipo de

ameaça no trânsito. A busca de uma estrutura urbana que comporte o perfil

requisitado pela família é outra iniciativa relatada pelos entrevistados, no sentido de

oferecer um ambiente mais estável. Reduzir o tempo de deslocamento para o local

de trabalho significa maximizar um tempo de maior qualidade para a família, o que é

muito valorizado pelo repatriado. Os depoimentos a seguir sustentam essa tática:

Acaba que para suplantar isso, o que é o meu caso, acabo gastando mais em moradia para morar perto do trabalho. Eu não me imagino enfrentando 40 ou 45 minutos para ir trabalhar de carro. Eu não conseguiria fazer isso

de novo, então eu pago mais caro para ter essa facilidade novamente. (...) Com essa facilidade que eu tinha na Europa, tinha a questão de chegar e sair rápido de casa e a vantagem disso é que você tinha mais tempo com a família. Acaba que aqui eu tento reproduzir isso, mudando a moradia para suplantar a deficiência do transporte público (E7, HOMEM, 39, CASADO).

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Eu, quando estava no meu ambiente de trabalho - tanto na Inglaterra, quanto na Holanda - na Inglaterra eu tinha certeza de que eu podia andar de trem todo dia, ninguém me ameaçava, eu não ficava com medo de ninguém e etc. Na Holanda eu podia me deslocar de trem, nunca tive nenhum problema, nunca tive problema de trânsito, de engarrafamento, embora isso exista lá, também. Mas, nas minhas condições, eu tive que me readaptar a situação caótica, que é o trânsito no Brasil. Por isso que eu decidi morar perto do trabalho (E1, HOMEM, 55, CASADO). Isso. Eu também usava um caminho alternativo, não ia pelas grandes avenidas, ia mais pelos bairros, tentando me esquivar do trânsito. De certa forma funcionava, mas era uma solução paliativa para aquele período. E como Vitória tinha uma estrutura que aceitava minha família, achei mais interessante mudar para lá. É a adaptação, você não consegue vencer, então se adapta e traça outra estratégia. Mas a intenção é sempre preservar a família, deixa-la o mais estável possível. (...) Era para fugir do trânsito mesmo, para não ficar dependente de transporte. Por exemplo, quem mora em Vitória ou Vila Velha e precisa da ponte vai sofrer o mesmo transtorno. E eu não queria isso para mim, me desacostumei a ficar parado em trânsito. Quando eu morava lá não tinha isso (E6, HOMEM, 45, CASADO).

Outro desafio identificado pelos repatriados foi de “Rejeição à burocracia”.

Acostumados a viver em países desenvolvidos onde tudo transita mais facilmente,

os entrevistados alegaram as dificuldades em lidar com as repartições públicas

brasileiras, pagamentos de impostos e a exigência de inúmeros requisitos na

liberação de documentos e serviços gerando atrasos constantes e morosidade nos

processos. Dificuldades ampliadas pelo tempo vivido no estrangeiro e principalmente

para aqueles que saíram do país com idade prematura sem nunca ter tido a

experiência de comprar um imóvel. A saída precoce do país não lhes permitiu ter a

experiência anterior de lidar com cartórios, legalização documental de imóveis,

veículos, reconhecimento de firma, renovação de documentos pessoais, ou mesmo

de interagir com portos, prefeituras e alfândegas em processos de mudança de bens

pessoais. A seguir, relatos de evidência empírica para esses códigos:

Mas o aspecto burocrático com relação à mudança - que a empresa não te ajuda muito, você tem que se virar com a empresa de mudança – é muito desgastante, muito burocrático, e quem está há um tempo fora é inexperiente nisso. E a cada atraso de um documento desses é um dia a mais que sua mudança não sai do país de origem, então isso é bem desgastante no começo. (...) Fora isso tem a burocracia normal de recontratação, e uma burocracia de impostos, que você também fica um

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pouco perdido quanto ao que fazer ou como fazer. Eu diria que são esses, basicamente. (...) Quando você fica fora, acaba que perde um pouco o traquejo com essa complexidade brasileira. É muito relativo também pelo fato de eu não ter comprado um imóvel antes de ir, de ter ido muito jovem. (...) E aí tem um aspecto frustrante, porque na Holanda não existia cartório, só assinatura. Aqui tem que reconhecer firma, ter testemunhas, então você fica um pouco perdido (E7, HOMEM, 39, CASADO). Nossa, nem me lembra disso! Acho que a minha bagagem ficou uns quatro dias parada no aeroporto para conseguir liberar na receita federal. Traumática. Se eu soubesse que seria dessa forma eu teria trazido tudo comigo no avião, porque eu não tinha muita bagagem. Na verdade, eu só tinha as minhas coisas pessoais (E3, MULHER, 32, CASADA).

Algumas estratégias usadas para superar essa dificuldade foram “Buscando

apoio consultivo de empresas”, “Buscando apoio de repatriados” e “Buscando

apoio de amigos”. Encontrar serviços especializados em questões fiscais e

tributárias com o apoio da organização nas obrigações junto aos órgãos públicos,

que na opinião dos entrevistados são muito complexos e procrastinam as soluções,

redunda na transmissão de tranquilidade e garante o cumprimento das obrigações

com o governo refletindo na melhoria da produtividade. A experiência de outros

repatriados e amigos que passaram pelo mesmo problema torna-se um apoio

importante na orientação e solução das dificuldades. É a utilização assertiva da rede

de contatos pessoais.

Isso talvez tenha sido onde eu tive mais dificuldade, e a empresa me ajudou em um aspecto, que foi o imposto de renda, o que eu acho importante ter. Eu acho que tem que ter porque o Brasil é muito complexo. (...) Se for pensar em produtividade, eu acho que perdi muito tempo no meu retorno com isso. Era toda hora resolvendo coisas de documentação, indo a cartório, etc. Se eu soubesse exatamente o que tinha que ser feito ou se tivesse um despachante, já seria uma ajuda. (...) Nesse caso, a solução é perguntar para quem já teve experiência. Acaba que você vai buscando esse tipo de coisa com quem teve experiência prévia. Procura a ajuda de amigos e colegas que já passaram por isso, assim vai se virando. A solução foi essa. (...) Vou te dar um exemplo. Há pouco tempo, um amigo de um amigo brasileiro que mora na Holanda me ligou para saber qual foi meu processo de mudança de volta. Ele está mudando de volta para o Brasil e queria saber como eram as empresas de mudança daqui, as dificuldades, etc. (E7, HOMEM, 39, CASADO). No meu repatriamento a empresa deu todo um apoio com relação à parte fiscal, a parte da receita. Então, a Deloitte fez tudo para mim. Realmente, é uma coisa extremamente confusa. Tanto no período em que eu estava lá

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também, a Deloitte fez o meu imposto de renda belga, brasileiro e alemão, e eu só assinava. Não tinha a menor condição de entender aquilo ali, a verdade é essa. Eu tive todo o suporte, nesse sentido (E3, MULHER, 32, CASADA).

Outra dificuldade identificada pelos entrevistados foi o “Desajuste ao

sistema de educação”. As diferenças dos sistemas de ensino e períodos letivos

entre o país da designação internacional e o país de origem acarretam a

necessidade de negociações e ajustes, para tentar de certa forma, minimizar

desajustes, o que é inevitável. A conciliação de datas para a combinação das grades

curriculares também é complicada. Muitas vezes, essa combinação fica mais

complexa quando a organização suspende ou define o término da atribuição

internacional, em datas completamente dissonantes dos períodos escolares. Outro

desafio é introduzir os filhos em novos métodos educacionais nunca vistos, pois,

alguns deles nasceram ou foram expatriados em tenra idade sendo alfabetizados em

outra língua que não seja a língua materna dos pais. Como consequência, isto gera

o bloqueio e embaraço no uso da língua pátria. Os relatos a seguir evidenciam estas

estratégias:

Um iria entrar na faculdade no Brasil, então esse não tinha problema. Mas o outro tinha que continuar os estudos no 2º grau e ele não dominava a língua portuguesa. Porque quando ele foi para o exterior, ele tinha cinco ou seis anos, então ele não tinha a mínima condição de chegar e frequentar uma escola comum no Brasil. (...) Até hoje, ele não fala português, ele conversa em inglês com os amigos, ele assiste em inglês os programas de TV. Ele está na universidade, fazendo o curso superior, mas ele não domina. Quando ele fala, ele fala com termos adaptados do inglês para o português. (...) Mesmo assim, depois de um ano, eu tive que fazer um acordo com a escola de que ele entraria no meio, porque o período coincide - um começa no início do ano e o outro começa no meio do ano - na escola americana de Belo Horizonte. Eu fiz um pacto de que ele entraria no meio do ano, terminaria aquele curso e depois ele repetiria. Então, ele fez o primeiro ano do 2º grau na escola internacional, entrou no meio do ano do primeiro ano do 2º grau, na escola do Brasil e depois ele repetiu. Ele perdeu um ano nessa brincadeira (E1, HOMEM, 55, CASADO). Mas eles tinham dificuldade. O Mateus (Nome fictício), por exemplo, quando teve que escrever uma redação sobre corrida, escreveu “koida”. Ele escrevia como se falava. Nesse primeiro ano, como voltamos no meio do ano - que é o término do ano letivo lá fora e meio do ano letivo no Brasil –

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um dos grandes desafios que tivemos foi adaptação de escola para os meninos, principalmente o mais velho. O Samuel (Nome fictício) foi menos, porque ainda estava na pré-escola e não tinha muita tarefa de casa (E4, HOMEM, 50, CASADO).

