Galo Que Hoje Canta

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  • 7/29/2019 Galo Que Hoje Canta

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    Galo que hoje canta, ainda ontem era pinto: uma anlise sobre o processo de formao

    religiosa no candombl e na umbanda.

    Por Cntia Raymundo

    http://raizafricana.wordpress.com/nossa-religiosidade/

    Orelha no passa a cabea diz os antigos. As religies de matriz afrobrasileiras se caracterizam

    por um complexo sistema hierrquico meritrio, temporal e, principlamente, predeterminado.

    O candombl possu um sistema classificatrio de formao religiosa: abi, yaw e ebmi.

    Abi o adepto na fase inicial dos ritos iniciticos. Ele aprender o que for permitido. Serintegrado a comunidade e ter tempo para se certificar de suas decises. Muitos, por

    determinao do orix, continuam abi por muito anos. O yaw aquele com menos de sete

    anos de iniciao, onde o nefito consagrado ao Orix. Assim definiu o etnlogo Herskovits

    O iniciado agora feito, um membro jnior habilitado do grupo de candombl. Como tal, o

    novo ia tem a oportunidade, no concedida a estranhos, de aprender o trabalho dos deuses e

    participar do culto pblico..

    Os ebmis so os iniciados que completaram a obrigao de sete anos. So consideradas

    pessoas a quem deve respeito e a quem sempre devem ser ouvidas. Estruturam o que o

    antroplogo Vivaldo da Costa Lima denominou princpio da senioridade. Um complexa rede

    socioreligiosa construda com tempo, abnegao e merecimento. A partir da obrigao de sete

    anos, o ebmi se torna apto a assumir cargos dentro do ax. O cargo de santo uma

    atribuo determinada pelo odu e pelo Orix. Pr determinado, ancestral. Atribuo de

    cargo por motivos pessoais sempre ocasiona, com o passar do tempo, brigas e rupturas. O

    orix sempre faz valer a sua vontade.

    A relao entre o candomblecista e a divindade fundamentada atravs das obrigaes,

    liturgias ps iniciao que se denomina respectivamente: obrigao de 1 ano, obrigao de 3

    anos e obrigao de 7 anos. Elas no necessariamente obedecem ao tempo decorrido. Uma

    pessoa com vinte anos de iniciada que no completou o ciclo de obrigao de sete anos no

    ser considerada ebmi.Assim como um pessoa com seis ou menos anos jamais poder passar

    pela obrigao de 7 anos.Os antigos preservaram e perpetuaram essa tradio de formao

    religiosa. Talvez a dinmica do trfico escravista possa somar as explicaes para este sistema

    religioso. Muitos escravos poderiam ser iniciados e , posteriormente, vendidos, rompendo

    alianas religiosas. Para assegurar uma continuidade e preservar saberes o sistema de

    obrigaes cclicas se tornou eficiente para candombl. Permitiu criar parmetros de

    legitimidade e reforar o prncipio de senioridade.

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    Para os antigos,nenhuma pessoa pode se declarar babalorix ou yalorix sem passar pelo ciclo

    de obrigaes e sem receber o dec, smbolo certificador que o adepto possu od e est

    autorizado pelos Orixs a abrir uma casa de santo.

    Na dcada de 30, o folclorista dison Carneiro analisou casos de pessoas que se tornavam

    zeladores sem obedecer a uma tradio de candombl. Muitos eram candombls de caboclosonde o encantado assumia a responsabilidade sobre o preparo religioso do sacerdote. Era, na

    poca,um novo segmento, que embora fosse muito questinado, existe e possu muitos

    adeptos. Atualmente, muitos desses candombls adotam o sistema de obrigaes ciclcas.

    O processo de formao religiosa na umbanda caracterizado pela doutrinao. Mdium e

    entidade seguem a doutrina de determinada casa. H tradies de umbanda direcionada por

    preto velho, com forte influncia africanista. Outras seguem a tradio dos caboclos, marcados

    pela pajelana e jurema e outros seguem uma orientao esprita e/ou esotrica. A umbanda

    possu rituais de senioridade: camarinhas, firmezas, batismos e amacis. Muitas obedecem ao

    sistema de sete anos, com rituais ciclicos e especficos de cada tradio. Importante ressaltarque o determinante para a Umbanda so as entidades. Elas so as donas de gong,

    determinam o caminho da espiritualidade do mdium e a orientao da casa religiosa. No h

    sacerdcio na Umbanda sem Entidade Espiritual. O mdium a qual a entidade determina a

    abertura de uma casa deve ser preparado, passar por obrigaes, saber preparar defesas,

    familirizar com os cdigos de santo. Abrir uma casa de umbanda sem preparo signica lidar com

    o desconhecido, ocasionando danos a vida dos sacerdotes e de terceiros.

    O mais importante tanto na umbanda e no candombl saber que sacerdcio

    ancestralidade, comprometimento e abnegao.O candombl chamar de od e alguns

    umbandistas chamar de misso.Como diz o ditado Galo que hoje canta, ainda ontem erapinto, ou seja preciso aprender para ensinar.

    Qual o significado de um Igb

    Por Paulo dEsu

    Na religio Yorb, Igbs (awn igb) so assentamentos de orix (r). Um assentamento

    uma representao do orix (r) no espao fsico, no mundo, no ay. Sob o ponto de vista

    sacro no existem representaes humanas de orix (r).

    A religio Yorb no tem imagens para representar suas divindades, o que representa uma

    divindade o seu Igb, ao olharmos um Igb como se estivssemos olhando para a

    divindade. Secularmente existem representaes em forma de desenhos e esculturas mas que

    so frutos apenas de criatividade de artistas e no tem uso sacro.

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    Os orix (awn r) so adequadamente representados por smbolos e grafismos prprios de

    cada um e por extenso por outros elementos como folhas, arvores, favas e contas. Mas o Igb

    a sua representao mais adequada.

    Vale refazer a afirmao, j explicada em outro material, de que o orix (r) no so

    elementos da natureza, assim olhar o vento no significa olhar para oya, olhar uma pedra

    no significa olhar para Xango (ng), olhar para o mar no significa olhar para yemoja, etc..

    O mesmo sentimento que um catlico tem ao olhar para uma imagem de um santo em sua

    igreja e altar, o povo de santo tem ao olhar para um igb. muito comum as pessoas, nos seus

    quartos de santo, vestirem seus Igb com suas roupas de orix (r) como se fosse o

    prprio orix (r). Contudo, igb so de acesso muito restrito, de uso exclusivamente sacro

    e ritualstico, no tem visibilidade pblica e ficam guardados dos olhos de todos.

    Dessa maneira, cada Igb representa uma divindade atravs de um continente (Vaso,

    invlucro, recipiente) e seu contedo, e esse conjunto, continente e contedo especfico de

    cada divindade. Esses continentes podem ser de porcelana (substituindo cabaas), barro ou

    madeira e sero empregados distintamente para cada divindade que ele representa. So

    usados elementos fsicos comuns, como tigelas, sopeiras, pratos, bacias e alguidares.

    O iniciado no seu processo de feitura (que distinto de uma iniciao mas muitas vezes essas

    expresses se confundem) poder receber um ou vrios Igb, dependendo do seu status na

    religio e da prpria tradio da casa em conduzir este ritual.

    Mas o igb no o orix (r) no ay. Essa religio no coloca um orix (r) dentro deuma sopeira, no uma religio animista. O igb representa apenas a ligao entre os 2

    espaos, o espao fsico ay e o espao espiritual o Orun (run). uma ponte entre os 2

    espaos. Sua funo no trazer o orix (r) para o ay porque os orix (r) j esto

    presentes em nossa vida o tempo todo, no existe secularismo na religio. Sua funo

    completamente ritualstica.

    O igb , de fato, dentro de toda a religio Yorb uma dos elementos mais importantes e

    significativos por traduzir a contnua relao entre o Orun (run) e o ay. Ele representa oreconhecimento da existncia do espao espiritual, o Orun (run), e a ligao perene que

    existe entre os 2 espaos (run-ay) na forma de um contnuo duplamente alimentado e da

    circulao, transformao e reposio de ax (). Dessa maneira o seu valor no esta

    somente na sua existncia como instrumento ritualstico, como foi ressaltado no incio, mas

    tambm no que ele representa.

    Toda religio tem smbolos e simbolismos. Uma cruz para os catlicos representa muito

    tambm: todo o significado da paixo e do sacrifcio de Jesus. Assim esse smbolo traduz em smuito mais do que somente a lembrana da crucificao de Jesus e sim um todo da sua

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    doutrina, poderamos falar muito apenas olhando para uma cruz. O mesmo vale para um Igb.

    Nada mais sagrado por s s pelo seu uso e nada pode traduzir tanto da doutrina que cobre a

    religio Yorb como o entendimento da sua funo.

    O Igb uma manifestao de F, e por isso um reconhecimento de nossa F na religio. De

    acordo com a metafsica Yorb, para tudo que existe no ay existe um duplo no Orun (run).

    O Igb um elemento de ligao entre essas 2 pores e um instrumento de concentrao de

    energia. usado para nos ligarmos s divindades, liga o fsico dimenso espiritual, a

    dimenso ay dimenso Orun (run).

    O objetivo de um Igb potencializar a ligao Orun-ay (run-ay) sendo o instrumento que

    no ay representa o duplo do Orun (run). O Igb esta vinculado diretamente uma pessoa

    no ay mas no a representa e sim ao duplo do Orun (run). Como j foi dito ele no

    armazena um orix (r), ele no uma lmpada mgica que esfregamos para dali sair um

    orix (r). Ele a ponte de ligao direta entre o ay e o Orun (run) entre o iniciado no

    ay e suas energias e divindades no Orun (run).

    Um dos principais usos que se d a ele receber os Ebs (b), que so sacrifcios de todo o

    tipo, entendendo que o sentido de sacrifcio na religio no envolve o uso de sangue em s. Um

    sacrifcio por ser qualquer oferenda que vai se converter em ax (). Um Obi um sacrificio,

    um Acaa um sacrifcio e pode substituir um boi.

    Esse aspecto de participar ativamente de Ebs (b) uma finalidade muito importante, mas

    no imprescindvel. No se precisa de uma Igb para fazer uma oferenda, mas, todo sacerdote

    tem e usa os seus para isso. Isso tem todo o sentido, sendo o Igb um elemento de ligao ou

    de potencializao dessa ligao como esta sendo dito realizar isso junto a eles fazer esse

    instrumento funcionar.

    importante lembrar que um Ebs (b), uma oferenda um parte de um processo de

    transmisso e reposio de ax () e os elementos utilizados so transmutados em energia,

    em ax ().

