Gazeta de

FsicaSociedade Portuguesa de Fsica"CRISE NA FSICA NO UM PROBLEMA DE MAIOR"Entrevista com Pierre-Gilles de Gennes, Nobel da Fsica

A MAGNETOENCEFALOGRAFIAMaria Joo Trindade

ASTRONOMIA VERSUS ASTROLOGIAAna Carla Campos

Volume 27 | Fascculo 3 | 2004 | Publicao Trimestral | 5,00

GAZETA DE FSICA VOL. 27 FASC. 3, 2004 DIRECTOR Carlos Fiolhais DIRECTORAS ADJUNTAS Constana Providncia e Luclia Brito EDITOR Carlos Pessoa CORRESPONDENTES Paulo Crawford (Lisboa), Joaquim Santos (Coimbra) e Joo Pedro Arajo (Porto) COLABORAM AINDA NESTE NMERO Ana Carla Campos, Fernando Nogueira, Graa Santos, Helena Caldeira, Jos Antnio Paixo, J. Maia Alves, Manuel Fiolhais, Maria Helena Damio da Silva, Maria Joo Gomes Trindade, Maria Margarida Cruz, Patrcia Fasca, Pedro Patrcio, Pedro R, Sandra Costa. SECRETARIADO Maria Jos Couceiro (Lisboa) e Florbela Meireles (Coimbra) DESIGN MediaPrimer - Tecnologias e Sistemas Multimdia Lda Rua Simes de Castro, 132, 1 Esq. 3000-387 Coimbra E-mail info@mediaprimer.pt PR-IMPRESSO E IMPRESSO Carvalho & Simes, Artes Grficas, Lda Estrada da Beira 479 / Anexo 3030-173 Coimbra TIRAGEM 1800 exemplares PREOS Nmero avulso 5,00 (inclui IVA). Assinatura anual 15,00 (inclui IVA). A assinatura grtis para os scios da SPF. PROPRIEDADE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE FSICA ADMINISTRAO E REDACO Avenida da Repblica 37-4 1050-187 Lisboa Tel 217 993 665 Fax 217 952 349 E-mail secretariado@spf.pt ISSN 0396-3561 REGISTO DGCS n 107280 de 13.05.80 DEPSITO LEGAL n 51419/91 PUBLICAO TRIMESTRALA Gazeta da Fsica publica artigos, com ndole de divulgao, considerados de interesse para estudantes, professores e investigadores em Fsica. Dever constituir tambm um espao de informao para as actividades da SPF, nomeadamente as suas Delegaes Regionais e divises Tcnicas. Os artigos podem ter ndole terica, experimental ou aplicada, visando promover o interesse dos jovens pelo estudo da Fsica, o intercmbio de ideias e experincias profissionais entre os que ensinam, investigam ou aplicam a Fsica. As opinies expressas pelos autores no representam necessariamente posies da SPF. Os manuscritos devem ser submetidos em duplicado, dactilografados em folhas A4 a dois espaos (mximo equivalente a 3500 palavras ou 17500 caracteres, incluindo figuras, sendo que uma figura corresponde em mdia a 140 palavras). Devero ter sempre um curto resumo, no excedendo 130 palavras. Deve(m) ser indicado(s) o(s) endereo(s) completo(s) das instituies dos autores, assim como o endereo electrnico para eventual contacto. Agradece-se o envio dos textos em disquete, de preferncia Word para PC. Os originais de figuras devem ser apresentados em folhas separadas, prontas para reproduo, e nos formatos electrnicos jpg, gif ou eps.

PUBLICAO SUBSIDIADA APOIO: Ministrio da Educao - Sistema de Incentivos Qualidade da Educao

NOTA DE ABERTURA

NDICE ARTIGOS

CRISE DA FSICA, QUE CRISE?H uma crise da Fsica e como se manifesta? Quais os seus contornos e, sobretudo, como conjur-la? Este um dos tpicos abordados por PIERRE-GILLES DE GENNES, Nobel da Fsica francs que esteve na Primavera passada em Portugal e foi entrevistado pela "Gazeta". No seu conjunto, a conversa mantida com Patrcia Fasca e Pedro Patrcio permitiu tratar uma srie de temas de incontestvel actualidade e pertinncia,

A MAGNETOENCEFALOGRAFIA Maria Joo Gomes Trindade

4

ASTRONOMIA VERSUS ASTROLOGIA - UMA OPORTUNIDADE DE APRENDER O QUE A CINCIA Ana Carla Campos

10

como os leitores tero oportunidade de comprovar. Outros assuntos deste nmero justificam meno. MARIA JOO TRINDADE escreve sobre a magnetoencefalografia, uma tcnica recente, aparentada electroencefalografia, que possibilita a medio e o estudo dos campos magnticos associados actividade neuronal do crebro. O artigo de ANA CARLA CAMPOS, "Astronomia versus astrologia - uma oportunidade de aprender o que a cincia", revela as dificuldades sentidas pelos professores nas salas de aula para desmontarem a lgica no cientfica do que designado por "sistemas de crenas", com particular destaque para a astrologia. Na opinio da autora, "cabe aos professores de cincias um papel na formao do esprito crtico dos nossos jovens e os contedos de astronomia proporcionam uma

ENTREVISTA "H UMA CERTA CRISE NA FSICA, MAS NO UM PROBLEMA DE MAIOR" Entrevista com Pierre-Gilles de Gennes, Nobel da Fsica francs

14

NOTCIAS FSICA NO MUNDO FSICA EM PORTUGAL SOCIEDADE PORTUGUESA DE FSICA

oportunidade soberana de o fazer, simultaneamente explicando aos alunos o que a cincia e o que distingue o conhecimento cientfico dos demais". O ANO INTERNACIONAL DA FSICA 2005 tem nesta edio, como na anterior, um destaque particular, traduzido no acervo informativo sobre as iniciativas e realizaes que comeam a desenhar-se escala nacional e internacional para garantir uma visibilidade acrescida para a Fsica durante o prximo ano. Contrariar e mesmo anular a crise da Fsica ser um objectivo comum. O contedo desta edio de Outono da "Gazeta" completa-se com as habituais seces de Notcias da Fsica, no Mundo e em Portugal, Ensino da Fsica, Olimpadas e Livros e Multimdia. Voltamos no final do ano. Boa leitura!

20 24 27

SECES ENSINO DA FSICA OLIMPADAS DA FSICA LIVROS E MULTIMDIA ANO INTERNACIONAL DA FSICA

29 34 38 42

A magnetoencefalografia (MEG) uma tcnica recente, aparentada electroencefalografia (EEG), que possibilita a medio e o estudo dos campos magnticos associados actividade neuronal.Trata-se de uma tcnica que, devido a uma elevada resoluo temporal (da ordem do milissegundo), permite o seguimento das alteraes rpidas de actividade cortical. Com a MEG possvel localizar a actividade neuronal com uma preciso superior da EEG.

A MAGNETOEN

A electroencefalografia (EEG) consiste na medio das diferenas de potencial elctrico atravs da superfcie do escalpe, por meio da aplicao de elctrodos sobre esta superfcie. Trata-se do mtodo tradicionalmente utilizado para medir a actividade electrofisiolgica cerebral. A localizao das correntes medidas e a consequente localizao das regies funcionais do crebro encontra-se, no entanto, dificultada pelo facto de os potenciais elctricos serem atenuados e distorcidos pelos tecidos cerebrais. Recentemente surgiu uma nova tcnica de medio da actividade electrofisiolgica cerebral, denominada magnetoencefalografia (MEG). Esta tcnica, aparentada com a EEG, traduz-se na medio dos campos magnticos produzidos pelo crebro, com o auxlio de um aparelho posicionado em redor da cabea. Ambas as tcnicas - MEG e EEG - so no invasivas e possuem uma resoluo temporal da ordem do milissegundo, adequada ao seguimento pormenorizado da evoluo temporal dos processos electrofisiolgicos cerebrais. A MEG tem perspectivas bastante promissoras, dadas as suas vantagens sobre a EEG. Para alm disso, pode complementar a informao desta ltima. MARIA JOO GOMES TRINDADE Instituto de Biofsica e Engenharia Biomdica, Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa, 1749-016 Lisboa, Portugal maria.trindade@netcabo.pt A MAGNETOENCEFALOGRAFIA O movimento de partculas electricamente carregadas (ies), associado ao processamento de informao pelo crebro, origina campos magnticos. A amplitude dos campos magnticos cerebrais pode assumir valores mil milhes de vezes inferiores amplitude do campo magntico terrestre, que da ordem dos 10-4 T. Apesar da sua

ARTIGO

CEFALOGRAFIA

Estas so geradas em resposta aos gradientes de potencial elctrico criados pelas correntes transmembranares e completam, por sua vez, o circuito de fluxo inico de modo a que seja mantida a carga total, dando origem a uma dissipao do gradiente. Estas correntes hmicas passivas fluem em sentido inverso das anteriores, no meio extracelular circundante, e espalham-se por toda a cabea. Podem ser consideradas, no caso de um condutor homogneo infinito, como a soma de uma corrente radialmente simtrica que diverge do terminal positivo e de uma corrente radialmente simtrica que converge para o terminal negativo, formando a sua sobreposio um padro dipolar (ver Fig. 1). O dipolo de corrente, ou seja, o movimento de cargas ao longo de uma distncia muito pequena, um conceito bastante usado em neuromagnetismo para descrever uma fonte biolgica de campos magnticos.

amplitude extremamente pequena, possvel medir, com uma preciso da ordem do milissegundo, os campos magnticos cerebrais. Para isso usa-se um detector ultrasensvel denominado SQUID (Superconducting Quantum Interference Device) [1], instrumento que ser descrito mais adiante. A MEG, assim como a EEG, relaciona-se com a despolarizao (aumento do potencial membranar) associada aos potenciais sinpticos. Estes potenciais ocorrem ao nvel do contacto entre clulas nervosas (sinapses) e envolvem o fluxo transmembranar, intra e extracelular de correntes inicas devidas, predominantemente, aos ies sdio e potssio. O fluxo intracelular, representado por uma seta na Fig. 1, pode ser modelado pelo chamado "dipolo de corrente". Um dipolo elctrico consiste em duas cargas de igual valor, sinal oposto e separadas por uma distncia muito pequena. Este conceito estendido ao dipolo de corrente, que uma idealizao matemtica de uma fonte de corrente, caracterizada pela sada de corrente num dado local e pelo seu retorno num outro local no muito afastado do anterior. O dipolo de corrente consiste, ento, numa fonte (+ I) e num sumidouro (- I) de corrente, sendo I a intensidade da corrente, separados por uma distncia L. O dipolo de corrente pode ser visto como uma pequena bateria no interior da qual processos bioqumicos provocam uma determinada corrente do terminal negativo (sumidouro) para o positivo (fonte). Dada a inexistncia de uma acumulao de cargas, a corrente "injectada" ao nvel sinptico compensada por outras correntes que fluem naquele meio, do terminal positivo para o negativo, e constituem as correntes de volume.

O campo magntico calculado recorrendo lei de Biot-Savart. Na Fig. 1 esto representadas as linhas de campo magntico (B) associadas a uma fonte de corrente localizada, a qual foi aproximada por um dipolo de corrente (Q). As correntes extracelulares, produzidas por este dipolo de corrente no volume condutor, encontram-se tambm ilustradas (Jv). Dado que a MEG mede, preferencialmente, a actividade associada a fontes de corrente orientadas tangencialmente (em relao esfera que melhor representa a superfcie interna do crnio) ou s componentes tangenciais de fontes orientadas segundo uma direco qualquer, uma

GAZETA DE FSICA

Fig. 1 - Modelo do dipolo de corrente (Q) usado para descrever uma fonte de corrente. B representa as linhas de campo magntico e Jv as correntes de volume. (Adaptado de [2].)