Algumas estratégias utilizadas para superar esse problema foram

“Negociando datas conciliadoras para o retorno”, “Preservando o padrão de

educação” e “Resgatando ou desenvolvendo o idioma dos pais”. Solicitar e

negociar junto à liderança da organização, datas conciliadoras para o término da

atribuição organizacional considerando adequação ao período letivo dos filhos, é

uma maneira de minimizar a dificuldade. Requisitar apoio da empresa referente a

pagamento de escola internacional, por um determinado período buscando equilibrar

a interface de readaptação linguística e o sistema de ensino, irá favorecer a

reintegração dos filhos na escola e no círculo de amizades. Concomitantemente,

contratar durante o período da designação internacional e após seu término, aulas

particulares de português, pode facilitar o resgate ou desenvolvimento do idioma dos

pais, minimizando o embaraço e bloqueio dos filhos em utilizar a língua pátria no

retorno à escola e convívio na sociedade. Alguns entrevistados apresentaram

colocações que sinalizam neste sentido, conforme os exemplos a seguir:

É outra coisa que eu fiz uma solicitação. É bom que você vai falando e vai me lembrando. Também fiz uma solicitação, e a empresa também me entendeu. Primeiro, que quando eu fui retornar, eu vinculei o término de um período de aula lá. Porque eu não poderia levar os meus filhos, que estavam graduando. Todos eles estavam graduando. Um na universidade, outro no ensino médio e o outro no ensino fundamental. (...) Por um período de um ano, mais ou menos, a empresa patrocinou para mim o pagamento da escola internacional, que é língua americana, até ele se readaptar ao português. Depois de um ano, ele entrou no ensino comum. Ele enfrentou dificuldades, como eu falei no início, que quem mais sofre são os filhos e o cônjuge, porque ele teve que mudar, outra vez, de língua. (...) Esse foi um auxílio que a empresa entendeu, porque eu expliquei para eles que não adiantava trazer o meu filho e enfiar numa escola pública que não vai adiantar nada (E1, HOMEM, 55, CASADO). Os meninos foram alfabetizados em inglês, e você pode imaginar a dificuldade que foi para readaptar a escola aqui no Brasil. Então, antes de nós voltarmos definitivamente, eu contratei uma professora de português lá em Hong Kong, principalmente para eles terem acesso à forma escrita do

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português, porque a oral já tínhamos em casa. (...) Isso ajudou muito. Quando a gente voltou para o Brasil ele também teve aulas particulares de português (E4, HOMEM, 50, CASADO).

Outro problema identificado pelos repatriados foi de “Falta de readaptação

da família”. Os vários anos passados no estrangeiro e a abdicação da vida pessoal

e profissional em favor da família trazem ao cônjuge dificuldades de readaptação.

Voltar ao mercado de trabalho já não é tão fácil de resolver, depois de um período

de defasagem na atualização profissional. Cumprir uma designação internacional no

exterior ou retornar ao país de origem dentro do processo de repatriação, para a

família, significa passar pelas mesmas dificuldades enfrentadas pelo repatriado,

acrescidas do fator de exposição maior a outros ambientes, diferentes do trabalho

onde o repatriado está envolvido, e às vezes, melhor suportado pela organização. A

mudança de um país mais rico e desenvolvido para o Brasil gera também um

choque da realidade na reintegração. Segundo os repatriados, a família, e

principalmente o cônjuge, são os mais expostos no processo. A seguir descrição de

relatos que evidenciam esses códigos:

O segundo ponto foi que, como a minha esposa é engenheira civil e, na época, nós morávamos em Pantanópolis (Nome fictício) e ela tinha uma clientela de projetos e obras, ela teve que abrir mão disso para seguir nosso projeto em Hong Kong. E quando ela voltou, estava desatualizada, tendo que estar mais disponível para as crianças e perdeu o “timing” de voltar para a profissão dela (E4, HOMEM, 50, CASADO). Tanto na expatriação como na repatriação, você chega ou sai para trabalhar. Então, teoricamente, você tem uma ocupação, uma “distração” da rotina. Você tem a rotina ocupada, mas na hora que você chega em casa, tem sua família e sua esposa que, independente de qualquer lugar do mundo, você está na sua casa. Isso é uma realidade. Mas o cônjuge, normalmente, tem que comprometer sua vida profissional e emocional pelo outro (E7, HOMEM, 39, CASADO). Quem sofre bastante nesse processo de readaptação, na realidade, são as esposas e os filhos. (...) Você está num contexto, trabalhando no exterior, você acaba cortando aqui de uma hora para outra e vai para um contexto que, no nosso caso, é pior do que o que você estava. Quando sai daqui e vai para o exterior, você encontra a modernidade, aquelas coisas deslumbrantes, a segurança, então você sai de um país, como o Brasil, vai para a Europa ou vai para os Estados Unidos, você passa a viver num

55

contexto muito mais rico do que o que você estava e a volta é um choque (E1, HOMEM, 55, CASADO).

Uma tática utilizada para ultrapassar essa dificuldade foi “Orientando a

família”. Prover informações e orientação à família sobre o cenário atual do país,

esclarecer a perspectiva da readaptação para o mercado de trabalho é um suporte

fundamental para ajudar na superação das dificuldades do cônjuge em reposicionar

sua vida emocional, doméstica, familiar e profissional e aspectos gerais de

readaptação, contribuindo para a estabilização da família. Buscar a prestação de

serviços de um psicólogo, com o apoio da empresa, é uma iniciativa para prover

toda a família desta orientação e uma estratégia que pode facilitar a readaptação.

Os depoimentos a seguir fornecem evidências empíricas para este achado:

O que eu solicitei para a empresa e expliquei, na época, para os diretores e foi aceito, inclusive com o envolvimento do psicólogo, foi que a gente tivesse uma assistência, um tratamento, participar de uma terapia familiar, para se readaptar as condições de um país do qual a gente ficou oito anos fora. (...) Nós participamos disso, principalmente para a esposa, porque a esposa, quando ela está lá fora, tem um ritmo de vida diferente. Quando chega no Brasil ela passa a ser mais exigida nos afazeres. As coisas no Brasil são mais difíceis. Além disso, ela perde algumas coisas de convivência que ela tem lá. (...) Na realidade, essa terapia é no contexto geral, mas não nessa relação que você está chegando de adaptação geral. É de tudo. Incluindo familiares, relacionamento com os filhos, com o cônjuge, com colegas de trabalho, com antigas amizades, é tudo. É segurança, é tudo (E1, HOMEM, 55, CASADO). Mas o cônjuge, normalmente, tem que comprometer sua vida profissional e emocional pelo outro. Na repatriação esse tipo de orientação também é válida, “o que eu vou fazer?”, “o que eu posso fazer?”, “como vai ser a minha vida?”. No meu caso, não tive problemas com os filhos porque eles eram muito pequenos, mas eu conheço casos de filhos que acabaram criando laços com amigos no exterior e que, na hora de serem repatriados, tiveram problemas. Eles se readaptam, mas acho que, mesmo assim, o apoio de preparação da família tem que ser considerado. Se a família não estiver bem, você não está bem (E7, HOMEM, 39, CASADO).

Em geral, nota-se que as dificuldades encontradas pelos entrevistados na

dimensão de adaptação geral refletem a resistência a se adaptar a um contexto

menos favorável em termos de conforto e qualidade de vida. A queda do padrão de

56

vida e a mudança para um ambiente de menor estruturação gera um choque da

realidade na reintegração. Isto se deve ao fato de que a amostra foi composta por

indivíduos que foram expatriados a países mais ricos e mais desenvolvidos

economicamente e com melhor infraestrutura que o Brasil. O item a seguir apresenta

os resultados encontrados na segunda dimensão de adaptação transcultural: a

adaptação à interação.

4.2 ADAPTAÇÃO À INTERAÇÃO

Nesta segunda análise são introduzidos os principais desafios e táticas de

adaptação no retorno ao Brasil no que se refere à dimensão de adaptação à

interação. O quadro 2 resume os resultados desta categoria. Nele são descritas as

dificuldades encontradas pelos repatriados no processo de reintegrar-se ao convívio

do ambiente social brasileiro utilizando-se de códigos para análise e sua explicação.

Em sequência é apresentada a tática equivalente, composta também de seu código

com seu relato seguindo-se de um curto descritivo do seu conteúdo.

Problemas Táticas

Código Descrição do Problema Código Descrição da Tática

Dificuldade de reconstruir laços sociais

Complexidade em refazer vínculos com velhos amigos devido o amadurecimento distinto e disforme de ambas as partes.

Esforçando-se para reconstruir laços.

Retomar contatos antigos com esforço pessoal utilizando-se de convites para jantares ou programas em sua própria casa.

Rejeição a brasileiros

Visão antipatizada pela postura convencida do povo brasileiro; dificuldade de aceitação do jeito brasileiro de ser.

Fechando-se para novas relações.

Evitar se envolver e se relacionar com pessoas de atitudes que causem estranheza.

