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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA CAMPUS ROLIM DE MOURA DEPARTMENTO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA ELIANE PEREIRA DA SILVA MÃES E O ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS VIVENCIADOS POR MÃES ACADÊMICAS PARA A CONCLUSÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA ROLIM DE MOURA-RO 2018

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

CAMPUS ROLIM DE MOURA

DEPARTMENTO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

ELIANE PEREIRA DA SILVA

MÃES E O ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS VIVENCIADOS POR MÃES ACADÊMICAS PARA A

CONCLUSÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA

ROLIM DE MOURA-RO

2018

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ELIANE PEREIRA DA SILVA

MÃES E O ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS VIVENCIADOS POR MÃES ACADÊMICAS PARA A

CONCLUSÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA

Monografia apresentada à Universidade Federal de Rondônia – UNIR – Campus de Rolim de Moura, como exigência final para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia. Orientadora: Profª. Drª. Marina Silva Ruivo. Universidade Federal de Rondônia/Campus Rolim de Moura

ROLIM DE MOURA-RO

2018

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DIREITO DA AUTORA

Eliane Pereira da Silva, com documento de identidade nº 741639

SESDEC/RO, autora da pesquisa intitulada “Mães e o ensino superior: desafios

vivenciados por mães acadêmicas para a conclusão do curso de Pedagogia”,

declara que, voluntariamente, cede de forma gratuita, ilimitada e irrevogável,

em favor da Universidade Federal de Rondônia, Campus Rolim de Moura, os

direitos autorais do conteúdo patrimonial que pertence à obra de referência. De

acordo com o exposto, este trabalho dá à UNIR a capacidade de comunicar o

trabalho, divulgar, publicar e reproduzir em mídia analógica ou digital sobre a

oportunidade que ela assim o entender. A UNIR deve indicar que a autoria ou a

criação do trabalho corresponde a minha pessoa e fará referência à autora e às

pessoas que colaboraram na realização desta pesquisa.

Rolim de Moura, 3 dezembro de 2018.

_________________________________________

Eliane Pereira da Silva

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DEDICO

A todas as mulheres, trabalhadoras, acadêmicas, mães, esposas e donas de casa que lutam sempre por seus

direitos e estão conquistando seu espaço cada dia mais, todo carinho, todo elogio, todo amor que são merecedoras

de receber.

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Agradecimentos

Agradeço a Deus por toda a força, ânimo e coragem por ter conseguido

chegar nesta fase da minha vida, e assim ter mais uma conquista em meios a

tantas já obtidas.

Agradeço aos meus familiares, tão presentes nesta caminhada,

principalmente à minha mãe Manuelita, que sempre me incentivou a estudar e

a ter um curso superior, ao meu pai Sebastião e à minha irmã Vitória.

É claro que não posso me esquecer do meu esposo Eliomar, que me

deu meus filhos Kayck e Miguel. Foi por mim e por eles que voltei a estudar,

para dar um futuro melhor para meus filhos.

Ao meu afilhado Patrick, que me ajudou muito na confecção das

atividades de estágio e em todos os momentos em que precisei.

Às minhas amigas que me acolheram e acreditaram em mim, me

ajudaram, me incentivando quando pensei em desistir, um agradecimento

eterno, pois sem a força que me deram não teria sido possível.

Aos meus professores, foram eles que me deram recursos e ferramentas

para evoluir um pouco mais todos os dias.

À minha orientadora Marina Ruivo, por ser paciente, me ajudando nos

momentos de angústias, com carinho e atenção, quero deixar o meu

agradecimento.

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“Quando alguém se interessa pelo que faz, é capaz de empreender

esforços até o limite de sua resistência física.”

Jean Piaget

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Resumo

Este trabalho aborda a questão da mulher no ensino superior, um tema pensado a partir das dificuldades vividas ao longo do curso de graduação em Pedagogia, as quais diziam respeito, sobretudo, ao modo de conciliar a vida cotidiana de mulher mãe com a vida acadêmica. Foi pensado também pela concepção de que dificuldades semelhantes ocorriam com outras mulheres mães acadêmicas. Afinal, a vida universitária exige muito tempo e dedicação dos discentes, com os trabalhos, pesquisas e leituras necessárias para o bom cumprimento das disciplinas. Por outro lado, as obrigações com os filhos, o marido e os deveres domésticos não cessam. Diante desse contexto complexo, procura-se trazer respostas a tal realidade vivida pelas mães acadêmicas no ensino superior em Pedagogia. O objetivo da pesquisa, portanto, foi o de analisar os desafios e dificuldades que mães acadêmicas encontram em sua formação inicial como docentes da Educação Infantil e/ou do Ensino Fundamental. O aporte teórico foi Del Priore (2004), Teles (1993), Almeida (1998), Cambi (1999), entre outros autores.

Palavras-chave: Educação, Mães acadêmicas, Desafios.

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Abstract

This work deals with the issue of women in higher education, a topic thought of the difficulties experienced during the course of graduation in Pedagogy, which concerned, above all, the way to reconcile the daily life of mother and woman with the academic life. It was also thought by the conception that similar difficulties occurred with other women and academic mothers. After all, the university life requires a lot of time and dedication of the students, with the works, researches and readings necessary for the good fulfillment of the disciplines. On the other hand, the obligations with the children, the husband and the domestic duties do not cease. Faced with this complex context, I try to bring answers to this reality lived by academic mothers in higher education in Pedagogy. The objective of the research, therefore, was to analyze the challenges and difficulties that academic mothers encounter in their initial formation as teachers of Early Childhood Education and / or Elementary Education. The theoretical contribution was Del Priore (2004), Teles (1993), Almeida (1998), Cambi (1999), among other authors.

Keywords: Education, Academic Mothers, Challenges.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................10

CAPÍTULO I – Fundamentação teórica...................................................12

1. MULHERES NA CONSTRUÇÃO DE SUA IDENTIDADE ....................12

1.1 Feminismo: a luta pela emancipação da mulher...................................16

1.2 Educação feminina no Brasil: mulheres na sala de aula.......................21

1.3 História do curso de Pedagogia no Brasil..............................................28

1.4 História do curso de Pedagogia na Universidade Federal de Rondônia

(Unir): Campus de Rolim de Moura..............................................................34

CAPÍTULO II– Metodologia da pesquisa...................................................37

2.1 Análise dos dados: dificuldades e perspectivas na graduação no curso de

Pedagogia.....................................................................................................38

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................52

ANEXOS........................................................................................................53

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Introdução

Este trabalho tem por objetivo analisar os desafios e dificuldades que

mães acadêmicas encontram, em sua formação inicial como docentes, para

a conclusão do curso de Pedagogia. Tomando em conta tal objetivo, será

apresentada uma breve reflexão acerca da trajetória das mulheres no Brasil,

bem como das lutas que enfrentaram para conseguir ter o direito à educação

e ao curso superior. Ao longo da história da humanidade, a mulher sempre

foi vista um como ser sem valor na sociedade, de sexo frágil, cuja única

importância era gerar filhos, e de preferência filhos homens.

No século XIX, aconteceram várias mudanças e, com a consolidação

do sistema capitalista e o desenvolvimento das maquinarias, as mulheres

donas de casa ganharam sua independência e conquistaram seu espaço, o

qual, até então, não era visível. Mas a situação das mulheres ainda era

degradante, pois eram consideradas cidadãs de segunda categoria. Elas,

porém, não se calaram e continuaram a lutar e a procurar seu espaço na

sociedade. Não queriam mais ser tomadas como objeto, muito menos ser

consideradas posse dos homens, devendo-lhes obediência e submissão.

Os constrangimentos que as mulheres passaram ao longo da história

foram inúmeros, e elas não tinham o direito de escolher nem o marido.

Quando passaram a se inserir no mercado de trabalho, as péssimas

condições e ausência de direitos eram a regra. Para piorar, sofriam

preconceito, sendo consideradas o “sexo frágil” e inferior, que deveria se

dedicar apenas ao lar e à maternidade. Na história das mulheres, a Igreja

também teve forte poder sobre elas, associando-as à Eva detentora de

pecados e ainda considerando-as como seres imperfeitos e menos valiosos.

No início do século XX, surgiu o movimento feminista, e aos poucos

foram sendo obtidas conquistas. A mulher obteve direito à educação e direito

ao voto. As lutas foram constantes e a história começou a tomar outros

rumos.

A partir de então a situação foi se modificando mais e mais, e a

educação superior que, por muitos anos, foi considerada um privilégio

masculino, começou a dar espaço para as mulheres. Com diversas as lutas,

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conseguiram ser reconhecidas e alcançaram o direito de poder ingressar na

universidade na busca de uma graduação.

Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro será

abordada, de forma breve, a história das mulheres no Brasil desde o período

colonial, passando pelo feminismo e chegando à educação feminina,

inclusive com a entrada no ensino superior. Será comentada a situação da

mulher, a opressão e a submissão que lhes eram impostas, e também as

lutas e conquistas que obtiveram ao longo de sua trajetória até conseguirem

se igualar aos homens na sociedade, ao menos (por enquanto) em alguns

aspectos, como salários e, até mesmo, no trabalho.

No segundo capítulo será discutida a história do curso de Pedagogia

no Brasil, e toda a transformação pela qual passou até chegar à atualidade.

Será sintetizada a história da pedagogia como ciência, passando pela

Paideia grega e pela educação romana. Nesse mesmo capítulo, também

serão apresentados elementos da história do curso de Licenciatura em

Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) no campus de

Rolim de Moura, pontuando aspectos da história da universidade e do

surgimento do curso de Pedagogia no estado.

No terceiro capítulo será especificada a metodologia da pesquisa e

apresentada a análise dos dados coletados com as entrevistas realizadas

com mulheres que são mães, donas de casa e acadêmicas. Os instrumentos

de pesquisa utilizados neste trabalho foram entrevistas e questionários, com

perguntas a respeito das adversidades encontradas por essas mulheres ao

ingressarem no curso superior e buscando entender seus motivos,

interesses e quais eram as suas perspectivas ao ingressarem na

universidade.

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CAPÍTULO 1- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 MULHERES NA CONSTRUÇÃO DE SUA IDENTIDADE

A história das mulheres não é só delas, é também aquela da família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura. É a história do seu corpo, da sua sexualidade, da violência que sofreram e que praticaram, da sua loucura, dos seus amores e dos seus sentimentos. (DEL PRIORE, 2004, p. 1)

A sociedade colonial brasileira foi marcada pelo preconceito e pelo

machismo, atribuindo à mulher apenas e tão somente o valor da procriação.

No Brasil colonial, as mulheres – tanto as índias, como as negras e brancas,

embora cada uma de forma diferente – eram obrigadas a servir ao pai, ao

patrão e aos seus maridos, além de manipuladas pela Igreja. Foi um período

de muita repressão, em que as mulheres sofreram diversas atrocidades e as

violências eram constantes.

Ao pensar na história das mulheres no Brasil e em sua maneira de

viver desde as primeiras civilizações até a modernidade, podemos começar

pelo cotidiano das indígenas brasileiras no início da colonização, as quais

foram exploradas, escravizadas e usadas pelos colonizadores, configuradas

como meros objetos sexuais desses homens, além de serem castigadas e

terem de viver submissas à Igreja. Pela concepção cristã, todas as mulheres

eram descendentes de Eva, a figura da pecadora original, e por isso

precisavam ser vigiadas e fortemente oprimidas, tendo que viver de acordo

com os paradigmas teológicos cristãos.

A Igreja exercia uma forte pressão sobre a sexualidade feminina,

deixando claro que o homem é que lhe era superior e era quem detinha a

autoridade. A mulher estava já a priori condenada, e era preciso vigiar suas

roupas e costumes, submetendo-as constantemente a humilhações. Como

descendentes diretas de Eva, todas eram consideradas como ludibriadoras

da mente do homem, e assim era preciso fazer de tudo para sujeitá-las.