    Dessa maneira ao se fazer isso atravs de um Igb esta se fazendo chegar ao duplo do Orun

    (run) referenciado por aquele Igb a transmutao da energia dos elementos afins a ele que

    foram usados no sacrifcio.

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    O ponto que esta sendo ressaltado que o Igb em um Eb (b) o instrumento que

    direciona, potencializa e agiliza a este ase chegar ao Orun (run). O Igb no um instrumento

    para alimentar o iniciado no ay.

    O Igb pode ser coletivo ou individual. Quando coletiva chama-se Ajob (ajb) e liga uma

    comunidade a sua comunidade espiritual, ao coletivo que ela representa e a divindade que a

    protege. Quando individual liga a pessoa ao seu reflexo no Orun (run).

    Do que feito um Igb?

    O Igb feito usando materiais que esto ligados divindade que ele representa. Assim omaterial e o seu contedo ajudam a estabelecer a relao, devendo ser utilizados sempre

    elementos completamente afins com a divindade e que traduzem a matria original do Orun

    (run). Conhecer essas relaes e afinidades parte do aprendizado de um iniciado durante

    sua vida e somente aqueles que as conhecem tero verdadeiro sucesso no seu trabalho

    ritualstico.

    O principal elemento dentro de um Igb a pedra, o okuta. Acima de todos os demais

    componentes ela receber todo o trabalho ritual de preparao e por essa razo muitos dizem

    que a nica coisa importante, todo o demais apenas decorativo. O pedra para os Yorb

    significa a longevidade a existncia perene. Os demais elementos fazem parte do enredo do

    orix (r) de maneira que no so apenas decorativos. Entretanto muitos itens que so

    colocados em um igb pode ser meramente decorativos.

    Os demais elementos em um Igb variam entre metais, favas, folhas e outros materiais que

    remetem ao orix (r) original. O elemento escolhido para o continente do Igb tambm

    ter relao direta com ele. Tudo dentro de um Igb feito para traduzir a matria original do

    Orun (run) que foi materializada no ay atravs do iniciado ou da comunidade que o Igbrepresentar.

    A escolha de cada elemento depende de para quem ser feita a ligao. Cada orix (r) tem

    os seus elementos correspondentes no ay. Adornos e enfeites exteriores que apenas

    agradam ao ego de quem faz no ajudam nisso. O importante so as folhas, as favas, os metais

    e outros elementos genricos como os bzios. Entendo que moedas, muito presentes,

    deveriam ser representadas apenas pelos bzios, que eram dinheiro, mas muita gente coloca

    mais como um desejo de prosperidade do que um elemento de ligao de fato.

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    O material do recipiente externo escolhido entre algumas opes. A cabaa substituda

    pela porcelana branca para os orix (r) fun fun, o barro e excepecionalmente a madeira

    para um orix (r) especfico. As cores desses materiais e elementos decorativos vo

    compor esse conjunto de forma harmoniosa. Para os caso das cores existe muita criativade. OsYorb reconhecem apenas 3 cores, o branco, o vermelho e o preto. Todas as demais cores

    so elementos de uma dessas 2 famlias e as representam da mesma maneira. Assim o verde e

    o azul so elementos da cor preta. O amarelo do vermelho e por assim vai.

    Todo Igb individualizado composto de um recipiente com tampa (continente) contendo a

    pedra, okuta, o ncleo do Igb e os demais elementos com gua, leos e outros elementos

    lquidos. O igb sem tampa so usados em assentos coletivos, no individualizados,

    eventualmente casas e ax () podem fazer variaes disso.

    O vnculo run-ay

    Uma questo importante quando falamos de Igb o que ele traduz de fato e a questo de a

    quem pertence e o que ele traduz . Como explicado, j extensivamente, um elemento de

    ligao e pode ser coletivo ou individualizado, mas, como explicado nunca o orix (r) no

    ay.

    Os aspecto coletivo-indivduo tambm uma das caractersticas marcantes da ritualstica da

    religio. Estamos todo o tempo lidando com essas 2 faces do divino que coletivo como todo

    o divino, mas, para os iniciados, os sacerdotes totalmente individualizado em sua

    manifestao.

    O exemplo mais individualizado possvel do divino o do Igb ori. Nada mais prprio, pessoae individualizado do que um Igb Ori. Seguindo o que repetimos a exausto, o Igb a

    representao no ay do duplo no Orun (run), o ori no Orun (run) a divindade pessoal, que

    esta no Orun (run) e nos protege, guia nossos passos, abre e fecha nossos caminhos e esta

    acima de qualquer orix (r) em nossa vida. No representa o Ori que est no ay uma vez

    que esta resida na prpria pessoa. Usamos o Igb ori para chegar ao Ori no Orun (run) o

    duplo por excelncia. No processo que chamamos de Bori a oferenda ao Ori, o processo de

    reposio de ax (), duas entidades sero alimentadas com ax () o duplo do Orun

    (run) e o Ori que esta no ay.

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    O Igb Ori nesse processo e durante o processo, criado e por excelncia o elemento

    fundamental na execuo de um Bori mas pode no mais existir aps a sua execuo. Uma vez

    realizado o Bori ele pode ser desfeito, despachado junto com os demais elementos utilizados e

    oferecidos. Contudo nada impede, como provavelmente na maior parte das vezes, ele ser

    preservado tornando mais perene e forte o vnculo Orun-ay (run-ay) .

    claro que esse vnculo no se perde quando despachamos o Igb, da mesma forma que

    nenhum vnculo de desfaz quando despachamos um Igb ou no o temos. O Igb um

    instrumento de intensificao disso a ser criado e usado por que sabe o que esta fazendo.

    Na tradio do Candombl onde o culto ao Ori se manteve sempre presente e importante no

    se faz um Bori sem que seja criada a representao no ay do Ori. No me interessa tratar

    aqui da forma como outras tradies religiosas da mesma base fazem isso porque muitas delas

    no o faziam e adotaram tardiamente copiando o que viam ou ouviam falar e muito menos o

    que tradies africanas que perderam a sua origem no processo de cristianizao e islamizao

    tendo que buscar em literatura suas origens. No Candombl sempre foi feito assim.

    Dessa maneira o Igb Ori um exemplo vivo, conhecido e forte do que foi dito aqui sobre o

    que um Igb, sua finalidade, seu uso e aplicao prtica.

    Voltando ao ponto do coletivo individual, no caso dos orix (r), na feitura de um olorix o

    processo de ritual todo voltado para a individualizao. Assim, se inicia com o genrico que

    o orix (r) e se faz a individualizao deste atravs da ligao Orun-ay (run-ay) para a

    pessoa, e isso realizado no momento em que se cria a ligao Orun-ay (run-ay) atravs

    do Igb. Os animais que sero usados, os elementos colocados e dispostos, a ritualstica de

    elaborao. Uma determinada qualidade ser feita com o okuta indo ao fogo, etc A

    individualizao nascer nesse momento e o Igb por excelncia a marcao desse caminho,

    distinguindo assim um assento coletivo de um assento individual atravs da ligao Ori-okuta.

    O processo de individualizao passar pela ritualstica e tambm por materiais, metais, favase folhas, especficos daquele orix (r) para aquela pessoa.

    J o orix (r) genrico ser ligado atravs do Igb genrico aquele que no passar pelo

    processo de individualizao.

    Dito isso voltamos ao ponto de que um Igb r criado dentro do processo de feitura no

    um Igb genrico ou coletivo, ele foi individualizado atravs da ligao Ori-okuta e sempreestar ligado aquele Ori.

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    Dentro da ritualstica devemos lembrar que a pessoa preparada para ser ele prprio o

    receptculo do orix (r), o seu Igb vivo. Um yaw um Igb vivo do seu orix (r). O

    Igb fsico complementa isso ligando no mais o orix (r) genrico mas sim o orix (r)

    individualizado no yaw ao orix (r) origem no Orun (run) atravs de uma ligaoindividualizada, do Igb individualizado.

    Esse aparato fsico ritualizado na iniciao deixa de ser matria ordinria, barro, metal, ou fava

    e passa a constituir o caminho metafsico para o orix (r). Mas tambm no mais uma

    ponte para o ax () genrico do orix (r) e sim a sua fisicalizao individualida naquele

    yaw. Assim temos 2 caminhos, o caminho coletivo e genrico e o caminho individualizado.

    Os Igb so os instrumentos de amplificao dessa relao entre os 2 espaos e o acesso ao

    ase de cada orix (r). Todo o processo de equilbrio e restituio de ax () passara poreles para ir ao duplo no Orun (run) e retornar no ay para quem necessita.

    Uma pessoa no ser dependente de seus Igb. Acima de tudo a relao desses espaos

    sempre existir e jamais estamos no assistidos. Podemos no ter o instrumento de

    amplificao mas sempre teremos nosso ori e todos os orix (r).

    A quem pertence um Igb?

    Um Igb ori to pessoal que jamais deveria ser mantido no Ile, longe de seu dono. Esse Igb

    completamente individualizado uma vez que no encontraremos no Orun (run) um Ori

    coletivo mas sempre individual de forma que ele e s tem sentido e utilidade pelo seu prprio

    dono. Deveria assim estar junto da pessoa na sua casa. Nos casos em que essa pessoa no tem

    condies de mant-lo em casa o Il Ax (Il ) o lugar natural.

    O problema sempre surge em relao aos Igb de orix (r) que despertam grandes paixes.

    Esta uma religio praticada em torno dos orix (r) e seu culto assume demais

    importncia. Deveria ser um culto ao Ori, a famlia e a ancestralidade mas o culto ao orix

    (r) assume propores muito grandes.

    Uma pessoa durante o seu processo de iniciao poder receber um ou muitos Igbs, tudo

    depende da tradio da casa. Eu entendo que o mnimo que uma pessoa deve ter aps sua

    iniciao seria, o seu igb ori (que j deveria existir bem antes, muito antes da pessoa se

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    iniciar), o Igb do seu orix (r) e o Igb ou assentamento do Exu bara ( bara) do seu

    orix (r). Esta conjunto Igb orix + Exu bara bsico e imprescindvel.

