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GÁLATAS Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 3 Capítulo 5 Capítulo 2 Capítulo 4 Capítulo 6 INTRODUÇÃO I. OCASIÃO E TEMA A autenticidade desta epístola nunca foi posta em dúvida pela Igreja primitiva, e o mais extremado e radical criticismo do Novo Testamento a tem considerado como indubitavelmente paulina. Trata-se de uma vindicação apaixonada, vigorosa e intransigente, tanto do Evangelho da graça de Deus como da própria autoridade de Paulo como apóstolo de Cristo, o qual o havia comissionado para anunciar esse Evangelho. A alma de Paulo incandesce ao escrever, visto estar perturbado, até às maiores profundezas de seu ser, pela grave crise que havia surgido nas igrejas da Galácia. Os gálatas, a maioria dos quais eram gentios que tinham escutado a pregação de Paulo e tinham crido em Cristo para sua salvação, haviam agora, entretanto, adotado apressadamente (1.6) a insidiosa sugestão de certos mestres judaizantes, os quais lhes haviam ensinado que tinham de ser circuncidados e observar a lei judaica. A alma de Paulo recua, horrorizada, perante tal idéia que obscurece a verdade vital da toda- suficiência de Cristo para a salvação; portanto, ele escreveu essa epístola a fim de salvar seus amados convertidos de serem fatalmente desviados da verdade. No dizer de Godet, esta epístola “marca época na história do homem”, visto ser “o documento perenemente precioso de sua emancipação espiritual”.

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NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA Intervarsity Press (Leicester, Inglaterra)

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GÁLATAS Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 3 Capítulo 5 Capítulo 2 Capítulo 4 Capítulo 6

INTRODUÇÃO I. OCASIÃO E TEMA A autenticidade desta epístola nunca foi posta em dúvida pela

Igreja primitiva, e o mais extremado e radical criticismo do Novo Testamento a tem considerado como indubitavelmente paulina. Trata-se de uma vindicação apaixonada, vigorosa e intransigente, tanto do Evangelho da graça de Deus como da própria autoridade de Paulo como apóstolo de Cristo, o qual o havia comissionado para anunciar esse Evangelho. A alma de Paulo incandesce ao escrever, visto estar perturbado, até às maiores profundezas de seu ser, pela grave crise que havia surgido nas igrejas da Galácia.

Os gálatas, a maioria dos quais eram gentios que tinham escutado a pregação de Paulo e tinham crido em Cristo para sua salvação, haviam agora, entretanto, adotado apressadamente (1.6) a insidiosa sugestão de certos mestres judaizantes, os quais lhes haviam ensinado que tinham de ser circuncidados e observar a lei judaica. A alma de Paulo recua, horrorizada, perante tal idéia que obscurece a verdade vital da toda-suficiência de Cristo para a salvação; portanto, ele escreveu essa epístola a fim de salvar seus amados convertidos de serem fatalmente desviados da verdade. No dizer de Godet, esta epístola “marca época na história do homem”, visto ser “o documento perenemente precioso de sua emancipação espiritual”.

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 2 II. SEU ENSINO A transição do Judaísmo para o Cristianismo foi um processo lento

para alguns dos primeiros judeus crentes. Houve fariseus que creram (At 15.5), e alguns desses ensinavam que, antes de um gentio poder tornar-se Cristão, era-lhe necessário tornar-se primeiramente judeu, submetendo-se à circuncisão e observando a lei judaica, tanto moral como ritual. Alguns desses crentes judeus mais estritos se tinham apresentado aos crentes da Galácia com esses ensinamentos perturbadores. Os mestres judaizantes seguiam após os passos de Paulo, e isso durante toda a vida do apóstolo. Já em cerca de 62 D. C. encontramo-los a conspirar contra ele, em Roma, pelo que ele foi impelido a escrever, com algo do fogo que incandesce nesta epístola, algumas palavras bem mordazes sobre eles, como também a comparar com eles, como em Gl 6.16, o verdadeiro Israel, que adora pelo Espírito de Deus, que se gloria em Cristo Jesus, e que não confia na carne nem depende de qualquer privilégio externo (Fp 3.2-3). Nesta epístola, Paulo frisa de modo muito agudo a eficácia toda-determinante da fé, conforme fica demonstrado no caso de Abraão, o crente típico (3.6-9), o qual, conforme o apóstolo diz noutro passo, era crente e assim foi justificado, antes mesmo de haver sido circuncidado (Rm 4.10 e segs.).

A epístola aos Gálatas dá ênfase marcante a dois assuntos, a saber, a cruz e a fé. As grandes palavras de Habacuque: «... o justo viverá pela sua fé...», são citadas (3.11). A lei foi um preceptor-escravo que exercia sobre os homens uma férrea disciplina até que Cristo veio, até o raiar da era da fé, na qual, mediante a fé, nos tornamos filhos de Deus (3.24-4.7). Cristo morreu a fim de redimir-nos da maldição de havermos desobedecido à lei de Deus (3.13), pelo que todos aqueles que dependem exclusivamente dEle para sua salvação são «justificados», isto é, aceitos por Deus, o qual lhes proporciona Seu Espírito Santo, derramando nos seus corações o amor filial e uma santa confiança (3.14; 4.6). Retornar à lei seria recuar para a imaturidade e as restrições da infância espiritual

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 3 (4.9). O cerne da mensagem da epístola se encontra em idéias semelhantes a essas, conforme ficará demonstrado na exposição.

A lei foi dada posteriormente em relação à promessa feita a Abraão, e foi dada a fim de intensificar o senso de pecado (3.15 e segs.); a lei cumpre, por conseguinte, a sua função, quando nos conduz, profundamente convictos de pecado, a gemer sob a maldição da lei desobedecida (3.10), aos pés de Cristo, em Quem, exclusivamente, há justificação perante Deus. Assim, à semelhança de Paulo, por meio da lei morremos para a lei, como fonte de justificação, a fim de que possamos viver a nova lei no Espírito (2.19 e segs.).

O Espírito Santo, que habita no crente, trá-lo de volta à lei, como eterno padrão de justiça pessoal, e o capacita a cada vez mais viver de conformidade com esse padrão (ver comentários sobre 5.13-25). Submeter-se à circuncisão realmente significaria um passo retrógrado para os crentes gálatas: significaria retornar à confiança em meras ordenanças carnais, após terem conhecido coisas melhores. Portanto, precisavam lançar fora completamente o jugo da escravidão à lei cerimonial (5.1), pois, tendo iniciado a vida espiritual no Espírito, convinha que prosseguissem no Espírito, a fim de que possuíssem toda a riqueza espiritual que em Cristo estava entesourada para eles (3.2-3).

III. ENDEREÇO E DATA Para quem foi enviada a epístola aos Gálatas? e quando foi ela

escrita? Essas perguntas têm provocado muita discussão em tempos modernos.

Em 25 A. C., Augusto formou a província romana da Galácia. Ele a usou como núcleo do país da Galácia (assim chamado porque uma tribo de gauleses se estabelecera ali no terceiro século A. C.), tendo como fronteira sulista mais ou menos o centro da Ásia Menor, e adicionou a isso uma porção do Ponto, no nordeste, parte da Frígia, no sudoeste, e a maior parte da Licaônia, ao sul. Esses distritos do sul e do sudoeste eram, política e comercialmente, os mais importantes da

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 4 província, muito mais que os demais pelo fato de estarem providos de estradas. A questão que se levanta é a seguinte: Os gálatas para os quais Paulo escreveu são os descendentes dos gauleses da parte norte da província, cuja cidade principal era Ancira (a moderna Ancara), ou eram antes os Cristãos das cidades evangelizadas por Paulo durante sua primeira viagem missionária -- em Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe – todas as quais se tinham tornado parte da província gálata dentro de comparativamente poucos anos?

A “teoria da Galácia do norte” tem sido advogada por Lightfoot, Chase, e outros. O grande expoente da “teoria da Galácia do sul”, em tempos recentes, tem sido Sir William Ramsay, o qual tem sido seguido por uma grande hoste. Por diversas razões esta última teoria parece ser, no todo, a mais razoável. Em sua obra, Historical Commentary on Galatians, Ramsay apresenta, de modo assaz interessante, os paralelos entre o discurso de Paulo em Antioquia da Pisídia (At 13) e esta epístola, e declara que as coincidências são tão marcantes que tornam cada um dos dois documentos o melhor comentário sobre o outro.

Em 1Pe 1.1, “Galácia” significa, além de qualquer dúvida, a província romana. Muitos têm argumentado que Paulo, com seu agudo senso de cidadania romana, quase certamente teria usado esse termo com o mesmo sentido. Ramsay, Zahn, e outros, sustentam que Paulo sempre adota o ponto de vista imperial e escreve como romano. Seu emprego de termos tais como Acaia, Macedônia, Síria e Cilícia é considerado como consistentemente imperial; portanto, o mais provável é que ele tenha feito outro tanto com a Galácia.

Se Paulo alguma vez visitou o norte da Galácia, a primeira vez em que é possível que ele o tenha feito, foi na ocasião mencionada em At 16.6, mas a narrativa que ali se encontra não apóia a sugestão que ele tenha feito uma campanha missionária. Antes, ela parece significar que ele tão somente passou pelo extremo ocidental do país. Além disso, o período que é referido, em At 16.6, foi após o concílio de Jerusalém, no ano 50 D. C., quando a questão da circuncisão foi discutida e resolvida.

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 5 Aqui surge um poderoso argumento contrário à teoria da Galácia do norte. Se os gálatas, para quem esta epístola foi escrita, precisam ser procurados no norte da Galácia, então, quando Paulo lhes anunciou o Evangelho, já teria nas mãos a autoridade dos decretos do concílio de Jerusalém (At 16.4). Também é improvável que naquela data, os judaizantes, que insistiam sobre a circuncisão, pudessem fazer tal impressão sobre os Gálatas, conforme, a julgar pela epístola, evidentemente conseguiram fazer. Isso parece implicar em que a epístola deve ter sido escrita antes do concílio de Jerusalém, uma conclusão a que chegou Calvino fazem muitos séculos, e que é a opinião de muitos estudiosos de nossa época. Nesse caso, a epístola aos Gálatas teria sido a primeira das cartas de Paulo, e provavelmente foi escrita no ano 49 D. C., pouco depois de sua volta da primeira viagem missionária, talvez em Antioquia.

Não há qualquer menção direta, no Novo Testamento, sobre a fundação de igrejas no norte da Galácia, e parece estranho procurar as gálatas referidos nesta epístola, nas hipotéticas igrejas do norte da Galácia, deixando de lado as bem conhecidas igrejas do sul da Galácia, as quais certamente eram caras ao coração de Paulo, como a esfera de sua primeira grande campanha missionária, as quais também ficariam destituídas de correspondência sua, se é que a teoria do norte da Galácia está correta. (Ver também comentário sobre 2.13).

