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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE SAÚDE DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA NELZIRA PRESTES DA SILVA GUEDES O ADOLESCENTE COM AUTISMO E ESCOLARIZAÇÃO: EM BUSCA DAQUELE QUE NÃO SE VÊ PORTO VELHO 2014

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

NÚCLEO DE SAÚDE

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

NELZIRA PRESTES DA SILVA GUEDES

O ADOLESCENTE COM AUTISMO E ESCOLARIZAÇÃO: EM BUSCA DAQUELE

QUE NÃO SE VÊ

PORTO VELHO

2014

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NELZIRA PRESTES DA SILVA GUEDES

O ADOLESCENTE COM AUTISMO E ESCOLARIZAÇÃO: EM BUSCA DAQUELE

QUE NÃO SE VÊ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Psicologia – MAPSI, da Fundação

Universidade Federal de Rondônia, como parte dos

requisitos para a obtenção do título de Mestre em

Psicologia.

Linha de pesquisa: Psicologia Escolar e Processos

Educativos.

Orientadora: Profa. Dra. Iracema Neno Cecilio

Tada.

PORTO VELHO

2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

BIBLIOTECA PROF. ROBERTO DUARTE PIRES

Bibliotecária responsável: Eliane Barros – CRB-11/549

G924a

Guedes, Nelzira Prestes da Silva.

O adolescente com autismo e escolarização: em busca daquele que

não se vê / Nelzira Prestes da Silva Guedes. Porto Velho, 2014.

159 f.: il.

Orientadora: Profa. Dra. Iracema Neno Cecilio Tada.

Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Fundação Universidade

Federal de Rondônia, Porto Velho, 2014.

1. Autismo. 2. Adolescência. 3. Educação. 4. Inclusão. 5. Psicologia

Histórico-Cultural. I. Tada, Iracema Neno Cecilio. II. Título.

CDU: 159.922.7

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Dedicatória

A Thales, Bruno e todos os jovens os quais eles representam.

Ao meu querido Caio, cuja luz me guiou nesta caminhada.

Que venha a ser um belo adolescente cheio de

oportunidades de desenvolvimento.

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AGRADECIMENTOS

À minha amada filha Luna, por suportar, mesmo sem aceitar, minhas

constantes ausências. Você é o que tenho de mais importante.

Ao Thiago Lúcio, meu eterno companheiro, por sempre estar ao meu

lado, apoiando paciente e amorosamente esta caminhada.

Aos meus pais, José Guedes e Lindalva, por sempre lutarem pela

educação de seus filhos e lhes transmitirem os mais preciosos valores,

demonstrando que é possível, sim, mudar o mundo. O que sou hoje

devo a vocês.

Aos meus queridos irmãos, Lidiane, José Guedes Jr., Lívia e Felipe,

com quem, mesmo na distância, posso contar para aliviar as tensões

do dia-a-dia.

À minha querida orientadora, Dra. Iracema Tada, pela confiança em

mim depositada e por sempre exercer o seu papel de “mammys”,

apoiando e orientando as minhas decisões. Sempre vale a pena uma

empreitada com você.

Às professoras Dra. Marilda Facci e Dra. Tatiana Amaral pelas

valiosas contribuições.

À sempre querida professora Dra. Maria Hercília Junqueira, por ter

acreditado em mim e incentivado este percurso.

A todos os amigos e colegas, por terem me apoiado de todas as

maneiras possíveis, seja com um ombro, seja com uma graça.

Ao corpo docente do MAPSI, por todos os ensinamentos

transmitidos e pelas sempre valiosas dicas.

A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a

realização deste trabalho.

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O que torna belo o deserto

é que ele esconde um poço

em algum lugar

Antoine de Saint-Exupéry

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GUEDES, N. P. S. O adolescente com autismo e escolarização: em busca daquele que não

se vê. 2014. 159f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal de Rondônia.

Porto Velho, 2014.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo compreender o processo de escolarização do adolescente

com autismo. Trata-se de um estudo de caso feito em uma cidade do estado de Rondônia, no

qual foram acompanhados dois adolescentes, Thales e Bruno, um de uma escola regular e o

outro de uma escola especial. Vivenciamos os cotidianos escolares juntos a eles e aos demais

atores participantes do processo educativo e analisamos como são construídas as relações na

atividade pedagógica, tendo como cerne a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural. Nesta

perspectiva, consideramos seus pressupostos de desenvolvimento humano, adolescência,

deficiência, educação e aprendizagem. Além das vivências por meio da observação

participante, analisamos os documentos escolares dos alunos e entrevistamos suas mães e suas

professoras, na pretensão de nos aprofundarmos em suas realidades escolares. Desta forma, as

experiências junto a Thales e Bruno proporcionou que identificássemos as metodologias de

ensino e os modos pelos quais a escola tem promovido o desenvolvimento das

potencialidades desses alunos. Verificamos que as práticas pedagógicas de ambas as escolas

têm sido mediadas pela condição de autismo dos alunos, uma vez que as atividades são

elaboradas a partir de uma pedagogia terapêutica, com vistas a atividades mecânicas,

repetitivas e descontextualizadas as quais são baseadas em posturas que infantilizam os alunos

ao invés de considerarem seu desenvolvimento. Na escola regular, as práticas não promovem

a interação de Thales com os colegas de turma e, ainda, não há uma sistematização dos

conteúdos e oportunidade de uma parceria mais efetiva entre a professora da sala comum e as

professoras da sala de recursos. A escola especial em que Bruno estuda, trabalha com base no

método TEACCH por meio de atividades de repetição, sem que haja, também, a promoção da

interação entre os pares. Verificou-se que ambos os alunos têm sido negligenciados por um

processo educativo que, contraditoriamente, exclui quando deve incluir. Este tipo de prática é

propício para manter o status quo da sociedade capitalista, cujo discurso contraditório de

inclusão é perceptível nas políticas educacionais e se reflete tanto na estruturação e no

funcionamento das escolas quanto na formação de seus professores. Desta forma, a escola tem

atuado como mantenedora das desigualdades sociais da sociedade capitalista, perdendo o seu

primordial papel de transmissão do saber cultural da humanidade de forma sistematizada. De

acordo com a Psicologia Histórico-Cultural, o aluno com deficiência pode aprender e se

desenvolver desde que as relações com ele estabelecidas não tenham o foco na sua condição

de deficiência, mas em práticas pedagógicas que promovam suas potencialidades e formas de

compensação. Deste modo, a escola pode proporcionar aos adolescentes com autismo saltos

qualitativos em seu desenvolvimento, superando as concepções estigmatizantes e

impulsionando-o ao processo de humanização.

Palavras-chave: Autismo. Adolescência. Educação Especial. Inclusão. Psicologia Histórico-

Cultural.

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GUEDES, N. P. S. Education and the teenager with autism: in search of that which is not

seen. 2014. 159p. Dissertation (Master’s Degree in Psychology) – Federal University of

Rondônia. Porto Velho, 2014.

ABSTRACT

The goal of this work is to understand the process of educating adolescents diagnosed with

autism. Completed in a city in the state of Rondônia, this is a case study that followed two

adolescents, Thales and Bruno; one was in a regular education school and the other in a

special education school. Using the core perspective of Historical-Cultural Psychology, we

consider the presuppositions of human development, adolescence, disability, education and

learning from this theory. We shared day-to-day school life with the adolescents and the other

players in the educational process, analyzing how relationships are constructed within

pedagogical activities. In addition to gaining experiences as participant-observers, we

analyzed the students' school documents and interviewed their mothers and teachers with the

intent to deepen our understanding of their school realities. Thus, the experiences with Thales

and Bruno allowed us to identify the teaching methods and other means by which the school

has promoted the development of these students' potential. We found that the pedagogical

practices of both schools have been influenced by the students' condition of autism. That is,

the activities are designed from a therapeutic pedagogy with a view toward mechanical,

repetitive and decontextualized activities and based on attitudes that infantilize the students

rather than consider their development. The practices of the regular education school do not

promote Thales' interaction with his classmates; further, there is no systematization of

instruction, which impede more effective partnership between the primary and resource

teachers. The special education school in which Bruno studies uses the TEACCH method by

means of repetitive activities, but also without promoting interaction between Bruno and his

classmates. It was found that both students have been neglected by an educational process that

is, paradoxically, exclusive rather than inclusive. This kind of practice is conducive to

maintaining the status quo of the capitalist society, whose contradictory discourse of inclusion

is evident in educational policies and reflected in the structure and functioning of schools and

also in the training of their teachers. The school has been acting as maintainer of the social

inequalities of the capitalist society, losing their primary role, which is the transmission of the

cultural knowledge of the humanity, in a systematic way. According to the Historical-Cultural

Psychology, students with disabilities can learn and develop since the relations established

with them don’t focus on their disability condition, but established pedagogical practices that

promote their potentials and also ways of compensation. In this way, the school can provide

qualitative developmental leaps to the teenagers with autism, thereby overcoming

stigmatizing conceptions and boosting them into their rightful place as human beings.

Keywords: Autism. Adolescence. Special Education. School Inclusion. Historical-Cultural

Psychology.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Ilustração dos principais sintomas do autismo ........................................................ 23

Figura 2 - Método TEACCH: disposição da sala para o ensino individualizado ..................... 32

Figura 3 - Método TEACCH: organização de materiais .......................................................... 34

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Matrículas na rede estadual e municipal de ensino ................................................. 72

Tabela 2 - Estabelecimentos da Educação Básica em Rondônia e Eldorado - 2013 ................ 73

Tabela 3 - Alunos incluídos na rede estadual de ensino de Eldorado, por deficiência ............ 73

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LISTA DE SIGLAS

ABA Applied Behavior Analysis

AEE Atendimento Educacional Especializado

AMA Associação de Amigos do Autista

APA Associação Americana de Psicologia

DSM Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

NAEDI Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva

OMS Organização Mundial de Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

PEP-R Psychoeducational Profile Revised

TEACCH Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped

Children

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 13

1 JUNTANDO AS PEÇAS DE UM QUEBRA-CABEÇA: DESVELANDO O AUTISMO . 16

1.1 O autismo ontem e hoje: unindo algumas peças. ............................................................ 16

1.2 Quando faltam algumas peças... ..................................................................................... 24

1.3 Autismo e educação ........................................................................................................ 31

2 PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: O HOMEM E SUA NATUREZA SOCIAL ... 39

2.1 O desenvolvimento histórico-social do psiquismo humano ........................................... 40

2.2 A adolescência em questão ............................................................................................. 51

2.3 Educação: processo que humaniza.................................................................................. 62

3 O PERCURSO E OS PERCALÇOS DA PESQUISA .......................................................... 69

3.1 Caracterização do local da pesquisa e os primeiros percursos ....................................... 70

3.2 A trajetória nas escolas e os colaboradores .................................................................... 75

3.3 Trilhando a análise .......................................................................................................... 78

4 O ADOLESCENTE COM AUTISMO E A SUA ESCOLARIZAÇÃO: EXPLORANDO OS

CAMINHOS PERCORRIDOS ................................................................................................ 79

4.1 Retratos de uma mesmice: sobre a história da vida escolar de Bruno ............................ 80

4.2 - Quando “até uma vaga para colocar ele na escola é difícil”: a história escolar de

Thales .................................................................................................................................... 89

4.3 Os métodos de ensino e o autismo como figura e fundo ................................................ 96

4.3.1 O ensino individualizado da escola Índigo ............................................................ 96

4.3.2 A escola Turquesa na sala de aula e no AEE ....................................................... 104

4.4 O que as escolas têm promovido aos adolescentes com autismo?................................ 114

4.4.1 “Porque é típico do autismo”: as práticas educativas baseadas na deficiência .... 115

4.4.2 Formação do professor e a busca por uma escola inclusiva................................. 121

4.4.3 Desvelando as possibilidades: educação para a vida?.......................................... 129

4.4.4 Tecendo algumas considerações .......................................................................... 134

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 139

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 142

APÊNDICE A – CARTA DE APRESENTAÇÃO ................................................................ 153

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ................. 154

APÊNDICE C – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM AS MÃES .................................. 155

APÊNDICE D – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS ................. 156

ANEXO A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ................................... 157

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APRESENTAÇÃO

Meu interesse em estudar sobre o autismo surgiu durante meu trabalho como psicóloga

clínica, quando tive a oportunidade de atender algumas crianças com este diagnóstico. Foi um

grande desafio, pois percebi que esta temática foi negligenciada pela academia durante minha

formação. Assim, fui instigada a lidar e buscar bagagem teórica para embarcar neste “mundo

desconhecido”, que simplesmente tomou conta de mim.

Por se tratar de crianças que normalmente são submetidas a tratamentos

multiprofissionais, meus atendimentos propunham uma abordagem interdisciplinar o tanto

quanto possível. Nesta perspectiva, buscava compreender como se estabeleciam as relações

entre estas crianças e os diversos meios em que eram cotidianamente inseridas. A escola,

assim, ganhava destaque na investigação, não apenas por ser o local de maior permanência

diária destas crianças, mas por apresentarem o maior número de queixas em relação a elas.

Percebi que as maiores dificuldades das escolas para ensinar seus alunos com autismo

se davam pelo fato de não saberem lidar com os comportamentos “inapropriados” e com a

falta de comunicação, característicos desta condição, e de terem pouco conhecimento acerca

do próprio autismo. As relações escolares eram estabelecidas a partir da deficiência; portanto,

eram relações baseadas na representação de que são incapazes, de que não possuem

potencialidades como seres humanos.

Para professores e demais membros da escola, a representação da pessoa com autismo

assemelhava-se àquelas propagadas nos diversos filmes que tratam sobre a temática: pessoa

com extrema dificuldade de se relacionar, porém, com desenvolvimento cognitivo

extraordinário1, situação que, na maioria das vezes, não condiz com a realidade enfrentada por

eles. Assim, constata-se que este tema não foi negligenciado apenas em minha formação

acadêmica, mas em tantas outras formações dos vários profissionais que atuam (e atuarão)

com autistas.

A literatura mostra que a educação de pessoas com autismo (assim como de qualquer

pessoa com deficiência) foi oferecida inicialmente por instituições especializadas, criadas

geralmente por pais e familiares (BRAGIN, 2011). Estas instituições passaram a propagar

algumas abordagens educacionais de reconhecimento internacional, baseadas em técnicas

behavioristas de ensino individualizado que objetivam basicamente a diminuição dos

1 As pessoas representadas nos filmes geralmente apresentam síndrome de Asperger.

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comportamentos ditos inapropriados e o desenvolvimento de funções atrasadas ou

inexistentes. Muitas destas técnicas priorizam o rearranjo ambiental e o ensino estruturado, o

que dificulta sua aplicação na educação básica regular, e seu foco se mantém no

comportamento típico do autismo, desconsiderando o aluno em sua constituição como ser

humano participante da história e capaz de se apropriar do conhecimento de mundo.

Apesar da importância de estudos sobre a escolarização de pessoas com autismo, em

levantamento de pesquisas brasileiras nesta temática fixadas na base de dados da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), verificamos que

permanecem priorizados os estudos sobre avaliações (GIUNCO, 2002; PEREIRA, 2007),

descrição e caracterização das manifestações clínicas (NAVES, 2003; CAMPOS, 2008) e

relações familiares (FELTRIN, 2007; CURVACHO, 2008).

Ainda neste levantamento, identificamos que os estudos priorizam, quase

exclusivamente, a infância, negligenciando as demais fases do desenvolvimento humano;

poucos são os estudos sobre o adolescente com autismo – os existentes focam principalmente

as manifestações clínicas, especialmente as alterações da linguagem (DEFENSE, 2010;

GOLENDZINER, 2011) – e não foi encontrado nenhum sobre o adulto com autismo.

Estes dados nos levam a refletir sobre as direções seguidas pela produção científica

brasileira, que tem priorizado percepções unilaterais de aspectos isolados do autismo, negando

sua complexidade em todas as fases do desenvolvimento humano.

Deste modo, observando o crescimento significativo de casos de autismo nos últimos

anos (ONU, 2003; CDC, 2012; 2013) e a precariedade de estudos em algumas áreas

importantes do desenvolvimento humano e social das pessoas com autismo, se faz necessário

não apenas estudos voltados para o processo de escolarização deste grupo, mas com enfoque

para a adolescência e a vida adulta destas pessoas.

Este contexto nos levou ao questionamento sobre o processo de escolarização do

adolescente autista. Como e onde eles estão sendo escolarizados? Como ocorre esse processo

de escolarização?

Desta forma, nossa pesquisa surgiu com o intuito de compreender o processo de

escolarização do aluno adolescente com autismo. Nesta direção, buscamos levantar o número

de adolescentes com autismo em processo de escolarização na rede básica de ensino em uma

cidade do estado de Rondônia e identificar a modalidade de ensino na qual estão inseridos.

Posteriormente, buscamos descrever os métodos de ensino utilizados para educação desses

adolescentes e analisar como a escola tem promovido o desenvolvimento das potencialidades

desses jovens.

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A partir deste propósito, nosso estudo foi organizado de modo que, na primeira seção,

Juntando as peças de um quebra cabeça: desvelando o autismo, fosse apresentado um

panorama sobre o autismo. Por se tratar de uma condição bastante complexa, acreditamos na

necessidade de se fazer um resgate histórico, desde a sua sistematização científica até os dias

atuais, quando ainda nos encontramos em um contexto de contradição e obscuridade,

englobando tanto discussões teóricas quanto práticas.

Na seção 2, Psicologia Histórico-Cultural: o homem e sua natureza social,

discutiremos a respeito da Psicologia Histórico-Cultural, que norteou nossas ações e

percepções no decorrer deste estudo. A Psicologia Histórico-Cultural compreende o ser

humano como um ser transformador, com papel ativo na transformação do mundo e de si

mesmo. Será abordado, neste estudo, tanto a compreensão que esta teoria tem sobre o ser

humano, passando pelo adolescente e pela pessoa com deficiência, quanto as concepções de

educação, que, acreditamos, têm muito a contribuir não só para uma educação democrática,

mas, também, por uma educação que leve à verdadeira transformação social.

A seção 3, O percurso e os percalços da pesquisa, compreenderá a apresentação dos

aparatos instrumentais que proporcionaram o contato com todas as informações que serão

apresentadas neste estudo. Sempre tendo como norte as concepções da Psicologia Histórico-

Cultural e, consequentemente, da fundamentação filosófica do materialismo histórico-

dialético, tais instrumentos foram selecionados prevendo contemplar a complexa realidade do

processo de escolarização do adolescente autista.

Enfim, na seção 4, intitulada O adolescente com autismo e a sua escolarização:

explorando os caminhos percorridos, serão apresentadas e analisadas as experiências e

informações presenciadas e vivenciadas por nós, durante todo o contato com o processo de

escolarização dos adolescentes com autismo e com as pessoas nele envolvidas.

Adentrando neste mundo novo, um verdadeiro labirinto, com muitos caminhos

adversos, caminhos sem fim e caminhos importantes, acreditamos que este estudo possa ser

útil para a promoção de reflexão sobre a concepção de pessoa com autismo e sobre as práticas

educativas desenvolvidas pelos profissionais da educação que trabalham ou que venham a

trabalhar com este público e, inclusive, familiares.

Pensamos que se pode, sim, proporcionar aos autistas, especialmente o adolescente,

uma valorização como pessoa, e uma educação que vise, antes de tudo, as suas

potencialidades, em um processo de ensino que rompa com práticas educacionais

descontextualizadas e que lhes produza sentidos e apropriação do conhecimento

sistematizado, humanizando-os.

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1 JUNTANDO AS PEÇAS DE UM QUEBRA-CABEÇA: DESVELANDO O AUTISMO

Eu quero ficar só

Mas comigo só eu não consigo

Eu quero ficar junto

Mas sozinho só não é possível

Rogério Flausino2

O autismo é uma condição de causas múltiplas, ainda desconhecidas, caracterizado

pelo comprometimento qualitativo na interação social, na comunicação e no comportamento.

Possui várias denominações, dentre elas autismo clássico, autismo infantil, autismo de Kanner

(KLIN, 2006), o qual, para este estudo, será utilizado apenas o termo autismo. Ao longo dos

anos, tem passado por diversas hipóteses teóricas no que diz respeito à sua conceituação,

etiologia e tratamentos.

Para que se possa apresentar um panorama sobre essa condição tão complexa, a

presente seção foi organizada da seguinte maneira: primeiramente, serão apresentados alguns

relatos “pré-Kanner”, sobre supostos casos de autismo, com o intuito de buscar as raízes

históricas desta condição até a sua sistematização como uma patologia por meio dos estudos

de Kanner e Asperger; posteriormente, serão elucidados suas principais características, os

controversos estudos etiológicos e suas formas de tratamento; e, por último, será discutido a

respeito da educação dos alunos autistas.

1.1 O autismo ontem e hoje: unindo algumas peças.

Ao buscar os primeiros relatos sobre o autismo, estudos remontam aos contos

folclóricos do início do século XX. De acordo com Rosenberg (2011) alguns contos de fadas,

transmitidos entre as gerações, descrevem crianças que eram, ainda bebês, raptadas por fadas

ou gnomos e trocadas por outras, idênticas fisicamente, mas com personalidades totalmente

diferentes. Por se tratarem de bebês, as mães não percebiam imediatamente que não eram seus

filhos, porém, estranhavam o fato de deixarem de ser afetivos.

Considerando os contos como documentos históricos de uma sociedade, (DARNTON,

2001), assim eram contadas as histórias sobre as chamadas enfants fadas na França, sithbeire

na Escócia, changeling na Alemanha, e tantos outros nomes em diversos países, que, a seu

modo, tinham suas próprias versões das “crianças fadas”.

2 FLAUSINO, R. Amor maior. Intérprete: Jota Quest. In: MTV ao vivo. Rio de Janeiro: Sony BMG/Chaos e

Epic Records. Faixa 13.

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Podendo ou não se tratar de casos específicos de autismo, o fato é que, em quaisquer

dessas regiões, esses contos descreviam meninos, que, ainda pequenos, tinham uma brusca

mudança no comportamento, passando a viver em um profundo silêncio, quebrado apenas por

repentinas e momentâneas explosões verbais.

Além da literatura fantástica, muitos são os relatos de estudiosos que descrevem

supostos casos de autismo antes deste ter sido cientificamente descrito por Leo Kanner, em

1943, dentre os quais destacaremos dois.

O primeiro caso aqui apresentado trata do relato de um garoto, com cerca de doze

anos, que foi encontrado nas florestas de La Caune, em 1800. Provavelmente abandonado

desde a tenra infância, o menino habitava a mata e não tinha quaisquer laços sociais humanos.

Mudo e aparentemente surdo, o caso do “garoto selvagem de Aveyron”, como ficou

popularmente conhecido, logo teve grande repercussão popular, ganhando a atenção dos

meios midiáticos da época. Desta forma, o governo francês internou o rapaz em uma

instituição de mudos e surdos, deixando-o aos cuidados do médico Jean Itard (PESSOTTI,

1984), que lhe deu o nome de Victor3.

O médico o submeteu à avaliação do mais famoso psiquiatra da época, Phillippe Pinel,

cujo diagnóstico considerou o menino com idiotia congênita4 e que esta seria a causa de seu

abandono pelos pais5. Itard se opôs a este diagnóstico, pois tinha a convicção de que o homem

não nasce como homem, mas é construído como homem. Logo a idiotia de Victor não seria

decorrente de qualquer deficiência biológica, mas de carência cultural proveniente de seu

isolamento (PESSOTTI, 1984).

Assim, com ajuda da senhora Guérin6, estabeleceu metas para trabalhar os aspectos

cognitivos e afetivos do garoto, quais eram: desenvolver o interesse pela vida social, despertar

3 Para maior compreensão sobre a história e educação de Victor, sugerimos os estudos de Cordeiro (2006), que

discute as contribuições de Itard sobre as relações entre educação, aprendizagem e desenvolvimento na

constituição do homem como ser histórico e cultural. CORDEIRO, A. F. M. Relações entre educação,

aprendizagem e desenvolvimento humano: as contribuições de Jean Marc-Gaspard Itard (1774-1838). Tese

(Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2006. 4 Idiotia congênita é um termo psiquiátrico da época que se referia à deficiência intelectual.

5 As pessoas com deficiência foram, por muito tempo, renegadas pela sociedade. Ao longo dos anos, sofreram

muitas práticas desumanas, passando pelo abandono, morte, castração, escravidão, internação, dentre outras.

No final do século XVIII, época em que o garoto de Aveyron nasceu, o abandono de recém-nascidos

considerados com algum tipo de deficiência ainda era uma prática muito comum (PESSOTI, 1984). Somente a

partir da Revolução Francesa que estas pessoas passaram a ser alvo de assistência caritativa, advinda

principalmente da Igreja. Não há, porém, nenhuma comprovação de que Victor tenha nascido com alguma

deficiência ou alguma característica que indicasse deficiência.

6 Senhora Guérin foi uma governanta contratada pelo governo a pedido de Itard para que lhe auxiliasse nos

cuidados com Victor, mais especificamente em relação à higiene, alimentação, lazer etc.

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as forças sensitivas, ampliar a esfera de suas ideias, desenvolver a fala e exercitar as

operações da mente.

Durante os dez anos em que Victor foi mantido no instituto de surdos-mudos, muitas

foram as tentativas e os abandonos de técnicas para ensiná-lo. Tendo considerado seus

progressos escassos, Itard abandonou a educação de Victor, passando a dedicar-se à educação

de surdos. Os cuidados de Victor ficaram sob a responsabilidade da senhora Guérin, com

quem ficou até a sua morte, em 1828, com aproximadamente quarenta anos.

Por mais que, a nosso ver, o desenvolvimento (ou a “ausência” de desenvolvimento)

apresentado por Victor tenha sido oriundo da falta de contato com a humanidade e,

consequentemente, com os signos sociais essenciais para o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores, para muitos estudiosos (BETTELHEIM, 1987; FRITH, 1989;

ROSENBERG, 2011), Victor foi considerado o primeiro caso documentado de autismo, por

apresentar uma série de comportamentos que coincidem com as características desta

condição, tais como o costume de cheirar tudo o que lhe fosse apresentado, o modo de andar

com as pontas dos pés, a ausência de linguagem para a comunicação, a hiper e

hipossensibilidade sensorial, a falta de interesse nas relações e em objetos de diversão, o

comprometimento na imaginação e estereotipias. Vale destacar que Victor não teve a

mediação humana para viver de acordo com os princípios sociais, e, desta forma, mantinha

comportamento que beirava o primitivismo. Sua condição demonstra a importância das

relações sociais para o desenvolvimento do homem como ser humano, tal como postula

Vygotski (1997; 2000; 2001), pressuposto o qual discutiremos adiante.

Para mais uma exemplificação, recorremos a John Haslam. Em 1809, este médico

descreveu um menino de cinco anos que fora admitido no Asilo Bethlem em 1799. Não andou

até os dois anos e meio e nunca falou uma única palavra até os quatro. De acordo com relatos,

demonstrava pouco contato afetivo e, inclusive, ao ser separado da mãe, chorou apenas

brevemente. Seus exames fisiológicos estavam todos normais e não havia nenhuma evidência

de déficit neurológico (VAILLANT, 1962).

Foi observado que ele parecia ter uma incorreta ideia de distância, uma vez que

constantemente esticava as mãos para apanhar um objeto que se encontrava muito além de seu

alcance. Com o tempo, foi observado, também, que tinha uma ótima memória, que conseguia

memorizar os tons musicais e assobiá-los.

Tinha grande satisfação em observar os outros meninos, porém, nunca teve qualquer

ligação com algum deles. Brincava sozinho com soldados de brinquedo. Durante o tempo de

internação não conseguiram ensiná-lo a ler. Os ensinos passaram, então, a ser voltados aos

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nomes e à identificação das expressões faciais, com os quais conseguiu se familiarizar. Ele,

porém, reproduzia as expressões de forma isolada e descontextualizada. Para alguns autores

(VAILLANT, 1962; ROSENBERG, 2011), este se trata, também, de mais um caso

documentado de autismo antes de sua descrição científica e sistemática.

Estes relatos, dentre outros existentes, foram feitos, em sua maioria, por estudiosos da

saúde e da educação, que findavam por relacionar seus casos a uma deficiência intelectual ou

a algum tipo de transtorno mental, uma vez que o autismo foi descrito sistematicamente

somente em 1943 por Leo Kanner.

Este psiquiatra americano descreveu uma patologia infantil até então não reportada,

cuja característica fundamental seria a inaptidão no estabelecimento de contato afetivo e

interpessoal (KANNER, 1943). Tratava-se do então distúrbio autístico de contato afetivo,

renomeado por ele como autismo infantil precoce no ano posterior7.

Seu estudo referia-se a onze crianças, oito meninos e três meninas com idades

variando entre dois e onze anos, as quais os pais referiam como “autossuficientes”, que

viviam “como em uma concha”, agindo “como se não houvesse pessoas lá” e “quase como se

estivessem hipnotizadas” (KANNER, 1943, p. 242, tradução nossa).

Para Kanner, apesar de suas singularidades, essas crianças, que foram inicialmente

consideradas “idiotas”, “imbecis” ou esquizofrênicas (p.242), tinham características comuns,

dentre elas: alterações importantes na linguagem, uma vez que muitas eram incapazes de se

comunicarem, permanecendo mudas, e, quando o faziam, era por meio de falas

descontextualizadas e ecolálicas8; uma “extrema solidão autística”, pois ignoravam os

estímulos externos físicos e sonoros como se “não estivessem ali” (KANNER, 1943, p. 242);

a ausência de contato visual; movimentos repetitivos e estereotipados; o apego a rotinas,

apresentando, inclusive, uma limitação no comportamento espontâneo, agindo exatamente da

mesma forma em determinadas situações; distúrbios de alimentação, sendo que a maioria de

seus pacientes tinha severas dificuldades de alimentação desde a mais tenra infância; crises

emocionais, apresentando medos inexplicáveis por objetos ou determinados sons; excelente

7 A palavra “autismo”, que deriva do grego autos (αυτος) e significa “si mesmo”, foi utilizada para se referir a

uma pessoa que “vive em seu próprio mundo”. Foi utilizada, inicialmente, por Eugen Bleuler, em 1916, para

designar um dos sintomas fundamentais da esquizofrenia, caracterizado pela perda do contato com a realidade

e evitação das relações sociais (ASPERGER, 1991; GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004; VENANCIO,

2010). Foi esta definição que inspirou a utilização do termo por Kanner e Asperger.

8 A ecolalia é um fenômeno linguístico descrito como a repetição em eco de palavras ou frases inteiras. As

repetições podem ocorrer pouco tempo ou imediatamente após a afirmativa modelo (ecolalia imediata), ou

após um tempo significativamente após a sua produção (ecolalia tardia). (SAAD; GOLDFELD, 2009).

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memória; e família altamente intelectualizada, emocionalmente distante, cujas relações eram

frias e formais, com pouco interesse nas relações humanas da criança.

Concomitante à Kanner, Hans Asperger, pediatra austríaco, descreveu, em artigo

publicado em 1944, um distúrbio nomeado por ele como psicopatia autística (ASPERGER,

1991). Esta “desordem da personalidade” (p.37) que apresentou, foi descrita como

predominantemente masculina, caracterizada por padrões alterados de comportamentos e de

habilidades, que incluem falta de empatia e de humor, pouca capacidade de formar amizades,

peculiaridades na linguagem e no comportamento (excentricidade nos movimentos e na

sonoridade da voz), persistência em determinados assuntos e interesses (como colecionar

obsessivamente conjunto de objetos sem sentido), e altas habilidades intelectuais, o que

possibilitaria a adaptação social e o desempenho acadêmico destas crianças (ASPERGER,

1991).

Ambos os pesquisadores, Kanner e Asperger, coincidentemente, elaboraram

descrições dos mesmos tipos de distúrbios infantis até então ignorados pela comunidade

científica e utilizaram a mesma nomenclatura. Segundo Frith (1991), o termo autismo foi

provavelmente escolhido pelos autores porque o desapego do mundo social foi a característica

mais fortemente predominante nas crianças por eles estudadas.

É valido salientar que, apesar de haver a diferença de um ano entre as publicações de

Kanner e Asperger, nesta época, em meio à Segunda Guerra Mundial, eles não tiveram

qualquer contato com a obra do outro. Inclusive, o estudo de Asperger só recebeu notoriedade

internacional em 1981, quando foi traduzido do alemão para o inglês. A partir de então,

Asperger foi reconhecido como um dos precursores dos estudos sobre o autismo.

Ainda em relação ao estudo do médico austríaco, por apresentar alguns aspectos

diferentes daqueles descritos por Kanner, a patologia por ele elucidada recebeu o nome de

síndrome de Asperger, diferenciando-se do autismo por não apresentar atraso significativo na

linguagem e deficiência intelectual e por apresentar demonstração de habilidades específicas.

Ao considerar os estudos iniciais dos precursores acima citados, pode-se perceber que,

apesar de muitos avanços e alterações em sua nomenclatura e nos estudos sobre sua etiologia,

as características, por eles identificadas, permanecem basicamente as mesmas.

Sabe-se que o autismo manifesta-se, normalmente, durante os três primeiros anos de

vida, quando se torna perceptível na criança frequentes alterações comportamentais - como a

dificuldade em prestar e/ou manter atenção, hiperatividade e impulsividade -, alterações

sensoriais – hipo ou hipersensibilidade a estímulos visuais, sonoros, gustativos, olfativos e

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táteis -, e alterações médicas – problemas severos de alimentação e de sono (SILVA;

MULICK, 2009).

De acordo com a literatura, pessoas com autismo têm um repertório de atividades e

interesses restritos, e as dificuldades que surgem na interação social podem se manifestar em

forma de isolamento; geralmente essas pessoas apresentam comportamento social impróprio

(GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004). Enfrentam um marcante prejuízo na comunicação

verbal e não verbal, como, por exemplo, a incompreensão dos signos sociais, o contato visual

direto, a interpretação de expressões faciais, posturas e gestos corporais (APA, 1995).

Segundo Bosa (2002), a forma como as pessoas com autismo comunicam suas necessidades e

desejos são muitas vezes incompreensíveis no sistema de comunicação próprio da cultura

humana.

Segundo estudiosos, na medida em que essas pessoas ingressam na vida adulta, pode

haver uma melhoria na comunicação e na interação social, porém, segundo alguns autores, o

prejuízo na habilidade social e a dificuldade em estabelecer amizades e relacionamentos

íntimos persistirão durante toda a vida (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004;

SCHWARTZMAN, 2011a), pois, para a literatura científica, não existe cura para o autismo.

Conforme alega Schwartzman (1995), as possíveis curas seriam apenas frutos de melhoras

substanciais assinaladas ou então de quadros mal diagnosticados.

O diagnóstico de autismo é basicamente clínico, feito por meio de observações do

comportamento. No Brasil, o conceito oficial e a base para o diagnóstico se encontram na

décima edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas

Relacionados à Saúde – CID-10, da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008). Muitos

especialistas utilizam, também, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,

originalmente Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM, organizado pela

Associação Americana de Psicologia (APA), que foi recentemente atualizado para a sua

quinta edição e é amplamente aceito pela comunidade científica mundial.

Por se tratar de uma avaliação subjetiva, é necessário que se discuta sobre o processo

de construção do diagnóstico de autismo. Se considerarmos as controvérsias acerca dos

manuais norteadores de diagnósticos médicos, podemos encontrar, pelo menos, uma grande

fragilidade no diagnóstico de autismo (e de outras condições). Guarido (2007, p. 151), em sua

análise histórica sobre a criação do DSM, concluiu que este manual proliferou uma leitura

única do sofrimento psíquico, globalizando a influência da psiquiatria norte-americana no

saber médico e em sua formação, bem como com forte impacto na indústria farmacêutica.

Segundo a autora:

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[...] a padronização de sintomas trazida pelas sucessivas edições da série DSM

(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os resultados de

pesquisas na neurociência – que tentam fundamentar o funcionamento psíquico em

bases orgânicas – e o grande desenvolvimento dos psicofármacos, fruto de maciços

investimentos financeiros. A ação desse conjunto de fatores teve por efeito a perda

da noção de sentido/significado dos sintomas e dos sofrimentos subjetivos, própria

da psiquiatria clássica, e a crescente medicalização dos indivíduos na sociedade

contemporânea.

Neste sentido, Sapia (2013), com base no documentário feito em 2011 pela Comissão

dos Cidadãos para os Direitos Humanos (CCHR) intitulado “Manual de Diagnóstico e

Estatístico: a farsa mais mortífera da Psiquiatria”, questiona como os médicos podem se

basear no DSM para diagnosticar seus pacientes se, até a sua quarta versão, a elaboração deste

manual não se pautou em dados científicos. Em relação à quinta versão, apesar da tentativa de

um rigor científico, tem recebido críticas de vários profissionais da saúde pelo fato de que

comportamentos antes sadios foram agora enquadrados como patológicos.

Sem negar o avanço causado pela busca por sistematização de certas patologias e o

próprio desenvolvimento de medicamentos para seu combate, é necessário que se discuta o

modo pelo qual muitos comportamentos e modos de sofrimentos psíquicos têm sido

diagnosticados indiscriminadamente como patologias, gerando um verdadeiro surto de

patologização da vida cotidiana, nos levando a questionar sobre a real distinção entre os

conceitos de normalidade e anormalidade. Assim,

Baseados no ideal da visibilidade e na dualidade saúde versus transtorno, os manuais

dão a impressão de se pretenderem um instrumento que associa o máximo da

descrição (um paciente pode receber vários números correspondentes a múltiplos

diagnósticos) dentro de uma margem mínima de erro com o ideal de transmitir um

modelo médico para a psiquiatria. [...] Os manuais de diagnóstico são

deliberadamente a-teóricos, voltando-se para uma descrição que seja partilhada pela

maioria dos psiquiatras do mundo. [...] Fundar uma prática de diagnóstico baseada

no consenso estatístico de termos relativos a transtornos, que, por conseguinte,

devem ser eliminados com medicamentos, é abandonar a clínica feita propriamente

de sinais e sintomas que remetem a uma estrutura clínica, que no caso, é a estrutura

do próprio sujeito. É estar a serviço de uma psiquiatria ativa de resultados já

estabelecidos previamente pela lógica do mercado de psicofármacos (QUINET,

2002, p. 39).

Pode-se, portanto, perceber a fragilidade do diagnóstico de autismo, uma vez que o

discurso médico hegemônico, por mais que admita certa diferenciação dentro do quadro

sintomatológico, com base nestes manuais defende que o autista dificilmente poderá se

desvencilhar de sua condição de doente, de incapacitado, por ser crônica e permanente.

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Tal situação pode ser exemplificada por meio da Figura 1, na qual é apresentado um

quadro com imagens descritivas dos sintomas do autismo baseados nos manuais diagnósticos

que é amplamente divulgado pelos meios midiáticos e pela literatura, principalmente por meio

de publicações de associações e organizações não governamentais que atuam pela causa do

autismo.

Figura 1 - Ilustração dos principais sintomas do autismo

Fonte: Mello (2007)9

Vale registrar, ainda, uma série de vídeos educativos elaborados por Maurício de

Souza Produções em parceria com a Associação de Amigos do Autista (AMA), na qual os

personagens da famosa “Turma da Mônica” descrevem características de um novo

personagem, André, que é autista, onde encontramos afirmações estigmatizantes do tipo: “Ele

é autista. Autistas não olham nos olhos das pessoas”, “Podem não evitar, mas também não 9 MELLO, A. M. S. R. Autismo: guia prático. 7 ed. São Paulo: AMA; Brasília, CORDE, 2007.

Usa as pessoas como

ferramentas

Resiste a mudanças de

rotina

Não se mistura com

outras crianças

Apego não apropriado a

objetos

Não mantém contato

visual

Age como se fosse

surdo

Resiste ao aprendizado Não demonstra medo

de perigos

Risos e movimentos

não apropriados

Resiste ao contato

físico Acentuada

hiperatividade física

Gira objetos de maneira

bizarra e peculiar

Às vezes é agressivo e

destrutivo

Modo e comportamento

indiferente e arredio

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procuram outras crianças”, “Crianças assim não apontam para coisas interessantes”, “Ele é

autista e crianças assim quase não falam e nem tem interesse em falar”, “Um autista não imita

outras crianças e também não brincam de faz de conta” (TURMA..., 2007, transcrição).

Tais discursos são altamente difundidos, alcançando pais, professores, alunos, a

sociedade em geral, que os tomam como verdades. Deste modo, este padrão de

comportamento associado aos autistas tem interferido diretamente nas suas relações sociais,

no desenvolvimento de suas potencialidades, e, ressalta-se, em seu processo de escolarização,

que será discutido mais adiante. Definem-se tais características como naturais aos autistas e,

assim, eles, de fato, crescem e permanecem presos a elas, uma vez que as próprias relações

sociais se pautam em tais características. Os discursos homogeneízam os autistas como se eles

se resumissem às características do autismo.

