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CÁTIA TAKEUCHI Gaya Kunth (Malvoideae, Malvaceae): Filogenia e sua relação com gêneros afins e Revisão Taxonômica das espécies que ocorrem no Brasil Tese apresentada ao Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de DOUTOR em BIODIVERSIDADE VEGETAL E MEIO AMBIENTE, na Área de Concentração de Plantas Vasculares em Análises Ambientais. SÃO PAULO 2015

Gaya Kunth (Malvoideae, Malvaceae): Filogenia e sua ...arquivos.ambiente.sp.gov.br/pgibt/2015/12/Cátia_Takeuchi_DR.pdf · Gaya Kunth (Malvoideae, Malvaceae): Filogenia e sua relação

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CTIA TAKEUCHI

Gaya Kunth (Malvoideae, Malvaceae): Filogenia

e sua relao com gneros afins e Reviso

Taxonmica das espcies que ocorrem no Brasil

Tese apresentada ao Instituto de Botnica da

Secretaria do Meio Ambiente, como parte dos

requisitos exigidos para a obteno do ttulo de

DOUTOR em BIODIVERSIDADE VEGETAL

E MEIO AMBIENTE, na rea de Concentrao

de Plantas Vasculares em Anlises Ambientais.

SO PAULO

2015

CTIA TAKEUCHI

Gaya Kunth (Malvoideae, Malvaceae): Filogenia

e sua relao com gneros afins e Reviso

Taxonmica das espcies que ocorrem no Brasil

Tese apresentada ao Instituto de Botnica da

Secretaria do Meio Ambiente, como parte dos

requisitos exigidos para a obteno do ttulo de

DOUTOR em BIODIVERSIDADE VEGETAL

E MEIO AMBIENTE, na rea de Concentrao

de Plantas Vasculares em Anlises Ambientais.

ORIENTADORA: DRA. GERLENI LOPES ESTEVES

Ficha Catalogrfica elaborada pelo NCLEO DE BIBLIOTECA E MEMRIA

Takeuchi, Ctia

T136g Gaya Kunth (Malvoideae, Malvaceae): filogenia e sua relao com gneros afins

e reviso taxonmica das espcies que ocorrem no Brasil / Ctia Takeuchi -- So

Paulo, 2015.

166 p. il.

Tese (Doutorado) -- Instituto de Botnica da Secretaria de Estado do Meio

Ambiente, 2015

Bibliografia

1. Malvaceae. 2. Taxonomia. 3. Morfologia. I. Ttulo

CDU: 582.796

Aos meus pais, Huziko Takeuchi & Takashi Takeuchi, s minhas avs Chiemi Kono (1913-2014) & Haguino Takeuchi (1920-2015), dedico

Agradecimentos

Primeiramente agradeo aos meus pais e tia Ruth Morinaga por todo apoio e compreenso

em todos os momentos da minha existncia.

A minha orientadora Dra. Gerleni L. Esteves pela dedicao durante anos a minha formao

cientfica, especialmente no universo das Malvceas. Agradeo pelos dias que se dedicou

intensamente a esta tese nesta orientao longa distncia.

Minha gratido Dra. Mutue T. Fujii que me acolheu no Laboratrio Molecular do Ncleo

de Pesquisa de Ficologia e que tornou possvel a execuo do estudo filogentico integralmente no

Instituto de Botnica. Ceclia H. Kano cujo auxlio foi essencial para o desenvolvimento da etapa

laboratorial deste estudo, agradeo a ateno e companhia.

Ao aluno de doutorado Me. Otvio L. Marques da Silva. No tenho como agradecer a ajuda

em vrios momentos: na confeco dos mapas, nos programas de filogenia, na traduo do ingls e

na formatao. Obrigada tambm pelas sugestes. Um amigo genuno que admiro muito e que me

trazia sempre o melhor bolo de leite ninho do universo!

Ao irmo malvlogo Me. Victor M. Gonalez pelos anos de convivncia e amizade;

agradeo a sua companhia nas viagens, a coleta de espcimes, fotos de Gaya e a confeco da capa

desta tese. irm malvloga Dra. Marlia C. Duarte pelos conselhos, ajuda nos programas de

filogenia e por servir de exemplo.

Dra. Jennifer Tate da Universidade de Massey (Nova Zelndia) pela colaborao valiosa.

Ao Dr. Antnio Krapovickas do Instituto de Botnica del Nordeste (Argentina) pelas discusses

taxonmicas em Malvaceae e pelo churrasco oferecido.

Ao Dr. Paulo Affonso por ter me transmitido os primeiros conhecimentos em Taxonomia

Vegetal na iniciao cientfica. Sou grata pela orientao nobre e segura, pela sabedoria dos seus

conselhos que busco seguir at os dias atuais.

Dra. Cintia V. da Silva pela amizade inestimvel nestes doze anos de convivncia, caronas,

companhia nas coletas e disposio em ajudar nesta reta final! Agradeo a reviso e o carinho!

Comisso de Ps-graduao do Instituto de Botnica (Ibt), especialmente pela concesso

da verba PROAP. Aos funcionrios e estagirios da ps-graduao, especialmente Marcinha e

Shirley por todo o auxlio prestado. A CAPES pela bolsa concedida.

A todos os pesquisadores do Ncleo de Curadoria Herbrio SP. Em especial Dra. Maria

Margarida R.F. de Melo pela sua humanidade nica e afeto, contribuindo principalmente para a minha

formao tica e nutricional. Dra. Lcia Rossi pelas manifestaes constantes de apoio, interesse

e auxlio. Dra. Ins Cordeiro pela considerao e ajuda sempre oferecida; agradeo especialmente

o uso da centrfuga e do computador, alm dos seus doces diet que compartilhou comigo diversas

vezes. Ao Dr. Fbio de Barros pela seriedade e contribuies em vrios momentos como integrante

da Comisso de Ps-graduao do Ibt, banca da aula de qualificao e do corpo editorial da Revista

Hoehnea. Dra. Maria Cndida H. Mamede pelos diversos e-mails enviados para os curadores dos

herbrios estrangeiros para obteno de materiais de Gaya. Aos demais pesquisadores do Herbrio

SP pelo acolhimento durante todos estes anos: Dra. Cintia Kameyama, Dra. Maria das Graas L.

Wanderley, Dra. Marie Sugiyama, Dra. Rosngela Simo-Bianchini, Dr. Srgio Romaniuc e Ma.

Snia Aragaki. Aos funcionrios do Herbrio SP: Ana Clia A. Calado, Claudinia de Lourdes

Inceo, Marcela Silva e Evandro Fortes por todo o auxlio e carinho.

s alunas Rafaela Freitas, Fernanda S. Petrongari, Camila Arajo e Mayra Jamas, por

tornarem os dias mais alegres. Aos alunos do Instituto de Botnica, especialmente: Me. Rodrigo S.

Rodrigues por todo apoio, afeio e ajuda oferecida; Dr. Allan C. Pscheidt pelas dicas que foram

compartilhadas no estudo filogentico e pela amizade durante estes doze anos; Adenilsa A.R. Lima,

Me. Mayara Pastore e ao Dr. Marcos E. Lima, Yasmim Hirao, Gabriela C.G. de Oliveira, Ulisses G.

Fernandes e Brbara Puglia pelos momentos de escuta e convivncia; Me. Alusio F. Jnior pela

companhia nas viagens, Me. Augusto F.N. Gonzaga por sempre me enviar artigos especializados e

ao Rudolph Sartin pela concesso das fotos de Gaya guerkeana.

Aos doutores Tarciso S. Filgueiras pela diagnose de Gaya xiquexiquensis, Mssimo G. Bovini

e Cyl Farney do Jardim Botnico do Rio de Janeiro que me proporcionaram a viagem de coleta para

Arraial do Cabo. Ao Dr. Allan Sciamarelli pela coleta em Dourados. Dra. Kazue Kawakita pela

acolhida em Maring. Ao Prof. Dr. Arnildo Pott e aos funcionrios da fazenda San Francisco pela

ajuda prestada no trabalho de campo em Miranda.

banca da aula de qualificao pelas sugestes e crticas: Dr. Fbio de Barros, Dr. Fbio

Pinheiro e Dra. Marlia C. Duarte.

Aos curadores dos herbrios visitados pela recepo e envio dos materiais solicitados na forma

de emprstimo ou doao, bem como pela autorizao para a retirada de fragmentos de folhas para o

estudo filogentico. Em especial curadora Dra. Mercedes Arbo do herbrio CTES que permitiu a

minha permanncia por um perodo prolongado.

A todos que me acompanharam nas viagens de coleta: Me. Gisele da Silva, Dr. Rafael

Louzada e Me. rika M. Ramos. aluna de mestrado da HUEFS, Me. Liziane V. Vasconcelos pelo

apoio e acolhida em sua casa em Feira de Santana. Aos alunos de mestrado da UNEB (campus Paulo

Afonso), especialmente Fracislainy Pereira que me acolheram na cidade de uma forma muito

especial. Ao Me. Danilo Marques pela hospedagem na Argentina.

Por fim, a todos os meus familiares (incluindo os gatos) e amigos, especialmente minha

prima Namiyo Hashimoto, companheira das aventuras gastronmicas e culturais pela cidade.

ndice

ORGANIZAO DA TESE ................................................................................................................ 1

INTRODUO GERAL ...................................................................................................................... 2

MALVOIDEAE BURNETT (1835) .......................................................................................................... 2 TRIBO MALVEAE ................................................................................................................................. 4 POSICIONAMENTO DE GAYA NA TRIBO MALVEAE ............................................................................... 9 HISTRIA TAXONMICA DE GAYA ..................................................................................................... 11 GAYA KUNTH ..................................................................................................................................... 13

OBJETIVOS ........................................................................................................................................ 23

MATERIAL E MTODOS ................................................................................................................ 24

ESTUDO FILOGENTICO ..................................................................................................................... 24 Amostragem.................................................................................................................................. 26 Extrao do DNA, amplificao e sequenciamento ..................................................................... 26 Anlises filogenticas ................................................................................................................... 27 Mapeamento dos estados de caracteres morfolgicos, polnicos e citogenticos ......................... 28

ESTUDO TAXONMICO ...................................................................................................................... 30

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 34

CAPTULO 1 MOLECULAR PHYLOGENETICS AND CHARACTER EVOLUTION OF

GAYA KUNTH AND RELATED GENERA (MALVOIDEAE, MALVACEAE) ......................... 45

ABSTRACT ......................................................................................................................................... 46 INTRODUCTION .................................................................................................................................. 47 MATERIAL AND METHODS ................................................................................................................ 49

Sampling ....................................................................................................................................... 49 DNA extraction, amplification and sequencing ............................................................................ 49 Phylogenetic analysis ................................................................................................................... 50 Morphologic, palinologic and cytogenetic characters mapping ................................................... 51

RESULTS ............................................................................................................................................ 52 Individual markers analyzes ......................................................................................................... 52 Combined analysis ........................................................................................................................ 54 Cytogenetic and palinologic characters mapping ......................................................................... 57