A visita de Paulo a Jerusalém, mencionada em Gl 2.1-10, é aqui considerada como a visita mencionada no fim do décimo primeiro capítulo do livro de Atos. O sentido de Gl 2.1 parece ser que a visita mencionada ali teve lugar catorze anos após a conversão de Paulo (ver comentários). A visita mencionada em Atos teve lugar, provavelmente, no ano 46 ou no início do ano 47 D. C., e nada existe que nos impeça de acreditar que a conversão de Paulo tenha tido lugar tão cedo como o ano 32 D. C. A visita mencionada na epístola aos Gálatas ocorreu “em conseqüência de uma revelação” (2.2, Moff.); a visita mencionada no livro de Atos teve lugar em conseqüência de uma revelação feita a

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 6 Ágabo (At 11.28 e segs.). A visita referida em Gálatas resultou de uma conferência particular entre Paulo e os outros apóstolos; o concílio do ano 50 D. C. (At 15) foi uma reunião da Igreja inteira com a finalidade de discutir de modo mais formal, publicamente, após diversos anos de trabalho missionário entre os gentios, a questão sobre como deveriam ser tratados os gentios convertidos, para que se chegasse àquilo que poderia ser chamado de decisão oficial sobre o problema. O concílio chegou à mesma decisão no referente à circuncisão que a chegada na conferência particular, e Paulo menciona essa conferência particular a fim de indicar aos gálatas que a questão sobre a circuncisão, em princípio, já havia sido resolvida desde alguns anos antes dele lhes ter escrito. Finalmente, conforme diz C. T. Woods, em sua obra Life, Letters, and Religion of Paul, “em Gl 2.11 aprendemos que Pedro, em Antioquia, vacilou acerca da questão judaica, levando Barnabé a fazer o mesmo. Isso é inteligível após uma conferência particular em Jerusalém; mas é quase impossível após o concílio de Jerusalém, onde Pedro fizera um discurso público, e após a primeira viagem missionária, onde Barnabé tomara uma atitude final para com a questão da circuncisão».

PLANO DO LIVRO

I. HISTÓRICA E APOLOGÉTICA -- 1.1-2.21 a) Saudação inicial (1.1-5) b) O único Evangelho (1.6-10) c) O Evangelho de Paulo não derivado dos homens, mas de Deus (1.11-24) d) Apostolado de Paulo reconhecido em Jerusalém (2.1-10) e) Paulo repreende a Pedro (2.11-14) f) Justificação e união com Cristo mediante a fé (2.15-21) II. DOUTRINÁRIA E ARGUMENTATIVA -- 3.1-4.31 a) Apelo à experiência e às Escrituras (3.1-9)

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 7 b) A maldição e a bênção (3.10-14) c) A verdadeira função da lei (3.15-23) d) Nesta era da fé somos filhos de Deus (3.24-4.7) e) A loucura de pôr-se novamente em escravidão (4.8-11) f) Apelo para relembrarem sua primeira recepção ao Evangelho (4.12-20) g) A alegoria dos dois filhos de Abraão (4.21-31) III. PRÁTICA E HORTATÓRIA -- 5.1-6.18 a) Apelo para se apegarem à liberdade (5.1-12) b) As obras da carne e o fruto do Espírito (5.13-26) c) Carregando as cargas (6.1-5) d) Semeando e colhendo (6.6-10) e) Conclusão (6.11-18)

COMENTÁRIO I. HISTÓRIA E APOLOGÉTICA - 1.1-2.21 Gálatas 1 a) Saudação inicial (1.1-5) A saudação tem início com uma asseveração enfática sobre a

autoridade apostólica de Paulo, e é vazada em palavras tais que apresenta uma afirmação sucinta da verdade central do Cristianismo, a morte expiatória de Cristo. Assim, essa verdade fundamental, da qual a epístola tanto tem a dizer, nos é exibida desde o princípio.

Não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum (1); isto é, não da parte de homens (como fonte última), nem por intermédio de homem algum (como o canal). Cf. 1.12. Se Gálatas foi a primeira epístola de Paulo, pode ser também o primeiro documento escrito do Novo Testamento; e, nesse caso, torna-se ainda mais digno de

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 8 nota o fato que, em seus versículos inicias, Jesus, o Senhor ressurreto, é posto no lado divino da realidade, em contraposição com os homens e paralelamente a Deus, como fonte de graça e paz.

Graça... e paz (3); o primeiro termo indica o favor gratuito, desmerecido, da parte de Deus para com os homens pecaminosos; o último indica seu fruto e realização na alma crente. Cristo, em obediência à eterna e soberana vontade de nosso... Pai, gratuitamente se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste (para fora de) mundo perverso (ou época presente, com todos os seus males, uma tradução que exibe a ênfase sugerida pela ordem das palavras no grego). Esses “males” são claramente descritos em Ef 2.1-3; ver anotações ali. Como a Sua morte efetuou nossa salvação será explicado mais plenamente adiante. Voltar as costas para a cruz de Cristo, a única esperança do pecador, é considerado o cúmulo da insensatez. Os Gálatas estavam fazendo justamente isso (cf. 2.21-5.4). A glória (5); isto é, a glória que pertence preeminentemente a Deus: Deus é “o Deus da glória” (At 7.2). A grande salvação operada por Cristo faz com que essa glória brilhe resplendentemente. Cf. Fp 2.11; Ef 3.21.

b) O único Evangelho (1.6-10) É notável o fato que Paulo, contrariamente a outras epístolas suas,

não inicia esta louvando seus leitores; mas atira-se do imediato à tarefa de condenar os Gálatas por tão depressa estarem abandonando o Evangelho da graça de Deus, preferindo algo que não é evangelho de forma alguma. Ele condena severamente certos mestres, os iniciadores de todo o engano os quais estavam perturbando a paz das igrejas da Galácia e corrompendo e pervertendo o Evangelho de Cristo. Mui enfaticamente o apóstolo declara que existe um só Evangelho. A lealdade a Cristo o constrange a usar linguagem extremamente franca.

Estejais passando tão depressa (6); “trocando rapidamente” (Moff.). O processo tinha prosseguimento mesmo enquanto Paulo estava

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 9 escrevendo. O verbo é usado para indicar migrações de um lugar para outro (Hb 11.5), bem como para alteração na religião e na moral (1Rs 21.25, LXX).

Na graça (6). A chamada de Deus opera no âmbito da graça, e não no círculo das obras ou das observância cerimoniais.

Outro evangelho; o qual não é outro (6-7). Duas palavras gregas diferentes são aqui traduzidas como “outro”; a primeira significa um evangelho de espécie diferente (em grego, heteron), e a segunda significa outro numericamente (em grego, allo). O chamado evangelho, para o qual os gálatas se estavam voltando de fato não era evangelho, pois existe um único Evangelho.

Perturbam (7). O verbo ocorre freqüentemente no Novo Testamento com o sentido de «perturbar mentalmente» (Mt 2.3; Jo 14.1; At 15.24). Perverter (7); “virar ao contrário, alterar para o oposto”.

Ainda que nós... pregue... se alguém vos prega (8-9); isto é, “se alguém vier a pregar” (subjuntivo) – uma suposição quase inconcebível; “se alguém está pregando” (indicativo) – maravilha das maravilhas, está acontecendo, e tem prosseguimento.

Seja anátema (8-9). Quanto à linguagem extremamente severa de Paulo, há alguns comentários mordazes nas anotações da obra de James Denney, The Death of Christ, capítulo III. Tão violenta condenação desperta nossa curiosidade; e nos faz desejar muito saber exatamente qual era o falso ensino que sacudiu tão profundamente o apóstolo.

O verso 10 é parentético, fazendo alusão a alguma sugestão de seus oponentes que afirmavam que o apóstolo procurava conquistar o favor dos homens. Parece que o significado é: «Pois estou agora (em declarações como estas) buscando o favor dos homens, ou o de Deus? Se alguém alguma vez disse tal coisa sobre mim (a saber, que eu busco o favor dos homens), poderá dizê-lo novamente agora? O que quer que os homens pensem de mim, desejo somente agradar a Cristo, de Quem sou escravo, e ser leal ao Seu evangelho, seja qual for o custo».

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 10 c) O Evangelho de Paulo não derivado dos homens, mas de

Deus (1.11-24) O Evangelho que Paulo pregava lhe foi dado por revelação

especial (11-12). Sua educação anterior jamais poderia tê-lo conduzido a tal Evangelho (13-14). Deus lhe revelou o Seu Filho e, quando isso sucedeu, ele não consultou outros seres humanos, mas partiu para a Arábia para comunhão exclusiva com Deus (15-17). Quando, finalmente, ele visitou Jerusalém pela primeira vez desde a sua conversão, dois ou três anos após esse acontecimento, seu contacto com os que já eram apóstolos desde antes dele, não foi nem íntimo nem prolongado, e partiu de Jerusalém sem ao menos ter ficado conhecido pessoalmente pela grande maioria dos crentes.

Não é segundo o homem (11). Seu Evangelho não era da espécie de ensino que o coração do homem pudesse porventura imaginar. Nem a doação original (12), nem as instruções detalhadas posteriores sobre o significado daquela, eram segundo o homem.

Revelação (12). Essa palavra significa «desvendamento». Em vista do vers. 16, parece provável que o sentido seja «um desvendamento de Jesus Cristo». O véu que oculto Cristo da visão dos mortais, foi tirado para um lado.

Meu proceder (13); isto é, conduta, comportamento, conforme aparece freqüentemente no Novo Testamento (cf. Ef 4.22; 1Pe 1.15,18; 2.12; 3.1-2). Judaísmo (13). Aqui é contrastado com a igreja de Deus. Sobremaneira (13). Essa forte expressão ocorre também em Rm 7.13; 1Co 12.31; 2Co 1.8. Devastava (13); o mesmo verbo grego ocorre no vers. 23 e em At 9.21 («exterminava»), referindo-se às atividades perseguidoras de Saulo. Os verbos perseguia e devastava estão no tempo verbal imperfeito, o que em grego indica um curso de ação que prosseguiu até a sua conversão.

A muitos da minha idade (14); seus jovens contemporâneos na escola de Gamaliel, entre os quais ele era um líder notável e herói (At

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 11 7.58). De meus pais (14). Os pais de Paulo eram fariseus estritos (Fp 3.5), e todas as influências que foram exercidas pelo seu lar sobre ele tornavam sua conversão ao Cristianismo extremamente improvável.

Me separou (15). Paulo quer dizer que, antes de seu nascimento, ele fora separado por Deus com um propósito especial, à semelhança de Jeremias (Jr 1.5); cf. Rm 1.1. É digno de nota como, palavra após palavra, salienta o fato que sua conversão foi obra exclusiva de Deus; pois diz ele: Aprouve a Deus, separou, chamou, sua graça.

Revelar seu Filho em mim (16). Quando o véu foi tirado para o lado (12), Paulo viu que Cristo era o Filho de Deus, assentado à direita do poder, decisivamente comprovado ser tal por meio de Sua ressurreição (Rm 1.4). Isso foi o raiar da manhã em seu coração (2Co 4.6). Carne e sangue (16); cf. as palavras de nosso Senhor a Pedro (Mt 16.17).

Apóstolos antes de mim (17). Paulo era apóstolo, possuindo absolutamente a mesma autoridade que os discípulos originais; ele vira o Senhor ressurreto (1Co 9.1; 15.8).