Definir comportamentos ante uma condição patológica e/ou genética é negar seu lugar

no mundo como uma pessoa e suas inúmeras possibilidades de aprendizagem e de

desenvolvimento durante a vida. É percebê-la sob um olhar unilateral, sob o discurso médico

hegemônico, transformando a sua subjetividade na própria condição de deficiência

(AMARAL, 1998).

Deste modo, é necessário que se reflita sobre a criação de um diagnóstico de autismo

que, por ser alcançado por meio de observação clínica, é altamente subjetivo e pautado em um

manual cujas bases científicas são questionáveis e cujo desenvolvimento está diretamente

relacionado ao cenário sociopolítico e econômico capitalista, principalmente no que diz

respeito ao desenvolvimento e ascensão da indústria farmacêutica e do modelo americano de

saúde mental (CECCARELLI, 2010). Cabe discutir, ainda, o crescente número de

diagnósticos de autismo nos últimos anos, fato que pode ser um reflexo deste modelo e que

vale ser discutido, o que faremos a seguir.

1.2 Quando faltam algumas peças...

A atenção dada ao autismo, nos últimos tempos, deve-se, em grande parte, ao

crescente número de pessoas que vêm sendo diagnosticadas com esta condição. Dados

estatísticos revelam que, atualmente, são estimados cerca de 70 milhões de autistas no mundo,

com prevalências de 2 a 5 para 10 mil (ONU, 2010).

Sua incidência em crianças é descrita como mais comum e maior que a soma dos

casos de AIDS, câncer e diabetes juntos (THE AUTISM SPEAKS, 2012), ocupando, também,

o terceiro lugar entre os distúrbios de desenvolvimento, estando à frente das malformações

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congênitas e da síndrome de Down (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004). Estudos recentes

(CDC, 2013) estimam, ainda, a prevalência de um autista em cada 50 crianças10

, sugerindo

uma verdadeira epidemia mundial.

No Brasil existem poucos estudos epidemiológicos que indiquem a prevalência do

autismo na população. Em 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

realizou um levantamento da população com deficiência no Brasil. Este estudo incluiu a

população com deficiência auditiva, visual, motora e intelectual. O autismo, porém, não foi

incluído nesta pesquisa, juntamente com os transtornos mentais.

De acordo com o Programa Autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas

da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (PROTEA), a partir de dados

estatísticos do CDC, estima-se que existam cerca de 1,8 milhão de casos de autismo no Brasil

(GOLINI, 2012).

Apesar de não haver um estudo abrangente em nosso país, o visível e estrondoso

aumento no número de casos de autismo tem chamado à atenção no campo das políticas

públicas e recebido destaques nos meios midiáticos.

Neste sentido, questiona-se a respeito deste crescimento nas taxas de autismo em todo

o mundo. Tratar-se-ia de um crescimento do número de casos, ou de uma detecção mais

eficiente, ou, ainda, de uma generalização indiscriminada do quadro de autismo?

Por se tratar de uma condição surgida no meio científico em meados do século XX, é

de se questionar o modo como este diagnóstico vem sendo elaborado, algo que já discutimos

anteriormente, e como isto tem contribuído para o quadro atual.

Tais indagações somam-se a tantas outras questões controvérsias e inconclusivas, as

quais se destacam àquelas que dizem respeito à sua etiologia, que, vale dizer, ainda não está

estabelecida. Isto porque, desde a sua descoberta, muitas explicações e conceitos foram

aceitos e posteriormente descartados, devido ao fato de a diversidade de características

observadas no autismo ser repleta de interpretações adversas.

Kanner, ao descrever o autismo, levantou a tese de que este poderia ser uma patologia

biologicamente inata. De acordo com este autor (1943, p. 250), “[...] essas crianças vieram ao

mundo com uma inabilidade biológica inata para formar o usual contato afetivo com as

pessoas, assim como outras crianças vêm ao mundo com déficits físicos ou intelectuais

inatos”. Porém, ao identificar um padrão familiar comum a todas as crianças (pais altamente

10

No ano de 2012, os números de prevalência divulgados pelo CDC foram de um para 88 (CDC, 2012). A

justificativa para o abrupto aumento dos números foi de que, no estudo mais recente, não foi considerado

apenas os dados médicos escolares - como fora no estudo anterior -, mas também dados vindos dos pais.

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intelectualizados e afetivamente distantes de seus filhos), levantou, ainda, o questionamento

sobre a real interferência desta situação familiar na contribuição do desenvolvimento do

autismo:

Em todo o grupo, há poucos pais e mães realmente afetuosos. Para a maior parte, os

pais, avós e semelhantes são pessoas fortemente preocupadas com abstrações de

natureza científica, literária ou artística, e limitados no que se refere ao interesse

genuíno nas pessoas. Mesmo em alguns dos casamentos felizes, as relações são

bastante frias e formais. Três dos casamentos [estudados] foram um fracasso. A

questão que surge é se há ou em que medida este fato contribuiu para a condição das

crianças (KANNER, 1943, p. 250).

Apesar de Kanner, posteriormente, alegar ter sido mal interpretado e, inclusive,

tentado se retratar, por meio da publicação cujo título traduzido é “Em defesa das mães”,

publicado em 195011

, esse questionamento transformou-se em uma teoria que perdurou por

muitos anos.

Neste contexto, as teses sobre as causas do autismo evidenciavam essencialmente uma

carência afetiva advinda das chamadas “mães-geladeira”, conceito inspirado nas concepções

de Kanner e difundido por estudiosos advindos, essencialmente, da teoria psicanalítica, tendo

seu ápice nas obras de Bettelheim (1987).

Atualmente, a proposição de culpabilização das mães tem sido refutada pelos teóricos,

apesar de, ainda, se encontrar em uma controvérsia situação. De acordo com Barros (2011, p.

30), existe um grande mal-entendido em relação às teorias psicanalíticas que atribui uma

relação de causa e efeito entre o autismo e as características emocionais e afetivas dos pais. A

autora reitera que:

Nelas, por exemplo, substantivos como mãe, bebê e as expressões mãe-bebê, objeto

materno, são usadas, por exemplo, por metonímia, para descrever dinâmicas

inconscientes que ocorrem entre o recém-nascido e seu cuidador, e não contêm

nenhum juízo de valor.

Por outro lado, Kupfer (1999, p. 101) aponta que:

[...] as mães não são culpadas, mas responsáveis pelo destino subjetivo de seus

filhos. Entenda-se aí a mãe em posição de Outro materno, atravessada pela

articulação entre a sua fantasmática e sua posição de falada pelo discurso social, e

que tem diante de si um bebê que se apresenta com uma materialidade que não pode

ser negada. Ora, as mães pós-Kanner foram, ao contrário do que poderia sustentar o

discurso da psicanálise, convenientemente "desculpabilizadas" e

"desresponsabilizadas" pela sociedade de massas, interessada em fazê-las deixar

11

KANNER, L. In defense of mothers: how to bring up children in spite of the more zealous psychologists.

Springfield: Bannerstone House, 1950.

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seus filhos em creches e diante da televisão para correr atrás de novos valores fálicos

no mundo do consumo. O agente da "desculpabilização" é a psiquiatria biológica,

que atende perfeitamente bem a esses interesses, mais ideológicos do que

científicos.

Assim, percebe-se que, mesmo na própria abordagem psicanalítica, opiniões adversas

aceiram a questão das causas do autismo.

Na busca de fatores biológicos para as causas do autismo, estudos de Coleman, em

1976, já apontavam alterações metabólicas em autistas. Uma vez que o próprio Kanner

presumiu, como dito anteriormente, ser o autismo uma condição inata, inúmeros estudos

buscam explicações genéticas para esta condição.

De acordo com Brunoni (2011), o autismo representa um quadro de herdabilidade em

torno de 90%. Estudos com gêmeos (FOLSTEIN; RUTTER, 1977; MECCA et. al, 2011) para

testar a genética do autismo encontraram concordância bem maior em gêmeos monozigóticos

quando comparados aos heterozigóticos, indicando, também, a possibilidade de uma

determinação genética da condição.

Neste sentido, Brunoni (2011, p. 56) atenta que:

Sabe-se que os fatores genéticos são múltiplos; portanto, temos diversos genes

envolvidos (modelos poligênico) e, por outro lado, também diversos fatores

ambientais têm sido implicados: intercorrências perinatais na forma de infecções e

outros danos cerebrais, por exemplo.

Schwartzman (2011a) destaca estudos neurológicos que possam indicar fortes relações

etiológicas do autismo, ou, ao menos, entre alterações do sistema nervoso central (SNC) e os

distúrbios comportamentais desta condição, apesar de nenhuma delas ser conclusiva.

Apresentam-se, nesta linha de pesquisa, estudos que sugerem supostas anormalidades no lobo

temporal, no sistema límbico e no córtex cerebral dos autistas (BOLTON; GRIFFITHS;

PICKLES, 2002), bem como estudos sobre alterações neuronais (VAN KOOTEN et al., 2008;

WANG, 2009) e translocações cromossômicas (TARELHO; ASSUMÇÃO JR., 2007).

Outra vertente de estudos postulam fatores ambientais como causadores do autismo ou

de déficits comportamentais a ele associados. Estudos de Ferster (1961) indicaram alterações

ambientais como fatores causais do autismo, lançando bases para a compreensão de que a

manipulação e rearranjo ambiental poderiam prevenir essa condição, o que embasou vários

métodos utilizados com os autistas atualmente, especialmente no ambiente escolar, os quais

serão discutidos posteriormente.

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Dentre as teorias ambientais, encontram-se estudos que relacionam o autismo e a

exposição à TV (HALL; NICHOLSON; ADILOF, 2006), ao tempo chuvoso (WALDMAN et

AL., 2008), à poluição (VOLK et al., 2013), à alimentação (WAKEFIELD et al., 2002;

KNIVSBERG et al., 2002; WHITELEY et al., 2010), entre outros.

Nesta perspectiva, um estudo que gerou muita polêmica e vale a pena ser citado

relacionou o autismo com a vacina MMR, a tríplice viral, que previne o sarampo, a caxumba e

a rubéola.

Wakefield et al. (1998) partiram da premissa de que esta vacina teria causado

inflamações no intestino das 12 crianças que pesquisaram no Reino Unido. Essa inflamação

teria feito com que proteínas chegassem ao cérebro e danificassem os neurônios, causando

sintomas típicos do autismo, incluindo déficits na comunicação.

À época, este estudo atraiu a atenção de todos os meios midiáticos e dos pesquisadores

da área. Muitos estudos apoiaram a hipótese de que a inflamação gastrointestinal, de fato,

pode gerar sintomas de autismo (SINGH; JENSEN, 2003; JYONOUCHI et al., 2005) e mais

ainda foram os que a contrariaram e a refutaram (MAKELA et al., 2002; D’SOUZA et al.,

2006; BAIRD et al., 2008; DEMICHELI et al., 2012).

Com tal polêmica instaurada, os índices de vacinação da MMR caíram drasticamente

no Reino Unido (MURCH, 2003; ASARIA; MACMAHON, 2006), gerando uma endemia de

sarampo (ECDC, 2008), bem como o aumento de casos de caxumba e surtos epidêmicos desta

doença (GUPTA; BEST; MACMAHON, 2005), o que levou a cassação de Wakefield de seu

direito de exercer a profissão médica, sendo sua pesquisa apontada como geradora de pânico e

causadora de danos à população.

A partir dos estudos de Wakefield, diversos outros surgiram, mostrando indícios da

relação de vacinas com a gênese do autis0mo, seja devido aos possíveis efeitos colaterais –

como a inflamação gastrointestinal – ou à presença do timerosal, conservante a base de

mercúrio utilizado em algumas vacinas.

Apesar de negar qualquer veracidade desta afirmação, o Governo dos Estados Unidos,

por exemplo, criou o Vaccine Injury Compensation Program (VICP), que em tradução livre

significa algo como “Programa de compensação por danos causados pelas vacinas”. Este

programa têm compensado financeiramente crianças por danos causados por vacinas, dentre

os quais se destacam a lesão cerebral, a convulsão e o autismo. Foi identificado que, por meio

deste programa, 150 famílias foram indenizadas após as crianças que tomaram a vacina

apresentarem casos ou, ao menos, sintomas de autismo (HOLLAND et al., 2011), findando

por acalorar ainda mais as discussões sobre o tema e nos levar à reflexão.

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Assim, ante a apresentação destas várias vertentes de pesquisas que postulam as

causas do autismo, pode-se perceber que muitas delas são contraditórias entre si. Percebe-se,

também, que, ainda hoje, as controvérsias permanecem, muitas se apoiando no antigo conflito

psicogênese versus organogênese, nenhuma, porém, fornecendo respostas suficientemente

abrangentes e esclarecedoras.

Tais divergências explicitam apenas a grande incógnita acerca do autismo, que

permanece um conceito heterogêneo que inclui múltiplos sintomas e uma variedade de

manifestações clínicas, em uma amplitude de níveis de desenvolvimento e de funcionamento

(KLIN, 2006), mesmo após tentativas de delimitá-lo e simplificá-lo, como feito pela APA

(2013).

É importante que seja ressaltado que, se inicialmente o autismo era visto como um

transtorno causado pelo distanciamento e/ou rejeição emocional dos pais, atualmente tem sido

percebido uma tendência de percebê-lo mais como um transtorno de base orgânica ou

genética. Esta tendência é claramente perceptível ao se verificar os dados da medicalização

desta condição, uma vez que, de acordo com um estudo estadunidense (PRINGLE et al.,

2012), mais da metade das crianças autistas em idade escolar fazem uso de pelo menos uma

medicação psicotrópica. Entre estas crianças, 33% são medicadas com remédios estimulantes,

25% com ansiolíticos ou estabilizadores de humor, e 20% com antidepressivos.

Outro estudo, deste mesmo país, de um grupo de 286 adultos e adolescentes com

autismo, 70% toma algum tipo de medicação psicotrópica, sendo que muitos os vêm

utilizando desde a infância, indicando que, uma vez iniciado o tratamento medicamentoso, o

autista tende a permanecer com a medicamentação durante o resto da vida (ESBENSEN et al.,

2009).

A medicalização, muitas vezes indiscriminada, tem sido uma tendência mundial,

legitimada, inclusive, pelos manuais diagnósticos, como discutido anteriormente. Em relação

a este movimento, Guarido (2007, p. 154) analisa que:

Há aí uma inversão não pouco assustadora, pois na lógica atual de construção

diagnóstica, o remédio participa da nomeação do transtorno. Visto que não há mais

uma etiologia e uma historicidade a serem consideradas, pois a verdade do

sintoma/transtorno está no funcionamento bioquímico, e os efeitos da medicação

dão validade a um ou outro diagnóstico. O caráter experimental da administração de

medicamentos pode ser acompanhado nos procedimentos médicos atuais, bem como

a mudança dos diagnósticos pela variação dos sintomas apresentados em certo

espaço determinado de tempo.

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30

Em meio a esta tendência à medicalização, está o entendimento do autismo como

oriundo de uma causa puramente neurobiológica, como defendem alguns autores (RAPIN;

TUCHMAN, 2008; BRUNONI, 2011; SCHWARTZMAN, 2011b).

Não se pode negar que muitas comorbidades podem estar associadas ao autismo, mas

é necessário que se questione as reais necessidades do uso de medicamentos para a

diminuição dos sintomas desta condição ou de outras condições a ela associadas.

Tal situação é delicada, pois o tratamento medicamentoso ainda é predominante, e,

como já se discutiu, encontra-se em crescente avanço. Vale citar que não existe uma

medicação específica para os casos de autismo, mas para a diminuição de alguns sintomas e

de comorbidades a ele associadas. Assim, um autista pode receber medicações para epilepsia,

hiperatividade, depressão, ansiedade, distúrbios de sono, transtorno obsessivo-compulsivo

(TOC) etc. O uso da medicação, porém, raramente é baseado em estudos controlados. Deste

modo, as prescrições medicamentosas, bem como seus efeitos nos autistas não são bem

definidas, não validando, assim, o seu uso (ASSUMPÇÃO JR.; KUCZYNSKI, 2011).

Em relação aos tratamentos terapêuticos, os indicados para o autismo são

multiprofissionais, incluindo acompanhamentos psicológicos, fisioterápicos,

fonoaudiológicos, neurológicos, psiquiátricos, nutricionais, além de inúmeros métodos e

técnicas terapêuticas que podem auxiliar no tratamento do autismo, como equoterapia12

,

musicoterapia, educação física, tratamentos neurosensoriais e bioquímicos, dentre outros.

Estudos indicam que tais tratamentos podem contribuir significativamente na

diminuição dos sintomas e no desenvolvimento dos autistas, principalmente se for de modo

multidisciplinar (SILVA, M.; MULICK, 2009; SCHWARTZMAN, 2011a). Porém, os

benefícios de cada tratamento específicos ainda são inconclusivos, com resultados, muitas

vezes, limitados (SCHWARTZMAN, 2011c).

É bom ressaltar, ainda, que o tratamento dito adequado, segundo entendimentos

conceituados, requer tanto disponibilidade de tempo (diga-se, quase integral) de familiares

e/ou cuidadores, como um alto custo econômico, devido à carência destes tipos de

atendimentos na rede pública de saúde e de educação restringindo-se o seu acesso à população

de alto poder aquisitivo. Nos Estados Unidos, por exemplo, os gastos familiares em educação,

saúde e tratamentos de uma criança com autismo são cerca de seis vezes maiores do que os

12

Equoterapia é um método terapêutico que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar nas áreas

da saúde, educação e equitação, com fins de proporcionar o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com

deficiência. Disponível em: <http://www.equoterapia.org.br/site/equoterapia.php>

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gastos de uma família com uma criança sem autismo (CDC, 2014), cujos custos anuais com

intervenções comportamentais podem chegar a $60.000,00 por criança.

Diante desta explanação, verifica-se que existem vários modelos e programas de

tratamento específicos para autistas, que preveem uma ação intensiva nos âmbitos da saúde e

da educação especializada, grande parte inacessível para a maior parte da população

brasileira.

Em relação ao processo de escolarização, algumas abordagens, muitas delas

internacionais, tem tido foco no Brasil, sendo aplicadas, especialmente, na Educação Especial.

Com a tendência atual de priorização da inserção do aluno com deficiência no Ensino

Regular, as escolas passam a ter o desafio de encontrar meios para escolarizar os alunos com

autismo, tema que será discutido a seguir.

1.3 Autismo e educação

Por se tratar de uma síndrome relativamente nova, as pesquisas sobre o autismo, desde

a sua descoberta até o ano de 1963, eram voltadas quase exclusivamente para a investigação

de sua etiologia (RIVIÈRE, 2004). Os estudos voltados para a educação dos autistas surgiram

a partir de 1963, quando passaram a ser desenvolvidos procedimentos de modificação de

conduta, terapias comportamentais e programas para ajudar no seu desenvolvimento e na sua

independência.

Um programa que vale ser destacado é o TEACCH, Treatment and Education of

Autistic and Related Communication Handicapped Children, traduzido como Tratamento e

Educação de Crianças com Autismo e Déficits de Comunicação, um dos métodos

educacionais mais difundidos e utilizados mundialmente na educação de crianças e jovens

autistas.

Criado em 1964, época em que a tradição behaviorista tinha grande peso nos Estados

Unidos, este método parte da premissa de que, devido às características do autismo, os

autistas são mais capazes de adquirir aprendizados em uma proposta de atividade estruturada

em vez de uma intervenção terapêutica de caráter mais livre e interpretativo (MARQUES;

MELLO, 2005; LEON; OSÓRIO, 2011).

Fundamenta-se na Análise Aplicada do Comportamento (Applied Behavior Analysis -

ABA), tendo como base conceitos do behaviorismo clássico de Skinner, como os de

condicionamento operante e respondente, de reforço positivo e negativo, de generalização da

aprendizagem e de modelagem; e na Psicolinguística, na qual este método buscou estratégias

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para compensar os déficits comunicativos, como a utilização de recursos visuais (LEON;

OSÓRIO, 2011).

O TEACCH tem como objetivo facilitar a aprendizagem de autistas a partir do arranjo

ambiental, do ensino estruturado e da comunicação alternativa, para que sejam capacitados a

chegarem à idade adulta com o máximo de independência possível (MARQUES; MELLO,

2005). Diante disto, a sala de aula é estruturada de modo que se torne o mais previsível

possível, com poucas alterações (Figura 2), uma vez que, de acordo com os defensores deste

método, nos autistas:

Comumente, as associações são baseadas em experiências concretas que tendem a se

repetir de modo rígido. Isto é, a associação decorre predominantemente de sua

ocorrência, e não do significado. Por isso propõe-se a utilização do espaço físico de

modo que sirva como orientador de ações e de atitudes. Em outras palavras, sugere-

se que o espaço de atendimento tenha um arranjo que favoreça ao sujeito

compreender o que é esperado que ele ali desenvolva [...] (LEON; OSÓRIO, 2011,

p. 265).

Nesta perspectiva, os espaços de trabalho são organizados de modo que as atividades e

as rotinas sejam indicadas visualmente para que o aluno saiba o que será desenvolvido

naquele dia. Tornam-se, assim, lugares que primam pela estabilização do ambiente, que pouco

desenvolvem as potencialidades de seus alunos por se aterem às capacidades que possuem.

13

Disponível em: <http://uadarque.wordpress.com/quem-somos/a-nossa-sala-2/sala-teacch/> Acesso em 03 de

maio de 2014.

Figura 2 - Método TEACCH: disposição da sala para o ensino individualizado

Fonte: UADarque Autismo

13

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33

Desta forma, os alunos permanecem em um status quo, mantido pelos métodos de ensino que

desconsidera as realidades do mundo real, descontextualizando as suas vivências e

experiências.

Vygotski (1997) defende a ideia de que todas as crianças podem desenvolver as suas

potencialidades e serem ensinadas, independentemente de sua deficiência, na medida em que

sejam utilizados instrumentos mediadores adequados. Para tanto, a educação deve preceder o

desenvolvimento (VYGOTSKI, 2001), não se limitando àquilo que os alunos são capazes de

fazerem sozinhos, mas focando ao novo, às potencialidades do aluno, que representarão as

mudanças acessíveis a ele. Desta forma, desde que haja uma sistematização da prática

pedagógica, os alunos com autismo podem se apropriar dos conteúdos curriculares e serem

impulsionados ao desenvolvimento.

O arranjo também compreende a estruturação das rotinas diárias, o uso de apoio visual

na realização das atividades e o sistema individualizado de trabalho, combinando diferentes

materiais visuais para organizar o ambiente físico através de rotinas e sistemas de trabalho

(Figura 3). Para tanto, de acordo com Leon e Osório (2011), são utilizadas avaliações para

embasar o planejamento terapêutico e mensurar o estágio de desenvolvimento da pessoa com

autismo ou com transtornos correlatos.

Dentre os instrumentos de avaliação, se destacam o CARS (Classification Autism

Ratting Scale), o PEP-R (Psychoeducational Profile Revised) e o AAPEP (Adolescent and

Adult Psychoeducational Profile). Assim, as diretrizes educacionais no método TEACCH

dependerão da escala de desempenho na avaliação do autista, sendo que para cada área existe

uma série de tarefas a serem realizadas de acordo com o nível de desenvolvimento

identificado na criança ou no jovem. Desta forma, considerando os resultados de um

instrumento avaliativo, os sistemas de trabalho reduzem as chances de todo um potencial a ser

desenvolvido que, porventura, não venha a ser apresentado na avaliação.

Vygotsky e Luria (1996) criticam a padronização de testes psicológicos em razão da

sua dimensão estática e não dinâmica, uma vez que são medidas a quantidade de

conhecimentos ou habilidades, sendo eliminada a dimensão interativa e mediada do

desenvolvimento. Neste sentido, de acordo com Facci, Eidt e Tuleski (2006), os instrumentos

avaliativos no âmbito educacional denunciam o caráter ideológico dos testes psicométricos,

generalizando comportamentos, habilidades e conhecimento a um determinado critério que

desconsidera as desigualdades sociais e culturais de nossa sociedade, como se os próprios

alunos fossem desvinculados de uma realidade histórica e social.

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34

Figura 3 - Método TEACCH: organização de materiais

Fonte: Autisme Eveil

14

O TEACCH considera a existência de uma “Cultura do Autismo” (MESIBOV; SHEA,

2010, p. 2), uma vez que esta condição afetaria o autista na sua maneira de comer, de se

vestir, de se comunicar, em suas relações, etc. Diante desta “cultura”, esta perspectiva acredita

que o professor seria um intérprete, que teria o papel de fazer uma conexão entre duas culturas

diferentes (a dos autistas e a da sociedade que o cerca), tendo o papel de compreender os

pontos fortes e os déficits de seu aluno, buscando maneiras de ajudá-lo no processo de

adaptação e de aprendizado.

Tal postura está claramente embasada em uma visão mecanicista de concepção do ser

humano, que tende a considerar o autista pela sua condição de autismo, caracterizando o

“mito da generalização indevida”, proposto por Amaral (1998, p. 17), o qual seria a

transformação da totalidade da pessoa com deficiência na própria condição de deficiência, na

qual “o indivíduo não é alguém com uma dada condição, é aquela condição específica e nada

mais do que ela: é a encarnação da ineficiência”.

Verifica-se uma tendência em se compreender certos grupos de deficiência como

constituintes de uma cultura própria, característica de sua condição de deficiência, sem que se

considere, no entanto, a sua vida e sua história em seu ambiente social e cultural, essenciais

14

Disponível em: <http://www.autisme74.com/page_html/definitions/teacch.html>. Acesso em 03 de maio de

2014.

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35

para o desenvolvimento da conduta e da personalidade das pessoas, como defende Vygotski

(2000).

A “Cultura do Autismo” trata por considerar, predominantemente, a condição

patológica das pessoas acometidas com autismo, e o método TEACCH faz, assim, uma

adaptação generalizada, alcançada por meio de critérios avaliativos com vistas à adaptação e à

funcionalidade e, assim, em seu próprio discurso, verifica-se, que há o enfoque no déficit e no

estereótipo cultural da ideia de autismo, o que já foi discutido anteriormente.

Vale salientar que este método é mundialmente proclamado, e, no Brasil, é a

abordagem mais recorrente nas escolas especializadas voltadas para o autismo. Sua

aplicabilidade na Educação Regular é complicada, por se tratar de um sistema de ensino

individualizado. Assim, ancorado em tais percepções e práticas educacionais decorre-se a

predominância de pessoas com autismo em instituições especializadas (BRAGIN, 2011), para

onde são encaminhadas e ficam segregadas e limitadas a concepções reducionistas que se

estruturam em uma perspectiva de imutabilidade do quadro de deficiência. Nestas instituições,

segundo Orrú (2012, p. 53), na maioria das vezes:

[...] a criança com autismo convive em uma sala de aula com mais duas ou três

crianças com o mesmo perfil. A criança exposta a essa situação não tem referencias

sociais que a auxiliem a superar suas dificuldades, as quais costumam ser relatadas

nos critérios diagnósticos, pois seus colegas manifestam as mesmas características

que ela própria apresenta.

Trata-se, portanto, de práticas que consideram o autista uma pessoa de uma cultura

diferente daquela a qual, de fato, está inserido socialmente, e cujo funcionamento psíquico

exige um direcionamento pedagógico diretivo e meramente concreto e visual que vise às

características de sua condição. Desta forma, como seria possível a inclusão escolar no Ensino

Regular dessas pessoas se os estudos predominantes defendem uma metodologia que

privilegie o ensino individualizado e técnicas mecânicas?

O processo de inclusão desses alunos no Ensino Regular é uma problemática recente

que tem levantado inúmeras discussões sobre a temática. O movimento pela inclusão tem

tomado forças nos últimos anos, não só no Brasil, mas em todo o mundo, uma vez que tem

sido visto como uma questão de direitos humanos. Diversas reuniões internacionais foram

feitas a fim de que se discutissem os direitos e se elaborassem documentos em prol das

pessoas com deficiência, grupo social historicamente marginalizado.

Dentre os tratados internacionais, será destacado, neste estudo, a Declaração de

Salamanca, de 1994, que impulsionou as políticas públicas de inclusão no Brasil. Foi

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36

principalmente após esta declaração que outras normatizações foram oficializadas no âmbito

nacional, ditando os rumos da educação inclusiva em nosso país.

De acordo com a Declaração de Salamanca:

[...] as escolas devem acolher todas as crianças independentemente de suas

condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem

acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem na rua

e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias

linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos ou zonas

desfavorecidos ou marginalizados. [...] a expressão "necessidades educativas

especiais" refere-se a todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua

capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem. Muitas crianças experimentam

dificuldades de aprendizagem e têm, portanto, necessidades educativas especiais em

algum momento de sua escolarização. As escolas têm que encontrar a maneira de

educar com êxito todas as crianças, inclusive as com deficiências graves. (UNESCO,

1994).

Assim, esta declaração reconheceu o fracasso das políticas públicas educacionais

existentes até então, propondo mudanças tanto em tais políticas quanto nas práticas escolares,

que vinham sendo sedimentadas na perspectiva da homogeneidade do alunado, tal como

aponta Bueno (2008). Como verificado no excerto destacado, a Declaração de Salamanca

visava à inclusão escolar de grupos sociais historicamente marginalizados, não se referindo

exclusivamente à pessoa com deficiência. O Brasil, porém, favoreceu, na elaboração de suas

políticas públicas de educação, este grupo especificamente (BUENO, 2008), uma vez que

suas regulamentações estavam voltadas às “[...] pessoas com deficiência, com transtornos

globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2011).

Porém, recentemente, com a extinção da Secretária de Educação Especial (SEESP), os

assuntos que dizem respeito à educação de crianças, jovens e adultos com necessidades

educacionais especiais ficaram a cargo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão (SECADI), juntamente com as áreas de alfabetização e educação de

jovens e adultos, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação do campo,

escolar indígena, quilombola e educação para as relações étnico-raciais. Verifica-se que esta

mudança resgatou o discurso de diversidade, tal como exposto na Declaração de Salamanca,

propondo não apenas a superação do preconceito, mas uma perspectiva de igualdade das

pessoas como seres humanos e de respeito à diversidade.

No entanto, é necessário que se tenha claro a condição dialética da questão da

deficiência no discurso da diversidade. Se, por um lado, junto a todos aqueles que foram

socialmente marginalizados ao longo da história, o aluno com deficiência se aproxima da

superação da dicotomia normal versus anormal e do discurso de homogeneidade que foi

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historicamente implantado pelas classes sociais dominantes, tal como identificou Vygotski

(1997), por outro, este discurso pode representar as mesmas perspectivas do anterior, uma vez

que o diverso se refere a todos aqueles que fogem do padrão idealizado histórico e

socialmente (AMARAL, 1998).

Assim, como discute Bueno (2005; 2008), se forma um cenário no qual as políticas de

inclusão tendem manter as desigualdades no próprio discurso, uma vez que propor uma escola

inclusiva é admitir a eterna segregação.

Apesar desta questão, é fato que as políticas públicas educacionais passaram a definir

mudanças que compreendessem a adequação dos espaços físicos e de práticas pedagógicas a

fim de romper com as barreiras arquitetônicas e sociais que pudessem impedir o

estabelecimento de uma educação para todos, com ou sem deficiência, objetivando atender as

necessidades de cada um. Neste sentido, assegurar a inclusão seria garantir:

[...] acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos

níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação

especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento

educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional

especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da

família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos

mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na

implementação das políticas públicas. (BRASIL, 2008).

Desta forma, a inclusão escolar propôs acesso ao ensino regular de qualquer aluno, e

todos, sem exceções, deveriam ter os mesmos direitos. Os atendimentos, currículos e

avaliações no ambiente escolar deveriam ser diferenciados, de acordo com as limitações,

dificuldades e principalmente, potencialidades apresentadas por cada um desses alunos.

No que trata do autismo, porém, observa-se que faltam ações direcionadas a este

público, uma vez que os programas e ações do Governo Federal, por meio das políticas

públicas de educação inclusiva, têm privilegiado os grupos das deficiências visuais e

auditivas, e o das altas habilidades/superdotação15

.

Diante deste contexto, é necessário que se reflita sobre o papel imprescindível da

escola no processo de escolarização do aluno com autismo para que este aluno possa, de

alguma forma, se apropriar do conhecimento de mundo e assim, ter o domínio de si mesmo. A

15

Tais programas são voltados para três centros de formação e recursos da SECADI/MEC existentes: O Centro

de Apoio para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual (CAP), o Centro de Capacitação de

Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS) e o Núcleo de Atividades de Altas

Habilidades/Superdotação (NAAH/S), com vistas a apoiar a formação de professores para o atendimento

educacional especializado a estes públicos e a fomentar a produção de materiais didáticos acessíveis.

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escola tornar-se-ia forte aliada na tentativa de garantir não só um saber sistematizado, mas um

impulso para a vida de seus alunos autistas, uma vez inseridos em um constante exercício de

socialização e de aprendizagem com seus pares, professores e demais funcionários da escola.

Assim, o contexto da educação teria a oportunidade de conferir-lhes o direito a seu

papel ativo na construção de seu desenvolvimento, a partir de suas potencialidades individuais

de apropriar e internalizar formas sociais do comportamento como participantes de seu

próprio processo de conhecimento, como sujeitos históricos, tal como preconizado por

Vigotski (VIGOTSKI, 1999; 2000; VYGOTSKI, 2000; 2001).

A Psicologia Histórico-Cultural, proferida por este estudioso e por seus colaboradores

– dentre os quais se destacam Luria e Leontiev -, foi o cerne teórico deste estudo, uma vez

que nos auxiliou na compreensão da complexidade dos aspectos relacionados com a

escolarização do aluno com autismo. Esta abordagem teórica será explanada a seguir.

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2 PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: O HOMEM E SUA NATUREZA

SOCIAL

O que é o homem?

Para Hegel, é um sujeito lógico.

Para Pavlov, é uma soma, um organismo.

Para nós, homem é um ser social:

um conjunto de relações sociais encarnado no indivíduo

Lev Semenovitch Vygotsky16

A Psicologia Histórico-Cultural é uma abordagem teórica formulada no início do

século XX, tendo como seu principal precursor o psicólogo russo Lev Semenovitch

Vigotski17

. Em meio às mudanças sociais vividas em seu país, ocorridas, principalmente, com

a eclosão da Revolução Russa, este teórico elaborou suas contribuições à Psicologia e à

Educação por meio da formulação de concepções do ser humano, do seu desenvolvimento e

de sua educação, sempre sob uma perspectiva histórica e social.

Essa teoria subsidiou nosso estudo, norteando as discussões aqui abordadas e

contribuindo para a compreensão do aluno autista e dos atores escolares como seres sociais e

históricos, bem como da aprendizagem como um ato social de apropriação dos signos da

humanidade.

Serão apresentados, a seguir, os princípios e as concepções da teoria de Vigotski

necessários para a compreensão dos percursos adotados em nossa análise, sobretudo no que se

refere à escola e ao aluno, especialmente, o adolescente com deficiência.

Para tanto, esta seção será organizada de modo que sejam apresentadas, inicialmente,

as concepções da Psicologia Histórico-Cultural a respeito do desenvolvimento humano,

englobando os principais conceitos utilizados para a sua apropriação, tais como o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores, as relações inter e intrapsíquicas e a

importância da linguagem, imprescindíveis, também, para a compreensão de seu

posicionamento a respeito da educação, da escola e da defectologia18

. Estas conjecturas

16

VYGOTSKY, L. S. Concrete Human Psychology. Vestn Mask Un-ta: Ser 14, Psikologiya, n. 1, p.66, 1986,

tradução nossa.

17 O nome deste teórico, Лев Семёнович Выготский no original russo, possui várias diferenciações de grafia.

Neste estudo, será adotada a escrita “Vigotski”, exceto em caso de citação ou referência, nas quais será

utilizada a grafia nelas utilizada.

18 Defectologuii foi o termo surgido no início do século XX utilizado pelos teóricos russo para distinguir as

crianças designadas “especiais” (NETTO; LEAL, 2013). Por não haver uma tradução adequada para o

português, tem-se mantido o termo em sua tradução espanhola: defectologia.

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teóricas permitem, ainda, a compreensão da adolescência e importância dessa fase para o

processo de desenvolvimento humano.

2.1 O desenvolvimento histórico-social do psiquismo humano

Vigotski elaborou sua teoria sob a concepção filosófica do materialismo histórico-

dialético, que concebe o homem19

e os fenômenos da vida social de modo dialético e

interpreta-os sob a base do materialismo, considerando, sempre, sua conjectura histórica.

O materialismo histórico-dialético considera o homem concreto, compreendido em sua

totalidade sob o viés de sua realidade, que age em perpétuo e constante movimento. Homem e

sociedade coexistem em uma relação dinâmica, contraditória e histórica.

De acordo com Marx e Engels (1998), a natureza constitui, para o homem, uma

extensão de si mesmo, adquirindo, assim, a dimensão de corpo inorgânico do homem. Seu

modo de vida reflete exatamente aquilo que é, e o que é coincide com aquilo que produz e o

modo como se organiza. Neste sentido, o trabalho funciona como a atividade vital humana,

propulsor da evolução histórica e da constituição da organização social.

Nesta concepção, a realidade é compreendida por meio do sistema de ideias

dominantes de determinada sociedade que, a cada época, depende e deriva das suas condições

econômicas, das relações de classe e das relações sociais de produção (MARX; ENGELS,

1998). Neste contexto, o homem possui uma relação intrinsecamente dialética com o meio:

modifica a realidade por ele criada e, nesta medida, seu pensamento também é modificado.

Nas relações sociais capitalistas, a atividade vital do homem é transformada em

mercadoria, deixando de impulsionar a sua evolução histórica como gênero humano para ser

apenas um meio para assegurar a sua existência, tornando-o alienado. Assim, na lógica

capitalista, o mundo humano é desvalorizado na medida em que há a supervalorização do

mundo dos objetos, das mercadorias. A superação dessa forma histórica de sociedade se daria

por meio da luta das classes operárias, com uma verdadeira revolução social. Assim, se

instauraria um modo de produção socialista, no qual a propriedade privada dos meios de

produção seria abolida.

As concepções desta vertente filosófica serviram, ainda, de inspiração para o

desenvolvimento do socialismo na Rússia do início do século XX, época em que Vigotski

viveu e elaborou a sua teoria.

19

Será usado, neste estudo, o termo homem tendo em vista o seu conceito genérico, como ser humano.

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41

A partir do final do século XIX, este país vinha passando por inúmeras transformações

sociais, decorrentes do declínio do feudalismo e da ascensão do imperialismo capitalista.

Encontrava-se sob o poder do governo absolutista dos czares e, recém-industrializado, sofria

com os males da Primeira Guerra Mundial.

Uma massa de operários e camponeses tinha sua força de trabalho explorada, com

pouco retorno financeiro, situação que os levou ao descontentamento. De acordo com Tuleski

(2008, p. 75), “as dificuldades econômicas encontradas pela população campesina russa iam

ao encontro das insatisfações do operariado durante a Primeira Guerra, acirrando os ânimos

contra o regime czarista”.

Assim, proletários e camponeses se uniram, caracterizando, uma luta:

[...] tanto contra os resquícios do regime feudal, representado pelo czarismo, quanto

contra o capitalismo imperialista. A luta era contra inimigos internos e externos que

impediam o desenvolvimento da Rússia e condenavam a população àquela situação

de penúria. (TULESKI, 2008, p. 38).

Deste modo, em 1917, uma série de conflitos perdurou na Rússia, denominada

“Revolução Russa”, consistindo, inicialmente, na derrubada da autocracia czarista e,

posteriormente, na instauração do governo socialista soviético pelo Partido Bolchevique, de

Vladimir Lênin, originando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),

comumente chamada União Soviética.

Com a Revolução Russa e a posterior Guerra Civil que assolou o país, instaurou-se um

período de grande crise econômica. As relações daqueles que outrora se uniram foram

definhando a partir de conflitos nos interesses de cada grupo (burgueses, proletários e

camponeses), o que agravou ainda mais as condições sociais da época. O país se encontrava

em profunda miséria, condenado “[...] ao isolamento empobrecido e atrasado, em decorrência

dos anos de guerra civil e de intervenção estrangeira” (TULESKI, 2008, p. 79).

Apesar de o socialismo ter abolido juridicamente a propriedade privada, a luta de

classes permaneceu, bem como as relações capitalistas, como a divisão de trabalho, o salário e

o lucro. De acordo com Tuleski (2008, p.77), “a luta de classes, de interesses antagônicos

(burgueses e proletários), não desaparece com a abolição da propriedade privada dos meios de

produção, ela metamorfoseia-se em cada etapa da construção do socialismo russo”.

