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Geografia e P olítica Internacional MAIO 1993 ANO 1 - N o 3 Da Argélia à Índia, uma vasta faixa do mundo vive o impacto do fundamentalismo islâmico. O Islã convulsiona os povos do Oriente Médio e norte da África, as ex-repúblicas soviéticas da Ásia cen- tral e o labirinto étnico e religioso indiano. Assumido a forma de Estado teológico -Irã-, de grupos armados – Hamas palestino e Hezbollah libanês-, ou de movimentos de oposição po- lítica – a FIS argelina e a Ir- mandade Mulçumana egíp- cia -, o fundamentalismo rejeita os modelos políticos ocidentais. O desafio posto pelo radicalismo islâmico perfura o tecido político e atinge o domínio da ética e valores filosóficos. Os integristas mulçumanos con- testam a separação entre Es- tado e religião, a pluralidade ideológica, a representação parlamentar, o individualis- mo na esfera da política e da economia. A Razão desenvol- vida no Ocidente, filha do Iluminismo e do liberalismo, é subordinada à Fé. A irrupção integrista desenvolve-se sobre as desilusões do 3º Mundo mulçumano. Por décadas, essa parte do mundo acreditou no progresso e perseguiu essa miragem via ocidentalização (Irã), não-alinhamento (Egito), nacionalismo anti-imperialista (Argélia) ou socialismo (repúblicas da Ásia central). A revolução xiita no Irã (1979) assinalou o começo da reviravolta –ruptura com o futuro e retorno às certezas de um glorioso passado imaginário. A depressão econômica internacional da última década dissipou as ilusões que restavam, empur- rando multidões empobrecidas na direção do Islã. No mundo mulçumano –e nas faixas de contato com a Europa cristã e a Ásia hinduísta, budista e confucionista – o integrismo detona a frágil estabilidade política do pós-Guerra. (Leia mais sobre a geopolítica do Islã nas págs. 4 e 5) AS REVOLTAS DE 1968, 25 ANOS DEPOIS. Esta pichação, uma das favoritas dos estudantes de Paris, em 1968, traduzia as aspirações democráticas de um movi- mento social que desem- bocou numa séria crise do Estado francês. Ao mesmo tempo, em Praga, jovens intelectuais e operários exigiam o “socialismo de face humana” – um conjunto de reformas do sistema que pretendia abolir a subordinação de seu país a Moscou. O movimento seria esmagado, em outubro, pelas tropas do Pacto de Varsóvia. Em outros países europeus, nos Estados Unidos e no Brasil, ITÁLIA Escândalos de corrupção provocam o colapso do regime criado no pós-Guerra e levam o país à beira do abis- mo. Ironicamente, os ex- comunistas são hoje a grande chance De salvar a unidade nacional. milhões exigiram, nas ruas, o respeito aos direitos civis, o fim da discriminação sexual e ra- cial, melhores salários e condições de vida. Hoje, o fim das ditaduras, a leste e a oeste, reforçou a causa dos direitos civis. Mas o racismo, mais do que qualquer outro fator, resistiu às reformas e tornou-se um dos pilares da desigualdade no mundo. O racismo ameaça a democracia, em particular nos estados Unidos, países ricos da Europa e a África do Sul. PÁGs. 6 e 7 FUNDAMENTALISMO CONVULSIONA O ISLÃ

FUNDAMENTALISMO afia e Política nacional1993\mundo0393.pdf · afia e Política nacional MAIO 1993 ANO 1 - No3 Da Argélia à Índia, uma vasta faixa do mundo vive o impacto do fundamentalismo

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MAIO1993

ANO 1 - No3

Da Argélia à Índia, uma vasta faixa do mundo vive o impacto do fundamentalismo islâmico. O Islãconvulsiona os povos do Oriente Médio e norte da África, as ex-repúblicas soviéticas da Ásia cen-tral e o labirinto étnico e religioso indiano. Assumido a forma de Estado teológico -Irã-, de gruposarmados – Hamas palestinoe Hezbollah libanês-, ou demovimentos de oposição po-lítica – a FIS argelina e a Ir-mandade Mulçumana egíp-cia -, o fundamentalismorejeita os modelos políticosocidentais. O desafio postopelo radicalismo islâmicoperfura o tecido político eatinge o domínio da ética evalores filosóficos. Osintegristas mulçumanos con-testam a separação entre Es-tado e religião, a pluralidadeideológica, a representaçãoparlamentar, o individualis-mo na esfera da política e daeconomia. A Razão desenvol-vida no Ocidente, filha doIluminismo e do liberalismo,é subordinada à Fé. A irrupção integrista desenvolve-se sobre as desilusões do 3º Mundomulçumano. Por décadas, essa parte do mundo acreditou no progresso e perseguiu essa miragemvia ocidentalização (Irã), não-alinhamento (Egito), nacionalismo anti-imperialista (Argélia) ousocialismo (repúblicas da Ásia central). A revolução xiita no Irã (1979) assinalou o começo dareviravolta –ruptura com o futuro e retorno às certezas de um glorioso passado imaginário. Adepressão econômica internacional da última década dissipou as ilusões que restavam, empur-rando multidões empobrecidas na direção do Islã. No mundo mulçumano –e nas faixas de contatocom a Europa cristã e a Ásia hinduísta, budista e confucionista – o integrismo detona a frágilestabilidade política do pós-Guerra.(Leia mais sobre a geopolítica do Islã nas págs. 4 e 5)

AS REVOLTAS DE 1968, 25 ANOS DEPOIS.

