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Fundamentos Da Teologia Prática (Júlio Zabatiero)

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Fundamentos da teologia prática

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  • teologia prtica

    Editora Mundo CristoSo Paulo

  • FUND.Alv1ENTOS DA TEOLOGIA PRTICACATEGORIA: TEOLOGIA / REFERtNCIA

    Copyright 2005, por Jlio ZabatieroTodos os direitos reservados

    Coordenao editorial: Silvia JustinoPreparao de texto: Renata BoninReviso: Rodolfo OrtizSuperviso de produo: Lilian MeloCapa: Douglas Lucas

    Os textos das referncias bblicas foram extrados da verso Almeida Revista e Atualizada.2 a ed. (Sociedade Bblica do Brasil), salvo indicao especfica.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro; SP~ Brasil)

    Zabatiero, JlioFundamentos da teologia prtica / Jlio Zabatiero. - So Paulo:

    Mundo Cristo, 2005.

    Bibliografia.ISBN 85-7325-417-3

    1. Teologia prtica I. Ttulo.

    05-4223

    ndice para catlogo sistemtico1. Teologia prtica: Cristianismo 230

    coo-230

    Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados pela:

    Associao Religiosa Editora Mundo CristoRua Antonio Carlos Tacconi, 79 - CEP 04810-020 - So Paulo - SP - BrasilTelefone: (lI) 5668-1700 - Home page: www.mundocristao.com.br

    Editora associada a: Associao Brasileira de Editores Cristos Cmara Brasileira do Livro Evangelical Christian Publishers Association

    A I a edio foi publicada em janeiro de 2006, com urna tiragem de 2-500 exemplares.

    Impresso no Brasil10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 06 07 08 09 10 11

  • SUITlrio

    Prefcio 7Introduo 11

    1. A teologia prtica como modo de serda teologia crist 19

    2. Teologia prtica: uma teologia daao em discernimento 33

    3. Uma cristologia prtica: o senhorio de Jesus 49

    4. Uma soteriologia prtica: vida em liberdade 63

    5. Uma espiritualidade cristocntrica 77

    6. Uma espiritualidade solidria 93

    7. A missiologia integral paulina 107

    Concluso - O circuito teolgico-prtico:a mstica humana do mistrio divino 125

    Bibliografia de consulta sugerida 131Bibliografia 133Sobre o autor 137

  • Prefcio

    CONSIDERO JLIO ZABADERO um dos melhores telogos brasileiros.No me canso de admirar sua habilidade em escrever e principal-mente em compartilhar (quando quer) coisas profundas e compli-cadas com muita simplicidade. Nesta sua obra, mais uma vez elenos brinda com um trabalho de muita criatividade e, ao mesmotempo, extremamente simples para que todos pudessem tirar pro,veito dele.

    A teologia prtica precisava ser definida e redesenhada paranossos pastores, professores de seminrios e seminaristas, a fim deque ela pudesse se firmar em relao s outras teologias. Ficavasempre no ar a idia de que a capacidade acadmica de quem traba-lha com a teologia prtica inferior daqueles que trabalham comas demais disciplinas. Creio que o autor rompe as barreiras fictciasdo mundo teolgico, as quais j no se sustentam no mundo mo,derno, ao definir que "teologia prtica teologia que nasce da pr-tiea teolgica".

    Considero tambm valiosa a escolha de uma das cartas do aps-tolo Paulo (Colossenses) como ponto de partida. Mais uma vez,rompem-se barreiras preconceituosas no saber teolgico. Jlio parte

  • 8 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PR rICA

    da ao missionria de uma das pessoas mais marcantes do cristia-nismo para propor que: "fazer teologia prtica refletir critica-mente sobre a prtica teolgica em nosso contexto de vida". Emboraesta afirmativa parea bvia, a realidade que, em vez de reiter-la,muitos estudiosos da Bblia tm negado que a misso a me dateologia."

    H autores que no apenas desprezam a misso, mas tambm osque trabalham teologicamente a partir dela. Entretanto, como possvel elaborar teologia sem pratic-la, especialmente por se tra-tar de ao divina? Por isso, a caducidade de certos pensamentosteolgicos. Foram formulados longe da realidade, do contexto emque o povo est inserido.

    Precisamos de coragem para romper com os conceitos impostos construo do saber e em especial formao da liderana crist(atravs de seminrios teolgicos, mas no exclusivamente) que vemdespontando e que ter a grande responsabilidade de conduzir aigreja nas prximas dcadas.

    O surgimento de tantos modelos eclesisticos tem se tornadoum tremendo desafio para as pessoas preocupadas com o rumo quea igreja vem tomando. No basta apenas criticar os novos mode-los. preciso propor uma teologia adequada aos novos tempos.Por isso, creio que este livro poder auxiliar-nos nas reflexes futu-ras. Refletir teologicamente uma necessidade, e uma necessidadeurgente.

    preciso dar um basta na crtica apenas pela crtica, fundamen-tada em postulados teolgicos distantes de nossa realidade, e porisso incuos para a caminhada da igreja de hoje.

    Duas colocaes finais. Os textos de Jlio mostram dois fatosbem claros: ele um homem comprometido com a Palavra de Deus,

    'Martin KAHLER, Mission is the "mother of theology", p. 190.

  • PREFACIO 9

    oque torna sua teologia prtica acima de tudo uma teologia bbli,ca, einteiramente comprometido com amisso da igreja.

    Estes dois fatos, por si s, me levam asugerir,lhe que leia esset I t I'texto euse~o como Instrumento para apnmorar seu ffilnlsteno, ou

    sejat sua teologia prtica,

    ANTONIO CARLOS BARRO

    Mestre eDoutor em Missiolo~aMemoro do Comit Executivo do Congresso de Lausanne

  • Introduo

    CONSIDERO O ESCREVER UM exerccio de liberdade e paixo. A liber-dade de refletir criticamente sobre minha prtica, minha igreja,minha escola, enfim o mundo em que vivo, e a paixo de servir aDeus e edificar a igreja, na ardente expectativa do Reino de Deus.

    Vivemos em um tempo paradoxal: nunca tantas novidades ge..raram tanta mesmice! O consumismo da ps-modernidade cria edestri seus produtos com imensa velocidade. Tudo tem prazo devalidade efmero. Quantos meses dura um carinho? Quantos anosdura um modelo de igreja? Quantos livros de liderana crist ain..da tero de ser escritos para aprendermos a liderar?

    Nunca houve tantos livros de teologia publicados no Brasil.Livros de todos os tipos, de todas as tendncias e pocas, e apesarde tamanha diversidade, porm, a imensa maioria muito seme-lhante, j que no prope formas diferentes de fazer teologia. Fica-mos acostumados a pensar nela a partir das grandes divisesdisciplinares que se formaram na Modernidade: teologia bblica,teologia histrica, teologia sistemtica e teologia prtica. Cada umadessas divises apresenta suas regras, sua metodologia, seus objeti..vos e sua histria.

    Em ambientes de formao teolgica, quando se menciona apalavra "teologia" sem adjetivos, quase sempre se pensa em teolo...gia sistemtica, e logo se revivem nomes como Berkhof, Barth,Tillich, Erickson e outros. V em-nos mente a imagem de pesados

  • 12 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    livros que discutem os grandes temas doutrinrios cristos: Deus,Trindade, revelao, criao, pecado, redeno, igreja, escatolo-gia, cristologia, pneumatologia etc. Para vrios pastores e pastoras,outra lembrana no to agradvel tambm se manifesta: a do exa-me de ordenao...

    Depois de muito tempo de domnio quase absoluto, a teologiasistemtica passou a ser desafiada pela teologia bblica. Qual delasteria o direito de ostentar o ttulo de rainha das cincias teolgicas?Ser que a teologia sistemtica, por ser sistemtica, no bblica?At que ponto a teologia bblica efetivamente bblica (fiel s Escri-turas)? Um nome no garante a qualidade da reflexo, afinal, vriasobras de teologia bblica no foram aceitas com entusiasmo pelasigrejas.

    De uma forma ou de outra, porm, para muitas pessoas teologiabblica e sistemtica apresentam algo em comum: ocupam-se de con-ceitos, sistemas, noes abstratas que pouco ou nada tm que acres-centar vida cotidiana das pessoas e comunidades crists. Emboraesse juzo no seja de todo correto, transita livremente em vrioscrculos acadmicos e em especial nos eclesiais.

    Em sntese: quando se pensa em teologia, a maioria das pessoaslembra de teorias pouco interessantes e relevantes para os desafiosda vida crist e da prtica ministerial. A prpria teologia prtica, emmuitos casos, no tem passado de uma tecnologia, de uma teologiaaplicada, que acaba no sendo nem teologia, nem prtica - de acor-do com as noes mais comuns desses dois termos.

    Em ambientes acadmicos, a teologia prtica tende a ser relegadaa segundo plano por ser pouco teolgica, e em ambientes eclesiaistende a ser desconsiderada por ser teolgica demais. A maior partedos livros de teologia recm-publicados pode ser facilmente classifi-cada numa dessas fronteiras disciplinares.

    Essas breves consideraes sobre a mesmice da novidade e sobreos diferentes prestgios da teologia no dia-a-dia eclesial e acadmico

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  • INTRODUO 13

    evanglico visam a ajudar-me a explicar um pouco a natureza destaobra. Embora se trate de um livro sobre teologia prtica, a baseargumentativa a carta de Paulo aos colossenses, a temtica segue aterminologia da teologia sistemtica e o contedo no oferece mode-los nem receitas para a prtica. Voc poderia pensar ento: Afinal,de que tipo de teologia trata este livro?".

    Reafirmo o ttulo: truta-se de um livro de teologia prtica. Noentanto, ele considera os limites da modernidade e tira proveito daspossibilidades que a chamada ps-rnodernidade oferece, transgre-dindo as fronteiras disciplinares convencionais do saber teolgicocom liberdade e paixo.

    Certamente este no o primeiro livro de teologia que transgri-de fronteiras disciplinares. Quem est acostumado leitura teol-gica se lembrar de imediato de autoras e autores recentes - comoJ. Moltmarm, J. Cone, L. Boff, Sal1ie McFague. De fato, h um am-plo reconhecimento de que as fronteiras disciplinares criadas na mo;dernidade esto desgastadas e precisam ser superadas.

    Do reconhecimento ao, entretanto, h uma longa distncia apercorrer. Pense, por exemplo, no currculo de seminrios e faculda-des de teologia. Voc se localiza facilmente nos departarnentos deBblia, Teologia Sistemtica e Histria, Teologia Prtica e Cinciasde Apoio ou Anlise da Realidade.

    Ao pensar em fazer mestrado ou doutorado em teologia, imedia-tamente essas reas do saber teolgico lhe sero oferecidas. A ques-to : como reorganizar o currculo teolgico de modo a transgrediressas fronteiras sem comprometer o reconhecimento do curso deteologia como tal? Toda organizao de ensino teolgico baseia-senessa categorizao disciplinar. Se a transgredimos, que fazer? Comosero os cursos de teologia?

    Pense, tambm, em seu ministrio eclesial ou missionrio. Comoconceber-lhe a identidade ministerial se essas fronteiras disciplina-res deixarem de ser reconhecidas como a nica forma possvel de

  • 14 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PR TlCA

    organizar a atividade teolgica e ministerial? Ser que as palavras"pastor", "missionrio" e "educador" continuaro a representar comclareza seu significado?

    Nas entrelinhas deste livro, por exemplo, proponho que todapessoa que serve a Deus liderando a igreja atravs de ministrios"ordenados" (ou, se no "ordenados", reconhecidos e estruturadosnas instituies eclesisticas), se considere, mais que ministra ouministro, teloga prtica e telogo prtico. Que diferena far essanova viso de si em sua atividade ministerial e em sua auto-ima-gem? Se, em vez de "pastor(a)", voc se apresentar como "telogo(a)prtico(a)", como as pessoas e a comunidade eclesiaI reagiro?