5

A MAGNETOENCEFALOGRAFIA

tcnica adequada ao estudo da actividade originria de sulcos e fissuras cerebrais, onde os neurnios designados como clulas piramidais, com uma orientao predominantemente perpendicular em relao superfcie cortical, se encontram orientados de uma forma aproximadamente tangencial em relao superfcie do escalpe. Trata-se, assim, de uma tcnica muito adequada ao estudo de respostas evocadas sensorialmente, uma vez que todas as reas sensoriais primrias do crtex cerebral esto localizadas em sulcos ou fissuras. A EEG , por seu lado, sensvel quer a fontes orientadas tangencialmente quer a fontes orientadas radialmente [3]. A EEG responsvel essencialmente pela medio, ao nvel do escalpe, dos potenciais elctricos associados s correntes extracelulares. Estas correntes so atenuadas ao atravessarem o crnio em direco ao escalpe, devido baixa condutividade elctrica do crnio. A distribuio destas correntes, ao nvel da superfcie, ainda distorcida pela variao significativa da condutividade e espessura do crnio de local para local. Os campos magnticos so, por sua vez, predominantemente, o resultado das correntes intracranianas (correntes intra e/ou extracelulares). As correntes elctricas so muito fracas ao nvel do crnio e do escalpe podendo ser ignorado o seu contributo para o campo magntico medido exteriormente. A MEG , deste modo, pouco sensvel aos valores de condutividade do crnio. Alm disso, o corpo humano , praticamente, "transparente" aos campos magnticos de baixa frequncia, no sendo estes distorcidos nem atenuados pelos tecidos. Uma vez que no existe informao rigorosa sobre a condutividade elctrica e a espessura do crnio para um dado indivduo, a MEG pode originar uma maior resoluo espacial na localizao das reas activas no crtex cerebral comparativamente EEG [4].

A resoluo espacial da tcnica de MEG pode atingir valores da ordem de 2-3 mm, sendo a resoluo espacial da tcnica de EEG tipicamente da ordem do centmetro [5]. A MEG tem sido largamente aplicada ao estudo da actividade do crebro normal, quer espontnea quer evocada por estmulos sensoriais. O grande desenvolvimento desta tcnica nos ltimos anos tem levado obteno de informao muito significativa sobre a organizao estrutural e a localizao de fontes de corrente corticais, em particular nas reas sensoriais primrias do crtex cerebral humano que esto envolvidas nos diversos processos fisiolgicos [5]. No que respeita a aplicaes clnicas, a MEG tem vindo a adquirir uma importncia crescente, existindo cada vez mais clnicas internacionais que recorrem a ela de uma forma rotineira. Tem sido usada na localizao funcional pr-cirrgica e na localizao da actividade epilptica. Constitui uma ferramenta extremamente importante na localizao precisa de reas funcionais essenciais do crtex cerebral, como sejam as reas sensoriais, motoras ou relacionadas com a linguagem, evitando que estas sejam perturbadas no tratamento cirrgico de uma neoplasia, de uma regio epileptognica ou de uma malformao vascular. A MEG pode tambm ser de grande utilidade na interveno cirrgica de epilepsias no tratveis por medicamentao, nomeadamente na determinao do nmero de regies circunscritas onde se iniciem as crises e na localizao destas regies. ainda usada na avaliao clnica da integridade das vias sensoriais.

6

Fig. 2 - Representao esquemtica de um dos dispositivos criognicos mais simples usados na instrumentao bio-magntica. Os principais componentes deste sistema de SQUID so o transformador de fluxo, constitudo pela bobina de deteco (sensvel a variaes do campo magntico externo, as quais do origem a uma corrente elctrica) e pela bobina de entrada (local onde se d a gerao do fluxo magntico a partir da corrente elctrica), e o SQUID (o qual, juntamente com os componentes electrnicos a ele associados, detecta, amplifica e transforma o fluxo magntico gerado na bobina de entrada em voltagem). O sistema de SQUID encontra-se no interior de um recipiente de fibra de vidro (cristato), isolador do ponto de vista trmico, e imerso em hlio lquido. (Adaptado de [7].)

GAZETA DE FSICA

ARTIGO

INSTRUMENTAO A medio dos campos neuromagnticos s possvel de uma forma satisfatria se o SQUID se encontrar acoplado a um "transformador de fluxo" supercondutor, atravs do qual ele contacte com o exterior. O transformador de fluxo consiste, na sua forma mais simples, num circuito fechado em que uma das terminaes constituda pela denominada "bobina de deteco" e a outra pela denominada "bobina de entrada", esta ltima situada muito mais prximo do SQUID. Deste modo, a bobina de deteco sensvel a alteraes do campo magntico externo, as quais induzem uma corrente elctrica que, dado o transformador de fluxo ser supercondutor e o fluxo total ser conservado, proporcional ao valor instantneo do fluxo magntico aplicado bobina (ou seja, o produto do campo magntico pela seco da bobina). Esta corrente, medida que passa atravs da bobina de entrada, provoca, por sua vez, um fluxo magntico, o qual ento detectado, amplificado e transformado em voltagem pelo sensor do SQUID e pelos diversos componentes electrnicos a ele associados. O funcionamento do SQUID tem como base o efeito de Josephson [6], que ocorre nos supercondutores e consiste num fenmeno de interferometria quntica. O sensor, propriamente dito, formado por um anel supercondutor interrompido por uma ou por duas junes, denominadas junes de Josephson (tambm designadas por "ligaes fracas"). Para valores de corrente elctrica abaixo de um dado valor crtico, Ic (caracterstico destas junes), os electres passam, por efeito de tnel, de uma regio supercondutora para outra, que separada da primeira por uma destas junes (barreira resistiva, isoladora, a qual limita, na verdade, o fluxo da supercorrente), sem que haja perda de supercondutividade (decrscimo de voltagem). O conjunto, formado pelo sensor do SQUID e pelos componentes supercondutores a ele associados, mantido a cerca de 4 C acima do zero absoluto (-269 C), atravs da sua imerso em hlio lquido, de modo a manter-se o estado supercondutor. A Fig. 2 ilustra, de uma forma esquemtica, um destes sistemas de SQUID. Para reduzir o rudo magntico ambiental detectado pelo sistema de SQUID, utiliza-se um processo de reduo do rudo denominado "discriminao espacial" atravs de uma configurao adequada do transformador de fluxo. De facto, se se pretender medir a actividade de uma fonte localizada perto da bobina de deteco, ser de grande utilidade a utilizao de gradimetros. A bobina de deteco dividida em vrias subbobinas, sendo o sinal medido pelo sistema de SQUID a diferena entre o campo detectado pela(s) bobina(s) mais prximas(s) da cabea e pela(s) mais afastadas(s). Tal permite uma forte atenuao dos campos longnquos, em particular do campo magntico terrestre, dado que estes afectam de

igual modo as diversas bobinas de deteco. A amplitude dos campos magnticos cerebrais muito superior na(s) bobina(s) de deteco mais prxima(s) da cabea, o que faz que estes no sofram praticamente reduo.

Fig. 3 - Sistema de SQUID de 122 canais, da Neuromag, colocado no interior de uma sala de blindagem magntica. (Adaptado de [5].) As medies de campos neuromagnticos so frequentemente efectuadas no interior de uma sala de blindagem magntica, de modo a reduzir o rudo ambiental. A utilizao, no seu fabrico, de material ferromagntico de elevada permeabilidade, permite uma blindagem dos campos magnticos, uma vez que o fluxo magntico externo flui em torno das paredes, evitando o interior da sala blindada. Tm sido efectuados grandes esforos no sentido de desenvolver instrumentao com vrios canais, possuindo cada um destes um transformador de fluxo, um sensor e a respectiva electrnica. Estes sistemas permitem a reco-lha de informao simultaneamente em diversos locais sobre a superfcie da cabea, proporcionando resultados experimentais mais precisos e maior velocidade na execuo das experincias. Actualmente existem vrios sistemas magnetoencefalogrficos, em laboratrios internacionais, que permitem a

GAZETA DE FSICA

7

A MAGNETOENCEFALOGRAFIA

aquisio simultnea do mapa topogrfico magntico correspondente a todo o crtex cerebral. Obtem-se assim uma grande quantidade de informao sem que para isso seja necessria a deslocao do sistema de SQUID. Esta facilidade muito til, em especial em estudos clnicos. A Fig. 3 mostra um destes sistemas. Em Portugal o nico sistema de SQUID, com apenas sete canais, encontra-se montado no Instituto de Biofsica e Engenharia Biomdica, na Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa.

Nas aplicaes magnetoencefalogrficas (e electroencefalogrficas), o dipolo de corrente usado como fonte equivalente, isto , o dipolo traduz o fluxo total de corrente intracelular, resultante da activao aproximadamente sncrona de dezenas de milhares de neurnios. Possibilita, assim, informao acerca da direco da corrente. Uma grande parte da actividade elctrica cerebral pode ser razoavelmente bem explicada, com base em dipolos equivalentes e nas correntes extracelulares a eles associadas, o modelo simples do dipolo de corrente [9]. Uma vez que a modelao da cabea uma tarefa complexa, uma aproximao muito usada, quer em EEG quer em MEG, consiste em desprezar a forma exacta daquele meio condutor e consider-lo esfericamente simtrico. Uma das aproximaes mais simples do ponto de vista de condutividade cerebral, traduz-se em considerar a cabea como uma esfera homognea ou como um conjunto de camadas esfricas homogneas concntricas, possuindo cada uma delas a sua condutividade. As diferentes camadas pretendem simular o crebro, o lquido cfalo-raquidiano, o crnio e o escalpe. Ao contrrio do que acontece com os potenciais elctricos, os campos magnticos medidos no exterior da cabea no dependem da condutividade (ou padro de condutividades) nem do raio da esfera (ou das sucessivas camadas esfricas), pelo que os modelos da esfera homognea simples e mltipla so completamente idnticos no caso da MEG. Tal simplifica bastante o problema do processamento de dados magnetoencefalogrficos, uma vez que o campo magntico depende apenas da posio, orientao e amplitude do dipolo de corrente [4]. , alm disso, apenas necessrio especificar a posio do centro da esfera, pelo que se trata de um problema puramente geomtrico [10]. Uma outra vantagem da aplicao dos modelos esfricos em MEG tem a ver com o facto da componente radial do campo magntico no ser afectada pelas correntes extracelulares. Assim, se os sensores estiverem, na medida do possvel, orientados radialmente em relao esfera que melhor representa a cabea, recebe-se, predominantemente, o sinal da componente tangencial da corrente intracelular, qualquer que seja a orientao desta corrente. Note-se que, mesmo quando o sistema de SQUID se encontra inclinado, o campo magntico medido no exterior do corpo depende das correntes extracelulares (as componentes do campo magntico diferentes da componente radial recebem uma contribuio destas correntes), mas independente dos diversos valores de condutividade [10]. Uma vez que os modelos esfricos no representam bem a superfcie interna do crnio, no caso das regies cerebrais temporal inferior e frontal torna-se, por vezes, conveniente utilizar um modelo que descreva a cabea de uma forma mais realista, o que conduz a um maior acordo entre os campos magnticos medidos e estimados e, consequentemente, a uma melhor caracterizao das fontes de corrente.

