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    Resumen

    A indstria de gs natural tem assumidocrescente importncia no cenrio latino-americano. Este artigo objetiva discutiras mudanas econmicas e espaciaisdecorrentes da expanso dessa indstriano Brasil, provocadas pela crise no

    fornecimento do gs boliviano. O governoboliviano, ao nacionalizar, em maio de2007, as reservas de gs natural, provocouefeitos negativos na economia brasileira,porque gerou uma crise de abastecimento.No entanto, a mdio e a longo prazos, asmudanas no setor proporcionaro novasoportunidades de crescimento economiabrasileira, pois j se tm intensificado aspesquisas voltadas para novas descobertase tem sido exigido o aumento da produono territrio nacional.

    Abstract

    The natural gas industry has assumedincreasing importance in the Latin

    American scene. This article aims to discussthe economic and spatial changes resultingfrom the expansion of this industry inBrazil, caused by the crisis in the supply of

    Bolivian gas. The Bolivian government tonationalize, in May 2007, the reserves ofnatural gas, caused negative effects on theBrazilian economy, because it generateda crisis of supply. However, the mediumand long term changes in the industry

    will provide new growth opportunitiesto the Brazilian economy, because youalready have intensified the research fornew discoveries and has been required toincrease production in the country.

    Novos Cadernos NAEA

    v. 12, n. 1, p. 51-66, jun. 2009, ISSN 1516-6481

    A indstria de gs no Brasil: incertezas, implicaesterritoriais e perspectivasRoslia Piquet- Doutora em Teoria Econmica e Professora da Universidade Federaldo Rio de Janeiro.

    Elis Miranda - Gegrafa. Doutora em Planejamento Urbano e Regional. Professora/Pesquisadora do Mestrado em Planejamento Regional e Gesto de Cidades da Universidade

    Candido Mendes-Campos.

    Palavras-chaveGs natural, indstria, crescimentoeconmico, Bolvia, Brasil.

    KeywordsNatural gs, industry, economic growth,Bolvia, Brazil.

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    INTRODUO

    Dada a crescente importncia que a indstria de gs natural tem assumidono cenrio latino-americano, o objetivo do texto discutir as mudanas econmicase espaciais decorrentes da expanso dessa indstria no Brasil, provocadas pelacrise no fornecimento do gs boliviano. Considera-se que o governo boliviano, aonacionalizar, em maio de 2007, as reservas de gs natural, provocou de imediatoefeitos negativos na economia brasileira, porque gerou uma crise de abastecimento;a mdio e a longo prazos, porm, as mudanas no setor proporcionaro novasoportunidades de crescimento economia brasileira, pois j se tm intensificadoas pesquisas voltadas para novas descobertas e j se exige o aumento da produo

    no territrio nacional.As novas oportunidades abertas pela expanso da produo interna de

    gs tm requerido (i) a implantao de ampla logstica voltada para as etapas deexplorao offshoree de distribuio, o que envolve a construo de gasodutos edutos secundrios, (ii) a expanso da indstria parapetrolfera graas s encomendasao setor e (iii) uma maior integrao entre as regies brasileiras quanto ofertade energia.

    A situao energtica do Brasil sempre foi privilegiada pelo leque de recursos

    disponveis, tanto fsseis quanto renovveis. Desde os anos 50 do sculo XX, oeixo condutor das decises da poltica energtica nacional tem sido a permanentebusca da reduo da dependncia externa, por meio da valorizao dos recursosdisponveis no territrio nacional. Entretanto, o gs natural no fez parte dasprioridades da poltica energtica brasileira at o final dos anos 80; nesse caso,o Brasil trilhou um caminho inverso, fortemente ancorado nas importaesbolivianas. O acordo firmado com a Bolvia em 1995 no era visto, a priori, comoum problema, e a construo do gasoduto Bolvia-Brasil teve o mrito de concluir

    um longo processo de negociaes entre os dois pases.O incio das operaes desse gasoduto em 1999 foi marcado pela insuficinciada demanda brasileira, tanto que no contrato de importao constavam clusulas detake or pay(nos primeiros anos, pagava-se mesmo se nenhum gs fosse transportadoou comprado pelo Brasil), como forma de garantir os interesses bolivianos. Dianteda baixa demanda interna pelo gs, tanto as empresas distribuidoras quanto aprpria Petrobras buscaram, ento, conquistar clientes industriais e estimularoutros usos, como o do gs natural veicular. O agravamento da situao da geraohidroeltrica em 2001, provocada pela seca experimentada nas regies Sudeste eNordeste, favoreceu a instituio do Programa Prioritrio de Termoeltricas (PPT),visto tambm como excelente oportunidade de ancorar a demanda de gs, pelo