Assim, no final do século XVI, vários teólogos reafirmavam que o sexo

oposto era mais frágil em face das tentações por estar repleto de paixões

vorazes e veementes. Dessa forma:

[...] esse sentimento em relação ao sexo oposto não era característica apenas dos teólogos [...] a Bíblia já havia representado a mulher como fraca e suscetível. Desde Eva, as

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tentações da carne e as perversões sexuais surgem do sexo feminino. (DEL PRIORE, 2004, p. 43)

As mulheres foram descritas como perversoras sexuais, porque, na

visão da Igreja e dos teólogos, apresentavam aos homens os prazeres da

carne. Na sociedade colonial, a mulher só podia sair à rua acompanhada

dos pais, irmãos e/ou criadas, e nada podia fazer a não ser seguir os

costumes e as regras impostas naquele período. O marido, ainda na visão

da Igreja, representava Cristo no lar, e a mulher devia se conservar em

silêncio e ser submissa a ele, à própria Igreja e à sociedade como um todo.

Durante séculos a submissão feminina no seio do casamento era a regra, e

cabiam às mulheres funções determinadas, como as de boa esposa, mãe e

cuidadora do lar e dos filhos.

A partir do século XIX, num processo demorado e ainda em curso, a

situação começou a tomar outros rumos e a sociedade brasileira passou a

sofrer uma série de transformações, principiando a oferecer novas

alternativas de sociabilidade às mulheres. Com a consolidação do

capitalismo e a ascensão da burguesia, iniciou-se uma inovação na

mentalidade, com a reorganização, muito lenta, das vivências das famílias e

das atividades femininas, e o nascimento, pouco a pouco, de uma nova

mulher, com a chamada família burguesa.

Com o surgimento da burguesia e a reorganização das famílias e da

sociedade, as mulheres começaram a ter uma participação mais ativa nas

práticas sociais e na economia, reduzindo a dependência que sempre esteve

presente na história das mulheres no Brasil. Mas elas ainda enfrentavam

diversos preconceitos por parte da Igreja, da administração colonial e da

sociedade de um modo amplo, na busca de traçar um caminho de

participação social e econômica. Algumas mulheres não se deixavam ser

dominadas e enfrentavam os preconceitos, buscando seu espaço sem medir

esforços. Como destaca a historiadora Mary Del Priori:

A vida burguesa reorganiza as vivências domésticas. Um sólido ambiente familiar, lar acolhedor, filhos educados e a esposa dedicada ao marido e sua companheira na vida social são consideradas um verdadeiro tesouro. (DEL PRIORE, 2004, p. 225).

No século XIX as mulheres começaram a aparecer na literatura de

cordel e em alguns livros de memórias. As mulheres pobres livres, as

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lavadeiras, as doceiras, costureiras e rendeiras apareciam também nas

cantigas do Nordeste. Aos poucos, as mulheres passaram a poder se expor

mais livremente, mais ainda com bastante cautela.

Diante desse contexto elas não pararam e continuaram a trilhar seu

caminho com muita determinação, mesmo enfrentando muitas dificuldades.

Havia ainda muitas mulheres, das várias classes sociais, que permaneciam

oprimidas. Há que lembrar que as de classe mais abastada praticamente

não podiam realizar atividades fora do lar, e eram treinadas para

desempenhar o papel de mães e donas de casa, assumindo a função de

“prendas domésticas”. As atividades impostas a elas eram orientar os filhos

e cuidar deles, cozinhar, costurar e bordar. As pobres e viúvas podiam fazer

doces por encomenda, arranjos de flores e outras coisas afins para criar e

dar educação aos seus filhos, mas a sociedade não via com bons olhos

esses afazeres e continuava considerando que as mulheres não podiam

ganhar dinheiro.

Havia, contudo, aquelas destemidas e que não desistiram de ser

reconhecidas por uma sociedade machista e preconceituosa, como Amélia

de Freitas, que foi a primeira mulher brasileira a concorrer a uma cadeira da

Academia Brasileira de Letras (ABL). Nascida em Jerumenha, no Piauí, em

1861. Ela era filha do desembargador José Manoel de Freitas, governador

das províncias do Maranhão e do Ceará.. Amélia foi redatora de uma revista

literária exclusivamente feminina, deixando um legado como os romances

Alcyone, Açucena e Jeannette, além de contos, artigos e um livro com

instruções sobre a infância, intitulado Instrução e educação da infância. Mas,

numa história ainda predominantemente narrada pelos homens, Amélia é

lembrada, sobretudo, não pelos seus feitos, mas pelo fato de ter se casado

com um homem de posses.

Logo, mesmo obtendo certo destaque e grau de instrução, essas

mulheres ainda estavam restritas à esfera do espaço privado, pois a elas

não se destinava o âmbito público do mundo econômico, político, social e

cultural. A mulher ainda não era, em consequência, considerada cidadã

política. Assim:

Muitas filhas de famílias poderosas nasceram, cresceram, casaram e, em geral, morreram nas fazendas de gado. Não estudaram as

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primeiras letras nas escolas particulares dirigidas por padres e não foram enviadas a São Luiz para o curso médio, nem a Recife ou Bahia, como ocorria com os rapazes de sua categoria social. Raramente aprenderam a ler e, quando o fizeram, foi com professores particulares, contratados pelos pais para ministrar as aulas em casa. (DEL PRIORE, 2004, p. 251).

Não é difícil imaginar as apreensões que passaram essas mulheres

quando não podiam se exprimir por escrito e tinham que depender de outros

para fazerem suas solicitações. Poucas conseguiram se fazer notadas,

como Nísia Floresta e Maria Firmina dos Reis, ambas naturais do Nordeste.

Maria Firmina dos Reis foi uma escritora mulata maranhense, professora da

rede pública e autora de romances e contos. Nascida na Ilha de São Luís, no

Maranhão, em 11 de março de 1825. Já Nísia Floresta Brasileira, (1810-1885) é

considerada uma das fundadoras do feminismo no Brasil, publicou textos e

livros em defesa dos direitos da mulher. Nascida no interior do Rio Grande

do Norte, em Papari, é também apontada como a precursora das ideias de

igualdade e independência da mulher no Brasil.

Luísa Amélia de Queiroz Brandão, por sua vez, foi a primeira a ocupar

uma cadeira em uma academia literária, a Academia Piauiense de Letras.

Nascida em 1838 faleceu em 12 de novembro de 1898 aos 59 anos, vítima

de um “câncaro” no útero, óbito este lavrado pelo então Dr. Mirócles Veras.

A poetisa escreveu o soneto “Teto de Inspiração” (feito na copa de uma

árvore) revelando o desejo de ter seus restos mortais sepultados à sombra

de uma gameleira, fato este não consumado, porém, anos mais tarde,

arrebentaria sua lápide a árvore que, ainda hoje, esbanja beleza no

Cemitério da Igualdade, em Parnaíba. É autora das obras “Flores Incultas”

de 1875, onde demonstra uma extrema influência de Casimiro de Abreu e

uma certa pobreza intelectual; e “Georgina” de 1893 em que esbanja uma

sublime poética e o desvinculo com sua influência casemira; publicados

ambos em São Luís do Maranhão. Outras se tornaram poetisas, mas muitas

foram às mulheres que não tiveram suas obras publicadas.

A nova mulher que surgia com a burguesia, em consequência, não

tinha muitas diferenças diante daquelas de algumas décadas anteriores. A

imagem da mulher, no final do século XIX e mesmo no início de século XX,

que aparecia em jornais ainda era completamente atravessada pelo

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machismo, caracterizando como "mulher boa" a que traz felicidade familiar,

ou seja, a que é submissa ao lar e à família. De acordo com Del Priore:

A mulher boa, meiga, mas ignorante, pode ainda assim tornar o lar doméstico um asilo casto, uma enseada tranquila. A mulher doce, carinhosa, mas instruída, de talento, com a dupla chamada imaterial do amor e da inteligência a flamejar-lhe no coração e no cérebro, essa tornará o recinto da família prestigioso como um templo invencível, [...]. (DEL PRIORE, 2004, p. 286).

As tentativas de mudanças nos papéis sociais das mulheres podem

ser observadas na divisão sexual das tarefas: cabia exclusivamente às

mulheres o trabalho doméstico. A mulher teria que ser boa dona de casa,

uma esposa tão necessária como o pão de cada dia. Quando alguma mulher

conseguia trabalhar na sociedade colonial, era na função de limpar a casa,

cuidar e educar as crianças, cozinhar, passando a ser valorizada pelos

cuidados familiares e da casa.

Dessa forma a função feminina deveria agir mais especialmente sobre

seus filhos, seu esposo e seus pais. A mudança de regime político, por

ocasião da proclamação da República, promoveu o remanejamento da elite

e, para as mulheres das camadas médias, esse declínio econômico

representou maiores pressões sobre elas em questões relativas à honra

familiar e ao casamento. E aquela imagem feminina idealizada pelos jornais

do século XIX foi rareando no século XX, surgindo novas formas de distinção

social, baseadas nas imagens das mulheres em eventos familiares, em

participações em atividades culturais e beneficentes.

Portanto, nos fins do século XIX, as transformações que começaram

lentas e contraditórias na sociedade brasileira tornaram-se mais profundas e

definidas. As mulheres começaram a reagir à violência e as humilhações

impostas.

1.1 Feminismos: a luta pela emancipação da mulher

O movimento feminista no Brasil surgiu no século XIX com a luta pela

educação feminina, pelo direito ao voto e também como uma luta a favor da

abolição dos escravos. Foi o período das primeiras manifestações políticas

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no país, em que outros movimentos de libertação denunciavam a existência

de formas de opressão e buscavam a superação das desigualdades sociais.

A sociedade brasileira de então era baseada na escravidão, a qual

oprimia as mulheres negras, na condição de escravas, e oprimia também as

mulheres brancas, subordinando-as ao lar e à Igreja. Segundo M. Alves e

Pitanguy (1981), o feminismo procurou, em sua prática enquanto movimento,

superar as formas de organização tradicionais, permeadas pela assimetria e

pelo autoritarismo.

Em fins do século XVIII alguns países europeus promoveram a

Revolução Industrial e, com esta, a ascensão do capitalismo, que mudou a

face do mundo. Países europeus como a Inglaterra e a França possuíam

capital e mão de obra, e foram desenvolvendo a técnica e as máquinas. As

ideias liberais foram tomando conta da Europa e chegaram até o Brasil.

Segundo Teles (1993), no século XIX houve mulheres que começaram a

reivindicar seus direitos à educação. Assim:

O ensino então proposto em 1827 só admitia para as meninas a escola de 1°grau, sendo impossível atingir níveis mais altos, abertos aos meninos. O aspecto principal continuava sendo a preparação para as atividades do lar em vez da instrução da escrita, leitura e contas. (TELES, 1993, p. 27).

No Brasil Imperial, houve muitas mulheres que se destacaram na luta

pela Independência e pela abolição da escravatura. No final do século XIX,

despontaram as primeiras ideias feministas, abolicionistas e republicanas no

país.

O movimento feminista, com suas reivindicações, possibilitou às

mulheres um espaço até então negado, e elas passaram a exigir igualdade

de direitos, de educação e profissionalização. Vale ressaltar que o

movimento trouxe para as mulheres um lugar na sociedade, com direitos

iguais aos concedidos para os homens. Tal movimento foi liderado por

mulheres letradas, cultas e de maior poder econômico que, com as

reivindicações, conseguiram ter suas primeiras conquistas, como o direito ao

voto, que se deu em 1930. De acordo com M. Alves e Pitanguy:

O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades

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“femininas” ou “masculinas” sejam atributos do ser humano em sua globalidade. (M. Alves e Pitanguy, 1981, p. 9).

