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Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

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Beijos de Fel Gail Ranstrom

Há muito tempo que Andrew Hunetr

frequenta o mais sórdido submundo de

Londres. Mesmo assim, não está preparado

para a misteriosa Lady Lace. Sua

desenvoltura no jogo do flerte demonstra sua

experiência na arte da sedução. Mas seus

lábios enfeitiçantes a denunciavam: era pura

e inocente.

Para Andrew, nada seria mais

prazeroso do que descobrir a verdadeira Lace.

Mas ela não poderia revelar seu passado, pois

procurava apenas um home... um cavalheiro

alto, moreno, com beijos de fel... o assassino de

sua irmã!

Título original: Lord Libertine

Disponibilização: Dani

Digitalização: Marina

Revisão: Sol

Formatação: Edina

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Prólogo

Londres, 25 de maio de 1821.

Tomada pelo pânico, Isabella atravessou o longo e sujo corredor do

segundo andar do Hospital Middlesex, seguindo Lorde Wycliffe, do Home

Office1. Ele indicou uma porta e ela entrou em uma enfermaria onde havia

vinte leitos. O ar era pesado, o cheiro insuportável.

— Por aqui, sita. 0'Rourke — disse-lhe, dirigindo-a para uma

cortina na parede dos fundos.

Ela diminuiu o passo, relutante. Lorde Wycliffe tentara prepará-la.

Dissera-lhe que talvez não reconhecesse Cora e que precisava ser forte.

Desejou ter podido esperar que mamãe voltasse do parque, onde fora

procurar Cora, mas Lorde Wycliffe anunciara que não havia tempo a

perder. A irmã Eugenia ficara incumbida de trazer a mãe e Lilly ao

hospital quando voltassem. Então Lorde Wycliffe a trouxera ao hospital

para identificar Cora.

No caminho, contara a Isabella o que fora feito a Cora. Tinha sido

espancada, estuprada, desfigurada e jogada numa pilha de lixo em um beco

sem saída, onde fora encontrada pelo guarda da manhã.

— Precisa de um pouco de tempo, Srta. 0'Rourke? Ela sacudiu a

cabeça e continuou a andar. Lorde Wycliffe puxou a cortina e tocou-lhe o

ombro quando ela se adiantou.

— Vou esperar pela senhorita.

A luz fraca que entrava pela janela suja iluminava o leito, mas não

havia nada de Cora à vista. Onde estava seu casaco? Seu vestido e

sandálias?

Isabella aproximou-se do leito. A ocupante tinha ataduras em torno

dos pulsos e pescoço, a cabeça voltada para o outro lado. Isabella reuniu o

que lhe restava de coragem antes de lhe tocar o ombro.

— Cora?

1 Home Office é a instituição governamental inglesa à qual está ligado todo o trabalho policial do país. (N. da T.)

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Lentamente a irmã se voltou e Isabella arquejou. Não estava

preparada para esta paródia de Cora, os cabelos cor de mel empastados de

sangue endurecido, a testa com um ferimento em forma de triângulo, os

olhos opacos e quase fechados pelo inchaço, os lábios cortados e

distorcidos.

— Bella...

— Estou aqui, Cora. Você ficará bem agora. Vou levá-la para casa.

— Não... não vou para casa — disse, e uma lágrima desceu por sua

face inchada.

— Por favor, Cora...

— N... não finja.

Isabella não conseguiu mais conter o fluxo de lágrimas. A dor e a

tristeza a tomaram.

— Seja... corajosa — sussurrou Cora.

— Vingue-me, Bella. — Cora se calou por um momento, depois

recomeçou. — Ele mentiu sobre tudo... até o nome.

— Como vou reconhecê-lo? — perguntou. — Se mentiu sobre o

nome...

— Um cavalheiro... bem-vestido... encantador, cabelos pretos e olhos

escuros... mais alto do que o papai era.

— Não é o bastante, Cora. Preciso saber mais.

— Seu beijo — a irmã suspirou. — Sempre... sempre molha os lábios

depois do beijo. Como se sentisse o gosto... e ele tem o gosto de... alguma

coisa amarga.

— Mas...

Cora abriu os olhos de novo e a intensidade de seu olhar imobilizou

Isabella.

— Prometa, Bella.

— Eu... eu prometo. Juro pela minha vida. Descanse agora, Cora.

Mamãe estará aqui logo e nós... ire...

Mas a mão de Cora amoleceu e seu rosto congelou em uma

expressão concentrada diante de Isabella, como se pedindo, mesmo na

morte.

— Não... — Isabella gemeu. — Não... não... Lorde Wycliffe

segurou-a.

— Venha, Srta. 0'Rourke.

Naquele momento a mãe e as irmãs atravessaram com rapidez a

enfermaria em direção a eles.

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— Bella! Bella! Diga que não é nossa Cora! Que houve um erro

terrível.

— Mamãe...

Um longo e alto gemido quebrou o silêncio da enfermaria e a mãe se

atirou sobre a forma inerte de Cora.

— Meu bebê! Oh, minha filha querida! Bella, como pôde? Como

deixou que isto acontecesse?

— Eu não sabia...

— Era seu dever saber! A culpa é sua!

A mãe enterrou o rosto no peito de Cora e suas palavras eram quase

inaudíveis.

— Devia ter sido você. Por que não foi você?

As palavras inflexíveis cortaram-lhe o coração. Voltou-se para não

ver a cena pavorosa e novas lágrimas rolaram por sua face.

Eugenia e Lilly se abraçavam com força, mas Isabella nunca se

sentira tão sozinha.

Lorde Wycliffe, um completo estranho, ofereceu-lhe o único

conforto. Passou um braço por sua cintura para ampará-la e murmurou

algumas palavras vazias e confusas. Pesar, dor, angústia e solidão enchiam

seu coração quando silenciosamente repetiu a promessa.

Descanse em paz, Cora. Eu a vingarei.

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Capítulo Um

Londres, 2 de julho de 1821.

- O que estamos fazendo neste baile de máscaras idiota quando

poderíamos nos divertir em um sabá de feiticeiras? É verão, Hunter, tem

que haver alguma coisa melhor para fazer.

O quê? Andrew Hunter bocejou e passou os olhos pela sala lotada

em Argyle Rooms. Que coisa triste não conseguir pensar em nada que lhe

interessasse. Bem, o tédio chegaria mais cedo ou mais tarde. Não havia

praticamente nada que não tivesse feito, tentado, experimentado.

Henley disse:

— Haverá uma missa negra na capela do cemitério Whitcombe.

Andrew sacudiu a cabeça.

— Vá sem mim, Henley. Acho que vou para casa cedo.

— Vai para casa cedo? Está doente, Hunter? Doente? Era assim que

chamavam o tédio total? Então sim, sofria da maldita doença terminal do

tédio.

— É tudo idiotice, Henley. Simulação e fingimento. Sabás de

feiticeiras, lutas de gaios, tormento de ursos, prostitutas...

— Precisamos encontrar alguma coisa que o interesse, Hunter.

— Deus! — riu Andrew. — Vai sugerir uma mulher?

— Nada como uma mulher para amenizar aborrecimentos.

Considerou a sugestão, mas lhe pareceu insípida. Quantas mulheres

já tivera só no último ano? Quantos encontros e seduções? Quantos

namoros ilícitos?

Quando seu irmão mais velho, o conde de Lockwood, se casara,

Andrew se instalara numa casa na cidade. Não queria ficar na mansão da

família com o casal, como testemunha da felicidade conjugal, embora

talvez fosse divertido. Seus irmãos, James e Charles, também tinham

alugado um apartamento. Acabara a restrição que a presença do irmão

mais velho lhe impusera, mas a liberdade para fazer o que quisesse lhe

tirara o prazer.

Naquela noite sentia uma inquietação, uma expectativa, como se

alguma coisa incomum estivesse para acontecer.

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— Não — disse finalmente à sugestão de uma companhia feminina.

— Verei o que está acontecendo no clube e depois, casa.

— Está tão entediado assim, Hunter? Olhe em volta! Todos querem

se divertir, todos procuram aventuras.

Andrew observou a multidão mais uma vez. Estavam todos

animados; as identidades escondidas por fantasias e máscaras levavam a

um comportamento liberal. Ou era o verão e os longos dias quentes que

enfraqueciam a moralidade?

— Nada disso é novo, Henley. Apenas a mesma coisa com um

disfarce diferente.

Deus, como desejava alguma coisa nova que o tirasse daquele

constante estado de insensibilidade.

— Ora, há muita variedade. Por exemplo, este ano Lady Lace

apareceu.

— Lady quem?

Henley indicou com a cabeça loura um grupo num dos cantos do

salão. Conversavam com animação, rindo muito. No centro estava uma

mulher pequena, vestida de seda negra e mascarada com um dominó negro

rendado. Era esbelta demais para seu gosto e os seios eram pequenos, mas

tinha encanto. Sacudiu a mão num gesto gracioso, como se mandasse

alguém sair, e dois homens louros se afastaram. Dois outros tomaram seus

lugares, entre eles seu amigo, Conrad McPherson.

Andrew semicerrou os olhos para ver melhor na fraca iluminação

das velas.

Sim, era magra, mas não tanto que não enchesse bem um vestido. E,

embora os seios fossem pequenos, os delicados montes brancos vistos

através da renda do decote pareciam muito atraentes. Os cabelos

castanhos, atados por fitas negras, eram embelezados por cachos com bri-

lho de fogo.

— Intrigante — murmurou. — Conte-me mais sobre ela.

— É chamada de Lady Lace, sempre se veste de preto e até agora

conseguiu esconder sua verdadeira identidade. Não está há muito tempo

por aqui, uma semana talvez, e alguns dizem que é viúva de um nobre do

campo; outros juram que é uma cortesã em busca de um novo protetor.

Tudo que se sabe ao certo é que aparece toda noite e beija um homem. E

que beijo! Profundo e cheio de promessa. Não sei por que nunca me

escolheu.

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— Um truque para chamar a atenção dos homens. É uma esperta

mulher de negócios. Pode ter certeza de que escolherá logo e o pobre-

diabo gastará o que tem e o que não tem.

— Você não tem amante no momento, Hunter. Que tal tentar?

— Não faz o meu tipo. Não tem carne o suficiente.

— Pode querer alguma coisa diferente. Imagine que sucesso,

agarrar a mulher mais desejada da temporada. Bem diferente das

debutantes que invadiram a cidade para a apresentação.

Importava-se com o sucesso? Não. Mas seria agradável descobrir o

que havia sob a seda negra e a renda.

— Vá para Whitcombe sem mim, Henley. Talvez encontre com você

depois.

Isabella 0'Rourke combateu a repulsa enquanto o homem de cabelos

negros a beijava. Detestava esta intimidade com um estranho e já sabia

tudo o que precisava saber.

Este não era o homem que matara Cora. Afastou-se e colocou a

palma de uma das mãos no peito dele, para mantê-lo a distância.

— O senhor me faz perder o fôlego, Sr. McPherson. Tenho que me

cuidar quando estiver perto do senhor.

Ele riu e fez uma mesura.

— Não se cuide, senhora, deixe que eu faça isso.

— Vou pensar a respeito, senhor. Agora, pode ir. Fez um gesto de

despedida em direção ao salão de baile e esperou que ele desaparecesse.

Sozinha, respirou fundo e esperou o tremor passar. Voltou-se para a

mesa na alcova e viu um copo esquecido com um rico líquido âmbar.

Uísque? Conhaque? Não importava. Com uma leve hesitação, levantou o

copo e bebeu, mantendo a bebida na boca até queimar. Se Deus quisesse

queimaria seus últimos traços de humanidade para que pudesse terminar o

que começara.

— Aquele pequeno tremor de repugnância, senhora? Foi por si

mesma ou por seu parceiro?

Por mim mesma! Voltou-se para enfrentar o intruso que a observava

com um sorriso cínico nos lábios sensuais.

Os olhos, escuros e intensos, pareciam vê-la por dentro.

— O senhor acha um beijo repugnante? — A pergunta não era uma

resposta, mas esperava que ele não tentasse mais.

— Não, mas sua reação mostra que a senhora acha. — Ele se

curvou, um arremedo de boas maneiras. — Andrew Hunter, a seu serviço,

senhora.

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Ela respondeu com uma leve cortesia igualmente zombeteira, mas

não disse seu nome.

— Deixando de lado minha reação, Sr. Hunter, gosto de beijar, por

isso beijo tanto. — Oh, como mentira bem, como fora convincente.

— Então, Lady Lace, é esse seu jogo? Colecionar beijos?

Não ficou surpresa por ele conhecer seu pseudônimo. Sabia que

estava se tornando notória.

— Talvez eu tenha vivido tempo demais no campo, senhor, mas fico

impressionada como estranhos da cidade se acham no direito de conhecer

os detalhes mais íntimos da vida de uma pessoa.

— Presumo que não fui o primeiro a lhe fazer perguntas, a querer

conhecer seus antecedentes. Mas um nome dificilmente é um detalhe

íntimo, senhora.

— Não há necessidade de dar a ninguém permissão para usá-lo, já

que não pretendo ficar muito tempo em Londres.

Ele estendeu a mão e tirou o dominó do rosto dela, deixando-o sobre

a mesa.

— Pareço um homem que precisa de permissão?

Não, não parecia. A simples presença dele a enervava.

Era forte e dominador, e perigoso também. Exatamente o tipo de

homem parecido com o que matara Cora. Compreendeu o que tinha que

fazer, o que faria mais cedo ou mais tarde.

Aproximou-se, enlaçou-lhe o pescoço e ficou na ponta dos pés para

alcançar-lhe a boca.

Sentiu sua surpresa, mas quando pressionou os lábios nos dele, ele

relaxou, abraçou-a e voltou-a, até que suas costas ficassem encostadas à

parede.

O beijo dele era exigente e poderoso. Fazia sua cabeça rodar e seus

sentidos vacilarem. Então, quando a resistência dela enfraqueceu, tornou-

se persuasivo, provocante, com pequenas fagulhas. Seus seios, esmagados

contra o peito dele, começaram a formigar e doer, algo completamente

diferente do que sentira antes. Sua mente entorpecida percebeu, bem no

fundo, que estava se entregando ao beijo, perdendo a vontade de resistir.

Deus do céu, perdera o controle da situação! Reuniu o pouco que lhe

restava de bom senso e lutou para recuperá-lo. Mas Andrew Hunter não

tinha a intenção de devolvê-lo. Sua língua encontrou a dela, numa

exigência feroz.

Ela quis se afastar, mas não havia para onde ir. Com a parede às

costas e o Sr. Hunter à frente, estava presa e, em mais um minuto, se

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renderia. Escorregou os dedos por sua nuca e acariciou-lhe os cabelos

macios; em seguida, arqueou-se contra ele, querendo mais da sensação que

o beijo despertara.

Então ele libertou-lhe a boca com um gemido baixo, tirou-lhe os

braços do pescoço e deu-lhe as costas.

— Você me enfeitiçou, Lady Lace — disse ele. — Mas prefiro fazer

essas coisas em particular.

Ela percebeu que havia se afastado de seu objetivo, embora não

soubesse como.

— Diga seu preço. E por favor, não me desaponte perguntando o

que isso significa.

Oh, essas palavras, pelo menos, eram claras. Podia apenas esperar

que ele a julgasse uma cortesã e não uma prostituta comum.

— Compreendo, mas o senhor me julgou mal. Não estou à venda.

— Então está procurando um marido.

— Não.

— Ainda bem, docinho, porque nenhum homem respeitável se

casaria com uma mulher que beijou metade de seus amigos.

Ela riu, desprezando-se.

— Talvez o homem que estou procurando não seja respeitável.

— Então combinamos, porque não sou nem um pouco respeitável.

Pensaria que ele estava brincando se seu tom não fosse tão sério. Oh,

acreditava nele, ninguém poderia beijar daquele jeito sem anos de prática e

experiência. Mas havia algo sombrio em sua voz, alguma coisa

amedrontadora. Olhou para trás e o viu perto demais. Levantou uma das

mãos para mantê-lo a distância.

— Sem palavras de afeto? Nenhuma declaração de fidelidade ou

amor imortal? Sem boas maneiras ou promessas? Que espécie de corte é

esta, senhor?

— Não disse que me enfeitiçou? Poderia mentir, Lace, mas espero

que não seja a espécie de mulher que gosta dessas bobagens. Como poderia

amá-la, se mal a conheço? Como poderia jurar fidelidade, quando ambos

sabemos que, assim que nosso caso acabar, procuraremos outros amantes?

Se é o que quer, eu lhe darei, mas fique avisada, será tudo mentira.

Pelo menos, era honesto. Das quatro propostas que recebera,

nenhuma tinha sido tão verdadeira.

— Mesmo assim, Sr. Hunter, não estou à venda.

— Se não é dinheiro nem casamento, diga seus termos.

— Quando souber, senhor, lhe direi.

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— Por favor, faça isso. Quando quero alguma coisa, não sou muito

paciente.

— Obrigada pelo aviso. Ele sorriu, curvou-se e saiu.

Lady Lace. Ah, sim. Isto seria interessante. Há quanto tempo uma

mulher tinha lhe dito não?

Andrew saiu e se dirigiu a pé ao cemitério Whitcombe. A caminhada

não era longa e o exercício gastaria um pouco de sua energia inquieta. E o

faria esquecer o beijo mais extraordinário de sua vida.

Era sem precedentes ser beijado de uma forma tão súbita e

desavergonhada, ser consumido pelo beijo a ponto de ficar imediatamente

excitado.

Lady Lace era, definitivamente, uma feiticeira, e de proporções

perfeitas. Os seios eram macios e grandes o bastante para queimar-lhe o

peito; os cabelos eram cheios de vida, com mechas multicoloridas de

chocolate, castanha, caramelo e bronze. E seus olhos... a mais comovente

cor de avelã esverdeada que já vira. Mas sua boca... santo Deus... aquela

boca!

Eram suas características favoritas numa só pessoa. A leve cadência

de sua voz e os lábios macios e cheios, acentuados por um pequeno sinal

num dos cantos, pareciam chamá-lo. Dentes brancos e perfeitos e uma lín-

gua doce, quase tímida, mas intoxicante, completavam o feitiço.

O que poderia fazer a respeito dela? Sabia que a desejava, sem lhe

despertar romantismo. Queria-a e tinha a intenção de tê-la.

Isabella fechou a porta da casa em Jantes Street e tentou se

controlar. As noites na sociedade' eram horríveis, a intimidade indesejada

com tantos homens lhe dava náuseas, mas sempre era pior voltar para

casa, para a culpa e a dor. Deixou cair o casaco no chão, tirou as sandálias e

foi à sala de estar. Um suspiro leve vindo do sofá mostrou-lhe que Eugenia

a esperava. A irmã se sentou.

— Bella?

— Gina, eu lhe disse para não me esperar. Vá para a cama, querida.

Mamãe precisará de você de manhã.

Foi ao aparador e se serviu de um cálice de vinho do porto.

— Ela custou a dormir, Bella, e acordará tarde. Mas pode querer ver

você amanhã.

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Isabella sorriu para a irmã. A mãe era do tipo que precisava pôr a

culpa de qualquer incidente desagradável em alguém que não fosse ela

mesma.

Desta vez, o bode expiatório era Bella.

— Devemos voltar para Belfast. Londres não só matou Cora, mas

está roubando você também.

— Não fale assim, querida — disse Bella —, Londres não está me

roubando. Estou procurando o assassino de Cora. Eu prometi.

— Mas você mudou, Bella. Está bebendo, saindo sem companhia e

fica fora até tarde. Arruinará sua reputação.

Bella riu. Sua reputação? Se Eugenia descobrisse sobre os beijos...

— Cora está morta. Morta. O escândalo arruinará todas nós, você,

Lilly e eu. Só espero podermos deixar Londres antes que as notícias se

espalhem na sociedade, o que acontecerá certamente quando Lorde e Lady

Van-decamp chegarem a Londres. Eles não serão mais nossos padrinhos

na sociedade. Quando mamãe estiver bem, voltaremos e nunca mais

viremos aqui. Assim, acha que me incomodo com o que um bando de

janotas de Londres pensa a meu respeito? Já estamos com a reputação

arruinada.

— Não é justo. Não tivemos culpa. E, não importa o que a sociedade

pensará, não foi culpa de Cora também.

— Isso não terá importância. A moça é sempre culpada. Que

comportamento leviano! Por que não estava acompanhada? O que estava

fazendo lá? Agora vá para a cama, querida. Estou segura em casa e vou

dormir logo.

Quando Gina saiu, ela se voltou para a garrafa no aparador. Só mais

um pouquinho? O bastante para dormir sem sonhar? O que estava errado

com ela? Nunca bebera antes de Cora morrer e agora bebia muito. Para

esquecer a dor, para dormir sem sonhos. Para se limpar do desprezo que

sentia por si mesma e do gosto de beijos demais, de homens demais.

Sentou no sofá sem tocar na bebida. Precisava apenas de um

momento para fechar os olhos e fazer planos para amanhã, descansar.

Cora. Trágica, linda Cora.

Como gostaria de poder se lembrar da beleza de Cora, com seus

cabelos louros cor de mel e olhos azuis, tão parecida com Lilly e tão

diferente de Gina e Bella na aparência e no temperamento.

Todavia só conseguia se lembrar de Cora como a vira no Hospital

Middlesex, uma paródia grotesca do que fora. Como poderia esquecer os

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olhos mortos de Cora, implorando além da morte? Seja corajosa, vingue-

me, Bella.

Nas semanas que se seguiram à morte de Cora, fizera visitas diárias

ao Home Office para pedir informações. Mas no fim, não havia pistas e o

caso fora encerrado. Disseram-lhe que Lorde Wycliffe estava ocupado de-

mais, trabalhando em "outros casos". Afirmaram ter feito tudo o que

podiam, mas admitiram que o assassino de Cora talvez nunca fosse

encontrado e julgado.

Mas Bella não podia aceitar. Seu beijo, dissera Cora. Sempre...

sempre molha os lábios depois do beijo. Como se sentisse o gosto...e ele

tem o gosto de... alguma coisa amarga.

Assim, durante a última semana saíra, encontrara homens como o

que Cora descrevera, e os beijara, a única via que as autoridades não

haviam trilhado. A única que sobrara para ela.

Aquele homem esta noite... Sr. Hunter... se virara de costas depois

do beijo. Fora simplesmente uma reação por ela o ter apanhado de

surpresa? Mas não se lembrava se tinha um gosto amargo.

O simples pensamento a fez se levantar depressa do sofá e voltar ao

aparador. Não uma pequena dose, meio copo.

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Capítulo Dois

Raios do sol da tarde atravessaram as pesadas cortinas em torno da

cama de Andrew, que estremeceu, a cabeça latejando. A língua parecia

grudada ao palato e não conseguia se livrar do gosto horrível em sua boca.

O que bebera na noite anterior? Enxofre?

Ah, sim, o sabá das feiticeiras sem feiticeiras. Lhn cálice de vinho

temperado com enxofre passara de mão em mão pelo grupo vestido com

túnica e capuz em pé em torno do altar, onde Lady Elwood estava deitada

nua em submissão voluntária.

Levantou-se, foi ao lavatório e jogou água fria no rosto. Ser um

libertino era mais trabalhoso do que imaginara, mas atirara-se à tarefa com

entusiasmo. Como o segundo filho de um conde, não era herdeiro do título,

tinha poucas responsabilidades familiares e dinheiro suficiente para ser

independente. Quando terminara os estudos em Oxford, comprara um

posto na Brigada Ligeira, fora enviado à Espanha para combater Napoleão

Bonaparte, recebera uma condecoração por coragem e voltara à Inglaterra.

Ao chegar, não havia um pedaço de sua alma intocado, limpo.

Tentara afogar as lembranças na bebida até compreender que elas sempre

fariam parte dele. Devia ter mudado, devia ter reconhecido que se tornara

um devasso, e parado. Mas agora era tarde demais, Andrew Hunter, o

Lorde Libertino, não tinha redenção.

Enxugou o rosto, passou os dedos pelos cabelos e planejou o dia. Iria

ao barbeiro, depois à academia de esgrima para fazer exercício e, à noite,

mais uma vez, frequentaria a sociedade. Pelo menos o surgimento de Lady

Lace na cena rompera a monotonia. Seria uma distração, embora

temporária.

Bella se misturou a um grupo de convidados que entravam na Casa

Marlborough para um baile. Ficou bem perto dos homens que

apresentavam seus convites, sabendo que os porteiros presumiriam que

estava incluída no grupo, depois seguiu para os salões.

A distância, o Sr. McPherson lhe fez um cumprimento com a mão e

ela acenou de volta. Estava parado junto a um grupo de mulheres. Ela

sabia que aquela noite não a procuraria, nem a apresentaria a nenhuma das

senhoras.

Em pouco tempo estava com uma taça de champanhe na mão e

tentou se mostrar serena e abordável. Se parecesse indefesa, certamente

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alguns cavalheiros teriam pena dela e se aproximariam. E ela poderia

continuar a pôr em prática seu piano.

Olhou a multidão. Tantos homens de cabelos e olhos escuros! De

repente se deu conta de que nunca conseguiria beijar todos eles. Tinha que

encontrar um meio de diminuir as possibilidades.

O pensamento causou-lhe náuseas. Voltou ao foyer, a vontade de ir

embora quase irresistível. Precisava ficar sozinha por um momento.

Entrou num corredor, esperando encontrar uma sala reservada para

senhoras onde pudesse recuperar o controle.

Ao chegar à Casa Marlborough, Andrew viu de relance sua caça.

Lady Lace. Estava de negro novamente, um vestido de seda e renda, com

um decote profundo. Maravilhosa. Olhou a fila dos convidados e depois o

corredor por onde ela desaparecera. Mais tarde cumprimentaria o

anfitrião.

Dera apenas alguns passos quando um toque nos ombros o fez

voltar-se. Lorde Wycliffe, seu antigo comandante e grande amigo de seu

irmão mais velho, sorriu-lhe.

— Você parece um caçador atrás da presa, Hunter. Alguma jovem

sem sorte está fugindo?

Andrew sorriu.

— Como é que eu me traí?

— A ansiedade de seus passos — disse-lhe Wycliffe. — Esperava

encontrá-lo aqui esta noite, preciso lhe falar. A melhor hora é sempre

agora, não é?

— Na verdade...

Wycliffe sacudiu a cabeça e levou Andrew para a biblioteca, onde

alguns homens conversavam.

— Ela não fugirá, Hunter.

Foi até uma pequena mesa na qual havia bebidas e serviu uma dose

para cada um.

— Fale depressa, senhor. Não quero que ela tome uma dianteira

muito grande.

Lorde Wycliffe riu e se dirigiu para o lado mais distante da sala,

onde a conversa não seria ouvida.

— Quando seu irmão se afastou do Home Office deixou um vazio

enorme. E pensei...

— Não sou a pessoa adequada para o Home Office, Wycliffe. Posso

ter ajudado Lockwood uma ou duas vezes, mas não vou preencher o vazio

que ele deixou.

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— Ora, vamos. Esquece que sei como trabalha bem e como pode ser

discreto? Seus serviços na Espanha provam isso. De fato, é por que eu o

conheço tão bem que me lembrei de você. Afinal, quem melhor para pegar

um patife do que outro patife?

Andrew sorriu, apesar do insulto.

— Patife, é? Como posso ajudar?

— Temos um caso muito problemático. Estamos numa situação

difícil e achei que você poderia nos dar alguma indicação.

— Quer dizer, posso saber de alguma coisa.

— Não é exagero achar que pode ter conhecimento de um crime,

Hunter. Não que o tenha cometido, claro, mas pode ter ouvido ou visto

alguma coisa. Este caso em particular é o tipo de coisa que combina com

seu... ah... amplo leque de interesses.

Uma forma delicada de dizer que ele tinha a reputação de se

misturar com o que havia de pior na sociedade de Londres? Uma avaliação

justa.

— De que interesse em particular está falando, Wycliffe?

— O submundo religioso.

Que interesse o Home Office poderia ter em religião, do submundo

ou não? Wycliffe acrescentou em voz mais baixa:

— Sabás negros, sabás de feiticeiras, convenção de feitiçaria, rituais

satânicos. Este tipo de coisa.

— São uma bobagem total. Adultos procurando uma desculpa para

se comportarem como meninos malvados.

— Homens que foram longe demais. Homens da sociedade com uma

tendência criminosa.

Lembrou-se da noite anterior. Era tudo uma bobagem, mas não era

criminoso. Por que o Home Office se incomodaria?

— E até onde iriam?

— Estupro, sacrifício ritual.

A expressão de Andrew se tornou sombria. Criminoso mesmo.

Wycliffe tirou do bolso um pequeno pedaço de papel e passou-o a

Andrew.

— Já viu isso antes?

Uma figura que parecia um triângulo invertido e abaixo um dragão

alado.

— Esses desenhos se associam a religiões obscuras?

— Não temos idéia. E novidade para nós, e sem precedentes.

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— Onde encontrou o papel? E por que o Home Office está

envolvido?

— O triângulo foi talhado na testa de uma jovem algumas semanas

atrás. Toda a carne no interior do triângulo foi removida e desapareceu. O

dragão foi pintado com sangue no baixo ventre. O sangue dela. Foi

estuprada, espancada e jogada na rua, como morta.

— Então foi um sacrifício humano?

Wycliffe estava certo, isto tinha ido longe demais. Já vira selvageria

como esta na guerra, mas nunca na civilizada Londres.

— Havia outras, ah, indicações de que foi usada como um sacrifício

ritual. Descobrimos ferimentos em forma de furos em seus pulsos, como se

o sangue tivesse sido drenado para algum tipo de recipiente. Mas a moça

sobreviveu por diversas horas e morreu no hospital.

— Quem era? Alguma coisa em seus antecedentes que possa lhe dar

alguma pista?

Wycliffe sacudiu a cabeça.

— Recém-chegada à cidade para a estação social e nunca esteve aqui

antes. Boa família. Há indícios de que era virgem antes do ritual. De

acordo com a família, não conhecia ninguém aqui.

— O que quer que eu faça?

— Mantenha olhos e ouvidos atentos. Não diga nada, nem mesmo

para seus amigos. Não queremos um pânico popular sobre assassinatos

ritualísticos. Este não foi o primeiro corpo que encontramos com as

mesmas marcas.

Andrew evitou perguntar quantos corpos tinham sido encontrados.

Tudo o que importava agora era que, se o assassino não fosse detido,

haveria mais.

— Vou ajudar. O que mais devo fazer?

— Como um bom cão de caça, mantenha o nariz perto do chão. Em

algum momento sentirá o cheiro do assassino. E não tente resolver

sozinho. Se ouvir qualquer coisa, vir qualquer coisa, fale comigo.

Andrew acenou, pensando em alguns de seus conhecidos que seriam

capazes de atos tão monstruosos. Havia alguns que, literalmente, não

tinham limites. Mas isso ultrapassava tudo o que Andrew já fizera, e fizera

muitas coisas horríveis.

Wycliffe se levantou.

— Sabia que não me deixaria na mão, Hunter. E sei que posso

confiar em sua discrição.

Page 18: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Sempre faria qualquer coisa que Wycliffe lhe pedisse. A culpa que

sentia sobre os acontecimentos na Espanha garantia isso. Acenou e saiu da

biblioteca.

Pelo menos, teria mais um interesse, mais um alívio para o tédio,

além de Lace.

Bella achou uma pequena sala de estar e se voltou para fechar a

porta, mas o Sr. McPherson a seguira. Provavelmente pensara que o

chamara, quando o cumprimentara de longe no salão de baile. Mas se

livraria dele. Ergueu uma das mãos.

— Céus, Sr. McPherson! O senhor não devia estar aqui.

Ele avançou em sua direção, apesar das palavras.

— Não pensei em mais nada a não ser em você desde ontem. Você

me encantou e...

— O senhor me compreendeu mal.

— Coquetezinha esperta! Quero mais e estou disposto a pagar. Diga

quanto.

Aproximava-se enquanto ela recuava, a mão ainda erguida.

— Ouvi dizer, senhor, que é possível reconhecer o amor verdadeiro

com um beijo. Estou simplesmente tentando encontrar o... homem certo.

Lamento, mas o senhor não é o homem certo.

— Ora, vamos, quero outra chance. Não fui bom o bastante?

— Senhor, não é este o ponto.

— Então o que é?

— Não senti que o senhor seja o..., ah... homem por quem procuro.

— Bobagem! Tudo isso é um monte de insensatez feminina! —

McPherson se aproximou e tomou-a com força nos braços.

— Pare! — Gritou.

Mas McPherson esmagou-lhe a boca com um beijo rude. Usava uma

das mãos para segurá-la e a outra lhe apertava a cabeça, impedindo-a de

afastar a boca.

Não percebeu que a porta se abrira até ouvir alguém limpando a

garganta. McPherson a soltou e olhou para trás.

— Hunter, que hora mais errada!

Bella reconheceu-o como o homem da noite anterior, o homem que

lhe roubara os sentidos e cujo beijo a deixara em dúvida. Estudava os dois,

os olhos escuros julgando, avaliando.

— McPherson — reconheceu. — Devo me desculpar?

Ela não conseguia decidir se seria mais seguro ficar com o Sr.

McPherson ou tentar fugir com o Sr. Hunter. Olhou para o outro lado e

Page 19: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

limpou a boca com as costas da mão. Pensou sentir gosto de sangue, ele

certamente a ferira com os dentes.

— Sim, maldição — disse McPherson. — E feche a porta quando

sair.

Ela se voltou e viu que Hunter estava com a mão na maçaneta. Ele

encontrou seu olhar e parou. Com um sorriso lento, deixou a mão cair e

sacudiu a cabeça.

— Na verdade, McPherson, gosto da tranquilidade daqui. Por que

não nos sentamos e conversamos um pouco?

Com o rosto vermelho, McPherson pegou o pulso de Bella e

caminhou para a porta, puxando-a.

— Deixe a senhora aqui, McPherson.

Ela segurou a respiração enquanto os dois homens se encaravam.

No fim, McPherson tomou a decisão que ela tomaria e saiu, batendo a

porta.

— De nada — disse Hunter, o traço de um sorriso na voz.

Estaria contente com seu desconforto? Fez uma pequena massagem

no pulso e se recusou a olhar para ele.

— Obrigada — disse de má vontade. — Não sei o que deu nele.

— Verdade? — Agora ria abertamente. — Tenho algumas idéias,

senhora. Permita que as exponha. Talvez não tenha entendido que a

promessa que a senhora fez com os lábios foi depois retirada. Ou talvez

esteja tão encantado que não conseguiu se conter. Ou, e isto é apenas uma

conjetura, talvez não tenha compreendido que a senhora estava apenas

brincando.

— Eu não tive a intenção... isto é, não sabia que me seguiria aqui

esta noite. Não pretendi encorajá-lo.

— Para muitos homens, uma vez é o bastante.

— É por isto que está aqui, senhor? Para renovar sua oferta? O

senhor também vai seguir todos os meus passos?

Ele olhou-lhe as mãos, depois os olhos. Um brilho de emoção

iluminou suas feições, mas ela não a identificou.

Ele se aproximou e entregou-lhe o copo que tinha nas mãos.

— Beba — disse. — Vai acalmar seus nervos. E afastou-se.

— Quanto a mim, posso segui-la, mas fique tranquila, jamais

forçarei minhas intenções. Já lhe disse que esperarei sua resposta.

Que mistura estranha de preocupação e raiva havia nele, que podia

ajudar e insultar no mesmo momento.

Page 20: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— O senhor me confunde, Sr. Hunter. Um momento está me

perseguindo e, no seguinte, parece nem gostar de mim. Teve grande

cuidado em me aconselhar contra o senhor. É um esporte? Está tentando

dificultar sua conquista, para que seja mais valiosa?

Ela bebeu e estremeceu quando o uísque lhe queimou o lábio

machucado.

— Acho que bebe o uísque com ansiedade demais para uma senhora.

Tem um problema com a bebida?

— Ainda não, Sr. Hunter, mas estou cuidando disso.

Ele riu.

— Acho que chegará lá, parece muito determinada. Mas devo avisá-

la que uma mulher bêbada perde as atrações.

Ela estudou seu belo rosto. Não, não estava mais preocupado com

ela, se é que estivera. Agora havia apenas o desafio.

— O que devo fazer para o senhor ir embora?

—- Diga a verdade sobre o que está fazendo. Ou diga: "Sim, Sr.

Hunter, adoraria levá-lo para a minha cama." Bella ficou ruborizada e

tentou disfarçar, desafiando-o.

— Então o senhor iria embora? De verdade? Ele apenas deu de

ombros.

— Dinheiro, então? — perguntou. — Se eu lhe pagasse, o senhor

iria embora?

Ele pareceu surpreso e insultado.

— É a primeira vez que isto me acontece. Tão interessante.

Ninguém antes tentou me comprar.

— Verdade? Sua companhia é tão tediosa que o senhor poderia

ganhar um bom dinheiro.

Ele lhe tomou o copo e o ergueu, enquanto sorria.

— Parece que a senhora conseguiu me compreender bem.

Nada desencorajava o homem? Ela suspirou e deu um passo em

direção à porta. Ao passar por ele, ouviu-o murmurar:

— Tome cuidado, Lace. Posso não estar sempre por perto para

salvá-la e parece que vai precisar muito que alguém a salve.

— O que o senhor tem a ver com o que eu faço? Segue todas as

pessoas de quem não gosta?

Ele lhe deu o lento sorriso de novo.

— Eu disse que não gosto de você, Lady Lace? Não me lembro de

ter dito isso, pelo contrário. É minha devoção a você que me manterá no

seu encalço.

Page 21: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Capítulo Três

Drew observava Lady Lace caminhar entre a multidão que enchia o

salão de baile. Mantinha uma dignidade calma que desmentia seu objetivo

aparente, beijar todos os homens solteiros da sociedade.

Lace era um fogo em seu sangue e, assim que satisfizesse seu desejo

por ela, seria ele mesmo de novo. Agora precisava encontrar McPherson.

Não perderia um amigo por causa de uma mulher.

— Céus, que aparência sombria, Hunter. Voltou-se e viu o visconde

Bryon Daschel e Percy

Throckmorton atrás dele.

— Então minha aparência denuncia meus pensamentos.

Daschel, cuja boa aparência justificava seu apelido, Dash2, seguiu a

linha de seu olhar e acenou.

— Ah, sim. Lady Lace. Será um sucesso.

— Você não acredita que fará mesmo sucesso na sociedade, acredita?

— Na sociedade masculina, com certeza. — Daschel e

Throckmorton sorriram.

Por algum motivo incompreensível, Drew teve vontade de dar um

soco em Daschel. Lace era sua nova obsessão e seu interesse despertara-

lhe instintos de dono. Respirou profundamente e adotou uma expressão

despreocupada.

— Ela vai causar problemas, Dash. E melhor ficar longe dela.

— Sem dúvida. — Daschel sorriu com cinismo.

— Mas quando isso já me fez parar? E por que tenho a sensação de

que você pretende ignorar seu próprio conselho?

— Você me conhece, Dash. Como um... conhecedor de mulheres

bonitas, sou imune a seus encantos. Meu interesse na mulher é... digamos,

mais cerebral.

Daschel riu.

— E eu pensando que estava situado em outra região

completamente diferente.

— Hunter, que tal nós todos tentarmos alguma coisa com ela? E

justo, não acha? — disse Throckmorton.

2 Dash significa bonito, atraente. (nota da tradutora)

Page 22: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Não, não acho. — Se Throckmorton tentasse alguma coisa com

Lace, teria que enfrentá-lo primeiro.

— Pronto, não vamos brigar — acalmou Daschel.

— Deixe Hunter com sua fascinação. A garota não corre o risco de

perder a reputação. Pelo que vi, já perdeu tudo o que tinha a perder,

embora aparentemente ninguém a tenha conquistado ainda. Dê a Hunter a

chance de amansá-la para nós, garanto que fará um trabalho, tão bom

como sempre faz.

Amansá-la? Lace poderia estar livre, mas começava a suspeitar que

não era bem uma leviana.

— Vocês vieram discutir sobre aquela mulher, ou tinham outros

assuntos comigo?

— Pensamos que gostaria de vir conosco para uma aventura —

disse Daschel.

Aventura. Esta era a palavra que Daschel sempre usava para uma

excursão aos antros de ópio perto do cais. No ano anterior, quando Drew

buscava uma fuga para seu tédio e uma forma de sentir alguma coisa,

qualquer coisa, gastara tempo e gastado muito dinheiro fumando ópio.

Ganhara apenas o conhecimento de que não gostava de se sentir indefeso e

à mercê de outros.

— Obrigado, mas não, Dash. Não para mim.

— No ano passado...

— Foi o ano passado. Este ano prefiro um veneno diferente.

— E qual é?

Drew mostrou o copo com um sorriso de deboche.

— Mais comum, talvez, mas mais fácil de controlar.

— Algum dia, Drew, acharei algo que o interesse.

— Espero que sim, Dash. E desagradável não sentir nada.

Olhando para Lace, Daschel murmurou: —- Eu não a chamaria de

"nada", Hunter. Acabe depressa com ela, sim? Acho que vou ser o

próximo.

Drew sorriu para o amigo. Duvidava que pudesse haver alguma

coisa rápida sobre Lace e valeria a pena esperar por ela.

Deixou Daschel e Throckmorton e encostou-se a uma das paredes

do salão, observando Lace. Ela caminhava lentamente em meio à multidão

e a viu recusar um convite para dançar com Lorde Entwhistle e, depois de

uma conversa curta, pegou o braço de um homem que Drew não conhecia

e se dirigiu com ele para uma alcova. Sabia o que aconteceria e combateu o

instinto de interrompê-los. E perdeu.

Page 23: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Mas não teve tempo de interromper. Assim que se aproximou, Lace

saía da alcova sozinha e passou por ele sem vê-lo, a cabeça baixa e uma

expressão consternada.

Novamente a seguiu até o foyer e pelas escadas que levavam à rua.

Ficou surpreso ao ver que não havia uma carruagem esperando e que ela

simplesmente apertou o xale em volta do pescoço e caminhou em direção

ao Mall.

O Mall? A trilha de cavalos no escuro? Sozinha? Era, no mínimo,

uma idiotice. Aquela hora da noite, poderia encontrar bandidos de toda a

espécie, ladrões, assassinos, conquistadores baratos... satanistas?

Tomara uma decisão muito errada. Foi atrás dela, mantendo-se a

distância. Deixara claro que não queria sua companhia, embora estivesse

curioso para saber aonde iria. Estranho que não pensara nisso antes, onde

vivia, ou como.