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    fato de as termoeltricas serem grandes consumidoras desse combustvel.Assim, em 1. de maio de 2006, quando o presidente boliviano Evo Morales

    anunciou a deciso de nacionalizar as reservas de gs natural e de exercer ocontrole das empresas do setor atuantes em solo boliviano, o fato assumiu enormeimportncia no Brasil. A diplomacia brasileira e, especialmente, a Petrobras estacom imobilizaes de cerca de 1,5 bilho de dlares no pas vizinho viram-sediante de um novo cenrio que exigia mudanas no discurso e nas aes.

    A anlise a seguir apresentada abrange o perodo de 1995 data do acordofirmado com a Bolvia at a atualidade, momento em que as crescentes tensesgeopolticas latino-americanas tm acelerado ainda mais as mudanas na indstria

    de gs no Brasil. As fontes consultadas so: (i) a Agncia Nacional do Petrleo,Gs Natural e Biocombustveis (ANP) e a Petrobras, no que se refere produode gs no Brasil e na Bolvia e ao mapeamento do setor do gs no Brasil, incluindoa distribuio dos gasodutos e a localizao dos terminais de regaseificao; (ii)os dois jornais de maior circulao no Brasil O Globoe OEstado de S. Paulo,no que se refere crise estabelecida entre esses pases; (iii) estudos acadmicos deespecialistas em economia da energia.

    1 CARACTERSTICAS TCNICAS E ECONMICAS DA INDSTRIADE GS NATURAL

    sabido que o perfil do consumo e da oferta de energia tem-se modificadodesde o fim da dcada de 70, quando as altas dos preos do petrleo em 1973 e1978 que se tornaram conhecidas como choques do petrleo influenciaram areorientao das polticas energticas em praticamente todos os pases do mundo.Desde ento, a questo que surge nas sociedades industriais desenvolvidas dizrespeito ao uso mais eficiente dos recursos energticos. Essa maior eficincia

    pode ser obtida seja com a alterao das estruturas setoriais produtivas daeconomia, seja com a melhoria das tcnicas produtivas ou ainda graas a mudanascomportamentais da sociedade. Na configurao das estruturas produtivas,a energia ocupa um lugar privilegiado, atuando na formao das vantagenscompetitivas de pases, regies e empresas; por isso existem fortes correlaes entrepoltica energtica, poltica industrial e poltica exterior. A primeira dessas relaes(energtica/industrial) d-se tanto pelo lado da construo da infraestruturaenergtica quanto pelo lado da construo do parque produtivo. As ligaes entre

    poltica energtica e relaes internacionais explicitam-se pelo carter geopolticodo suprimento de energia, dada a distribuio desigual dos recursos naturais entreas regies do mundo, conforme indicado na Tabela 1.

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    Tabela 1: Reservas provadas de gs natural no mundo (trilhes m3), segundo regiesgeogrficas.

    Regies geogrficas 1999 2003 2007

    Amrica do Norte 7,32 7,38 7,98Amricas Central e do Sul 6,81 6,82 7,73Europa e ex-Unio Sovitica 60,41 60,17 59,41Oriente Mdio 54,74 72,20 73,21

    frica 11,43 13,94 14,58sia-Pacfico 12,18 13,24 14,46Total 152,89 173,75 177,37

    Fonte: www.anp.gov.br.