    Proponho nas entrelinhas porque, afinal, mudanas dessa enver-gadura no dependem apenas da vontade de uma pessoa, por maisque essa inteno tenha slida base terica e relevncia utpica paraa igreja. Proponho apenas nas entrelinhas porque creio que maisimportante que a aceitao terica dessa possvel mudana, o reco-nhecimento da prtica teolgica como atividade devocional e minis-terial relevante. Ela to necessria quanto qualquer tarefa ministeriale disciplina espiritual que nos dispusermos a definir ou reconhecercomo prioritrias.

    Teologia prtica nasce da prtica teolgica. E esta indica, aqui,todo e qualquer servio que, como lderes do povo de Deus, realiza-mos para a glria de Deus, a expanso do Reino, o crescimento daigreja e a edificao do Corpo de Cristo. Fao questo de destacar oadjetivo da expresso "prtica teolgica". Encontramos mais comu-mente as expresses "prtica ministerial", "prtica missionria", "pr-tica de liderana" ou, talvez a forma mais comum, simplesmente"prtica" .

    Pessoas prticas so pessoas eficazes, que no se perdem em teorias,nem gastam tempo com reflexes inteis e muito menos comlucubraes estratosfricas. Pessoas prticas no so pessoas teolgi-cas, nem pessoas tericas. Quem prtico, faz. Quem terico,

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  • INTRODUO 15

    pensa. Tais concepes no poderiam estar mais distantes do queeste livro se dispe a apresentar. Prtica irrefletida tem pouqussimaeficcia. Teoria bem formulada extremamente prtica.

    Para ser bem formulada, no entanto, a teoria deve nascer da pr-tica. Essa uma das razes por que optei por alicerar estes funda-mentos da teologia prtica na carta aos colossenses. Todas asepstolas de Paulo so eminentemente teolgicas. T rata-se de umconjunto de teoria na melhor acepo dessa palavra. So timas teo-rias teolgicas porque nascem da prtica paulina e da prtica dasigrejas paulinas, mas no se esgotam nela. Germinam da prtica evo crescendo, amadurecendo, florescendo. Tornam-se, ento, pr-tica refletida, conceitos, imagens, metforas teolgicas. Ao frutifi-car, delas colhemos mais e melhores prticas.

    Fazer teologia prtica refletir criticamente sobre a teologia quepraticamos em nosso contexto. N a linguagem bblica, exercer sa-bedoria e discernimento. A reflexo teolgica, porm, embora surjada prtica, no se alimenta dela. Seu alimento terico. Trata-se dediscursos outros sobre a prtica.

    Para ns, evanglicos, a principal fonte terica da teologia aEscritura, a Palavra de Deus. Podemos encontrar obra mais teol-gico-prtica? Na Bblia a espiral teoria-prtica-teoria-prtica exem-plificada livro aps livro, perodo histrico aps perodo histrico,situao de vida aps situao de vida.

    Lembremo-nos dos profetas e das profetisas do antigo Israel, cujashistrias e cujos livros encontramos no Antigo Testamento. Elesfizeram teologia prtica a partir da vivncia com o povo de Deus,refletiram com sabedoria e discernimento para encontrar a vontadee o julgamento divinos" sobre a realidade, e os anunciaram. Seuslivros so exemplos de teologia prtica, e suas vidas, de telogos etelogas prticas.

    Pense em Jesus, o Messias. Sua prtica teolgica fonte inesgot-vel de novas prticas e teorizaes teolgicas. Quanta compaixo

  • 16 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PR TlCA

    motivou suas aes. Quanta reflexo para agir dessa maneira. Imagi-ne se Jesus, em vez de refletir teologicamente, apenas imitasse a teolo-gia j pronta das lideranas judaicas de seu tempo. Entre muitasoutras conseqncias, eu e voc no seramos cristos e a igreja noexistiria.

    Jesus foi o pastor, o mestre, o telogo por excelncia. Sem escre-ver nenhum livro, fez teologia - e excelente teologia. No escreveuem pergaminho, mas escreveu em coraes e mentes de pessoas con-cretas. Algumas das quais, mais tarde, escreveram muitos livros.

    Por isso, neste livro, exercitamos nossa compreenso da teologia pr-tica ao construir, a partir de Colossenses 1:15-20, uma cristologiaprtica, refletindo sobre a supremacia de Jesus Cristo. Em seguida, apartir de Colossenses 2:6-15, ponderamos sobre a salvao ofertadapor Deus, em Cristo, e concretizada na criao pelo Esprito Santo.

    Ao refletir sobre a espiritualidade crist, desenvolvemos otema da espiritualidade cristocntrica, com base no texto de Co-lossenses 2: 16-3:, e da espiritualidade solidria, fundamentada emColossenses 3:5-17.

    Finalizamos nossa breve caminhada teolgica com Paulo e os co-lossenses refletindo sobre a misso integral da igreja, conforme expe-rimentada pelo apstolo e seus companheiros de ministrio. Aofaz-lo, retornamos ao ponto de partida de toda reflexo teolgica:orao e adorao. S fazemos e pensamos misso porque Deus nosamou e entregou-se por ns: o mistrio da graa que nos alcana eeleva at a filiao divina, irmandade com Jesus, o Messias, o ungi-do pelo Esprito.

    Fundamentos da teologia prtica , portanto, um convite. Um con-vite transgresso. Transgresso segundo o exemplo de Cristo, quepor fidelidade ao Pai e amor humanidade no deixou de quebrar asleis de seu tempo e de sua religio.

    um convite liberdade. Liberdade segundo o exemplo de Cris-to, que a exerceu amorosa e utopicamente, entregando a prpria

  • INTRODUAO 17

    vida para que uma nova humanidade pudesse ser criada por Deus.Liberdade que, alimentada pela paixo pelo Reino de Deus, atraves..sa fronteiras construdas por ns mesmos ao logo da histria, vencetabus eprope novas formas de viver. Fazer teologia exercitar essaliberdade em meio atantas determinaes estruturais, marqueteirasemercadolgicas.

    ~

    Eum convite para que voc escreva ateologia prtica que estelivro meramente introduz, sonha, imagina. Que voc escreva tealo..gia na forma de outros livros, de canes, de poesias, de novosministrios, novas organizaes crists, novas formas de relaciona..menta, novos modelos de espiritualidade. Que voc escreva teologiacom novas palavras enovas aes, novos formatos enovas formasde expresso. Que voc seja aprpria teologia em ao.

  • C a p i tu l o 1

    A teologia prtica corno modode ser da teologia crist

    LIGAR ESTREITAMENTE OS TERMOS teologia e prtica no parece natu-ral. E de fato no . Essa situao relativamente nova na histriado pensamento cristo. Apenas a partir do desenvolvimento da mo,dernidade ocidental que a teologia crist foi se identificando cadavez mais com um sistema de idias, distanciando-se da vida cotidia-na de cristos e igrejas.

    Hoje, as circunstncias vm mudando. A crise da modernidadetambm se tem refletido no campo religioso, e especificamente nomundo da teologia. comum falar em teologia prtica e, mais queisso, em teologia como algo essencialmente prtico.

    Como a teologia chegou a ser considerada prtica? Em que elaconsiste? Estas so as perguntas que tentaremos responder nestecaptulo.

    PARADIGMAS DA TEOLOGIA CRIST NA HISTRIA

    Com base nas consideraes desenvolvidas por E. Farley e JamesFowler;! pode'se dizer que a histria da teologia crist conheceu trsgrandes paradigmas reguladores:

    lFaith development and pastoral care, capo 1.

  • 20 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    1. Paradigma da teologia habitual. Predominou desde as origensda igreja crist at o incio da Idade Mdia. A teologia era um habitusde vida e estudo, concebida como conhecimento de Deus e coristruf-da por meio das disciplinas da orao, do estudo e da participaolitrgica. Objetivava a formao de pessoas, lideranas e cornunida-des eclesiais crists. Seus principais sujeitos foram os pais da Igreja, ahierarquia sacerdotal crist e os conclios cristos.

    A teologia se desenvolveu principalmente em dilogo crtico comos ataques que a Igreja sofria, tanto internamente (pelas "heresias")quanto externamente, por religies e filosofias concorrentes. Nesseperodo, foram definidas as grandes linhas da teologia como atvida-de acadmica, em especial quanto ao vnculo com a reflexo filosfi-ca, seja mediante acordo metodolgico seja pela recusa das premissasdo saber filosfico.

    2. Paradigma da teologia cientfica. Predominou durante a IdadeMdia at a Contra-Reforma. Nesse perodo, a teologia constitua oarcabouo ordenador de todo o conhecimento humano, bem comoo das nascentes universidades na Europa.

    A metodologia teolgica praticada era, em grande medida, a mes-ma do paradigma anterior, com alteraes mais significativas nasnfases metodolgicas, nas relaes com a filosofia e, principalmen-te, na funo da teologia. Esta ultrapassa as fronteiras eclesiais eassume papel determinante em todo o desenvolvimento do sabereuropeu - a teologia se torna a rainha do conhecimento.

    N ornes como Abelardo e Toms de Aquino figuram entre os prin-cipais protagonistas da teologia, colocando em segundo plano hie-rarquias eclesiais e conclios, ainda que a eles subordinados.

    3. Paradigma da teologia disciplinar. Nasceu com a modernidadee predomina at hoje (ainda que sob os efeitos da crise de transiodestes ltimos anos da modernidade). Este paradigma se caracteriza

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  • A TEOLOGIA PRTICA COMO MODO DE SER DA TEOLOGIA CR1ST 21

    por subordinao da teologia aos imperativos do mundo acadmico,devido perda de prestgio e poder das Igrejas no campo universit-rio, e do saber em geral.

    Essa subordinao foi transformando, cada vez mais, a teologiaem uma "cincia", ou melhor, em um sistema disciplinar de conheci-mento, dividido em reas do saber teolgico ou em disciplinas parti-culares. Essas reas foram desenvolvendo lealdades e metodologiasdiversas, conforme as cincias e os departamentos universitrios comos quais passou a se vincular.

    Os sujeitos da teologia foram se tornando cada vez mais telogosprofissionais, sejam aqueles a servio das igrejas crists, sejam osmais diretamente vinculados s universidades, s quais desenvolve-ram lealdade, mesmo s expensas de sua lealdade eclesial.

    Nesse tempo, a teologia enfrentou os grandes conflitos que o de-senvolvimento da racionalidade moderna apresentou s igrejas e adeso f crist, individualmente. No meio universitrio, a teolo-gia vista cada vez mais como cincia, e no meio eclesistico comoreflexo doutrinrio-dogmtica.

    Conflitos foram gerados entre esses dois grandes ambientes dofazer teolgico. A teologia vem se tornando atividade de profissionais etem sido encarada com desconfiana pela membresia das diversas de-nominaes crists.

    o PARADIGMA DISCIPLINAR MODERNO E A CRISE CONTEMPORNEA

    As disciplinas teolgicas na m.odernidadeComo atividade acadmica, a teologia foi se organizando ao redorde quatro grandes eixos disciplinares. So eles: a teologia sistemti-ca, a teologia histrica, a teologia bblica e a teologia prtica. Essaterminologia, que reflete principalmente a prtica teolgica no meioprotestante, deriva em grande parte da atividade acadmica de F.Schleiermacher.

  • 22 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTlCA

    Nesse paradigma, a teologia sistemtica foi assumindo o papel demais importante eixo disciplinar da teologia. Desenvolvendo-se comoreflexo sistemtica sobre as verdades da f crist, seu mtodo privi-legiou o dilogo com a filosofia e a elaborao de grandes compn-dios sistemticos, coerentemente organizados para abranger todoo universo do saber teolgico.

    A partir desse privilegiado dilogo com a filosofia, vrias cor-rentes teolgicas vm sendo elaboradas, gerando muitos conflitos,em particular entre os sistemas teolgicos tipicamente acadmicose aqueles tipicamente eclesiais. Parafraseando Nietzsche e Foucault,pode-se dizer que na teologia sistemtica concentrou-se a vontadede verdade de telogos acadmicos e eclesiais.