Arábia (17); provavelmente alguma porção dos desertos árabes, dentro de fácil acesso a partir de Damasco. Que ele foi até a península do Sinai, conforme alguns têm suposto, é realmente extremamente duvidoso. Seu desejo, é de supor-se, era de estar sozinho com Deus, para meditar e pensar. Não há menção dessa viagem à «Arábia» em At 9. Podemos conjeturar que Paulo pregou durante «certos dias» em Damasco (At 9.19-22), foi para a Arábia, e então regressou a Damasco, entrando nos «muitos dias» referidos em At 9.23, sendo que esses dias formaram uma grande parte dos «três anos» mencionados no versículo seguinte aqui.

Decorridos três anos (18); quase certamente, três anos após a sua conversão, pois dessa data em diante é que Paulo calculava qualquer coisa digna de consideração em sua vida. Para avistar-me com Cefas (18). Há traduções que dizem: “para tornar-me conhecido de Cefas”; no

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 12 dizer de Beet, “um propósito muito diferente de desejar obter sanção apostólica para a sua obra”.

Tiago, o irmão do Senhor (19). Assim descrito para ser distinguido de Tiago, filho de Zebedeu, que na ocasião ainda estava vivo. Se esse Tiago é aqui chamado de apóstolo, é um ponto mudo. Talvez assim tenha sido, no sentido mais lato em que essa palavra é algumas vezes empregada no Novo Testamento, como quando, por exemplo, foi empregada para Barnabé (At 14.4,14).

Tiago não era um dos discípulos originais de Jesus (Jo 7.5), mas aqui ele aparece em íntima associação com os apóstolos, em Jerusalém. O Cristo ressurreto apareceu para ele (1Co 15.7), e esse aparecimento, com toda a probabilidade, produziu a sua conversão. Não há razão válida que nos impeça de acreditar que Tiago tenha sido filho de José e Maria. (Quanto a esse problema inteiro examinar o livro do dr. William Patrick, James, the Lord's Brother, bem como a elaborada dissertação no Comentário de Eadie).

Diante de Deus testifico que não minto (20). Os oponentes de Paulo, sem dúvida alguma, haviam torcido o propósito da visita de Paulo: isso explica a forte linguagem que ele emprega aqui.

Síria... Cilícia (21), são províncias vizinhas. Ficavam bem longe de Jerusalém, pelo que durante muito tempo Paulo era desconhecido para as igrejas Cristãs de Jerusalém e das circunvizinhanças (22). Que Paulo pregou em sua província nativa, como também na Síria, podemos deduzir da menção sobre as igrejas da Síria e da Cilícia, em At 15.41.

Ouviam somente dizer (23); mais literalmente, “estavam apenas ouvindo”.

Glorificavam a Deus a meu respeito (24). Paulo já estava começando a ser reconhecido como exemplo típico do poder remidor de Cristo (1Tm 1.16).

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 13 Gálatas 2 d) Apostolado de Paulo reconhecido em Jerusalém (2.1-10) A próxima vez que Paulo foi a Jerusalém, foi catorze anos depois

de sua conversão. Ele foi até ali, não convocado por Pedro e pelos demais apóstolos, como se eles possuíssem autoridade superior à sua, mas em obediência a um mandamento direto recebido da parte do Senhor; e, ao ali chegar, agiu como alguém que estivesse em termos de igual autoridade com os discípulos originais. Após uma conferência perfeitamente amigável, concordaram sobre uma divisão de campos de serviço, e as mãos foram cordialmente estendidas em ratificação do acordo estabelecido. O mesmo Evangelho deveria ser pregado tanto aos judeus como aos gentios, baseado nas mesmas condições, ainda que houvesse diferentes esferas de serviço – esse foi o cerne do acordo.

Catorze anos depois (1); isto é, quase certamente, após a sua conversão. Catorze anos de vida e serviço cristãos jaziam atrás dessa visita, a qual, com toda a probabilidade, pode ser identificada com a visita ligada ao envio do auxílio aos santos pobres, referido em At 11.28-30, sendo que a data da mesma provavelmente foi cerca de 46 D. C.

Em obediência a uma revelação (2); “em conseqüência de uma revelação” (Moff.), isto é, impulsionado pela luz sobre natural da parte de Deus. Em particular (2). Uma discussão completa, feita publicamente, talvez fornecesse a alguns dos «falsos irmãos» a oportunidade de fazer discursos extremados, com resultados indesejáveis. Aos que pareciam de maior influência (2); “as autoridades” (Moff.); “os líderes reconhecidos” (Ramsay). Correr... em vão (2). O que preocupava a Paulo era se sua obra missionária inteira, passada e presente, viesse a ser declarada «inútil», caso ela fosse considerada «vã» -- o que seria realidade se a Igreja de Jerusalém insistisse que os crentes gentios eram obrigados a aceitar a circuncisão» (Comentário de Moffatt). A ilustração da corrida era favorita de Paulo (cf., especialmente, 1Co 9.24; Fp 3.13-14; 2Tm 4.7).

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 14 Os vv. 3-5 encontram-se entre os mais difíceis de ser interpretados

no Novo Testamento. Conforme diz Lightfoot: “O fio da sentença está partido, reunido, e novamente partido”. Farrar e outros têm pensado que Tito foi realmente circuncidado. F. C. Burkitt (Christian Beginnings, pág. 118), diz: “Quem pode duvidar que foi a faca que realmente circuncidou a Tito que também cortou a sintaxe de Gl 2.3-5 em pedaços?”. Aqueles que assim compreendem, pensam que Paulo queria dizer que, embora tenha cedido nesse ponto não o fez por compulsão: Tito não foi constrangido a ser circuncidado. Porém, isso parece uma construção muito forçada da linguagem de Paulo. É muito mais natural compreender que ele queria dizer que Tito mui definidamente não foi circuncidado. «Mas nem mesmo meu companheiro Tito, embora fosse grego, foi obrigado a ser circuncidado» (Moff.). Ver o artigo “Was Titus Circumcised?” (“Foi Tito Circuncidado?”), por A. B. Bruce, The Expositor, Primeira Série, vol. XI, 1887. E isto por causa dos... (4). A exigência que Tito fosse circuncidado foi resistida «por causa dos falsos irmãos», a fim de impedir as desastrosas conseqüências que daí se originariam, tivesse o apóstolo cedido a tal demanda. A metáfora usada por Paulo é a de espias ou traidores que se introduzem em um acampamento sem ser notados. O verbo espreitar (4) ocorre em Js 2.2; 2Sm 10.3, na LXX.

Àqueles que pareciam («que eram reputados») ser de maior influência (6). O verbo, que é a mesma palavra que aparece em 2.2, em realidade está no tempo presente; isto é, “aqueles que são considerados como autoridades” (Lightfoot). Aparência (6); lit., «face». Não é por causa de qualquer privilégio externo, em seu contacto com o Senhor, que aquelas «autoridades» eram o que eram. Acrescentaram (6); certas versões traduzem «proporcionaram». Os de maior influência nada proporcionaram de novo conhecimento a Paulo, nem viram defeito algum em seu Evangelho.

Me fora confiado (7). A mesma palavra e pensamento se encontram em 1Ts 2.4; 1Tm 1.11; Tt 1.3. O tempo verbal perfeito é

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 15 usado aqui a fim de indicar que tal encargo fora entregue permanentemente nas mãos de Paulo.

Em Pedro... em mim (8). Melhor, conforme certas versões, “a favor de Pedro... a favor de mim”.

Que eram reputados colunas (9; «reputados», a mesma palavra outra vez; cf. 2.2,6). Qualquer que tenha sido o sentido das palavras de nosso Senhor a Pedro, em Cesaréia de Filipe (Mt 16.18), elas não lhe deram qualquer preeminência ou liderança superior. Tiago e João compartilhavam com Pedro da responsabilidade e do privilégio de serem “colunas” da Igreja.

e) Paulo repreende a Pedro (2.11-14) Paulo estava tão longe de ser inferior a Pedro que, em Antioquia,

Pedro foi severamente repreendido pelo apóstolo aos gentios por motivo de comportamento incoerente. Não há menção desse incidente no livro de Atos. “A omissão é instrutiva, pois dá a impressão, deixada pela própria epístola, que a colisão foi um incidente transitório, sem qualquer efeito duradouro sobre a história da Igreja” (Expositor's Greek Testament). No que tange à época em que ocorreu esse incidente, somos deixados no terreno das conjeturas. Provavelmente foi no tempo entre os acontecimentos dos versículos anteriores e o concílio referido em At 15; e os “alguns da parte de Tiago” (12) são idênticos com os «alguns indivíduos que desceram da Judéia» (At 15.1), os quais, pelo próprio Tiago, são descritos como «alguns de entre nós, sem nenhuma autorização» (At 15.24), cuja posição foi repudiada por Tiago.

Cefas (11), que aparece novamente no verso 14. O “homem de pedra” negou tristemente o sentido de seu nome nessa ocasião. Se tornara repreensível (11); melhor, «aparecia condenado», isto é, por causa de sua conduta incoerente. Notar os tempos verbais imperfeitos no verso 12, “começou a recusar e a manter-se afastado” (Moff.).

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 16 O próprio Barnabé (13), o de coração grande. Um importante

argumento a favor da teoria sobre o sul da Galácia (ver Introdução) pode ser encontrado aqui. Barnabé esteve com Paulo somente durante a primeira viagem missionária do apóstolo.

f) Justificação e União com Cristo mediante a fé (2.15-21) Paulo deixa de lado a disputa em Antioquia, e se eleva para

regiões altaneiras de pensamento e de experiência. A justificação vem por meio da fé em Cristo, e não pelas obras da lei. Paulo se considerava crucificado de uma vez para sempre juntamente com Cristo, e assim possuía a vida que é realmente vida, por intermédio da fé em Cristo, o qual morreu por ele e agora vivia nele. Mas, se a justiça vem por meio das obras da lei, a conclusão é que a morte de Cristo foi supérflua, sem causa suficiente.

Paulo passa do incidente em Antioquia “a fim de discutir a questão conforme seus próprios méritos, ainda que a princípio tivesse ainda em mente a situação em Antioquia, como se mentalmente estivesse a dirigir-se a Pedro, se é que não estava citando o que disse a ele” (I. C. C.). Tanto ele como Pedro, judeus como eram, haviam descoberto que a salvação jamais pode ser alcançada pelas “obras da lei” (16); mas deve vir mediante a fé em Cristo Jesus (16), fé essa que tem origem nEle e que depende exclusivamente dEle (cf. Rm 3.26). Esse grande verbo paulino, «justificar» emerge aqui. A justificação envolve mais que o perdão dos pecados; no Breve Catecismo de Westminster é definida como segue: «A justificação é um ato da graça livre de Deus, mediante o qual Ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos aos Seus olhos, baseado somente na retidão de Cristo, a nós imputada, e recebida exclusivamente pela fé». É justamente o contrário da condenação (cf. Rm 8.33-34).

O argumento dos vv. 17 e 18 é muito condensado. Paulo está ali respondendo a uma suposta objeção, de que a fé em Cristo não torna os

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 17 judeus melhores que os pecadores gentios, e que, portanto, Cristo é um agente do pecado. Escreve o apóstolo: «Longe de nós tal pensamento! Pelo contrário, eu me constituiria transgressor se retornasse à lei como meio de justificação».

Certo que não (17); jamais seja assim! Por dez vezes, em suas epístolas, Paulo emprega essa poderosa expressão como a repelir, impelido por grande horror, alguma sugestão feita; cf. tais passagens como Rm 3.4; 6.2; 7.7.