    A este conjunto bsico outros elementos podem ser adicionados como o Igb do seu junt que o seu segundo orix (r), e os Igb do seu enredo de orix (r). Deve se entender por

    enredo o conjunto de orix (r) que formam sua energia no ay e isto esta diretamente

    ligado ao processo de individualizao. Assim a quantidade e qualidade dos Igb que uma

    pessoa ter como parte do seu enredo depende da sua qualidade de orix (r) e de seu

    prprio caminho na religio, coisa que s determinado durante o processo de feitura e

    consultas ao Orculo.

    Algumas casas fazem todos esses Igb durante o processo de iniciao, outras vo adicionando

    isso ao longo das obrigaes de 1, 3 e 7 anos. Se a pessoa ter Oye de babalorix (babalr)

    ou dependendo o oye que essa pessoa venha a ter, o conjunto de Igbs (awn igb) ser

    distinto de pessoas que no tero oye cargo sacerdotal. Observe que nem todo mundo que

    iniciado nessa religio ser um babalorix (babalr) ou iyalorix (yalr). A maior parte

    sera formada de egbons, mais velhos.

    Um iniciado em uma casa ter ento uma quantidade significativa de Igbs. Mas, a quem

    pertence isso, a quem pertencem esses Igbs? Digo isso porque todos devem ter

    conhecimento do problema envolvido na posse de Igb orix. Muitas casas no permitem que

    nunca a pessoa retire os Igb de dentro dela, nem mesmo quando seria natural que quando

    a pessoa completa seus 7 anos.

    O mais comum que aps desavenas durante o seu perodo de yaw a pessoa quera deixar o

    Il Ax (Il ) e naturalmente queira levar consigo os seus Igbs. Muitos as vezes nem

    conseguem mais entrar e ficam preocupados tendo deixado para trs seus Igbs devido a eles

    representarem um ponto de vulnerabilidade.

    De fato, todos tem razo. Um Igb sempre ser um ponto de vulnerabilidade, principalmente o

    igb ori. Esse jamais deveria estar em um Il Ax (Il ). Mas a primeira coisa que tenho a

    dizer tome cuidado com o que faz da sua vida. Nunca entre em nada sem avaliar tudo antes.

    Tem que conhecer primeiro a casa, o dirigente e as pessoas que frequentam a casa. As pessoas

    se do mal porque se precipitam, colocam a vaidade na frente. Assim se a deciso de iniciao

    for mais consciente os problema sero menores. Segundo no se sai de um Il Ax (Il ) por

    qualquer motivo ftil. Se foi seu orix (r) que escolheu aquela casa (essa a tradio, o

    orix (r) que escolhe onde quer ser iniciado e no a pessoa) ento se submeta aos

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    caprichos de outros. Mantenha o seu respeito e sua individualidade mas vaidade por vaidade a

    sua deve ser a menor.

    Durante uma feitura no existe apenas um processo de individualizao existe tambm umprocesso de ligao com o ax () da casa e do iniciador. Um yaw est fortemente ligado a

    casa e a pessoa que o iniciou. O processo ritualstico leva componentes que criam essa ligao,

    assim o iniciador considera que aqueles igb no so independentes, eles adicionaram ax

    casa e receberam ax da casa. Foram parte de um conjunto. entendido que seu sentido de

    existir dentro daquela casa.

    Se a pessoa sair, que faa seus Igb na sua prxima casa. De maneira que no estamos

    discutindo a propriedade de louas e barro e sim de as. Isso verdade. Se voc deixa para

    trs os seus Igbs, no se preocupe, faa outros no prximo lugar que vai, o orix (r) vai

    com voc.

    Eu entendo que o ningum segura ou fixa um orix (r) na sua casa mantendo o Igb de um

    iniciado que se foi. O Igb uma individualizao e s tem sentido, s tem funo junto ao

    prprio iniciado. Se quiser manter um orix (r) em casa que trate melhor as pessoas.

    O Igb e a morte

    Com a morte do iniciado o Igb deixa de ter sentido. A ligao no mais existe e se voc no

    quer conviver com um egun atrs de voc recomendado que despache tudo junto. Existem

    pessoas que entendem que se deve consultar o Orculo para saber se o orix (r) quer ir

    embora ou no, ou seja, se o Igb vai ou no no carrego e em vitude dessa consulta muitos

    Igb ficam no Il Ax (Il ). Entendo que um forma de ver isso. Acho mais natural que

    tudo se v, no h motivo para se manter um vnculo Orun-ay (run-ay) com um ori que

    no mais existe no ay isso vai contra o fundamento do axexe (aee), mas, cada um siga suaconscincia e o que aprendeu.

    As

    Paulo D`s

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    O processo de formao do Candombl e a construo de suas tradies

    Por Cntia Raymundo (Cntia dOxum)

    Os mitos caminham sempre junto com a histria e com ela se transformam. Assim Regina

    Celestino conclui em seu trabalho Metamorfoses Indgenas que abordava questes de

    identidades entre grupos indgenas no Rio de Janeiro. O mito transcrito acima pertence,

    exclusivamente, ao conjunto de mitos dos candombls iorubs no Brasil e relata o processo

    mtico de inveno do candombl. Candombl uma palavra de origem banto que significa

    culto, louvor, reza [1]. Esse termo denomina complexos sistemas de cultos religiosos de matriz

    africana institudos no Brasil: os cultos aos Orixs, Voduns e Inquices. Conhecidas como

    religies afro-brasileiras estes cultos se caracterizam pela heterogeneidade ritual, tnica e

    social. Possuem em comum a ritualstica da possesso e a adoo de rigorosos ritos de

    passagem e de hierarquia meritria.

    Compreender o processo mtico de inveno do candombl implica em atentar para as

    singularidades histricas que promoveram novas formas de interao do homem iorub com a

    natureza, produzindo novas simbologias litrgicas. Assim como Claude Lvi-Strauss afirma:

    () o que nos observamos e devemos descrever so antes as tentativas para realizar uma

    espcie de compromisso entre, por um lado, certas orientaes histricas e certas

    propriedades do meio ambiente e, por um outro lado, as exigncias mentais que, em cada

    poca, prolongam as que tm a mesma natureza daquelas que as precederam no tempo. Ao

    ajustar-se uma outra, estas duas ordens de realidades fundem-se e constituem ento um

    conjunto significante. [2]

    O candombl possui vrias tipologias de cultos. As principais so o candombl ketu, o

    candombl jeje e o candombl de angola. Nos ltimos anos do sculo XVII e na primeirametade do sculo XIX, chegam ao Brasil, principalmente s regies Norte e Nordeste, um

    grande contingente de negros oriundos da frica Ocidental (nags/yorubas, jejes). Grande

    parte destes negros serviram de mo de obra escrava nas plantaes de fumo e algodo na

    Bahia[3]. Segundo alguns autores, a chegada tardia a Bahia dos yorubanos e jejes em relao

    aos negros bantos contriburam para uma suposta pureza de culto e , por esta razo, jejes e

    yorubs tendem a ser visto como um grupo que resistiu a mestiagem preservando

    organizaes slidas de cooperao. Esta caracterstica teria contribudo para uma maior

    organizao de cultos de matriz africanas no Brasil[4]. Os bantos tiveram seu fluxo migratrio

    bastante diminudo no sculo XIX, porm seus inmeros contatos com crioulos e caboclos

    permitiram novas possibilidades de formas simblicas como os candombls de caboclo. Os

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    candombls jejes-nags compreendem os modelos de candombls nags/yorubanos (ketu,

    ijex, ijebu, xangs, egb) e jejes (daomeanos, mahi, ewe e fons). Os candombls bantos

    compreendem os cultos de candombls angola, congo, muxicongo, benguela, cambinda e

    caboclo. A estas divises se convencionou denominar de naes de candombl.

    Os primeiros candombls organizados e registrados so de origem nag. Entre eles est o

    candombl da Barroquinha conhecido como Casa Branca do Engelho Velho da Federao e

    chamado oficialmente de Il Ax Iy Nass Ok em homenagem a uma das suas fundadoras,

    Ya Nass[5] . O candombl da Barroquinha, segundo tradies orais, foi fundado em um

    terreno localizado atrs da capela de Nossa Senhora da Barroquinha, em Salvador no ano de

    1789. Segundo relatos, os fundadores deste terreiro eram provenientes de uma irmandade de

    negros pertencentes a capela da Barroquinha [6]. O grande ineditismo do Ax da Casa Branca

    foi introduzir um modelo de culto organizado em sociedade, em yorub egb. O pioneirismo

    da Casa Branca do Engenho Velho um dos principais elementos de defesa de um modelohierrquico de cultos. Assim, pureza africana e pureza nag se tornaram indissociveis nos

    discursos sobre os cultos afro-brasileiros.

    O candombl possui um complexo de significados que so transmitidos historicamente atravs

    da oralidade.Estes significados so dinamicamente reelaborados produzindo diferentes formas

    simblicas que so perpetuadas pelos adeptos dos cultos.

    A cosmoviso iorub considera que Homem e Natureza no constituem elementos

    complementares. Os iorubs consideram que o Homem Natureza e suas aes podem ser

    lidas nos usos dos espaos ambientais. na tradio do uso dos recursos naturais que nasce o

    culto aos Orixs. Esses so ancestrais divinizados, representados miticamente como deuses

    manipuladores de determinada fora da natureza[7]. Essa est divida por quatro elementos

    principais: aff (ar, vento), omi (gua), inn (fogo) e il (terra). Conforme descreve Ruy

    Pvoas, dentre o povo de santo

    () se cr na estruturao do universo humano com base nos quatro elementos: Terra, gua,

    Fogo e Ar. As pessoas ento, se consideram, se reconhecem e se comportam como se fossem

    o prprio elemento. E qualquer prtica de cura, tratamento, reposio ou troca passa

    necessariamente por tal entendimento. Num terreiro de candombl, jamais se atribuir a uma

    pessoa cabea de Oxum a tarefa de remover o corpo morto de um animal em decomposio

    ou qualquer outra atividade que implique lidar com cheiros nauseabundos ou que promovam

    rejeio.Oxum moa rica, rainha do brilho, do perfume e assim so tambm seus filhos.