    Por sua vez, a teologia histrica foi, desde o incio deste paradig-ma, uma disciplina teolgica auxiliar, a servio da construo dosgrandes sistemas teolgicos ou doutrinrios, conforme o espaode produo teolgica. Seu parceiro privilegiado de dilogo era ahistria da filosofia, e visava ordenao cronolgica e temticaprogressiva do saber teolgico - no meio acadmico -, permitin-do, assim, a distino entre verdades teolgicas racionais e crenasreligiosas.

    Nos meios eclesiais, a teologia histrica objetivava primariamentea legitimao das doutrinas de cada denominao crist. Da osdiferentes nomes pelos quais esta disciplina veio a ser conhecida:histria dos dogmas, histria das doutrinas, histria da teologia, his-tria do pensamento cristo.

    Quanto teologia bblica, que inicialmente era uma disciplinaauxiliar da teologia sistemtica, no sculo xx passa a ser exercida comgrande autonomia e a disputar com a sistemtica o papel de rainhadas disciplinas teolgicas. Nos meios eclesiais, foi construda a partirda metodologia da exegese histrico-gramatical e estava a servio damanuteno da verdade dos sistemas doutrinrios confessionais. Es-pecialmente no setor protestante, a teologia bblica teve grande

  • A TEOLOGIA PRATICA COMO MODO DE SER DA TEOLOGIA CRIST 23

    desenvolvimento, dada a profunda vinculao que a verdade tem,nessas igrejas, com as Escrituras.

    Nos ambientes acadmicos, a teologia bblica tem como mto-do principal a exegese histrico-crtica. Era exercida" ora comoum ramo da teologia histrica a servio da sistemtica, ora como umramo autnomo, buscando a consistncia cientfica necessria paraestabelecer-se e validar-se como distinta da teologia sistemtica.

    O quarto eixo disciplinar da teologia na modernidade foi o dateologia prtica. Esta sempre ocupou o ltimo lugar em termos deimportncia no panteo das cincias teolgicas. Nos meios 'acadmi-cos, foi exercida principalmente como uma teologia sistemtica apli-cada - da qual extraiu suas temticas e metodologias - servindocomo tecnologia.

    Nos meios eclesiais, a teologia prtica esteve subordinada aos in-teresses e s necessidades organizacionais das igrejas crists. Enten-dida tambm como tecnologia teolgica, ela no conquistouautonomia, tornando-se principalmente uma teologia do ministriosacerdotal (ordenado) das denominaes crists.

    Apenas na segunda metade do sculo xx, a teologia prtica passaa disputar espao com as demais disciplinas teolgicas e a se consti-tuir autonomamente, desenvolvendo metodologia e objetivos espe-cficos.

    A crise do paradigma disciplinar m.odernoEmbora ainda predominante, o paradigma disciplinar da teologiaest em crise, como o saber moderno em geral. A crise do iluminismoe do projeto moderno racional-cientfico, comumente conhecidocomo ps-modernidade, tambm lanou seus efeitos sobre a atividadeteolgica. A fragmentao do sujeito, da razo e das ideologias, quecolocou em xeque os grandes modelos racionais e cientficos da mo-dernidade, tambm produz efeitos relativamente devastadores noscrculos teolgicos, em especial nos acadmicos.

  • 24 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    Embora pudssemos nos deter longamente nesse ponto, deba-tendo sobre os contornos dessa crise externa teologia, dirigire-mos nossa ateno aos aspectos mais intemos da crise do paradigmadisciplinar.

    No hemisfrio norte, o paradigma disciplinar da teologia desa-fiado pelo menos em trs [ronts, todos construdos a partir do pero-do entre as duas Guerras Mundiais, alcanando o clmax aps aSegunda Grande Guerra.

    No campo da ao eclesial, desdobrando-se para dentro das uni-versidades, a reflexo missiolgica fomenta srias crticas ao predo-mnio da forma sistemtica e abstrata de fazer teologia, qualconvoca para uma profunda reflexo sobre a misso e o papel dasigrejas crists.

    Especialmente presente nos grandes conselhos interconfessionaisprotestantes - cujos nomes mais representativos so o ConselhoMundial de Igrejas e a Aliana Evanglica Mundial-, a missiologiavai se desenvolvendo como cincia teolgica relativamente aut-noma e ocupando cada vez mais espao nas igrejas e nos crculosacadmicos.

    Entre os praticantes mais tpicos da teologia, as correntes neo-ortodoxa (Barth, Brunner, Tillich etc.) e poltica (Metz, Moltmannetc.) foram as principais promotoras da crise da teologia sistemtica.Conclamaram a um modelo de teologia mais abrangente, inclusivo,menos marcado pelas distines entre as disciplinas teolgicas e maiscaracterizado pela unidade do saber teolgico e pelo declnio da filo-sofia como parceira privilegiada de dilogo epistmico. Especialmen-te no caso da teologia poltica, a sociologia passa a ser a grandeparceira de reflexo da teologia.

    A partir de meados dos anos 1960, comeam a ser elaboradas aschamadas teologias contextuais, que questionam, com grande diversi-dade, o paradigma moderno do fazer teolgico. As teologias femi-nistas, negras, asiticas, hispnicas (nos Estados Unidos) e outras

  • A TEOLOGIA PRTICA COMO MODO DE SER DA TEOLOGIA CRISTA 25

    formas locais de saber teolgico desafiam os modelos de racionalidade,o privilgio do profissionalismo dos telogos e os lugares da teologia.

    Na Amrica Latina, a teologia da libertao e a teologia evan-glica radical (evangelical) exerceram forte impacto na elaboraode novos modelos do fazer teolgico, entendida a teologia especial-mente como reflexo sobre a prtica ou prxis crist na sociedade.J no vista como cincia, a teologia torna-se uma reflexo crticamilitante, caracterizada pela pluralidade de sujeitos e de locais deelaborao, e pela grande diversidade de mtodos e objetivos.

    Essas teologias locais vieram a produzir um efeito colateral inte-ressante: considerar prtica (ou prdxica) a teologia, alavancando osmovimentos mais tipicamente ps-modernos de reviso paradigmticado campo teolgico.

    TEOLOGIA PRTICA: MODO DE SER DE TODA A TEOLOGIA

    Prtica o modo de ser da teologia medida que "o objetivo ltimoda reflexo e construo teolgicas prtico, no especulativo". 2 O"primeiro o compromisso de caridade, de servio. A teologia vemdepois, ato segundo". 3

    Prtica o modo de ser da teologia, pois ns a fazemos em ummundo marcado pelo pecado e pelo conseqente sofrimento da pes-soa e de toda a criao, que geme:

    Diante da tragdia dos que sofrem) a f em Jesus Cristo nosdesafia justia e eqidade. O paradigma do Bom Samaritano(Lc 10:25-37) - o qual, diferentemente do sacerdote e do levi-ta, sente compaixo e se detm para ajudar o ferido - serve demarco referencial para compreender o que significa refletir

    2G. D. KAUFMAN, In face of mistery. A constructive theology, p. 430.30. OUTIRREZ, Teologia da libertao. Perspectivas, p. 24.

  • 26 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    teologicamente sobre as vtimas e considerar as implicaes quesua desgraa acarreta para o nosso compromisso de f. [...] Fazerteologia, como nos recorda este episdio do Evangelho, no sig-nifica especular, mas encontrar novos estmulos para seguir a Je~sus Cristo e dar testemunho das boas novas de seu reirio."

    A crise do paradigma disciplinar moderno nos permite, ento, ini-ciar uma caminhada rumo a uma nova compreenso da teologiacrist: essencialmente teologia da ao. Comecemos por discutiruma nova definio da teologia.

    Teologia (prtica) discurso crtico e construtivo sobre a aocrist no mundo. Fundamenta-se no discernimento da ao de Deuse se constri em dilogo - crtico e construtivo - com os discursossobre a ao no-crist e sobre a ao anticrist. A racionalidadeda teologia consiste de uma teoria critico-discursiva da ao. Sua fi-nalidade contribuir para o aperfeioamento da ao crist na cori-temporaneidade, em resposta crstica - na energia do Esprito Santo- ao de Deus no mundo.

    Teologia (prtica) discurso, ao comunicativa, atividade cornu-nitria e no individual e isolada. Como tal, constri-se a partir dereflexo, dilogo e confronto:

    Como uma sociedade sempre dividida em grupos sociais cominteresses divergentes, no h uma perspectiva nica sobre umadada questo. Os indivduos, em seus textos, defendem uma ououtra posio gerada no interior da sociedade em que vivem. Odiscurso sempre a arena em que lutam esses pontos de vista emoposio. Um deles pode ser dominante, isto , pode contar coma adeso de um nmero maior de pessoas. Isso, no entanto, noelimina o fato de que concepes contrrias se articulam sobre

    4H. S. CARMONA, Hacia una espiritualidad evanglica comprometida, p. 95s.

  • A TEOLOGIA PRTICA COMO MODO DE SER DA TEOLOGIA CR15T 27

    um mesmo assunto. Um discurso sempre, pois, a materializaode uma maneira social de considerar uma questo."

    Concebida como discurso, preciso superar a idia de que teologias feita por telogos, por "profissionais" que se isolam da comunida-de e vivem em meio a livros, textos e computadores. O papel dotelogo na igreja partilhar a reflexo e estimular o pensamento e aao crticos e construtivos.

    o telogo o homem da comunicao na Igreja. Ele carrega umalinguagem religiosa tipicamente crist, resultado de uma longahistria. Conhece centenas de palavras e sabe us-las. Quandofala, faz que a lngua da Igreja circule. [...] Os telogos so agen-tes de comunicao: agem no duplo plano dos cristos que seconvertem sua vocao e do mundo que est espera de umapalavra compreensvel. Eles no so os condutores da evarrgeliza-o, mas somente os especialistas em palavras. No se evangeliza,porm, somente com palavras. O Evangelho levado por pessoasvivas, nas quais a vida, os atos e os comportamentos esclarecemas palavras. Os discursos, as intervenes, os apelos recebem asua fora da pessoa. Os evangelizadores so pessoas comuns quevivem intensamente o Evangelho.?

    De um lado, o dilogo sempre exige espelhar, mostrar a imagem dooutro, num encontro face a face para compreender o interlocutor, seudiscurso e sua ao. Por outro lado, exige voltar-se para trs de si, pensarponderada e cuidadosamente sobre os prprios conceitos, valores e sen-timentos, de modo que o dilogo seja significativo e transformador.

    Corno discurso sobre a ao crist, o sujeito privilegiado da reo-logia a comunidade crist em ao no mundo, para a qual a

    SF. P. SAVIOLI & J. L. FIORIN, Lies de texto: leitura e redao, p. 30.6J. COMBLIN, A fora da palavra, p. 382,7.

  • 28 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    teologia servir como melo e expresso de discernimento crtico econstrutivo, simultaneamente (Rm 12: 1,2; CI 1:9-12).

    O discurso crtico porque no se pode conceber perfeita, com-pleta ou absoluta a ao crist no mundo, pois seria idolatria - eeste um risco que a igreja sempre corre, medida que uma dastendncias do ser humano sempre considerar corretas as prpriasaes, deixando os erros para os outros.

    A ao crist deve ser acompanhada constantemente do discer-nimento da comunidade crist, visando a identificar nossos erros eacertos. Por mais amadurecida que seja a comunidade crist, porm,a ao dela estar sempre aqum da plenitude do agir divino, aoqual resposta pessoal no tempo e no espao.

    Ao mesmo tempo, porm, a ao crist discurso construtivo,pois no se restringe a descobrir e apontar erros, mas - buscandosempre responder de forma positiva ao de Deus, que tudo crioue a tudo vivifica com sua justa e amorosa presena - visa a construircomunidades de reconciliao, amor e justia.