DISCUSSION ....................................................................................................................................... 58 Relationships between Gaya and genera of clade C234 ............................................................... 60

REFERENCES...................................................................................................................................... 65

CAPTULO 2 REVISO TAXONMICA DAS ESPCIES DE GAYA KUNTH

(MALVOIDEAE, MALVACEAE) QUE OCORREM NO BRASIL ............................................. 82

ABSTRACT ......................................................................................................................................... 83 INTRODUO ..................................................................................................................................... 85 MATERIAL E MTODOS ..................................................................................................................... 87 RESULTADOS E DISCUSSO............................................................................................................... 89

Gaya aurea A. St.-Hil. . 94 Gaya bordasii Krapov. . 96

Gaya dentata Krapov. .. 98

Gaya domingensis Urb. .... 99

Gaya gaudichaudiana A. St.-Hil. ...105

Gaya gracilipes K. Schum. 107

Gaya grandiflora Baker f. .. 109

Gaya guerkeana K. Schum. ... 111

Gaya macrantha Barb. Rodr. . 113

Gaya meridionalis Hassler . 114

Gaya monosperma (K. Schum.) Krapov. ............................................................................... 116

Gaya pilosa K. Schum. .......................................................................................................... 118

Gaya scopulorum Krapov. ..................................................................................................... 120

Gaya xiquexiquensis C. Takeuchi & G.L. Esteves ................................................................ 122

LITERATURA CITADA ...................................................................................................................... 135

CAPTULO 3 GAYA XIQUEXIQUENSIS (MALVOIDEAE, MALVACEAE), A NEW

SPECIES FROM BAHIA STATE, BRAZIL .................................................................................. 143

ABSTRACT ....................................................................................................................................... 144 INTRODUCTION ................................................................................................................................ 144 TAXONOMY ..................................................................................................................................... 144 REFERENCES.................................................................................................................................... 147

CONSIDERAES FINAIS............................................................................................................ 148

BIBLIOGRAFIA GERAL ................................................................................................................ 155

Lista de figuras

INTRODUO

Figura 1: Tubo estaminal ............................................................................................... 16

Figura 2: Mericarpos de gneros da tribo Malveae ........................................................ 17

Figura 3: Mericarpos de gneros da tribo Malveae, vista interna, mostrando sementes e a

endoglossa ...................................................................................................................... 17

Figura 4: rvores de consenso de maioria parciais (clados A e B) obtidas das 10.000

rvores geradas na anlise de Mxima Parcimnia com base em ITS ........................... 21

Figura 5: rvore de consenso estrito (parcial) com nfase no clado C ......................... 22

MATERIAL E MTODOS

Figura 6: A. Fruto de Gaya. B Mericarpo, vista externa . .............................................. 33

CAPTULO 1

Figure 1: A. Complete fruit of Gaya, external view. B. Mericarp, dorsal-lateral view . 73

Figure 2: Majority rule (50%) consensus tree obtained in Bayesian analysis of ITS data

....................................................................................................................................... 73

Figures 3-4: Majority rule (50%) consensus tree obtained in Bayesian analysis of petL-

psbE (Fig. 3) and rpL16 intron (Fig. 4) data. ................................................................ 74

Figure 5: Majority rule (50%) consensus tree obtained in Bayesian analysis of combined

nuclear (ITS) and plastid (petL-psbE and rpL16 intron) data. ....................................... 75

Figure 6: Evolution patterns of morphological mapped onto Bayesian analysis of

combined nuclear (ITS) and plastid (petL-psbE and rpL16 intron) data. ..................... 76

Figure 7: Evolution patterns of morphological mapped onto Bayesian analysis of

combined nuclear (ITS) and plastid (petL-psbE and rpL16 intron) data. ...................... 77

Figure 8: Evolution patterns of morphological palinological and cytogenetical characters

onto Bayesian analysis of combined nuclear (ITS) and plastid (petL-psbE and rpL16

intron) data .................................................................................................................... 78

Figure 9: Simplified majority rule (50%) consensus tree based on Bayesian analysis of

combined nuclear (ITS) and plastid (petL-psbE and rpL16 intron) data with nodes

collapsed to genus ......................................................................................................... 79

Figure 10: Ilustrations of mericarps, calyx and inflorescence of genera of tribe Malveae

........................................................................................................................................ 80

Figure 11: Morphology of genera within tribe Malveae sampled in this study .......... 81

CAPTULO 2

Figura 1: A. Esquizocarpo completo de Gaya, vista externa. B. Mericarpo, vista externa,

ltero-dorsal .................................................................................................................... 88

Figura 2: Ilustraes de Gaya aurea, G. bordasii e G. dentata ................................... 124

Figura 3: Mapa de distribuio geogrfica de Gaya aurea, G. bordasii e G. dentata . 125

Figura 4: Ilustraes de G. gaudichaudiana, Gaya domingensis e G. gracilipes ........ 126

Figura 5: Fotos de Gaya dentata, G. domingensis e G. gaudichaudiana .................... 127

Figura 6: Mapa de distribuio geogrfica de G. domingensis, G. gaudichaudiana e G.

gracilipes ...................................................................................................................... 128

Figura 7: Ilustraes de Gaya grandiflora, G. guerkeana e G. macrantha ................. 129

Figura 8: Fotos de G. gracilipes, G. grandiflora, G. guerkeana e G. macrantha ......... 130

Figura 9: Mapa de distribuio geogrfica de Gaya grandiflora, G. guerkeana e G.

macrantha ...................................................................................................................... 131

Figura 10: Ilustraes de Gaya meridionalis, G. monosperma, G. pilosa, G. scopulorum

e G. xiquexiquensis .......................... ............................................................................ 132

Figura 11: Fotos de Gaya meridionalis, G. monosperma, G. pilosa e G. xiquexiquensis

...................................................................................................................................... 133

Figura 12: Mapa de distribuio geogrfica de Gaya meridionalis, G. monosperma, G.

pilosa, G. scopulorum e G. xiquexiquensis .................................................................. 134

CAPTULO 3

Figure 1: Ilustraes de Gaya xiquexiquensis .............................................................. 145

Figure 2: Fotos de Gaya xiquexiquensis ...................................................................... 146

Lista de tabelas

INTRODUO GERAL

Tabela 1: Principais caracteres das tribos de Malvaceae s.s. ......................................... 16

Tabela 2: Principais classificaes propostas para a tribo Malveae com nfase em Gaya

e gneros historicamente relacionados .......................................................................... 18

Tabela 3: Principais caracteres de Gaya e de gneros historicamente relacionados com

base em dados morfolgicos, polnicos e de distribuio geogrfica e no nmero de

cromossomos ................................................................................................................. 19

Tabela 4: Gaya e gneros afins amostrados nos estudos filogenticos e principais

caracteres utilizados na delimitao destes gneros ...................................................... 20

MATERIAL E MTODOS

Tabela 5: Espcies amostradas no estudo filogentico, seguidas dos respectivos vouchers

dos materiais testemunho ................................................................................................ 25

Tabela 6: Regio e primers utilizados no trabalho ......................................................... 26

Tabela 7: Caracteres mapeados e a codificao dos caracteres (*caracteres utilizados pela

primeira vez na delimitao genrica) .......................................................................... 29

Tabela 8: Expedies de coleta ...................................................................................... 32

CAPTULO 1

Table 1: Mapped characters and character states codification (*characters utilized for the

first time to generic delimitation) .................................................................................. 69

Table 2: Informative values of MP analyzes of molecular data utilized ....................... 69

Table 3: Main overlapping characters in Gaya and Herissantia ................................... 70

Table 4: Main differences among Callianthe, Abutilon s.s. and Bakeridesia (sensu Donnel

et al. 2012) and *based on the present study ................................................................. 70

RESUMO: Gaya Kunth (Malvaceae, Malvoideae, tribo Malveae) compreende 39 espcies

distribudas na regio Neotropical, desde o Mxico at a Argentina, com maior diversidade no

Brasil onde ocorrem 14 espcies. As anlises filogenticas moleculares realizadas com a tribo

Malveae, baseadas na amostragem de apenas duas espcies e em um nico marcador (ITS), no

esclareceram as relaes de Gaya com os gneros afins. O presente estudo visou realizar uma

anlise filogentica do gnero utilizando dados moleculares (ITS, rpL16 intron e petL-psbE),

morfolgicos, citogenticos e polnicos, alm de uma maior amostragem de espcies a fim de

testar o monofiletismo de Gaya e esclarecer as suas relaes na tribo Malveae. Foram

amostradas 43 espcies de Malveae, sendo 19 de Gaya, alm de uma espcie da tribo

Malvavisceae. Gaya emergiu como monofiltico em todas as anlises individuais e combinada

de todos os marcadores, sendo sustentado por duas sinapomorfias morfolgicas. A relao

desse gnero como grupo-irmo de Herissantia foi evidenciada em todas as anlises com fraca

a forte sustentao. Os padres de evoluo dos caracteres mapeados revelaram poucas

sinapomorfias para a sustentao das relaes de Gaya com os gneros afins. Quanto

taxonomia de Gaya, os principais estudos compreendem inventrios florsticos e uma sinopse

com nfase nas descries de 10 espcies novas. No Brasil, a escassez de estudos vem

dificultando o entendimento da circunscrio do gnero e da delimitao e distribuio

geogrfica de suas espcies. Soma-se a isso, a baixa representao de Gaya nos herbrios

brasileiros. Assim sendo, objetivou-se realizar a reviso taxonmica das espcies de Gaya que

ocorrem no Brasil, fornecendo chave analtica, descries morfolgicas, ilustraes inditas das

espcies, comentrios sobre variabilidade, relaes taxonmicas, mapas, distribuio

geogrfica, novas ocorrncias e dados de conservao. Foram analisados cerca de 450 materiais

de herbrios brasileiros e estrangeiros e oriundos de um programa de coleta que abrangeu 37

municpios brasileiros. As 14 espcies de Gaya registradas no Brasil (oito endmicas) esto

amplamente distribudas no pas, especialmente na regio Nordeste, no domnio da Caatinga.

Os frutos de Gaya ofereceram o maior nmero de caracteres taxonmicos para a delimitao

do gnero, destacando-se a posio de uma constrio nos mericarpos, o tipo de deiscncia dos

mericarpos, a posio das flores e dos frutos nos diferentes estgios de desenvolvimento e o

local de origem da endoglossa que uma protruso da parede do mericarpo que geralmente

retm a semente e que aqui foi minuciosamente analisada pela primeira vez. A taxonomia das

espcies foi estudada com base na morfologia do indumento, clice, ptalas e dos frutos. Foi

constatado que metade das espcies est ameaada, sendo que uma se enquadra na categoria

Em Perigo. Os resultados obtidos no presente estudo foram apresentados em trs captulos:

1) Filogenia molecular e evoluo dos caracteres de Gaya e de gneros afins; 2) Reviso

taxonmica das espcies de Gaya que ocorrem no Brasil; 3) Gaya xiquexiquensis (Malvoideae,

Malvaceae), uma espcie nova do Estado da Bahia, Brasil.