Bella lutava contra o desprezo que sentia por si mesma quando

entrou no Mall e andou depressa em direção a Wards Row. A noite

esfriara e a neblina se levantava do chão, o nevoeiro logo chegaria.

Sua noite fora um desperdício total. Até o comportamento do Sr.

McPherson tinha sido rude, embora aceitasse que tinha parte da culpa. Se

não o tivesse beijado antes...

E então beijara outro homem, por nada. Não, isso não era

inteiramente verdade. O Sr. Andrew Hunter lhe ensinara o que um beijo

deveria ser e lhe mostrara o que estava se tornando. Olhou em torno. As

luzes dos postes a fizeram se sentir exposta na noite escura. Arvores altas

se erguiam nos lados da trilha, as folhas balançando na brisa suave. Havia

uma sensação de maldade no ar, de alguma coisa perversa. Olhou para trás,

certa de que ouvira passos. Não. Apenas o vento.

A súbita imagem de Cora se esgueirando para encontrar o namorado

se ergueu diante dela. Teria lhe feito a corte, conquistado sua confiança,

até ela ir com ele de boa vontade? Teria sido daqui que a levara para a

morte?

Medo e cansaço, dor e culpa tomaram conta de Bella. Como fora tão

cega a ponto de não perceber o que a irmã estava fazendo? Seus olhos se

encheram de lágrimas e tirou um lenço da bolsa. Enquanto enxugava os

olhos, um leve murmúrio surgiu da brisa e seus finos cabelos da nuca se

arrepiaram. Vingue-me, Bella.

Não, era apenas sua imaginação. Estremeceu e percebeu que estaria

mais segura na escuridão do que no caminho iluminado, onde seria um

alvo fácil. Ficaria segura e anônima nas sombras, seria parte delas.

Page 24: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Saiu do caminho e andou por trás de uma fileira de carvalhos. Tudo

o que precisava fazer era seguir o caminho até cruzar o St. James Park e

chegar em casa.

Garota inteligente! Andrew observou Lace deslizar para a escuridão.

Tinha bons instintos, compreendera logo o perigo em que se encontrava.

Se tentasse segui-la agora, ela o descobriria e não estava preparado para

deixar que ela percebesse seu interesse.

Na pressa, deixara cair o lenço, que ele pegou. O delicado quadrado

de fino linho irlandês estava úmido. Seria a neblina? Lágrimas? Não sabia

por que o incomodava pensar em suas lágrimas. Havia um monograma

bordado num canto, as letras CO. Então, o nome dela seria alguma coisa

comum como Caroline, Charlotte, Catherine? Qualquer que fosse, ela seria

dele. Uma vez, por uma semana ou um mês, ou até que ele se cansasse, a

duração do tempo não tinha importância. O simples fato era que ele a

conheceria no sentido bíblico. E ela o conheceria da mesma forma. Podia

pensar que estava no controle da situação, podia pensar que tinha escolha,

porém não sabia com quem estava lidando.

Bella fechou a porta, pensando que da próxima vez levaria dinheiro

para pegar uma carruagem. Não conseguira se livrar da sensação de ser

vigiada por todo o caminho até em casa.

Deixou a bolsa e o xale na mesa do foyer e foi até o aparador na sala

de estar, onde se serviu de uma pequena dose de conhaque.

— Sabia que era você — disse Gina atrás dela. Bella se voltou e viu

a irmã se levantando de uma poltrona.

— Você precisa me esperar acordada toda noite?

— O que você acha, Bella? Já perdi uma irmã e minha mãe está

quase morta. Você se recusa a me contar o que faz, onde vai ou quando

volta, recusa minha ajuda. Depois se surpreende de eu esperar por você?

Por favor, Bella, me dê o crédito do bom senso. Se alguma coisa lhe

acontecesse, eu seria responsável por mamãe e Lilly. Tenho o direito de

saber o que está fazendo.

Pobre Gina, estava certa. Bebeu o conhaque e sentou-se no sofá.

— Você sempre foi sensata, Gina. Eu apenas pensei que seria melhor

para você se não soubesse os detalhes.

— Nada disso é bom. Quero ajudar. Não estou fazendo nada, a não

ser ficar sentada aqui, dia após dia, impedindo que as pessoas façam

barulho ou falem alto, para mamãe descansar. Até Lilly está sentindo a

Page 25: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

tensão. Suspiramos e choramos e ninguém faz nada, só você. Deixe-me

ajudar, Bella, por favor.

Devia contar à irmã o que estava fazendo e se arriscar a ser

desprezada por ela? Ou mentir e ter mais um peso na consciência? Se

pudesse encontrar um meio de Gina ajudar, alguma coisa que não fosse

perigosa...

— Conte, Bella. O que é que faz toda noite quando sai? Você diz que

procura o assassino de Cora, apesar de não me dizer como. Você o

conhece?

— Não — confessou. — Só sei que tem cabelos e olhos escuros.

Gina riu sem conseguir acreditar.

— Moreno? Oh, isso deve tornar a procura muito fácil. Tenho a

certeza de que vai encontrá-lo logo.

— Há mais — admitiu Bela. — Cora disse que é mais alto do que o

papai era e que passava a língua nos lábios depois de beijá-la, como se ela

fosse uma coisa gostosa. E que era um cavalheiro, um homem de

sociedade.

— Cora o beijou? Um homem moreno e muito alto? Bem, é um

pouco mais de informação. Mas como você conseguirá descobrir se um

homem passa a língua nos lábios... Bella! Você está beijando cada homem

moreno que encontra?

— Que escolha eu tenho?

— Oh! Então é por isso que você fala tanto que não tem futuro na

sociedade? Que sua reputação está comprometida? Pobre de você! Não é de

admirar que esteja bebendo.

Gina se levantou e começou a caminhar pela sala.

— Precisamos pensar em uma outra maneira. Mesmo diminuindo as

possibilidades para homens altos e morenos, deve haver mais alguma coisa.

O que mais Cora disse?

— Que ele tinha um gosto amargo, depois mais nada antes...

— Pensei muito na última semana. Cora foi espancada, mutilada.

Que espécie de homem mata a mulher que jura amar? Além disso, que

espécie de homem trai a confiança dessa forma cruel, infame? Que espécie

de monstro?

— Um homem que é alto, moreno, charmoso e astuto. Um homem

que conseguiu conquistar a confiança da nossa irmã. Um homem de

sociedade que esconde bem sua verdadeira natureza. Um libertino e um

canalha da pior espécie.

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— Quase desumano — concordou Gina. Bella acenou e voltou ao

aparador.

— Você não contou a mamãe e Lilly os detalhes do assassinato de

Cora.

Gina também foi ao aparador e se serviu de uma pequena dose de

conhaque.

— Nunca. Isso seria o fim da sanidade de mamãe. Levantaram os

copos ao mesmo tempo e beberam.

— Há uma coisa que você não levou em consideração em sua busca,

Bella. O assassino é todas essas coisas que Cora disse, mas, embora

disfarce seu verdadeiro caráter, de vez em quando pode se trair. Seus

amigos mais chegados serão parecidos com ele. Libertinos, canalhas e

vilões.

— Então, para encontrá-lo, devo beijar apenas libertinos, canalhas e

patifes? Sim. É fácil reconhecê-los e geralmente andam juntos. Para

encontrá-lo, devo ir aonde os patifes e canalhas vão. Casas de jogo e outros

lugares baixos.

— Não! É perigoso demais. Não deve se arriscar assim.

— Na última semana perdi um pouco da minha alma, mas tenho que

cumprir a promessa que fiz a Cora. Pretendo fazer o que for preciso e

aconselho-a a se manter longe do meu caminho.

Gina abriu a boca como se fosse argumentar, depois fechou-a.

— Tente entender — pediu Bella. — A única alternativa é deixar

que o assassino de nossa irmã fique livre.

— Oh, compreendo — disse Gina, com determinação no olhar. —

Também sinto necessidade de justiça e sei que para consegui-la corremos

perigo. Estou tentando pensar num modo de ajudá-la.

— Não vou levar você comigo.

— Não esperava que o fizesse. Mas posso ajudar a garantir que

mamãe e Lilly não descubram. Posso mantê-las ocupadas.

— Como? Estamos de luto e ficaremos assim por mais seis semanas.

Eventos sociais são proibidos. Estamos presas aqui até mamãe melhorar e

podermos voltar para casa.

— Lilly está ficando inquieta. Precisa sair, e acho que algumas

caminhadas curtas e uma visita à livraria Hatchard's são adequadas. Outro

dia ela disse que quer ler outros livros da Srta. Austen. E compras de

materiais de luto. Sim, e um saudável copo de vinho no jantar a fará

dormir a noite inteira. Não precisamos nos preocupar com mamãe ainda,

está incoerente com o láudano que toma todas as noites. Daqui a alguns

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dias fará um esforço para cuidar de nós; quando isso acontecer, estarei

preparada.

Impressionada, Bella observava Gina caminhar pela sala, pensando

em voz alta.

— Precisamos inventar uma história sobre o que leva você a sair à

noite, se descobrirem que não está em casa. Fazendo companhia a uma

viúva? Lendo para uma vizinha cega? Cuidando de uma amiga doente?

— Gina, você é realmente diabólica.

— Não posso fazê-la parar, mas não pretendo perder outra irmã,

Bella. Você entrará no covil do dragão. E, quando for, vai precisar de toda

a ajuda que conseguir.

Um pequeno tremor a sacudiu ao ver a expressão intensa no rosto

da irmã. Até onde Gina iria para ajudar?

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Capítulo Quatro

Andrew sentiu-se feliz de voltar à casa onde crescera. O irmão,

sentado à escrivaninha, levantou os olhos, sorriu de leve e indicou com a

mão uma poltrona ao lado da mesa-de-chá.

— Sirva-se de chá, Drew. Falarei com você daqui a um minuto.

Chá? Andrew olhou com pesar as bebidas no aparador, suspirou,

serviu-se de chá e se sentou para esperar.

Lockwood escreveu algumas linhas, afastou o papel, levantou-se e

espreguiçou.

— Bom ver você, Drew — disse, enquanto se servia de chá. —

Quase não o vejo mais.

— Teria que sair de casa para me ver, Lockwood. Acho que isso

significa que você ainda está em lua-de-mel.

Lockwood sorriu.

— Veio aqui para zombar de mim ou há outro motivo?

— Queria saber se foi você que mandou Wycliffe me procurar.

— Ah, Wycliffe. Não, ele me procurou. Disse que ia lhe pedir ajuda e

informações sobre o lado menos saudável das atividades sociais. É de

admirar que tenha se lembrado de você para isso?

— Suponho que não.

— Disse que precisava de discrição. Embora seu comportamento

nada tenha de discreto, nunca o ouvi falar de suas mulheres ou seus

assuntos pessoais com outras pessoas. Concordei que você era o candidato

ideal. Tem alguma objeção em ajudar o Home Office?

— Não, acho que não.

— Então qual é o problema?

— Não gosto que outros dependam de mim.

— Drew — disse Lockwood —, a guerra acabou há muito tempo.

Não acha que já é hora de falar sobre ela? Sou seu irmão, pode confiar em

mim.

Não sobre isto. Nunca sobre isto.

— Quem disse que tem relação com a guerra?

— Você mudou depois dela.

— A guerra não é uma experiência que deixe a pessoa intocável. Até

você levou alguns anos para pôr as coisas em perspectiva.

— Mas você estava em...

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— Não preciso que me lembre onde e como servi. Não vim aqui para

falar sobre meu serviço à Coroa.

Por que Lockwood tinha que tocar no assunto? Pensaria que a

confissão fazia bem à alma? Não neste caso. Nunca neste caso. Só Dash

sabia, apenas porque estava lá.

— Então veio aqui para reclamar por estar fazendo alguma coisa

construtiva?

Andrew foi ao aparador e se serviu de um cálice de xerez. Que a

sobriedade fosse para o inferno.

— Vim para saber se foi você que mandou Wycliffe me procurar, ou

se foi sua a idéia de me usar — lembrou a Lockwood. — E preciso de

informações. Você se lembra de um escândalo que aconteceu anos atrás,

antes de nascermos? Por volta da década de 1760?

— O Clube Hellfire3? O escândalo que quase derrubou o governo?

— Eram satanistas?

— Eram depravados da pior espécie, Drew, canalhas e imprestáveis,

todos eles. Gostavam de pensar que eram satanistas dedicados, mas

estavam interessados em licenciosidade sexual e excessos de todos os

tipos, não em adoração verdadeira. O pior é que eram homens de

influência, não pessoas rústicas, ignorantes e supersticiosas.

— O que você sabe sobre feitiçaria, Lockwood?

— Sei que é pura idiotice. Fazer feitiços, rogar pragas, brincadeira

de criança.

— Algumas pessoas levam isso a sério.

— Em quê você se meteu, Drew?

— Não sei. Alguma coisa muito perversa está acontecendo bem

debaixo de nosso nariz. Wycliffe suspeita de uma espécie de culto e

concordo com ele. Mas não é problema meu. Devo apenas manter os olhos

e os ouvidos abertos e informar a Wycliffe tudo o que descobrir.

— E você fará mesmo só isso?

— Por que pergunta? Sabe que não gosto de me envolver.

— Porque está aqui fazendo perguntas, não está apenas mantendo

os olhos e os ouvidos abertos. Você se interessou pelo problema, não é?

Acreditava que sim. Entre a tarefa que Wycliffe lhe dera e Lady

Lace, a temporada prometia.

3 Hellfire significa, literalmente, fogo do inferno e o episódio citado é real. (N da T.)

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— Sim, é interessante. Mais pela estranheza do que qualquer outra

coisa. Mas não tenha esperanças, irmão. Uma andorinha não faz verão.

— Espero que algum dia você volte para a sua vida. Andrew

terminou a bebida e se levantou, sorrindo com cinismo para Lockwood.

— Não apostaria nisso.

— Agora você despertou meu interesse, Drew. Isto é bem

intrigante. Satanistas, feitiçaria e algum tipo de problema que envolve o

Home Office. É o bastante para me fazer abandonar a aposentadoria.

Era a última coisa que Andrew queria. Se alguma coisa acontecesse

a Lockwood, agora que havia se acomodado e com um filho a caminho...

— Fique fora disso, Lockwood. Posso cuidar do problema sem você.

— Sei que pode, Drew. Você nunca deixou de fazer o que precisa ser

feito.

— Detesto matar suas esperanças, mas sou o que sou.

— Você é um homem bom, Drew.

O que apenas fez com que Drew risse muito.

Martha 0'Rourke sacudiu a mão sem querer ouvir mais.

— Leve-as aonde quiser, Bella, desde que fique de olho nelas.

— Vou levar Gina e Lilly a uma costureira para fazer roupas de luto,

mamãe. Três serão o bastante para cada uma? Um vestido de passeio, um

de chá e um de jantar?

— Sim, três para cada. E para você também, Bella. Está horrível nos

meus vestidos reformados.

— Sim, mamãe. Estaremos em casa antes da hora do chá.

— Preste atenção, não as perca de vista. Cora estaria viva se você

tivesse cuidado dela.

Bella estremeceu. A culpa tornou-se sua companheira inseparável,

sem necessidade das lembranças constantes da mãe. Voltou-se e saiu com

as irmãs da sala particular da mãe.

— .. .preferia que fosse Bella — ouviu a mãe dizer a Nancy, a

empregada. — Cora foi sempre tão meiga...

— Ela realmente não pensa assim, Bella — sussurrou Gina.

— Pensa sim, preferia que fosse qualquer uma de nós, menos Cora.

Sempre foi sua favorita. Agora, mamãe mal suporta ficar perto de mim.

— Ela sempre foi mais severa com você, Bella. Acho que é porque

você é como papai, mais inteligente do que ela, mais forte. O que teria sido

de nós sem você? Ainda estaríamos mofando em casa depois da morte de

papai, se não a tivesse convencido a sair da cama e voltar à sociedade, e

isso foi há sete anos!

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— O que ela faria sem mim? Ora, teria você, Gina. Acho que você e

eu temos todo o juízo na família e Lilly e Cora... bem, elas receberam os

dons da beleza e do encanto.

— Não nos faltam beleza e encanto — contestou Gina.

— Espero que tenha a chance de se beneficiar disso. Quanto a mim...

sou encantadora apenas quando me convém. Sou severa e desagradável o

resto do tempo.

Gina riu e Lilly as alcançou quando chegaram à calçada ao lado do

caminho de cavalos, ao longo do Mall. Rezou de novo para que ninguém a

reconhecesse depois de suas excursões às festas. Detestava pensar no risco,

entretanto não havia outra maneira de manter as irmãs ocupadas durante

o dia.

Um pouco além, cruzaram o caminho e chegaram à rua onde ficava a

loja da costureira. Madame Marie fizera seus vestidos de apresentação e

agora faria seus vestidos de luto.

Depois de deixar a casa de Lockwood, Andrew encontrara Daschel

no Angelo's, o salão do mestre de esgrima. Seu treinador considerava que

tinham habilidades iguais, assim sempre praticavam juntos. Dispensavam

máscaras e luvas, para ter a visão e o tato livres; nenhum deles cedia e, por

isso, os treinamentos eram árduos, com frequentes estocadas e defesas.

Outros praticantes pararam para observá-los e Dash se exibia.

Andrew sabia que o amigo era um espadachim melhor, porém o excesso de

confiança o fazia tomar decisões erradas. Era sua única fraqueza e Andrew

a explorava. No fim, Daschel venceu, ambos se cumprimentaram com uma

mesura e, com um sorriso, Dash sugeriu que cavalgassem no parque.

Quando já estavam montados, Dash perguntou:

— Vai sair conosco esta noite, Drew?

— Depende — respondeu.

— De você encontrar Lady Lace? Céus, homem, se realmente a

quer, podemos arranjar alguma coisa.

— Fazer um acordo comercial?

— Ou alguma coisa mais direta.

— Não, estou gostando da caça.

— Por quanto tempo pretende fazer o jogo? E se antes de você

terminar ela escolher outro? Acho que você não tem muito tempo, até eu

estou pensando em entrar na caçada.

Um sentimento doentio de ciúme nasceu em Andrew e ele olhou o

amigo, para saber se estava brincando. Havia um brilho estranho em seus

Page 32: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

olhos que não conseguiu identificar. Divertimento? Ou alguma coisa mais

audaciosa?

— Está sugerindo uma competição, Dash?

— Cem libras para quem a levar primeiro para a cama.

— Prefiro pistolas ao amanhecer — murmurou Andrew.

Dash riu.

— Pegou você com força, não é? Bem, suponho que preciso esperar

que você termine com ela.

Andrew preferiu ignorar o comentário e abordou o assunto que

estava em sua mente desde sua conversa com Lockwood.

— Você alguma vez pensa sobre... a Espanha?

Dash ficou em silêncio por tanto tempo que Andrew achou que não

tinha ouvido a pergunta.

— Fiz tudo o que podia para esquecer — disse finalmente. — Mas,

sim, penso, de vez em quando. Por quê?

— Lockwood falou no assunto hoje.

— Ainda quer saber o que nossa unidade fez? O que vimos?

— Acho que sabe. Lockwood sabe tudo, mas acredita que a confissão

é boa para a alma.

— Confissão? Certamente, se você quer ser enforcado. Mas não há

necessidade disso.

O segredo era como um ácido corroendo o que restava de alma em

Andrew.

— Eu estava no comando. Devia ter...

— Não pode passar o resto da vida pensando que deveria ter tomado

outra decisão, Drew. Havia cinco de nós sob seu comando. Nenhum sabia o

que fazer. Você, pelo menos, controlou a situação e não mencionou o as-

sunto nos relatórios.

Andrew desmontou e começou a andar, puxando o cavalo.

Lembrando.

Dos seis designados para espionagem, apenas ele e Dash ainda

viviam. Três tinham sido mortos na Espanha e Richard Farron morrera

num duelo uma semana após sua volta. Ainda se perguntava por que ele e

Dash não tinham tido o mesmo destino.

— Nunca contarei nada, tem minha palavra, Drew.

Dash desmontou e caminhou ao lado de Andrew.

— Agradeço sua lealdade, mas me pergunto com frequência se

Lockwood não está certo. O pior que pode acontecer é me enforcarem. Às

vezes a perspectiva não me incomoda nem um pouco, provavelmente é o

Page 33: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

que mereço. O que me segura há tanto tempo é saber que o escândalo pode

arruinar minha família. Deus sabe que o mundo não tem muito mais a me

oferecer.

— Fique mais um pouco conosco. — Dash sorriu. — Juro que vou

encontrar alguma coisa que o anime. Sei de coisas que acho que poderiam

interessá-lo, mas tenho medo de você recusar.

Andrew riu. Conhecia Dash muito bem. Era um libertino como ele,

contudo costumava fazer coisas mais estranhas.

Dash olhou à frente e disse:

— Ei, olhe! Não são Charlie e Jamie?

Drew não se surpreenderia ao encontrar os irmãos cavalgando em

Rotten Row numa tarde tão agradável. Seguiu a direção do dedo de Dash e

sorriu. James os viu primeiro e os dois se aproximaram em alta velocidade,

parando os cavalos a poucos centímetros dos pés de Andrew.

— Que bom encontrá-los. — Charlie riu enquanto desmontavam.

— Pareçam elegantes, amigos! As moças que vimos antes se

aproximam — disse Jamie. — Devem ter vindo à cidade para a estação.

— Gostaria de ser apresentado — concordou Charlie, os olhos fixos

num ponto atrás de Andrew. — Seria ótimo conhecer qualquer uma delas,

mas especialmente a de cabelos escuros e belos olhos, a mais alta.

Andrew se virou e viu três jovens andando pelo caminho.

Imediatamente reconheceu Lady Lace, vestida, como sempre, de negro.

Muito interessante vê-la à luz do dia.

Carregavam caixas e conversavam. Lace sorriu por alguma coisa

que a moça mais alta disse e olhou à frente. Os olhos dela encontraram os

dele e ela ficou rígida, apressando o passo. Ora, pensou ele, pretende fingir

que não o conhece! Tão divertido.

Deixou o grupo, parou em frente a elas e tirou o chapéu, tornando

impossível ignorá-lo.

— Madame — disse, com uma reverência.

Um brilho de pânico iluminou aqueles adoráveis olhos cor-de-avelã,

um pouco mais esverdeados à luz do dia. Seus lábios se partiram e ele

percebeu que estava se esforçando para se recompor, as faces rosadas.

O que estava errado com ela? Nunca vira antes essa atitude de

jovem sem experiência.

Por um momento pensou que ela o ignoraria e continuaria o passeio,

mas seu rápido olhar às companheiras lhe revelou que estava mais

preocupada com o que pensariam do que em evitá-lo. Interessante.

Page 34: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Sr. Hunter — reconheceu com relutância. Sentiu os irmãos às

costas e sabia que nunca deixariam as moças escaparem sem uma

apresentação.

— Permita que apresente meus companheiros — indicou cada um

deles. — Meus irmãos, James e Charles Hunter, e meu amigo, Bryon

Daschel, Lorde Humphries.

As jovens inclinaram as cabeças a cada apresentação e murmuraram

respostas educadas. Andrew encarou-as. A mais alta era adorável e tinha

uma leve semelhança com Lace. A outra, um pouco mais jovem, era loura,

com brilhantes olhos azuis.

— Um belo dia para uma caminhada, não é? — comentou Dash,

preenchendo o silêncio que se seguiu, já que Lace não apresentou suas

companheiras.

— Sim, um dia adorável — concordou ela.

— Estavam fazendo compras? — perguntou Jamie. A mais jovem

respondeu com um sorriso.

— Bella achou que a saída nos faria bem. Na verdade, já me sinto

muito melhor.

Bella? Ah, então Lady Lace era na realidade Bella. Percebeu que

olhara com reprovação para a mais jovem.

— Vocês passeiam por aqui com frequência? — perguntou Charlie à

mais alta.

— Não tanto quanto gostaríamos, senhor.

— Estamos atrasadas, Sr. Hunter. Tenho certeza que nos dará

licença.

— Podemos acompanhá-las?

Sabia que recusaria, perguntou apenas para aborrecê-la. Era

realmente adorável quando ficava com raiva. Ah, lá estava, o rubor forte

nas faces, mostrando sua indignação.

— Não! — Fez uma pausa e respirou profundamente. — Quero

dizer, obrigada, mas não. É perto e não queremos interromper sua

cavalgada.

Ele quase tinha esquecido os cavalos.

— Talvez nos encontremos de novo — disse ele. — Logo.

Eles observaram a partida das moças e Dash foi o primeiro a falar,

sorrindo enquanto olhava o céu.

— Está nevando? Sinto um ar gelado. Charlie olhou-as e se voltou

para Drew.

— Céus! Parece que ela não gosta muito de você. Jamie riu.

Page 35: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— E por isso que precisamos aprender boas maneiras, Charlie. Não

vamos querer que uma bela mulher nos considere indignos de uma

apresentação. Ou nos julgue pela companhia que temos.

Riram da expressão de desconforto de Andrew. Bella pagaria caro

por isso.

Dash olhou para Bella e para Andrew.

— O que você fez a ela, Drew?

— Nada — disse ele. — Ainda.

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Capítulo Cinco

-Manter mamãe e Lilly ocupadas é mais importante do que pensa,

Gina. Mas se houver alguma coisa que não possa fazer sozinha, juro que

peço sua ajuda. Juro.

— Faça isso, senão resolvo agir.

— O que acha que estou escondendo de você?

— Muitas coisas, Bella, como aquele homem que encontramos hoje,

a quem chamou de Sr. Hunter. Quem é ele? Certamente não esqueceu um

homem tão bonito?

— Como poderia apresentá-las sem Lilly desconfiar? E ninguém me

conhece pelo meu nome.

— Verdade? Como a chamam?

— Lady Lace. — Gina riu. — E não estou certa de que o Sr. Hunter

seja a espécie de homem que se deva apresentar às irmãs.

— Isso eu percebi — disse Gina. — Mas acho que não me

incomodaria. Ele é bonito demais. Os outros também.

O traço de teimosia no queixo de Gina mostrou-lhe que precisava

encontrar respostas- mais convincentes para dar à irmã.

— Por que está escondendo seu nome, Bella? Pensei que não dava a

mínima para sua reputação agora que Cora está morta.

— Não me incomodo, mas achei melhor que ninguém soubesse onde

me encontrar. A última coisa que quero é que mamãe descubra o que estou

fazendo. Seria horrível se um homem aparecesse à nossa porta, pedindo

para falar com ela.

Gina se sentou na cama, fingindo aflição.

— Oh! Isso seria mesmo horrível. Mesmo sob as melhores

circunstâncias, mamãe é capaz de espantar o mais ardente dos namorados.

Bella sorriu.

— De qualquer modo, Gina, quando voltarmos para Belfast e nosso

luto terminar, há uma chance de você e Lilly encontrarem maridos na

aristocracia.

— Você também, Bella.

— Isso agora é impossível. Meu rosto é conhecido em Londres.

Como poderia dizer a meu futuro marido que nunca iria a lugar nenhum

para não ser reconhecida como uma... uma... — deu de ombros e riu. —

Não sou inocente, já beijei mais homens do que posso contar.

Page 37: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Por falar nisso, o Sr. Hunter foi um dos homens que você beijou?

— Não sei que diferença faria, Gina.

— Bem, se você não está guardando os nomes, alguém precisa fazê-

lo.

— Então, sim. Por isso quero manter você e Lilly afastadas dele.

— Ele foi horrível?

Não! Deus, não. Na verdade, foi o melhor de todos.

— Tenho medo que ele pense que você e Lilly são levianas, já que

nos viu juntas. Você gostaria de se defender de um namorando ardente?

— Sim, se fosse bonito como Lorde Humphries ou os irmãos

Hunter. Estou presumindo, é claro, que você já os livrou da suspeita de

serem os assassinos de Cora.

— Eu, ah, daquele grupo, só beijei Andrew Hunter.

— E o inocentou?

— Não inteiramente.

— Como é possível?

— Eu... foi muito súbito e ele me deu as costas imediatamente

depois, assim vou ter que fazer isso de novo antes de eliminá-lo como

suspeito.

Gina sorriu.

— Ah. Eu sei. Sim, suponho que você precisa. E depois vai tentar os

irmãos Hunter e Lorde Humphries?

— Algum dia — admitiu. — Se não encontrar o assassino antes.

— E esta noite?

Bella pôs a capa e se voltou para a porta.

— Esta noite provavelmente não os verei. Lembre-se, vou para onde

os canalhas e conquistadores vão.

Andrew estava em Belmonde's e dirigia-se para o salão, depois de

comprar fichas, quando passou pelo foyer. Ah, a noite lhe trouxera uma

boa surpresa. Lá estava Bella, parecendo mais adorável do que nunca,

conversando com o porteiro. Não a deixariam entrar.

Aproximou-se.

— Ah, aqui está você, querida. Não demore. — Tirou-lhe a capa e a

entregou a um dos criados, depois se voltou para o porteiro. — Biddle,

providencie para que ela seja admitida sem demora no futuro, está bem?

— Sim, senhor. Eu o teria feito antes, mas ela não mencionou seu

nome.

Ele sorriu para a mulher quando lhe tomou o braço.

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— Ela é tímida, Biddle, muito tímida. Mas você usará meu nome no

futuro, não é, querida?

Ela acenou, ele deu a Biddle algumas fichas e levou-a para o salão.

— Que bom vê-la de novo, Bella. Ouso ter a esperança de que você

me procurava?

— Pode ter a esperança que quiser, senhor. Mas não tinha idéia de

que estaria aqui. Pensei que o senhor e sua espécie estivessem em algum

baile aristocrático.

Sua espécie? Ele riu.

— É mais fácil me ver aqui do que num baile. Mas diga-me, qual é

seu assunto aqui?

— Estou procurando o... o...

— Sim, o homem certo. Acho que perdeu tempo, Bella. Os únicos

homens aqui são os homens errados.

— Incluindo o senhor?

— Eu estou no topo da lista.

— Compreendo. Bem, acho que devo, pelo menos, lhe agradecer por

não ter me denunciado esta tarde.

— Meus amigos se divertiram muito com sua rudeza comigo. Acho

que me deve alguma coisa por isso. Teria reagido melhor se soubesse o

motivo.

Ela não respondeu e ele pegou um copo de vinho da bandeja de um

garçom que passava e o entregou a ela com uma leve mesura.

— Acredito que ainda está perseguindo sua ambição de se tornar

uma bêbada?

Ela riu.

— Não com tanta ênfase como na noite passada, mas sim. Passei a

acreditar muito na coragem existe numa garrafa.

Que frase estranha. Precisaria se fortalecer para sair ou para beijar

homens? Uma suspeita súbita lhe ocorreu.

— Vai encontrar alguém aqui, Bella? Ou está sozinha?

— Sozinha.

— Não está mais, querida.

— Sobre meu nome, senhor.

— Se quiser que eu me dirija a você adequadamente, terá que me

dizer todo o seu nome.

— Não precisei dizê-lo até agora.

— Então como quer que eu a chame? E se houver necessidade de

uma apresentação? Como será, madame?

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— Madame servirá. Em todo caso, não terá importância por muito

mais tempo.

— Oh? Então presumo que está perto de fazer sua escolha?

— Não há muita escolha sobre isso, Sr. Hunter. Tenho que

encontrar...

— Sim, o homem certo, isso eu compreendi. E também que não fui o

escolhido?

— Suponho que foi melhor assim. — Havia incerteza em sua voz.

A hesitação o encorajou.

— Então qual é seu objetivo aqui? Você disse que não tinha um

encontro, então...?

— Achei que poderia ver um rosto familiar.

— Você viu, madame. O meu.

— Oh, meu Deus.

Seu desapontamento era quase cômico e ele riu de sua confusão.

— Não era a resposta que esperava ouvir, mas pelo menos, você é

honesta.

— Na verdade, achei que esta casa seria frequentada por, bem, por

homens que não vão a eventos sociais.

— Procurando novos campos de caça, querida Bella?

— Não. Sim. — Olhou para ele. A expressão daqueles cativantes

olhos-de-avelã o advertiu que ela ia mentir. Esperou, prendendo a

respiração, pelo que ela ia dizer.

— Queria aprender a jogar.

Ah, excelente manobra, tão mais inventiva do que uma simples

mentira. Pena que não soubesse com quem estava jogando.

— Permita-me. Recomendo que comece com rouge et noir ou vingte

et un. As regras são mais simples.

Ele a levou a uma mesa de rouge et noir e explicou os rudimentos do

jogo. Quando ela acenou, ele lhe entregou uma ficha.

— Tente. Não há nada como o risco para nos fazer sentir o

excitamento.

Ela segurou a ficha e sorriu.

— Eu não tenho nada a arriscar. Isso torna o jogo mais excitante

para o senhor?

Ele riu. Deus, mas ela era de tirar o fôlego quando sorria.

— Estou sentindo o excitamento mesmo agora, Bella.

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Ela se voltou para a mesa e lhe entregou o copo, mas ele observou

que o sangue lhe subira às faces. Estudou o jogo e depois de três rodadas

pôs a ficha no vermelho.

O vermelho ganhou e ela segurou-lhe o braço, encantada.

— O que faço agora?

— Aposte de novo ou recolha seus lucros e deixe a mesa.

— O que acha que devo fazer?

— Se não arriscar, não ganha, Bella.

Ela deixou as fichas no lugar. O vermelho ganhou de novo. Ela

bateu palmas e se voltou para ele.

— De novo?

— E de novo, e de novo, se você quiser.

Decidiu manter a aposta. Andrew debruçou-se, bem perto de sua

orelha, e perguntou:

— Como se sente, tendo sua fortuna dependendo da volta de uma

carta?

— Sua fortuna — lembrou ela num sussurro. — E faz meu corpo

todo formigar.

Ele gemeu só ao pensamento. Deus, o que gostaria de fazer com ela

para que seu corpo todo formigasse. Ela se voltou para ele ao som do

gemido e abriu os olhos.

— Oh! Eu devia ter lhe pagado, não devia?

— Noir! — disse o crupiê.

— Tarde demais. Tudo se foi. E agora, como se sente? Ela olhou o

crupiê recolher sua pilha de fichas.

— Determinada a ganhar de novo.

— Acho que não lhe fiz um favor, Bella. Você tem todas as

características de uma jogadora incorrigível. Em breve estará pobre e será

tudo minha culpa.

— Verdade?

— Sim, contudo posso lhe mostrar outras maneiras de se arriscar.

Maneiras de encontrar a mesma emoção e muito mais.

— Pode?

Ah! Como era revelador. Se fosse uma verdadeira cortesã, não teria

perdido a insinuação em suas palavras. Talvez fosse uma aventureira ou

uma ingênua em busca de um protetor. A curiosidade cresceu. Quem era?

Qual era o seu jogo? Intrigava-o mais do que qualquer mulher que já

conhecera.

Page 41: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Tomou-lhe a mão e a levou para o fundo escurecido do enorme

salão, para uma das muitas alcovas reservadas para jogos privativos.

Encostou-a num dos nichos vazios e fechou as cortinas. A escuridão os

envolveu, íntima e perigosa.

Ele encontrou sua cintura fina e puxou-a para o peito. O instinto o

levou para sua boca e o simples roçar de seus lábios a fez arquejar de

surpresa. Oh, mas não lhe tomaria a boca logo. Mordiscou-lhe o lábio

inferior e sua mão escorregou ao longo da espinha, pressionando-a mais

junto dele. Os lábios dela se abriram em antecipação e ele respondeu com

um toque leve e sedutor, ainda não um beijo. Os braços dela circularam-lhe

o pescoço e ela tentou aprofundar o contato das bocas, sem conseguir. Sim,

apenas alguns momentos mais e ela seria dele.

Ele beijou-lhe a linha do maxilar, subindo para a orelha e ali parou,

passando a língua ao longo da curva delicada até ela estremecer.

— Qual é seu preço, doce Bella? — murmurou, sem querer esperar

mais. — Diga os seus termos.

Ela gemeu e ele se perdeu. Teria o que quisesse. Não era um garoto,

mas ela o fazia se sentir como se fosse um, enfeitiçado pelo primeiro beijo.

Tudo em que conseguia pensar era na forma como a sentia contra ele, no

gosto dela, na doçura de sua reação e no som de seu gemido.

Voltou para sua boca, tão perto, sem beijá-la. Ela teria que ficar na

ponta dos pés para o contato final. A escolha era dela. Bella se ergueu para

ele. O último fragmento de pensamento racional trabalhava intensamente.

Poderia tomá-la aqui, na banqueta atrás da cortina de veludo? Deveria

levá-la para sua casa, sua cama? Ou havia algum lugar que ela preferisse?

A cortina se abriu e o feitiço foi quebrado.

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Capítulo Seis

-Maldição! — Bella ouviu alguém dizer.

Voltou-se, assustada e viu os irmãos dele, Lorde Humphries, o Sr.

McPherson e um homem louro que não conhecia olhando-os com enorme

interesse. Andrew Hunter tinha um dos braços em torno de sua cintura.

McPherson, o autor da praga, parecia um amante traído.

— Que diabos pensa que está fazendo, Hunter? Hunter suspirou e

soltou-a.

— Acho que é óbvio, McPherson. Uma pergunta mais pertinente, é:

que diabos você está fazendo aqui?

— Tudo bem, pessoal. Vamos ser amigos de novo? — Lorde

Humphries fez um gesto conciliador. — Ela não é a esposa de ninguém.

— Nem a amante de ninguém — concordou. — Portanto, pronta

para receber propostas de qualquer espécie.

— O que quer que ele tenha proposto, eu dobro — disse

McPherson, com um olhar tão possessivo que parecia meio louco.

Percebeu que a estavam disputando como se fosse um cavalo num

leilão. Pensavam que estivesse à venda.

Bem, por que não? Seu comportamento levara a isso. Sentiu o calor

subir-lhe às faces.

— Sr. McPherson, o senhor não tem dinheiro suficiente para me

comprar, nem o senhor, Sr. Hunter. Teria lhes dito se tivessem

perguntado. Por favor, não falem mais comigo.

Ergueu o queixo e passou pelos homens com uma expressão de

aristocrático desdém.

Descobriu-se confrontada pela dura realidade de sua posição.

Sozinha numa casa de jogo, com dois homens determinados a possuí-la.

McPherson era rude na busca de seu objetivo, mas Hunter era ainda mais

perigoso. Ele quase a seduzira com menos de um beijo.

Além de tudo, ainda não sabia a verdade. O quase beijo de Hunter a

deixara totalmente confusa e excitada.

Se Andrew Hunter fora o namorado de Cora, não teria mencionado

mais do que este gesto em particular? Sua arte de seduzir, seus olhos

enigmáticos e profundos, seu sorriso que mostrava desprezo por si mesmo,

seu senso de humor?

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Compreendeu que não suportaria beijar nenhum dos homens esta

noite. Ou nunca mais. Seu estômago apertou e quase se dobrou com a dor.

Vingue-me, Bella.

O Sr. Hunter segurava-lhe o cotovelo, firmando-a e levando em

direção ao foyer.

— Precisa de ajuda, madame?

— Não! — Puxou o cotovelo. — Acredito que já fez o bastante,

senhor. Volte para seus amigos.

Ele sorriu-lhe, o que a deixou furiosa.

— Se não posso escoltá-la, permita que peça a Biddle que lhe chame

uma carruagem.

Ele estalou os dedos, sua capa apareceu e ele a pôs em torno de seus

ombros. A um aceno de cabeça, Biddle correu à frente deles e parou uma

carruagem. Antes que ela pudesse protestar, ele já a ajudava a entrar e lhe

perguntava o endereço. Abriu a boca para responder quando percebeu o

que ele queria.

— Diga ao cocheiro para virar em Whitehall e lhe direi onde parar.

De novo aquele sorriso que a deixava furiosa.

— Valia a pena tentar, Bella.

Ela nem precisou responder e a carruagem saiu.

Edwards limpou a garganta pela terceira vez e Andrew

compreendeu que o valete não iria embora. Sentou-se e passou os dedos

pelos cabelos em desordem, testemunho de uma noite inquieta.

— O que é, Edwards?

— Uma carta, senhor. É urgente.

Andrew abriu as cortinas da cama, estremeceu à luz do sol da

manhã, sentou-se e pegou a carta. Reconheceu a letra e o selo. Bryon

Daschel, Lorde Humphries. O que o fizera se levantar tão cedo? Rompeu o

selo e leu a breve carta.

As teias de aranha que ainda lhe nublavam o cérebro desapareceram

de imediato. Levantou-se e lavou o rosto.

— Diga ao visconde que descerei assim que me vestir, Edwards.

Peça ao cozinheiro para fazer café.

— Café, senhor?

— Sim, café.

Pela primeira vez, era cedo demais para começar a beber. E

importante demais.

Andrew vestiu-se e foi para a biblioteca, o passo rápido.

— Diga que está brincando, Dash.

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— Sem brincadeira, Drew.

— O que aconteceu?

— Ontem à noite, McPherson e eu fomos procurar uns amigos nas

docas. Você conhece o gosto de McPherson por ópio.

— Pensei que tinha parado com isso.

— Sim, bem, não inteiramente. A noite passada queria fumar um

pouco. Depois o levei para casa e até o quarto. Quando saía, parei para

tomar um conhaque e ouvi um tiro.

— Como sabe que foi suicídio? Pode ter sido um ladrão ou um

acidente.

— Ele deixou um bilhete, Drew, e a pistola estava ao lado dele.

— Por quê? — perguntou, mais a si mesmo do que a Dash.

— Alguma coisa sobre estar cansado da vida, e de não conseguir ter

as coisas que mais desejava.

— Isso é bobagem. Nenhum de nós consegue tudo o que quer.

McPherson sabia disso.

Dash tirou uma página selada do bolso da jaqueta e atirou-a para

Drew.

— Você a encontrará antes de mim — disse. Endereçada na letra de

McPherson havia uma carta para: "Ela, que enfeitiçou meu coração".

Andrew perguntou:

— Acha que é para...?

— Lady Lace — confirmou Dash. — Estava obcecado por ela.

— Eu não sabia que era tão forte assim.

— Achei que não.

— Se soubesse...

— Desistiria dela em benefício de McPherson? Uma neblina

vermelha escureceu a visão de Andrew por um momento. Desistir dela?

Não, não desistiria dela por nada. Quando se tornara mais do que um

interesse passageiro? Como se tornara sua obsessão?

— Leia a carta. Já li e não vou me desculpar. Andrew olhou o papel.