Nesse contexto o movimento feminista não se traduz em relação de

poder, ele procura conceder direitos iguais para ambos os sexos, atribuindo

ao ser humano valores igualitários em sua globalização. Porém, no Brasil, o

movimento feminista diminuiu de intensidade por algumas décadas, voltando

nos anos 1960 com mais força, influenciado pelas ideias de Betty Friedman

(1921-2006), foi escritora e fundadora da Organização Nacional das

Mulheres, nos Estados Unidos. Publicou o livro "A mística feminina" que

analisa os processos de submissão a que as mulheres são sujeitadas para

encaixarem-se em modelos socialmente aceitos.

Com o feminismo as mulheres se tornaram visíveis à sociedade,

quebraram tabus e expandiram suas possibilidades, tornando-se fortes,

conquistando o direito à educação e ingressando na universidade,

enfrentando os diversos desafios para dar conta de realizar todas essas

atividades em seu cotidiano, lidar com os afazeres domésticos, os filhos, o

marido e ainda dar conta da faculdade e de todas as exigências que a

graduação requer.

É bastante complexo apresentar uma definição do que foi o

feminismo, esse termo traduz toda a trajetória de um processo que começou

no passado, e revela-se também na esfera doméstica, no trabalho, em

espaços onde as mulheres buscam recriar as relações interpessoais sob um

prisma em que o feminino não seja o menos, o desvalorizado.

O feminismo é uma filosofia universal que considera a existência de uma opressão específica a todas as mulheres. Essa opressão se manifesta tanto a nível das estruturas como das superestruturas (ideologia, cultura e política). Assume formas diversas conforme as classes e camadas sociais, nos diferentes grupos étnicos e culturas. (TELES, 1993, p. 10).

As primeiras manifestações das mulheres trabalhadoras e o

surgimento de iniciativas feministas, ainda que isoladas, correspondiam às

novas condições criadas no país. O mesmo ocorria com o movimento

feminista, que na ocasião lutava pelo direito ao voto.

Uma das primeiras feministas do Brasil foi a já mencionada Nísia

Floresta Brasileira Augusta, que defendia a abolição da escravatura ao lado

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de propostas como a educação e a emancipação da mulher e a instauração

da República. Várias outras mulheres feministas marcaram a histórica luta

que enfrentaram para ganhar seu espaço. A romancista brasileira Maria

Firmina dos Reis, negra nascida em São Luís do Maranhão, Narcisa Amália,

professora primária, e Luísa Mahim, que fez de sua casa um quartel-general

das principais revoltas negras, além da compositora popular Chiquinha

Gonzaga, entre tantas outras.

Francisca Edwiges Neves Gonzaga, conhecida como Chiquinha

Gonzaga, nasceu no Rio de Janeiro no dia 17 de outubro de 1847. Filha de

José Basileu Alves Gonzaga, primeiro-tenente, de família ilustre do Império,

e Rosa Maria Neves Lima, mestiça, filha de uma escrava, uma relação

rejeitada pela família de Basileu. Chiquinha recebeu a mesma educação

dada às crianças burguesas da época. Com 11 anos estreou como

compositora com uma cantiga de Natal, intitulada “Canção dos Pastores”.

Sua carreira ganhou prestígio com a marcha-rancho "Ô Abre Alas",

composta em 1899. Foi à primeira compositora popular brasileira, com a

famosa marchinha “Oh abre alas”, que até os dias atuais anima os carnavais

brasileiros. Chiquinha também teve participação ativa na vida política e no

movimento abolicionista.

A sociedade colonial a via como portadora da desonra e da vergonha,

por não se adequar aos padrões de comportamento esperados para as

mulheres. Outras mulheres também fizeram parte desses movimentos e

reivindicações, na esperança de uma vida melhor e digna, e de libertar-se da

submissão imposta pelos homens e pela sociedade.

O movimento feminista na segunda República, a partir de 1930, tinha

como adeptas mulheres intelectuais e operárias, as quais tinham como

objetivo derrubar o governo de Vargas e implantar um governo popular, pois

ele era considerado um ditador. Segundo Teles:

Durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres exerceram inteira atividade, tanto para sua sobrevivência quanto para nas lutas antifascistas. Mas mesmo assim, não viram recompensados seus esforços. Na defesa da paz e na luta pela estabilidade democrática e pela soberania nacional, a mulher representou uma força expressiva, sem que, contudo, seus direitos fossem considerados. (Teles, 1993, p. 158).

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Várias foram as reivindicações a partir da Segunda Guerra, num

esforço para que as mulheres, com a consolidação da democracia,

pudessem lutar para conquistar a igualdade de direitos em termos

profissionais, administrativos, culturais e políticos.

Com as reivindicações as mulheres criaram entidades, como a

Associação Feminista do Distrito Federal, a Federação das Mulheres do

Brasil (FMB) e o Jornal Movimento Feminino, para lutar contra o alto custo

de vida, a favor dos direitos da mulher, da infância e da paz mundial. Nesse

contexto amplo, o dia 8 de março passou a ser considerado o Dia

Internacional das Mulheres. Porém, essa data refere-se também à greve de

operárias têxteis da Fábrica Cotton, ocorrida em Nova York (EUA) em 1857,

quando mulheres trabalhadoras declararam greve em protesto por melhores

condições de trabalho. Elas foram trancadas dentro da fábrica, e o patrão

ateou fogo, causando a morte de muitas mulheres. Assim:

Em 1952 realizou-se a 1° Assembleia Nacional de Mulheres, com representantes de nove estados, pela defesa dos direitos da mulher (especialmente da mulher trabalhadora) e da infância e pela paz mundial. A instalação da assembleia foi presidida por Nuta Barof James, grande defensora dos direitos da mulher e das liberdades democráticas. (Teles, 1993, p. 50).

Portanto, com o movimento feminista e as reivindicações as mulheres

começaram a lutar pelos seus direitos, desde o direito ao voto, à educação

básica e ao curso superior, e a ocupar cargos na sociedade equivalentes

aos dos homens. No entanto, ainda na atualidade algumas mulheres são

alvo de preconceitos e abusos sexuais. Mas, diferente do período imperial,

hoje existe a Lei Maria da Penha, de N° 11.340/06, aprovada em agosto

2006, que entrou em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano, nos

termos do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, e que “Elimina todas

as formas de discriminação contra as mulheres, e da Convenção

Interamericana, para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher;

Dispõe sobre criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a

mulher; Altera o código de processo penal, o código penal e a lei de

execução penal; e dá outras providências”.

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1.2 Educação feminina no Brasil: Mulheres na sala de aula

Falar da educação das mulheres significa voltar ao passado e

apresentar fatos pertinentes ocorridos há décadas. Como mencionado,

durante muitos séculos as mulheres viveram submissas aos homens e sob

as imposições da Igreja, suas vidas se determinavam a preparar e esperar o

casamento e depois cuidar do marido e dos filhos. A mulher não tinha

direitos e era tratada com grande desigualdade em relação aos homens e à

sociedade colonial. Os homens ocupavam os mais diferentes papéis,

enquanto a mulher vivia sujeita ao lar e era estigmatizada ou com atributos

imaculados de pureza, ou com a imagem da sedenta de pecado e, às vezes,

tratada como aberração ou como ser incompleto.

No século XIX ocorreram várias mudanças e com a implantação da

República, as duas guerras mundiais, a crescente urbanização e a

industrialização, as mulheres começaram a ter suas primeiras participações

na sociedade que agora tinha uma mentalidade social diferenciada e era

menos preconceituosa e machista. Essas transformações na cultura e na

sociedade colonial brasileira foram proveitosas para as mulheres, que

obtiveram algumas conquistas, como o direito ao voto e o direito a atuar no

espaço público.

A mulher consegue, assim, pouco a pouco, sair da domesticação do

lar e passa a exigir igualdade de direitos. Essas mudanças que aconteceram

contribuíram positivamente para as mulheres no Brasil, implantando uma

nova sociedade com mudanças culturais, mudando a imagem da mulher,

dando-lhe o direito a estudar, ainda que a educação ofertada fosse mais

para os homens (havia apenas uma minoria de mulheres nas escolas). A

educação oferecida a elas era para transformá-las em esposas perfeitas e

mães cheias de valores e princípios, e não para sua emancipação. De

acordo com Almeida:

Esse pensamento valorizava a mulher apenas como mãe e esposa abnegada, para quem o lar era o altar no qual deposita sua esperança de felicidade e, sendo o casamento sua principal

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aspiração, era a indicada para ser a primeira educadora da infância, sustentáculo da família e da pátria. (ALMEIDA, 1998, p. 18).

Na realidade, o fim ultimo da educação era preparar a mulher para

atuar no espaço domestico e incumbir-se do cuidado com o marido e os

filhos, não se imaginava que pudessem desempenhar uma profissão

assalariada. O Brasil, nesse período, influenciado pelo mundo ocidental mais

desenvolvido, usava essas ideias proporcionando às mulheres outros

espaços, que até então estiveram restritos ao lar e à dominação dos

homens.

A sociedade não aceitava a emancipação feminina e não queria que

elas tivessem o saber intelectual, pois mulheres instruídas não seriam

passivas. A educação para as mulheres foi ganhando espaços e novos

rumos, mas houve muito abandono da educação nas províncias, por não ter

mestres com boa formação. A mulher educada dentro das aspirações

masculinas seria uma companhia mais agradável para o homem que

transitava regularmente no espaço urbano.

Começaram então a ser criadas nas províncias as escolas normais

para a formação docente. Essas instituições foram abertas para ambos os

sexos, mas foram os homens que ocuparam o magistério com mais

frequência, embora o regulamento estabelecesse que moças e rapazes

devessem estudar em classes separadas, em turnos e até escolas

diferentes. Começaram a surgir algumas escolas em maior número para os

meninos, mas também para as meninas, instituições fundadas por

congregações e ordens religiosas.

As pessoas que os instruíam não ensinavam a ler, escrever, contar ou

saber as quatro operações, mas sim a doutrina Cristã, em ensinamentos que

eram para ambos os sexos. Em alguma distinção, apareciam para os

meninos noções de geometria e, para as meninas, era considerado

suficiente o bordar e o costurar. Segundo Del Priore, “a atividade docente,

no Brasil, como em muitas outras sociedades, havia sido iniciada por

homens, aqui por religiosos, especialmente jesuítas”. (DEL PRIORE, 2004,

p.449).

Mas, em relação à entrada das mulheres no ensino superior, os

Estados Unidos foi o primeiro país a criar esta possibilidade. Pode-se

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constatar que a “entrada das mulheres na universidade aconteceu

primeiramente nos Estados Unidos no ano de 1837, com a criação de

universidades exclusivas para as mulheres. É no estado de Ohio que surge

a primeira universidade feminina o women‟s college”. No caso do Brasil, o

início do acesso ao ensino superior feminino deu-se somente no final do

século XIX.

E com o passar dos tempos às mulheres também eram necessárias

no magistério tanto quanto os homens, então surgiram as classes das

meninas, que deveriam ser regidas por “senhoras honestas”, como também

pontua Del Priore:

Ao serem criadas as escolas normais, a pretensão era formar professores e professoras que pudessem atender a um esperado aumento na demanda escolar. Mas tal objetivo não foi alcançado exatamente como se imaginava: pouco a pouco, os relatórios iam indicando que, curiosamente, as escolas normais estavam recebendo e formando mais mulheres que homens. (DEL PRIORE, 2004, p. 449).

A profissão do Magistério que, a princípio foi ideologicamente vista como

dever sagrado e sacerdócio, por força dessas mesmas teorias tornou-se, na

segunda metade do século XX, alvo das acusações e das denuncias de

proletarização do magistério, ora colocando professores e professoras como

vitimas do sistema, ora como responsáveis pelos problemas educacionais

desde o momento de sua formação.

Ao incorporar que o magistério era um trabalho essencialmente

feminino, essas mesmas teorias acabam por promover distorções analíticas

quando alocaram no sexo do sujeito a desvalorização da profissão, o que foi,

uma contribuição que acabou por se revelar também como um fator de

discriminação e vitimização da mulher.