Porque (19); essa palavra estabelece a declaração prévia: “Ao abandonar a lei como origem da justificação, tão somente eu seguia a orientação da própria lei. Pois a própria lei, por suas minuciosas exigências que eu nunca poderia cumprir, convenceu-me que é totalmente impossível que eu seja justificado por ela. Assim, morri para a lei, para que pudesse viver para Deus, o qual me justifica gratuitamente por Sua graça, à base do que Cristo fez por mim e em meu lugar”.

Alguém já afirmou que quando chegamos ao verso 20 é como se subitamente tivéssemos passado de um campo de batalha devastado para um lindo jardim. Esse versículo, entretanto, está indissoluvelmente ligado com o anterior. Paulo explica como e onde ele morreu, e igualmente esclarece a natureza e a fonte da vida que agora possuía.

Estou crucificado (19); melhor, “tenho sido crucificado”. Trata-se de um tempo verbal perfeito, o que sugere uma morte cujos efeitos permanecem perpetuamente. Já não sou eu (ênfase sobre a palavra «eu») quem vive, mas Cristo vive em mim.

"A melhor exposição sobre esta passagem é a feita pelo próprio Cristo, em Sua declaração acerca da vinha e seus ramos (Jo 15). O ramo, ainda que esteja vivo e a florescer, não possui vida própria, pois sua vida pertence propriamente à vinha. A explicação teológica a respeito é que quando os homens morrem com Cristo sobre a cruz, Ele passa a viver dentro deles pelo Seu Espírito" (Macgregor).

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 18 Esse viver... pela fé; mais literalmente, “a vida que agora vivo na

carne, na fé vivo”; isto é, a vida vivida na carne tem sua raiz oculta noutra parte. Pela fé no Filho de Deus; cf. anotação sobre 2.16, acima.

Se entregou (20). O amor é eterno; a suprema exibição e a prova desse amor é a cruz. Ali o Filho de Deus (cf. 4.4) se entregou a Si mesmo à morte que envolvia uma maldição (cf. 3.13). Por mim. Temos aqui um tocante exemplo de fé apropriadora. «Lembrai-vos, sou o pecador a quem Jesus veio salvar». A vida de que Paulo agora desfrutava era uma doação do favor desmerecido de Deus (21). Trata-se de uma vida aceitável aos olhos de Deus, na qualidade de justo em Cristo.

Não anulo (21). Paulo deixa subentendido que aqueles que anulam a graça de Deus, são os que pensam que poderão ser aceitos por Deus por intermédio de suas próprias boas obras; pois, se assim fosse “Cristo morreu em vão”, ou, como diz Lightfoot, “inutilmente, sem causa suficiente”.

II. DOUTRINÁRIA E ARGUMENTATIVA - 3.1-4.31 Gálatas 3 a) Apelo à experiência e às Escrituras (3.1-9) Paulo apela para a experiência dos crentes gálatas. Cristo

crucificado havia sido vividamente apresentado a eles, e pela fé nEle é que tinham recebido o Espírito. Será que realmente pretendiam voltar para ordenanças carnais? Abraão foi justificado pela fé; e somente aqueles que vivem segundo o princípio da fé é que são seus filhos autênticos.

Insensatos (1); “destituídos de bom senso” (Moff.); a mesma palavra traduzida como “néscios” em Lc 24.25. Fascinou (1); esta palavra era freqüentemente empregada pelos gregos para indicar o engano produzido pela mágica, algumas vezes com o «Olho mau». “Tão estranho era a cegueira espiritual deles que Paulo assume que alguém

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 19 lançara um mau olhado contra eles; e pergunta quem era o mágico que assim fizera” (Beet). Exposto (1); “abertamente apresentado”, “publicamente exibido”. Aqueles que tinham ouvido o Evangelho com fé no coração (2-3) receberam bênçãos infinitamente mais preciosas que aqueles que estão debaixo da lei jamais poderão receber -- receberam o Espírito Santo. Começar «no Espírito» e procurar madureza de experiência «na carne» é tornar-se estúpido e violar a lei do verdadeiro progresso espiritual.

Sofrestes (4). Alguns preferem entender que esse verbo (em grego, pascho) se refira à experiência espiritual. Assim pensava Moffatt: “Tivestes toda aquela experiência em troca de nada?”. Porém, parece que em nenhuma outra porção do Novo Testamento esse verbo aparece com esse sentido, e é mais provável que a referência aqui seja à perseguição suportada por eles. Em vão (4); “em troca de nada” (Moff.); uma palavra diferente da que é empregada em 2.21.

Vos concede (5); “supre”, no dizer de certas versões. A sugestão aqui é de grande abundância. É Deus Quem faz isso; de conformidade com 4.6, Ele envia o Espírito de Seu Filho aos corações de Seus filhos.

Notamos novamente a ênfase posta sobre a fé, o que leva o apóstolo a lançar mão da ilustração de Abraão como crente típico (6). Gn 15.6 (“o grande texto de Gênesis”, conforme Lutero o descreveu) é citado não somente aqui, mas também em Rm 4.3 e Tg 2.23. A Abraão foi prometida uma descendência tão inumerável como a areia das praias do mar. Quem compõe essa descendência?

Aqueles que são da fé (7), “aqueles cujo ponto inicial, cujo princípio fundamental é a fé” (Lightfoot).

Tendo a Escritura previsto... (8); uma notável personificação. Justificaria; literalmente, seria “está justificando”. Esse é o método perpétuo e invariável de Deus. O Evangelho, segundo foi anunciado a Abraão, falava em bênção para todas as nações, e isso por intermédio da fé. A citação aqui feita é uma fusão de Gn 12.3 com 18.18.

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 20 O crente Abraão (9). A fé era a característica essencial da

religião de Abraão, e é típica de toda verdadeira religião. b) A maldição e a bênção (3.10-14) Aqueles que permanecem sob a lei, só podem esperar a maldição

da lei. Cristo morreu a fim de redimir-nos dessa maldição, para que, em lugar da maldição, a bênção prometida a Abraão, a bênção do Espírito Santo prometido, pudesse ser estendida a todas as nações por meio da fé.

Aqueles que buscam a salvação pelas obras da lei (10) logo descobrem que estão tentando realizar um feito impossível. A maldição da lei desobedecida repousa sobre eles (Dt 27.26 é citado).

Nunca foi tencionado que a bênção haveria de vir por meio da lei, mas sim, pela fé (11). É citada aqui uma das maiores afirmações do Antigo Testamento (Hc 2.4). Ver também Rm 1.17; Hb 10.38.

A lei não procede de fé (12). A lei não começa sobre um princípio de fé; antes, porém, se opõe à fé.

Resgatou (13); lit. «nos tirou para fora», o mesmo verbo que aparece em 4.5. É sugerido aqui o custo infinito de nossa salvação. Fazendo-se (13); melhor, “tendo-se tornado”. Maldição (13). Temos aqui uma forte declaração, que nos faz lembrar doutra declaração ainda mais forte, em 2Co 5.21.

"Ele fez com que nossa condenação fosse a Sua própria. Tomou sobre Si não apenas a chamada de um homem, mas também nossa responsabilidade como homens pecaminosos. E nisso que repousa Sua obra como Redentor, pois é aqui que a medida, ou antes, a imensidão de Seu amor pode ser vista" (Denney, The Death of Christ, I. V. F., ed., pág. 92).

Em nosso lugar (13). A preposição grega usada é hyper, “a nosso favor”. Esse versículo, entretanto, parece exigir a idéia de substituição. Diz A. T. Robertson em sua New Testament Grammar, que somente a violência pode tirar daqui essa idéia. Jo 11.50 é outro versículo onde essa preposição traz em si a idéia de substituição; ver também 2Co 5.20 e Fm

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 21 13. Porque está escrito... (13). A citação é tirada de Dt 21.23. Cristo morreu a morte do pior malfeitor uma morte que inclui a mais evidente das maldições, tão intimamente Ele se identificou com o principal dos pecadores. Madeiro (13) «forca» (Moff). Para Cristo a cruz maldita para todas as nações a bênção prometida a Abraão (14). Essa bênção é a bênção da justificação, conforme demonstrado pelo contexto. Esse é um dos resultados da obra expiatória de Cristo; outro desses resultados é a presença do Espírito Santo no crente (cf. At 2.33).

O Espírito prometido (14). Quanto a essa promessa ver passagens como Ez 36.27 e Jl 2.28.

c) A verdadeira função da lei (3.15-23) A promessa é um fato anterior à lei, e é o elemento original e

essencial no propósito de Deus. A lei era uma provisão meramente temporária; não era contrária à fé, mas foi dada a fim de preparar os homens para a era da fé.

Irmãos (15). Um toque de ternura, como que para mitigar a severidade de muito que fora escrito. Falo como homem (15); "Para tomar uma ilustração da vi da humana meus irmãos" (Moff). Ninguém a revoga (15); o verbo é o mesmo que em 2.21. Ou lhe acrescenta (15); «adiciona novas cláusulas» (Lightfoot).

No verso 16, Paulo tem sido freqüentemente acusado de fazer uma aplicação errônea das palavras citadas por ele do livro de Gênesis. A verdade bem ao contrário pode ser que seus críticos não têm visto tão profundamente as coisas de Deus como ele. Ele não está aqui a sugerir-nos a idéia que o Antigo Testamento inteiro olha para a vinda de um indivíduo, o Cristo; que sumariza em Sua pessoa o povo da aliança em Quem o Israel de Deus é abençoado com todas as bênçãos espirituais? Cristo e Seu povo são um só, conforme Paulo explica mais completamente um pouco mais adiante (3.27-29). Se pudesse ser

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 22 demonstrado que a herança depende da observância da lei, isso anularia e ab-rogaria a promessa.

A concedeu gratuitamente (18). O tempo verbal perfeito indica que os efeitos da promessa são permanentes.

Qual, pois, a razão de ser da lei? (19). Melhor, lit., «Que, então, é a lei?». Sua inferioridade é destacada de três maneiras. Primeira, em lugar de justificar, ela condena; ela foi adicionada a fim de salientar mais claramente a pecaminosidade da natureza humana e aprofundar o senso de pecado no coração humano (cf. Rm 3.19-20; 5.20). Em segundo lugar, esteve em vigor apenas durante algum tempo. Em terceiro lugar, não veio diretamente da parte de Deus: houve uma dupla interposição, a saber, a dos anjos e a de Moisés. Quanto aos anjos, cf. At 7.53 e Hb 2.2.

Deus é um (20). Tem sido dito que há mais de 250 interpretações sobre esse dificílimo versículo; mas isso certamente é um exagero. O sentido da primeira cláusula parece suficientemente claro: a própria idéia de um mediador implica em duas partes interessadas. Quanto à segunda cláusula, a interpretação que acompanha esse pensamento, e que parece satisfatória, tem sido apresentada por Lightfoot. Deus tratou com Abraão diretamente, sem mediações. «Diferentemente da lei, a promessa é absoluta e incondicional. Depende exclusivamente do decreto de Deus. Não há duas partes interessadas a se compactuarem. Nada existe que pertença à natureza de estipulação. O doador representa tudo, o recebedor nada representa».