    A diversificao das fontes de suprimento de energia, consequentemente,representa uma questo central no processo de planejamento dos pases,envolvendo aes em diferentes reas: econmica, tecnolgica, ambiental,geopoltica e social. Tal diversificao tornou-se uma das estratgias maisimportantes das polticas energticas dos estados nacionais. Contudo, a histriademonstra que a busca de fontes alternativas de energia complexa, pois o setorenergtico rene vrias cadeias distintas, com fronteiras muito bem definidaspara cada uma delas, com produtos, bases tcnicas e mercados distintos. Aconcorrncia entre o gs, o petrleo, o carvo e a hidroeletricidade, por exemplo,sempre ocorre a longo prazo, uma vez que qualquer mudana nos combustveisimplica investimentos ao longo de toda a cadeia produtiva. Mudar de combustvelsempre significou mudar de equipamento. S recentemente a pesquisa tecnolgicatem proporcionado a construo de equipamentos flexveis,quando comea asurgir uma gerao de conversores de energia que operam com mais de umafonte energtica: caldeiras, motores e aquecedores que trabalham com mais deum combustvel. Portanto, s na atualidade que a competio passa a dar-se

    a curto prazo e os produtos de energia tornam-se substitutos prximos entre si(PINTO JUNIOR et al., 2007, p. 7).

    Como indicado anteriormente, o gs natural no fez parte das prioridadesda poltica energtica brasileira at o final dos anos 80. S a partir da dcada de90 adquire um novo statusem funo de dois fatores principais: a descoberta deimportantes reservas de gs associado ao petrleo na Bacia de Campos e o avano,a partir de 1994, das negociaes para a importao de 30 milhes de m 3/diade gs da Bolvia. O gs natural encontrado associado ou no ao petrleo em

    bacias sedimentares, e seu aproveitamento, no segmento de explorao e produo(upstream), emprega basicamente as mesmas tecnologias que as do petrleo, uma vezque determinado reservatrio pode revelar tanto petrleo quanto gs. Entretanto,

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    embora seja considerado um combustvel limpo, apresenta uma desvantagembsica, pois uma mesma quantidade de energia na forma de gs natural ocupa

    um volume cerca de 1000 vezes superior energia na forma de petrleo. Da sera infraestrutura de transporte e de distribuio o segmento mais estratgico doscustos totais do produto para o consumidor final.

    Seu transporte pode ser realizado de modos distintos: transporte por dutos,liquefeito ou comprimido. Essas trs opes tecnolgicas geraro possibilidadesigualmente distintas de integrao espacial. A primeira das opes, o transportepor gasodutos, exige investimentos elevados e apresenta baixa flexibilidade. Osprincipais fatores que determinam o custo de sua construo so a extenso dos

    dutos, seu trajeto e o volume a ser transportado. Vale ressaltar que os custos demontagem e de desapropriao da rea de servido representam de 50% a 60%dos custos totais (PINTO JUNIOR et al., 2007, p. 238). J o transporte do gsnatural liquefeito uma alternativa importante, quando no vivel tcnica oueconomicamente a construo de dutos. Exige plantas de liquefao e regaseificao,e o transporte de longa distncia d-se basicamente por navios metaneiros. Grandeparte do mercado mundial do gs natural liquefeito concentra-se na sia, sendoo Japo o principal importador, com demanda de 43% do gs mundial em 2004.

    Como as reservas de gs offshoretornaram-se significativas mundialmente, mas emboa parte formadas por campos dispersos que no permitem plantas de liquefaotradicionais, um grande esforo tecnolgico tem sido feito para o desenvolvimentode unidades de liquefao menores, voltadas para a aplicao em alto-mar. J atecnologia de transporte do gs natural comprimido por cilindros no recente etem sido utilizada para servir nichos de mercado, tais como suprimento quandoda interrupo do fornecimento por dutos, atendimento de demanda de pico,demanda veicular e, de modo geral, quando a rede de distribuio incipiente elimitada s grandes cidades. Por seu elevado custo, , das alternativas tecnolgicas,a de menor utilizao.

    Como os custos de transporte por gasodutos caram em at 60% desde1985 enquanto os do gs liquefeito limitaram-se a 30% , o transporte pordutos tornou-se mais competitivo at mesmo para distncias superiores a 5.000km. Assim, o aumento da produo nacional e a viabilizao da construo dogasoduto entre o Brasil e a Bolvia pareciam finalmente conferir bases sustentveis expanso da indstria de gs no Brasil, e nessa poca que a Petrobras expandesuas atividades at o segmento upstreamboliviano. Mas, em lugar de maior segurana

    energtica, em 2004 surgem os primeiros sinais de crise no abastecimento,conforme apresentado a seguir.