Diante desses fatos, os homens começam a abandonar a sala de aula,

um movimento que ficou conhecido como "Feminização do Magistério", que

aconteceu devido à urbanização e industrialização, as quais ampliavam as

oportunidades de trabalho para os homens. Mas esse processo se dava com

muitas críticas e resistências por parte da sociedade, que de início não

identificava a mulher com a atividade docente, fazendo-a alvo de

discussões, disputas e polêmicas. Por outro lado, nem todos eram contra

esse processo, pois afirmavam que as mulheres tinham, por natureza, uma

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inclinação para o trato com as crianças, que elas eram as primeiras e

naturais educadores, portanto nada mais adequado do que lhes confiar a

educação escolar dos pequenos.

As mulheres, animadas com as oportunidades que iam surgindo,

começaram a ampliar seu universo, até então restrito ao lar e à Igreja. A

partir desse momento passaram a ser associadas ao magistério

características supostamente “femininas”, tais como paciência, afetividade e

doação.

Implantou-se no Brasil um novo panorama educacional e, em meados

do século XX, o magistério foi institucionalizado no Brasil como profissão. A

princípio, foi ideologicamente erigido como dever sagrado e sacerdócio, por

conta da tradição religiosa do ato de ensinar. Ainda assim, com todas essas

mudanças na condição feminina, a sociedade ainda persistia em definir

papéis diferenciados para homens e mulheres.

Mas com o maciço ingresso das mulheres nas escolas, apesar da

profissão ter assumido contornos de maternidades e esculpir-se nos moldes

da formação de boas donas de casa e mães de família, esse foi o primeiro

passo dado pelas mulheres no período a fim de adquirir alguma instrução e

conseguir o ingresso numa profissão.

As mulheres se opuseram às ações impostas pela sociedade e com

isso puderam garantir grandes avanços, eliminando a diferenciação na

maneira de instrução entre homens e mulheres. Contudo, a sociedade

brasileira passou por uma verdadeira revolução feminina e finalmente

tiveram alguns direitos assegurados, como jornada de trabalho compatível,

salários iguais aos homens, entre outros benefícios.

E a partir da década de 1960 que as mulheres tiveram maiores

chances de ingressar no ensino superior. No Brasil, o início da luta por esse

direito data do século XIX, mas será somente a partir dos anos 1960 que as

mulheres brasileiras começaram a ter presença, de fato, no ensino superior.

De acordo com Almeida ( 1998):

No magistério, definitivamente feminizado, elas, aos poucos, tiveram alguns direitos assegurados, como jornada de trabalho compatível, salários não diferenciados dos salários masculinos, aposentadoria aos 25 anos de serviço, licenças de saúde e maternidade, entre outros benefícios [...]. (ALMEIDA, 1998, p. 29).

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Vale também ressaltar que durante muito tempo a profissão de

professora foi praticamente a única em que as mulheres puderam ter o

direito de exercer um trabalho digno e conseguir uma inserção no espaço

público, dado que os demais campos profissionais lhes foram vedados. As

mulheres, por tanto tempo estereotipadas e discriminadas, mas que lutaram

para conseguir seu espaço na sociedade, hoje são a maioria na condução

das salas de aulas e têm a responsabilidade de educar nossas crianças.

A feminização do magistério não se deu de forma tranquila, e a

própria identificação da mulher com a atividade docente gerou muitas

discussões. Mas o magistério era a única alternativa que as mulheres

tinham, e era um trabalho aceitável pela sociedade, desde que fosse ligado

aos cuidados com as crianças. Nesse período também começaram a surgir

outras profissões, como a de enfermeira ou parteira. Porém, o magistério era

uma das maiores oportunidades com que contou o sexo feminino. No início

do século XX a tradição das atribuições conquistadas pelas mulheres ainda

permanecia, não estava prevista a concorrência com os homens em termos

profissionais e intelectuais.

A instrução feminina a princípio era de acordo com a tradição

portuguesa, que achava que era desnecessário e prejudicial o conhecimento

intelectual das mulheres, mas esse conhecimento acabou por revelar-se

desejável, quando na sociedade da época a mulher passou a ser a principal

mantedora da família. Nessa concepção o magistério configurou-se bastante

necessário e adequado ao papel que a sociedade atribuía à mulher. A

profissão de instruir e educar tornou-se uma forma de libertar-se da

submissão e mudar a tradição imposta pela sociedade.

Dessa forma, as mulheres que eram mantidas na ignorância e

subordinação do pai, irmãos e marido, conseguiram se libertar por meio da

educação e a comandar suas vidas e inserir-se no limitado espaço público.

Assim, Almeida pontua que:

Nos anos iniciais do século XX, o movimento feminista que eclodiu na América do Norte e na Europa, com repercussões na América Latina, encarregou-se de sepultar definitivamente a visão medieval da educação feminina como contaminadora da consciência e perigosa para a pureza do corpo e da alma das mulheres. (ALMEIDA, 1998, p. 34).

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Para as mulheres, educar-se e instruir-se era a forma que tinham de

se livrar da subordinação imposta pela família e pela sociedade, deixando

para trás a tradição no âmbito do lar e conquistando uma parcela do espaço

que até então era negado. Para isso, foram à luta e lutaram muito,

quebrando preconceitos, derrubando barreiras, o machismo e as imposições

da Igreja. Procuraram, mediante o conhecimento e o trabalho, adequar-se às

novas normas sociais e ao mundo novo que lhes era oferecido. A conquista

desse novo mundo trouxe para as mulheres espaços que eram direcionados

somente aos homens, quebrando o sistema de desigualdade e opressão que

viveram por décadas.

Vale ressaltar que no Brasil, em meados do século XIX, Nísia Floresta

era uma voz feminina que elegeu justamente a educação como o

instrumento através do qual a meta de revolucionar a condição das mulheres

seria alcançada. Os anos passaram, o Brasil caminhava para o início do

século XX e, nas cidades e povoados a população continuava analfabeta, e

a maioria dos analfabetos se encontrava entre as mulheres.

Na opinião de muitos, não havia porque mobiliar a cabeça da mulher com informações ou conhecimentos, já que seu destino primordial como esposa e mãe exigiria, acima de tudo, uma moral solida e bons princípios. Ela precisa ser, em primeiro lugar, a mãe virtuosa, o pilar de sustentação do lar, a educadora das gerações do futuro. (DEL PRIORE, 2004, p. 446).

A sociedade colonial não queria aceitar uma outra função e formação

para as mulheres, impondo que o domínio da casa fosse claramente o seu

destino. Era para esse domínio que as moças deveriam estar plenamente

preparadas. Sua circulação pelos espaços públicos só deveria se fazer em

situações especiais, notadamente ligadas às atividades da Igreja, que, com

suas missas, novenas, e procissões, representava uma das poucas formas

de lazer para essas jovens.

Foi apenas nas últimas décadas do século XIX que surgiu a

necessidade de a mulher ter acesso à educação, a qual representava,

assim, um novo ganho nas lutas das mulheres. Foi inclusive determinado, na

lei de instrução pública do Brasil, de 1827, que “As mulheres precisavam de

instrução, porque eram elas que davam a primeira educação aos filhos e que

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elas moldavam os homens, fazendo deles bons ou maus” (DEL PRIORE,

2004, p. 447).

Portanto, ainda que o clamor pela educação feminina viesse a

representar, sem dúvida, um ganho para as mulheres, sua educação

continuava a ser justificada por seu destino de mãe. Elas deveriam ser

diligentes e honestas, pois era a elas que caberia controlar seus homens e

formar os novos trabalhadores e trabalhadoras do país. A educação

feminina, ademais, precisava contar com uma sólida formação cristã, que

seria a chave principal de qualquer projeto educativo.

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1.3 HISTÓRIA DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL

“O dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar aquilo que os

dominantes dominam é condição de libertação.” (SAVIANI, 1999, p. 66).

A história do curso de Pedagogia no Brasil está ligada à história da

educação no país e é marcada por intensas mudanças políticas, econômicas

e culturais. Essas mudanças fizeram uma revolução na educação,

possibilitando que ela se tornasse, hoje em dia, acessível a quase todos os

brasileiros, com uma severa diminuição das restrições historicamente

consolidadas, pelas quais uns eram privilegiados e outros não tinham

direitos políticos, tampouco acesso aos saberes da classe dominante.

Dentre aqueles poucos que tinham acesso ao estudo, havia ainda

uma diferenciação entre os destinados aos estudos do sagrado e aqueles

destinados aos estudos da administração. Aos indivíduos das classes

dominadas, havia (isso quando havia) espaço apenas para o treinamento

para os diversos ofícios especializados, ou seja, para uma formação

estritamente laboral.

Configurava-se assim o dualismo escolar tão marcante na história da

sociedade brasileira, em que o ensino era aplicado de forma diferente para o

povo e para a classe dominante, acontecendo uma grande exclusão escolar.

A história da educação nos permite compreender as mudanças

vividas até que se chegasse à situação atual, possibilitando a compreensão

da educação nos diversos momentos da história, com a observação de

como eram as instituições escolares na sociedade colonial brasileira. De

acordo com Aranha:

A princípio o conhecimento da escrita era bastante restrito, devido ao seu caráter sagrado e esotérico. Com o tempo, aumentou o número dos que procuravam instrução, embora apenas os filhos dos privilegiados conseguissem atingir o graus superior. (ARANHA, 1998, p. 52).

No período colonial brasileiro, a educação era passada principalmente

de pai para filho. O professor, nessa época, vivia à mercê de quem estava

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no poder, ou seja, da Igreja Católica, e os ensinamentos da prática

pedagógica eram voltados para a criação de um homem cristão.

Pensando de forma ampla em termos da cultura ocidental trazida à

colônia, é importante ter em mente que, desde a Grécia, a pedagogia –

como salienta Saviani (2012) – delineou-se a partir de uma dupla referência:

de um lado uma reflexão estreitamente ligada à filosofia, com a finalidade

ética que guia a atividade educativa, e de outro o sentido empírico e prático

inerente à Paideia, entendida como a formação da criança para a vida, no

sentido etimológico da pedagogia.

A pedagogia, em sua trajetória na história, vem construindo um saber

próprio, desde a Paideia grega, passando por Roma e pela Idade Média, até

chegar aos tempos modernos. Segundo Combi (1999), a história da

pedagogia se constituiu entre os séculos XVIII e XIX, com a pesquisa de

profissionais da escola que se empenhavam em institucionalizar a educação

e a instrução conforme os modelos da sociedade moderna, que pedia a

formação de técnicos e cidadãos. Como observa Saviani:

Efetivamente, a educação aparece como uma realidade irredutível nas sociedades humanas. Sua origem confunde-se com as origens do próprio homem. Na medida em que o homem se empenha em compreendê-la e busca intervir nela de maneira intencional, vai constituindo um saber específico que, desde a Paideia Grega, passando por Roma e pela Idade Média, chega aos tempos modernos fortemente associada ao termo “Pedagogia”. (SAVIANI, 2012, p. 1).

Contudo, a pedagogia como disciplina institucionalizada nasceu,

segundo Cambi (1999), no século XVIII, desenvolvendo-se no decorrer do

XIX como uma pesquisa elaborada por pessoas ligadas à escola. Nascia, de

forma especial, como uma história ideologicamente orientada que valorizava

a continuidade dos princípios e dos ideais cristãos. Convergia sobre a

contemporaneidade e construía o próprio passado de modo orgânico e

linear, pondo particular acento sobre os ideais e a teoria representada,

sobretudo, pela filosofia.

Porém, após o segundo pós-guerra, configuraram-se novas

orientações historiográficas também no campo pedagógico e, ao mesmo

tempo, entravam em crise alguns pressupostos daquele modo tradicional de

fazer história da pedagogia. Iniciava-se assim um longo processo que levou

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à substituição da história da pedagogia pela mais rica, complexa e articulada

história da educação, que só em anos recentes aparece definitivamente

constituída como modelo da pesquisa histórica em educação e pedagogia.