    Desrespeitar o humano tambm desrespeitar o orix, pois essas coisas no se separam. [8]

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    Todos os quatros elementos correspondem a uma relao de Orixs. No Brasil, os iorubs

    cultuam 16 orixs principais. Relacionados ao fogo temos Exu, Xang e Ians. Ligados ao

    elemento ar tem Oxaluf e Oxagui (duas formas do orix Oxal). A gua domnio das

    denominadas yabs (mes/divindades femininas) entre elas Yemonj e Oxum. A terra est

    relacionada aos orixs guerreiros e caadores como Oxossi, Logum-ed, Obaluaye, Ogum,

    Oxumar, Ossaim e Oba. Interessante notar que, comumente, h orixs que pertencem a mais

    de um elemento como o caso de Ians (fogo e ar), Ogum (terra e fogo) e Logumed (gua e

    terra). a individualizao da relao de Ancestralidade/Orix/Natureza que d surgimento as

    chamadas qualidades de santo. Resumidamente, a qualidade de santo uma demarcao

    especfica do lao de ancestralidade que traz informaes sobre a origem do culto do Orix

    pessoal de cada um. Exemplificando: Oxum a divindade da gua doce, cultuada no rio Oxum

    localizado no Bosque sagrado de Oshogbo (Nigria). Na regio onde o rio apresenta inmeros

    troncos de rvores saindo de suas guas, ocasionando inmeras quedas de raios a divindade

    Oxum chamada de Opar e seus encantamentos (ofs) tm relao com Ians (divindade dos

    raios). Quando o rio Oxum se torna mais fundo e turvo comea os cultos das denominadasOxum mais velhas como Oxum Ijimun(nome de outra localidade por onde passa o rio).

    A relao de ancestralidade visvel atravs de sistemas oraculares iorubs como o jogo de If

    e o jogo de meridilogum, o popular jogo de bzios. Estes se baseiam no sistema de Odu

    (destino), um sistema binrio compostos por versos denominados itans. Dividos em 16 odus

    principais, o orculo possibilita 256 combinaes de resposta. A relao de ancestralidade

    materialmente dramatizada atravs dos ritos de possesso onde o adepto possudo por um

    Orix pessoal, ou seja, um ancestral pessoal. No rito de possesso encenada a relao do

    homem com as foras da natureza. Tomando por exemplo um adepto de Ogum, orix ligado

    ao fogo, ao ferro e guerra. O adepto desta divindade, ao ser possudo, encenar lutas,

    atividades de forja de ferro e manipulao do fogo para objetivos coletivos como alimentao

    de uma tribo. H ainda divindades anteriores a pr-histria como Nan Buruku, deusa

    feminina do panteo jeje. O culto de Nn anterior a descoberta do ferro[9]. Por isso um

    Orix relacionada a gua e a terra, aos elementos reguladores da agricultura como as chuvas e

    o barro. Nan encenada como uma velha senhora, ranzinza e austera. Relaciona-se com a

    passagem entre o cu (orum) e a terra (ay) e com Iku ( a morte) devido sua ligao com o

    barro, elemento que, segundo a mitologia iorub, principia e encerra a vida. Eis uma

    significativa descrio de Nan:

    Nan, anci dos Orixs, assume o comando da lama para que, separada da gua, surja a terra,

    slida e firme para ser habitada. A lama o elemento primordial de nossa criao. Tudo vir

    dela, e tudo a ela ser devolvido depois de cumprida a misso que for destinada a cada ser e a

    cada coisa.

    Ser, portanto, encarregada desta funo: devolver lama o que dela provm. Como smbolodesta outorga, deves construir, com tuas prprias mos, um cetro de fibras de dedezeiro,

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    enfeixadas e atadas com tiras de couro ornadas de bzios. A ponta superior dever ser

    dobrada para baixo e presa ao corpo do cetro, formando o smbolo do poder ancestral

    feminino do qual sers tu, Nan, a representante entre os humanos.[10]

    O sistema scio-religioso iorub estruturado pela crena em dois espaos: o orun e o aiy.

    Orun o espao sagrado, morada dos Orixs. O aiy o espao fsico, morada dos vivos. Esses

    dois espaos no so distantes um do outro. No h ruptura entre o orun e o aiy. H

    continuidades. Assim como a lenda citada no incio do texto, os Orixs podem visitar o aiy

    atravs do rito de possesso. Para tal preciso que o mundo humano se afaste do profano,

    sacralizando-se. A purificao do Homem para o contato com o sagrado viabilizada pelo

    processo de iniciao denominado feitura de santo, perodo de recluso que dura entre 16 a

    21 dias. Alm disso, h ritualsticas de limpezas como ebs e prticas litrgicas fitoterpicas

    como agbo (gua dos orixs) e omiero (gua de calma).

    A senioridade e a hierarquia so questes fundamentais para os iorubs. A estratificao dos

    candombls iorubs estruturada por tempo de santo, ou seja, tempo de iniciao

    ritualstica. Pessoas ainda para ser iniciadas so denominadas abi (aquele que ainda vai

    nascer), aquelas com menos de sete anos de santo so denominadas yawo (esposa). Ao

    completar sete anos de santo, o adepto se torna egbomi (irmo mais velho). a partir dos sete

    anos de santo que os predestinados a serem sacerdotes podem abrir seu prpria casa

    religiosa. A maior autoridade no candombl o babalorix (pai de santo) ou a yalorix (me de

    santo), chefes dos terreiros e principais responsveis pelos rituais litrgicos. Aps, aosbabalorixs e yalorixs, temos os babakekere (pai pequeno) ou yakekere (me- pequena),

    estas pessoas respondem pela organizao civil e ritual na ausncia dos chefes principais. H

    ainda os ogs e ajois. Og, termo jeje que significa senhor, so pessoas fundamentais no

    terreiro. H trs tipos de ogs: o alab, o que entoa as cantigas sagradas (orin) e dirige os

    toques de atabaques nas liturgias; o pegig, responsvel por zelar e resguardar o peji (altar

    sagrado) e o axogun, responsvel pelas matanas rituais, so aqueles que o povo de santo se

    refere como pessoas com mo de ob (faca). Os cargos de og so exclusivamente

    masculinos e para pessoas que no entram em transe. Ajoi ou ekedi um cargo

    exclusivamente feminino. As ajois tambm no entram em transe e tem como funo zelar

    pelos orixs e responder pelo bom funcionamento do il nas obrigaes pblicas eprivadas.Todas estas pessoas so tratadas como me ou pai e so muitos respeitadas pelo

    adeptos do culto.

    Toda a prtica ritual do candombl visa um objetivo central: a manuteno do ax. O ax

    fora vital manipulvel, energia que emana de todos e seres e elementos naturais.Maupoil

    (1943) definiu ax como fora invisvel, mgico-sagrada de toda divindade, de todo ser e de

    toda coisa.[11] O ax tem a capacidade de ligar deidades e pessoas atravs do tempo e espao.

    Por esta razo, a localidade dos cultos so chamadas de casa de santo, terreiro, barraco ousimplesmente il ax.

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    Considerando o conceito de Hobsbawn e Ranger (1984) que tradies se opem s convenes

    ou rotinas pragmticas, sendo inventadas quando ocorrem mudanas amplas e/ou rpidas no

    ambiente social comportando tambm adaptaes no intuito de conservar alguns costumes ou

    complexos simblicos em condies novas, Maria Lina Teixeira reafirma que as tradies docandombl foram inventadas como um conjunto de prticas atualizadas em funo de uma

    continuidade do passado[12]. Neste processo de reinveno de tradio, a natureza tem papel

    fundamental. A dinmica migratria de escravos acarretou em inmeros processos de

    reesignificao simblica da natureza dos Orixs para os iorubs.

    O trfico de negros no perodo escravocrata possibilitou, no Brasil, uma convivncia de

    indivduos originrios das mais diversas culturas africanas. Unies e cruzamentos impensveis

    no continente africano terminaram por acontecer no solo brasileiro*13+

    A escravido fez com que o povo iorub de dispersasse por todo o Novo mundo, e sua

    herana religiosa seguiu com ele. Em meio violncia, ao sofrimento, ao seqestro do negro

    iorub, quando de sua chegada ao Brasil, Orixs e Egunguns vieram junto, e aqui se

    instalaram..

    Inmeras outras tribos e etnias tambm foram trazidas ao Brasil durante o perodo daescravido, trazendo consigo seus deuses e suas crenas. Em todos esses quatrocentos anos

    de convivncia forada, os inmeros deuses africanos fundiram-se em uma grande religio,

    chamada candombl*14+

    A natureza objeto significativo para entender o processo de reinvenes de tradies nos

    candombls iorubs. A dinmica escravista transatlntica deslocava pessoas e culturas. Em

    frica, os negros trazidos para o Brasil cultuavam seus deuses em consonncia com naturezas

    especficas. Xang era cultuado como rei do outrora prspero Reino de Oy. Oxagui estava

    realacionado as terras de Ejigbo. A vinda forada para o Brasil direcionou o negro novas

    culturas naturais e foi preciso criar estratgias para preservao e perpetuao dos cultos dos

    orixs alm frica. Por esta razo, este trabalho objetiva analisar como as rvores e os bosques

    sagrados africanos foram readaptados no Brasil, investigar como foi a resimbolizao das

    guas nos cultos, uma vez que, muitas divindades surgiram de cultos de rios especficos como

    o caso de Oxum no Rio Oxum e Yemonj no rio Ogun e tambm analisar as mudanas

    significativas nas comidas ofertivas, na fitolatria e na dendrolatria nos cultos iorubs no Brasil.

    Pretende-se, assim, desenvolver o que Donald Worster denomina de terceiro nvel de anliseda Histria ambiental

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    () um terceiro nvel de anlise para o historiador, vem aquele tipo de interao mais

    intangvel e exclusivamente intelectual, no qual percepes, valores ticos leis, mitos e outras

    estruturas de significao se tornam parte do dilogo de um individuo ou de um grupo com a

    natureza.[15]

    No primeiro captulo apresento uma discusso bibliogrfica sobre o tema, atentando para os

    diferentes discursos na literatura sobre cultos afro-brasileiros.Esses discursos so ferramentas

    importantes para entender o processo de formao do candombl. Constituem interpretaes

    do sagrado que nos permite conhecer os diversos tipos de agncias envolvidas nas reinvenes

    de tradies no candombl.

    O segundo captulo aborda a readaptao de rvores e dos bosques sagrados no Brasil. Ele

    busca entender a reestruturao do espao sagrado e sua articulao com novas formas

    simblicas praticadas pelos adeptos. Investigo aspectos como a dendrolatria (cultos das

    rvores) e os diferentes usos da floresta para fins religioso.