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    2 A CRISE POLTICA NA BOLVIA E SEUS REFLEXOS NOBRASIL

    As condies econmicas e energticas brasileiras e bolivianas soextremamente diversas, pois, enquanto o Brasil sempre foi privilegiado pelo lequede recursos disponveis, tanto fsseis quanto renovveis, e conta com um parqueindustrial denso e complexo, a Bolvia hoje um dos pases mais pobres do mundo.Os dados da Tabela 2 evidenciam a desproporo entre os produtos nacionais decada um desses pases como tambm indicam que, enquanto a participao relativado Brasil no total da Amrica Latina tem aumentado de modo significativo, a daBolvia declinou.

    Tabela 2: Produto Interno Bruto da Amrica Latina nos pases selecionados (2002e 2006).

    Pases 2002 2006US$ milhes % US$ milhes %

    Argentina 102.040 5,9 214.058 7,3Bolvia 7.905 0,5 11.163 0,4Brasil 505.904 29,1 1.067.962 36,3

    Colmbia 81.244 4,7 135.836 4,6Equador 24.899 1,4 40.800 1,4Mxico 649.076 37,4 839.182 28,5Peru 57.056 3,3 93.269 3,2Venezuela 92.890 5,3 181.862 6,2Demais pases 215.852 12 361.061 12Total da Amrica Latina 1.736.866 100 2.945.193 100

    Fonte: Banco Mundial (fevereiro de 2008).

    As experincias de reformas liberais que afetaram todos os pases da AmricaLatina levaram privatizao da Yacimientos Petrolferos Fiscales Bolivianos(YBPF) entre 1995 e 1997 para as multinacionais do setor petrolfero (Enron,BG, BP, Shell, Repsol-YPF), por 3,4 bilhes de dlares no total. no bojo dessasmudanas que tm incio em 1996, em territrio boliviano, as operaes da empresaPetrobras Bolviae a construo do gasoduto Bolvia-Brasil (GASBOL).

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    Mapa 1: Gasoduto Bolvia-Brasil.

    A construo do gasoduto alterou substancialmente o fluxo comercial entreos dois pases: enquanto em 1997 o valor total das trocas de leo e gs resumia-sea US$ 70 milhes, oito anos depois esse valor aproxima-se de US$ 1 bilho. Ainda:antes do fim das obras, em 1999, as exportaes de hidrocarbonetos respondiampor 1% das exportaes bolivianas e, em 2005, passam a representar 37% dasvendas externas do pas. Para o Brasil, mais da metade do gs consumido provmdo pas vizinho. So 30 milhes de metros cbicos por dia em 45 milhes deconsumo interno. Esse valor s no assume propores alarmantes quando seconsidera o papel ainda reduzido do gs natural na matriz energtica brasileira menos de 10% do consumo final de energia (DUTRA, 2006, p. 8). Enquanto em

    2005 o uso do gs na matriz energtica brasileira representava 4,1%, em 2007 atinge9,6%, sob o pressuposto de que no existiriam restries de oferta importadaou nacional do produto.

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    Assim, o anncio do presidente boliviano Evo Morales da deciso denacionalizar as reservas de gs natural e de exercer o controle das empresas do

    setor atuantes em solo boliviano propondo alteraes nas condies regulatriase de operaes da indstria de energia no pas e uma reviso nos preos dogs pagos pela estatal brasileira surpreendeu a diplomacia e especialmente aPetrobras, que se viram diante de novas regras de negociao. Quanto ao desejodo governo boliviano de aumentar sua participao nas rendas extraordinriasgeradas pela exportao do gs natural, especialistas do setor reconhecem que opreo do gs importado da Bolvia situava-se entre os mais baratos e que o ajustede preo solicitado pelo governo boliviano estaria de acordo com a realidade dos

    mercados energticos mundiais. Como resultado, o mercado de gs natural passaa apresentar crescimento acelerado da demanda.

    Como seria de esperar, alguns setores produtivos brasileiros ficaramdescontentes com as posies assumidas pela diplomacia nacional, uma vez queo corte no fornecimento apresentou efeitos bastante diferenciados no territrionacional.Nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paran, Santa Catarinae Rio Grande do Sul, o consumo de gs todo para uso trmico e em refinarias.Em Minas Gerais, metade do consumo atendida pelo gs proveniente da Bolvia.

