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GÊNERO TEXTUAL, TEXTO E GRAMÁTICA SOB QUAL ENFOQUE NO LIVRO DIDÁTICO Terezinha da Conceição COSTA-HÜBES Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE / Cascavel Resumo: A nossa preocupação, em relação às questões que envolvem o ensino da língua, recai, entre outras, sobre o tratamento didático-metodológico dispensado ao trabalho com o gênero e, atrelado a este, ao ensino da gramática, tanto pelo professor como pelo livro didático. Tendo em vista às intervenções teóricas contemporâneas em relação à concepção (sócio)interacionista da linguagem, os professores, um tanto quanto desorientados em relação aos procedimentos didáticos que “devem”, então, adotar, têm se apegado ao Livro Didático (LD) até como referência organizadora do currículo escolar, selecionando conteúdos, determinando sua progressão e até definindo estratégias e metodologias de ensino. Diante disso, se considerarmos o espaço da sala de aula como o lugar onde se deve promover a linguagem por meio da interação entre seus sujeitos, e a atividade do professor como mediadora nesse processo, a nossa preocupação com o uso livro didático faz-se necessária, assim como com a concepção de linguagem que permeia esse ensino, determinando o encaminhamento das atividades lingüísticas. Afinal, que tratamento os LDs estão dando ao gênero? E a gramática, como está sendo enfocada? Preocupados, portanto, com essa realidade, nos propomos a analisar dois livros didáticos aprovados pelos MEC e, consequentemente, inseridos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD 2007), a fim de verificar o trabalho proposto com os gêneros e com a gramática. Partindo dessa realidade, apresentamos uma proposta de trabalho, organizada em forma de Seqüência Didática, que tem como pretensão apresentar um encaminhamento didático-metodológico de trabalho, tendo o gênero como seu objeto de ensino. Palavras-chave: gêneros; texto; livro didático. Introdução Não é de hoje, desse ano, dessa década que se fala no texto como objeto de ensino da língua. Na realidade, é desde a década de 80 que essa idéia circula e é aceita em todo o Brasil (o que não significada dizer que é “praticada”). Porém, com a publicação dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) em 1998, um outro objeto passa a ser proposto para o trabalho com a língua na sala de aula: a diversidade de gêneros textuais. Ao proporem este objeto de ensino tem-se, como pretensão, ampliar o trabalho que, até então, vem se fazendo com o texto. Em vez de olhar apenas para sua estrutura organizacional, o que se pretende, no trabalho com o gênero, é relacionar o texto, também e principalmente, com a sociedade, para compreender a sua função social, sua pretensão ideológica de interlocução, seu suporte e/ou veículo de circulação, sua sócio-história. Nesse caso, a gramática, na tessitura do texto, a tipologia, a escolha lexical estão em função da interlocução e não,

Gênero textual, Texto e Gramática sob qual enfoque no livro didático. - Terezinha da Conceição Costa-Hübes

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Autora: Terezinha da Conceição Costa-Hübes (Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE / Cascavel)Fonte: ABRAHÃO, Maria Helena Vieira; GIL, Gloria; RAUBER, Andréia Schurt (Orgs.). Anais do I Congresso Latino-Americano sobre Formação de Professores de Línguas. Florianópolis, UFSC, 2007.http://www.cce.ufsc.br/~clafpl/29_Terezinha_Costa_Hubes.pdf

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GÊNERO TEXTUAL, TEXTO E GRAMÁTICA SOB QUAL ENFOQUE NO LIVRO DIDÁTICO

Terezinha da Conceição COSTA-HÜBES Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE / Cascavel Resumo: A nossa preocupação, em relação às questões que envolvem o ensino da língua, recai, entre outras, sobre o tratamento didático-metodológico dispensado ao trabalho com o gênero e, atrelado a este, ao ensino da gramática, tanto pelo professor como pelo livro didático. Tendo em vista às intervenções teóricas contemporâneas em relação à concepção (sócio)interacionista da linguagem, os professores, um tanto quanto desorientados em relação aos procedimentos didáticos que “devem”, então, adotar, têm se apegado ao Livro Didático (LD) até como referência organizadora do currículo escolar, selecionando conteúdos, determinando sua progressão e até definindo estratégias e metodologias de ensino. Diante disso, se considerarmos o espaço da sala de aula como o lugar onde se deve promover a linguagem por meio da interação entre seus sujeitos, e a atividade do professor como mediadora nesse processo, a nossa preocupação com o uso livro didático faz-se necessária, assim como com a concepção de linguagem que permeia esse ensino, determinando o encaminhamento das atividades lingüísticas. Afinal, que tratamento os LDs estão dando ao gênero? E a gramática, como está sendo enfocada? Preocupados, portanto, com essa realidade, nos propomos a analisar dois livros didáticos aprovados pelos MEC e, consequentemente, inseridos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD 2007), a fim de verificar o trabalho proposto com os gêneros e com a gramática. Partindo dessa realidade, apresentamos uma proposta de trabalho, organizada em forma de Seqüência Didática, que tem como pretensão apresentar um encaminhamento didático-metodológico de trabalho, tendo o gênero como seu objeto de ensino. Palavras-chave: gêneros; texto; livro didático.

Introdução

Não é de hoje, desse ano, dessa década que se fala no texto como objeto de ensino da língua. Na realidade, é desde a década de 80 que essa idéia circula e é aceita em todo o Brasil (o que não significada dizer que é “praticada”).

Porém, com a publicação dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) em 1998, um outro objeto passa a ser proposto para o trabalho com a língua na sala de aula: a diversidade de gêneros textuais. Ao proporem este objeto de ensino tem-se, como pretensão, ampliar o trabalho que, até então, vem se fazendo com o texto. Em vez de olhar apenas para sua estrutura organizacional, o que se pretende, no trabalho com o gênero, é relacionar o texto, também e principalmente, com a sociedade, para compreender a sua função social, sua pretensão ideológica de interlocução, seu suporte e/ou veículo de circulação, sua sócio-história. Nesse caso, a gramática, na tessitura do texto, a tipologia, a escolha lexical estão em função da interlocução e não,

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exclusivamente, em função do texto (compreensão equivocada da proposta de trabalho com o texto).