A letra era quase indecifrável.

McPherson devia estar quase inconsciente.

Ergueu o selo rompido e leu as poucas linhas nas quais McPherson

confessava seu amor imortal, pedia perdão por seu comportamento rude e

jurava que a amaria melhor em outro mundo.

Olhou o rosto sombrio de Dash.

— Você acha...

— Ele não podia tê-la, por isso não quis mais viver.

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— Por causa dela?

— Talvez não seja inteiramente culpa dela, mas certamente tem

parte da responsabilidade.

— O que os guardas informaram aos superiores?

— Menti para eles. Não viram a carta. Disse-lhes que eu e Conrad

estávamos bêbados e que a pistola devia ter disparado por acidente quando

ele a guardava. Esta maldita carta não faz diferença agora. O que ela fez

não é punido pela lei.

A cabeça de Andrew começou a latejar.

— Todo o acontecimento é inconcebível. Não consigo acreditar que

McPherson apaixonou-se tão intensamente com tão pouco encorajamento.

Na verdade, nunca a vi encorajando-o.

— Oh, pelo amor de Deus, Drew, ela o beijou. Quantas mulheres

você conhece que simplesmente se aproximam de um homem e o beijam?

— Entregarei a carta, Dash, pode contar comigo.

Bella voltou a Belmonde's, rezando para não encontrar Andrew

Hunter. Apesar do desastre da noite anterior, agora tinha entrada livre.

Procurava onde trocar dinheiro por fichas quando uma voz familiar

lhe falou.

— Boa noite, madame. Voltou-se e viu Lorde Humphries.

— Lorde Humphries, que bom vê-lo de novo esta noite!

— É mesmo?

Um sorriso desdenhoso curvou seus lábios estreitos e ela percebeu,

de repente, que nunca o beijara. Ele tinha cabelos e olhos escuros. Talvez

pudesse eliminá-lo como suspeito esta noite.

— Sim, apesar do aborrecimento da noite passada, não o culpo pelo

comportamento rude de seus amigos.

— Não conversou com o Sr. Hunter esta noite?

— Não, por quê?

— Oh, nenhum motivo em particular. Mas me ocorreu que estou em

desvantagem, minha cara. Não fomos formalmente apresentados e não sei

como me dirigir à senhora.

Ela sorriu.

— Madame está bem.— Perguntou-se se poderia simplesmente

fazê-lo ir com ela a uma alcova, beijá-lo e sair. — Gostaria de um copo de

vinho, Lorde Humphries.

— Sim, acho que você deve tomar um copo de vinho, querida. Vai

precisar dele.

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Que afirmação estranha. Ele a levou a um aparador perto das

alcovas, onde havia uma poncheira, encheu um copo e lhe entregou.

— O ponche de rum é muito bom. Beba, querida. Ele estava certo, o

ponche estava delicioso, embora um pouco forte. Depois do segundo gole,

ela olhou para as alcovas. Seria um bom momento para eliminar Lorde

Humphries como um suspeito? Ele pareceu ler sua mente quando lhe

tomou o braço e a levou em direção a uma cortina aberta.

— Você parece cansada, querida. Vamos nos sentar enquanto

esperamos?

Esperar? Pelo quê?

— O senhor está sendo muito misterioso, Lorde Humphries. Esta

não é a primeira vez que alude a alguma coisa iminente.

— Drew Hunter deve chegar a qualquer momento. Não ia se

encontrar com ele?

— Não planejamos nos encontrar. Na verdade, prefiro não vê-lo esta

noite.

— É mesmo? — Sentou-se ao lado dela. — Acho que Drew não vai

deixar que suas preferências o impeçam de procurá-la.

Ela já percebera que Andrew Hunter fazia exatamente o que queria

e decidiu terminar depressa o que viera fazer e ir embora antes que ele

chegasse.

Olhou para Lorde Humphries, encostou a mão em sua manga e lhe

deu um sorriso faceiro.

— Acho que o senhor seria capaz de impedi-lo, Lorde Humphries.

Ele riu.

— Por outro sorriso tão bonito, ficaria tentado. Mas está

procurando me jogar contra meu amigo? Não vai funcionar, madame. O

último homem que enfrentou Drew se suicidou em desespero.

Ela pôs a mão em seu braço e se debruçou.

— Estou certa de que é forte o bastante para resistir à formidável

vontade do Sr. Hunter.

Lorde Humphries pareceu tentado, mas indeciso.

— Oh, forte o bastante, sem dúvida, madame, mas não gostaria de

fazer dele um inimigo.

Ela ergueu o rosto e lhe deu seu mais encantador sorriso. Se o

homem não a beijasse agora, ela teria que tomar a iniciativa.

Seus lábios se abriram e ele se inclinou mais.

— Aqui está ele, madame — disse em voz baixa. Levantou-se e fez

uma reverência, antes de acenar para Hunter e sair em direção às mesas.

Page 47: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Bella sorriu de leve para Hunter, com uma sensação de desastre.

— Boa noite, Sr. Hunter — disse, levantando-se. Ele a levou de

volta à alcova, a mão em seu ombro.

— Até agora, talvez, mas não vai ficar melhor.

— Há alguma coisa errada?

— Pode dizer que sim.

— Há alguma coisa que eu possa fazer?

— Pode voltar para onde o demônio a gerou.

— O quê?

— Você me ouviu, finalmente a conheço.

— O que lhe fiz de mal, Sr. Hunter?

— O mesmo mal que fez a dúzias de outros homens. Provocando,

flertando, afastando-os do bom senso e do decoro.

Deus! Não podia acreditar que ele estava defendendo o decoro, mas

esta menina o ultrapassara na flagrante violação das regras da sociedade

polida.

— Eu? Levei-o a algum lugar aonde não queria ir, Sr. Hunter?

Porque poderia jurar que foi o senhor...

Ele olhou em volta e percebeu que estavam atraindo atenções. Fez

com que ela se sentasse e fechou as pesadas cortinas da alcova.

— Se acha que vai me fazer de tolo também, está totalmente

enganada e pretendo denunciá-la.

— Um tolo? Me denunciar? Explique-se, Sr. Hunter.

— Quem é você, disfarçada em Lady Lace? Qual é o seu jogo, fazer

de tolos todos os homens de Londres?

— Eles não precisam da minha ajuda, Sr. Hunter. A maioria

consegue ser tola sozinha.

— McPherson foi um deles? Considera-se vencedora nessa

escaramuça? Decidiu que eu serei o próximo?

— O Sr. McPherson? O que ele tem a ver com tudo isso?

Ele tirou a carta do bolso e jogou-a para ela.

— Leia.

Ela desdobrou-a e leu as poucas linhas. Sua mão começou a tremer e

ficou muito pálida.

— O que ele fez, Sr. Hunter?

— Matou-se. Por desejá-la demais.

Lágrimas encheram-lhe rapidamente os olhos e ela piscou para

evitar que corressem.

Page 48: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Sinto muito por sua morte, mas não fiz nada para encorajá-lo. O

senhor sabe que tentei diversas vezes...

— Você o beijou. E não foi um beijo fraternal na face, pelo que me

contaram. Se não considera isso encorajamento, então, o que é? Abrir as

pernas para um homem? Seria isso?

Ela empalideceu.

— O que posso fazer, além de dizer que sinto muito?

— Terei uma compensação a minha moda.

— E isso é...

— Denunciar você e seu jogo. Quem quer que você seja, de onde

quer que venha, qualquer que seja seu objetivo, vou expor tudo para que

Londres inteira saiba. Quando acabar, não será recebida em nenhum lugar

da cidade, exceto no bordel de onde veio. Mulheres que tratam homens de

forma leviana e licenciosa têm um nome.

— E guerra — murmurou ela. E lhe fez um pedido inesperado. —

Então me beije, um beijo de verdade. Apenas uma vez, como despedida. E

irei embora.

— Você quer um beijo? Maldita mulher! Estava certo, não era

melhor do que qualquer prostituta. Inclinou-se para ela, que ergueu o

rosto para ele, os olhos entrefechados em antecipação, esperando que ele

atendesse ao pedido. A boca muito perto dos lábios dela, ele murmurou:

— Procure outro, Bella. Você não terá nada de mim.

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Capitulo Sete

Bella estava no quarto à tarde, abatida, com olheiras, e uma dor de

estômago que não passava. Gina lhe levara chá e torradas e visitava-a a

cada 15 minutos. Sentia-se horrível, mas não podia continuar fechada.

Escolheu um vestido e chamou Nancy, a criada, que chegou muito

excitada.

— Graças a Deus vai descer, Srta. Bella. Lady Vandecamp chegou.

Maldição! Era a última coisa de que precisava. Não prestou atenção

à tagarelice de Nancy enquanto a vestia e penteava.

Lembrava-se da cena extraordinária no Belmonde's. Andrew Hunter

passara de admirador persuasivo a inimigo implacável num piscar de

olhos. Considerava-a responsável pelo suicídio de McPherson. Estaria

certo? Seria culpa dela?

Mas só lhe dera um beijo, uma coisa tão idiota e insignificante. No

entanto, um beijo havia seduzido Cora e fora tão significativo que, ao

morrer, só conseguira pensar nele para identificar seu assassino. Teria seu

beijo se mostrado tão letal como o do criminoso? Se fosse verdade, ela

teria se tornado igual ao homem que procurava?

Tão ruim como isso era a promessa do Sr. Hunter de denunciá-la a

toda a cidade. Pensara que não se incomodava, mas não era verdade. A

vergonha que causaria à mãe e às irmãs seria imensa, talvez impossível de

superar.

Tinha que fazer alguma coisa, impedir que o Sr. Hunter descobrisse

quem ela era. A melhor maneira seria desaparecer da cena social. Ele não

poderia encontrá-la se ela não saísse de casa ou fosse aonde ele não iria.

Londres estava cheia de gente. Seria um milagre encontrar uma pequena

família que viera de Belfast.

Precisaria apenas encontrar um meio de equilibrar as escalas, justiça

para Cora, de um lado, e o futuro das irmãs, do outro. O que significava

encontrar um meio de evitar o Sr. Hunter e seus amigos a qualquer custo.

— Pronto! — disse Nancy. — Lady Vandecamp disse que vai falar

com vocês na sala de estar assim que terminar a conversa com a sra.

0'Rourke.

Bella acabara de chegar à sala quando Lady Vandecamp entrou.

— Oh, queridas! Já soube de tudo. Mas agora estou aqui e vou

cuidar de vocês.

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Observou-as com cuidado e acenou, satisfeita.

— Bem, vocês são apresentáveis, o que tornará minha tarefa mais

fácil.

— Madame, estamos de luto e mamãe disse que voltaremos para

Belfast assim que ela melhorar.

— Isso mudou, Isabella. Convenci sua mãe que é melhor ficar, é

menos escandaloso; Além disso, por que desperdiçar a viagem? Vocês não

podem esperar mais um ano para encontrar maridos.

— Estamos de luto — repetiu Bella com ênfase.

— Minhas caras, já se passaram seis semanas. Em Londres, o luto

por uma irmã é de três meses e o meio luto começa com seis semanas.

Vamos à costureira esta tarde, para ordenar roupas mais adequadas.

— Mas... — começou Gina.

— Não, já está decidido. Sua mãe insiste. Serviu-se de chá e

continuou.

— Isabella, você usará roxo-escuro acinzentado. Eugenia, para você

malva cinza e Lillian, você usará marrom arroxeado.

— Mas para quê, Lady Vandecamp, se não vamos frequentar a

sociedade?

— Bem, sim, seria inadequado. Mas podem participar de pequenos

eventos, jantares, tardes musicais e chás. Sem danças, é claro, nem teatro.

E só podem ser apresentadas à corte depois das seis semanas que faltam.

Mas insisto que não podem perder esta oportunidade e sua mãe concorda.

— Oh, sim! — Lilly se mostrou muito interessada. — Seria uma

pena vir a Londres e não conhecer ninguém. E acho que já nos

recuperamos o bastante para pequenas reuniões, não acha, Bella?

— Bem, eu...

— Sua mãe também acha, querida.

— Reuniões bem pequenas, por favor — disse Bella.

— Então está resolvido. Vamos fazer os planos?

Lady Vandecamp já tinha tudo sob controle. Mandariam fazer

vestidos no dia seguinte e, à noite, participariam de um pequeno jantar em

sua casa, no qual seriam apresentadas a homens solteiros, de boa

reputação. Em setembro, não estariam mais de luto e poderiam frequentar

a sociedade.

— Bom ver você, Hunter — disse Lorde Wycliffe. — Sente-se.

— Sei por que me chamou aqui, senhor.

— Ah, então você soube?

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— Conrad McPherson? Sim, soube. O enterro é amanhã.

— O quê? McPherson está morto? O que aconteceu?

— Um acidente, senhor. Estava bêbado e aparentemente sua pistola

disparou quando se despia.

— Deus do céu! Cá entre nós, nunca achei Conrad brilhante, mas

não imaginei que terminaria assim.

— Se não é sobre McPherson, senhor, por que me chamou?

— Queria saber se tem alguma coisa para me contar, algum

progresso.

— Não, nada. Não é o tipo de coisa que se ouve numa festa e você

me disse que devo ser discreto. Tenho feito algumas perguntas, porém,

ainda não tenho nada para lhe dizer.

Wycliffe suspirou e se recostou na cadeira.

— Houve outro incidente há duas noites. Outra jovem, as mesmas

marcas. Estava morta quando foi encontrada. Já são cinco mulheres,

Hunter. E o espaço entre os assassinatos está diminuindo.

— Ainda não descobri nada, mas cedo ou tarde saberei algo.

— Nunca tive um caso que me preocupasse tanto. Meus melhores

homens estão trabalhando nele, por enquanto não temos nada. Por isso

vou lhe pedir que se arrisque um pouco mais. Aceitaria um papel mais

ativo? Quem quer que esteja fazendo isso é inteligente demais.

— Aceito sim, e acredite, senhor, se houver alguma coisa, vou

encontrar.

— Tenha cuidado, esses monstros não têm consciência. Não aceitam

as leis da sociedade. Se descobrirem que está fazendo perguntas... bem, sua

vida não valeria nada.

Bella decidiu não ir ao Belmonde's, Andrew Hunter poderia estar lá.

Mas ouvira falar de uma casa de jogos chamada Thackery's. Chamou uma

carruagem e quando chegaram a Ranelagh Street deu o nome da casa.

Thackery's será menos exigente quanto à admissão de mulheres e

Bella entrou sem problemas. O salão principal era grande, com uma larga

escadaria que levava a um mezanino cercado por um parapeito de metal

circundando todo o salão.

Ela observou que algumas mulheres estavam junto ao parapeito do

mezanino e concluiu que a presença de mulheres era mais comum do que

em Belmonde's. Decidiu juntar-se a elas.

No alto da escada havia um grande salão, as portas de vidro abertas,

e ela entrou. A luz era fraca, o ambiente enfumaçado. Murais se sucediam

Page 52: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

nas paredes, junto às quais havia bancos cobertos por almofadas. O

ambiente a incomodou e isso a fez perceber que havia risos altos demais,

uma familiaridade excessiva entre os homens e as mulheres. Nesse

momento compreendeu que as mulheres eram prostitutas ou cortesãs e

que fora confundida com uma delas.

Um estranho se aproximou.

— Acho que nunca a vi aqui antes. Prazer em conhecê-la, Srta...

Pensou em sair, mas percebeu que ele tinha cabelos e olhos escuros.

Decidiu-se.

— Lace, Lady Lace.

— Madame — sorriu e se curvou. — Sou o Sr. Johnson. Vamos nos

sentar e nos conhecer melhor? — Fez um gesto em direção a um dos

bancos junto à parede.

— Como quiser, senhor.

Ele a guiou para o banco mais distante, no canto mais escuro.

Sentou-se de costas para o salão e o Sr. Johnson se sentou ao lado dela.

— Como não a vi antes, Lady Lace?

— E a primeira vez que venho aqui, senhor.

— Sorte minha descobri-la primeiro. Tem um protetor, madame, ou

está livre esta noite?

Ela podia sentir o sangue lhe queimar as faces e rezou para não se

trair.

— Estou livre, senhor.

— Devo providenciar um quarto aqui? Ou prefere ir ao seu?

— Não faço arranjos tão depressa, senhor. Preciso saber se somos

compatíveis.

— Ah, você é seletiva e gosto disso, madame. Mas como saberemos

se somos compatíveis? Pode levar semanas.

Ela forçou um sorriso faceiro.

— Talvez com um beijo?

— Com prazer, madame.

Ele levantou-lhe o queixo com a mão e abaixou a boca sobre a dela.

Foi um beijo comum e ele não passou a língua nos lábios depois. Mas sua

mão, que a segurava pelo pescoço, escorregou até encontrar a curva de

seus seios. Antes que pudesse protestar, uma voz zangada interrompeu o

abraço.

— Aqui está você, madame, assim que viro as costas. Não precisou

olhar para reconhecer a voz de Andrew

Hunter.

Page 53: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— O senhor não é meu dono, Sr. Hunter.

— Acredito que sou, Bella.

Seu sangue gelou.

— Desculpe, Johnson, mas aparentemente minha amiga esqueceu de

mencionar que tínhamos um acordo prévio.

— Claro, Hunter. — Levantou-se e saiu. Hunter se sentou ao lado

dela.

— Eu a avisei para não fazer seu jogo em Londres. Que você o faça

tão abertamente é um insulto. Está me desafiando a cumprir minha

ameaça?

— Vim aqui esta noite tentando evitá-lo, senhor.

— Não pense que pode escapar de mim, Bella. Tenho amigos em

toda parte. Amigos que sabem que quero ser informado sobre onde você

está e o que está fazendo. Assim, aonde quer que vá, o que quer que faça,

eu saberei. Não pode fugir de mim, a menos que deixe Londres.

Ah, sim. Vira o irmão do Sr. Hunter no salão quando entrara. Devia

ter ido diretamente a Belmonde's contar-lhe.

— Posso lhe poupar trabalho, senhor, enviando-lhe um relatório de

tudo o que fizer todas as manhãs. Isso o satisfaria?

— Você é uma prostituta descarada. Eu a vi beijando Johnson, vi sua

reação. Fique avisada, é melhor que não a encontre fazendo isso de novo.

Sua reação? O que pensou que sentira? Dois podiam fazer o mesmo

jogo. Pelo menos, estava livre das atenções dele, já que declarara que não

seria um de seus "tolos".

— Sem beijos, Sr. Hunter? Então o que devemos fazer? Isto? —

Apontou para o mural, onde um casal fazia sexo. — Ou isto? — E indicou

uma cena em que um sátiro sodomizava uma mulher. — Qual é o seu

gosto, senhor?

Ele se voltou para ver o que ela apontava e retraiu-se.

— Estou tentado a lhe ensinar uma lição, Bella. Se eu fizesse essas

coisas com você, não esqueceria nunca mais.

Ela riu com desprezo.

— Alguém pensa muito bem de si mesmo, não é? Como saberia o

que eu acharia ou não inesquecível?

Ele se debruçou sobre ela, os ombros em contato íntimo.

— Vamos descobrir, Bella?

Ele decidira pagar para ver! Ah, mas então se tornaria um de seus

tolos, ele nunca faria isso. Estava segura. Com total confiança, sorriu.

— Se quiser.

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— Muito bem.

Ele se levantou, pegou-lhe a mão, puxou-a e levou-a para a porta.

— Thackery's tem quartos para essas ocasiões.

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Capítulo Sete

Bella tinha mais audácia do que juízo se pensava que podia insultá-lo

impunemente. Andrew não conseguia decidir se estava mais zangado com

ela por obrigá-lo a demonstrar quanto a queria, ou por se oferecer a outro

homem.

Ignorou os olhares assustados daqueles com quem cruzava enquanto

a puxava. Dobrou um corredor, procurando uma porta aberta. Quando

encontrou uma bem distante de olhos e ouvidos curiosos, empurrou Bella

para dentro, entrou e bateu a porta.

Havia apenas uma fraca lâmpada num consolo sob um espelho. Ele

trancou a porta e se voltou para Bella, deixando claro que ela teria que

pagar pelo insulto.

Ela se voltou, os olhos muito abertos. Seu rosto registrava surpresa

e mais alguma coisa. Seria medo? Não, não sua Bella. Não lhe faltava

coragem. Então devia ser excitação. Será que ela também o queria? Tanto

quanto ele a queria... e se odiava por isso?

— O que fará?

O olhar dele se voltou para a cama e um pequeno sorriso curvou-lhe

os lábios. Mal podia esperar para ver o. que ela faria a seguir.

Ela apenas esperou. Muito bem, então, faria seu jogo. Aproximou-se

e tomou-a rudemente nos braços. Ela o olhou e abriu os lábios. Nunca.

Jurara que não a beijaria e cumpriria o juramento. Ah, mas fora só isso que

prometera. Sem beijos na boca, mas...

Curvou-se e beijou-lhe o pescoço, deixando a língua escorregar até a

orelha, onde murmurou:

— Você se despirá para mim, Bella, ou devo fazer isso para você?

Ela segurou a respiração e estremeceu, mas não respondeu. Pensaria

que ele estava blefando? Garota tola. No entanto, seus lábios cheios eram

tão tentadores que mal podia pensar em outra coisa. Um beijo, só um

beijo? De todas as coisas que ele podia fazer com ela, o que mais o tentava

era isso. Mas havia uma forma de ele deleitar-se com ela sem tomar-lhe a

boca.

Levou-a até o espelho e ficou atrás dela, a única maneira de não ter

acesso àqueles lábios. Passou as mãos por sua cintura e moveu-as para

cima, até muito perto dos seios. Ela respirou profundamente, olhando-o

nos olhos pelo espelho.

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Ele a puxou contra seu corpo até ela sentir sua ereção. Céus! Não se

excitava assim havia anos! Quando ela soltou um pequeno arquejo, quase

não conseguiu se controlar. Debruçou-se mais, mordiscou-lhe o lóbulo da

orelha, e ela curvou a cabeça para o lado, para dar-lhe acesso.

Podia sentir-lhe o coração disparado sob suas palmas, pousadas

abaixo dos seios. Muito lentamente, escorregou as mãos para cima até

cobrirem-lhe os seios, infinitamente macios e quentes, com bicos que

endureciam e acariciavam suas palmas através da seda leve. Não tirou os

olhos dos dela enquanto mergulhava os dedos no decole do vestido

encontrando as fitas da camisa. Puxou-as, desamarrou-as e afrouxou o

tecido.

Livres do confinamento, aqueles botões cor-de-rosa surgiram acima

do frágil tecido branco da camisa.

— Belos — murmurou ele, os olhos presos aos dela, procurando

vestígios de raiva.

Mas ela abaixara as pálpebras para velar sua resposta. Um rubor de

febre se espalhava do colo às faces e ela se recostou nele. Tomou-lhe os

bicos dos seios entre os dedos e os polegares e acariciou-os. Ela abriu os

olhos e segurou a beirada do consolo, para se firmar.

— Calma, Bella — sussurrou. — Estou segurando-a, não a deixarei

cair.

Maldição! Tencionara ensinar-lhe uma lição, mostrar-lhe o seu

lugar. Mas ela o puxara para uma rede de desejo tão intenso que nada mais

importava. Mesmo assim, não podia, não devia beijá-la. Era muito mais

erótico encontrar meios de levá-la à submissão, trêmula e desejosa. Muito

mais erótico olhá-la no espelho, enquanto fazia amor suavemente com ela.

A cabeça de Bella caiu-lhe no peito, um sinal de que se entregara às

sensações e não lutava mais.

Abriu mais a camisa, libertando totalmente os seios. Eram perfeitos,

pequenos montes de carne cor-de-mar-fim, nem grandes, nem pequenos.

Quis saboreá-los com a boca e a língua, saber como reagiriam a suas

carícias. Voltou-lhe o corpo e sentou-a no consolo, os seios a altura de sua

boca.

Beijou-lhe o pescoço e mordeu-o de leve. As mãos dela tremeram em

seus ombros e ele moveu a boca para baixo, apertando os lábios em torno

de uma auréola. Ela gritou e misturou os dedos nos cabelos dele,

apertando-lhe a cabeça contra ela.

Ele abriu-lhe as pernas para chegar mais perto e se arrependeu.

Preso entre aquelas coxas quentes, podia pensar apenas em uma coisa.

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Não, duas. Ainda ansiava por beijar-lhe a boca, sentir sua doçura de mel,

alcançar uma parte dela proibida por seu próprio juramento, descobrir se

sua língua era mais doce que suas palavras. E ansiava por se unir a ela

entre suas pernas, encontrar o lugar de sua mais profunda intimidade.

Entrar nela num ritual primitivo em que a reclamava como sua, marcando

seu território, seu.

Segurando-a fortemente contra ele com um braço, levantou-lhe as

saias com o outro, procurando o caminho entre as camadas de tecido até

seu centro. Gemeu quando o encontrou, quente, úmido e pronto. Ela se

apertou contra sua mão, movendo os quadris em direção a ele para lhe dar

acesso mais profundo.

— Andrew... — ela gemeu.

Ouvir seu nome dito por ela libertou-o da rede de desejo e paixão

que nublava seu cérebro. Aquela era Lady Lace, que brincava com ele, o

motivo da morte de seu amigo. Afastou-se com rispidez, quase derrubando

a lâmpada. Parou à porta e disse, sem se voltar.

— Você não me terá, Bella. Não serei um dos seus tolos.

Ao chegar ao corredor, precisou segurar-se à parede e se dobrou

com a dor da excitação insatisfeita. Da próxima vez, se houvesse uma

próxima vez, ela pagaria por isso.

Aonde quer que vá, o que quer que faça, saberei. Não pode fugir de

mim, Bella. Oh, por que não conseguia pensar em outra coisa? Se não ia

deixá-la em paz, se conhecia cada movimento dela, como encontraria o as-

sassino de Cora? Como cumpriria sua promessa?

Mas houvera mais e pior na noite anterior, aquele quarto particular

acima do salão principal de Thackery's. Que loucura a tomara para desafiar

assim o Sr. Hunter? E que orgulho idiota a mantivera imóvel enquanto ele

fazia aquelas coisas com ela? Estaria tentando provar que não a abalava,

não a afetava? Ao contrário, provara seu ponto, de que se um dia fizesse

aquelas coisas com ela jamais esqueceria. Um leve gemido lhe escapou e

fechou os olhos com a lembrança da doçura que sua boca lhe evocava.

— Silêncio, Bella! O que há de errado com você? — sussurrou Gina.

Ela voltou ao presente, assustada. A voz de Lady Vandecamp

continuava, ensinando às meninas as formas corretas de se dirigir às

pessoas e como ignorar polidamente os homens a quem não tinham sido

adequadamente apresentadas, como se Belfast fosse o fim do mundo em

questão de maneiras.

— Nada — mentiu. -— Só estou um pouco cansada.

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— Aquilo não pareceu um bocejo. Precisa parar de ficar fora até tão

tarde, especialmente agora que Lady V. está aqui. Ela disse que teve muito

trabalho para arranjar diversões adequadas para nós à noite e precisamos

ir a todas.

— Então terei que insistir que voltemos cedo para casa. Preciso de

mais tempo, Gina.

— Oh, querida — suspirou Gina. — Não queria precisar lhe dizer

isso, mas você está perdendo tempo. Pensei que já teria entendido isso.

Nunca beijará todos os homens de olhos e cabelos escuros de Londres.

— Da sociedade, Gina. Canalhas e patifes.

— Ainda assim será como encontrar uma agulha no palheiro.

— Só preciso ter sorte uma vez.

— O que é que estão cochichando? — disse Lady Vandecamp em

voz alta. — Seria bom que prestassem atenção ao que estou dizendo, como

Lillian. Vocês só têm uma chance de causar boa impressão.

— Sim, madame — disseram Gina e Bella ao mesmo tempo.

Bella tentou clarear os pensamentos. Embora detestasse a idéia de

participar da sociedade, estava decidida a fazer sucesso em benefício de

suas irmãs.

Lady Vandecamp acenou, como uma rainha.

— Muito bem. Agora, como estava dizendo, a manhã à noite haverá

um jantar em minha casa. Cheguem às sete horas em ponto, quero que

estejam lá antes dos outros convidados. É um pequeno e seleto grupo de

pessoas que podem lhes prestar bons serviços na sociedade.

Lilly sorriu, a excitação colorindo seu rosto.

— Seus vestidos chegam amanhã à tarde — continuou Lady

Vandecamp. — Oh, eu disse que estão de luto por uma irmã que morreu de

uma doença. Não me contradigam, um escândalo só vai prejudicá-las.

Bella se zangou. Exatamente como pensara, uma coisa que não fora

culpa de Cora agora seria usada contra elas. Não se arrependia do que

estava fazendo. Aceitável ou não, Cora teria justiça.

— Bella? Está me ouvindo?

— Sim, madame. Uma doença. Tuberculose?

— Está bem, minha cara. Agora, vamos à costureira?

— Hora do chá e você ainda está sóbrio! E depois do enterro de

McPherson esta manhã. O que é, Drew? Virando uma nova página? —

perguntou Jamie.

Andrew tirou os olhos de suas anotações e indicou uma cadeira.

— Cale a boca e sente-se.

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— Oh, mau humor. Não é um bom sinal. Andrew mostrou o chá

sobre a escrivaninha.

— Sirva-se. Ou tome um xerez, se preferir. Terminou de fazer as

anotações. Na tentativa de se ocupar depois do enterro, decidira organizar

as informações que obtivera, para ver se formavam um padrão. Não

formavam e se sentiu frustrado.

— Encontrou sua Lady Lace ontem à noite?

— Sim, obrigado por me dizer onde estava.

— Thackery's, por Deus. Há algumas mulheres muito atraentes lá,

mas esperava coisa melhor de Lace.

— Eu também, Jamie. Parece que fomos enganados.

— Você a mandou embora?

— Não sou dono de Thackery's, logo esta não era uma das minhas

opções. Mas estou quase certo de que arruinei sua noite. Ficarei surpreso

se ela aparecer lá de novo.

Porém a perspectiva o perturbou. Se ela levasse a sério a ameaça e

ele nunca mais a visse?

— O que fará esta noite, Drew? Estou com vontade de fazer alguma

coisa exótica. Charlie disse que também quer alguma coisa diferente.

— Exótico. — Andrew achou um pouco desconcertante ter se

tornado a fonte de diversões exóticas para os irmãos. — Defina exótico,

Jamie.

— Diferente, é claro. Alguma coisa que nunca fizemos. Alguma

coisa que desperte os sentidos e faça o sangue pulsar. Alguma coisa... bem,

arriscada e meio malvada.

— Só um pouco malvada?

— O que há, Drew?

— Começo a pensar que devia perguntar a você como passar minhas

noites. Fez o que não devia pelas minhas costas?

— Não, nada.

Andrew lembrou-se da noite anterior, de Bella, da sua frustração por

não ter feito amor com ela.

— Drew?

— Desculpe, estava pensando.

— Sim, eu também. Vi coisas muito mesquinhas ultimamente.

— Todos os homens são capazes de tudo. Conhece bem a

desumanidade dos homens com outros homens.

Jamie observou Andrew por alguns momentos e disse:

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— Corre por aí que você está em busca de excitação. Ah, não fora

tão sutil quanto pensara. Bem, talvez isso lhe trouxesse o sucesso que a

discrição não alcançara.

— Por que fica à caça de novas emoções? — perguntou Jamie.

— Quero alguma coisa diferente, algo que não encontrei antes.

Quero sentir, Jamie. Qualquer coisa. — Isto, pelo menos, era verdade. De

novo, a visão de Bella lhe veio à mente. Poderia chamar a luxúria de

sentimento?

— Não se importa com o que é? Bom? Mau? Certo ou errado?

Perigoso? Auto indulgente?

— Nem um pouco.

— Você está sofrendo do pior caso de tédio que já encontrei, Drew.

— Se ouvir alguma coisa...

— Você será o primeiro a saber.

Mas Andrew sabia que precisava encontrar a escória da humanidade

e não se enganava pensando que a encontraria nas classes trabalhadoras.

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Capítulo Oito

Bella viu Andrew na escada da Royal Opera House e quase fugiu.

Pensara que uma volta a Thackery's ou a Be(monde's não seria uma boa

idéia. Assim se juntara a um grupo de pessoas que entravam no teatro.

Ele a viu e pareceu surpreso. Bem, não era dono de Londres e não

podia impedir que frequentasse um lugar público. Tinha muito pouco

tempo e não podia permitir que Andrew a amedrontasse.

Ele se aproximou e ela procurou um meio de fugir de sua

companhia. Afastou-se do grupo que acompanhava e rezou para que ele

não fizesse uma cena.

— Tentando fugir, Bella?

— Só do senhor. Estou começando a pensar que está me seguindo.

— Não esta noite. Tinha um compromisso anterior com amigos. E

prefiro que não fiquem sujeitos a sua presença.

Oh, isso fora cruel!

— Seus amigos são assim tão sensíveis? Não tinha percebido. Pensei

que todos fossem como o senhor.

— Um deles, pelo menos, provou ser bastante sensível. Eu o

enterrei hoje, graças a você. Ou já tinha esquecido?

— Não, não esqueci, mas não consigo acreditar, isto é...

— Acredite ou não, é verdade.

— Esta é a sua maneira tão sutil de me mandar ir embora, Sr.

Hunter?

— Você é inteligente, Bella.

— Gostaria que não me chamasse assim.

— Acha que me importo com isso, minha cara?

— Por favor...

— Paro quando você me der outra coisa. Diga-me seu nome.

— Para que você arruíne toda a minha família?

— Nunca falamos sobre sua família, Bella. Suponho que as jovens

que vi com você no Parque St. James's são suas irmãs?

— Elas não sabem o que estou fazendo. Não têm culpa de nada.

Seria tão cruel a ponto de arruiná-las pelo que faço?

Ele sorriu sem gentileza, a resposta era clara. Não hesitaria em usar

sua família para vingar McPherson. Bem, pelo menos, nisso se pareciam.

Não deixaria Andrew impedi-la de conseguir justiça para Cora.

Page 62: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Muito bem, pelo menos, agora nos entendemos.

— Não. Você ainda tem que me contar qual é o seu jogo. O que

espera conseguir colecionando beijos aqui e ali? E não me venha com essa

bobagem sobre encontrar o homem certo.

Maldito!

— Então estou tentando encontrar o homem errado.

Ele lhe agarrou os ombros e a sacudiu com força.

— Maldita seja, Bella!

Oh, eram mais parecidos do que ele imaginava, cada um

amaldiçoando o outro e determinado a fazer as coisas do seu jeito.

— Faria diferença se você soubesse?

— Provavelmente não.

— Então me solte e fique avisado. Lugares públicos não lhe

pertencem. Irei aonde quiser e o senhor não vai interferir.

Um brilho perigoso nos olhos escuros advertiu-a que tinha ido

longe demais.

— Os acontecimentos em Thackery's não lhe ensinaram a ter

cautela quando me desafia?

Ela sentiu o calor lhe subir dos pés à cabeça.

— Tão virginal, você ruborizar depois de tudo o que fez. Agora vá

embora, Bella, ou pagará por isso.

Olhou-o com ódio e se afastou.

Mantendo distância, Andrew a seguiu. Desta vez descobriria onde

vivia. Se descobrisse quem era, talvez sua obsessão desaparecesse. Sim,

obsessão. Bella adquirira um status imerecido em sua vida, ele queria

rebaixá-la ao nível humano.

Apressou o passo quando ela virou na Cockspur Street e quase a

perdeu quando entrou num caminho estreito que levava aos Parade

Grounds. Depois entrou no caminho para Bird Cage Walk.

Era fácil segui-la, mas se manteve à sombra até ela chegar à saída

em William Street. De lá, entrou em James Street, parou e cruzou a rua em

direção a uma casa respeitável. Parou, tirou uma chave da bolsa e entrou.

Então era aqui que Bella vivia?

Estava prestes a ir embora quando viu uma luz se acender numa das

janelas do segundo andar. Um momento depois, a silhueta de Bella se

moveu atrás da cortina de renda. A visão o fez atravessar a rua e parar sob

a janela aberta.

Ouviu vozes femininas. Seria a dona do bordel reclamando por que

ela levara pouco dinheiro?

Page 63: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Então ouviu um som abafado. Estava chorando. Por que a ideia de

que Bella chorava o incomodava?

O que estava errado com ele? Não era um menino apaixonado, era

um homem que se detestava por perder tempo com uma mulher leviana

quando devia estar cuidando de assuntos urgentes. Com esse pensamento,

cruzou a rua e fez um coche parar. Os cortiços de White-chapel o

chamavam.

Quando Lorde Wycliffe lhe pedira ajuda, presumira que era por sua

familiaridade com os pontos frequentados pelos canalhas de Londres. Mas

depois de quase uma semana, percebeu que era inútil. Se alguém sabia de

alguma coisa, não falava. Mas estupro e sacrifício ritual não eram

atividades exclusivas dos ricos ociosos, eram também dos criminosos.

Agora que Wycliffe lhe pedira para ir além, exploraria outros

campos. Era conhecido nos piores cortiços da cidade e confiavam nele, era

um deles, se não nas atividades criminosas, pelo menos, na busca por

prazer e novidades. Sabiam que pagava bem, que não os trairia.

Encontrariam para ele qualquer coisa que o dinheiro podia comprar.

Mandou o coche parar em frente a um bar em Pettico-at Lane.

Dispensou o coche e entrou.

O som de risadas grosseiras e gritos parou à sua chegada, mas

quando viram quem era os frequentadores retomaram suas atividades. Foi

ao bar, acenou para o homem atrás do balcão e ele lhe serviu um copo de

uísque.

Um conhecido se aproximou.

— O que está procurando, chefe?

— Alguma coisa nova, Hank. Sabe onde posso encontrar?

— Qual é a sua idéia de novo?

— Dê-me algumas escolhas, Hank. Saberei o que é quando ouvir.

— Há uma briga de gaios...

— Novo, Hank.

— Ouvi dizer que do outro lado de East índia Warehouses há um

urso, para briga com cachorros, muito sangue...

— Não gosto de sangue de urso. Hank olhou-o meio assustado.

—- Que tipo de sangue prefere? — Andrew deu de ombros e ergueu

uma sobrancelha. — Olha aqui, chefe, isso é raro. — Andrew balançou

algumas moedas no bolso. — Bem... ouvi umas coisas. Mas é tudo segredo.

— Andrew tirou as moedas do bolso, deixou-as cair no balcão e o

homem as apanhou. — Perguntarei por aí. Onde o encontro?

— Aqui, amanhã à noite. Mesma hora. O homem sorriu e saiu.

Page 64: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Andrew decidira ir para casa quando encontrou Dash, Jamie e

Henley, que também saíam de um bar.

— Ei, que tal se fôssemos a uma casa de prostitutas? — sugeriu

Dash.

Andrew preferia ir para casa, mas precisava continuar a investigação

de que Wycliffe o encarregara. Riu da ironia. Frequentar casa de

prostitutas a serviço do rei e do país? Havia alguma coisa errada, mas não

conseguiu descobrir o que era. Talvez pudesse esquecer Bella por algumas

horas.

— Sim — disse.

Page 65: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Capítulo Nove

-Ah, aqui estão Lady e Lorde Lockwood — disse

Lady V. quando um homem alto a cumprimentou. — Lockwood,

permita que lhe apresente as srtas. 0'Rourke, Isabella, Eugenia e Lillian.

O conde era um homem bonito, alto e moreno, com brilhantes olhos

azuis, e Bella o achou familiar. Percebeu que a observava com atenção.

— Srta. Isabella, já nos encontramos antes?

Ela teve um sobressalto. Ele a teria visto em alguma das festas que

frequentara na sociedade? Controlou-se.

— Duvido muito, Lorde Lockwood. A menos... foi a Belfast nos

últimos anos?

— Infelizmente, não. Permitiria que eu apresentasse meus irmãos a

suas protegidas, Lady Vandecamp?

— Patifes encantadores, cada um deles — proclamou Lady V. com

autoridade. — Mas não poderia fazer isso sem a garantia de que mudaram

seu comportamento.

Lockwood riu.

— Patifes arrependidos podem ser os melhores dos maridos, mas

não até que tenham deixado para trás suas patifarias.

65 gail ranstrom

— Então, infelizmente, tenho que desistir de recomendar meus

irmãos.

Bella sorriu de sua expressão de pena.

— Gostaríamos que viessem jantar conosco — disse Lady

Lockwood. — Sua mãe ainda não está saindo?

— Não — disse Bella. — Lady Vandecamp tem sido muito boa, nos

apresentando, mas nossa mãe ainda está de cama.

— Lamento por sua irmã, srta. 0'Rourke. Uma doença, não foi? —

disse Lorde Lockwood.

— Sim, tuberculose. Mas o fim foi repentino. Se soubéssemos que

estava tão mal, não teríamos vindo. — mentiu Bella, odiando-se.

Lady V. levou Lady e Lorde Lockwood para a sala de estar.

— Muito gentil de sua parte. Verificarei em nossa agenda que dia

será mais conveniente. E, é claro, gostaria de ver antes a lista de

convidados.

Page 66: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Bella e suas irmãs foram atrás. Os Lockwoods tinham sido os

últimos a chegar, assim Lady V. em breve os levaria à sala de jantar.

O gongo do jantar soou e as três se levantaram para seguir Lady V.

Andrew esperava por Hank no bar de Petticoat Lane, pensando em

Bella. Estaria beijando algum homem num quarto em Thackery's?

Dançando num baile? Encontrara o homem certo? Ou ainda esperava por

ele?

Dash entrou.

— Essa história de Lace ser responsável pela morte de Conrad é

besteira, não acha, Drew? Ele estava cheio de ópio e tomando decisões

estúpidas. Se não fosse Lace, seria qualquer outra.

Como Dash o conhecia bem, o suficiente para adivinhar a causa de

sua absorção.

— Mas foi Lace, este é o ponto.

— Tem planos de se vingar dela?

— O pensamento me ocorreu.

— E como vai conseguir isso?

— Não consigo pensar em nada adequado.

— Certamente podemos pensar em alguma coisa. O que a impediria

de flertar com outro homem ingênuo?

— Dificilmente chamaria McPherson de ingênuo.

— Ingênuo o bastante para se matar. Ora, ela até tentou me jogar

contra você aquela noite em que você me encontrou com ela em

Belmonde's.

— Como?

— Tentou me persuadir a protegê-la de você.

— Maldição...

— Eu lhe disse que não funcionaria e então você chegou.