Em meio a estas contradições, as ameaças populares, unidas às internacionais,

mostravam que sair dessa crise não era uma opção, mas uma obrigação. A partir deste quadro

social, o governo percebeu que, para o desenvolvimento da economia socialista, seria

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necessário investir na qualificação da mão de obra, na especialização profissional, no

treinamento, o que seria alcançado por meio da educação.

De acordo com Barroco (2007), Lênin, líder do governo soviético, acreditava que a

superação do caráter individualista em prol da coletividade era uma concepção que previa o

suporte da educação e que deveria avançar nos fundamentos teóricos marxistas, uma vez que:

[...] via a escola como um meio de preparar a sociedade sem classes, um meio de

reeducar a jovem geração no espírito comunista. [...] [Lênin] dedicou seu tempo a

elevá-la a um nível superior, tomando por base os escritos de Marx e de Engels

acerca da escola e do trabalho produtivo. (BARROCO, 2007, p. 65)

Ante a esta breve contextualização histórica e social, visualiza-se as condições e a

ideologia sob as quais estava imbricada a Psicologia Histórico-Cultural.

Vigotski (1999) criticava as concepções reducionistas de homem que diversas

abordagens teóricas vinham desenvolvendo, principalmente aquelas que o reduziam a um

mero conjunto de reflexos. Acreditava que a Psicologia deveria romper com a predominante

concepção universal de natureza humana, uma vez que não haveria um percurso linear de

desenvolvimento, mas um processo dialético em que o desenvolvimento histórico se sobrepõe

ao biológico.

A Psicologia Histórico-Cultural parte da premissa de que o desenvolvimento da

humanidade acontece por meio dos domínios dos conhecimentos históricos, herdados

socialmente. Cada geração começa a sua vida a partir dos conhecimentos e instrumentos que

foram deixados pela geração antecedente e, deste modo, apropria-se do saber histórico e

cultural e participa do desenvolvimento e transformação desta história, a qual será afixada no

mundo e transpassada, posteriormente, para as demais gerações. De acordo com Martins

(2011, p. 40) o desenvolvimento do psiquismo humano resulta do confronto “[...] entre o

legado de condições passadas e as forças vivas da situação presente”, em um movimento

criativo, que leva o homem à evolução. Neste sentido, Vigotski (1999, p. 65) afirma que:

O homem não serve apenas da experiência herdada fisicamente. Toda nossa vida, o

trabalho, o comportamento baseiam-se na utilização muito ampla da experiência que

não se transmite de pais para filhos através do nascimento. Convencionaremos

chamá-la de experiência histórica. Junto disso deve se situar a experiência social, a

de outras pessoas, que constitui um importante componente do comportamento do

homem.

Deste modo, sem desconsiderar a importância da evolução biológica, a Psicologia

Histórico-Cultural defende que o desenvolvimento biológico é comum tanto no homem atual

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quanto no homem primitivo, inclusive em alguns animais superiores. De acordo com Vigotski

(1999, p. 115), “a evolução biológica do homem já tinha terminado antes que começasse seu

desenvolvimento histórico”. Isto torna a história cultural da humanidade a diferença

primordial entre o homem moderno e o primitivo.

O desenvolvimento do comportamento humano se torna resultado da complexa

dialética entre o processo biológico de evolução e o processo de desenvolvimento histórico; o

homo sapiens, por meio da apropriação de sua história cultural, rompeu com a sua história

natural, saindo do primitivismo para o processo de humanização. Nesta premissa, entende-se

o desenvolvimento do psiquismo humano como um processo não procedente de um padrão

evolutivo, mas revolucionário, marcado por rupturas na continuidade e na emergência

qualitativa de novas formas de funcionamento mental em seu decorrer. Estes saltos ocorrem

pelo fato de que o homem, ser criativo e transformador, criou, no decorrer da história da

humanidade, instrumentos concretos para controlar e transformar tanto a natureza, quanto a si

próprio. De acordo com Vygotski e Luria (1996, p. 179):

No processo da evolução, o homem inventou ferramentas e criou um ambiente

industrial cultural, mas esse ambiente industrial alterou o próprio homem; suscitou

formas culturais complexas de comportamento, que tomaram o lugar das formas

primitivas. Gradativamente, o ser humano aprende a usar racionalmente as

capacidades naturais. A influência do ambiente resulta no surgimento de novos

mecanismos sem precedentes no animal; por assim dizer, o ambiente se torna

interiorizado; o comportamento torna-se social e cultural não só em seu conteúdo,

mas também em seus mecanismos, em seus meios.

O homem modifica o meio e por ele é modificado, em um intrínseco e interminável

processo evolutivo alcançado por meio das próprias relações sociais.

Leontiev (2004, p. 285, grifo do autor), sob a premissa do conceito marxista de

atividade vital, concebe o desenvolvimento do psiquismo humano como produto do

desenvolvimento de sua atividade tal como se organiza nas condições concretas de vida. Por

meio de sua atividade, o homem modifica a natureza em função de suas necessidades criando

objetos para o mesmo fim. Esta transformação intencional, fruto de sua intervenção, humaniza

o mundo, uma vez que as suas próprias aptidões e conhecimentos se cristalizam em suas

criações e transformações. Desta forma, “[...] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que

a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso

adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana”.

As mudanças no psiquismo e na conduta do homem são produzidas pelas mudanças

históricas na sociedade e na vida material, e ocorrem a partir das relações sociais:

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Cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objetos e de fenômenos

criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas deste mundo

participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de atividade

social, desenvolvendo assim as aptidões especificamente humanas que se

cristalizaram, encarnaram nesse mundo. Com efeito, mesmo a aptidão para usar a

linguagem articulada só se forma, em cada geração, pela aprendizagem da língua

que se desenvolveu num processo histórico, em função das características desta

língua. O mesmo se passa com o desenvolvimento do pensamento ou da aquisição

do saber (LEONTIEV, p. 284, grifo nosso).

Portanto, o desenvolvimento humano é fruto de toda a história da humanidade

construída e repassada entre as gerações por meio da participação nas relações sociais em um

movimento de fora para dentro. Ou seja, o desenvolvimento parte da experiência social para a

constituição da experiência individual - do plano interpsicológico para o plano

intrapsicológico. Neste sentido, Vigotski (2000, p. 24). acrescenta que:

Através dos outros constituímo-nos. Em forma puramente lógica a essência do

processo do desenvolvimento cultural consiste exatamente nisso. [...] A

personalidade torna-se para si aquilo que ela é em si, através daquilo que ela antes

manifesta como seu em si para os outros. Este é o processo de constituição da

personalidade. Daí está claro, porque necessariamente tudo o que é interno nas

funções superiores ter sido externo: isto é, ter sido para os outros, aquilo que agora é

para si. [...] Para nós, falar sobre processo externo significa falar social.

Este movimento do desenvolvimento é discutido por Vygotski (2000) ao exprimir a

dubiedade dos meios de relação social, classificando-as como relações diretas e relações

mediadoras.

Considera-se relações diretas os reflexos, as reações instintivas e inatas, próprias do

desenvolvimento natural do homem, que se expressam pelo grito, pelo choro, pelo olhar e

outras reações cujos conteúdos são naturais, reflexos que são “[...] a base hereditária sobre a

qual se edifica a linguagem do adulto” (p. 169, tradução nossa20

). Por relações mediadoras,

entende-se à elevação em um nível superior das formas naturais de comunicação direta, as

quais são mediadas pelo signo no qual se estabelece a comunicação. Essas relações são a base

da formação das funções psíquicas superiores, que serão discutidas mais adiante.

Para exemplificar esse tipo de reação, Vygotski (2000) analisou o desenvolvimento do

gesto indicativo, considerado a base primitiva de todas as formas superiores de

comportamento e extremamente importante para o desenvolvimento da linguagem na criança.

Segundo o autor, a princípio, o gesto de indicar é, nada mais, que um gesto frustrado de um

20

Grande parte da obra de Vigotski utilizada neste estudo provém da coleção espanhola “Obras escogidas”, cuja

tradução para o português é de responsabilidade nossa.

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bebê na tentativa de alcançar um objeto. Quando a mãe acode o filho e interpreta seu

movimento como uma indicação, se estabelece um significado do qual, posteriormente, o

bebê se apropriará e passará a conceituar seu próprio movimento como uma indicação. Deste

modo, “[...] se modifica a função do próprio movimento: de estar dirigido ao objeto, passa a

ser dirigida a outra pessoa, se converte em um meio de relação” (p. 149).

Por meio desta exemplificação se tornam claras as reações do psiquismo aos estímulos

sociais, agindo como um meio de relação social e impulsionando o desenvolvimento de novas

conexões psíquicas. Deste modo é assumida a natureza social do desenvolvimento humano.

As relações mediadoras tornam os homens capazes de superar o determinismo

biológico por meio da criação, recriação e internalização de instrumentos, os quais agem

como dispositivos sociais.

Os instrumentos são, pois, criações artificiais que funcionam, em primeiro plano,

como atividades mediadoras e de adaptação, e que se diferenciam de acordo com a sua

orientação: para fora, como instrumentos técnicos, e para dentro, como instrumentos

psicológicos.

Os instrumentos técnicos, chamados de ferramentas, são instrumentos externos criados

pelo homem para servir como uma extensão de si mesmo a fim de que possa adaptar a

natureza de acordo com as suas necessidades. Segundo Vygotski (2000, p. 94), “por meio da

ferramenta o homem influi sobre o objeto de sua atividade. A ferramenta está dirigida para

fora: deve provocar umas ou outras transformações no objeto. É o meio da atividade exterior

do homem, orientado a modificar a natureza”.

Os instrumentos psicológicos, os signos, são instrumentos de mediação das relações

do homem com a conduta humana, essenciais na constituição do desenvolvimento humano,

levando-o a transformar a própria conduta e a daqueles com os quais convive. Segundo

Vygotski (2000, p. 94), o signo “[...] é o meio de que se vale o homem para influenciar,

psicologicamente, tanto a sua conduta, quanto a dos demais; é um meio para a sua atividade

interior, dirigida a dominar o próprio ser humano: o signo está orientado para dentro”.

Para Vigotski (1999, p. 114), a princípio, o signo é sempre um meio de relação social,

de influência sobre os demais e sobre si mesmo, por meio do qual o homem adquire controle

de sua atividade psicológica e de sua conduta. Neste sentido, o signo toma o lugar de:

[...] meio de comunicação e, poderíamos dizê-lo mais amplamente, um meio de

conexão de certas funções psíquicas de caráter social. Transladado por nós mesmos,

é o próprio meio de união das funções em nós mesmos, e poderemos demonstrar que

sem esse signo o cérebro e suas conexões iniciais não poderiam se transformar nas

complexas relações, o que ocorre graças à linguagem.

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A apropriação dos instrumentos provoca modificações no funcionamento psicológico,

em cuja base se encontram as chamadas funções psicológicas, produzidas na história

individual de cada pessoa. Tal proposição se dá pelo fato de que todas as relações entre os

homens ocorrem por meio da comunicação e, neste caso, “todas as formas de comunicação

verbal do adulto com a criança se convertem, mais tarde, em funções psicológicas”

(VYGOTSKI, 2000, p. 150).

Seguindo a lógica dialética do dinâmico desenvolvimento filo e ontogenético, as

funções psicológicas, embora se relacionem entre si, formando um processo único e

complexo, não se identificam e nem se reduzem uma à outra. São funções que se

desenvolvem e transformam, determinando modificações no psiquismo como um todo, em

uma relação não linear e não uniforme. Isto quer dizer que a dinâmica do desenvolvimento

psíquico não ocorre de um modo igual a todas as pessoas, mas possui um ritmo distinto, uma

vez que a atividade e o domínio de cada pessoa lhe são próprios e dependentes de seus

vínculos com a realidade (VYGOTSKI, 2000).

O processo natural de maturação cerebral acarreta no desenvolvimento das chamadas

funções psicológicas elementares, que tem um percurso fixo, próprio do desenvolvimento

biológico. As funções psicológicas elementares são estruturas primitivas, tratando-se de “[...]

um todo psicológico natural, determinado fundamentalmente pelas peculiaridades biológicas

da psique” (VYGOTSKI, 2000, p. 121).

Durante o processo de desenvolvimento cultural, novas transformações são geradas; as

funções psicológicas “[...] se instituem e se complexificam, tornando-se ‘superiores’, à

medida das transformações que o emprego de signos opera sobre as imagens mentais [...]”

(MARTINS, 2011, p. 60). A apropriação dos signos sociais provoca transformações no

psiquismo, o que implica na ruptura e na superação do modo de operação anterior,

rearticulando-o completamente e gerando novas formas de manifestação psíquica. Ocorre,

assim, um novo e qualitativamente superior modo de funcionamento psíquico, com o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Toda formação superior tem como substrato uma inferior, sem a qual a sua existência

se torna impossível e que nela se encontra tanto negada como conservada, dialeticamente.

Neste sentido, Vygotski (2000, p.145) acrescenta que,

[...] os centros inferiores se conservam como instâncias subordinadas no

desenvolvimento dos superiores e o cérebro, em seu desenvolvimento, atende às leis

da estratificação e da superestrutura de novos níveis sobre os velhos. A etapa velha

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não desaparece quando nasce a nova, mas é superada pela nova, é dialeticamente

negada por ela, se transporta a ela e nela existe.

Esta conjectura permite que, no curso do processo de desenvolvimento do psiquismo

humano, cada etapa de desenvolvimento seja potencialmente incluída na etapa a qual sucedeu,

produzindo saltos qualitativos neste desenvolvimento. Assim, as funções psicológicas

funcionam como reações do psiquismo humano que o leva à superação dos determinantes

naturais e à consequente apropriação do modo humano de pensar e agir.

Tais reações do sistema psíquico aos objetos e fenômenos da realidade se iniciam

desde a mais tenra infância, e, na medida em que a criança se desenvolve, passam a operar

com propriedades cada vez mais complexas. De acordo com Martins (2011, p. 204), “essa

reação, por sua vez, ocorre à medida da mobilização de todo sistema psíquico, isto é, reage-se

ao mundo pelas sensações, percepções, pela atenção, pelo memorizado, pelo pensamento,

linguagem, imaginação, emoções e sentimentos”.

Deste modo, iniciando com as funções mais primitivas, novas conexões e relações se

estabelecem, e, como já dito, tornam-se mais complexas, à medida que as funções relacionam-

se entre si. Neste sentido, Vygotski (2000, p. 29), acrescenta, que:

Trata-se, em primeiro lugar, de processos de domínio dos meios externos do

desenvolvimento cultural e do pensamento: a linguagem, a escrita, o cálculo, o

desenho; e, em segundo, dos processos de desenvolvimento das funções psicológicas

superiores especiais, não limitadas, nem determinadas com exatidão, que na

psicologia tradicional se denominam atenção voluntária, memória lógica, formação

de conceitos etc.

O contato do mundo na consciência se dá, em primeiro plano, por meio das sensações,

cujas bases são essencialmente naturais, tendo como porta de entrada os órgãos dos sentidos.

Apesar de sua base fisiológica, as sensações são condicionadas pela exposição aos estímulos

ambientais, coroando, também, a sua base ontogenética. Neste sentido, de acordo com Luria

(1991a, p. 1), apesar de serem reflexos por natureza, as sensações representam:

[...] os principais canais por onde a informação relativa aos fenômenos do mundo

exterior e ao estado do organismo chega ao cérebro, permitindo o homem

compreender o meio ambiente e o seu próprio corpo. Se esses canais estivessem

fechados e os órgãos dos sentidos não fornecessem a informação necessária,

nenhuma atividade consciente seria possível.

As sensações ligam o homem ao mundo exterior. Sua adaptação ao meio sugere,

segundo Luria (1991a), uma grande plasticidade do organismo, como pode ser exemplificada

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pela adaptação da visão sob as condições de iluminação, a qual se aguça na escuridão e sua

sensibilidade diminui sob forte iluminação, ou mesmo as adaptações da audição, que em

ambientes silenciosos se torna, também, mais aguçada e, mais profundamente, como

exemplifica Martins (2011, p. 100), “[...] o alto grau de refinamento sensorial encontrado nos

degustadores que, pela natureza da atividade realizada, adquirem alto aperfeiçoamento das

sensações gustativas e olfativas”. Deste modo, torna-se correto afirmar que as sensações

representam tanto a fonte principal de vínculo com o ambiente, quanto a condição

fundamental para o desenvolvimento de funções psicológicas superiores mais complexas.

As sensações, porém, são vazias sem as concepções que o homem dá a elas. Somente

tomam sentido, portanto, por meio do processo de percepção, que representa um modo de

organização e unificação de todos os estímulos sensoriais aos quais o homem é submetido.

Segundo Luria (1991a, p. 38), as percepções se tornam mais complexas à medida que o objeto

adquire novos significados:

[...] os processos reais de reflexos do mundo exterior vão muito além dos limites das

formas mais elementares. O homem não vive em um mundo de pontos luminosos ou

coloridos isolados, de sons ou contatos, mas em um mundo de coisas, objetos e

formas, em um mundo de situações complexas; independentemente de ele perceber

as coisas que o cercam em casa, na rua, as árvores e a relva dos bosques, as pessoas

com quem se comunica, os quadros que examina e os livros que lê, ele está

invariavelmente em contato não com sensações isoladas, mas com imagens inteiras.

Portanto, conclui-se que a atividade perceptiva integra o nível superior de atividade

psíquica, a linguagem, a qual dá significado aos estímulos sensoriais e, segundo Luria (1991a,

p. 41, grifo do autor) é o passo inicial para o desenvolvimento do pensamento:

O homem não contempla simplesmente os objetos ou lhes registra passivamente os

indícios. Ao discriminar e reunir os indícios essenciais, ele sempre designa pela

palavra os objetos perceptíveis, nomeando-os, e deste modo apreende-lhes mais a

fundo as propriedades e as atribui a determinadas categorias. [...] Tudo isso torna a

confirmar a tese segundo a qual a atividade receptora do sujeito pode, pela estrutura

psicológica, aproximar-se do pensamento direto.

Ante esta exposição, vale dizer que a precisão da percepção dos complexos estímulos

ambientais são frutos não apenas do funcionamento dos órgãos dos sentidos, mas,

imprescindivelmente, das relações sociais, pelas vias da linguagem, a qual lhe qualifica e dá

significado.

A linguagem está presente no cerne das relações humanas e é fundamental para o

desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, sendo “[...] a função central das

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relações sociais e da conduta cultural da personalidade” (VYGOTSKI, 2000, p. 148). Em sua

forma primitiva, instintiva, a linguagem torna-se um meio de comunicação com os demais,

funcionando como base das relações sociais. Posteriormente, instrumentaliza várias outras

funções entre os homens, passando a ser um meio de reflexão interna, de desenvolvimento e

organização do pensamento e, consequentemente, da personalidade e da conduta humana.

Para Luria (1991b, p. 4) a linguagem inaugura a fase de transição do homem para o

trabalho social, definindo, decisivamente, seu caráter humano, uma vez que:

Surgem-lhes novas formas de comportamento autenticamente intelectual, no qual as

tarefas complexas se resolvem inicialmente no “plano mental”, concretizando-se

posteriormente em ações exteriores. Muda a correlação dos processos psíquicos

fundamentais. Se antes a atividade intelectual subordinava-se inteiramente a

percepção direta, agora a percepção muda sob a influência dos esquemas abstratos

que se formam com base na assimilação da experiência histórica e do domínio dos

códigos abstratos da linguagem.

Para o autor, o caráter comunicativo assume um caráter de meio que ajuda a criança a

se orientar na situação real e planejar a sua atividade. Nesta perspectiva, Vygotski e Luria

(1996, p. 213), acrescentam que:

Enriquecendo o vocabulário, a fala que foi aprendida, e por meio da qual se

construíram os conceitos, também alterou o pensamento da criança; deu-lhe maior

liberdade; permitiu-lhe operar com uma série de conceitos que anteriormente eram-

lhe inacessíveis. [...] A fala assume o comando; torna-se a ferramenta cultural mais

utilizada; enriquece e estimula o pensamento e, por meio dela, a mente da criança é

reestruturada, reconstruída. [...] Passando de fora para dentro, a fala constituiu a

função psicológica mais importante, representando o mundo externo dentro de nós,

estimulando o pensamento e também, como acreditam vários autores, lançando os

alicerces para o desenvolvimento da consciência.

Antes de alcançar o estágio da palavra conscientizada, a criança ainda não consegue

diferenciar os sons da palavra de seu significado, feito alcançado apenas no decorrer de seu

processo de desenvolvimento. Isto quer dizer que, na infância, os aspectos sonoros e

semânticos das palavras ainda são “[...] uma unidade imediata, não diferenciada nem

conscientizada” (VIGOTSKI, 2001, p. 419).

O choro do bebê, por exemplo, é, a princípio, um reflexo orgânico, uma reação direta.

Da mesma forma que o gesto indicativo, o choro passa a ter uma significação, na medida em

que o bebê compreende que, por meio desse som emitido, pode suprir seus desejos (comida,

higiene, carinho etc.).

Com o desenvolvimento da criança, a linguagem vai adquirindo novas propriedades,

além daquelas que se dirigem à comunicação. Vai se tornando conscientizada, se relacionando

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diretamente com o pensamento por meio do processo de formação de conceitos – que será

aprofundado posteriormente – e dos significados que lhes são dados. A linguagem passa a se

instituir como instrumento do pensamento. E assim, “tendo compreendido o sentido de uma

palavra, como forma de expressão, como um meio de adquirir o controle sobre as coisas que

lhe interessa, a criança começa a juntar palavras tumultuadamente e a utilizá-las com esse

objetivo” (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 210).

Para Vigotski (2001, p. 398), “a palavra desprovida de significado não é palavra, é um

som vazio”. O significado da palavra é a unidade desta com o pensamento, resultante do

estabelecimento de um elo entre os planos inter e intrapsíquicos, os quais requalificam e

transformam o psiquismo. O significado da palavra é caracteristicamente inconstante, mutável

e dinâmico, dependente dos diferentes modos de funcionamento do pensamento e da

organização social. Isto quer dizer que, no ato do pensamento, o significado das palavras

varia, promovendo, consequentemente, transformações nas relações entre pensamento e

linguagem.

Como todas as funções psíquicas, o pensamento e a linguagem operam de modo

complexo e único, apesar de serem processos de origem biopsicológica diferente e de terem

seu desenvolvimento independente. Esta relação é discutida por Vigotski (2001, p. 409),

quando este afirma que:

[...] a relação entre o pensamento e a palavra é, antes de tudo, não uma coisa, mas

um processo; é um movimento do pensamento à palavra e da palavra ao

pensamento. À luz da análise psicológica, essa relação é vista como um processo de

desenvolvimento, que passa por uma série de fases e estágios, sofrendo todas as

mudanças que, por todos os seus traços essenciais, podem ser suscitadas pelo

desenvolvimento no verdadeiro sentido da palavra. Naturalmente, não se trata de um

desenvolvimento etário e sim funcional, mas o movimento do próprio processo de

pensamento da ideia à palavra é um desenvolvimento. O pensamento não se exprime

na palavra, mas nela se realiza.

Com isso, pode-se afirmar que a palavra não é uma mera expressão do pensamento. O

pensamento se realiza na palavra justamente pelo fato de a palavra ser uma representação da

realidade na consciência alcançada somente por meio do significado que lhe é dado.

Assim, se torna correto afirmar que o pensamento se materializa na palavra e vice-

versa e, ao se realizar na palavra, ao se transformar nela, o pensamento também se reestrutura

e se modifica. Seu fluxo se dá de maneira dinâmica e interna, havendo uma constante

transição do pensamento para a palavra e da palavra para o pensamento. Neste movimento,

não só o pensamento é modificado, mas a própria conduta da criança, que passará a se

organizar segundo as formas sociais de conduta.

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Este processo se torna cada vez mais complexo e, no período de transição para a

adolescência, passa a configurar muitas variações funcionais e estruturais, que culminam na

conquista do pensamento objetivo. Sobre a adolescência e as implicações dessa fase

discutiremos a seguir.

2.2 A adolescência em questão

A adolescência tem sido considerada uma fase específica do desenvolvimento humano

caracterizada por mudanças corporais da puberdade, impulsos emocionais, crises existenciais

e confrontos sociais, e que, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, (BRASIL,

1990) contempla o período entre 12 e 18 anos21

. De acordo com Tomio e Facci (2009, p. 91),

o viés turbulento desta fase foi fortemente difundido pela teoria psicanalítica, o que gerou

mitos que a estereotiparam e os quais estão vinculados, essencialmente:

1. à instabilidade emocional (período de turbulência e tensão); 2. à compreensão de

que os problemas que aparecem são próprios da idade e resolvidos com o

amadurecimento do adolescente; 3. à ideia de que a necessidade dos jovens de

separar-se de seus pais resulta em conflitos intensos e hostilidades; 4. que existe

invariavelmente um abismo entre gerações.

Esta representação da adolescência como uma fase do desenvolvimento fadada a

mudanças negativas em sua subjetividade e conduta (rebeldia, desequilíbrio, instabilidade,

busca de si mesmo, flutuações de humor etc.), é fruto da ideia de naturalização do

desenvolvimento humano, como se a conduta do adolescente fosse inerente de fatores

fisiológicos. Porém, como já discutido anteriormente, de acordo com a Psicologia Histórico-

Cultural, as características humanas não decorrem de fatores naturais, biológicos; são,

entretanto, conquistas e consequências das aptidões e habilidades criadas historicamente, o

que torna o homem, desde o nascimento, um candidato à humanidade.

Seu desenvolvimento segue um ritmo distinto, não linear e não uniforme, que depende

tanto das relações sociais quanto da realidade a qual vivencia no decorrer deste

desenvolvimento. Desta forma, não se trata, como afirma Vygotski (2006, p. 226), de um

desenvolvimento etário, mas de um desenvolvimento funcional, pois:

21

Existem diferentes limites cronológicos da adolescência, dependente de qual órgão os define. De acordo com a

Organização Mundial de Saúde, a adolescência contempla o período entre os 10 e os 19 anos, e, de acordo

com a Organização das Nações Unidas, entre os 15 e os 24 anos. Demos ênfase aos critérios do Estatuto da

Criança e do Adolescente por ser uma legislação nacional, cujo âmbito se estende às políticas públicas de

educação, tornando-se assim, interesse de nosso estudo.

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[...] não consiste em adquirir novas funções psicofisiológicas naturais, mas na

complexa combinação das funções elementares, no aperfeiçoamento de formas e

modos de pensamento, na elaboração de novos modos de pensamento que se

apoiam, principalmente, na linguagem ou em algum outro sistema de signos. [...]

todo o caminho do desenvolvimento histórico do comportamento consiste em

aperfeiçoar constantemente esses meios, em elaborar novos procedimentos e formas

de domínio das próprias operações psíquicas, com particularidade de que a estrutura

interna de uma ou outra operação não permanece invariável, mas experimenta,

também, profundas mudanças.

Para Leontiev (2004, p. 305), as condições de vida da sociedade na qual a pessoa está

inserida foram herdadas pela geração que a antecedeu e, assim, “[...] no decurso do

desenvolvimento da criança, sob a influência das circunstâncias concretas da sua vida, o lugar

que ela ocupa objetivamente no papel das relações humanas muda”. O desenvolvimento é

caracterizado pelo tipo de relação que a criança tem com a sua realidade, dando lugar a

atividade que seja dominante em cada etapa do desenvolvimento, a qual “[...] condiciona as

mudanças nos processos psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da sua

personalidade num dado estágio do seu desenvolvimento”. (LEONTIEV, 2004, p. 312).

Deste modo, compreende-se que a passagem da infância à adolescência está ligada à

sua inserção nas formas de vida social que lhes são acessíveis e que definirão o conteúdo de

sua atividade, sendo mutáveis no decorrer do tempo. Neste sentido, de acordo com Leontiev

(2004, p. 312-13, grifo nosso),

A influência das condições históricas concretas exerce-se tanto o conteúdo concreto

de tal ou tal estágio dado do desenvolvimento, como sobre o curso do processo de

desenvolvimento psíquico no seu conjunto. Assim se explica que a duração e o

conteúdo do período de desenvolvimento que se poderia chamar da preparação do

homem para a participação na vida social do trabalho, a duração e o conteúdo da

educação e do ensino, nem sempre tenham sido os mesmos historicamente. A

duração mudou de época para época, alongando-se a medida que cresciam as

necessidades da sociedade neste tocante. [...] Assim, não é a idade da criança que

determina, enquanto tal, o conteúdo do estágio de desenvolvimento, mas, pelo

contrário, a idade da passagem de um estágio a outro depende do seu conteúdo e que

muda com as condições sócio-históricas.

A ideia de estágios de desenvolvimento, portanto, depende diretamente da análise das

condições sociais concretas. Neste sentido, Vygotski (2001, p. 22) acrescenta que, na idade de

transição da infância à adolescência,

[...] idade de grande avanço no desenvolvimento biológico e cultural, quando se

produz a maturação das necessidades biológicas e culturais, não podemos

encontrar a chave para entender corretamente as mudanças que se produzem sem

que levemos em consideração que não só o conteúdo do pensamento humano, não

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só as formas e os mecanismos superiores da conduta humana, mas também as

próprias forças motrizes do comportamento, os próprios motores que colocam em

ação tais mecanismos, a própria orientação da conduta humana, experimentam um

complexo desenvolvimento sociocultural.

Sob tal perspectiva é superado o determinismo biológico, bem como as crenças na

periodização natural dos estágios do desenvolvimento humano, passando a ser valorizado o

desenvolvimento cultural do homem, no qual as mudanças, em cada fase, ocorrem sob

condições sócio-históricas concretas e são definidas por rupturas e pontos de viradas,

alcançadas por meio da apropriação dos instrumentos culturais.

Deste modo, deve-se considerar a adolescência como uma categoria, um estágio de

desenvolvimento produzido historicamente, fruto da complexidade da vida social, ao passo

que a naturalização e homogeneização desta fase – que, durante muito tempo, dominaram as

concepções de desenvolvimento humano - só podem ser compreendidas quando analisadas à

luz da própria sociedade e de seu percurso histórico. Como afirma Ozella (2002, p. 21),

A adolescência não é um período natural do desenvolvimento. É um momento

significado e interpretado pelo homem. Há marcas que a sociedade destaca e

significa. Mudanças no corpo e desenvolvimento cognitivo são marcas que a

sociedade destacou. [...] São características que surgem nas relações sociais [...].

É correto afirmar, portanto, que, durante muito tempo, não existia a ideia de infância e

adolescência que se tem atualmente. Buscando compreender o caráter historicamente

construído de adolescência, recorremos à Ariès22

(1981, p. 128), quando este afirma que,

durante muito tempo, crianças e adolescentes faziam parte da vida social sem qualquer

diferenciação com adultos, com livre acesso a todas as atividades e acontecimentos do

cotidiano, quais sejam festas, lutas, execuções, jogos ou ritos. De acordo com este autor, “o

respeito devido às crianças era [...] algo totalmente ignorado. Os adultos se permitiam tudo

diante delas: linguagem grosseira, ações e situações escabrosas; elas ouviam e viam tudo”.

A partir do século XVII, começou a surgir na sociedade um conceito de infância

relacionado, essencialmente, à ideia de dependência. De acordo com o pensamento da época,

“só se saía da infância ao se sair da dependência, ou, ao menos, dos graus mais baixos da

dependência” (ARIÈS, 1981, p. 42), o que caracterizava, assim, duas fases distintas: a

infância e a fase adulta.

Somente no século XIX, com a Revolução Industrial, a adolescência passou a ser

considerada uma condição distinta, alcançada pela valorização da formação e capacitação

22

Apesar de não se tratar de um teórico da Psicologia Histórico-Cultural, convencionamos citá-lo nesta

dissertação por apresentar uma importante contribuição a respeito do conceito histórico de adolescência.

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profissional (ARIÈS, 1981). Bock (2004) acrescenta, ainda, o desenvolvimento da ciência e a

consequente conquista da longevidade do homem, o que gerou sua permanência no mercado

de trabalho por um tempo maior. Tais condições, próprias das sociedades industrializadas,

proporcionaram a extensão da permanência das crianças sob a tutela dos pais, sem ingressar

no mercado de trabalho, o que levou à criação da adolescência como um novo grupo social23

:

A adolescência refere-se, assim, a este período de latência social constituída a partir

da sociedade capitalista, gerada por questões de ingresso no mercado de trabalho e

extensão do período escolar, da necessidade do preparo técnico. Essas questões

sociais e históricas vão constituindo uma fase de afastamento do trabalho e o

preparo para a vida adulta. As marcas do corpo, as possibilidades na relação com os

adultos vão sendo pinçadas para a construção das significações (BOCK, 2004, p.

41).

Se o conceito de adolescência surgiu para suprir as necessidades de uma sociedade

industrializada, atualmente, as distinções entre as ditas fases de desenvolvimento têm sido,

cada vez menos demarcadas. De acordo com Salles (2005, p. 38),

Há uma desconexão nas diferentes dimensões que definem a entrada na vida adulta.

[...] Na modernidade, quando se acentuava o caráter preparatório do processo

educativo, a diferença entre criança, adolescente, jovem e adulto estava firmemente

estabelecida. Na sociedade contemporânea, caracterizada pela aceleração, pela

velocidade, pelo consumo, pela satisfação imediata dos desejos, pela mudança das

relações familiares e da relação criança/adolescente/adulto, o processo de

socialização é distinto daquele que ocorria anteriormente24

.

Assim, diante deste breve resgate histórico, identifica-se que as mudanças no conceito

de adolescência são frutos da evolução cultural da humanidade e parte de um processo em

constante transformação. Sem negar as peculiaridades das transformações biológicas

ocorridas em uma pessoa durante seu desenvolvimento, deve-se considerar, antes de tudo, o

peso dado socialmente a tais mudanças, o que pode ser identificado pela análise das

concepções de infância, juventude, adolescência, vida adulta e velhice no decorrer da história

de uma sociedade.

De acordo com Vigotski, durante o desenvolvimento humano ocorrem grandes

mudanças e saltos qualitativos que tornam as pessoas capazes de compreender melhor o

23

Esta concepção de adolescência definiu a maior permanência das crianças e dos jovens na escola, o que

englobava, estritamente, a sociedade burguesa do século XIX. Vale ressaltar que as crianças das classes

camponesas e operárias, tão logo alcançassem uma idade propícia à produção (em torno de oito anos), eram

inseridos no mercado de trabalho (ANJOS, 2013), sendo-lhes, assim, não somente negada a adolescência, mas

encurtada a sua infância. 24

Novamente, esta nova concepção de adolescência, bem como a sua extensão durante o ciclo de vida humano,

tem sido um movimento sentido primeiramente nas classes sociais mais privilegiadas (SALLES, 2008).

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mundo ao seu redor, assim como a si mesmas. Na adolescência, fase de superação da infância,

tais mudanças são provocadas pelo desenvolvimento dos interesses, o qual Vygotski (2006)

definiu como a chave para o entendimento do desenvolvimento psicológico da adolescência.

Os interesses provocariam reações internas e reconstruções nas atrações, levando a

transformações tanto na consciência quanto na atividade do adolescente.

Neste sentido, a atividade, considerada por Leontiev (2004, p. 333) como via

reorganizadora dos processos psíquicos do ser humano, passa a se reestruturar, respondendo

às novas escolhas que se desenvolvem na consciência. Assim, acrescenta o autor,

O desenvolvimento da sua consciência traduz-se pela mudança de motivação da sua

atividade: os antigos motivos perdem a sua força motora, nascem novos motivos que

conduzem a uma reinterpretação das suas antigas ações. A atividade que

desempenhava precedentemente o papel preponderante começa a eliminar-se e a

recuar para segundo plano.

Deste modo, durante o período de transição da infância à adolescência, é identificada a

ruptura dos interesses infantis, com a sua consequente extinção e com o desenvolvimento de

novos interesses. Trata-se de um período longo, sensível e doloroso, acompanhado de

conflitos, tanto em relação ao mundo que a cerca, quanto à sua própria vida interior. Tal fato

se dá porque há, na criança, a “perda dos interesses que outrora orientava a sua atividade, bem

como a maior parte de seu tempo e atenção, e agora as suas relações externas, assim como sua

vida anterior, tornam-se vazias”, uma vez que “a criança perde o que já tinha antes de adquirir

algo novo” (VYGOTSKI, 2006, p. 257).

Este é um período apontado por Vygotski (2006) como caracteristicamente de crise,

que produz mudanças bruscas na personalidade da criança e novas formas de conduta e de

pensamento. De acordo com Leontiev (2004), as crises são propulsoras do amadurecimento,

impulsionam um salto qualitativo, mudando o lugar ocupado pela pessoa no sistema das suas

relações sociais e nas suas atividades.

Na adolescência ocorre uma modificação da participação social do indivíduo,

mudando o lugar em que ocupa na sua vida cotidiana. O adolescente passa a ser membro ativo

e criativo da vida cultural, participando mais intensamente da realidade social, com o

envolvimento em certas atividades sociais que não são mais de caráter infantil (LEONTIEV,

2004). Assim, se torna um membro da sociedade, com todas as obrigações e exigências que

ela lhe impõe, o que, segundo Vygotski (2001, p. 133), impulsiona à necessidade do

desenvolvimento das formas superiores do pensamento:

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As tarefas que o meio social impõe ao adolescente, relacionadas como seu

ingresso no mundo cultural, profissional e social dos adultos, constituem na

realidade um elemento funcional extremamente importante, que demonstra,

mais uma vez, o condicionamento mútuo, a unidade orgânica e a coesão

interna dos aspectos de conteúdo e forma no desenvolvimento do

pensamento.

O avanço dos processos intelectuais do adolescente é, portanto, caracterizado por

mudanças revolucionárias tanto no conteúdo como nas formas dos pensamentos, feito

alcançado por meio da formação do pensamento em conceitos, que leva ao desenvolvimento

de uma nova e superior forma de atividade intelectual. De acordo com Vygotski (2006, p. 59),

a formação de conceitos “[…] é justamente o núcleo fundamental que aglutina todas as

mudanças que se produzem no pensamento do adolescente”, sendo responsável pelo

conhecimento dos fenômenos e da realidade e, mais ainda, pela imersão em sua essência.

Neste sentido, se torna:

[...] o meio mais adequado para conhecer a realidade, porque penetra na essência

interna dos objetos, já que a natureza dos mesmos não se revela na contemplação

direta de um ou outro objeto isolado, mas por meio dos nexos e das relações que se

manifestam na dinâmica do objeto, em seu desenvolvimento vinculado a todo o

resto da realidade. O vínculo interno das coisas se descobre com a ajuda do

pensamento em conceitos, já que elaborar um conceito sobre algum objeto significa

descobrir uma série de nexos e relações do objeto dado com toda a realidade,

significa incluí-lo no complexo sistema dos fenômenos (VYGOTSKI, 2006, p. 78-

79).

O pensamento em conceito é o meio pelo qual o adolescente passa a compreender

tanto a realidade quanto a si mesmo, levando a transformações substanciais no conteúdo de

seu pensamento e colocando o adolescente diante de questões ligadas à consciência social, às

diversas esferas da vida cultural, adquirindo o conhecimento do verdadeiro sentido da

realidade que o cerca. Desta forma, todo o pensamento se renova e se reestrutura devido à

formação de conceitos, elevando a atividade intelectual a uma nova forma, qualitativamente

superior, de funcionamento. Nesta perspectiva, Vygotski (2006, p. 71) define o papel decisivo

do processo de formação de conceitos, uma vez que este permite:

[...] que o adolescente adentre em sua realidade interna, no mundo de suas próprias

vivências. A palavra não é somente o meio de compreender os demais, mas,

também, a si mesmo. Para o falante, a palavra significa, desde o princípio, o meio de

se compreender, de perceber as próprias vivências. Assim, apenas com a formação

de conceitos se chega ao desenvolvimento intenso da autopercepção, da auto-

observação, do conhecimento profundo da realidade interna, do mundo das próprias

vivências.

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Considera-se imprescindível o lugar da palavra como fator decisivo para conceituar os

fenômenos e os objetos. De acordo com Vygotski (2001, p. 132), “o conceito é impossível

sem palavras, o pensamento em conceito é impossível sem o pensamento baseado na

linguagem”. Assim, pode-se dizer que a palavra não é apenas um meio de nomear e classificar

os fenômenos e os objetos, mas de regular a realidade, a partir de suas relações recíprocas

com o pensamento. A formação de conceitos tem como norte o significado da palavra, em um

processo considerado por Vigotski (2001, p. 486) como o “[...] microcosmo da consciência

humana”.