A partir dessa proposta de trabalho com os gêneros, duas práticas têm se destacado. Por uma lado, relacionados à Lingüística Aplicada, há grupos de pesquisadores que, na tentativa de esclarecer o que os PCNs propõem, têm-se dedicado aos estudos, à pesquisa, à divulgação de suas idéias por meio da organização de eventos e muitas publicações. Por outro lado, há aqueles que simplesmente dizem ter adotado tal proposta (para atender aos Parâmetros), sem muitas reflexões, e passam a abordá-la, às vezes de forma equivocada ou confusa, nos materiais publicados.

E, entre essas duas práticas, está o professor, um dos responsáveis para que a proposta teórica dos gêneros se concretize. Porém, indagamos: a quais publicações o professor tem mais acesso, ou seja, o que chega mais facilmente até suas mãos? Não precisamos pensar muito para responder que é o Livro Didático (LD), afinal, este está na grande maioria das salas e, da mesma forma, com a maioria dos professores, servindo, em muitos casos, como um “manual de instrução” para a preparação da aula.

Se o LD é, então, a publicação mais acessível ao professor, julgamos importante tomá-lo como nosso objeto de análise no que se refere aos gêneros textuais e à gramática: como são abordados? E com que propriedade teórica?

Para isso, devido ao espaço limitado que temos para tal publicação, selecionamos apenas 2 livros de Língua Portuguesa, 4ª série, aprovados pelo MEC e indicados no PNLD 2007 (Programa Nacional do Livro Didático), cuja seleção ocorreu neste segundo semestre de 2006. Ao analisá-los, estaremos enfocando, mais diretamente, dois aspectos: como o gênero está sendo apresentado e explorado em sua função social, e qual o tratamento atribuído à gramática nessa relação com o gênero.

Mas, por que falar da gramática nesse contexto? Para nós é interessante porque entendemos que ela está em função daquilo que se quer dizer, para quem se vai dizer, em que situação de interlocução, quando e para qual suporte e/ou veículo de circulação, ou seja, a gramática está para o uso da língua e, se é compreendida de tal forma, deve também ser abordada de tal forma.

Passemos, então, a tal análise, mas, antes, nos propomos a refletir sobre os três objetos de ensino que se destacam no trabalho com a língua: a gramática, o texto e o gênero textual. 1. Gramática, texto, gênero textual

No trabalho com a Língua Portuguesa, qual objeto de ensino devemos adotar: o a gramática, o texto ou o gênero textual? Conforme Geraldi (2005, p. 24), esta possível resposta envolve a articulação metodológica entre uma concepção de linguagem e sua correlação com a postura educacional. Se concebermos o ensino da língua como um simples sistema de normas, as quais obedecem a um conjunto de regras gramaticais, visando a “falar e escrever corretamente”, estamos adotando “uma concepção de linguagem como máscara do pensamento que é preciso moldar, domar para, policiando-a, dominá-la”. E, nesse caso, o objeto de ensino é a gramática, enfocada fora de qualquer contexto.

Porém, se concebemos a linguagem como forma de interação, significa entendê-la, segundo o autor (Idem, p. 41), “como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala, pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com

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ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam na fala”. E, nesse sentido, o texto é tomado como o lugar onde o sujeito pratica suas ações com a língua.

Essa forma de compreender a linguagem foi amplamente divulgada a partir da década de 80, principalmente com a publicação da obra O texto na sala de aula, organizada por Geraldi, e publicada em 1984, além de ser propagada por diversas propostas curriculares e programas de ensino, em diferentes estados do Brasil. No Paraná, essa proposta ganha força no final da década e se confirma com a publicação do Currículo Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná, em 1990.

Porém, segundo Rojo e Cordeiro (2004), o texto foi, e ainda é, diríamos, visto como objeto de uso em sala e aula - propiciando hábitos de leitura e estímulo para a escrita - ou como suporte - para o desenvolvimento de estratégias e habilidades para a redação – e não como objeto de ensino, propriamente dito. Isso ocorre porque, nas práticas relativas ao uso, à circulação e à produção de textos, acaba por ignorar a situação de produção (contexto, interlocutores, finalidade, suporte etc), levada em conta no processo discursivo, fechando-se apenas no texto enquanto estrutura e tipologia.

Disseminadas também na década de 80, sedimentam-se, na década posterior, as idéias bakhtinianas - em relação ao processo de ensino-aprendizagem de língua materna no país -, ao analisarem a linguagem na perspectiva dialógica. Ampliando-se a compreensão do trabalho com o texto, os gêneros são abordados como elementos organizadores do processo discursivo, por meio dos quais a sociedade interage.

De acordo com Bakhtin (1997), o estilo verbal do sujeito (no sentido usual) não pode ser analisado de forma independente dos gêneros. Ao selecionar, combinar, ampliar, transformar determinado(s) gênero(s), de acordo com os interlocutores, a esfera de atividade em que circula(m) e a relação valorativa com o conteúdo veiculado, o sujeito escolhe também os recursos textuais, lexicais e gramaticais. Através de sua expressividade, retoma e modifica a fala do(s) outro(s).

Assim, segundo Perfeito (2005), podemos considerar que, na concepção interativa de linguagem, o discurso, quando produzido, se manifesta por meio de textos e todo texto se organiza dentro de determinado gênero.

Em termos pedagógicos, tomando a linguagem na percepção discursiva, os

gêneros, segundo os PCNs (BRASIL,1998), tornam-se objeto de ensino (responsáveis pela articulação/progressão dos programas curriculares). Assim, a língua, resultado de um trabalho coletivo, deve ser analisada em sua natureza sócio-histórica e, então, "como uma ação orientada para uma finalidade específica (...) que se realiza nas práticas sociais existentes, nos diferentes grupos sociais, nos distintos momentos da história". (BRASIL, 1998, p. 20). Ou seja, a língua se concretiza nos textos que, por sua vez, materializam os gêneros textuais.