    A disponibilidade do gs boliviano e a instalao do gasoduto ligando a regioprodutora de gs na Bolvia regio mais industrializada no Brasil levaram ogoverno brasileiro a incentivar empresas do setor produtivo a alterarem sua baseenergtica, utilizando o gs, o que pode ser verificado pelos dados da Tabela 3.Alm disso, cerca de 1,5 milho de carros brasileiros passou a utilizar o gs comocombustvel, visto que seu preo era sensivelmente inferior ao da gasolina.

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    Tabela 3: Consumo de gs natural no Brasil por setor (unidade: 106m3).

    1975 1985 1995 2005

    Consumo final 414 2.539 4.435 15.044

    Consumo final no energtico 92 948 956 849

    Consumo final energtico 322 1.591 3.479 14.195

    Setor energtico 149 911 989 3.500

    Residencial 0 0 52 217

    Comercial/pblico 0 0 36 321

    Transportes 0 0 49 1.945

    Industrial 173 680 2.353 8.209

    Fonte:PINTO JUNIOR et al., 2007, p. 281.

    Com a ameaa ao fornecimento de gs, criou-se no Brasil um clima de tensoe de presso sobre o governo brasileiro e a Petrobras para que no aceitassem asimposies de Evo Morales. Contudo, a reao do governo brasileiro foi pr-ativa:em lugar de retaliaes, foram adotadas medidas no sentido de levar o Brasil maior independncia em relao ao gs importado.

    3 A CONFIGURAO TERRITORIAL DA INDSTRIA DE GS

    NATURAL NO BRASILDado o clima de instabilidade da oferta boliviana, em 4 de outubro de

    2006, lanado no Brasil o Plano de Antecipao da Produo de Gs Natural(PLANGS), tendo como objetivo o aumento de 24 milhes de m3/d de ofertade gs, o que elevaria a oferta para 40 milhes de m3/d no final de 2008 e para55 milhes de m3/d em 2010. Portanto, a crise de abastecimento motivou aantecipao de projetos que j estavam em estudo, porm com um cronogramade execuo mais alongado.

    Essa acelerao da produo interna tem reconfigurado a espacialidadedo setor do gs no Brasil, uma vez que envolve a logstica de apoio s reas deexplorao offshoree onshorede transporte. A rede de gasodutos ser ampliada,passando dos atuais 6.481 km para cerca de 9.000 km at 2009, e o territrionacional ser cortado por uma rede de dutos, o que facilitar o processo dedescentralizao da produo industrial nacional.

    No que se refere espacializao da rede de distribuio de gs, o Brasilatua em trs eixos distintos: Eixo Bolvia-Brasil, Eixo Centro-Sul e Eixo Nordeste(Mapa 2). O primeiro, conforme j especificado anteriormente, liga as reservasde gs na Bolvia a trs macrorregies brasileiras: Centro-Oeste, Sudeste e Sul.O segundo liga as principais reservas brasileiras s refinarias e ao maior mercado

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    consumidor, constitudo pelas indstrias localizadas em So Paulo. O terceiro eixointegra os estados do Cear at a Bahia, distribuindo o gs das reservas localizadas

    nos estados da Bahia e do Sergipe s termoeltricas nordestinas.Um dos principais trechos em construo da malha de gasodutos em

    territrio brasileiro o Gasoduto Sudeste-Nordeste (GASENE), que ligar asreservas das bacias do Esprito Santo ao Estado do Rio de Janeiro e ao Estado daBahia, completando a extenso total de 1.400 quilmetros. O trecho entre Vitriae Cabinas em Maca (RJ), com uma extenso de 300 quilmetros, foi inauguradoem fevereiro de 2008 e transporta 5,5 milhes de m3/d. O ltimo e maior trechodo Gasene, ligando Cacimbas, no norte do Esprito Santo, a Catu, na Bahia, dever

    ser entregue j em 2009.

    Mapa : Gasodutos no Brasil (2007).