Tal conjectura se dá por meio do desenvolvimento da linguagem nas relações, como já

discutido anteriormente. A palavra, a princípio, se desenvolve com um caráter de

socialização, e passa, no decorrer do desenvolvimento, a perder seu aspecto elementar, de

mera imitação, para se desenvolver no aspecto de socialização do pensamento. Assim, a

palavra não se limita a definir um objeto determinado, mas, ao mesmo tempo, o introduz a um

sistema de conexões e relações estruturado sob os códigos da própria linguagem durante o

processo da história social da humanidade. Adquire, assim, um caráter funcional que,

consequentemente, acarreta no desenvolvimento do processo de formação de conceito.

Nesta perspectiva, de acordo com Vygotski (2001, p. 184), a essência do

desenvolvimento dos conceitos:

[...] consiste, em primeiro lugar, na transição de uma estrutura de generalização à

outra. Qualquer significado da palavra em qualquer idade constitui uma

generalização. Mas os significados das palavras evoluem. No momento em que a

criança assimila uma nova palavra, relacionada com um significado, o

desenvolvimento do significado da palavra não finaliza, mas só começa. A palavra é

o princípio de uma generalização do tipo mais elementar, e, somente à medida que a

criança se desenvolve, passa da generalização elementar a formas cada vez mais

elevadas de generalização, culminando esse processo com a formação de autênticos

e verdadeiros conceitos.

Este é o passo essencial para o salto qualitativo da atividade intelectual e para o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Se, a princípio, as palavras são

utilizadas como meio de comunicação entre a criança e o adulto em uma etapa de

desenvolvimento com aspectos mais elementares, os conceitos a esta época são baseados

naquilo que se obtém ante as relações cotidianas, para somente mais tarde atingirem um nível

característico do pensamento completamente desenvolvido. Considerando essa evolução no

processo de significação da palavra e de apropriação do conhecimento, Vygotski (2001)

define a formação dos conceitos sob dois aspectos, os espontâneos e os científicos, que apesar

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de ser relacionarem e se influenciarem dialeticamente, se desenvolvem sob motivações e

condições diferentes.

Os conceitos espontâneos são, pois, aqueles os quais a criança aprende no curso de sua

vida diária, fruto das relações diretas com as pessoas que a rodeiam e os quais se embasam na

realidade visual e palpável. De acordo com Vygotski (2001, p. 136), os conceitos espontâneos

operam de modo arbitrário e, muitas vezes sua utilização é incorreta – por mais que tantas

outras utilizações sejam corretas-, uma vez que a criança não possui plena consciência de seu

significado. Assim,

A criança se comunica com os adultos usando palavras com sentido. Entre as

numerosas conexões sincréticas estabelecidas com as palavras, agrupações de

objetos sincréticas e desorganizadas, são também, em grande parte, o reflexo de

relações objetivas, na medida em que essas relações coincidem com os vínculos

criados pelas impressões e percepções da criança. Por isso, em muitos casos, o

significado de suas palavras pode coincidir com o significado dessas mesmas

palavras no discurso dos adultos, sobretudo quando se referem a objetos concretos

do entorno da criança.

Portanto, apesar de a criança se comunicar com os adultos e eles se compreenderem

mutuamente, por mais que o significado de suas palavras coincida e com frequência trate do

mesmo objeto concreto, ela ainda não é capaz de definir esses conceitos com palavras até que

se torne consciente deles. Este é o passo para o desenvolvimento dos conceitos científicos,

alcançado, essencialmente, no processo de escolarização.

Os conceitos científicos se desenvolvem a partir do momento em que se tem

consciência e domínio verbal sobre eles, mesmo quando não há uma experiência concreta. Tal

conjectura se dá por meio da instrução, na qual é introduzido a um sistema de categorias

lógicas e de contraposições, pois, de acordo com Luria (2001, p. 460, tradução nossa), são

“[...] sempre objeto de uma determinada atividade teórica, produto de um trabalho especial

sobre eles (sua definição, sua contraposição etc.)”.

Desta forma, é correto afirmar que o desenvolvimento do conceito científico tem

caráter social, produzido no processo de instrução, constituindo, assim, “[...] uma forma

singular de cooperação sistemática do pedagogo com a criança” (VYGOTSKI, 2001), onde se

tornam, obrigatoriamente, conscientes e voluntários.

A criança, a princípio detentora de um saber baseado na sua vida cotidiana, por meio

da instrução, de um processo de cooperação com um adulto, passa a expandi-lo e a incluir

neste saber novos significados. Assim, os conceitos que outrora eram arbitrários, passam a ter

um significado sistemático. Para exemplificação, citemos uma criança, que, antes mesmo de

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iniciar seus estudos, já tem um domínio da gramática sem ter consciência de que o tem. Trata-

se de uma manifestação espontânea, fruto de seus hábitos, desprovida, porém, de uma

estrutura determinada – voluntária, consciente, e intencional. A partir do momento em que

aprende, na escola, a sistematização da língua, ela passa tomar consciência desses

conhecimentos gramaticais e, assim, seus hábitos passam do plano automático para o

voluntário.

De acordo com Vygotski (2001), o acúmulo de conhecimento e o amadurecimento das

funções psicológicas superiores, criados pelas condições de ensino, levam à arbitrariedade

deste novo saber científico e à capacidade de novas aprendizagens. Desta forma, a atividade

intelectual da criança é projetada a níveis cada vez mais elevados, destacando-se os papéis da

educação escolar, cujo trabalho é voltado justamente para os conceitos científicos, e do

processo de instrução, que adquire o lugar de fonte propulsora para o desenvolvimento.

Neste sentido,

[...] a instrução escolar, se tomamos seu aspecto psicológico, gira, em todo

momento, ao redor do eixo das novas formações da idade escolar: a tomada de

consciência e o domínio. Podemos estabelecer que as mais diversas matérias da

instrução parecem ter um fundamento comum na psique da criança. Este

fundamento se desenvolve e amadurece como a principal nova formação da idade

escolar durante o processo da própria instrução, e não culmina sua evolução no

princípio desta idade. O desenvolvimento do fundamento psicológico do ensino das

principais matérias não precede o começo do mesmo, mas tem lugar em uma

indissolúvel conexão interna com ele, no curso de seu avanço progressivo

(VYGOTSKI, 2001, p. 234-235).

Assim é inserida a ideia de que a educação deve sempre se antecipar ao

desenvolvimento, considerando a zona de desenvolvimento próximo, sobre a qual

discorreremos posteriormente.

Diante de tudo que foi exposto, vale ressaltar que todo o percurso do desenvolvimento

do adolescente sobre o qual discorremos neste texto depende imprescindivelmente do seu

lugar social e das relações que com ele se estabelecem. Bem como defende Vigotski, o

desenvolvimento das funções psicológicas é fruto de seu desenvolvimento cultural; é sobre o

processo da vida social coletiva que se desenvolve todas as formas de atividade intelectual

próprias dos homens. Deste modo,

[...] se o meio não apresenta ao adolescente as tarefas adequadas, não se estimula

novas exigências, não desperta nem estimula o desenvolvimento de seu intelecto

mediante novas metas, o pensamento do adolescente não apresenta todas as suas

possibilidades, não chega a alcançar as formas superiores ou as alcança com grande

atraso (VYGOTSKI, 2001, p. 133).

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Não se trata, portanto, de um processo dinâmico-causal, mas de um processo

sociocultural. E, neste contexto, não podemos deixar de considerar o adolescente com

deficiência e, mais especificamente, o adolescente com autismo. Já discutimos como muitas

ações, especialmente educacionais, são pautadas nas características de sua condição e na

errônea ideia de que o desenvolvimento criaria as possibilidades para a instrução. Consideram

o autismo como uma síndrome permanente e incurável, e desconsideram a pessoa que está por

trás deste estigma socialmente criado.

Para Vygotski (1997, p. 198-199), a deficiência, por si mesma, não traz tantos

prejuízos quanto a exclusão social por ela justificada. Segundo este autor, “qualquer

insuficiência corporal não apenas modifica a relação do homem com o mundo, mas se

manifesta, também, nas relações com as pessoas. [...] O defeito em si não é, todavia, uma

tragédia. É apenas o pretexto e o motivo para que surja a tragédia”.

Vygotsky (citado em BARROCO, 2007, p. 207), defende que a pessoa com

deficiência não é menos desenvolvida que aquela normal, mas desenvolvida de outro modo.

Assim,

Deve-se sempre ter em mente que toda criança com deficiência é, antes de tudo, uma

criança e, somente depois, uma criança deficiente. Não se deve perceber na criança

com deficiência apenas o defeito, os “gramas” de doença e não se notar os

“quilogramas” de saúde que a criança possui. Do ponto de vista psicológico e

pedagógico deve-se tratar a criança com deficiência da mesma maneira que uma

normal.

A deficiência da pessoa é acompanhada por uma reação de compensação em seu

processo de desenvolvimento, na qual se busca enfrentar uma tarefa, que poderia ser inviável

devido à deficiência, por caminhos novos e diferentes:

[...] junto com o defeito orgânico estão dadas as forças, as tendências, as aspirações

à superá-lo ou nivelá-lo. [...] Ainda que, precisamente, elas sejam àquelas que geram

peculiaridades ao desenvolvimento da criança deficiente, são as que criam formas

criativas de desenvolvimento, infinitamente diversas, às vezes profundamente raras,

iguais ou semelhantes às que observamos no desenvolvimento típico de uma criança

normal (VYGOTSKI, 1997, p 15-16).

Esta compensação, porém, não ocorre no nível biológico, uma vez que a natureza não

compensa automaticamente uma grande perda. A compensação da qual trata Vygotski (1997)

se refere à perspectiva de que os órgãos dos seres humanos são, antes de tudo, órgãos sociais,

uma vez que medeiam suas vivências no mundo e suas relações sociais. Assim, não existiria

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lógica em representações (preconceituosas, vale dizer) do tipo “pessoas com deficiência tem a

sexualidade aflorada”, “todo cego é bom ouvinte”, ou “o autista quase não fala e nem tem

interesse em falar”. Tais afirmações tratam de um dos muitos mitos que permeiam as pessoas

com deficiência (AMARAL, 1998) e que as impedem de se desenvolverem.

Um dos aspectos mais impeditivos é o caráter infantil o qual é atribuído às pessoas

com deficiência, uma vez que é concebido por meio de uma representação de incapacidade.

Neste sentido, de acordo com Maffezol e Góes (2004), a infantilização das pessoas com

deficiência mina as suas possibilidades de um futuro, de realização pessoal e de inserção nos

grupos sociais. Desta forma, não há para estas pessoas novas exigências que as impulsionem

ao desenvolvimento, uma vez que as próprias iniciativas voltadas para elas são geralmente de

cunho infantil e repetitivo, visando capacitá-las para habilidades básicas.

No entanto, considerando o caráter social do desenvolvimento e a reação de

compensação presente nas pessoas com deficiência, verifica-se a possibilidade de seu

desenvolvimento, da superação da infância e do desenvolvimento das funções psicológicas

superiores, por meio das forças desencadeantes que provém da vida social. Para tanto, porém,

é necessário que haja condições sociais - nas relações – que impulsionem tal

desenvolvimento, adiantando-se do mesmo e gerando novas exigências a essas pessoas e que

não foquem na sua deficiência, mas na sua condição de ser humano.

De acordo com Vygotski (1997) o desenvolvimento humano segue uma regularidade

comum tanto à pessoa dita normal, quanto daquela com alguma deficiência: primeiramente

sua conduta surge como função coletiva, sob a forma de colaboração ou interação, como meio

de adaptação social; e, posteriormente, como processo interior, como meio de adaptação

pessoal. Trata-se do já discutido percurso interpsicológico para o intrapsicológico.

Independentemente das condições fisiológicas na qual a pessoa se encontra, torna-se

possível o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, pois “o defeito e a falta de

desenvolvimento das funções superiores se encontram em uma relação distinta a do defeito

com o desenvolvimento insuficiente das funções elementares” (VYGOTSKI, 1997, p. 221).

Assim, o desafio está em encontrar formas alternativas para o desenvolvimento de tais

funções e, neste sentido, a coletividade e a instrução se tornam fatores decisivos,

especialmente no que trata do processo de escolarização, o qual discutiremos a seguir.

Ante a esta explanação, pode-se concluir que a Psicologia Histórico-Cultural nos

permite compreender a adolescência como uma fase produtiva, propícia para o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores e para o amadurecimento dos sistemas

conceituais, bem como para a consolidação da personalidade.

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Por meio da inserção no mundo da ideologia social, quando o adolescente começa a

superar a infância e adquirir a consciência social objetiva, ele passa a dominar as operações

psíquicas e a conceituar o mundo e as relações (TOMIO; FACCI, 2009). Com isso, se instaura

uma nova forma de atividade intelectual, um novo modus operandi que transforma não só o

pensamento, mas toda a conduta e as relações do adolescente, em um revolucionário salto

qualitativo do desenvolvimento. Assim, com o desenvolvimento das funções psicológicas

superiores e a capacidade de formação de conceitos, o adolescente se encontra em um

momento propício para o desenvolvimento de conceitos científicos e da consciência

filosófica.

Neste sentido, a escola é referenciada como um lugar essencial para o

desenvolvimento destas potencialidades, uma vez que tem os requisitos para dirigir seus

conteúdos para este fim. Sobre este tema nos ateremos no próximo item, a fim de que se possa

compreender o papel da escola e da educação sob a perspectiva da Psicologia Histórico-

Cultural e suas possíveis proposições a respeito da escolarização do aluno adolescente com

autismo, desafio de nosso estudo.

2.3 Educação: processo que humaniza

Vimos, até aqui, a compreensão do ser humano fundamentada pela Psicologia

Histórico-Cultural, considerando o caráter social de seu desenvolvimento psicológico. O

homem aprende a ser homem por meio da apropriação dos instrumentos que lhe foram

herdados socialmente e essa aprendizagem somente é possível por meio da instrução, que

ocorre na relação entre as pessoas, tendo a linguagem como via central de relacionamento.

A aquisição da cultura se dá pelo processo de educação, que impulsiona a atividade

intelectual do homem a níveis cada vez mais elevados, em uma transformação revolucionária.

Deste modo, tal como afirma Duarte (2008), a formação do homem e todo o seu processo de

desenvolvimento é sempre um processo educativo, ainda que se realize de forma espontânea e

sem que haja uma relação consciente como prática social. Apesar de o processo educativo ser

inerente a toda relação social, a escola foi institucionalizada historicamente como o lugar de

seu desenvolvimento, uma vez que é de sua responsabilidade a transmissão do saber

construído historicamente pela humanidade de modo sistematizado. Diante disto, torna-se

importante refletir sobre o seu papel no processo de humanização dos seus alunos e de

transformação nas relações e na realidade social.

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Segundo Leontiev (2004), na medida em que a história da humanidade se desenvolve,

mais ricas se tornam as suas práticas sócio-históricas e, desta forma, mais complexas se

tornam as tarefas da educação escolar. É por meio da educação escolar que o homem passa a

distinguir as formas naturais e primitivas de comportamento das formas instrumentais,

produzidas socialmente ao longo da história, conceituando-as e, assim, amplia sua consciência

em relação aos conceitos de mundo e adquire domínio sob os processos naturais de

desenvolvimento. Neste sentido, de acordo com Vygotski (2001, p. 245), o processo

educativo se torna imprescindível no curso do desenvolvimento humano, pois:

[...] a aprendizagem pode interferir no curso do desenvolvimento e influenciá-lo

decisivamente porque essas funções ainda não estão maduras até o início da idade

escolar e porque a aprendizagem pode organizar, de certo modo, o processo

sucessivo de seu desenvolvimento e, com ele, determinar seu destino.

Conforme Saviani (2011, p. 13), para alcançar seu objetivo, a educação escolar deve

se pautar na produção do saber, incluindo o conhecimento de ideias, conceitos, símbolos,

hábitos e valores que contemplem o conjunto da produção humana, quer trate do saber sobre a

natureza, quer sobre a cultura. Assim, acrescenta,

[...] o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos

culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que

eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das

formas mais adequadas para atingir esse objetivo.

Portanto, a educação escolar deve atender às formas culturais desenvolvidas ao longo

da humanidade por meio da transmissão sistemática dos conceitos científicos, gerando

questionamentos a respeito “[...] do que ensinar, a quem ensinar, quando ensinar, como

ensinar e por que ensinar” (DUARTE, 2008, p. 49).

Desta forma, de acordo com Vygotski (2001, p. 195-196), para alcançar níveis de

promoção de desenvolvimento, a educação deve ter seu conteúdo e sua forma organizados

sistematicamente, voltados para o ensino dos conceitos científicos, superando aquele centrado

nos conceitos cotidianos e, neste sentido,

As tarefas mobilizadas pelo pensamento infantil são distintas quando assimila os

conceitos na escola e quando este pensamento está entregue a si mesmo. Resumindo,

poderíamos dizer que os conceitos científicos que se formam no processo de

instrução se distinguem dos espontâneos por uma relação distinta com a experiência

da criança, por uma relação distinta com seu objeto e pelos diferentes caminhos que

percorrem desde o momento em que nascem até que se formem definitivamente.

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Saviani (2011, p. 14) acrescenta que a escola deve organizar seu conjunto de

atividades e seus métodos a fim de encontrar uma forma de transmitir o saber sistematizado,

transformando os conceitos espontâneos em conceitos científicos; a cultura popular em

cultura erudita. A transmissão do saber sistematizado se torna o sentido da existência da

escola e a diferencia qualitativamente de todas as outras formas de educação informais e

cotidianas. Assim, a escola deve ser:

[...] uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado. [...]

não se trata, pois, de qualquer tipo de saber. Portanto, a escola diz respeito ao

conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado

e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular. Em suma, a

escola tem a ver com o problema da ciência. Com efeito, ciência é exatamente saber

metódico, sistematizado.

Esta forma de organização da atividade educativa elege a escola como meio essencial

de desenvolvimento das funções psíquicas superiores. De fato, conforme defende Vigotski, as

funções psicológicas superiores só se desenvolvem com as exigências do meio e, portanto, é

necessário que a escola esteja um passo a frente do desenvolvimento de seu aluno para

impulsioná-lo cada vez mais adiante. Portanto, a instrução escolar, na qual o professor se

constitui como mediador dos conhecimentos científicos, deve concretizar-se por meio do

ensino daquilo que ainda não está formado no aluno, ou, como bem afirma Vygotski (2001, p.

245), “o ensino deve orientar-se não no hoje, mas no amanhã do desenvolvimento infantil”.

De acordo com Vigotski (1999, p. 100), “qualquer tipo de desenvolvimento infantil é

determinado, em grande medida, pela incapacidade da criança de utilizar por si mesma suas

funções naturais e de dominar instrumentos psicológicos”. Cabe à escola ensinar ao aluno o

novo, aquilo que sucede ao seu desenvolvimento, possível por meio do conhecimento das

tarefas as quais ela é capaz de realizar sozinha e daquelas as quais ainda precisa de

amadurecimento; aquelas as quais se encontram na zona de desenvolvimento atual e aquelas

que se encontram na zona de desenvolvimento próximo.

As instruções na escola devem corresponder às relações entre as zonas de

desenvolvimento atual e próximo, visando sempre à superação da primeira rumo à última.

Desta maneira, ainda de acordo com este autor:

A educação somente é válida quando precede o desenvolvimento. Então, desperta e

engendra toda uma série de funções que se achavam em estado de maturação e

permaneciam na zona de desenvolvimento próximo. Nisso consiste, precisamente, o

principal papel da educação no desenvolvimento. [...] O aspecto formal de cada uma

das disciplinas escolares reside no campo em que se realiza e se cumpre a influência

da educação escolar no desenvolvimento. A instrução seria totalmente inútil se

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apenas pudesse utilizar-se o que já estivesse maduro no desenvolvimento [do

aluno], se não se constitui, ela mesma, uma fonte de desenvolvimento, uma fonte

de manifestação de algo novo. (VYGOTSKI, 2001, p. 243, grifo nosso).

Por meio deste excerto é evidenciado o posicionamento de Vigotski sobre a ênfase no

papel da proposta pedagógica da escola, cujo foco deve estar voltado à zona de

desenvolvimento próximo. Se a aprendizagem é impulsionada pela relação, a escola tem todos

os mecanismos para indicar os caminhos e colaborar para a aprendizagem dos conceitos

científicos de seus alunos. Aquilo que está em vias de acontecer, que ainda foge do domínio

do aluno, deve ser alcançado pela sistematização do conhecimento a ser transmitido pela

escola, que, neste sentido, impulsiona os saltos qualitativos de sua atividade intelectual.

Deste modo, a formação dos conceitos, para Vygotski (2001), nunca é um processo

acabado, mas está sempre começando e, neste sentido, a zona de desenvolvimento próximo

tem maior importância na evolução intelectual e no êxito escolar de um aluno que o nível

atual de seu desenvolvimento. Isto porque, na prática escolar, o aluno orientado e/ou

acompanhado pelo professor, por um adulto, ou mesmo por colegas mais experientes, é capaz

de realizar tarefas mais complexas do que quando está sozinho. A princípio, esta colaboração,

que na infância ocorre, muitas vezes, mediante a imitação, tende a direcioná-lo à suas

possibilidades de desenvolvimento qualitativo.

É importante frisar que a imitação tem um papel muito importante no processo

educativo, pois permite que uma criança desenvolva uma nova aprendizagem por meio da

colaboração com o outro. Segundo Vygotski (2001) a imitação está longe de ser uma

atividade puramente mecânica, pois somente é possível quando há na pessoa, na zona de suas

possibilidades intelectuais próprias, uma compreensão, mesmo que rudimentar, daquilo de

que se trata a imitação. Assim, destaca-se o seu caráter positivo no desenvolvimento e,

especialmente, no processo educativo. Neste sentido,

O ensino da linguagem, o ensino na escola, se baseia, em alto grau, na imitação.

Porque na escola a criança não aprende a fazer o que é capaz de realizar por si

mesma, mas a fazer o que é incapaz de realizar, embora esteja ao seu alcance, com a

colaboração e sob a direção de seu professor. O fundamental na aprendizagem é,

precisamente, o novo que a criança aprende. Portanto, a zona de desenvolvimento

próximo, que determina o campo das gradações que estão ao alcance da criança,

resulta no aspecto mais determinante no que se refere à educação e ao

desenvolvimento (VYGOTSKI, 2001, p. 241).

Portanto, a imitação se torna o primeiro passo para o desenvolvimento daquilo que a

pessoa não era capaz de realizar sozinha até que se torne capaz de fazê-lo. No entanto, é

importante ressaltar que, como alerta Vygotski (2001), a realização autônoma de uma

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determinada tarefa não quer dizer, necessariamente, que houve uma aprendizagem promotora

de desenvolvimento.

No processo de aprendizagem, os aspectos que inicialmente são mecânicos somente

impulsionam o desenvolvimento no ato de sua superação, quando são dominados. Neste

sentido, conforme afirma Saviani (2011, p. 16), o desenvolvimento acontece quando “os

aspectos mecânicos foram negados por incorporação e não por exclusão. Foram superados

porque negados enquanto elementos externos e afirmados como elementos internos”.

Se pensarmos que este desenvolvimento se torna mais efetivo por meio da

colaboração, torna-se imprescindível a figura do professor no processo de aprendizagem. De

acordo com a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, o professor se constitui como

mediador do conhecimento da humanidade, levando o aluno à apropriação deste

conhecimento e ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Uma vez que, na escola, a aprendizagem se constitui como uma fonte de

desenvolvimento dos conhecimentos científicos, a figura do professor, segundo Facci (2003,

p. 183), “[...] domina determinados conhecimentos que o aluno não tem e deve transmiti-los

aos estudantes; ele deve ter autoridade profissional e produzir, de forma deliberada, a

aprendizagem como resultado do ensino”. Assim, ainda de acordo com a autora, para

conseguir a apropriação do conhecimento aos alunos, o professor “[...] deve desenvolver

métodos que conduzam ao desenvolvimento das potencialidades mentais, precisa estabelecer

uma programação de ensino, uma sistematização de conhecimentos que sirva de base para a

formação de um verdadeiro desenvolvimento mental” (p. 179).

Desta forma, o professor tem a possibilidade de desenvolver a trajetória do

desenvolvimento da atividade intelectual de seus alunos por meio da transmissão do

conhecimento, o que dependerá, no entanto, tanto do seu domínio em relação aos conceitos,

quanto de sua prática pedagógica. Nesta perspectiva, Martins (2011) ressalta a importância

das condições da formação inicial e contínua dos professores com vistas à instrumentalização

de seu trabalho pedagógico, direcionando, de modo qualitativamente superior, a prática

educativa.

Os saberes transmitidos na educação escolar devem impulsionar o pensamento teórico,

elevando a mera vivência à condição de consciência da vivência, e, portanto, como apontado

por Saviani (2011), é necessário que o educador brasileiro passe essa transmissão do senso

comum para a consciência filosófica, feito possível em todos os segmentos do ensino.

Diante disto, não podemos deixar de considerar o ensino às pessoas com autismo e

com outras deficiências.

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Já discutimos o quanto a condição de deficiência é impeditiva não por ela mesma, mas

pelo seu lugar social. Da mesma forma, discutimos o caráter social das funções psicológicas

superiores, que contrariam qualquer indício de homogeneidade e unidade do processo de

desenvolvimento humano e não diferente na educação escolar, uma vez que:

[...] não existe, na natureza, uma criança cujas funções aritméticas amadureçam

espontaneamente [...] Não podemos dizer, portanto, que uma criança de oito anos

aprende a somar e subtrair, e aos nove a multiplicar e dividir, como se essas

operações fossem resultado natural de seu desenvolvimento; se trata, no entanto, de

mudanças externas, procedentes do meio, não sendo, pois, um processo de

desenvolvimento interno (VYGOTSKI, 2000, p. 154).

É correto afirmar, portanto, que o desenvolvimento humano é proveniente do social,

antes de qualquer maturação biológica e assim, tendo em vista a perspectiva de que o

desenvolvimento de todo homem é um processo construído socialmente, foi dada às pessoas

com deficiência a chance de desenvolvimento. Uma vez que o desenvolvimento de suas

funções psicológicas superiores não deriva meramente da sua maturação e/ou condição

biológica, as “falhas” das funções biológicas que afetariam o desenvolvimento das funções

psicológicas elementares não impediriam, necessariamente, que qualquer pessoa com

deficiência se aproprie dos bens culturais da humanidade, sendo necessário, apenas, que este

conhecimento seja, de fato, transmitido a elas, considerando suas limitações e potencialidades.

Como já discutido, nenhum desenvolvimento é alcançado sem que haja exigências do

meio. Desde os primeiros anos de vida, é necessário oportunizar à pessoa a apropriação do

conhecimento do mundo que a cerca, dirigindo sua atenção à ele e ativando formas de

pensamento que impulsionem este conhecimento. Quanto mais exigência há, mais rica e vasta

é a sua experiência e maiores são as oportunidades dos saltos qualitativos de sua atividade

intelectual.

Esta oportunidade de desenvolvimento é possível, pois, de acordo com Vygotski

(1997), se uma condição de deficiência provoca limitações no desenvolvimento psíquico

global, do mesmo modo é acompanhada por uma reação de compensação, de busca de

caminhos alternativos para o seu desenvolvimento que se dá graças às experiências sociais.

Neste sentido, se faz necessário uma educação por métodos diferenciados que promova a

criação dessas vias alternativas.

Se pensarmos, por exemplo, no autista, foco de nosso estudo, e nos prejuízos das

funções comunicativas presentes nesta condição (caracterizando, algumas vezes, a ausência

total da linguagem verbal e não verbal), pode-se concluir que a escola, sendo a instituição

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social que é, tem um papel essencial no desenvolvimento comunicacional e interacional

dessas pessoas. De acordo com Camargo e Bosa (2009, p. 67), “[...] a escola possui papel

fundamental nos esforços para ultrapassar os déficits sociais destas crianças, ao possibilitar o

alargamento progressivo das experiências socializadoras, permitindo o desenvolvimento de

novos conhecimentos e comportamentos”.

Assim, a deficiência deve ser compreendida e trabalhada no contexto da educação,

sendo desenvolvidas não apenas as suas funções psicológicas superiores, mas a sua formação

cultural o tanto quanto possível (BARROCO, 2007). Isto pode ser alcançado por meio de sua

inserção em um constante exercício de socialização e de aprendizagem com seus pares e

professores, longe de uma simples troca de informações ou de comunicação mecanizada, mas

de situações dialógicas com significado cultural, pois, como bem alega Vygotski (1997, p.

91), “por meio da organização ativa da vida na escola, o aluno aprenderá a integrar-se à vida”.

Portanto, pode-se dizer que a escola possui um papel imprescindível no

desenvolvimento de seus alunos – sejam eles com ou sem qualquer deficiência - no que tange

o processo de apropriação de conhecimento do mundo e domínio de si mesmo, por ser um

lugar de interlocução e mediadora do saber científico. Se bem orientada e organizada, a

educação escolar age significativamente como impulsora e produtora do desenvolvimento das

funções psicológicas superiores, tornando-se forte aliada na tentativa de garantir não só um

saber sistematizado, mas maiores possibilidades para a vida de seus alunos.

Assim, diante do que foi exposto até aqui, nosso desafio se torna compreender o

processo de escolarização do adolescente com autismo. Se temos, por um lado, uma condição

envolta de mistérios e controversas, por outro, temos um modo de compreensão que nos

permite buscar alternativas de impulsionar o seu desenvolvimento por meio da educação. Este

é o percurso que nos dispomos a adentrar e a ele nos dedicaremos a seguir.

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69

3 O PERCURSO E OS PERCALÇOS DA PESQUISA

Para que afinal floresça

O mais que humano em nós

Caetano Veloso25

Os fenômenos educacionais foram, durante muito tempo, estudados isoladamente e

explicados por meio de pesquisas de cunho estritamente quantitativo, sem compreender,

entretanto, suas dimensões como processos formados por múltiplas variáveis que agem e

interagem ao mesmo tempo (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). O estudo da educação tal como um

fenômeno físico, a ser medido e categorizado, teve seus reflexos na educação especial, que foi

historicamente construída a partir de uma visão individualista, patologizante, disciplinadora,

baseada na diferença e na oposição dos conceitos de normalidade e anormalidade (PADILHA,

2007), focando na patologia e não nas relações escolares.

Em busca de um entendimento a respeito do processo de escolarização do aluno

adolescente com autismo que contemplasse os complexos aspectos a ele relacionados, o

presente estudo teve como teoria norteadora a Psicologia Histórico-Cultural, que entende o

homem como produto e produtor das relações historicamente construídas pela humanidade e

propõe a compreensão de uma realidade dinâmica, na qual os contextos históricos e culturais

são fundamentais para sua constituição (VYGOTSKI, 2000; 2001) e cuja fundamentação

epistemológica é o materialismo histórico-dialético26

. Assim, uma pesquisa nesta perspectiva

deve considerar a interdependência dos fenômenos e sua origem multideterminada e

contraditória.

Deste modo, no presente estudo pretendeu-se compreender o processo de

escolarização valorizando a historicidade, as relações sociais, as representações da realidade e

o contexto em que estão inseridos os atores escolares, considerando-os como produtores de

suas próprias experiências.

A metodologia articuladora desta pesquisa foi o estudo de caso, que, de acordo com

Yin (2005), permite uma investigação a partir da contradição das totalidades, preservando as

características significativas dos acontecimentos da vida real. Assim, trata-se de um método

25

VELOSO, C. Tá combinado. Intérprete: Maria Bethania. In: Maria. Rio de Janeiro: Sony Music/RCA, 1988.

Faixa 6. 26

Vigotski (1999) defendia a construção de uma ciência psicológica baseada no marxismo. No entanto, enfatizou

o perigo da aplicação genérica de conceitos oriundos desta fundamentação filosófica no campo da produção

psicológica, uma vez que essa se volta para o estudo de categorias e de leis próprias da sociologia. Para este

autor, a Psicologia deveria criar o seu próprio O Capital.

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propício para compreender fenômenos sociais complexos, contemporâneos, que não podem

ser manipulados, como é o caso deste estudo. Para alcançar tal feito, os instrumentos que

julgamos convenientes para compreender as expressões e vivências das pessoas envolvidas no

contexto social da pesquisa foram a análise documental, a observação participante, entrevistas

gravadas em áudio e o diário de campo. É importante que se ressalte o fato de que,

considerando a relação dinâmica com o conhecimento e as interferências que possam ocorrer

durante todo processo de interação com as pessoas no contexto da pesquisa, não nos ativemos,

no decorrer da pesquisa, a uma proposta rigidamente estruturada, mas, como bem defendem

Bogdan e Biklen (1994), buscamos respeitar o percurso que o campo demandou.

Faz-se necessário considerar, ainda, o lugar da pesquisadora, que neste estudo busca

compreender o processo de escolarização e as relações escolares por meio de suas próprias

palavras e significações, sempre atravessadas por ideologias vigentes. É importante que se

tenha clareza de seu lugar como produtora de sentidos e participante da história.

3.1 Caracterização do local da pesquisa e os primeiros percursos

A pesquisa foi realizada em uma cidade do Estado de Rondônia, que será apresentada,

para fins de preservação da identidade dos envolvidos, como Eldorado.

Figura 4 – Mapa de Rondônia

Fonte: Wikipédia

27

27

Disponível em

<http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/ff/Rondonia_MesoMicroMunicip.svg/819px-

Rondonia_MesoMicroMunicip.svg.png>. Acesso em 13 jan. 2014.

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Rondônia fica localizado na parte oeste da Região Norte do Brasil, tendo por volta

237.590,547 km² de extensão com 52 municípios, de acordo com dados do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE, 2013).

Historicamente, a ocupação de Rondônia, assim como de toda a Amazônia, sempre se

deu para fins de extradição, seja em função da exploração de metais preciosos ou para o

extrativismo vegetal (COLFERAI, 2010).

Por ser uma região de fronteira internacional, foi motivo de preocupação

governamental devido aos limites do território brasileiro e alvo de estratégias de ocupação em

diferentes épocas e, por isso, sua constituição se deu a partir de diferentes levas migratórias,

desde as últimas décadas do século XIX (MELCHIADES, 2009; COLFERAI, 2010).

O povoamento desta região começou a partir da exploração da borracha com a

chegada de imigrantes nordestinos, impulsionado, também, pelo início da construção da

Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (MELCHIADES, 2009). A partir deste momento histórico,

a região passou a atrair diversos imigrantes de acordo com ciclos econômicos de extradição,

dentre os quais se destacam os imigrantes do centro-sul, impulsionados por incentivos fiscais

e investimentos do Governo Federal em projetos de colonização dirigida especialmente entre

as décadas de 1960 e 1970 (COLFERAI, 2010).

Mais recentemente, com o desenvolvimento do agronegócio e a construção do

chamado Complexo Hidrelétrico do Madeira, foram provocados novos surtos migratórios

nesta região, caracterizando-a como lugar de formação social recente. “Tudo aquilo que já é

dado histórico com relação à formação cultural em outras partes do Brasil, em Rondônia é um

processo em andamento que ainda está no princípio [...]” (COLFERAI, 2010, p. 3).

Rondônia possui, atualmente, uma população estimada em 1.728.214 habitantes

(IBGE, 2013). No tocante às pessoas com deficiência, os dados mais recentes datam de 2010

(IBGE, 2010), quando cerca de 345.580 de pessoas28

deste estado declararam possuir pelo

menos uma das deficiências investigadas, dentre as quais se apresentaram, em graus variados

de comprometimento, a deficiência auditiva, a deficiência visual, a deficiência motora e a

deficiência mental/intelectual29

.

28

Na amostra das pessoas com deficiência foram considerados todos aqueles residentes em Rondônia com dez

anos ou mais. 29

Muito tem se discutido sobre as nomenclaturas utilizadas a respeito da deficiência. Apesar de o levantamento

do IBGE utilizar os termos deficiência mental e intelectual como sinônimos, atualmente tem-se utilizado

apenas o termo deficiência intelectual para referir-se ao déficit do funcionamento do intelecto, distinguindo-o

do funcionamento da mente como um todo, bem como fornecendo maior distinção com a doença mental

(SASSAKI, 2005).

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É importante tornar a enfatizar que, lamentavelmente, neste estudo estatístico, não

foram consideradas as doenças mentais, como a depressão e a esquizofrenia, tampouco os

Transtornos Globais do Desenvolvimento, grupo que constitui um dos públicos alvo das ações

governamentais para a Educação Inclusiva30

e foco do presente estudo.

No que trata da educação, de acordo com dados preliminares do Censo Escolar 2013

elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

(INEP, 2013a), são contabilizadas 6.312 matrículas na Educação Especial, que contempla

alunos inclusos na rede regular de ensino, de classes especiais e de escolas especiais. Destes,

1.293 matrículas são de Eldorado, conforme indicado na Tabela 1, na qual se verifica,

também, para fins de informação e comparação, o quantitativo de matrículas no Ensino

Regular e na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Tabela 1 - Matrículas na rede estadual e municipal de ensino

Modalidade Ensino Regular EJA Educação Especial

Etapa

Local Infantil Funda

mental Médio Funda

mental Médio Infan

til

Funda

mental Médio

Rondônia 32.956 256.185 56.977 26.253 19.142 236 5.689 387

Eldorado 11.954 71.390 13.513 10.649 7.276 63 1.150 80

Fonte: INEP, 2013a.

O alunado de Rondônia está distribuído em 1.849 estabelecimentos de Educação

Básica (INEP, 2013b) pertencentes às redes de Ensino Federal, Estadual, Municipal e Privada,

sendo que 355 destes estabelecimentos estão na cidade de Eldorado, tal como disposto na

Tabela 2, entre os quais, seis são voltados para a educação especial (INEP, 2013b), com

enfoques específicos para as deficiências auditiva, intelectual, múltipla e para o autismo,

oferecidos tanto pela rede pública de ensino, quanto por instituições filantrópicas e não

governamentais – muitas delas conveniadas com o setor público.

30

De acordo com a Política de Educação especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), o

público alvo das ações da inclusão escolar é constituído por alunos com deficiência, com transtornos globais

do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação.

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Tabela 2 - Estabelecimentos da Educação Básica em Rondônia e Eldorado – 2013

Federal Estadual Municipal Privada Total

Rondônia 8 441 1.182 218 1.849

Eldorado 2 90 200 63 355

Fonte: INEP, 2013b.

De acordo com dados fornecidos pelo Núcleo de Apoio à Educação Inclusiva

(NAEDI), da Coordenadoria Regional de Ensino da Secretaria Estadual de Educação de

Rondônia, 426 alunos com deficiência estão matriculados na rede estadual de ensino da

cidade de Eldorado (RONDÔNIA, 2012a), como pode ser observado na Tabela 3. Em relação

à rede municipal, cada profissional que trabalha na Divisão de Educação Especial (DIEES)

tem o próprio controle da população com deficiência que atende, de acordo com a área em

que atua na cidade sem, no entanto, haver uma estruturação e/ou tabulação de dados deste

público. De acordo com a coordenadora do DIEES à época de nossa pesquisa, a tabulação

leva um tempo que a equipe não possui, acrescentando que a população com autismo na rede

municipal de ensino se encontra matriculada na educação infantil. Ressalta-se que a pesquisa

do perfil do alunado é essencial para a definição de estratégias e para o desenvolvimento de

ações que visem a sua permanência e o seu êxito escolar, independentemente de ter ou não

deficiência.

Tabela 3 - Alunos incluídos na rede estadual de ensino de Eldorado, por deficiência

ALUNOS MATRICULADOS 66.641

ALUNOS COM DEFICIÊNCIA 432

Altas Habilidades (AH) 40

Deficiência Visual (DV) 34

Deficiência Auditiva (DA) 121

Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) 50

Deficiência Intelectual (DI) 156

Deficiências Múltiplas (DMU) 31

Fonte: RONDÔNIA, 2012a.

Diante dos dados acima elencados, fornecidos pelo NAEDI, iniciamos a etapa de

busca pelo adolescente autista nas escolas, considerando os critérios de inclusão de nossa

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pesquisa, que contemplavam a idade da adolescência de acordo com o Estatuto da Criança e

do Adolescente (BRASIL, 1990) e o tempo de permanência na instituição. Desta forma,

foram selecionados 12 adolescentes autistas, os quais, de acordo com esta tabulação, estavam

matriculados a partir do 6º ano do Ensino Fundamental.

No entanto, ao entramos em contato com as escolas onde estavam matriculados, foi

identificado que os alunos relacionados ou tinham outras deficiências ou transtornos mentais

que em nada se relacionavam com o autismo, ou sequer tinham algum tipo de deficiência.

Nenhum dos alunos indicados pelos dados do NAEDI era autista. Esta conjuntura nos leva à

indagar a importância que os dados sobre os alunos implica, não só no que trata da elaboração

de ações e estratégias, mas na própria organização do governo e das escolas no que tange

investimentos e capacitações dos profissionais.