Esta pichação, uma dasfavoritas dos estudantesde Paris, em 1968,traduzia as aspiraçõesdemocráticas de um movi-mento social que desem-bocou numa séria crise doEstado francês. Ao mesmotempo, em Praga, jovensintelectuais e operáriosexigiam o “socialismo deface humana” – umconjunto de reformas dosistema que pretendia abolir a subordinação de seupaís a Moscou. O movimento seria esmagado, emoutubro, pelas tropas do Pacto de Varsóvia. Em outrospaíses europeus, nos Estados Unidos e no Brasil,

ITÁLIAEscândalos de corrupçãoprovocam o colapso doregime criado nopós-Guerra e levamo país à beira do abis-mo.Ironicamente, os ex-comunistassão hoje a grandechanceDe salvar a unidadenacional.

milhões exigiram, nasruas, o respeito aosdireitos civis, o fim dadiscriminação sexual e ra-cial, melhores salários econdições de vida. Hoje, ofim das ditaduras, a lestee a oeste, reforçou acausa dos direitos civis.Mas o racismo, mais doque qualquer outro fator,resistiu às reformas etornou-se um dos pilares

da desigualdade no mundo. O racismo ameaça ademocracia, em particular nos estados Unidos, paísesricos da Europa e a África do Sul.PÁGs. 6 e 7

FUNDAMENTALISMO

CONVULSIONA O ISLÃ

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MAIO DE 1993 MUNDO

SEM FRONTEIRASEsta seção acolherá cartas de alunos e professores

contendo opiniões e críticas e não apenas a respeito dosassuntos tratados no boletim, mas também sugestãosobre sua forma e conteúdo. Só serão aceitas cartas

portando o nome completo, endereço, telefone e identida-de (RG) do remetente. A Redação reserva-se o direito denão publicar cartas, assim como o de editá-las para sua

eventual publicação.

EXPEDIENTE

MUNDO - Geografia e PolíticaInternacional é uma publicação de PANGEA- EDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DEMATERIAL DIDÁTICO LTDA. Distribuídapara as escolas conveniadasRedação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr.,Nelson Bacic Olic, José Arbex Jr. (editor)Jornalista Responsável: José Arbex Jr.Diretor Comercial: Arquilau Moreira RomãoEndereço: Rua Brasílio Taborda, 158, CEP05591-100, São Paulo, SP - Fones 813-2570(SP), (016) 634-8320 (Ribeirão Preto)Fax: (016) 623-5480 e Telex 164518 (RibeirãoPreto)A Redação de Mundo não seresponsabil iza pela opinião ouinformação veiculadas em matériasassinadas por eventuais colaboradores,as quais não se expressam,necessariamente, o seu ponto de vista

Um branco repleto de preconceito e ódio veio para nosso país e praticou um ato tãoinfame que toda a nossa nação agora oscila à beira do desastre.

(Nelson Mandela, dirigente do Congresso Nacional Africano, sobre o assassinato do líder negrosul-africano Chris Hani, na véspera da Páscoa, supostamente por um polonês de ultra-direita – OEstado de S. Paulo, 15/4/1993, pág. 14).

A frase era parte de um apelo à calma no país, sacudido por manifestações negras e repressãopolicial. Mas Mandela destila preconceito, ao ressaltar o fato do suposto assassino ser imigrante.

MUNDO NO VESTIBULAR

SEÇÃO PAPO CABEÇA

Tenho em mim todos os sonhos do mundo(Fernando Pessoa,1888-1935)

Respostas:

A Escola Estadual de Segundo GrauBrasílio Machado (SP) criou um Centro deInformação e Criação (CIC), dinamizando ouso de nossa biblioteca. Os dados revelam ointeresse dos alunos. Apenas no mês demarço, mais de 1.750 alunos freqüentaram abiblioteca, e só neste ano fizemos 1.210 car-teiras para consultas. Neste quadro, achamosque as informações veiculadas pelo boletimMundo são de fundamental importância,como subsídio à cultura e atualização de nos-so corpo docente e discente.(Neuza Mercadante, coordenadora doCIC da EESG Brasílio Machado)(NR - A dinamização da biblioteca, um dadorealmente exemplar, demonstra, mais umavez, que se os alunos têm oportunidade, elesse interessam, lêem e estudam. Nossos pa-rabéns ao CIC por suas atividades).

***Mundo nos ampliou os limites impostos por ca-dernos e livros. Com uma linguagem fácil, o bo-letim aborda assuntos que ocorrem à nossa voltae que às vezes passam desapercebidos. Atravésdele podemos abrir os olhos para certas situaçõesimportantes, sendo perfeitamente possívelentendê-las.(Daniele Guílhermino, 2a Colegial C do Colé-gio Mopyatã, SP)

***Nos últimos 5 ou 6 anos, o mundo transformou-se violentamente, modificando conceitos políti-cos, sociais e econômicos que julgávamos defini-tivos e imutáveis. Para as escolas e alunos, à par-te essa revolução mundial, restou a dificuldadede trabalhar com a ‘nova geografia”, problema queestamos resolvendo com a assinatura do boletimMundo. As primeiras experiências com o boletimrevelaram-se plenamente satisfatórias. Espera-mos que os próximos números mantenham o altonível.(Professor Úmile Calasso, Diretor da EscolaDrummond-Quarup de São Caetano do Sul)

***

1) (Fuvest - modificada) Discuta os principais conflitos no subcontinente indiano.2) (UFAL) A região sul da Itália constitui verdadeira “reserva de mão de obra” tantopara a região norte do próprio país como para outros países do Mercado Comum Euro-peu. Tal característica só relaciona ao fato de:

a) haver acentuado desequilíbrio regional entre o norte industrializado e o sul basicamenteagrícola e densamente povoado.b) todo o país ser essencialmente agrícola e a existência de clima com invernos rigorosos,no sul, criar condições de migração para o norte italiano.c) que dentro do país há vastas áreas a serem colonizadas e a ausência de política migratória leva a população a emigrar.d) o sul da Itália possuir a maior massa de mão-de-obra qualificada do país.e) o norte da Itália ter população em fase de envelhecimento e o sul ter população jovem.