Fig. 4 - Mapa de campo magntico e mapa de campo isomagntico correspondente onde se encontra representado o respectivo dipolo de corrente (seta). (Adaptado de [8].) A Fig. 4 um exemplo de traados temporais de sinais magnetoencefalogrficos (mapa de campo magntico, esquerda) obtidos com o auxlio de um sistema de cabea inteira. As zonas de sada e de entrada do campo magntico "macroscpico" encontram-se ilustradas por sinais de polaridade oposta. Na figura possvel tambm observar o mapa da intensidade do campo magntico (mapa de campo isomagntico, em baixo, direita), para um dado instante. A seta, localizada aproximadamente a meia distncia entre os extremos do campo magntico de polaridade oposta, corresponde localizao aproximada da fonte de corrente que representa a actividade medida. MODELAO E LOCALIZAO DE CORRENTES A seguir apresentamos uma descrio sumria e qualitativa do modo como so tratados os problemas directo e inverso da MEG. O primeiro consiste em determinar a distribuio do campo magntico em redor da superfcie da cabea, com base quer nas caractersticas espaciais do meio condutor (cabea) quer nas caractersticas da fonte ou fontes de corrente, isto , tanto os parmetros da(s) fonte(s) como a geometria da cabea so dados relativamente a um sistema de coordenadas. A resoluo do problema inverso consiste na estimativa das caractersticas da(s) fonte(s) de corrente, situada(s) no interior de um meio condutor, a partir do conhecimento dos valores do campo neuromagntico externo.

GAZETA DE FSICA

8

ARTIGO

Nos estudos em que so utilizados modelos realistas para a cabea, as superfcies podem ser construdas a partir da digitalizao de imagens de ressonncia magntica (relativas a diferentes cortes) obtidas no indivduo em estudo. As superfcies so triangulizadas e o campo magntico dever ser calculado numericamente, com base no mtodo dos elementos na fronteira [11]. A teoria subjacente aos problemas directo e inverso indica que no existe uma soluo nica para a resoluo deste ltimo problema e consequente identificao da fonte ou fontes de corrente responsveis por um dado conjunto de campos magnticos: configuraes distintas de fontes de corrente podem originar campos magnticos idnticos, o que explica, pelo menos em parte, a ambiguidade associada ao problema inverso. A no unicidade do problema inverso poder ser ultrapassada se se efectuarem hipteses acerca das caractersticas quer da(s) fonte(s) de corrente quer do meio condutor. Assim, a imposio de determinadas condies conduz simplificao do problema inverso, tornando-o tratvel do ponto de vista matemtico e, ao mesmo tempo, fisiologicamente significativo. Uma parte significativa dos trabalhos em MEG tem recorrido utilizao do modelo de dipolo nico. Trata-se de um modelo bastante razovel que se utiliza sempre que se pretende aproximar uma pequena rea de crtex cerebral, que est relativamente distante do ponto de medida. No entanto, este modelo pouco apropriado quando se encontram activas reas de crtex cerebral relativamente grandes, em particular no caso da actividade cerebral espontnea de indivduos com epilepsia ou quando existem diversas reas cerebrais simultaneamente activas. Surge, ento, a necessidade de utilizar modelos mais sofisticados, em particular modelos que consideram fontes extensas ou dipolos mltiplos. As vantagens da MEG, tanto do ponto de vista tcnico como no que respeita aplicao de modelos matemticos para processamento de sinais e a informao que fornece, conferem a esta tcnica inmeras potencialidades, quer na compreenso do funcionamento normal do crebro, quer na identificao e acompanhamento de patologias cerebrais. De facto, a MEG tem vindo a ser cada vez mais usada em rotina hospitalar e em investigao, de carcter fundamental e clnico. AGRADECIMENTOS A autora agradece ao Professor Doutor Eduardo Ducla-Soares os seus preciosos ensinamentos e o apoio na elaborao deste artigo e ao Professor Doutor Pedro Cavaleiro Miranda os seus comentrios pertinentes na reviso do manuscrito.

BIBLIOGRAFIA [1] Cohen, D., "Magnetoencephalography: detection of the brain's electrical activity with a superconducting magnetometer," Science, 175, 1972, 664-666. [2] Romani, G. L., "Fundamentals on neuromagnetism", Advances in Biomagnetism, Williamson S., Hoke M., Stroink G. e Kotani M. (eds.), J., Plenum Press, New York, 1989, 33-46. [3] Cohen, D. e Cuffin, B. N., "Demonstration of useful differences between magnetoencephalogram and electroencephalogram", Electroenceph. Clin. Neuro-physiol, 56, 1983, 38-51. [4] Ducla-Soares, E., "Modelling in magnetoencephalography", Advances in Neurology, vol. 54, Magnetoencephalography, Sato S. (ed.), Raven Press, New York, 1990, 95-99. [5] Hmlinen, M. S., Hari, R., Ilmoniemi, R. J., Knuutila, J. e Lounasmaa, O. V., "Magnetoencephalography theory, instrumentation, and applications to noninvasive studies of the working human brain", Reviews of Modern Physics, 65, 1983, 413-498. [6] Josephson, B. D., "Possible new effects in superconductive tunnelling", Phys. Lett., 1, 1962, 251-253. [7] Romani, G. L., "Biomagnetism: an application of SQUID sensors to medicine and physiology", Physica, 126, 1984, 70-81. [8] Neuromag-122TM, A window to the human brain (catlogo), Neuromag Ltd., Helsinki, 1993. [9] Hari, R., "Interpretation of cerebral magnetic fields elicited by somatosensory stimuli", Springer Series of Brain Dynamics 1, E. Basar (ed.), Springer, Berlin/Heidelberg, 1988, 305-310. [10] Sarvas, J., "Basic mathematical and electromagnetic concepts of the biomagnetic inverse problem", Phys. Med. Biol., 32, 1987, 11-22. [11] van Oosterom, A. e Strackee, J., "The solid angle of a plane triangle", IEEE Trans. Biomed. Eng., BME-30, 1983, 125-126. [12] Trindade, M. J., "Magnetoencefalografia do Crtex Visual", Dissertao de Doutoramento em Biofsica na Universidade de Lisboa, 1988.

GAZETA DE FSICA

9

O elevado nmero de videntes, bruxos e astrlogos que tm eco na comunicao social (anncios nos jornais e na televiso, linhas telefnicas de valor acrescentado, horscopos, etc.) mostra que a credulidade acrtica prolifera na sociedade contempornea. Estes sistemas de crenas, das quais a astrologia um bom exemplo, manifestam-se na sala de aula, em particular no estudo da astronomia. Cabe aos professores de Cincias Fsico-Qumicas um papel relevante na formao do esprito crtico dos nossos jovens. Os contedos de astronomia proporcionam uma oportunidade soberana de o fazer, explicando aos alunos o que a cincia e o que distingue o conhecimento cientfico de outros.

ASTRONOMIA ASTROLOGIA - Uma oportunid o que a cinciaPara a maioria dos alunos e populao em geral, a astrologia uma cincia. E com muito mais pontos de interesse do que as cincias acadmicas, que no se apresentam to aliciantes e acessveis: nenhum ramo cientfico tem a pretenso de prever como nos correr a semana ou se o namoro que ainda agora comeou tem um futuro glorioso sua frente... (estas so questes muito importantes para os adolescentes e raro ser o jovem que no sabe o seu signo e o signo do/a namorado/a). Estamos a falar de uma crena muito enraizada e que no vai ser removida de uma forma simples. "Isso so tudo tretas de charlates que apenas querem fazer dinheiro" ou "No vamos perder tempo da aula com essas balelas que no tm base nenhuma", so frases sem grande valor na formao do sentido crtico dos jovens. Mais: a maioria dos alunos afirma que j leu alguma vez algo no seu signo, sobre o seu carcter ou sobre o seu futuro, que se veio a revelar correcto. Acreditam, portanto, na veracidade daquele conhecimento com base, alegadamente, na sua experincia pessoal. Se quisermos abordar razoavelmente a questo, ter-se-, pelo menos, que estabelecer claramente o que e como surgiu a astrologia e o que e como surgiu a astronomia. A astrologia uma crena milenar. Bem cedo na histria da humanidade, os povos (chineses, gregos, egpcios), que no tinham a iluminao nocturna a que nos habitumos nas cidades actuais, deslumbraram-se a olhar para o cu, conjecturando sobre o que seriam aquelas luzes e aprendendo rapidamente a conhec-las bem. Frequentemente associavam conjuntos de estrelas entre si, projectando nelas figuras familiares de objectos ou animais (Leo, Caranguejo, Escorpio) ou do seu imaginrio mitolgico de deuses e lendas (Cassiopeia, Pliades, Andrmeda,

ANA CARLA CAMPOS Clube de Astronomia da Escola Secundria Jos Rgio Alameda Afonso Betote, 4480 Vila do Conde ana_carla_campos@hotmail.com

ARTIGO

ERSUS

mitolgico pois implica a formulao de hipteses, que devem ser testadas na prtica. Trata-se de um conhecimento cientfico. A astronomia e a astrologia tm uma origem comum e seguiram caminhos muito prximos durante vrios sculos, ao longo de toda a Antiguidade e Idade Mdia. Apenas no final do Renascimento surgiu, a custo, a sua separao. Usam smbolos e termos comuns, o que favorece a confuso entre elas. , por isso, relevante explicar aos alunos as diferenas entre as duas.

ade de aprender

Paralelamente, o conhecimento dos cus revelou-se proveitoso. Os povos antigos observaram tambm que o cu no tinha sempre o mesmo aspecto: mudava durante a noite e mudava durante o ano. Mas, mais importante ainda, no se alterava de uma maneira arbitrria: as mudanas apresentavam regularidades. O conhecimento dessas regularidades mostrou-se essencial: com ele as pocas de sementeira e colheita podiam ser conhecidas com bastante rigor, bem como as pocas das chuvas ou de migrao. Estes conhecimentos podiam significar a diferena entre a vida e a morte... E assim nasceu a astronomia! A astronomia pretende conhecer a natureza, a posio e os movimentos dos astros no cu. Tal como a astrologia, necessita de registos exactos, o que provocou o desenvolvimento de mtodos de observao e medida. Mas, ao contrrio da astrologia, a astronomia no tem nada de

A astronomia uma cincia porque observa, regista, elabora e testa hipteses. As hipteses que forem comprovadas

GAZETA DE FSICA

11

Pgaso). Foi assim que surgiram as constelaes. Projectavam nos cus os seus medos e ambies e liam neles as mensagens dos deuses. Poderosos reis e imperadores tinham na sua corte astrlogos incumbidos de os informar dos auspcios dos cus e, de acordo com eles, decidiam as invases, as alianas, os casamentos, etc. Tratava-se de um pensamento mitolgico, semelhante ao de quem acredita que a disposio das folhas de ch, ou dos bzios, ou das cartas, ou das linhas da mo, pode prever o futuro. No h qualquer diferena essencial. O facto de se utilizar objectos celestes, magnficos e inacessveis, no torna a crena astrolgica mais digna. Trata-se apenas de uma crena. Da mitologia do cu nasceu a astrologia, que se foi refinando at atingir as formas que conhecemos nos dias de hoje.