A pedagogia perdia a sua exclusiva conotação filosófica e revelava-se

constituída pelo encontro de diversas ciências e, portanto, como um saber

interdisciplinar que entrelaçava a sua história com a de outros saberes. Mas

a pedagogia também se prestava a um papel cada vez mais central na vida

social, formando um indivíduo socializado, e operava essa formação através

de múltiplas vias institucionais e múltiplas técnicas, disseminadas no corpo

social. De acordo com Cambi:

Desde os anos 50, e cada vez mais nitidamente desde os anos 60 e 70, desenvolveu-se assim um modo radicalmente novo de fazer história de eventos pedagógicos-educativos, que rompeu com o modelo teoreticista, unitário e “continuísta” do passado, fortemente ideológico, para dar vida a uma pesquisa mais problemática e pluralista, bastante articulada e diferenciada que considerada no seu conjunto pode ser definida como história da educação, tornando a noção de educação seja como conjunto de práticas sociais seja como feixe de saberes. (CAMBI, 1999, p. 24).

Ao longo da história a pedagogia foi firmando-se como correlato da

educação, entendida como o modo de aprender ou instituir o processo

educativo. A partir daí a pedagogia consolidou-se como disciplina

universitária, definindo-se como espaço acadêmico de estudos e pesquisas

educacionais. Saviani (2012) relata que no âmbito do idealismo a pedagogia

é considerada como filosofia aplicada, identificando-se com a filosofia da

educação em seu aspecto positivo. E no âmbito do positivismo a pedagogia

foi assimilada à pratica educativa.

Porém, no final dos anos 1970 do século XX, a pedagogia enveredou

por um caminho de autonomia científica que já não é mais suscetível de

maiores contestações. A pedagogia é justamente uma das ciências práticas

mais ricas em tradição.

Nesse contexto, o papel da pedagogia como ciência não é outro

senão oferecer modelos formais sobre o problema da formação do indivíduo

racionalmente justificáveis e logicamente defensáveis, particularizando as

variáveis que os compõem enquanto instrumentos interpretativos e

propositivos de uma classe de eventos educativos. Saviani (2012) pontua:

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No entanto, se a problemática da pedagogia remonta à antiguidade, tendo se desenvolvido numa linha de continuidade, de certo modo ascensional, até chegar a ocupar, na atualidade, um lugar reconhecido no campo acadêmico-cientifico, observa-se que nem sempre essa problemática foi tratada sob o nome de pedagogia. (SAVIANI, 2012p. 3).

Contudo, a pedagogia se torna mais rica e explícita, insistente e

consciente e não tratou apenas de uma mudança de rótulos. A pedagogia foi

redesenhada e todo o domínio histórico da educação passou de um modo

fechado para um aberto, consciente da riqueza do seu campo de pesquisa e

da variedade de métodos e instrumentos. Com princípios metodológicos

renovados, nasceram três novos modelos: a revolução dos métodos, a

revolução do tempo e a revolução dos documentos. Essas mudanças

contribuíram para o surgimento de quatro orientações, denominadas por

Cambi (1999) de: marxismo; a pesquisa de Annales e a história total; a

contribuição da psicanálise para a pesquisa histórica; e o estruturalismo e as

pesquisas quantitativas.

Esses novos métodos configuraram uma transformação, trazendo

uma liberalização radical e plural do fazer história, e uma profunda

renovação, valorizando a memória coletiva e organizando o patrimônio

cultural, redesenhando a consciência historiográfica. Após essas

renovações:

A história da educação é, hoje, um repertório de muitas histórias, dialeticamente interagentes, reunidas pelo objetivo complexo “educação”, embora colocado sob óticas diversas e diferenciadas na sua fenomenologia. Não só: também os métodos (as óticas, por assim dizer) têm características preliminarmente diferenciadas, de maneira a dar a cada âmbito de investigação a sua autonomia/especificidade, a reconhecê-lo com um “território” da investigação histórica. (CAMBI, 1999, p. 29).

Contudo, mediante os fatos ocorridos, a história da Pedagogia passou

para história da educação, afirmando-se como uma virada decidida e

decisiva. Tratou de uma verdadeira revolução historiográfica, que

redesenhou todo o domínio histórico da educação e todo o arsenal da sua

pesquisa. Assim, a história da educação hoje é plural, articulada em muitos

níveis, denominada por Cambi (1999) como um modelo de pesquisa

histórica que é preciso compreender e explorar em toda a sua amplitude,

variedade e complexidade.

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Vale ressaltar que a história da pedagogia percorreu um longo

percurso, partindo da Grécia antiga até chegar à fase contemporânea. A

pedagogia de fato é um saber que se tornou central, social, política e

culturalmente. Após todas essas transformações, a pedagogia se tornou

disciplina universitária, definindo-se como o espaço acadêmico de estudos e

pesquisas educacionais. De acordo com Saviani (2012):

No âmbito do idealismo, a pedagogia tendeu a ser dissolvida na filosofia, sendo considerada como filosofia aplicada, identificando-se, pois, com a filosofia da educação em seu aspecto positivo em contraponto ao aspecto negativo exemplarmente expresso no juízo de Gentile: a pedagogia é “o tormento da nossa escola normal que desejaria ser o tormento das universidades e de todos os futuros professores, ensinando-lhes aquilo que não pode ser ensinado”. (SAVIANI, 2012, p.2).

Diante desse contexto qualificado por Saviani (2012), a pedagogia

enveredou por um caminho de autonomia científica que já não é mais

suscetível de maiores contestações. Ela é justamente umas das ciências

práticas mais ricas em tradição.

Conforme o autor, portanto, o papel da pedagogia, como ciência, não

é outro se não oferecer modelos formais sobre o problema da formação do

individuo racionalmente justificáveis e logicamente defensáveis. Assim, a

pedagogia é um saber sempre alinhado, mas que se deve alinhar pela

emancipação, pela liberdade do homem, como sujeito-indivíduo e como

gênero.

Ou seja, uma pedagogia humanista, como a chamou Hubert, em

1967, adaptada às condições do tempo presente, e que deve atingir o

homem na totalidade de suas aptidões corporais, inteligentes, práticas,

afetivas, espirituais, deve refazer-lhe aquela unidade que o subtraia às

complicações e dispersões da vida social, deve garantir-lhe a liberdade com

o restituí-lo a si mesmo. Totalidade, unidade, liberdade, esses são os

caracteres essenciais de uma educação que vise à formação da pessoa

humana.

Assim, a Pedagogia se atrela à educação que, por sua vez, volta-se

para o antagonismo de possibilidade: ou está a serviço da manutenção da

sociedade vigente, ou de uma perspectiva que se coloca em defesa de outra

organização social, que supere as divisões em classes com oportunidades

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desiguais. De acordo com Cambi:

A História da Educação fornece aos educadores um conhecimento do passado coletivo da profissão, que serve para formar a sua cultura profissional. Possuir um conhecimento histórico não implica ter uma ação mais eficaz, mas estimula uma atitude crítica e reflexiva. A História da Educação amplia a memória e a experiência, o leque de escolhas e de possibilidades pedagógicas, o que permite um alargamento do repertório dos educadores e lhes fornece uma visão da extrema diversidade das. ( CAMBI,1999,p.13).

No Brasil, a Pedagogia, ao se estabelecer como área de formação

profissional, teve suas atribuições instituídas por regulamentações legais.

Isso significa que, em determinado tempo histórico, adquiriu uma identidade

como ciência, às vezes colocada em pauta, sem externar suas intenções.

Ainda, nos dias atuais, há dissensões com relação à base da profissão e à

área de atuação e suas consonâncias com o seu objeto de estudo. A

Pedagogia como ciência surge com as mudanças ocorridas nas forças

produtivas do feudalismo e, posteriormente, do capitalismo, as quais

movimentaram o desenvolvimento da educação.

Surgia assim, uma Pedagogia socialmente ativa, estabelecida

segundo os novos modelos ideais burgueses. Segundo o autor, é pela

difusão do iluminismo que a Pedagogia assume novas características. Mais

livre teoricamente, mais ativa socialmente e com moldes ideais burgueses:

organizar-se com vistas à “[...]formação do homem moderno (mais livre,

mais ativo, mais responsável na sociedade) e nutridos do “espírito burguês”

(utilitário e científico)” (CAMBI, 1999, p. 336).

Diante deste contexto, Saviani (2012) pontua, “ Durkheim advogava

em favor da separação da Pedagogia em relação às ciências da educação,

pois ela é normativa e prescritiva, não tratando dos fenômenos educacionais

que estariam a cargo de outras ciências. Seria uma teoria prática “[...]

interessada na realização do fenômeno educativo, em contraposição à teoria

científica, interessada no conhecimento do fato educativo, tarefa esta

acometida à sociologia da educação” (SAVIANI, 2012, p. 03)”. Para Saviani

tal entendimento não possibilitou à Pedagogia autonomia científica. Sua

submissão, anteriormente à filosofia, passou para as ciências empíricas que

serviram de modelo para a Pedagogia.

A Pedagogia está atrelada à educação, prática social necessária às

pessoas em todos os níveis da atual organização administrativa de

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escolarização formalizada. Para tanto, não se pode perder de vista que o

objeto da Pedagogia se constitui no movimento histórico e atende às

necessidades sociais de um determinado tempo.

Sendo assim, por se tratar de um curso de formação docente com

base na referida ciência, vincula-se a uma determinada lógica social. Isso

nos exigiu atenção às possibilidades referentes à necessidade ou não de

que todos os indivíduos atuem com as mesmas condições na sociedade, tal

como se apresenta atualmente.

1.4 História do curso de Pedagogia na Universidade Federal de Rondônia

(Unir): Campus de Rolim de Moura

A UNIR teve como precursora várias experiências de campus

universitário. O primeiro se deu com a criação do “Campus Avançado da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul” instalada em Porto velho no dia

2 de maio 1971. E em 1975, a prefeitura municipal de Porto Velho investiu

na abertura da Fundação Centro de Ensino Superior de Rondônia

(Fundacentro) que contava com os cursos de Administração, Ciências

Contábeis e Ciências Econômicas. Porém, o primeiro vestibular só pode ser

realizado em 1980.

Contudo, em 1982, em Porto Velho, a Fundação Universidade Federal

de Rondônia (UNIR) surgiu a partir da incorporação da Fundação Centro de

Ensino Superior de Rondônia (Fundacentro), que era uma organização

municipal com cursos de graduação. A partir de então, a Unir passou a

oferecer nove cursos no total, dentre eles o de Pedagogia.

O quadro inicial de professores foi constituído por professores cedidos

pela Secretaria Estadual de Educação. Depois de ter oferecido cursos como

História, Educação Física e Matemática, dentre outros, o campus

concentrou, desde 2002, o que foi considerado como áreas de interesse

prioritário na região, a Educação e as Ciências Agrárias.

Conforme Eva Albuquerque, servidora aposentada da UNIR, em 1984

foi realizada a primeira colação de grau da (UNIR) com os formandos dos

cursos de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas.

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Edilson Lobo do Nascimento ex-aluno e estava entre os formandos da

primeira turma. Relata que, “a criação da Universidade foi um acontecimento

da maior relevância para a área do conhecimento na região, na medida em

que essa realização vinha na perspectiva de suprir uma enorme lacuna em

relação à capacitação de mão de obra para a demanda do setor público e da

iniciativa privada”. O professor afirma que tem orgulho de ter sido um dos

primeiros alunos egresso da UNIR a se tornar professor efetivo da

Instituição. Tiveram outros professores que também fizeram parte da

iniciação da (UNIR) em Rondônia e que ainda ocupam cargos na instituição.

Contudo, o processo de interiorização dos cursos da UNIR, se deu em

1988 durante a gestão de Álvaro Lustosa Pires, com a autorização do MEC.