3) (CESGRANRIO) Examine as seguintes informações, que dizem respeito a uma regiãodo mundo subdesenvolvido:

l - A partilha colonial não respeitou os limites entre as etnias existentes e deixoumarcas profundas na luta de alguns povos pela autonomia e pelo estabelecimentode um território onde possam viver.II - Um dos países mais importantes proclamou-se uma República Islâmica e pas-sou a ser governado por uma elite religiosa, que rompeu com o processo de mo-dernização em moldes ocidentais e se voltou para a recuperação dos valorestradicionais do islamismo.Ill - É de fundamental interesse estratégico, já que está localizada entre três conti-nentes e nela se encontram riquezas minerais básicas para a economia contempo-rânea.O conjunto de três caracterizações define uma região muito importante para o mundoatual. Qual é ela?a) Oriente Médiob) Mundo Indianoc) Sudeste Asiáticod) África Orientale) África do Sul

4) ( FUND.CARLOS CHAGAS) A expressão Magreb é dada pêlos africanos:a) à área coberta pela densa floresta tropical semelhante à Amazôniab) às áreas litorâneas que recebem alternadamente ventos secos ou úmidos denominadosmonções.c) à vasta região centro-africana arenosa, caracterizada por grande aridez e fortes amplitudes térmicas diárias.d) ao vale do Nilo que, com suas cheias, traz abundância de água e detritos orgânicos queenriquecem o solo.e) ao conjunto de terras situadas ao norte do Saara, compreendendo o Marrocos, a Argélia ea Tunísia.

5) (U.E.MARINGÁ) A Índia tornou-se independente do domínio inglês em 1947. A regiãoque compreendia a antiga colônia britânica da Índia ficou parcelada entre dois Estadosindependentes. Foram eles:

a) o Camboja e o Laos.b) o Camboja e a Índia.c) o Paquistão e o Vietnã.d) a índia e o Laos.e) o Paquistão e a Índia.

6) (UFJF-MG) O islamismo, religião fundada por Maomé e de grande importância naunidade árabe tem como fundamento:

a) o monoteísmo, influência do cristianismo e judaísmo, observado por Maomé entre povosque seguiam essas religiões.b) o culto dos santos e profetas, através de imagens e ídolos.c) o politeísmo, isto é, a crença em muitos deuses, dos quais o principal é Alá.d) o princípio da aceitação dos desígnios de Alá em vida e a negação de uma vida pós-morte,e) a concepção do islamismo vinculado exclusivamente aos árabes, não podendo ser professado pêlos povos inferiores.

Aspiramos conhecimentos que preenchem osporos do viver dos dias. Perfumes que noscircundam a gotejar de frascos diversossatisfazem-nos por suas essência e noscompletam por sua beleza. No andar das horasda vida, nos deparamos com boticas de sensaçõesinúmeras: lições do mundo que se prendem a nóseternamente.(Eneida Mioshí, aluna do curso de RedaçãoTantas Palavras de Ribeirão Prato)

1) Os conflitos, especialmente entre hindus e paquistaneses têm sua origem na independência daantiga colônia britânica da Índia. Dois países foram formados, a Índia (hinduísta) e o Paquistão(muçulmano). Desde então vêm ocorrendo conflitos não só entre os dois países, mas tambémentre as maiorias e minorias religiosas abrigadas em cada um deles. O ressurgimento dofundamentalismo islâmico tornou mais problemático o conflito religioso, e acabou reforçando oradicalismo hinduísta.

2)A; 3)A; 4)E; 5)E; 6)A

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MAIO DE 1993PANGEA

SEPARATISMO RONDA ITÁLIACrise na unidade italiana pode levar ex-comunistas ao poder

A Itália realizou, em abril, um plebisci-to que selou a sentença de morte do regi-me político vigente no pós-Guerra. A con-sulta foi precipitada pela “Operação MãosLimpas”, que revelou prática de corrupçãode quase 1.400 políticos e administrado-res. O plebiscito aprovou, por vasta mai-oria, a reforma do sistema eleitoral, e cau-sou a renúncia do gabinete de coalizãoliderado por Giuliano Amato. O governotransitório deve preparar as próximas elei-ções gerais, que fecharão o ciclo abertoem 1947, quando o Partido Democrata-Cristão (PDC) assumiu a hegemonia polí-tica, relegando o Partido Comunista (PCI)à oposição.

O Estado italiano do pós-Guerra foimoldado pela hegemonia do PDC. Essepartido foi o eixo de todos os gabinetesque, durante a Guerra Fria, mantiveram oPCI fora do poder. Formação ligada pormisteriosos laços ao Estado do Vaticano,a DC evoluiu como vértice de um regimeclientelista, apoiado nos votos doMezzogiorno (sul do país). Manipulan-do verbas públicas, a DC ligou-se àsmáfias sulistas e institucionalIzou acorrupção.

A dinâmica desse regime começou aesgotar-se há mais de 20 anos. O PCI

rompeu com Moscou e adotou oeurocomunismo, tornando-se alternativa“moderada” de poder. Incapaz de man-ter maioria estável, a DC passou a go-vernar à frente de coalizõesmultipartidárias. Em 1978, o assassinatodo democrata-cristão Aldo Moro, pelogrupo terrorista Brigadas Vermelhas, li-quidou a idéia, por ele encarnada, deuma sólida maioria DC-PCI (o “compro-misso histórico”).

Nos anos 80, a Itália tornou-se a tercei-ra maior economia da Europa, mas agra-vou-se a desigualdade norte-sul. Ao nor-te, grupos como a Liga Lombarda- mistu-ra de neofacismo, racismo e populismo-cresceram denunciando a corrupção dospolíticos e propagando o ódio aos imi-grantes pobres do sul. A “questão meri-dional” italiana (veja matéria abaixo)gerava a sua imagem simétrica- uma“questão setentrional”.