Andrew se lembrava daquela noite, quando tinha declarado guerra a

ela.

— Tenho expulsado-a de lugares públicos nos últimos dias, mas

talvez deva persegui-la, fazer com que sinta medo. Direi o que descobri

sobre ela e que estou esperando o momento certo para denunciá-la. Será

divertido vê-la tremer.

— Tinha outras idéias, Drew, mas isso parece interessante. O que

descobriu sobre ela?

— Isso...

— Ei, estou aqui.

O cochicho de Hank o fez voltar-se.

Page 67: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— O que tem para mim?

O homem parecia amedrontado.

— Quem é esse daí? — perguntou, acenando na direção de Dash.

— Um amigo meu.

— Aquilo que perguntou, chefe. Descobri uma coisa que pode

gostar.

Andrew não queria que Dash ouvisse, mas nada podia fazer.

— Então conte, Hank.

— Andam falando, chefe. Sobre coisas esquisitas.

— Conte o que é se quer mais dinheiro.

— Nada certo, só insinuações. Jogo de sangue.

— Preciso de mais do que isso, Hank.

— Algumas das prostitutas daqui sumiram, ninguém sabe para onde

foram. Duas antes e mais ultimamente. Dizem que foram usadas.

— Usadas para quê?

— Jogos, chefe. Para uns caras com gostos estranhos. Perto, tão

perto.

— Como entro no jogo?

— Sei não.

Andrew tirou duas moedas do bolso e balançou-as na mão.

— Traga-me uma hora e lugar, Hank, e pagarei cinco libras. E aqui

está um extra.

Pôs as moedas no balcão e esperou. Cinco libras seriam suficientes

para comprar gim por muito tempo. Hank pegou as duas moedas.

— Amanhã à noite, chefe. Voltou-se e saiu.

Dash respirou fundo e perguntou:

— Gostaria de explicar isso, Drew?

— Não.

— Devo entender que seus interesses... se ampliaram?

— Entenda como quiser.

— Ora, vamos, não seja mal-humorado. Quando foi que o julguei?

Isso apenas me surpreendeu.

— Por quê?

— Sempre achei você mais, bem, mais convencional.

— Convencional? — Andrew riu. — Diga isso a meu irmão.

Dash sorriu.

— Ele não compreende homens como nós, Drew. Nossas normas

foram estabelecidas na guerra e, quando ela acabou, nós a trouxemos para

cá.

Page 68: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Elas não têm lugar aqui, não estamos na guerra, Dash.

— Não, mas a guerra ainda está em nós, não é? Andrew não

respondeu, apenas disse:

— Não se preocupe comigo, Dash, só estou inquieto.

— Isso nos trás de volta a Lace, não é? Tome-a, Drew. Tire-a do

seu sangue da única maneira que pode. Ela sabe que você a quer, espera

por isso. Inferno, ela provocou isso. Acho até que ela quer isso. Teste-a e

descubra.

Como eram persuasivas as palavras do amigo, e como era sedutor

ser convencido a fazer o que queria. O que perderia? Fora ele que

interrompera o que faziam em Thackery's.

Ela estava disponível desde que entrara na sociedade. Quem sabia

quantos homens já tiveram sucesso com ela?

— Estou contente de saber que tudo foi bem no jantar — disse

mamãe. — Um convite de Lorde Lockwood e sua mulher é um sucesso, de

acordo com Eleanor. Tirem o melhor proveito, meninas. E você, Isabella,

fique de olho em suas irmãs.

Bella acenou, embora não precisasse que lhe lembrassem.

— Eleanor, quer dizer, Lady V. — consertou Gina

— disse que Bella se saiu muito bem. Acha que Bella receberá o

primeiro pedido de casamento.

— Pode ser. Lilly é a mais bonita, agora que Cora...

— Mamãe parou para enxugar o canto dos olhos. — E você, Gina, é

a mais viva e mais encantadora. Bella é séria e erudita demais para

encantar um homem. Parecida demais com o pai, algumas vezes eu o vejo

me olhando pelos olhos dela, esses olhos verdes que condenam.

Bella olhou para o outro lado e pôs a xícara de chá na bandeja.

Odiava quando a mãe falava dela como se não estivesse na sala.

Gina, sempre sensível ao desconforto de Bella, mudou de assunto.

— O jantar com Lorde Lockwood é amanhã. Convidou a irmã e o

cunhado, que têm muita influência na sociedade e conhecem todas as

pessoas certas. Garanto que receberemos muitos convites depois disso.

— Esses eventos são pequenos, não são? Não quero que as pessoas

pensem que estamos desrespeitando a memória de Cora.

—- Lady V. conhece todas as regras sobre luto e como entrar na

sociedade — disse Lilly. Bella se levantou.

— Farei uma caminhada, voltarei na hora do jantar. Resolvera

procurar de novo Lorde Wycliffe e pedir-lhe que retomasse a investigação.

Page 69: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Deveria haver um meio de cumprir sua promessa a Cora sem envergonhar

sua família. Esta seria sua última noite livre por muito tempo.

Lorde Wycliffe levou-a para seu escritório.

— Por favor, sente-se, Srta. 0'Rourke. Aceita uma xícara de chá?

— Não, obrigada.

Esperou que ele falasse primeiro.

— O que posso fazer pela senhora?

— Minha irmã. Conseguiu algum progresso na investigação?

— Srta. 0'Rourke, já lhe informei que não temos novas pistas e

estamos cuidando de casos que podemos solucionar.

— Então reconsidere, senhor, minha irmã merece justiça.

— Compreendo e concordo. Contudo não temos os recursos...

— Se não fizer nada, senhor, terei que fazer eu mesma.

— Já não está fazendo?

— O senhor sabe?

— Ouvi falar. Está causando furor como Lady Lace.

— Não vai me denunciar, vai, senhor?

— Não, mas estou preocupado com sua segurança.

— Se o senhor não vai reabrir a investigação, não tenho escolha.

Mas não posso continuar por muito tempo. Serei descoberta e será um

escândalo para minha família.

— Lamento, Srta. 0'Rourke, mas a escolha é sua.

— O senhor ouviu o que minha irmã me disse, Lorde Wycliffe. O

senhor ouviu seu apelo e minha promessa. Se não encontrar seu assassino,

o que mais posso fazer?

— Tenha fé, srta. 0'Rourke.

— Minha fé morreu com Cora.

— Srta. 0'Rourke, tenho contatos, agentes que levantam

informações. Se souber de qualquer coisa que possa ajudá-la, mandarei

buscá-la.

— Só minha irmã Eugenia sabe o que faço.

— Sim, Srta. 0'Rourke, compreendo. Se descobrir qualquer coisa,

terei o cuidado de entregar apenas em suas mãos.

Era muito pouco, mas era alguma coisa. Bella se levantou.

— Eu lhe ficarei grata por qualquer ajuda, Lorde Wycliffe.

Ele abriu a porta para ela e ficou de lado para deixá-la passar.

— Por favor, Srta. 0'Rourke, tenha muito cuidado. Os homens que

fizeram aquilo com sua irmã são capazes de tudo.

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Capítulo Dez

Da mesa de rouge et noir, Andrew viu Bella entrar no salão

principal do Thackery's. Saberia que ele estava aqui e a denunciaria? Ainda

não estava certo sobre isso.

Viu-a pegar algumas moedas da bolsa, trocá-las por fichas e subir a

escada para o mezanino. Não conseguia tirar os olhos dela.

Andrew deixou a mesa e a seguiu. Subiu a escada, entrou no salão e

se escondeu nas sombras. Os homens se aproximavam dela como

mariposas da luz. Ficou imediatamente cercada por quatro deles. A raiva

começou a queimar-lhe o ventre de novo.

Page 71: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Bella despachou dois dos homens, rapazes louros do campo, e deu

um braço a cada um dos outros dois. Os três se sentaram num dos bancos

e conversaram com vivacidade, rindo muito.

Exatamente como suspeitava, ela se debruçou sobre o homem à sua

esquerda, ergueu o rosto para ele e fechou os olhos. O homem aceitou o

convite mudo e beijou-a com fervor.

As mãos de Andrew se fecharam em punhos.

Depois de um breve momento, ela rompeu o contato e sacudiu a

cabeça. Voltou-se para o homem à direita e sorriu. Seria a vez dele agora?

Sim. Ele se debruçou sobre a boca de Bella com um sorriso confiante.

Andrew deu um passo à frente, incapaz de se conter. Porém o orgulho

falou mais alto, o orgulho e a curiosidade.

O segundo beijo foi mais longo e ele notou que Bella empurrava o

peito do homem, como se tentasse afastá-lo. Quis virar a cabeça, mas ele a

segurou com força.

Uma fúria intensa surgiu nas entranhas de Andrew, dirigida a Bella

ou a seu acompanhante, não saberia dizer. Em poucos passos chegou às

costas do homem, puxou-o e jogou-o contra a parede, debruçando-se sobre

ele, com o rosto a poucos centímetros do outro.

— Deixe a dama em paz — disse entre dentes cerrados.

— Dama? — perguntou o homem. — Está vendo alguém que eu

não vejo?

Bella estremeceu.

— A prostituta não devia atrair os homens. Ela me dará o que quero

esta noite, ou vou querer saber por que não.

— Permita que eu lhe diga por que não — disse Andrew, dando-lhe

um soco no estômago tão forte que o fez cair de joelhos.

— Sr. Hunter! Por favor! — Bella puxou a manga de seu casaco. —

Está criando uma cena.

— E você? Acha que seu comportamento é sério?

— Tenho mais sucesso quando o senhor não está presente — disse,

as faces vermelhas. —Acho que corro mais perigo com o senhor do que

com qualquer outra pessoa.

— Você se coloca nessa posição, Bella. O que teria acontecido a você

se eu não estivesse aqui?

— Você não tinha o direito de interferir.

— Não tinha o direito? — Aproximou-se dela e passou os nós dos

dedos em seu colo, no lugar onde deixara sua marca. — Você é minha. —

Ele olhou o salão, notando os rostos voltados para eles. — Amanhã não

Page 72: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

haverá um homem em Londres que não saiba disso. Quem você beijará

então?

— Por que não me deixa em paz? O que eu lhe fiz? Está arruinando

tudo.

— O que exatamente estou arruinando? Sua oportunidade de iludir

outro homem? De tornar-se notória? De encontrar um novo protetor?

Meu dinheiro não é tão bom como o de qualquer outro?

— Se me quer, terá que me beijar.

Deus do céu! Será que ela achava que isso o deteria? Tome-a, Drew.

Tire-a do seu sangue da única maneira que pode. Ela sabe que você a quer.

Inferno, ela provocou isso. Dash estava certo. Seu convite não era para um

beijo, era para muito mais.

Sem uma palavra, tomou-a nos braços e carregou-a para fora do

salão, para o corredor mais próximo. Foi para o quarto no fim da

passagem, abriu a porta com um pontapé e deitou-a na cama antes de

voltar e trancar a porta.

Bella escorregou para o lado da cama, levantou-se e olhou em volta

do quarto mal iluminado, tentando encontrar um meio de escapar. Nada,

apenas uma pequena janela, que dava para um beco, bem abaixo! Se pelo

menos não tivesse medo de altura!

Ele se voltou e lhe sorriu de uma forma que a gelou até os ossos.

Não havia alegria, apenas confiança e satisfação. Sabia que estava no

controle e gostava de vê-la com medo.

Só lhe restava enfrentá-lo. Funcionara da outra vez, funcionaria

agora. Ergueu o queixo.

— E agora, Sr. Hunter? Um repetição da última vez que me teve

sozinha?

— Não Bella, nunca repito.

— Uma variação, então? Mas não tem importância. Não me abalará

e não me fará parar.

— Parar de fazer o quê? Beijar homens? Pegar dois de uma vez?

Talvez não me incomode, se tiver minha parte.

— De beijos? Então a vitória é minha, já que jurou nunca mais me

beijar.

— Talvez eu não esteja me referindo a beijos quando digo que quero

minha parte.

— Estava blefando quando disse que sou sua.

— Eu nunca blefo, queridinha.

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Tudo o que havia de sensato nela insistia para que recuasse, mas o

orgulho provou ser mais forte do que o bom senso. Ele se aproximou e

traçou com o dedo a marca que lhe fizera no pescoço.

— Talvez eu queira mais disto.

Ela engoliu em seco e manteve a expressão neutra, quando seu dedo

escorregou para seus seios.

— Ou disto — sua voz era apenas um sussurro. Ela estremeceu e se

arrepiou.

— Devo dizer que admiro sua capacidade de manter uma expressão

indiferente, mesmo quando seu corpo a trai. Qual devo ouvir, doce Bella?

Seu corpo ou suas palavras?

— Minhas... palavras.

— Acho que não, amor. Seu corpo não mente, mas seus lábios

sensuais, sim.

Ele se moveu perto o bastante para ela sentir seu calor e a suave

carícia de seu hálito. Ergueu o rosto para ele e abriu os lábios.

— Nunca menti para você.

— Nem me disse a verdade. — Suas mãos escorregaram dos ombros

dela e tomaram-lhe os seios, num toque tão delicado que ela quase gemeu.

— Mas veja como eles me falam com doçura, Bella. Sem maldições, sem

desafios, apenas um mudo apelo por mais.

Seus polegares passaram pelos bicos endurecidos através do tecido

do vestido e os joelhos dela enfraqueceram. Como podia deixar que ele

fizesse isso com ela?

Seus braços estavam pesados, mas a língua era bem ágil.

— Está seguro de que conhece a diferença entre repulsa e desejo, Sr.

Hunter?

— Oh, minha cara, pode ter certeza que sim.

As mãos dele se moveram para os botões de seu corpete,

desabotoados tão depressa e com tanta habilidade que ela nem teve tempo

de protestar. Mas quando ele desamarrou as fitas do alto de sua camisa, ela

recuperou o senso e recuou.

— Não há para onde ir — disse ele, seguindo-a até que as costas

dela atingiram a parede. — Interessante que você faça objeções quando já

é tarde demais.

— Tarde demais?

— Na verdade, ficou tarde demais quando você decidiu beijar dois

homens na mesma hora.

— Mas...

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— Tarde demais também para mas. — Ele libertou-lhe os seios,

desceu as mangas do vestido até ele cair no chão, então deu um passo atrás

para examinar o resultado.

— Só a camisa? Sem espartilho? Oh, que menina levada.

— Não podia amarrar sozinha.

— O quê? Sem ajuda? Sem uma camareira? Sem uma... irmã?

Teria havido uma insinuação de ameaça na palavra? O que ele sabia

sobre suas irmãs?

— Ah, bem, não tem importância. Assim meu trabalho fica mais

fácil.

— Sr. Hunter, insisto...

— Andrew — disse ele. — A formalidade parece absurda nas

circunstâncias, não concorda?

— Não! Isso sugere uma familiaridade de que eu não partilho.

Ele riu.

— Oh, Bella, acredite, você logo conquistará o direito de me chamar

como quiser.

Ela se apertou à parede.

— Bem, sim, podemos fazer isso aqui, se quiser, mas pensei que a

cama seria mais confortável.

— O quê?

— Isto... — Ele se debruçou, dobrou a cabeça e mordiscou-lhe o

lóbulo da orelha.

Ela segurou a respiração, meio temerosa, meio seduzida pela

sensação.

— Sua carne é tão doce, Bella. Não me lembro de ter sentido um

gosto tão doce antes. Você é toda doce assim?

Oh, esperava que sim, se isso significava que ele continuaria. Fechou

os olhos e encostou a cabeça na parede, quando ele voltou sua atenção para

seu pescoço. A letargia tornava-lhe os membros pesados e ela mergulhou

os dedos nos cabelos dele, para segurá-lo mais perto. Devia lutar, reagir,

protestar. Ele podia ser o assassino de Cora. Mas como podia acreditar

nisso quando ele fazia coisas tão mágicas com ela?

Ele abaixou as alças da camisa por seus braços, expondo-lhe a carne

à medida que fazia a peça escorregar por seu corpo com o queixo, beijando-

a ao mesmo tempo. Segurando-a com firmeza pela cintura, capturou um

dos bicos túrgidos entre os dentes e deu-lhe uma leve mordida.

— Oh! — Alguma coisa profunda em seu ventre despertou-lhe a

fome por mais. Seus joelhos se curvavam, mas ele a segurava com força,

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suportando seu peso. Continuou a dar atenção aos seios, primeiro um,

depois o outro, até que ela pensou que gritaria de prazer.

O que estava acontecendo com ela? Por que não protestava, apenas

sentindo a antecipação excitante sobre o que ele faria a seguir? E, oh, tudo

o que conseguia pensar era que Andrew Hunter estivera certo o tempo

todo, nunca esqueceria o que ele estava fazendo com ela. Não podia haver

nada mais perturbador no mundo.

Finalmente ele soltou as fitas da camisa, que caiu ao chão. Queria ser

boa e modesta, mas parecia ser tarde demais para isso, especialmente

quando ele voltou a seus seios antes de escorregar a boca para seu ventre,

e ajoelhar-se diante dela. Correu a língua em torno de seu umbigo,

fazendo-a arrepiar de novo.

Voltou à realidade quando percebeu que ele lhe desamarrava a calça.

— Pare!

— Agora não, Bella, e não por muito tempo — murmurou contra

seu ventre. E a calça de seda caiu em torno de seus tornozelos.

Ela gemeu de vergonha. Tudo o que vestia agora eram as ligas, as

meias e as sandálias. Ele segurou-lhe os quadris, mantendo-a imóvel,

enquanto beijava o caminho de descida. Quando percebeu seu objetivo, era

tarde demais para fazê-lo parar.

— Andrew! Ele riu.

— Bella. Finalmente somos familiares o bastante para usar o

primeiro nome.

Ele se levantou e tomou-a nos braços, a lã áspera de sua jaqueta

arranhando sua pele nua. Senhor! Ele estava completamente vestido e ela

completamente nua!

Bem, não completamente. Ele a deitou na colcha de veludo e lhe

removeu as sandálias, olhando-a intensamente enquanto corria a mão pela

perna até as ligas.

— Vamos deixá-las, Bella? Um pouco perverso, talvez, mas já

concordamos que você é uma garota perversa. Hum. Mergulhado na seda

de suas meias ou na seda de sua pele? Não sei o que desejo mais.

Ela usou as mãos para se cobrir, o que o fez rir de novo. Só

conseguia pensar numa coisa que o faria parar.

— Beije-me, Andrew.

Um sorriso suave curvou-lhe a boca.

— Oh, pretendo beijá-la, doce Bella. Mas não seus lábios.

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Ficou imóvel enquanto ele se despia. A vergonha queimou-lhe o

corpo e ela fechou os olhos. Errara o tempo todo. Ele não estava blefando,

pretendia ir até o fim do desafio, da absurda guerra de vontades.

— Você venceu. — Lutou para se sentar, esperando que sua

capitulação o satisfizesse.

— Sim, venci — disse ele, fazendo-a deitar-se e se estendendo ao

lado dela. — Mas pretendo fazer com que você também vença. — Beijou-

lhe a linha do queixo até a orelha e sussurrou: — Diga meu nome, Bella.

Prove que você se entregou.

— Andrew. — Ela suspirou e mergulhou os dedos em seus cabelos,

quando ele abaixou a cabeça para beijar um dos seios. Oh, mentiroso!

Nunca tivera a intenção de parar. Estava apenas puxando-a para o mundo

dele.

Levante-se, advertia sua consciência. Fuja. Ele é orgulhoso demais

para segui-la. Mas seu corpo não deixava. Andrew Hunter estava certo

sobre isso também, suas palavras eram mentiras, mas seu corpo suspirava

a verdade. Queria ficar. Queria esta profunda mágica que ele fazia nela,

sem se importar que fosse errado.

Oh, sim, ela entregaria tudo pelas coisas que ele fazia com ela sobre

aquela cama de veludo verde. Isso a tornava tão má quanto ele.

— Andrew — gemeu, enquanto ele percorria com beijos o caminho

para sua intimidade.

Ela se contorceu sobre a colcha, segurando o tecido com força com

as duas mãos porque temia que, se não se segurasse em alguma coisa,

evaporaria como a neblina da manhã.

Arquejou quando ele encontrou um novo ponto de intenso prazer

para beijar. Sabia o que estava fazendo com ela, sabia que ele também

sentia prazer. Todo o seu corpo formigava, pronto para mais, querendo

mais, precisando de mais.

— Mais... — gemeu.

Ele se moveu para cima dela, separando-lhe as coxas com os joelhos.

Sua voz era tensa quando murmurou:

— Seu gosto é tão doce, Bella. Um néctar diferente de qualquer

outro. Intoxicante...

Beijou-a sob a orelha, passando-lhe a língua até ela estremecer de

prazer.

— Andrew — disse de novo, a única palavra coerente em que

pensava. Apenas nele.

Page 77: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Então ele pressionou em baixo, insinuando aquela parte masculina

de si mesmo dentro do bolso vulnerável que sua boca tinha deixado tão

recentemente. Sua espessura invasora era ao mesmo tempo aterrorizante e

excitante.

— Depressa — arquejou, com medo que ele mudasse de idéia. —

Por favor!

Ele segurou-lhe os quadris, levantou-o e ao mesmo tempo

pressionou para a frente.

— Tão aconchegante — sussurrou. — Quase inviolado.

Ergueu os quadris para ele se aprofundar e sentiu uma pontada

intensa percorrê-la. Gemeu. Estava feito. Mas a imobilidade de Andrew a

surpreendeu. Até aquele momento, fora fluido, movendo-se, seduzindo,

acariciando, criando um ritmo sedutor. Ela abriu os olhos e encontrou os

dele.

— Bella — gemeu, a voz cheia de remorso. — Por quê?

E, de forma absurda, as lágrimas lhe correram dos cantos dos olhos,

molhando-lhe os cabelos. Ele se arrependia de ter feito amor com ela.

Estava zangado por que não lhe contara que era virgem, e não a

cortesã que ele pensava que era. Tudo em que podia pensar era que agora

era realmente tão perversa como ele, tornara-se o que o acusara de ser.

Devia se incomodar por ter entregado sua virgindade, mas não se

incomodava. Fechou os olhos e disse apenas:

— Termine, por favor.

Ele começou a se mover de novo, mais devagar agora, não tão

profundamente, sem tanta urgência. Tirou-lhe os cabelos do rosto e

beijou-lhe os olhos fechados, o nariz e as faces, todo o tempo se movendo

dentro dela, acendendo de novo a paixão e o prazer.

Seus dedos entrelaçaram os dela e ele segurou-lhe as mãos contra o

travesseiro, um gesto ao mesmo tempo inocente e íntimo.

Ela ergueu os quadris para ele e se ajustou ao leve desconforto, com

nova antecipação. Os músculos de Andrew tremiam, como se estivesse se

controlando com grande esforço.

Instintivamente, ela foi ao encontro de suas investidas gentis. Ele

libertou-lhe as mãos e começou a acariciá-la de novo, para fazê-la esquecer

as inibições. Quando a tensão atingiu o ponto de febre e ela arqueou a

cabeça contra o travesseiro, ele investiu com mais força, mais

profundidade, até ela estremecer com as ondas quentes de prazer que a

tomavam e que se tornaram um pesado langor.

Page 78: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Andrew se sentou no peitoril da janela, respirando o ar frio da noite.

Precisava clarear os pensamentos, encontrar o sentido da última hora.

Em que ela estava pensando, maldição? Por que não lhe contara?

Por que não o fizera parar?

Ah, mas tentara. Os tímidos mas e os pequenos desafios para fazê-lo

parar. Sua hesitação, sua falta de sofisticação. Finalmente, sua admissão de

derrota. Todos os sinais estavam lá e ele os ignorara em sua ansiedade e

raiva.

Ademais, ela não gritara com ele, não o amaldiçoara ou lhe batera, o

que ele merecia. Mas a expressão daqueles belos olhos cor-de-avelãs,

quando as lágrimas correram por suas faces, tinha sido suficiente para

fazê-lo pensar em castração. A lembrança de seus suaves depressa e

termine, por favor, percorreu-o como uma faca. Ela não conseguira fazê-lo

entender, ou parar, então tinha apenas pedido que acabasse logo.

Deus! Pensar que pudera fazer uma coisa dessas a ela...

Olhou para a cama e para a forma imóvel de Bella. Ficara tão fraca e

letárgica que a cobrira e a deixara dormir. Mas tinha saído da cama,

sabendo que seu desejo ingovernável o faria seduzi-la de novo se ficasse

perto dela. Quando acordasse, a levaria para casa, mas primeiro tiraria a

colcha e a faria desaparecer, não deixaria indícios do que fizera a ela. Então

mentiria sem escrúpulos para proteger sua reputação, juraria que nada

acontecera, apenas uma discussão e um acordo.

Por que ele, entre todos os canalhas e vilões da cidade, tinha sido o

que a violara. Tinha que compensá-la, dar-lhe tudo que quisesse. Ele lhe

entregaria sua fortuna, lhe arranjaria um marido que ela pudesse amar e

em quem confiasse. Juraria nunca mais importuná-la de novo, qualquer

coisa. Para nunca mais ter que ver aquelas lágrimas.

Mas o problema era ainda mais profundo do que simples remorso.

Depois disso, estava ainda mais confuso sobre os motivos de Bella.

Virgem, por Deus, e beijando todos os homens que encontrava na

sociedade! Tinha cometido suicídio social. Por quê? Qual o significado que

um beijo tinha para ela?

Não podia mais fazê-la parar. Não podia mais interferir. Mas como

poderia ficar de lado e vê-la oferecer os lábios a outros homens?

Que ironia cruel! Quisera sentir de novo, experimentar alguma

emoção humana, assim os deuses tinham sorrido e lhe deram culpa. E

acrescentaram afeição para completar, mas apenas depois que toda a

esperança de conquistar o que descobrira estava perdida. Ao invés de

redenção, encontrara um novo nível de inferno.

Page 79: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Capítulo Onze

Bella chegou à janela a tempo de ver o coche se afastar. Andrew

esperara até ela acender a luz. Cuidadoso? Ou apenas se certificando de

que ela ficaria em casa o resto da noite?

A ida para casa no coche fora desconfortável. Andrew parecia não

saber o que dizer e ela se sentia tímida.

Céus! O homem a vira nua! O que ainda tinha para esconder? Eles

mal se falaram ou se tocaram, a colcha de veludo verde manchada com seu

sangue amontoada no assento entre eles. Ele a havia tirado de Thackery's

por uma porta dos fundos e ambos tomaram um coche que já estava à

espera. Ele jurara que nunca diria a ninguém o que haviam feito e lhe

pedira para negar que alguma coisa tivesse acontecido no quarto além de

uma conversa. Sabia que ele não se arriscava a nada, assim a preocupação

era com ela. Uma parte dela, a parte racional, estava aliviada por ele ser

tão pragmático, mas a outra parte tremia de vergonha e constrangimento.

Tinha sido tão desajeitada que ele não via a hora de se livrar dela? Agora

que ele a conhecia, não ia mais querer saber dela? Bem, não tinha acabado

completamente com ela, desde que prometera que se encontrariam em

breve para discutir seu futuro.

Que futuro? Só pensava em encontrar o assassino de Cora. Não se

esquecia de que não beijara Andrew, não sabia se podia eliminá-lo como

suspeito. Naquela noite, durante toda a sedução, ele a tinha beijado em

toda parte, menos nos lábios. Por quê?

Seria ainda por que era um ponto de honra para ele, de que não faria

parte dos que ela havia beijado, sem contar a primeira tentativa que não

dera certo?

— Bella! Tem certeza de que está bem? Está tão pálida... — disse

Gina, que a esperara.

— Estou apenas cansada, Gina.

— Precisa de ajuda?

— Não! Quero dizer, posso me despir sozinha.

— Ótimo. Então podemos ambas descansar. Temos que estar na

casa de Lockwoods às oito da noite. — Jogou-lhe um beijo e saiu.

Droga! O jantar. Como pudera esquecer? Precisava inventar uma

desculpa e ficar em casa, tinha muito em que pensar.

Page 80: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Por que descobrira que amava Andrew Hunter, por nenhuma razão

em particular além de seu olhar e da desolação em sua alma.

Por que fizera uma confusão impossível de seu relacionamento com

segredos e mentiras.

Por que não havia nada que pudesse fazer para consertar as coisas.

E por que esta noite, depois do jantar, sairia escondida, para beijar

homens de cabelos e olhos escuros que frequentavam a sociedade.

Andrew esperou, inquieto, que Wycliffe terminasse de assinar a

correspondência. Não conseguia imaginar por que fora chamado.

Naquela noite Hank lhe levaria informações sobre uma hora e um

lugar para o próximo "jogo de sangue". Estava perto de descobrir tudo o

que Wycliffe precisava para acabar com os assassinatos e arriscava muito

ao vir aqui. Mas acreditava que Wycliffe omitira algumas informações.

O homem deixou a caneta e empurrou a pilha de papéis para o lado.

— Obrigado por vir, Hunter.

— Prostitutas — disse Andrew sem preâmbulo. — Minha fonte

disse que prostitutas estão desaparecendo, mas você falou em mulheres

inocentes.

Wycliffe pareceu um pouco surpreso.

— Isso faria diferença?

— Sim, faria. Procurava uma conexão na sociedade. Você me indicou

a direção errada.

— Não deliberadamente. A princípio pensamos que fossem dois

casos separados. Sem os corpos, como poderíamos saber? Podiam ter

fugido, mudado de prostíbulo. Só recentemente fizemos uma conexão,

quando um corpo com as mesmas marcas foi encontrado. Ainda

acreditamos que os homens que estão se engajando nesta. .. atividade... são

da sociedade.

— Por que mandou me chamar?

Wycliffe serviu conhaque a ambos.

— Disseram-me que você está interessado numa mulher conhecida

como Lady Lace.

— O que isso tem a ver com o nosso assunto?

— Na verdade, muito. Culpo-me por não ter lhe contado antes.

Apenas pensei que seria melhor assim. Errei.

— Você não suspeita dela?

Page 81: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Deus, não. Você se lembra da primeira vez que lhe pedi que nos

ajudasse? E lhe falei sobre uma jovem que fora estuprada, mutilada e

jogada numa pilha de lixo?

Andrew acenou.

— Aquela moça era irmã de Lady Lace.

Andrew tentou assimilar a informação. O que dissera Wycliffe?

Recém-chegada à cidade para a estação? Boa família? Mas...

— Fui à casa dela, informar à família, quando, então, encontrei a

mulher conhecida como Lady Lace. Como era a mais velha, levei-a ao

hospital para identificar a irmã. Foi uma cena muito comovente, e acho que

a irmã se agarrou à vida o tempo suficiente para dar adeus a Lady Lace e

incumbi-la de encontrar seu assassino. Para ser preciso, suas palavras

foram "Vingue-me". E Lady Lace prometeu.

Andrew tentou imaginar Bella junto à irmã moribunda. Esta, então

era a razão de seus vestidos pretos, mas seria a causa das sombras em seus

olhos, dos momentos de súbita tristeza e sua determinação de beber? Ah,

sim. Ele mesmo bebera muito para esquecer.

— Você não me disse que a vítima foi encontrada viva. O que mais

ela disse?

— Tinha me afastado para lhes dar privacidade. Já havíamos

interrogado a moça, para encontrar sua família, e ela nos disse que seu

raptor e ela se encontraram muitas vezes no parque para namorar, mas ele

lhe deu um nome falso. Sabia apenas que era alto e moreno e isso não

ajuda. Mas ouvi uma parte da conversa que teve com a irmã, uma coisa que

não nos contara. Havia alguma coisa peculiar sobre o beijo do homem.

— Alguma coisa peculiar sobre o seu beijo? O que era?

— Não sei, Lady Lace não contou.

Era por isso que Bella beijava todos os homens de sociedade que

encontrava. Procurava o assassino da irmã, identificável apenas pelo beijo.

O homem certo. E ele a considerara uma cortesã um busca de um protetor!

— O que mais? — perguntou.

— Depois que Lady Lace prometeu vingá-la, a moça morreu. Antes

que eu pudesse lhe fazer perguntas, a mãe e outras duas irmãs chegaram.

O resto foi histeria. Nossa Lady Lace foi o alvo da revolta da mãe. Não sou

muito dado a ter simpatias, mas ela teve a minha. De suas visitas ao meu

escritório, percebi que Lady Lace é a espinha dorsal da família desde a

morte do pai. A mãe é incompetente e a vítima era sua filha favorita. Foi

muito dura com Lady Lace e a considera responsável por não cuidar

direito da irmã.

Page 82: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Lace... Qual é seu verdadeiro nome, Wycliffe?

— Se ela não lhe contou, Hunter, não vou contar também. Pelo

menos isso posso fazer por ela.

Andrew deu de ombros. Cedo ou tarde descobriria.

— Quando tudo isso começou?

— Encontramos a moça no fim de maio. Durante o mês seguinte,

Lady Lace veio todos os dias ao meu escritório, pedindo notícias, mas não

tínhamos nada. Chegamos à conclusão de que ela era a chave para a

solução do problema e disse a ela que tínhamos interrompido as

investigações e que não faríamos mais nada no caso da irmã dela, a menos

que tivéssemos mais informações.

— Mas vocês não abandonaram as investigações, não é? Você

mentiu para ela, induziu-a a fazer a investigação sozinha. Você a deixou

pensar que ela era o único instrumento de justiça para a irmã.

— Encontrávamos mais corpos então, Hunter. Estávamos

desesperados. Ainda estamos.

— Ela poderia ter sido assassinada!

— Tomamos todas as precauções para impedir isso. Um dos meus

melhores agentes secretos está cuidando dela.

— Eu cuidei dela e não vi sinal do seu agente.

— Você não veria, ele é bom no que faz. Mas você também é meu

agente. Eu o coloquei perto de Lady Lace para isso, entre outras coisas.

— Seu plano era nos reunir?

— Sim. Esperava que formassem uma aliança. Infelizmente, pelos

relatórios que recebi, vocês se tornaram adversários. Soube que está

tentando tirá-la de cena.

Deus, o que não daria para ter essa informação uma semana ou

mesmo um dia atrás...

— Ontem, Lady Lace voltou ao meu escritório, me implorando para

reabrir o caso da irmã. Estava desesperada, disse que teme ser

desmascarada depois que ela e as irmãs entrarem na sociedade.

— Você permitiu que ela arriscasse a vida e arruinasse sua

reputação usando-a como iscal? Inferno, Wycliffe, você é um homem ou

um monstro?

— Um monstro, sem dúvida, e pagarei por isso no inferno.

Mencionei que estamos desesperados? E você, Hunter? Seus confrontos

com ela foram notados. Desista. Se não puder ajudá-la, pelo menos não

atrapalhe. Dependo dela para atrair a atenção do nosso vilão e estou lhe

pedindo que seja um cavalheiro.

Page 83: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Um dia tarde demais para ser um cavalheiro, maldito.

— Não pense em lhe revelar meu plano. Ela ainda honraria a

promessa à irmã, mas se souber que a vigiamos, pode ficar descuidada. Não

quero que saiba que você está envolvido.

— Então por que mandou me chamar? Parece que você domina a

cena e não há nada para eu fazer.

— Não lhe cause impedimentos. Ajude-a ou deixe-a sozinha.

Ajudá-la e se submeter à doce tortura de ficar perto dela, submetê-la

ao perigo de seu desejo ingovernável? Ou abandoná-la e deixá-la a mercê

dos monstros do mundo, inclusive Wycliffe? De qualquer maneira estava

amaldiçoado.

Alguma coisa estava errada, Andrew percebeu assim que entrou no

bar em Petticoat Lane. A conversa não era tão alta, metade dos ocupantes

olhava cada pessoa que entrava e a multidão se separou para deixá-lo se

aproximar do balcão.

O dono o ignorou até ele bater no balcão para chamar sua atenção.

Aproximou-se com uma expressão fechada. Precisava descobrir o que

estava acontecendo, se havia alguma coisa a ver com ele.

— O que quer?

Andrew deixou uma moeda cair no balcão.

— Uísque.

Instantes depois, um copo estava diante dele. Segurou o braço do

dono quando ele se virou.

— O que está acontecendo aqui?

— Como se você não soubesse.

— Conte assim mesmo.

— Hank não vem.

— E por quê?

— Morto.

Andrew disfarçou o choque. Quem quer que levasse a melhor com

um homem como Hank devia ser muito treinado e extremamente perigoso.

— Como aconteceu?

— Assassinado. Uma faca nas entranhas.

— Por que acha que eu saberia disso?

— Ele estava fazendo perguntas para você.

— Como sabe?

— Todo mundo sabe. Não há segredos nos cortiços.

Page 84: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Mas como sabe que foi assassinado por causa das minhas

perguntas? Pode ter sido por outro motivo qualquer, um inimigo.

— É, ele tinha alguns. Mas foi a forma como foi morto.

— Como?

— Esfaqueado, com a besta desenhada nele.

— Besta? De que diabos está falando?

— O maldito dragão. Foi um aviso, significa "não faça perguntas".

Dragão? O que tinha um dragão a ver com... praga! Um dragão

voador!

De acordo com Wycliffe, a irmã de Bella fora encontrada com um

dragão voador desenhado com sangue no abdome. Sim, isso ligaria Hank

às perguntas de Andrew. Wycliffe estava certo de suspeitar de alguém da

sociedade.

Deixou cair outra moeda no balcão.

— Ouviu falar nisso antes? Usar um dragão voador desenhado com

sangue como um aviso?

— Sim, é a marca da Blood Wyvern Brotherhood4. Desta vez

Andrew não conseguiu esconder a surpresa.

— O que diabos é a Blood Wyvern Brotherhood?

— Ninguém sabe. A marca aparece e todo mundo some.

Andrew pensou depressa. Depois do que acontecera a Hank,

dificilmente conseguiria outro informante. Precisava fazer perguntas e esta

era a melhor hora.

— Hank ia me trazer uma hora e um lugar. Sabe alguma coisa?

O dono do bar dirigiu-lhe um olhar de incredulidade e se virou.

Andrew segurou-o pelo braço.

— Um nome, então. Hank me disse que algumas garotas locais

desapareceram.

— Fale com um homem chamado Wilson. Eram garotas dele. Isso é

tudo o que direi.

E afastou-se.

Andrew bebeu o uísque e se voltou, para encontrar Jamie em pé

atrás dele.

— Que diabos está fazendo aqui?

— Estava procurando por você. Em que se meteu, Drew?

— Quanto você ouviu?

4 Irmandade do Dragão Sangrento. (Nota da tradutora)

Page 85: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— O bastante para ficar preocupado. Que perguntas estão causando

assassinatos?

— É melhor ficar fora disso, Jamie. Quanto menos souber, mais

seguro estará.

Jamie olhou para ele, cheio de dúvidas.

— Pelo que ouvi, você pode ser assassinado. Parece que precisa de

um amigo, alguém em quem possa confiar.

Andrew lembrou-se de outro nome, Devlin Farrell, o rei não-oficial

dos cortiços de Whitechapel. Ajudara Farrell a se livrar de um problema

anos antes. Podia ser a hora de cobrar o favor. Mas não antes de uma

última tentativa. Não era bom dever a Farrell.

— Acho que devemos procurar Lockwood. Ele tem grande

experiência nessas questões. Talvez tenha algumas idéias sobre como

conseguir informações.

— Ele está dando um jantar esta noite.

— E não nos convidou? Deve haver algum erro.

Ambos riram.

— Estou certo de que ele gostaria que conhecêssemos seus

convidados. Vamos dar um pulo lá?

— A que devo esta visita súbita? — perguntou Lockwood quando

fechou a porta da biblioteca.

Andrew fingiu uma expressão magoada.

— Só viemos para ver como a aristocracia vive. Agora que fomos

excluídos...

— Maldição, vocês me pegaram. A verdade é que estamos recebendo

as protegidas de Lady Vandecamp, recém-chegadas a Londres. Ela me

pediu para não convidar meus irmãos, a menos que pudesse garantir que

eles abandonaram seu comportamento reprovável.

— Ah, somos muito maus para conhecer essas frescas flores-do-

campo? Bem, concordo. E confesso que garotas-do-campo não me atraem,

assim Lady V. e eu estamos de acordo.

— Estou de acordo com Drew — disse Jamie.

— Então por que vieram?

— Seus antigos contatos e experiência. Lembra-se do problema de

que lhe falei? Bem, encontramos algumas dificuldades. Não estou

conseguindo as respostas de que preciso e queria saber se você tem algum

conselho para mim. Qualquer contato será útil.

— Puxa, isto é tão misterioso... — disse Jamie — Em que está

metido, Drew? É sobre Lady Lace?

Page 86: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Só estou satisfazendo minha curiosidade. Ouvi rumores que

gostaria de conferir.

— Se fosse tão simples como fazer uma pergunta, Drew, não haveria

nem mistério nem problema. Você tem uma vantagem, as pessoas certas,

ou erradas, o conhecem e confiam em você, mas não é uma delas. Sei que

há alguma coisa estranha acontecendo.

— Sim. Conte-me o que sabe sobre um dono de bordel em

Whitechapel chamado Wilson.

— Ah, é um canalha da pior espécie. Venderia a própria mãe por um

punhado de moedas. Segundo boatos, espanca as garotas que voltam com

pouco dinheiro.

— E algumas de suas garotas desapareceram?

— Parece que sim, e aposto que está envolvido nisso.

— Seria capaz de matá-las?

— Facilmente.

— Ele as venderia para...

— Algum uso mais vil? Sim, se o pagamento fosse bom.

— O que faria com elas depois?

— Montes de lixo? O rio? Carroças para o campo? Há muitas

formas de um homem determinado se livrar de bagagem inútil.

— Vocês beberam demais ou estão falando sobre se livrar de

corpos? — perguntou Jamie.

— Melhor ficar fora disto, Jamie, explico depois, se você quiser.

— Você falou com Devlin Farrell? — perguntou Lockwood.

— Vou conversar com Wilson primeiro. Se falhar, procuro Farrell.

— Um plano excelente. Então, se isso é tudo?

— Ansioso para voltar para seus convidados?

— É a coisa educada a fazer.

— Puxa, como o casamento o mudou, irmão. — Andrew se dirigiu à

porta da biblioteca. — Jamie e eu conhecemos a porta da rua.

Lockwood riu e os acompanhou. Ao chegarem à porta, ouviram as

vozes. Os convidados para o jantar cruzavam o hall de entrada a caminho

da sala de estar. Algumas mulheres, distraídas com a conversa, quase

esbarraram neles. Deveriam ser as jovens a quem Lady Vandecamp não

queria que Andrew, Jamie e Charlie fossem apresentados.