A partir da identificação de que nenhum dos alunos selecionados tinha o diagnóstico

de autismo, questionamos o NAEDI sobre os critérios de inclusão nas categorias feitas para o

levantamento realizado pelas equipes deste departamento. Uma vez verificada esta

incongruência na elaboração dos dados, a coordenação do NAEDI da época logo realizou um

ciclo de reuniões para capacitação aos profissionais em relação às deficiências, a fim de que

fosse realizado novo levantamento que pudesse, de fato, identificar os alunos com deficiência.

Isto demonstra a importância da pesquisa como meio de transformação da realidade, como

apontam Bodgan e Biklen (1994).

Apesar do novo levantamento não ter sido disponibilizado, a coordenação do NAEDI

nos informou sobre a ciência de dois alunos com autismo, um em uma escola estadual e outro

em uma escola municipal. Nos direcionamos às escolas indicadas e verificamos que, na escola

estadual, o aluno havia se mudado para o interior do estado, e, na escola municipal, por nós

nomeada como Escola Turquesa, haviam dois alunos autistas na fase da adolescência, sendo

escolhido aquele que estava a mais tempo na instituição, conforme os critérios de inclusão

propostos neste estudo. A escola Turquesa oferece o ensino fundamental completo, além da

Educação de Jovens e Adultos (EJA) à noite. Possui 20 salas de aula, comportando mais de

dois mil alunos e é referência na cidade por seu atendimento à população com deficiência,

pela estruturação do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e pelas ações inclusivas

que promove na área de esporte e lazer.

Em meio aos desdobramentos do campo, decidimos incluir, também, um aluno autista

da rede especial de ensino, não com o intuito de fazer contrapontos entre as diferentes

modalidades de ensino, mas de compreender as diferentes formas metodológicas de ensinar

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esse público tão adverso. A escola selecionada foi nomeada como Escola Índigo31

. Índigo é

um centro educacional mantido por uma associação de pais. Possui convênio com o Estado,

que cede professores para atuarem nesta instituição. Possui quatro salas de aula e 17 alunos

matriculados, distribuídos aproximadamente quatro por sala. Dentre dois alunos que atendiam

à faixa etária selecionada, foi escolhido o aluno que estava há mais tempo na instituição.

Desta forma, foram selecionados dois alunos, um de cada modalidade de ensino

(Educação Regular e Especial), de acordo com os critérios de inclusão.

3.2 A trajetória nas escolas e os colaboradores

Estivemos em “campo” por seis meses, de julho a dezembro de 2013. Neste período,

permanecemos nas escolas durante uma semana a cada mês, totalizando seis intensas semanas

de vivências, pela manhã na escola Turquesa e à tarde na escola Índigo, o que nos possibilitou

conhecer e compreender um pouco das ricas histórias de escolarização de Thales, aluno da

escola Turquesa, e Bruno, aluno da escola Índigo32

.

Thales33

tem 13 anos, estuda no 3º ano do Ensino Fundamental, matriculado na escola

Turquesa pelo segundo ano consecutivo. Foi diagnosticado com autismo aos sete anos, após

inúmeras queixas das escolas nas quais estudava e diagnósticos errôneos, sendo a maioria

deles de deficiência intelectual. Desde então, ficou migrando de escola em escola, pois

nenhuma estava, de acordo com as mesmas, preparada para recebê-lo. Após inúmeras

tentativas de conseguir uma vaga, foi aceito na Turquesa. Mora com a mãe, Lurdes, o

padrasto e dois irmãos, dos quais Thales é o mais velho. Sua irmã do meio também tem

autismo e estuda na mesma escola; está na mesma série que ele, porém, foi matriculada em

outra turma. Lurdes é quem o acompanha a todos os tratamentos e por isso, devido às

dificuldades de conciliar esta rotina com o seu trabalho, teve que deixar o emprego, contando

para a subsistência familiar, com o emprego do marido e com os auxílios que os filhos

recebem.

31

A entrada e inserção nas escolas foram devidamente autorizadas tanto pela Secretaria de Educação de

Eldorado quanto pela Direção da escola Índigo (Apêndice A).

32

Vale salientar que, em respeito ao compromisso assumido no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(Apêndice B) de manter em sigilo a identidade dos participantes, serão utilizados, aqui, nomes fictícios para

representar as pessoas que participaram deste estudo. Os nomes dos alunos foram inspirados em seus artistas

prediletos e os demais foram feitos a partir de escolhas aleatórias, sem maiores referências.

33 Nome inspirado no cantor evangélico Thales.

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76

Na escola, Thales é acompanhado pela professora da sala comum, Cleonice, e pelas

professoras do AEE, Arlete e Eurides. A professora Cleonice, se formou em Pedagogia em

2008 e sua primeira experiência profissional foi na escola Turquesa, onde iniciou seus

trabalhos em 2010 e permanece até os dias atuais. Thales é o primeiro aluno com deficiência

com o qual teve contato. Arlete trabalha nesta escola desde 1998, sendo que desde 2009 é

professora do AEE. Não faz o atendimento direto a Thales, mas trabalha apoiando Eurides,

que é a professora responsável por seu acompanhamento, tanto nos atendimentos quanto na

elaboração de materiais. Eurides, que trabalha na escola Turquesa desde 2007, tem um filho

com autismo e, por possuir experiência com a deficiência como mãe, foi convidada por Arlete

e pela direção da escola para trabalhar no AEE, onde está desde 2012.

Bruno34

, 14 anos, estudo na escola Índigo desde os dois anos e meio, quando foi

diagnosticado autista. Tem certa dificuldade na linguagem e interage pouco com as pessoas ao

seu redor. Na escola, enquanto faz suas atividades, está sempre cantando. Adora cantar,

sempre músicas em inglês. É o mais novo de quatro irmãos, sendo os dois mais velhos frutos

do primeiro casamento do pai, residentes em outra cidade. Portanto, em casa são quatro

pessoas: o pai, a mãe, Demétria, Bruno e Átila, seu outro irmão. Demétria auxilia o marido

com a empresa da família de materiais para escritório; por se tratar de uma empresa particular,

a flexibilidade de horário permite que tenha mais tempo de dedicação aos filhos,

especialmente ao Bruno.

Aos nove anos, sua mãe o matriculou em uma escola particular a fim de experimentar

a inclusão e o convívio social com crianças sem deficiência. Essa experiência, porém, durou

apenas alguns meses. Na escola Índigo, Bruno é acompanhado pela professora Lurdes e por

uma auxiliar, voluntária da instituição. Lurdes trabalha na Índigo há dois anos e meio, mas

conhecia o trabalho desta instituição há bastante tempo, pois era o local onde seu esposo era

professor. Desta forma, por se identificar com o trabalho da instituição, na qual trabalhou

como voluntária por um tempo, quando passou no concurso estadual para professor, solicitou

que nela fosse lotada.

Todos estes atores escolares, os quais foram brevemente apresentados, contribuíram

diretamente para este estudo, em todo o seu decorrer.

Desta forma, nos inserimos no contexto do cotidiano escolar dos alunos, observando

diretamente como se constituem as relações escolares e identificando as contradições entre os

discursos e as práticas, o que foi primordial para a compreensão do processo de escolarização.

34

Nome inspirado no cantor internacional Bruno Mars.

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77

Por meio da observação participante, nos tornamos parte das relações escolares o que, tal

como pressupõem Lüdke e André (1986), possibilita uma aproximação da perspectiva dos

sujeitos e, portanto, um acesso a dados impossíveis de serem alcançados por meio de outras

técnicas.

Além da participação no cotidiano, esta experiência foi enriquecida com a

contribuição das mães e das professoras, especialmente por meio de entrevistas, as quais

foram extremamente importantes para que pudéssemos compreender o processo de

escolarização dos alunos com autismo pesquisados a partir de seu ponto de vista,

aprofundando-nos, assim, nas relações escolares.

Cinco entrevistas foram realizadas: uma com cada mãe e professora dos alunos,

incluindo uma com ambas as professoras da sala de recursos da escola de Thales. Os

encontros com as mães foram marcados de acordo com o local e horário de sua preferência e,

assim, a entrevista com a mãe de Thales foi feita na escola Turquesa, durante o horário de

atendimento no AEE, e a entrevista com a mãe de Bruno foi feita em sua casa. Já com as

professoras, as entrevistas foram realizadas conforme a sua disponibilidade, durante o tempo

que antecedia as aulas ou durante o intervalo entre aulas, para que as turmas e seu trabalho

não fossem prejudicados. Nenhuma das entrevistas seguiu um roteiro rígido delimitador,

sendo respeitado o curso da conversa, sendo elaborada apenas um roteiro norteador de

perguntas disparadoras que pudessem englobar os objetivos propostos (Apêndices C e D)35

.

No caso do aluno com autismo, pretendíamos incluí-los na participação das

entrevistas, a fim de que suas contribuições não fossem negligenciadas no decorrer do estudo.

Porém, infelizmente, isso não foi possível. Fizemos algumas tentativas com Bruno, e, por

mais que tentássemos encontrar meios alternativos de comunicação, as tentativas foram

frustradas. Recorremos à professora e, também, à mãe para mediar a tentativa, mas também

não foi conseguido uma devolutiva da parte de Bruno. Com Thales, o motivo foi por

incompatibilidade de horários e desencontros. Deste modo, a pesquisa não alcançou o

objetivo pretendido de contemplar as concepções dos alunos por meio de entrevistas devido

aos percalços do campo. Porém, vale salientar, que, apesar de ter havido o impasse na

realização da entrevista com os alunos, por meio da observação participante no cotidiano

escolar pudemos estabelecer uma relação com eles e verificar suas reações e dos outros atores

35

Os registros das entrevistas foram feitos por meio de gravação direta em áudio, para posterior transcrição. Para

fins de apresentação, foram feitas algumas alterações na textualidade das entrevistas prevendo a clareza das

ideias expostas pelos colaboradores e a maior facilidade na sua leitura, sendo eliminados, deste modo, vícios

de linguagem e alterados alguns aspectos de concordância, sem, porém, alterar o seu significado.

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escolares diante das diversas situações presentes na escola, adquirindo, também, ricas

vivências e informações a respeito de seu processo de escolarização.

Além disso, o acesso às pastas individuais dos alunos com relatórios e histórico

escolar também nos permitiu encontrar informações relevantes para a compreensão da

escolarização dos alunos, especialmente no que diz respeito à sua história.

3.3 Trilhando a análise

Como procedimento para a análise dos fatos vivenciados, buscamos elaborar

categorias descritivas que pudessem englobar as informações obtidas pelos diversos meios de

modo a estabelecer conexões entre os temas que emergiram durante esta experiência, tendo

em vista os objetivos propostos.

As informações foram agrupadas em quatro eixos de análise: 1) Retratos de uma

mesmice: sobre a vida escolar de Bruno; 2) Quanto “até uma vaga para colocar ele na escola é

difícil”: a história escolar de Thales; 3) Os métodos de ensino e o autismo como figura e

fundo e; 4) O que as escolas têm promovido aos adolescentes com autismo?

Para fins de análise, os fatos foram articulados à luz da Psicologia Histórico-Cultural,

que, como já discutido, entende o homem como produto e produtor das relações

historicamente construídas pela humanidade e propõe a compreensão de uma realidade

dinâmica, na qual os contextos históricos e culturais são fundamentais para sua constituição,

conforme defende Vygotski (VIGOTSKI, 1999; 2000; VYGOTSKI, 1997; 2000; 2001;

2006). Considerando a conjectura materialista histórico-dialética na qual se referencia a

proposição vigotskiana, nossa análise, a qual será apresentada a seguir, pretendeu

compreender o processo de escolarização valorizando a historicidade, as relações sociais, as

representações da realidade e o contexto em que estão inseridos os atores escolares, em uma

conjuntura multideterminada, interdependente e contraditória.

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4 O ADOLESCENTE COM AUTISMO E A SUA ESCOLARIZAÇÃO:

EXPLORANDO OS CAMINHOS PERCORRIDOS

Eu não sou difícil de ler

Faça sua parte

Eu sou daqui, não sou de Marte

Vem, cara, me repara

Não vê, tá na cara, sou porta-bandeira de mim

Só não se perca ao entrar

No meu infinito particular

Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown & Marisa Monte36

Nesta seção, nos dedicaremos à apresentação e análise dos fatos vivenciados durante o

percurso deste estudo, no que tange à escolarização do aluno adolescente com autismo.

Considerando os propósitos de nossa pesquisa e, diante de todos os percalços e dificuldades

que encontramos, talvez o mais intrigante tenha sido o fato de que não há, em Eldorado, um

levantamento confiável sobre os alunos matriculados com deficiência, como discutimos na

metodologia desta dissertação. Isto sugere certo grau de informalidade com o trato dos dados

em relação aos alunos matriculados na rede básica de ensino, uma vez que não se pode pensar

em ações e investimentos a um público sobre o qual se desconhece o perfil.

Deste modo, não dispusemos de informações necessárias a respeito do público com

autismo na rede de ensino de Eldorado, impossibilitando que tivéssemos um panorama da

educação para o autista nesta cidade, em especial o adolescente.

Diante do exposto, nosso propósito se segue com a descrição e análise dos métodos de

ensino das escolas dos alunos selecionados para este estudo, de modo a verificar como elas

têm proporcionado a eles o desenvolvimento de suas potencialidades.

Assim, organizamos esta seção de modo que, inicialmente, apresentemos a história de

vida escolar de cada um deles para que, posteriormente descrevamos os métodos de ensino

utilizados para a sua educação escolar e, por fim, analisemos como a escola tem promovido o

desenvolvimento das potencialidades desses jovens.

É importante que se ressalte que os fatos apresentados contemplam tanto as entrevistas

feitas com as mães e as professoras dos alunos, incluindo as conversas informais com elas e

com outros atores escolares, quanto as observações das situações presenciadas e vivenciadas

durante o período de inserção no cotidiano escolar dos alunos.

36

ANTUNES, A.; BROWN, C.; MONTE, M. Infinito Particular. Intérprete: Marisa Monte. In: Infinito

Particular. Rio de Janeiro: Phonomotor Records/EMI, 2006. Faixa 1.

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Adentraremos, a seguir, nas histórias e nos cotidianos escolares dos dois alunos,

Thales e Bruno, em busca da compreensão do processo de escolarização de cada um.

4.1 Retratos de uma mesmice: sobre a história da vida escolar de Bruno

Toda a vida escolar de Bruno foi vivenciada na escola Índigo, na qual está matriculado

desde os dois anos e meio, quando foi diagnosticado com autismo. Esta instituição de ensino

trabalha com o método TEACCH (Tratamento e Educação de Crianças com Autismo e

Déficits de Comunicação), que, como já apresentado, se trata de um sistema individualizado

de ensino que se baseia na organização do ambiente por meio de rotinas e sistemas de

trabalho, de modo a adaptá-lo às condições do autista e com vistas a torná-lo mais

compreensível para ele (LEÓN; OSÓRIO, 2011).

Por se tratar de um método individualizado de ensino no qual o planejamento é feito

com bases nas necessidades individuais do aluno, não há uma sistematização do conteúdo por

idade e/ou por série, e os avanços nos conteúdos dependerão exclusivamente do nível de

adaptação do aluno ao conteúdo anterior, identificados por meio do PEP-R (Perfil

Psicoeducacional Revisado), conforme León e Bosa (2005).

Deste modo, toda a prática pedagógica em relação à atividade educativa de Bruno está

pautada nas avaliações feitas por meio do PEP-R, as quais foram aplicadas ao longo de sua

permanência nesta instituição e nas quais foram identificadas as chamadas habilidades

emergentes - aquelas as quais ainda passaram pelo processo de acomodação.

Estas avaliações, porém, apesar de identificarem tais habilidades, não constam os

avanços em relação ao processo de escolarização, bem como os percursos de sua

aprendizagem ao longo de cada ano. Assim, as informações dependem de um sistema

avaliativo que não é necessariamente aplicado todos os anos e que tem um foco muito

específico em tais habilidades. Isto dificultou, de certa forma, o resgate da história escolar de

Bruno, aliado à rotatividade de professores e da equipe gestora desta instituição filantrópica.

Sabe-se que, ao longo de sua escolarização, a mãe de Bruno decidiu experimentar a

sua inclusão escolar, matriculando-o na escola Anil, uma escola de ensino regular de

Eldorado. Na época, Bruno estava com oito anos e frequentou a turma de quatro anos. Com

esta experiência, de acordo com Demétria:

Não estava interessada no fato de ele aprender as contas, fazer uma

equação, nada disso. Era mais para interação social mesmo. Porque

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é isso que mais atrapalha a vida deles. [...] Foi ótimo. Ele ia para o

lanche, interagia com as crianças, cantava parabéns, ele aprendeu a

bater palmas [...]. Mas, infelizmente, autismo e uma sala de aula... O

que eu via era que o Bruno atrapalhava a aula. Porque quando ele

chegava, as garotinhas, as crianças iam todas para cima dele,

abraçar. Não tinha aula! [risos] O dia em que ele ia para essa escola,

terça e quinta, praticamente não tinha aula. Não por ele bagunçar,

ele ficava quieto. Mas ele tirava a atenção das crianças.

Demétria definiu esta experiência como um fracasso, pois a presença de Bruno

prejudicava o andamento das aulas. Por outro lado, a professora de Bruno, Lurdes, identificou

o mesmo fracasso, já pelo motivo de que não houve, de fato, uma inclusão:

Ele até frequentou algumas aulas na escola Anil. Uma professora da

Índigo, que era professora dele e que fazia o mesmo acompanhamento

dele que fazia na Índigo, era paga pela mãe para fazer o

acompanhamento dele na Anil. Então eu não acredito que esta tenha

sido uma inclusão. Ele ia por quê? Porque ele tinha o

acompanhamento daquela professora que fazia o acompanhamento

dele durante a manhã. Ela ia à tarde, também, com ele. Então, não

pela escola aceitá-lo para fazer uma inclusão, mas tinha que ter o

apoio de uma professora, de um alguém com ele, para estar ali

auxiliando. Só que eu não sei por que ele saiu da Anil. Então, acho

que já foi tentado incluir ele na Anil. Pelo visto, a família viu que não

ia ter resultado.

Por meio do relato de Demétria, pode-se dizer que a presença de Bruno alterava todo o

cotidiano daquela turma. No entanto, como pode ser observado por meio de sua explanação, a

presença de Bruno era recorrente, que acontecia duas vezes durante a semana, ou seja, ele não

foi inserido como parte da turma, mesmo porque não houve oportunidade para que o fosse.

Ainda assim, identificou-se que a experiência de inclusão escolar a qual Bruno vivenciou o

levou a saltos qualitativos em seu desenvolvimento, alcançados graças às relações com os

pares.

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De acordo com o relatório da escola Anil que constava nos dados escolares de Bruno

da escola Índigo, ele era um aluno que, inicialmente, sempre saía de sala e não participava dos

momentos propostos. Porém, durante o processo em que permaneceu nessa instituição, passou

a participar de algumas atividades, criando, ao seu modo, laços afetivos com os colegas da

classe:

Respeita os colegas e gosta de interagir, dependendo da atividade –

principalmente as de movimento e expressão corporal. Está

começando a agir com autonomia na escola.

Demétria também percebeu mudanças qualitativas em seu desenvolvimento, definindo

esta experiência como:

[...] ótimo pela interação social. Nossa, ele se desenvolveu. Ele ia

para a fila, ele esperava. Porque antes, ele ia, vamos supor, para um

aniversário. Tinha um pula-pula para entrar, mas ele não queria

esperar na fila. Não tinha isso. Eu já ia logo falar com o pessoal lá e

ele tinha acesso livre. Então não era trabalhado a questão dos limites,

de esperar. E na escola ele foi aprendendo isso, convivendo com

outras crianças.

O próprio intuito de Demétria com a inclusão de Bruno na escola era exclusivamente

para o desenvolvimento de suas interações sociais. De fato, tal como postula Vygotski (1997),

a interação social é, sim, um meio de desenvolvimento do pensamento. Se pensarmos que o

desenvolvimento humano se dá por meio da dialética relação entre os planos inter e

intrapsicológicos, e que o fator essencial para a projeção a níveis cada vez mais elevados da

atividade psíquica é a mediação, não se pode negar que o convívio com os colegas de turma

impulsionou Bruno a novas formações psicológicas. Porém, este desenvolvimento se deu ao

nível da relação cotidiana, e o processo educativo da escola, o processo de formação dos

conceitos científicos, foi prejudicado, muito, pela descontinuidade das atividades a serem

trabalhadas com ele, já que estava presente apenas dois dias da semana, e, mais ainda, por não

haver, neste processo, a intenção de que fossem transmitidos a ele tais conceitos, uma vez que

estava em sala apenas para a interação com as crianças mais novas do que ele.

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Além disso, como explicitado por Lurdes, a mesma professora que o acompanhava na

escola Índigo pela manhã, o acompanhava durante as tardes na escola Anil. Apesar de não

haver informações suficientes sobre como se acontecia o processo de escolarização nesta

experiência de inclusão, há de se refletir a respeito do papel da professora que, em uma sala

de vinte alunos, contava com uma auxiliar e uma professora exclusiva para o Bruno. Não se

deve, neste contexto, desconsiderar o papel primordial de uma instituição de ensino, qual seja

a transmissão sistemática das formas de saber culturais da humanidade. De acordo com

Saviani (2011, p. 17), a escola só dispõe seu papel quando há a transmissão do saber

sistematizado. Para tanto, acrescenta, “é necessário viabilizar as condições de sua transmissão

e assimilação. Isso implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe

gradativamente do seu domínio ao seu não domínio”.

Neste sentido, Martins (2011) identifica a dificuldade que a educação infantil

enfrentou e ainda tem enfrentado na sistematização de conteúdos científicos, padecendo da

prática de conteúdos cotidianos nos segmentos do ensino. Assim, questiona-se a respeito de

como essa transmissão poderia ser passada para Bruno, considerando-se, ainda, o lugar social

que a condição de deficiência impõe nas relações escolares, que, tal como proposto por

Amaral (1995; 1998) tem sido reservado ao aluno com deficiência um lugar de incapacidade.

Deste modo, o aluno com autismo, por carregar sobre si a representação de ser incapaz de

interagir socialmente, torna-se, consequentemente, incapaz de se apropriar dos bens culturais,

uma vez que suas relações escolares se tornam prejudicadas por serem mediadas pela

deficiência, como discute Vigotski (1997).

Vale destacar o fato de que Bruno tinha oito anos quando foi inserido em uma turma

de quatro. De acordo com Demétria, apesar de a escola querer inseri-lo em uma turma

compatível com a sua idade, de acordo com o seu tamanho e “não pela mentalidade dele”,

deixaram-no escolher a sala em que gostaria de ficar – que foi a de crianças de quatro anos.

Com isso, ele era diferente para a turma de todas as maneiras possíveis, por ser autista, maior

e mais velho.

Não há como comparar a sua vivência com a de uma criança de quatro anos, mas é

desta forma como Bruno é percebido, uma vez que foi na crença em sua “mentalidade” que

foi aceita a sua escolha por esta turma. Tal conjuntura evidencia a tendência de nossa

sociedade em cristalizar a imagem infantilizada da pessoa com deficiência, como enfatiza

Januzzi (1992, p. 56-57):

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[...] se tem observado que existe uma “infantilização” do “deficiente”, tanto que é

comum encontrar-se em instituições escolares que trabalham com adolescente a

prática de cânticos, de atividades completamente em desacordo com os muitas vezes

robustos e desenvolvidos corpos. Isto também ocorre com as famílias, e desta forma,

embora de camadas sociais que necessariamente ingressam mais cedo no mercado

de trabalho, em relação aos “deficientes” há o prolongamento da infância.

Neste sentido, Vygotski (1997) critica o fato de as práticas educativas voltadas às

pessoas com deficiência segregarem e minimizarem o seu círculo social. Para ele, a educação

deve incluí-las em um meio social e possibilitar a compensação de suas especificidades. Para

tanto, seriam necessárias metodologias diferenciadas que impulsionassem o desenvolvimento

do pensamento abstrato.

A experiência de Bruno no ensino regular durou seis meses, quando passou a

frequentar apenas a escola Índigo, acompanhando as suas mudanças estruturais e pedagógicas.

Estruturalmente, a Índigo tem quatro salas de aulas e, durante muito tempo, o serviço

era oferecido de modo que as salas eram divididas de acordo com os eixos de trabalho: uma

sala para a mesa do professor, uma para formas e cores, uma para trabalho independente e

uma para habilidades motoras. Os alunos revezavam entre as salas, de acordo com as

atividades a eles estabelecidas.

A partir de 2012, esta estrutura foi modificada e as salas se tornaram turmas de, no

máximo, quatro alunos, nas quais uma única professora aplica os eixos de trabalho de acordo

com o planejamento individual. A distribuição dos alunos foi feita pela direção da Índigo, a

qual, segundo a professora Lurdes,

Foi vendo quais os alunos que podem estar em uma sala juntos, para

não ocorrer atrito, da crise de um afetar o outro. Então a distribuição

é feita mais ou menos neste sentido. Aqui [na sala de Bruno] nós temos

os alunos que são considerados mais leves, que tem o aprendizado

melhor.

Na sala de Bruno também estudam mais três alunos, os quais chamaremos por José,

Ricardo e Pedro, todos acompanhados pela professora Lurdes e por uma auxiliar, que é

voluntária. Eles foram agrupados na mesma turma por possuírem, mais ou menos, o mesmo

nível de aprendizagem e, principalmente, de acometimento do autismo. Assim, a partir da

organização da escola Índigo, identifica-se uma reestruturação com vistas à homogeneização

das classes e à facilitação da atuação do educador em sala de aula.

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É importante que se ressalte a delicada condição das auxiliares nas salas de aulas.

Trata-se de voluntárias, normalmente parentes dos alunos, as quais participam ativamente da

prática educativa sem, no entanto, haver uma capacitação para que o faça de modo científico.

Ao mesmo tempo em que interfere na prática educativa, não há, em seu trabalho, uma

sistematização que vise o planejamento pedagógico. Ainda, vale dizer, é uma presença que

pode, a qualquer momento, se ausentar, deixando de participar do cotidiano escolar da

instituição e que nada se poderia fazer a respeito, uma vez que o trabalho é voluntário. Seu

papel desmascara, deste modo, as facetas da organização de uma instituição formada e

dirigidas por pais.

De acordo com D’Antino (1988), esse tipo de instituição são determinadas por uma

estrutura muito próxima à familiar, e, tal como postulado por Bleger (2003, p. 55, grifo do

autor), neste tipo de formação há:

[...] um déficit na diferenciação e identidade de seus membros; seu molde é do grupo

familiar, que se continua na instituição como um grupo de pertença forte, mas como

um grupo de tarefa muito débil, que se vê constantemente comprometido por

situações conflituosas fortemente emocionais.

Deste modo, conforme aponta D’Antino (1988, p. 50), estas instituições se tornam

entidades familiares nas quais sua própria organização se espelham na representação da

deficiência, e sua função social “[...] percorre caminhos que parecem mais próximos de tornar

distante o deficiente da comunidade em que vive pela forma segregada de funcionamento

institucional do que efetivamente o de inseri-lo no espaço social”.

Na escola Índigo, a família dos jovens convive cotidianamente com eles, dentro e fora

da instituição. Estão diretamente envolvidas com os alunos em uma relação que pode levá-los

a comportamentos de dependência, uma vez que são constantemente infantilizados. De acordo

com Vygotski (2006), a chegada da adolescência pressupõe uma modificação da participação

social da criança, mudando o lugar em que ela ocupa na sua vida cotidiana ao se envolver em

atividades que não sejam mais de caráter infantil. Nesta perspectiva, verifica-se que, a partir

do momento em que os alunos da escola Índigo não são percebidos como adolescentes, não

lhes são oportunizadas tarefas que impulsionem o avanço de seus processos intelectuais. As

relações necessárias ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores nos alunos dão

lugar à estruturação de atividades mecânicas, artificiais e repetitivas.

Existe, ainda, uma identificação de parentesco com os profissionais que nelas atuam e,

deste modo, é necessário que se questione sobre a atuação da professora em sala de aula, uma

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vez que tem servido como instrumento de manipulação do ambiente, sem, no entanto,

participar efetivamente do processo de mediação do conhecimento elaborado.

Segundo os defensores do TEACCH (LEON; BOSA, 2005; MARQUES; MELLO,

2005; LEON; OSÓRIO, 2011), o professor é entendido como um mediador, que irá organizar

o ambiente de acordo com o perfil do aluno e da proposta de estruturação rígida e sistemática,

e orientá-lo em relação à atividade que fará e por quanto tempo a fará, dando dicas quando

necessário, caso o aluno tenha dificuldades em terminar determinada atividade.

Nesta chamada mediação, diferente do conceito atribuído pela Psicologia Histórico-

Cultural, o professor aplica uma tarefa a um aluno, conduzindo a sua mão para a efetivação da

atividade. É feito um contínuo direcionamento da ação do aluno até que este se demonstre

capaz de realizar sozinho a atividade proposta, porém, sempre com o uso de recursos visuais.

Assim, a prática do professor nesta metodologia se torna vazia de significado, uma vez que

atua como um modelador de comportamento. Desta forma, se caracteriza o que Facci (2003)

identificou como esvaziamento do trabalho docente, uma vez que ocorre a desvalorização de

seus conhecimentos e do conteúdo que transmite aos alunos, o qual é desvinculado da prática

social.

Vygotski (1997) defende a valorização das relações de colaboração entre o professor e

seus alunos e do seu papel como responsável pela sistematização dos conteúdos de modo que

proporcione nos alunos a apropriação dos saberes escolares. Destaca, ainda, a importância das

relações de cooperação entre os colegas para o desenvolvimento de suas aprendizagens. Neste

sentido, da mesma forma como explicitamos em relação à inclusão escolar de Bruno, na

escola Índigo, os alunos com o autismo dito mais leve poderiam contribuir para o

desenvolvimento daqueles mais acometidos pelo autismo, uma vez que pode impulsionar o

processo de compensação, tal como proposto por Vygotski (1997). Porém, a própria estrutura

metodológica desta instituição não permite que isto aconteça, uma vez que o foco está no

ensino individualizado e, desta maneira, a troca de experiências e a valorização do aluno e da

sua cultura tendem a serem desvalorizadas no processo pedagógico.

A história escolar de Bruno, por ter todo o seu percurso desenvolvido na escola Índigo,

acabou se tornando uma repetição da mesmice, se tornando enjoativo para ele, segundo a sua

mãe. Mesmo tendo-o mudado de turno (em 2013 passou a estudar à tarde), ele ainda tem se

mostrado insatisfeito:

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O Bruno está em uma fase – ele tem catorze anos - que ele já passou

por tudo ali dentro [da Índigo]. Então, para ele, já está defasado

(Demétria).

De acordo com Vygotski (1997), a Educação Especial oferece ao aluno um

conhecimento pronto, por meio de atividades simplificadas e repetitivas que não o impulsiona

a situações desafiadoras de aprendizagem e que dificultam o seu processo de humanização.

Identifica-se que Bruno está inserido neste tipo de atividade educativa, o que se contrapõe

com o que ele anseia e com aquilo que é esperado para um jovem adolescente. Demétria

afirma, porém, que não há, na cidade de Eldorado, uma opção que seja mais apropriada para

seu filho:

O Bruno está em uma fase que para ele lá está enjoativo, ele quer

coisas novas. E colocar ele em outra escola, pois já fui a várias,

também, e eles não estão preparados para receber, algumas escolas

particulares daqui. Não deu certo porque eles não têm profissionais

para receber ele lá. Como mãe, eu acredito que eles também não vão

prestar atenção nele. Por exemplo, se vai ter uma aula de História,

ele vai sentar lá, só ficar sentado, mas ele não vai absorver nada

daquilo ali.

Observa-se que o próprio aluno se encontra em uma postura de cansaço da mesma

rotina, algo que a escola poderia aproveitar para impulsioná-lo a novas apropriações, ao

desenvolvimento de novos significados a respeito do mundo que o cerca. Porém, paira sobre

ele um estigma que o incapacita de alcançar tais possibilidades, sendo que sua própria mãe

não acredita em sua capacidade de se apropriar do conteúdo acadêmico. Ainda que pense em

matriculá-lo em uma escola regular, Demétria não intenta que o seja para a apropriação do

conhecimento, mas apenas para a interação social. Deste modo, Bruno permanece no

marasmo da educação especial, sobre a qual Vygotski (1997, p. 55) aponta como uma prática

educativa que:

[...] tem sido debilitada pelas tendências à comiseração e à filantropia, envenenada

pela morbidez e pela debilidade. Nossa educação é insossa, não toca no vital do

aluno, lhe falta sal. Necessitamos de ideias audaciosas e fortalecedoras. Nosso ideal

não é rodear de algodão o ponto débil e protegê-lo dos machucados, mas abrir o

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mais amplo dos caminhos à superação do defeito, à sua supercompensação. Para isso

necessitamos assimilar a orientação social destes processos.

Mesmo que a inclusão em uma escola regular seja uma possibilidade, de acordo com a

mãe de Bruno, não há uma que tenha estrutura para receber um aluno com autismo. Pelo

menos foi esse o posicionamento das escolas pelas quais passou com o intuito de matriculá-lo:

Eu acho que procurei em cinco escolas particulares em Eldorado e

nenhuma recebeu ele. [...] o Átila, o irmão dele, estava em uma

escola que tinha um pátio enorme e verde. E sempre que eu levava o

Bruno ele gostava muito. Fui conversar com a diretora, mas ela foi

sincera e falou que não tinha professores capacitados para receber

crianças com autismo. Lá, eles não têm nenhum aluno com autismo.

Em meio a 450 crianças que estão no período da manhã, não tem

nenhum. E eles não têm professor capacitado (Demétria).

As escolas públicas não são uma opção para eles, pois julgam que, se na escola

particular não há uma estrutura, tampouco haveria na escola pública, cujas mazelas alcançam

a todos os alunos, o que se diria a um autista. Segundo Demétria:

Olha, eu tenho até medo de pensar em matricular o Bruno em uma

escola do estado. [...] Não tem estrutura nem para os jovens! Eu

prefiro contratar uma psicopedagoga para trabalhar o Bruno aqui

em casa. Eu já estou pensando nessa hipótese agora, trabalhar com

ele em casa mesmo, com profissionais. Em casa, do que levar, já que

aqui em Eldorado não tem muita estrutura.

As mazelas estruturais das escolas públicas são provenientes do caráter da escola na

sociedade capitalista, que tem sido um instrumento de reprodução das relações de produção,

na qual se identifica a reprodução da dominação e da exploração, o que tem impossibilitado

que os alunos advindos das classes populares tenham acesso ao saber, como postulado por

Saviani (2008). Neste sentido, Facci (2003) descreve as bases filosóficas das práticas

pedagógicas da teoria do Professor Reflexivo e do Construtivismo, as quais são diretamente

relacionadas à manutenção do status quo social capitalista. Na teoria do Professor Reflexivo

existe a compreensão de que os professores precisam refletir sobre o ato de ensinar, havendo,

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portanto, uma secundarização do ensino dos conteúdos científicos como se a reflexão sobre

suas experiências em sala bastassem. Na teoria do Construtivismo, existe a concepção de que

a realidade é construída em nível individual e que o aluno deve dirigir o seu ensino, sendo

agente de seu próprio conhecimento. Tais perspectivas, segundo a autora, direcionam à

manutenção das relações de classe, não permitindo que o professor e o aluno se desenvolvam

plenamente, uma vez que são impossibilitados de se apropriarem dos conhecimentos mais

elaborados e gerando uma desvalorização do papel da escola como transmissora da cultura

humana.

A escola perdeu seu valor de tal modo, que Demétria prefere contratar um

psicopedagogo, profissional que no Brasil é formado em cursos de especializações com viés

clínico, como discutido por Tada, Sápia e Lima (2010), o que pode contribuir para o foco nas

atividades que privilegiam as funções psicológicas elementares em detrimento das superiores.

Além disso, contratar este profissional para atender seu filho em casa, sem considerar a

importância do processo educativo para seu desenvolvimento, pode contribuir para reduzir

suas oportunidades interativas, desconsiderando-se que para Vygotsky (2000) toda a função

psicológica superior, a princípio, é social, ou seja, interpsíquica, para, depois, surgir no plano

psicológico, intrapsíquico. Ainda, observa-se em sua fala o foco na condição de deficiência de

Bruno, pois, da mesma maneira como a escola não tem estrutura para autistas, ele não tem

condições para acompanhar uma turma em uma escola regular; nega-se a Bruno, desta forma,

as possibilidades para que se desenvolva, crença essa historicamente construída com relação

aos alunos com deficiência (JANUZZI,1992; VYGOSTKY, 1997).

Foi neste contexto, o qual tentamos apresentar aqui, que nos inserimos no cotidiano

escolar de Bruno, cuja família busca, com dificuldades, por melhores possibilidades de

escolarização em Eldorado. Assim permanecem na escola Índigo, onde ainda é percebido de

forma infantilizada, desconsiderando sua condição de adolescente, cujo conforto de sua mãe

se encontra no fato de que “ainda bem que ele está indo feliz, ainda”. Porém, vale ressaltar,

felicidade não quer dizer que Bruno está apropriando-se do conhecimento construído pela

humanidade, aqui parece ter um sentido de alienação, de ele estar preso à sua condição de

autista em uma sociedade que ainda não sabe lidar com a diversidade humana, apesar dos

esforços solitários de sua mãe.

4.2 - Quando “até uma vaga para colocar ele na escola é difícil”: a história escolar de

Thales

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Como o título deste item indica, Thales teve uma vida escolar difícil, caracterizada, em

parte, por rejeições e, mesmo, negligência, até a sua inserção na Escola Turquesa. Seus

primeiros anos de escolarização foram de uma verdadeira luta para a sua mãe, sempre em

busca, minimamente, de um lugar em que ele pudesse estudar.

Começou a estudar aos cinco anos, quando ainda não se sabia que era autista. Na

escola, sua mãe passou a perceber que ele tinha alguma dificuldade, em relação a outras

crianças:

Eu já observava e via que ele tinha mais dificuldade do que os outros,

de falar, em tudo.

Selena sempre procurava acompanhar os estudos de Thales, seja chegando mais cedo e

observando as classes ou conversando com os professores. E o que percebia era que, de

alguma forma, seu filho era, muitas vezes ignorado pelos colegas e pelos professores,

caracterizando uma difícil situação de exclusão:

Eu chegava lá na escola e ele estava lá de canto [...] Eu chegava mais

cedo e ficava observando. Os professores nunca ligaram para ele.

Verifica-se, por meio do relato de Selena, o caráter homogeneizador da escola de

Thales, comum na maioria das escolas brasileiras. Por mais que se trate de um discurso

defasado, na prática escolar, há ainda a valorização de um único perfil de aluno que parte do

pressuposto de que todos os alunos de uma mesma turma possuem características semelhantes

entre si em termos de aprendizagem e de desenvolvimento. Assim, se desenvolve uma única

maneira de ensinar e Thales, ao não se encaixar no modelo de aluno ideal, foi excluído do

processo de aprendizagem, enquadrando-se na configuração da anormalidade, diferente do

padrão esperado.

De acordo com Bueno (1997) esta perspectiva de homogeneidade se acopla nos

parâmetros da sociedade capitalista moderna, que priva pela produtividade. Portanto, como

exigência da sociedade, que necessita de homogeneidade em todos os seus segmentos, não há

na escola espaço para o aluno que apresente um comportamento diferente do normatizado.

Ressalta-se que Thales ainda não tinha o laudo médico, apenas a percepção das professoras de

que ele não correspondia ao padrão esperado, deixando-o de lado, sem atividades e sem

interação com seus colegas de sala. Excluído.

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Por esta época, Thales sofreu uma convulsão, quando foi hospitalizado por alguns

dias. Devido a este acontecimento, foi submetido a um acompanhamento com neurologista,

quando foi indicado que ele teria algum tipo de deficiência:

Um [médico] falava uma coisa, um falava que ele tinha a mente de

criança, assim, mais nova que ele. Eu passei por muitos médicos até

conseguir o diagnóstico dele. O diagnóstico dele de autismo foi com

sete anos. Então, quem eu achei que deu o diagnóstico correto foi

esse médico, que até hoje cuida dele (Selena).

Como já discutido anteriormente, o diagnóstico do autismo tem sido uma questão

bastante polêmica, devido à subjetividade na qual está inserido. Como pode ser percebido

pelo discurso de Selena, muitos foram os diagnósticos aos quais Thales foi enquadrado e,

após passar por vários médicos, o autismo foi aquele o qual ela própria considerou o correto.

Em relação a esse diagnóstico, especificamente, sabe-se que foi alcançado meramente por

meio da constatação de comportamentos característicos do autismo em uma consulta clínica:

Ele [atual neurologista do Thales] que foi me falando: “Mãe, ele é

assim, assim, assim...”. Quando eu cheguei com ele, foi falando como

é que ele era. “Ele faz assim?”. Eu disse “é”. Aí eu fui pesquisar

também (Selena).