A crise precipitou-se em 1989, com o fimda Guerra Fria. O PCI abandonou o comu-nismo, transformando-se em PDC (PartidoDemocrático da Esquerda). A DC, minadapelas investigações sobre a corrupção, viuabalada a sua hegemonia. As eleições par-lamentares de abril de 1992 evidenciaramo crescimento do separatismo setentrional.Depois, a cúpula da DC (incluindo GiulioAndreotti, sete vezes premiê) e aliados doPartido Socialista (entre eles, o líder Bettino

SERVIÇOVídeos sobre a Unificação e o Mezzogiorno:• A Árvore dos Tamancos, Ermano Olmi• Juízo Final, Elio Petri• O Leopardo, Luchino Visconti• 1900, Bernardo Bertolucci• Pai Patrão, Paolo e Vittorio Taviani• Rocco e seus Irmãos, Luchino Visconti• O Siciliano, de Michael CiminoRecomenda-se, ainda, a série O PoderosoChefão (Francis Copolla), entre a longa listade filmes sobre a Máfia e ramificações.

O Mezzogiorno é a parte meridional daItália, que corresponde aos limites do anti-go Reino das Duas Sicílias. Ali, onde a po-breza atinge 26% da população (contramenos de 10% no centro e norte do país)oculta-se o poder das máfias.

Nos anos 20, ao escrever sobre a “ques-tão meridional”, o comunista AntonioGramsci lançou tese de que o atraso doMezzogiorno era fruto da Unificaçãoelitista da Itália. Ele propunha um novoRisorgimento –a aliança entre operáriosdo norte e camponeses do sul para fazer aunidade socialista da nação Mussolini, quejogou no cárcere onde morreria, buscavaa unidade à sombra do Estado totalitário eexpansionista.

O Risorgimento fora o prelúdio da Uni-ficação. Em 1848-49, eclodiam lutas nos Es-tados do Norte, dominados pela Áustriadesde o Congresso de Viena (1815). Quan-do a revolta radicalizou-se, ganhou subs-tância popular e ameaçou os EstadosPontifícios, as elites do Piemonte abando-naram o movimento e permitiram sua li-quidação. Na Unificação (1860-71), os na-cionalistas dividiam-se em duas vertentes:os monarquistas, liderados pelo rei do

POBREZA MEREDIONAL RESISTIU À UNIFICAÇÃO

Piemonte, Vitório Emanuel II, e os republi-canos, organizados por Garibaldi e Mazzini.Os monarquistas lutaram contra a Áustria,no norte e no centro, recorrendo à ajudaprimeiro da França e depois da Prússia. Osrepublicanos apelaram ao povo das DuasSicílias, onde conduziram a insurreição vi-toriosa. Em Aspromonte, no extremo sul,os piemonteses atacaram Garibaldi, em1862. A Unificação completou-se em 1871,com a tomada dos Estados Pontifícios e aproclamação de Roma a nova capital.

Garibaldi afastara-se, para não dividir omovimento. As elites do Piemonte negoci-aram a unidade do país com os poderososdo sul. As terras do Mezzogiorno, parce-ladas e leiloadas, foram adquiridas pelosricos, recompondo os latifúndios. Como es-creveu Tomaso di Lampedusa, “para quetudo permaneça como está, é preciso an-tes que tudo se transforme”.

A natureza elitista da unidade itali-ana alargou a fenda entre o norte e o sul.A miséria meridional gerou a últimagrande leva migratória do século XIX,dirigida ao Brasil e Estados Unidos, eredefiniu o caráter da Máfia, Camorra eCosa Nostra, que criaram um poder pa-ralelo. O Mezzogiorno tornou-se fontede mão de obra barata e de votos paraos políticos de Roma. O fascismo enrai-zou-se no sul, enquanto o norte organi-zava a Resistência. O desembarque alia-do na Sicília (1943) não encontrou apoiopopular, mas teve nos grupos mafiososuma azeitada rede logística. Em 1946, noreferendo que criou a República (12,7milhões de votos contra 10,7 milhõespara a Monarquia), o Mezzogiorno pre-feriu o lado derrotado.

EDITORIALEm 19 de abril, agentes do FBI (Polícia

Federal americana) usaram tanquescontra uma seita se fanáticos armadoscom pistolas e granadas, numa fazendaem Waco, Texas. Por razões ainda obscu-ras, a casa ocupada pela seita pegou fogo.Morreram 87 das 95 pessoas, incluindo 17crianças e o líder David Koresh. O gover-no tentou explicar-se, lançando até aversão de um suposto “suicídio coletivo”da seita. Em vão: nada justifica lançartanque contra cidadãos.

Em Waco, uma polícia embriagada depoder espalhou morte e destruição. Nessesentido, há forte semelhança com omassacre praticado na Casa de Detençãode Carandiru, SP, onde 111 seres humanosforam fuzilados pela PM, enquanto candi-datos à Prefeitura prometiam, na TV, omelhor dos mundos.

O choque entre os direitos dos cida-dãos e o poder de Estado é uma dascaracterísticas centrais da história moder-na –nada de “novo”, portanto, em Waco eCarandiru. O trágico –para além da conta-bilidade dos corpos-, é o fato de que o fimda Guerra Fria e o das ditaduras nãoeliminou o fantasma da barbárie, comoimaginavam os otimistas.

Mas o terror de Estado não é externoao Homem, não vem de Marte. Apóia-se,por exemplo, nos partidários doneonazismo, da “purificação étnica” naex-Iugoslávia, do racismo. Não basta“culpar” o Estado. É preciso rejeitar abarbárie –como em 1968, ou como oscarapintadas contra Collor. É uma Histó-ria sem fim, feita –como os seres huma-nos- de tragédias e de seu oposto, abusca da paz

Craxi) seriam derrubados pela “OperaçãoMãos Limpas”. Era o colapso do regime. Sóa eventual vitória do PDS nas próximas elei-ções abre uma perspectiva de salvar a uni-dade italiana. Fina ironia da história.