Palavras-chave: morfologia, ITS, petL-psbe, rpL16 intron, taxonomia, tribo Malveae

ABSTRACT: Gaya Kunth (Malvaceae, Malvoideae, tribe Malveae) comprises thirty nine

species distributed in Neotropical region, from Mxico to Argentina, with greatest diversity in

Brazil where occur fourteen species. Phyogenetic studies performed with tribe Malveae were

unable to clarify relationships among Gaya and related genera, with only two species of Gaya

sampled and using only one molecular marker (ITS). The present study aimed to test the

monophyly of the genus, with a wider sample, as well as bring light to its affinities based on

morphologic, palinologic and cytogenetic and cytogenetic data and sequences from nuclear ITS

and plastid petL-psbE and rpL16 intron. Forty-three species from tribe Malveae were sampled,

of which nineteen are species of Gaya and one belongs tribe Malvavisceae. Gaya emerged as

monophyletic on individual and combinated analyses from molecular sequences with

moderated to high support, and is supported by two morphologic synapomorphies. Relationship

between the genus as sister group to Herissantia was evident on all analysis with low to high

support. Evolution patterns of morphological characters mapped revealed few synapomorphies

supporting the relationships of Gaya and related genera. Regarding to the taxonomy of Gaya,

most studies comprises floristic inventories and a synopsis with emphasis on ten new species.

The lack of studies has been a challenging to generic circumscription and delimitation and

geographical distribution of species. Furthermore, Gaya has low representation in Brazilian

herbaria. Thus, this work aimed to accomplish the taxonomic revision of the species of Gaya

occurring in Brazil, proving an analytical key, morphological descriptions, new illustrations,

comments about the variability, taxonomic relationship, distribution, maps, new occurrences

and conservation data. Approximately 450 materials from Brazilian and foreign herbaria and

from a collection program which covered 37 Brazilian municipalities were analyzed. The

fourteen species of Gaya registered in Brazil (eight endemic) are widely distributed, especially

in Northeastern region, in Caatinga domain. The fruit of Gaya offered the largest numbers of

taxonomic characters to generic delimitation, mainly the constriction site of the mericarp,

dehiscence type of the mericarp, the position of flowers and fruits along the different

development stages and site of endoglossum origin on the mericarp which is a protusion of

mericarp wall, thoroughly analyzed here for the first time. The taxonomy of the species was

based on indumentum, calyx, petals and fruit morphology. It has been found that half of species

are threatened, one of them is Endangered. The results of this study were presented in three

chapters: 1) Molecular phylogenetics and character evolution of Gaya Kunth and related genera

(Malvoideae, Malvaceae); 2) Taxonomic revision of Gaya Kunth (Malvoideae, Malvaceae) in

Brazil; 3) Gaya xiquexiquensis (Malvoideae, Malvaceae), a new species from Bahia State,

Brazil.

Keywords: morphology, ITS, petL-psbe, rpL16 intron, taxonomy, tribe Malveae

1

Organizao da Tese

Neste trabalho so apresentados a Introduo Geral, as Consideraes Finais e trs

captulos:

Captulo 1. Filogenia molecular e evoluo dos caracteres de Gaya Kunth e de gneros afins

(Malvoideae, Malvaceae). Nesse captulo apresentada uma anlise filogentica com base em

dados morfolgicos e moleculares (sequncias de ITS, petL-psbE e rpL16 intron) de 43

espcies da tribo Malveae, sendo 19 espcies de Gaya, 24 espcies de gneros afins e uma

espcie do gnero Pavonia (tribo Malvavisceae) com o objetivo de testar o monofiletismo de

Gaya e esclarecer a sua relao filogentica com os gneros afins.

Captulo 2. Reviso taxonmica das espcies de Gaya Kunth (Malvoideae, Malvaceae) que

ocorrem no Brasil. apresentada a reviso taxonmica das espcies de Gaya que ocorrem no

Brasil, compreendendo uma chave de identificao, descries morfolgicas, ilustraes,

mapas de distribuio, alm de comentrios sobre variabilidade, relaes taxonmicas, status

de conservao e distribuio geogrfica de todas as espcies.

Captulo 3. Gaya xiquexiquensis (Malvaceae, Malvoideae), uma nova espcie da Bahia, Brasil

(Gaya xiquexiquensis (Malvaceae, Malvoideae), a new species from Bahia state, Brazil).

apresentada a descrio de uma espcie nova com ocorrncia registrada apenas no municpio

de Xique-Xique, crescendo no domnio da Caatinga. Este estudo compreende uma descrio

morfolgica, ilustraes e comentrios sobre as suas relaes taxonmicas, status de

conservao e dados de distribuio geogrfica.

2

INTRODUO GERAL

Malvoideae Burnett (1835)

O gnero Gaya est situado em Malvaceae, famlia monofiltica formada pelos

representantes das tradicionais famlias Sterculiaceae, Malvaceae, Bombacaceae e Tiliaceae

sensu Cronquist (1981). Nessa circunscrio, Malvaceae apresenta como sinapomorfia

morfolgica um nectrio constitudo de tricomas glandulares que est localizado internamente

na base do clice ou com menos frequncia, nas ptalas ou no androginforo. Malvaceae

compreende nove subfamlias: Bombacoideae, Brownlowioideae, Byttnerioideae,

Dombeyoideae, Grewioideae, Helicteroideae, Sterculioideae, Malvoideae e Tilioideae

(Alverson et al. 1999, Bayer et al. 1999, Judd & Manchester 1997, Nyffeler et al. 2005).

Malvoideae abriga todos os gneros de Malvaceae s.s. e alguns membros

tradicionalmente inseridos em Bombacaceae e Sterculiaceae, sendo fortemente sustentada nos

estudos filogenticos baseados nos marcadores plastidiais matK, ndhF, atpB e rbcL. Esta

subfamlia forma com Bombacoideae, composta pela maior parte dos representantes de

Bombacaceae, o clado Malvatheca altamente sustentado por sequncias plastidiais e pela

sinapomorfia morfolgica das anteras altamente modificadas, compostas por uma teca bi a

poliesporangiada (Alverson et al. 1999, Baum et al. 2004, Nyffeler et al. 2005). As duas

subfamlias distinguem-se pela morfologia das folhas: simples com lminas inteiras, lobadas a

partidas em Malvoideae e compostas e digitadas em Bombacoideae (Baum et al. 2004).

Malvoideae possui distribuio cosmopolita com cerca de 110 gneros e 1730 espcies,

sendo a Amrica do Sul seu principal centro de diversidade (Bayer & Kubitzky 2003). No Brasil

ocorrem cerca de 36 gneros e 424 espcies distribudas em todas as regies do pas, habitando

diversos domnios fitogeogrficos (Bovini et al. 2014).

Esta subfamlia compreende ervas, arbustos ou raras rvores, com o indumento

constitudo predominantemente de tricomas estrelados. As folhas so simples, alternas,

pecioladas, estipuladas, com lminas inteiras, lobadas ou partidas, s vezes com nectrios e

3

nervao em geral palmatinrvia. As flores so geralmente grandes e vistosas, muitas vezes

com um conjunto de bractolas denominado epiclice, 5 spalas valvares e 5 ptalas imbricadas

que so diversamente coloridas. O androceu, constitudo de 5 a numerosos estames

monadelfo, com as partes livres de estames diversamente distribudas ao longo do tubo

estaminal ou concentradas no pice; as anteras so monotecas e biesporangiadas, rimosas e

reniformes. O gineceu tem ovrio spero e 5 a muitos carpelos uni a pluriovulados, estiletes em

nmero igual ao de carpelos ou em dobro deles e estigmas geralmente capitados. Os frutos so

predominantemente dos tipos cpsula ou esquizocarpo, sendo que os mericarpos variam quanto

ao nmero, forma, textura e ornamentao. As sementes em geral so reniformes ou obovides,

glabras a comosas, com endosperma ausente ou abundante, oleaginoso, embrio curvo ou reto e

cotildones dobrados.

A importncia econmica das Malvoideae est na alimentao do homem e de outros

animais (Abelmoschus, Hibiscus e Malva), nas indstrias txtil (Gossypium) e madeireira

(Hampea e Hibiscus), na produo de leos (Gossypium) e de fibras usadas na cordoaria e na

aniagem (Abutilon, Sida e Urena), na ornamentao pblica (Abutilon, Hibiscus, Malvaviscus

e Pavonia) e na medicina popular (Malva, Malvastrum e Sida). Alm disso, incluem-se nesta

subfamlia diversas espcies daninhas especialmente dos gneros Herrisantia, Malvastrum e

Sida (Pio-Crrea 1926-931, Braga 1953, Fryxell 1979, 1988, Lorenzi, 2002a, 2002b).

Quimicamente Malvoideae caracteriza-se pela presena de proantocianinas e de cidos

gordurosos (cidos malvlico e esterclico), sobretudo nas sementes. Nos tecidos

parenquimticos so encontrados clulas ou canais de mucilagem, bem como cristais de oxalato

de clcio e raramente glndulas de gossipol (Cronquist 1981, Fryxell 1988).

Quanto anatomia, o floema geralmente estratificado tangencialmente, em camadas

de esclernquima e parnquima, com raios em forma de cunha como nas Malvaceas em geral.

No tocante aos estmatos h predominncia do tipo anomoctico (Metcalfe & Chalk 1979).

4

No que se refere polinizao ocorrem predominantemente a ornitofilia e a entomofilia,

raramente a quiropterofilia em espcies de Abutilon (Bayer & Kubitzky 2003, Brizicky 1965;

Buzato & Sazima 1994, Gottsberg et al. 1986, Ruschi 1949, Sazima 1981), com autogamia

facultativa registrada em Hibiscus e Pavonia (Vogel 1954, 1969). Alm do nectrio localizado

na base interna do clice, nectrios extraflorais aparecem nas faces adaxiais e abaxiais das

folhas de Urena e Hibiscus.

O nmero de cromossomos vem sendo bastante utilizado para delimitar os gneros de

Malvoideae e estabelecer as afinidades entre eles, sendo evidenciados diferentes nveis de

ploidia (Esteves 1996). Os nmeros de cromossomos encontrados em Malvoideae so os mais

baixos dentre as subfamlias de Malvaceae (n=5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20,

21, 25 e 28), mas diploidia e poliploidia foram registradas excedendo n=100 (Bayer & Kubitzky

2003, Fryxell 1988, 1997a).