Relutância à ressocialização

Dificuldade dos filhos de criar novas amizades devido ao processo sofrido de aculturação, principalmente linguística.

Reproduzindo vínculos do exterior.

Selecionar amigos estrangeiros com alto conhecimento de inglês, ou que sejam filhos de expatriados; conservação de vínculos externos.

Quadro 2: Problemas e Táticas de Ajuste - Adaptação à interação

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Um desafio apresentado pelos entrevistados se refere à questão da

“Dificuldade de reconstruir laços sociais”. A mudança ocorrida no perfil do grupo

que viveu no exterior, influenciado pelo processo de aculturação no país anfitrião,

bem como as diferenças que separam cada um pelo amadurecimento distinto e

disforme são empecilhos para reconstrução de amizades. A saída com o status de

solteiro, e a volta com uma família constituída são fatos relevantes nesta

reconstrução. Retomar o relacionamento de amizades possuindo um novo perfil,

sendo uma nova pessoa, tentando se relacionar com pessoas que também se

modificaram com o tempo, não é uma tarefa muito fácil. O retorno acontecendo para

um local e regiões diferentes do local de origem permanecendo a separação dos

parentes, amigos antigos e ainda considerando as diferenças regionais do grande

território brasileiro, são os fatos mais relatados. Vários entrevistados reportaram isto.

Os depoimentos a seguir fornecem evidência empírica para esses códigos:

Com antigos amigos, a gente vive um problema até hoje, não é tão simples. No meu caso, em particular, eu não voltei para a minha cidade natal, mas sim para outra cidade. Cada um tem a sua rotina estabelecida, sua família para criar, seus laços de amizade já estabelecidos. E quando você chega, já vem com sua rotina pesada, com filhos e etc. E de repente, começar a ter essa interação não é tão simples. (...) Você não pode dizer que depois de dez anos aquela amizade permanece da mesma forma. Mesmo com os velhos amigos você tem que construir novos vínculos. Você mudou, amadureceu. Antes você saía para tomar cerveja, e agora sai com os filhos. É outro vínculo com os velhos amigos (E7, HOMEM, 39, CASADO). Uma vez eu li um ditado que falava assim: "Se você me conheceu ontem, não pense que eu sou o mesmo hoje. Eu passei por novas experiências e modifiquei". Eu senti isso na pele quando eu fiz o primeiro expatriado de 1990 a 1991, nos Estados Unidos. Quando voltei, pude perceber que eu estava com uma enorme dificuldade, porque as pessoas achavam que eu era a mesma pessoa de dois anos antes e eu achava que elas eram as mesmas pessoas de dois anos antes (E1, HOMEM, 55, CASADO).

Uma tática utilizada para superar esse problema foi “Esforçando-se para

reconstruir laços”. Utilizar-se de artifícios como convites para jantares, churrascos,

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abrindo as portas de sua própria casa, e saídas em conjunto, fazem parte de um

esforço pessoal para se reatar os laços. Este esforço, muitas vezes é unilateral,

onde o repatriado promove uma dúzia de reuniões às suas expensas sem conseguir

ser retribuído na mesma frequência e propósito. É um empenho de resiliência e

determinação. Cita-se também a necessidade do repatriado se atualizar com as

transformações ocorridas com o grupo de relacionamento. Os relatos a seguir

evidenciam esta estratégia:

No nosso caso, temos que fazer um esforço para isso. Temos que retomar nosso contato com determinado grupo de amigos, temos que fazer um esforço. Fazemos algo em casa, marcamos de sair (E7, HOMEM, 39, CASADO). Você pode achar que um determinado camarada que tinha amizade, que tomava chope com ele no bar, hoje você não quer mais tomar chope com ele no bar porque ele tem uma condição menor do que você, ou vice-versa. Ele pode achar que você está muito aculturado. Esse é um ponto em que a gente realmente tem que se esforçar para se adaptar, para se atualizar com o que aconteceu com as pessoas. É um esforço que o repatriado tem que fazer. (...) A estratégia que eu mais usei quando eu estava em Belo Horizonte, foi convidar as pessoas para irem a minha casa. Fazer um jantar, fazer um churrasco. No tempo em que eu estava em Belo Horizonte, dois anos e pouco depois que eu voltei, eu devo ter feito umas dez ou doze reuniões lá em casa. Agora, pergunta para mim quantas vezes eu fui chamado para ir à casa de alguém? Duas vezes. Uma porque eu me intimei. O outro, desconfiou, disse que ia me chamar para ir a casa dele porque ele nunca tinha chamado. Agora, teve gente que foi na minha casa, duas ou três vezes, que eu não sei nem onde mora em Belo Horizonte. Não sei até hoje. Meu pai sempre falava assim para mim: "Você tem amigos, e você tem conhecidos". Eu tenho muitos conhecidos e poucos amigos (E1, HOMEM, 55, CASADO).

Outro desafio identificado pelos repatriados foi o de “Rejeição a brasileiros”.

A mudança operada no perfil do repatriado pode traduzir-se em alteração de

comportamento e dificuldade de interação com as pessoas. O choque cultural

recebido no país estrangeiro pode trazer mudanças de percepção e visão de mundo

impactada por outros aspectos culturais locais. Atitudes, às vezes, até para

autodefesa. As evidências empíricas a seguir, ilustram a opinião dos entrevistados:

Agora, com relação ao brasileiro, eu voltei achando que ele se acha demais. O brasileiro é extremamente convencido, na minha opinião. Você vê

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atitudes, até mesmo ridículas, nos aeroportos. Porque brasileiro é aquele que quer tomar satisfação porque está atrasado, porque aquilo é absurdo com ele, e os estrangeiros ali tranquilos esperando o momento, lendo o seu livro. É o brasileiro que "roda a baiana" no aeroporto. Isso eu acho, realmente, muito ruim. Às vezes, falam que o brasileiro é cordial, que o brasileiro é isso, é aquilo, eu não acho nada disso. Eu acho que o brasileiro é metido. Esse é um comportamento que me incomoda muito. Muito mesmo. Com relação aos idosos, por exemplo, eu vi isso lá que a lei dos idosos é uma lei do Brasil, que não tem isso lá fora. E um monte de gente falando, "É um absurdo a minha mãe com 80 anos aqui na fila", tinha 300 estrangeiros de 80 anos, não existe isso lá. Mas eles acham que eles que tem direito (E3, MULHER, 32, CASADA). Nem sempre eu me reunia com pessoas aqui da região, mas sempre que eu conversava, não falava que tinha morado fora. Até na empresa, algumas pessoas sabiam que eu havia morado fora, mas para outras, principalmente de empresas terceiras, eu hesitei bastante em dizer que havia morado fora. Por causa de interesse. Eu evitei falar com as pessoas que eu tinha passado por essa experiência com medo de atrair pessoas que estavam interessadas. Então não falei. (...) Interesse de pessoas em querer ter sua amizade por você ter morado no exterior. Isso é um grande problema, porque aqui no Brasil, se você falar que morou no exterior, todo mundo cresce o olho (E10, HOMEM, 28, CASADO).

Um artifício utilizado para superar essa dificuldade foi “Fechando-se para

novas relações”. Identifica-se uma aversão ao jeito de ser do brasileiro e

assimilação do perfil europeu. Percebe-se uma transformação no estilo pessoal,

quando o próprio repatriado, ao identificar alguma situação de caráter explosivo

envolvendo seu compatriota, o mesmo tem a reação de manter-se afastado, isolado

e sem identificar-se. A necessidade pessoal de interagir de maneira mais reservada

e introvertida, comparada ao estilo europeu, prevalece sobre o perfil expansivo

anterior. As declarações a seguir fornecem evidência empírica para esses códigos:

A primeira reação que eu tive, e que eu tenho até hoje; eu não me envolvo! Eu vejo o pessoal com esse tipo de atitude, com esses comentários, esses escândalos, às vezes chega a esse ponto, eu prefiro nem chegar perto. Às vezes, eu via brasileiros lá fora, e preferia não me aproximar. Não tinha vontade de me relacionar (E3, MULHER, 32, CASADA). Quando eu retornei, vi que não era mais aquela pessoa expansiva, fiquei mais fechado. E eu imagino que isso tenha sido causado pelo meu processo. Até mesmo a interagir um pouco menos. Porque antes de eu ir, topava tudo. E eu passei a ser mais reservado. Isso eu aprendi depois que eu fui para lá. (...) Mas eu acabei não me readaptando tanto. Porque ainda conservo esses traços, de ser mais reservado. Embora, em alguns momentos eu tenha que me abrir um pouco mais (E10, HOMEM, 28, CASADO).