Dando assim funcionamento de cursos fora de sede nos municípios de Ji-

Paraná (Ciências com Habilitação em Matemática e Pedagogia), Vilhena

(Ciências e Letras), Guajará-Mirim (Letras e Pedagogia), Rolim de Moura

(Letras e Pedagogia) e Cacoal (Ciências com habilitação em Matemática e

Ciências Contábeis).

Segundo o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Pedagogia da Unir

de Rolim de Moura, a Universidade Federal de Rondônia hoje mantém 63

cursos de graduação, distribuídos em seus oito campi: Ariquemes, Cacoal,

Guajará-Mirim, Ji-Paraná, Porto Velho, Presidente Médici, Rolim de Moura e

Vilhena.

É em Porto Velho que fica a sede administrativa da Unir, agregando

setores como a Reitoria e as Pró-Reitorias de Administração (PRAD), de

Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis (PROCEA), de Graduação

(PROGRAD), de Planejamento (PROPLAN) e de Pós-Graduação e Pesquisa

(PROPesq).

O campus de Rolim de Moura data do final dos anos 1980, quando,

em 1988, foram criados os cursos de Letras e Pedagogia. A criação do

campus se deu a partir de um convênio entre a universidade e Prefeitura

municipal.

O curso de Licenciatura em Pedagogia visa promover a formação de

professores para atuarem na Educação Infantil, nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental, na gestão escolar e, ainda, em ambientes não escolares em

que possam se dar ações educativas.

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A formação em Pedagogia no Campus de Rolim de Moura da Unir

fundamenta-se na concepção dialética de educação, “tendo como eixo

central a implementação do debate acerca do ensino, pesquisa/investigação

e extensão, considerando a escola como elemento vinculado à produção

social da humanidade” (PPC, 2018). De acordo com Cambi (1999), aliás, “a

verdadeira pedagogia cientifica é aquela que pensa a educação, e o homem

que é seu protagonista, em termos de espírito, de desenvolvimento dialético

e de unidade [...]”.

A concepção dialética, assim, como uma forma de olhar e pensar o

mundo, procura relacionar intimamente teoria e prática, interligando

educação, pensamento, natureza e sociedade. Ademais, a partir da

concepção central de que toda educação é política, o homem é a peça

fundamental para a transformação da sociedade. Cambi nos esclarece:

A escola, de fato, não deve apenas adequar-se às transformações ocorridas no âmbito do social, mas deve promover na sociedade um incremento progressivo de democracia, isto é, de capacidade por parte dos indivíduos de participar como protagonistas da vida social e de inserir-se nela como uma mentalidade capaz de dialogar como os outros e de colaborar em objetivos comuns livremente escolhidos. (CAMBI, 1999, p. 551).

Dessa forma, o ato pedagógico vincula-se de forma inexorável à

dimensão política, possibilitando a compreensão do papel da ideologia na

própria construção e apreensão do conhecimento científico. Segundo o

Projeto Pedagógico de Curso (PPC), “os profissionais do curso de

Pedagogia precisam ter um domínio de pressupostos epistemológicos,

técnicos, éticos e estéticos que os instrumentalizem à leitura e releitura

histórico-social, de maneira a desenvolver criticidade, criatividade,

autonomia, entre outros valores, para intervir de maneira emancipatória na

realidade em que vivem”.

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CAPÍTULO 2. METODOLOGIA DA PESQUISA

A abordagem da pesquisa foi de caráter qualitativo. Com a utilização

da pesquisa qualitativa permite ao pesquisador saber o porquê das coisas e

possibilita explanar o que deve ser feito. Tendo como universo de estudo a

trajetória daquelas que são mulheres, mães e esposas e que estão cursando

ou cursaram Pedagogia no campus de Rolim de Moura da Universidade

Federal de Rondônia. A presente pesquisa consiste em um estudo de caso,

com entrevistas estruturadas sobre os desafios e dificuldades encontrados

por essas mães acadêmicas do curso de licenciatura em pedagogia, para

ingressarem e concluírem o curso. Foi feito um questionário com 12

perguntas, realizadas com o intuito de obter, de forma qualitativa, dados

referentes aos desafios enfrentadas pelas mulheres mães acadêmicas, suas

experiências e os desafios de conciliar os estudos com o trabalho e os

cuidados com os filhos e os afazeres do lar.

As técnicas utilizadas foram fundamentais, porque as entrevistas

envolviam assuntos de teor pessoal e social, ou seja, fato ocorrido no

decorrer da graduação e no cotidiano de cada entrevistada, como mulher e

mãe que estuda. A busca era entender seus motivos, interesses e qual a

perspectiva que tinham ao ingressar em uma graduação.

As mães escolhidas foram cinco acadêmicas com idades entre 25 a

45 anos, com histórias de vida diferentes entre si, mas com as mesmas

dificuldades para concluir o curso de Pedagogia. As entrevistadas foram:

Mãe acadêmica 1; 33 anos, Mãe acadêmica 2; 44 anos, Mãe acadêmica 3;

27 anos, Mãe acadêmica 4; 25 anos e Mãe acadêmica 5; 29 anos. Todas as

entrevistas foram realizadas no município de Rolim de Moura, Rondônia,

com mulheres estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia da

Universidade Federal de Rondônia (Unir), Campus de Rolim de Moura, como

já especificado.

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2.1 Análises dos dados: dificuldades e perspectivas na

graduação no curso de Pedagogia

As participantes da pesquisa foram, como especificado, mulheres que

conjugam os status de mãe, dona de casa e trabalhadora, e que enfrentam

diversas dificuldades e desafios ao ingressar num curso superior, na busca

de uma graduação e de uma melhor condição de trabalho.

Quanto ao perfil das mulheres, tem-se que a faixa etária ficou entre 25

e 45 anos. Somente uma das entrevistadas é mãe solteira, as outras são

casadas ou vivem em união estável. Quanto ao grau de instrução, todas as

mulheres entrevistadas já tiveram acesso ao ensino superior, ou estão

cursando.

Dando seguimento a análise do perfil das mulheres entrevistadas,

todas são brasileiras e naturais da cidade e uma da zona rural: todas as

mulheres entrevistadas já são mães, é valido ressaltar que todas possuíam

filho pequeno, e uma delas com filhos adolescentes e jovens já cursando

faculdade.

Verificou-se também que a mãe acadêmica solteira é a que teve mais

dificuldade em ingressar no curso superior devido sua condição social e

financeira.

Inicialmente, para a coleta dos dados, foram feitas entrevistas

pautadas em um questionário sobre as dificuldades encontradas por essas

mães trabalhadoras, acadêmicas e donas de casa para conseguir conciliar o

afazer do dia a dia com a universidade. De acordo com Burke (1992):

A história das mulheres apareceu como um campo definível

principalmente nas duas últimas décadas. A pesar das enormes

diferenças nos recursos para ela alocados, em sua representação e

em seu lugar no currículo, na posição a ela concedida pelas

universidades e pelas associações disciplinares, parece não haver

mais dúvida de que a história das mulheres é uma prática

estabelecida em muitas partes do mundo. (BURKE, 1992, p. 63).

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Muitos são os fatos que mostram que as mulheres conquistaram seu

espaço e que, se antes os homens eram os únicos protagonistas no

mercado de trabalho, hoje as coisas são diferentes. A mulher que vivia

confinada ao seio do lar buscou e ganhou seu espaço na sociedade,

podendo assim estudar e ter uma graduação, e exercer sua profissão no

mercado de trabalho.

Muitas mulheres optam por fazer o curso de Pedagogia, por ser um

leque aberto e por abranger em várias áreas. Segundo Del Priore (2004), até

a primeira década do século XX o grau mais alto do ensino em que a mulher

poderia obter era o magistério primário, quando buscava outra direção para

sua vida, desviando-se dos padrões da época, sofrendo discriminações e

sendo mal vista pela sociedade.

A partir dos dados coletados nas entrevistas, pudemos perceber que

muitas mulheres procuram o curso de Pedagogia sem a certeza de que

querem atuar em uma sala de aula depois de se formarem, como se pode

ver pelo trecho a seguir, em que Mãe acadêmica 1, de 33 anos, responde à

pergunta sobre por que escolheu cursar Pedagogia:

Na realidade eu não queria fazer o curso de Pedagogia, tanto é que

eu demorei, depois de anos que eu voltei a estudar, fazer o curso pro

vestibular, eu demorei uns 2 anos para fazer o vestibular de

Pedagogia. Eu fiz o curso de Pedagogia por ele ser um leque aberto,

ter concurso para várias áreas, aí surgiu a oportunidade de fazer o

curso aqui na Unir e eu resolvi fazer o curso de Pedagogia, daí eu

falei: “Ah, vou fazer o curso de Pedagogia, não sei se vou gostar – de

início foi não sei se vou gostar –, mas fiz o curso. (TRECHO DA

ENTREVISTA, 23 de out, 2018).

Pode-se assim perceber que o curso de Pedagogia não foi

propriamente uma escolha e sim uma opção dentre as que estão disponíveis

no município na universidade pública e gratuita. Pode-se ainda perceber que

muitas mulheres, quando ingressam no curso, gostam e acabam por concluí-

lo, e muitas efetivamente irão exercer a profissão de professora, assumindo

uma sala de aula.

De acordo com Hubert (1967), a educação propriamente intelectual

deve visar, antes de tudo, o desenvolver do espírito crítico, necessário ao

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homem, e também deve ser um processo tanto físico quanto mental, ou seja,

em outras palavras, ao ingressar no curso de Pedagogia, muitos acadêmicos

acabam tendo uma visão completamente diferente de antes, identificando-se

com o campo de estudos e a carreira.

Quando questionadas sobre qual a importância do curso de

Pedagogia para seu futuro, percebe-se que houve uma mudança, em

comparação à percepção existente no momento do ingresso no curso:

Olha, hoje eu já tenho visão melhor, porque na educação a gente sempre vai precisar de educador, e a Pedagogia é um dos futuros, tanto no primário, séries iniciais, como orientadora, então ele é um curso muito bom, hoje eu penso sobre a Pedagogia que é um curso muito bom. (TRECHO DA ENTREVISTA, 23 de out. 2018, MULHER MÃE 1.)

Isso significa que houve uma grande mudança no pensamento da

entrevistada, após cursar a licenciatura em Pedagogia, quando ela observa

que considera que o curso de pedagogia é um dos futuros, por abranger em

várias áreas. Pontua Saviani (2012):

Enfatiza-se a premência de que o curso de Pedagogia forme licenciados cada vez mais sensíveis às solicitações da vida cotidiana e da sociedade, profissionais que, em um processo de trabalho didático-pedagógico mais abrangente, possam conceber, com autonomia e competência, alternativas de execução para atender, com rigor, às finalidades e organizações da Escola Básica, dos sistemas de ensino e de processos educativos não escolares, produzindo e construindo novos conhecimentos [...]. (SAVIANI, 2012, p. 207).

Mulher Mãe 2, de 44 anos, relata que cursou Pedagogia por se

identificar com o curso, e que gostou muito. O segundo ponto citado por ela

é que o curso comtempla um campo grande, bem abrangente de trabalho.

Em suas palavras: “Primeiramente, para a minha vida, me trouxe muitos

benefícios, para vida pessoal, como mãe, mas também visando o trabalho”.

Acrescenta que fazer um curso superior sempre foi seu sonho, mas que

algumas circunstâncias a impossibilitavam de estudar:

Eu sempre sonhei em ter um curso superior, só que na minha juventude eu não pude fazer devido a diversas circunstâncias, então depois eu pude, quando surgiu essa oportunidade, eu consegui essa vaga, com esse propósito de ter um pouquinho mais de conhecimento e também se possível ter um trabalho depois. (TRECHO DA ENTREVISTA, 30 out. 2018, MULHER MÃE 2).