O perfume, a curva do pescoço, a cor rica de seus cabelos... Lady

Lace! Meio segundo depois, ela olhou para cima e encontrou seu olhar.

Ficou pálida e logo depois duas manchas rosa apareceram em suas faces.

— Oh, desculpe — disse uma das irmãs.

Page 87: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Não há de quê — disse Lockwood. — Estava me despedindo de

meus irmãos.

— Irmãos? — Lady Lace olhou de Lockwood para ele, depois para

Jamie.

Quando seu olhar voltou a ele, ficou mais ruborizada. Daria um ano

de sua renda para saber o que estava pensando. Sobre a noite passada? Ou

temerosa de que ele a denunciasse a Lockwood e suas irmãs? Depois de

sua conversa com Wycliffe, ela estava a salvo, pelo menos dele.

Quanto a ele, sentiu um calor forte. Ela o trairia? O que fizera na

noite passada fora quase um estupro. O que quer que ela fizesse, ele

merecia.

Mas ela nada fez, apenas ficou parada lá, parecendo perdida e quase

apavorada. Ele lançou um olhar de advertência a Jamie, que acenou de

leve. A mais jovem das três sorriu.

— Lorde Lockwood, por que não nos apresentou?

— Eles tinham outro compromisso, Srta. Lillian.

— Mas estão aqui agora.

— A negócios, e já estão saindo.

— Que pena. Mas certamente poderemos ser apresentados.

Lady Vandecamp chegou, olhando-os com severidade.

— Ah, aqui estão vocês, meninas. Saem de perto de mim por um

segundo e já estão em apuros.

— Apuros? — perguntou a mais jovem. — O que foi que fizemos?

— Arranjou esta visita "espontânea", Lockwood? — perguntou

Lady Vandecamp com ceticismo.

— Foi inesperada, tem minha palavra.

— Ah, Lady Vandecamp, que prazer vê-la novamente — disse

Andrew, disfarçando seu divertimento enquanto lhe tomava a mão e se

curvava sobre ela.

Lady Vandecamp suspirou com resignação. Dadas as circunstâncias,

não podia proibir as apresentações sem ofender Lockwood, que se curvou

ao inevitável.

— Tenho o prazer de lhes apresentar as irmãs 0'Rourke. Srta.

Isabella — e Bella fez uma cortesia discreta —, Srta. Eugenia e Srta.

Lillian. — As duas seguiram o exemplo de Bella. — São de Belfast e estão

visitando Londres. Senhoras, tenho o prazer de lhes apresentar meus

irmãos Andrew e James Hunter. Se Charles estivesse aqui, conheceriam

todos.

Isabella O 'Rourke. Gostou do nome dela. Curvou-se e sorriu.

Page 88: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Senhoras, a estação melhorou muito com sua presença.

Jamie também se curvou e murmurou um cumprimento educado.

— Agora que se conheceram, vamos — disse Lady Vandecamp

levando-as para a sala de estar.

Apenas Bella olhou para trás, fato que Lady Vandecamp não deixou

escapar, embora não percebesse que Andrew formara as palavras mais

tarde.

— Não faça planos sobre minhas protegidas, Sr. Hunter. Pretendo

mantê-las bem longe de gente como o senhor e seus irmãos. Elas são

inocentes demais para lidar com tratantes como vocês.

— Estou certo de que aprenderão bem com a senhora, Lady

Vandecamp. Sem dúvida vão nos ignorar sempre. Mas fique avisada,

pretendo conquistar sua aprovação.

A leoa social mostrou enorme satisfação.

— Tem um longo caminho à frente, Andrew. E você também,

James. Enquanto isso, deixem as irmãs 0'Rourke em paz.

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Capítulo Doze

Mais tarde? O que Andrew Hunter queria dizer com isso? Bella

abriu a cortina e olhou a rua escura. O relógio bateu meia-noite. Estaria

ele lá fora, esperando?

Uma sombra se moveu no parque, do outro lado da rua e ficou à

vista. Andrew. Ele olhou a janela e tirou o chapéu. Ela fechou a cortina,

apagou a lâmpada e vestiu a capa. Um olhar cauteloso no corredor lhe

mostrou que todas dormiam.

Quando abriu a porta, encontrou Andrew a sua espera.

— Obrigado por não me desapontar, Srta. 0'Rourke. Estranhou a

formalidade e adotou o mesmo grau de sofisticação.

— Não poderia recusar, senhor. Com sua constante ameaça de me

denunciar, estaria certo de que viria quando quer que chamasse.

— Lamento por isso, lamento por quase tudo. Agora tudo mudou.

— O que mudou?

— Vamos caminhar, Srta. 0'Rourke, ou chamar um coche e passear

pelo Hyde Park?

— Caminhar — respondeu.

Ele lhe ofereceu o braço e ela o ignorou. Melhor não tocá-lo, até isso

poderia lhe fazer perder a resolução. Ele deu de ombros e começou a

caminhar em direção a Stafford Row e de lá, para o rio.

— Srta. 0'Rourke, por que não me contou que era virgem?

— Não tinha motivos para achar que o senhor acreditaria em mim.

Teria sido a primeira vez, se acreditasse.

— Tem razão, não acreditaria, seu comportamento não me levaria a

isso.

— Eu sei, minha culpa, acho. Deve ter ficado terrivelmente

desapontado.

— Desapontado? Oh, Bella, há outras palavras para descrever como

me senti. Chocado é a primeira. Depois horrorizado com meu

comportamento. E triste por ser tarde demais para desfazer o que fiz.

— Tentei adverti-lo...

— Estou consciente disso e levarei minha culpa ao túmulo, Srta.

0'Rourke. Não espero que me perdoe e compreenderei se fizer queixa

contra mim, mas queria falar com você primeiro sobre suas opções.

— Opções?

Page 90: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Não posso compensá-la pela perda da sua... isto é, não há como

substituir o que perdeu, mas minha fortuna está a sua disposição. Diga

quanto precisa para garantir seu futuro e pagarei sem reclamar. Além

disso, juro discrição eterna, ninguém saberá por mim o que aconteceu na

noite passada. Se preferir dar queixa de mim e me denunciar como o vilão

que sou, confessarei sem hesitação. Se, para proteger você e a sua família, e

ignorar tudo eu nunca mais a incomodarei, estou pronto para ficar longe

de você. Mais ainda...

— Pare! — Dissera tanta coisa que mal sabia por onde começar.

Como era humilhante saber a que ponto estava disposto a ir para ficar livre

dela. Tentou organizar seus pensamentos e reunir o que ainda tinha de

orgulho. Decidiu discutir o que ele dissera no começo.

— Não lhe contei sobre minha condição porque não achei que fosse

relevante, ou que o senhor tivesse interesse particular no assunto. Quando

percebi que não estava blefando e pretendia ir até o fim com sua sedução...

bem, naquela hora tive alguma cumplicidade e, para ser franca, eu... —

olhou para baixo, o rubor queimando-lhe as faces. — Eu deixei de me

incomodar.

— Srta. 0'Rourke, não poderia saber as consequências.

— Não sou uma simplória, senhor. É claro que sabia. E devia ter

sido mais vigorosa nos meus protestos, mas, bem, não fui e isso é culpa

minha, não é?

— Não. — Sua voz era enfática, como se insistisse em assumir toda

a culpa.

— Então, o senhor compreende, não precisa se preocupar em me

pagar, em comprar meu silêncio ou em passar a vida na prisão. Quanto a

suas outras ofertas, ficaria grata se guardasse nossa indiscrição para si

mesmo. Não quero enganar ninguém, apenas salvar a reputação de minha

família. Se não pode fazer isso por mim, faça por elas. E se pretende me

evitar, senhor, terá que mudar seus hábitos.

— Evitá-la?

— Preciso continuar o que estou fazendo. Por favor, fique fora do

meu caminho.

— Espera que fique de lado e permita que você continue a arruinar

sua reputação?

— Não pode me impedir, Sr. Hunter, só tornar tudo mais difícil.

Ele parou e voltou-a para si. Parecia lutar para encontrar as

palavras, enquanto lhe ajustava o capuz e lhe tirava os cabelos da face,

carinhos tão doces vindos de alguém tão duro como Andrew.

Page 91: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Não tentarei impedi-la, mas não me afastarei. De algum modo,

Srta. Isabella 0'Rourke de Belfast, terá que encontrar um meio de lidar

comigo. Agora venha. É hora de voltar para casa, onde estará segura na

sua cama.

Depois de deixar Bella em casa, Andrew foi aos cortiços em busca de

John Wilson, dono de bordéis e provável fonte de informações sobre os

crimes que atormentavam o Home Office.

— Andrew Hunter! Já ouvi falar de você. O que quer?

Andrew olhou o quarto luxuoso em meio à miséria dos cortiços,

fruto do trabalho de incontáveis mulheres.

— Você parece estar rico, Wilson.

— E fácil conseguir o que as pessoas querem. São previsíveis.

— Sem surpresas?

— De vez em quando, mas raras. Sente-se.

— Não, obrigado, não vou demorar.

— Então, o que quer?

— Estou procurando duas garotas, mas não consigo encontrá-las.

Pensei que saberia onde estão, já que são suas.

— Está sugerindo alguma coisa, Hunter?

— O quê, por exemplo?

— Que eu tive alguma coisa com o desaparecimento das minhas

garotas.

— Seria lógico, não é?

— Sabe o nome delas?

— Não é necessário. Ambos sabemos do que falo.

— Acha que é esperto, não é? Bem, o que quer que esteja

procurando, não vai conseguir de mim.

Andrew tirou um maço de notas do bolso e o estendeu a Wilson.

— Prefiro deixar que meu dinheiro faça as perguntas. Houve um

longo silêncio.

— Está trabalhando para os guardas? Andrew riu.

— Ora, Wilson, você disse que me conhece. O que acha?

— Não sei. Tem amigos que podem lhe dar respostas melhores. Só

sei que as garotas vão fazer um trabalho e não voltam.

— Você recebe dinheiro por elas.

— Sinto falta delas, gostaria que voltassem.

— Mas não podem, não é? A menos que fossem "Lázaros".

— O que o faz pensar assim?

— Adivinhei, a julgar pelas jóias novas que usa.

Page 92: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Não gosto do que está insinuando.

— Está bem, nada de insinuações. Estou no mercado para alguma

coisa exótica e quero saber se é você que pode me fornecer.

Mostrou as notas de novo.

— O que entende por exótico?

— O mesmo que arranjou antes. Sua garota não voltará.

Wilson pensou um pouco, olhando as notas.

— Você me surpreendeu, Hunter, não esperava isso de você. De

alguns de seus amigos, sim.

Amigos? Era tarde demais, percebeu que tinha se traído.

— Não tenho nada para você, Hunter. Vá embora. Em que diabos se

metera? Em que diabos seus amigos tinham se metido? E que amigos?

Bella esperou por Gina na sala de estar. Todas já haviam tomado o

café da manhã, menos Gina.

Quando voltara de sua caminhada com Andrew, vira luz no quarto

de Gina. E esta manhã, percebera que o quarto estava trancado.

Estava inquieta, com um mau pressentimento. Voltou ao quarto de

Gina e bateu de novo, mais alto, e chamou a irmã.

Ouviu um barulho e o som de passos inseguros até a porta. Gina

abriu apenas uma fresta. Bella empurrou-a, entrou e viu Gina, a aparência

horrível.

— Gina! Está doente? O que aconteceu?

Foi à janela, abriu as cortinas, mas Gina gemeu com a luz. Bella

fechou-as e olhou em torno. As roupas estavam espalhadas pelo quarto.

— Por que não me chamou?

— Às quatro da madrugada? Bella olhou para irmã, assustada.

— O que você fez? Onde foi?

— Fazia a minha parte para cumprir a promessa a Cora.

— A promessa é minha. O que você fez?

— No jantar na casa de Lockwood ouvi alguns homens falando

sobre o Royal Cockpits. Haveria uma luta e sabia que era o lugar ideal

para encontrar alguns libertinos e jogadores.

— Você foi lá? Não acredito!

— Não cheguei a ir. Encontrei um grupo de pessoas do lado de fora

de um teatro. As mulheres eram cortesãs e os homens acharam que eu

também era.

— Esta foi a última vez que você sai à noite. Não faça mais isso,

prometa.

Page 93: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Quando você fizer a mesma promessa, Isabella.

— Você beijou alguém?

— Não tive coragem. Como faz isso, Bella? Noite após noite?

— Você perde um pouco da sua alma. Mas não seja tão tola de novo,

Gina. Alguém a reconheceu?

— Não fui a lugar nenhum, como poderiam me reconhecer?

Lembro-me apenas que o único homem que quis me beijar se chama

Henley. Não sei por que, mas não gostei dele.

— Sr. Henley? É louro? Gina acenou.

Um dos amigos de Andrew. Não era alto nem moreno, mas se era

um dos amigos de Andrew, Gina provavelmente encontrara o grupo a que

pertencia o assassino de Cora.

— Vou sair esta noite, Gina. Lady V. não marcou nada para nós e

acho que teremos poucas noites livres no futuro. Por favor, fique em casa,

mamãe pode precisar de alguma coisa.

— Oh, sim. Depois da noite passada... sabe, estavam bebendo um

vinho da pior qualidade. Tinha gosto de enxofre.

— Enxofre?

Teria Gina encontrado o grupo que procurara tanto? Nunca sentira

um gosto amargo em todos os beijos que dera. Poderia ser enxofre.

— Gina, lembra dos nomes deles? Ou onde eles a levaram?

— Não sei, fomos de coche.

— Como voltou para casa?

— Acho que me trouxeram.

Deus do céu, sabiam onde viviam e podiam encontrar Gina de novo.

— Os homens... eram da sociedade, Gina? Consegue se lembrar de

algum nome, além do Sr. Henley?

— Não. Por que está tão zangada, Bella? Só tentei ajudar.

— Você está ajudando, Gina. O que aconteceria se você não

estivesse aqui para enganar mamãe?

— Mas o tempo está ficando curto, Bella. Se não encontrarmos logo

o assassino de Cora, você será reconhecida na sociedade.

— Não pense nisso agora. Mas pretendo fingir que estou doente

para não sair com Lady V a partir de amanhã. Ficarei em casa e, quando

vocês voltarem, sairei como Lady Lace. Quando encontrar o assassino,

informarei a Lorde Wycliffe e voltarei para Belfast. É a única maneira de

evitar um escândalo que envolva você e Lilly.

Foi até a porta, voltou-se e disse;

Page 94: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Agora tome um banho, irmãzinha, e se lembrar de alguma coisa

sobre ontem à noite, me procure.

Andrew encontrou Devlin Farrell na sala dos fundos de um bar

próspero em Petticoat Lane. Estava sentado atrás de uma escrivaninha e

parecia mais um homem de negócios do que um bandido.

— Andrew Hunter. Sempre me perguntei quando o veria de novo.

Andrew sorriu.

— O que quer de mim?

Farrell não mudara, ia sempre diretamente ao ponto.

— Respostas, se tiver. Sugestões, se não tiver. Farrell serviu uísque

aos dois.

— Foi há muito tempo, Hunter. Pensei que havia esquecido que lhe

devo um favor.

— E tinha, até que surgiram circunstâncias que me fizeram lembrar.

— Interessante. Que circunstâncias?

— Este é o grande problema. Não consigo respostas porque estou

adivinhando as perguntas.

— Conte-me o que adivinhou.

— Sacrifício humano.

Farrell se levantou, fechou a porta e se sentou de novo.

— Por que ficou curioso?

— Ouvi boatos em que não consigo acreditar.

— Há mais nisso do que diz, Andrew. Você não faria isso só por

curiosidade.

— Pensei que conhecia todas as perversões em Londres, mas esta é

novidade. Gostaria de participar de uma diversão tão exótica.

Farrell riu.

—Agora sei que está mentindo. Alguns dos seus amigos não têm

escrúpulos, mas você tem.

— Mesmo assim...

— O que o faz achar que eu me meteria num negócio desses?

— Não sei se está metido ou não, Farrell, mas sei que conhece tudo

nos cortiços.

— Lamento, Hunter.

— Então, o que pode me contar sobre a Blood Wyvern

Brotherhood?

— Então sabe mais do que está me contando.

— Agora já lhe contei tudo o que sei.

Page 95: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Conhecimento é poder, Hunter. Os que o têm são invejados,

odiados. Se souberem demais, passam a ser um risco e sua vida está em

perigo. Antes de me fazer mais perguntas, esteja certo de que quer as

respostas e de que está disposto a aceitar as consequências desse co-

nhecimento.

— Estou preparado.

Farrell olhou-o longamente e finalmente disse:

— Irmandades são os jogos e os enfeites da sociedade, Hunter. Os

homens que está procurando são da sua espécie, não da minha.

— Já adivinhara isso.

— Quanto ao jogo deles, sim, ouvi boatos.

— Preciso de uma hora e lugar para o próximo. Se conseguir, todas

as dívidas serão canceladas.

— Não me envolvi nisso porque não me diz respeito nem ao meu

pessoal e não acontece no meu terreno.

— Agora é você que está mentindo. Já sei que diversas prostitutas

locais desapareceram.

— Garotas desaparecem o tempo todo. Mas você está certo, as

mulheres sobre as quais ouviu não desapareceram. Estão mortas. Algumas

foram encontradas pelos guarda de manhã. Outras... bem seus corpos

foram encontrados e enterrados com decência. Suas mortes foram

horríveis, mesmo para os padrões dos cortiços, e evitamos atenção

indesejada. Demos o aviso e as garotas pararam de sumir.

— Houve alguma particularidade nos assassinatos?

— Um triângulo cortado em suas testas, sangradas pelos pulsos, um

dragão voador desenhado em sangue em seus ventres e suas partes

privadas mutiladas. Certamente foram estupradas antes, ou durante. É isso

que você quer saber?

— Sim. É disso que preciso.

— Sua vez, Hunter. O que vai fazer com esta informação?

— A Irmandade voltou sua atenção para uma presa diferente.

Virgens. Jovens da sociedade.

— Soube disso. Haverá mais um rito na sexta-feira, depois da meia-

noite.

— Sexta-feira? Esta sexta-feira?

— No dia treze.

Só dois dias? Tão pouco tempo para acabar com isso?

— Arranje para mim a hora e o lugar. Antes do dia treze.

Page 96: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Foi esse tipo de informação que causou a morte de Hank.

Compreende o que quero dizer sobre conhecimento ser uma coisa

perigosa?

— Aceito o risco.

Page 97: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

CapítuloTreze

Jamie e Charlie foram a Thackery's contar a Andrew que Bella

estava em Belmonde's. Foi para lá e encontrou Dash.

— Ouvi falar do que fez em Thackery's há duas noites, Drew, e acho

que deu uma lição tão boa a Lace que ela vai parar.

— Não vou mais me envolver. Chegamos a um acordo.

— Um acordo que inclui favores?

— Não seja absurdo. Mal nos toleramos.

— Verdade? Como me enganei tanto? Tinha certeza de que você a

desejava. Quando soube que a carregara do salão, tive certeza de que tudo

acabara na cama.

— Foi uma brincadeira, mais nada.

— Meu Deus, você está sendo um cavalheiro — riu Dash. — Era

virgem, não era?

— Nada aconteceu entre nós. Fique fora disso, Dash, ou vamos

brigar.

— Não quero isto. Mas sabe que posso manter a boca fechada.

Guardei seu segredo por oito anos, lembra?

Sim, Dash guardara seu segredo, mas sempre o lembrava disso e de

quanto lhe devia pelo favor.

— Se não está mais interessado em Lace, venha comigo e Henley,

vamos fazer alguma coisa excitante, vai sentir de novo.

Andrew viu Bella ao lado de um homem alto e moreno, sorrindo

para ele. Sentiu uma dor aguda no estômago e percebeu que já estava

sentindo de novo. Ciúme.

— Queria chamá-lo para uma diversão do tipo que você estava

pedindo a Hank — disse Dash.

— O que descobriu de novo?

— Estou esperando informações, mas foi uma surpresa saber do seu

interesse. Não tinha idéia de que seu gosto era esse.

— Eu sei, você me disse que sou convencional. Desculpe desapontá-

lo.

— Nem pense nisso, abriu novos campos para nós. E Henley está

procurando.

— Ouvi meu nome?

Page 98: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Voltaram-se e viram Henley, parecendo muito satisfeito consigo

mesmo.

— Lembram-se do sabá de Whitcombe da semana passada?

Descobri outro do mesmo tipo, porém mais ousado.

— Quando?

— Esta noite.

— Onde?

— Você não poderá entrar se não for com um membro.

— Sem problema — disse Dash. — Conhecemos todo mundo.

Vamos procurar um convite?

— Encontro com vocês depois — disse Andrew, com outro olhar

para Bella.

— Vamos nos encontrar no Lion and Bear à meia-noite.

Bella percebera a presença de Andrew desde que entrara no salão.

Não se aproximara dela, mas a olhava o tempo todo, enervando-a. Esta

nova tática era pior do que um confronto.

Tentou provocá-lo indo para uma alcova com um homem, mas ele

não se aproximou. Estava à mesa do rouge et noir e lhe ergueu o copo

quando saiu, mais um homem eliminado. Viu que a olhava quando levou

outro homem à alcova e ainda a observava quando saiu.

Pegou um copo de vinho e se sentiu melhor depois de beber um

pouco. Ele se aproximou.

— Vejo que ainda está trabalhando no problema da bebida, minha

cara.

— Já devia ter observado que nunca desisto, Sr. Hunter.

— Sim, um traço que antes me aborrecia muito. Mas agora me

aborreço por outra razão muito diferente.

— Diga!

— Vejo o que faz a você, Bella. Cada vez que beija um estranho

odeia a si mesma um pouco mais. Conte-me por que faz isso, Bella, não a

julgarei.

Ela não respondeu e ele a levou a uma alcova. Iria beijá-la? Desejava

que sim e rezava para que seu gosto fosse doce, não amargo, e que não

passasse a língua nos lábios depois.

Ela se sentou, ele fechou as cortinas e sentou-se ao lado dela.

— Bella, sabe o que está pedindo de mim quando espera que eu fique

parado enquanto você beija estranhos?

— Sempre achei estranho você se incomodar com o que faço, Sr.

Hunter. Não significo nada para você.

Page 99: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Nunca lhe disse isso.

— Não com estas palavras, mas com suas ações e comportamento. O

senhor me culpa pela morte do Sr. McPherson, está convencido de que sou

uma leviana, que quero fazer todos os homens de tolos. Tentou tudo o que

podia, incluindo... bem, tudo para me fazer parar e se livrar de mim. Não

tenho a menor idéia do que estou lhe pedindo. O que é?

Ele respondeu com outra pergunta.

— O que isto está lhe custando, Bella? Vejo que pega um copo de

vinho quando termina com um deles. Vejo-a estremecer. Vejo que nenhum

deles significa nada para você. Então, o que está lhe custando?

— Um pedaço da minha alma, Sr. Hunter. Cada um deles —

respondeu antes de pensar melhor, depois ruborizou com a confissão. —

Isso é assunto meu.

— Tornou-se meu. — Pegou-lhe a mão. — Terei que matar todos

os homens que a beijarem no futuro. Quer ter isso na sua consciência?

— Nem sei se ainda tenho uma.

Lágrimas lhe queimavam os olhos. Olhou as mãos entrelaçadas.

— Você me disse que não ia mais interferir.

— Pensei que podia honrar a promessa, mas não posso. Nem me

afastar. Há muito em jogo, muito que não está resolvido entre nós.

— Não há nada para resolver.

— Está enganada, pense nas consequências do que lhe fiz.

— Que consequências? Que nunca poderei me casar? Que estou

arruinada? Acredito que isto já era um fato muito antes de você me levar

para aquele quarto. Eu mesma me arruinei.

— Não são estas as consequências a que me referi.

— Não? Então não sei o que quer dizer, Sr. Hunter.

— Pense de novo. — Pôs a mão sobre o ventre dela. Grávida?

Impossível!

— Não pensa...

— Por que não? É possível e só saberemos em algumas semanas.

Nesse tempo não quero que outro plante no solo que arei.

— Arou? Sou um campo para você? De que tem medo? De que eu

me entregue a outro homem, talvez um que me beije, e você nunca saberá

de quem é o filho que espero, se houver um filho?

— Fale baixo, não quer que ouçam nossa conversa.

— Oh, claro que não, fomos tão sérios no passado. Não seria bom se

houvesse falatório.

Page 100: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Ele a observou, dividido entre a raiva e a diversão, a tomou nos

braços.

— Quer um beijo, Srta. 0'Rourke? Isso a acalmaria e conquistaria

sua cooperação?

Um nó se formou em sua garganta e ela acenou. Lentamente, ele

abaixou a cabeça, as bocas mal se tocando.

— Nos meus termos desta vez, Bella — sussurrou. — Quero provar

está última parte proibida de você...

A alusão à noite que passaram juntos fez seus joelhos enfraquecerem

e ela quase caiu, mas ele a segurava com firmeza pela cintura com um dos

braços, enquanto a outra mão firmava-lhe o rosto pra que não se desviasse.

Brincou com ela, roçando-lhe os lábios, antes de aprofundar o contato, não

num único beijo, mas em muitos, curtos, insistentes, induzindo-a a abrir os

lábios, sentindo-lhe o gosto.

Ela correspondeu, abrindo-se para ele, permitindo-lhe o acesso a seu

calor interno, provando o dele. Fechou os olhos para intensificar as

sensações. Sua boca era quente e doce, tinha gosto de conhaque e menta.

Ela gemeu e ele afastou os lábios um instante para murmurar:

— Disse bem, Bella.

E então ele a beijou de novo, um beijo real, profundo e completo. Ela

se sentiu vagando num mar sem fim e perdeu a noção do tempo. Passou os

braços em seu pescoço para se segurar e para apertá-lo contra ela,

acariciou-lhe os cabelos sedosos da nuca e se maravilhou com seu leve

tremor e suave gemido.

Ele abraçou-a com mais força até não haver nenhum espaço entre

eles e continuou a beijá-la. Ela queria que nunca acabasse, havia alguma

coisa tão profundamente íntima e comovente no beijo.

Estava incapaz de se mover, de se afastar, e quando finalmente

Andrew lhe libertou a boca, ele o fez com muitos beijos curtos nos cantos

dos lábios e ao longo do queixo, até a orelha. Ela abriu os olhos e o

observou lutando para se controlar. Quando ele abriu os olhos, ela se

impressionou com a profunda emoção que traíam. Parecia vulnerável e

esperançoso ao mesmo tempo.

E não passou a língua nos lábios. Nem uma vez.

— Graças a Deus — sussurrou ela.

Lágrimas luminosas lhe encheram os olhos e ele deu um suspiro de

alívio. Rezara para que, qualquer que fosse a peculiaridade no beijo do

assassino da irmã de Bella, ele não a tivesse. E a pequena oração dela lhe

provara isso.

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— Graças a Deus — concordou, lutando contra o desejo de beijá-la

de novo.

Tomou-lhe a mão e abriu a cortina.

— Vou levá-la para casa, Srta. 0'Rourke. Tenho negócios a resolver

e não poderei ficar de olho em você.

Ela não protestou e tomaram um coche, sentando-se em frente um

do outro. Não ousava sentar-se ao lado dela, não resistiria a sua

proximidade.

Ela lhe sorriu e ele pensou como se enganara a respeito dela. O que

pensara ser desafio e descaramento era coragem e determinação. Sozinha,

como resultado das manipulações de Wycliffe, lançara-se à tarefa impossí-

vel de descobrir o assassino da irmã, da única maneira que Wycliffe seria

incapaz de fazer.

— Andrew?

Sua voz era tão suave que ele mal a ouviu.

— Sim?

— Você compreende que aquele beijo não muda nada?

— Sim, Srta. 0'Rourke, mas tinha a esperança de que mudasse

algumas coisas.

— Eu vou continuar a beijar outros.

— Por quê?

— Se eu não o fizer, quem fará?

— Eu. Mas provavelmente não terei o seu sucesso. Ela riu.

— Obrigada pela oferta generosa, mas...

— Não há nada de generoso, Bella. Tenho muito a pagar e acho que

com isso acerto as contas.

— Mas isto não é possível.

— Acho que você não compreende. A escolha não é mais sua.

— Eu lhe dei um beijo, não a minha vontade.

— Querida Srta. 0'Rourke, você me deu tudo, menos sua vontade, e

agora eu considero que tudo é meu. E não partilho o que é meu.

— Prometeu não interferir.

— Menti.

— Então está como sempre foi.

— Nem tudo. Agora você tem minha cooperação e toda a ajuda que

precisar. Tudo, na verdade, menos minha disposição de ficar de lado e vê-

la beijar outros homens. Sei que lhe dei poucos motivos, mas dou-lhe

minha palavra que pode confiar em mim. Se acreditar nisso, tudo será mais

fácil entre nós.

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Observou as expressões que se sucediam em seu rosto e percebeu

que lutava consigo mesma.

— Há um homem — começou ela. — Só o conhecerei por seu beijo.

Preciso encontrá-lo.

— O que fará quando o encontrar?

— Eu o denunciarei às autoridades.

— Por quê?

— Ele é um assassino.

— Como sabe, Bella?

— Ele matou minha irmã.

— Presumo que meu beijo me inocentou?

— Sim.

— Gostaria de tê-la beijado antes, Bella.

— Eu tentei.

— Peço desculpas pelo meu procedimento pouco cavalheiresco.

— Mas compreende que preciso continuar, não é? As autoridades

desistiram e justiça para minha irmã depende de mim.

— Descobrirei outra maneira, não posso permitir que você

comprometa sua honra.

— Que honra?

— Outra coisa que vou consertar assim que tudo isso acabar.

— Conhece alguma poção, um feitiço mágico para restaurar o que

perdi?

— Conheço um ritual que consertará tudo.

A expressão de incredulidade não desapareceu do rosto dela. Ou não

entendera que a pedira em casamento ou apenas o ignorara.

Chegaram à esquina de James Street e o coche parou. Ele desceu e

voltou-se para ajudar Bella e, quando a deixou na calçada, ela parecia tão

bonita, tão vulnerável.

— Esperarei até que esteja segura em casa — murmurou. —

Encontro você amanhã no Belmonde's.

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Capítulo Catorze

O Lion e Bear ficava numa rua escura de St. Giles, onde as

atividades nunca paravam. Prostitutas andavam pela rua, batedores de

carteiras estavam em ação, crianças brincavam no lixo. Andrew chegou ao

bar para o encontro com Dash e Henley e viu que Jamie, Elwood, Charlie e

Throckmorton aderiram à excursão. Dash acenou para Andrew de uma

mesa no fundo do bar.

— Até que enfim chegou — disse Henley, servindo-lhe vinho. —

Precisa nos alcançar na bebida, Hunter. Disseram-me que não aceitam

ninguém sóbrio.

Andrew olhou os outros. Elwood e Throckmorton pareciam

bêbados, Dash e Jamie estavam bem, mas Charlie e Henley estavam quase

inconscientes.

Bebeu um pouco e estremeceu.

— Que diabos de bebida é essa? Entendo a atração do enxofre num

sabá, mas por que beber isto antes?

— Para nos deixar com a disposição certa. Vamos, beba.

— Acho que nos darão mais quando começarmos — murmurou.

— Sim, sempre há vinho de graças nesses lugares — concordou

Jamie.

— Você parece o gato que comeu o canário — disse Dash a Andrew.

— Ainda não, mas estou subindo na gaiola. Dash riu e olhou as

horas.

— Bebam, rapazes, ainda há tempo.

— Estou curioso, Henley. Como soube desse evento?

— É apenas um... — parou e acrescentou —, deve ser divertido.

Dash serviu mais vinho a Andrew.

— Quais são as regras, Henley?

— Entramos por uma porta secreta, vestimos túnicas negras e

ficamos com o capuz abaixado para proteger nossas identidades. Quando

entrarmos na câmara, teremos que ficar em silêncio, exceto durante os

cânticos.

— Quem essas pessoas pensam que são? Parece muito trabalho para

uma aventura — disse Charlie.

— Não acho que seja uma aventura para eles — disse Dash. —

Levam tudo a sério.

Page 104: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— São uma espécie de irmandade secreta — disse Henley. — Só nos

deixaram ir por causa de Hunter e Dash.

— O quê? Não sei nada sobre essa gente.

— Eles conhecem você e Dash de reputação e pensam que podem

confiar no nosso grupo. Há mais. No começo da cerimônia, há um

juramento de lealdade e discrição. Depois disso, seguimos os cânticos e

bebemos de um cálice todas às vezes que passar pelo círculo. Têm que

fazer tudo o que o mestre fizer.

Andrew se forçou a beber mais do vinho amargo, olhou em torno e

se perguntou qual deles estaria envolvido. "Um de seus amigos", disseram

Wilson e Devlin Farrell.

Dash se levantou, deixou algumas moedas sobre a mesa e Henley

pôs a rolha na garrafa para levar.

Saíram do bar e seguiram Henley.

— Não é longe, podemos cortar caminho passando pelo cemitério de

St. Giles.

Caminharam em silêncio, atravessaram o cemitério e chegaram à

porta de um armazém. Andrew estranhou a falta de um lugar mais

convencional. Cerimônias desse tipo eram realizadas em abadias

arruinadas, mausoléus ou túmulos nos porões de igrejas desertas.

Armazéns podiam ser trocados ou esvaziados com facilidade e eram mais

difíceis de encontrar.

Henley bateu três vezes e a porta foi aberta por uma figura de

túnica, com o capuz abaixado, que indicou com a mão o interior, onde

apenas uma vela estava acesa.

Em silêncio, foram levados a uma pequena antessala onde havia

túnicas negras penduradas em pequenos ganchos. Todos as vestiram e,

quando terminaram, ninguém sabia quem estava a seu lado.

Outra figura de túnica apareceu e os levou para uma escada íngreme.

A sala embaixo, um antigo depósito enorme, tinha apenas um altar coberto

com um tecido carmesim e um estrado atrás com um trono, no qual se

sentava uma mulher envolvida em gaze transparente que nada ocultava.

Havia algo familiar nela que Andrew não conseguiu identificar.

Quando sorriu, mostrou dentes quebrados e Andrew teve certeza de não

conhecê-la.

Seu anfitrião os levou a circular três vezes o altar e Andrew notou

duas lâminas afiadas, dispostas em cruz, na ponta do altar. Atrás delas, um

braseiro queimava, intensificando a atmosfera de magia negra. Incenso

permeava o ar.

Page 105: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Uma figura vestida com uma túnica carmesim surgiu junto ao altar.

Devia ser o "mestre" sobre o qual Henley falara. Segurava um grande

cálice nas duas mãos e ergueu-o para a mulher no trono, que bebeu e o

devolveu. Então o cálice foi entregue ao homem mais próximo do mestre,

para começar o ritual da passagem do cálice que simbolizava sua

irmandade.

A mulher no trono se levantou e estendeu os braços, a gaze fina

envolvendo sua figura esbelta, e disse:

— Bebam, senhores, antes de me reclamar como seu receptáculo.

Andrew sentiu novamente a estranha sensação de familiaridade.

Observou-a através do brilho do braseiro. Parecia-se com... Bella?

— Doente? — Lady V. repetiu, olhando Gina e Lilly. — Vocês não

têm tempo para essas finezas. Todo o seu futuro depende de causarem uma

impressão favorável na estação.

— Estou grata por sua preocupação, Lady Vandecamp, mas não me

sinto divertida ou atraente.

— Compreendo sua lealdade a sua irmã, Isabella, mas não pode

desperdiçar o curto tempo que tem. Precisa se recuperar e aparecer.

— Certamente não atrairei atenções, quando me sinto tão mal.

— Não é verdade, já perguntaram sobre você e permiti que o Sr.

Franklin a visitasse.

— O Sr. Franklin?

— Sim, acha você sensata e inteligente. É um homem rico, de boa

reputação e sua mãe aceitou que ele lhe faça a corte.

Bella pensou no Sr. Franklin, vinte anos mais velho do que ela e tão

diferente de Andrew Hunter.

— Ele a visitará esta tarde e, naturalmente, Gina ficará com vocês.

Não precisa sair esta noite, mas amanhã espero que esteja bem.

E Lady V. se retirou, acompanhada por Lilly. Gina esperou que

saíssem e fechou a porta da sala.

— Vamos falar baixo, não quero que nos ouçam.

— Não me aborreça por causa do Sr. Franklin, Gina. Não estou com

disposição para isso.

— Não é sobre ele que quero conversar. Você me pediu que lhe

contasse se me lembrasse de mais alguma coisa sobre aquela noite, não foi?

— E você se lembrou?

— Sim. O Sr. Henley me perguntou se sou virgem. Fiquei chocada.

Page 106: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Henley? Mas ele era louro e mais baixo do que papai. Quem mais

fazia parte do grupo? Os irmãos de Andrew, Lorde Humphries e o Sr.

Throckmorton.

— Como respondeu, Gina?

— Disse a verdade, claro, mas acho que não me acreditaram.

Bella segurou-lhe os braços.

— Escute, Gina. Eles sabem tudo sobre nós. Não saia de casa

sozinha nem deixe Lilly sair. Tenho um mau pressentimento. Prometa que

ficará a salvo em casa.

Andrew sentou-se na cama, olhando as roupas espalhadas no chão.

Não sabia como chegara em casa e se despira.

Sua cabeça latejava e não conseguia se livrar do gosto de enxofre.

Não sabia o que acontecera, lembrava-se apenas de Bella... não, não Bella,

mas uma mulher que se parecia com ela. Estava num trono à cabeceira de

um altar e fazia um convite, como se tivesse decorado as palavras. E

depois... imagens vagas e principalmente um enorme vazio escuro.

Não bebera muito, por que se sentira assim? A não ser... sim, o vinho

no Lion e Bear continha droga!

Levantou-se e examinou suas roupas. Tinham um cheiro forte de

incenso e havia algumas gotas de uma substância escura e endurecida na

barra da calça, a única parte da roupa que ficara exposta sob a túnica

negra. Tocou-as e percebeu que era sangue. Vira muito sangue na guerra,

conhecia seu cheiro, sua textura, recém-derramado ou seco. Um olhar a

sua botas contou a mesma história. Maldição! Se sua cabeça não doesse

tanto conseguiria se lembrar de alguma coisa. No entanto, temia se

lembrar. Sabia que era capaz de matar, descobrira na guerra.

Jamie e Charlie! Precisava encontrá-los, saber se estavam bem.

Sem se barbear, com os olhos vermelhos, enrolado num roupão de

lã, Jamie entrou no estúdio. Andrew sentiu um alívio imenso e perguntou:

— Charlie está aqui?

— Sim, mas está pior do que eu.

— Café — sugeriu Andrew.

— Nunca me senti assim, Drew. Não bebi o suficiente para ficar tão

bêbado.

— Fomos drogados, Jamie.

— Sabia que tinha que ser alguma coisa assim. Por que você não

está com uma dor de cabeça de matar?

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— Experiência. A dor de cabeça vai passar e deixar você querendo

mais droga, mas não tome. Precisava saber se vocês estavam a salvo em

casa.

— Está dizendo coisas estranhas. Quem nos trouxe para casa?

— Provavelmente viemos sozinhos, ou alguém nos jogou num coche

e deu nossos endereços. Do que se lembra, Jamie?

— Muito pouco, mais do Lion e Bear. Pode ter sido o vinho.

Se a droga fora dada a eles no Lion e Bear e o enxofre acrescentado

para disfarçar o gosto do ópio, então Henley...

— Conte-me de que se lembra, Jamie.

— Lembro-me de passar pelo cemitério de St. Giles, mas, depois de

chegar ao armazém, as coisas ficaram confusas. Sei que usei uma túnica

negra, que alguém nos levou para o depósito e andamos em torno de um

altar. Havia alguém com uma túnica vermelha que todos chamavam de

mestre.

— Pensei ter visto Isabella 0'Rourke lá.

— Não, havia uma mulher parecida com a Srta. 0'Rourke, com a

mesma cor de cabelo e esguia. Mas era uma prostituta alugada para a

ocasião.

— Como sabe?

— Era grosseira e sem modéstia. Estava se oferecendo aos

participantes do ritual, dizendo que era nosso receptáculo. Sua Srta.

0'Rourke jamais se comportaria assim.

— E depois?

— Só imagens soltas. Não entendo como achava essas coisas

divertidas, agora me parecem apenas tolas.

Esperava que não fosse mais do que tolice, entretanto era preciso

explicar o sangue.

— Examine as roupas que usou ontem, Jamie, e diga a Charlie para

fazer a mesma coisa. Depois me conte se encontrou alguma coisa estranha.

— O que está pensando, Drew?

— Que é melhor ficarmos juntos nisso. Se alguém perguntar,

diremos apenas que bebemos demais e não nos lembramos de nada. Não

confie em ninguém, Jamie.

— Não acha que é hora de me contar o que está fazendo? Sei que

está metido em alguma coisa.

— Agora não, preciso ver algumas pessoas. Mais tarde nos

encontramos.

Jamie sorriu, sardônico.

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— Muito mais tarde, por favor.

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Capítulo Quinze

O Sr. Franklin não sabia fazer a corte, era desajeitado e tropeçava

nas palavras. Bella lhe serviu outra xícara de chá, enquanto Gina ficava

sentada perto da lareira como se estivesse lendo. De vez em quando olhava

para trás e sufocava o riso.

Depois de um longo silêncio, ouviram a sineta da porta. Nancy

entrou na sala e disse a Bella:

— Um Sr. Hunter está aqui e quer vê-la, srta. Isabella. Disse-lhe

que estava ocupada, mas ele insistiu, não vai embora sem lhe falar.

— Faça-o entrar, Nancy — disse Gina, levantando-se.

Bella mal podia respirar. Seria Andrew? Por que viera?

Nancy se voltou e soltou uma exclamação ao esbarrar em Andrew,

que a seguira sem convite. O Sr. Franklin e Bella se levantaram. Andrew

curvou-se.

— Desculpe interromper, Srta. Isabella, mas precisava lhe falar.

— Eu... preciso ir — disse o Sr. Franklin, olhando para Andrew. —

Voltarei outra hora. — Curvou-se e saiu.

Todos ficaram calados até o Sr. Franklin sair e fechar a porta da

sala.

Andrew deu um passo a frente, desajeitado como o Sr. Franklin.

— Precisava vê-la.

Bella não soube o que dizer e foi Gina que rompeu o silêncio.

— Chá, Sr. Hunter?