    Assim, as comunidades crists sero prottipos e prirncias doReino de Deus, espaos onde as pessoas podero encontrar amizade,companheirismo, sentido para a vida e, especialmente, poderoencontrar Deus presente e atuante.

    ... a teologia no cincia de um objeto que lhe permaneceestranho ou indiferente: ela , muito mais, sabedoria, conheci-mento que se une experincia prazerosa e amante) iluminaoque vem do fundamento e prorrompe na busca e a abre pro-fundidade de Deus. Ela "actio" do Esprito e "passio" da criatu-ra, e, justamente, enquanto tal, torna-se tambm ao do homeme paixo do Mistrio, que entra na humildade das palavras hu-rnarias."

    7B. FORTE, A teologia como companheira, memria e profecia, p. 195.

  • A TEOLOGIA PRTICA COMO MODO DE SER DA TEOLOGIA CRISTA 29

    Por ser "zeo-logia", o critrio ltimo de sua elaborao no a aonem a prxis crist, mas, sim, a ao de Deus em Cristo. De outraforma, em vez de teologia, torna-se uma tcnica, apenas um modode fazer, uma estratgia. A verdade da teologia deve corresponder ao de Deus - cuja presena neste mundo e na Igreja imanente,embora transcenda a toda a realidade criada - o Deus trino,forma verdadeira da comunidade na diversidade, amorosamenteAmigo e Reconciliador do universo (Ef 2: 11-22; Cl 1: 18-20).

    Enquanto "teo-logia", o discurso teolgico prtico est inseri-do na histria humana e partilha de todas as caractersticas desua historicidade. Deve-se ressaltar particularmente o carter pro-visrio e dialogal de toda elaborao teolgica, sob o risco de ateologia transformar-se em letra morta e fonte de diviso e confu-

    . .

    so na Igreja.

    Uma posio teolgica transforma sua unilateralidade merarnen-te finita em grave erro, caso no acolha a contrabalano, o julga-mento e o aprimoramento que os pontos de vista opostoscostumam trazer. Entre seres histricos, a verdade aparece nodilogo, nascendo dialeticamente do confronto dos opostos edo novo e mais rico consenso que pode surgir desse confronto noEsprito.

    A conseqncia imediata da verdade de nossa finitude hist-rica e da ao do Esprito Santo entre ns que a condio es-sencial para a verdade dentro da comunidade a liberdade dodebate teolgico. A "ortodoxia" representa um consenso histri-co, a ser contrabalanado, criticado e aperfeioado por meio dedebates posteriores medida que as situaes culturais se trans-formam, as interpretaes do Evangelho mudam e a relatividadeat mesmo daquele consenso se torna evidente.

    Somente na atuao dinmica do Esprito Santo atravsde diferentes perspectivas da Igreja total que a ortodoxia se

  • 30 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRATICA

    torna "ortodoxa" e no no absoluto de uma perspectiva dentro dot odo ,"

    Por ser crist, a teologia discurso cujo paradigma da ao no seencontra na Igreja, mas em Jesus Cristo, Alfa e mega de toda acriao. Sua presena ativa no mundo articulada e configuradapelo Esprito Santo, que a tudo e a todos permeia como luz e vida,e que energiza a comunidade crist para ser agente histrico davontade divina. A teologia, nesse sentido, visa a construir um saberdiscursivo que nos permita seguir a Jesus, imit-lo e caminhar emseus passos (Mc 1: 16, 17; IPe 2:21; Ef 5: 1,2).

    Por ser teologia da ao crist no mundo, s pode ser feita empermanente "co-relao" discursiva com mundo em ao - tanto aao no-crist, ou seja, aquela ao que reflete o agir de Deus, masno se configura a partir das comunidades e instituies crists, quan-to a ao entendida como anticrist, ou seja, aquela que se configurade forma contrria ao paradigma crstico e que a tradio crist de-nomina pecado.

    Nas palavras de Jesus, a teologia prtica deve ser sal da terra e luzdo mundo, e para s-lo precisa dialogar, estar na terra e no mundo,mas sem ser do mundo (lo 17: 11-18). Sendo discurso sobre a aocrist no mundo presente, contextual, articulada a partir dos limitese das possibilidades da ao no tempo e no espao especficos dacomunidade crist que a realiza.

    ... a contextualizao do evangelho possvel pela ao do EspritoSanto no povo de Deus. Na medida em que a Palavra de Deus seencarna na igreja, o evangelho toma forma na cultura. E isto refle-te o propsito de Deus: a inteno de Deus no que o Evangelho

    8L. GILKEY, O Esprito e a descoberta da verdade atravs do dilogo, p. 203,4.

  • A TEOLOGIA PRTICA COMO MODO DE SER DA TEOLOGIA CRIST 31

    se reduza a uma mensagem verbal, mas que se encarne na igreja e,atravs dela, na histria. Aquele Deus que sempre falou aos homensa partir de dentro da situao histrica designou a igreja como oinstrumento para a manifestao de Jesus Cristo em meio aos ho-mens. A contextualizao do evangelho jamais pode ser levada acabo independente da contextualizao da igreja na histria.9

    Por ser reflexo crist no mundo, a teologia prtica ser discursomissionrio, evangelizador, alimentador e nutridor da prtica mis-sionria da igreja. Discurso que coloca a igreja e sua teologia nocenrio pblico das aes e discusses visando ao bem-estar da socie-dade em que vivemos.

    A teologia prtica assume os riscos da presena no mundo e dodilogo crtico e construtivo com os saberes produzidos fora da Igre..ja, crendo que entre esses saberes haver aqueles que contribuiropara a edificao do povo de Deus e para o bem-estar da criao.Assim entendida, a teologia prtica se torna uma aventura de f:

    No existem frmulas mgicas que garantam uma soluo auto-mtica para todos os problemas teolgicos, ticos e sociais quenos desafiam em nossa igreja e sociedade pluralistas. Contudo,se, como os cristos da tradio reformada crem, a nica ques-to fundamental por detrs de todas saber o que o Deus trinovivo das Escrituras est dizendo e fazendo em nossa poca e emnosso tempo, e o que ns temos de dizer e fazer em respostaagradecida e obediente a este Deus vivo - ento eu acho que possvel descobrir a maneira de Deus e a nossa maneira de tratartodas as questes. lO

    9C. R. PADILLA, Misso integral. Ensaios sobre o Reino e a Igreja, p. 114.lOS. C. GUTHRIE, Sempre se reformando. A f reformada em um mundo pluralista, p. 93.

  • 32 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    RECAPITULANDO

    1. Descreva os trs grandes paradigmas da teologia crist de acordocom Farlev.

    2. Em sua opinio, quais so os limites do paradigma disciplinarmoderno da teologia?

    3. Como voc definiria teologia prtica?4. Qual a relao entre teologia prtica e espiritualidade?5. Que ao crist e como se relaciona com o discurso?6. Por que a ao no pode ser considerada o critrio da teologia

    prtica?7. Quais so os riscos e os valores da teologia prtica?

  • TEOLOGIA PRATICA: UMA TEOLOGIA DA AAO EM DISCERNIMENTO 35

    interpretao da Escritura. No permite que esta se torne "letramorta" (2Co 3), ou seja, conduz os / as intrpretes no verdade,mas verdadeira conduta em conformidade com a vontade de Deus,no ortodoxia, mas ortoprxis.

    O conhecimento da vontade de Deus por meio do Esprito caracte-riza-se pela sabedoria e pelo discernimento. Na filosofia grega, sabedoria,discernimento e prudncia formam o trio das virtudes intelectuais.2

    Nas palavras de Lightfoot, sabedoria "excelncia mental em seusentido mais elevado e pleno" ( interessante comparar esta defini-o com Atos 7:22: "E Moiss foi educado em toda a sabedoria dosegpcios, e era poderoso em palavras e obras".); discernimento "crti-ca" (a capacidade de interpretar criticamente: v. Lc 12:56; Rm 12:2 eFp 1:9,10. Aqui o discernimento deriva-se do amor, via conhecimentoe insight), e prudncia "sugere linhas de ao". 3

    Efsios 1:8 faz referncia graa de Deus: "[ele] derramou abun-dantemente sobre ns em toda a sabedoria e prudncia" (uma alu-so tradio sobre Joo Batista?: "E ir adiante dele no esprito epoder de Elias, para converter os coraes dos pais aos filhos, con-verter os desobedientes prudncia dos justos e habilitar para oSenhor um povo preparado", v. Lc 1:18).

    A sabedoria uma caracterstica do agir de Deus particular-mente muito prezada por Paulo. Em lCorntios 1:18-31, h umadiscusso importante sobre a diferena entre a sabedoria humana ea divina. Esta personificada em Cristo e se concretiza em umanova ordem salvfica na histria, em que as vtimas das estruturaesinjustas da vida humana sero vindicadas. A sabedoria divina eletiva:"Deus escolheu as cousas loucas do mundo para envergonhar os s-bios, e escolheu as cousas fracas do mundo para envergonhar as

    ZARISTTELES, tica a Nicmaco, 1.13.3J. O. G. OUNN, op. cit., p. 70.

  • 36 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    fortes; e Deus escolheu as cousas humildes do mundo, e as despre-zadas, e aquelas que no so, para reduzir a nada as que so" (1:275,v. tb. 2Co 1:12; Ef 1:8; 3:10; Cl1:28; 3:16; 4:5).

    H um forte contraste entre a sabedoria divina e a humana, o queno significa que o conhecimento humano seja totalmente nulo econtrrio vontade de Deus. O contraste est entre o caminho crsticopara chegar a Deus e os caminhos no-crsticos, aos quais Paulo deno-mina "humanos" ou "rudimentos do mundo". A sabedoria divinaconduz transformao dos valores e da ao humana no mundo.

    Por isso, a exigncia do discernimento: para acompanhar o per-curso da sabedoria divina na histria do mundo. Proveniente daao do Esprito, o discernimento praticado por cristos e cristsque se comprometem a agir e correm os riscos da ao missionria.Vejamos em que consiste o discernimento cristo hoje.

    Entendemos por discernimento cristo a busca concreta da von-tade de Deus, no somente para ser captada, mas tambm paraser realizada. Entendemos o discernimento, portanto, no s pon-tualmente, mas tambm como um processo no qual a vontade deDeus realizada verifica tambm a vontade de Deus pensada."

    Visto como processo, o discernimento o eixo central da teologiaprtica, medida que esta constitui a teologia da ao crist emresposta ao de Deus na criao. Assim, o discernimento semprese d na histria de nosso comprometimento com a missio Dei:

    o discernimento parte da situao existente [... ) nunca dado aum cristo escolher o momento da histria, nem o lugar em quedeve agir, as foras que deve enfrentar e as possibilidades que lhe

    4J. SOBRINO, "O seguimento de Jesus como discernimento cristo", in Jesus na Am-rica Latina. Seu significado para a f e a cristologia, p. 193.

  • TEOLOGIA PRTICA: UMA TEOLOGIA DA AO EM DISCERNIMENTO 37

    so oferecidas. Discernir , ao mesmo tempo, compreender a si-tuao real, compreender o sentido do Esprito e compreendercomo se compem o Esprito e o mundo atual. O discernimentocomporta trs conhecimentos que se encaixam um no outro.f

    Compreender o discernimento como processo integrante da aomissional do povo de Deus - integrando os trs conhecimentosapontados por Comblin - corresponder ao prprio discernir deJesus Cristo:

    ... podemos dizer que [...] Jesus v a vontade de Deus situadaentre um "sim" e um "no" incondicionais. O "no" incondicio-nal dirige-se para o pecado contra o reino de Deus; isto , contratudo aquilo que desumaniza o homem, que lhe d a morte comohomem, que ameaa, impede ou anula a fraternidade humanaexpressa no Pai nosso."