Sem intenções, aqui, de questionar o diagnóstico de Thales, vale refletir sobre o

estrondoso crescimento do número de casos de autismo e sua relação com a capacitação

médica e/ou com a sua identificação arbitrária e indiscriminada. Existe uma fragilidade no

processo de construção do diagnóstico de autismo, uma vez que advém de uma avaliação

subjetiva baseada em manuais norteadores com fundamentação científica questionável, como

já discutido anteriormente.

Segundo Guarido (2007, p. 151), tais manuais “[...] tentam fundamentar o

funcionamento psíquico em bases orgânicas [...]” estando diretamente relacionados ao “[...]

grande desenvolvimento dos psicofármacos, frutos de maciços investimentos financeiros”.

Neste sentido, Quinet (2002, p. 39) acrescenta que “os manuais de diagnósticos são

deliberadamente a-teóricos”, o que torna questionável que a maioria dos psiquiatras do mundo

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partilhe de uma prática de diagnóstico “[...] baseada no consenso estatístico de termos

relativos a transtornos que, por conseguinte, devem ser eliminados com medicamentos [...]”.

A perspectiva biologizante dos aspectos da vida tem afetado a própria percepção do

autismo, em uma tendência de concebê-lo como uma condição bioquímica ou biológica, como

percebido em estudos mais recentes (SCHWARTZMAN, 2011).

Com o diagnóstico concluído e o laudo médico em mãos, restava à Selena a busca de

tratamentos para o seu filho e de um acompanhamento escolar adequado. Em busca do

acolhimento da escola de Thales à época, o retorno que recebeu não foi nada animador. Após

apresentar o diagnóstico à escola não houve qualquer mudança na situação de seu filho e, ao

final do ano, foi chamada pela direção:

[...] a diretora me chamou, no final do ano, e disse que ele não tinha

condições de ele estudar lá, que a escola não tinha estrutura. [...] No

final do ano eles não querem ter trabalho, na realidade.

Ao negar a rematrícula de Thales, a escola nega-lhe um direito garantido pela

legislação brasileira: de acesso e permanência de pessoas com deficiência na escola. A

inclusão escolar trata de uma revisão de paradigma das práticas educativas, na qual a visão

segregadora venha a ser superada por uma perspectiva de respeito e igualdade. Conforme

discute Aranha (2004, p. 7), a escola inclusiva torna-se um espaço de construção da cidadania,

promovendo o respeito às diferenças e impulsionando ações que reconheçam os direitos das

pessoas como seres humanos. Portanto, “suas especificidades não devem ser elemento para a

construção de desigualdades, discriminações ou exclusões, mas sim, devem ser norteadoras de

políticas afirmativas de respeito à diversidade, voltadas para a construção de contextos sociais

inclusivos”.

Neste sentido, o conceito de escola inclusiva supõe um modo de compreender a

deficiência (e, de modo mais amplo, as diferenças) como um meio de transformação do

ambiente escolar, que leve qualidade de educação a todos, sem nenhum tipo de exclusão

(BARROCO; SOUZA, 2012) e, na prática, a inclusão leva à escola uma série de questões

problemáticas, no que se refere à tomada de decisões concretas sobre o atendimento oferecido

a esses alunos, tais como currículo, capacitação, barreiras físicas e atitudinais, recursos

materiais, e, inclusive, organização das turmas, tal como aponta Carvalho (2006).

Diante disto, porém, o amparo às pessoas com deficiência não contempla a garantia

total de acesso e permanência desse público na rede regular de ensino, especificamente, como

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se pode constatar por meio de análise do artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB): “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade

de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos

portadores de necessidade especiais” (BRASIL, 1996, grifo nosso).

As leis e decretos brasileiros que tratam da educação e, sobretudo, da educação

especial, optam por enunciar o direito a um atendimento às pessoas com deficiência

“preferencialmente” na rede regular de ensino, silenciando, deste modo, um discurso que

poderia contemplar o atendimento a todos. O que se identifica é que o uso do termo

“preferencialmente” tende a funcionar como uma brecha para a não inclusão. Neste sentido,

de acordo com Bueno (2005), a própria ênfase no termo “inclusão” dada aos documentos

oficiais brasileiros se baseia em uma perspectiva de manutenção das desigualdades sociais,

uma vez que, no discurso, a inclusão é sempre um porvir, e a sociedade jamais incorporaria a

todos, pois sempre seria inclusiva.

Legitimando este posicionamento, a própria LDB, ainda no artigo 58, inciso 2º, aponta

que: “O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados,

sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua

integração nas classes comuns de ensino regular” (BRASIL, 1996, grifo nosso), tornando

clara a possibilidade de que não haja inclusão, o que dependeria das “condições específicas

dos alunos”.

De modo implícito, tal posicionamento pressupõe a impossibilidade de inclusão

escolar devido apenas à condição do aluno, à sua própria “capacidade”, ou não, de integração.

Desconsidera, pois, quaisquer outras influências externas a esse alunado, atribuindo apenas a

ele a possibilidade, ou não, de ter o direito de uma matrícula em uma escola regular.

Diante disto, vem à tona o questionamento sobre quais seriam as “condições

específicas do aluno” que não permitiriam a sua inclusão no ensino regular.

As legislações, de fato, não especificam tais condições, deixando uma interpretação

muito ampla e subjetiva, que atinge diretamente nos direcionamentos das práticas educativas.

Ainda, como já discutido anteriormente, as ações governamentais, no que tange à educação

especial, têm privilegiado o público com deficiência visual, auditiva e das altas habilidades.

Assim, implicitamente, as pessoas com deficiência intelectual e com autismo, por se tratarem

de condições mais complexas, tendem a serem desprivilegiadas no processo de inclusão

escolar, dentro de um contraditório discurso de deficiências mais, ou menos, “integráveis”,

considerando “[...] que determinadas ‘categorias’ de necessidades educativas especiais

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possam ser incluídas, enquanto outras não” (BUENO, 1999. p. 10) e reforçando a prática a

qual Thales vivenciou desde o início de sua escolarização.

Após negarem a Selena a rematrícula de Thales, com o diagnóstico do autismo em

mãos, foi travado por ela uma verdadeira luta pela escolarização de seu filho. A cada ano

Thales estudou em uma escola diferente, pois sempre, ao final do ano letivo, as escolas lhe

negavam a rematrícula pela mesma justificativa de não terem estrutura adequada para ele.

Muitas foram as escolas que lhe negaram a matrícula:

Fui em todas as escolas, fui nas escolas especiais [...]Eu fui a outras

escolas e, aonde eu ia, não tinha vaga, ninguém queria aceitar,

porque diz que toma a vaga de cinco crianças.

Atendo-se à justificativa das escolas para negarem a matrícula de Thales, apoiadas no

discurso de que ele “toma a vaga de cinco crianças.”, verifica-se, no que trata da organização

das salas, que não existe legislação específica, a nível nacional, que preveja regras sobre o

tamanho das turmas. De acordo com a LDB, no artigo 25: “Será objetivo permanente das

autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a

carga horária e as condições materiais do estabelecimento” (BRASIL, 1998).

Já na cartilha: “Projeto Escola Viva – garantindo o acesso e permanência de todos os

alunos na escola” prevê uma adaptação (dita de grande porte) das escolas para a inclusão do

aluno com deficiência no que diz respeito ao número máximo de aluno que uma sala de aula

deve comportar:

Levantamentos informais em nossa realidade têm mostrado que o número de 25

crianças (sendo destes, um máximo de 2 alunos com deficiência) é o ideal, em

termos de viabilizar uma administração competente da classe inclusiva. Entretanto,

um número de até 30 crianças permite um bom trabalho de ensino, respeitado o

número máximo de 2 (dois) alunos com deficiência, na sala. Mais do que isso

inviabiliza o acompanhamento individual que o ensino responsável requer

(BRASIL, 2000, grifo do autor).

Em Rondônia existe uma previsão de organização de turmas com alunos com

deficiência incluídos, cujo número de estudantes deveria ser reduzido, evitando-se a inserção

daqueles com diferentes deficiências (RONDÔNIA, 2012b). Não há, no entanto, qualquer

definição ou determinação da lógica de uma vaga de aluno com deficiência equivaler a cinco

de alunos sem qualquer deficiência, a qual foi encontrada por Selena nas escolas.

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Ainda assim esta é uma prática que tem sido exercida nas escolas de Eldorado. De

acordo com as professoras do AEE que acompanham Thales na escola Turquesa, a sua turma,

que comportaria 30 alunos, por ter um aluno com deficiência incluído, deve ter, no máximo,

26. Caso tivesse mais um aluno com deficiência, poderia ter, no máximo, 22 alunos, e assim

por diante. Essa lógica interfere não apenas na organização das salas de aula, mas em toda a

organização escolar - questões as quais discutiremos posteriormente -, além de, como

observado na história escolar de Thales, servir como justificativa para a não aceitação de

alunos com deficiência.

Assim, o autismo de Thales passou a ser um empecilho para o seu próprio processo de

escolarização. Como se não bastassem as dificuldades da sua própria condição, as escolas as

quais sua mãe pleiteou uma vaga mostraram-se muito resistentes em cumprir o seu direito

básico, que é o de estudar:

A dificuldade sempre é a mesma nas escolas. A mesma, não, piorou.

Porque até então [antes do diagnóstico], na turma, ele era uma

criança normal, vamos dizer assim. Normal, só que mais bobinho.

Depois que eu tive o diagnóstico, piorou, não querem mais aceitar.

(Selena)

Assim, em 2011, após tantas negativas de diversas escolas públicas de Eldorado,

acabou perdendo um ano de escolarização, ficando sem estudar até que sua mãe conseguisse

matriculá-lo na Escola Turquesa. No momento em que começamos a acompanhá-lo, ele já

estava nesta escola pelo segundo ano consecutivo. Deste modo, pode-se dizer que a história

escolar de Thales foi marcada por muitas dificuldades de acesso e de aceitação e na qual o

diagnóstico de autismo (e o consequente estereótipo de deficiência), chegando ao ponto de se

tornar um empecilho em seu processo de escolarização, até o nosso contato com o seu

cotidiano escolar.

Neste sentido, Bueno (1997) afirma que os alunos com deficiência se encontram em

uma contraditória situação de oferta à escolarização concomitante à segregação, uma vez que

permanecem isolados daqueles considerados normais. Acrescenta, ainda, que a maioria dos

problemas das crianças com deficiência se encontra no próprio processo pedagógico e que,

portanto, se tornam necessárias mudanças urgentes para que a democratização da escola

ocorra de fato e, que todos os alunos, independentemente de sua normalidade ou deficiência,

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possam se apropriar do saber escolar, tornarem-se criativos e transformadores da natureza e

de si próprios humanizando-se, como postulado por Vygotski e Luria (1996).

Com Thales ocorreu o isolamento logo no início de sua vida escolar, inicialmente por

se apresentar de alguma forma diferente de seus amigos com cinco anos de idade e, depois,

em virtude do preconceito social com relação às pessoas acometidas pelo autismo, condição

ainda cercada de crenças que necessitam ser revistas e que começou a receber atenção recente

em termos de educação, segundo Rivière (2004).

Assim se caracterizam os contextos das realidades escolares de Bruno e de Thales, nas

quais nos inserimos momentaneamente, sendo o nosso ponto de chegada em suas histórias

escolares e o nosso ponto de partida rumo à compreensão do processo de escolarização do

qual fazem parte e estão inseridos. Nos aprofundaremos, a seguir, nas metodologias utilizadas

por cada escola para o ensino destes dois alunos.

4.3 Os métodos de ensino e o autismo como figura e fundo

O modo como as práticas escolares se desenvolvem influenciam diretamente no modo

como ocorrerá a apropriação do conhecimento de seus alunos. Entender como as escolas

Turquesa e Índigo operacionam seus métodos de ensino aos alunos adolescentes com autismo

é essencial para a compreensão de todo o processo de escolarização desses alunos.

Apresentaremos como têm se direcionado as práticas pedagógicas de ambas as escolas, para

que seja possibilitada posterior análise de como a escola tem proporcionado ao aluno

adolescente com autismo o desenvolvimento de suas potencialidades.

4.3.1 O ensino individualizado da escola Índigo

O cotidiano escolar de Bruno é todo estruturado com base no programa TEACCH,

com a definição de rotinas e atividades por meio das avaliações feitas pelo PEP-R, que

identifica o chamado perfil de habilidades, o qual levaria à maior compreensão tanto do

desenvolvimento quanto do comportamento típicos do autismo, entre as quais citamos a

coordenação motora, imitação, linguagem e afetividade.

Ele chega à escola e, tão logo, inicia as chamadas mesas de atividades, que são dez

tipos de atividades (mesa 1, mesa 2, e assim por diante) que contemplam a montagem de

quebra-cabeças, jogos de formação de palavras, jogos motores (inserção de pinos e alinhavo

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com barbante), entre outros. Na medida em que termina uma, o aluno se direciona ao armário,

guarda-a e inicia uma nova atividade.

Algumas vezes, antes ou depois do intervalo, Bruno se exercita em uma das bicicletas

ergométricas que ficam no pátio da escola. O lanche é feito em área externa da escola e,

posteriormente, os alunos costumam sentar-se em um canteiro de um dos muros da escola e

permanecem até que o intervalo termine sem que, de fato, interajam entre si, ou brinquem ao

ar livre, quando retornam às salas e retomam suas atividades. Todos os dias, cerca de vinte

minutos antes do término das aulas, os alunos, cada um com um professor ou voluntário,

caminham nas ruas em torno da escola, e, por duas vezes na semana, todos vão a um clube

próximo à escola para praticar natação, exceto nos dias em que chove. Assim se estrutura a

rotina de Bruno, que somente é alterada em casos excepcionais.

A importância dada à estruturação da rotina pelo programa TEACCH se justifica pelo

fato de haver a crença de que por meio dela o aluno autista encontra estabilidade em seu

comportamento, propiciando a aprendizagem gradual dos modos de comportamento

apropriados (LEON; BOSA, 2005). De acordo com Leon e Osório (2011, p. 265, grifo nosso),

este modelo está baseado na concepção de que o crescimento é sinônimo de desenvolvimento

e, deste modo, acredita-se que:

[...] a criança nasce com um sistema nervoso complexo que reflete a imensidão de

seu passado evolucionário, incorporando, dessa forma, os potenciais de

desenvolvimento. A partir disso, os bilhões de neurônios se organizarão e

mediarão o perfil comportamental de cada criança pelo resto de sua vida.

Considerando esses fatores inatos, Gesell postula o seguinte: primeiro, que cada

indivíduo se desenvolve de acordo com um padrão único de desenvolvimento e,

segundo, que esse padrão é uma variação de um plano básico que é mais ou menos

característico da espécie humana.

Tal perspectiva se ancora no conceito de maturação, e, neste sentido, os traços de

comportamento constituiriam a chave para a avaliação do nível de maturidade.

Vygotski (1997; 2000; 2001) contrapõe esse posicionamento, defendendo o caráter

social do desenvolvimento. Os fenômenos psíquicos se desenvolvem, portanto, por meio das

relações socialmente mediadas, sendo uma parte de um todo maior, o da vida social, e não de

um processo inato, comum a todas as pessoas. Sob a perspectiva da Psicologia Histórico-

Cultural, o desenvolvimento e a aprendizagem são atrelados à vida social do homem, que é

justamente o que impulsiona estes dois processos, em uma relação dialética.

Por ser impulsora do processo de aprendizagem a relação social é imprescindível para

o desenvolvimento humano. Neste caso, a situação do autista, sobre quem recai uma

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representação social de que resiste à interação e ao contato visual (APA, 1995; MELLO,

2007), se torna bastante delicada, uma vez que as relações não são estimuladas justamente

pelo fato de haver esse tipo de representação. Não há, no cotidiano de Bruno, qualquer

resquício de instigação à sua interação com os pares. Mesmo no circuito diário, onde cada

aluno percorre as ruas ao redor da escola junto a um dos professores ou auxiliares voluntários,

não há comunicação entre eles durante a caminhada.

Como já discutido anteriormente, para Vygotski (1997) a condição de deficiência é

incapacitante não pelos déficits que dela são provenientes, mas pelo seu significado ante a

sociedade e a organização social. No caso dos autistas, por ser uma condição caracterizada

como persistente e permanente, as próprias práticas educativas a eles voltadas se estruturam

no estigma de que nada, ou quase nada, pode ser feito por eles (ORRÚ, 2012), focando

meramente na diminuição dos comportamentos inadequados, em prol da aquisição máxima de

comportamentos que os levem mais próximo à independência (BASTOS, 2005).

Como já dito, é por meio do PEP-R que se registram as aprendizagens acomodadas e

as aprendizagens emergentes para que sejam feitos os planejamentos pedagógicos (LEON;

OSÓRIO, 2011). Na escola Índigo, o curso de sua evolução educativa se baseia unicamente

na identificação ou não das formas de comportamentos apontadas por este instrumento

avaliativo sem haver, no entanto, uma reflexão sobre a evolução do aluno ou mesmo uma

consideração sobre as potencialidades do aluno observadas nas próprias relações escolares.

Tal conjuntura propicia um quadro de remissão do processo educativo, tal como observado no

posicionamento de Lurdes, professora de Bruno, quando afirma que, pelo fato de não ter

acompanhado a aplicação do PEP-R, não tem como avaliar a sua evolução escolar:

Não cheguei a acompanhar o PEP-R dele. Mesmo porque já fazia

alguns anos, eu acredito, que ele não fazia o PEP-R. Foi fazer no

início do ano. Então eu vou ter contato com o PEP-R dele agora, no

final do ano, para estar modificando todas as atividades dele. Então

eu não posso dizer o que evoluiu, do PEP-R de antes e o de hoje.

Como observado em sua fala, a adequação das atividades ocorrem mediante a

aplicação de um novo teste, uma nova avaliação no aluno. Como não participou da aplicação

do PEP-R no início de 2013, por estar de licença maternidade na época, Lurdes não participou

do planejamento das atividades de Bruno com base nos dados coletados no teste e, quando

assumiu a turma, deu continuidade às atividades propostas pela professora que o aplicara.

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Assim Lurdes identificou que, apesar de Bruno ser bastante tranquilo, tem apresentado

resistência a algumas atividades, especialmente no que trata da apostila didática que foi

inserida por meio da avaliação do PEP-R. De acordo com ela,

[...] foi comprado pelos pais o Caderno do Futuro37

de Português,

Matemática, História e Geografia do 2º ano38

porque foi o que

apresentou no PEP-R dele. Só que ele apresentou resistência na

questão da escrita, no Caderno do Futuro. O Caderno do Futuro do

segundo ano é separação de sílabas, soma, coisas normais de

qualquer segundo ano das escolas, e é o que nós tentamos colocar nas

atividades dele.

A resistência que a professora cita é o fato de Bruno não fazer as atividades com

independência, querendo apenas copiá-las. Por isso, Lurdes tem considerado revisar a

continuidade do trabalho com essas apostilas. As atividades as quais Bruno não tem

apresentado resistência alguma são aquelas as quais faz automaticamente, principalmente as

atividades concretas:

[...] as atividades mais concretas dele, no momento tem atividade do

quebra-cabeça, que ele desenvolve super bem, tem a atividade de

formar palavras, que ele também desenvolve super bem. De números,

também, ele desenvolve bem. A questão de família, de reconhecer,

frutas, reconhecer animais, reconhecer a família ele também

desenvolve bem. Essas são as atividades que ele está desenvolvendo

no momento. Com a relação da escrita, ele não está utilizando muito

o Caderno do Futuro, mas às vezes ele aceita, às vezes não.

Vygotski (2001) defende a importância da zona de desenvolvimento próximo para o

desenvolvimento da atividade intelectual dos alunos, preconizando uma educação que não se

limite àquilo que são capazes de fazerem sozinhos. Sendo o fundamento primordial da escola

ensinar o novo ao seu aluno, a zona de desenvolvimento próximo representará o campo das

37

Caderno do Futuro é uma coleção de livros didáticos da Editora IBEP que contempla conteúdos de Língua

Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia do Ensino Fundamental. 38

Do Ensino Fundamental.

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mudanças acessíveis à criança. Neste sentido, vale salientar o lugar do professor na

identificação da zona de desenvolvimento próximo, no qual poderá orientar o aprendizado do

aluno de modo que o aprendizado gere desenvolvimento (FACCI, 2003).

No caso das aprendizagens as quais Bruno faz de modo independente, Saviani (2011)

postula que a prática de uma atividade que finde no seu automatismo não pode ser definido,

por si só, como um problema da atividade e da criatividade. Defende que, muito pelo

contrário, a prática de uma atividade, até a sua fixação, seu domínio, leva a pessoa à

libertação, uma vez que será incorporado à sua atividade, sendo a mesma defendida por

Vygotski (2001), quando trata das zonas de desenvolvimento atual e próximo. No entanto,

vale salientar, esta prática deve ser provida de significado, senão, de fato, perde sua

finalidade, pois se torna mecânica e seus conteúdos se tornam vazios de significado. O

automatismo, a prática de uma atividade pedagógica é, sim, válida, apenas quando exige

concentração até que sejam fixados para então serem exercidos automaticamente. Neste

sentido, deve-se questionar o processo de apropriação, de domínio de conteúdo, das atividades

as quais Bruno faz com independência.

Como exemplificação cita-se o fato de saber ler sem, porém, dominar o significado de

sua leitura; sem compreender, de fato, o que lê:

Ele lê, pode compreender a figura, de mostrar uma figura e ele saber

o que é aquela figura, porque está sendo trabalhado. No caso, coloca

a figura de uma cobra e ele fala cobra, uma figura de um peixe e ele

fala peixe. Mas, acredito, que a compreensão da frase ele não faz. Ele

lê, mas compreender mesmo, não.

A fixação dos conteúdos tem sido feita por meio da associação: uma imagem de uma

cobra é relacionada à palavra cobra, sem, porém, haver neste processo a apropriação de seu

significado. De acordo com Vygotski (2001, p. 398), “a palavra desprovida de significado não

é palavra, é um som vazio”. Desde as primeiras relações vivenciadas pela criança, são

formadas as bases para a significação do mundo que a cerca, ancorando o desenvolvimento

dos processos de aquisição da linguagem e da escrita. Porém, antes do desenvolvimento da

linguagem escrita, a criança passa por uma série de simbolismos de primeira ordem, que se

manifestam nos gestos, nas brincadeiras, nos desenhos e na fala. É no domínio deste

complexo sistema de signos que são fornecidos novos instrumentos de pensamento,

representando um novo e considerável salto no desenvolvimento da pessoa.

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No caso de Bruno, no entanto, no processo educativo, não tem havido a apropriação

do significado, uma vez que as atividades são mecânicas, repetitivas e fundamentadas no

PEP-R. Desta forma, a própria resistência à escrita por parte de Bruno pode sinalizar que falta

a ele a apropriação do conhecimento primeiro, do significado da palavra. Neste sentido,

Leontiev (2004, p. 351), considerando o esquema geral das operações do pensamento, na qual

somente após a orientação e a ajuda direta de um adulto a criança aprende a executar uma

tarefa sozinha e fazê-la de modo cada vez mais teórico e complexo, defende que, diante de

uma dificuldade para resolver os problemas escolares, é preciso “[...] não fazê-los [estudantes]

avançar, mas, pelo contrário, fazê-los regressar à etapa inicial das operações exteriores

desenvolvidas, “desenrolar” corretamente estas operações e transportá-las para o plano verbal

[...]”.

Porém, o que se tem observado na educação escolar de Bruno é que, tal como postula

Vygotski (1997, p. 150):

A escola especial segue a linha da menor resistência, acomodando-se e adaptando-se

ao atraso da criança: a criança atrasada chega a dominar com enormes dificuldades o

pensamento abstrato, por isso a escola exclui de seu material tudo o que demanda

esforço do pensamento abstrato, e funda o ensino no método visual-direto e no

concreto.

Estas práticas pedagógicas são centradas na deficiência do aluno e têm foco em

atividades sensório-motoras, na aprendizagem de atividades da vida diária e na repetição de

tarefas descontextualizadas, dificultando, tal como afirma Vygotski (1997, p. 151) uma

concepção científica de mundo a este aluno, quando seu papel seria, justamente, o de

desenvolver por todos os meios possíveis a sua capacidade de abstração do pensamento. Neste

sentido, o autor acrescenta, ainda que:

O objetivo da escola, no fim das contas, não consiste em adaptar-se ao defeito, mas

em superá-lo. A criança atrasada necessita mais do que a criança normal que a

escola desenvolva nele os rudimentos do pensamento, posto que, abandonado à sua

própria sorte, não pode ter sucesso em dominá-lo.

As atividades propostas para Bruno estão defasadas, algo que ele mesmo tem sentido -

como já exposto anteriormente por sua mãe. Os jogos de palavras, jogos de memória, quebra-

cabeças e tantas outras atividades sensório-motoras, não contribuem para que ele compreenda

o mundo que o cerca, pois nenhuma destas atividades tem apresentado um caráter mediativo e

emancipatório. Neste sentido, Vygotski (1997, p. 185) aponta que a educação aos alunos com

ou sem deficiência deve estar voltada à transmissão dos conceitos científicos. No caso dos

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alunos com deficiência, deve criar “[…] uma técnica artificial, um sistema especial de signos

e símbolos culturais adaptados às particularidades da organização psicofisiológica da criança

anormal”. Assim, o professor deve buscar uma prática que leve o aluno com deficiência à

emancipação, sendo alcançado pela cooperação sistemática entre professor e aluno,

juntamente com outros adultos e colegas mais experientes que interajam com ele. Na escola

Índigo, porém, as relações entre os pares são praticamente inexistentes e as atividades em

grupo não possuem um foco educativo.

De acordo com a professora Lurdes:

O que posso dizer das atividades em grupo, são todos juntos, ou que

cantam uma música, ou na espera de alguma atividade, na festa de

família, também, é feito para tentar trazer o convívio dos alunos.

Festa das crianças nós temos também. Então, são coisas que são

feitas para tentar estimular essa questão da interação social entre

eles. Mas é muito difícil, porque é mesmo típico do autismo.

Ainda que os alunos estejam juntos, as atividades não focam no conjunto, na

cooperação entre os pares e este tipo de postura adotado pela escola Índigo, na qual as

atividades de colaboração entre os colegas não são estimuladas, é justificada, em parte, pela

própria representação de isolamento e de fixação às rotinas dada aos autistas. Essa

representação é fruto do conhecimento produzido na área do autismo que elenca as

características das pessoas com autismo de maneira taxativa e limitante à condição da

deficiência como: repertório de atividades e interesses restritos, dificuldades na interação

social (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004); prejuízo na comunicação verbal e não verbal,

(APA, 1995); comunicação incomum e incompreensível (BOSA, 2002), entre outros.

Desconsidera-se assim o indivíduo, as possibilidades de identificar outras formas de

comunicação e de interação não tradicionais, mas que possibilitem caminhos possíveis para a

apropriação dos significados dos signos culturais (PADILHA, 2007).

Já tratamos, neste estudo, sobre as representações que permeiam as pessoas com

autismo, para as quais é delegado o estereótipo de incapacidade de interação social. Pautadas

neste estereótipo, muitas práticas educativas desconsideram a constituição social dos alunos

autistas, impossibilitando-os de desenvolverem as funções psicológicas superiores. Não há

oportunização das relações colaborativas entre os alunos, como pode ser percebido na fala da

professora Lurdes:

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Cada um senta na sua mesa e faz a atividade. O único momento que

eles têm [juntos] é quando termina o lanche. Às vezes nós fazemos

uma habilidade social que, antigamente, era todos os dias, hoje a

gente coloca uma, duas vezes na semana. Trabalha-se a questão do

nome, no quadro, trabalha-se a questão do dia da semana, do nome

dos colegas. Mas não é todo dia que é feito, não. Mesmo porque tem

alunos que não aceitam.

Neste sentido, ao falar do cotidiano de Bruno, Demétria acrescenta:

Lá na escola dele, que é a Índigo, eles não interagem entre eles, não.

Eles não conversam, não brincam, nem nada. É cada um por si, cada

um sozinho. Ele chega, ele vai para trabalhar na pasta dele, ele faz as

atividades. Cada um tem uma.

Segundo Vygotski (1997, p. 219), no curso normal do desenvolvimento surgem

diretamente relacionadas com o desenvolvimento da atividade coletiva. Na condição de

deficiência é afetado e obstaculizado o desenvolvimento da comunicação coletiva, da

colaboração e da interação da pessoa com aquelas que a rodeiam, o que determina o

desenvolvimento incompleto das funções psíquicas superiores. Isto porque “[…] as formas

coletivas de colaboração precedem as formas individuais da conduta, que crescem sobre a

base das mesmas e constituem suas progenitoras diretas e as fontes de sua origem”. Assim, a

colaboração entre os pares se torna imprescindível para o desenvolvimento da atividade

intelectual e para o próprio processo de escolarização.

Deste modo, podemos afirmar que os processos superiores do pensamento surgem no

processo de desenvolvimento social, promovido pelas formas de colaboração do aluno autista

com o meio que o circunda. No caso de Bruno, as formas coletivas de práticas pedagógicas

poderiam proporcionar a aparição das funções psicológicas superiores, porém, o que tem se

observado, na realidade, é que a escola, pelo método TEACCH, de tradição behaviorista,

criado em 1964 (MARQUES; MELLO, 2005; LEON; OSÓRIO, 2011), tem lhe reservado um

lugar de isolamento no processo de aprendizagem. Vale dizer que este é o método presente na

maioria das instituições especiais que lidam com pessoas com autismo.

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4.3.2 A escola Turquesa na sala de aula e no AEE

Como já apresentado, Thales chegou à escola Turquesa em 2012, quando finalmente

conseguiu uma vaga para poder estudar. Nesta época tinha 12 anos, sendo então matriculado

no segundo ano do Ensino Fundamental. No ano seguinte, já no terceiro ano, teve o

acompanhamento da professora Cleonice e das professoras do AEE, Eurides e Arlete, com

quem tivemos contato direto em seu processo de escolarização.

De acordo com Arlete, que o acolheu quando entrou na escola, Thales, nesta época:

Ele chegou tímido, não falava. Ele pouco interagia com a gente.

Pouco respondia aos estímulos que a gente procurava dar para ele.

O trabalho feito pela equipe do AEE focava, inicialmente, o conhecimento de Thales

para o posterior planejamento de propostas de ação, cujo curso, segundo Arlete:

E no ano passado, todas as crianças especiais, principalmente o

autista, primeiro a gente tem que conhecer para ver a partir de que

ponto a gente vai seguir. Então ano passado, vamos dizer assim, que

foi o ano de conhecer o aluno. Um ano de poder estar envolvendo ele

com os outros alunos. E nesse ano que a gente partiu para a parte

pedagógica mesmo.

Conhecer o aluno concreto, suas habilidades, sua forma de comunicação possibilita

estruturar ações pedagógicas que contribuam para o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores, com o professor mediando o saber científico que não está ainda

formado no aluno, como defende Vigostki (2001). Assim, a educação escolar poderá auxiliar

o adolescente autista a ampliar a sua consciência em relação aos conceitos criados pela

humanidade adquirindo o domínio sob os processos naturais de desenvolvimento

(LEONTIEV, 2004).

Por outro lado, a fala acima da professora Arlete pode indicar que o atendimento

pedagógico que Thales recebeu em seu primeiro ano de escolarização na escola Turquesa não

contemplou ações práticas que promovessem a sua aprendizagem, com foco meramente na

identificação de seu perfil. Talvez essa demora em conhecer o aluno com deficiência e a

oferta do AEE esteja relacionado ao número reduzido de professores especializados em

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educação especial, o que pode contribuir para um processo de inclusão escolar de fachada

como discute Bueno (2008) quando a elaboração de políticas educacionais destoa da realidade

escolar. Esta prática parece ser recorrente, como observado na fala da professora Arlete ao

relatar o caso de outro aluno, que tinha síndrome de Angelman39

e que havia sido

acompanhado em 2011:

Ele tinha sete anos e foi o primeiro aluno mais ou menos parecido

com o autista que a gente recebeu. A gente começou a se organizar

depois do meio do ano, conhecer o aluno [...] Quando a gente

conseguiu se organizar, conhecer o aluno para o ano dois mil e doze,

atender ele com tudo que ele necessitava, a mãe tirou ele da escola.

De acordo com as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional

Especializado na Educação Básica (BRASIL, 2009), o AEE é um serviço da Educação

Especial com a função de identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de

acessibilidade que eliminem as barreiras, tanto físicas quanto atitudinais, para a plena

participação do aluno, considerando as suas especificidades. Neste sentido, Barroco (2011)

defende que o atendimento educacional do professor da sala de recursos multifuncionais deve

ser fomentado e instrumentalizado de modo que promova o desenvolvimento de formas de

raciocínio e de elaboração conceitual voluntário e consciente no aluno. Isto permite que ele

seja conduzido à apropriação da cultura humana, modificando qualitativamente suas

operações cognitivas. Trata-se, portanto, de uma sistematização do conteúdo, considerando o

currículo, o projeto político pedagógico da escola, os recursos e as especificidades do aluno.

Na escola Turquesa, no entanto, verifica-se que, um prolongamento do processo de

avaliação e de planejamento, até que se chegue à sua execução. Se pensarmos no caso do

aluno acima citado, por exemplo, verifica-se que, até que o AEE começasse a se organizar, já

havia se passado metade de um ano, findando no não cumprimento dos objetivos deste

acompanhamento, gerando a sua saída da escola por sua mãe considerar que não conseguira

se adaptar, como se houvesse um insucesso escolar do aluno.

Em relação a Thales, durante todo o ano de 2012 foi sendo conhecido, como afirmou a

professora Arlete. Iniciou o atendimento na sala de recursos multifuncionais e foi

39

De acordo com a Associação Síndrome de Angelman, trata-se de “[...] um distúrbio neurológico que causa

retardo mental, alterações do comportamento e algumas características físicas distintas”, tais como atraso na

aquisição motora (sentar, andar etc.), ausência da fala, falta de atenção e hiperatividade, andar desequilibrado,

natureza afetiva e risos frequentes, dentre outros sintomas. Disponível em: <http://angelman.org.br/>

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encaminhado pela professora para participar de uma atividade em clube paraolímpico de

Eldorado. Devido às convergências dos horários das aulas esportivas e de atendimentos

terapêuticos com o atendimento do AEE, ele deixou de frequentar o AEE.

Neste sentido, recorremos à Saviani (2011, p. 15) quando este defende a importância

de a escola enfatizar os saberes escolares em contraposição da crescente ênfase em atividades

extracurriculares. Apesar de não se tratar especificamente do currículo escolar, a ênfase dada

à atividade esportiva ante o acompanhamento pedagógico pelas próprias professoras do AEE

demonstra uma secundarização daquilo que é principal: a apropriação do saber científico. Ao

estimular uma prática esportiva no lugar da prática pedagógica, renega-se a Thales a

oportunidade de ampliação de seu conhecimento e de desenvolvimento de sua atividade

intelectual, demonstrando que “[...] se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto é, a

transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado”. Somente em 2013 foi retomado

o acompanhamento de Thales no AEE, em meados de agosto, quando da nossa inserção em

seu cotidiano escolar.

Em relação às atividades em sala de aula, de acordo com a professora Cleonice, são

feitas de modo que:

Em cima do conteúdo planejado eu vou lá na sala de recursos, falo o

que estou trabalhando, e as meninas de lá veem alguma coisa. Sempre

tem o mesmo conteúdo que você está trabalhando com os outros

alunos, ditos normais. [...] É na forma de pintura, de desenho, de

recorte. Dessa forma, com ele, que é a forma mais lúdica. Tem que

ser a forma mais lúdica para ele, para chamar mais atenção, porque

como ele ainda não está alfabetizado, não tem como eu passar uma

atividade no quadro e pedir para ele copiar, pois aquilo ali vai estar

como uma ilusão. Então tem que passar para ele o conteúdo de uma

forma que ele entenda, que chame a sua atenção, que seja prazerosa.

E é sempre dessa forma: a parceria da sala com a sala de recursos.

A parceria com as professoras da sala de recursos acontece de modo que, no início da

manhã, ou após repassar alguma atividade ou explicação para a turma, a professora Cleonice

se direciona à sala de recursos para verificar a disponibilidade de uma atividade para Thales.

Ao contrário do que afirmam as professoras, verifica-se que não há, no entanto, um

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planejamento das ações pedagógicas para Thales, o que pode ser verificado no discurso de

Arlete:

Assim que ela [professora Cleonice] chega na escola, ela vem direto

aqui: “Olha, o Thales veio. Quero isso, isso e esse material”, e leva

para a sala dela. Ou então ela já fala assim: “Amanhã eu vou

trabalhar tal coisa, então vocês separam para mim, já me dá...”, e a

gente pesquisa atividade para ele. É assim, tem essa parceria.

De acordo com orientações do Ministério da Educação (BRASIL, 2010), o trabalho

com os alunos com as chamadas necessidades especiais requer a efetivação da articulação

entre os professores da sala de recursos e os da sala de aula comum. Porém, na prática

educativa da escola Turquesa não há qualquer previsão desta articulação em prol do aluno, e

as atividades tendem a se destoarem entre si.

Segundo a professora Cleonice, Thales tem se desenvolvido muito, demonstrando

interesse na realização das atividades que focam:

Eu tenho trabalhado com ele assim, a questão é que ele gosta muito

de bichos. [...] Então, a gente está desenvolvendo, desenvolvendo não,

pesquisando o alfabeto dos bichos. Dessa forma que vai chamar a

atenção dele para aprender as letras. Porque, ainda hoje, ele

confunde muito os números com as letras. Então, para trabalhar essa

parte com o Thales, vamos chamar a atenção para quê? Para o lado

dos animais, dos bichos que ele gosta. O alfabeto com o Thales é a

letra “a” com um bichinho, um animalzinho que comece com a letra

“a”. Para ele poder o quê? Memorizar, aprender, para que chame a

atenção dele. O “b” teria que ser o quê? Um boi. Porque o Thales é

apaixonado por boi. Apaixonado mesmo.

Já na sala de recursos, segundo a professora Eurides, que é quem o acompanha, afirma

que o foco de suas atividades não tem sido na questão da letra em si, mas na questão da

identidade, propondo atividades de mobilidade e atenção (jogos lúdicos), o ensino das cores,

jogos da memória e escrita do nome:

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[...] agora eu estou trabalhando a identidade, a questão do nome dele,

para ele se identificar com o aquele nome [...] Identidade acerca do

nome dele. O que tem na casa do Thales, para quê que serve aquilo, a

compreensão do ambiente da casa dele e daqui da escola também. O

processo escolar mais fácil, de identificar a família. Mas então eu

pedi para ele fazer essa atividade para ter alguma resposta para

saber como é que ele se sente na família, para depois a gente entrar

com o processo da leitura e escrita. Porque eu acredito que ele está

caminhando bem, mas ele ainda falta muito às aulas. Então, ainda

não está muito na hora de eu focar nas questões de aprendizagem.

Não existe, portanto, uma articulação entre as professoras e o trabalho educativo se

torna, assim, fragmentado. Ainda, existe uma dissonância de algumas práticas com o

propósito primo da escola, que é a transmissão do conhecimento científico. Se, por um lado,

tem havido uma percepção, por parte da professora, de inserir a transmissão do alfabeto por

meio de um material diferenciado e atrativo a Thales, por outro, o trabalho do AEE tem

priorizado “o processo escolar mais fácil”, como afirma a professora Eurides, com foco em

questões familiares, sem identificar suas potencialidades. O foco de atividades em busca de

“[...] alguma resposta para saber como é que ele se sente na família”, como declarou Eurides,

leva à distorção do papel da escola que, neste caso, tem ares de uma escola especial.

Como aponta D’Antino (1998), as instituições especiais tendem a adquirirem uma

forma de organização com fins filantrópicos, baseados em laços afetivos e emocionais. Neste

sentido, funcionários e pais deste tipo de instituição, trabalham de modo a constituir e

estabelecer esta identidade, não permitindo, muitas vezes, que haja uma modificação da

conduta da pessoa com deficiência, estimulando-a a permanecer em uma condição de

dependência.

Da mesma forma, identifica-se que na postura de Eurides há um teor emotivo, uma vez

que seu próprio filho é autista. Parece haver uma representação de que todos os autistas sejam

iguais e tenham as mesmas necessidades e, deste modo, de que as atividades devam ser

direcionadas nesta perspectiva de homogeneidade; de que as necessidades de Thales sejam as

mesmas necessidades de seu filho.