Nessa perspectiva, o estudo e a análise do discurso, do gênero e do texto passam a ser valorizados no trabalho com a linguagem e, conseqüentemente, uma consideração à relativização de usos e valores lingüísticos começa a ocorrer nas salas de aula. Sob tal enfoque, na perspectiva escolar, o objetivo passa a ser não só discutir, abordar a norma culta, mas, inclusive, possibilitar ao aluno o contato com os vários modos de falar/ escrever, a serem utilizados de acordo com a situação de uso.

Em vista disso, a partir da década de 80, os LDs vêm sofrendo alterações. Inicialmente para atender a proposta de trabalho com o texto e, nos últimos anos, para atender àquilo que os próprios PCNs propõem: “cabe, portanto, à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente (...). É preciso,

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portanto, oferecer-lhes os textos do mundo” (BRASIL, 1998, p. 30, 55), ou seja, o trabalho com o gênero e também com o discurso.

Nessa perspectiva, além de abordar o texto materializado nos gêneros, os LDs têm, ainda, outra missão que é a de atrelar a gramática à uma situação de interação, ou seja, se no gênero o discurso é visto como produtor de efeitos de sentidos entre interlocutores, em certa situação comunicativa, englobando não só o conjunto de enunciados produzidos, mas também, o processo de enunciação, determinados pela realidade sócio-histórica, pela ideologia e pelo inconsciente dos sujeitos, então,

... as situações didáticas devem, principalmente nos primeiros ciclos, centrar-se nas atividades epilingüísticas, na reflexão sobre a língua em situações de produção e interpretação, como caminho para tomar consciência e aprimorar o controle sobre a própria produção lingüística (BRASIL, 1998, p. 39).

Para Travaglia (1996), as exterioridades determinam as regularidades lingüísticas e são condições para a produção de textos. O texto, desse modo, é tomado como manifestação concreta do discurso, como unidade de sentido (coerência) recebido/produzido, oralmente ou por escrito, por interlocutores em condições específicas de produção. Isso significa dizer que a gramática está para o texto, assim como este está no gênero que, por sua vez, é determinado socialmente. Um pressupõe o outro e se completam. As articulações sócio-discursivas (orais e escritas) são construídas por estruturas lingüísticas gramaticais.

Será, então, que os LDs estão contemplando, em suas propostas de atividades, essas relações sócio-discursivas dos gêneros, atreladas às suas marcas lingüísticas? Em outras palavras: as atividades gramaticais, propostas pelos LDs, estão organizadas em função do gênero e, consequentemente, em função do uso social da língua? É o que nos propomos a analisar na seqüência. 2. Livro didático, gênero, texto e gramática

O primeiro LD analisado1 apresenta, já na sua introdução, uma proposta de ensino da língua portuguesa calcada na valorização da língua em suas diferentes formas de realização. Para isso, os autores informam que “o que se pretende prioritariamente é desenvolver a competência comunicativa do aluno” (p. 6 – grifo dos autores) e que, para desenvolver essa competência, deve-se possibilitar, ao aluno, o contato com as variedades lingüísticas e seu uso. Portanto, “este deve conviver com os mais diversos tipos e gêneros de texto para descobrir a função e a especificidade de cada um. Nesta coleção, trabalhamos com essa diversidade de tipos e gêneros de texto” (p.7).

Para isso, ao expor a organização geral do volume, os autores explicam que cada unidade (subdividida em quatro capítulos) será organizada em torno “de um texto principal, dentro de um determinado tipo de gênero escolhido e outros textos (textos de enciclopédias, poemas, resumos, quadros, publicidades, instruções, orientações etc.) que dialogam com o principal” (p.8).

Ao falar da organização de cada capítulo dentro das unidades, os autores assim informam: na primeira unidade, “os textos principais são narrativas infantis 1. Organizado por TRAVAGLIA, Luiz Carlos; COSTA, Silvana; ALMEIDA, Zélia, tem como título “A aventura da linguagem”. Trata-se do Manual do Professor, dirigido à 4ª série, publicado pela editora Dimensão de Belo Horizonte, em 2006, e aprovado pelo PNLD 2007, com o código 015013.

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contemporâneas ou narrativas da literatura clássica infantil”. Os textos da segunda unidade “pertencem ao gênero epistolar ou correspondência: cartas, cartões, bilhetes, telegramas, e-mails, etc.” A terceira unidade “prioriza o trabalho com textos

publicitários, dramáticos, biografias, filmes e sinopses” enquanto que a quarta unidade “prioriza o trabalho com textos jornalísticos” (p. 8).

Para um professor de 4ª série, que não tem formação específica em Letras e que não tem maiores leituras sobre gêneros, essa apresentação inicial pode deixá-lo mais confuso ainda. Afinal, os autores irão priorizar o trabalho com os tipos de texto ou com os gêneros? Gêneros e tipos de textos são sinônimos? O que são gêneros, então?

Se partirmos da concepção de que os gêneros que circulam nas diferentes áreas da atividade humana são responsáveis pela interação entre os sujeitos, entenderemos, assim como Costa-Hübes (2005), que podem ser definidos como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo, materializadas em forma de textos (orais ou escritos) que encontramos no cotidiano. Ou, como define Marcuschi (2003), que a palavra gênero é uma expressão usada para referir-se a textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.