    A teologia prtica, portanto, pode ser caracterizada como a ativi-dade reflexiva da ortoprxis - o momento metodolgico do discer-nimento - centrada em trs grandes eixos:

    elaborao de conceitos:7 compreender a situao real;

    5J. COMBLIN, O tempo da ao. Ensaio sobre o Esprito e a histria, p. 364.6J. SOBRINO, op. cit., p. 198.7Deleuze insiste que um filsofo cria conceitos, isto , a Idia, a coisa medida que ela pura [la chose en tant que pureJ. O leitor no compreende imediatamente de que setrata, ou por que precisaramos criar tal conceito. Se ele ou ela continuar a refletirsobre isso, ver a razo: h todo tipo de pretendentes que se apresentam reivindican-do as coisas. Assim, o problema, para Plato, no , de forma alguma: "o que aIdia"? Dessa forma as coisas continuariam abstratas. Em vez disso, trata-se de comoselecionar os pretendentes, como descobrir entre eles qual genuno (le bon). aIdia, sto , a coisa em estado puro, que permitir essa seleo, que selecionar opretendente que se aproxima dela." (T. Tadeu da Silva, http://www.ufrgs.br/faced/tomaz/abc2.htm). O conceito a nova resposta que se d aos novos problemas quese enfrentam com a reflexo teolgica ou filosfica.

  • 38 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    anlise crtica de conhecimentos e prticas: compreender osentido do Esprito, que nos faz superar a simples viso dosenso comum, e mesmo a viso mais analtica das cincias,quando estas contrariam a vontade de Deus;

    direo de condutas ticas, ministeriais e missionais: compreen-der como se integram esses trs conhecimentos e formulardeliberaes concretas para a ao crist, em concordnciacom o no e o sim da ao missionria.

    Como teologia da ao em discernimento oriundo do EspritoSanto de Deus - que o amor de Deus derramado sobre ns -, ateologia prtica se inicia na solido interior da profunda comunhocom Deus. Precisamos aprender a sair do isolamento individualistado mundo atual para entrar na solido reconfortante e desafiado-ra da comunho conosco e com Deus. Se o fizermos, tambm apren-deremos de Deus o discernimento, pois:

    o movimento que leva do isolamento solido no um movi-mento de crescente recolhimento; um movimento em direo aum engajamento mais profundo nas questes de nosso tempo. Omovimento que vai do isolamento solido pode lentamente tor-nar possvel a converso de nossas reaes temerosas em respos-tas de amor.8

    UMA TEOLOGIA CUJO PRODUTO FINAL UMA AXIOLOGIA9 DA AO CRIST

    Tendo como objeto a vontade de Deus e como metodologia o discer-nimento, o resultado final da teologia prtica no pode representarapenas ortodoxia, o que seria contrrio ao prprio objeto. Tam-

    8H. J. M. NOUWEN, Crescer: os trs movimentos da vida espiritual, p. 47.9Qualquer uma das teorias formuladas a partir do sculo XX concernentes a questodos valores. (Dic. Howaiss, ed. eletrnica)

  • TEOLOGIA PRTICA: UMA TEOLOGIA DA AO EM DISCERNIMENTO 39

    pouco consiste diretamente em ortoprxis, seno no serra teolo-gia, mas a prpria ao.

    Como o momento reflexivo da ortoprxis, a teologia prticaresulta na elaborao da axiologia da ao. A axiologia se caracterizapela construo de critrios de valor. Na teologia paulina, o critriobsico da ao crist sua dignidade, sua conformidade ao padro,ou seja, ao agir de Deus. Em cinco textos encontramos a mesmametfora da vida digna:

    Romanos 16:2 - a identidade da igreja como povo dos santos; Efsios 4: 1 - a vocao recebida pela igreja, que molda sua

    identidade; Filipenses 1:27 - o evangelho de Cristo, que molda a misso

    da comunidade crist; Colossenses 1: 10 - o Senhor, que em tudo tem a primazia; e 1Tessalonicenses 2:12 - Deus, que chama seu povo para seu

    Reino e sua glria.

    A axiologia teolgico-prtica tem, portanto, suas razes na aode Deus, da qual deve germinar a ao crist, no padro de Deusem Cristo.

    Assim, arraigada ao divina, a axiologia teolgico-prtica seconcretiza na construo de critrios em harmonia com a boa not-cia de Deus que se faz presente na histria do povo de Deus, vocacio-nado para a santidade e a misso.

    Colocado nesses termos, o ethos da teologia prtica similar aoda semitica greimasiana:

    o projeto da semitica - deveria ser - nada menos do quemudar a vida, ensinar aos homens, se no uma grande sabedoria,pelo menos um conjunto de pequenas astcias - pequenas esca-patrias - que permitissem beleza, inteira ou em migalhas,

  • 40 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    descer humildade de cada dia. [...] utopia: fazer da pequenezcotidiana uma batalha silenciosa pela beleza, recuper-la no mun-do - um mundo que inimigo de qualquer grandeza -, em todasas horas de todas as jornadas, um pouco desse resplendor do serao que nossa imperfeio nos inclina. [...] "Saber, dever, saborso neste caso trs termos-chave da semitica, no de umasemitica pura, mas sim de uma semitica que quer 'antes de tudoser uma axiologia' ."10

    desnecessrio destacar as diferenas. Ressalto o que ambas tmem comum com a integralidade da reflexo: o saber (pleno conheci-mento da vontade de Deus), conjugado com o dever (andar de mododigno do Senhor) e com o sabor (agradando-o em tudo) - teologiaque integra a tica e a esttica a servio do aperfeioamento de umaigreja transformada e transformadora.

    O fator esttico, do prazer, tem sido negligenciado em grandemedida pela reflexo teolgica crist, especialmente na modernida-de. Fazer teologia prtica e viver de maneira crist do prazer aDeus - o prazer da vida bela e bem vivida, da realizao da parce-ria e da comunho do amor e da amizade.

    Fazer teologia prtica , portanto, aprender a refletir esttica eprazerosamente - construir conceitos, criar propostas e possibili-dades como expresso da auto-realizao esttica em conformidadecom o prazer de Deus (v. p. ex., 1s 42:1; Me 1:11 - Deus tem prazerna vida e ao de seu servo e de seu filho).

    Em Colossenses 1:9s, a axiologia da vida crist construda pormeto de quatro oraes partieipiais:

    frutificando em toda boa obra; crescendo no pleno conhecimento de Deus;

    IOR. DORRA, "Perspectiva da serntca" in A. J. GREIMAS, Da imperfeio, p. 123.

    I I oi ,j. I l Il_'" JI 11 .lo I 1.,1 i

  • TEOLOGIA PRTICA: UMA TEOLOGIA DA AO EM DISCERNIMENTO 41

    sendo fortalecidos com todo o poder [... ) em toda perseverana elonganimidade; e

    dando graas ao Pai, que vos fez idneos.

    Apesar das suspeitas contra o siriergismo!! na tradio reforma-da, a axiologia paulna valoriza grandemente a prtica de boas;obras ou, numa terminologia teolgico-prtica mais precisa, a aomissionria, que se concretiza atravs da prtica dos ministrios,com integridade tica (Rm 3:7; 13:3; 2Co 9:8; 016: 10; Ef 2: 10; Fp 1:6;2Ts 2:17; Tt 2:14; 3:5,8,14).

    Uma vida digna do Senhor, individual e comunitariamente,concretiza-se na ao missionria integral (em toda boa obra). Aidentidade da comunidade crist marcada pela ao missionriaem resposta ao missionria do prprio Senhor. Entender mis-so a partir do termo paulno boas obras v-la como expresso doevangelho de Cristo - a concretizao na histria humana da boanotcia de que Deus ama sua criao, e a si mesmo se entregou emfavor dela.

    A ao missionria decorre necessariamente da ao salvfica deDeus em Cristo, conforme os textos de Efsios e Tito nos indicam.Em Efsios 2: 10, a ao missionria o propsito da criao da co-munidade eclesial e faz parte do plano de Deus para sua criao:"pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, asquais Deus de antemo preparou para que andssemos nelas".

    Em Tito 2:14, a metfora da santificao o meio usado por Pau-lo para, mais uma vez, indicar que a ao missionria o propsitoda salvao: "o qual a si mesmo se deu por ns, a fim de remir-rios detoda iniqidade, e purificar para si mesmo um povo exclusivamenteseu, zeloso de boas obras".

    11Doutrina protestante segundo a qual o homem, apesar do pecado original, conservao livre-arbtrio na busca de sua salvao e na obteno da graa divina.

  • 42 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    Nesse texto, o apstolo alude claramente antiga declarao daidentidade do povo de Israel, como povo eleito e parceiro de Deuspara a misso (x 1:5~6, v. lPe 2:9,10). O carter tico das boas obras conseqncia de sua vinculao direta com a ao salvfica de Deus,que cria um povo eticamente renovado para tornar-se seu parceirode aliana.

    Se a tradio suspeitou das boas obras, as comunidades atuaistendem a suspeitar do conhecimento. Na axiologia mais comumdas igrejas crists protestantes, a experincia mstica de Deus ocritrio mais elevado, diante do qual o conhecimento relegado aposio bastante inferior, pois entendido como contrrio mst-ca crist.

    A proposta paulina (e bblica em geral), no entanto, vai emdireo oposta. A mstica crist no exclusivamente emocional,mas inclui o conhecimento - o pleno conhecimento divino - nos da vontade de Deus (1:9), mas do prprio Senhor em sua revela-o humanidade. No crescer no conhecimento de Deus foi oproblema crucial da comunidade de Colossos, qual Paulo segui-damente exorta a no se deixar enganar e escravizar por corihec-mentos falazes e vos - incompatveis com o padro crstico (2:2~4;2:8-10; 2: 16~3:4).

    Outro tema judaico caracterstico, o conhecimento de Deusinclui a experincia dos atos de Deus (e.g., lSm 3,7; SI 9,10;Is 43,10; Mq 6,5) e reconhecimento de Deus atravs de aoapropriada (e.g. Dt 4:39-40; Pv 9: 10; On 11:32; Os 8: 1~3). Avida piedosa do judeu consiste em ddiva e tarefa, uma contnuainterao de reconhecimento e ao" (Lohrnever). De acordo comPaulo, a falha em assim conhecer e reconhecer a Deus est na raizdo pecado humano (Rm 1:21; v. Sab 16,16}.12

    IZDuNN, op, cit., p. 725.

  • TEOLOGIA PRATICA: UMA TEOLOGIA DA AAo EM DISCERNIMENTO 43

    Crescer no conhecimento de Deus ao fazer teologia , portanto,parte integrante da mstica crist, pois constitui o desejo expressona orao (Ef 1: 16-23), o alvo da edificao da igreja (Ef 4: 11-16) ea concretizao na vida humana da revelao divina do mistrio(CI 1:24-29).

    Neste perodo de transio, em que se finda a modernidade,podemos recuperar a caracterstica predominante da ao teolgi-ca do incio do cristianismo. Segundo E. Farley:

    N a primeira fase, que comeou com a era neotestamentria e con-tinuou at o incio da Idade Mdia, a teologia era essencialmenteuma jornada pessoal e existencial aos mistrios da revelao divi-na, realizada com vistas a ajudar a comunidade crist a viver naverdade. Farley chama esta abordagem teolgica de teologia habi-tual - teologia como conhecimento de Deus, construda por meiodas disciplinas da orao, estudo e participao litrgica, e objeti-vava a formao de pessoas e comunidades de acordo com o co-nhecimento de Deus. I3

    Colossenses 1:11 construdo de forma a ressaltar a importnciae a natureza da energia divina que nos concedida e em ns ope-ra. Primeiro, a orao "sendo fortalecidos com todo o poder" construda no grego de forma tipicamente judaica, com o objetoadvindo da mesma raiz do verbo. Uma traduo mais adequada,portanto, seria: sendo energizados com toda a energia (radical dynam).