Com foco em atividades com teor infantilizado, que primem a identificação dos

familiares, dos objetos e de si mesmo, não é estimulado o desenvolvimento das

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potencialidades de Thales, e a prática pedagógica perde seu significado, qual seja, como

defende Saviani (2011), a transmissão do saber escolar.

Desta forma, tal como preconizado por Vygotski (1997) em relação à escola especial,

o acompanhamento pedagógico da escola Turquesa tem seguido a linha da menor resistência,

com foco no método visual-direto e no concreto, adaptando-se à deficiência do seu aluno,

quando deveria transmitir a ele conhecimentos cada vez mais ricos e desenvolvidos. O papel

do professor, neste sentido, se constitui como mediador dos conteúdos já elaborados pelos

homens aos seus alunos, fazendo movimentar suas funções psicológicas superiores (FACCI,

2003), prática que não vem ocorrendo na escola Turquesa.

Pelo fato de Thales não ser alfabetizado, sua expressão escrita tem caráter bem

rudimentar, e qualquer atividade que realize de forma independente faz apenas bolinhas:

Ele faz muita bolinha. Ele pega o livro, e começa a fazer bolinha

como se estivesse escrevendo (Cleonice).

De acordo com a professora Eurides, Thales tem uma fixação nas bolinhas, e tudo o

que identifica, representa com bolinhas.

Se você quer tirar alguma coisa dele, você tem que pedir para ele

desenhar. Mas ele só faz bolinha. [...] se eu falar do gato, tem que

mostrar o gato. Porque se eu pedir para ele desenhar, ele vai

desenhar a bolinha que aquilo ali significa o gato.

Em outro momento, acrescenta:

É como se ele dissesse isso para mim: “Faz isso para mim”. Porque

às vezes ele pede se ele tem a compreensão que aquilo que ele está

fazendo não está saindo do jeito que ele vê por aí. Porque ele vê

muita imagem, ele tem muita informação. Então ele está vendo que

aquelas bolinhas não significam um desenho, não significam coisa

alguma. Ele sabe disso.

Verifica-se que o desenho de bolinhas é o meio que Thales encontrou para expressar

as suas representações. Existe uma compreensão, sim, da atividade proposta. O que lhe falta é

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que lhe sejam transmitidos meios mais elaborados para que alcance uma forma de

representação dos objetos que sejam compreendidos pelos outros. A bolinha representa o

gato, e este é o primeiro passo para a apropriação de seu significado de forma conceitual,

quando passa de uma ação sinalizadora para uma ação significativa, tal como postula

Vygotski (2001).

Não se pode dizer, portanto, que as bolinhas que Thales faz não têm nenhum

significado; elas claramente representam algo. Em atividades direcionadas, por exemplo,

quando feitas com a colaboração da professora, Thales consegue realizá-las de modo

satisfatório, com pouco uso de bolinhas. Ainda que as tenha, é porque ainda não se apropriou

da forma socialmente correta de representar o objeto do qual trata a correspondente atividade.

Para tanto, é necessário a sistematização do saber escolar, para que este seja transmitido de

forma que ele adquira o seu domínio, como propõe Vygotski (1997; 2001).

Neste sentido, segundo Vygotski (2001, p. 184, grifo nosso):

O desenvolvimento do conceito científico de caráter social se produz nas condições

do processo de instrução que constitui uma forma singular de cooperação

sistemática do pedagogo com a criança. Durante o desenvolvimento desta

cooperação, as funções psíquicas superiores amadurecem com a ajuda e a

participação do adulto. [...] [Assim] o pensamento científico da criança avança até

alcançar um determinado nível de voluntariedade, nível que é produto das condições

do ensino.

Torna-se essencial a presença do professor para identificar e desenvolver as

potencialidades deste aluno, com recursos cada vez mais elaborados sem que permaneça,

portanto, ao nível daquilo que o aluno sabe realizar sozinho, ao nível da zona de

desenvolvimento atual.

Vale destacar que algumas atividades de escritas passadas para Thales no AEE foram

elaboradas de forma que a letra “h” de seu nome era suprimida. Desta forma, identifica-se

uma grande lacuna no processo de transmissão do ensino, de modo que o próprio nome do

aluno lhe é transmitido erroneamente e, assim, destaca-se novamente o papel do professor

como mediador do conhecimento elaborado para o aluno, cujo desenvolvimento depende da

instrução sistematizada e para que isso ocorra é necessário um conhecimento mínimo das

potencialidades do aluno e dele próprio, como defendem Facci (2003); Martins (2011) e

Vigotski (1997). Neste sentido, de acordo com Facci (2003, p. 183), o professor deveria ser

aquele que domina os conhecimentos que o aluno não tem para transmiti-los a ele, devendo,

portanto “[...] ter autoridade profissional e produzir, de forma deliberada, a aprendizagem

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como resultado do ensino”. O ensino da escrita do nome de forma errada pode gerar danos

futuros a Thales na apropriação de outros conhecimentos.

Ressalta-se, neste momento, uma das atribuições do professor do AEE é:

Elaborar, executar e avaliar o Plano de AEE do aluno, contemplando: a identificação

das habilidades e necessidades educacionais específicas dos alunos; a definição e a

organização das estratégias, serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade; o

tipo de atendimento conforme as necessidades educacionais específicas dos alunos;

o cronograma do atendimento e a carga horária, individual ou em pequenos grupos;

(BRASIL, 2010).

Parece não haver, na escola Turquesa, uma sistematização do trabalho e um

planejamento com base nas estratégias propostas a Thales. De fato, as atividades parecem ter

sido elaboradas sob a representação que se tem da condição do autismo, e não a partir das

especificidades de Thales.

Já na sala de aula comum, a professora Cleonice, nos dias em que acompanhávamos a

turma, pouco permanecia em sala. Enquanto se ausentava, encaminhava aos alunos algum tipo

de atividade as quais uns poucos realizavam e outros tantos ignoravam, fazendo deste tempo

um momento de brincadeira. Thales saía constantemente da sala à sua procura ou permanecia

quieto em sua carteira.

Se o ensino, segundo Vygotski (2001, p. 195) “[...] constitui durante a idade escolar

um fator decisivo, determinante de todo o destino do desenvolvimento intelectual da criança,

incluindo de seus conceitos”, o professor, sendo mediador do conhecimento elaborado, do

saber escolar, é participante ativo no processo de desenvolvimento das funções psicológicas

superiores de seus alunos. Deixá-los à mercê em nada contribui para este processo de

colaboração, que se torna vazio e superficial, e romper com este vazio implica que o professor

busque desenvolver métodos de ensino que sirvam “de base para a formação de um

verdadeiro desenvolvimento mental” de seus alunos, como analisa Facci (2003, p. 179) e, para

tanto, necessita estar em sala de aula e conhecer seus alunos em termos de potencialidades.

As ausências da professora findaram por permitir minha aproximação com Thales. Em

uma das vezes em que estávamos em sala com a turma sem a presença da professora, ele se

aproximou e começou a mostrar as suas atividades.

Thales é um rapaz bastante cuidadoso com os seus materiais. Tem um forte apego com

a sua mochila e não deixa ninguém se aproximar dela. Em seu caderno, havia poucas

atividades, algumas do início do ano, e outras, em maior quantidade, a partir de agosto. Havia

também algumas atividades em papéis soltos em sua mochila. Tem muito orgulho de suas

atividades e fazia questão de, em meio à gritaria que pairava na sala, descrever cada uma

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delas. A maioria trata de pinturas, de identificação de animais, de atividades da vida diária e

de montagens do corpo humano. Poucas estavam corrigidas e a maioria incompleta.

O interesse de Thales estava em descrever as atividades as quais sabia que fizera com

sucesso, sem o uso das bolinhas. Naquelas cobertas de bolinhas, ele não permanecia e passava

para a exposição da próxima. Pode-se identificar as capacidades de Thales para a

compreensão de cada atividade que elaborou e a motivação que tem em realizá-las. Existe

nele uma grande vontade em acompanhar a turma e realizar tarefas, tal como identificou a

professora Cleonice:

De uns dias para cá, eu tenho percebido assim: eu passo uma

atividade no quadro, coloco a página do livro, e ele observa os

colegas abrindo o livro em tal página. Ele pega o dele, e ele pega o

livro certinho; não pega qualquer livro. Se for Português, ele pega o

de Português. É sinal que ele observa, não é? Ele observa o livro do

colega e vê o que ele tem, e ele pega o mesmo, e abre naquela mesma

página. E começa a fazer bolinha. Bolinha, bolinha, bolinha,

bolinha...

Apesar de seu esforço, o que se percebe é que na maior parte do tempo Thales fica à

espreita durante as aulas, sem qualquer acompanhamento ou parceria de seus colegas. Não só

ele, mas a maioria dos alunos.

Neste sentido, é necessário que se considere o papel do professor no trato com uma

turma heterogênea. Este terceiro ano da escola Turquesa tem alunos de idades variadas e de

níveis de conhecimento também variados:

Enquanto uns estão bem lá na frente, que sabem ler, que sabem

escrever bem, que sabem produzir, tem uns que estão lá atrás, que

não são nem alfabetizados, ainda. Então é aluno especial, é aluno que

não está alfabetizado, é aluno que já está bem lá na frente: “Tia,

passa outra atividade. Quero mais.” “Tia, isso aqui está muito fácil”,

e faz em tempo recorde. E daí? Tem que ter três professores, um pra

cada nível (Cleonice).

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Não há, de um lado, um apoio à professora, que tem que dar conta de transmitir um

conhecimento a essa diversidade de alunos e, por outro lado, não há um tato de sua parte para

o desenvolvimento das potencialidades de seus alunos, talvez por falta de uma formação

continuada (MARTINS, 2011), ou por uma desvalorização de seu saber docente (FACCI,

2003).

Considerando a diversidade, caráter ideológico das escolas e da sociedade inclusiva, é

necessário que se tenha em mente que o salto no desenvolvimento, rumo à formação de

conceitos é alcançado por meio da direção fornecida pelo professor e, neste sentido “[...] a

criança pode fazer sempre mais e resolver tarefas mais difíceis em colaboração, sob a direção

de alguém e com sua ajuda, do que atuando por si mesma” (VYGOTSKI, 2001, p. 239). Desta

forma, a colaboração entre os pares já seria propulsora de uma mudança no desenvolvimento

não só de Thales, mas de toda a turma.

É necessário que se destaque o fato de que, desde a sua inserção na escola Turquesa,

Thales tem acompanhado a mesma turma, passando por média em todas as disciplinas. O

critério de avaliação ao aluno com deficiência se dá a partir do preenchimento de um

relatório, cujo objetivo é registrar os “[...] comportamentos e habilidades observados durante

as atividades individuais, servindo como base para ponderamento de médias bimestrais no

decorrer do ano letivo [...]”. Neste relatório são analisados sete aspectos: I) Intelectual; II)

Emocional; III) Social; IV) Linguagem; V) Psicomotor; VI) Lógicos e matemáticos e; VII)

Atividades diárias.

Durante nossa inserção no cotidiano escolar, no segundo semestre do ano, este

relatório ainda não havia sido preenchido pela professora Cleonice, que alegou sequer saber

como preenchê-lo, uma vez que, segundo ela, Thales faltou tanto às aulas que não é possível

definir o seu desenvolvimento escolar. Quando questionamos as professoras do AEE a

respeito do critério de avaliação do desempenho escolar de Thales, elas afirmaram que,

independentemente da evolução acadêmica do aluno, a tendência é passá-lo de ano, uma vez

que é necessário que se mantenha apenas um aluno com deficiência por sala já que paira na

organização escolar uma lógica de que a matrícula de um aluno com deficiência equivale a

cinco vagas de alunos normais. Isto alteraria toda a organização escolar, afetando na

distribuição dos alunos nas salas de aula e, principalmente, na oferta de vagas da escola.

As professoras justificam, ainda, que é mais viável que Thales esteja junto com a

turma que iniciou, uma vez que uma mudança geraria um novo processo de adaptação que

emanaria um trabalho de integração por parte das professoras, tanto do AEE quando da sala

comum. Neste sentido, conforme aponta Freitas (2004, p. 20), o destino dos alunos, para o

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sucesso ou para o fracasso, é tratado pelos professores conforme os juízos de valor que vão

fazendo deles, de modo puramente informal. Assim, “as estratégias de trabalho do professor

em sala de aula ficam permeadas por tais juízos e determinam, consciente ou

inconscientemente, o investimento que o professor fará neste ou naquele aluno”.

Identifica-se, ainda, um caráter de funcionamento da escola com vistas nos números de

matrícula, sem, no entanto, primar pela qualidade do ensino, tal como aponta Bueno (2001). A

escola perde o seu sentido de transmissão do saber escolar, para cumprir o mero papel de

atendimento às exigências das legislações que tratam da educação inclusiva. A escola

Turquesa aceitou o desafio de matricular Thales, ao contrário de todas as outras que lhe

negaram o direito de estudar. Porém, ainda falta desempenhar seu papel básico, que é o

desenvolvimento, em seus alunos, do conhecimento acadêmico.

Por meio do exposto, pode-se concluir que Thales, em seu processo de escolarização,

tem inúmeras possibilidades de desenvolvimento que, aliadas à motivação que demonstra

constantemente, podem elevar de maneira surpreendente a sua atividade intelectual. Resta-lhe

uma direção para que supere a si mesmo.

4.4 O que as escolas têm promovido aos adolescentes com autismo?

Ao longo deste estudo procuramos compreender o modo pelo qual se constitui a

escolarização de Thales e Bruno, dois alunos adolescentes com autismo, abordando duas

questões essenciais: a história escolar dos alunos e os métodos de ensino utilizados pelas

escolas. Para tratar destas questões adotamos como cerne a perspectiva da Psicologia

Histórico-Cultural de que o desenvolvimento do psiquismo humano acontece a partir da

formação de comportamentos complexos culturalmente instituídos, ou seja, que o ensino

sistematicamente orientado à transmissão dos conceitos científicos impulsiona a formação das

funções psicológicas superiores e, ainda, que para a compreensão do processo de

escolarização é necessário que se considere a realidade objetiva, sob sua perspectiva histórica

e cultural.

À luz desses dados pretendemos discutir como a escola tem promovido o

desenvolvimento das potencialidades dos alunos referidos e, deste modo, verificar o papel da

educação escolar no desenvolvimento psíquico dos alunos com autismo. Com vistas neste

objetivo, esta discussão foi organizada em categorias, a partir dos pressupostos que foram

identificados nas práticas educativas das escolas, quais sejam: 1) práticas com ênfase na

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condição de deficiência; 2) práticas que demandam capacitação com vias de atuar na

diversidade e; 3) práticas que eduquem para a vida.

4.4.1 “Porque é típico do autismo”: as práticas educativas baseadas na deficiência

O autismo é uma condição que é definida pela literatura como permanente e

persistente, ou seja, não há uma cura e seus sintomas dificilmente são revertidos (GADIA;

TUCHMAN; ROTTA, 2004; KLIN, 2006; SCHWARTZMAN, 2011b). De acordo com a

OMS (2013, p. 7, tradução nossa):

Deficiências no desenvolvimento neurológico, na comunicação, na interação social e

formas inusitadas de perceber e processar informações pode, seriamente, dificultar o

funcionamento diário de pessoas com TEA e, severamente, impedir as suas

realizações educacionais e sociais. Enquanto alguns indivíduos com TEA e outros

transtornos do desenvolvimento têm diferentes graus de habilidades que poderiam

potencialmente levar a uma vida independente e produtiva, outros são gravemente

afetados e necessitam de cuidados e apoio ao longo da vida.

O que circula nestas literaturas é que as condutas sociais dos autistas se desenvolvem

de maneira inadequada para a sua cultura, principalmente no que diz respeito aos

comportamentos de interação, devido à dificuldade de estabelecê-la ou mesmo à sua ausência.

Tal conjuntura agrava-se pelos déficits de comunicação, também característicos desta fase

(APA, 2013).

De acordo com Vygotski (1997; 2000; 2001), não há desenvolvimento sem a relação e

não há relação sem comunicação. É por meio da comunicação que a pessoa interage social e

culturalmente, avançando em seu desenvolvimento e definindo sua própria identidade e

conduta. Vigotski identifica que, por meio da linguagem, ocorre na pessoa a significação e

ressignificação do mundo que a cerca, a qual evolui para sistemas mais complexos que

contribui para o seu ajustamento e participação social.

Pelo fato de, no autismo, os déficits serem justamente as condições necessárias para o

desenvolvimento humano - comportamento, comunicação e interação social -, as relações

estabelecidas com o autismo tendem a serem fragilizadas, uma vez que, tal como identifica

Vygotski (1997), a deficiência se torna uma condição básica necessária para a exclusão social,

por se basear no preconceito historicamente formado e por desmerecer os aspectos

socioculturais próprios da condição humana. Da mesma forma, as práticas educativas tendem

a se tornarem excludentes, uma vez que se baseiam em concepções estigmatizadoras que

rotulam os alunos com deficiência no ambiente escolar.

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Não diferentes são as práticas nas escolas Índigo e Turquesa, as quais permeiam uma

postura de adequação aos sintomas do autismo, desconsiderando, consequentemente, seus

alunos como seres sociais, participantes da história constituídos pelo mundo cultural. Em

relação a esta prática, Orrú (2012, p. 50, grifo da autora) afirma que:

[...] o conceito de deficiência paira sobre a pessoa que apresenta um déficit

intelectual com funcionamento abaixo da média, somada a problemas de

comportamento e adaptação social, rotulando-a como incapaz de aprender ou de

acompanhar um ensino regular, além de não problematizar seu contexto histórico-

social, destinando-a desse modo, a processos de exclusão de espaços sociais na

comunidade à qual pertence.

Bruno e Thales, durante a maior parte do tempo, permanecem sozinhos, sem contato

social com os pares e com contato superficial com as professoras. A exclusão dos alunos se

justifica pelo fato de se tratar justamente de um sintoma do autismo e, deste modo, se torna

uma característica própria de todo autista, tal como observado nas falas das professoras:

[...] são coisas que são feitas para tentar estimular essa questão da

interação social entre eles, mas é muito difícil, porque é mesmo típico

do autismo (Lurdes, escola Índigo).

[sobre uma aluna com autismo] Olha, a Lucinda40

está aí no chão,

deitada. Quem dera eu estar deitada também. Mas eu estou em uma

escola, eu compreendo que eu não posso estar fazendo isso nesse

momento, mas ela não compreende (Arlete, escola Turquesa).

Diferente de nós, que temos que seguir o ritmo do que as coisas

mandam, que a mídia manda, que a sociedade manda [...] no autista

nada disso serve (Eurides, escola Turquesa).

Existe uma representação incapacitante de autismo que não permite que sejam

promovidas práticas para a promoção de seu pleno desenvolvimento, em uma relação dialética

na qual “[...] o estigma cria o estereótipo do estigmatizado” (AMARAL, 1995, p. 121).

Nesta perspectiva, as atividades educativas tanto da escola Índigo quanto da escola

Turquesa priorizam as condições “típicas” do autismo, visando aspectos comportamentais e,

40

Lucinda é uma aluna autista que também estuda na escola Índigo.

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desta forma, verificamos a ênfase em atividades concretas, atividades de identificação visuais

e de memorização. Tal conjuntura nos leva ao seguinte questionamento: de que modo estas

práticas estariam proporcionando um desenvolvimento das potencialidades dos alunos com

autismo?

De acordo com Vygotski (1997, p. 151), “os exercícios dos sentidos e dos movimentos

se convertiam, na escola tradicional, em um sistema de tarefas artificiais, isoladas, carentes de

interesses para as crianças e, por isso, opressor, como as lições de silêncio, o estudo dos

odores, a diferenciação dos ruídos etc.”. Muitas atividades repassadas a Bruno e a Thales são

vazias de significado, como as inúmeras repetições de montagens de quebra-cabeças e de

jogos de palavras as quais Bruno é submetido na escola Índigo, e as atividades de colagens

que Thales realiza na escola Turquesa diferenciada das tarefas realizadas por seus colegas.

São atividades que priorizam a condição de autismo e com base em sua representação são

elaboradas.

Na escola Turquesa, as atividades são feitas de acordo com aquilo que se espera de um

autista:

O autista é tudo muito no concreto (Arlete).

[...] foco muito nessa questão de mostrar no concreto para ele como

é, porque senão ele nem se comunica. Ele fica parado, não fala, não

age (Eurides).

[...] busco atividade na internet, “como trabalhar a alfabetização

com aluno autista” (Cleonice).

Na fala da professora Eurides, verifica-se uma clara concepção de que as atividades

para Thales devem ser concretas, as quais visam a sua estimulação. Para tanto, elabora,

juntamente com a professora Arlete, materiais voltados propriamente para o autismo, os quais,

segundo ela “tem a maior dificuldade para comprar, confeccionar, adequar [...]”. Já a

professora Cleonice busca na internet técnicas e métodos para o trabalho com autismo, o que

demonstra que o apoio por parte do AEE não a tem instrumentalizado suficientemente para

sistematizar as suas atividades.

De acordo com Facci (2003, p. 179) o professor “[...] deve desenvolver métodos que

conduzam ao desenvolvimento das potencialidades mentais, precisa estabelecer uma

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programação de ensino, uma sistematização de conhecimentos que sirva de base para a

formação de um verdadeiro desenvolvimento mental”. Para tanto, é necessário domínio do

conteúdo que seja capacitado para lidar com o público heterogêneo que tem formado o

alunado das escolas. Os métodos de ensino pegos na internet são voltados para um único tipo

de alunado, e, deste modo, desconsideram o público da escola Turquesa, que tem suas

próprias especificidades e a quem os planejamentos pedagógicos deveriam focar e considerar.

Tal situação indica que é preciso maior investimento dos governos federal e estadual

para a compra de material pedagógico e capacitação dos profissionais da educação a fim de

que as necessidades pedagógicas do aluno adolescente com autismo sejam atendidas, no

sentido da real promoção de sua apropriação do saber sistematizado, considerando que, desde

1994 com a Declaração de Salamanca, o Brasil impulsionou as políticas públicas de inclusão.

Mas faltam ações concretas que viabilizem o processo de inclusão escolar deste aluno tão

diferente.

Na escola Índigo, as práticas são envoltas de uma concepção de que pessoas com

autismo:

[...] apresentam dificuldades para estabelecer relações entre pessoas e seus papéis e

entre objetos e sua função de modo dinâmico e compreensivo. Comumente, as

associações são baseadas em experiências concretas que tendem a se repetir de

modo rígido. Isto é, a associação decorre predominantemente de sua ocorrência,

e não do seu significado (LEON; OSÓRIO, 2011, p. 265, grifo nosso)

O método TEACCH propõe indicar, especificar e definir de modo operacional os

comportamentos que devem ser trabalhados nos alunos com autismo, com fins de possibilitar

a eles um repertório de comportamento que proporcione o seu desenvolvimento, utilizando

estímulos visuais para produzir a comunicação (LEON; OSÓRIO, 2011). De acordo com

Farah e Goldenberg (2001, p. 22), a ênfase no uso de meios visuais para a efetivação de

atividades do método TEACCH se dá pelo fato de que o autista não consegue simbolizar, ou

seja, “[...] não tem capacidade cognitiva de entender o significado dos gestos, que são

simbólicos e não representativos fiéis das palavras”. Assim, tal como afirma Orrú (2012), este

método enfoca no fato de que é muito difícil, ou mesmo impossível, que um autista construa a

generalização do que aprendeu e que conceitue por meio de analogias, por isso a necessidade

de se estruturar totalmente o ambiente para, desta forma, direcionar as atividades a eles.

Verifica-se, portanto, que a escola Índigo, fundamentada no método TEACCH, baseia

suas práticas nos déficits do aluno com autismo, restringindo suas experiências cultuais a

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espaços isolados de treinos de comportamento, se restringindo mais em modificações de

comportamentos que na transmissão do conhecimento cultural.

Como discute Amaral (1998), a condição de deficiência corrobora para uma série de

posicionamentos sociais que tendem a amplificá-la diante de todas as outras características da

pessoa, destacando-a de tal maneira que a pessoa passa a ser a personificação da própria

deficiência. Neste sentido Vygotski (1997, p. 223) postula que o teor debilitante da

deficiência não advém de falhas biológicas, mas de sua representação social, constituída ao

longo da história cultural da humanidade:

[...] a raiz de um determinado defeito, aparece na criança uma série de

particularidades que obstaculizam o desenvolvimento normal da comunicação

coletiva, da colaboração e da interação dessa criança com as pessoas que o rodeiam.

O desvio da coletividade ou a dificuldade do desenvolvimento social, por sua vez,

determina o desenvolvimento incompleto das funções psíquicas superiores, as quais,

quando o curso das coisas é normal, surgem diretamente em relação com o

desenvolvimento da atividade coletiva da criança.

É destacado, assim, o caráter social do desenvolvimento e funcionamento dos órgãos,

uma vez que suas funções sociais sobrepõem-se às elementares na medida em que a pessoa se

torna humanizada. Este salto é alcançado pela complexificação das formas mais primitivas de

desenvolvimento, aquelas reflexas, por meio da relação com as pessoas e com o meio que a

cerca.

No caso das pessoas com deficiência, existe uma força que as impulsionam a reagir

diante da condição de deficiência, de modo a encontrar meios de compensação que venham a

superá-la ou nivelá-la. Essas compensações, de acordo com Vygotski (1997, p. 16), “criam

formas criativas de desenvolvimento, infinitamente diversas, às vezes profundamente iguais

ou semelhantes às que observamos no desenvolvimento típico de uma criança normal”.

Neste sentido, de acordo com Luria (1991a), o desenvolvimento de vias alternativas de

desenvolvimento é possível à pessoa com deficiência por meio de uma educação por métodos

especiais que as promovam e, assim, assegurem a essas pessoas um desenvolvimento mais

próximo do normal. Destaca-se assim a função primordial do AEE, no qual as professoras

especialistas poderiam auxiliar a professora do aluno com deficiência a desenvolver novos

métodos que promovam de fato o processo de escolarização deste aluno, com atividades ricas

de significados e não vazias como verificamos nesta pesquisa.

No entanto, como aponta Malffezol e Goés (2004, p. 1, grifo das autoras), as ações

pedagógicas na área da Educação Especial tem se fundamentado em uma concepção

patologizante, com fins de “[...] sanar déficits e, ao mesmo tempo, assumir limites pré-

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estabelecidos para as metas de formação da pessoa. As atividades realizadas são geralmente

artificias, isoladas e desinteressantes, exigindo apenas elaborações no nível do pensamento

concreto”. Da mesma forma, identifica-se que os métodos de ensino utilizados pelas escolas

Índigo e Turquesa, tradicionais da educação brasileira, têm investido em atividades de

associação, sem viabilizar o desenvolvimento de atividades mais complexas, pois nem sempre

o significado de determinado símbolo pictórico utilizado nas atividades é requerido na relação

social.

Na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, nenhum desenvolvimento é

alcançado sem que haja exigências do meio. Assim, a educação ao aluno com autismo deve

ser compreendida e trabalhada de modo que se busque o desenvolvimento de suas funções

psicológicas superiores e da sua formação cultural o tanto quanto possível, como defende

Barroco (2007) ao tratar da deficiência. Se, de acordo com Vygotski (1997) é por meio da

organização da vida na escola que o aluno aprende a se integrar à vida cultural, a inclusão de

Thales e Bruno em constantes exercícios de socialização e de aprendizagem inseridos na

sistematização do saber escolar podem proporcionar a eles uma inserção em situações

dialógicas com significado cultural, se distanciando de técnicas que se caracterizam como

simples troca de informações e de comunicações mecânicas.

Diante deste posicionamento, não se pode negar, no entanto, que, por mais que os

alunos estejam propensos ao isolamento e a atividades mecânicas, como postulam os

estudiosos sobre o autismo, existe nas escolas uma troca entre os pares e junto às professoras

que os levam a adquirirem novas aprendizagens, ainda que de maneira limitada. Porém, é

necessário que se reflita sobre as concepções estigmatizantes das práticas pedagógicas e se

busque a sua superação rumo a uma concepção que considere o aluno com autismo como um

ser capaz de se apropriar do conhecimento de mundo. As características do autismo não

significam que são incapazes de estabelecer contato social, pois, se pensarmos na própria fala

estereotipada do autista, verificaremos que ela é um produto de sua atividade social e, deste

modo, existe nele potencialidades para o desenvolvimento de sua atividade intelectual.

Desta forma, recorreremos à epígrafe da primeira seção deste estudo, que trata do

autismo, a qual nos levou a uma referência à própria condição de autismo, rotulada muitas

vezes de modo incapacitante quando trata da interação social:

Eu quero ficar só, mas comigo só eu não consigo.

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121

Eu quero ficar junto, mas sozinho só não é possível41

.

A solidão não existe sem que haja socialização; o isolamento só existe a partir do

momento em que alguém se afasta do outro. E esta relação dialética mostra que na própria

solidão há um quê de socialização: sozinho, não consigo ficar só.

Convencionou-se que os autistas se afastam das relações sociais, preferindo o

isolamento à relação. Porém, se de fato existe neles uma dificuldade nata (ou não) de

estabelecer vínculos, há uma grande dificuldade das pessoas ao seu redor em descobrir e

resgatar neles uma forma de se relacionar, uma vez que as relações tendem a se basear na

condição de autismo e nas suas características. Segundo Orrú (2012), a falta de reciprocidade

e de compreensão na comunicação afetam as condutas simbólicas que dão significado às

interpretações das circunstâncias socialmente vividas, dos sinais sociais e das emoções nas

relações interpessoais. Se pensarmos em uma dos sintomas desta condição, a de buscar a mão

do outro para pegar algo que deseja, havemos de convir que isto, por si só, é uma via de

relação e de comunicação.

Concretiza-se, portanto, a premissa básica postulada por Vygotski (2001) de que a

comunicação prima pelo suprimento dos desejos a fim de que, a partir da relação, passe a ter

significado e a significar os fenômenos e os objetos que o cercam. O que falta ao autista é a

oportunidade de conhecer o mundo, e nós, a busca por meios de proporcionar nele uma forma

de aprendizagem.

Desta forma, o “ficar só” do autismo faz parte de toda uma convicção construída

socialmente, e para “ficar junto” é necessário que sejam criadas condições para que saia deste

lugar de isolamento, a partir de formas de interação e de comunicação, dentro de suas

especificidades, uma vez que, parafraseando a música supracitada, ficar junto, só, não é

possível.

4.4.2 Formação do professor e a busca por uma escola inclusiva

A perspectiva da educação inclusiva prevê muitos desafios que englobam questões de

reformulações e adaptações das estruturas da escola em seu âmbito físico e institucional para

oferecer o atendimento adequado aos alunos com deficiência, no que trata das questões de

currículo, barreiras físicas e atitudinais, recursos e capacitação dos profissionais

41

FLAUSINO, R. Amor maior. Intérprete: Jota Quest. In: MTV ao vivo. Rio de Janeiro: Sony BMG/Chaos e

Epic Records. Faixa 13.

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(CARVALHO, 2006). Neste sentido, diversos estudos têm reafirmado a necessidade de

melhoria na formação de professores como condição essencial para a promoção eficaz da

inclusão dos alunos com deficiência, dentre os quais citamos Bueno (1999), Glat e Nogueira

(2002), Michels (2006) e Pletsch (2009).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), ao elencar as diretrizes

para assegurar a permanência dos alunos com necessidades especiais nos sistemas de ensino,

prevê “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para

atendimento especializado, bem como professores do ensino regular, capacitados para a

integração desses educandos nas classes comuns” (BRASIL, 1996, artigo 59, inciso III).

Nesta perspectiva, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação

Básica (BRASIL, 2001), caracteriza os dois perfis de professores definidos pela LDBEN:

professores capacitados e professores especializados. De acordo com este documento, os

professores capacitados são aqueles que atuarão em classes comuns que tenham alunos com

necessidades educacionais especiais, desde que comprovem que em sua formação tenham

sido incluídos conteúdos ou disciplinas sobre educação especial, a fim de que possam:

I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos;

II – flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento;

III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo;

IV – atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação

especial (BRASIL, 2001, p. 31-32).

Os chamados professores especializados são aqueles que vão trabalhar nos

atendimentos educacionais especializados, no atendimento direto aos alunos com

necessidades educacionais especiais. De acordo com esta diretriz, são aqueles que irão

desenvolver as competências para identificar as necessidades dos alunos, definindo respostas

educativas a elas, apoiar o professor da classe comum e desenvolver estratégias de

flexibilização, adaptação curricular e práticas pedagógicas alternativas.

Na escola Turquesa, como já discutido, não parece haver uma estruturação das práticas

tanto das professoras do AEE quanto da professora da sala de aula comum e tampouco uma

comunicação entre elas. Essa mesma situação foi observada por Fontes (2012) em sua

pesquisa sobre o AEE em uma escola estadual de uma cidade de Rondônia. Em sua análise, a

autora considera que a sobrecarga de atividades a serem desenvolvidas pela professora

especialista, bem como as dificuldades em encontrar um horário para se reunir

sistematicamente com as professoras das classes comuns que possuíam alunos com

deficiência, foram empecilhos importantes a comprometerem o processo de inclusão escolar.

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Outra questão que verificamos em nossa pesquisa foi o sentimento de despreparo da

professora da classe comum ao receber e lidar com o aluno com autismo, o que gerou um

sentimento de medo, em um primeiro momento, quando descobriu que teria um aluno autista

em sua classe, uma vez que, em três anos de experiência profissional, não havia trabalhado

com nenhum aluno com deficiência:

Eu fiquei com medo, porque eu nunca tinha tido um aluno especial,

com nenhum tipo de especialidade. Daí veio o Thales: “Nossa, e

agora?”, “Como é que eu vou trabalhar com o Thales?”, “Nunca

tinha trabalhado antes com aluno especial...”, “Como é que vai

ser?”, “Será que eu vou conseguir?”, “Será que eu vou ajudar?”,

“Será que ele vai regredir?”. Fiquei com todos esses medos.

De acordo com Pletsch (2009, p. 148), são comuns aos professores da sala regular

sentimentos de incapacidade e medo ante o ingresso de um aluno com algum tipo de

deficiência. Isto pode afetar a prática pedagógica do professor, uma vez que “[...] muitas

vezes, a falta de preparo e informação impede o professor de desenvolver uma prática

pedagógica sensível às necessidades do aluno especial incluído”. Da mesma forma, o

desconhecimento sobre o autismo afetou diretamente a prática educativa da professora

Cleonice, uma vez que tem sido baseada em conhecimentos advindos da internet, como

analisamos anteriormente, a fim de ter informações sobre esta condição. Assim, sua

metodologia em sala não tem um segmento estruturado que considere as especificidades de

Thales, mas tem se embasado nas especificidades da condição de autismo.

Em relação à professora Eurides, que é quem acompanha Thales na sala de recursos,

sabe-se que não recebeu capacitação para o trabalho no AEE, sendo convidada para participar

da equipe devido à sua experiência como mãe de um autista. Essa experiência pessoal têm

delineado suas práticas educativas, também sob uma perspectiva homogênea da condição de

autismo, com atividades descontextualizadas da realidade de Thales.

Essas práticas acima analisadas corroboram para um foco no ensino dos conceitos

cotidianos, sem, portanto, priorizar a transmissão sistemática dos conceitos científicos, como

defende Vygotski (2001). Assim, cabe o questionamento a respeito da formação oferecida aos

professores para atuarem na perspectiva da educação inclusiva, uma vez que pulsa a

necessidade de que lidem com as diferenças, as singularidades e a diversidade de todos os

alunos, de modo que se supere o modelo de homogeneidade.

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Como verificado, os documentos norteadores da educação inclusiva preveem uma

série de competências que os professores devem ter para si em sua prática pedagógica. No

entanto, de acordo com Michels (2006, p. 414), eles não discutem as condições de trabalho

dos professores, pressupondo-se que elas já estivessem todas resolvidas:

A questão salarial, carga horária de trabalho, reconhecimento social desse

profissional, entre outros elementos, não são mencionados pela política de formação

docente. Ao contrário, essa política faz crer que basta a “boa vontade” dos

professores para que os problemas educacionais se resolvam.

A esta condição pode ser acrescentada, ainda, a problemática da formação continuada,

prevista por lei, que, no entanto, não especifica a carga horária e tampouco as temáticas

obrigatórias. Neste sentido, Bueno (1999) identifica que a formação na área da Educação

Especial, em sua grande maioria, tem se destinado à educação especial de maneira geral, sem

se delimitar a categorias de deficiência. Este aspecto pode ser identificado na formação das

professoras de Bruno e de Thales.

Cleonice teve uma disciplina de educação especial na qual, segundo ela, as

deficiências foram trabalhadas de modo muito amplo, sendo que o autismo sequer foi

mencionado. Lurdes, em sua formação, também teve uma nesta área, descrevendo como:

[...] um período que fala de todas as deficiências, todas as síndromes.

É muito rápido. Em uma aula você vê o que é o autismo. É fácil dizer

sobre o autismo, a questão da interação social, da comunicação e da

imaginação, mas tem outras coisas que vão além. Porque se você não

tiver prática, se você não tiver o contato com o aluno autista, você

fica, às vezes, sem saber o que fazer, como agir com ele.

Bueno (1999, p. 13) discute a necessidade de a formação na educação inclusiva

promover um significado na atuação profissional dos professores, uma vez que se torna

necessário, no trato com as deficiências, uma reflexão crítica sobre a sua prática.

[...] para que o professor especializado possa se constituir em agente de qualificação

do ensino, é preciso que possua competência para enxergar, analisar e criticar o

processo pedagógico de forma ampla e abrangente, e não só voltado para as

dificuldades específicas do alunado sob sua responsabilidade.

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Deste modo, ressalta-se um ponto defendido por Martins (2011) em relação à

importância do domínio dos conceitos científicos do professor para desenvolver a trajetória do

desenvolvimento de seus alunos por meio da transmissão do conhecimento.

Nesta perspectiva, uma forma de se alcançar a reflexão crítica dos professores em

relação à sua prática educativa foi proposta por Vicentin (2006, p. 182), ao considerar três

dimensões em seu processo de formação: pensar, agir e sentir. De acordo com a autora, o

pensar se trata do desenvolvimento de ferramentas conceituais para o trabalho com a

diversidade, o sentir do desenvolvimento de atitude ético-corporal para o trabalho, e o agir da

construção e implementação de projetos de inclusão a partir dos casos e situações concretas

da realidade escolar. Desta forma, seria possível o rompimento com “[...] o formalismo do

aprendizado conceitual, reconectando o professor com o sentido e os efeitos da sua

intervenção educativa”.

Tratando-se da prática educativa na escola Turquesa, pensamos ser importante refletir

a respeito do trato dos professores com as classes heterogêneas, uma vez que a concepção de

escola inclusiva pressupõe uma escola que deve atender a todos os alunos, independentemente

de quaisquer diferenças físicas, sociais, econômicas, religiosas etc. (UNESCO, 1994). O

terceiro ano da escola Turquesa, tal como relatou a professora Cleonice, é composto por um

grupo de alunos bastante diferenciados entre si seja em relação à idade (entre nove e treze

anos) e às próprias condições de aprendizagem:

Então é aluno especial, é aluno que não está alfabetizado, é aluno que

já está bem lá na frente. [...] Tem que ter três professores, um pra

cada nível.

De acordo com Bueno (2001, p. 3), o acesso generalizado às escolas tem gerado um

grave problema decorrente da ampliação da quantidade de alunos sem uma política

educacional que privilegie a qualidade de ensino. Assim, a escola passa a cumprir “[...] o

papel de reprodutora das relações sociais e de apoio à manutenção do status quo”. Segundo o

autor, a diminuição significativa da reprovação e da consequente repetência escolar tem

provocado regressos na aprendizagem dos alunos, cuja prova é a quantidade de analfabetos

funcionais.

De fato, poucos alunos da turma de Thales são alfabetizados, sendo que a maioria

desconhece as letras, apesar de saber copiá-las.

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Sentimos a necessidade, aqui, de fazer um adendo, relatando uma situação vivenciada

no período de observação da sala de aula de Thales, durante um dos momentos em que a

professora Cleonice se ausentou. Era a semana de trânsito e estavam trabalhando a respeito do

semáforo e do significado das suas cores. Antes de sair, a professora deixou aos alunos a

responsabilidade de realizar uma atividade. Com Thales tinha iniciado uma atividade de

pintura, na qual desenhou em uma folha um semáforo para que pintasse, uma vez que a sala

de recursos estava fechada em não tinha nenhuma atividade pronta para ele.

Quando ela se retirou, Thales se aproximou, sorriu e disse que iria escrever o seu

nome. Pegou uma folha e começou a escrever as letras do seu nome, em ordem aleatória. De

repente, me percebi cercada por vários alunos, incluindo Thales, os quais solicitavam que

corrigisse as suas atividades. Vimos que grande parte daqueles meninos não sabia sequer

identificar as letras, outros escreviam “veti”, “amaeo”, “vemelio” para indicar as cores verde,

amarelo e vermelho. Neste momento, os sentimentos que predominaram nesta vivência foram

os de impotência e tristeza, mais ainda por termos ciência de que esta é a dura realidade da

educação brasileira.