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    Quanto explorao de gs no Amazonas, em Coari, no h ainda como

    considerar a existncia de um eixo de integrao, havendo somente uma linha de

    distribuio entre os municpios de Coari e Urucu, sem estabelecer integraocom outras regies brasileiras. Esto em construo novos gasodutos para

    a distribuio de gs das jazidas de Juru e Coari, o que ampliar a rede de

    distribuio de gs entre Urucu e Porto Velho, Juru e Urucu, e Coari e Manaus.

    Em estudo, h tanto a possibilidade de ampliar a rede de gasodutos internamente,

    com a implantao dos trechos Manaus-Boa Vista e Porto Velho-Rio Branco,

    quanto a possibilidade de integrar essa regio Venezuela e ao Peru, podendo

    constituir-se um novo eixo de integrao do setor de gs na Pan-Amaznia.

    No que se refere aos gasodutos em estudo (ver Mapa 2), importa, ainda,

    fazer referncia queles trechos que devero ligar a poro oriental da Amaznia

    s regies Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Caso esse projeto seja concretizado,

    o territrio nacional estar interligado por meio da rede de transporte de gs

    natural, articulando as principais regies.

    Alm das medidas visando a antecipao da produo, esto sendo

    realizados investimentos de cerca de US$ 100 milhes para reduzir a queima de

    5,2 milhes de m3

    /d de leo que acontece sobretudo na Bacia de Campos. Comisso o percentual de aproveitamento do gs, que hoje de 86%, chegar a 92%

    at 2010. Simultaneamente e visando uma maior diversificao das fontes de

    abastecimento, o Brasil est construindo dois terminais de regaseificao de gs

    liquefeito importado, sendo um deles prximo a Fortaleza, no Estado do Cear e

    outro na Baa de Guanabara, no Rio de Janeiro (RABINOVICH, 2007, p. 19).

    Alm dos efeitos positivos apontados nos itens anteriores, a crise do gs

    teve um importante papel ao expor as limitaes do setor energtico brasileiro.

    De fato, de acordo com Pinguelli Rosa, a partir da dcada de 90, a pfia ampliaodo parque de gerao hidrulica fez a expanso do setor eltrico apoiar-se na

    construo de usinas a gs (Carta Capital de 14/11/07).

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    Mapa 3: Mapa das termeltricas a gs no Brasil (2007).

    A superposio dos mapas das termeltricas a gs (Mapa 3) e do mapa degasodutos permite que se faa a leitura da espacializadade da indstria do gs noBrasil. Entre meados dos anos de 90 e meados dos anos 2000, o que se viu foi uma

    ampliao do setor do gs no Brasil, dotando o territrio da infraestrutura energticanecessria ao seu contnuo desenvolvimento, bem como o estabelecimento demaiores laos comerciais entre o Brasil, a Bolvia e a Argentina laos que sero,futuramente, estabelecidos com a Venezuela e o Peru.

    4 OBSTCULOS E PERSPECTIVAS: UMA SNTESE

    Dado que o crescimento sustentvel de qualquer economia tem como umdos seus mais relevantes pilares a segurana do abastecimento energtico, torna-se

    basilar o conhecimento das principais fontes alternativas que podem ser colocadasa servio da populao. Como insumo essencial a um vasto conjunto de atividadeseconmicas e sociais, a energia desempenha papel importante na esfera distributiva

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    entre indivduos, setores produtivos e regies. Em funo de sua capilaridade nointerior da estrutura produtiva, por tratar-se de um insumo bsico, seus preos

    tm um impacto significativo nos ndices de preos em geral. Portanto, dispor deenergia barata proveniente de fontes diversificadas, alm de garantir segurana,representa um fator determinante na competio capitalista, definindo muitasvezes os ganhadores ou os perdedores da concorrncia internacional.

    A indstria de gs brasileira apresenta algumas caractersticas importantesque, at o presente, tm limitado seu uso de modo mais abrangente: (i) cercade 75% da produo nacional vm de campos de gs associado ao petrleo, dereservatrios offshore; (ii) cerca de 60% do gs no associado encontram-se em

    reservatrios offshore; (iii) o gs importado da Bolvia tambm tem um custo deoportunidade elevado, dada a grande distncia dos centros de consumo no Brasile no existe capacidade de estocagem fora dos prprios dutos; (iv) o gs noassociado onshoreencontra-se basicamente no sistema isolado da regio Amaznica,sem possibilidade de interligao com o Nordeste ou o Centro-Sul do pas, aomenos por enquanto.