MAIO DE 1993MUNDO PANGEAMAIO DE 1993

TENSÕES NO MUNDO ISLÃMICO DESAFIAM O EQUILÍBRIO GEOPOLÍTICO DAS NAÇÕES

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SUBCONTINENTE INDIANOSe um Exército luta “em nome de Deus”, a decorrência é que seus inimigos são “inimigos deDeus”, legiões do demônio cuja liquidação fornece a chave redentora (...) Mas a exclusão radicaldo “outro” sob a forma da condenação mitológica não é propriedade do Islã, e sim de todas asideologias ou credos que dão origem a partidos, grupos e seitas. A peculiaridade do Islã –pedra

angular e eixo de seu edifício- é o fato de que o Estado identifica-se com a religião ou, nametáfora cristã, César e Deus são um (...) Os fanáticos do Islã –estejam no deserto iraniano ou no

metrô de Nova York- são uma expressão contemporânea da mesma intolerância que a IgrejaCatólica erigiu em método com a Santa Inquisição.

(José Arbex Jr., Folha de S. Paulo, 02 de novembro de 1990, caderno especial Islã, pág.1)

Fundamentalismo: vê nos fundamentosda religião a base para a tomada dedecisões na vida cotidiana e política. Otermo integrismo é muitas vezes utilizadocomo sinônimo.

Xiísmo: um dos ramos da religiãoislâmica. Crê em Maomé e segue o Corão.Possue guias espirituais (ímãs) que têm afunção de interpretar as palavras divinas.Não separa Igreja e Estado. É a maioria dapopulação em poucos países.

Sunismo: outra vertente do Islã. Crê emMaomé e segue o Corão, e que a relaçãoentre Deus e o fiel deve ser feita semintermediários. Admite certa separação

ORIENTE MÉDIO E ÁSIA CENTRALEm 1979, uma

revolução derrubava amonarquia do Irã eimplantava em seu lugaruma república islâmica.Desde então, o Irã, oOriente Médio e o mundomulçumano nunca maisforam os mesmos. O Irã éo que tem a maiorpopulação xiita entre ospaíses islâmicos. Na erado aiatolá Khomeini, líderde 1979, seus líderesatacavam os “satânicosEUA”, a “demoníacaURSS”, Israel, o Ocidenteem geral e todos os paísesmulçumanos não regidospelo Corão. No começo de1989, Khomeini chegou aoferecer US$ 1 milhão derecompensa pela morte doescritor Salman Rushdie, autor de Versos Satânicos, obra considerada blasfema. Oradicalismo isolou o Irã. Não foi surpresa, portanto, que durante a guerra Irã-Iraque,Bagdá tenha recebido apoio das mais variadas origens.

Contudo, a revolução iraniana lançou sementes que floresceram junto a muitaspopulações do mundo islâmico. O fundamentalismo pregado pelos iranianos passoua seduzir também os sunitas, historicamente mais moderados. Um dos exemplos dessainfluência é a milícia xiita libanesa Hesbollah, que participou ativamente da guerracivil do Líbano e que deu origem a vários pequenos grupos igualmente radicais. Outroexemplo é o Hamas, que aposta na radicalização da Intifada (revolta das pedras, emárabe), movimento que começou espontaneamente, em dezembro de 1987, pelospalestinos que se opõe à ocupação, por Israel, dos territórios da Cisjordânia e Faixade Gaza. Mas a morte de Khomeini, em junho de 1989, permitiu que o novo governoassumisse uma política mais “pragmática” –o país pagava um preço muito alto porseu isolamento. Durante a Guerra do Golfo (1991), o Irã criticou tanto a invasãoiraquiana do Kuait como a interferência das forças da coalizão anti-Iraque. A derrotairaquiana transformou o Irã na mais forte potência do Golfo, só equiparável à feudalmonarquia saudita, sustentada pelos EUA.

O Irã alçou-se à condição de potência geopolítica, com capacidade de interferirnão apenas no Golfo, mas também nos processos em curso nas repúblicas islâmicasda antiga União Soviética. Teerã (capital iraniana) ora apresenta planos de cooperaçãoeconômica, ora atua como mediador nos conflitos que ali ocorrem. Nessa ofensivaeconômico-diplomática, o único país islâmico a disputar áreas de influência com o Irãé a Turquia, que forma, com o Egito e a Arábia Saudita o tripé islâmico de sustentaçãodos EUA no Oriente Médio. Em qualquer hipótese, não haverá solução para osintrincados problemas geopolíticos dessa região sem o aval de Teerã.

NORTE DA ÁFRICA E MAGBRED

Em dezembro de 1992, fanáticoshindus invadiram a cidade de Ayodhya,no norte da Índia e, demoliram umamesquita mulçumana. Desde entãoexplodiram conflitos entre fanáticos eforças policiais, que causaram mais de2000 mortes. Em março, uma série deatentados à bomba em Bombaim, ocentro financeiro do país, causaram 200mortes e mais de 1000 feridos. Emboranenhum grupo tenha assumido a autoriados atentados, políticos hindus sugeriramque eles teriam sido executados pormulçumanos “monitorados do exterior”(entenda-se o Paquistão). Dos 850milhões de habitantes da Índia, cerca de83% são hinduístas, enquanto osmulçumanos chegam a 100 milhões.