OBSERVAR, REGISTAR E TESTAR HIPTESES O conceito de constelao, usado de forma diferente na astronomia e na astrologia, permite de um modo simples estabelecer algumas diferenas fundamentais. Uma constelao representa uma determinada regio do cu, rigorosamente delimitada e geralmente definida aproveitando as figuras ancestrais apenas por razes histricas. Em astronomia, toda a abbada celeste foi dividida em 88 constelaes que servem to s como mtodo de cartografia do cu. Em astrologia, apenas um conjunto de constelaes interessa: as da faixa do Zodaco, o conjunto de constelaes por onde o Sol e os planetas se movem aparentemente ao longo do ano. Todas as outras constelaes no so importantes. Alm disso, a astrologia associa a cada constelao do Zodaco certos smbolos; e o facto de o Sol, a Lua e os planetas se situarem aparentemente no cu em determinadas constelaes em certos momentos determina o nosso carcter e influencia as nossas aces. Tal nada tem a ver com o conceito astronmico de constelao.

ASTRONOMIA VERSUS ASTROLOGIA - UMA OPORTUNIDADE DE APRENDER O QUE A CINCIA

sero aceites, at prova em contrrio, ao passo que as outras sero rejeitadas. E, neste caso, formulam-se novas hipteses at se descobrir a melhor regra, o modelo que melhor explica determinado fenmeno. A astrologia no uma cincia, porque observa, regista, elabora hipteses, mas no as testa. Aceita simplesmente as suas hipteses como vlidas, acredita apenas que assim. No so, portanto, hipteses, mas dogmas. Vejamos um exemplo: o movimento do planeta Marte. O que interessa ao astrnomo obter um registo do movimento aparente do planeta, construir um modelo que permita explicar esse movimento e test-lo, por exemplo, atravs da previso das suas posies futuras. Assim se tornou possvel, entre outras coisas, mandar sondas a Marte e alargar o nosso conhecimento do sistema solar. O que interessa ao astrlogo conhecer as caractersticas que mitologicamente esto associadas ao planeta e relacion-las com a posio que o planeta ocupa, num determinado momento (por exemplo, no momento de nascimento de uma criana), na faixa do Zodaco. Pretende, assim, prever alguma caracterstica do carcter dessa criana e do futuro adulto como, por exemplo, a agressividade. Mas essa hiptese nunca devidamente testada. Alis, para o astrlogo nunca uma hiptese, mas um facto. Faz parte do seu sistema de crenas, no objecto de crtica. Os cientistas j tentaram verificar a veracidade do sistema astrolgico. Ningum sabe como seria possvel aos astros influenciarem a nossa personalidade. Mas o facto de no se conhecer o processo pelo qual um determinado fenmeno ocorre no implica que ele no exista: durante muitos sculos os fenmenos magnticos foram conhecidos, embora s em pocas relativamente prximas tenham sido devidamente compreendidos. Vrias tentativas foram sendo feitas para avaliar objectivamente as previses dos astrlogos que, a confirmarem-se, se tornariam, genuinamente, num fenmeno de maior interesse para comunidade cientfica. Mas, at hoje, nenhuma "cincia oculta" conseguiu passar num teste objectivo e imparcial. E vrios testes foram feitos, ao longo de vrias dcadas, baseados em diferentes mtodos e premissas. Em relao astrologia, um dos testes mais representativos foi realizado pelo fsico Shawn Carlson, do Laboratrio Lawrence em Berkeley, nos EUA. Consistiu no seguinte: um grupo de voluntrios forneceu todas as informaes para que uma "respeitvel" organizao astrolgica lhes pudesse elaborar uma carta astral completa e, simultaneamente, os mesmos voluntrios foram submetidos a testes padro de personalidades usados por psiclogos, que caracterizam as pessoas nos termos gerais e descritivos que geralmente os astrlogos usam. Depois, a cada horscopo foram associados trs perfis psicolgicos, sendo um deles o da pessoa certa. Estes conjuntos foram entregues a 28 astrlogos profissionais para que, perante o horscopo em questo, descobrissem a personalidade correcta. Apesar de

terem dito que eram capazes de acertar em mais de 50 por cento dos casos, nas 116 tentativas que fizeram s acertaram em 36 por cento dos casos... que no mais do que o que se teria conseguido tirando sorte! Estes resultados foram publicados na revista "Nature", em Dezembro de 1985, para grande embarao da comunidade astrolgica. Quem quer acreditar que a posio do planeta Marte na altura do nascimento de uma criana influencia a sua personalidade futura livre de o fazer. Mas tem de saber que no nada de cientfico, mesmo que lhe aparea servido num horscopo sofisticado, feito em computador e tudo... O pensamento estritamente crdulo e acrtico implica uma limitao no controlo que o indivduo tem da sua vida. Cada vez que procuramos o nosso signo no jornal para saber as previses da semana, mesmo que seja um acto feito com ligeireza ou at laia de brincadeira, estamos a admitir que h "foras", "energias", que nos ditam o futuro. Ao acreditar na astrologia estamos, em ltima anlise, a deixar fora do nosso alcance, da nossa vontade e determinao, caractersticas do nosso carcter e comportamentos futuros. Somos menos autnomos e audazes...

12

PERGUNTAS E RESPOSTAS CONTRA A CONFUSO No clube de astronomia a que perteno e dadas as habituais confuses dos alunos sobre estes temas, conduzo geralmente uma reflexo, por meio de leituras ou actividades adaptadas s idades dos participantes, de modo a promover o sentido crtico em relao astrologia. Aqui ficam alguns argumentos conhecidos que geralmente lhes apresento quando abordamos o assunto: - H jornais que apresentam horscopos dirios, signo por signo. Sabendo que h 12 signos e admitindo que os nascimentos se do mais ou menos uniformemente ao longo do ano, temos ento que se prev o mesmo tipo de dia para cerca de 1/12 da populao. Por exemplo, um jornal de tiragem nacional estar a fazer a mesma previso para 10 000 000/12 = 833 333 pessoas; ou seja, mais de oitocentos mil portugueses tm o mesmo tipo de

GAZETA DE FSICA

ARTIGO

eventos a acontecerem-lhes diariamente, dia aps dia. No admira que os horscopos sejam to vagos... - Por que o momento do nascimento e no o momento da concepo, o crucial para a astrologia? Ancestralmente, o momento do nascimento era considerado o momento mgico da criao da vida, mas hoje em dia sabe-se que apenas o culminar de nove meses de gestao, onde se formaram muitas caractersticas do futuro ser. Talvez o problema seja a dificuldade em determinar o momento da concepo, para no falar das provveis situaes embaraosas que o assunto traria... De qualquer modo, se o tero da me capaz de proteger o feto das influncias astrais, ser que no poderamos criar "teros artificiais" para colocar e proteger os bebs que nasam em momentos em que a conjuntura astral no benfica? - Ser que os horscopos feitos antes de terem sido descobertos todos os planetas do sistema solar esto correctos? Se Urano, Neptuno e Pluto so incorporados nos horscopos actuais, ento os horscopos anteriores a 1930 deviam conter, pelo menos, algumas inexactides. Neste caso, por que que estas falhas nos horscopos no permitiram aos astrlogos prever a existncia destes planetas antes dos astrnomos? - Por que que h tantas escolas e correntes de astrlogos to diferentes entre si? Por exemplo, os astrlogos parecem no estar de acordo sobre se se deve ou no incorporar o movimento de precesso da Terra nos seus clculos, quantos planetas devem ser includos na anlise e, mais ainda, que tipo de influncia uma determinada conjuntura celeste conduz. Se a astrologia uma cincia, como reclamam muitos astrlogos, por que que os seus praticantes no convergem para uma teoria consensual, aps centenas de anos de prtica e de recolha de dados? As ideias cientficas geralmente convergem medida que vo sendo testadas. Pelo contrrio, os sistemas baseados na superstio ou crena pessoal tendem a divergir medida que os seus praticantes lhes vo introduzindo alteraes procurando atingir prestgio ou outras faixas do mercado... - Se a influncia astrolgica exercida atravs de uma fora desconhecida (uma vez que nenhuma das interaces actualmente conhecidas o pode fazer) independente da distncia (uma vez que para um astrlogo a variao da distncia entre a Terra e os planetas irrelevante na elaborao de uma carta astral), por que no necessrio considerar a posio de todas as estrelas, galxias e quasares? Por que que apenas o Sol e os planetas tm importncia? - Por ltimo, uma palavra de conforto para os Oficos, esse signo esquecido! De facto, devido ao movimento de precesso do eixo da Terra, lento mas perceptvel ao longo dos sculos, o Sol parece actualmente percorrer no

firmamento no 12, mas sim 13 constelaes no seu movimento anual aparente. A mudana na inclinao do eixo da Terra em relao poca em que os primeiros astrlogos existiram, fez aparecer na faixa do Zodaco uma nova constelao - Ofico - que ignorada pelos astrlogos. Alm desta mudana, o movimento de precesso do eixo da Terra alterou tambm as datas de entrada e sada do Sol em cada constelao ao longo do ano; por exemplo, h dois mil anos atrs, a 1 de Agosto, o Sol nasceria tendo como pano de fundo a constelao de Leo. Actualmente, a 1 de Agosto, o Sol surge na constelao de Caranguejo. Na prtica, andamos a ler o horscopo errado... Algumas escolas de astrologia alteram os seus horscopos actualizando as datas, mas outras simplesmente ignoram o assunto. Aparentemente, no faz diferena nenhuma. De qualquer modo, aqui fica uma palavra de apoio a todos os nascidos entre 30 de Novembro e 17 de Dezembro: Ofico, amigo, estamos contigo! Claro que estes argumentos podem ser rebatidos por astrlogos mais sabedores, arranjando-se sempre contraargumentos, pois a imaginao humana muito frtil. Mas o importante que a astrologia no uma cincia. E esse o nico ponto para o qual no existem contraargumentos e o nico que verdadeiramente relevante. Sistemas de crenas pertencem ao foro individual e cada um de ns livre de crer no que quiser. O interesse pblico na astrologia no ir decrescer facilmente e julgo que os professores tm um papel a desempenhar nesta questo. A posio que tomarmos perante este assunto significar uma mensagem, nem que seja por omisso. importante que se promova um cepticismo saudvel perante o cosmos virtual e que se fomente o entusiasmo pelo cosmos real.

BIBLIOGRAFIA [1] Sociedade Astronmica do Pacfico, The Universe at Your Fingertips: An Astronomy Activity and Resource Notebook, Project ASTRO, 1993. [2] Sagan, Carl, Um Mundo Infestado de Demnios, Gradiva, 1995. [3] Culver, R. e Ianna, P., Astrology: True or False?, Prometheus Books, 1988. [4] Carlson, Shawn, "A Double-blind Test of Astrology", Nature, 318, 1985, p. 419. [5] Fraknoi, Andrew, "Your Astrology Defense Kit", Sky and Telescope, Agosto, 1989, p.146.

GAZETA DE FSICA

13

Pierre-Gilles de Gennes nasceu em Paris. Estudou Fsica na cole Normale de Paris e doutorou-se em 1957; trabalhou no Centre de Energie Atomique (CEA), em Saclay, com A. Aragam e J. Friedel e na Universidade da Califrnia, Berkeley, com C. Kittel. Neste perodo desenvolveu trabalhos sobre disperso de neutres e magnetismo. Depois do servio militar na Marinha Francesa, voltou investigao no CNRS, em Orsay, onde formou um grupo de supercondutores; em 1971 tornou-se Professor no Collge de France. A partir de 1968, a sua investigao centrou-se na matria mole, nomeadamente cristais lquidos.Trabalhou em problemas de fsica de polmeros, dinmica de molhagem e fsica-qumica da adeso. Entre os prmios que recebeu contam-se o Prmio Nobel da Fsica em 1991, o prmio Wolf (Wolf Foundation, Israel) e os prmios Holweck (das Sociedades Inglesa e Francesa de Fsica) e Ampre (Academia das Cincias, Frana). De Gennes esteve em Lisboa, em Junho deste ano, a convite do Centro de Fsica Terica e Computacional da Universidade de Lisboa, onde proferiu duas palestras intituladas "The hard life of inventors" e "How living cells find their prey: chemotactism". Foi nessa ocasio que falmos com ele.