De modo nenhum (21); cf. 2.17 n. A lei nunca teve a intenção de comunicar vida nem de proporcionar a justiça.

A Escritura (22); ver, por exemplo, passagens tais como Dt 27.26, citada em 3.10, e Sl 143.2, citada em 2.16; passagens semelhantes são citadas em Rm 3.10-18. Encerrou tudo (22); «entregou tudo, sem exceção, à custódia do pecado» (Moff.). O mesmo verbo é empregado em 3.23 (encerrados) e em Rm 11.32; também em Lc 5.6, sobre a rede que apanha os peixes. A lei encerrou os homens em sua prisão, assim lhes transmitindo um senso de culpa e do poder do pecado.

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 23 A fé (23); isto é, a fé referida no verso 22, a fé que justifica; cf.

versos 11 e 14. Estávamos sob (23). O tempo verbal imperfeito descreve a atividade incessante da lei como carcereira. O mesmo verbo (em grego, phroureo) é empregado para designar o fato dos crentes serem guardados, em 1Pe 1.5; é também empregado para indicar literalmente a guarda de uma cidade, em 2Co 11.32.

d) Nesta era da fé somos filhos de Deus (3.24-4.7) A lei nos conduziu a Cristo, em Quem pudemos encontrar

justificação, mediante a fé. O estado de tutela pertence ao passado: temos nos tornado espiritualmente adultos, atingindo a estatura de filhos e herdeiros de Deus.

Aio (24); “tutor”, “preceptor”; “a lei agia como tutor-escravo para conduzir-nos a Cristo” (Wey). Desse modo a lei nos orientava como nosso paidagogos, “orientador de crianças”, de qual termo se origina a palavra portuguesa “pedagogo”; ela ocorre também em 1Co 4.15. Descreve um escravo de confiança, nas famílias antigas das classes sociais mais ricas, o qual levava as crianças da família da escola e para a escola. Ele tinha essa supervisão sobre elas entre as idades de sete e dezessete anos, e ele as resguardava da sociedade má e das influências imorais. A função da lei termina quando nos tem conduzido a Cristo e nos deixa entregues em Suas mãos, não meramente para receber instrução, mas, acima de tudo, para recebermos redenção, que inclui a completa filiação.

Todos vós sois filhos (26). A sentença fica mais clara pelo emprego da vírgula, como segue: «Pois todos vós sois filhos de Deus, mediante a fé, em Cristo Jesus». Não são todos os homens, indiscriminadamente, que são filhos de Deus, mas somente aqueles que têm verdadeira fé e estão em união vital com Cristo.

Batizados (27); a única referência ao batismo nesta epístola. Para aqueles gálatas, o batismo fora um momento de intensa crise espiritual:

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 24 haviam sido batizados em Cristo, isto é, para «dentro de Cristo». Vos revestistes (27); a saber, no momento do batismo. Quanto à ilustração, cf. Ef 4.24; Cl 3.10; e, especialmente, Rm 13.14. Aqui significa possuir a posição de Cristo perante Deus. O batismo deles não somente os selou, mas também tornou mais real para eles o fato que eram um com o crucificado e ressurreto Senhor.

Dessarte não pode haver (28); “não há espaço para” (Lightfoot e Moff.). No Livro de Oração dos judeus encontramos as seguintes palavras: «Bendito és Tu» ó Senhor nosso Deus, Rei do Universo, que não me fizeste um escravo. Bendito és tu, que não me fizeste uma mulher». Paulo ultrapassou em muito além do ponto da vista dessa oração, que provavelmente recua até à sua época. Duncan (Moffatt Commentary) sugere que poderíamos dizer hoje em dia que, “não há lugar para homem branco e homem negro, patrão ou empregado, capitalista ou mensalista, homem ou mulher. Tais distinções, naturalmente, existem no mundo natural, mas agora não podem mais ser consideradas como finais”.

Um (28); “um homem”. “Um coração bate em todos: uma mente guia a todos; uma vida é vivida por todos» (Lightfoot).

De Cristo (29). Eles eram membros de Cristo; poderíamos até dizer, eram parte de Cristo (cf. Ef 5.30). Nessa qualidade, eram herdeiros; não porém, segundo a lei, mas segundo a promessa.

Gálatas 4 No capitulo 4, é levado adiante o pensamento que, antes da vinda

de Cristo, a raça humana estava em seu período de menoridade, ainda que isso seja considerado de um ponto de vista levemente diferente.

Menor (4.1); a palavra no grego, empregada por Paulo, está em oposição a «homem», em 1Co 13.11, bem como em oposição a «perfeito» ou «adulto», em 1Co 14.20.

Tutores (2), isto é, guardiões de sua pessoa. Esta é a única instância em que Paulo emprega esta palavra; no Novo Testamento ela

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 25 só ocorre novamente em Mt 20.8 e Lc 8.3, e se refere ao despenseiro de uma casa ou de terras.

Curadores (2); «encarregados» (Moff.); isto é, guardiões de sua propriedade. Esse vocábulo ocorre com freqüência no Novo Testamento com o sentido de «despenseiro», literalmente, em Lc 12.42; 16.1; metaforicamente, em 1Co 4.1; 1Pe 4.10. Em Rm 16.23 ele denota o «tesoureiro» de Corinto.

Rudimentos (3). O termo aqui usado descreve, em 2Pe 3.10,12, os elementos físicos, o fogo, a água, etc. A maioria dos primitivos pais da Igreja compreendiam que ela se refere ao sol, à luz e às estrelas, e 4.9-10 era reputada passagem que dava algum apoio a essa idéia. A palavra também significa os primeiros princípios ou rudimentos de qualquer assunto (como em Hb 5.12), e esse é o sentido mais provável aqui. A tradução «espíritos elementares» é dada por Moffatt. Porém, nenhum exemplo do emprego dessa palavra em tal sentido pode ser encontrado no grego clássico ou no grego helenista. É difícil ver qual base real existe para uma noção tão sutil e bizarra, quando uma tradução mais simples é disponível e encontra forte apoio em outras passagens do Novo Testamento. Em Hb 5.12, o contexto claramente exige o sentido «rudimentos». Em Cl 2.8,20 o ensinamento religioso rudimentar de certos hereges parece ser contrastado com «todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento» que se encontram em Cristo (Cl 2.3). Aqui, a associação da palavra com o termo menores parece fixar sobre ela a idéia de «rudimentos». As nações pagãs estavam na classe infantil mais baixa, e o ensino desfrutado pelos judeus era apenas rudimentar em comparação com a revelação outorgada em Cristo.

A plenitude do tempo (4); cf. Mc 1.15. Foi o tempo apontado pelo Pai celeste (cf. 4.2), e podemos ver que era o momento exatamente certo ao estudarmos a condição do mundo, política, moral e religiosamente, quando Cristo chegou.

Enviou (4). O verbo transmite a idéia de Deus haver enviado o Filho de Sua própria parte, partindo do estado da glória preexistente (cf.

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 26 Jo 17.5). Seu Filho (4); a mesma frase que em Rm 1.3. Frases semelhantes ocorrem em Rm 8.3,32.

Nascido (4); isto é, «feito». Ele foi enviado da parte de Deus, nasceu de uma mulher, e assim se tornou verdadeiramente humano. A realidade da encarnação é a idéia aqui frisada. Não podemos considerar que essa frase aluda definidamente ao milagre que está envolvido no nascimento de Cristo, embora o grande erudito alemão, Zahn, tenha defendido denodadamente essa idéia, e embora a menção de Sua mãe, exclusivamente, certamente seja notável.

Sob a lei (4). O legislador submeteu-Se ao jugo de Sua própria lei, a fim de observá-la em todos os seus preceitos e a fim de também levar sobre Si a sua maldição (3.13). «Ele veio de uma pátria além das estrelas, de um céu acima dos céus... Podemos sumarizar o ensinamento evangélico sobre esse tema majestoso em três breves declarações: Ele veio da parte de Deus; Ele desceu do céu; Ele veio em carne» (D. M. McIntyre, Christ the Lord, pág. 65).

Resgatar (5). Isso, conforme já foi explicado, Ele realizou na cruz (3.13). A adoção de filhos (5); ou “como filhos”. Em Sua graça, Deus tem recebido em Sua família aqueles que anteriormente pertenciam a uma família inteiramente diferente (Jo 8.44), dando-lhes «o direito de receber todas as bênçãos e todos os privilégios dos filhos de Deus». Tais bênçãos e privilégios só podem ser desfrutados por aqueles que têm sido remidos.

Enviou (6); o mesmo verbo que em 4.4. A presença e operação do Espírito Santo no coração são evidência certa de filiação (cf. Rm 8.14-16). O Espírito de seu Filho (6). O Espírito Santo é outorgado pelo Pai, mediante a intercessão do Filho (Jo 14.16), é enviado pelo Filho da parte do Pai (Jo 15.26), e presta testemunho sobre o Filho (Jo 15.26; 16.14). Cf. frases tais como “o Espírito de Jesus Cristo” (Fp 1.19) e «O Espírito de Jesus» (At 16.7). Nossos corações (6). É como Se Paulo tivesse dito: «Vós, gálatas, sois filhos, mas nós, judeus, também o somos».

Page 27: Galatas - N. Comentario

Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 27 Clama (6); essa palavra denota um forte clamor e descreve oração

fervorosa e importuna. Aba, Pai (6). Essa expressão ocorre novamente em Mc 14.36 e

Rm 8.15. Aba é o termo aramaico para “pai”. Podemos encontrar aqui uma ilustração do que Paulo tem estado a dizer (3.28) sobre a unidade de todos os crentes em Cristo; “pois Aba e Pai une os hebreus e os gregos nos mesmos lábios, tornando o solicitador ao mesmo tempo judeu e gentio” (Macgregor). Ver I. C. C. sobre Rm 8.15 e o artigo “Abba”, em H. A. C.

Não és (tu) (7). Paulo aplica essa questão a cada crente individual. Também herdeiro por Deus (7). Evidentemente esta versão traduz uma variação mais correta que a de certas traduções. “Tudo devendo a Deus” (Moff.).

e) A loucura de pôr-se novamente em escravidão (4.8-11) Ou antes sendo conhecidos por Deus (9). Cf. Jo 15.16 e 1Jo

4.10. “Deus os conheceu antes de terem-No conhecido” (Eadie). Quanto a esse conhecimento, que traz em si o segredo da vida eterna, cf. Mt 7.23; Jo 17.3.

Como estais voltando...? (9), o que dá idéia de um processo ainda em continuação.

Rudimentos fracos e pobres (9); cf. 4.3 n. Fracos, visto serem impotentes para «resgatar» (5); pobres, porque não podem aumentar a riqueza espiritual daqueles que são herdeiros de Deus (7). A riqueza espiritual dos filhos de Deus é referida vezes sem conta no Novo Testamento (1Co 1.5; 3.21-23; 2Co 8.9; Tg 2.5).

Guardais (10); “vós observais minuciosa e escrupulosamente”, esforçando-vos para nada omitir. Várias ordenanças judaicas são mencionadas: dias, isto é, sábados, jejuns, festividades; meses, isto é, luas novas (cf. 2Rs 4.23); tempos (ou estações), isto é, festas anuais, tais como a Páscoa, o Pentecoste, etc.; anos, isto é, os anos sabáticos.