Tribo Malveae

Nas classificaes tradicionais, Malvaceae s.s., que compe em parte a subfamlia

Malvoideae, foi dividida em cinco tribos: Decaschistieae, Gossypieae, Hibisceae, Malvavisceae

e Malveae. Estas tribos so aceitas at os dias atuais, sendo circunscritas principalmente pelo

tipo de fruto, nmero de estiletes em relao ao de carpelos, pice do tubo estaminal e pela

presena ou no de glndulas de gossipol, principalmente nas folhas e sementes (tabela 1). O

nmero de representantes varia desde Decaschistieae com apenas um gnero at Malveae com

cerca de 70 gneros (Fryxell 1988, La Ducke & Doebley 1995).

A tribo Malveae, na qual Gaya se insere considerada morfologicamente a mais diversa

entre as cinco tribos de Malvaceae s.s. e exibe ampla distribuio geogrfica nas regies

temperadas e tropicais, compreendendo 70 gneros e cerca de 1000 espcies (Fryxell 1997a).

No Brasil esta tribo est representada por 17 gneros e aproximadamente 210 espcies

distribudas em todas as regies e domnios fitogeogrficos (Bovini et al. 2014).

5

A tribo Malveae caracteriza-se por reunir espcies com as partes livres dos estames

concentradas no pice do tubo estaminal, diferindo dos representantes das demais tribos que

apresentam as partes livres de estames diversamente distribudas ao longo do tubo estaminal

cujo pice pentalobado (figura 1). Alm disso, nos representantes da tribo Malveae o epiclice

s vezes est ausente, o nmero de carpelos igual ao nmero de estiletes e o fruto geralmente

do tipo esquizocarpo (Fryxell 1988, Bayer & Kubitzki 2003).

Os estudos filogenticos mais abrangentes que amostraram representantes da tradicional

ordem Malvales, realizados por Bayer et al. (1999), Alverson et al. (1999), Baum et al. (2004)

e Nyffeler et al. (2005) baseados em sequncias plastidiais (rbcL, atpB, ndhF, trnK e matK),

apontaram o monofiletismo da tribo Malveae, alm da sua relao com a tribo Gossypieae.

Essas evidncias tambm foram constatadas na anlise filogentica da tribo Hibisceae (Pfeil et

al. 2002) com os marcadores de cloroplasto ndhF e rpL16 intron.

No trabalho de La Ducke & Dobley (1995) com enfoque em Malvoideae, baseado em

stios de restrio de cpDNA, os representantes de Malveae emergiram num clado com suporte

significativo (BS=97%), tendo como grupo irmo todos os gneros amostrados de Gossypieae e

Hibisceae. A sinapomorfia morfolgica da tribo Malveae a ausncia dos cinco lobos apicais no

tubo estaminal (figura 1) (Judd et al. 1999).

Em Malveae a morfologia do mericarpo assumiu grande importncia na taxonomia da

tribo em funo da diversidade que esta estrutura exibe (figura 2), constituindo base para a

criao e circunscrio de vrios gneros. Os mericarpos podem ser trgonos, com pice

aristado (figura 2H, I), rostrado ou mtico (figura 2A-C), apresentando no interior uma ou duas

cavidades (figura 2C, I, H, K, L) e 1-muitas sementes (figura 2I, K, L, C). Alm disso, podem

apresentar (figura 2D, J) ou no nervuras conspcuas (figura 2A), constrio mediana (figura

2H), alas laterais (figura 2E), uma projeo interna denominada endoglossa (figura 2K, L) e

diferentes tipos de deiscncia (Fryxell 1988, 1997a, Bayer & Kubitzky 2003).

6

O problema de circunscrio dos gneros da tribo Malveae com base nos caracteres

morfolgicos utilizados para a criao destes representantes, bem como as dificuldades

encontradas para posicionar vrias espcies foram bastante discutidos nos trabalhos

taxonmicos de Fryxell (1997a, b).

Nesse contexto deve-se destacar os caracteres da endoglossa. Segundo Fryxell (1988)

trata-se de uma protruso da parede interna do mericarpo que exibe variao morfolgica em

nvel genrico. Esta estrutura foi denominada genericamente por Hochreutiner (1917a) sem, no

entanto, apresentar um estudo anatmico e ontogentico. A endoglossa origina-se na parede

ventral ou dorsal do mericarpo, podendo ser simples ou dupla, vestigial ou desenvolvida de

forma a reter a semente (exclusivamente em Gaya) ou dividir o mericarpo em duas cavidades

(Fryxell 1988) (figura 3).

Vrios gneros da tribo Malveae foram criados com base na presena de endoglossa,

associada em alguns casos ao nmero de sementes: Allosidastrum (Hochr.) Krapov., Fryxell &

D.M. Bates, Anoda Cav., Anisodontea C. Presl, Allowissadula D.M. Bates, Batesimalva Fryxell,

Briquetia Hochr., Gaya Kunth, Hochreutinera Krapov., Fuertesimalva Fryxell, Malvastrum A.

Gray, Modiola Moench, Modiolastrum K. Schum., Pseudabutilon R.E. Fries, Sphaeralcea A.

St.-Hil., Tetrasida Ulbr. e Urocarpidium Ulbr.

A presena da endoglossa em gneros morfologicamente no relacionados entre si

tornou essa estrutura gradativamente pouco importante na taxonomia da tribo Malveae. Alguns

gneros foram segregados como Allosidastrum e Allowissadula, enquanto outros passaram a

abrigar espcies nas quais a endoglossa est ausente como Pseudabutilon e Gaya.

Quanto aos caracteres florais e vegetativos, estes pouco auxiliaram na circunscrio

genrica, sempre em associao aos caracteres do fruto, destacando-se os estigmas clavados em

Corynabutilon, as lminas foliares dos ramos superiores ssseis em Briquetia, as ptalas

auriculadas em Akrosida, o hbito arborescente em Bakeridesia e a presena ou no de epiclice

7

em Malvella, os dois ltimos considerados caracteres artificiais por Bates (1968) e Fuertes et

al. (2003).

Em relao s subdivises da tribo, foram propostas vrias interpretaes e composies

(tabela 2). A primeira classificao de Malveae, proposta por Bentham & Hooker (1862),

baseou-se na morfologia do gineceu quanto ao nmero de verticilos, nmero de vulos por

carpelo e posio do vulo no ovrio, dividindo Malveae em quatro subtribos: Abutilinae,

Malopinae, Malvinae e Sidinae. Essa classificao foi seguida por Schumann (1890), Edlin

(1935) e Kearney (1951) que adicionaram outros gneros e propuseram algumas modificaes,

sendo que o ltimo autor criou uma subtribo nova, Corynabutilinae, com base na presena de

estigmas clavados (tabela 2).

A partir de 1968 foram propostas novas classificaes compostas por alianas baseadas

principalmente na presena ou ausncia de epiclice, morfologia do plen, nmero de

cromossomos e nos dados de distribuio geogrfica (Bates 1968, Bates & Blanchard 1970,

Fryxell 1988, Bayer & Kubitzky 2003) (tabela 2).

Essas classificaes tradicionais propostas para a tribo Malveae foram consideradas

artificiais, com o estabelecimento dificultado pelo fato de que vrios gneros foram pobremente

circunscritos com base em caracteres que no refletiam as relaes de parentesco. A evoluo

convergente de muitos caracteres morfolgicos constituiu um obstculo para a identificao de

grupos naturais e a taxonomia de diversos gneros como Sida e Abutilon foi durante muito

tempo mal compreendida (Bates 1968, Fryxell 1997a, Fuertes et al. 2003).

No que diz respeito s anlises filogenticas moleculares que buscaram esclarecer as

relaes entre os gneros da tribo Malveae, a mais abrangente foi realizada por Tate et al. (2005)

com base em sequncias de ITS, na qual foram amostrados 68 gneros e 121 espcies, sendo

evidenciado que a maioria das alianas propostas para a tribo, assim como vrios gneros

(Abutilon, Bakeridesia, Sida e Tarasa) no so monofilticos (figura 4). Nesse estudo

emergiram dois grandes clados (A e B). No clado B emergiram os gneros com epiclice

8

(exceto em Malvella) e nmero de cromossomos bsico n=5 ou 9. No clado A os gneros sem

epiclice (exceto em Nototriche) e com nmero de cromossomos n=6, 7, 8, raramente 5, 13 ou

15. Deve-se destacar que os gneros cujas espcies apresentam mericarpos com endoglossa

emergiram isoladamente e no relacionados entre si nos clados A e B.

Outras anlises filogenticas moleculares buscaram testar o monofiletismo de gneros

da tribo Malveae, bem como esclarecer as relaes com gneros afins destacando-se: Tate &

Simpson (2003) para Tarasa (ITS), Escobar Garcia et al. (2009) para as relaes dos gneros

da aliana Malva (psbA-trnH, matK, trnK, ndhF e trnL-trnF), Fuertes et al. (2003) para Sida

(ITS), Huertas et al. (2007) para Palaua (ITS e psbA-trnH), Tate (2011) para Urocarpidium

(rpL16 intron, ndhF e 3 matK-trnK intron), Wagstaff & Tate (2011) para Plagianthus (ITS e

trnK/matK), Escobar Garcia et al. (2012) para Alcea (ITS, trnL-trnF) e Donnel et al. (2012)

para Callianthe, Bakeridesia e Abutilon (ITS).

Nestes estudos no foi evidenciado o monofiletismo da maioria dos gneros (Abutilon,

Bakeridesia, Sida, Malva, Lavatera, Tarasa, Alcea, Plagianthus e Palaua). Apenas Donnel et

al. (2012) propuseram mudanas nomenclaturais, apresentando um gnero novo (Callianthe)

composto por membros segregados de Abutilon e Bakeridesia, sustentado por uma deleo de

25 pares de base na sequncia de ITS2 e pelas ptalas com nervuras proeminentes.

No tocante s relaes infragenricas, foram pobremente resolvidas na maioria das

anlises filogenticas, exceto em Huertas et al. (2007), Wagstaff & Tate (2011) e Fuertes et al.

(2003). Somente Escobar Garcia et al. (2009) e Wagstaff & Tate (2011), que trataram de

gneros endmicos do Peru e da Nova Zelndia (Palaua e Plagianthus) respectivamente,

discutiram a morfologia com base na reconstruo evolutiva dos caracteres. Os nicos gneros

que ocorrem no Brasil, tratados nestes estudos, foram Abutilon, Sida e Bakeridesia. Alm

desses ressalta-se a anlise cladstica das espcies de Wissadula que ocorrem no Brasil realizada

por Bovini (2008) com base em caracteres morfolgicos.

clado A

9

Dentre os caracteres que corroboraram as evidncias filogenticas na tribo Malveae

destacam-se o comprimento das ptalas, proeminncia das nervuras do clice e das ptalas,

deiscncia dos mericarpos, presena de tricomas no interior dos mericarpos, tipos de inflorescncia,

alm do nmero de cromossomos (Fuertes et al. 2003, Donnel et al. 2012, Escobar et al. 2009).