Ao retornar à sala a professora corrigiu a atividade no quadro e os alunos copiaram.

Thales, nesse meio tempo, colou a sua atividade sobre o semáforo e a folha em que havia

escrito o seu nome junto a outras atividades que estavam soltas em sua mochila, amassando-as

todas. Percebemos que muitas oportunidades de desenvolver algumas potencialidades

daqueles alunos foram perdidas durante os cerca de vinte minutos em que a professora se

ausentou.

Não pretendemos, no entanto, culpar o professor pelas mazelas da educação, uma vez

que se trata de pessoas que têm que lidar diariamente com o abandono das políticas

educacionais que incumbiu a eles a responsabilidade de promover uma educação de

qualidade, sem, no entanto, como demonstra Bueno (1999), fornecerem subsídios para que

esse objetivo seja alcançado. Ainda assim, em sua prática pedagógica, o professor tem a

responsabilidade de transmitir o saber escolar o tanto quanto possível, dentro das

especificidades de cada aluno e das condições de trabalho.

Em relação à escola Índigo, no que trata do trabalho na diversidade humana, verifica-

se que não há uma perspectiva de trabalhar com a heterogeneidade. Além de esta instituição

ser voltada exclusivamente para alunos com a mesma condição de autismo, as turmas são

divididas de modo que em cada uma tenha um grupo de alunos com o acometimento mais ou

menos comum. Como já discutido, esses ares de homogeneidade não proporcionam ao seu

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alunado uma inserção social com fins de impulsioná-los ao desenvolvimento, como propõe

Vygotski (1997).

Segundo Mazzota et al. (2007), a própria condição de deficiência afeta os níveis de

percepção, de conhecimento e das emoções dos profissionais que atuam diretamente com este

público, interferindo, deste modo, a relação entre ele e a pessoa com deficiência. Por se tratar

de uma escola especial, existe uma questão muito mais complexa, no que trata da própria

organização institucional, tal como aponta D’Antino (1998, p 49) e a qual já discutimos

anteriormente. Pairam neste tipo de instituição uma identificação e um funcionamento muito

próximo ao da estrutura familiar, na qual:

[...] a deficiência parece impregnar-se na instituição como um todo, na medida em

que, tanto no nível estrutural quanto econômico e técnico, o déficit se apresenta

como elemento mediador. As dificuldades estruturais e relacionais, os baixos

salários, os recursos técnicos e materiais parecem espelhar-se na concepção social da

deficiência mental: a criança no limite e impossibilidade da clientela à qual se

destina (D’ANTINO, 1998, p. 49)

Desta forma, os profissionais que atuam na escola Índigo incorporam para si e para a

sua prática uma perspectiva emocional, frente a um espírito humanitário de comunidade:

[...] para estar na Índigo você tem que gostar. Não adianta, porque

aqui você está sujeito a dar um banho [nos alunos], a ter um contato

mais com o aluno, coisas que em uma escola dita normal, você só dá

a sua aula. E aqui, não, você tem que estar o tempo todo tentando ver

o que o aluno tem, perceber se ele está com alguma dor. Então você

tem que gostar. (Lurdes).

Neste sentido, como discute D’Antino (1998, p. 59), apesar de ter um conhecimento

técnico detentor de um saber específico na área, isto “[...] não é suficiente para que possa

exercer uma função com isenção da piedade humana em relação à sua clientela”, sendo que o

profissional, ainda, não está imune aos preconceitos e estereótipos históricos em relação à

deficiência. Na escola Índigo esta conjuntura é identificada pelo fato de que, como relatou

Lurdes, as professoras desta instituição estão sujeitas a realizar cuidados básicos no aluno,

como alimentar e limpar. Muitos destes aspectos transgridem o objetivo primo da educação,

que é a sistematização do conhecimento de mundo, de modo que proporcione ao aluno com

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deficiência, dentro de suas especificidades, o desenvolvimento das funções psicológicas

superiores, como proposto por Vygotski (1997).

Vale destacar que a formação dos professores segue, ainda, um modelo tradicional,

inadequado para suprir as reivindicações em favor da educação inclusiva, uma vez que ainda

não superou a dicotomia da normalidade versus anormalidade, sendo presente uma

representação de que os alunos com deficiência sejam “[...] diferentes dos demais, como se

esses ‘demais’ constituíssem um grupo homogêneo e com dificuldades completamente

diferentes das dos deficientes” (BUENO, 1999, p. 13). Desta forma, tal como discutem Glat e

Nogueira (2002, p. 134).

A formação clássica do professor, ao privilegiar uma concepção estática do processo

de ensino-aprendizagem, trouxe como corolário a existência de uma metodologia de

ensino “universal”, que seria comum a todas as épocas e a todas as sociedades.

Assim, por muito tempo acreditou-se que havia um processo de ensino-

aprendizagem “normal” e “saudável” para todos os sujeitos, e aqueles que

apresentassem algum tipo de dificuldade, distúrbio ou deficiência eram considerados

anormais (isto é, fora da norma), eufemisticamente denominados de “alunos

especiais”, e alijados do sistema regular de ensino.

Portanto, não se pode culpar os professores por não saberem lidar com o aluno autista.

Sob a perspectiva da educação inclusiva, o professor tem que ser polivalente, sem, no entanto,

lhe serem fornecidos os instrumentos necessários para estruturarem o seu trabalho pedagógico

de modo que direcione, de forma qualitativamente superior, sua prática educativa. Em suas

mãos está imposta a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso dos alunos – com ou sem

deficiência -, em uma política educacional que evidencia a centralidade na sua pessoa para

que se efetive a inclusão.

É necessário, portanto, que o poder público supere a etapa das intenções para que

sejam feitas ações que incluam melhores condições de trabalho ao professor e da estrutura

escolar (melhores salários, acompanhamento pedagógico, número reduzido de aluno nas salas,

recursos didáticos adaptados ao alunado, etc.).

Considerando a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural de que o psiquismo

humano não nasce pronto, mas se constitui no processo de aprendizagem, da mesma forma, o

professor não se constitui apenas por ter um diploma ou inúmeros cursos de capacitação, mas

de sua vivência junto à realidade escolar, percebendo de forma crítica o seu papel no processo

de construção social, dando significado à sua prática e transmitindo-a aos seus alunos de

modo que proporcione a eles os saltos qualitativos em seu desenvolvimento, como discute

Vygotsky (1997).

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Reconhecer as dificuldades na formação docente para a educação especial não deve

ser uma justificativa de fracasso, mas um motor para a construção de experiências bem

sucedidas. Desta forma, podemos nos aproximar de uma proposta mais democrática de

educação.

4.4.3 Desvelando as possibilidades: educação para a vida?

Verificamos, ao longo deste estudo, os postulados da Psicologia Histórico-Cultural a

respeito das oportunidades de desenvolvimento que as pessoas carregam em si e que elas

ocorrem por meio das relações sociais, a partir da apropriação do conhecimento do mundo

que as cerca.

De acordo com Vygotsky (2004), a sociedade capitalista, com vistas à produção e às

relações mercadológicas, tende a minar o pleno desenvolvimento humano, uma vez que este,

quando alcançado, leva o homem a um patamar libertador, e, ao contrário, o ideal para a

permanência do status quo desta sociedade é que continue alienado.

Conforme aponta Duarte (2008), caberia à escola levar aos seus alunos o domínio do

conhecimento elaborado historicamente pela humanidade, mediando o processo de

emancipação dos homens. Desta forma, é no plano da socialização das formas mais

desenvolvidas de conhecimentos produzidas pela humanidade até aqui que a escola

fundamenta a concepção de que a vida na sociedade comunista é plena de conteúdo da mesma

forma de que as relações entre as pessoas na sociedade tornam-se plenas de conteúdo. Neste

sentido, Saviani (2011, p. 8-9) expõe que a esta concepção a educação escolar implica:

a) Identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo

produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e

compreendendo as suas principais manifestações, bem como as tendências atuais

de transformação.

b) Conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo que se torne assimilável

pelos alunos no espaço e tempo escolares.

c) Provimento dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o

saber objetivo enquanto resultado, mas aprendam o processo de sua produção,

bem como as tendências de sua formação.

No que trata da pessoa com deficiência, Vygotski (1997) identificou que nelas existe

uma reação à condição de deficiência, que as impulsiona a compensá-la por outras vias. A

educação escolar, neste sentido, tem um papel primordial para impulsionar formas alternativas

de desenvolvimento por meio de métodos diferenciados, a partir das especificidades do aluno.

Nesta perspectiva, Leontiev (2004) ao definir que a atividade governa as mudanças mais

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importantes nos processos psíquicos, preconiza que as possibilidades de desenvolvimento são

alargadas na coletividade, com a heterogeneidade. Estas concepções tornam possíveis a

compreensão de que tanto o desenvolvimento de atividades significativas para o aluno na sua

relação com o mundo quanto a sua inserção nas relações heterogêneas funcionam como motor

a mudanças qualitativas em seu desenvolvimento.

A partir destes apontamentos, ao tratarmos das vias de desenvolvimento oferecidas

pelas escolas Índigo e Turquesa aos seus alunos adolescentes com autismo, verifica-se a

existência de algumas premissas que as caracterizam.

Na primeira identifica-se que, por todos os motivos já apresentados, Thales e Bruno

permanecem alheios ao processo de escolarização, não sendo, portanto participantes ativos de

sua aprendizagem. As atividades a eles direcionadas focam conceitos cotidianos, direcionados

à vida diária, transmitidos e exercitados de modo mecânico.

Thales tem acompanhado a mesma turma desde a sua inserção na escola Índigo. O

critério de avaliação seria a elaboração de um relatório que analisa a sua evolução acadêmica

a partir de aspectos comportamentais e de aprendizagem de conteúdos, mas o que se observou

foi que o relatório é apenas uma via de fazer com que o aluno permaneça com a mesma turma,

já que, em caso de reprovação, afetaria não só a distribuição dos alunos por sala, mas a

própria oferta de vagas pela escola, como já discutido anteriormente.

Bruno estuda na escola Índigo desde os dois anos, onde aprendeu a identificar as

palavras, sem, no entanto, compreendê-las. Em seu cotidiano escolar, as atividades são

elaboradas de modo que se aprenda por meio da repetição das tarefas, a partir da concepção

incorporada ao método TEACCH de que a adequação do ambiente e a repetição leva o aluno

a compreender o mundo por meio da experiência real, uma vez que o autista dificilmente

compreende o seu significado (LEON; OSÓRIO, 2011). Neste sentido, seguindo rigidamente

uma rotina estruturada, Bruno vai todas as tardes à escola sem se relacionar com os pares,

mantendo com a professora uma relação de distanciamento.

De acordo com Vygotski (1997, p. 151), a educação às pessoas com deficiência não

deve ser vã, mas provida de significado em sua vida social. Defende que, ao contrário das

práticas tradicionais das escolas especiais, nas quais as atividades têm cunho artificial e

isolado sem motivar ao aluno qualquer interesse, a escola deve oferecer ao aluno atividades o

mais integradas e compreensíveis possíveis, buscando:

[...] a dissolução de todos estes exercícios [mecânicos] no jogo, no trabalho e em

outras ocupações das crianças. Por exemplo, o cultivo de frutas e a horta se

apresentam como um campo ilimitado para todos os exercícios possíveis da criança,

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para o desenvolvimento de seus sentidos e movimentos. As observações

meteorológicas, a construção de barômetros e termômetros, o conhecimento da

física elementar, o estudo da vida de vegetais e animais, a utilização de instrumentos

de trabalho, etc., tudo isto pode estar concentrado, como em torno de um eixo, ao

redor do trabalho na horta e no jardim; os exercícios sensório-motores, incluídos

neste atrativo trabalho, perdem seu caráter artificial e penoso para as crianças.

Vale salientar que o papel da escola não é adaptar-se à condição de deficiência de seu

aluno, mas de superá-la (VYGOTSKI, 1997), na perspectiva de que a deficiência provoca

uma reação de compensação graças às experiências sociais, na convivência cooperativa entre

pessoas com deficiência e sem deficiência, e, neste sentido, a experiência escolar pode

impulsionar seus alunos a um patamar psíquico qualitativamente superior. Deste modo, a

educação escolar salta cada vez mais do plano sensorial em direção ao racional, como

postulado por Luria (1991a).

Outra questão observada nas práticas pedagógicas das escolas é a infantilização dos

alunos, caracterizadas pelo estigma que permeiam as pessoas com deficiência (AMARAL,

1995). Neste aspecto, existe uma clara diferença entre Thales e Bruno, relacionada

diretamente à prática educativa das escolas.

Na escola Índigo predomina um caráter típico das escolas especiais gerenciadas por

pais de alunos, com teor paternalista atrelado à benemerência e à filantropia, como identificou

D’Antino (1998) em sua análise sobre as instituições especializadas. Diante de sua concepção

estigmatizadora, que ignora qualquer possibilidade de atuação e de interação social de forma

autônoma e independente, pairam sobre essas instituições a infantilização de seu alunado. À

Bruno são delegadas atividades de quebra-cabeças, jogos de palavras, todas com temáticas

infantis e, durante o momento em que os alunos terminam suas atividades, a professora coloca

músicas – também infantis - para escutarem enquanto aguardam pela hora do intervalo.

Da mesma forma, na escola Turquesa, verifica-se uma ênfase dada a atividades

pedagógicas comumente destinadas à infância. Neste sentido, Meletti (2006, p. 96), destaca

que existe na educação ao aluno com deficiência:

[...] a ênfase na utilização de parâmetros curriculares da educação infantil (0 a 6

anos) como referência inclusive para os alunos dos níveis escolares (7 a 16 anos); a

utilização de atividades pré-escolares tendo por base mais o nível cognitivo do que a

faixa etária do aluno; a referência constante às “crianças” da escola, mesmo para

designar pessoas com 19, 20 anos.

Identifica-se, portanto, uma estreita relação entre o caráter infantil eternamente

atribuído aos alunos com deficiência e a sua subestimação. Neste sentido, de acordo com

Amaral (1995), o caráter infantilizante das iniciativas voltadas ao público com deficiência o

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deixa à margem da inserção social, sem anunciar possibilidades de um futuro de um processo

de vida com perspectivas humanizadoras.

No que concerne à escolarização, Padilha (2007) aponta que a ação subestimadora de

jovens e adultos com deficiência intelectual subjaz as políticas oficiais e é endossada pelos

educadores, quando assumem ações pedagógicas baseadas em atividades infantis e repetitivas,

visando meramente capacitar o aluno para habilidades básicas, mínimas, como identifica

Vygotski (1997). Desta forma, Maffezol e Góes (2004, p. 2) acrescentam que os programas

educacionais ao público com deficiência “[...] têm sido pautados pela visão da

impossibilidade e da subestimação, que marcam questões desde a alfabetização, ao

desdobramento da escolaridade, até a preparação para o mercado de trabalho, nos programas

de profissionalização”.

Vygotski (1997, p. 13) critica estas concepções fundadas na ideia de redução ou falta

de capacidade do aluno em decorrência da presença de uma deficiência, que caracterizam uma

pedagogia terapêutica e que toma como ponto de partida as limitações e os impedimentos da

deficiência, orientando ações para o desenvolvimento de habilidades mínimas. Segundo o

autor, “[...] não é possível qualquer prática educativa construída sobre a base de princípios e

definições puramente negativas”. A educação, a quem quer que se destine, deve ser investida

no desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Neste sentido, é necessário que se supere, portanto, as expectativas em relação às

representações da idade mental dos adolescentes autistas, passando a considerá-los como

seres sociais participantes de sua própria história, colocando-os diante de questões que os

levem a adquirir conhecimento da realidade que os cerca e levando-os a transformações

substanciais no conteúdo de seu pensamento, tal como defende Vygotski (2006).

Entre as diversas questões que venham a emergir na vida de Thales e de Bruno, o que

dizer da sexualidade desses rapazes? Já está sendo identificada, por suas mães, uma mudança

em seus interesses, o que, vale dizer, é o passo para o desenvolvimento, tal como postula

Vygotski (2001).

Bruno, segundo a sua mãe, se identifica bastante com o Átila, seu irmão, um ano mais

velho. Gosta das músicas, dos jogos e de outras atividades que o irmão faz e não está mais se

interessando muito pela escola, pois desde os dois anos tem vivenciado as mesmas situações:

O Bruno está em uma fase – ele tem catorze anos - que ele já passou

por tudo ali dentro. Então, para ele, já está defasado.

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De acordo com a mãe de Thales, o convívio com alunos mais ou menos da sua idade

estão influenciando-o a realmente, como afirma, ter a sua idade. Desta forma, identificou que:

Ele está na idade difícil. Ele já tem vontade de namorar. Ele já tem

vontade [risos]. Ele fala. Ele acha que é bonita [uma menina], ele

fala.

Amaral (1994, p. 77) discute que as leituras das representações da sexualidade nas

pessoas com deficiência, permeiam-se pela a-sexualidade ou pela hiper-sexualidade,

sexualidade “angelical” ou “selvagem”. Estas representações estão relacionadas ao modo pelo

qual se concebe, socialmente, a condição de deficiência: por um lado, a perspectiva de

incapacidade e de ausência de autonomia e, consequentemente de se desenvolver

sexualmente; por outro, a concepção estigmatizadora e preconceituosa de que pulsa nas

pessoas com deficiência uma sexualidade irreprimível que as levam ao exibicionismo, à

masturbação e ao voyeurismo.

Estas concepções a respeito da sexualidade das pessoas com deficiência podem advir,

como aponta Amaral (1994, p. 78), do temor e da descrença de que possam adquirir uma vida

independente. Em relação aos pais, existe, ainda, a ambivalente concepção de que “[...] se, por

um lado, o filho deficiente não é o filho idealizado, por outro ele pode ser o filho ideal, pois

‘não crescerá’, ficando sempre aos seus cuidados e na dependência deles”.

Neste sentido, Tada (2005) discute que as representações acerca do adolescente com

deficiência intelectual é feita a partir de associações feitas entre sexualidade e capacidade

cognitiva, como se isto afetasse na pessoa a sua capacidade de estabelecer vínculos afetivos e

de desenvolver uma vida sexualmente ativa. As consequências destas concepções são a

ausência de orientações ou orientações incompletas aos jovens com deficiência, o que pode

acarretar modos socialmente inadequados de expressar a sua afetividade. Vale salientar que

nas escolas a orientação sexual é um dos temas transversais definidos pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais, com fins de refletir os pontos de vista, valores e crenças existentes na

sociedade para auxiliar o aluno a encontrar um ponto de autorreferência, constituindo “[...] um

processo formal e sistematizado que acontece dentro da instituição escolar, exige

planejamento e propõe uma intervenção por parte dos profissionais da educação.” (BRASIL,

1997, p. 83).

Considerando as possibilidades de Thales e Bruno, sem aprisioná-los no estigma de

incapacidade, verifica-se que eles podem chegar à adolescência em seu sentido social, ante o

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caráter social do desenvolvimento humano, como postulado por Vygotski (2000). A chegada

à adolescência se dá, segundo Vygotski (2001) pelo aperfeiçoamento de novas formas de

domínio das próprias operações psíquicas, por meio de influências das circunstâncias

concretas de sua vida. Para Leontiev (2004, p. 313), que considera a atividade como

propulsora da ação humana, “[...] não é a idade da criança que determina, enquanto tal, o

conteúdo do estágio de desenvolvimento, mas, pelo contrário, a idade da passagem de um

estágio para outro depende do seu conteúdo e que muda com as condições sócio-históricas”.

Percebe-se nesses alunos um impulso ao crescimento, uma vez que passaram a desenvolver

características próprias daqueles que os cercam – Thales com os colegas de turma e Bruno

com o irmão, pois na escola não há sequer contato entre os pares.

Tendo em vista a importância das relações para o desenvolvimento humano, Vygotski

(1997, p. 222) defende que:

[...] quando se formam coletividades livres, podem incorporar-se a elas crianças com

atraso profundo e com diverso nível de desenvolvimento mental. Esta é uma das

condições fundamentais para a existência da coletividade. As coletividades

compostas por crianças com diferentes níveis de atraso são mais frequentes, estáveis

e duradouras.

À escola cabe sistematizar seus conteúdos de forma condizente que considere a sua

idade, os seus interesses, a suas especificidades e, acima de tudo as suas potencialidades.

Longe de cristalizar a imagem infantilizada, incapacitada e assexuada do autista e de todas as

pessoas com deficiência, por meio da transmissão sistematizada do saber a escola pode

impulsioná-los a um modo de atividade intelectual qualitativamente superior.

4.4.4 Tecendo algumas considerações

Diante de todas as questões que foram apontadas em relação ao processo de

escolarização do adolescente com autismo, o que a escola tem promovido aos alunos com

autismo? A resposta que vem à tona é que a escola tem feito pouco, muito pouco. Verificamos

que as práticas pedagógicas das escolas, sejam elas regulares ou especiais, têm-se atido à

condição de autismo de seus alunos, considerando as características que os estigmatizam, sem

atuar nas suas potencialidades.

No entanto, não se trata, aqui, de apontar um ou outro culpado pelo fracasso do

processo de escolarização destes alunos. Trata-se, antes de tudo, de compreender a conjuntura

na qual a escola se firma como reprodutora das relações sociais e mantenedora do status quo

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da sociedade capitalista, como aponta Bueno (1999; 2001; 2008). Atendendo aos preceitos do

capitalismo, a escola não tem conseguido superar os problemas que está historicamente posto

a ela, qual seja, ensinar todas as crianças e os jovens, princípio máximo das políticas

educacionais de inclusão escolar.

De acordo com Bueno (2005), a própria ênfase das políticas educacionais no termo

“inclusão” torna a sua efetivação um eterno porvir, uma vez que se mantém na sociedade seu

aspecto excludente e as desigualdades sociais. Deste modo, pode-se dizer que, quanto mais se

fala em inclusão, mais se legitima a exclusão e na escola se forma o seguinte panorama: a

escola que exclui é a mesma escola que inclui e que integra, em uma dialética relação onde a

inclusão e a exclusão escolar são reflexos do funcionamento social da sociedade capitalista.

Neste ciclo perverso não estão incluídos apenas os alunos autistas, os alunos com

deficiência, mas todos aqueles que ficam à margem dos objetivos deste tipo de organização

social: a grande massa das camadas populares. Estes são renegados e excluídos do processo

educativo sem qualquer camuflagem, como ocorre com os alunos com deficiência. Se

pensarmos na escola Turquesa, por exemplo, Thales tende a ser mais privilegiado que os

outros colegas de sua turma, os quais também não se apropriaram do saber escolar e também

sofrem pelas mazelas do processo de escolarização. A ele é dado o direito de um atendimento

especializado com professoras que trabalham (ou, pelo menos, tentam) ante as suas

especificidades, com fins de suplementar as práticas educativas da sala de aula comum. A

escola, que, como proposto por Saviani (2011) deveria promover a emancipação, funciona

como meio de manutenção das relações alienantes da sociedade capitalista. Neste sentido, de

acordo com Tragtenberg (2004, p. 67-68):

No interior do sistema social, as instituições educacionais e seus sacerdotes, os

professores, desenvolvem um trabalho contínuo e sutil para a conservação da

estrutura de poder e, em geral, da desigualdade social existente. Duas são as

principais funções conservadoras atribuídas à escola e aos professores: a exclusão do

sistema de ensino dos alunos das classes inferiores e a qual definimos como

socialização à subordinação, isto é, a transmissão ao jovem de valores compatíveis

com o seu futuro papel de subordinado.

O discurso de inclusão, portanto, apenas mascara os parâmetros de homogeneidade e

de produção que permeiam as relações e a organização de nossa sociedade. Porém, ainda

assim, não se pode negar que as políticas de inclusão promoveram avanços sociais,

especialmente no que trata da pessoa com deficiência, a qual, em tempos remotos, sequer era

considerada como um ser humano (PESSOTTI, 1984). A esta população foi dada a

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oportunidade de estudar e participar ativamente de seu processo de humanização, gerando,

minimamente, importantes discussões a respeito do seu direito à educação.

Ao garantir o acesso e a permanência do aluno com autismo, especificamente, na

escola regular, mudanças significativas são geradas, que podem levar a escola e seus atores à

reflexão sobre as formas de organização e estruturação da atividade pedagógica em prol desse

aluno.

Do mesmo modo, não se pode desvalorizar o papel das escolas especiais na história do

processo de escolarização do aluno com autismo. Por mais que atuem com bases na

benevolência e no paternalismo, vale destacar que estas instituições nasceram a partir da

organização de pais em busca de um tipo de atendimento aos seus filhos, até então segregados

socialmente, conforme discute D’Antino (1998). A formação de instituições especializadas

foram os primeiros passos rumo à inclusão social destes alunos, levando ao governo e à

sociedade a discussão a respeito dos direitos igualitários, sempre tão negados às camadas

minoritárias.

Ante a esta breve discussão, verifica-se que a escola, tanto a especial quanto a regular,

tem oferecido aos alunos com deficiência e, destaca-se aqui, aos alunos com autismo, um

lugar para aprendizagem que fuja da condenação à segregação total a qual outrora eram

submetidos. Porém, deve-se admitir que essa mesma escola não tem oferecido a eles aquilo

que deveria ser o primordial: a apropriação do saber escolar. Deste modo, se por um lado tem

havido um crescimento nos números de acesso e permanência do aluno com deficiência na

escola, por outro, falta-lhe a oportunização de sucesso escolar - e como sucesso entende-se a

sua apropriação do saber cultural da humanidade. Esta delicada questão, que permeia toda a

organização e o funcionamento da escola, decorre da contradição na qual está inserida e a

qual já foi citada: ao passo que lhe é determinada a inclusão e o ensino a todas as pessoas, sua

finalidade, ao contrário, não se destina a tal perspectiva (BUENO, 2008).

O meio de superação das mazelas de uma escola que tem negado às camadas

populares e marginalizadas a apropriação do saber e, deste modo, da exclusão, é fazer com

que os instrumentos culturais por ela transmitidos se transformem em elementos ativos de

transformação social (SAVIANI, 2008). Considerando a escola como um meio de

emancipação dos homens, esta instituição social tem todos os quesitos para propiciar a eles os

instrumentos necessários que possibilitem o seu acesso ao saber elaborado, bem como aos

rudimentos deste saber por meio de um processo social, histórico e coletivo, tal como postula

Vygotski (2001).

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No caso dos alunos com deficiência, a educação pode funcionar como atividade

mediadora da prática social ao passo que impulsiona estes alunos à apropriação da cultura,

visando seu desenvolvimento integral e a sua emancipação como ser humano e de todos os

alunos como coletividade (VYGTOSKI 1997). Fortes investimentos governamentais na

educação são, sim, necessários, mas é necessário, antes de tudo, que se restituam as práticas

pedagógicas para que sejam alcançados estes objetivos. Tais mudanças e seus reflexos no

desenvolvimento do aluno com deficiência são discutidas em diversos estudos.

Tada et al. (2012) relatam uma intervenção psicológica com cinco pessoas com

deficiência em situação asilar com fins de favorecer o desenvolvimento de suas funções

psicológicas superiores (atenção, memória, comunicação gestual e verbal e concentração) por

meio de passeios mediados por graduandos de Psicologia. Esta intervenção possibilitou que

estas pessoas fossem desafiadas com as diferentes situações que passaram a vivenciar,

rompendo com a rotina repetitiva e desestimulante que fazia parte de seu cotidiano e que em

nada contribuem para que se apropriem das condutas e normas sociais e, consequentemente,

para o desenvolvimento de seu processo de humanização.

Nesta mesma perspectiva, Padilha (2000, p. 207), diante de Bianca, uma jovem de 17

anos que nasceu com agenesia do corpo caloso42

e que apresentava dificuldades de

simbolização, desenvolveu um trabalho sistemático que consistia em valorizar suas

potencialidades e não a sua deficiência, o que gerou mudanças significativas em sua atividade

intelectual. Por meio desta atividade educativa, “[...] Bianca passou a ocupar lugares

discursivos e a viver práticas sociais, também discursivas. Alterações importantes, portanto,

na relação entre pensamento e linguagem”.

No tocante à educação especial, vale destacar o trabalho realizado pelo Instituto de

Defectologia de Moscou com crianças e jovens surdo-cegas, retratado no documentário

produzido em 1963 pela BBC de Londres “Borboletas de Zagorski”. A partir dos pressupostos

vigotskianos de que a aprendizagem promove o desenvolvimento e de que os conhecimentos

são constitutivamente históricos e essencialmente sociais, desenvolviam avaliações que não

prezavam apenas a identificação e medição da deficiência, mas a investigação de formas de

superá-la. Ainda, davam prioridade à comunicação como meio essencial para a socialização

dos alunos, por isso eram-lhes inseridos métodos alternativos de comunicação, com o intuito

de, o quanto antes, inserir a eles os signos sociais da linguagem.

42

Agenesia do corpo caloso é uma má formação congênita caracterizada pela ausência do corpo caloso, parte do

cérebro responsável por ligar o hemisfério esquerdo ao hemisfério direito.

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Todos os estudos e intervenções acima citados constituem uma perspectiva de

desenvolvimento de atividades a partir da mediação do outro para tornar a pessoa com

deficiência um ser cultural, como postulado por Vygotski (1997). Servem para exemplificar

as inúmeras possibilidades da atuação pedagógica nas escolas e na prática dos seus

professores, sejam de escolas especiais ou regulares, diferentes de abordagens mecânicas e

repetitivas, desprovidas de um significado cultural. Na medida em que a representação

socialmente construída das expectativas em relação à deficiência é superada pelos atores

escolares, torna-se possível ao aluno com deficiência – ao aluno com autismo – o seu pleno

desenvolvimento e a sua humanização.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã

Mais uma vez eu sei

Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã

Espera que o sol já vem

Renato Russo & Flávio Venturini43

Durante todo o percurso deste estudo, buscamos compreender os complexos meandros

do processo de escolarização do adolescente com autismo, refletindo o papel da escola como

propulsora das potencialidades destes alunos. Todos os percalços enfrentados, em busca deste

aluno que não se vê, nos leva à constatação de que ele não é visto nas pesquisas brasileiras

porque ainda se considera a pessoa com deficiência a partir de uma perversa concepção

infantilizadora a que destitui de sua condição de adolescência; não é visto nas ruas porque é

mais cômodo que eles permaneçam em casa ou em instituições especializadas sem causar

transtornos a ninguém; e não é visto nas escolas porque a ele ainda é reservado um lugar de

segregação social.

As difíceis vidas escolares de Thales e de Bruno fazem parte de uma pequena

ilustração da grande pintura que é a vida escolar do adolescente com autismo. Eles fazem

parte do contexto no qual se encontram as pessoas com deficiência, estigmatizadas pelas

consequências sociais da sua condição, as quais definem as práticas pedagógicas das escolas,

como identificou Vygotski (1997). As expectativas, os valores, as possibilidades e os limites a

eles impostos no processo educativo são guiados pelo estigma decorrente de sua

representação social.

As lutas diárias de Selena e Demétria, suas mães, em busca de uma escola que

promova o desenvolvimento de seus filhos por meio de um ensino de qualidade, demonstram,

também, que as famílias do aluno com autismo, especialmente o adolescente, estão à mercê

das políticas educacionais de inclusão.

As escolas consolidaram um tratamento diferente para as desigualdades produzidas

pela própria sociedade capitalista, tornando a inclusão um processo perverso que celebra a

diferença que exclui. A educação aos adolescentes autistas se embasa em técnicas repetitivas,

mecânicas e vazias de significado, sem qualquer sistematização e muitas vezes beirando a

informalidade e o juízo de valor, como observado nas escolas Índigo e Turquesa. É em meio a

43

RUSSO, R.; VENTURINI, F. Mais uma vez. Intérprete: Renato Russo. In: Presente. Rio de Janeiro: EMI,

2003. Faixa 1.

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este contexto que se encontram Thales, Bruno, Lurdes, Eurides, Cleonice e todos os tantos

atores escolares envolvidos na educação do aluno com autismo.

Por meio da superação da expectativa de incapacidade que a sociedade impõe ao

autista a educação pode levá-lo ao domínio de si e à compreensão do mundo que o cerca,

tornando-se um processo emancipatório, e não aprisionante. Pouco importaria se fosse um

ensino regular ou especial, uma vez que seu objetivo privilegiaria metodologias que

considerem as especificidades de cada aluno para transmitir a eles o conhecimento científico

por meio de atividades que lhes traga, de fato, significado cultural, considerando a

importância das relações sociais para a humanização das pessoas sem ou com deficiência.

A perspectiva da teoria vigotskiana deu às pessoas com deficiência uma chance de

desenvolvimento ao substituir a ideia de falta pela de funcionamento diferente com vistas à

compensação (VYGOTSKI, 1997). Considerou nelas, portanto, uma reação às consequências

da condição de deficiência e inúmeras possibilidades de concretizar as suas potencialidades.

Esta forma alternativa de compreensão mobiliza, na educação, diferentes formas de atuação

frente aos limites orgânicos por meio de ações coletivas que promovam a sua formação

pessoal. Deste modo, a educação escolar atua diretamente sobre o desenvolvimento dos

alunos, levando-os a se apropriarem dos conhecimentos elaborados até aqui e impulsionando-

os a planos mais elevados de humanização, como postula Vygotski (1997; 2000; 2001). É

uma educação que, por meio dos conteúdos sistematicamente transmitidos, transforma, e,

parafraseando o filme “Borboletas de Zagorski”, metamorfoseia, representando a saída do

casulo, do isolamento, rumo à apropriação dos instrumentos educacionais.

No adolescente com autismo, a quem a educação tradicional prende em

estigmatizantes práticas educativas que visam o aprendizado direto e dependente de estímulos

concretos e materiais, pode ser desenvolvida uma escolarização que contribua para que

superem as funções elementares, de reações instintivas e imediatistas e que desenvolvam um

funcionamento psicológico cada vez mais sofisticado, voluntário e intencional, tal como

defende Vygotski (1997) em relação ao aluno com deficiência.

Vigotski (2000), partindo da premissa de Marx de que “a anatomia do homem é a

chave para a anatomia do macaco” 44

, destacou que a interação entre o menos desenvolvido e

o mais desenvolvido gera o desenvolvimento, especialmente ao primeiro. Nesta perspectiva

indicamos a importância da promoção de atividades direcionadas à atividade coletiva e de

44

De acordo com Marx (1978, p. 120): “A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. O que nas

espécies inferiores indica uma forma superior não pode, ao contrário, ser compreendido senão quando se

conhece a forma superior”.

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cooperação entre os alunos das escolas Turquesa e Índigo. Quanto mais intensas e frequentes

as vivências no coletivo, maiores são as possibilidades de desenvolvimento tanto de Thales,

quanto de Bruno. A socialização de Thales com os colegas para a colaboração poderia

impulsioná-lo a novas aprendizagens e o uso de materiais diferenciados da sala de recursos

poderiam promover não só a sua aprendizagem, mas de muitos colegas de sua turma que

sequer são alfabetizados. Na escola Índigo poderiam ser proporcionados momentos de

socialização que promovessem a transmissão do saber escolar. As músicas, grande interesse

de Bruno, poderiam ser utilizadas de modo que as infantis dessem lugar àquelas de interesse

dos alunos com fins de transmitir o saber; a socialização entre os alunos, inexistente nesta

instituição, poderia impulsioná-los ao desenvolvimento.

Assim, tal como defende Leontiev (2004), as relações que o aluno estabelece com as

pessoas ao seu redor irão orientar o seu lugar na vida, o seu papel social, tanto do presente

quanto do futuro. A escola, os professores e os demais companheiros de sala de aula podem

contribuir para os rumos tomados pelo aluno em sua vida particular e na prática social.

Verifica-se que, para tanto, ainda que sejam necessários grandes investimentos na

educação, o processo educativo pode acontecer a partir do momento em que se percebam as

potencialidades de cada aluno e de como cada um pode auxiliar no desenvolvimento do outro.

Neste sentido, o papel da escola é de oportunizar aos adolescentes com autismo que se

desenvolvam e se estruturem em seu próprio contexto, por meio de uma educação que não se

detenha diante das imposições dos fatores biológicos de sua condição, mas que reconheça

neles a capacidade de se transformar, e de transformar o mundo que os cerca, em uma

existência em que a relação e a comunicação desempenhem um papel constitutivo. Desta

forma é possível à escola construir uma prática pedagógica social e crítica, transformadora e

emancipadora.

A luta é difícil, pois demanda tempo e compromisso. Mas é necessária para que sejam

promovidos saltos qualitativos não só na vida de cada um desses alunos, mas na própria

estrutura da educação brasileira, para que alcance uma verdadeira transformação social.

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APÊNDICE A – CARTA DE APRESENTAÇÃO

Ilmo (a). Sr (a).

Venho, por meio desta, solicitar a Vossa Senhoria a colaboração necessária para a

realização da pesquisa intitulada “O adolescente com autismo e escolarização: em busca

daquele que não se vê” nas escolas do município de Eldorado. O objetivo da pesquisa é

compreender o processo de escolarização do adolescente com autismo.

A coleta de dados será realizada por meio de análise documental e entrevistas

individuais com profissionais que trabalham nas escolas e que estejam envolvidos no processo

de escolarização deste aluno em um horário que não traga prejuízos ao seu funcionamento.

A participação dos profissionais será voluntária mediante autorização por escrito no

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, cuja cópia se encontra em anexo para o seu

conhecimento.

Na oportunidade, assumo o compromisso de preservar o nome dos participantes e das

escolas em publicações ou apresentações de trabalho, bem como me comprometo a

encaminhar os resultados da pesquisa à Secretaria. Desse modo coloco-me à disposição para

quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários.

Atenciosamente,

Nelzira Prestes da Silva Guedes.

AUTORIZAÇÃO

Eu,___________________________________________, autorizo a realização da pesquisa,

conforme os termos mencionados acima.

_______________________________

Eldorado, _____de________________de 2013.

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APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Sr. (a) _______________________________________________.

Meu nome é Nelzira Prestes da Silva Guedes, sou aluna do mestrado em Psicologia da

Universidade Federal de Rondônia.

Venho, por meio deste documento, convidá-lo (a) para participar de minha pesquisa, que tem

o objetivo de compreender o processo de escolarização do adolescente com autismo. Para participar é

preciso que você me autorize, por escrito, a vir conversar com você, na hora e no local que você

escolher, sobre a sua vida na escola.

A conversa que terei com você será gravada, para que depois eu possa estudar melhor as

informações dadas. Tudo o que for gravado e que você me contar será confidencial, ou seja, não serão

divulgados nomes, endereço ou qualquer informação que leve à sua identificação.

Quero deixar claro que a sua participação não trará nenhum risco à sua saúde física ou mental,

e que você não será remunerado pela sua participação, tampouco terá qualquer tipo de despesa. A

qualquer momento você poderá pedir esclarecimentos sobre a metodologia ou sobre qualquer outro

aspecto da pesquisa.

Ao final, escreverei um trabalho sobre a escolarização do aluno adolescente com autismo. As

informações que você me fornecer também poderão ser utilizadas para publicação de trabalhos

científicos ou apresentação em encontros de natureza científica. Comprometo-me a voltar e contar os

resultados desse trabalho para você.

Gostaria de deixar claro que, em qualquer momento, você pode interromper a sua participação

nesta pesquisa, sem trazer nenhum problema para você.

Agradeço desde já por sua confiança e colaboração.

Atenciosamente,

Nelzira Prestes da Silva Guedes

(XX) XXXX-XXXX

Eu, ________________________, após ter lido e discutido com a pesquisadora os aspectos contidos

no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e após estar convenientemente esclarecido(a), declaro

que concordo em participar voluntariamente da presente pesquisa e não ter recebido nenhuma forma

de pressão para tanto. Declaro, também, ter recebido uma cópia do presente Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido.

Eldorado, ____/____/2013.

______________________________

Assinatura do Participante

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APÊNDICE C – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM AS MÃES

Conte sobre a vida escolar de seu filho.

Como você percebe o processo de escolarização de seu filho?

O que fez você decidir matriculá-lo nesta escola?

Como é o cotidiano escolar dele (a)?

Como você percebe os relacionamentos da escola com seu filho?

Como você analisa a inclusão escolar de alunos com este diagnóstico?

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APÊNDICE D – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS

Como foi para vocês terem um aluno com autismo?

Como você percebe o processo de escolarização deste aluno?

Como é o cotidiano escolar dele (a)?

Como se dão os relacionamentos da escola com este aluno?

Como analisa o processo de inclusão para o aluno com este diagnóstico?

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ANEXO A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

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