    O terceiro captulo aborda o uso litrgico das ervas nos candombls no Brasil e sua articulao

    com o culto da divindade Ossaim, demonstrando, atravs da seleo de ervas importantes do

    culto que ocorreu uma articulao entre frica e Novo Mundo pela tica da etnobotnica.

    O captulo seguinte intitulado Como o Brasil alimenta os deuses africanos: apropriaes da

    Mata Atlntica na culinria ritual dos candombls iorubas, investiga como a mudana de

    continente e , conseqentemente, de espao ambiental influenciou as comidas votivas aos

    deuses africanos. Atento para os diferentes usos da vegetao da Mata Atlntica em

    substituio de espcies africanas na culinria ritual nos cultos aos Orixs no Brasil.

    O ltimo captulo aborda as ressimbolizaes dos cultos das guas. Identifico as diferenas

    entre os cultos dos orixs Oxum e Yemonj na frica e no Brasil, analisando as principais

    reinvenes realizadas pelos iorubas nos cultos destas duas divindades no Brasil.

    As questes selecionadas para serem discutidas nessa monografia representam o anseio de

    realizar um trabalho de histria ambiental dos candombls iorubas. A farta e prestigiada

    literatura sobre os cultos afro-brasileiros, comumente, relega a natureza um papel figurante,

    secundrio. Esse trabalho busca inserir a natureza em um dos processo mais polmicos e

    debatidos sobre a temtica das religio afro-brasileiras: o processo de inveno do candombl.

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    Entre o povo do santo acredita-se que para adentrar em qualquer local sagrado se deve pedir

    ag (permisso). Em homenagem a esta crena comeo este trabalho realizando uma

    restropectiva e uma anlise dos escritos dos mais velhos. a forma particular de se pedir ag

    lonan (permisso para os caminhos ou para caminhar) aos pioneiros desses estudos.

    *1+O termo Candombl, averbado em todos os dicionrios portugueses para designar

    genericamente os chamados cultos afro-brasileiros na Bahia() vem do timo banto Ka-n-

    dm-d ou mais freqentemente ka-n-dmb-l-, ao de rezar , de orar(..) Logo, Candombl

    igual a culto, louvor, reza, invocao, ou local de culto(CASTRO, Yedda Pessoa de, 1981,60).

    [2] LviStrauss, Claude. O Olhar Distanciado, 1983.

    [3] Reis ,Joo Jos. Domingos Sodr, um sacerdote africano: escravido, liberdade e

    candombl na Bahia do sculo XIX So Paulo: Companhia das Letras, 2008

    [4] BASTIDE, Roger. As religies africanas no Brasil. So Paulo, Pioneira, 1975.

    *5+ Ya Nass no um nome prprio, antes um ttulo, um oi (cargo), que se atribui s

    pessoas para determinar ou modificar o seu status na estratificao social do grupo a que

    pertencem .No caso, Ya Nass um ttulo altamente hono rfico , privativo da corte do Alafim

    de Oi, isto , do rei de todos os iorubs. O ttulo corresponde a funes religiosas especficas

    e da maior significao na cultura dos iorubs. Y Nass quem, em Oyo, a capital da nao

    poltica dos iorubs, encarrega-se do culto de Xang, a principal divindade dos iorubs e o

    orix pessoal do rei.Cabe a Ya Nass cuidar do santurio privado do Alafim ;relaizar todas as

    cerimnias proporciatrias do culto, os sacrifcios, as oferendas, zelar,enfim, pelo santo do

    rei. (Costa Lima, 1977, p.32)

    *6+ Silveira, Renato.O Candombl da Barroquinha, 2007.

    *7+ Os orixs so ancestrais divinizados, intermedirios entre humanos e foras da natureza e

    diretamente relacionados aos elementos da vida cotidiana (Conduru,2004,p.11)

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    [8] PVOAS, Ruy do Carmo .Dentro do Quarto In: Faces da Tradio Afro-Brasileira:

    religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo, reafricanizao, prticas teraputicas,

    etnobotnica e comida. Carlos Caroso, Jeferson Bacelar [organizadores]. Rio de Janeiro : Pallas;

    Salvador, BA: CEAO, 1999,pg. 215.

    *9+ O ferro imprime, tambm, uma caracterstica especial s religies afro-

    brasileiras.Determina a diviso do panteo afro-brasileiro entre famlias de orixs anteriores

    Idade do Ferro e posteriores ao conhecimento desse metal o que imprime importante

    questo sobre antiguidade, a procedncia e pertencimento de cada famlia de orix a uma

    regio, civilizao e forma de culto especfica.(Conduru,2004,pg.14)

    [10] OGBEBARA, Awof (Adilson de Oxal). Igbadu: a cabaa da existncia: mitos nags

    revelados. Rio de Janei-ro: Pallas, 1998, p. 47).

    *11+ Maupoil, Bernard.La gemancie lancienne cte ds esclaves, Paris: Institut d

    thnologie,1943, p.334.

    [12] TEIXEIRA, Maria Lina .Candombl e a [re] Inveno de Tradies IN: Faces da Tradio afro

    -brasileira.Caroso & Serra (org.)Rio de Janeiro: Pallas; Salvador, BA: CEAO,1999.pg.131.

    [13] PVOAS, Ruy do Carmo .Dentro do Quarto In: Faces da Tradio Afro-Brasileira:

    religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo, reafricanizao, prticas teraputicas,

    etnobotnica e comida. Carlos Caroso, Jeferson Bacelar [organizadores]. Rio de Janeiro : Pallas;

    Salvador, BA: CEAO, 1999,pg. 213.

    [14] EPEGA,Sandra Medeiros.A Volta frica- Na contramo do Orix .In: Faces da Tradio

    Afro-Brasileira: religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo, reafricanizao, prticas

    teraputicas, etnobotnica e comida. Carlos Caroso, Jeferson Bacelar [organizadores]. Rio de

    Janeiro : Pallas; Salvador, BA: CEAO, 1999,pg. 159.

    [15] WORSTER, Donald. Para fazer Histria Ambiental. Estudos Histricos. Rio de Janeiro, vol.4,

    n.8,1991,pg.202.

    ________________________________________________________________

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    Do Igbo ao Il: As rvores e os Bosques Sagrados no Brasil

    Por Cntia Raymundo (Cintia dOxum)

    Obanla o rin neru ojikutu seru. Ob nille Ifon alabalase oba patapata nille iranje. O yo

    kelekele o ta mi lore. O gba a giri lowo osika. O fi lemi asoto lowo. Oba igbo oluwaiye re e o

    ke bi owu la. O yi ala. Osun lala o fi koko ala rumo. Ob igbo.

    Rei das roupas brancas que nunca teme a aproximao da morte. Pai do Paraso eterno

    dirigente das geraes. Gentilmente alivia o fardo de meus amigos. D-me o poder de

    manifestar a abundncia. Revela o mistrio da abundncia. Pai do bosque sagrado, dono de

    todas as benes que aumentam minha sabedoria. Eu me fao como as Roupas Brancas.

    Protetor das roupas brancas eu o sado. Pai do Bosque Sagrado

    Oriki de Oxal[1]

    Igbo em iorub quer dizer Floresta/bosque. Para os iorubs, rvores, plantas, animais, rios, e

    montanhas representam foras sagradas. Paisagens contendo bosques, rios so consideradas

    manifestaes dos deuses e consagradas para sua adorao. Il, casa religiosa, a

    denominao do espao religioso no Brasil. Fatores histricos como o sistema escravista e a

    represso policial aos cultos afro-brasileiros, fizeram que muitos ils fossem construdos em

    lugares afastados dos centros urbanos. Porm a geografia do il teve que se adaptar a uma

    lgica transatlntica: a lgica dos bosques sagrados.

    As referncias aos Bosques Sagrados so antigas. Santurios ao ar livre foram os primeiros

    templos dos deuses. Um lugar sagrado demarcado para uma deidade era chamado de

    temenos em grego e templum em latim (Chandran, Gadgil, 2005). A palavra que os celtas

    usavam para designar santurio possui razes prximas com a palavra nemus que em latim

    significa bosque; existe uma floresta sagrada dedicada deusa da caa Diana que se chama

    Nemi (nome que se refere nemus), este bosque fica pouco distante de Roma (Frazer, 1982).

    Na antiga lngua germnica (teutnico) a palavra templo tambm era estreitamente ligada

    semntica de floresta. A UNESCO (Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e

    a Cultura) reconhece a existncia de florestas sagradas em regies mundiais como: ndia,Qunia, Australia. Um dos mais conhecidos Bosques Sagrados(sacred grove) o de

    Oshogbo(Nigria); neles encontra-se o magnfico Santurio da divindade do panteo iorub

    Oxum. O bosque sagrado de Oxum- Oshogbo foi reconhecido como sacred grove pela Unesco

    em 2005.

    A palavra il como sinnimo de terreiro uma prtica brasileira. O il um espao estruturado

    conforme os desgnios dos Orixs, que objetiva estreitar os laos de parentesco de santo

    atravs de rotinas regulares de preceitos litrgicos. No il , comumente, encontra-se uma salo

    principal, quartos sagrados dos orixs, rvores sagradas, peji (altar sagrado),cozinha de santo,

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    quarto de jogo e um quarto especial denominado ronc, onde acontece o processo inicitico

    de feitura de santo. Os orixs tm sua preferncias e seus interditos. O orix Oxal no gosta

    de barulho e de dend. Esse orix normalmente possui uma quarto e uma cozinha especial

    para seus rituais. Os orixs caadores (odes) que na frica possuam moradas nos bosques

    tambm tm seus correspondentes locais nos ils. Moram no lado de fora da casa principal,

    assentados em ps de rvores.

    Essa caracterstica se remete atividade de caa, primordial para o povo iorub. Assim Oxossi,

    Ogum. Obaluaiye tero suas moradas no bosque sagrado dos terreiros. Oxssi o Orix

    caador, rei da nao Ketu e patrono de todas as casas de Ketu. A morada de Oxossi nas

    matas, tem domnio sobre os animais de grande porte assim como os pssaros noturnos.