Posicionamento de Gaya na tribo Malveae

Nas primeiras classificaes propostas para tribo Malveae (1862 a 1967), baseadas na

morfologia do gineceu, o gnero Gaya sempre foi posicionado na subtribo Sidinae com base

nos carpelos dispostos em um nico verticilo, tendo cada carpelo apenas um vulo pndulo. Os

gneros includos por Bentham & Hooker (1862) na subtribo Sidinae so atualmente muito

distintos entre si pelos caracteres morfolgicos, citogenticos e polnicos. Mesmo assim essa

composio morfolgica foi seguida nas classificaes de Schumann (1890), Edlin (1935) e

Kearney (1951) que adicionaram outros gneros subtribo (tabela 2).

O gnero Herissantia, considerado morfologicamente afim de Gaya, foi inserido por

Edlin (1935) na mesma subtribo de Gaya com base nas similaridades compartilhadas,

especialmente na morfologia dos frutos (tabelas 2 e 3). Em 1951, Kearney transferiu

Herissantia para a subtribo Abutilinae, provavelmente por ter constatado maior nmero de

sementes por mericarpo neste gnero (tabelas 2 e 3).

Nas classificaes propostas posteriormente (1968-2003) baseadas em alianas, Gaya

foi sempre mantido na aliana Gaya juntamente com Cristaria e Lecanophora por

compartilharem o mesmo nmero de cromossomos, ausncia de epiclice e a distribuio nas

Amricas (tabelas 2 e 3). Entretanto, os representantes destes dois gneros apresentam

diferenas considerveis em relao a Gaya, principalmente quanto aos caracteres polnicos e

morfologia dos frutos (tabela 3).

Nessas classificaes baseadas em alianas, Fryxell (1988) definiu o posicionamento de

Herissantia, criando a aliana Herissantia que abriga espcies com nmero de cromossomos n=7

10

ou 6 e gros de plen com 3-4 aberturas. Posteriormente, este gnero foi novamente relacionado

com o gnero Abutilon, sendo transferido para aliana Abutilon por Bayer & Kubitzki (2003).

Na anlise filogentica mais abrangente realizada com a tribo Malveae (Tate et al. 2005), os

gneros da aliana Gaya foram segregados em dois clados fortemente sustentados (BS=100%, PP=1),

sendo um deles formado por Cristaria e Lecanophora, enquanto o outro, distantemente relacionado,

constitudo pelas nicas espcies amostradas de Gaya: G. atiquipana Krapov. e G. calyptrata (Cav.)

Kunth ex K. Schum. (figura 4). O clado composto por Gaya emergiu como grupo irmo do clado

constitudo por Hochreutinera, Briquetia e Dirhamphis com fraco suporte nas anlises de Mxima

Parcimnia (MP) e Bayesiana (figura 4).

Hochreutinera um gnero da aliana Abutilon, enquanto Briquetia e Dirhamphis

pertencem aliana Batesimalva (tabela 2). Esses gneros so claramente distintos de Gaya

especialmente pelos caracteres dos mericarpos: nmero de cavidades internas e sementes,

presena ou no de endoglossa, tipos de nervuras nas faces laterais e presena ou no de aristas

basais. Alm disso, tambm diferem de Gaya por apresentarem os gros de plen em geral com

apenas trs aberturas e nmero de cromossomos n=7 ou 15 (tabela 4) (Erdtman 1952, Fryxell

1982, 1988, 1997a, Bayer & Kubitzki 2003, Milla 2007).

Na anlise filogentica realizada por Donnel et al. (2012) o gnero Gaya, representado

somente por G. calyptrata e G. atiquipana, emergiu com alto suporte como grupo-irmo de

Callianthe (BS=92%, PP=1), um gnero novo criado naquele estudo com base em espcies

segregadas de Abution (aliana Abutilon) e Bakeridesia, posicionado em vrias alianas (tabela

2). Um clado maior, o clado C, constitudo por Gaya + Callianthe e Hochreutinera + Briquetia

+ Dirhamphis emergiu com fraco suporte nas anlises de Mxima Parcimnia e

Verossimilhana (figura 5).

Donnel et al. (2012) destacaram as diferenas morfolgicas entre Callianthe e Gaya,

no encontrando sinapomorfias que sustentassem as relaes fortemente estabelecidas entre os

dois gneros. Callianthe compreende 41 espcies caracterizadas principalmente pelo hbito

11

arbreo (at 17 m de altura) e arbustivo, nmero de cromossomos n=8, flores maiores que 2 cm

de comprimento, ptalas com colorao variada e apresentando as nervuras proeminentes.

Quanto ao fruto, os mericarpos possuem 4 a muitas sementes e a endoglossa est ausente. Alm

disso, Milla (2007) e Saba (2007) relataram, em seis espcies de Callianthe, gros de plen

com apenas 3-4 aberturas (tabela 4).

Os estudos filogenticos realizados at o presente no esclareceram as relaes de Gaya

e de vrios outros gneros da tribo Malveae e no corroboraram as classificaes tradicionais,

apoiando a artificialidade das mesmas. No estudo de Tate et al. (2005) as afinidades de Gaya

foram evidenciadas com suporte pouco significativo, o que foi corroborado pelas diferenas

encontradas em Gaya, principalmente quanto morfologia do fruto, aos caracteres polnicos e

ao nmero de cromossomos (tabela 4). No estudo de Donnel et al. (2012) a relao de Gaya

como grupo-irmo de Callianthe apresentou forte sustentao molecular, mas no foi

reconhecida principalmente por no terem sido evidenciadas similaridades morfolgicas entre

os dois gneros (tabela 4).

Por outro lado, as afinidades morfolgicas compartilhadas por Gaya e Herissantia

apontadas nos estudos taxonmicos por Hanks & Fryxell (1979) e Fryxell (1997a) no foram

avaliadas nos estudos filogenticos moleculares, j que Herissantia no foi amostrado.

Histria taxonmica de Gaya

O gnero Gaya foi descrito por Kunth (1821) em homenagem ao botnico francs

Jacques Etienne Gay com base em trs espcies: G. canescens, G. hermannioides e G.

subtriloba, sendo incialmente circunscrito pela presena nos mericarpos de uma endoglossa

muito desenvolvida e peculiar.

Essa delimitao morfolgica foi seguida por Saint-Hilaire (1827) e Sweet (1830) que

adicionaram ao gnero quatro espcies e por Schumann (1891), na Flora brasiliensis, que descreveu

nove espcies, das quais duas (G. guerkeana K. Schum. e G. pilosa K. Schum.) apresentam o

12

mericarpo com uma endoglossa vestigial e que no retm a semente. Nesta obra, foram propostas

duas Sees: Eugaya e Microlophia com base na presena de endoglossa desenvolvida ou vestigial.

A importncia que foi atribuda presena da endoglossa na taxonomia de Gaya foi

evidente e decisiva para a incorporao de outras espcies por Baker (1892), Rose (1895), Fries

(1906), Rodrigues (1907), Hassler (1909), Urban (1912), Hochreutiner (1917b, 1920), Rusby

(1920) e Ulbrich (1932).

Krapovickas et al. (1974) propuseram uma nova circunscrio do gnero, incluindo uma

espcie (G. elinguata=G. monosperma) cujo mericarpo no possui endoglossa, sendo tal

posicionamento corroborado principalmente pela presena de uma semente no mericarpo,

nmero de cromossomos (n=6) e pelos caracteres polnicos.

Hanks & Fryxell (1979) relacionaram Gaya a Herissantia com base nas similaridades

morfolgicas compartilhadas, principalmente pelos frutos inflados e devido ao estudo de Bates

(1976) que evidenciou em Herissantia tiubae (K. Schum.) Brizicky o mesmo nmero de

cromossomos que as espcies de Gaya. Entretanto diferenas na morfologia do fruto, bem como

nos caracteres polnicos foram decisivas para o posicionamento de H. tiubae em Herissantia e

para distino dos dois gneros.

Os ltimos e mais importantes trabalhos taxonmicos sobre Gaya foram os de

Krapovickas (1996), no qual foram reconhecidas 33 espcies (10 novas) e o gnero foi

considerado um representante isolado na tribo Malveae com base em caracteres morfolgicos,

polnicos e no nmero de cromossomos; e de Fryxell (1997a) que corroborou o trabalho anterior

e considerou artificiais as similaridades entre Gaya e Herissantia quanto aos frutos inflados,

conforme j havia discutido Bates (1976) e Hanks & Fryxell (1979).

A histria taxonmica de Gaya revela poucas segregaes e problemas nomenclaturais.

Quanto s questes nomenclaturais, das 39 espcies descritas em Gaya, apenas seis foram

segregadas de outros gneros: Sida (3 spp.), Abutilon (2 spp.) e Tetraptera (1sp.). Foram

sinonimizados 34 nomes, sendo 11 infraespecficos. Apenas duas espcies foram segregadas

13

para outros gneros: G. violacea Rose, foi combinada em Batesimalva e G. sylvatica (Cav.)

Krapov. em Callianthe por Fryxell (1975) e Door (2014), respectivamente.

Gaya Kunth

Gaya compreende 39 espcies distribudas na regio Neotropical desde o Mxico at a

Argentina. Na Amrica Central foram registradas apenas trs espcies, enquanto a Amrica do

Sul abriga 37 espcies, das quais 36 so endmicas, sendo que a maior diversidade do gnero

ocorre no Brasil, com 13 espcies (Esteves & Takeuchi 2014) e no Peru, com oito espcies.

Na lista do Brasil, das 13 espcies registradas, oito so endmicas, distribudas em todas as

regies e domnios fitogeogrficos (Esteves & Takeuchi 2014). O alto grau de endemismo das

espcies de Gaya que ocorrem no pas semelhante quele constatado em outros gneros de

Malvoideae como Abutilon, Hibiscus, Pavonia e Peltaea (Esteves 1996, Takeuchi & Esteves 2012).

Diversos autores caracterizaram Gaya, sobretudo pelo esquizocarpo inflado com os

mericarpos dotados de endoglossa. Na maioria das espcies do gnero essa estrutura atinge uma

complexidade no notada em nenhuma outra espcie de Malveae, de tal forma a reter a nica

semente no momento da deiscncia (Fryxell 1997a, Hochreutiner 1917a, Krapovickas 1996),

entretanto a endoglossa no conhecida quanto sua ontogenia. O nico trabalho que tratou

dos frutos das espcies da tribo Malveae de cunho morfolgico (Hochreutiner 1917a), do qual

vrios termos propostos so adotados nos trabalhos taxonmicos.

Com relao aos estudos taxonmicos, a contribuio mais importante, Krapovickas

(1996), compreende uma sinopse na qual foram apresentados uma chave de identificao, dados

citogenticos e de distribuio geogrfica, alm de ilustraes de 33 espcies (10 novas).

Entretanto, nesse trabalho foram includas somente as descries morfolgicas das espcies

novas. As espcies ocorrentes no Brasil foram apenas relacionadas e a citao das mesmas foi

baseada principalmente nos materiais de herbrios estrangeiros.