Nesse sentido, não é o texto, por ele próprio, o foco de atenção nessa concepção de linguagem, mas a realização concreta da interação locutor/interlocutor(es) mediada pela língua e concretizada nos gêneros, num dado contexto sócio-histórico. Porém, para se chegar a essa compreensão, é preciso reconhecer, conforme Bakhtin (1995), que a língua, na qual e pela qual o homem se constitui, é reflexo das relações entre os homens. Os modos de dizer do homem são realizados a partir das possibilidades oferecidas pela língua numa determinada situação ou contexto de produção, e só podem concretizar-se por meio dos gêneros discursivos

2, ou gêneros textuais3 entendidos, segundo Bakhtin

(1997), como enunciados relativamente estáveis que circulam nas diferentes áreas de atividade humana, caracterizados pelo(a) conteúdo temático, pela construção

composicional, e pelo estilo. Nesse sentido, a riqueza e a diversidade dos gêneros são imensas porque em

cada esfera social existe todo um repertório de gêneros textuais4 que se diferenciam e que crescem à medida que se desenvolvem. Vejamos um exemplo de esfera social e de alguns gêneros que são ali produzidos:

Esfera social (discursiva) Gêneros Textuais

Artigo de opinião Classificados Reportagem Tira Anúncio Editorial Notícia Coluna social

Jornalística

Propaganda Resumos Fábula Contos de fadas Conto Histórias infantis Poema Filme*

Literária

Romance Lenda

2. Definição apresentada por Bakhtin em “Estética da criação verbal”. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 179-287. 3- Definição apresentada por Bronckart em “Atividades de linguagem, textos e discursos. São Paulo: Educ, 2003, p. 137 4 - De ora em diante adotaremos a denominação “gêneros textuais”, tendo em vista a familiaridade do termo.

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Tomando essa teoria como base, podemos perceber algumas imprecisões no LD que está sendo analisado. No momento em que poderia referir-se à palavra “gênero”, uma vez que está tratando deste, os autores optam por falar apenas em “textos”. E, na realidade, o que se prioriza, não é o trabalho pautado no reconhecimento do gênero, de sua função sócio-histórica-ideológica e nem na sua estrutura organizacional; mas sim, a ênfase maior está em “abarcar grande parte da tipologia textual”, uma vez que entendem que esta “possibilita trabalhar habilidades necessárias à abordagem de cada tipo de texto. Deste modo, as habilidades adquiridas para a leitura e produção de um gênero de dado tipo, podem ser aproveitadas, ao se trabalhar com outros gêneros” (p. 8). Assim, os autores entendem que ao trabalhar com a narração em um conto de fadas, por exemplo, suas características básicas podem ser aplicadas em outros textos também narrativos. Prioriza-se, portanto, a estrutura tipológica do gênero, em detrimento de seus aspectos sociais. Ou seja, o que os autores estão tratando como gênero nada mais é do que um estudo voltado apenas para a organização interna do texto.

Para justificar essa nossa fala, vamos tomar por base a Unidade 2 (p. 58-96), na qual os autores se propõem a trabalhar com o “gênero epistolar ou correspondência: cartas, cartões, bilhetes, telegramas, e-mails, etc.” (p.8). Abrem a Unidade com o gênero textual carta. Na seção “dialogando com o texto” (p. 60), quando se espera que os autores irão explorar a função social do gênero (quem escreveu, para quem, quando, por que, com que intenção, para qual suporte e /ou veículo de circulação), limitam-se apenas a questionar sobre os elementos que compõem o cabeçalho, os elementos que compõem o final da carta, a definir o destinatário como “vocativo”. Ou seja, trata-se apenas de um olhar para o texto e sua composição interna, desconsiderando o trabalho com o gênero.

Além disso, os autores cometem outra imprecisão teórica: tratam a carta e o bilhete como “dois tipos de textos” e não como dois gêneros textuais distintos e com funções sociais também distintas. Nesse caso, questionamos: o que os autores estão entendendo como “tipos de textos”? E o que a teoria dos gêneros tem divulgado nesse sentido? Marcuschi (2003) explica que a expressão “tipos de texto” refere-se à composição interna do texto, isto é, as seqüências discursivas que nele predominam e que estas abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narrativas, argumentativas, expositivas / explicativas, descritivas e injuntivas. Porém, os autores afirmam que “em nossa sociedade há centenas de tipos e gêneros diferentes de texto” (p. 23 – grifo nosso). Estariam, os autores, tratando os gêneros e os tipos de textos como sinônimos?

O segundo texto apresentado na Unidade, na seção intitulada “Dialogando com outros textos” (p. 61) trata-se do gênero textual “poema” (p.61). Pela leitura, percebe-se que o diálogo entre os dois textos está não no conteúdo da carta, mas sim no fato do poema falar sobre carta. Também neste não se faz referência à função social do gênero. Depois de explorar o conteúdo interno do texto, o aluno é convidado à “produção de texto” (p. 62) e, neste caso, os autores não orientam para a produção nem de carta, nem de poema (que é o que se espera de um livro que diz pautar-se nos gêneros, por ter trabalhado com esses dois “modelos” de textos socialmente estabelecidos); a proposta é para que o aluno “componha um texto, descrevendo uma situação vivida por duas pessoas”, em que expressões como: “Oi, como vai?, Eu sinto muito!, Quando você volta?, Vou sentir saudades...”, entre outras, sejam usadas.

Se a intenção dos autores, com essa proposta, era a de propiciar o “uso da linguagem como uma forma de ação social entre interlocutores” (p 21), criando

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situações de produção em que o aluno tenha, como condições fundamentais, “a) o quê dizer; b) uma razão para dizer o que vai dizer; c) para quem dizer; d) assumir-se como locutor e; e) escolher estratégias adequadas para dizer o que se tem a dizer” (p. 11, apud GERALDI, 1993, p. 160), talvez, nesse momento, tenham esquecido da função social dessa produção ou do trabalho com o gênero. Embora a proposta apresente alguns desses elementos norteadores da produção, não visualizamos, nela, uma ação social. Vejamos:

- O que dizer? (uma das expressões “Oi, como vai?, Eu sinto muito!, Quando você volta?, Vou sentir saudades...” (p. 62).

- Razão para dizer? (“Com apenas três palavras é possível fazer saudações e demonstrar sentimentos”) (Idem).

- Para quem dizer? (“Leia sua história no grupo para verificar se a expressão foi bem escolhida, está adequada à situação vivida pela personagem”) (Idem).