    Na tradio antiga da igreja, a energia o que o Esprito realizanos cristos (v. At 1:8). o que Paulo reconhece como a fonte desua ao missionria (CI 1:29). A preferncia aqui expressa pela tra-duo energia, em vez da tradicional forma poder, justifica-se nomnimo pela situao confusa em que a questo do poder de Deus se

    Deitado por J. FOWLER, Faith development and pastoral care, p. 12.

  • 44 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRATICA

    encontra nos meros eclesisticos na atualidade - seja como fontede diviso entre avivados e tradicionais, seja como fonte de confusoentre poder para fazer e poder para governar.

    Alm disso, o termo poder no , de fato, a melhor traduopara o grego dynamis. Ora, poder uma ao que se exerce sobreoutra pessoa (ou sobre si mesmo), visando a reger-lhe a conduta.Energia no ao exercida sobre outra pessoa, mas fora que ca-pacita a ao.

    A axiologia crist no tem como critrio reger a conduta, go-vernar a vida de outros, mas agir com base na energia divina - tera fonte de fora no na prpria pessoa, mas em Deus, atravs deseu Esprito (e.g. Rm 1:16; 15:19; ic, 2:4,5; 2Co 4:7; 12:9; Ef 1:19;lTs 1:5). No poltico, mas identitrio e mstico. O ser humanono tem, por si s, energia para agir de conformidade com a von-tade de Deus. Ser cristo , nesse caso, depender de Deus para agir,e agir energizado pelo Esprito de Deus.

    Em segundo lugar, esse fortalecimento concedido por Deus cori-forme " sua fora gloriosa". O termo grego, aqui, lcratos, que tam-bm no possui significado poltico, mas se refere fora e aoesplendor, e bastante usado em contextos litrgicos: s a Deuspertence a fora (e.g. 1Tm 6: 16; lPe 4: 11; 5: 11; Jd 25, Ap 1:6; 5: 13). a fora gloriosa de Deus, portanto, que nos energiza para a aoem conformidade com sua vontade; a fora de sua teojania (e.g.x 16:10; 24:16s; SI 63:2; 102:16).

    Como para contrabalanar o tom triunfante da primeira partedo versculo 11, Paulo imediatamente acrescenta: "em toda a perse'verana e longanimidade". Significa que o resultado mais concreto eexpressivo da energizao divina do ser humano a capacidade pararesistir circunstncia maligna e permanecer firme neste perodo detenso escatolgica, de expectativa da consumao do Reino de Deus.

    A transformao definitiva do mundo e da pessoa s ocorrerescatologicamente, por isso preciso resistir - esta a palavra de

    I, .LI ~,I i J L~ ~ I jJ 06 j. Ji~

  • TEOLOGIA PRTICA: UMA TEOLOGIA DA Ac Ao EM DISCERNIMENTO 45

    ordem para o saber, o dever e o sabor cristos. A perseverana de"longo nimo", de longa durao, expressa a energia divina - emoutras palavras, Deus energiza seu povo para resistir a todas as oca-sies em que pensa desistir de sua identidade missionria.

    [Essa perseverana] era grandemente valorizada tanto no helenis-mo, particularmente pelos esticos, como resistncia duradouracontra o mal e fortaleza durante as privaes, como no judasmocontemporneo (freqentemente em 4Mac para denotar a perse-verana dos mrtires - 1,11; 7,9; 9,8.309 etc.j.!"

    Tudo isso, enfim, realizado com alegria expressa na gratido a Deus,na adorao ao que nos tornou dignos de ser participantes de seuReino. Parte integrante da axiologia da ao crist a gratido, aatitude de viver em todas as circunstncias com alegria e prazer de-rivados do reconhecimento de que tudo o que nos acontece estdentro do plano - da vontade - de Deus. Isso no deve ser enten-dido como resignao - o mal que nos sobrevm no tem alterna-tiva -, mas como misso.

    O tempo de nossa vida o tempo da pacincia escatolgica deDeus, da abertura de seu Reino a toda a criao e da graa. Alis, quase inevitvel, aqui, ressaltar o jogo de palavras entre graa egratido (que tambm funciona no grego), esta derivando daquela eredundando em maior difuso da graa divina a toda a criao.

    Se temos um critrio teolgico para adorar a Deus, este o daalegria missionria escatolgica. Adorao realizada fora do arn-biente da tenso escatolgica que fundamenta a misso da igrejano agrada a Deus. Pode agradar comunidade que adora, mas noao Deus que a recebe.

    l4DuNN, op. cit., p. 74.

  • 46 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRATICA

    A adorao alegre , por sua vez, fruto da ao do Esprito(OI 5:22; Rm 14: 17; 1Ts 1:6; v. Jo 4:24), manifestada no reconheci;menta pblico de que somos o que somos graas ao que Deus fez porns, e de que somos o que somos para que toda a criao seja confor-me a vontade de Deus, e toda a humanidade se encontre no Reinode Deus, como filhos e filhas reconciliados(as) mediante a entrega doFilho na cruz (CI 1:19,20). Nada mais indigno do Senhor que re-duzir a adorao a ritos e / ou a catarses. No toa, ento, quePaulo afirma que verdadeiro culto que prestamos a Deus o davida transformada (Rm 12: 1,2).

    Assim, nada mais apropriado para iluminar a natureza da teo-logia prtica que uma orao como esta de Paulo. Ela expressa nossaconfiana em Deus, nossa amizade com ele e seu companheirismopara conosco, e ainda nossa insuficincia para realizar sua vontadeno dia-a-dia.

    Fazer teologia uma das expresses de nossa orao, aquela ex;presso da dependncia de Deus que transformamos, hurnildemen-te, em conceitos e critrios para agir em conformidade com suavontade. Por isso, a ao de fazer teologia sempre comea com opedido por sabedoria e discernimento, pois ambos vm do Esprito,no nascem em ns.

    A teologia vive da orao, sempre de novo alimentando-se nelaatravs da escuta obediente da Palavra do advento: orando, otelogo conformar-se- com Cristo, ao seu mistrio de eterna aco-lhida do amor fontaI. A teologia, pensamento reflexivo da f,tem constitutivamente necessidade da orao. A teologia, enfim,conduz orao. Ela, pensamento do encontro com a iniciativado amor do Deus vivo, abre-se, orando, s surpresas do Altssimoe, orando, conhece sempre novos incios, na experincia vivificanteda escuta religiosa da Palavra santa. E uma vez que a experinciado orar em Deus por excelncia a da liturgia, pode-se dizer que

  • TEOLOGIA PRTICA: UMA TEOLOGIA DA AO EM DISCERNIMENTO 47

    a teologia nasce da liturgia, vive dela, desemboca nela. Na litur-gia, o discurso teolgico torna-se hino: na teologia, o canto litrgicotorna-se discurso, raciocnio e dilogo.!"

    RECAPITULANDO

    1. Qual o objeto da teologia prtica?2. O que diferencia a idia de "conhecimento" nas culturas grega e

    hebraica?3. Em sua opinio, como essas diferentes idias influenciam a teo-

    logia?4. Que discernimento espiritual?5. Como alcanar o discernimento espiritual e como crescer nele?6. Que lugar o discernimento ocupa na teologia prtica?7. O produto da teologia prtica uma axiologia da ao crist.

    Comente esta afirmao e formule um exemplo prprio.

    15B. FORTE, A teologia como companheira, memria e profecia, p. 197s.

  • C a p t u l o 3

    U rna cristojogia prtica:o senhorio de Jesus

    A TEOLOGIA PRTICA, COMO VIMOS, o momento reflexivo da prxiscrist. Construda como sabedoria e discernimento, corresponde auma resposta ao agir de Deus no mundo contemporneo. Cons-truda como axiologia da ao crist, desenvolve critrios cristo-cntricos para o agir. Assim, o primeiro tpico crtico ser o dacristologia.

    Tanto o discernimento quanto a axiologia da ao crist soedificados em torno da ao de Jesus e da reflexo neotestamentriasobre ela. Em dilogo com o hino cristolgico em Colossenses 1:15;20,nossa reflexo se concentra na estruturao de critrios para o agircristo que atendam ao senhorio csmico de Jesus.

    Se, ao tratar do discernimento, percebemos que a teologia umato de orao, ento somos conduzidos esfera da celebrao litr-gica, que nos relembra que a teologia um ato de adorao.

    A SUPREMACIA DA LEI E I OU DO COSMOS

    As igrejas paulinas foram fundadas em regies de cultura predomi-nantemente helenista, qual Paulo teve de contextualizar a mensa-gem do Evangelho, sem, contudo, alterar a essncia do ensino de

  • 50 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRATICA

    Cristo, que se baseia na viso judaica de Deus e sua ao no mun-do. Na compreenso judaica da salvao, no h dualismo entrematria e esprito, corpo e alma. Ela no significa a excluso dooutro, como no pensamento platnico e em algumas religieshelensticas. Em vez disso, a salvao final descrita, em termossemi-apocalpticos, como nova criao, que abrange "cus e terra",ou seja, tudo quanto Deus criou (Is 65: 17-25).

    No contexto neotestamentrio, a ontologia judaica aceita, masno sua soteriologia. Em poucas palavras: o caminho judaico para asalvao era o caminho da obedincia Lei - a prtica das boas-obras da Lei. O Messias no era esperado como salvador do povo jsalvo de Deus, mas apenas como libertador poltico. A perspectivacrist insere os judeus entre os pecadores necessitados da salvaomessinica, cujo nico acesso se d pela f em Jesus Cristo, pois nele ofertada graciosamente a total redeno divina.

    No mundo greco-romano, a perspectiva de salvao era multiforme:

    1. O dualismo entre matria e esprito era um dos conceitospredominantes tanto na filosofia quanto nas crenas religiosas maispopulares. A salvao, portanto, consistia na libertao da almada priso corprea e material neste mundo. Uma das variaesdesse dualismo era o conceito de tricotomia, provavelmente cunhadopelo filsofo platonista Posidrrio:

    Em sua cosmologia, ele distinguiu entre um mundo celestial aci-ma da lua, imperecvel e imutvel, e um mundo sublunar, transi-trio e sujeito mudana. [... ] o esprito humano tem sua origemno sol, recebe do mundo intermedirio (a lua) a alma que anima emantm o corpo que providenciado pelo mundo sublunar. 1

    IKoESTER, Introduction to the New Testament, p, 139.

  • UMA CRISTOLOGIA PRATICA: O SENHORIO DE JESUS 51

    2. Outro conceito que permeava vrias filosofias e crenas reli-giosas era o de destino - uma fora impessoal que controlava omundo e as pessoas, diante da qual somente a ao mgica erapossvel. Assim, a definio do melhor momento para realizar qual-quer atividade dependia dos astrlogos que sabiam manipular essafora atravs da observao dos astros.

    3. As chamadas "religies de mistrio" tambm eram popula-res. Originaram-se no antigo mundo grego e tiveram amplo cresci-mento no perodo do Imprio Romano:

    o cosmos tem ordem divina, mas os seres humanos no recebemsua plena parcela nesse universo divino porque esto aprisionadosno ambiente dos sentidos e da matria, desordem e mortalidade.Esto sujeitos a Heimarmene, o poder do destino. Entretanto, naalma, eles participam do mundo divino; vrias foras divinas estoprontas para ajudar nos atos de salvao. Eles no podem ocorrerno mundo visvel, que, por definio, a causa do dilema [...]salvao s pode vir atravs da f nos poderes que existem em ummundo alm do visvel e pertencem a uma ordem mais harmonio-sa, no ameaada pela transitoriedade, embora esses poderes fos-sem capazes de exercer sua influncia neste mbito terreno.

    As religies e filosofias de maior apelo popular nesse perodo ocu-pavam-se do que denominamos domnio da vida, que:

    ... dependia de se a pessoa conseguia assegurar o favor dos pode-res extraterrenos em partilhar de seus benefcios. A crena nopoder era primria, quer se visse todo o universo invadido pelo

    2KoESTER, op, ct., p. 195.