14

Outra contribuio importante, Fryxell (1997a), compreende um estudo abrangente dos

gneros de Malvaceae que ocorrem no continente americano. Nesta obra so apresentados a

descrio morfolgica de Gaya e comentrios sobre a histria taxonmica do gnero, bem como

a discusso de suas relaes com outros membros da tribo Malveae. Alm disso, destacam-se

trabalhos que trataram de descries de espcies novas (Krapovickas 2006, 2008, 2012).

O gnero foi tratado em vrios estudos florsticos, ressaltando-se os inventrios de

Arechavaleta (1898) no Uruguai, Macbride (1956) no Peru, Foster (1958) na Bolvia, Standley

& Steyermark (1949) na Guatemala, Molina (1975) em Honduras, Fryxell (1988, 1991, 1992)

no Mxico, Equador e Venezuela, Krapovickas (1999), Krapovickas & Tolaba (2008), Carreras

et al. (2012) na Argentina e Stevens et al. (2001) na Nicargua.

No tocante s espcies que ocorrem no Brasil, os trabalhos so escassos, sendo o

tratamento de Schumann (1891) na Flora brasiliensis a principal referncia, na qual foram

tratadas nove espcies. Alm disso, h somente as contribuies de Esteves & Takeuchi (2014)

na Lista de espcies da Flora do Brasil e de Esteves (2010) na Flora de Alagoas.

Nos estudos polnicos realizados por Christensen (1986), Hanks & Fryxell (1979),

Martinez (1982), Jimnez-Reyes (2003), Cuadrado (2006), Saba (2007) e Milla (2007) foram

analisadas 11 espcies de Gaya, das quais seis ocorrem no Brasil. De acordo com estes autores,

os gros de plen de Gaya so apolares, grandes, pericolporados, com 10-32 aberturas

distribudas espiraladamente. Somente Milla (2007) detectou caracteres para delimitao

infragenrica, encontrando diferenas significativas para a separao de Gaya gaudichaudiana

A. St.-Hil. e G. domingensis Urb.

Os estudos citogenticos realizados com a tribo Malveae envolveram 12 espcies de Gaya,

sendo que seis ocorrem no Brasil. O nmero de cromossomos registrado para Gaya n=6, com

tetraploidia relatada apenas em G. gaudichaudiana (Bates 1976, Coleman 1982, Fernndez 1974,

1981, Fernndez et al. 2003, Krapovickas et al.1974, Krapovickas 1957, 1967, 2012).

15

No que se refere aos caracteres micromorfolgicos de Gaya, Krapovickas et al. (1974)

estudaram a nervao dos mericarpos de duas espcies, comparando o padro encontrado com

o de espcies de Abutilon e Herissantia. Posteriormente, Da-Silva (2014) analisou a nervao

dos mericarpos de um maior nmero de espcies de Gaya, relacionando-a dos gneros

Callianthe, Briquetia, Herissantia e Hochreutinera. Este autor investigou tambm o indumento

dos mericarpos e das sementes de vrias espcies destes gneros visando sua utilizao na

delimitao infragenrica.

Quanto aos estudos filogenticos destacam-se os de Tate et al. (2005) e Donnel et al.

(2012) que amostraram duas espcies extra brasileiras: Gaya atiquipana e G. calyptrata,

utilizando sequncias de ITS. Alm destes h apenas o de Tate (2011) que amostrou G.

atiquipana com base em sequncias rpL16 intron, ndhF e 3 matK-trnK intron.

Alm da carncia de espcies amostradas de Gaya nos estudos filogenticos disponveis,

e das relaes pouco esclarecidas deste gnero na tribo Malveae, vale ressaltar que, exceto Tate

(2011), os demais trabalhos filogenticos referidos foram desenvolvidos com base em apenas

um marcador molecular. Ressalta-se tambm que Herissantia, o gnero morfologicamente mais

relacionado a Gaya nos estudos taxonmicos, no foi amostrado em nenhum dos trabalhos j

publicados.

16

Tabela 1. Principais caracteres das tribos de Malvaceae s.s. (Fryxell 1988).

Decaschistieae Gossypieae Hibisceae Malvavisceae Malveae

Fruto cpsula cpsula cpsula esquizocarpo esquizocarpo

Relao:

estiletes/carpelos

1 1 1 2 1

pice do tubo estaminal 5-lobado 5-lobado 5-lobado 5-lobado no lobado

Glndulas de gossipol ausente presente Ausente ausente ausente

Figura 1. Tubo estaminal. A: Abutilon nigricans Esteves

& Krapov., tribo Malveae (extrado de Esteves &

Krapovickas, 2002). B: Hibiscus kitabelifolius A. St.-Hil.,

tribo Hibisceae (extrado de Esteves et al. 2014).

17

Figura 2. A-L. Mericarpos de gneros da tribo Malveae. A-C. Callianthe. A-B. Vista

externa lateral e dorsal; C. Vista interna. D. Sida. Vista externa lateral, dorsal. E.

Bakeridesia. Vista externa lateral. F-H. Wissadula. Vista externa, lateral, dorsal, lateral.

I. Sida. Vista interna. J-L. Anisodontea; J. Vista externa, lateral; K-L. Vista interna.

Figura 3. Mericarpos de gneros da tribo Malveae, vista

interna, mostrando as sementes e a endoglossa indicada na

seta.

18

Tabela 2. Principais classificaes propostas para a tribo Malveae com nfase em Gaya e gneros historicamente relacionados (subtribos e alianas em negrito).

Subtribos Alianas

Bentham & Hooker

(1862)

Schumann

(1890, 1891)

Edlin

(1935)

Kearney

(1951)

Bates

(1968)

Fryxell

(1988)

Bayer & Kubitzky

(2003)

Abutileae Abutilon

Malopeae

Eumalveae

Sidinae Anoda

Bastardia

Gaya Sida

Asterotrichion

Hoheria

Plagianthus

Abutilinae Abutilon

Malvinae

Sidinae Bastardia

Periptera

Bastardiopis

Briquetia

Robinsonella

Tarasa

Malvella

Sida

Anoda

Cristaria

Gaya Hoheria

Lawrencia

Plagianthus

Abutilinae Abutilon

Bakeridesia

Malvinae

Sidinae Bastardia

Herissantia

Malvella

Sida

Anoda

Cristaria

Gaya Hoheria

Lawrencia

Plagianthus

Abutilon Abutilon

Bakeridesia

Herissantia

Malvinae

Sidinae Bastardia

Bastardiopis

Briquetia

Malvella

Robinsonella

Sidastrum

Tetrasida

Periptera

Anoda

Gaya Cristaria

Lecanophora

Sida

Hoheria

Corynabutilinae

Abutilon Abutilon

Bakeridesia

Briquetia

Herissantia

Anisodontea

Anoda

Kearnemalvastrum

Gaya

Gaya Cristaria

Lecanophora

Malacothamnus

Malope

Malva (p.p.)

Anisodontea (p.p.)

Malvastrum (p.p.)

Sphaeralcea (p.p.)

Plagianthus

Sidalcea

Sphaeralcea

Abutilon Abutilon

Hochreutinera

Anisodontea

Anoda

Bakeridesia

Batesimalva Briquetia

Dirhamphis

Fryxellia

Gaya

Gaya Cristaria

Lecanophora

Herisantia Herissantia

Kearnemalvastrum

Phymosia

Malope

Modiola

Malva

Malvastrum

Robinsonella

Sida

Sidalcea

Sphaeralcea

Abutilon Abutilon

Hochreutinera

Anisodontea

Anoda

Batesimalva Bakeridesia

Briquetia

Dirhamphis

Gaya

Gaya Cristaria

Lecanophora

Kearnemalvastrum

Malacothamnus

Malope

Malva

Malvastrum

Plagianthus

Sidalcea

Sphaeralcea

19

Tabela 3. Principais caracteres de Gaya e de gneros historicamente relacionados com base em dados morfolgicos, polnicos

e de distribuio geogrfica e no nmero de cromossomos (Fryxell 1988, 1997a; Bayer & Kubitzki 2003).

20

Tabela 4. Gaya e gneros afins amostrados nos estudos filogenticos (Tate et al. 2005; Donnel et. al 2012) e principais caracteres

utilizados na delimitao destes gneros por Fryxell (1988, 1997a); Krapovickas (1970); Bayer & Kubitzki (2003).

21

Figura 4. rvore de consenso de maioria parcial (clado A) obtida das 10.000 rvores geradas na anlise

de Mxima Parcimnia com base em ITS. A frequncia da reconstruo dos clados indicada acima dos

ramos e os valores de bootstrap so mostrados abaixo dos ns. Os nomes das alianas propostas para a

tribo Malveae so mostrados direita e seguiram Bayer & Kubitzki (2003).

clado A Extrado de Tate et al. (2005)

22

Extrado de Donnel et al. (2012)

Figura 5. rvore de consenso estrito parcial com nfase no clado C. Os valores de boostrap

(Mxima Verossimilhana/Mxima Parcimnia) so mostrados acima dos ramos e os

valores das probabilidades posteriores abaixo dos ramos.

23

OBJETIVOS

Diante do exposto o presente trabalho teve como objetivos:

testar o monofiletismo do gnero Gaya e esclarecer suas relaes na tribo Malveae, utilizando

maior amostragem de espcies, por meio de uma anlise filogentica baseada principalmente

em dados moleculares (nuclear e plastidiais);

realizar a reviso taxonmica das espcies de Gaya que ocorrem no Brasil, com base na

anlise morfolgica de suas estruturas vegetativas e reprodutivas, fornecendo novos caracteres

diagnsticos para o reconhecimento das espcies, descries morfolgicas, chave de

identificao, ilustraes, comentrios sobre a variabilidade e relaes taxonmicas, alm de

mapas e dados de distribuio geogrfica e de conservao;

24

MATERIAL E MTODOS

Estudo filogentico

Amostragem

Foram includas 43 sequncias de ITS, 35 de petL-psbE e 38 de rpL16 intron, das quais

um total de 110 foram obtidas neste estudo, 16 esto depositadas no Genbank e duas foram

cedidas pela Dra. Jennifer Tate (Universidade de Massey, Nova Zelndia). As sequncias

representam um total de 19 espcies de Gaya e 14 espcies pertencentes a oito gneros da tribo

Malveae, alm de um representante da tribo Malvavisceae (Pavonia communis A. St.-Hil.) que

foi utilizado como grupo externo. Os materiais testemunho das espcies esto indicados na

tabela 5.

A escolha dos gneros afins de Gaya foi baseada no estudo das similaridades

morfolgicas observadas entre os gneros, na classificao de Bayer & Kubitzky (2003) e nos

estudos filogenticos moleculares de Tate et al. (2005) e Donnel et al. (2012).

Essa amostragem corresponde a cerca de 50% das espcies de Gaya, buscando englobar

toda a diversidade morfolgica observada no gnero. Alm disso, procurou-se amostrar

espcies que abrangem grande parte da rea de distribuio geral do gnero: 13 spp. do Brasil,

1 sp. da Argentina, 1 sp. da Nicargua, 1 sp. do Peru e 3 spp. da Colmbia.