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Outro problema identificado pelos entrevistados foi o de “Relutância à

ressocialização”. A mudança de hábitos e comportamentos associados ao tempo

despendido no país estrangeiro gera dificuldade aos filhos de repatriados de criar

novas amizades, devido ao processo sofrido de aculturação, principalmente

linguística. O bloqueio da língua materna dos pais é amplificado pela sobreposição

da língua estrangeira. Percebe-se também o determinismo da cultura anfitriã

influenciando a postura e atitudes do grupo repatriado, e um sentimento de

discriminação na própria terra natal por ter assimilado hábitos de boa conduta e

comportamento. Nota-se um estranhamento do repatriado na postura comunicativa e

social da comunidade local brasileira. Os relatos a seguir ilustram essas evidências:

Teve impacto na readaptação por falar a língua inglesa. Na escolha de amigos também. (...) Família readaptada não. Eu acho que passamos muito tempo, como família, longe do país. A gente tem dupla nacionalidade – eu tenho nacionalidade italiana, minha esposa também, até o cachorro tem nacionalidade holandesa. Nacionalidade não, ele tem passaporte holandês. Ele é brasileiro, tem dupla nacionalidade também. De vez em quando, eu penso se eu devo voltar para a Europa. Eu e a minha esposa. Na idade dos meus filhos agora, eles têm muitas atividades. Pode ser que o meu filho mais novo vá com a gente, ou, sei lá, pode ser que todos vão. Mas, às vezes, a gente fica pensando se não vale a pena a gente retornar. (...) Por um período de um ano, mais ou menos, a empresa patrocinou para mim o pagamento da escola internacional, que é língua americana, até ele se readaptar ao português. Depois de um ano, ele entrou no ensino comum. Ele enfrentou dificuldades, como eu falei no início, que quem mais sofre são os filhos e o cônjuge, porque ele teve que mudar, outra vez, de língua. Até hoje, ele não fala português, ele conversa em inglês com os amigos, ele assiste em inglês os programas de TV. Ele está na universidade, fazendo o curso superior, mas ele não domina. Quando ele fala, ele fala com termos adaptados do inglês para o português (E1, HOMEM, 55, CASADO). A gente notou uma diferença. Normalmente, as pessoas, quando estão interagindo em outros países, estão mais abertas à comunicação. Aqui, quando a gente volta, a gente vê que as pessoas estão mergulhadas no dia a dia, não têm aquela vontade de sair, de se encontrar que a gente via lá fora. (...) Eu lembro quando nós fomos assistir a um filme, Piratas do Caribe, com os meninos em Vila Velha, aquela bagunça, gente jogando pipoca um no outro, e meus meninos perguntaram se realmente era permitido fazer aquilo. Então, especialmente na Ásia, onde se tem aquela cultura japonesa e coreana muito forte, as crianças não falam alto, sabem a hora certa de levantar a mão e pedir a palavra, não jogam lixo no chão. Essa foi uma diferença enorme quando a gente voltou, principalmente para os meninos. Eles voltaram diferentes dos outros, e até sujeitos a críticas. O jeito certinho deles era o errado. (...) Nós voltamos mais disciplinados, mas éramos muito

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diferentes e não éramos muito corretos por sermos diferentes. A gente era meio que discriminado (E4, HOMEM, 50, CASADO).

Uma estratégia utilizada para superar esse problema foi “Reproduzindo

vínculos do exterior”. A conservação de vínculos externos foi oriunda do

relacionamento construído durante o período da designação internacional

envolvendo diversas raças e ampliando o universo de amizades. Esta relação se

mantém mesmo após o processo de retorno ao país de origem, gerando interação

de maior afetividade. Este comportamento é disseminado pelo repatriado aos seus

familiares objetivando a valorização do círculo de amizades. A seleção de amigos

estrangeiros no Brasil, pelos filhos dos repatriados, bem como a ampliação de laços

de amizades com filhos de repatriados também dão suporte para esta tática. Os

depoimentos a seguir sustentam essa ideia:

Os amigos deles são todos, ou na grande maioria, filhos de expatriados ou repatriados, ou então que tem um conhecimento de inglês muito alto, porque já moraram fora. Por exemplo, ele tem dois amigos que estudavam com ele na escola americana. Um era estrangeiro, um alemão, que é um grande amigo dele, o outro é brasileiro. Eles trocam presentes, viajam juntos, tudo, porque eles só falam em inglês entre eles, eles não conversam em português. Os amigos do meu filho mais novo, quase que na totalidade, dominam inglês, ou porque já moraram, ou porque estudaram em escola internacional (E1, HOMEM, 55, CASADO). Para mim e para meus meninos, que conviveram com gente de raças totalmente diferentes das deles - japoneses coreanos, indianos, etc. – na escola. E fora da escola também, porque tinham os “sleep over”, em que os amigos dos meus filhos dormiam na minha casa e os meus filhos nas deles. Isso tudo transformou o mundo em um lugar menor. As nossas crenças e valores com relação ao ser humano se ampliaram muito. Hoje a gente tem amigos espalhados por várias partes do mundo. A nossa empregada, já se vão 10 anos e a gente conversa no “facebook” até hoje. Fomos padrinhos de casamento, batizamos crianças por lá. Então foi uma experiência incrível. Chineses visitaram a minha mãe, dormiram aqui em casa. Então tem essa ligação com outros povos, que foi realmente marcante demais. E isso a gente passou para os meninos também, uma valorização ao círculo de amizades, o que essa experiência lá fora reforçou bastante (E4, HOMEM, 50, CASADO).

62

Percebe-se que os problemas encontrados pelos repatriados na dimensão de

adaptação à interação são oriundos do processo de aculturação sofridos durante a

permanência no país estrangeiro. As experiências vividas e internalizadas são

corroboradas por um conteúdo cultural novo e impactante, cuja avaliação dos

entrevistados é de valores bons e perenes que agregam ou reforçam o que dantes

existia em potencial letargo. Esta transformação ocorrida no repatriado e no grupo

que o acompanhou reflete a oposição natural do conflito de valores adquiridos em

contraste com aquilo que não se quer conservar. Em sequência, apresentam-se os

desafios e táticas identificados nas entrevistas da dimensão de adaptação ao

trabalho.

4.3 ADAPTAÇÃO AO TRABALHO

Nesta última análise são inseridos os principais desafios e táticas de

adaptação no retorno ao Brasil, no que se refere à dimensão de adaptação ao

trabalho. O quadro 3 a seguir, especifica as descobertas desta categoria. Neste

quadro, descrevem-se os problemas identificados pelos entrevistados na retomada

de convivência no ambiente profissional da organização. Códigos são utilizados na

análise e um resumido relato é utilizado para descrever o problema.

Concomitantemente, apresenta-se a tática que busca solucionar o problema,

seguida de seu código de análise, e a explicação lacônica do seu teor.

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Problemas Táticas

Código Descrição do Problema Código Descrição da Tática

Problemas na relação com colegas de trabalho

Dificuldade de entender o que está se passando na organização pelo fato de ter ficado muito tempo fora e desatualizado; falta de sinergia.

Buscando reposicionamento.

Reconhecer a fragilidade e ter abertura para reaprender, renovar, interagir.

Ambiente organizacional com disputa acirrada entre os que ficaram durante a designação e aquele que retorna para ocupar uma vaga naquele espaço organizacional.

Adotando estilo de gestão flexível.

Utilizar estilo gerencial democrático como estratégia para diminuir a animosidade e aumentar o grau de aceitação.

Dificuldades na relação com superiores

Resistência inicial pela cobrança intermitente de gestor inexistente no período pré-expatriação.

Reajustando-se à hierarquia.

Lidar com o superior da mesma forma como deseja que seus subordinados também lidem consigo.

Problemas na relação com clientes/fornecedores

Perda da íntima relação com clientes causada pelo distanciamento e falta de informações.

Reconquistando clientes.

Atuar com paciência e resgatar o vínculo perdido através da interação com os clientes e reconhecimento do contexto atual.

Quadro 3: Problemas e Táticas de Ajuste - Adaptação ao Trabalho

Uma dificuldade apresentada pelos entrevistados se refere à questão de

“Problemas na relação com colegas de trabalho”. Pela ausência do repatriado

durante o período da designação internacional, a falta de atualização e contatos

constantes na organização do país de origem provoca uma falta de sinergia e fraco

relacionamento interpessoal. Sua permanência no exterior vai deixá-lo distante do

convívio dos profissionais e do dinamismo interno da estrutura organizacional. Ao

retornar, este distanciamento pode trazer implicações e dificuldades na relação com

colegas de trabalho. O repatriado precisa ser legitimado e sua posição reconhecida

pelos seus colegas, principalmente por aquele grupo que ocupou posições no

período de sua ausência da organização. Outro conflito identificado no

relacionamento é a postura do jeito “flexível” do brasileiro que agora incomoda

aquele repatriado que adquiriu valores culturais bem diferentes, no exterior. A

flexibilidade brasileira aparece como um complicador nas relações profissionais.