- Assumir-se como locutor: (não há menção sobre isso). - Estratégias adequadas para dizer: (há um roteiro de como o aluno deve

proceder em cada parágrafo). A proposta de produção esbarra-se, nesse caso, no ato de escrever para

“aprender” determinada estrutura lingüística, no caso, “expressões que denotam sentimentos”. Será que as expressões da língua apresentadas pelos autores, nessa seção, precisam realmente ser ensinadas? Nesse caso, elas não fluiriam, naturalmente, por exemplo, num trabalho com o gênero? Explicando: se os autores iniciaram a Unidade com uma carta, não seria mais interessante e mais significativo ao aluno se ele, por exemplo, escrevesse uma carta a um amigo ou parente distante, na qual alguma das expressões propostas seriam empregadas naturalmente? Na realidade, a escola, referendada pelos LDs, insistem em trabalhar com propostas esvaziadas de sentido e, mesmo assim, dizem preocupados em incentivar as atividades de produção de texto.

Na seção “A construção do texto na fala e na escrita” (p. 63-64), os autores voltam-se para o ensino da gramática para o qual, segundo eles:

... assim como todas as atividades da coleção, adotamos uma concepção interacionista da linguagem, ou seja, aquela que vê o uso da linguagem como forma de ação social entre os interlocutores. Essa ação é concretizada por meio de textos e da escolha dos recursos que os compõem. Os recursos lingüísticos funcionam como pistas e instruções de sentido para transmitir elementos de significação. Estes, no todo e na relação com outros fatores, constitui o sentido que o produtor do texto espera que seja percebido pelo recebedor em sua atividade para compreender o texto. (...) a trabalhar com o ensino da gramática, adotamos sobretudo a concepção pedagógica de que no ensino, para o desenvolvimento da competência comunicativa, a gramática deve ser vista como um estudo das condições lingüísticas da significação (p. 21-22)

Partindo de uma chamada “Vamos recordar?”, os autores apresentam uma breve explicação do que é substantivo e suas flexões em gênero, número e grau. Em seguida, falam rapidamente sobre o adjetivo e os artigos e sobre as relações que estabelecem com os substantivos. Na seqüência, destacam o seguinte trecho que faz referência à carta (texto que abriu a unidade), mas que não pertence ao texto:

Quando acordou, José Romildo tomou a iniciativa e escreveu para Maria

Júlia. O rapaz leu e releu a carta.

E, depois, segue esta explicação: “As palavras destacadas nessas frases são substantivos.” (p.63)

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Na seqüência, apresentam cinco atividades, sendo que duas delas referem-se às palavras negritadas: “2. Por que a palavra iniciativa é precedida de artigo feminino e rapaz é precedida de artigo masculino?; 3. Justifique o emprego de letra inicial maiúscula em dois dos substantivos destacados.” (idem). As questões seguintes (4, 5 e 6) abandonam esse trecho e propõem: a) que o aluno faça uma frase usando adjetivos para indicar três características de sua cidade; b) que complete as lacunas com “artigos definidos”, deixadas em 4 frases antes das palavras cabeça e rádio; c) apresentam um texto (didático/científico, retirado da Revista Recreio) do qual seis artigos foram retirados para que o aluno os reconduza ao seu devido lugar.

Como é possível perceber, as atividades propostas são esvaziadas de sentido, centrando-se apenas na metalingüística, ou seja, em definir, conceituar gramaticalmente as palavras, sem relacioná-las com os sentidos estabelecidos no co-texto e no contexto. Em nenhuma das questões percebemos qualquer abordagem que propicie ao aluno entender que “os recursos lingüísticos funcionam como pistas e instruções de sentido para transmitir elementos de significação” (p. 21). Porém, foi exatamente isso que os autores propuseram quando abordaram (teoricamente) a gramática. Então, onde estão as instruções de sentido? Por que não explorar, por exemplo, quem é José Romildo e Maria Júlia e a relação de sua identidade com o nome. Nesse caso, o que significa ter um nome próprio? Para daí chegar às suas formas de representação pela língua. Da mesma forma, ao abordar os adjetivos, poderia fazê-lo explorando trechos da carta ou a carta toda, durante a qual José Romildo vai apresentando suas características. Nesse caso, mais interessante seria perguntar, ao alunos, “quais são as características de José Romildo” apresentadas no decorrer da carta. A partir daí, se realmente achasse interessante destacar ainda mais essa classe gramatical, poderia estender-se ao próprio aluno, solicitando-lhe que escrevesse uma carta a um amigo da sala ou de outra turma, falando sobre suas características (físicas e psicológicas). E, ao trabalhar com os artigos (que poderia ser em outro momento), julgamos que, mais importante do que dizer ser o artigo é definido ou indefinido, é explicar por que usamos ora um, ora outro. Lacunar um texto para que o aluno preencha com artigos, nada significa se, após esse preenchimento, não chamar a atenção para as relações de sentido estabelecidas pelo uso do “o” ou “um”, por exemplo.

E o livro segue assim: apresentando textos, sem relacioná-los ao seu contexto sócio-histórico-ideológico; apresentando propostas de produção que prevê um interlocutor, porém, em muitos casos, “de faz de conta”, ou seja, que não é real; tratando a gramática, na maioria das vezes, de forma descritiva ou normativa, desvinculada de suas relações de sentido e sem explorar aquilo que os próprios autores defendem:

...grande parte dos tópicos de gramática são abordados mais na dimensão de sua significação e função no texto (não estamos falando de sua função sintática) e na dimensão normativa, no sentido de regras sociais de uso da língua e da adequação ou não de uso de elementos/recursos de variedades lingüísticas distintas em determinadas circunstância de comunicação (p. 12).

O outro LD analisado5 apresenta um tratamento mais específico com o gênero, demonstrando que a autora tem maior domínio sobre o tema. Assim, após cada texto apresentado, traz uma breve definição do gênero ao qual pertence e explora (mesmo que superficialmente) sua função social. As atividades de produção escrita estão, em geral, 5- CAVÉQUIA, Márcia Paganini. A escola é nossa. 4ª série, São Paulo: Scipione, 2004. Aprovado pelo MEC para o PNLD 2007, com o código 014674.

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relacionadas a um dos gêneros trabalhados na unidade, tomando-o como base, para uma nova produção escrita.