Page 28: Galatas - N. Comentario

Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 28 Nenhuma base pode ser encontrada aqui para a idéia que a lei sabática foi ab-rogada por Cristo. O que Paulo condena neste passo é a observância escrupulosa do sábado judaico, com todas as suas estreitezas farisaicas, bem como a escrupulosa observância de outros dias judaicos sagrados, como meios de salvação.

Receio de vós (11); melhor ainda, “receio por vós”. Em vão (11); a mesma palavra que em 3.4.

f) Apelo para relembrarem sua primeira recepção ao Evangelho

(4.12-20) Sede qual eu sou (12); ou “tornai-vos tais qual eu”, livres das

ordenanças judaicas. Eu sou como vós (12); ou, “tornei-me tal qual sois”; isto é, ele lançou por terra a carga da lei judaica a fim de colocar-se no nível de seus convertidos gentios. Em nada me ofendestes (12); isto é, nos primeiros e melhores dias, mas, pelo contrário, me tratastes conforme descrevi nos vv. 13 e 14.

Por causa de uma enfermidade física (13). Foi por causa de alguma fraqueza corporal que ele terminou pregando o Evangelho aos gálatas. A teoria de Ramsay a respeito é interessante. Segundo ele, a “enfermidade da carne” de Paulo, que seria a mesma coisa que o “espinho na carne” de 2Co 12.7, foi um ataque de malária que lhe sobreveio quando andava pregando pelo distrito baixo e pantanoso de Perge, na Panfília (At 13.13), o que o levou a dirigir-se para o norte, à procura do ar das montanhas. Outras sugestões são vista fraca ou epilepsia; ninguém sabe qual essa enfermidade com certeza, entretanto. A primeira vez (13); “durante minha visita anterior” (Moff.), provavelmente na viagem anterior à viagem de retorno (At 14.21-24).

A melhor tradução do verso 14 seria “aquilo que vos foi uma tentação em minha carne”. Parece que havia algum sintoma, em conexão com a enfermidade de Paulo, que o tornava um espetáculo humilhante, e isso provavelmente foi o que tentou os gálatas a receber sua pregação

Page 29: Galatas - N. Comentario

Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 29 com desprezo; a reação deles, entretanto, foi muito diferente disso. Desprezo (14); lit., “cuspistes fora”. É interessante relembrar que foi no sul da Galácia que Paulo e Barnabé foram confundidos com divindades pagãs (At 14.12).

O versículo 15 tem sido empregado para escorar a teoria que o “espinho” de Paulo era vista fraca, mas as palavras quase certamente são metafóricas.

Os que (17); isto é, os mestres judaizantes. Vos obsequiam (17); ou então, «vos dão importância». Semelhantemente, no versículo seguinte. Não o fazem sinceramente (17), isto é, não com bons motivos. Querem afastar-vos de mim (17); melhor ainda, «querem fechar-vos», isto é, fora da Igreja de Deus. As palavras «de mim» não se encontram no original; representam uma interpretação, e não uma tradução. Assim, ao insistirem sobre a circuncisão, os falsos mestres estavam, em realidade, fechando os gálatas longe de Cristo (cf. 5.4).

Para que o vosso zelo seja em favor deles (17); ou então, “para que lhes deis importância”.

O que Paulo queria dizer no verso 18, é: «Não me queixo da atenção que vos está sendo dada, contanto que a mesma tenha boas intenções. Mas estou apelando para que também me dediqueis afeição, e que a mesma seja tão calorosa como quando estive entre vós».

Meus filhos (19); uma súbita explosão de profunda afeição. Essa é a única instância de tal expressão nos escritos de Paulo; ela é freqüentemente encontrada nos escritos de João. Paulo afirma que ele tinha mais direitos da afeição deles do que aqueles outros, visto que lhe deviam sua nova vida em Cristo (cf. 1Co 4.15). A mesma angústia de espírito, que sentiu quando pregava a eles, se fazia presente novamente, em vista do perigo espiritual que corriam. Formado (19). O propósito do novo nascimento é que a vida e o caráter cristãos cresçam cada vez mais: será que o novo ensino, ao qual estavam dando ouvidos, contribuiria para o crescimento espiritual deles?

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 30 Em outro tom de voz (20). «Se ao menos eu e vós pudéssemos

estar face a face, não palmilharíamos sem tardança pela mesma antiga vereda novamente?». Mas, na situação presente, ele estava perplexo a respeito deles.

g) A alegoria dos dois filhos de Abraão (4.21-31) Está escrito (22); uma referência geral a Gn 16; 21.1-21. Estas coisas são alegóricas (24). Para aqueles que realmente

‘ouvem” (21), elas dizem algo distinto do sentido que jaz à superfície da história. Porque estas... são (24), isto é, representam tipicamente. Cf. passagens tais como Mt 13.37-39; 26.26-28; 1Co 10.4.

Gera para escravidão (24); ou, “dá filhos para a escravidão». Agar é o monte Sinai na Arábia (25). Algumas versões

apresentam a tradução de uma variante encontrada em muitos manuscritos e adotada por Lightfoot e por outros, “pois Sinai é uma montanha na Arábia», isto é, conforme Lightfoot comenta: «na terra dos escravos, os quais descendem de Agar”.

Corresponde (25); isto é, «pertence à mesma categoria». Jerusalém estava em escravidão política como também em escravidão espiritual, não tendo recebido a liberdade que Cristo lhe ofereceu.

A qual é nossa mãe (26). Quanto a Jerusalém como mãe dos crentes, ver Sl 87. Os crentes já são cidadãos da Jerusalém celestial (Lc 10.20; Fp 3.20; Hb 12.22).

Está escrito: Alegra-te... (27), uma citação tirada de Is 54.1 (LXX), passagem essa que prediz a vasta multiplicação dos filhos de Jerusalém. Sob a figura de uma esposa negligenciada e estéril, é descrita a desolação do exílio; mas a Jerusalém é prometido um dia de bênçãos e crescimento. A profecia de Isaías está sendo espiritualmente cumprida na chamada dos gentios para a Igreja de Deus (cf. Is 49.18-23). Baseado em Is 54.2, William Carey Taylor pregou o seu famoso sermão missionário.

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 31 No verso 29 a alusão parece ser a Gn 21.9, mas o tempo verbal

imperfeito que aqui aparece («estava perseguindo», «continuou a perseguir»), sugere o fato que o incidente mencionado em Gn 21.9 não era acontecimento isolado.

Que diz a Escritura? (30) a referência é a Gn 21.10. O sentido essencial, sem dúvida alguma e dado por Lightfoot: “A lei e o Evangelho não podem co-existir; a lei tem de desaparecer perante o Evangelho”.

O verso 31 apresenta um sumário da passagem inteira (21-31) e conduz diretamente à exortação no versículo seguinte. Devemos observar a ênfase posta, do princípio ao fim da passagem, sobre livre. Quanto a esta passagem podemos observar que esse é um claro exemplo de espiritualização do Antigo Testamento, o qual, contudo, não justifica qualquer emprego geral do método alegórico de interpretação bíblica.

III. PRÁTICA EXORTATÓRIA - 5.1-6.18 Gálatas 5 a) Apelo para se apegarem à liberdade (5.1-12) A verdadeira tradução do versículo primeiro parece ser a de

certas versões: “Com liberdade Cristo nos libertou: permanecei firmes, portanto...”. Alguns preferem lugar esse versículo aos versículos anteriores, como conclusão do argumento de Paulo.

Permanecei... firmes (1). Paulo usa novamente esse verbo em 2Ts 2.15; 1Co 16.13; Fp 1.27; 4.1.

Jugo de escravidão (1); lit., «uma canga», isto é, qualquer canga, quem quer que procure impô-la. Cf. At 15.10 e contrastar com Mt 11.29-30.

Eu, Paulo, vos digo (2); isto é, com a autoridade de apóstolo de Cristo, e como alguém que conhece por amarga experiência a verdade do que digo. A submissão à circuncisão significa recuar para o método de procurar a salvação pelas obras da lei (3), e assim envolve a aceitação da

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 32 obrigação de guardar a lei em sua inteireza, o que requer um cumprimento perfeito de seus preceitos (3.10).

De Cristo vos desligastes (4). Certas versões traduzem: “Separados estais de Cristo”. O verbo grego, katargeo, é traduzido “abolir”, em 1Co 15.26, e “destruir” em Hb 2.14. Neste caso denota o rompimento de toda a conexão. Em Rm 7.2,6, Paulo emprega o termo para indicar a esposa que é «desobrigada da lei do marido» por meio da morte deste; assim, igualmente, o crente Cristão é «desobrigado da lei».

Da graça decaístes (4); isto é, da graça especial da justificação sob a condição de fé.

Porque (5); o verdadeiro caráter dos filhos de Deus se vê em nós que, por intermédio da fé, temos uma expectativa espiritual ou dada pelo Espírito sobre a glória que haverá de ser. Aguardamos (5). Verbo que Paulo usa freqüentemente (ver 1Co 1.7; Rm 8.19,23,25; Fp 3.20). Todas essas passagens apontam para a glória que aguarda o povo de Deus por ocasião da vinda de Cristo. A esperança da justiça (5) é a esperança associada à justiça ou inspirada por ela, a esperança que nos pertence por havermos sido justificados (cf. Rm 5.2 e Cl 1.27). Os filhos de Deus atualmente possuem justiça em Cristo, e esta traz em si a promessa da glória futura. (Cf. «a esperança do seu chamamento», em Ef 1.18; 4.4).

Porque em Cristo Jesus... (6); isto é, quando nos tornamos crentes, aquilo que tem o poder não é alguma diferença carnal e externa, operada pelo homem, mas é a atividade da fé, interna, operada pelo Espírito, que se manifesta em amor.

Que atua pelo amor (6), o amor com o qual se cumpre a lei inteira (14). “Nessas palavras”, diz Bengel, “se apóia todo o Cristianismo”. E, no dizer de Lightfoot, é «a ponte por sobre o abismo que parece separar a linguagem de Paulo da linguagem de Tiago. Ambos asseveram um princípio de energia prática, em oposição a uma teoria estéril e inativa». Quanto a fé, esperança e amor, em íntima conexão, examinar 1Ts 1.3; Rm 5.1-5; 1Co 13.13; Cl 1.4.

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 33 Vós corríeis bem (7). Novamente, como em 2.2, temos uma

metáfora baseada nas corridas. Impediu (7). Temos aqui uma metáfora tirada das operações militares, que sugere a idéia da destruição de um trecho de estrada, para impedir o progresso de um exército que avança.

Daquele que vos chama (8); isto é, Deus, como em 1.6,15. O verbo está no presente do indicativo, como em 1Ts 5.24. Deus os chamou, na crise da conversão (1.6), mas continua a chamá-los para alturas mais excelentes de visão e conhecimento. Estavam eles dando ouvidos a Deus, ou a alguma outra voz, alguma voz enganadora?

O verso 9 é um provérbio, citado também em 1Co 5.6. A referência pode ser a uma pessoa, aquele que os impedia (7), ou aquele que os perturbava (10), ou talvez, e mais provavelmente, a referência diz respeito a uma infusão de ensinamentos falsos que, por insignificantes que parecessem, se propagariam e operariam dano infinito.

