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GADOTTI, Moacir. A dialtica: concepo e mtodo in: Concepo
Dialtica da Educao. 7 ed. So Paulo: Cortez/Autores Associados,
1990. Pp. 15-38.
p. 15
Origens da dialtica
Na Grcia Antiga, a palavra "dialtica" expressava um modo especfico de argumentar
que consistia em descobrir as contradies contidas no raciocnio do adversrio (anlise),
negando, assim, a validade de sua argumentao e superando-a por outra (sntese). Scrates
foi considerado o maior dialtico da Grcia. Utilizando-se da dvida sistemtica, procedendo
por anlises e snteses, elucidava os termos das questes em disputa, fazendo nascer a verdade
como um parto no qual ele (o mestre) era apenas um instigador, um provocador e o discpulo
o verdadeiro descobridor e criador.
Mas a dialtica anterior a Scrates.
Lao Ts, autor do clebre livro Tao t Kinq (o livro do Tao/ conhecimento), que viveu
sete sculos antes de Cristo, considerado o autor da dialtica, no porque tenha elaborado
suas leis, mas por t-las incorporado sua doutrina, ou melhor, por t-la fundado no princpio
mesmo da dialtica que a contradio. No sentido que chegou at nossos dias, como lgica
da natureza, dos homens, do conhecimento e da sociedade, ela se iniciou com Zeno de Elia.
Zeno ficou conhecido por seus inmeros paradoxos e por considerar a dialtica como uma
filosofia da aparncia.
Outro filsofo pr-socrtico que est na origem da dialtica Herclito de feso. Para
ele a realidade um constante devir, onde prevalece a luta dos opostos: frio-calor, vida-morte,
bem-mal,
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sade-doena, etc. Um se transformando no outro. Tudo muda to rapidamente, dizia ele, que
no possvel banhar-se duas vezes no mesmo rio: na segunda vez o rio no ser mais o
mesmo e ns mesmos j teremos tambm mudado.
Ao contrrio de Herclito, Parmnides de Elia sustentava que o movimento era uma
iluso e que tudo era imutvel.
Como vemos, a questo que deu origem dialtica a explicao do movimento, da
transformao das coisas. Na viso metafsica do mundo, qual a dialtica se ope, o
universo se apresenta como um aglomerado de 'coisas' ou 'entidades' distintas, embora
relacionadas entre si, detentoras cada qual de uma individualidade prpria e exclusiva que
independe das demais 'coisas' ou 'entidades' (Prado Jr., 1963:10). A dialtica considera todas
as coisas em movimento; relacionadas umas com as outras.
Para Plato a dialtica era um mtodo de ascenso ao Inteligvel, mtodo de deduo
racional das idias. Esse duplo movimento do mtodo dialtico permitia, primeiro, passar da
multiplicidade para a unidade e, segundo, discriminar as idias entre si, no confundi-las.
Para ele a dialtica era uma tcnica de pesquisa que se aplicava mediante a colaborao de
duas ou mais pessoas, procedendo por perguntas e respostas. O conhecimento deveria nascer
desse encontro, da reflexo coletiva, da disputa e no do isolamento. Esse processo teria dois
momentos: o primeiro consistiria em reunir sob uma nica idia as coisas dispersas, tornando-
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as claras e comunicveis; o segundo momento consistiria em dividir novamente a idia em
suas partes.
Para Aristteles, a quem Marx chama de o maior pensador da Antiguidade (1972,
vol. I:465), a dialtica era apenas auxiliar da filosofia. Ele a reduzia atividade crtica. No
era, portanto, um mtodo para se chegar verdade; era apenas uma aparncia da filosofia,
uma lgica do provvel. Para ele o mtodo dialtico no conduz ao conhecimento, mas
disputa, probabilidade, opinio.
Aristteles conseguiu conciliar Herclito e Parmnides com sua teoria sobre o ato e a
potncia: as mudanas existem, mas so apenas atualizaes de potencialidades que j
preexistiam mas que ainda no tinham desabrochado. O educando seria
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potencialmente educado. A educao do homem seria o processo mediante o qual o homem
desabrocha todas as suas potencialidades.
No terceiro sculo depois de Cristo, com o ressurgimento do platonismo, ressurge
tambm o debate em torno da dialtica. Plotino a considera uma parte da filosofia e no
apenas um mtodo. Mas o sentido da dialtica enquanto mtodo predominou na Idade Mdia,
constituindo-se, ao lado da retrica e da gramtica, como uma arte liberal, a maneira de
discernir o verdadeiro do falso.