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Vemos, assim, que mesmo tendo circunstâncias que a

impossibilitavam de estudar, a entrevistada nunca desistiu de seu sonho e,

na primeira oportunidade, procurou realizá-lo. Essas mulheres são

desafiadas a estudarem, superarem seus limites na busca da realização do

sonho e de uma formação profissional. De acordo com Perrot (2007):

A história das mulheres mudou. Em seus objetos, em seus pontos de vista. Partiu de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida privada para chegar a uma história das mulheres no espaço público da cidade, do trabalho, da política, da guerra, da criação. Partiu de uma história das mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas, nas múltiplas interações que provocam a mudança. (PERROT, 2007, p.15).

Mulher Mãe 3, 27 anos, não pensava em fazer o curso de Pedagogia,

queria fazer História, e contou que sempre gostou da área da educação.

Resolveu fazer o curso por acaso e acabou gostando muito: “Eu gostei muito

do curso, tanto na vida particular, tanto profissional mesmo, eu gostei

bastante da carreira e pretendo efetivar”.

Diante dessa perspectiva, nota-se com clareza que a mulher busca

por sua emancipação e que ser independente significa bem mais do ser livre

para viver como se quer, viver com valores que façam a vida ser digna de

ser vivida. E é na busca por uma formação profissional, ou seja, no curso de

Pedagogia, que encontram essa emancipação. Del Priore (2014) afirma: “A

guerreira de outrora luta, hoje, um embate miúdo e cansativo: o da

sobrevivência. Mas a luta pode ter um sentido. Há palavras cuja grafia

parecem misteriosamente encarnar um. Assim „ Independência‟[...]”.

Mulher Mãe 4, 25 anos, sempre quis ser professora. Porém, a

Pedagogia não era propriamente seu sonho. Mas, devido às circunstâncias,

acabou por ingressar no curso, e quando surgiu a oportunidade, começou a

estudar:

Eu queria Letras, mas na universidade pública não tinha, e eu não estava em condições de pagar a universidade particular [...] me escrevi no curso de Pedagogia, porque também é na área da educação e eu poderia ser professora, mesmo não sendo de Letras. Então no curso vi a oportunidade de realizar meu sonho de ser professora e após o curso de pedagogia penso em fazer uma pós na área de letras, por exemplo, ou EJA, para que eu possa dar aula de português. (TRECHO DA ENTREVISTA, 28 out. 2018, MULHER MÃE 4).

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Através dos tempos vemos uma história centrada no universo

masculino, na qual a mulher era direcionada a fazer suas atividades, cuja

única opção era ser submissa e ela nada podia fazer para mudar essa

situação. Na atualidade, as mulheres estão exigindo seu espaço, buscando

seus direitos e escolhendo como querem seguir suas vidas. De acordo com

Perrot (2007):

As mulheres têm os mesmos direitos que os homens; logo, elas devem poder usufruir das mesmas facilidades para obter as mesmas luzes, pois só estas podem lhes proporcionar os meios de exercer realmente esses direitos com a mesma independência e a mesma amplitude. (PERROT, 2007, p. 23).

Mulher Mãe 5, 29 anos, esclarece-nos que a opção por Pedagogia se

deu por influência da família, pois sua avó e sua mãe eram professoras, mas

que não era este o seu sonho, só que naquele momento o curso era o mais

acessível:

Então, a priori não, como eu já trabalho na educação eu vejo tantos problemas que acontecem, principalmente na educação municipal... Mas vejo que a Pedagogia é muito importante, não só como profissional, mas para a vida mesmo pessoal do indivíduo, a educação dos filhos, a própria convivência social, o curso facilita muito ver os problemas e de ver o seu papel social nesse meio. (TRECHO DA ENTREVISTA, 25 out.2018, MULHER MÃE 5).

Pode-se assim perceber como a identidade feminina:

É um processo de construção que passa, de um lado, pela desmontagem destes modelos de rainha do lar, do destino inexorável da maternidade a da restrição ao espaço doméstico e familiar e resgate da potencialidade, abafado ao longo de séculos da ideologia machista e patriarcal. (CARNEIRO, 1994, p. 188).

Essas mulheres buscam por uma nova fase na vida, sobre sua

condição feminina, saindo da restrição do lar, procurando uma graduação,

mesmo que não seja a preferida, e sim a mais acessível naquele momento.

Vale ressaltar que as entrevistadas pensam em prestar concurso para

a área da educação, e que, após terem ingressado no curso de Pedagogia,

se apaixonaram pela área e tiveram a certeza de que era aquilo que elas

queriam; em outras palavras, se encontraram. Porém, há sempre dúvidas e,

assim, umas querem trabalhar nos anos iniciais, outras não querem ser

alfabetizadoras, preferem trabalhar com crianças maiores a partir do terceiro

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ano, e ainda pensam na opção de ser orientadora e não assumir uma sala

de aula.

Quando demos continuidade à entrevista e perguntamos “Quais os

desafios e dificuldades que encontraram ao ingressar na universidade,

sendo mãe, dona de casa, trabalhadora e estudante, para conseguir

conciliar a vida cotidiana com o curso de Pedagogia?”, tivemos respostas

como as seguintes. Mulher Mãe 1, afirmou:

No início foi muito difícil, foi difícil de conciliar o estudo com o trabalho e a família [...] e para mim foi isso, foi o como conciliar tudo, porque por mais que você tente arrumar um tempinho para todas as coisas na sua vida, o tempo do trabalho fora de casa, o tempo do trabalho dentro de casa, porque eu nunca tive ninguém para me ajudar nos afazeres domésticos [...], então pra mim foi muito difícil isso de conciliar esse tempo de trabalho, família, estudo, foi bem dificultoso para mim. (TRECHO DA ENTRVISTA, 23 out. 2018, MULHER MÃE 1).

A partir dos relatos colhidos durante as entrevistas, percebe-se que

tais mulheres, ao ingressarem na universidade, passam por diversas

dificuldades, e a maior delas é o tempo. O tempo é crucial no cotidiano

dessas mulheres. Mulher Mãe 2, por sua vez, acrescentou que:

Ah, foram diversos desafios, primeiramente porque moro longe, na zona rural, tenho filhos pequenos, serviço de casa, o tempo é o grande – vamos dizer assim –, é o que acaba interferindo, porque tem que dar conta da casa, tem que dar conta do estudo... Então foram diversos desafios, às vezes financeiros, foram muitos [...] eu acredito que a peça fundamental é persistência, querer vencer na vida, querer fazer um curso superior, porque se não fosse essa vontade, essa persistência, teria desistido nas primeiras dificuldades que surgiram. (TRECHO DA ENTREVISTA, 30 out. 2018, MULHER MÃE 2).

Apesar das adversidades encontradas, essas mulheres não se

intimidaram e continuaram persistindo, pois a vontade de vencer na vida é

maior, demonstrando sua capacidade de conciliar os cuidados com os filhos,

estudos, trabalho e os afazeres domésticos. Ser mãe, esposa, e dona de

casa não é mais uma virtude. Segundo Perrot (2007), “Essas jovens

mulheres eram migrantes em potencial, porque aspiravam a uma vida

melhor e mais livre”. Ou seja, querem ser mais bem instruídas, desejam

outras coisas, uma profissão, querem ser professoras, prestar concursos,

vencer na vida e ser livres, longe da submissão masculina.

Mulher mãe 3, a seu turno, afirmou:

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Muitas [dificuldades], porque eu trabalhava no frigorífico, acordava muito cedo, ia dormir tarde, então foi bem muito puxado mesmo, depois eu engravidei, para mim o curso inteiro foi uma grande batalha [...]o tempo é muito corrido, você senta para fazer isso, daí você olha o relógio já deu a hora de você sair correndo para outra coisa, tipo o tempo, foi doído.( TRECHO DA ENTREVISTA, 30 out. 2018 MULHER MÃE 3).

Desse modo, em meios a tantas dificuldades, com o tempo escasso,

essas mulheres permaneceram na universidade, conscientes da sua

condição de vida, e foram refletindo sobre as pertinências e perspectivas na

formação docente no curso de Pedagogia, determinadas e com um único

objetivo: uma graduação, uma formação profissional.

Veja-se como se posicionou a entrevistada Mulher Mãe 4:

A princípio o primeiro desafio que encontrei foi ir para Unir, eu morava longe e tinha que atravessar a cidade inteira para chegar lá [...] foram muitos [desafios], porque, nada foi fácil desde o começo, eu não tinha transporte para ir, eu não tinha dinheiro para pagar um transporte, dependia de outras pessoas para me levarem até a universidade [...] o tempo também, eu não tinha muito tempo para estudar e trabalhar fora, por exemplo numa loja, isso gasta muito tempo mesmo [...] então eu consegui a bolsa que me ajudou bastante e o estágio remunerado, eu trabalhava quase o dia todo, alguns dias era só duas vezes na semana, outros meio período, muitas vezes enfrentei chuva, frio, ia sem jantar, porque não dava tempo, até hoje enfrento bastantes dificuldades, tem dia que dava vontade de desistir, são diversas coisas que deixam a gente para baixo [...], mas pretendo concluir meu curso, essas são algumas das dificuldades que encontrei para minha formação acadêmica, durante minha formação. (TRECHO DA ENTREVISTA, 28 out. 2018, MULHER MÃE 4).

Nessa perspectiva, é importante refletir, a partir de Del Priore, sobre

como “As mulheres do século XXI são feitas de rupturas e permanências”.

Como observa a historiadora: “As rupturas empurram-nas para frente e as

ajudam a expandir todas as possibilidades, a se fortalecer e a conquistar”. A

transformação que ocorreu com a mulher nas últimas décadas influenciou

seu papel e sua posição na sociedade.

Os valores e práticas experienciados por elas mudaram. Hoje a

mulher consegue gradativamente maior inserção social, com igualdade em

relação aos homens por um mesmo cargo profissional, por exemplo. Porém,

essas mulheres são desafiadas a superar seus limites e disposições, na

concretização de uma formação superior, visando, no curso de Pedagogia, a

uma forma de se estabelecer social e profissionalmente. A efetivação de

uma formação acadêmica em sua vida se tornou imprescindível.

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Assim comentou a entrevistada, Mulher mãe 5:

Não é fácil, isso é um dos maiores problemas [...] quando você trabalha fora, então o seu tempo fica muito corrido e você tem que fazer todas as manobras para tentar conciliar o curso, com trabalho, com família, casa, se é dona de casa, você é mãe, é esposa, então não é fácil mesmo. Você tem que tentar ponderar e ir levando [...], é a única forma de nós trabalhadoras tentar mudar em pouco a vida. [...] a maior dificuldade no curso foi a própria desconstrução do que você aprendeu no ensino público, minha vida toda estudei em escolas públicas, então muitas coisas do que você aprendeu, quando vai ver na realidade, não é aquilo que te passaram, você tem que desconstruir isso para abrir a mente com os mestres da universidade, que estão te trazendo, talvez a própria (ideologia cristã). (TRECHO DA ENTREVISTA, 25 out.2018, MULHER MÃE 5.).

Ao relatar suas dificuldades e os desafios enfrentados no curso de

Pedagogia, fica claro que as mulheres buscam um curso superior para tentar

mudar a vida. Nesse sentido, as histórias de vida conjugadas às

experiências produzidas no dia a dia relacionam-se ao campo social da vida

dessas mulheres, após ingressarem na universidade, quando aquela

ideologia formada acaba por se desconstruir. De acordo com Cambi (1999),

“a pedagogia também se prestava a um papel cada vez mais central na vida

social: formar o indivíduo socializado e operar essa formação através de

múltiplas vias institucionais e múltiplas técnicas”.

Verificou-se ainda que, diante de todas as dificuldades vivencias por

algumas destas mulheres, parece existir uma tentativa de valorização

pessoal que vai para além das obrigações domésticas e da pressão

profissional. Algumas das informações recolhidas parecem representar o

encontro consigo próprias, as descobertas de outras potencialidades que

não as meramente domésticas e profissionais, potencialidades essas que

lhes poderão permitir afirmar-se enquanto autoras dos seus projetos de vida.