Foram feitos esforos para obteno de sequncias das espcies citadas abaixo a partir de

materiais de herbrio, porm sem sucesso para todas as regies estudadas: Gaya bordasii Krapov.

(A. Pott 6999, CPAP; S. Neffa 1750, CTES), Gaya cruziana Krapov. (Ferrucci 2648, CTES), Gaya

matutina Krapov. (Ferrucci et al. 2624, CTES), Gaya parviflora (Phil.) Krapov. (J. Paula-Souza

7779, CTES) e Hochreutinera amplexifolia (DC.) Fryxell (F. Franco 3069, CTES).

25

Tabela 5: Espcies amostradas no estudo filogentico, seguidas dos respectivos vouchers dos

materiais testemunho.

Espcies Voucher

Tribo Malveae

Abutilon itatiaie R.E. Fries C. Takeuchi 71 et al. (SP)

Abutilon umbelliflorum A. St.Hil. C. Takeuchi 138 (SP)

Abutilon malacum S. Watson R.S. Felger 81-92 (MO)

Billieturnera helleri Fryxell Fryxell 5058 (NY)

Briquetia denudata Chodat & Hassl. C. Takeuchi 139 & A. Sciamarelli (SP)

Briquetia spicata (Kunth) Fryxell V.C. Souza et al. 28140 (ESA, SP)

Callianthe costicalyx (K. Schum.) Donnel C. Takeuchi 75 & T. Takeuchi (SP)

Callianthe longifolia (A. St.Hil.) Donnel C. Takeuchi et al. 67 (SP)

Callianthe latipetala (G.L. Esteves & A. Krapov.) Donnel C. Takeuchi 72 & T. Takeuchi (SP)

Callianthe regnelli (Miq.) Donnel C. Takeuchi 56 (SP)

Callianthe rufinerva (A. St.Hil.) Donnel V.M. Gonalez 126 & C.V. da Silva (SP)

Cristaria andicola Gay Tate et al. 97 (TEX)

Gaya aurea A. St.Hil. L.P. Queiroz 5752 et al. (HUEFS)

Gaya atiquipana Krapov. Tate et al. 106 (TEX)

Gaya calyptrata (Cav.) Kunth ex K. Schum. Fuertes 5513 (TEX)

Gaya dentata Krapov. C. Takeuchi 131 & G. Moraes (SP)

Gaya domingensis Urb. C. Takeuchi et al. 99 (SP)

Gaya gaudichaudiana A. St.Hil. C. Takeuchi et al. 123 (SP)

Gaya guerkeana K. Schum. V.M. Gonalez 110 (SP)

Gaya gracilipes K. Schum. C. Takeuchi et al. 103 (SP)

Gaya grandiflora Baker f. C. Takeuchi 140 (SP)

Gaya macrantha Barb. Rodr. Harley 54849 (HUEFS)

Gaya meridionalis Hassl. C. Takeuchi 136 (SP)

Gaya minutiflora Rose W.D. Stevens & E.M. Duarte 2976 (MO)

Gaya monosperma (K. Schum.) Krapov. Giulietti 246 (HUEFS)

Gaya mutisiana Krapov. P. Silverstone-Sopkin 11889 (SP)

Gaya occidentalis (L.) Sweet J. Larrahondo 76 (CTES)

Gaya pilosa K. Schum. C. Takeuchi 108 et al. (SP)

Gaya scopulorum Krapov. T.B. Flores et al. 771 (HPL)

Gaya tarijensis R.E. Fries H. Sato 319 (SI)

Gaya xiquexiquensis C. Takeuchi & G.L. Esteves C. Takeuchi 144 (SP)

Herissantia crispa (L.) Brizicky C. Takeuchi 90 et al. (SP)

Herissantia nemoralis (A. St.Hil.) Brizicky V.M. Gonalez et al. 94 (SP)

Herissantia tiubae (K. Schum.) Brizicky C. Takeuchi 127 et al. (SP)

Hochreutinera hassleriana (Hochr.) Krapov. M. Grings 1022 (SP)

Lecanophora chubutensis (Speg.) Rodrigo Tate et al. 72 (TEX)

Lecanophora heterophylla (Cav.) Krapov. G. Seijo 2167 (SP)

Modiola caroliniana (L.) G. Don. Tate & Simmons 50 (TEX)

Modiolastrum lateritium (Hook.) Krapov. Tressens et al. 4592 (TEX)

Pseudabutilon virgatum (Cav.) Fryxell C. Takeuchi 133 (SP)

Wissadula contracta (Link) R.E. Fries V.M. Gonalez 52 & A.V. Coaglio (SP)

Wissadula hernandioides LHr (Garcke)

C. Takeuchi 120 & V.M. Gonalez (SP)

26

Extrao do DNA, amplificao e sequenciamento

O estudo filogentico foi realizado no Instituto de Botnica de So Paulo, Ncleo de

Pesquisa em Ficologia, Laboratrio de Sistemtica Molecular, coordenado pela Dra. Mutue

Toyota Fujii.

As extraes de DNA foram feitas a partir de fragmentos de folhas desidratadas em

slica gel ou removidas de material de herbrio utilizando o Kit DNeasy Plant (Qiagen,

Valencia, Califrnia), de acordo com o protocolo fornecido pelo fabricante. Os fragmentos

foram triturados com macerador Precellys 24. A qualidade do DNA foi avaliada por eletroforese

em gel de agarose 1% com gel red 1:500, usando-se tampo TAE 1x.

Foram estudadas uma regio do DNA nuclear ribossomal (ITS) e duas regies do DNA

plastidial (peltL-psbE e rpL16 intron).

A regio ITS foi amplificada por PCR incluindo as regies ITS1, a subunidade 5,8S e o

ITS2. Os segmentos do ITS foram amplificados separadamente usando primers ITSleu1 e ITS2

para ITS1(Baum et al. 1998) e ITS3B e ITS4 para 5,8S e ITS2 (Baum et al. 1998; White et al.

1990). Os primers utilizados para as regies plastidiais so: petL e psbE para petLpsbE e F71

e R1516 para rpL16 intron (Shaw et al. 2007).

Tabela 6. Regio e primers utilizados no trabalho.

Regio Primer Sequncia/sentido

ITS ITSLeu GTC CAC TGA ACC TTA TCA TTT AG direto

ITS ITS2 GCT GCG TTC TTC ATC GAT GC reverso

ITS ITS3 GCA TCG ATG AAG AAC GTA GC direto

ITS ITS4 TCC TCC GCT TAT TGA TAT GC reverso

rpL16 intron F71 GCT ATG CTT AGT GTG TGA CTC GTT G direto

rpL16 intron R1516 CCC TTC ATT CTT CTA TGT TG reverso

petLpsbE petL AGT AGA AAA CCG AAA TAA CTA GTT A direto

petLpsbE psbE TAT CGA ATA CTG GTA ATA ATA TCA GC reverso

27

A reao de PCR foi realizada com kit PCR Master Mix (Promega, Madison,Wisconsin)

de acordo com o protocolo fornecido pelo fabricante: cada reao de 25l contendo 12,5 l de

PCR Master Mix (2x), 0,7 l de primer F, 0,7 l de primer R, 8 l de gua e 1 l de DNA

genmico (total ou diludo 1:30).

As condies utilizadas para amplificao da regio ITS foram: 94 C por 5min.;

seguido de 35 ciclos: 94 C por 45 seg., 55 C por 1 min., 72 C por 130 min. e extenso final

de 72 C por 5min. As regies peltL-psbE e rpL16 intron foram amplificadas com as seguintes

condies: 80 C por 5 min., seguido de 30 ciclos de 95 C por 1 min., 43-50 C por 1 min., 65

C por 4 min. e extenso final de 5 min. a 65 C. Os produtos amplificados foram purificados

com kit de purificao Illustra GFX PCR DNA and Gel Band (GE Healthcare) de acordo com

o protocolo fornecido pelo fabricante.

As amostras foram sequenciadas nas empresas Macrogen (Seoul, Coria do Sul) e

Genomic Engenharia Molecular (So Paulo, Brasil). As sequncias obtidas foram editadas e

montadas no programa Bioedit v7.2.5 (Tom Hall - Ibis Biosciences, Carlsbad, California) com

posterior ajuste manual.

Anlises filogenticas

As anlises de parcimnia foram realizadas no programa PAUP* 4.0b10 (Swofford

2002). Para obteno das melhores rvores foi executada uma busca heurstica por branch-

swapping, utilizando o algoritmo Tree-bissection-reconection (TBR) para permutao dos

ramos, com 10.000 rplicas, 20 rvores retidas a cada passo e adio aleatria de sequncias.

Todos os caracteres foram pesados igualmente e os gaps tratados como ausentes. Para

a anlise do suporte foram obtidas porcentagens de bootstrap (BS) por branch-swapping,

utilizando o algoritmo Tree-bissection-reconection (TBR) para permutao dos ramos, com

1000 rplicas e um nmero de rvores limitado a 20 em cada passo.

28

As Anlises Bayesianas foram conduzidas no programa MrBayes 3.1.2 (Hueselback et

al. 2001). O melhor modelo de substituio de nucleotdeos foi obtido no programa jModelTest

2.1.4 (Darriba 2012), selecionando-se o critrio AIC. Os modelos mencionados foram: general

time reversible com distribuio gamma (GTR+G) para a regio nuclear ITS, Tamura 3-

parmetros com frequncia de bases desiguais e distribuio gamma (TPM1 uf+G) para peltL-

psbE e rpL16 intron.

Cada anlise foi feita com trs buscas paralelas, cada uma com quatro cadeias de

Markov que rodaram por 3 milhes de geraes, com amostragem a cada 1000 geraes. O

burn-in foi estimado com a visualizao da gerao de likelihood. Aps descartar as rvores

do burn-in (50%), o resultado final das anlises apresentado construindo-se a rvore de

consenso da maioria, com as rvores remanescentes e as trs distribuies posteriores plotadas

para obter a melhor estimativa da probabilidade posterior do clado (PP).

Aps a realizao das anlises de cada uma das trs regies separadamente foi verificada

a possibilidade de se combinar os dados plastidiais junto aos dados da regio ITS, utilizando-

se o teste de incongruncia (ILD) (Farris et al. 1994) no programa PAUP*4.0b10 (Swofford

2002). Este teste foi conduzido usando-se o critrio da parcimnia, com 1000 rplicas, adio

simples de sequncia, algoritmo Tree-bissection-reconection (TBR) e a cada passo uma

rvore. A opo maxtrees foi selecionada para 100 a fim de acelerar a anlise.

A anlise combinada das trs regies foi efetuada de forma padro para Mxima

Parcimnia sem atribuio de pesos. Para Anlise Bayesiana os dados foram particionados de

acordo com o modelo evolutivo de cada regio e analisados em conjunto, seguindo a proposta

de Ronquist & Huelsenbeck (2003).