Pierre-Gilles de Gennes, Prmio Nobel da Fsica (Collge de France)

H UMA CERTA CRISE NA FSICA, MAS NO

UM PROBLEMA DE MAIOR

Gazeta de Fsica - Por que que escolheu a Fsica? Pierre-Gilles de Gennes - Eu comecei por ter de escolher entre cincias e letras. Gostava muito das duas, mas tinha a impresso de que nas letras, um pouco como nas artes, na altura em que fiz a minha escolha - depois da guerra havia um laxismo um pouco estranho. Nas artes havia quem atirasse um balde de tinta parede e dissesse: "Eu fiz uma obra de arte"e na literatura passava-se algo semelhante. Em cincias tinha a impresso de que, mesmo que algum tivesse ideias delirantes - como "atirar um balde de tinta" -, dois ou trs anos mais tarde saberamos se tinha sido boa ou m ideia. Tenho uma filha que escultora, e vejo que ela fica muito ansiosa porque, mesmo quando tem sucesso, no sabe se esse sucesso corresponde a uma moda, ou se fez algo verdadeiramente importante, que permanecer. Ns nas cincias podemos no fazer coisas verdadeiramente importantes, mas, ao menos, sabemos muito bem em que medida essas coisas so teis. Creio que foi isso que me empurrou para as cincias. Agora, a questo: porqu a Fsica? Na altura eu aprendia Biologia, Qumica, Fsica... - estou a falar dos anos cinquenta. A fsica quntica comeava a ser bem compreendida, a fsica do estado slido desenvolvia-se a olhos vistos, a ptica estava cada vez mais sofisticada. Havia muitas coisas neste campo. Portanto, muito naturalmente, era a via a seguir nesse momento.

Entrevista de PATRCIA FASCA1 e PEDRO PATRCIO1,2, editada por CARLOS PESSOA.1

Centro de Fsica Terica e Computacional da Universidade de Lisboa. Instituto Superior de Engenharia de Lisboa.

2

ENTREVISTA

Hoje provavelmente teria sido diferente. Tenho um outro filho de 26 anos que estuda Fsica, mas tenho uma filha de 27 que estuda Biologia. As escolhas so menos evidentes. P. - Um filsofo dizia que "antes da descoberta das coisas, existe a revelao da prpria questo"... R. - Provavelmente isso verdade. Muitas vezes, quando trabalhamos, no colocamos a questo certa e s depois de termos lutado com o problema durante algum tempo que nos apercebemos de que deveramos ter colocado uma questo mais simples, e depois uma questo ainda mais simples para finalmente chegar questo adequada. A pergunta certa importante na investigao. De facto, vemos nossa volta pessoas muito capazes que se debruam sobre problemas banais. E algumas vezes elas desperdiam as suas vidas com um problema sem interesse. A questo de decidir se uma pergunta verdadeiramente boa passa tambm por saber se o assunto est amadurecido, se temos possibilidades de chegar a bom termo uma vez que dez anos antes teria sido impossvel e dez anos depois o problema ter-se- tornado trivial. como observar um fruto e ver se ele est maduro. A escolha do problema tem a ver com a qualidade do fruto. Vi amigos meus passarem perodos importantes das suas vidas a tentar encontrar as

solues exactas do modelo de Ising a trs dimenses, ou um modelo completo da turbulncia, quando esses problemas no estavam amadurecidos. So exemplos de problemas que no foram bem escolhidos. P. - Quais so as teorias cientficas do passado que mais o marcaram? R. - Eu diria que geraes sucessivas construiram edifcios tericos que permanecero soberbos - por exemplo, todas as teorias que descrevem a propagao de ondas. No incio, as ondas elsticas, depois as ondas electromagnticas de Maxwell, e depois, por exemplo, a mecnica quntica de Schrdinger, etc. Todas essas teorias permanecero e, mesmo se um dia forem descobertas mecnicas mais sofisticadas, as anteriores vo manter a sua validade em contextos restritos. P. - Ao longo da sua carreira tem dado contribuies significativas em muitos domnios diferentes (magnetismo, supercondutividade, polmeros, cristais lquidos, etc...). Que motivao o leva a explorar tantos problemas diferentes? R. - Penso que a resposta tem dois aspectos. O primeiro, de alguma forma tcnico, relaciona-se com o facto de eu gostar muito de fazer experincias e teorias simples.

GAZETA DE FSICA

15

ENTREVISTA COM PIERRE-GILLES DE GENNES

Quando se est no incio de um trabalho, isso possvel. Depois, refinam-se detalhes e torna-se necessria uma bagagem terica maior. O mesmo se passa com as experincias. Por exemplo, quando eu deixei a supercondutividade, tnhamos compreendido muitas coisas sobre ligas simples. Estas ligas so fceis de fazer e tm propriedades interessantes - so os chamados "supercondutores sujos". Se quisssemos ir mais longe, teramos que utilizar uma metalurgia mais sofisticada, o que significaria construir um laboratrio metalrgico. Eu sempre quis permanecer a um nvel simples, mas reconheo que, a partir de uma certa altura, isso j no possvel! O outro aspecto da resposta tem a ver com os colaboradores. Quando voltei do servio militar, veio ter comigo um dos meus companheiros da Marinha que me disse que gostaria de fazer um doutoramento em supercondutividade e que tinha financiamento de uma empresa. Disse-lhe: "Est bem, vamos tentar, vamos criar uma equipa experimental". Com a ajuda de alguns colegas experimentalistas de Orsay, conseguimos montar uma instalao provisria de hlio. Depois, durante cerca de um ano, nenhuma experincia funcionou, o que me deixou muito preocupado, sem dormir, porque tinha quatro jovens comigo e queria que eles fizessem o doutoramento. Acabmos por ser salvos, mas essa outra histria... Passados trs anos eles tinham encontrado assuntos muito razoveis e conseguido produzir. Nesse momento apercebi-me de, que neste tpico particular, estes jovens respondiam melhor do que eu. Ento porqu ficar? Nestas condies o melhor a fazer sair discretamente e deix-los assumir as responsabilidades. Por exemplo, quando passei dos supercondutores para os cristais lquidos, um dos meus primeiros alunos na equipa da supercondutividade, Etienne Guyon, mudou-se tambm e descobriu alguns truques muito inteligentes que lhe permitiram usar os seus conhecimentos sobre a evaporao de metais no vcuo. Penso que quando a nossa equipa inicial se torna madura, devemos sair. O mesmo se passa com as crianas: ns educamo-las e a certa altura elas adquirem autonomia. Quando nos damos conta disto convm deix-las seguir o seu caminho. Existe ainda uma outra questo, que a curiosidade. De repente, por causa do doutoramento da minha filha, fiquei consciente das questes em neurocincias e pensei "no posso morrer sem ter percebido alguma coisa sobre este assunto", um pouco como um alpinista que v uma grande montanha e diz "tenho que subir a esta montanha". Mas existe uma diferena: quando h muitas montanhas que se podem escalar, deve-se escolher aquela em relao qual se espera ter algum retorno til. No apenas pelo prazer pessoal de um pequeno grupo que se deve optar por uma determinada via. Podemos, por exemplo, encontrar tericos que desenvolvem teorias abstractas para resolver algum problema, que muito difcil e elegante,

mas ningum quer saber disso excepto eles prprios. Posso aceitar que o faamos, mas sinto que envolver estudantes num assunto destes embaraoso. P. - Quais so os seus actuais interesses de investigao? R. - Acho que so as neurocincias que me mantm mais ocupado neste momento, porque o campo vasto e temos que aprender muito, desde a psicologia psiquiatria e at descrio de alguns testes experimentais em seres humanos, macacos ou ratos. um campo que envolve ainda alguma modelizao terica e at filosofia. No sou um grande filsofo, mas tudo bem! Algumas pessoas que trabalham neste campo so verdadeiramente geniais, fazem experincias de uma grande preciosidade e beleza e isto mantm-me muito envolvido. Por outro lado, tenho tambm algum interesse no movimento e agregao celular. E, por ltimo, mantenho ainda, por diverso, interesse em problemas que estudei no passado. P. - medida que a cincia se torna cada vez mais especializada fala-se muito do trabalho interdisciplinar. Por que que isso to importante? E como que pode ser conseguido? P. - A interdisciplinaridade de facto importante. A noo de que hoje em dia um engenheiro qumico deve saber um pouco de biologia, porque a certa altura o seu trabalho vai depender de conhecimentos especficos neste domnio parece-me bvia. claro que existem dificuldades! Se tivermos a tentao de uma educao global, que cobre tudo, acabaremos por no saber bem nenhum assunto e isso muito perigoso. Por exemplo, eu diria que em tempos passados uma grande parte da qumica-fsica era feita por qumicos que no eram suficientemente bons para fazer qumica, ou por fsicos que no eram suficientemente bons para fazer fsica. Este tipo de perigos existe e para os evitar temos que ser inflexveis. Eu diria que precisamos claramente da interdisciplinaridade, mas temos que ser muito exigentes para evitar que ela se transforme em folclore. P. -Mas tem alguma ideia em concreto sobre o modo como a poderemos conseguir? Teremos que preparar as pessoas ao nvel das licenciaturas ou teremos que ser cuidadosos apenas na formao dos grupos de investigao? R. - Em Frana temos ambas as atitudes. Penso que o sistema dos grupos muito bom porque ajuda realmente a cobrir as falhas. Por exemplo, no Instituto Curie algum interessado na sntese da actina e na mecnica dos movimentos resultantes pode colaborar com um bom enzimologista que capaz de reproduzir um pouco da maquinaria muito complicada que polimeriza a actina. Este um bom exemplo onde, ao nvel do grupo, se podem fazer coisas que nunca se poderiam fazer se estivssemos sozinhos. Mas tambm importante termos a capacidade de pensar em termos muito gerais, porque dependemos de pessoas que lidam com linguagens e contextos diferentes. Eu

GAZETA DE FSICA

16

ENTREVISTA

gosto realmente desta noo de misturar coisas, mas devo realar que isso implica muito trabalho e que no se consegue rapidamente. De certo modo uma sensao reconfortante para as pessoas mais velhas. Por exemplo, Nevill Mott, em Inglaterra, tinha uma experincia enorme em estado slido e dessa experincia retirava no s conhecimento dos fenmenos, mas tambm muita intuio. Tenho uma grande admirao por Mott por causa disso e recordo que ele manteve a sua produo cientfica at uma idade bastante avanada. P. - Organizou cursos de ps-graduao em qumica e biologia R. - O sistema francs um sistema onde, depois de terminar a escola secundria, passamos dois anos num sistema preparatrio muito exigente e s depois disso somos seleccionados para entrar, por exemplo, na ESPCI (cole Suprieure de Physique et de Chimie Industrielle). E, uma vez l, durante quatro anos, as manhs so destinadas a aulas tericas e as tardes so passadas no laboratrio, o que confere uma preparao laboratorial particularmente forte e uma educao universitria com algumas caractersticas tradicionais. Era este o estado das coisas quando fui para a ESPCI. Nessa altura tentei duas coisas. Em primeiro lugar, criar o sistema de tutoria britnico, o que demorou bastante. No primeiro ano vi como era em Inglaterra, em stios como Cambridge, Oxford e tambm no Imperial e em Bristol. O segundo ano foi passado a discutir com o corpo docente. Finalmente, no terceiro ano comemos! No incio foi excelente, porque a biblioteca passou a estar cheia de estudantes procura de referncias para poderem responder s questes dos tutores. Passados alguns anos, o sistema foi decaindo. No incio, o sistema tambm funcionou muito bem porque tnhamos muitos investigadores jovens de fora da escola, que faziam de instrutores e tutores. Mas, passado algum tempo, a escola reagiu da maneira esperada: passou a usar os seus prprios estudantes como tutores, as coisas voltaram a ser mais tradicionais e os assuntos os mesmos de um ano para o outro. Os novos alunos passaram a ter acesso s respostas dos alunos dos anos anteriores. Por isso, este sistema no teve um final feliz. Havia tambm um problema de dinheiro: era possvel financiar um sistema onde um tutor tinha no um, mas quatro alunos. Nestes casos, tipicamente, um dos alunos est genuinamente interessado em seguir a orientao do tutor, um ou dois alunos podem ter um interesse razovel e os restantes no tm interesse nenhum. Se houvesse dinheiro suficiente para que o sistema funcionasse com um aluno por tutor, penso que o desafio teria sido muito maior, pois o estudante ficaria mais embaraado quando no conseguisse apresentar trabalho, etc.