— Não, obrigado, não posso me demorar. Desculpe interromper.

Gina riu.

— Estamos em dívida com o senhor. Agora, espero que desculpe a

impropriedade, contudo preciso encontrar Nancy antes que mamãe venha

para cá.

Andrew se aproximou de Bella e estudou seu rosto com uma

expressão quase desesperada.

— Tive um sonho... não, estava confuso. Pensei tê-la visto depois de

trazê-la para casa e precisava ter certeza de que você está bem.

— Onde achou que me viu?

— Você não quer saber, Bella. Mas graças a Deus está segura.

Andrew respirou fundo e olhou pela janela. O cabriolé do Sr.

Franklin estava se afastando.

Page 110: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Nunca me ocorreu que tinha um pretendente.

— Foi a primeira vez que o Sr. Franklin me visitou, com a

permissão de Lady Vandecamp. Pelo olhar que lhe lançou, acho que não

voltará.

Andrew sorriu, nem um pouco arrependido.

— Sei que ele é muito mais aceitável a Lady V. do que eu. Tem o

mesmo gosto que ela para homens, Bella?

— Acho que ela não se preocupa sobre minhas preferências. Seu

objetivo é arranjar maridos para nós. Nunca perguntou do que gostamos.

— Estou perguntando, Bella, do que você gosta?

Suas faces queimaram e seu olhar desceu. Como poderia lhe dizer

que o preferia? Fora o beijo que lhe pedira para provar sua inocência, ele

nem mesmo a beijara desde aquela noite em Thackery's. Embora agora ele

se sentisse responsável por ela, tinha que concluir que não a queria mais

daquele jeito.

Ele se inclinou e falou num sussurro.

— Escute, Bella, quero que fique em casa e não se meta em

problemas. Está correndo um sério perigo. A partir de hoje, cuido de tudo.

— Não vou parar, tenho que continuar ou morrer.

— Isto, minha querida, é exatamente o que temo. Houve um clamor

no corredor, diversas vozes femininas falando alto ao mesmo tempo.

Bella gemeu. Gina, Nancy e mais alguém. Rezou para que fosse Lilly

e não mamãe. Afastou-se de Andrew.

— Esta noite — sussurrou ele quando a porta se abriu e todo

mundo entrou.

Céus! Todas elas, mamãe, Gina, Nancy e Lilly. A mãe nem mesmo

tinha se arrumado. Parecia um general de meia idade liderando seu

batalhão.

— O que é isto?

— Mamãe, apresento-lhe o Sr. Andrew Hunter. É irmão do Conde

de Lockwood. Sr. Hunter, esta é minha mãe, Sra. 0'Rourke.

— Hunter? — perguntou, imperiosa. — Não está na lista de

Eleanor.

Bella estava sem palavras.

— Ele... eu...

Andrew adiantou-se, tomou-lhe a mão, curvou-se e levou-a aos

lábios.

— Sra. 0'Rourke. Claro, eu a conheceria em qualquer lugar. É fácil

ver a semelhança familiar e de quem suas filhas herdaram a beleza.

Page 111: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Oh? Bem... sim, todas as minhas filhas são lindas, não são?

— Realmente. E por favor, não culpe a Srta. Isabella. Eu estava, ah,

trazendo algo que ela deixou cair no parque outro dia, quando a vi

caminhando.

— Cair? — Voltou-se para Bella com expressão severa. — O que

deixou cair, Bella? É sempre tão descuidada.

— Eu... eu...

— Não foi descuido Sra. 0'Rourke. Estava com as irmãs e sua

atenção estava nelas.

Andrew tirou do bolso um pequeno quadrado de linho cercado de

renda e o apresentou a Bella com uma mesura.

— Seu lenço, Srta. Isabella.

— Obrigada, senhor.

Mamãe olhou-o com aprovação.

— Bem, já que está aqui, Sr. Hunter, fique para o chá.

— Obrigado, Sra. 0'Rourke, mas tenho outro compromisso. Talvez

outro dia?

— Sim, talvez — concordou. Fez um sinal a Bella para ficar onde

estava enquanto acompanhava Andrew até a porta.

— Esta passou perto — sussurrou Gina.

Bella olhou o lenço. Tinha as iniciais CO bordadas num dos cantos.

Cora! Como o lenço de Cora fora para nas mãos de Andrew?

Andrew esperou muito tempo pela chegada de Wycliffe ao clube em

St. James Street. Mas tinha muito a revelar.

Wycliffe se serviu de café e se sentou perto dele.

— Alguma coisa?

— Acho que estou na pista. A cerimônia é realizada em lugar

diferente a cada vez.

— Isso explica por que não conseguimos localizá-la. Conte-me mais.

— Houve um ritual ontem à noite, mas não sei quem está por trás

disso.

— Conversou com Wilson?

— Não quis cooperar. Não gostou das minhas perguntas e não

acreditou que estou apenas curioso. Mas aposto que vendeu aquelas

garotas para serem usadas nos rituais. O pessoal do Farrell encontrou-as e

as enterrou em segredo.

— Há mais corpos além dos que encontramos?

— De acordo com Farrell, 11, incluindo a Srta. 0'Rourke. Ele

reconheceu as marcas.

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— Então são 12. O guarda da noite da paróquia de St. Giles

encontrou um corpo ao amanhecer. Mesmas marcas, mesma mutilação.

— Tem uma descrição dela?

— Sim, mas não dá nenhuma pista. Elas eram de todos os tipos.

Baixas, altas, louras, morenas, a maior parte prostitutas até a Srta.

0'Rourke e algumas governantes.

— Mas a de ontem à noite. Como era?

— Cabelos castanhos escuros, pequena, esguia, pele clara.

Não podia pensar nisso. O que quer que tivesse feito, estava com a

mente clara agora e precisava encontrar um meio de acabar com esse

massacre, mesmo se tivesse tomado parte nele.

— Haverá outro ritual sexta-feira, dia 13, e o estão chamando de

décimo terceiro ritual.

— Sexta-feira 13? O décimo terceiro ritual?

— É amanhã, então temos muito pouco tempo para impedir mais um

assassinato.

— Tem certeza?

— Isto explicaria a escalada. Os assassinatos anteriores poderiam

ter sido apenas ensaios para chegar ao décimo terceiro.

— Como podemos descobrir?

— Farrell. Se alguém ouviu rumores foi ele. Eu lhe pedi para

descobrir onde será realizado. Não fez promessas e agora sabemos o

motivo, eles mudavam de local para manter o segredo.

— Cedo ou tarde alguém vai falar. Não consigo acreditar que isso

tenha se mantido em segredo tanto tempo.

— Talvez não seja tão estranho. Fui drogado ontem à noite. Havia

láudano no vinho e o gosto foi disfarçado com enxofre. Jamie e Charlie

também estavam lá ontem e não se lembram mais do que eu. Mas havia

uma mulher. Alguma bobagem sobre ela ser nosso receptáculo.

— Quem mais estava lá?

— Usamos túnicas com capuzes longos. Não reconheci ninguém

além do nosso grupo. Eu, Jamie, Charlie, Henley, Dash, Lorde Elwood e

Throckmorton.

— Quantos havia lá?

— Pelo menos uma dúzia. E a mulher.

— Não se lembra de como chegou em casa?

— Não.

— Onde estava a Srta. 0'Rourke?

Page 113: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Eu a levei para casa antes de encontrar os outros. Wycliffe, você

tem que fazê-la parar. Não pode continuar a usá-la, pois a vida dela está

em perigo. Diabos, você a pôs em perigo! E não me venha com essa

besteira sobre seu agente secreto. Não vi traços dele. E certamente

ninguém está protegendo a srta. 0'Rourke.

— Você a está protegendo. Meu outro homem está a postos, pronto

para entrar em ação se necessário.

— Você entenderá se eu duvidar de você, Wycliffe. A Srta. 0'Rourke

já sofreu danos.

— Que tipo de danos?

Andrew sacudiu a cabeça, não comprometeria a reputação de Bella

sem sua permissão. Usou um estratagema para não responder.

— Já ouviu falar da Blood Wyvern Brotherhood?

— Isso estaria de acordo com as marcas, o dragão desenhado em

sangue. Acha que esses homens estão por trás dos assassinatos?

— Sim. E combina com o que soube por Farrell. As outras foram

encontradas nas mesmas condições. Só não compreendo por que arrancam

o pedaço de pele da testa. Acha que pode ser um troféu?

— Quem pode saber, se for fruto de uma mente louca?

— Diversas mentes loucas, eu diria. Sei que fomos drogados, mas

acho que deve haver outros que não foram, pelo menos, não tanto quanto

nós. Esta não foi a primeira vez que fui drogado. Duas semanas atrás, an-

tes de você pedir minha ajuda, fui a uma Missa Negra, onde o enxofre foi

misturado ao vinho. Tive uma perda de memória no dia seguinte. Na noite

passada, de novo, não bebi muito.

— Quem forneceu vinho na noite passada?

— Henley, mas não sei onde o conseguiu. Da outra vez não me

lembro. Mas estava com as mesmas pessoas nas duas vezes, Wycliffe. Na

noite passada, por causa das túnicas, não conheci ninguém além do meu

grupo. Mas as cerimônias não são parecidas. A anterior foi igual a muitas

outras, obscena, escandalosa, mas dela só me lembro de embriaguez e

adultério. Suspeito que ocorreu algo muito pior na noite passada. E com

outro corpo...

Wycliffe ficou em silêncio por alguns momentos.

— Se está preocupado sobre sua possível cumplicidade na noite

passada, não fique, a menos que estivesse coberto de sangue. Vi o corpo,

quem quer que tenha infligido os ferimentos ficou banhado de sangue.

Estar lá e estar drogado não o torna culpado.

Andrew suspirou de alívio.

Page 114: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Então, se os rumores são verdadeiros, temos até amanhã para

descobrir esses assassinos e prendê-los — disse Wycliffe.

— Conte à Srta. 0'Rourke o que está fazendo e que não desistiu do

caso da irmã dela, Wycliffe. Tire-a do caminho do perigo e eu farei

qualquer coisa que pedir. Qualquer coisa.

Wycliffe o olhou com simpatia, depois desviou os olhos.

— Gostaria de poder, Hunter. Infelizmente, ela pode ser nosso único

meio de resolver este crime. Ela pode identificar o assassino de uma forma

que nenhum de nós pode. E se descobrirem quem ela é e o que está

fazendo, melhor. Tentarão pegá-la e os prenderemos.

Andrew se levantou, contendo a raiva com dificuldade.

— Você a sacrificaria para resolver isto, não é?

— Para minha vergonha, sim. Isso tem que acabar, não importa o

custo.

O custo não seria Bella, ele cuidaria disso.

No fim da tarde, Andrew conseguira se livrar de parte da frustração

e de todos os efeitos da bebida com os exercícios de esgrima no Angelo's e

voltara à boa forma. Estava se preparando para sair quando Daschel

chegou e lhe propôs um treinamento rápido. Dash pregou uma rolha na

ponta do florete, não gostava de usar as espadas sem ponta da academia.

Começaram o treinamento e Dash tomou a ofensiva, atacando e conver-

sando ao mesmo tempo, sua tática usual para distrair o adversário.

— Você está muito bem hoje, depois de ontem à noite. Sua

capacidade é sobre-humana, Hunter.

— E como você se sentiu? Dash riu.

— Devo ter me divertido, ainda sinto os efeitos da bebida. Estou

com problemas de memória, não lembro de quase nada. E que dor de

cabeça horrível!

Ele atacou, Andrew aparou.

— Parece que se recuperou bem.

— Não até meia hora atrás. E você? Do que se lembra?

— Além de uma mulher bonita em pé no altar, nada.

— Ah, sim, lembro-me dela. Achei-a parecida com a sua Lady Lace.

Andrew ficou desconcertado por outros terem notado a semelhança.

Teria a moça sido escolhida de propósito? A breve distração permitiu que

Dash lhe atingisse o coração com a ponta arrolhada do florete, num

contato mais vigoroso do que necessário.

Andrew reconheceu ter sido atingido e a luta recomeçou, ainda com

Dash no ataque.

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— Você me levou para casa ontem?

— Eu? Não, nem tenho idéia de como eu cheguei em casa. — Virou-

se para Henley, parado ao lado. — Foi você?

Mas Henley negou com um gesto.

— Então deve ter sido Throckmorton.

— Percebeu alguma coisa diferente esta manhã, Dash?

— Além de um gosto horrível na boca e a dor de cabeça, nada.

— E você, Henley?

— Nada. Mal de lembro de chegarmos ao armazém. Andrew

suspeitou que fosse mentira. Atacou e atingiu Dash no braço. Dash

admitiu o ponto e esfregou o ombro, como se tivesse realmente sido ferido.

— Bem, o que quer que tenha acontecido, deve ter sido interessante.

— Maldição, qual é a vantagem se não lembramos de nada? Posso

beber até desmaiar em casa. Esperava alguma coisa diferente, excitante, e

tudo que conseguimos foi esta falta de memória.

— Temos que descobrir o que fazer sobre isso. Tem certeza de que

está pronto?

Andrew acenou e Dash avançou, forçando-o a recuar. A rolha caiu,

sem que Dash parecesse perceber e ambos se tocaram ao mesmo tempo.

Mas o florete sem rolha de Dash feriu o braço de Andrew, que deixou cair

a espada.

— Deus! — gritou Dash, quando viu o sangue escorrer. — Traga a

caixa de pronto-socorro — pediu a Henley.

Logo depois, um atendente cuidou do braço de Andrew e lhe

recomendou que não o usasse por um mês, para não causar dano

permanente no músculo.

Os três saíram em busca de suas montarias. Dash disse:

— Ainda bem que você não se incomoda com um pouco de sangue.

Se fosse Henley, teria desmaiado.

— Você sabe que isso não é verdade, Dash. Ora, ontem à noite...

— Vamos, Henley, estava brincando. Andrew gostaria de ter ouvido

o resto da frase.

— Isso não me tira do jogo, Dash. Se souber de alguma coisa...

— Você será o primeiro a saber, juro.

Drew acenou e partiu. O braço era o menor de seus problemas. A

suspeita de que Dash e Henley estavam envolvidos de alguma forma

aumentou. Seria Dash o agente secreto de Wycliffe? Ou estaria envolvido

nos rituais?

Bella foi recebida por Biddle quando chegou ao Belmonde's.

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— O Sr. Hunter ainda não chegou, senhorita. Gostaria de esperá-lo

num salão particular?

— Não, darei uma volta. Talvez encontre alguém conhecido.

Andava pelo salão quando foi parada por Lorde Humphries.

— Bom vê-la, minha cara Lady Lace. Bella, não é?

— Sim, mas prefiro não ser chamada assim em público.

Ele lhe tomou o braço e a levou para a mesa onde estava a

poncheira.

— Para proteger sua reputação, eu sei. Sou muito discreto, minha

cara.

Ele lhe entregou um copo de ponche de rum e ela agradeceu.

— Vai se encontrar com o Sr. Hunter?

— Espero vê-lo a qualquer momento — ela admitiu.

— Parece que vocês têm um entendimento.

— Não do tipo que está insinuando, Lorde Humphries.

— É mesmo? Ainda sozinha? Esta é uma boa notícia. Chame-me de

Dash, espero que em breve tenhamos mais intimidade.

Ela ergueu uma sobrancelha, mas ele apenas riu.

— Nossa última conversa foi interrompida pela chegada de Hunter.

Espero que não sejamos importunados esta noite. Venha, sente-se comigo.

A outra coisa que havia sido interrompida naquela noite fora um

beijo. Não excluíra Lorde Humphries como suspeito. Mas a idéia de beijar

alguém que não fosse Andrew era detestável. Um pouco relutante, tomou

o braço de Lorde Humphries e seguiu-o até uma das alcovas. Quando ele

começou a fechar a cortina, ela o fez parar.

— Por favor, não gosto de surpresas. Quero ver se alguém virá

desta vez.

Ele riu.

— Tenho certeza que sim, Bella. Mas beba e eu lhe pegarei outro

copo.

— Está tentando me seduzir, Lorde Humphries?

— Sou transparente demais. Mas como você não está comprometida

com Hunter, suponho que está disposta a receber outras ofertas.

— Depende da oferta.

— Depende de você, minha cara. — Sentou-se ao lado dela. — Não

é sempre que alguém do seu calibre aparece. Beleza, encanto, espírito,

inteligência e confiança em si mesma são características irresistíveis.

Assim, é mais sensato eu perguntar quanto quer.

— Isso ainda vamos ver, senhor.

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— Nunca achei que você seria fácil de obter, nem barata.

— Obrigada pelo cumprimento. Até que enfim encontrei um homem

que compreendo.

— Então estou certo? Excelente. Sinto que você é de família

aristocrática. Fale-me de você, minha cara.

— Como adivinhou, sou nova em Londres. Estou tentando

encontrar meu caminho na sociedade.

— O lugar de onde veio era muito provinciano? Não pretendia

revelar tanto. Se pelo menos soubesse o que Cora contara ao homem que a

matara.

— Todos os lugares são provincianos comparados a Londres.

— Verdade. Então sua família não frequenta muito a sociedade?

— Não. Com o pouco dinheiro que temos, não podemos comprar o

necessário para a estação.

— Há outras além de você? Que maravilha pensar que há. Quantas

mais, Bella? E são todas virgens como você?

Virgem? Sentiu o insulto, mas se quisesse manter a história de uma

família empobrecida, estaria procurando protetores também para suas

irmãs. Se tivesse irmãs.

— Acho que lhe dei uma impressão errada, Lorde Humphries.

Quando disse "nós", estava me referindo a minha mãe, meu pai e meu

irmão. Não tenho irmãs.

Ele suspirou.

— Que pena, tinha tantas esperanças. E seu pai, não se incomoda

com suas atividades?

— Ele morreu há muitos anos.

— Mas seu irmão...

— Está na marinha.

— Que pena que não tenha um homem na família para cuidar de

suas necessidades. Ou sua segurança.

— Mas eu sou um assunto sem graça, Lorde Humphries. Por favor,

fale-me do senhor.

— É uma história triste. — Parou e acabou de beber o ponche. —

Sou filho único, meus pais morreram quando estava na guerra. Nem pude

vê-los, quando soube que estavam doentes já era tarde demais. Além disso,

Hunter não me deixaria ir. Aqueles foram dias difíceis.

— O Sr. Hunter era seu oficial-comandante?

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— Sim, tinha a patente mais alta e alguém precisava pôr ordem no

caos, mesmo alguém completamente louco. Mas não falaremos sobre a

coisas desagradáveis, prefiro falar de você, de nós.

— O Sr. Hunter estava louco?

— Sim. Acho que todos nós. Não é fácil ver um amigo morrer ou

olhar o inimigo de frente e puxar o gatilho. Mas ficou mais fácil com o

tempo, a gente perde a humanidade. Depois que o gosto pelo sangue toma

conta da gente... Hunter era o pior, acho que porque tinha a

responsabilidade de cuidar de nós. Pena, pois agora ele é capaz de qualquer

coisa.

Ela estremeceu e ele lhe tomou a mão.

— Ah, eu esperava lhe roubar um beijo e, em vez disso, a aborreci.

Desculpe, querida, avisei que não devíamos falar da guerra. Agora beba

seu ponche e eu lhe trarei outro copo.

— Sim, mas não percebi... quer dizer, não vi esse lado do Sr. Hunter.

Ele parece tão gentil, apesar de sua rispidez.

Ele riu.

— Sim, é por isso que o chamamos de Lorde Libertino. Em um

momento, mau humor e remorso, no outro, malícia e violência. Ninguém

pode prever o que ele fará.

Ela vira esse lado dele e a idéia de que era capaz de violência a

perturbou. Sua raiva estava sempre muito perto da superfície e ela a

provocara como nenhum dos amigos dele já fizera, mas ele não lhe causara

nenhum mal. Quer dizer, mal físico. E nada de que ela não participasse.

— Percebo que conversamos demais, seu pretendente chegou e eu

quero aquele beijo, Bella. Você se encontrará comigo amanhã?

Ela olhou em direção ao foyer e viu que Andrew chegara e os vira.

Quase desesperada, sabendo que ele a impedira, debruçou-se em direção ao

acompanhante.

— Beije-me agora, Lorde Humphries.

— E irritá-lo? Acho que não. Uma coisa é beijá-la, outra bem

diferente é fazer isso bem diante de Hunter. Não tenho vontade nenhuma

de enfrentar seu terrível temperamento. Já tive uma prova esta tarde. Diga

que me encontrará aqui amanhã às nove. E seria melhor não mencionar

isto a Hunter, ele encontraria um meio de nos impedir.

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Capítulo Dezesseis

Bella continuou sentada quando Lorde Humphries se levantou e foi

ao encontro de Andrew. Trocaram algumas palavras, Lorde Humphries foi

para o foyer e Andrew veio ao encontro dela. Terminou seu ponche e se

preparou para a discussão inevitável.

Mas ele apenas se sentou a seu lado e levantou-lhe o queixo para

olhar seus olhos.

— Dash me disse que estava me esperando.

— Não foi isso que quis dizer quando sussurrou "esta noite" na sala

de estar da minha casa?

— Esperava encontrá-la em casa.

— Você não foi perturbar mamãe e Nancy, foi? Ele riu.

— Depois de conhecer a venerável mulher, concluí que seria a

última pessoa que você gostaria que soubesse que não estava em casa. Não,

encontrei a srta. Eugenia na rua. Ela me disse que você já havia saído.

— Gina saiu?

Um nó gelado de suspeita se formou em seu estômago. Gina lhe

mentira?

— Sim. Disse que ia fazer companhia a uma vizinha doente.

A espertinha!

— Isso a perturba?

A espertinha! Onde teria ido? Como a encontraria?

— Só porque é mentira. Não temos vizinhas doentes, ela se

convenceu de que eu preciso de ajuda para encontrar o assassino de Cora.

— Sabe aonde ela foi? — perguntou, preocupado.

— Não. Ela só fez isso uma vez, mas tudo que disse é que se

encontrara com um grupo do lado de fora de um teatro.

— Então não há muito que possamos fazer, Bella. Vá para casa e

espere, eu a levo.

— Não estou pronta, ainda...

— Não beijou ninguém? — Terminou. — Estou aliviado, querida.

Na verdade, ficaria muito aborrecido se ouvisse outra coisa. Não decidimos

que você irá parar?

— Não decidimos nada disso.

Ele a surpreendeu erguendo-a e levando-a para o foyer.

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— Isto não está em discussão, Bella. Eu lhe disse que não vou

tolerar que você beije homens, na maioria estranhos, e especialmente os

meus amigos. Nunca os meus amigos.

— Que diferença faz? — perguntou, enquanto ele pegava seu xale e

o envolvia em seus ombros.

— Porque não aceitarei que eles comparem suas experiências,

falando de você como se fosse uma espécie de... de...

— Prostituta? — Terminou, enquanto ele a levava para fora, para a

chuva que começara a cair. Ele levantou o capuz da capa e ajeitou-o em sua

cabeça. Seus dedos lhe roçaram a face e ela sentiu a forte sensação do

desejo.

— Não, Bella. Sabemos que você não é uma prostituta comum.

— Uma prostituta incomum, então.

Ele parou uma carruagem, ajudou-a a subir e deu o endereço dela

antes de se juntar a ela.

— Você não é nenhum tipo de prostituta — disse ao se sentar ao

lado dela.

— Quantas vezes tenho que lhe lembrar que você prometeu não

interferir?

— Quantas forem necessárias para eu lhe lembrar que mudei de

idéia. Você já devia ter percebido que nunca honraria uma promessa

dessas. Está me pedindo para ficar de lado enquanto se arrisca, se

entregando a qualquer homem pelo preço de um beijo.

— Precisa dizer as coisas desse jeito?

— Que outro jeito há?

— Mas Gina...

— Não é uma criança, embora você aja como mãe dela. Não pode

controlá-la mais do que eu posso controlar você.

— Ela pode estar em perigo.

— Como você está.

—- Nunca deveria ter lhe contado sobre a morte de minha irmã.

— Agora é tarde demais para lamentar, Bella.

O coche deu uma guinada para evitar um pedestre e Bella foi lançada

contra Andrew. Ele se encolheu e pegou o braço.

— Eu o machuquei?

— Não, foi um acidente na esgrima esta tarde, não é nada.

Ela pôs a mão no joelho dele para se equilibrar, ouviu-o gemer e

tirar-lhe a mão, colocando-a no colo dela. Quando o olhou, o calor em seus

olhos quase a incendiou. Desviou os olhos.

Page 121: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Eu... tenho que fazer alguma coisa, Sr. Hunter.

— Andrew. Não há nada que possa fazer. Se não sabe onde ela está,

vai passar a noite toda andando por Londres e nunca vai encontrá-la. A

única coisa que pode fazer é ir para casa e esperar.

— Estou ciente dos perigos que esperam uma jovem inocente em

Londres.

— Bella, seja razoável. Não há nada que possa fazer.

— Tem que haver alguma coisa.

Ele se virou e tomou-lhe o rosto nas mãos. Então, devagar, dando-

lhe tempo para protestar, calou sua boca com um beijo. Bella fechou os

olhos, rendendo-se.

Maldição! Tinha que se encontrar com Farrell, saber se havia

novidades sobre o local e a hora em que o ritual seguinte do dragão voador

sangrento seria realizado. Só isto seria sua chance de impedir que Bella e

sua irmã fossem feridas.

Percebera que Bella sairia assim que ele estivesse longe. Se não

tivesse prometido segredo a Wycliffe, contaria a ela que ninguém tinha

esquecido de Cora e outros estavam procurando seu assassino.

No momento em que pararam em frente à casa de Bella, soube que

não podia deixá-la. Teria que levá-la a algum lugar onde ficaria a salvo até

de manhã. Depois iria aos cortiços, encontraria Farrell, dormiria um pouco

voltaria aos cortiços até achar os loucos que tinham matado Cora e tantas

outras.

A carruagem parou diante de sua casa e Andrew deu ao cocheiro

outro endereço.

— Para onde está me levando?

— Para onde você não se meta em apuros. Respondera com mais

rispidez do que pretendia e ela endureceu o queixo, sinal de que estava

zangada. Mas era melhor ficar zangada do que ser assassinada num ritual.

O coche entrou no pátio de uma taverna nos subúrbios de Londres.

Pagou ao cocheiro, ajudou-a a descer e levou-a a uma sala pública deserta.

Henderson, o proprietário, surgiu com um largo sorriso.

— Sr. Hunter, há muito tempo não o vejo. Um quarto e o resto?

Ignorou o forte arquejo de Bella.

— Sim, Henderson, obrigado.

— Um prazer, senhor.

Pegou uma chave de um gancho atrás do balcão e lhe entregou.

— Levarei o resto num momento. Está calmo esta noite, o senhor

não será perturbado. Se precisar de alguma coisa, chame.

Page 122: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Andrew pegou a chave e levou Bella por um corredor estreito.

Sentia sua tensão, ela não facilitaria nada. Assim que entraram no quarto,

ela se virou para ele.

— É aqui que trás suas prostitutas, Lorde Libertino? Onde diabos

ela teria ouvido seu apelido? Ficou calado até Henderson chegar com uma

bandeja e uma garrafa de vinho, uma tigela de frutas e um prato com pão e

queijo.

Colocou tudo sobre uma mesa baixa entre duas cadeiras em frente à

lareira apagada, então abriu a janela.

— Está uma noite adorável, senhor. A chuva parou e o jardim está

com um perfume doce.

— Obrigado, Henderson. É tudo. Vamos sair cedo, assim não

precisa nos acordar.

— Sim, senhor.

Ele saiu, Andrew trancou a porta e voltou-se para Bella.

— Nunca prostitutas, Bella. Só trago mulheres de classe. Mulheres

que precisam de discrição.

Suas faces estavam vermelhas, de raiva ou indignação, ele não sabia.

— Mulheres casadas, quer dizer? Mulheres que não precisa pagar

para ter sexo?

— Exatamente. E se espera que eu me desculpe por isso, terá que

esperar muito. O que fiz e o que fui antes de conhecê-la não é da sua conta.

E se espera uma explicação por todas elas, ficaremos aqui por muitas se-

manas.

— Não me deve uma explicação. Só não pretendo ser mais uma na

longa fila de suas... suas...

— Amantes? — sugeriu, enquanto servia dois copos de vinho. —

Não imaginei que pretenderia. Nem a sujeitaria a destino tão terrível,

merece coisa melhor.

— Não foi isso que quis dizer.

Ele entregou-lhe um copo e ergueu o seu num brinde.

— A melhores dias, Bella.

— Sim, por Deus! — Ela ergueu o copo e bebeu. Uma brisa suave

levava-lhes o perfume do jardim. Ele a observou quando ela se inclinou na

janela para ver o jardim iluminado pela lua.

Só olhar para ela era uma tortura e ele percebeu a ironia. Tinha

ansiado por sentir de novo e agora sentia, amava e sofria por causa disso.

Mas não mudaria nada. Amar Bella era o que dava sentido à sua vida. Ela

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podia não amá-lo, podia nem querer que fizesse parte de sua vida, mas o

simples fato de ela existir o tirara da desolação.

Ela se voltou e suspirou, uma expressão de resignação no rosto.

— Então, se não pretende me seduzir, Lorde "Libertino", por que

me trouxe aqui?

— Para mantê-la a salvo, embora não acredite. Seus flertes podem

lhe custar mais do que um beijo.

— Parece, Lorde Libertino, que já custou.

— Pare de me chamar assim, Bella. O que aconteceu entre nós na

outra noite foi lamentável, mas nunca teria acontecido se eu soubesse a

verdade. Duvido que haja um único homem em Belmonde's ou Thackery's

que acredita que você era virgem. É claro que isso não justifica meu

comportamento, mas você poderia ter me contado em algum momento

daquela maldita sedução.

— Teria acreditado em mim?

— Não.

Claro que não. Pensaria que era uma mentira risível para fazê-lo

parar. Teria parado? Não, simplesmente usaria sua habilidade sexual, seu

conhecimento do que torna uma mulher dócil, maleável, teria persuadido-

a.

Ela aceitou sua negativa sem comentários e mudou de assunto.

— Pelo menos este lugar é limpo. Quanto tempo pretende me

manter aqui?

— Até ser tarde demais para você andar por Londres beijando

homens.

— O amanhecer.

— Ou bem perto disso.

— E pretende fazer isso todas as noites?

— Se for preciso.

— Não compreendo. Por que se importa?

— Talvez eu me importe comigo. Provavelmente seria enforcado

por matar os homens que beijar. Prefiro evitar isso.

Ela sorriu pela primeira vez aquela noite.

— Esta é uma ameaça vazia, Sr. Hunter.

— Experimente.

— Eu lhe contei tudo, fui a mais honesta possível. Por que não pode

fazer a mesma coisa?

Se ao menos pudesse! Maldito Wycliffe!

Page 124: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Tenho medo por você, Isabella 0'Rourke, não quero que nada de

mal lhe aconteça. Esta é a mais pura verdade.

Ela pareceu totalmente desconcertada e sem palavras. Ele se

aproximou e tirou o leve casaco de seus ombros. Ela estremeceu com a

brisa que vinha da janela aberta.

— Quer que feche a janela?

— Não, gosto do cheiro das flores e da chuva, me lembra minha

casa.

— Sente tanta falta assim?

— Queria nunca ter saído de lá.

— Posso imaginar.

Cora, é claro, e sua sedução.

Ele cortou algumas fatias de maçã e queijo e colocou-as num prato,

depois serviu um copo de vinho.

— Se quiser dormir um pouco, Bella, vá se deitar, ficarei sentado

aqui. — E indicou uma das cadeiras.

Ela o olhou, erguendo uma sobrancelha. Ele riu.

— Seria melhor se pudesse confiar em mim. Juro que não a

estuprarei.

— Perdi minha confiança depois que vim para Londres, Sr. Hunter.

— Não pode me chamar de Andrew?

Ela olhou para baixo e a delicada franja de seus cílios escuros sobre

suas faces rosadas acordou o desejo nele. Sentiu-se envergonhado, parecia

que Bella precisava apenas suspirar para ele ficar excitado.

— Andrew — disse, a voz tão baixa que ele mal ouviu. — Como

pegou o lenço de Cora?

— De Cora?

— O lenço que me entregou esta tarde.

— Você o deixou cair quando saiu da Casa Marlborough e eu o

peguei.

Ela suspirou e a tensão desapareceu. Estava contente por ter

perguntado, acreditara nele.

Ele terminou o vinho, tirou a jaqueta e pendurou-a nas costas da

cadeira. Não sabia por quanto tempo mais seria capaz de agir como o

protetor platônico quando ela cheirava a lilás e chuva fresca e apenas

ficava lá, parecendo perdida e solitária.

Ela se aproximou e pegou uma fatia de maçã.

— Parece que o Sr. Henderson conhece bem seus gostos.

— É um anfitrião muito atencioso.

Page 125: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— E todas as suas mulheres são iguais? Têm também os mesmos

gostos?

Havia alguma coisa velada na voz de Bella.

— Posso confiar em Henderson no que se refere a vinho, frutas e

queixo. Acho que ele pensa que você é melhor do que as outras, é a

primeira para quem trouxe frutas.

— Como saberia que tipo de pessoa eu sou?

— É um bom juiz de caráter.

— Mas não sou uma de suas mulheres.

— Sem dúvida, ele acha que você é boa demais para mim.

Ela sorriu.

— Ah, mas sabemos melhor do que ele, não é?

Ele tomou-lhe a mão e voltou-a para si.

— Não faça isso, Bella, não se diminua. Você é a única pessoa que

conheço que está fazendo as coisas sem egoísmo. Não tem nada a ganhar

ao procurar o assassino de sua irmã e tudo a perder.

— Foi minha culpa que Cora...

— Não foi sua responsabilidade. Cora era uma mulher adulta, agiu

sem seu conhecimento. Duvido que pudesse impedi-la. O que me incomoda

é o que está fazendo a você mesma. Houve mais de uma vítima no dia em

que sua irmã foi assassinada, Bella. Você foi a outra. Somos mais parecidos

do que imagina, querida. Fui para a guerra, você veio para Londres.

Ambos perdemos o que restava de nossa inocência e alegria, da crença

num futuro feliz e da capacidade de confiar. Mas, diferente de mim, você se

dedicou ao dever, não ao prazer. Queria encontrar qualquer conforto, qual-

quer divertimento que pudesse, porque acreditava que haveria poucos

amanhãs. Vi demais da selvageria dos homens, assim procurei as coisas

que pudessem me ajudar a esquecer. Você, Isabella 0'Rourke, viu a mesma

coisa, mas enfrentou a dor de perder sua irmã. Eu me tornei

vergonhosamente indulgente comigo mesmo, você se lançou no altar do

sacrifício. Não é uma coisa boa, meu amor. Uma decisão tão ruim como a

minha. Agora estou aqui, compreendo, e pretendo salvá-la de si mesma.

Os olhos dela brilhavam com lágrimas não derramadas. Ela lhe

tocou o braço e um choque o abalou.

— Ainda estou determinada...

Ele jogou as mãos para cima, exasperado.

— E eu também.

— Sei que estou em perigo e que se... quando encontrar o homem

que procuro, posso pagar com a vida. Mas não deixarei que isso me

Page 126: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

impeça. Quero que fique fora disso, Andrew. Se alguma coisa lhe acontecer

por causa da minha decisão, não suportaria.

Ele tinha apenas mais um argumento.

— Embora não tenha motivos para isso, estou lhe pedindo que

confie em mim. Só esta noite e amanhã, Bella. Fique em casa, fique a salvo.

Depois disso, eu...

— Permitirá que eu faça como quiser?

— Não lhe causarei obstáculos.

Mentiu com tanta facilidade e falta de remorso como nunca. Ele lhe

prometeria qualquer coisa para mantê-la fora do caminho até depois do

décimo terceiro ritual, depois do décimo terceiro sacrifício.

— Não acredito em você, há alguma coisa que não está me

contando, Andrew. O que mudará depois de amanhã?

Ele a tomou nos braços para silenciá-la da única maneira que podia,

com um beijo. Esperava que ela o afastasse, que lhe batesse no peito ou lhe

pisasse os pés, mas ela o surpreendeu respondendo a sua paixão uma

urgência inocente que o chocou profundamente.

Ele lutou contra a onda de desejo puro que o arrebatou. Tirou-lhe os

braços do seu pescoço e recuou.

— Inferno, Bella! Exatamente quando quero ser nobre, você torna

isso impossível! Não consegue ver o que está fazendo comigo? Como posso

lhe pedir para confiar em mim se não posso confiar em mim mesmo?

— Não quero que seja nobre, Andrew. Quero que me toque e me

faça esquecer quem eu sou e o que me tornei. Quero fingir que não há um

amanhã, que não há nada além de nós e desta noite. Quero fechar os olhos

e acreditar que você também me quer.

Ele gemeu. Ela o queria. Como poderia negar-lhe o que quer que

fosse sabendo disso? Envolveu-a nos braços e a abraçou com tanta força

que ela arquejou.

— Acredite, Bella, pode acreditar para sempre. Vou querer você até

o dia em que morrer.

Ela virou-lhe a cabeça e ele aceitou o convite.

Quando os lábios dela se abriram, ele se perdeu. A terra poderia

tremer e não seria capaz de parar.

Antes de perceber o que estava fazendo, havia-a despido-a e levado

para a cama, deitando-a sobre os travesseiros. Despiu-se e Bella ergueu os

braços para ele, recebendo-o junto a ela. Acariciou-lhe o braço e parou

quando chegou à atadura.

— Doeu? — perguntou.

Page 127: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Só por um momento — sussurrou, passando-lhe a língua ao

longo da borda da orelha. Sentiria muito mais dor se parasse o que estava

fazendo naquele minuto.

Os dedos dela continuaram a exploração, traçando os músculos de

seu peito, do seu ventre. Ele estremeceu à delicadeza de seu toque. Se ela

continuasse a descer, estaria perdido.

Segurou-Ilhe a mão e moveu-a para sua face, depois voltou o rosto e

beijou-lhe a palma.

— Guarde este beijo, Bella, e saiba que há um suprimento infinito

esperando por você — sussurrou. — Onde quer que vá, o que quer que

faça, estarei pronto para lhe dar mais.

Ela sorriu e era ainda mais bela à luz da lua.

— Que presente posso lhe dar?

— Isto — disse ele, mordendo-lhe o lóbulo da orelha. — E isto —

ele encontrou o ponto em seu pescoço onde o pulso batia. Ela misturou os

dedos em seus cabelos e o puxou para mais perto, contorcendo-se contra

ele. — E isto — gemeu, fazendo um esforço hercúleo para agir devagar.

Desta vez ele a faria sentir prazer.

Percorreu com beijos o caminho de seu pescoço ao seio e acariciou

um bico túrgido com a língua. Ela gemeu e ergueu um joelho para roçar-

lhe a perna e o quadril. Estava aberta para ele agora, totalmente

vulnerável. Ele escorregou a mão ao longo da curva de seu quadril, em

direção ao centro, percorrendo com um dedo a trilha que levava à junção

das coxas.

— Drew! — Ela arquejou.

— Silêncio, Bella. Estou abrindo meu presente. Tarde demais para

tomar de volta. Já é meu. — Encontrou o apertado feixe de nervos e o

acariciou com um toque gentil e seguro.

Ela arquejou e ficou rígida.

— O que...

— Uma interessante descoberta, não é, amor? Criou um ritmo gentil

até senti-la relaxada com seu toque.

Percebeu que fora inocente demais, amedrontada demais da primeira

vez e sentira urgência demais para reagir com plenitude ao que ele estava

fazendo. Pobrezinha. Ele a compensaria agora.

— Que outros segredos você esconde?

— Acho que você sabe melhor do que eu — admitiu com um

suspiro.

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Ele riu quando mergulhou um dedo mais profundamente,

encontrando-a úmida e pronta. Ele a invadiu, saboreando sua reação

docemente ingênua.

Abandonou-lhe o seio com uma última e leve mordida e beijou o

caminho até seu umbigo, onde traçou um círculo com a língua. As coxas

dela começaram a tremer.

Estava tão perto, tão perto.

Mas ainda não.

Ele abriu-a mais e percorreu com os lábios e a língua o caminho para

aquele adorável monte que era seu destino final. Segurando com firmeza

seus quadris, por que sabia que protestaria com choque virginal ou se

mexeria com a surpresa, tomou posse dela com sua língua.

Ela arqueou o corpo e emitiu um som suave que lhe causou arrepios.

Respirava com dificuldade e ele sabia que ela estava perto.

Oh, mas não ainda, não até...

— Por favor, Andrew! Por favor. Não posso suportar muito mais.

Ele se ergueu sobre ela e se acomodou nela. Estava tão excitada, tão

pronta, que a entrada foi fácil. Ela ficou rígida, mas não de choque ou dor.

Seus músculos internos se moveram e se apertaram em torno dele,

segurando-o com uma força erótica que lhe causou um prazer louco. Antes

que ela pudesse se recuperar do primeiro orgasmo, ele começou a se mover

de novo, encontrando o ritmo dela e levando-a com ele a um êxtase.

Mas ainda se segurou, até perceber que ela alcançara o alívio. E

então, numa mistura de prazer e explosão, ele atingiu a plenitude. E

encontrou Bella esperando por ele, os olhos fechados, as faces brilhando,

um sorriso curvando seus lábios inchados pelos beijos, uma mulher

completa.

Reconheceu seu langor, o desmaio chamado la petite mort. Sim, ele a

satisfizera e esse era o maior presente de todos.

Deitou-se ao lado dela e cobriu os dois com a colcha. Ele a deixaria

dormir um pouco, então a acordaria e a levaria para casa antes do

amanhecer.

Em seguida se encontraria com Farrell e descobriria o assassino de

Cora 0'Rourke.

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Capítulo Dezessete

O dia nascia quando Andrew deixou Bella em casa.

— Fique em casa esta noite, Bella. Eu a visitarei sábado à tarde, para

falar sobre seu futuro.

— Meu futuro? Mas...

— Não discuta comigo agora, tão cedo. Tenho que cuidar de alguns

assuntos.

Ele partiu. Bella gostaria de pensar no que dissera sobre seu futuro,

mas havia coisas mais prementes a fazer. Trancou a porta em silêncio,

subiu depressa a escada e parou diante da porta do quarto de Gina. Estava

entreaberta e empurrou-a. Nada. Gina não estava e a colcha não mostrava

sinais de uso. Sentiu o começo do pânico.