Os fatos descritos acima fizeramcrescer os temores de um novo confrontomilitar entre Índia e Paquistão, onde aimensa maioria da população émulçumana. A rivalidade entre os doispaíses é antiga e remonta à época de suasindependências, em 1947. Desde estadata, os dois países se envolveram emtrês conflitos (1948,65 e71). Nos dois

primeiros disputava-se aregião da Cashemira (vejao mapa ao lado): em 71, oconflito resultou naseparação do antigoPaquistão Oriental, que deuorigem a um novo país,Bangladesh.

A rivalidade entrehindus e mulçumanos é sóum aspecto dos surtos deviolência étnica e religiosaque, periodicamente,explodem na Índia. Em1984, a primeira-ministraIndira Ghandi foi morta pordois de seus guardas queeram de origem sikh. Ossikhs correspondem aapenas 2% da populaçãoda Índia, mas perfazemmais de 90% da populaçãoda região de Punjab, no

noroeste do país (veja mapa ao lado).Desde há muito eles lutam para a criaçãode um país próprio, o Calistão. A violentarepressão do governo hindu contra osanseios de liberdade dos sikhs teriam sidoa causa do assassinato de Indira.

Nos últimos 5 anos, uma nova forçapolítica surgiu na Índia. O PartidoBharatiya Janata (BJP), radical em seu“fundamentalismo” hinduísta, vemcrescendo de forma espetacular a cadanova eleição. Ele surgiu para se contraporao Partido do Congresso, no poder desdea independência e, que defende aneutralidade do Estado perante àsreligiões professadas na Índia. Ocrescimento do BJP foi também umaespécie de resposta ao aumento do fervorislâmico nos países vizinhos.

O BJP esteve à frente dos fanáticos deAyodhya e, se seu discurso radicalcontinuar arregimentando mais adeptos,o sub-continente indiano poderá setransformar num dos maiores campos debatalha entre o secularismo e ofundamentalismo. Quadro nada tranqüilopara um país com arsenal nuclear.

SERVIÇO

•Oriente Médio, de Maomé àGuerra do Golfo, Jurandir Soares,Ed. Universidade, RS.•Oriente Médio e o MundoÁrabe , Maria Y. Linhares,Brasiliense, SP, 1982.•O Vôo da Águia (ficção política),Ken Follet, Círculo do Livro, SP,1985.•Inshallah (ficção política), OrianaFallaci, Best Seller, SP, 1990Vídeos:•O Vôo da Águia, Andrew McLaglen, Estados Unidos, 1986.•RAS –Regimento de ArtilhariaEspecial, Yves Boisset, França, 1978.•Ghandi, Richard Attenborough,Inglaterra, 1982.

Em 22 de abril, sete fundamentalistasegípcios foram condenados à morte,acusados de atacar ônibus de turistas.Doze anos antes, fundamentalistas dogrupo Irmandade Mulçumana haviamassassinado o presidente Anuar al Sadat.Na Tunísia, desde 1987 estão ocorrendoatentados de fundamentalistas doMovimento da Renascença(Ennahda). Vários de seus membrosforam condenados e executados. NaArgélia, a fundamentalista FrenteIslâmica de Salvação (FIS) reivindicaque o país seja regido pelas leis do Corão.No norte da África e Magreb (regiãoformada por Marrocos, Argélia e Tunísia),apenas Líbia e Marrocos parecem menos

vulneráveis ao crescimento dofundamentalismo.

No Egito, as décadas de 50 e 60 forammarcadas pelo nasserismo, doutrinadesenvolvida por Gamal Abdel Nasser. Seugoverno (1954-70) foi marcado por um fortenacionalismo. No plano externo, Nasser, umdos líderes do bloco de países não alinhados,encarnou mais do que ninguém a causa dopan-arabismo (união dos povos árabes). Seussucessores não deram continuidade aosprojetos nem resolveram a grave crise que hámuito aflige o país.

A Argélia tornou-se independente em 1962,após uma sangrenta guerra com a França. Opoder foi assumido pela Frente deLibertação Nacional (FLN), marcadamente

anti-imperialista e simpática à URSS. Asituação do país começou a se complicarno final dos anos 80, quando, tambémcomo reflexo da crise na URSS –seuprincipal parceiro político e militar-, a FLN,o único partido legal, não conseguia contera insatisfação da população. A FIS tornou-se cada vez mais ousada, desafiandoabertamente a FLN, que mantém o país sobleis de exceção.

O fundamentalismo cresce comoresposta à incapacidade de modelosestranhos ao Islã promoverem o fim damiséria. Líbia e Marrocos, as exceções, sãoferozes ditaduras em que a oposição aindateve chance de se expressar.

Ao momento de defecar ou urinar, épreciso se agachar de modo a nãoficar de frente nem de costas a Meca.

O vinho e as outras bebidas queembriagam são impuras, mas o ópioe o haxixe não o são.

A mulher que deseja continuar seusestudos com o fim de ganhar a vidapor meio de um trabalho decente, eque tenha um homem comoprofessor, poderá fazê-lo, se cobriro rosto e se não tiver contato com oshomens. Mas, se isso for inevitávele contrariar os princípios religiosos,ele deverá renunciar aos estudos.

Não se deve abater um animal numa5º feira à noite ou numa 6º antes domeio-dia.

É muito reprovável barbear-se, sejacom barbeadores de lâmina ouelétricos.

(Em princípios políticos,filosóficos, sociais e religiosos doAiatolá Khomeini, Record, Rio,1981).

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MAIO DE 1993 MUNDO

maio de 1968, 25 anos depois

RACISMO RESISTE À DEMOCRACIA...O PRIMEIRO ANO DO RESTO DE NOSSAS VIDAS

Luta pelos direitos civis, contra o racismo e a guerra, liberação sexual,“boom” das drogas e rock n”roll inauguram o modo de vida atual.