    Oxssi um orix ode, caador, no suporta ficar preso. Assim como seus filhos arredio,

    independente e amante da liberdade. Diz um trecho de um dos seus orikis (rezas):

    Oxossi, rs que vive tanto em casa de barro, como em casa de folhas.*2+

    essa imagem arquetipica de Oxssi e isso reflete na escolha de seus assentamentos nos

    bosques sagrados. Ogum, irmo mais velho de Oxossi, o guerreiro, o desbravador de

    estradas, o que abre caminhos. Ogum no gosta de nada que incomode a sua caminhada.Ogum tambm caador e sentinela por isso est sempre assentado no lado de fora da casa

    principal. Ainda, segundo os iorubs, Ogum irmo de Exu e com este ronda, vigia e pune os

    malfeitores. Ressalta-se tambm o orix Obaluaye, orix cujo culto oriundo do Antigo

    Daom, dos denominados povo jeje. Obaluaye tem funo de caador na frica. No Brasil,

    caracterizou-se como orix das molstias e por esta razo, muitas vezes, explicado a razo de

    seu assentamento ser fora das casa principal. H uma conhecida lenda que conta e explica a

    ausncia dos objetos sagrados de Obaluaye da casa principal:

    Um dia, Nan foi conquistar o reino de oxal e se apaixonou por ele.

    Mas este no queria se envolver com outra orix que no

    fosse sua amada esposa yemanj. Por isso, explicou tudo a nan,

    mas ela no se fez de rogada.

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    Sabendo que oxal adorava vinho de palma, embriagou-o.

    Ele ficou to bbado que se deixou seduzir por nan,

    que acabou ficando grvida. Mas por ter transgredido

    uma lei da natureza, deu a luz a um menino horrvel,

    no suportando v-lo, lano-o no rio.

    A criatura foi mordida por caranguejos, ficando toda deformada.

    Por sua terrvel aparncia, passou a viver longe dos outros orixs.

    De tempos em tempos os orixs se reuniam para uma festa.

    Todos danavam, menos obaluaiy, que ficava espreitando da porta,

    com vergonha de sua feiura. Ogum percebeu o que acontecia e,

    com pena, resolveu ajud-lo,

    tranando uma roupa de mariwo uma espcie de fibra de palmeira -

    que lhe cobriu todo o corpo.

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    Com este traje ele voltou a festa e despertou a curiosidade de todos,

    que queriam saber quem era o orix misterioso.

    Yans, a mais curiosa de todas, aproximou-se, e neste momento,

    formou-se um turbilho e o vento levantou a palha,

    revelando um rapaz muito bonito.

    Desde ento os dois orixs vivem juntos,

    e os dois passaram a reinar sobre os mortos*3+

    A floresta tem papel central nos cultos iorubs tanto na frica, quanto no Brasil. Na frica os

    santurios, os templos, a morada dos deuses dentro das matas, aos ps de rvores sagradas.Na frica, os ritos iniciticos so realizados na floresta. Roger Bastide e Pierre Verger, ao

    pesquisarem o rito de Xang na frica e no Brasil constataram que as yas ficavam encerradas

    na floresta para rituais de iniciao. No Brasil, os roncs so cobertos de folhagens e muitos

    ainda utilizam cho batidos de terra para resgatar uma equivalncia simblica das

    florestas/santurios africanos.

    A floresta alm de servir de morada para os Orixs, tambm o local do sombrio, das foras

    que precisam ser controladas. na Floresta que moram os mortos.

    Os mortos so denominados Eguns (espritos de mortos) ou Egungum (espritos de mortos que

    foram sacerdotes do culto aos Orixs). O culto de exclusividade masculina. Para que a morte

    volte terra em forma espiritual e visvel aos olhos dos vivos preciso de ritos especficos

    executados pelas mos dos Oj (sacerdotes) munidos de um instrumento invocatrio, um

    basto chamado san[4], que quando tocado na terra por trs vezes e acompanhado de

    palavras e gestos rituais, faz com que a morte se torne vida. No Brasil a casas mais antigas de

    culto a Egungun Il Agboul, em Itaparica, Bahia.[5]

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    A ancestralidade feminina recebe o nome de Y mi Agb (minha me anci). Sua energia como

    ancestral aglutinada de forma coletiva e representada por Y mi Oxorong (minha me

    feiticeira), chamada tambm de Y Nl, a grande me. As sociedades (egbs) que representa

    este poder de ancestralidade coletiva feminina so denominadas Sociedades Geled,

    compostas exclusivamente por mulheres, e somente elas detm e manipulam este temvel

    poder. O medo da ira de Y mi nas comunidades africanas tamanha que, nos festivais anuais

    na Nigria em louvor ao poder feminino ancestral, os homens se vestem de mulher e usam

    mscaras com caractersticas femininas, danam para acalmar a ira e manter, entre outras

    coisas, a harmonia entre o poder masculino e o feminino. A morada das Ya mi Oxorong so as

    grandes rvores dos bosques sagrados. Tambm conhecida como eleiye (a proprietria do

    pssaro), Y mi Oxorong assume a forma de um grande pssaro que habita as noites das

    florestas. As aves de hbito noturno, como a coruja, pertencem a Y mi Oxorong. Pierre

    Verger ao estudar o culto ancestral feminino na frica encontrou a seguinte lenda:

    O poder de ymi serve para o bem e para o mal

    Ogb S sobe na rvore

    Ogb S sobe no teto

    If consultado para todas as eleye,

    quando elas vieram do alm para a Terra.

    quando elas chegaram sobre na Terra,

    Elas dizem que elas queriam ter uma residncia.

    Elas dizem, sete residncias so os sete pilares da Terra.

    Elas dizem, estes sete so os lugares onde faro suas residncias.

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    Elas dizem que elas tero uma primeira residncia.

    Elas dizem, elas ficaro sobre a rvore iw que ns chamamos orgb.

    Elas dizem, quando elas partirem de cima do orgb,

    Elas dizem, elas ficaro sobre a rvore arre.

    Elas dizem, quando elas tiverem tido uma reunio sobre a arre,

    Elas dizem, elas ficaro sobre a rvore de os .

    Elas dizem, quando elas deixarem os,

    Elas dizem,elas ficaro sobre a rvore rk.

    Elas dizem, quando elas elas deixarem rk

    Elas dizem, elas iro sobre a rvore iy

    Elas dizem, quando elas deixarem a iy,

    Elas dizem, elas ficaro sobre a rvore srn,

    Elas dizem, uando elas deixarem a srn,

    Elas dizem, elas ficaro sobre a rvore bb,

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    que o chefe das rvores dos campos[6]

    Verger identifica seis dessas rvores. O orgb rvore de orob (Garcinia livingstoni T.

    Anders.), semente sagrada do Orix Xang. O arer identificada como Triplochiton

    nigericum. Os(Adonsonia digitata L.,Bombacaceae) conhecida no Brasil como baob e

    rvore dos mil anos. A rvore de rk (Fcus doliaria M.) a mais sagrada rvore dos cultos

    afros. A rvore iy identificada como Daniellia oliveri. srn classificada como

    Erythrophelum guineense. A stima rvore, bb, no identificada pelo autor.

    Na frica, o culto ao poder ancestral feminino est relacionado a essas sete rvores. No Brasil,

    o culto a Ya mi Oxorong muito restrito e as sociedades geledes so praticamenteinexistente. Isso, possivelmente, resultante do temor e da restrio que sacerdotisas antigas

    tinham em passar certos conhecimento rituais. No candombl, o culto a Ya mi Oxorong

    reservado a assentamento em rvores especficas como cajazeira (Spondias ltea L.)ou

    jaqueira(Artocarpus integrifolia L.f.).

    A Jaqueira conhecida entre o povo iorub como Apk ( opa = cajado + Oka= serpente

    africana) uma rvore de origem indiana, disseminada por diversas reas tropicais e

    subtropicais, inclusive frica e Brasil. Apk uma divindade fitomrfica, considerada me doorix caador Oxossi. Embora a dendrolatria da jaqueira ainda seja forte no Brasil, o culto do

    Orix Apk praticamente esquecido. Grande parte dos mitos j desconsideram a

    maternidade de Apk, concebendo como me de Oxossi a divindade Yemonj.

    Entre as rvores de origem africanas relacionadas ao culto de Ya mi Oxorong esto a cajazeira

    conhecida em ioruba pelos nomes de ig yey e okinkn, tambm denominada no Brasil

    como tapereb. Esta planta est disseminada por vrias regies do Brasil. esta rvore

    atribuda fortes valores msticos, sendo uma planta de muito fundamento nos cultos afro-

    brasileiros. Por ser um relacionada ao poder ancestral feminino, muitas casas religiosas

    probem o consumo dos seus frutos pelos candomblecistas.

    Outra forma de dendrolatria o culto a Iroko, o orix que habita a gamaleira branca (Fcus

    doliaria M.). A Gameleira uma rvore de grande porte. Suas razes se espalham, formando

    uma base caracterstica da espcie. tambm conhecida como figueira ou mata pau, pois se

    origina como uma parasita, sufocando o hospedeiro com o tempo para se tornar uma rvore

    autnoma. Tambm conhecida como Figueira-grande, figueira-branca, guapo, figueira

    brava, guapor. O leite do seu tronco usado na medicina caseira para para expulsar vermes ecombater a hidropsia. No Brasil, a gameleira substitui o verdadeiro Iroko Africano

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    (Chlorophora excelsa), uma morcea conhecida na frica como ero iroko.Tem conotao

    sagrada na Africa e muito cultuada no candombl. Dizem que nunca se retira um p de

    gameleira, esteja onde estiver e que no se retira suas folhas depois do meio dia, pois ela

    passa a pertencer ao Orix Exu se tornando muito quente. Tambm se fala que a gameleira a

    rvore primordial que foi dada aos homens, e existe desde sempre.