  • 52 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    poder do Lagos, com o qual era necessrio estar de acordo (aviso estica), quer a pessoa visse bons e maus demnios em aoe tentasse assegurar sua ajuda atravs de magia e conhecimentosecreto. O poder divino estava presente no esprito, em oposio matria, no mundo das estrelas em oposio ao mundo sublunar,e no poder visvel dos novos deuses que representavam uma for-a at ento desconhecida [no mundo greco-rornario].:'

    A SUPREMACIA DE CRISTO SOBRE A LEI E O COSMOS (Cll:15.. 17)

    Jesus Cristo: revelador de DeusN a primeira estrofe do hino, duas caractersticas so atribudas a Cris-to: imagem do Deus invisvel e primognito de toda a criao. Ambasdestacam a ao reveladora de Cristo, pois nele podemos encontrar aface de Deus, antes inatingvel, e a face do mundo, aparentemente tofamiliar a cada um de ns.

    Esses termos surgem no ambiente dos discursos sapienciais judai-cos contemporneos, desenvolvidos em constante dilogo com con-cepes helensticas de cosmos e de Deus. Nessa poca, era comumdistinguir o mundo visvel e o invisvel. Para o platonismo, o mundovisvel o mundo acessvel aos sentidos e o invisvel, acessvel ape-nas mente. Tal dualismo tambm est presente nos escritos de Filode Alexandria. No judasmo mais tradicional, o destaque dado invisibilidade de Deus, a sua incognoscibilidade, que no nos per-mite v-lo, mas reconhec-lo em sua imagem.

    No mundo helnico havia diferentes portadores da imagem deDeus:

    o cosmos (Plato, Timeu, 92c; Corpus Hermeticum 11,15; 12,15); o ser humano (Corpus Henneticum 8,5);

    JKOESTER, op, cit., p. 195.

  • UMA CRISTOLOGlA PRATICA: O SENHORIO DE JESUS 53

    o rei, pois "no culto helenstico ao imperador, dizia-se que aapario do governante era o evento da epifania divina"."

    o judasmo, em dilogo polmico com essas concepes helenst-cas, enfatizou o carter revelador da Sabedoria e da Palavra divinas(v., por exemplo, Sab 7:26; lEn 42:1,2; 49:1-4; e em vrios escritosde Filo). Filo descreve a Sabedoria e a Palavra como "princpio, ima-gem e viso de Deus" (Legum allegoriae 1,43).

    Em um mundo que valorizava a filosofia, atribuir uma funoreveladora Sabedoria I Palavra causa um impacto significativo,alm de se manter fiel tradio judaica cannica (v. Pv 8). O Deusinvisvel, incognoscvel, torna sua imagem acessvel ao conhecimen-to humano.

    Esse hino atribui a Jesus Cristo a caracterstica de ser a imagemde Deus - aquele que revela Deus ao mundo. Este movimento dateologia crist nascente apresentou um carter polmico, tanto emrelao ao Judasmo quanto, ao Helenismo. Ao afirmar que Jesus,e no a Sabedoria (Tor), a imagem de Deus, o hino esvazia afuno da Sabedoria como mediadora e da Tor como caminhoat Deus.

    Alm disso, nega ao cosmos toda funo reveladora e exclui asbases teolgicas do valor da filosofia como caminho para alcanar averdade (esse carter polmico acentuado em CI2). Portanto, quemquiser conhecer a Deus deve conhecer a Cristo, pois ele o nicointrprete e porta-voz de Deus na terra (v. jo 1:14-18; Hb 1:1-3).

    O mais importante nessa polmica o fato de que Deus - irrvis-vel - se d a conhecer atravs de um homem visvel. Embora o pro-testante valorize a Palavra como testemunho da revelao divina, N ovo Testamento destaca a visibilidade da revelao de Deus nas

    4LoHSE, Colossians and Philemon, p. 47.

  • 54 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRATICA

    aes de Jesus. O Pai no apenas pode ser ouvido, como tambmvisto; a invisibilidade se transforma em visibilidade; o Deus inacess-vel torna-se acessvel e, em Cristo, pode ser tocado (v. 1]0 1:1-3).

    Jesus Cristo: revelador da verdadeira humanidadeA segunda caracterstica, primognito de toda a criao, provm domesmo ambiente teolgico, j que a Sabedoria (Pv 8:22,25) o pri-mognito da criao (v. Filo, que se refere ao Logos como primogni-to, embora use outro termo grego). Nesse caso, o termo primognitoapresenta uma certa ambigidade, pois afirma, por um lado, a fun-o mediadora da Sabedoria na criao e, por outro, seu carter dealgo criado (Pv 8:22; Sir 1,4; 24,9).

    A idia de que o primognito seja o representante do Pai, o seuregente, tambm declarada na tradio judaica. Nela o rei messi-nico, Israel, os patriarcas e aTar so descritos, em alguns momen-tos, como primognitos de Deus. Em Colossenses 1:15-20, porm, aatribuio da primogenitura a Cristo despida de ambigidade, poisele foi o agente divino (por meio dele), o ambiente (nele) e o alvo (paraele) de toda a criao. Sua preexistncia e primazia so enfatizadasno versculo 17: "Ele antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste".Assim, podemos perceber que a funo de Cristo como representan-te de Deus e regente da criao j estava presente na tradio crsto-lgica da literatura paulina.

    Em 1Corntios 8:6, a f confessada em termos similares: "toda-via, para ns h um s Deus, o Pai, de quem so todas as coisas epara quem existimos; e um s Senhor, Jesus Cristo, pelo qual sotodas as coisas, e ns tambm por ele."

    Em Romanos 11:36, apresentam-se as mesmas afirmaes doxo-lgicas em relao a Deus, "porque dele e por meio dele e para eleso todas as coisas". Devemos perceber a importncia singular daprimogenitura de Cristo para o conhecimento do verdadeiro ca-minho para a humanidade.

  • UMA CRISTOLOGIA PRATICA: O SENHORIO DE JESUS 55

    Como imagem, Cristo revela Deus ao ser humano. Como primo-gnito, revela-nos a verdadeira humanidade. Cumpre-se nele o proje-to de Deus de refazer a humanidade, sua grande famlia, "porquantoaos que de antemo conheceu, tambm os predestinou para seremconformes imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primognitoentre muitos irmos" (Rm 8:29). Essa temtica est presente na se-gunda estrofe do hino.

    O mundo, aparentemente acessvel a nosso saber, s pode serconhecido por meio de Cristo, de maneira que "ns, daqui por dian-te, a ningum conhecemos segundo a carne; e, se antes conhecemosa Cristo segundo a carne, j agora no o conhecemos deste modo"(2Co 5:16).

    Assim, o Primognito de Deus, o Filho encarnado torna visveltambm a utopia de uma nova humanidade. Em Jesus encontramostanto o saber a respeito do ser humano e o dever de conformar-nosa ele, quanto o sabor agradvel de nossa misso, porque "Deus, emCristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de ns, manifestaem todo lugar a fragrncia do seu conhecimento" (2Co 2: 14).

    Jesus Cristo: senhor de toda a criao (ICo 8:6)Em Colossenses 1:16, Paulo utiliza uma forma de expresso j encon-trada na literatura estica e em Filo, e parcialmente presente nas tra-dies sapienciais judaicas (cannicas e no-cannicas). A estasatribui um sentido tipicamente cristo: "Deus tem criado [o verbogrego est no tempo perfeito, que indica uma ao realizada nopassado cujos efeitos e realidade ainda se fazem concretos no pre-sente do escritor], nele, por meio dele, e para ele, todas as coisas,tanto as do cu como as da terra."

    Alm da funo reveladora de Cristo, esse texto destaca a funoontolgica de Jesus em relao ao mundo criado, pois o apresentacomo meio-ambiente (nele), agente divino (por meio dele) e alvo (paraele) da criao.

  • 56 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    Todas as criaturas - as que vivem na terra, fora ou acima dela -pertencem criao. Isso contraria, clara e polemicamente, os con-ceitos dualistas de mundo, presentes na cultura greco-romana. Damesma forma, a afirmao de Colossenses 1: 17 (v. I Co 8:6b) apontapara Cristo como nico meio de sobrevivncia e de existncia detodas as criaturas. Assim, qualquer idia de um destino cego e im-pessoal, ou de poderes astrais ou demonacos que governem a vidahumana colocada sob suspeita e invalidada, pois h um s Se-nhor de todas as coisas: Jesus Cristo, o meio, o agente e o alvo daCriao de Deus Pai.

    Destaca-se o fato de que tronos, dominadores; prncipes ou poderes,foram criados por Deus em Jesus Cristo, por meio dele e para ele. Essabreve enumerao no pode ser interpretada como referncia apenasa seres angelicais ou demonacos, ou a poderes e estruturas terrestres.A cosmoviso predominante no perodo paulino, no permitia a dis-tino radical entre as esferas terrestre e celestial, embora as relaesentre ambas pudessem ser interpretadas de formas distintas.

    Na teologia paulina, contrria ao mundo greco-romano, os poderescelestiais no constituem deuses, mas criaturas de Deus, e a ele subor-dinam-se atravs da primazia de Jesus Cristo, "que antes de todas ascoisas". Markus Barth, afirmou que nessa lista de entidades encontra-mos "uma expresso ultrapassada daquilo que o homem moderno cha-ma de estruturas, leis, instituies e regularidades da natureza,evoluo, histria, sociedade, psique, mente".5

    Exceto pelo adjetivo etnocntrico "ultrapassada", a descrio deBarth apropriada, uma vez que no mundo antigo no havia a con-cepo atual da impessoalidade de estruturas, leis, instituies e re-gularidades. Elas eram entendidas de forma pessoal, vinculadas aseres terrestres ou celestes, ou a ambos.

    SColossians. A new translation with introduction and commentary, p. 202.

  • UMA CRISTOLOOIA PRTICA: O SENHORIO DE JESUS 57

    A afirmao de .que Cristo anterior a todas as coisas evidenciao fato de que esses poderes esto subjugados a ele. Tal submisso,entretanto, no deve ser entendida apenas como obedincia, uma vezque na segunda estrofe do prprio hino esses poderes esto includosna lista dos seres reconciliados com Deus por meio de Cristo -revelando-os contrrios a Deus. Em Colossenses 2: 15, afirma-se que,na cruz, Cristo os despojou de seu poder.

    Em Efsios 1:20~23, celebra-se em orao o senhorio de Jesus Cristosobre todos os poderes, como expresso do poder de Deus, que oressuscitou dentre os mortos. Afirmar que os poderes so criaesdivinas contraria as atuais tendncias reducionistas de aspectos dateologia crist, como a "batalha espirttual".

    fundamental lembrarmos que as afirmaes teolgicas paulinaspolemizavam contra uma cosmoviso dualista e determinista darealidade histrica, controlada por foras impessoais ou por forasangelicais / divinas, na qual o ser humano desempenhava papelmais passivo que ativo. Hoje, tal interpretao seria um grandeerro, dada a origem e o propsito dela na literatura paulina.

    Jesus Cristo: redentor de toda a h.urrrarriclaclcern um s povo (v. Ef 2: 11...22)No incio da segunda estrofe do hino, Paulo enfoca o senhorio deCristo sobre a nova criao. Jesus a cabea do Corpo, que a Igreja. o primognito dentre os mortos, o primeiro a ressuscitar e nomais morrer, estabelecendo uma nova era histrica e a supremaciasobre tudo, criao e nova criao.

    A metfora do corpo aplicada Igreja tem razes na viso paulinado pecado que, entre outras coisas, cinde a humanidade entre judeuse gentios. No plano salvfico de Deus, o incio da restaurao daunidade humana deu-se com a eleio de No e sua famlia (Gri 6~9).Esse incio, porm, foi mais uma vez refreado pelo pecado humano(Gn 10,11).

  • 58 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    A eleio de Abro (Gn 12:1s) retoma o plano salvfico de Deus nadimenso histrica. Nesse momento, a fundao e a histria de Israelnos apresentam os limites do ser humano no tocante salvao.