Confio (eu) (10), “que vos conheço tão bem, e que me lembro de vosso zelo anterior” (Lightfoot), tenho boas esperanças a vosso respeito, a despeito de tudo. Que vos perturba (10); o mesmo verbo que em 1.7.

Ainda (11); como nos dias antes de sua conversão, como talvez alguém tivesse sugerido maliciosamente. Escândalo (11). Algumas versões dizem «pedra de tropeço». O vocábulo grego skandalon significa «o gatilho de uma armadilha», e então a própria «armadilha», assim apontando para qualquer coisa que atrapalha, apanha e impede. Desfeito (11); o mesmo verbo que em 5.4. Essas palavras, naturalmente, são irônicas. Paulo continuava pregando a Cristo crucificado (2.20; 3.1,13; 6.14), o que para os judeus era um escândalo (1Co 1.23); eis porque ele era perseguido.

Se mutilassem (12); isto é, rompessem todas as ligações com a Igreja. Ramsay adota essa interpretação, mas quase todos os eruditos modernos favorecem uma tradução mais drástica e mesmo espantosa, como a desta versão. Por que haveriam de parar na circuncisão? por que não prosseguiam até à mutilação física, à semelhança dos sacerdotes da deusa Cibele, na região da Galácia? O verbo é o mesmo encontrado em

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 34 Dt 23.1 (LXX). Incitam (12). No original, um verbo que não ocorre no grego clássico, ainda que era usado no vernáculo, conforme fica provado, por exemplo, por seu emprego em uma carta datada de 41 D. C., encontrada no Egito. Ocorre duas vezes mais no Novo Testamento (At 17.6 e At 21.38) com o sentido de fomentar desordem social.

b) As obras da carne e o fruto do Espirito (5.13-26) Porque (13); isto é, Bem que posso usar tão forte linguagem

acerca daqueles que vos incitam (12), visto que fostes chamados à liberdade. Ocasião (13); uma palavra peculiar a Paulo no Novo Testamento, e que denota, tanto em Rm 7.8,11 e 2Co 11.12 como aqui, uma oportunidade para o pecado. Na linguagem militar era aplicada para denotar uma base de operações. Há exortação similar, em 1Pe 2.16. Sede... servos uns dos outros, pelo amor (13), assim obedecendo ao ensinamento de Cristo (Mc 10.44). Esse método do amor (14) é melhor maneira de observar a lei do que ser circuncidado (3); de fato, é a única maneira (cf. o v. 6). Encontramos o mesmo pensamento em Rm 13.8.

Mordeis e devorais (15). A feroz contenda das seitas em luta, na Igreja, resulta em destruição mútua.

Andai (16); isto é, vivei vossa vida diariamente. Esse verbo é freqüentemente empregado por Paulo nesse sentido; ver Rm 6.4; 8.4; 1Co 3.3; Ef. 4.1,17; Fp 3.18. No Espírito (16); algumas versões dizem «pelo Espírito», isto é, guiados por Ele (cf. Rm 8.14,18, aqui).

Carne (17). Neste contexto, essa palavra não significa o corpo, como se a sede do pecado fosse esse. Deve-se notar que muitos dos pecados mencionados nas «obras da carne» são pecados espirituais. “Carne”, no dizer de Melanchton, é “a natureza inteira do homem, seu senso e razão, sem o Espírito Santo”. O filho de Deus tem habitado em si o Espírito Santo, e Ele é a fonte da nova vida, o que explica o motivo dessa «guerra irreconciliável» sobre a qual fala este versículo. Parece que Paulo dizia: «Não tendes prova clara da presença desses dois antagonistas em vosso coração? De que outra maneira podeis explicar o

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 35 fato que nem sempre obedeceis aos ditames da consciência?». Certamente há conflito, mas permanece inalterado o fato que os crentes não estão debaixo da lei (18). Esta não mais os condena, nem se trata de um constrangimento aborrecível sobre eles. Docemente constrangidos pelo Espírito, fazem a vontade de Deus.

As obras da carne são conhecidas (19); suficientemente manifestas naquele velho mundo pagão, suficientemente manifestas por toda parte em nosso mundo atual. Não há tentativa, nos vv. 19-21, para mencionar todos os pecados possíveis; são dados apenas alguns exemplos mais notáveis. Lightfoot classifica-os sob as quatro categorias de paixões sensuais, manuseios ilegítimos das coisas espirituais, violações contra o amor fraternal, e excessos intemperantes.

(i) Paixões sensuais (19). Prostituição, impureza, lascívia... Lascívia; isto é, «devassidão» (Lightfoot), indecência aberta e desavergonhada. Essa palavra ocorre em Mc 7.22; 2Co 12.21; 1Pe 4.3; 2Pe 2.7 (sobre os homens de Sodoma); e outros lugares. Não nos devemos esquecer que naquele antigo mundo pagão o vício sexual era provido pela lei pública, sendo incorporado até mesmo na adoração aos deuses.

(ii) Manuseios ilegítimos das coisas espirituais (20). Idolatria, feitiçarias... O primeiro se refere ao reconhecimento público dado aos deuses falsos. Moffatt traduz feitiçaria como «mágica»; a referência é ao tráfico com os mortos, e assim sendo, com os poderes malignos, tão severamente condenado no Antigo Testamento (ver, por exemplo, Is 8.20; ver também Ap 21.8; 22.15).

(iii) Violações contra o amor fraternal (20-21). Inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas... Algumas variações: Ciúmes, isto é, «emulações». Iras, significa explosões apaixonadas de ira. Facções, isto é, «heresias», ou seja, partidos, uma forma agravada de divisões. «Homicídios», ainda que apareça em algumas versões, é palavra que não se encontra no original.

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 36 (iv) Excessos intemperantes (21). Bebedices, glutonarias. As

duas palavras ocorrem novamente em Rm 13.13, e a segunda palavra em 1Pe 4.3.

Aqueles que praticam (21) tais coisas necessariamente, pela própria natureza das coisas, estarão fora da santa cidade de Deus que virá (ver Ap 22.15). As obras da carne envolvem uma labuta árdua, maçante, inútil, que no fim produz os salários daquela morte que é a antítese da vida eterna (Rm 6.23).

Fruto (22), em contraste, é o sinal certo da vida saudável da árvore, e «o fruto do Espírito» é a linda, calma e sempre progressiva manifestação por meio da conduta, e até à idade avançada (Sl 92.14), daquela nova vida que foi comunicada por Deus. Paulo não escreve sobre «frutos» e, sim, sobre «fruto»; cf. «fruto da justiça» (Fp 1.11, grego) e «fruto da luz» (Ef 5.9). Um belo cacho de nove variedades de fruto é aqui descrito. «Semelhante à cadeia das graças, em 2Pe 1.5-7, todas estas variedades estão ligadas como que para sugerir que a ausência de qualquer delas significa a anulação de todas» (artigo «Fruit», em H. A. C.). A tríplice classificação feita por Lightfoot, em hábitos mentais, qualidades sociais e princípios gerais de conduta, uma vez mais é de grande ajuda.

(i) Hábitos mentais (22). Amor. O Espírito Santo inspira na alma aquele amor a Deus e aos homens que é o cumprimento da lei (cf. v. 14). Examinar o admirável elogio de Paulo ao amor, em 1Co 13. Alegria. Profundo regozijo de coração, tal como as bebedeiras e outras obras da carne jamais podem produzir. Essa alegria é a alegria «no Senhor» (Fp 4.4), e não por causa das circunstâncias. Paz. O senso de harmonia no coração no que tange a Deus e ao homem, aquela paz de Deus que guarda o coração contra todas as preocupações e temores que pretendem invadi-lo (Fp 4.7).

(ii) Qualidades sociais (22). Longanimidade. Paciência passiva debaixo das injúrias ou danos sofridos. Benignidade. A bondosa disposição para com o próximo. Bondade. Beneficência ativa, sendo

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 37 assim um passo além da benignidade. Nenhum tributo mais excelente poderia ser pago a Barnabé do que ter sido dito dele que era «homem bom», e isso por estar «cheio do Espírito Santo e de fé» (At 11.24).

(iii) Princípios gerais de conduta (22-23). Fidelidade; cf. Tt 2.10, onde a palavra é também assim traduzida. Algumas versões dizem «fé»; mas certamente esta versão é mais correta. Mansidão. O temperamento especialmente Cristão de não defender de unhas e dentes os próprios direitos. Nosso Senhor associa bênção a essa virtude (Mt 5.5), sendo um de Seus próprios atributos (Mt 11.29 e 2Co 10.1). Domínio próprio. Geralmente traduzido por «temperança» noutras versões; «auto-controle». A idéia sugerida é a do indivíduo que sabe controlar firmemente seus desejos e paixões; a palavra ocorre em At 24.35 e 2Pe 1.6.

Contra essas coisas... (23). A lei existe para propósitos de restrição, mas, quanto a estas virtudes, nada existe para limitá-las (cf. 1Tm 1.9-10).

Crucificaram (24). Aqueles que pertencem a Cristo consentiram que a velha e corrompida natureza, «o homem velho» (Rm 6.6), fosse pregada à cruz de Cristo; precisam sustentar essa atitude de mente.

No Espírito (25); ou «pelo Espírito», como também no verso 16. Andemos (25). Uma palavra diferente da que é empregada no verso 16, pois se trata de vocábulo que dá a idéia de andar em fila: no grego clássico era usado para indicar a marcha em ordem de batalha. Paulo também a usa em Rm 4.12, referindo-se ao fato de andarmos na mesma linha da fé de Abraão. A idéia sugerida é que a orientação do Espírito Santo deve ser seguida bem de perto.

Possuir de vanglória (26). O substantivo só aparece novamente em Fp 2.3, no Novo Testamento, onde a «humildade de mente» é colocada em notável contraste com o mesmo. Essa busca insensata pela honra inútil se revela de duas maneiras: provocação e inveja. A primeira dessas palavras ocorre somente aqui, no Novo Testamento, e traz em si a idéia de «desafio para combate», o que pode facilmente ser seguido pela

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 38 «inveja», isto é, preocupação por causa da superioridade alheia. Paulo prossegue a fim de falar de uma atitude inteiramente diferente que o crente deve assumir para com os irmãos, mesmo no caso daqueles que tiverem errado grosseiramente.

Gálatas 6 c) Carregando as cargas (6.1-5) Irmãos (1). Bengel diz que «um argumento inteiro jaz oculto sob

essa palavra». Se (1); ou «mesmo que». Surpreendido; «apanhado», conforme algumas versões; talvez no próprio ato do pecado, de modo que sua culpa fica além de qualquer dúvida. Nalguma falta; ou «qualquer transgressão». A mesma palavra ocorre em Mt 6.14; lit., «uma queda ao lado», de modo que o ofensor saia da vereda reta pela qual o Espírito orienta (cf. 5.25 n.). Vós, que sois espirituais (1); isto é, vós, que tendes o Espírito, que sois guiados por Ele e que andais por Ele (3.2,14; 4.6; 5.18-25), vós, em cuja vida o fruto do Espírito, - do qual fruto faz parte a mansidão -- está crescendo cada vez mais. Corrigi-o (1). Um verbo interessante, usado de várias maneiras no Novo Testamento. Nos clássicos é empregado para indicar o ajustamento de ossos fora de lugar; no Novo Testamento, porém, é usado para indicar equipamento e preparação (Hb 10.5; 11.3), e o concerto de redes de pesca (Mt 4.21). É o verbo traduzido como «aperfeiçoe», em Hb 13.21 e 1Pe 5.10. O dano provocado no irmão faltoso, por causa de sua transgressão, deve ser reparado, e ele deve ser novamente posto em seu lugar no corpo de Cristo. Guarda-te (1). A exortação é dirigida à consciência de cada qual: que cada qual considerasse sua própria tendência e possibilidade de pecar, relembrando que algum dia talvez venham a necessitar do mesmo tratamento misericordioso.