    No comeo dos tempos, a primeira rvore plantada foi Iroco. Iroco foi a primeira de todas as

    rvores, mais antiga que o mogno, o p de obi e o algodoeiro. Na mais velha das rvores de

    Iroco, morava seu esprito. E o esprito de Iroco era capaz de muitas mgicas e magias. Iroco

    assombrava todo mundo, assim se divertia. noite saa com uma tocha na mo, assustando os

    caadores. Quando no tinha o que fazer, brincava com as pedras que guardava nos ocos de

    seu tronco. Fazia muitas mgicas, para o bem e para o mal*7+

    Em vrios terreiros da Brasil encontramos grandes e imponentes rvores Iroko plantadas no

    espao sagrado. Deve-se observar que a rvore em si no a divindade. Para tal preciso

    cumprir rituais para que o deus se sacralize na rvore. Aps as oferendas e sacrifcios, a rvore

    deixa de ser um simples vegetal e passa a ser a morada-templo do deus Iroko. Como um local

    santo, passa a ser paramentado como tal: com laos de panos brancos amarrados em seus

    galhos e troncos. Junto a suas razes expostas, so colocadas oferendas: alimentos, quartinhas

    (recipientes com gua) e sacrifcios votivos so regularmente realizados. Roger Bastide em

    duas obras distintas Imagens do Nordeste Mstico em Branco e Preto e em Candombl da

    Bahia faz uma importante aluso ao interdito de tocar em uma rvore Irk consagrada. Umdos mitos relata uma terrvel punio sofrida por uma mulher que teria tocado o Irk sem ter

    cumprido o perodo de abstinncia sexual antes de fazer as oferendas ao deus (foi engolida

    pelo tronco da rvore).

    Alguns terreiros possuem igualmente uma rvore sagrada que vestida, enfeitada de fitas,

    coberta de tecidos, rodeada por um crculo mgicoa gameleira que os nags chamam de

    Iroko e os gges de Loko; se cortasse um ramo dessa rvore brotaria sangue*8+

    Pierre Verger exps no seu memorial livro Notas sobre o Culto aos Orixs e Voduns, 1999) uma

    srie de textos sobre a divindade Iroko ou Loko, entre os jejes. Entre estes textos se destaca o

    de Nina Rodrigus e de Melville Herskovits.

    Diz Rodrigues que:

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    A fitolatria africana na Bahia parece ter duplo sentido. A rvore pode ser um verdadeiro

    fetiche animado ou, ao contrrio, mal representa a morada ou altar de um santo. A gameleira

    branca (Chlorofora excelsa), rvore abundante neste Estado, o tipo da planta deus. Com o

    nome de Iroco objeto de um culto fervoroso. Mais de uma me de terreiro exortou-me a

    jamais permitir que se abatesse uma gameleira em um terreiro de minha propriedade, pois tal

    sacrilgio foi causa de grandes infortnios para muita gente.[9]

    Herskovits afirma sobre Loko, orix da gameleira entre os jejes:

    este deus importante para a compreenso da religio daomeana, na medida em que

    oferece uma viso das inter-relaes dos diversos cultos no Daom. Entre as divindades do

    cu, Loko encarregado de cuidar das rvores que se encontram na terra e suas funes so

    de tal modo significativas que ele tem como assistente seu jovem irmo, Medje. As rvores

    tm alma e so associadas aos espritos denominados Aziza, que, por um lado, do a magia aos

    homens, por outro, so associados ao culto dos antepassados. Que Loko seja o deus das

    rvores e que as rvores tenham uma alma explica a importncia do emprego das folhas na

    prtica medicinal e religiosa no Daom e estabelece a declarao de um informante,

    sacerdote: Se algum souber o nome e a histria de todas as folhas da mata, saber tudo o

    que existe para saber a respeito da religio daomeana.*10+

    Outras rvores sagradas para os iorubs so as de obi (Cola acuminata), orob (Garcinialivingstoni T. Anders.,) e arid (Tetrepleura tetrptera). So trs espcies originrias da frica

    e trazidas por escravos ao Brasil e muito usadas nas liturgias dos candombls.

    O obi tambm conhecido como noz-de-cola (Cola acuminata) uma esterculicea relacionada

    as divindades Ossaim e Orumil. A rvore da noz de cola pertence a Ossaim, mas a semente de

    seu fruto (obi) utilizado em oferendas para diversos orixs. Existe diversas espcies de obi: o

    obi funfun (obi branco), o obi pupa (obi vermelho) oferecido, preferencialmente, ao orix Exu.

    Os obis tambm se diferenciam de acordo com a quantidade de gomos: obi gbanja (obi de doisgomos) e obi abata (obi de trs gomos). Utilizados largamente para confeco dos rosrio de

    opeleIf necessrios prtica oracular do jogo de if, o obi elemento sagrado para os

    iorubs relacionado-se com o deus da adivinhao Orunmil. Diz o pesquisador e og Jos

    Beniste sobre o obi:

    Fruto usado tanto para a prtica religiosa como para alimentao, pelo seu alto valor nutritivo

    .Com apenas alguns gramas reduzidos a p, permite empreender longas caminhadas e realizar

    trabalhos pesados sem se sentir fome ou cansao, tendo sido utilizado com freqncia pelos

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    escravos. J foi usado como moeda corrente e representa a melhor garantia de um juramento

    feito ou de um compromisso assumido.[11]

    O obi um interdito do Orix Xang pois, segundo a tradio oral, o deus do trovo teria seenforcado aos ps de uma rvore de obi. A Xang se oferece o fruto do orob.

    O orob apresenta duas espcies principais: a livingstoni e a Garcinia Kola, conhecida na frica

    como iw. A primeira considerada mais apropriada pelos especialistas, contudo a ltima

    encontrada com mais facilidade. O orob o fruto dos orix Xang e pertence ao elemento

    fogo. utilizada em jogos divinatrios, em oferendas. Segundo a crena iorub, quando ralado

    e misturado a determinados banhos de ervas tem a capacidade de trazer prosperidade e

    proteo.

    Fruto em formato de pssego e cuja semente em formato liso e ovalado indispensvel nas

    oferendas a Sng. Orgb n ob bb mi/O orgb o obi de meu pai. Ao contrrio do ob

    , no abre em gomos, sendo, portanto, necessrio um tipo de corte especial para ser oferecido

    como oferenda e modalidade de jogo.[12]

    O arid uma rvore de origem africana cultivada no Brasil graas ao seu uso litrgico nos

    candombls. Os frutos do arid so favas que segundo os iorubs so importantssimas para

    combater feitios inclusive os das temidas Ya mi oxorong (as mes feiticeiras). Pertence ao

    Orix Ossaim e est ligado ao elemento Terra.

    Por fim, interessante ressaltar o trabalho do antroplogo Raul Lody que listou as doze

    rvores sagradas para os cultos afro-brasileiros. So elas:

    Gameleira branca_______Orix Iroko

    Mangueira_____________Orix Oxum

    Pitangueira____________Orix Ossaim e Oxum

    Cajazeira______________Orix Ogum

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    Dendezeiro_____________Orunmil- If

    Coqueiro-da-bahia________Caboclo

    Bambu_________________ Orix Oya

    Pinho Branco___________ Orixs Ogum, Oxossi , Oya

    Jaqueira_________________Orix Apaoka, Xang e Exu

    Cactus__________________Vodum Aziz- culto jeje

    Peregum________________Orix Ossaim

    Ginjeira________________Tobossi- culto Casa de Minas/MA

    A lista varivel conforme a modalidade e a localidade de culto, porm atesta a variedade e a

    enorme contribuio do cultos afro-brasileiras que, atravs da dendrolatria, ajudou a preservar

    diversas espcies de rvores.

    Embora o uso de plantas nativas do Brasil seja corriqueiro nos candombls yorubs, as plantasimportadas da frica so as que possuem maior valor simblico como a Gamaleira. Talvez por

    estas plantas estarem ligadas s trocas comerciais transatlnticas e remeterem ao sempre

    nostlgico retorno a Terra Me. No candombl nada se faz sem obi e orob. Eles representam

    a fala dos orixs, eles determinam o sim ou o no da aceitao das oferendas. Representa a

    licena sagrada para o culto. Do obi depende a iniciao do adepto candomblecista. Ele

    premissa para o culto Ori, a cabea. Pois na tradio oral do povo de santo em Ori buruku

    (cabea ruim) no se faz orix.

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    A natureza tambm cria tradies nas dinmicas do espao-tempo e na readaptao e

    transmutao das agncias dos atores sociais.

    Os terreiros reelaboraram a noo de famlia e o sentimento de pertencimento comunitrio,social e etnocultural, dando me (de santo), irmos (de santo), casa (de santo) e famlia (de

    santo) aos que nada tinham. A partir da relao de f proporcionada pelo advento religioso

    consolidaram a representao do continente negro africano no Brasil, reproduzindo, por meio

    de pequenas casinholas ou quartos destinados a divindades especficas, as regies de culto aos

    orixs do que hoje, representa a frica Negra. Construram, assim, a frica nos quintais

    brasileiros, por meio de recordaes ou mesmos da inveno de prticas oriundas das terras

    africanas em composio com a realidade brasileira*13+.

    Nestas constantes mudanas, parafraseando o povo de santo, cada um puxa a sua folha para

    seu lado.

    [1] http://aps18.sites.uol.com.br/oriki_osala.html

    [2] http://www.lendas.orixas.nom.br

    [3] http://www.orixas.com.br

    *4+ Vara feita de um galho de rvore denominada tri ( Glyphaea Lteriflora) ou feita das

    nervuras da folha do Igi pe ( Elais Guineensis), entre ns conhecida como dendezeiro.Tem

    1,60 de altura e, quando no utilizada, deve permanecer de p.So os oj que se utilizam do

    san para invocar e conduzir os espritos Egngn, alm de impedir que as pessoas toquem em

    seus tecidos. (BENISTE,2006).

    [5] http://www.ceao.phl.ufba.br/phl8/popups/snt_r2.pdf

    *6+ Verger,Pierre Fatumbi. Esplendor e Decadncia do culto de ymi srng Minha me

    Feiticeira- entre os iorubas.in:Artigos/Pierre Verger.Editora Corrupio,So Paulo,1992.

    [7] PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixs. So Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 164.

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    *8+ BASTIDE, Roger. Imagens do Nordeste Mstico em Branco e Preto. RJ: Emp.Grfica O

    Cruzeiro1945. p. 73.

    [9] VERGER, Pierre. Notas sobre o Culto aos Orixs e Voduns. So Paulo: EDUSP. 1999,pg.519.

    [10]IBDEM (25).

    [11] BENISTE,Jos.Mitos Yorubs: o outro lado do desconhecido .Rio de Janeiro: Bertrand

    Brasil,2006.p119.

    [12]Ibdem,2006.p103.

    [13] Conduru,Roberto.won olod: os senhores da caa.Rio de

    Janeiro:IPHAN,CNFCP,2004,pg.12.