Porém, na seção “Pensando sobre a língua”, destinada à gramática, esta é enfocada de forma descontextualizada, amparando-se, às vezes, em pequenos trechos do texto que são usados como pretexto para a fixação de alguma nomenclatura ou de alguma regra. É o que podemos confirmar nas páginas 90 a 92, quando a autora aborda a noção de oração, sujeito e predicado.

O que essa breve análise nos permitiu observar é que, embora, teoricamente, desde a década de 80, fale-se em um ensino pautado numa concepção interacionista da linguagem, a qual prioriza as relações sociais de interlocução estabelecidas pela língua; defenda-se o ensino da gramática relacionado com seus mecanismos de uso e funcionamento, inseridos num contexto lingüístico; e, mais tarde, a partir do final da década de 90, instigue-se um trabalho com a língua pautado nos gêneros; mesmo que as propostas curriculares venham defendendo essas idéias, assim como muitas publicações e muitos cursos de formação; mesmo assim, muitos dos LDs publicados não conseguem contemplar tais propostas.

Por isso, continua-se, na sala de aula, resistindo a tais inovações e persistindo em práticas mecânicas de ler, interpretar, escrever textos para o professor corrigir (sem interlocutor) e resolver exercícios vazios de significados, pautados em comandos que mandam o aluno classificar, retirar, separar ou circular palavras em frases ou texto-pretexto para o trabalho com a metalinguagem.

Teoricamente, houve muitos avanços, porém, na prática, muito pouco pode ser considerado. E o que fazer diante de tal realidade? Apenas criticar? Levantar problemas? Relacioná-los? Entendemos que não, pois muitos pesquisadores já o fizeram e já existem muitas publicações a esse respeito. Julgamos que a hora agora seja de apontar caminhos, apresentar soluções, propostas didáticas que transponham essa base teórica para ações que possam ser realizadas na sala de aula. É o que nos propomos a apresentar na seqüência desse texto. 3. Uma proposta de trabalho com o gênero

A proposta didática que ousamos apresentar está, inicialmente, pautada na compreensão do gênero como objeto de ensino, entendendo-o como um instrumento essencial para o trabalho com a língua oral e escrita.

Nessa perspectiva, adotamos, como suporte teórico, para transposição dessa teoria, os autores Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004, p. 97) que propõe um encaminhamento prático para o trabalho com os gêneros, organizado em forma de “Seqüência Didática” (SD) que, para os autores, se define como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual (oral ou escrito)”, com a finalidade de

... ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação. O trabalho será realizado sobre gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira insuficiente; sobre aqueles dificilmente acessíveis, espontaneamente, para a maioria dos alunos; e sobre gêneros públicos e não privados (p. 97).

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Para demonstrar, na prática, como explorar um gênero por meio de uma SD, passamos a apresentar uma proposta de atividades organizadas, pensando na 3ª série (ou 4º ano), em torno de um gênero textual da esfera literária: a Fábula. 1- ESTÍMULO À PRODUÇÃO ESCRITA

� O ponto de partida em um trabalho de LEITURA, PRODUÇÃO E REESCRITA DE TEXTO organizado por meio de uma Seqüência Didática (SD) pode ser, por exemplo, do(a), professor(a) estimular a PERCEPÇÃO DE UMA NECESSIDADE DE INTERAÇÃO, por exemplo, com a ESCOLA. Trata-se de apresentar aos alunos uma SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO que será realizada “verdadeiramente”.

1.1- Apresentação da situação

� O(a) professor(a) fala aos alunos que foi até à biblioteca da escola e percebeu que nela há poucos livros com “Fábulas”. Por isso, ressalta a importância dos alunos da turma PRODUZIREM FÁBULAS que, quando prontas, serão reunidas NUM LIVRO para ser doado à biblioteca. Assim outros leitores da escola poderão ler as fábulas que escreverem (cria-se uma necessidade de produção, tendo em vista interlocutor(es) real(is)).

1.2- Pesquisa sobre o gênero � O(a) professor(a) pergunta, então, aos alunos, se eles sabem o que é Fábula. De acordo

com as respostas, orienta para que pesquisem, na biblioteca, sobre o assunto. Para isso, organiza, antecipadamente, com a bibliotecária, textos explicativos sobre o gênero, de acordo com o conhecimento deles (3ª série). (É claro que o(a) professor(a) poderia, em poucas palavras, explicar aos alunos o que são “Fábulas”, mas entendemos que a apreensão do conhecimento é maior quando este é construído pelo próprio aluno. E a pesquisa é uma das maneiras de propiciar essa construção).

1.3- “Modelos” do gênero � Depois de pesquisado e definido o gênero, o(a) professor(a) orienta aos alunos para que

tragam, para a próxima aula, “Fábulas” para serem lidas e também seleciona alguns textos desse gênero para ler e identificar melhor suas características sócio-histórica e ideológicas.

1.4- Leitura das fábulas � Assim que retomar o assunto, o(a) professor(a) pede aos alunos que leiam (oralmente)

as fábulas que trouxeram (observe, nesse momento, se os textos lidos são realmente fábulas). Em grupos, orienta para que listem o que perceberam de comum em todos os textos lidos.

1.4.1- Características das Fábulas � Instigar os alunos para que reconheçam, nos textos lidos, pelo menos algumas destas

características que identificam o gênero como tal: - Presença de animais, nas histórias, com características humanas - Moral da história - Texto curto - Título com nomes de animais - Diálogo entre os animais - Tempo indeterminado - Texto predominantemente narrativo - Narrador em 3ª pessoa (o narrador conta como se tivesse visto a cena) - Jogo de valores apostos (preguiça X trabalho; lerdeza X esperteza, etc.)

1.4.2- Contexto histórico � Essa é o momento do(a) professor(a) expor, aos alunos, a sócio-história do gênero

(quando surgiu, com que objetivo, o primeiro e os mais importantes fabulistas, com qual função social, em qual suporte e/ou veículo de circulação, etc.).