Outro ponto destacado é a disputa acirrada pela vaga entre o repatriado e os

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remanescentes da organização, que pode ser reflexo de falta de clareza e

transparência no processo sucessório. As entrevistas a seguir reportam estas

evidências empíricas:

O problema de readaptação que você passa é pelas pessoas não te conhecerem, porque você não transita no dia a dia. No meu caso, eu fiquei muito tempo fora e havia muitos gerentes que não me conheciam. Então teoricamente você tem que passar por certa legitimidade para a pessoa lembrar quem você é. Você tem que voltar a ser conhecido e legitimado na sua função (E7, HOMEM, 39, CASADO). As pessoas não se comprometem tanto como dizem. Esse é um grande problema que eu vejo. Às vezes é mais fácil inventar uma desculpa do que realmente correr atrás. Prejudica muito a forma de trabalhar, o profissional, quando várias pessoas agem dessa mesma forma. Na unidade em que eu estou, tem muitas pessoas mais antigas que agem dessa forma, até acostumados pela época. Isso atrapalha muito os mais novos que tem uma mente diferente de trabalhar. Na França, não tinha esse ciúme, essa rivalidade que tem aqui. Isso é ruim (E10, HOMEM, 28, CASADO). Primeiro que quando a gente volta, a gente volta para pegar uma posição que alguém estava esperando pegar. Lembra daquilo que a gente falou? Eu saí, fiquei oito anos fora. As pessoas que estavam oito anos dentro da organização evoluíram. Elas não são mais aquelas que eu conhecia e que me conheceram há oito anos. E é lógico que, elas vivendo dentro do contexto da empresa, dentro da evolução natural da empresa, elas se auto intitularam, ou eram consideradas mesmo pela alta administração, como potenciais candidatos, ou candidato em potencial para a vaga. Então, algumas pessoas consideram que você está tomando o lugar delas. Eu acho que no meu caso aconteceu isso. Teve gente que achou que eu estava tomando o lugar dele. Isso em relação a relacionamento. Não em relação ao que eu pensava. Porque o que eu pensava era o oposto. (...) A pessoa se prepara para fazer tudo, aí o mundo evoluiu, os anos aqui foram passando, as pessoas daqui foram evoluindo de tal sorte em que eu não fiquei participando do contexto por oito anos, então eu fiquei fora. E, no mesmo tempo que eu evoluí ninguém viu a minha evolução. Quando chega na hora de decidir se eu vou ou não vou para um cargo ele vai pensar mais naquela pessoa que ele viu a evolução do que aquele que estava lá fora que ele não viu. Os seus amigos de trabalho que vão ficar subordinados a você, ou vão ficar em paralelo, eles acham que você ocupou um lugar de alguém que você não deveria. E você fica achando que você está num lugar que não deveria estar (E1, HOMEM, 55, CASADO). Esse foi mais um problema interno meu do que deles. Eu trabalhei mais tempo fora do que no Brasil. Então o meu background de cultura de trabalho é mais belga do que brasileiro. Quando você pede alguma coisa para um brasileiro, às vezes não fica pronta tão rápido quanto se pedisse para um belga. O belga é mais preciso, se ele fala que vai fazer e que vai ficar pronto em tal dia, geralmente está pronto. Às vezes o brasileiro dá um prazo até menor, mas não cumpre, é mais flexível (E9, HOMEM, 27, SOLTEIRO).

Uma tática utilizada para superar essa dificuldade foi “Buscando

reposicionamento e adotando estilo de gestão flexível”. A abertura do repatriado

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para reaprender, reconhecendo sua fragilidade e a necessidade de interação são

requisitos básicos para o reposicionamento e mudança de atitude. Outra atitude

sinalizada é de evitar a comparação contínua com processos e soluções assimiladas

no país estrangeiro. Tentar mostrar de forma incisiva que há uma melhoria a ser

observada pode gerar uma interpretação errônea de colaboração. A estratégia

aplicada é a autovigilância evitando os comentários. Amenizar e ceder para a

flexibilidade brasileira aparece como paliativo para evitar os embates profissionais.

Por fim, facilitar a aceitação do grupo com um estilo gerencial flexível pode ser a

tática adotada neste contexto competitivo pela vaga. Os depoimentos a seguir

fornecem evidência empírica para esses códigos:

Pelo fato de ter ficado fora, muita gente acha que você não sabe o que está se passando na empresa. E às vezes você não sabe mesmo e tem que reaprender algumas coisas. Aqui, às vezes, há necessidade de nivelamento, de compartilhamento. E essa necessidade, até porque uma pessoa nessa posição não pode não ficar sabendo das coisas, exige que você saiba de tudo ao mesmo tempo e participe de tudo. E isso toma muito tempo da sua atividade foco. Essa é uma grande diferença que eu percebi aqui. Você tinha mais tempo para planejar sua atividade, para pensar nela. Agora eu tenho que achar um tempo para fazer as minhas coisas (E7, HOMEM, 39, CASADO). Até que eu percebi que não poderia mais agir como estava agindo antes, porque no Brasil não funciona. O meu chefe também já havia sido expatriado, e falou que aqui eu não poderia agir da forma que eu estava agindo lá fora até que me fosse dado poder, até que eu fosse hierarquicamente mais alto do que as pessoas. Mas ele gostava muito da forma como eu trabalhava. O brasileiro tem uma forma diferente de trabalhar, pelo menos na unidade em que estou. As pessoas não sabem separar o profissionalismo da parte pessoal. Então em respeito ao bom clima, para algumas coisas eu deixei o profissional de lado, que é uma forma mais competitiva. Eu vim preparado de uma forma mais competitiva para cá e as pessoas não estão preparadas. O meu gerente me falou que teve a mesma dificuldade que eu, e que muitas vezes você tem que abdicar dessa competitividade porque no Brasil funciona dessa forma. E ele é argentino, então passou basicamente pelo mesmo processo que eu e tem essa dificuldade aqui (E10, HOMEM, 28, CASADO). Eu não acho que posso definir como estratégia. Eu diria mais uma decisão de comportamento, uma decisão de estilo de gerenciamento. Eu adotei o estilo democrático, onde eu ouço todo mundo e, porque eu aprendi que alguns pontos da democracia podem ser muito bons, outros não. Onde era necessário demonstrar que o meu conhecimento era maior e a minha decisão era a que tinha que prevalecer, eu impunha. Em outras ocasiões, onde eu achava que a minha decisão poderia ser uma melhor, mas também não faria diferença se a segunda ou terceira opção também fosse escolhida, eu, democraticamente, deixava. Às vezes sabendo que as pessoas

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poderiam voltar e falarem que não ia dar certo. Eu acho que eu posso usar um ditado mineiro: "Eu sempre comi um angu pelas beiradas". Eu nunca fui muito afoito em querer me prevalecer sempre dando algum tipo de liberdade. Então, eu apliquei um estilo diferencial que era compatível com as pessoas que eu já conhecia há mais de 20 anos, na empresa. Pessoas que tinham mais tempo e até mesmo tempo que eu dentro da empresa, que passaram a ser meus subordinados, que antes nunca foram. Mais flexível, porque eu chamo de democrático (E1, HOMEM, 55, CASADO). Acho que no trabalho é até mais difícil do que no lado pessoal. No lado pessoal você tenta fazer o certo, tenta influenciar, mostrar para um amigo que fazer do jeito certo é melhor. Mas no trabalho, quando você volta, se ficar falando o tempo inteiro que na Bélgica é diferente, acaba ficando chato e mal visto. E ser mal visto no trabalho é ruim. Então a minha estratégia no trabalho era me policiar para não ficar comparando muito (E9, HOMEM, 27, SOLTEIRO).

Outro desafio identificado pelos repatriados foi o de “Dificuldades na relação

com superiores”. A introdução de um nível hierárquico superior entre o repatriado e

seu gestor imediato após sua volta da atribuição internacional altera e restringe sua

liberdade de atuação. A reação imediata é uma resistência às interferências

recebidas e às constantes cobranças de suas responsabilidades. O relato a seguir

oferece evidência empírica para esse código:

Essa foi uma situação bem diferente quando eu voltei, porque, quando eu fui, eu era subordinada direta do diretor comercial da empresa e nesse período em que eu fui, eles colocaram uma pessoa entre nós, que foi o gerente geral da área comercial, que era um cargo que não existia, até então. Então, quando eu voltei, eu tive um pouco de dificuldade nessa readaptação, porque o diretor comercial ficava longe, e ele fica ainda, fica em outro estado. Tinha uma proximidade, tinha certa cobrança, mas eu também tinha muita liberdade de atuação aqui, de implantação da forma que eu achava que era o certo. A coisa conduzia bem, apesar de ter uma relação muito direta com os gerentes de vendas. Era eu e os gerentes de vendas. A gente ia conduzindo da forma que a gente achava melhor, sem muita interferência do diretor comercial que estava um pouco mais distante. E quando eu voltei tinha uma pessoa ali, me cobrando 100% do tempo, todos os dias, duas, três vezes na sala dele e isso foi muito difícil para mim, no início. Mas com o tempo eu fui me acostumando com esse novo modelo (E3, MULHER, 32, CASADA).

Uma estratégia utilizada para superar esse problema foi “Reajustando-se à

hierarquia”. O reposicionamento comportamental é uma estratégia imediata para o

“deixar acontecer”. Imaginar-se na posição do seu superior considerando desejar

67

receber este mesmo tratamento de seus liderados foi uma decisão advinda de uma

auto avaliação. A seguir relato de evidência empírica para esse código:

Difícil, porque, no início, as opiniões não batiam muito bem. Eu achava que tinha que ser conduzido de um jeito, e ele, achava que não. Então, a minha estratégia foi deixar acontecer. Foi fazer como ele gostaria que fosse feito. Eu procurava olhar para ele da forma como eu gostaria que os meus subordinados olhassem para mim. Então, se eu desse aquela instrução para eles é porque eu achava que era importante e gostaria que fosse feito. Eu comecei a pensar dessa forma para não entrar tanto em atrito (E3, MULHER, 32, CASADA).