Mapeamento dos estados de caracteres morfolgicos, polnicos e citogenticos

Neste trabalho foram mapeados dez caracteres morfolgicos analisados a partir de

materiais coletados nas atividades de campo e de espcimes depositados em herbrios (tabela

29

7). Alguns caracteres selecionados foram utilizados nos estudos de sistemtica na delimitao

dos gneros da tribo Malveae (Fryxell 1988, 1997a, Krapovickas 1970, 1996), enquanto outros

foram utilizados pela primeira vez no presente trabalho (tabela 7).

Quanto aos caracteres citogenticos e polnicos foram mapeados o nmero de

cromossomos e de aberturas dos gros de plen a partir do conhecimento obtido na literatura

para os gneros amostrados (Bayer & Kubitzky 2003, Cuadrado 2006, Cuadrado & Boilini

2006, El Naggar 2004, Fernndez et al. 2003, Fryxell 1988, JimnezReyes 2002, 2003,

Krapovickas 2012, Milla 2007, Saba 2007, Schneider 2013).

Para acessar os padres de evoluo desses caracteres, o mapeamento foi realizado com

base na rvore de consenso de maioria (50%) obtida na Anlise Bayesiana combinada das trs

regies utilizadas neste estudo. A reconstruo da evoluo destes caracteres foi realizada

usando a parcimnia, implementada no programa Mesquite v. 2.72 (Maddison & Maddison

2009). Todos os caracteres foram tratados como no ordenados.

Tabela 7. Caracteres mapeados e a codificao dos caracteres (*caracteres utilizados pela

primeira vez na delimitao genrica).

Caractere Codificao

Grau de desenvolvimento da endoglossa

*Local de origem da endoglossa no mericarpo

*Localizao da constrio no mericarpo

Tipo de deiscncia do mericarpo

Nervura entre as faces dorsal e laterais do mericarpo

*Borda do nectrio na base interna do clice

Nervura das faces laterais do mericarpo

pice do mericarpo

N de sementes do mericarpo

Organizao das flores

Nmero de cromossomos (n)

Nmero de aberturas dos gros de plen

desenvolvida=0, vestigial=1, ausente=2

lado ventral=0, lado dorsal=1, ausente=0

lado ventral=0, lado dorsal=1, ausente=2

total (dorsal e ventral)=0 , dorsal total e ventral

parcial=1, dorsal=2, indeiscente=3

costada=0, no costada=1

5-lobada com lobos triangulares=0; 5-lobada com

lobos arredondados=1; lisa=2, irregular a levemente

ondulada=3; desconhecida=4

conspcua=0, inconspcua=1

com projees (aristas ou alas)=0, sem projees

(mticos)=1

1=0, 2-3=1, > 3=2

solitrias=0, inflorescncias fasciculadas=1,

inflorescncias no fasciculadas=2

5=0, 6=1, 7=2, 8=3, 9=4, 14=5, desconhecido=6

6=0, 8-10=1, 10-32=2, 100=3, desconhecido=4

30

Estudo taxonmico

Foram realizados os procedimentos usuais em trabalhos taxonmicos que incluram o

levantamento bibliogrfico, coleta de material e o estudo morfolgico e taxonmico das

espcies.

O levantamento bibliogrfico foi realizado com o auxlio do Biological Abstracts,

Kew Records of Taxonomic Literature, The Internacional Plant Names Index, Index

Kewensis, Bioone e Tropicos.org. Missouri Botanical Gardens, bem como a partir da

biblioteca particular da Dra. Gerleni Lopes Esteves e das bibliotecas do Instituto de Botnica

de So Paulo, Instituto de Biocincias da Universidade de So Paulo e do Instituto de Botnica

del Nordeste (Corrientes, Argentina). Foram consultadas as obras clssicas e estudos de flora,

alm de artigos sobre morfologia, taxonomia, filogenia e ecologia de Gaya e dos gneros

estudados da tribo Malveae.

Foi realizado um programa de coleta no Brasil (tabela 8), por meio do qual foram

efetuadas 13 viagens no perodo de maro de 2011 a outubro de 2014, abrangendo 37

municpios das regies Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, com a finalidade de enriquecer

os acervos dos herbrios, com a incluso de novos materiais, observar a variabilidade

morfolgica das espcies e obter material fresco para os estudos morfolgico e filogentico.

Adicionalmente foi realizada em maio de 2013 uma coleta no Campus do Instituto de Botnica

del Nordeste (Corrientes, Argentina) para a obteno de amostras de Pseudabutilon virgatum

(Cav.) Fryxell.

O estudo morfolgico e taxonmico das espcies foi efetuado a partir da anlise de cerca

de 450 materiais incluindo aqueles coletados durante o desenvolvimento deste trabalho e os

depositados nos seguintes herbrios brasileiros e estrangeiros (siglas de acordo com Thiers, B.

[continuously updated]): ALCB*, BHCB*, BAA*, BOTU*, CEN*, CESJ*, CGMS*, COR*,

CTES*, CPAP*, CVRD*, ESA*, EPABA*, FUEL*, HEPH*, HB*, HRB*, HRCB*, HTSA*,

HUEFS*, HUEM*, HVASF*, IAC*, IAN**, JPB*, MBM*, MG**, MO**, NYBG**,

31

PAMG*, R*, RB*, SI*, SP*, SPF*, SPSF*, UB*, UEC*, UFP*, UPCB*, UFRN* e VIES*

(herbrios visitados*, emprstimo de materiais**). Deve-se destacar que alguns herbrios

visitados no abrigavam materiais de Gaya em seus acervos: IBGE, JOI, MBML e SJRP.

Foram examinados os materiais-tipo (CTES, RB) ou fragmentos dos tipos da maioria

das espcies pertencentes aos acervos dos herbrios europeus e que esto depositados no

herbrio CTES (Argentina, Corrientes), bem como imagens dos tipos disponveis no herbrio

virtual do Field Museum disponveis (http://www.fieldmuseum.org/science/research) e no site

JStor Global Plants (http://plants.jstor.org/) ou que foram disponibilizadas pelo curador do

Herbrio MG.

O estudo dos materiais foi realizado no laboratrio do Ncleo de Pesquisa da Curadoria

do Herbrio SP e no laboratrio do Herbrio do Instituto de Botnica del Nordeste (CTES,

Argentina) que abriga uma das maiores colees de Malvaceae do mundo.

O tratamento taxonmico das espcies compreendeu a confeco de uma chave de

identificao, descries morfolgicas, ilustraes dos principais caracteres das espcies,

relao do material estudado e comentrios sobre a distribuio geogrfica, fenologia, status de

conservao, relaes taxonmicas e variabilidade de todos os txons. A apresentao das

espcies seguiu a ordem alfabtica.

A aplicao das regras nomenclaturais foi realizada de acordo com o Cdigo

Internacional de Nomenclatura Botnica, Cdigo de Melbourne (McNeil et al. 2013).

A terminologia morfolgica geral utilizada condiz com as definies de Radford et al.

(1974) e Beentje (1988). Alguns termos adotados nas descries das espcies esto de acordo

com a terminologia empregada em trabalhos especializados em Malvaceae: Fryxell (1988,

1997a), Hochreutiner (1917a) e Krapovickas (1996).

http://www.fieldmuseum.org/science/research

32

Tabela 8. Expedies de coleta

Data

(ms/ano) Estado Municpio Material coletado (espcies)

03/2011 So Paulo Campinas: Fazenda Santa Elisa Gaya domingensis Urb.

09/2011 Bahia Jussiape

Mucug

Rio de Contas

Gaya domingensis Urb., Herissantia

crispa (L.) Brizicky

11/2011 Esprito

Santos

Sooretama: Reserva Vale do Rio Doce

Vila Velha

Guarapari

Ina

Vitria

11/2011 Minas Gerais Alto do Capara: Parque Nacional do Capara

Buritizeiro

Caet: Serra da Piedade

Curvelo

Diamantina

Monjolos

Pedra dourada

Santo Hiplito

Vrzea da Palma

Gaya domingensis Urb.

Gaya gracilipes K. Schum.

03/2012 Gois Cristalina

Distrito

Federal

Braslia: Parque Way

Planaltina

Gaya pilosa K. Schum.

06/2012 So Paulo Ibitinga Icanga Wissadula hernandioides (L'Hr.)

Garcke

08/2012 Rio de Janeiro Arraial do Cabo Gaya gaudichaudiana A. St. Hil.

09/2012 So Paulo Mirandpolis

1011 /2012 Bahia Conceio do Coit: Serra do Mocambo

Feira de Santana

Juazeiro

Morro do Chapu

Paulo Afonso: Estao Ecolgica do Raso

da Catarina

Gaya domingensis Urb.

Herissantia tiubae (K. Schum.)Brizicky

Gaya monosperma (K. Schum.) Krapov.

Gaya dentata Krapov.

02/2012 Pernambuco Petrolina

08/2013 Mato Grosso

do Sul

Campo Grande

Dourados

Miranda

Corumb

Briquetia denudata Chodat & Hassl.

Herissantia nemoralis (A. St.Hil.)

Brizicky, Gaya meridionalis Hassl.

Abutilon umbelliflorum A. St.Hil.,

09/2013 Cear Crato: Floresta Nacional do Araripe Gaya grandiflora Krapov.

10/2014 Bahia Itaguau da Bahia

XiqueXique

Gaya monosperma (K. Schum.) Krapov.

Gaya xiquexiquensis C. Takeuchi &

G.L. Esteves

33

Quanto ao fruto esquizocarpo, em Gaya os mericarpos foram interpretados como

possuindo uma face dorsal cncava que a superfcie externa do fruto e um lado dorsal que

a regio da nervura mdia carpelar, que carinada. Alm disso, um lado ventral que a regio

na qual o mericarpo est preso columela central e duas faces laterais, por meio das quais

ocorre contato entre mericarpos adjacentes (figura 6).

Figura 6. A. Fruto de Gaya. B. Mericarpo, vista externa.

As abreviaes dos nomes de autores foram feitas de acordo com Brummit & Powel

(1992) e as citaes das obras e dos peridicos seguiram Stafleu & Cowan (19761988) e

Bridson & Smith (1991), respectivamente. As classificaes dos domnios fitogeogrficos e dos

tipos de vegetao esto de acordo com Rizinni (1997) e com os mapas de Bioma e de

Vegetao disponveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE 2004).

As ilustraes foram feitas pela autora, com o auxlio de estereomicroscpio acoplado

a cmara clara e cobertas posteriormente nanquim pelo ilustrador Klei R. Sousa.

A construo e edio dos mapas de distribuio geogrfica das espcies foram realizadas

no software Qgis 2,6-Brighton. Os pontos de distribuio foram plotados nos mapas com base

nas coordenadas geogrficas das etiquetas dos herbrios ou do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatstica (IBGE) que esto disponveis no site do projeto Species Link

(www.specieslink.org.br).

34

BIBLIOGRAFIA

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