Para alm da tutoria, travei longas lutas para reduzir as matrias leccionadas. Na poca da tutoria consegui uma reduo de 30 por cento. Depois lutei para introduzir a biologia, o que me levou mais 12 anos, mas consegui reduzir o ensino em cerca de 20 por cento, at porque tinha que arranjar espao para a biologia. Quando sa, deixei j preparada para o meu sucessor uma terceira onda de redues. Para um jovem sucessor sempre embaraoso comear a lutar com os professores logo de incio. Por isso preferi que eles lutassem comigo, de modo a deixar-lhe o espao relativamente livre. Resumindo, digamos que os meus feitos foram o sistema de tutoria, a introduo da biologia e a reduo da durao dos cursos. P. - O que pensa das simulaes computacionais na Fsica? R. - Lembro-me de uma vez em que um vendedor de uma grande empresa de computadores me pediu para fazer uma pequena palestra no anncio de um grande progresso tecnolgico. Pensei um pouco - eu no tenho computador, no sou um entusiasta dos computadores -, mas disse-lhe que sim. A minha concluso, grosso modo, foi a seguinte: medida que a tecnologia se torna cada vez mais poderosa e, num sentido ingnuo, cada vez mais inteligente, a dificuldade reside em conseguir fazer corresponder a inteligncia do utilizador inteligncia da mquina. Tenho observado muitos casos em que as pessoas fazem clculos enormes, com uma grande (e pretensa) preciso, mas com dados muito incertos, e isso algo de que no gosto. Reconheo, por outro lado, que existem casos de pessoas com talento, que fazem coisas realmente importantes, que no poderiam ser feitas de outro modo. Refiro, por exemplo, Mark Robbins, de Baltimore, que simulou um problema de adeso de metais. Olha-se para a forma como os metais se separam e no se podem fazer previses razoveis, com contas mo. A os computadores tornam-se necessrios. Um outro exemplo o de Gary Grest na rea dos polmeros. Fez realmente trabalhos muito importantes em reptao, onde no existia outra maneira de o fazer. Mas foi preciso muito engenho... Penso que h algumas pessoas cujo trabalho merece todo o meu respeito e admirao, mas existe tambm muita produo sem qualquer interesse. P. - Nos ltimos anos temos visto muitos fsicos a trabalhar fora das reas tradicionais e a contribuir para outras disciplinas, desde a biologia s cincias sociais. Como interpreta isso? Poder ser um sintoma de uma crise na Fsica? R. - Sim, eu penso que h uma certa crise na Fsica mas no se trata de um problema de maior. Vou contar um caso tpico, aquando da descoberta dos supercondutores a alta temperatura. Em poucos meses, tnhamos cerca de cinco mil

GAZETA DE FSICA

17

ENTREVISTA COM PIERRE-GILLES DE GENNES

pessoas em todo o mundo a trabalhar em supercondutores a alta temperatura. Isto significou, por um lado, que estes supercondutores levantaram questes muito interessantes ainda no os compreendemos totalmente -, mas, ao mesmo tempo, significou que muitas destas pessoas no estavam a fazer nada de relevante e, por isso, puderam mudar muito rapidamente de rea. Penso que isto uma indicao de que existem reas - como, por exemplo, a fsica do estado slido - que se esto a tornar demasiado tradicionais e, por essa razo, tenho alguma relutncia em as financiar. Mas tambm h aspectos positivos nestas mudanas e refiro, a propsito, o caso da biofsica. Trata-se de uma rea que j existe h muito tempo, mas que era pouco conhecida e o envolvimento de fsicos contribuiu para o aumento do interesse por este campo. No caso da economia, as coisas so um bocadinho diferentes mas no estou certo dos motivos. Houve uma altura, em que a comunidade dos fsicos passou a compreender bem as transies de fase. Digamos que com Kadanoff e outros. Instalou-se ento a tentao natural de aplicar estas ideias onde fosse possvel. Esta uma das maiores fragilidades dos fsicos tericos: uma vez encontrada uma soluo para um problema, tm tendncia, quando confrontados com um novo problema, para achar que os seus resultados tambm se aplicam, com igual sucesso, ao novo caso... E a existem, muitos, muitos erros cometidos pelos fsicos. Um, que claro para mim, o caso de Prigogine, que criou uma grande onda em torno da relao da vida com processos irreversveis. bvio que estes processos no existiriam sem alguma irreversibilidade, mas esta ideia no nos leva muito longe, e especulou-se demasiado. Como exemplo, refira-se a observao de glbulos vermelhos: estas clulas vibram quando as vemos ao microscpio e para alguns bilogos isto era a manifestao de algo no "esprito" de Prigogine, de instabilidades qumicas no interior destes pobres glbulos. Mas o que uma colaboradora minha mostrou foi que esta vibrao era simplesmente a manifestao da existncia de flutuaes trmicas na membrana destas clulas, extremamente flexveis e sem tenso superficial, apenas com energia de curvatura. Quando h apenas energia de curvatura as amplitudes das flutuaes so enormes. Mostrou-se que o fenmeno observado experimentalmente correspondia dinmica duma membrana flexvel num meio viscoso. Este fenmeno simples foi completamente obscurecido por causa das ideias de Prigogine. E existem muitos outros casos como este. Por isso penso que devemos ser muito cuidadosos e no tentar impor o que julgamos saber.

P - No ltimo concurso europeu das Research Training . Network Marie Curie o financiamento foi quase exclusivamente concedido a projectos contendo a palavra biologia no ttulo. Como v o papel da Fsica no desenvolvimento da Biologia? R. - Penso que a bioqumica muito mais importante do que a biofsica. No sou um especialista em bioqumica e por isso no posso alargar-me em exemplos com grande pormenor. No entanto, consideremos o processo celular pelo qual uma clula engole um objecto e deforma a sua membrana, formando, por vezes, vesculas a partir desta deformao. Houve toda uma srie de imagens inspiradas pela fsica deste fenmeno, onde a tenso superficial era modificada, etc., mas a bioqumica fez muito mais: apercebeu-se de que existem algumas protenas envolvidas que tendem a dispor-se de uma certa forma, e uma segunda gerao de protenas que pode ter uma disposio diferente e impor um certo tipo de curvatura. Ora isto representa muito mais, em informao e preciso, do que o contributo dos fsicos para este campo. Mas a bioqumica ainda nos d mais: por vezes utiliza mutantes que vo suprimir estas protenas alterando o comportamento da clula. Se pensarmos numa orquestra, os bioqumicos dirigem vrios instrumentos, enquanto ns s temos um pequeno nmero nossa disposio. P. - Mas, com todos esses instrumentos, vamos acumulando muita informao dos vrios ramos da biologia. Como integrar toda esta informao? R. - Na verdade, os fsicos no so habitualmente muito bons nesse campo, porque no sabem o suficiente de bioqumica, gentica, etc. Temos de conhecer todas estas reas muito bem. P. - Ento no muito optimista no que diz respeito ao papel da Fsica na Biologia... R. - Eu ainda estou sinceramente pronto para encorajar as pessoas, mas dizendo-lhes que preciso fazer uma longa viagem, que tm de estudar e aprender tudo o que precisam nestas reas da bioqumica, gentica, biologia molecular, etc. P. - Na ltima dcada, testemunhmos um declnio do interesse pela Fsica nos alunos do secundrio. Quais so para si as causas deste desencanto? Por que que a Fsica perdeu o seu "glamour" para os jovens? Como pensa que esta situao poderia ser invertida? R. - Os meios de comunicao social mostraram alguns aspectos negativos da cincia, as suas repercusses na poluio do ambiente, os novos mtodos genticos de reproduo e as suas implicaes ticas... Gerou-se algum receio, e compreende-se que existem boas razes para isso. Mas precisamos de sensibilizar os jovens para lutarem contra estas ms utilizaes da cincia, investindo, justamente, na procura de alternativas. No podemos simplesmente abandonar a cincia, precisamos de mais cincia

GAZETA DE FSICA

18

ENTREVISTA

para resolver estes problemas. Este um dos lados da questo. O outro lado relaciona-se com um problema de civilizao. Neste momento, os jovens so educados num meio em constante movimento: vem imagens durante curtos intervalos de tempo, no esto treinados para fazer um esforo persistente; a televiso, os computadores, a Internet, no so uma grande ajuda, porque os jovens podem navegar sem observar com ateno coisa alguma. A TV mostra-lhes um grande romance, resumido numa hora, e ficam com a impresso de que o conhecem, o que no verdade. Por todas estas razes difcil lutar contra isto. Mas espero que se possam descobrir maneiras de as crianas no viverem inteiramente em frente aos ecrs. Por exemplo, levando-as a descobrir a botnica ou a geologia no campo, etc. P. - Eles realmente adoram sair R. - Sim. Penso que algo muito importante, no esquecendo tambm os aspectos das tcnicas. Disse uma vez em Frana que seria muito vantajoso para todas as crianas de 14 anos terem a oportunidade de passar o Vero

por exemplo numa oficina, reparando carros. Os americanos tm algo deste tipo, mas nos nossos pases no usual. O presidente da cmara de Toulouse mostrou-se interessado quando fiz esta proposta, mas acabou por no conseguir concretizar a ideia por causa do sistema legal. A ideia nunca funcionou. P. - Hoje, se fosse estudante, escolheria de novo a Fsica? R. - Penso que escolheria a Biologia. Mas difcil de dizer, pois a pergunta virtual... No creio que escolhesse letras. Dentro da Biologia, se tivesse que optar, iria claramente para a neurofisiologia.