Percebe-se que a mulher da atualidade parece querer abraçar o

mundo, estando cheia de obrigações e muitas das vezes cobrando de si

mesma a perfeição. As mulheres ficam com os pensamentos ora no

trabalho, ora em seus lares, com um grande esforço de tentar fazer com que

ambos os trabalhos (no lar e fora dele) sejam bem desempenhados. Não

podemos esquecer que muitas famílias atuais são constituídas apenas pela

mãe e seus filhos, sem a presença de uma figura paterna. É o caso da

entrevistada mulher mãe 4, que neste caso, o peso da responsabilidade

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pode ser ainda maior, pois as decisões em relação aos filhos cabem

exclusivamente à ela.

Também ficou claro, após a análise das entrevistas, que a falta de

tempo disponível é considerado um inimigo ao convívio familiar dessas

mulheres mães e que a qualidade do tempo que passam juntos com sua

família funciona como um diferencial que alivia a angústia da distância.

As mudanças ocorridas na dinâmica social, que refletiram em

transformações no papel das mulheres, as impuseram um número maior de

tarefas a cumprir num mesmo tempo, que se torna escasso em seu dia a dia

e acaba exigindo sacrifícios que podem gerar inúmeros conflitos, uma das

entrevistadas passou por um processo de separação devido à falta de tempo

e por não ter uma vida social com a família, que acaba vivendo a mercê do

tempo, ou seja, da falta dele. A participação na vida dos filhos, no trabalho e

na vida acadêmica demanda uma reorganização constante do tempo para a

conciliação de todas as suas atividades.

Diante dos resultados da pesquisa a mulher atual vê-se encurralada

entre aspectos de sua subjetividade, entendida aqui como construída social

e historicamente, em que vemos fortes oposições entre necessidade de

realização pessoal, aquilo que é socialmente aceito ou adequado e a

crescente necessidade de formação acadêmica. A perspectiva de exercitar

a docência, após a conclusão do curso é fundamental na vida dessas

acadêmicas.

E com a expansão da mulher no mercado de trabalho e seu acesso a

educação muitas conquistas e portas foram se abrindo, muitas barreiras

foram rompidas, embora a mulher ainda tenha pouca visibilidade para a

ciência, elas estão em grande número e contribuem massivamente na

produção de saberes. Ainda restam obviamente, muitos desafios a serem

enfrentados e muito a se alcançar, mas é preciso eliminar as dificuldades e

diminuir a desigualdade entre homens e mulheres. É fundamental que a

sociedade reconheça que a mulher é capaz de ocupar espaços que hoje os

homens ocupam.

Portanto, as acadêmicas pesquisadas buscam por uma formação

profissional, e delineiam a Pedagogia pelo campo da docência tendo em

comum suas expectativas de atuar em espaço escolar. Afirmam que

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aprenderam muito e que hoje têm uma visão completamente diferente de

mundo, após ingressarem na universidade, reforçando ainda que as teorias

e práticas aprendidas nos quatro anos de graduação em Pedagogia são

fundamentais na formação docente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi exposto pode-se afirmar que a mulher, ao longo da

história brasileira, demorou a ter acesso à educação escolarizada,

principalmente no que se refere ao ensino superior. No século XIX, quando

as primeiras faculdades foram construídas no país, mesmo que algumas

delas permitissem a entrada de mulheres, ainda havia um forte receio pela

sua emancipação ou pelo que sua exposição pública poderia provocar. Isto

demonstrava também a persistência de relações pautadas no sistema

patriarcal. Foi somente no século XX, mais precisamente nos anos de 1960,

que as mulheres começaram a ter presença, de fato, no ensino superior no

Brasil. E com a análise de tais dados, é fornecido elementos importantes que

vão contribuir na compreensão dos determinantes da inserção atual da

mulher no ensino superior e de suas escolhas profissionais, e contribuindo

para auxiliar nas lutas femininas no âmbito da educação e do trabalho.

Contudo, a história nos apresenta fatos de que as mulheres no Brasil

Colonial executavam trabalhos no âmbito doméstico, pois o trabalho fora de

casa era uma atividade exclusivamente masculina. Enfrentaram diversas

dificuldades para obterem o direito ao ensino, pois durante muito tempo a

educação da maioria delas foi destinada apenas para o mundo privado. A

mulher sempre possuiu um papel delimitado na sociedade, independente da

sua situação: sendo pobre ou rica, cabia a elas fazer o trabalho de base para

sua família, educar os filhos segundo os preceitos cristãos, ensinar-lhes as

primeiras letras, cuidar do sustento e da saúde física e espiritual deles, e

viver submissas aos seus maridos.

A mulher era considerada como o “sexo frágil” e foi designada para o

mundo privado, ou seja, dedicada aos cuidados domésticos e maternais.

Com base em uma suposta “natureza delicada e sensível”, foi colocada a

uma posição culturalmente inferior. O homem, pelo contrário, possuía

qualidades consideradas superiores. De acordo com Silva (2002, p. 12), a

eles estava destinado, nessa visão, “o mundo público, onde as qualidades

dominantes são a força, a inteligência operacional, a capacidade de decisão,

o „pulso firme‟ e a contenção de sentimentos”.

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A mulher seria a “santa Mãezinha” e, se não o fosse, seria comparada

com um “diabo doméstico”. Os ditos na sociedade colonial brasileira

difundiam a ideia de que a mulher podia ser perigosa, mentirosa e falsa

como uma serpente. O modelo ideal era Nossa Senhora, modelo de pudor,

severidade e castidade, segundo a igreja Católica. Apesar dessa condição

desfavorável para a mulher, constata-se que no âmbito da sua escolarização

e de sua inserção no mercado de trabalho houve alterações substantivas no

decorrer dos últimos anos.

Depois de tantas lutas, as mulheres conseguiram ser reconhecidas e

obter seus direitos numa sociedade ainda machista, como o voto e o direito

a estudar. Com tantas mudanças, hoje mulheres ocupam cargos que até

pouco tempo só podiam ser para homens, e ingressaram no ensino superior,

conseguindo assim ter uma graduação em qualquer área. De acordo com

Del Priore, (2014):

[...] vale a pena conhecer os caminhos que as mulheres trilharam, pois, [...] é preciso compreender os passos dados, corrigir rotas, sair de si próprio e pensar no coletivo. Conhecer a história de sua mãe e de sua avó já é um começo. (DEL PRIORE, 2014, p. 5).

As mulheres conquistaram muitos espaços e direitos. Hoje, no século

XXI, vemos mulheres bem-sucedidas, trabalhando fora e sustentando suas

famílias, sendo líderes na política, defendendo suas opiniões e buscando a

igualdade de direitos que antes eram negados. A cada dia as mulheres vêm

ganhando mais espaço no mercado de trabalho e pode-se dizer que isso é

reflexo das lutas incessantes que travaram. As motivações que as fizeram

buscar por uma graduação se relacionam ao mercado de trabalho, que exige

cada vez mais que os trabalhadores tenham uma graduação, e relacionam-

se também à busca de uma melhor condição de vida social e familiar.

Porém, muitas mulheres que optam por cursar uma graduação passam por

diversas dificuldades, tendo que lidar com as adversidades encontradas em

seu cotidiano, tanto na vida social, familiar e acadêmica. Assim pontua

Perrot (2007):

As mulheres sempre trabalharam. Seu trabalho era da ordem do doméstico, da reprodução, não valorizado, não remunerado. As sociedades jamais poderiam ter vivido, ter-se reproduzido e

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desenvolvido sem o trabalho doméstico das mulheres, que é invisível. (PERROT, 2007, p. 105).

Sabemos que nem sempre as mulheres exerceram ofícios

reconhecidos, tampouco ofícios que trouxessem remuneração. Muitas vezes

elas não passavam de ajudantes de seus maridos, no artesanato, na feira ou

na loja.

Diante desse complexo contexto, os interesses que fizeram as

mulheres buscar cursar uma graduação se vincula ao desejo de uma melhor

condição de vida, de sua independência – por muitos anos –, fazendo assim

com que deixassem de viver submissas ao lar e com funções pré-

determinadas, como educar os filhos e cuidar do marido.

Quanto à escolha do curso ou da carreira pela mulher, muitas vezes a

opção é diferente da desejada, por falta de condições econômicas, ou seja,

em consequência de sua realidade material, e também pela baixa condição

escolar que possuem, e não necessariamente por vocação ou devido a uma

suposta falsa consciência sobre sua posição profissional diante da

sociedade. Estes fatores, na verdade, contribuem muito para o acesso e

permanência não somente das mulheres, mas também de qualquer

ingressante no nível superior.

Vale ressaltar que ao nos debruçarmos sobre o caminho percorrido

pela mulher na história da educação brasileira e os contornos em que foi se

construindo a profissão docente, nos entrelaçamentos com a luta feminina,

temos a clareza que tanto a luta da mulher como a da profissão docente

continuam entrelaçadas e cada vez mais necessárias e atuais. Nesse

sentido as novas abordagens para os estudos sobre a presença da mulher

na História da Educação, demonstram o quanto ainda é necessário

estudarmos e avançarmos em análise e reflexões além da superação de

paradigmas existentes.

Portanto, a partir dos dados da pesquisa, percebe-se que as mulheres

encontraram muitas dificuldades para ingressar numa graduação, devido ao

tempo, encontrando também dificuldades de conciliar os afazeres

domésticos, os cuidados com os filhos, os trabalhos fora de casa e ainda os

trabalhos propostos pelos professores no curso superior. Devido a esses

motivos muitas mulheres mães acadêmicas acabam abandonando o curso,

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e por não ter onde deixar os filhos levam essas crianças para sala de aula. O

que acaba dificultando ainda mais a permanência no curso superior. Elas

não conseguem acompanhar a aula, pois precisam prestar atenção em seus

filhos, esse fato é um do causador da desistência de muitas mães

universitárias.

Nem todas as universidades brasileiras, tem uma sala que sirva de

apoio para essas mães deixarem suas crianças. A Unir campus de Rolim de

Moura tem uma sala, que leva o nome de “Brinquedoteca”, mas que ainda

não foi inaugurada. As mães entrevistadas passaram por problemas

semelhantes e não desistiram e persistiram e conquistaram a formação

profissional que tanto desejaram.

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VARGAS, Mônica. (org). Mulher Brasileira é Assim. Rio de Janeiro: Rosa dos

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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL/88. Edição

atualizada em fevereiro de 1999. Brasília: Imprensa Oficial do Estado do Rio de

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DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo:

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______________. Histórias e conversas de mulheres. 2. ed. São Paulo:

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HUBERT, René. Historia da Pedagogia. Trad. e notas: Luiz Damasco Penna

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PERROT, Michelle. Minha História das mulheres. Trad. Angela M.S Côrrea.

São Paulo: Contexto, 2007.

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Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

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da feminização. Vitória: Edufes, 2002.

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TELES, M. A. de Almeida. Breve historia do feminismo no Brasil. São Paulo:

Brasiliense, 1993.

https://www.newsrondonia.com.br/noticias/unir+35+anos+criacao+da+universid

ade+e+os+primeiros+cursos/95763.

ANEXO

Questionário que funcionou como roteiro para as entrevistas:

1. Qual seu nome? E qual sua idade?

2. Onde você nasceu? Foi numa zona rural ou urbana?

3. De qual cidade ou estado você veio?

4. Seus pais estudaram? Ate que série?

5. Em que ano você ingressou no ensino superior?

6. Por que escolheu o curso de Pedagogia?

7. Qual a importância do curso de Pedagogia para seu

futuro?

8. Qual a participação da sua família no ensino

superior? Em que eles te ajudam?

9. Quais as motivações, interesses e perspectivas que

fizeram você ingressar no curso superior?

10. Quais os desafios e dificuldades que você encontrou

ao ingressar na Universidade?

11. Como você, sendo mãe e dona de casa, lidou com

as dificuldades de ingressar e permanecer no curso?

12. Quais foram as adversidades vividas ao longo do

curso de acordo com sua vida cotidiana e acadêmica?