    Por causa da pecaminosidade humana, o povo abramico pormuito tempo ficou reduzido a uma etnia (a judaica), criando-se umabarreira divisria entre Israel e os povos gentios. Sem Cristo, esteseram "privados da cidadania em Israel, estranhos s alianas da pro-messa, sem esperana e sem Deus no mundo" (Ef 2:12). A prpria leide Deus se tornou o principal obstculo unidade humana, de-monstrando a incapacidade do ser humano de ultrapassar os lirni-tes do pecado e realizar, por si mesmo, a vontade de Deus (Ef 2: 15,v. Rm 1:18-3:23).

    De fato, a lei cumpriu seu propsito: revelar a pecaminosidadehumana e a necessidade de Deus assumir no s a iniciativa, mastambm a realizao histrica da salvao da humanidade. Comocumprimento desse plano salvfico, Deus enviou seu Filho, "nascidosob a Lei, nascido de mulher", cuja vida, morte e ressurreio trazema salvao efetiva humanidade, a todos os que crem, judeus ougentios.

    A restaurao da natureza humana um dos efeitos da suprema-cia de Cristo sobre a nova criao. Esse tema, implcito na idia dereconciliao expressa nos versculos finais do hino, explicitado de-talhadamente em Efsios 2. Os gentios, afastados da aliana, aproxi-mam-se de Deus pelo sangue de Cristo (2: 13). Assim, temos acessolivre ao Pai por meio de seu Esprito (2:18,22).

    Em Jesus, o novo Ado, encontramos a:

    ... nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade. Em sua carnedestruiu o muro de separao, o dio. Ele aboliu a lei e os man-damentos com suas observncias. Ele quis assim, a partir do ju-deu e do gentio, criar em si uma nova humanidade, estabelecendoa paz, e reconcili-la com Deus, ambos em um s corpo, por meio

  • UMA CRISTOLOGlA PRTICA: O SENHORIO DE JESUS 59

    da cruz, onde ele matou o dio [...] Assim, no sois mais estran-geiros, nem migrantes; sois concidados dos santos, sois da farn-lia de Deus. Fostes integrados na construo que tem comofundamento os apstolos e os profetas, e o prprio Jesus Cristocomo pedra principal.

    Efsios 2: 1420

    Dessa forma, a fidelidade de Deus mantida, seu plano histrico cumprido e uma nova humanidade comea a se formar. Uma novahumanidade em Cristo Jesus, criada "segundo Deus na justia e nasantidade que vm da verdade" (Ef 4:24). A reunifcao da humani-dade um passo histrico na direo da redeno csmica, primciasda nova criao.

    Jesus Cristo: reconciliador e conquistador de todos os poderes(v. CI 2:15; Ef 1:10,20..23; 3:10.. 11; 6:10..20; lCo 15:20..28;2Co 5:19)Vimos que, segundo Paulo, todos os poderes foram criados por Deuse a ele esto subjugados. Vimos, tambm, que nem todos os poderesso obedientes a Deus e realizam sua vontade. Reconhecendo a im-portncia de Colossenses 1:1520 na teologia paulina em relao aos"poderes", vale a pena uma longa citao:

    A orao exprime e traduz o contedo teolgico da f crist.Jesus Cristo o nico Senhor. Ele est acima de todos os poderescsmicos e polticos. Ele a Cabea, no sentido de Princpio ati-vo de onde toda vida promana. o Chefe que determina e sub-juga todas as foras da histria e todas as foras dos poderespolticos. A Cruz a manifestao da vitria e do poder do Se-nhor que subjuga as foras e os poderes do mundo (CI 2:15). Amensagem do hino um apelo ao discernimento de Cristo, Ca-bea, no meio de tantas especulaes filosficas e religiosas: "Ele

  • 60 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    a Cabea, pela qual todo o Corpo, alimentado e coeso pelasjuntas e ligamentos, realiza o seu crescimento em Deus" (CI2: 19).6

    N a segunda estrofe do hino (CI 1: 19-20; v. ZCo 5: 19), Paulo falasobre a reconciliao de todas as coisas, nos cus e na terra - osseres sobrenaturais, deuses, anjos, demnios ou daimonia, e os pode-res terrestres. Em que consiste a reconciliao dos poderes, especial-mente dos angelicais e demonacos, que segundo a cosmovisogreco-romana determinavam a vida humana?

    Segundo Colossenses 2: 15 e Efsios 1:20-23, consiste basicamen-te em despojamento [escatolgico] de sua condio de senhores davida humana, ou seja, sua subordinao ao agir salvfico de JesusCristo. Exaltado como Senhor escatolgico pelo Pai, mediante aressurreio (Ef 1:20-23), o Filho restringe a possibilidade de aodesses poderes, at que venham a ser efetivamente derrotados, anu-lados e totalmente subordinados a Deus (v. I Co 15: 24; Ef 1:10).

    Voltando nossa ateno para o aspecto poltico da ao recon-ciliadora de Deus - que estabelece a paz mediante a morte do Fi-lho, e no dos inimigos -, encontramos forte crtica contra aideologia da pax romana, que a ausncia de conflitos implantadamediante a submisso pela fora militar. Na tradio judaico-cris-t, a paz a plena harmonia que Deus estabelece na criao, desta-cando-se a justia social, que consiste na harmonia csmica de Deusaplicada convivncia social humana. Para restaurar a harmoniada criao, alienada do Pai, Deus entrega seu Filho morte recon-ciliadora.

    o que se afirma aqui , simples e profundamente, que o propsitodivino no ato da reconciliao e do estabelecimento da paz

    6ANDERSON, O Evangelho da liberdade, p. 67.

  • UMA CRISTOLOGIA PRTICA: O SENHORIO DE JESUS 61

    restaurar a harmonia da criao original, reunir em renovada uni-dade e plenitude "todas as coisas", quer as da terra, quer as doscus. Que a igreja tem um papel aqui est implcito na correlaode 1:18a com 1:20. Quando inclumos a afirmao anterior doevangelho "frutificando e crescendo em todo o mundo (ksmos)"(CI 1:6) e a fala subseqente do mistrio antigo sendo reveladoentre as naes (1:27), a implicao fica clara: mediante a vivn-cia (1:10) e a pregao do evangelho (1:27) que o alvo csmico daperfeio reconciliada ser atingido (1:28). 7

    Podemos, ento, vislumbrar a igreja como o prottipo da nova cria-o, a antecipao escatolgica da utopia dos novos cus e da novaterra - a igreja missionria. Conseqentemente, do ponto de vistada espiritualidade crist, a afirmao do senhorio de Cristo sobre ospoderes (v. Rm 13: 1-6) mostra que "a orao crist [tambm] nega-o das pretenses dos poderes do imperialismo, e discernimentoconstante da manifestao da fora da cruz diante dos poderes quedeterminam a histria".8

    A reconciliao csmica permite ao povo de Deus uma espiritua-lidade integral - cristocntrica e solidria, tema ao qual dedicare-mos mais adiante nossa ateno.

    RECAPITULANDO

    1. Descreva a cosmologia helnica e sua viso de salvao.2. Quais so as caractersticas de Cristo no hino de Colossenses?3. Quais so as implicaes, para a espiritualidade, de Jesus Cristo

    ser o revelador de Deus e do ser humano?

    7DuNN, The Epistles to the colossians and to philemon, p. 104.8ANDERSON, op, cit., p. 62

  • 62 FUNDAMENTO~ DA TEOLOGIA PRATICA

    4, Se Je~u~ oSenhor da Criao, como ~e pode de~crever adimen-~o ecolgica, ou c~mica, da misso da I~ejal

    ), Aredeno cria uma nova humanidade, unificada em Cristo.Como i~to deveria afetar seu comportamento em relao apes-soas egrupos sociais ou culturais "diferentes"1

    , Quais so os limites que amorte de Cristo imps aos "poderes"]I, Em sua opinio, que significa, na prtica, areconciliao csmica1

  • C a p i tu l o 4

    Uma soteriologiaprtica:

    vida etn liberdade

    APs RECONHECERMOS CELEBRATIVA e teologicamente o senhorio deJesus Cristo sobre toda a criao, voltemos a ateno a seus efeitosna vida daqueles que o recebem por f. A soteriologia prtica seocupa do projeto de vida do salvo em Cristo Jesus. Uma vez queessa nova condio pessoal faz parte do processo da reconciliaocsmica realizada por Deus atravs de Jesus, a soteriologia no podeser antropocntrica, mas teocntrica, centrada na ao de Deus emCristo e, a partir dela, na resposta e no papel do ser humano noprojeto reconciliador divino.

    O texto de Colossenses 2:6~15, a partir do qual trabalharemosessa temtica, constitudo de um elemento exortativo, enraizadono agir de Deus em favor da comunidade (v. 6,10), e de um trechoconfessional (v. 11,15), possivelmente extrado de uma antiga litur-gia batismal das igrejas paulinas.

    Vamos nos concentrar na seo confessional e discutir aspectosda soteriologia encontrados na epstola aos glatas, a fim de desta'carmos alguns elementos importantes sob a tica teolgica, indevi-damente enfatizados nas ltimas dcadas.

  • 64 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PRTICA

    A CONDIO HUMANA SEM CRISTO

    Mortos nas transgresses e na incircunciso da carneNa teologia pauliria, a condio humana sem Cristo descrita comoescravido e morte (v. Ef 2: 1-10; GI 3:22s; 4:3~8). Entreranto, comono podemos nos autolibertar ou autovivificar, precisamos de umLibertador que conquiste por ns o resgate, a alforria, a prprialiberdade e a vida. Tal estado de escravido exigiu que o Libertadorvivesse uma vida totalmente entregue ao Pai, de forma a revelar nos o amor deste, como tambm a plena humanidade desejada peloCriador.

    Assirn , a redeno conferida humanidade mediante acompletude vida, morte e ressurreio de Cristo (CI 2:l0)~ e no spela "cruz" ~ como em certos reducionismos soteriolgicos.

    Um equvoco perigoso na tradio soteriolgica crist o da re-duo antropocntrica. Nesse pensamento redutivo, a carne com-preendida como a natureza humana - uma propriedade de cadaindivduo, e no uma expresso da condio qual o ser humanoest subjugado.

    No pensamento paulino, carne no um termo antropocntrico,mas csmico e apocalptico. Nesse sentido, apresenta as seguintesconotaes principais:

    esfera do mundo criado, terreno de oposio a Deus, onde as"coisas da terra" so contrrias s "coisas do alto" (CI 3: 1-4);

    esfera da efemeridade deste mundo, enfatizando sua finitudee seu desaparecimento na consumao do Reino;

    estilo de vida (viver "segundo a carne") afastado de Deus, con-trrio a sua vontade, preso a "este tempo" e a esta "terra".

    Estar morto "na incircunciso da carne" o estado que nos impe-de de alcanar, sozinhos, a vida plena. viver sob uma estrutura

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  • UMA SOTERIOLOGIA PRTICA: VIDA EM LIBERDADE 65

    caracterizada por contrariar a vontade de Deus. Condio OrIgI-nada, segundo Paulo, no ato do primeiro homem (v. Rm 5:1-12)e que se confirma permanentemente na histria da humanidade,que continua preferindo o pecado, os dolos, e no o Deus verda-deiro (v. Rm 1:185).

    Escravos da lei, rudimentos do m.undo, e dos poderesSegundo Paulo, a humanidade sem Cristo escrava do pecado(Rm 6:6,20), da carne (Rm 7:5,14,18; 8:8; Ef 2:3), dos poderes(2Co 4:4; G1 4:8; Ef 2:2; 2Ts 2:8-11), dos rudimentos do mundo(014:3.85; Rm 8:38-39), da lei (Rm 6: 145; 7:55) e da morte (ICo 15:245;Rm 8:385).

    Conseqncia da impiedade e injustia do ser humano (Rm 1:18,24,26,28), essa condio no pode ser superada por ele prprio. Arestaurao ocorre apenas mediante a