GAZETA DE FSICA

19

Explorao de Saturno e suas luas Entrelaamento de cinco fotes Nanopartculas antiferromagnticas Estrncio-76 Dodos de nanotubos Oramento ope cientistas ao governo francs CERN fez 50 anos Prmio Nobel da Fsica 2004

FSICA NO MUNDO

EXPLORAO DE SATURNO E SUAS LUAS A misso internacional Cassini-Huygens iniciou uma viagem inesquecvel de explorao do planeta Saturno, dos seus anis e das 31 luas que fazem dele um Sistema Solar em miniatura. Depois de uma viagem de sete anos pelo espao interplanetrio, a Cassini-Huygens entrou em rbita de Saturno no passado ms de Julho. Desde o lanamento em 15 de Outubro de 1997, a mais sofisticada sonda planetria de sempre j percorreu 3500 milhes de quilmetros. Com um custo estimado de 3000 milhes de dlares, tem a participao de 260 cientistas, a maioria americanos, mas tambm de 16 pases europeus. Na realidade trata-se de duas sondas. A NASA construiu o orbitador Cassini, que contm 12 instrumentos cientficos e ficar em rbita de Saturno durante os prximos quatro anos. A Agncia Espacial Europeia forneceu o mdulo Huygens, uma sonda de entrada com seis instrumentos que mergulhar na atmosfera de Tit, a maior lua de Saturno, em Janeiro de 2005. O nome da misso uma homenagem a dois astrnomos que deixaram parte do seu legado cientfico ligado a Saturno e Tit: o franco-italiano Jean-Dominique Cassini (1625-1712) e o holands Christian Huygens (1629-1695). Huygens dispunha das melhores lunetas da sua poca, e com uma delas conseguiu descobrir Tit em 1655 e interpretar correctamente a forma de Saturno, supondo a presena dos anis. Cassini era astrnomo do rei Lus XIV de Frana quando descobriu quatro das luas de Saturno: Jpeto, Reia, Ttis e Dione. Em 1675

Algumas notcias adaptadas das Physics News do American Institute of Physics A "Gazeta" agradece aos seus leitores sugestes de notcias do mundo da Fsica. gazeta@teor.fis.uc.pt

NOTCIAS

armadilha, ver http:// www.aip.org/pnu/ 2000/split/pnu475-2.htm.) Os investigadores chineses entrelaaram dois pares de fotes e a seguir entrelaaram estes a um quinto foto isolado (Zhao et al., Nature, Julho de 2004.) A evoluo de quatro para cinco partculas significativa uma vez que, aparentemente, o manuseamento de informao quntica (como ocorre num computador quntico) requer cinco partculas entrelaadas, que servem como qubits (ver, por exemplo, Laflamme et al., Physical Review Letters, Julho de 1996).

NANOPARTCULAS MAGNTICAS viu que os anis de Saturno se encontravam separados por uma zona escura, a que hoje chamamos Diviso de Cassini. Saturno o segundo maior planeta do sistema solar. um gigante gasoso, o menos denso do sistema solar, composto principalmente por hidrognio. Contm tambm numerosos compostos residuais, como o metano. A atmosfera tem uma circulao tempestuosa, com ventos de velocidades muito diferentes a diferentes latitudes, atingindo 1400 km/h sobre o equador. A interaco do fluxo de partculas carregadas do vento solar com o campo magntico de Saturno d origem magnetosfera e produz auroras nas regies polares. O sistema de luas de Saturno contm alguns objectos peculiares: Jpeto, que tem dum lado a superfcie mais escura do Sistema Solar e do outro reflecte 50 por cento da luz que recebe do Sol, Mimas, um pequeno satlite que tem uma cratera que mede quase um tero do dimetro, ou toda uma srie de luas irregulares que foram capturadas tardiamente pelo campo gravitacional de Saturno. Mas o que mais chama a ateno so os magnficos anis, formados por mirades de pedaos de gelo e rocha com tamanhos variados. Tit maior que Mercrio ou a Lua, contm a maior superfcie do sistema solar ainda por explorar, e o nico satlite a possuir uma atmosfera densa e um clima caracterstico. Alm da Terra, o nico objecto do sistema solar com uma atmosfera constituda maioritariamente por azoto, e dar-nos- pistas importantes sobre a evoluo da atmosfera primitiva terrestre, antes do aparecimento da vida. Durante os prximos quatro anos sero realizados 45 sobrevoos de Tit com o objectivo de estudar a composio da sua atmosfera, a sua meteorologia e a estrutura interna. (Astronovas, Lista de distribuio de notcias de Astronomia em Portugus, Observatrio Astronmico de Lisboa, Centro de Astronomia e Astrofsica da Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-018 Lisboa. Para subscrever envie uma mensagem vazia para o endereo astronovas-subscribe@oal.ul.pt)

ANTIFERRO-

A magnetizao aumenta com a temperatura nas nanopartculas antiferromagnticas. Esta estranha descoberta experimental, feita h alguns anos, foi agora explicada, pela primeira vez, por fsicos da Universidade Tcnica da Dinamarca. O comportamento experimental estranho por duas razes: em primeiro lugar, porque os antiferromagnetes, cujos minsculos momentos magnticos se alinham geralmente num padro alternadamente para cima e para baixo, no devem originar uma magnetizao finita num campo aplicado; e, em segundo lugar, porque o magnetismo, que resulta do alinhamento de momentos magnticos de muitos tomos (os tomos agem como pequenos mans), deveria desaparecer a altas temperaturas. Os fsicos dinamarqueses explicaram por que razo a magnetizao est ausente na generalidade das amostras antiferromagnticas mas se torna visvel em estruturas com dimenso inferior a 10 nm. Steen Morup e Cathrine Frandsen mostraram que as nanopartculas antiferromagnticas do origem a um novo tipo de material no qual a magnetizao pode ser induzida rapidamente e sem perda de energia, o que muito til em dispositivos electrnicos de alta-frequncia. (Morup e Frandsen, Physical Review Letters, Maio de 2004).

Fsicos da Universidade de Cincia e Tecnologia da China conseguiram o entrelaamento de cinco fotes. O entrelaamento , talvez, o aspecto mais estranho do comportamento quntico. Vrias partculas entrelaadas partilham um nico estado quntico. Assim, propriedades mensurveis das partculas, como, por exemplo, os spins, manter-se-o correlacionadas mesmo se posteriormente as partculas estiverem muito afastadas e as suas propriedades forem medidas separadamente. Anteriormente, o maior entrelaamento quntico que tinha sido conseguido envolvia apenas quatro partculas. (Para o caso de quatro ies retidos numa

GAZETA DE FSICA

21

ENTRELAAMENTO DE CINCO FOTES

FSICA NO MUNDO

ESTRNCIO-76 O estrncio-76 um dos ncleos mais deformados no seu estado fundamental e o mais deformado de todos os ncleos em que o nmero de protes (Z) igual ao nmero de neutres (N). Esta descoberta resulta de uma experincia realizada na Sua. Os ncleos mais leves com N = Z, como sejam He-4, C-12, O-16, e Ca-40 so bastante estveis e encontram-se entre as espcies nucleares mais importantes da Terra, especialmente no que respeita aos organismos vivos. Mas medida que o nmero de protes e de neutres aumenta no ncleo, comea a manifestar-se uma distoro: as cargas elctricas dos protes originam repulso, podendo levar desintegrao do ncleo. Os ncleos atingidos por um outro ncleo podem passar para estados superdeformados em rotao rpida. E quanto forma dos ncleos, que no foram atingidos? Dados anteriores sugeriam que o Sr-76 deveria ser o ncleo com maior deformao no seu estado fundamental. Num estudo recente desenvolvido pela colaborao CERN-ISOLDE (Geneva) foi experimentado um novo mtodo para medir esta deformao. Primeiro, produziram-se os ncleos raros de Sr-76 fazendo incidir um feixe de protes num alvo de nibio. Os ncleos de Sr-76 produzidos foram difundidos para fora do alvo, ionizados e enviados para um espectrmetro denominado "Lucrecia" (http:// isolde.web.cern.ch/ISOLDE/). Os ncleos foram ento direccionados para um estreito orifcio num grande cristal de iodeto de sdio puro. nessa cmara que foram observados os raios gama resultantes da fragmentao dos ncleos Sr-76. Foi possvel, analisando os raios gamas captados, determinar o tempo de vida - 7,89 segundos - e prever a forma aproximada dos ncleos; mostrou-se no s que o Sr-76 era altamente deformado, tal como se esperava, mas tambm que a sua forma elipsoidal prolata, sendo o seu eixo equatorial, inferior cerca de 40%, ao seu eixo mais longo. (Nacher et al., Physical Review Letters, a publicar).

DODOS DE NANOTUBOS

ORAMENTO OPE CIENTISTAS AO GOVERNO FRANCS O "brao de ferro" entre a comunidade cientfica francesa e os poderes pblicos assume novos contornos. Uma reunio efectuada em Junho passado em Paris pelas estruturas representativas dos investigadores reivindica que, a partir de 2005, o oramento anual para a investigao seja de pelo menos mil milhes de euros. Os cientistas temem que as vagas promessas de reforo de verbas feitas pelo governo francs de Jean-Pierre Raffarin (ver vol. 27, fascculo 1, 2004, da "Gazeta de Fsica") venham, na prtica, a traduzir-se numa reduo do financiamento da investigao, semelhana do verificado em anos anteriores. A par das preocupaes oramentais, o debate em curso incide tambm sobre a reforma das estruturas de investigao pblica, cuja regulamentao dever ser votada pelo Parlamento no final do prximo ms de Outubro. O conflito em torno do estrangulamento financeiro do sector agudizou-se em Janeiro do corrente ano, vindo a culminar com a demisso dos responsveis das equipas de investigao em Maro. A presso do sector levou o presidente Jacques Chirac a admitir implicitamente a justeza das reivindicaes dos cientistas e a 7 de Abril o governo anunciou a inteno de trabalhar no sentido de as satisfazer.

Dodos comutveis de nanotubos produzidos por cientistas da General Electric (GE) combinam as propriedades elctricas de nanotubos de carbono (possibilidade de transportar altas correntes e capacidade de emitir luz) com a flexibilidade de mudar de um dodo do tipo p-n (permitindo corrente fluir num nico sentido) para um dodo do tipo n-p (permitindo corrente fluir apenas no sentido oposto). A maior parte dos transstores tm trs terminais: a corrente entra num terminal (entrada) e sai num segundo terminal (sada), se um terceiro terminal (porta) estiver a uma determinada voltagem, o que tem o efeito de limpar um domnio para que os transportadores de carga possam fluir. No dispositivo da GE, o domnio um nanotubo de carbono com uma s parede, consistindo a porta em duas sadas separadas, localizadas sob o nanotubo. Estas sadas separadas podem dopar electrostaticamente os dois extremos do nanotubo de modo que a corrente passe apenas num ou noutro sentido, dependendo da voltagem da sada. Se contarmos a entrada, a sada, dois elctrodos-portas e outro elctrodo ligado a um substrato subjacente de silicone, o aparelho tem cinco terminais. Os investigadores da GE esperam que o mecanismo funcione simultaneamente como um transstor de efeito de campo (FET) e como um diodo emissor de luz (LED). Devido sua capacidade de transportar correntes elevadas, e porque se trata de uma grande empresa de electricidade, tambm poder ter aplicaes em linhas de transmisso de energia, onde h correntes e tenses elevadas. (Lee et al., Applied Physics Letters, Julho de 2004).

CERN FEZ 50 ANOS

GAZETA DE FSICA

22

Um vasto programa de eventos est a assinalar o 50 aniversrio da criao do CERN. A conveno que criou o Laboratrio Europeu de Fsica de Partculas (CERN - Centre Europen pour la Recherche Nuclaire), foi assinada por 12 pases em 29 de Setembro de 1954 em Paris. No dia da comemorao dos

NOTCIAS

50 anos foi partido um bolo gigante com 50 velas, numa cerimnia transmitida directamente pela Internet. Aos pases fundadores (Blgica, Dinamarca, Alemanha, Frana, Grcia, Holanda, Reino Unido, Itlia, Noruega, Sucia, Suia e Jugoslvia), outros se juntaram, como Portugal. Actualmente, so 20 os pases membros. Entre as iniciativas previstas est uma grande jornada de portas abertas, a decorrer em 16 de Outubro prximo, durante a qual se espera a afluncia de mais de 20 mil pessoas, convidadas a descobrir toda a riqueza desta instituio nascida a partir da viso de um punhado de cientistas que se propuseram criar um laboratrio mundial dedicado investigao fundamental.