As cargas uns dos outros (2). A ênfase recai sobre uns dos outros; a auto-centralização é condenada. As cargas são o peso do pecado por causa do pecado que o irmão faltoso está carregando, bem

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 39 como todos os outros pesos da tristeza e da preocupação que podem sobrecarregar os corações de nossos semelhantes. Aqui temos cargas melhores de serem carregadas que o peso da lei, e aqui temos a melhor de todas as leis que devemos cumprir, a lei de Cristo.

Uma atitude mental inteiramente diferente é em seguida descrita no verso 3, a atitude de reivindicar superioridade espiritual sobre um irmão caído. Tal atitude só pode ser assumida por alguém que iludiu a si mesmo. A si mesmo se engana (3); isto é, por suas próprias fantasias. O verbo grego ocorre somente nesta passagem no Novo Testamento, e o adjetivo correspondente ocorre em Tt 1.10. Todas as comparações entre nós mesmos e os outros devem cessar, e cada qual deveria ter como alvo fazer com que sua própria obra seja digna (4), e «então ele terá algo em que gloriar-se em sua própria conta, e não em comparação com seus semelhantes» (Moff.).

Prove (4). Verbo empregado nos escritos clássicos para indicar a avaliação de metais e moedas. Ocorre nesse senso em Pv 17.3 (LXX) e em 1Pe 1.7. Com o sentido de examinar e testar ocorre também em 1Co 3.13; 11.28; 1Ts 5.21. Em outro (4); lit., «no outro»; algumas versões traduzem, «em seu próximo». Fardo (5). Palavra diferente da que aparece no verso 2. A palavra empregada ali destaca o peso da carga; esta palavra simplesmente denota o fato que se trata de algo que deve ser transportado (phortion, do verbo phero, «eu carrego»). Para cada indivíduo há certa carga de responsabilidade pessoal que ele não pode transferir para ombros alheios, e, se ele devotar sua mente à mesma ele não terá nem o tempo nem a inclinação de comparar-se com os outros.

d) Semeando e colhendo (6.6-10) Sendo instruído (6). O termo grego deu origem às nossas palavras

«catequizar» e «catecismo». A referência é ao ensino oral. Faça participante; lit., «compartilhe com». Coisas boas (6). Em Lc 12.18; 16.25 essa expressão significa riquezas mundanas, e freqüentemente

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 40 assim tem sido compreendida aqui; em outras palavras, julgam que Paulo estivesse exortando os crentes a doarem liberalmente para o sustento financeiro de seus mestres cristãos. Essa idéia talvez esteja incluída, mas a frase parece ser capaz de uma aplicação mais lata. Cada crente tem sua própria carga peculiar de responsabilidade que lhe cabe carregar, «mas» (conforme começa este versículo) que o tal não se esqueça do seguinte: que ele deve compartilhar com seu mestre em toda boa obra.

Não vos enganeis (7); a mesma frase é empregada em 1Co 6.9; 15.33; Tg 1.16; lit., «não sejais desviados». Zomba (7). O verbo significa, literalmente, «virar o nariz desprezivelmente»; no Novo Testamento ocorre somente aqui; é de ocorrência freqüência na LXX (exemplo, Sl 80.6; Pv 15.20; Jr 20.7). Semear (7). Em 2Co 9.6 essa figura é empregada em conexão com o gasto de dinheiro, mas, novamente, uma aplicação mais lata está em vista aqui. Ninguém pode brincar com as leis de Deus; Ele não as alterará em nosso benefício. O que um homem colhe é o resultado inevitável do que ele semeia (cf. 2Co 5.10).

No verso 8, a carne e o Espírito parecem ser considerados como canteiros, enquanto que a corrupção é contrastada com a vida eterna. Desde Rm 2.7 esta última, expressão parece incluir as idéias de «glória, honra e imortalidade»; cf. 1Tm 6.19.

Não nos cansemos de fazer o bem (9). A mesma exortação pode ser encontrada em 2Ts 3.13. O verbo sugere a idéia de desmaio, ou desânimo; é traduzido por «esmorecer» em Lc 18.1 e por «desfalecer» em 2Co 4.16; Ef 3.13. O bem (9), isto é, «fazer o que é bom» -- tal é o «bem» sugerido nos versos 1,2,6,10. A aplicação, neste passo, é à melhor espécie de semeadura. A seu tempo (9); isto é, no tempo apropriado para a colheita, e não antes. A grande ocasião da colheita será na vinda do Senhor Jesus (cf. Mt 13.39; Tg 5.7). Desfalecermos (9); um verbo usado em Mt 15.32 e Mc 8.3 para indicar exaustão física, e em Hb 12.3,5 para indicar relaxamento de esforço. Parece descrever aqui o colapso moral e espiritual que pode ser provocado pela aparente falta de resultados na

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 41 obra cristã, ou por esperança adiada que chega ia adoecer o coração (Pv 13.12).

Oportunidade (10); a mesma palavra que a traduzida como «tempo» no versículo anterior. Há um período próprio para a semeadura, e outro para a colheita; o que importa agora é que semeemos abundantemente. Aos da família da fé (10). Macgregor sugere, como tradução bastante literal, «as pessoas domésticas da fé», aquelas que, dentre os judeus ou gentios, entraram na casa de Deus através da porta da fé (At 14.27) e agora vivem ali, por uma fé semelhante à de Paulo (2.20); cf. Ef 2.19.

e) Conclusão (6.11-18) Com que letras grandes (11). Paulo freqüentemente escrevia o

versículo final de uma epístola com sua própria mão (ver 1Co 16.21; Cl 4.18; 2Ts 3.17). Isso parece sugerir que, nessa altura da escrita, Paulo tomou a pena da mão do amanuense, e escreveu os oito versículos finais de nossa epístola em caracteres grandes e cheios, talvez para efeito do ênfase. Algumas das idéias principais da carne são aqui repetidas, a fim de fixá-las mais indelevelmente sobre as mentes de seus leitores.

Querem ostentar-se (12); lit., «querem revestir-se de rosto bom». Na carne (12); em ordenanças meramente corporais e externas. O motivo impelidor daqueles mestres judaizantes não era um zelo sincero pela lei, mas sim, o desejo indigno de escapar das perseguições. Pois era a pregação da cruz como a única esperança do pecador, com a exclusão de toda dependência sobre a lei para a salvação, que provocava a perseguição contra os crentes (cf. 5.11).

Aqueles que se deixam circuncidar (13); «aqueles que recebem a circuncisão», «o partido da circuncisão» (Moffat e Lightfoot); isto é, aqueles que insistem que a circuncisão é essencial para a salvação. Eles próprios não observavam coerente e rigidamente todos os requisitos da lei. Por outro lado, o apóstolo talvez quisesse dizer que mui certamente

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 42 os tais não obedeciam perfeitamente à lei, a qual exigia nada menos que obediência perfeita (3.10).

Longe esteja de mim (14); lit., «jamais me aconteça»; a mesma forte expressão que se encontra em 2.17 e 3.21. Crucificado (14); de modo definitivo e com resultados permanentes; o tempo verbal usado é o mesmo que em 2.20. O mundo estava crucificado para Paulo, visto que o mesmo para sempre perdera seu poder e encanto; e, visto que ele também estava crucificado para o mundo, devido à real transformação que nele fora operada, agora ele estava morto para todas as atrações exercidas pelo mundo. Comparar com o bem conhecido hino de Isaac Watts: «Quando contemplo a admirável cruz».

O verso 15, de conformidade com o texto autêntico, está bem traduzido nesta versão. Cf. 5.6 e 1Co 7.19, visto que as três passagens provêm material para estudo proveitoso das coisas que realmente têm valor no Cristianismo. O que realmente pesa não é algo externo, e, sim, a regeneração interna, operada pelo Espírito Santo, ou seja, a nova criatura (ou «nova criação») -- a mesma frase que em 2Co 5.17 -- que toma o lugar do homem que foi crucificado.

Andarem (16); a mesma palavra que em 5.25. Regra (16); isto é, o princípio estabelecido nos vv. 14 e 15. O vocábulo grego é kanon, que ocasionalmente indica uma régua de carpinteiro ou linha de medir do pesquisador, do qual se deriva nossa palavra «cânon», que é aplicada às Santas Escrituras como «a única regra que nos orienta sobre como podemos glorificar a Deus e dEle desfrutar».

Paz... misericórdia (16). A paz que Paulo havia invocado sobre os seus leitores (1.3), Paulo agora adiciona a misericórdia. Os miseráveis pecadores necessitam de misericórdia de Deus (Ef 2.4). «É na misericórdia de Deus que têm início todas as nossas esperanças», e é somente dela que flui a paz permanente de coração.

E sobre o Israel de Deus (16); «até mesmo sobre...» (Moff.). A Igreja dos homens e mulheres redimidos é o Israel de Deus (3.7,9,14,29).

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Gálatas (Novo Comentário da Bíblia) 43 Cf. Rm 2.28-29; Fp 3.3; 1Pe 2.9-10. Temos aqui uma alusão aos Sl 125.5 e Sl 128.6.

Ninguém me moleste (17). Os judaizantes haviam-no molestado gravemente. Mas agora ele esperava havê-los silenciado definitivamente. Havia provado inequivocamente que era um verdadeiro apóstolo de Cristo; se quisessem provas extras, era suficiente olharem para as cicatrizes (marcas) de seu corpo. “Trago no corpo as marcas de Jesus”.

O vocábulo grego traduzido por «marcas» é stigmata. Os escravos ocasionalmente eram marcados a ferro com o nome de seus senhores, e as pessoas dedicadas ao serviço de um deus eram também assim marcadas a ferro em brasa; desse modo, parece que Paulo reputava as cicatrizes que lhe tinham ficado no corpo, devido o apedrejamento que sofreu em Listra, no sul da Galácia (At 14), como prova certa e infalível de que era o escravo de Jesus, alguém que havia entrado na «comunhão dos seus sofrimentos» (Fp 3.10).

Em suas cartas posteriores, Paulo freqüentemente se descreve como escravo de Cristo (Rm 1.1). Ele se gloriava em tais «marcas» e não na circuncisão. Irmãos (18). Ainda que não esteja indicado nesta versão, essa é a última palavra da epístola, a qual assim ocupa posição enfática. Paulo queria que os «gálatas insensatos» (3.1) compreendessem que, apesar de todas as coisas duras que lhes tinha escrito, continuavam sendo seus irmãos. Assim, nas palavras de Bengel, «a severidade da epístola, considerada como um todo, é abrandada».

ALEXANDRE ROSS