A filosofia oficial, escrava da teologia, no demorou a condenar a dialtica por
desconhecer a onipotncia divina, comparando-a, pejorativamente, sofstica. Segundo
Leandro Konder a concepo metafsica prevaleceu, ao longo da histria, porque
correspondia, nas sociedades divididas em classes, aos interesses das classes dominantes,
sempre preocupadas em organizar duradouramente o que j est funcionando, sempre
interessadas em 'amarrar' bem tanto os valores e conceitos, como as instituies existentes,
para impedir que os homens cedam tentao de querer mudar o regime social vigente
(1981:19).
No incio da Idade Moderna a dialtica foi julgada intil, na medida em que se
considerava que Aristteles j havia dito tudo sobre a lgica e nada havia a se acrescentar .A
dialtica limitar-se-ia ao silogismo, uma lgica das aparncias. Assim pensavam Descartes e
Kant. Apesar disso, a concepo do mtodo dialtico avana com a exposio feita por
Descartes em seu Discurso do Mtodo, propondo regras para a anlise, para atingir cada
elemento do objeto ou fenmeno estudado e a sntese ou reconstituio do conjunto. Como
veremos, Marx sugere tambm, em seu mtodo dialtico, proceder por anlise e sntese,
propondo um mtodo de pesquisa e um mtodo de exposio.
A concepo dialtica da histria, oposta concepo metafsica da Idade Mdia,
comea a criar forma com o filsofo social e pedagogo suo Jean-Jacques Rousseau. Para
Rousseau, todas as pessoas nascem livres e s uma organizao democrtica da sociedade
levar os indivduos a se desenvolverem plenamente. O indivduo condicionado pela
sociedade. Mas s a partir de Hegel que a dialtica retorna como tema central da filosofia e
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como filosofia. Ele a concebeu como uma "aplicao cientfica da conformidade s leis,
inerentes natureza e ao pensamento, a via natural prpria das determinaes do
conhecimento, das coisas e, de uma maneira geral, de tudo que finito" (Lalande, 1960:227).
A dialtica, segundo ele, o momento negativo de toda realidade, aquilo que tem a
possibilidade de no ser, de negar-se a si mesma. Entretanto, para Hegel a razo no apenas
o entendimento da realidade como queria Kant, mas a prpria realidade: o racional real e o
real racional. A idia, a razo, o prprio mundo que evolui, muda, progride, a histria.
Portanto, a histria universal ao mesmo tempo domnio do mutvel e manifestao da razo.
Assim, Hegel chega ao real, ao concreto, partindo do abstrato: a razo domina o
mundo e tem por funo a unificao, a conciliao, a manuteno da ordem do todo. Essa
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razo dialtica, isto , procede por unidade e oposio de contrrios. Hegel retoma, assim, o
conceito de unidade dos contrrios como pensava Herclito.
Hegel concebe o processo racional como um processo dialtico no qual a contradio
no considerada como ilgica, paradoxal, mas como o verdadeiro motor do pensamento,
ao mesmo tempo que o motor da histria, j que a histria no seno o pensamento que se
realiza. O pensamento no mais esttico, mas procede por contradies superadas, da tese
(afirmao) anttese (negao) e da sntese (conciliao). Uma proposio (tese) no
existe sem oposio a outra proposio (anttese). A primeira proposio ser modificada
nesse processo de oposio e surgir uma nova. A anttese est contida na prpria tese que ,
por isso, contraditria. A conciliao existente na sntese provisria na medida em que ela
prpria se transforma numa nova tese.
Com Ludwig Feuerbach, a dialtica ganha um novo defensor. Para Feuerbach o
homem projeta no cu o sonho de justia que no consegue realizar na terra: o homem pobre
possui um Deus rico. Desse modo, Deus no seno uma projeo imaginria do homem
que se encontra despojado de algo que lhe pertence, alienando-se. Portanto, negar a existncia
de Deus afirmar-se como homem.
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A dialtica materialista
Mas apenas com Marx e Engels que a dialtica adquire um status filosfico (o
materialismo dialtico) e cientfico (o materialismo histrico).
Marx substitui o idealismo de Hegel por um realismo materialista: na produo social
da sua vida, os homens contraem determinadas relaes necessrias e independentes da sua
vontade, relaes de produo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento
das suas foras produtivas materiais. O conjunto dessas relaes de produo forma a
estrutura econmica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurdica
e poltica e qual correspondem determinadas formas de conscincia social. O modo de
produo da vida material condiciona o processo da vida social, poltica e espiritual em geral.
No a conscincia do homem que determina o seu ser, mas pelo contrrio, o seu ser social
que determina a sua conscincia (1977, vol. I:301). A dialtica de Hegel fechava-se no
mundo do esprito, e Marx a inverte, colocando-a na terra, na matria. Para ele, a dialtica
explica a evoluo da matria, da natureza e do prprio homem; a cincia das leis gerais do
movimento, tanto do mundo exterior como do pensamento humano. Essa origem hegeliana do
pensamento marxista reconhecida pelo p