Outras dificuldades identificadas pelos entrevistados foram de “Problemas

na relação com clientes/fornecedores”. A falta de envolvimento e intimidade nas

relações e desconhecimento dos processos e práticas atuais, em função das

diversas modificações ocorridas durante a ausência do repatriado em sua atribuição

internacional, são fatores que causam empecilhos nesta retomada e resgate de

relacionamentos. Os depoimentos a seguir evidenciam empiricamente esse achado:

Esse cargo que eu tinha, que era coordenação de assistência técnica, é um cargo que tem relação com quase todas as áreas da empresa, porque é um cargo que cuida das reclamações de clientes e isso permeia tudo. Então, eu tinha uma forte relação com todos, praticamente, antes de ir pra lá, e quando eu voltei o que eu mais percebi foi essa distância. Porque, como eu te falei, a gente mantinha contato, claro, mas não dava para ter contato com todo mundo. Era contato com aquelas pessoas mais ligadas a mim diretamente e os meus pares ali do lado. Então, isso perdeu um pouco. (E3, MULHER, 32, CASADA). Não houve nada chocante no sentido de readaptação. Na verdade, da mesma forma que no lado pessoal você não está acostumado com determinadas práticas, no lado profissional também. Você não está familiarizado com algumas burocracias e rotinas internas. Eu acho que faltou uma orientação boa com relação a isso no meu retorno. E como eu cheguei num cargo de gestão, com diversos procedimentos que eram um pouco distintos, fui aprendendo isso aos trancos e barrancos. Quando você fala em clientes e fornecedores internos, você também perde um pouco do traquejo da rotina, da burocracia (E7, HOMEM, 39, CASADO).

Uma tática utilizada para superar esse problema foi “Reconquistando

clientes”. Resgatar os vínculos perdidos pacientemente com inteligência através de

uma interação mais efetiva e persistente com os clientes buscando informações

68

mais atualizadas, tomando ciência do histórico, e reconhecendo o contexto atual.

Utilizar-se da bagagem externa adquirida no exterior robustece o repatriado para

compensar a falta de conhecimento do histórico, e dar-lhe maior isenção na atuação

e reconquista da relação. Os relatos a seguir ilustram essas evidências:

Quando eu voltei, para reconquistar isso, realmente foi aos poucos, sabendo das novidades, sabendo do que estava acontecendo. As pessoas, querendo ou não, ficam um pouco com o pé atrás. Não teve nada de difícil, mas também não foi aquela pronta abertura. Aos poucos eu fui reconquistando as pessoas. Me inteirando do que estava acontecendo no Brasil, as pessoas foram me dando essa abertura. A partir do momento em que você está sabendo o que está acontecendo (E3, MULHER, 32, CASADA). Um lado positivo que eu acho em tudo isso, é que dependendo do relacionamento, você não tem um histórico interno para discutir com esse fornecedor ou cliente. Você não tem a mesma bagagem interna que essa pessoa, mas tem uma bagagem externa e tem um olhar mais crítico, mais questionador. É um olhar isento (E7, HOMEM, 39, CASADO).

Depreende-se que, os desafios identificados pelos repatriados na dimensão

de adaptação ao trabalho estão intimamente relacionados ao distanciamento

produzido pela designação temporária internacional. A falta de legitimidade do

repatriado no retorno à organização, o estranhamento produzido dentro de um

contexto despreparado para seu recebimento provocam um sentimento de

desagregação. Percebe-se uma necessidade de ampliação de visibilidade e

aceitação organizacional ao repatriado.

Diante da investigação qualitativa dos dados dos entrevistados foram

identificados os principais desafios de readaptação enfrentados por repatriados

brasileiros, e as táticas utilizadas na minimização ou mitigação desses impactos nas

três dimensões de adaptação transcultural (Adaptação geral, interação e ao

trabalho), depois de retornarem ao país de origem e à sua organização, após o

cumprimento de uma atribuição internacional.

Capítulo 5

5 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A despeito de serem poucos estudos anteriores no âmbito brasileiro, porém

que têm sua imprescindível importância no campo da repatriação, estes estudos

concentraram sua investigação na visão da organização (LIMA; BRAGA, 2010), e na

análise dos aspectos que favorecem ou dificultam os processos de expatriação e

repatriação (VIANNA; SOUZA, 2009). Na busca de ampliar respostas no campo

acadêmico da repatriação, no sentido de melhor compreender como reduzir o

choque cultural reverso, este estudo procurou analisar os problemas de readaptação

enfrentados por repatriados brasileiros, após seu retorno de uma designação

internacional, e identificar que táticas individuais são possíveis na minimização ou

até mesmo na mitigação destes impactos. Ressalte-se a originalidade deste estudo

em apontar as táticas utilizadas pelos repatriados no âmbito brasileiro da

repatriação. Para esta finalidade, foram analisados dados de entrevistas feitas com

repatriados brasileiros procurando identificar os desafios encontrados por estes

profissionais no processo de repatriamento e a maneira como lidaram com cada um

deles.

Os achados empíricos evidenciam as principais dificuldades enfrentadas

pelos entrevistados nas três dimensões de adaptação transcultural (Adaptação

geral, interação e ao trabalho), bem como também incluem a apresentação das

táticas utilizadas pelos profissionais participantes da pesquisa para lidar com tais

dificuldades.

70

Nota-se que, países com maior nível de desenvolvimento que enviavam seus

profissionais para cumprirem uma designação internacional em países com menor

nível de evolução e progresso, não enfrentavam problemas de readaptação com

seus repatriados, uma vez que estes voltavam de uma estrutura menos favorecida

para um contexto de melhor qualidade, o que poderia facilitar a repatriação em todos

os aspectos. Isto não acontece nas repatriações oriundas de países mais

desenvolvidos que o Brasil gerando dificuldades de readaptação pessoal, onde o

repatriado se sente desfavorecido pelo descenso social e econômico e percebe-se

como um estranho nas questões políticas, sociais e econômicas, bem como nos

aspectos de segurança e infraestrutura em geral, conforme Vianna e Souza (2009).

Na dimensão transcultural de adaptação geral, “Insegurança Urbana”, “Alto

custo de vida”, “Opções inadequadas de moradia”, “Dificuldades com alimentação”,

“Restrições de mobilidade”, “Rejeição à burocracia”, “Desajuste ao sistema de

educação”, “Falta de readaptação da família” são problemas apontados como

complicadores no processo de readaptação do repatriado brasileiro.

Os dados sugerem que os repatriados já não se adéquam a um contexto

menos favorável de conforto e qualidade de vida, gerando uma resistência à

readaptação (VIANNA; SOUZA, 2009). O repatriado e sua família aprendem a viver

de uma forma tão diferente do seu país de origem que, quando ele retorna para sua

pátria tem dificuldades de aceitar a nova realidade, necessitando de muito esforço e

flexibilidade para conduzir e contornar a cobrança da família. Diante da “Insegurança

urbana”, a dificuldade de lidar com a sensação de risco de violência no cotidiano e

nos meios de transporte, o repatriado passa a adotar um estilo de aparência mais

simples e mais comum que não desperte a atenção para si. Esta característica é

conhecida na língua inglesa como “low profile”. Ele muda sua aparência e modo

71

habitual para um nível mais baixo como forma de minimizar o problema da

insegurança. O mesmo passa também a conciliar local de trabalho, escola dos filhos

e moradia dentro da mínima distância possível para não precisar de longos

deslocamentos, bem como de reposicionar seu comportamento diário com cuidados

redobrados de maneira preventiva e cautelosa; tudo para evitar uma maior

exposição ao risco.

O “Alto custo de vida” é apontado como uma dificuldade de se adaptar à

relação desfavorável entre renda e consumo. Os resultados instilam que o nível

econômico do repatriado cai após uma atribuição internacional, ainda que sua

remuneração seja aparentemente a mesma. Os achados indicam que o poder

aquisitivo no Brasil é mais baixo comparado ao exterior. Estes resultados contribuem

para a literatura conforme citado por Andreason e Kinneer (2005) que, a perda de

vantagens somadas aos benefícios existentes no período da expatriação resulta na

queda do seu padrão de vida. Sua tática passa a ser de reduzir o padrão econômico

de vida em relação ao período no estrangeiro, seja economizando ou importando

itens quando viaja para o exterior.

“Residindo próximo ao trabalho” contribui também como uma maneira de

diminuir as restrições de mobilidade. A perda de transportes alternativos

encontrados no estrangeiro, como a bicicleta, trens, etc., pode ser em parte,

amenizada por esta tática, quando o repatriado despende mais recursos próprios e

investe mais alto em moradia que esteja situada nas imediações do local de trabalho

e escola dos filhos, evitando o transtorno do tráfego dos grandes centros urbanos do

Brasil. Por outro lado, ele precisará flexibilizar o aconchego da família se

acomodando em um padrão de moradia menor e/ou de espaço físico restrito, para

compensar a localização que às vezes, pode estar direcionada para partes mais

72

nobres e mais dispendiosas da cidade, que é o entorno do local de trabalho. Esta

tática adotada pelo repatriado requer do indivíduo e sua família certo grau de

resiliência e resignação, onde precisarão adotar uma postura de redução de

expectativas. Ao estar acostumado a um padrão mais alto no exterior, seja de

moradia ou de vários outros recursos disponíveis e acessíveis, o grupo precisa estar

cônscio da mudança em vários aspectos que impactará seu “modus operandi” e

precisará de um ajuste comportamental fino. Isto requer também do repatriado uma

postura financeira equilibrada no controle do seu orçamento. De acordo com

Andreason e Kinneer (2005), alguns repatriados se excedem na aquisição de um

imóvel e procuram se igualar aos mesmos níveis de moradia anteriores à

expatriação, ocasionando endividamento excessivo e prejudicial às finanças

domésticas.