22 de março: emNanterre (bairro deParis), estudantesexigem melhorescondições de ensino etomam a universidade.O reitor convoca apolícia. Há luta, presos eferidos. Daniel Cohn-Bendit apela à esquerdapara organizar a lutacontra o Estadoopressor. Com o apoiode gente do porte deJean-Paul Sartre, oMovimento 22 de Março,liderado por Bendit,toma as ruas de Paris,em abril e maio,desafiando o governo egerando uma forte crise.As ruas de Paris sãocenário de grandesbatalhas, com centenasde feridos e váriosmortos. Em 17 de abril,os operários da Renaultocupam a fábrica, emsolidariedade aosestudantes e pormelhores salários. Asgreves se alastram, aFrança pára. O PartidoComunista perde ocontrole do movimento. Em 29 de abril,800 mil apoiadores do presidente,general Charles de Gaulle, fazem umgigantesco ato pró-governo. De Gaulledecreta aumento salarial de 35%(inflação anual de 5%), dissolve oParlamento e antecipa as eleições gerais.A esquerda é derrotada. Os socialistasperdem 61 cadeiras e os comunistas 39.Em 18 de junho, a polícia retoma aUniversidade de Sorbonne, no QuarierLatin, coração de Paris e do movimento.

Enquanto isso, estudantes etrabalhadores desafiavam seusgovernos na Tcheco-Eslováquia –contraa opressão soviética; nos Estados Unidos–contra a Guerra do Vietnã e o racismo;na Alemanha Ocidental –contra umauniversidade fossilizada, autoritária eobsoleta; na Espanha –contra a ditadurasanguinária franquista, que completava29 anos; no México –contra a pobreza epor melhores condições de ensino; noJapão –contra a sociedade hierarquizadae corrupta; no Brasil –contra a ditadura.

Paris tornou-se símbolo de 1968 porcausa de seu lugar histórico e cultural.Mas as batalhas mais sangrentasaconteceram em países como o México,onde dezenas foram mortos numa únicanoite, em setembro, e Brasil, onde

universitários –alguns deles, brilhantesintelectuais- aderiram à guerrilha eterminaram torturados e assassinados.

1968 foi também o ano da liberaçãosexual e cultural. Em 29 de abril, NovaIorque estreou a peça Hair, em que, pelaprimeira vez, atores mostravam-se nus.Hippies pregavam paz e amor.Intelectuais da contracultura e da artepop denunciavam mitos e a hipocrisiapor trás da “civilização”. No Brasil, aTropicália de Caetano Veloso e GilbertoGil colocava o país na vanguarda estéticamundial. Mais que um “sonho utópico”,1968 não acabou, mas inaugurou a idadecontemporânea. Foi, nesse sentido, oprimeiro ano do resto de nossas vidas.

A mobilização dos “carapintadas” foi decisivapara precipitar o impeachment do presidenteFernado Collor de Mello. O Brasil tornou-se oúnico país do 3º Mundo a derrubar um presidentepor corrupção e transgressão da ética. Nessesentido, os jovens brasileiros renovaram, em 92,o espírito de 68.

Não foi 1968. Foi todo um período dos finsdos anos 50 ao início dos anos 70. 68sobreveio como espasmo, catalizando adramática metamorfose cultural. Afinal, antesdesse “annus terribilis”, o time do Santos jáhavia transformado o futebol em balé;Cassius Clay, o ringue numa arena política;Elvis Presley, a música negra num atentadoao bom-senso; Andy Warhol, a alta cultura emcultura popular e vice-versa; a guerra daNigéria, a atrocidade em espetáculotelevisivo; Samuel Beckett, o teatro emincomunicação ritualizada; a “nouvellevague” francesa, o cinema; e Brigitte Bardotfizera do estrelato um atentado aos costumes,Norman Mailer já havia proclamado arevolução juvenil. Em 68, o pessoal só pôsfogo no cenário, tendo o cuidado de bloqueara saída.

(Nicolau Sevcenko, Folha de S.Paulo,especial-5, 02 de maio de 1993).

Em Praga, jovens liberados pelo“socialismo de face humana” do entãosecretário-geral do Partido ComunistaTcheco, Alexander Dubceck, alegrementequeimam jornais soviéticos. A “festa” seriainterrompida em outubro, com a invasãode 500 mil soldados do Pacto de Varsóvia.

EUROPA - 93Convenção de Schengen

discrimnina estrangeiros da CE

A comunidade Européia (CE) declaraapoiar-se sobre “quatro liberdades” emseu espaço territorial: livre circulação decapitais, mercadorias, serviços epessoas. As três primeiras beneficiamempresas. A última, que representariauma conquista dos povos, tende a setransformar em fonte de discriminaçãocontra residentes estrangeiros.

Ao criar acomunidade, em1957, o Tratado deR o m aestabeleceu ameta da livrecirculação depessoas semdistinção denacional idade,raça ou religião. O Ato Único Europeu(1986), que definiu a Europa-93,reproduzia a meta. Assim, enquantoerguia muralhas contra a imigraçãoestrangeira (ampliando a lista de paísesdos quais se exigem vistos, elitizando asua concessão e reforçando o controlepolicial dos portos), a CE comprometia-se a remover entraves ao deslocamentode residentes.

E s s ecompromisso foirompido pelaConvenção deS c h e n g e n(Luxemburgo),firmada em junhode 1990 peloBenelux, França eAlemanha, à qual aderiram Espanha ePortugal. A convenção sobre o controle daliberdade de circulação, da imigração ecriminalidade, revela no título suas basesdiscriminatórias. Ao equiparar imigração ecriminalidade, dá ao racismo um caráterinstitucional.