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1.4.3- Leitura e construção de sentidos � Para melhor analisar o contexto histórico, a função social do gênero e suas

características, selecione, dentre tantas, uma fábula para desenvolver as seguintes atividades:

- Leitura e construção de sentidos - Análise de sua estrutura - Análise dos elementos lingüísticos Exemplo de texto selecionado e de possíveis análises:

1.4.3.1- Características sócio-histórica-discursivas do gênero (apresentamos algumas possíveis questões que poderiam ser direcionadas aos alunos, a fim de propiciar uma reflexão maior em relação à função social do gênero).

1) Responda as questões abaixo, relacionando suas respostas com o conhecimento que você já adquiriu sobre o gênero: a) Quem escreve, geralmente, esse gênero? b) Nesse caso, quem escreveu esse texto? O que você sabe sobre o autor? c) Quando será que esse texto foi produzido? E com que propósito? d) Qual a temática explorada nesse texto? e) Para quem ele foi produzido? f) Como será que esse texto circulou na época em que foi produzido? g) E hoje, qual é o seu veículo de circulação?

1.4.3.2- Atividades de leitura e produção de sentidos (nessa seção, apresentamos algumas possíveis questões para serem direcionadas aos alunos, a fim de: propiciar uma reflexão maior sobre as idéias apresentadas no texto e sua relação com a própria sócio-história do aluno; orientar para que o aluno busque informações pontuais no próprio texto; e, ainda, instigar para que o aluno leia as informações implícitas, faça as inferências necessárias para construir sentidos no texto).

1) Pense e responda, relacionando, agora, as idéias do texto com seu conhecimento de mundo:

a) Com quem você relacionaria a formiga hoje? b) E a cigarra? c) Você acha importante o trabalho da formiga? d) Você considera o canto da cigarra como uma forma de trabalho? Por quê? e) Como você explica a moral da história? f) Você concorda com as formigas ao negar ajuda à cigarra? Por quê?

2) Assinale a alternativa correta, em relação às informações apresentadas no texto::

A Cigarra e as Formigas

No inverno, as formigas estavam fazendo secar o grão molhado, quando

uma cigarra faminta lhes pediu algo para comer. As formigas lhe disseram:

__ Por que, no verão, não reservaste também o teu alimento?

A cigarra respondeu:

___Não tinha tempo, pois cantava melodiosamente.

E as formigas, rindo, disseram:

___ Pois bem, se cantavas no verão, dança agora no inverno. A fábula mostra que não se deve negligenciar em nenhum trabalho, para evitar tristeza e perigos.

Esopo: fábulas completas. Tradução de Neide Smolka. São Paulo, Moderna, 1994

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a) Quando as formigas secavam os grãos molhados? ( ) No verão ( ) No inverno ( ) Na primavera b) Quando foi que a cigarra cantava melodiosamente? ( ) No verão ( ) No inverno ( ) Na primavera c) Quando foi que a cigarra pediu ajuda às formigas? ( ) No verão ( ) No inverno ( ) Na primavera

3) Responda de acordo com aquilo que foi possível entender com a leitura do texto:

: a) Por que os grãos estavam molhados? b) Por que a cigarra estava faminta? c) Por que as formigas riram da cigarra?

1.4.3.3- Atividades de Análise Lingüística (nessa seção, nossa intenção é explorar alguns elementos lingüísticos do texto, que exercem maior influência na construção dos sentidos. É claro que as atividades propostas não esgotam a análise dos elementos do texto, porém propiciam um olhar mais atento para a seleção do léxico. Embora mencionamos, em alguns momentos, nomenclaturas da gramática, nossa intenção não é fixá-las. Ao contrário, entendemos que, mais importante do que definir adjetivos, por exemplo, e refletir sobre suas escolhas e sobre os sentidos provocados por essas escolhas. Por isso, a gramática, aqui, é estudada em função do gênero e de suas relações de interlocução).

1) Releia o primeiro parágrafo: “No inverno, as formigas estavam fazendo secar o grão molhado, quando uma

cigarra faminta lhes pediu algo para comer. As formigas lhe disseram:”

a) As palavras sublinhadas são pronomes que foram empregados no texto para evitar a repetição de dois nomes. Que nomes são esses? lhes: __________________ lhe: ___________________

b) Na expressão “grão molhado”, a palavra sublinhada é um adjetivo que apresenta uma característica ao substantivo (grãos). Por que o autor empregou tal adjetivo para a palavra “grãos”? Qual a relação desse adjetivo com a estação do ano?

c) Ao dizer “uma cigarra faminta”, que imagem da cigarra o autor passa ao leitor com o uso desse outro adjetivo? Nesse caso, desenhe a cigarra como você a imagina.

d) Se em vez de “uma cigarra faminta” o autor tivesse dito “uma cigarra com fome”, mudaria a característica da cigarra? Como?

2) Releia os seguintes trechos: “__ Por que, no verão, não reservaste também o teu alimento?”

a) A palavra “teu” foi empregada para falar do alimento de quem? b) Quando o autor emprega a palavra “também” está fazendo uma comparação

entre duas situações. Quais são, portanto, as situações que estão sendo comparadas?

“___ Pois bem, se cantavas no verão, dança agora no inverno.”

c) Quem é que “cantavas” no verão? d) Com que sentido a palavra “dança” foi empregada?

1.4.3.4- Atividades de Análise das Características estruturais e tipológicas do gênero (essa é uma seção que tem como objetivo propiciar, ao aluno, o reconhecimento da estrutura

“Como você viu, quando produzimos um texto, as palavras empregadas são todas escolhidas a fim de, juntas, construírem um possível sentido para o texto. Essas palavras são chamadas de elementos gramaticais ou lingüísticos.

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organizacional do gênero, bem como de suas marcas tipológicas. Trata-se de um estudo da arquitetura interna do texto, relacionada, porém, com os efeitos de sentido que se quer provocar).