PRMIO NODEL DA FSICA 2004

David J. Gross

H. David Politzer

Franck Wilczek

David J. Gross, da Universidade da Califrnia - Santa Barbara, H. David Politzer, do Caltech (California Institute of Technology), e Franck Wilczek, do MIT (Massachussets Institut of Tecnology), receberam o prmio Nobel da Fsica de 2004 pela descoberta da liberdade assimpttica de quarks. Descobriram que a interaco entre quarks dentro das partculas nucleares, tais como os protes e neutres, tanto mais fraca quanto mais prximos esto os quarks e tanto mais forte quanto mais afastados se encontram. Esta hiptese ajudou a estabelecer a Cromodinmica Quntica (QCD) como a teoria das interaces fortes. O trabalho de Gross,

Politzer e Wilczek explicou por que que nunca foram detectados quarks livres no laboratrio: os quarks esto ligados por linhas de fora criadas pela troca de glues. Na prtica, a energia usada para separar dois quarks comear por afast-los, mas acabar por ser convertida em novos pares de quark-antiquark. Pelo contrrio dois quarks muito prximos comportam-se como estando livres. Os quarks possuem carga de cor anloga carga elctrica. por isso que a teoria que descreve a fora forte denominada Cromodinmica Quntica. At ao presente, esta teoria tem passado todos os testes experimentais.

Telecincia 2004 Frum Cincia na Faculdade de Engenharia do Porto Aberto Cincia Viva de Aveiro Interdisciplinaridade e Computao no Ensino Secundrio 2 Edio dos Cursos de Vero na Nova de Lisboa Pavilho do Conhecimento fez cinco anos Dia do Sol no Pavilho do Conhecimento Prmio Gulbenkian de Cincia

FSICA EM PORTUGAL

TELECINCIA 2004

A "Gazeta" agradece o envio de notcias para esta seco.gazeta@teor.fis.uc.pt

A semana do Telecincia 2004 (VI Festival Internacional do Filme de Divulgao Cientfica) decorrer de 22 a 28 de Novembro um pouco por todo o pas. Realizar-se-o exibies de filmes, conferncias, workshops e exposies. Pretende-se, assim, divulgar a cincia num formato acessvel e atraente ao grande pblico; fomentar o interesse pelos temas televisivos e flmicos, tratados cientificamente; promover a divulgao dos conhecimentos cientficos atravs do suporte flmico ou multimdia; criar um catlogo de filmes e de multimdia especializado na divulgao de temas cientficos. Este evento tem como destinatrio o pblico em geral, mas, em particular, estudantes e professores, bem como todos aqueles que so receptivos inovao, tecnologia e cincia. Na sua sexta edio, o Telecincia organizado pela Associao de Vdeo e Televiso Experimental (AVTE) numa parceria com o Frum da Maia e

NOTCIAS

com o apoio da Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro e da Discovery Ibria. As sesses competitivas e as sesses solenes tero lugar no Frum da Maia. Haver ainda lugar a sesses especiais e a sesses abertas em 22 cidades por todo o pas. A exibio dos filmes finalistas ser feita simultaneamente em cada uma das localidades onde existem extenses. Os 20 filmes a concurso sero analisados por um jri internacional, sendo os vencedores de cada categoria automaticamente nomeados para o Prmio Descartes de Comunicao de Cincia. A cerimnia de entrega dos prmios de 2003 e o anncio dos premiados da edio de 2004 ter lugar a 24 de Novembro (Dia Nacional da Cultura Cientfica). Este ano as conferncias sero dinamizadas pelos coordenadores das novas extenses do Telecincia: Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros, Oficina da Imagem da Madeira, Centro Cincia Viva de Vila do Conde e Escola de Enfermagem de Vila Real. Nestas conferncias sero apresentados os vrios modelos de trabalho, desenvolvidos nestas extenses, na divulgao do conhecimento cientfico em filmes. Informaes adicionais sobre este evento podem ser obtidas atravs do endereo info@teleciencia.mail.pt ou em www. utad.pt/teleciencia.

Os organizadores propuseram quatro temas gerais: a cultura cientfica no ensino bsico e secundrio; o conhecimento cientfico e outros conhecimentos; reflexos de uma cultura no cientfica na comunicao social; e cultura cientfica, Estado e sociedade. O Frum teve ainda um espao na Internet, activado em Junho passado (http://www.fe.up.ot /forumciencia), que permitiu uma discusso informal e permanente sobre os temas da reunio. Para mais informaes e esclarecimentos, contactar Sara Ponte (tel. 225081524 ou sponte@fe.up.pt).

lizao de meios informticos para a computao, e na aplicao dessas competncias em mdulos computacionais a integrar nas actividades curriculares. O projecto proposto a cada um dos frequentadores deste curso consistia no desenvolvimento de um modelo computacional que se integrasse na matria leccionada. A modelao computacional de sistemas complexos est associada ao aparecimento de uma intensa actividade cientfica de carcter interdisciplinar, sendo utilizada como recurso tcnico em vrios contextos nos sectores pblico e privado. Neste quadro, til preparar os futuros profissionais, modificando a formao ao nvel do ensino bsico e secundrio no sentido de a tornar menos compartimentada e mais fluente na utilizao de meios informticos como instrumentos de estudo e de experimentao. Este tambm certamente um caminho para tornar o ensino das disciplinas cientficas mais motivante tanto para alunos como para professores. A presente iniciativa baseou-se na experincia levada a cabo por duas instituies nos Estados Unidos, o Santa Fe Institute e o Massachussetts Institute of Technology, que colaboram desde h uns anos num projecto de formao de professores do ensino secundrio. O projecto inclui o desenvovimento de um pacote de software distribudo livremente, denominado StarLogo, que pretende levar a modelao computacional sala de aula.

ABERTO CINCIA VIVA DE AVEIRO

Centro Cincia Viva de Aveiro foi inaugurado no final do passado ms de Junho com uma exposio sobre os 50 anos da descoberta da estrutura do ADN. Instalado na antiga Fbrica de Moagens, recuperada para o efeito, o centro contm um estdio de futebol robtico, exposies temporrias e um laboratrio didctico.

O primeiro Frum Cincia decorreu nos dias 18 e 19 de Outubro na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, subordinado ao tema genrico "Por uma Cultura Cientfica em Portugal". O objectivo desta iniciativa foi promover uma reflexo sobre "o estado preocupante da cultura cientfica em Portugal", assim como a "qualidade e solidez da formao cientfica ministrada no ensino".

Decorreu nas primeiras semanas de Setembro no Complexo Interdisciplinar da Universidade de Lisboa um curso de formao para professores intitulado "Interdisciplinaridade e Computao no Ensino Secundrio", organizado pelo Centro de Fsica Terica e Computacional da Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa e financiado pela Fundao Calouste Gulbenkian. Esta aco teve como objectivo a transmisso de competncias bsicas na uti-

2 EDIO DOS CURSOS DE VERO NA NOVA DE LISBOA A Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa organizou, de 5 a 10 de Setembro, a segunda edio dos Cursos de Vero. Esta iniciativa, dirigida a alunos do ensino secundrio, tem por objectivo difundir a cultura cientfica e promover o contacto com a Cincia de forma viva e pedaggica, proporcionando a participao em diversas actividades no Campus Universitrio.

GAZETA DE FSICA

FRUM CINCIA NA FACULDADE DE ENGENHARIA DO PORTO

INTERDISCIPLINARIDADE E COMPUTAO NO ENSINO SECUNDRIO

25

FSICA EM PORTUGAL

Este ano participaram 42 alunos do 10 e 11 anos, pertencentes aos agrupamentos cientfico-naturais do ensino secundrio e oriundos de vrios pontos do pas. Estes alunos manifestavam particular interesse em frequentar um curso de Engenharia. De entre as actividades propostas, destaca-se a realizao de experincias nos laboratrios de Ambiente, Informtica, Qumica, Fsica, Electrnica, Cincias da Terra, entre outros, bem como a participao em actividades culturais (por exemplo, visitas de estudo, debates, cinema, etc). Para mais informaes, ver http://campus.fct.unl. pt/cursoverao2004/.

DIA DO SOL NO PAVILHO DO CONHECIMENTO Cerca de 50 escolas do ensino bsico e secundrio assinalaram no passado dia 26 de Junho o Dia do Sol ("SunDay 2004") com uma apresentao de carrinhos movidos a energia solar, fornos e colectores solares construdos ao longo dos meses anteriores. Estas actividades decorreram no mbito do Concurso Solar Padre Himalaya, promovido pela Sociedade Portuguesa de Energia Solar e pelo Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovao, com o apoio do Cincia Viva. O jri deste concurso foi constitudo por especialistas daquelas duas instituies e por professores da Rede de Centros Cincia Viva. Na mesma ocasio esteve patente ao pblico uma exposio de equipamentos e projectos de energia solar apresentados por empresas do sector.

PRMIO GULBENKIAN DE CINCIA

PAVILHO DO CONHECIMENTO FEZ CINCO ANOS O quinto aniversrio do Pavilho do Conhecimento - Cincia Viva foi comemorado no passado dia 25 de Julho com um programa especial de actividades. O Departamento da Criana, em colaborao com a Associao Fernandinhos & Companhia realizou actividades cientficas para crianas hospitalizadas no Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra). O enlogo Virglio Loureiro, professor do Instituto Superior de Agronomia, o chefe de cozinha Lus Baena e investigadores da Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Aveiro apresentaram, por seu lado, experincias cientficas com bolos e bolhinhas de espumante. tarde, houve msica no trio exterior do pavilho, com a actuao do Bombrando, grupo infantil de percusso da freguesia da Brandoa. Ao longo destes cinco anos de actividade, o Pavilho do Conhecimento recebeu mais de 1,3 milhes de visitantes nas treze exposies temporrias e quatro permanentes realizadas, alm de dinamizar centenas de colquios e debates sobre os mais variados temas de cincia.

Um estudo dos fsicos Miguel Costa e Lorenzo Cornalba da Universidade do Porto, que recorre teoria das cordas para explicar o Big Bang, o trabalho "Evoluo das redes - das redes biolgicas Internet e ao WWW", dos fsicos Sergey Dorogovtsev e Jos Fernando Mendes, da Universidade de Aveiro, e ainda a obra "Inadequaes variacionais hiperblicas de primeira ordem e algumas implicaes", do matemtico Jos Francisco Rodrigues, da Universidade de Lisboa, foram galardoados com o Prmio Gulbenkian de Cincia 2004 no valor de 25 mil euros.

GAZETA DE FSICA

26

NOTCIAS

Delegao Regional do Centro Palestra na Faculdade de Engenharia do Porto Escola de Educao em Fsica 2004

NOTCIAS DA SPF

DELEGAO REGIONAL DO CENTRO Aces de formao Realizaram-se, ao longo do ano lectivo 2003/04, as seguintes aces de divulgao para alunos do ensino secundrio: - "A Fsica no Desporto", Adriano Pedroso de Lima, na Escola Secundria Franscisco Rodrigues Lobo de Leiria; - "Fsica e Informtica - uma relao 'inteligente'", Jos Lus Malaquias, na Escola Secundria Emdio Navarro; - "Ver objectos escondidos com ajuda de raios-X", Lus Miguel Tvora, na Escola Secundria de Vouzela; - "Como o universo?", Manuel Fiolhais, nas Escolas EB 2,3 +