    _____________________________________________________________________________

    ___________________________________

    Oni Ew: o culto de Ossaim e o uso litrgico das plantas nos candombls iorubs no Brasil

    Por Cintia Raymundo (Cintia dOxum)

    Ork fn snyn

    ba snyn

    ba oni w

    k si arun

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    K si akoba

    se

    Ork para snyn

    Elogio para o esprito do medicamento das folhas

    Eu elogio o dono do medicamento das folhas

    Me livre de adoecer

    Me livre da coisa negativa

    Eu dou graas ao dono do medicamento

    Ax[1]

    A fitolatria uma caracterstica central dos candombls iorubs. As folhas so consideradas

    sagradas e sua utilizao um dos principais aw (segredo) dos sacerdotes. O uso litrgico das

    folhas um dos mais complexos rituais e requer sacerdotes especializados denominadosbabalossaim.

    As folhas ou ervas sagradas pertencem ao Orix Ossaim, o Oni Ew (dono das folhas). Um dos

    mais conhecidos mitos iorubs justifica esse pertencimento:

    Ossaim era o filho caula de Iemanj e Oxal e, desde pequeno, vivia no mato. Tinha uma

    habilidade especial para tratar qualquer doena, por isso viajava pelo mundo inteiro, sendosempre recebido com carinho pelo rei de cada tribo. Ele recebeu de Olodumar o segredo das

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    folhas; assim sabia qual delas curava doenas, trazia vigor ou deixava as pessoas mais calmas.

    Os outros orixs invejavam Ossaim por isso. Em troca dos suas curas ,Ossaim aceitava fumo,

    mel e cachaa. Xang, que era temperamental, no admitia depender dos servios de Ossaim,

    e por isso pediu sua esposa Ians, orix que domina os ventos, para que as folhas voassem em

    direo a todos os Orixs para que cada um desses tivesse suas folhas particulares. Assim Ians

    fez. Soprou forte seu affe (vento), espalhando todas as folhas se Ossaim. Em meio a

    ventania , Ossaim exclamava ew sa (minhas folhas). Esse tipo de reza permitiu que Ossaim

    reservasse para si o segredo das folhas. Embora cada orix possua suas folhas, somente

    Ossaim sabe os encantamentos (of) delas. Dessa forma, Ossaim considerado o senhor do

    Igbo, da floresta e o patrono do curandeirismo e da medicina.[2]

    Ossaim o orix masculino do ar livre, governa a floresta, juntamente com Oxossi. Senhor do

    ax (fora ) existentes nas folhas e nas ervas, ele no se aventura nos lugares onde o homem

    modifica os espaos, construindo edificaes . bastante cultuado no Brasil sendo o Orix dacor verde, do contato mais ntimo e misterioso com a natureza. Seu domnio estende-se ao

    reino vegetal, s plantas, mais especificamente s folhas, onde corre o sumo. Por tradio, no

    so consideradas adequadas ao Orix Ossaim, as folhas cultivadas em jardins ou estufas, mas

    as plantas selvagens, que crescem livremente sem a interveno do homem. As reas

    consagradas a Ossaim nos candombls iorubs so os pequenos recantos e as passagens mais

    isoladas das florestas, onde s determinados sacerdotes (babalossaim) podem entrar. A

    cerimnia onde as folhas de ossaim so colhidas e encantadas so denominadas sassayim. O

    emblema de Ossaim uma haste central de ferro rodeada de outras seis, com um pssaro de

    ferro na extremidade da haste central representando seu poder de feitiaria. Ossaim uma

    divindade de extrema significao, pois praticamente todos os rituais importantes utilizam, de

    uma maneira ou de outra, o sangue escuro que vem dos vegetais, seja em forma de folhas,

    infuses para uso externo ou de bebida ritualstica.

    As folhas no sistema litrgico iorub pode ser classificadas de acordo com os quatro elementos

    da natureza: ar, terra, fogo e gua. Assim, existe as folhas do ar (ew aff), as folhas do fogo

    (ew in), as folhas da gua (ew omi) e as folhas da terra (ew il ou ew igbo). Dessa diviso,

    as folhas so reclassificadas quanto a sua propriedade de ser quente ou fria, ou seja, sua

    capacidade de agitar ou acalmar uma pessoa. Quando a folha fria denominada de ewerro, quando quente se denomina ew gun. As folhas frias esto relacionadas aos orixs do

    elemento ar e do elemento gua como Oxal, Oxum, Yemonj. Essas folhas so as

    recomendadas para os chamados banhos da cabea aos ps. As folhas quentes so

    relacionadas aos orixs da terra e do fogo e seus banhos devem ser, exceto em casos especiais,

    do pescoo aos ps.

    As folhas tambm se classificam quanto s suas caractersticas masculino/feminino,

    negativo/positivo, esquerda/direita, fecundantes/ fecundveis. As folhas masculinas soconsideradas folhas positivas e da direita (ew apa tn) e as folhas femininas so

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    compreendidas como folhas negativas e de esquerda (ew apa s). As ew in e as ew aff

    so consideradas folhas fecundantes e as ew il e ew omi so consideradas folhas

    fecundveis.

    O agb sagrado, mistura de sangue vegetal fundamental em vrios aspectos da liturgia dos

    candombls iourubs, compreendido de 16 folhas, sendo 8 folhas gerais (fixas) e 8 folhas

    variveis conforme o carrego de santo[3] de cada pessoa. As oito folhas gerais, segundo a

    classificao de Pessoa de Barros, [4] so: prgun, toto, rnrn, ew w, ttregun,

    awrepp, ew ogb, gbr ayaba.

    Essas folhas juntamente com elementos com ossum, wagi e efum constituem elementos

    primordiais e sua ocorrncia no Brasil dependeu, principalmente, da utilizao nas seitas

    religiosas.

    Dentre as plantas oriundas do continente americano ou nativas do Brasil esto:

    A folha de prgun (dracena fragans (l.) Ker Gawl) popularmente conhecida como dracena,

    nativo, pau-dgua e coqueiro-de-vnus. Pertencente ao orix Ogum e ao elemento

    terra/masculino, uma planta de origem africana e largamente difundida no Brasil. O peregun

    possui grande importncia na liturgia dos candombls iorubas. uma folha protetora dos

    espaos, demarcando ambientes sagrados. Constitui ainda uma folha para decorao dos salo

    pblicos, pejis e assentamentos de Orixs, alm de entrar na indumentria de muitos Orixs

    como Ossaim.

    O ttregun (Costus spicatus Swartz), planta nativa do Brasil conhecida como cana -do -brejo,

    considerada a folha da vida e da morte, entrando nas liturgias de iniciao. uma folha

    representativa dos ritos de passagem e inserida nos cultos aos Orixs no Brasil.

    A planta awrepp (Spilanthes acmella) nativa da Amrica do Sul e encontrada em todo

    Brasil. Nesse recebe os nomes de agrio-do-par, jambu e treme-treme. Pertence aos orixs

    Oxal e Oxum. uma das plantas que entra nas misturas vegetais para abrir a fala dos orixs.

    Muito utilizada na culinria do norte do pas, constitui de outra readaptao vegetal na liturgia

    iorub.

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    O gbr ayaba (Ipomoeapes-caprae), conhecida como salsa-da-praia no Brasil, uma planta

    originria da Amria tropical. Pertence ao Orix Yemonj e ao elemento gua. Yemonj est

    relacionada ao culto de or(cabea). Ya Or (me das cabeas) um dos ttulos desse Orix.

    As plantas de origem asiticas compreendem:

    O ew w (Gossypium barbadense), folha conhecida no Brasil como algodoeiro, pertence aos

    Orix Oxal e Orumil sendo representante do elemento ar. Planta originria da China, o

    algodo tem ampla utilidade nas liturgias dos candombls. O algodo uma planta

    pertencente ao odu Os, signo feminino do sistema oracular de If, responsvel pelo fluxo

    menstrual e pelo tero. Os o principal signo das Ya mi oxorong, as grandes feiticeiras

    africanas. Na fitoterapia, o algodo indicado para combater disfunes do ciclo menstrual e

    dores no tero.

    O tt (Apinia zerumbet) conhecida no Brasil como a folha de colnia. Pertence aos Orixs

    Oxum, Yemonj e Oxal. Planta originria da sia e, largamente, cultivada no Brasil devido sua

    adaptao ao clima tropical. Planta de fundamental importncia nos candombls iorubas,

    recomendada para acalmar as pessoas e no combate histeria.

    Dentre as de origem africanas esto:

    A folha de rnrn (Peperomia pellucia), conhecida no Brasil como alfavaquinha de cobra e/ou

    oriri de Oxum, uma planta de origem africana que se proliferou por todo o Brasil. Pertence

    ao Orix Oxum , estando articulada ao elemento gua.Essa planta est articulada com os olhos

    pois Oxum a nica divindade feminina relacionada ao culto de If.Oxum aptebi (ttulo

    honorfico no culto de If) do culto do deus da advinhao, por isso as prticas oraculares

    recorrem freqentemente a essa planta. No Brasil, o oriri de Oxum alm de ser uma planta

    voltada para vidncia de jogo de bzios, tambm uma planta utilizada em trabalhos para finsamorosos. Isso, possivelmente, se deve ao fato do Orix Oxum ser considerada o orix do

    amor.

    A folha de ew ogb (Periploca nigrescens), pertence aos orixs Oxossi e Ossaim. Originria da

    frica tropical, trazida pelos iorubas para o Brasil, esta planta est aclimatada no pas . uma

    das plantas utilizadas para alterar o estado de conscincia dos filhos de santo. O ew ogb

    popularmente conhecido no Brasil como rama-de-leite, cip-de-leite ou orelha de macaco.

  • 7/29/2019 Galo Que Hoje Canta

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    Efum, wagi e ossum so trs elementos africanos largamente utilizados no Brasil. Esses

    elementos simbolizam a iniciao sagrada nos candombls nags. Representam as trs cores

    da iniciao: o branco, o azul e o vermelho. Na festa pblica, onde o ya trazido ao salo

    pblico, o rito compreende trs sadas, ou seja, trs aparies pblicas do ya. Esse triplo

    momento relaciona-se diretamente com o efum, uagi e ossum. O efum um p mineral

    branco, conhecido no Brasil como pemba africana. substitudo no Brasil pelo pemba

    brasileira(giz).O wagi o p vegetal azul e seu uso largamente usado no Brasil, sendo

    freqentemente importado da Nigria. O ossum um p vermelho de origem vegetal.No

    Brasil seu sucedneo o urucum, elemento muito utilizado na culinria brasileira.