A “Rejeição à burocracia” vem da complexidade de lidar com as questões

documentais, tributárias e de impostos brasileiros, principalmente com a Receita

Federal, contratempo desgastante no processo de mudança dos itens pessoais,

devido à complexidade brasileira e a baixa funcionalidade de órgãos públicos e

cartórios conforme aponta Araujo et al. (2012a), o que não é comum em países

desenvolvidos. Excesso de normas e regras em número abusivo geram lentidão e

morosidade no atendimento e prestação de serviços atrasando a solução e

provocando aflição e desassossego no repatriado e prejudicando o processo de

readaptação. Buscar serviço especializado em questões tributárias, principalmente

em assuntos concernentes à Receita Federal do Brasil, às expensas da

organização, ser bem orientado e auxiliado nos serviços de transporte e mudança

dos pertences pessoais, encontrar apoio em repatriados com experiência prévia no

73

assunto, e orientar-se com ajuda de amigos e colegas surgem como respostas e

alternativas às dificuldades apresentadas.

“Orientando a família” emerge como tática preponderante para minorar a

“Falta de readaptação da família”. Na literatura de expatriação, a negligência com a

família no ajustamento do expatriado é uma das principais causas de retorno

prematuro, e a incapacidade ou relutância do cônjuge em se adaptar aparece como

a razão mais frequente para a falha do processo (PEREIRA; PIMENTEL; KATO,

2005; ANDREASON, 2008). Na repatriação não é diferente e a família precisa ser

envolvida tanto no processo de envio quanto no processo de retorno. Para Black e

Gregersen (1991) é preciso incluir o cônjuge em toda orientação. Os profissionais

serão 100% produtivos somente quando suas famílias estiverem estabilizadas.

Quando o cônjuge se adapta, tudo mais prossegue a bom termo. Para Begley,

Collings, e Scullion (2008) o ciclo Expatriação-Repatriação precisa ser completo. É

preciso concatenar as etapas de forma sequencial – da seleção até a repatriação, e

segundo Andreason (2008), treinamento antes da partida e programas de reingresso

e reintegração no retorno ao país de origem são essenciais. Esta tática identificada

nas entrevistas converge com a literatura internacional citada. Orientar a família

sobre o cenário atual do país, mostrar a perspectiva de readaptação para o mercado

de trabalho e demais aspectos de readaptação geral ameniza a inquietação e

apreensão do cônjuge em reposicionar sua vida emocional, doméstica, familiar e

profissional.

Na dimensão transcultural de adaptação à interação, “Dificuldade de

reconstruir laços sociais”, “Rejeição a brasileiros” e “Relutância à ressocialização”

são dificuldades relacionadas como barreiras na readaptação dos entrevistados.

74

As mudanças sociais no país, na organização, e as transformações ocorridas

no próprio repatriado alterando suas percepções de mundo com aquisição de novos

valores culturais corroboram para dificultar a interação (STROH; GREGERSEN;

BLACK, 2000). Esta incorporação de valores “bons” conduz o repatriado a um

sentimento de rejeição e reprovação a regras e comportamentos antes “tolerados”

por ele. Vários entrevistados declararam esta mudança de perfil e comportamento e

a necessidade de se manter nessa nova visão. Em um curto espaço de tempo eles

passaram por novas experiências e se intitularam modificados, aculturados,

confirmando os achados de literaturas anteriores (GREGERSEN; STROH, 1997;

ANDREASON; KINNEER, 2005). Este fato gera um forte impacto. As pessoas

começam a vê-lo diferente; o repatriado passa a vê-los de forma diferente. O

repatriado também se vê diferente tentando se resguardar do olhar do ponto de vista

do outro. Tenta se resguardar do julgamento que o outro possa ter a seu respeito, de

achá-lo arrogante, metido, pelas muitas experiências e pelo contato que teve com

tantos lugares e pessoas diferentes. Às vezes, isso pode levar o repatriado a evitar

se envolver e se relacionar com pessoas de atitudes que lhe causem estranheza

“Fechando-se para novas relações”. A visão antipatizada pela postura convencida

do povo brasileiro gera uma dificuldade de aceitação do jeito brasileiro de ser. O

isolamento nas relações também pode ocorrer devido aculturação ter sido muito

forte e o círculo de amizade no país anfitrião ter sido muito significativo. Com a

perda dessa relação, fica o vazio e a sensação de que, se buscar se relacionar de

novo, pode se perder tudo novamente. Surge então a escolha: é melhor não se

relacionar.

Retomar contatos antigos com esforço pessoal utilizando-se de convites para

jantares ou programas em sua própria casa passa a ser uma tática para recuperar

75

os vínculos perdidos e quebrar a “Dificuldade de reconstruir laços sociais”, devido o

amadurecimento distinto e disforme de ambas as partes. Selecionar amigos

estrangeiros com alto conhecimento de inglês, ou se relacionar com filhos de

expatriados, bem como manter a conservação de vínculos externos passa a ser uma

tática dos filhos dos repatriados intitulada “Reproduzindo vínculos do exterior”,

utilizada para simplificar a readaptação na interação e provocar a ressocialização.

Na dimensão transcultural de adaptação ao trabalho, “Problemas na relação

com colegas de trabalho”, “Dificuldades na relação com superiores” e “Problemas na

relação com fornecedores” são desafios que geram incômodo no processo de

readaptação dos repatriados no ambiente organizacional.

Manter o expatriado atualizado sobre os processos, procedimentos, políticas

e práticas é um desafio para a liderança da organização do país de origem. A sua

saída para uma designação internacional na subsidiária do exterior vai deixá-lo

distante do convívio dos profissionais e do dinamismo interno da estrutura

organizacional. Ao retornar, este distanciamento pode trazer implicações e

“Problemas na relação com colegas de trabalho” para o repatriado. Ele está

desatualizado, com dificuldades de entender o que se passa na organização e falta-

lhe sinergia com o grupo que ficou. Sua legitimação fica comprometida e para driblar

tudo isto a tática desenvolvida é reconhecer sua fragilidade e ter abertura para

reaprender, renovar, interagir, “Buscando reposicionamento”. Por outro lado, pode

também ocorrer uma disputa acirrada entre os que ficaram e aquele que retorna de

uma designação internacional para ocupar uma vaga naquele espaço

organizacional. A decisão pode pesar tanto para aquele que retorna do exterior

quanto para aquele que permaneceu evoluindo na área. O resultado pode estar

relacionado ao nível de visibilidade que cada candidato consegue ter diante do

76

tomador de decisão. Assim sendo, para inserir a repatriação neste contexto é

importante preservar e acompanhar os interesses dos futuros repatriados durante

sua designação internacional. Para Shaffer, Harrison e Gilley (1999), instituir um

mentor na origem e no país anfitrião, pode demonstrar sua evolução, reduzir a

incerteza e favorecer a readaptação do indivíduo por meio de uma comunicação

clara, transparente, e constante atualização do repatriado. Ao Definir-se pelo

repatriado o mesmo precisará utilizar um estilo gerencial democrático como

estratégia para diminuir a animosidade e aumentar o seu grau de aceitação

“Adotando estilo de gestão flexível”.

“Buscando reposicionamento”, “Adotando estilo de gestão flexível”,

“Reajustando-se à hierarquia”, “Reconquistando clientes” se apresentam como

táticas de ajuste que ajudam na readaptação ao contexto de trabalho, a fim de

proporcionar a restauração de um ambiente harmônico, pacífico e produtivo na

estrutura organizacional.

Ressaltem-se nesta pesquisa, as contribuições oferecidas sobre as

dificuldades de adaptação transcultural do repatriado brasileiro, e as ideias

fornecidas para gestores de recursos humanos do cenário internacional a respeito

de como melhor conduzir o processo de readaptação de repatriados ao Brasil.

Acrescente-lhe também, o valor inovador de identificar as táticas para superação

dos desafios sob a ótica do repatriado, reconhecendo-lhe o papel de ator social no

processo, no âmbito brasileiro da repatriação. Admite-se que essa análise tenha

somado significativas contribuições aos resultados já encontrados na literatura

existente de Viana e Souza (2009) e Lima e Braga (2010).

Os achados sugerem que repatriados advindos de países mais desenvolvidos

que o Brasil passam por várias dificuldades de readaptação. A perda de facilidades

77

no transporte disponibilizadas no exterior, a mudança de exposição ao risco e na

relação entre renda e consumo, as dificuldades com a alimentação, burocracia,

educação, relacionamento na sociedade e no trabalho podem induzir mudanças de

hábitos na moradia, na aparência, no cardápio, na rotina documental, no

planejamento das atribuições internacionais e na interação. A saída de expatriados

do Brasil em idade pré-matura aumenta a dificuldade em entender e lidar com a

burocracia brasileira ao retornar de uma designação internacional. Quanto maior o

tempo de exposição à cultura estrangeira mais sedimentado fica o processo de

aculturação dificultando a reintegração e a reintrodução ao sistema de ensino

brasileiro. Esta exposição amplificada também aumenta a dificuldade do cônjuge em

se reposicionar na adaptação à interação bem como ao mercado de trabalho.