Tinha que dar o alarme, mas temia as lágrimas de Lilly e a histeria

da mãe. Foi para seu quarto deixar a capa e lá, no centro da cama, estava

ela. Ela pulou e a abraçou.

— Oh, Bella! Onde estava? Estou esperando há horas.

Sentiu um alívio enorme.

— Onde estava você? O Sr. Hunter me disse que a encontrou

quando saiu de casa ontem à noite.

— Oh, isso — Gina soltou-a e recuou, adotando um ar de

indiferença.

— Sim, isso. Combinamos que você ficaria em casa e cuidaria de

mamãe e Lilly.

— Não, Bella. Você combinou, eu me calei. Só por que você é a mais

velha, acha que pode mandar em mim. Bem, também sinto falta de Cora,

quero encontrar o assassino dela tanto quanto você. Apavoro-me cada vez

que você sai, temo não vê-la viva de novo. Lembro-me de Cora... e penso

que será assim que a verei de novo.

Bella sentiu remorso, nunca havia pensado em como suas atividades

afetariam Gina. A lembrança do rosto devastado de Cora também

assombrava os sonhos da irmã. Sentou-se numa cadeira e viu as lágrimas

escorrerem pelo seu rosto.

— Sinto tanto, juro que ficarei a salvo. Dê-me mais um dia ou dois e

paro, mesmo se não encontrar o homem.

— Você jura?

— Pela minha vida.

Page 130: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Graças a Deus. Tenho tido tanto medo por você. E então, esta

noite...

— O que aconteceu?

— Fui de novo ao teatro e encontrei as mesmas pessoas. O Sr.

Henley estava lá e se lembrou de mim. Fomos a... a... oh, Bella! Homens e

mulheres faziam pose num tablado. O Sr. Henley chamou de tableau

vivant. Estavam completamente nus!

Bella ouvira sobre essas performances, nas quais os participantes

vestiam roupas de época e encenavam um retrato famoso ou um evento

histórico.

— Gina, você não deve ir a lugar algum com o Sr. Henley de novo.

Acho que é um canalha.

— Acha que não sei? Mas é o tipo de homem que poderia saber o

que aconteceu a Cora. A última cena foi um exemplo. Não sei de onde saiu,

mas quando as cortinas se abriram, e as luzes se acenderam, havia uma

moça, nua, eu acho, deitada sobre uma mesa coberta por um tecido

vermelho que parecia um altar. No fundo, no lugar onde deveria haver

uma cruz, havia um grande triângulo e, dentro dele um círculo com o

esboço de um dragão. Um homem com uma túnica vermelha, com um

dragão negro bordado no peito, debruçava-se sobre a moça com uma faca

erguida acima da cabeça, como se estivesse prestes a ferir.

Triângulo! A testa de Cora!

— O que mais, Gina? O que mais você viu?

— O homem a atingiu e o sangue jorrou por toda parte! Foi

horrível, pensei que ela havia sido realmente ferida, mas então a moça se

levantou. O Sr. Henley disse que era um truque com uma bexiga de

ovelha, que quando o sacerdote feriu com a faca cortou a bexiga e liberou o

sangue. Foi pavoroso.

Certamente era o que havia acontecido a Cora.

— Quem era o sacerdote? Você o reconheceu?

— Ele não tirou a máscara. Era mais alto que papai, da altura do

"seu" Sr. Hunter. E sua risada... era apavorante, quase louca.

— Pode se lembrar de mais alguma coisa, Gina?

— O Sr. Henley disse que, se eu havia achado o tableau excitante,

poderia ver a coisa real. Ele me perguntou...

— O quê, Gina?

— Nada. Eu... todo mundo estava falando ao mesmo tempo. Não

consegui ouvir.

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A mente de Bella rodava. Isto era o que procurava, alguma coisa que

ligasse a sociedade à morte de Cora. Havia detalhes demais em comum

para ser apenas coincidência.

— Onde e quando você o encontrou, Gina? Em que teatro?

— Covent Garden, a Royal Opera House, antes da apresentação.

Então ela estaria do lado de fora da Royal Opera House às 8h30,

antes de seu encontro com Lorde Humphries em Belmonde's. Se o Sr.

Henley não a reconhecesse, falaria com ele. Faria o que fosse preciso para

conseguir um convite para a "coisa real". Mandaria chamar Lorde Wycliffe

e Andrew. Descobriria quem era o homem de túnica. Mas primeiro tinha

que se assegurar que Gina não iria interferir.

— Ouça cuidadosamente, Gina. Precisa prometer que ficará em casa

até tudo isso acabar. Não vai se encontrar com o Sr. Henley à noite.

A irmã olhou para outro lado e suspirou com resignação.

— Eu juro.

Esta não era a primeira vez que Andrew via Whitechapel à luz da

manhã e percebeu que os cortiços tinham uma aparência ainda pior do que

à noite.

Os clientes de Farrell tinham ido embora. Andrew se dirigiu à porta

e foi parado por uma mulher, que lavava o chão.

— Chame Farrel — disse a ela.

— Acabou de subir, não verá ninguém.

— Ótimo, então ainda não está na cama. Onde é a escada? — E

atirou-lhe uma moeda.

Ela indicou uma direção com um gesto de cabeça. Andrew

encontrou a escada estreita atrás de uma porta fechada e subiu. Havia

outra porta, trancada, e Andrew bateu. A porta se abriu e um valete

apareceu.

— Senhor?

— O Sr. Farrell, por favor. Diga-lhe que é Andrew Hunter.

O valete fechou a porta, deixando Andrew no corredor escuro. A

porta se abriu de novo e o valete recuou, para deixar Andrew entrar.

— O Sr. Farrell o receberá, senhor.

O valete lhe mostrou o caminho, passando por salas luxuosas e

muito limpas, até chegar a uma biblioteca.

— Pensei que nunca mais o veria, Hunter. Esperei a noite toda e,

quando não veio, pensei que tinha sido assassinado por causa de suas

perguntas.

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— Eu me atrasei. Mas depois do que aconteceu a Hank, estou

contente de ver que você ainda está entre os vivos.

— Tenho mais vidas do que um gato, Hunter.

— Descobriu alguma coisa?

Houve uma longa pausa e finalmente Farrell disse:

— Bem mais do que queria, mas não o bastante.

— Isso é meio incompreensível para mim. Pode explicar?

— Sim. Soube que Wilson está morto?

— O que aconteceu?

— Levou uma facada nas entranhas. Ninguém viu nada, ninguém

sabe de nada, ninguém fala nada. Sem testemunhas, embora isso seja muito

difícil de acreditar.

— Quando?

— Pouco depois que você o visitou. Suspeito que haja uma ligação.

— Hank e agora Wilson.

— Um quebra-cabeças, não é? Pensei que Wilson tinha ordenado o

assassinato de Hank, mas quem tem poder para matar Wilson?

O poder de Farrell era grande o bastante.

— Se Wilson sabia de alguma coisa, não revelou. Sugeriu uma

ligação com alguém da sociedade, mas foi tudo. Talvez seu assassinato não

esteja relacionado às minhas perguntas.

— Não se engane, a morte segue seus passos de perto, Hunter. Acho

que Wilson confiava no assassino, para deixar que chegasse perto o

bastante para ferir. Isso sugere que havia confiança e uma espécie de

conspiração.

Andrew concordou. Não lamentava a morte de Wilson, um lixo que

vendia mulheres para sacrifícios humanos.

Então percebeu a incongruência.

— Mas devia ter sido eu. Por que matar Wilson e Hank? Eu é que

fazia as perguntas. Por que não me mataram?

— Andei pensando nisso e acho que sei a resposta, mas você não

gostará dela.

— Quero saber.

— O assassino é alguém que você conhece, alguém próximo a você.

Por algum motivo, não quer matá-lo, mas também não quer que você saiba

o que está fazendo. Se fosse você, tomaria muito cuidado e não confiaria

em ninguém.

Page 133: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Andrew gostaria de negar, mas a lógica era tão clara que não pode.

Já pensara nisso, depois de tomar vinho drogado. Não quisera acreditar

que Henley lhes dera droga, mas o indício era evidente demais.

Henley tinha mudado nos últimos meses, tornara-se dissimulado e

reservado, bebendo mais. Ele e McPherson...

— Fazendo uma lista mental das pessoas em quem pode confiar?

— São muito poucas. Alguém mais vai morrer esta noite se não

encontrarmos as respostas para as minhas perguntas.

— Não temos muito tempo. Descobri muito pouco apesar de fazer

perguntas a todo mundo. Ouvi um pouco mais sobre o décimo terceiro

sabá. A maior parte é especulação, mas há uma parte de verdade, Se estiver

certo, você terá a informação de que precisa esta noite.

— O que ouviu até agora?

— Meia-noite, num lugar em Mayfair, com uma lista de convidados

de elite.

— Alguma mulher desaparecida?

— Nenhuma aqui. E no seu meio?

— Nenhuma que eu saiba. Descobrirei mais esta noite.

— Acho que a próxima vítima virá da sociedade, Hunter.

— Por quê?

— O sacrifício de uma virgem. Esta é outra coisa que tenho ouvido.

Há muito poucas virgens nos cortiços, e eles não usam crianças.

Andrew estremeceu à idéia de crianças sendo usadas por assassinos

daquele tipo. Farrell levantou-se.

— Quanto mais eu descubro sobre isso, mais quero que acabe.

Tenho algumas idéias, conheço pessoas com conexões importantes.

. — Eu também.

— Mantenha-se fora da investigação, Hunter. Quanto mais

perguntas fizer, maior o perigo que você corre. E acho que há alguém que

você precisa proteger.

Bella! Maldição! Era vulnerável demais, teimosa demais. Se não a

vigiasse, podia se encontrar no meio disso.

— Se não receber notícias suas, virei aqui às nove da noite.

Farrell acenou.

— Srta. Isabella! Desça depressa, o Sr. Hunter está aqui e diz que

não vai embora até vê-la!

A voz de Nancy estava quase histérica e Bella percebeu que mamãe

já deveria saber que tinham um visitante.

Page 134: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Desceu a escada correndo e Gina e Lilly se juntaram a ela. Como ela

e Andrew poderiam falar se as irmãs ficassem ouvindo?

Andrew estava em pé junto à janela, esperando-a, e se voltou

quando a porta se abriu. As três lhe fizeram uma rápida mesura.

— Sr. Hunter, que prazer vê-lo de novo — disse Gina.

— Obrigado, Srta. Eugenia, é bom ver vocês tão bem esta manhã.

— íamos tomar chá. Gostaria de se juntar a nós? — convidou Lilly.

— Não, obrigado, Srta. Lillian, vim apenas falar com sua irmã.

— Oh, não é trabalho nenhum, senhor.

Lilly mandou Nancy buscar o chá, depois se sentou no meio do sofá.

Gina preferiu uma poltrona e pegou seu bordado.

Andrew lançou a Bella um olhar de tanto desespero que a fez ter

vontade de rir. Ele sabia o que fazer nas situações mais difíceis, mas não

era capaz de lidar com suas irmãs numa sala de estar.

Indicou-lhe uma poltrona em frente ao sofá e se sentou ao lado de

Lilly.

— Está um dia adorável, não acha? — A expressão de Lilly era tão

inocente que Bella se perguntou como aperfeiçoara a arte.

— Adorável... sim — repetiu Andrew enquanto se sentava,

parecendo perdido. Olhou Bella.

— Gostaria de caminhar comigo no jardim, Srta. Isabella?

— Eu...

Um barulho na escada indicou que mamãe estava a caminho. Todos

os olhos se voltaram para a porta e mamãe entrou, o cabelo desarrumado, a

roupa amassada.

— Ah! O Sr. Hunter de novo.

Andrew se levantou e se curvou.

— Madame.

— Veio visitar Bella? Ela lhe disse que a família está de luto,

senhor?

— Disse, Sra. 0'Rourke. Mas há um assunto de importância que

gostaria de discutir com ela.

— Importância? O que a garota anda fazendo? — Mamãe cerrou os

olhos e fez um gesto em direção a Lilly e Gina, indicando a porta.

Lilly e Gina saíram, de má vontade.

— Bem, agora — disse mamãe, olhando para ambos. — Peço que

me conte o que está acontecendo aqui, Sr. Hunter. O senhor mal conhece

minha filha. Ela encorajou seu interesse?

Page 135: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Andrew ficou rígido e Bella compreendeu que se ofendera por causa

dela.

— Mamãe, estou certa de que o Sr. Hunter não teve a intenção de

insultar, apenas...

Mas a expressão de Andrew endurecera. Sorriu, dirigiu-se à mãe e

tomou-lhe o cotovelo.

— Como uma mulher do mundo, Sra. 0'Rourke, tenho certeza que

sabe como o interesse de um homem pode surgir depressa. — Ele começou

a levá-la para a porta, ignorando sua expressão atônita. — A Srta. Isabella

é a mais bela de suas filhas, assim sei que não ficará surpresa ao saber que

todas as cabeças se voltam para vê-la onde quer que vá. Certamente a

minha.

— Bem, eu...

— Mas a Srta. Isabella e eu precisamos de um pouco de tempo

juntos para saber se somos compatíveis.

— Mas seu nome não está na lista de Lady Vandecamp...

— E terei muito prazer em visitar Lady Vandecamp assim que lhe

for conveniente. No momento, porém — fez uma pausa para abrir a porta

a ajudar a mãe a sair —, a Srta. Isabella e eu precisamos conversar em

particular. Dou-lhe minha palavra que nada de mais acontecerá. Se eu

proceder mal, ela a chamará.

— Olhe aqui...

— Muito obrigado por compreender — e ele fechou a porta.

Andrew afastou Bella da porta e abaixou a voz.

— Deixe sua mãe comigo, Bella, eu cuido dela. Não pense mais nela.

Bella o olhou com espanto. Sim, certamente ele podia cuidar de sua

mãe.

— Não o esperava até amanhã.

— Precisava falar com você, ter certeza de que você e a Srta.

Eugenia ficarão em casa esta noite. Bella, prometa que não sairá.

— Já disse a Gina para não sair e ela prometeu que ficará em casa.

Mas ela tinha um encontro com Lorde Humphries

— E você, Bella? Ficará em casa?

— Gostaria que não me pedisse uma promessa que não posso

cumprir. Precisa parar de se sentir responsável por mim.

— Não posso evitar. Você compreende como me sinto culpado por

julgá-la mal. Se soubesse... Nunca forcei uma moça antes, Bella, e não

começaria com você. E a noite passada...

Ela sentiu o calor lhe tomando as faces.

Page 136: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Você não me forçou naquela noite em Thackery's, Andrew. Sabia

o que estava fazendo, o que queria, e fiquei calada. As coisas que você fez...

bem, nunca tinha me sentido assim antes. Sabia que podia fazer você parar,

quase fiz. Mas, no fim, queria tanto quanto você.

— Esta é a natureza da sedução, Bella. Usei meu conhecimento das

fraquezas de uma mulher para dominar seu bom senso. Você era inocente,

não estava pensando com clareza.

— Oh! Por que precisa discutir tudo o que digo? Apesar do meu

comportamento na sociedade, tenho um nome honrado, minha família é

importante e não me deixaria seduzir pelo primeiro homem bonito que

aparecesse. Pensa tão pouco assim de mim? Você deve ser estúpido!

— Estúpido? Pensar pouco de você? Desde o momento em que a

conheci, não pensei em mais nada. Permita que demonstre como eu a

considero.

Ele se aproximou e tomou-a nos braços, sua intenção clara.

— Já se perguntou por que não suporto a idéia de outro homem

beijá-la, Bella? Por que estou em toda parte aonde você vai?

— Pensei que era porque você não gostava de mim e do que estava

fazendo. Porque queria que eu sofresse por causa da morte do Sr.

McPherson. Agora não sei mais.

— Lamento por isso. Não, minha querida, eu a sigo porque estou

cativado por você. Nenhuma mulher jamais me interessou tanto. Sinto-me

possessivo em relação a você, não posso tolerar a idéia de que venha a dar

a outro homem o presente que me deu. Embora você tenha todos os

motivos para me odiar.

— Não o odeio.

— Ouça, com cuidado Bella, não tenho muito tempo antes que a

curiosidade de sua mãe a domine. Amanhã, quando tudo isto já estiver

acabado, virei de novo e consertaremos esta confusão. Quero que saiba que

sempre cuidarei de você, que nunca precisará se preocupar com o futuro

por causa do que eu lhe fiz, arruinando suas esperanças de maneira tão vil.

— Mas...

Ele abaixou a cabeça e roçou-lhe os lábios com um toque tão suave

que ela pensou estar sonhando. Ele gemeu e seus braços se apertaram

tanto em torno dela que lhe tirou a respiração. Ela ergueu os braços e

abraçou-lhe o pescoço, excitada com a lembrança da noite anterior.

Ele murmurou alguma coisa, tirou-lhe os braços do pescoço e

recuou, segundos antes de a porta se abrir e sua mãe entrar com Lilly e

Gina.

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— Olhe aqui! Isto é muito impróprio. Tenho que insistir que alguém

fique com vocês o tempo todo, Sr. Hunter. Lady Vandecamp aprovou suas

visitas, mas não haverá passeios sozinhos no jardim, pode esquecer.

— Como quiser, madame.

Fez-lhe uma reverência e saiu. Bella se sentiu aliviada, mais um

momento e teria lhe contado o que Gina vira e seus planos para a noite.

Mas ele tentaria impedi-la e não tinha a intenção de parar tão perto de seu

objetivo.

Page 138: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Capítulo Dezoito

Andrew bateu à porta do escritório de Wycliffe. Gostaria de esperar

mais por esse encontro em particular. Passara anos evitando-o, mas agora,

por causa de Isabella 0'Rourke, sabia que tinha que passar sua vida a

limpo. Por causa dela, para ser digno dela. Para o melhor e o pior, seus

segredos acabariam hoje, aqui e agora. Estava cansado de suportar o peso

de seus pecados, de sua culpa e da raiva que sentia de si mesmo.

No começo dissera a si mesmo que era para o bem da família de

Frederick, que seriam menos infelizes se não soubessem o que realmente

acontecera a seu filho e irmão. Depois se perguntou se não seria por

covardia, pela relutância de enfrentar as consequências de suas ações.

Qualquer que fosse a razão, o segredo o envenenara e quase o destruíra. A

prisão, mesmo a execução, seria melhor do que viver com o maldito

segredo um dia a mais.

Lamentava apenas por Isabella. Encontrara a coragem de confessar,

somente por causa dela, mas poderia perdê-la em troca. Já fizera os

arranjos para transferir fimdos para uma anuidade a ser paga a ela. Não

viveria na pobreza, não seria a parente pobre por causa do que lhe fizera.

Só restava agora confessar e terminar a tarefa de achar o assassino de

Cora.

Entrou quando Wycliffe respondeu à batida.

— Entre e sente-se, Hunter. Não fique aí de pé, parecendo que

perdeu seu cachorrinho de estimação.

Andrew sorriu, apesar de tudo. Fechou a porta, mas não queria se

sentar. Inquietação, culpa e o antigo hábito de ficar em estado de atenção

enquanto se dirigia a seu oficial-comandante o mantiveram em pé.

— Acho que tem novidades, Hunter.

— O décimo terceiro sabá é esta noite. Será em algum lugar em

Mayfair. Devlin Farrell está procurando a hora e o local exatos e me dará

as informações esta noite, quando as passarei a você.

— Excelente. Alertarei os guardas e chamarei meus agentes. No

momento que receber seu recado, eu os mandarei e...

— Prefiro que não faça isso. O ritual só começará à meia-noite ou

logo depois. Se perceberem alguma coisa incomum ou virem seus homens,

podem cancelar tudo ou encontrar outro lugar. Presumo que queira

apanhar os responsáveis e não só aqueles que caírem na sua rede?

Page 139: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Wycliffe acenou.

— Então acho que nossa única escolha é permitir que o ritual

comece antes de os guardas chegarem. Pegar os responsáveis no ato nos

mostrará não só quem está envolvido, mas quem é o chefe. Daria um ano

da minha vida para saber quem é o canalha.

— É arriscado. Se pegaram outra mulher para sacrificar e não

chegarmos a tempo...

— Levarei Jamie e Charlie comigo, com pistolas e facas nas botas.

— Como saberemos quando entrar?

— Dê-me um dos apitos dos guardas. Mantenha seus homens

escondidos até ouvi-lo.

— Isso deve funcionar. Mas acho que não devemos chamar todos,

isto precisa ficar em segredo. Quanto mais pessoas souberem, maior a

probabilidade de um vazamento.

— Gostaria de saber quantos estarão lá. Suponho que de 12 a 20

homens. Sei que eu e meus irmãos poderemos controlá-los por algum

tempo até os guardas chegarem. Teremos a surpresa do nosso lado. Mas

se houver um atraso...

— Não haverá.

Wycliffe o olhou, curioso.

— Por que não convocou Humphries? Parece o tipo de coisa que ele

faria bem.

— Você me disse que me escolheu por que meus amigos

provavelmente saberiam alguma coisa e que eu devia ser discreto. Você

estava certo, suspeito que alguns deles estão totalmente envolvidos.

— Mas seus irmãos...

— Charlie e Jamie participaram do ultimo sabá, mas não conhecem

os detalhes. Eu lhes confiaria minha vida.

— Então está bem para mim. Você sempre foi um excelente juiz de

caráter.

— Quanto a isto, Lorde Wycliffe, acho que está errado. Cometi

muitos erros, erros fatais.

— Tem alguma coisa a dizer, Hunter?

Sim, devia ter dito há muito tempo. Wycliffe soltou um suspiro tão

profundo que Andrew quase desistiu.

— Acho que sei o que quer dizer e isto não é realmente necessário.

— Não tem a menor idéia, senhor. E acredite, é necessário. Só

espero que, quando terminar, o senhor ainda me deixe terminar esta tarefa

antes de o senhor...

Page 140: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Pelo amor de Deus, Hunter, fale logo. Anos de culpa lhe

fecharam a garganta.

— Matei seu irmão.

Desta vez, Wycliffe nem piscou. Levantou-se e foi até a janela.

Andrew se preparou para o que sabia que viria, mas as palavras de

Wycliffe eram suaves e pensativas.

— Eu sei, sempre soube. Andrew não podia acreditar.

— Como...

— A família sabia o que Frederick era. Sempre soubemos.

Esperávamos que a guerra o amadurecesse, lhe despertasse alguma virtude

ou força de caráter.

— Ele...

— Era o caçula da família, compreende. Todos, desde a minha mãe

até as empregadas, o mimaram demais. Duvido que tenha ouvido a palavra

não antes de ir para a escola.

Andrew se sentou, as mãos fechadas e os músculos tensos.

— Por que não me disse?

— Você era seu oficial-comandante. Eu o designei para você porque

sabia que faria dele um homem ou morreria tentando. Ele o admirava,

sabe, achava que eram amigos.

— Nós éramos, senhor. Até não ser mais possível.

— Eu me culpo. — Wycliffe se virou. — Eu lhe dei as piores tarefas,

os postos mais perigosos, sabendo que era capaz e esperando que

Frederick aprendesse com seu exemplo. Quando o enviei para a última

tarefa... nossa inteligência errou. Não tinha informações corretas sobre o

que enfrentaria, ou teria enviado o regimento inteiro.

— O massacre... o ódio... Nunca tinha visto nada igual antes.

Nenhum de nós estava preparado.

— A guerra é sempre uma coisa muito feia, Hunter, um teste

implacável. Pode despertar o melhor ou o pior num homem. Para

Frederick...

— Valle dei Fuego. — Sua voz era rude, agora que o pior da

confissão passara, não conseguia para. — Nunca vi o inimigo tão

selvagem. E nossa reação foi... pior. Frederick lutou como um louco,

ninguém conseguia fazer com que parasse. Mesmo depois de ter

terminado, depois da rendição, ele parecia possesso. Ordenei que parasse,

Sanders agarrou-lhe o braço, para impedi-lo de matar uma mulher em pé

na porta de sua casa, chamando o filho que estava na rua. Frederick

esfaqueou Sanders e matou a mulher. Desejo de sangue, luxúria de morte.

Page 141: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Não conseguia chegar perto dele, havia corpos demais nas ruas. Sanders

morreu depressa e Frederick...ainda não conseguia parar. Acho que

enlouqueceu, matara homens demais ou vira sangue demais. Esqueceu o

elemento humano e os via apenas como obstáculos, como uma floresta que

precisava ser devastada.

Abriu os olhos e viu que Wycliffe estava muito pálido.

— Foi o bebê que me decidiu, senhor. O menino viu sua mãe

atingida e ficou apavorado. Correu para ela, quando ela caiu. Frederick se

voltou para atingi-lo. Ia matar um bebê com a baioneta, senhor.

— Então você o impediu da única maneira possível — terminou

Wycliffe.

As mãos de Andrew começaram a tremer.

— Ele era meu amigo. Nunca deveria ter ido àquela aldeia. Eu devia

ter visto o que estava acontecendo, reconhecido os sinais. Devia tê-lo

mandado para a retaguarda. Em vez disso, levantei meu rifle e...

— Você não poderia saber.

— Matei um amigo e um camarada de farda. Tirei a vida que tinha

sido confiada a mim. Uma coisa é morrer nas mãos do inimigo e outra nas

do seu oficial-comandante. Pensei que seria menos difícil para o senhor,

para sua família, pensar que ele fora morto pelo inimigo. Rezei para vocês

acreditarem que foi isso, e não covardia, o motivo do meu longo silêncio. A

verdade parecia tão cruel, tão desnecessária. Jurei nunca mais erguer a

mão contra um amigo e mantive meu juramento, mas vivi com a culpa que

fora eu que matara Frederick, não a espada do inimigo. Que num tribunal

inglês seria condenado à morte pelo que fizera.

— Está errado, Hunter, você fez o que poucos homens teriam a

coragem e a fortaleza moral para fazer. De qualquer maneira, consideraria

um favor pessoal se não tornar pública sua confissão.

Andrew se sentiu mais leve, mais limpo, como nunca se sentira

desde que voltara da guerra, a carga da culpa e dos anos desperdiçados

tirada de seus ombros. Acenou, mas tinha uma pergunta.

— Como sabia o que acontecera? Que tinha sido eu?

— Você mostrava sua dor e culpa como um distintivo. Eu também

tinha muita culpa na questão. E quando vi o que estava fazendo com você

devia ter lhe falado, mas não queria denunciar meu irmão. Eu também

acreditava que seria o melhor para a minha família.

— Quais são as acusações contra mim?

Page 142: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Não haverá acusações, Hunter. A guerra acabou, deixe seus

fantasmas descansarem, deixe que tudo isso acabe. Seria um grande favor a

mim se nunca mais falar disso.

Ele se levantou quando Wycliffe se sentou de novo.

— Agora vá, Hunter. Estarei esperando aqui por suas instruções.

— Sim, por volta da meia-noite.

Caixas e caixas de vestidos novos chegaram da costureira depois que

Andrew partira. Bella, Gina e Lilly tinham passado a tarde

experimentando-os.

Depois que mamãe se retirara para dormir, Bella escolheu um

vestido cinza-claro para ir à Royal Opera House e depois se encontrar com

Lorde Humphries. Preparou-se cuidadosamente, esperando conquistar um

beijo dele.

O relógio do quarto bateu 8h e Bella saiu para o corredor. Parou à

porta de Gina e bateu de leve. Sem resposta, abriu a porta. Gina não estava

e um olhar rápido às caixas mostrou que faltavam um dos vestidos e um

xale.

Gina saíra para encontrar de novo seus novos amigos. Ela jurara! Se

corresse, talvez a alcançasse no teatro. Bella jurou que a esganaria assim

que estivesse a salvo.

Bateu à porta de Lilly, que se espantou ao ver Bella vestida.

— Aonde vai, Bella? Mamãe e Gina sabem? Bella entrou no quarto e

fechou a porta.

— Gina saiu e vou procurá-la, acho que está correndo perigo.

— O quê? Perigo? Oh, Bella, não... não...

— Não! Fique calma, Lilly. Acho que só foi ao teatro. Espero

encontrá-la lá e trazê-la para casa. Queria lhe contar porque... bem, alguém

precisava saber. Por favor, não alarme mamãe. Mas...

— O quê? Por favor, não me deixe assustada assim.

— Se, por algum motivo, Gina e eu não estivermos em casa de

manhã, procure imediatamente Lorde Wycliffe no Home Office. Ele saberá

o que fazer.

— Oh, Bella! Em que você e Gina se meteram?

— Nada, nós apenas... — Lilly merecia a verdade. — Estamos

procurando o assassino de Cora.

Lilly respirou fundo.

— Se houver alguma coisa que eu possa fazer, precisa me dizer. Não

se preocupe comigo ou com mamãe. Apenas encontre Gina e a traga de

volta. Esperarei acordada, avise quando chegar em casa.

Page 143: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Bella lhe deu um abraço rápido e saiu. Chamou uma carruagem que

passava e chegou à Royal Opera House em poucos minutos. Mas não havia

sinal de Gina ou do Sr. Henley. Gina devia ter saído logo com ele, sabendo

que Bella estava a sua procura e sabia onde encontrá-la.

O Belmonde's era perto e foi a pé até lá. Biddle se curvou e pegou

sua peliça.

— Não vi o Sr. Hunter esta noite, madame.

— Obrigada, Sr. Biddle. Não estou certa se ele virá. Não pretendo

me demorar, posso deixar uma mensagem para ele, se vier?

— Claro, madame. Vou buscar papel e caneta.

Bella voltou ao foyer e estava escrevendo um bilhete para Andrew

quando ele chegou. Pareceu assustado e zangado ao vê-la, pegou-lhe o

braço e afastou-a dos outros.

— Não lhe disse para ficar em casa esta noite?

— Não lhe disse que preciso encontrar o assassino da minha irmã?

— O que uma noite pode significar para você? Deixe esta passar,

então eu a ajudarei como quiser.

Ela sacudiu a cabeça.

— Lady V. espera que eu participe dos eventos que está arranjando.

Se não for, ela me manda de volta para a Irlanda. Cada noite é preciosa.

— Maldição! — resmungou. Então segurou-lhe os dois braços e

apertou. — Não tenho tempo para isto esta noite, Bella, preciso saber que

está segura em casa para ter sucesso.

— E como poderei ficar em casa quando Gina não está?

— Onde está sua irmã?

Ele a levou para a alcova mais próxima e fez com que se sentasse.

— Conte-me o que está acontecendo, Bella.

— Gina resolveu ajudar a encontrar o assassino de Cora. Esta noite

ela foi se encontrar com um grupo em frente à Royal Opera House. Fui lá

imediatamente, mas era tarde demais. Não havia traço dela ou do Sr.

Henley.

— Henley?

— Foi com ele que ela marcou encontro. Ele se sentou junto dela.

— Que Wycliffe e seus segredos se danem! Bella, escute com

atenção por que não tenho tempo para repetir. Wycliffe nunca desistiu de

encontrar o assassino de sua irmã, queria que você acreditasse para usá-la

como isca.

— Não. Ele disse...

Page 144: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Ele lhe disse um monte de mentiras. Há quase duas semanas me

pediu para manter olhos e ouvidos abertos para atividades incomuns, como

sabás de feiticeiras ou rituais satânicos. Disse que estava tentando resolver

uma série de assassinatos de mulheres jovens que haviam desaparecido ou

cujos corpos foram encontrados com certas marcas. Cora era uma dessas

mulheres.

— Rituais satânicos? Mas ela tinha um admirador, alguém que a

sequestrou.

— Sim. Alguém em quem confiava. Só quando me contou por que

estava beijando homens compreendi seu envolvimento. Teria lhe contado,

mas Wycliffe insistiu em manter a coisa secreta. Garantiu que tinha

alguém cuidando de você e que eu também devia protegê-la.

— Então sabe há apenas alguns dias?

— Lamento, Bella. Mas agora você sabe de tudo.

— Quantas... quantas mulheres foram assassinadas?

— Pudemos encontrar traços de 12 mulheres, mas pode haver mais.

— Como sabe que minha irmã foi parte disso?

— As marcas deixadas nela. As coisas que foram feitas a ela. Bella,

acredito que Henley está envolvido e que vai haver outro assassinato esta

noite, a décima terceira vítima. Uma virgem, segundo nossas fontes.

— E Gina está com ele! Oh!

De repente, algumas das coisas estranhas que Gina lhe contara

fizeram sentido.

— Gina disse que o Sr. Henley a levou para ver um tableau vivant

ontem e que um assassinato ritual foi encenado. Ele lhe perguntou se ela

era virgem.

— Inferno, Bella! Vou levar você para casa agora.

— Mas...

— Não discuta comigo, eu vencerei e apenas perderemos tempo.

— Mas Cora disse que o assassino é moreno e alto, o Sr. Henley não

é nenhuma das duas coisas.

— Mas ele tem amigos que são. Ouça, só vim aqui para encontrar

meus irmãos. Já vi que James está jogando. Vou buscá-lo e encontraremos

Charlie. Tenho uma pista sobre onde e quando o ritual será realizado.

Você só atrapalhará e nos atrasará.

— Então vá, corra. Salve-a, Andrew. Vou para casa sozinha. Pedirei

a Biddle que chame uma carruagem.

Ele acenou, aliviado por ela ter concordado.

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— Irei a seu encontro assim que puder. Se Eugenia voltar para casa,

segure-a, mesmo que tenha que lhe dar uma pancada na cabeça.

Compreendeu?

— Sim! Agora vá.

Ele a tomou nos braços com força e a beijou como na noite em que

se conheceram, rude, frenético e faminto. Ela respondeu à fome,

desesperada para que ele ficasse e desesperada para ele ir depressa. Então,

sem outra palavra, ele se levantou, chamou o irmão e os dois saíram sem

olhar para trás.

Ela ficou sentada, esperando parar de tremer depois das terríveis

revelações. Mas havia alguma coisa, mais alguma coisa que ela devia

lembrar ou saber.

Depois de alguns minutos, ela se levantou e se dirigiu para o

vestíbulo. Biddle a viu e foi buscar sua peliça. Naquele momento, Lorde

Humphries chegou a Belmonde's, viu-a e sorriu.

— Não acreditava que estivesse aqui, minha cara. Acabei de ver o

coche de Hunter sair e pensei que estivesse com ele.

— Não estou me sentindo bem, vou para casa.

— Que pena. — Ele lhe tomou o braço e levou-a de volta ao salão.

— Espero que tome pelo menos um copo de vinho comigo antes. Acalmará

seus nervos, ou seu estômago, ou o que quer que lhe esteja causando mal-

estar.

— Realmente, Lorde Humphries, preciso ir.

— E você irá, minha cara, assim que tomar um copo de vinho com

uma erva especial, muito boa para qualquer tipo de desconforto.

Ela achou que seria melhor tomar o vinho para não chamar a

atenção e não protestou quando ele a deixou sentada na banqueta e saiu

para buscar vinho para os dois. Afinal, estavam num lugar público. Ele

voltou logo e lhe entregou um copo.

— Beba, Bella. Você se sentirá melhor em poucos minutos.

Ela bebeu um pouco e franziu o nariz.

— Estranho — observou.

— Só nos primeiros goles, depois melhora e faz efeito.

Em poucos minutos estava se sentindo melhor. A tensão diminuiu e

ela sorriu.

— Obrigada, Lorde Humphries, o senhor estava certo, estou me

sentido melhor. Mas agora preciso ir.

— Está bem, eu também tenho um compromisso. Vamos terminar e

vinho e sair? Eu a levarei para casa.

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— Não é necessário, senhor.

— Dash. Acho que ficamos amigos esta noite.

Ela sorriu, pensando como ele era encantador. E então, ocorreu-lhe

que ele esperava um beijo e estava disposta a beijar o demônio por Cora.

Tomou um pouco mais de vinho para criar coragem e olhou os olhos

escuros que a estudavam.

— Lorde Humphries, espero que compreenda, mas decidi me

emendar. Acho que não sairei muito no futuro e já beijei mais homens do

que devia.

— Oh, não penso assim, docinho. — Ele sorriu e ela sentiu um

arrepio gelado. — Pode se emendar depois que eu tiver o que meus amigos

tiveram. O que Drew Hunter teve. — Ela olhou-o, assustada. — Ah, vejo

que me entendeu, Bella. Estivemos muito perto disso por dias, não é? Não

está nem um pouco curiosa?

Estaria? O vinho lhe tirava a resistência, o relaxamento se

transformava em letargia. O que estava errado com ela? Não conseguiu se

mexer quando Lorde Humphries abaixou a cabeça. Deslizou um braço em

torno dela e segurou-lhe a cabeça com a outra mão, e então pressionou os

lábios contra os dela.

Ela o empurrou, numa tentativa inútil de afastá-lo e, então, sentiu o

gosto amargo. Ele a libertou e passou a língua nos lábios.

Amargo. Ela se sentiu fraca, amedrontada.

Era ele! O assassino de Cora!

— Você... você...

— Eu? Eu o que, querida?

Não conseguia pensar com clareza, sua voz era apenas um sussurro.

— Você... deixe-me ir.

— Oh, acho que não. — Ele segurou o copo contra os lábios dela e

derramou o restante do vinho em sua boca. Então se levantou e puxou-a,

apoiando-a com um braço em torno da cintura.

— Tente não se preocupar muito, Bella. Vai passar logo. Terá

tempo bastante para se recuperar antes das festividades.

— Cora.

— Ah, sim, a querida Cora era uma coisinha muito confiante.

Demorei um pouco para descobrir quem você era e por que me parecia

familiar. Segui-a e descobri onde vivia. Na casa de Cora! Costumava

esperar por ela no parque, do outro lado da rua.

Biddle franziu as sobrancelhas quando passaram por ele a caminho

da rua.

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— Hunter — ela conseguiu murmurar com a língua grossa.

Não sabia se ele a ouvira ou compreendera. Ele se voltou, como se

fosse buscar sua peliça, e então ela estava sendo empurrada para dentro do

coche de Lorde Humphries, caindo no assento de trás. Lorde Humphries

se sentou no da frente.

— Eu realmente preciso me lembrar de mandar flores para sua mãe,

Bella. Tão gentil da parte dela trazer para Londres três criaturas tão

deliciosas como você, a Srta. Eugenia e a Srta. Cora. Preciso pensar em

alguma coisa igualmente divertida para a pequena Srta. Lillian. Sempre

senti grande atração por irmãs.

E com isso, uma grande escuridão desceu sobre ela. Seu último

pensamento racional foi que não era virgem. Enganara Lorde Humphries

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Capítulo Dezenove

Andrew deixou Jamie e Charlie no bar e foi ao escritório de Farrell,

onde já era esperado.

— Então, conseguiu o que quero?

— Sim, mas antes de entregar quero saber quais são os seus planos.

— Fazer isso parar, acabar com isso de uma vez por todas.

— Imaginei isso. Mas como?

— Só saberei na hora, quando estiver no meio da coisa. O que

fizermos dependerá de quem, quantos, onde e quais os recursos que

tivermos à mão.

Farrell pareceu não gostar.

— Aconselho a irem armados até os dentes. Levem tudo o que

puderem carregar.

— E o que planejamos.

Farrell tirou uma bolsa da gaveta da escrivaninha e jogou-a para

Andrew.

— Aí estão seus convites.

— Céus, quem manda convites para um sacrifício?

— Não conheço os costumes para esses eventos, sei apenas que este

é muito exclusivo.

Andrew abriu a bolsa e encontrou dois convites luxuosos. Eram

impressos em pergaminho vermelho e dobrados em triângulos. Dentro do

triângulo havia um círculo e dentro dele um dragão voador, confirmação

de que isto envolvia a Blood Wyvern Brotherhood.

— Apenas dois?

Acha que esses vermes não perceberiam a chegada de um exército?

Acho que apenas dois podem entrar sem chamar a atenção. Escolha bem

seu convidado, alguém que tenha um bom soco. E você tem alguma idéia

do que estes convites me custaram?

Andrew imaginava que fosse bem mais do que Far-relll lhe devia.

— Como os conseguiu?

— Descobri o impressor e fiz com que imprimisse estes. Estava

aterrorizado, mas eu o persuadi. Descobri os outros também, comerciantes

com ordens incomuns para vinho e enxofre, alfaiates contratados para

fazer túnicas negras. Fizeram mais duas para mim. Todos receberam

pagamento adiantado em dinheiro. — Farrell tirou de uma gaveta um

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embrulho de papel e o estendeu para Andrew. — Mas o melhor indício foi

uma grande compra de ópio. O canalha vai precisar da droga para garantir

submissão e silêncio durante o ritual. Gritos chamariam a atenção dos

guardas.

Andrew não conseguia imaginar a perversidade necessária para

conceber tais coisas. Olhou os convites. As palavras onze e meia estavam

impressas em preto sobre o emblema.

— Há uma hora, mas não um endereço.

— Isso foi um pouco mais difícil. Descobri um agente imobiliário

que alugou recentemente a antiga mansão Ballinger em Mayfair. Conhece?

Andrew acenou.

— Há uma pequena capela atrás da mansão, ligada à casa por um

túnel e aposto que é lá que o ritual acontecerá.

— Quem assinou o contrato?

— A transação foi feita pelo correio, o aluguel pago em dinheiro e o

nome é, sem dúvida, falso, como é o nome do homem que ordenou o vinho

e as túnicas. Ou você conhece alguém chamado Wyvernman?

— Nem mesmo sutil.

— Quem quer que seja, sabe cobrir seus traços. Dinheiro compra

consciências e silêncio.

— Há mais alguma coisa?

— Sei que não preciso adverti-lo que está lidando com pessoas

muito perversas, mas preciso lembrar de novo que são próximos de você,

amigos, talvez até da família.

— Não comece a me esconder as coisas. Se há alguma coisa que devo

saber, prefiro ouvir de você.

— Só quis deixar claro que é preciso usar a maior discrição. Você

sabe que a escuridão no coração de um homem é secreta. Confia totalmente

nos que lhe são mais próximos?

O homem estava certo. Andrew confiava em poucos homens, mas

seus irmãos estavam entre eles, Lockwood, Jamie e Charlie. Não hesitaria

em confiar minha vida a qualquer um deles.

— Tenha muito cuidado e preste atenção nos que estão a seu redor.

Vestidos com túnicas e capuzes, você não reconhecerá ninguém. Seria uma

pena se matasse o homem errado.

— Uma grande pena.

Encontrou os irmãos ao sair, bebendo cerveja, e lhes passou os

convites.

— Dois? — perguntou Jamie.

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— Foi o que Farrell conseguiu, além de duas túnicas. — Mostrou o

embrulho.