    A produo de gs, contudo, apenas um item da agenda energtica doBrasil. Neste incio de sculo, o pas ampliou consideravelmente sua produo de

    petrleo e de cana-de-acar para a produo de combustveis, tendo assumidoum papel de destaque nas discusses sobre bioenergia, alm de estar ampliandoinvestimentos na construo de novas hidreltricas e em energia nuclear.

    Se, a curto prazo, a instabilidade do abastecimento de gs trouxe prejuzose descontentamentos a setores especficos da sociedade brasileira, a mdio ea longo prazos, seguramente trar benefcios economia nacional. Graas acelerao das pesquisas no setor, novos efeitos multiplicadores tm ocorridona indstria parapetroleira, o que, mais uma vez, legitima a opo brasileirapelo desenvolvimento de pesquisa tecnolgica nacional autnoma sobre oabastecimento energtico.

    Em relao a esse ltimo aspecto, em novembro de 2007, a Petrobrasanunciou que testes confirmaram a existncia de uma megajazida de petrleo naBacia de Santos, incrustada a 7.000 m de profundidade, na camada pr-sal. Essecampo, denominado Tupi, poder elevar em at 40% o potencial de extrao depetrleo do pas. Dois meses aps o anncio da reserva de Tupi, novamente aPetrobras veio a pblico comunicar a descoberta de uma grande jazida de gsnatural, tambm na camada pr-sal, em guas de profundidade de 5.250 m, a 37

    quilmetros a leste de Tupi e a 290 quilmetros da costa. Mais uma vez, a empresaconseguiu um novo feito mundial: rompeu nova barreira tecnolgica em matriade extrao em guas profundas a primeira empresa a perfurar em guas

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    ultraprofundas. A descoberta de Tupi s a primeira parte de um processo quevai demandar anos de trabalho e bilhes em investimentos, pois, de acordo com

    a Petrobras, o campo s dever comear a produzir em 2013.Desde o incio de 2008, o governo boliviano tem tentado obter do governo

    brasileiro a flexibilizao de seu contrato de 30 milhes de metros cbicos diriosde gs, de modo a permitir o aumento das vendas para a Argentina, cujo contratoprev o fornecimento de 7,7 milhes de metros cbicos dirios, e a Bolvia s tementregado 2,5 milhes. Os negociadores bolivianos argumentam que a insuficinciada oferta de gs apenas temporria e que nos prximos anos o pas podercumprir os compromissos assumidos.

    Segundo Egler (2008, p. 161), a expanso da demanda de energia nomercado global tambm afetou diretamente a geoeconomia da Amrica do Sul,com complicaes polticas notrias. Entre Chvez, Morales e Rafael Correa, existemais do que as propostas de esquerda e a retrica contra o Imprio. Venezuela,Bolvia e Equador so pases exportadores de energia que esto nacionalizandosuas reservas e instalaes energticas como instrumento para ampliar a margem denegociao com as grandes corporaes multinacionais e transferir parte crescentedas receitas do petrleo e do gs natural para o aparelho do Estado.

    , portanto, bem-vinda a iniciativa de buscar contornar as disputas polticasna Amrica Latina fugindo do tratamento conjuntural quanto s carnciasenergticas e enfrentando a questo de modo estrutural. Nesse sentido, Brasil,Argentina e Bolvia esto elaborando um plano de integrao energtica que preva construo de cinco usinas hidreltricas binacionais, sendo trs com a Argentinae duas com a Bolvia. Nessa integrao energtica, Brasil e Argentina pretendemunir-se ainda para a criao de uma usina binacional de enriquecimento de urnio.Em relao produo de gs natural, o Brasil busca estreitar laos comerciais coma Venezuela e com o Peru, ligando as jazidas desses pases s reas de consumodo nosso interligao prevista para a terceira dcada do sculo XXI. Portanto,a questo energtica latino-americana tem, de fato, requerido um tratamento delongo prazo, com acordos ao abrigo das instabilidades polticas ainda comuns nospases da regio, onde os aspectos de integrao energtica permanecem fortementesubordinados s estratgias nacionais.

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