3) Localize, no texto, as seguintes características do gênero: a) título: b) Peça aos alunos que listem outros títulos de fábulas com essa mesma característica. c) Tempo e lugar: d) Número de linhas: e) Personagens animais:

f) Características dos animais: h)Moral da história: i) Jogo de valores: 4) Explore os aspectos tipológicos do texto, analisando a estrutura da narração: a) Onde aconteceu o fato? Quando? b) Quais são os personagens envolvidos? c) Copie, do texto, a parte da apresentação inicial do enredo: c) Quando começa o conflito? d) Quais foram as ações desencadeadas em função do conflito? e) Em que momento se dá o clímax da história? f) Como se dá o desfecho:

2- PRODUÇÃO ESCRITA (Só depois de todos esse percurso, julgamos que o aluno está apto a atender a proposta inicial: produzir uma fábula que fará parte de uma coletânea, a qual comporá um livro que será doado à biblioteca da escola. A proposta de produção deverá ser organizada pelo(a) professor(a) que orientará para esse fim. Nós apresentamos, na seqüência, uma proposta, mas não significa que deve esgotar-se nesse encaminhamento).

a) Depois de toda essa exploração, produza uma Fábula que envolva os seguintes animais: O GATO e o CACHORRO

(Antes de iniciar-se a produção, sugerimos que o(a) professor(a) discuta, coletivamente, com os alunos, algumas características essenciais para a preservação da estrutura do gênero, tais como: título, características desses animais, como o tempo e lugar devem ser apresentados no texto, qual o jogo de valores que será representado, que moral pode ser atribuída à história, além de orientar para não esquecerem do diálogo entre os animais).

2.1- Primeira produção: rascunho (Aqui propomos alguns passos que julgamos essenciais no processo de produção escrita para provocar, no aluno, a atitude de reler o próprio texto, analisando-o quanto às marcas de interlocução – se atende à situação de interlocução, tendo em vista o suporte e/ou veículo de circulação – à estrutura organizacional do gênero, sua estrutura tipológica, às marcas lingüísticas – flexão das palavras, escolha do léxico, prováveis efeitos de sentido – as questões ortográficas e de pontuação). Nesse sentido, orientamos para que o(a) professor(a):

a) Deixe que cada aluno produza, individualmente, sua fábula. b) Produzida a primeira versão, recolha-as e guarde-as (não é necessário que as leia nesse

momento). c) Ao retomar o assunto (na aula do dia seguinte, por exemplo), devolva as fábulas e

oriente para que os alunos as releiam e verifiquem: - Se atende à situação de interlocução (leitores que freqüentam a biblioteca) - Estrutura organizacional (título adequado, se há animais, se há diálogo, se o texto é

curto, se há moral, se é um texto narrativo...) - Escolha do léxico e suas flexões - Ortografia - Letra legível

d) Para auxiliar nessa análise, pode ser apresentado, aos alunos, o seguinte quadro:

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Roteiro de Avaliação Está bom Preciso

mudar a) As personagens da história são típicas de uma fábulas? b) O tempo é indeterminado como nas fábulas? c) Na situação criada, as atitudes das personagens podem ser

comparadas com atitudes humanas?

d) A resolução está combinando com a sua intenção e com a moral da história?

e) A moral da história combina com a fábula e sua intenção? f) O narrador conta o que aconteceu como se tivesse visto a

cena?

g) As falas das personagens aparecem sinalizadas por parágrafo e travessão?

h) Não há repetição de palavras para indicar as personagens?

2.2- Reescrita e Correção (Esse é o momento que julgamos ser o mais importante para que o aluno se aproprie do código escrito e da estrutura do gênero, entendendo, finalmente, a função social da escrita. Por isso, sugerimos que seja sempre realizado em sala de aula (e nunca como tarefa para casa), a fim de que o(a) professor(a) possa acompanhar de perto esse processo, auxiliando e orientando o aluno naquilo que for necessário). Para isso, pode-se:

a) Sugerir para que troquem os textos entre os colegas no momento da verificação. b) Tendo em vista a revisão do próprio aluno e do colega (o professor não revisa, nesse momento), o aluno reescreve seu texto, produzindo, assim, uma segunda versão, a qual será, agora, entregue ao(a) professor(a). c) Correção dos textos reescritos pelo(a) professor(a) na sala, junto com o aluno, ou fora da sala de aula, diagnosticando o(s) problema(s).

2.2.1- Reescrita coletiva (Essa é uma das opções de reescrita, a qual deve ser muito praticada nas séries iniciais, pois entendemos que, este é o momento de olhar, coletivamente, para algum problema do texto, quando se pode sistematizar a escrita (ou o gênero) com maior aproveitamento. Porém, não se trata de expor, um texto, tal qual foi produzido, com todos os problemas que possa apresentar. Ao contrário, antes de expô-lo, julgamos que algumas atitudes devem ser tomadas pelo(a) professor(a). Então, sugerimos: a) Selecionar um texto para reescrita coletiva (nesse caso, o texto selecionado deve

apresentar pelo menos UM PROBLEMA que representa a dificuldade da maioria) b) Digitar esse texto, corrigindo todos os demais problemas, deixando APENAS O

PROBLEMA QUE SERÁ TRABALHADO. Ex. repetições. c) Reescrever o texto coletivamente, com ênfase no problema destacado.

2.2.2- Reescrita individual Caso não seja feita a reescrita coletiva, os textos deverão ser devolvidos para cada aluno,

com anotações do(a) professor(a), para que, individualmente, procedam à reescrita do mesmo (na sala de aula).

3- CIRCULAÇÃO DO GÊNERO Uma vez os textos reescritos e sanado os problemas, reuni-los numa coletânea, formando, então, o Livro de Fábulas da 3ª Série A para ser deixado na biblioteca da escola. Como se trata de tornar público o texto, é importante que este se aproxime, o máximo possível, dos modelos que circulam socialmente (as fábulas já publicadas). Para isso, é importante que seja levado a sério a prática de reescrita de texto.

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Considerações finais

Não queremos dizer, com essa proposta de trabalho com os gêneros, que iremos sanar todos os problemas relativos ao ensino da língua portuguesa e nem é nossa pretensão dizer que os LDs deveriam, todos, ser organizados de tal forma. Queremos, apenas, apresentar um possível encaminhamento, já testado e aprovado por alguns professores de nossa região (Oeste do Paraná) que, trabalhando nessa perspectiva, têm observado, além de maior envolvimento e interesse dos alunos pela língua, maior perspectiva de aprendizagem.

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