Uma contribuição teórica relevante deste estudo se refere ao fato de que, a

literatura sobre o tema no âmbito brasileiro tende a enfatizar as iniciativas da

organização no processo de repatriação. Desta forma, enfatiza literalmente as

políticas e práticas institucionais de apoio a expatriação neste contexto. A principal

inovação deste estudo consiste no direcionamento da ênfase para a ação individual,

ou seja, para as estratégias adotadas pelo indivíduo, como agentes ativos no

processo de reajuste ao país de origem.

Percebe-se como limitação de estudo, o fato da investigação ter sido feita

com repatriados voltando de uma designação internacional oriundos de países com

maior nível de desenvolvimento que o Brasil. Isto conduziu a resultados que revelam

um contexto de maior dificuldade na repatriação, o que talvez seja diferente em

ocasiões em que o expatriado se dirigiu a países menos desenvolvidos. Outra

limitação de estudo refere-se também ao caráter transversal da amostra, o que não

permitiu que se analisasse como as táticas evoluem com o passar do tempo.

78

Sugere-se, para pesquisas futuras, investigar dificuldades de adaptação

transcultural de repatriados brasileiros que cumpriram uma designação internacional

em países menos desenvolvidos que o Brasil, devido à possibilidade de haver uma

melhor readaptação ao vir de um contexto menos favorecido de qualidade e conforto

para um ambiente de melhor estrutura e qualidade de vida, não obstante de ser a

sua própria pátria. Outra sugestão de pesquisa se relaciona ao estudo da teoria da

curva em U (U-Curve Theory of Adjustment – UCT) para verificar a probabilidade da

sua aplicabilidade no processo de repatriação no âmbito brasileiro. Novas pesquisas

também podem ser feitas com um perfil longitudinal para se avaliar as táticas por um

período determinado de tempo.

Propõe-se como práticas aos gestores das organizações a consecução de um

plano de expatriação onde a repatriação seja uma etapa final de todo um

planejamento aprimorado de longo prazo e mais cuidadoso de suas atribuições

internacionais, com critérios, regras e procedimentos claros e bem definidos. Para

composição deste plano, seguem sugestões para a fase de repatriação que precisa

ser bem definida, estruturada e alinhada com todo o processo de expatriação.

A política de repatriação deverá ser rigorosamente documentada com clareza

de regras, prazos e escopo bem definido, com seus procedimentos descritos e

formalizados para se obter uma gestão eficiente do programa. A partir da

consecução do plano de expatriação, considerando as práticas de GIRH para os

processos de recrutamento, seleção e treinamento, sugere-se: adoção de um

modelo de repatriação contendo planejamento integrado; acordos formalizados; um

programa cujo teor contempla assistência à família; posição pré-definida na estrutura

organizacional; inclusão do mentor no país de origem e no país de destino, a fim de

cuidar dos interesses do expatriado durante a designação internacional; modelo de

79

gestão de carreira global; realocação entre subsidiárias internacionais;

potencialização dos ganhos de experiência do repatriado direcionando sua atuação

para áreas em que se apliquem os conhecimentos adquiridos; viabilização de

“workshops” e seminários onde o repatriado poderá compartilhar e disseminar seu

conhecimento e avaliações formais periódicas do programa. Este modelo deverá

conter todos os requisitos e premissas necessárias para um retorno para o país de

origem, estruturado e alinhado com a estratégia da organização. É imprescindível

incluir a família e o cônjuge do repatriado dentro deste suporte organizacional, desde

os processos de recrutamento e seleção, avaliando a carreira dupla e oferecendo

recursos e orientação ao grupo familiar, a fim de atingir o sucesso na repatriação.

Como composição deste programa, sugere-se incorporar práticas tais como

facilitar a acomodação imediata do repatriado dando-lhe oportunidade de avaliar

com tranquilidade a definição de onde e como morar ou mesmo de alugar a moradia

um pouco antes do retorno da família. Outra prática recomendada é o pagamento de

aluguel temporário ao repatriado por um período determinado, em local apropriado

de sua escolha, às expensas e dentro do padrão estabelecido pela organização. Isto

lhe propiciará um tempo necessário para identificar um local posterior para moradia

definitiva, tendo as condições de obter informações suficientes do ambiente,

segurança, criminalidade, etc.. A utilização de um imóvel mobiliado de propriedade

ou alugado permanentemente pela organização, também pode ser considerado

alternativo, para os casos em que as expatriações e repatriações são mais

frequentes ou outros casos que se apliquem.

Sugere-se também, oferecer apoio consultivo de serviço especializado em

questões tributárias e de despachante, tanto para a documentação pessoal de

retorno e reestabelecimento no país, quanto para as questões de mudança dos

80

pertences pessoais. Um fornecedor de serviços de relocação pode também ser uma

excelente opção de conforto e segurança, às expensas da organização. O

fornecimento de serviços de um psicólogo ou uma terapia familiar também é

plausível para orientar a família preparando, principalmente o cônjuge, sobre o

cenário atual considerando os aspectos sociais, políticos e econômicos do país, bem

como sobre a perspectiva de readaptação para o mercado de trabalho, com

aspectos gerais de readaptação incluídos na orientação. Viabilizar a negociação de

datas conciliadoras no retorno da designação considerando as diferenças dos

sistemas de ensino dos países envolvidos contribui para o ajuste da educação e

para o equilíbrio na readaptação linguística.

Ainda com o mesmo foco, o apoio da organização referente ao pagamento de

escola internacional por um período é uma forma de equilibrar a interface de

readaptação linguística e método de ensino, preservando o padrão de educação.

Contratar, de mesmo modo, no decorrer e após o período da designação

internacional, aulas particulares da língua pátria como resgate ou desenvolvimento

do idioma dos pais são práticas exequíveis para se minimizar ou mitigar o desajuste

ao sistema de educação entre os dois países. Dentro da mesma premissa de

orientação recomenda-se o estabelecimento de um programa de saúde financeira

para o repatriado e família, antes da saída para a designação internacional, como

preparação para contornar as possíveis e prováveis mudanças financeiras ocorridas

durante e após a expatriação. Cuidar da saúde financeira do repatriado reduz a

incerteza e facilita a readaptação.

Recomenda-se ações da organização no sentido de potencializar ganhos em

produtividade e inovação tecnológica, compartilhamento de processos críticos,

através da viabilização de “workshops” e seminários onde o repatriado poderá

81

partilhar e disseminar seu conhecimento proporcionando uma efetiva melhoria na

gestão do conhecimento da organização. Estas ações, precedidas por visitas

periódicas e/ou participações de reuniões de alinhamento ocorridas durante a

designação internacional e incrementadas com participações em programas de

treinamento internos frequentes, nos últimos doze meses que antecedem seu

retorno, corroborarão para o aumento de ganho do repatriado em legitimidade

perante os profissionais da organização, possibilitando-lhe uma maior interação,

atualização nos processos e incremento de sinergia.

A oferta de treinamentos sistematizados e orientação direcionada diante da

insegurança urbana, restrições de mobilidade, custo de vida, burocracia e demais

problemas identificados nesta pesquisa com suas respectivas táticas e soluções,

pode ser aplicada para facilitar o reposicionamento e adequação do profissional,

utilizando-se inclusive da experiência de outros repatriados para treinarem os recém-

chegados. Uma vez que os resultados oferecem soluções para os problemas de

readaptação transcultural do repatriado brasileiro e consequentemente para

minimização do CCR, propõe-se que as evidências empíricas deste estudo sejam

utilizadas para os processos de recrutamento e seleção de candidatos como critério

adicional para uma atribuição internacional, auxiliando na identificação de potenciais

candidatos portadores de inteligência cultural, flexibilidade e grande abertura a

mudanças.

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APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

1) Quais os principais problemas de adaptação geral você enfrentou após sua

repatriação? Poderia nos dar algum exemplo de uma situação em que esse

problema tenha se manifestado?

2) Como você fez para superar estes problemas?

3) No seu processo de readaptação ao Brasil, a empresa na qual você trabalha

ofereceu algum suporte? Se positivo, qual suporte?

4) Como foi sua readaptação em termos de escola para seus filhos? A empresa

ajudou de alguma forma? Como?

5) Como foi sua readaptação em termos de moradia? A empresa ajudou de

alguma forma? Como?

6) Como foi sua readaptação em termos de alimentação? A empresa ajudou de

alguma forma? Como?

7) Como foi sua readaptação em termos de transporte e mobilidade? A empresa

ajudou de alguma forma? Como?

8) Como foi sua readaptação em termos de valores pessoais? Houve alguma

mudança?

9) Como foi sua readaptação em termos de saúde? A empresa ajudou de alguma

forma? Como?

10) Como foi sua readaptação em termos de burocracia para a reentrada no país?

A empresa ajudou de alguma forma? Como?

11) Como foi sua readaptação em termos de reconstrução de vínculos de amizade

com antigos amigos?

12) Como foi sua readaptação em termos de construção de novos vínculos de

amizade?

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13) Como foi sua readaptação em termos de relação com colegas de trabalho?

14) Como foi sua readaptação em termos de relação com líderes e gestores?

15) Como foi sua readaptação em termos de relação com clientes e fornecedores?

16) Como foi sua readaptação em termos de relação com o trabalho no contexto da

cultura brasileira?