A carta de Schengen define um duplotratamento para os residentes da CE.Aos naturais da comunidade ficama s s e g u r a d o stodos os direitos.Já os demaisficam impedidosde mudar de paísno interior da CE.Mesmo para at r a v e s s i atemporária dasfronteiras elesdevem estar em situação legal perantea Imigração de seu país de residência erevelar o objetivo do deslocamento. AConvenção prevê a criação de umsistema de registro das personas nongratas, que teriam vedado o direito àcirculação. Finalmente, estabelece aperda do direito de residência aos nãonaturais acusados de fraudardocumentos de deslocamento. A CEcriou, assim, a figura do “residente desegunda classe”, estabelecendofronteiras invisíveis entre os cidadãoseuropeus.

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MAIO DE 1993PANGEA

maio de 1968, 25 anos depois

... E DESAFIA OS DIREITOS CIVISAFRICA DO SUL

ESTADOS UNIDOS

A América ainda festejava a vitória na Guerra

Fria quando a revolta de Los Angeles, em

maio de 1992, mostrou que a miséria e a

tensão racial criam uma situação de conflito

latente no país. Mais dramático, não há lideres

negros com o carisma do pastor Martin Luther

King (acima, à dir.), assassinado em 1968,

ao passo que o radical Malcon X foi

transformado em sucesso de bilheteria, usado

para vender camisetas e produtos de

consumo (acima, à esq.).

Contra a Constituição, prática discriminatória transforma americanosnegros e hispânicos em cidadãos de segunda classe.

Para conter a revolta de Los Angeles,de 29 de abril a 2 de maio de 1992, ogoverno americano mobilizou 14 milsoldados, mais do que para invadir oPanamá (dezembro de 1989). A revoltafoi causada por um veredicto queinocentava quatro policiais brancos que,um ano antes, haviam espancado ummotorista negro, Rodney King, que dirigiaem alta velocidade. A cena, filmada porum amador, foi transmitida pela TV.

A revolta causou 50 mortes, dezenasde feridos e 12 mil prisões, mas foi só aparte mais visível do drama que milhõesde negros e hispânicos sofrem no país,graças à segregação racial. Dados oficiaisindicavam que, em 1991, o índice depobreza entre negros americanoschegava a 33%, o triplo do verificado entrebrancos (11%) e próximo ao de hispânicos(29%). Mas o racismo não é visível só nosdados econômicos. Segundo a AnistiaInternacional (Informe de 1991), achance de um assassino ser condenadoà morte é 82% maior se a vítima forbranca ou se o suposto criminoso fornegro.

A tensão racial agravou-se nos anos80, por uma razão bastante precisa. A lutapelos direitos civis ganhara um grande

impulso em 28 de agosto de 1963, quando200 mil pessoas fizeram uma marcha emWashington, liderada por Luther King. Em1964, o presidente democrata LyndonJohnson lançou o programa GrandeSociedade contra a pobreza. Em 1968,combinaram-se as ações contra a Guerrado Vietnã e pelos direitos civis. Oassassinato de King, em 4 de abrildaquele ano, gerou uma onda deviolência que reforçava a convicção sobrea necessidade de programas contra apobreza. Mas nos anos 80, os presidentesneoliberais Ronald Reagan e George Bushcortaram os gastos federais com serviçossociais e públicos. O principal impacto foisobre os pobres, de maioria negra ehispânica. Los Angeles foi o apito dapanela de pressão.

ServiçoFilmes (recentes e/ou em vídeo):Faça a Coisa Certa, Mais e Melhores Blues eMalcom X, de Spike Lee, EUALivros:Os Ciclos da História Americana, ArthurSchlesinger Jr., Civilização Brasileira, Rio, 92.Breve História dos Estados Unidos, AllanNevins e Henry Steele, Alfa Omega,SP, 86.A Outra América – Auge, Decadência e Crisenos Estados Unidos, José Arbex Jr., Moderna,SP, 93 (no prelo)

Há quinze meses, no dia 17 de marçode 1992, um plebiscito organizado pelogoverno da África do Sul, restrito aoeleitorado branco, assestou um golpeletal no segregacionismo. Quase 70%votaram pelo fim do apartheid,apoiando o presidente Frederik De Klerke seu Partido Nacional Africano (CNA)Chris Hani, deflagrando nova onda deviolência.

Entre esses dois momentos, aesperança de uma transição pacíficarumo ‘a democracia foi golpeada pelocrescimento da tensão racial e étnica,enquanto patinavam as negociaçõesentre o governo e o CNA. A expectativade convocações de eleições gerais,baseadas no voto universal, foi adiadapara 94. O conflito entre CNA e oInkhata (grupo étnico apoiado napopulação zulu), estimulado pormilícias paramilitares brancas, mantémviolência nos subúrbios negros. Asnegociações com o governo esbarramna falta de acordo sobre a futura divisãodo poder no país.

O apartheid, estabelecido a partir de48, visava perpetuar a África do Sulbranca, contra a maioria de 25 milhõesde negros (para 6,6 milhões de brancose 4,7 milhões de mestiços e asiáticos).Nos anos 70, foram criadosbantustões independentes, reservasetno-tribais, transformadas em micro-Estados e declaradas soberanas pelogoverno visando desnacionalizar a

maioria negra.A liquidação doapartheid – fruto da nova realidademundial e do espectro da guerra racial– começou com a chegada ao poder deDe Klerk, em 1989. O novo governooptou pelo desmantelamento gradualdo segregacionismo, e negociar umapartilha do poder capaz de preservarprivilégios dos brancos. Um dos pilaresdessa política é a divisão dos negros.

Um abismo continua a separar ogoverno e o CNA. Os líderes negrosexigem a aplicação do princípio umhomem, um voto – o que resultariana formação de um governo da maiorianegra. Esse princípio democráticocontinua a ser rejeitado pelos brancos.

voto continua sendo umprivilégio da minoria branca

INDICADORE SOCIAIS

Serviço:O Negro e o Outro, Anthony Sampson,Companhia das Letras, SP, 1998.África do Sul, Demétrio Magnoli, Contexto,SP, 1992.