Charlie olhou do embrulho para os convites.

— Parece que tomaram precauções extraordinárias para uma

simples festa.

Andrew pareceu embaraçado. Jamie percebeu e perguntou;

— O que está por trás disso, Drew?

— Segundo os boatos, vai haver um sacrifício humano esta noite.

Tudo o que descobri me faz acreditar que é isto. —- Apontou para os

convites.

— Em que você se meteu, Drew? — perguntou Charlie.

— Em mais problemas do que posso resolver sozinho. Quem vai

comigo?

— Eu — disseram os irmãos ao mesmo tempo. Andrew suspirou de

alívio.

— Qual é o jogo? — perguntou Charlie.

— Vamos dar um fim nisso. Se possível, prender os líderes e

entregá-los a Lorde Wycliffe do Home Office.

— Não será fácil.

— Vamos ter problemas e não me surpreenderei se houver violência.

Quem está arranjando isso é um assassino. Até agora, 12 mulheres

morreram, talvez até mais, sobre as quais nada sabemos. E acredito que

mandou matar Hank e Wilson quando comecei a fazer perguntas. Farrell

será o próximo se não o detivermos.

— Farrell pode cuidar de si mesmo — disse Charlie.

— Pensei a mesma coisa sobre Wilson.

— Temos um plano? — perguntou Jamie. Andrew tomou uma

rápida decisão.

— Jamie virá comigo. Levaremos todas as armas que pudermos

esconder nas roupas ou sob as túnicas. Charlie, você esperará do lado de

fora, escondido. Vigie quem chega ou sai. Tem papel e lápis?

Charlie acenou.

— Tome nota de quem você reconhecer. Se alguma coisa sair

errado, vá diretamente a Wycliffe.

Andrew entregou-lhe o apito que recebera no Home Office.

Charlie pegou o apito e franziu as sobrancelhas.

— Todo o maldito negócio está errado. Por que não chamamos

Wycliffe logo?

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— Por que invadiriam o local antes de encontrarmos provas. E há

muitos deles para se disfarçarem. Quero deter esses canalhas de uma vez

por todas, não apenas estragar uma noite.

— Sim, mas como saberei se alguma coisa deu errado?

— Estou confiando no seu instinto, Charlie. Mas tome cuidado. Se

chamá-los cedo demais, não teremos as provas de que precisamos para

condená-los em Old Bailey. Se chamá-los tarde demais... Wycliffe estará

no escritório, mas se não conseguir chegar a ele chame o guarda mais

próximo e mande que vá buscar Wycliffe.

Eles se levantaram para sair e Charlie pôs o apito no bolso da

jaqueta, de onde tirou um papel selado.

— Maldição! Esqueci de lhe entregar isto. Foi Biddle que mandou.

— Biddle? — Andrew virou o papel. Não havia nada escrito, mas

reconheceu o selo. Byron Daschel, Lorde Humphries.

— Sim. Disse que Dash deixou para você e que era uma coisa que

você gostaria de ter.

Andrew levantou o selo e desdobrou o papel. Um per-gaminho

vermelho triangular caiu. Era familiar.

Um convite. No papel, um bilhete de Dash. "Acho que é isto que está

procurando. Divirta-se."

— Dash não estava lá?

— De acordo com Biddle, acabara de sair. Ah, sim, há a segunda

parte da mensagem. Alguma coisa sobre a Srta. 0'Rourke.

— O que sobre Bella?

Biddle disse que ela estava saindo quando Dash chegou e ficou para

tomar um copo de vinho com ele. Parece que ficou doente. Biddle disse que

estava quase desmaiada quando Dash a levou. Deixou a peliça também. Ele

não o incomodaria se a Srta. 0'Rourke não tivesse chamado seu nome

antes...

Mas Andrew não ouvia mais. Bella estava bem quando a deixara,

para ficar doente tão depressa...

Deus! Não Dash. Henley. Fora Henley que atraíra Eugenia,

acostumara-a a se encontrar com ele, confiar nele. Fora Henley que a

levara esta noite, Henley que pusera droga no vinho no último ritual.

Henley, conhecido por gostar de coisas bizarras. Mas não Dash. Não podia

ser.

— Mais alguma coisa que esqueceu, Charlie?

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— É claro que não. Acha que pode me jogar na cabeça esta história

de sacrifício humano sem eu me abalar? Só demorei alguns minutos para

lhe dar a mensagem.

Andrew estava dividido entre procurar Bella e Dash e seguir os

planos. Mas como poderia se concentrar quando não sabia o que

acontecera a Bella?

— Charlie, vá à casa das 0'Rourke em James Street. Tente descobrir

se Bella e Eugenia estão lá sem causar alarme.

— E você?

— Quando descobrir que estão em casa, venha nos encontrar.

Estaremos na mansão Ballinger em Mayfair. Se elas não estiverem em

casa, encontre Wycliffe e traga-o.

— Ela tem alguma ligação com o que vai acontecer esta noite? —

perguntou Charlie.

— O sacrifício desta noite será de uma mulher, mais precisamente

uma virgem. Bella e a irmã estão desaparecidas.

Charlie saiu sem mais uma palavra. Jamie deixou algumas moedas

na mesa e olhou para Andrew.

— De uma forma ou outra, vamos encontrar as moças 0'Rourke.

Não duvide e não deixe que isso o perturbe.

A náusea tomou conta de Bella quando abriu os olhos. O cheiro de

mofo na escuridão úmida piorou a sensação e a fez rolar de lado no catre de

palha. Uma única vela tinha sido presa ao chão de pedra, mostrando a sala

pequena, quadrada e sem janelas.

As vozes que a haviam acordado eram fracas, como se viessem do

lado de fora da porta. Uma era de Lorde Humphries e a outra era

vagamente familiar. Não conseguia ouvir tudo, mas ouviu o bastante para

perceber que estava em perigo.

— ...duvido que seja virgem — Lorde Humphries estava dizendo. —

Hunter a caçou como um garanhão no cio e raramente fracassa. Mas será

uma ótima surpresa para ele, não acha?

— Sim, mas e se ele não vier? E se Charlie não entregar o convite?

— Ele virá de qualquer maneira. Está procurando por nós há

semanas e finalmente se juntará a nós esta noite. Será um de nós de novo,

exatamente como na Espanha.

Andrew. Teria mentido para ela, estaria envolvido nisso? Não, senão

ela não seria uma surpresa. Estaria em perigo por causa dela, desconfiaria

que o amigo era um assassino?

Page 153: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

— Ela não voltou a si. Quanto lhe deu?

— Mais do que daria normalmente, mas tinha que tirá-la do

Belmonde's sem que ela causasse alarme. Seria uma pena se ela não

acordasse e tivéssemos que colocá-la no altar inconsciente, gosto delas

quentes e lutando.

Bella estremeceu, o medo aumentando a náusea. Uma chave rodou

na fechadura e ela segurou a bile. Fechou os olhos e acalmou a respiração,

esperando adiar a hora em que teria que enfrentar Lorde Humphries.

A porta se abriu e uma longa pausa se seguiu, enquanto ela

permanecia imóvel.

— Quanto você disse que lhe deu?

A ponta de uma bota tocou-lhe o quadril.

— Ela já deveria ter voltado a si. Posso ter calculado mal, ela é

pequena e esta foi sua primeira dose. Espero que não tenha sido o bastante

para matá-la.

— Ainda está respirando. O que acha de levá-la agora? Os outros

não se incomodarão, já que Eugenia ainda é virgem — disse a outra voz.

Gina! Eles a haviam sequestrado e pretendiam matá-la esta noite!

Teve que fazer um esforço sobre-humano para não gritar. Fingir

inconsciência era sua única chance.

— A idéia é tentadora, mas temos coisas a fazer. Eugenia precisa ser

preparada e os convidados estão começando a chegar. Um de nós está

guardando a porta da capela, recebendo os convites e encaminhando os

convidados para a sacristia, mas não confio nele para manter a ordem até

que os ritos comecem. Você, Henley, desempenhará o serviço.

A porta se fechou, mas Bella não ouviu a chave girar na fechadura.

Ficou quieta por mais um minuto e arriscou abrir os olhos. Sim, tinham

ido embora e na hora certa. Um suor úmido cobriu-lhe a testa e ela

vomitou, esperando se livrar dos últimos efeitos da droga. Encontrou um

jarro com água e bebeu, para limpar a boca.

Encostou o ouvido na porta, mas nada ouviu e cautelosamente girou

o trinco. A porta se abriu e ela olhou o corredor. Percebeu uma escada que

levava para cima e outro corredor que cruzava com este, confirmando sua

suspeita de que estava num subterrâneo. Não adiantaria gritar para pedir

socorro, ninguém ouviria, apenas alertaria seus raptores.

Fechou a porta, sabendo que não poderia apenas sair sem saber para

onde ir, arriscando-se a encontrar Lorde Humphries ou Henley. Precisava

pensar e depressa. Tinha que fazer planos, encontrar Gina e dar um jeito

de ambas fugirem. Mas como?

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Com um ruído surdo, o vidro de uma janela do primeiro andar da

mansão se quebrou. Andrew tirou os cacos e subiu, enquanto Jamie

esperava segurando o embrulho com as túnicas.

Haviam percebido luzes fracas na pequena capela, mas nenhuma na

mansão. Tinham convites, mas seria melhor se entrassem sem serem

percebidos. A melhor maneira seria encontrar o túnel que ligava a casa à

capela. Jamie jogou o embrulho pela janela e entrou.

— Seria mais fácil se você perguntasse a Dash se podia me levar.

— Não quero que ele saiba que você está aqui. Até vermos como

estão as coisas, é melhor manter sua presença em segredo.

Jamie concordou com um aceno.

— Agora temos que encontrar a cozinha, o túnel sai de lá.

Os dois se dirigiram para os fundos da casa e encontraram o que

estavam procurando, uma porta na parede interna.

— Deve levar à adega, vamos por ela.

Ele estava certo. Uma lanterna estava pendurada à parede e lançava

uma luz fraca na escuridão abaixo. Desceram a escada.

— Por que estas coisas são sempre realizadas em algum

subterrâneo?

— Mais perto do inferno — Andrew sussurrou, e Jamie sorriu.

No pé da escada, voltaram-se em direção a uma porta entreaberta.

Passaram por ela e caminharam pelo túnel em direção à capela. Quando

chegaram a outra porta, Andrew pôs a lanterna no chão e prestou atenção.

Nem um som. Tirou o relógio do bolso e viu que eram quase onze e meia.

Se tivessem sorte, todos os guardas já estariam a caminho da capela.

Abriu a porta pesada e entraram em outro corredor, mais bem

iluminado, com arcos e nichos. Perceberam que estavam no mausoléu da

família, abaixo da capela. Andrew sussurrou:

— Jamie, vista sua túnica. Se encontrarmos alguém, direi que você

está me levando para a capela.

Jamie concordou e abriu o embrulho. Andrew escondeu a túnica

extra atrás da porta enquanto Jamie vestia a sua e abaixava o capuz.

Andrew esperava reconhecê-lo, mas deviam combinar um sinal.

Lembrando-se de esconder sua arma, Jamie empurrou uma longa

adaga na bota e se voltou para Andrew.

— É melhor me dar a sua, se eles o revistarem vão querer que a

deixe na sacristia.

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Andrew entregou-lhe a faca. Não levara a espada, sabendo que não

teria como escondê-la. Sabia que haveria violência e alguém podia morrer,

rezava para que não fosse Bella.

Andando silenciosamente pelo corredor, seguindo o distante som de

vozes, Bella experimentava abrir as portas pelas quais passava, sem

sucesso. Gina tinha que estar em algum lugar por aqui. O som das vozes

aumentou quando se aproximou de uma curva na passagem, onde só havia

mais uma porta. Experimentou o trinco, a porta se abriu e ela entrou.

O quarto tinha um catre e uma vela, como o outro em que estivera

presa. Viu ganchos atrás da porta e neles as roupas de Gina, o que

significava que ela estava nua.

Lembrou-se do que Andrew lhe dissera, um ritual de sacrifício, o

sacrifício de uma virgem...

Uma mão lhe cobriu a boca e outra passava por seu corpo,

prendendo-lhe os braços e puxando-a contra uma forma rija e magra.

Tentou gritar, mas não conseguiu. Lorde Humphries voltara para pegá-la!

— Silêncio! — Uma voz familiar sussurrou em seu ouvido. Quase

desmaiou de alívio. Acenou e, quando ele afrouxou o aperto, ela se voltou e

atirou os braços em torno de seu pescoço.

— Andrew! — murmurou. — Oh, graças a Deus! De onde veio?

Encontrou Gina?

— Jamie está comigo, esperando no corredor. Venha. Bella seguiu

Andrew de volta ao corredor e James os seguiu. Chegaram a uma porta e

Andrew a fez passar para um túnel mais escuro, o chão de terra. Depois

que James passou, fechou a porta.

— Inferno! Sei o que aconteceu, Biddle me enviou uma mensagem

sobre o que Dash fez. Está bem, Bella? Ele a feriu? Tocou-a?

Ela negou com um gesto de cabeça.

— Ele me forçou a beber um vinho amargo. Agora sei que estava

drogada. Não me lembro de nada desde que saí de Belmonde's e acordei

aqui.

Ele a tomou nos braços e beijou-lhe a testa.

— Graças a Deus. Mas o que vou fazer com você? Não posso deixá-

la aqui e não posso levá-la comigo.

— Não há tempo para levá-la para casa. Terá que vir comigo —

disse James.

— Não, é muito perigoso.

— É mais seguro mandá-la para casa sozinha. Ou deixá-la no túnel?

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— Parece que não tenho escolha. Bella, vá com Jamie e fique a seu

lado, não importa o que acontecer.

Curvou-se e pegou a túnica extra.

— Vista isto. Mantenha o capuz bem abaixado e suas mãos nas

dobras, são tão claramente as mãos de uma dama. — Ergueu uma delas e

beijou-lhe a palma.

— Mas onde você estará?

— Estarei lá também, mas virei como os outros. — Voltou-se para o

irmão. — Jamie, espere o ritual começar para entrar. Se precisar levar o

cálice aos lábios, não beba. Tenho certeza de que há ópio na bebida.

— Gina...

— Ela está aqui em algum lugar, Bella. Não vou deixar que nada lhe

aconteça. Não deve gritar ou tentar se aproximar dela. Compreende? —

Esperou que ela acenasse. — Agora vá. Tenho que me apresentar à porta

da capela.

Ela olhou até ele desaparecer na escuridão do túnel. Sabia que

arriscaria tudo, inclusive a vida, para atingir seu objetivo.

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Capítulo Vinte

Andrew pulou a janela da casa e se dirigiu para a entrada da capela.

Um homem de túnica esperava no vestíbulo e recebeu seu convite.

— Chegou na hora. Vamos fechar as portas. Não seria bom ter uma

interrupção.

— Henley?

— Sim.

Henley fechou e trancou a porta e disse:

— Vá para a sacristia enquanto termino de fechar tudo. Dash deixou

uma túnica para você.

Descobriu a sacristia entre o vestíbulo e a nave. Era uma sala

pequena, com um banco no meio e prateleiras e ganchos nas paredes. A

julgar pelo número de jaquetas, chapéus e outras peças de vestuário,

haveria mais convidados do que pensara. Um grande número de pistolas,

facas e espadas estavam no banco. Henley entrou e ficou atrás dele,

dizendo.

— Sem armas.

— Não trouxe nenhuma. Que importância tem?

— Depois que o cálice começar a passar, alguns podem ficar meio

violentos. Dash não quer problemas.

Dash seria o responsável, não Henley? Não queria acreditar que o

amigo fosse culpado de tanta crueldade e traição, mas os indícios contra

ele aumentavam.

Sentou-se no banco, tirou as botas, virou-as para mostrar a Henley

que não estava escondendo armas, depois calçou-as. Henley bateu nos

bolsos do casaco, para se assegurar de que não tinha uma pistola, recuou e

esperou Andrew vestir a túnica negra.

Vestiu a túnica e cobriu a cabeça com o capuz. Percebeu que Henley

o vigiava de perto e desistiu de esconder uma arma sob a túnica. Agora

dependia apenas de Jamie.

— Mostre o caminho, Henley.

— Sem nomes. E mantenha o capuz abaixado o tempo todo. Não fale

a menos que seja parte do ritual. As identidades precisam ser protegidas.

Henley o levou à nave, em direção ao altar. Um tapete vermelho fora

enrolado para mostrar um alçapão, com um pesado anel de metal para

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puxá-lo. Quando Henley o abriu, ouviu o som de cântico que subia da

escada até cies.

— Começaram — sussurrou Henley, uma nota de excitação na voz.

Andrew desceu a escada de pedra, em direção a um fraco brilho

amarelo. Parou quando chegou a uma estreita antecâmara no fundo. Havia

uma pequena porta fechada de um lado e uma entrada em arco no ponto

mais distante. Andrew esperou por Henley e juntos entraram no câmara

mortuária através da passagem em arco.

O leve odor de incenso de almíscar se misturava a alguma coisa mais

estranha, alguma coisa que ao mesmo tempo seduzia os sentidos e

queimava os olhos. Haxixe? O ar úmido estava pesado com fumaça e

neblina, emprestando uma qualidade de sonho à cena. Um cântico suave e

rítmico enchia o ar e era estranhamente hipnótico. A luz de pequenas

tochas, que alternadamente escondia e revelava, era a única iluminação.

O que viu no mausoléu causou a Andrew um momento muito ruim.

Havia mais pessoas na sala do que podia contar. Estavam reunidas num

círculo em torno de uma laje de pedra, onde no passado deveria haver um

altar ou o corpo de um Ballinger, pronto para o enterro num dos sepulcros

que se sucediam nas paredes. Um braseiro brilhava num canto e de lá subia

a fumaça do haxixe.

Além estava um tonel de vinho, de onde era tirada a bebida que

enchia uma jarra. E, como esperara, um cálice estava sendo passado.

Entre o ópio, o haxixe e o canto hipnótico, em pouco tempo todos

estariam insensíveis, prontos para participar de qualquer coisa, não

importa quão bizarra ou grotesca.

Andrew deu um passo de lado, separando-se de Henley e tentando

se misturar aos outros, enquanto procurava descobrir quais das figuras de

túnica poderiam ser Jamie e Bella. Teriam chegado à reunião? Olhou a

passagem para o túnel na parede à direita e percebeu que teria sido fácil

para eles.

Onde estava Dash? Ele e Jamie eram do mesmo tamanho, como um

ou dois outros na reunião. Mas Bella... certamente conheceria sua forma

em qualquer lugar, mesmo de túnica. Uma investigação rápida lhe

mostrou uma figura alta, perto de uma forma menor. Um aceno

imperceptível revelou a Andrew que Jamie também o havia notado. Teria

que prestar atenção a eles para não perdê-los quando a confusão

começasse.

Tinha que esperar que Eugenia fosse trazida. Se alguma coisa os

traísse antes, Henley e seus cúmplices teriam tempo de fazê-la desaparecer.

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Alguém tropeçou nas pedras irregulares do chão e outro o segurou

pelo cotovelo, permitindo a Andrew reconhecer um perfil sob o capuz.

Throckmorton. Quantos mais de seus amigos estariam ali?

Henley se dirigiu para a cabeceira do altar, ergueu uma grande jarra

sobre a cabeça e levantou a voz acima da dos outros, num canto sem

sentido. Então encheu a jarra de novo e salpicou o vinho na laje de pedra,

numa consagração profana.

O cálice foi passado de novo de mão em mão, enchido pela jarra de

Henley a intervalos. Estava quase cheia quando chegou a Andrew. Ele o

levou aos lábios e fingiu beber antes de passá-lo para a pessoa próxima a

ele. Enxugou a boca com a manga da túnica, temeroso de que mesmo a

menor quantidade pudesse torná-lo tão insensível como o resto.

Observou que Jamie e Bella fizeram o mesmo que ele. Jamie se

aproximou, mas Andrew indicou o túnel com um leve movimento de

cabeça. Jamie parou, mas não recuou. Andrew queria-os o mais distante

possível quando a confusão começasse.

Uma batida de tambor veio da antecâmara e todos se voltaram para

o arco. Andrew se lembrou da porta na antecâmara. Seria lá que Eugenia

estava?

Houve um clarão e o cheiro acre de enxofre. Pólvora, sem dúvida.

Uma figura vestida numa túnica vermelha saiu da fumaça, os braços

abertos.

— Sejam bem-vindos, irmãos!

E a batida dos tambores aumentou num crescendo.

Dash, seu melhor amigo, seu aliado num mar de inimigos. O homem

que lhe salvara a vida e lutara ombro a ombro com ele. E que guardara seu

segredo de culpa todos aqueles anos. Até um dia antes, suspeitara que

Dash fosse o agente secreto de Wycliffe.

Esta noite compreendia que as lembranças que Dash tinha da

Espanha, do Valle dei Fuego, o haviam arrastado para lugares ainda piores

dos que aqueles que Andrew frequentara.

A congregação começou a cantar. As palavras eram indistintas,

percebia apenas as expressões dragão vermelho e Mestre. Andrew quase

sentia o cheiro da excitação e urgência crescentes. Alguns deles, pelos

menos, sabiam o que viria e mal podiam esperar. O homem com a túnica

vermelha, Dash, substituiu Henley à cabeceira da laje de pedra.

— Vocês vieram, irmãos, nesta mais sagrada das noites, para

celebrar a brevidade da vida e os prazeres da carne. Vivam enquanto

puderem!

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Gritos ecoaram no túnel. Não seriam ouvidos na rua, o alçapão

abafaria todos os sons, vivas e gritos.

— Do sangue dos inocentes tiramos nossa força — continuou Dash.

— Com sua carne renovamos a nossa.

Andrew se sentiu gelado até os ossos. Lembrou-se de seu tédio e de

sua ansiedade para sentir de novo. Mas nunca quisera isto. Aqueles sabás

de feiticeiras tinham sido jogos excitantes para se divertir num mundo sem

graça, modos simples de passar o tempo antes do amanhecer. Como Dash

levara isso tão longe? E como se tornara tão indiferente, tão entediado, ou

perto de uma vida nada significava para ele?

— Venham tirar a sorte para o privilégio da primeira violação.

Os homens avançaram ansiosamente. A cabeça de Andrew latejava.

Tiravam a sorte para escolher o primeiro a ter o direito de estuprar

Eugenia. Algum dia fizera a mesma coisa, em seus delírios drogados?

Deus, não. Jamais esqueceria uma coisa dessas. Suas mãos se curvaram em

punhos, mas foi à frente para tirar uma pedra de uma grande urna. Preta.

Diversos sorteios mais tarde, um dos irmãos gritou e levantou uma

pedra vermelha. Moveu-se em torno do altar e parou do lado oposto ao de

Dash.

— E, por que este é o décimo terceiro rito, eu lhes trouxe

abundância. Um segundo sorteio!

Bella. Dash estava falando sobre Bella. Ainda não sabia que ela

escapara. Não podia ter tido tempo de voltar e descobrir. Isto, pelo menos,

estava a favor deles.

Um frisson de excitação se ergueu no grupo. Andrew estava louco

de raiva quando os irmãos se amontoaram à frente pelo direito de estuprar

Bella. O vencedor fora Henley.

Olhou na direção dela e viu Jamie segurar-lhe o braço e sacudir a

cabeça. Podia apenas imaginar o que ela quisera fazer. Sua Bella podia de

vez em quando não ter bom senso, mas não lhe faltava coragem.

Mais uma vez encheram diversas vezes o cálice, que era passado de

mão em mão. Quando chegou a ele, percebeu que Dash o observa com

atenção. Virou o cálice todo para trás e fingiu engolir antes de passá-lo.

Cambaleou ligeiramente para trás, esperando que Dash atribuísse sua ação

ao vinho.

— Salve, dragão sangrento. Salve, grande dragão, mestre dos

desejos secretos. Que seja louvado! — Dash estendeu os braços e os

ergueu para aceitar a adulação e o abraço dos irmãos.

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Isto não era um ritual satânico, nem uma forma de feitiçaria, era a

louvação a um monstro que descobrira o que havia de pior na humanidade,

compreendera seus desejos mais doentios e lhes dera forma e substância. E

Andrew agora sabia como teria que terminar.

Circulou lentamente até se aproximar de Jamie e Bella.

Compreendendo, Jamie lhe passou a adaga e ele a escondeu numa prega da

túnica, segura pelo cinto de corda.

— Leve-a de volta ao túnel, Jamie. Tire-a deste lugar. Depois vá

buscar Wycliffe.

— Tudo terá terminado então — Jamie sussurrou. — Você não

pode impedir isso sozinho.

— Não posso se ficar preocupado com Bella. Leve-a embora,

mantenha-a segura.

— Não saio enquanto não salvarmos Gina — disse ela.

A voz era firme, mas a nota de desespero lhe mostrou que discutir

seria perda de tempo precioso e apenas aumentaria o perigo em que

estavam.

Movera-se para mais perto do altar quando houve outra explosão de

pólvora perto do arco da antecâmara. Quando clareou, entraram dois

homens com tangas egípcias, a irmã de Bella entre eles. Deviam ser

assassinos contratados.

Os cabelos de Eugenia estavam soltos e desciam por suas costas.

Estava vestida com um roupão branco transparente que dava a mesma

impressão egípcia de sua escolta e tinha um olhar vago. Dos pés descalços

ao topo da cabeça, estava exposta aos irmãos, tudo lembrando o ritual no

armazém.

Andrew estava surpreso, esperara que Eugenia fosse levada

inconsciente ao altar. Mas isso poderia ter estragado o efeito. Dash queria

que ela passasse a ilusão de cooperação, e ela passava. Ele conhecia a dose

exata de ópio necessária para torná-la insensível e desamparada.

Olhou para Bella e, mesmo a distância, viu-a estremecer. Felizmente

não tinha gritado. Voltou a olhar para Dash, sabendo que se agisse cedo

demais não teria as provas de que precisava e colocaria Jamie e Bella em

risco.

Precisava ver a arma, a adaga com que matara as vítimas, e

encontrar as lembranças que o assassino guardara.

Dash tirou um tecido vermelho das pregas de sua túnica e o

estendeu sobre o altar. Os dois bandidos fantasiados ergueram Eugenia e a

deitaram sobre ele. O cântico atingiu um grau de febre.

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— Dragão sangrento, exaltado dragão, conceda-nos nossos desejos

secretos! — Em pé junto à cabeça de Gina, Dash de novo abriu os braços.

— Venham, irmãos.

O homem que tirara a pedra vermelha se posicionou ao pé da laje e

outros se reuniram atrás dele. Dash se debruçou e soltou o roupão de

Eugenia, deixando-a nua para que todos a vissem.

Andrew quase podia sentir o cheiro da luxúria na respiração pesada

dos homens, embriagados de vinho e ópio. Apertou as mãos em torno do

cabo da adaga, tendo o cuidado de não mostrá-la cedo demais, e se

aproximou mais de Dash.

Os dois homens que formavam a escolta de Eugenia flanquearam o

primeiro homem, ergueram-no e o colocaram na laje, entre as coxas de

Gina. Começara a suspender a túnica quando a voz de Bella soou, alta e

forte.

— Não!

Enquanto os irmãos se voltavam na direção da voz, Jamie a puxou

para trás, em direção ao túnel. Dash tirou uma adaga curva das pregas da

túnica e deu um passo para eles.

Finalmente a prova, e nas mãos do criminoso. O capuz de Andrew,

escorregou pra trás quando tirou a adaga da túnica, deu um passo e ficou

entre eles.

— Deixe-os ir, Dash.

O amigo puxou o capuz para trás e sorriu.

— Ah, pensei que isso poderia acontecer.

— Wycliffe e a guarda estarão aqui em breve, Charlie foi buscá-los.

— Charlie foi apanhado.

Andrew quase acreditou, mas se lembrou em tempo das táticas de

Dash, como conseguia desviar o foco dos adversários. Tudo agora

dependia de Andrew e ele usou a mesma técnica.

— Está blefando, Dash. As autoridades foram notificadas, todo

mundo sabe o que você fez.

Com um rugido, Dash deu um golpe para baixo e a adaga raspou o

pescoço de Eugenia, que mal se moveu. O homem que estava sobre ela

arrancou a túnica, desceu da laje e se afastou.

Andrew investiu, tentando desarmar Dash, mas seu braço ferido lhe

impedia os movimentos. Mal conseguia mantê-lo a distância, muito menos

atacar e contra-atacar.

Page 163: Gail Ranstrom - Irmãos Hunter e Irmãs O'Rourke 02 - Beijos de Fel

Antes que Henley ou qualquer dos outros pudesse desarmá-lo,

houve um pandemônio, com o som dos apitos na antecâmara. A guarda!

Charlie trouxera a guarda noturna.

Dash e Andrew circularam um ao outro, enquanto os irmãos se

espalhavam, tirando as túnicas e correndo para Iodas as direções, os

guardas em perseguição. Alguns se esconderam nas alcovas arqueadas,

outros fugiram para o túnel. Os guardas correram atrás deles, brandindo

cassetetes5 e gritando ordens para parar. Mas ninguém interrompeu o

duelo.

— Somos iguais, Drew, você e eu — disse Dash, os olhos fixos na

faca de Andrew. — É o desejo de viver que nos permitiu sobreviver.

Somos irmãos, podemos ir para a França, tomar o mundo. Lembra-se da

Espanha? Éramos vida e morte lá, deuses.

Andrew percebeu que estava louco. Sob o verniz civilizado, Dash

estava completamente insano.

— Não somos nada parecidos — disse Andrew. Com um movimento

rápido, Dash tirou a túnica para libertar os braços e seu sorriso se

transformou numa coisa diferente, animal.

— Você me fez parar cedo demais, tinha uma pequena surpresa para

você.

— Bella, eu sei.

Andrew percebeu que Dash estava agora armado com uma espada.

Queria olhar em volta, saber se ela estava a salvo, se Jamie ainda estava ao

lado dela, mas sabia que era por isso que Dash estava esperando.

— Ah, mas você sabe de tudo? Ela lhe disse que tivemos um

pequeno... interlúdio?

— É mentira, Dash.

— Como pode ter certeza? É uma prostituta, nem virgem era. Sabia

disso?

Precisava se concentrar, impedir que Dash o distraísse. Mas Dash

perdera a paciência. Tirou a espada da bainha e atacou, mudando a adaga

para a mão esquerda. Andrew podia se defender da adaga, mas não teria

chance contra o alcance mais longo da espada. Tirou a túnica e enrolou-a

no braço esquerdo, como um escudo.

5 Até recentemente, a força policial inglesa não usava armas de logo. Na atualidade, apenas algumas unidades especiais as usam. (Nota da tradutora)

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— Hunter!

Olhou rapidamente para o lado e viu Devlin Farrell, que lhe atirou

uma espada, o punho primeiro. Deixou cair a adaga, pegou a espada e se

voltou para Dash no momento exato de desviar um golpe. O tinir das

lâminas vibrava em seu braço e aumentava a dor do ferimento.

— Está ferido, não tem chance de vencer — disse Dash, redobrando

os esforços.

Os golpes caíam um atrás do outro e Andrew os desviava, sentindo

o braço enfraquecer a cada golpe. Ouviu Bella arquejar atrás dele e teve

uma visão súbita do que significaria para ela a vitória de Dash, uma visão

dela nas mãos de Dash. Atacou diversas vezes, com força e rapidez

crescentes, um fio de sangue escorrendo da ferida aberta.

Dash agora parecia preocupado, como se de repente o resultado

ficasse em dúvida.

— Pode matar outro amigo, Drew? Alguém já o protegeu como eu,

guardou seu segredo? E sua consciência?

— Não me incomodará nem um pouco.

— Grandes palavras para um homem ferido.

Numa rápida troca de ataques, Andrew desviou a espada de Dash,

derrubou-a, e o prendeu junto ao altar, a lâmina tocando a pele sobre o

coração de Dash.

— Você não consegue fazer isso — disse Dash, respirando com

força.

Maldito! Estava certo, não conseguiria matar outro amigo.

— Wycliffe! — gritou, esperando que alguém o ouvisse e viesse.

— Não, Drew. Não a prisão, nem a forca. Termine com isso. —

Andrew se recusou e manteve a lâmina sobre o coração de Dash. — Eu o

teria feito, você sabe. Eu a teria estuprado diante de você. Eu teria matado

Bella e a irmã. Como sempre matei quem cruzou meu caminho.

McPherson não se suicidou, eu o matei porque estava ficando fraco e até

Henley já não é mais útil. Farei tudo de novo. Um minuto atrás, eu o teria

matado também, portando termine de uma vez, Drew!

A hesitação de Andrew lhe custou caro. Dash deu um golpe de baixo

para cima com a adaga e atingiu Drew no flanco, causando um longo

ferimento.

Dash levou a mão para trás, preparando-se para mais um golpe e riu,

um som diabólico e louco.

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— Sabia que não podia fazer isso, jamais gostou de matar. Eu

deveria estar no comando na Espanha. Teria dado uma fortuna por dez

homens como Frederick.

O braço de Andrew tremia com o esforço de manter a espada firme

sobre o coração do amigo. Olhou-o nos olhos e viu a loucura. Qualquer

humanidade que lhe restava desaparecera. Tinha sido um amigo, como

Frederick.

Com rapidez, Dash moveu a adaga para cima. Remorso, tristeza e

resignação se misturaram à inevitabilidade quando Andrew atacou. Havia

feito sua escolha.

A descrença cruzou o rosto de Dash.

— Você... sempre... me surpreendeu, Drew.

Andrew puxou a lâmina e Dash escorregou devagar para o chão de

pedra.

Lorde Wycliffe ouviu sem expressão os relatórios trazidos pelos

guardas. Tinham conseguido capturar apenas oito deles, o resto fugira

pelo túnel ou pela escada. Henley desaparecera e Dash estava morto. A

Blood Wyvern Brotherhood estava dispersa. Tudo acabara. Ou quase.

Andrew estremeceu quando Bella amarrou uma tira de tecido,

rasgada de sua túnica, em torno do seu corpo, para cobrir o ferimento

pouco profundo. O sangramento tinha parado e Bella estava a salvo.

Eugenia estava enrolada na túnica de Bella, uma bandagem

improvisada na base do pescoço, e Jamie a segurava nos braços para que

parasse de tremer.

— Deveríamos levar você ao hospital — disse Bella, a voz suave e

preocupada.

Ele se encostou à parede de pedra.

— Mandarei chamar um médico quando chegar em casa.

— Mas...

— A primeira coisa a fazer é levar você e Eugenia para casa. Ainda

há tempo para dormir um pouco antes de enfrentar sua mãe.

Bella suspirou e ele riu.

Devlin Farrell limpou o sangue de sua espada e a guardou na

bainha.

— Preciso voltar. O pessoal do bar deve estar me roubando.

— De onde você veio, afinal?

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— Estive sempre aqui. Sabia que poderia precisar de ajuda, mas não

a pediria. Assim, mandei fazer uma túnica para mim. Não podia deixar

Humphries escapar. Vim pelo túnel, atrás de seu irmão e da Srta. 0'Rourke.

— Eu lhe devo a vida.

— Empatamos. Tinha meus motivos para vir. Só me faça um favor,

mantenha meu nome fora disso. Estaria acabado nos cortiços se

descobrissem que ajudei os guardas.

Andrew acenou e Farrell desapareceu antes que Wycliffe pudesse

interrogá-lo.

Quando o último guarda terminou seu relatório e saiu, Wycliffe se

voltou para eles.

— Queria poder dizer que tudo está bem quando termina bem, mas

detesto saber que alguns daqueles vermes vão ficar livres. Talvez nunca

saibamos quem era a metade deles.

— Tenho algumas suspeitas. E se algum dia encontrarmos Henley,

deixe-o comigo, eu o farei falar.

Wycliffe riu.

— Sim, bem, ficaria tentado a fazer isso. Voltou-se para Bella e lhe

fez uma mesura.

— Srta. 0'Rourke, se incomodaria de ficar com sua irmã enquanto

falo com os irmãos Hunter?

Bella se afastou para tomar o lugar de Jamie junto a Eugenia.

— Como está Eugênia? — perguntou Andrew, quando Jamie se

juntou a eles.

— Está começando a ficar lúcida, o efeito do ópio esta acabando.

Com sorte, estará bem amanhã e não se lembrará de nada.

— Isto seria ótimo. E o ferimento?

— Dash não alcançou a artéria nem qualquer parte importante.

Precisará de alguns pontos e haverá uma pequena cicatriz.

Andrew se voltou para Wycliffe.

— Antes de Dash morrer, confessou ter matado McPherson porque

ele sabia demais. Também presumo que foi ele que ordenou os assassinatos

de Hank e Wilson. Acho que nunca saberemos da metade de seus crimes.

— Estou começando a perceber isso e acho que é uma boa coisa você

estar tão próximo do meu agente.

— Seu agente? Nunca o vi.

Jamie sorriu, mas nada disse e Andrew percebeu tudo.

— Há quanto tempo?

— Um ano ou dois. Lockwood me convenceu.

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— Há alguma coisa que não possa esperar até amanhã?

— Isto. — Wycliffe tirou do bolso da jaqueta uma pequena caixa

laqueada, com uma tampa decorada. Abriu, mostrou-lhes o conteúdo e eles

demoraram um pouco para perceber o que era.

Jamie ficou pálido e Andrew sentiu repugnância. Era o resto das

provas. Os pequenos pedaços de carne em forma de triângulo pareciam a

pior das violações.

— Daschel estava completamente louco, deveria ter sido internado

num asilo há muito tempo.

- O que vai fazer com isso? — perguntou Andrew.

Já que Dash está morto, não precisaremos disso para um

julgamento.

Sem dizer uma palavra, Wycliffe foi até o braseiro, jogou a caixa nas

brasas e esperou que pegasse fogo.

Voltou-se para eles.

— E isto é o fim.

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Capítulo Vinte e Um

Bella olhou para a porta da sala de estar quando Nancy anunciou:

— O Sr. Andrew Hunter para visitar a Srta. 0'Rourke.

Andrew passou pela criada e entrou na sala, o chapéu na mão.

Curvou-se.

— Srta. 0'Rourke.

— Sr. Hunter — respondeu. Olhou para as costas de Nancy que se

retirava, sabendo que ia chamar sua mãe.

Andrew trancou a porta e sorriu.

— Você está linda, Bella. Como está a Srta. Eugenia?

— Está bem, quase recuperada. Não se lembra de nada do que

aconteceu ontem à noite, apenas de acordar hoje em casa.

— Uma benção — murmurou ele, aproximando-se.

— Eu lhe disse que caiu e bateu a cabeça quando carregava um copo

de água e foi assim que feriu o pescoço. Nancy trouxe o médico esta manhã

e ele costurou o corte.

— Você não gosta de mentir para ela.

— Não, embora saiba que é melhor.

— E a srta. Lillian?

— Mamãe acordou ontem à noite e Lilly lhe deu um chá com

láudano. Só acordou há uma hora. Parece que Lilly é cheia de recursos que

eu desconhecia.

Andrew riu.

— Estou vendo.

— E você? Como está?

— Muito bem, desde que não me dê um soco no estômago.

— Preciso lhe agradecer, Andrew, por tudo que fez por minha

família. Descobriu o assassino de Cora, salvou Gina e me salvou. As

0'Rourkes devem ter sido um grande peso para você.

— Isto é dizer pouco, minha cara, e não gostaria que fosse de outra

maneira. Preciso dizer que quase simpatizo com sua mãe. A pobre mulher

jamais saberá que duas de suas filhas foram raptadas para servir de

sacrifício humano e que a outra a drogou para que ela não acordasse e

descobrisse tudo. — Fez uma pausa e balançou a cabeça, fingindo

desespero. — As 0'Rourkes vão me causar muitos problemas, sem dúvida.

— Tentaremos ficar fora do seu caminho.

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— Não foi isso que quis dizer, Bella. — Sentou-se ao lado dela e

tomou-lhe a mão. — Aceitarei com prazer as 0'Rourkes se você vier com

elas, embora não lhe faça favor nenhum me casando com você. Merece

coisa melhor do que o casamento com um patife.

— Casamento? Mas não! A carta do seu advogado chegou esta

manhã, dizendo que você havia depositado uma quantia para mim, e

mesmo isso tenho que recusar.

— Você faz bem em me recusar, Bella. Fui um imprestável quase

toda a minha vida. Mas ousei ter a esperança de persuadi-la a me salvar de

mim mesmo. Até consegui uma licença especial ontem, depois da nossa

noite na taverna de Henderson. Não precisamos esperar pelos proclamas.

Podemos nos casar assim que você estiver pronta.

— Andrew, como posso me casar com você? Beijei a metade de seus

amigos. Como pode frequentar a sociedade, aguentar os boatos, sabendo

disso?

— Facilmente, sabendo que serei objeto de muita inveja. E querida...

odiaria lhe contar quantas mulheres você conhecerá que eu já beijei.

— Mas na noite em que nos conhecemos, você me disse que nenhum

homem respeitável se casaria com uma mulher que beijara a metade de

seus amigos.

— Então é sorte nossa eu não ser respeitável.

— Mas duvido...

— Você tem direito a dúvidas. A todas, menos uma.

Ela o olhou e encontrou seus olhos escuros e convidativos. Soltou-

lhe a mão, segurou-lhe o rosto e disse bem perto de seus lábios:

— Duvide de que as estrelas sejam fogo, duvide de que o sol se

mova, duvide de que a verdade minta, mas nunca duvide de que eu a amo...

A citação de um dos sonetos de Shakespeare lhe encheu os olhos de

lágrimas. Ele a amava... e isso mudava tudo.

— Tem certeza de que nunca terá vergonha de mim?

— Você pode apenas melhorar minha lamentável reputação.

Uma batida súbita balançou a porta da sala.

— Bella! Bella, está aí? O Sr. Hunter está com você? O que estão

fazendo?

Ela começou a se levantar, mas Andrew puxou-a de volta.

— Ela pode esperar, Bella, e eu cuidarei dela quando acabarmos.

Agora estou esperando uma resposta.

O trinco balançou quando mamãe tentou abri-lo, depois as pancadas

recomeçaram. Andrew sorriu e de repente nada disso tinha importância.

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— Sim — disse ela. — Eu me casarei com você e saberei que serei

invejada por todas as mulheres que já beijou.

Ele riu, levantou-se e tomou-a nos braços.

— Então um beijo para selar nosso acordo antes de irmos? Só um

beijo?

— Um só beijo satisfará meu Lorde Libertino?

— Jamais — prometeu ele.

Fim