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UMA MfNIAL DA OE AMPARO À PEIQUIIA DO EITAOO OE IÃO PAULO HORMÔNIO - COMAÇAO , ANTIINFLAMATORIA BIOTA-FAPESP CONQUISTA PRÊMIO CE:)] Genoma Xylella na reta final

Genoma Xylella na reta final

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Pesquisa FAPESP - Ed. 48

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Page 1: Genoma Xylella na reta final

UMA PUBLICA~ÃO MfNIAL DA fUNOA~ÃO OE AMPARO À PEIQUIIA DO EITAOO OE IÃO PAULO

HORMÔNIO -COMAÇAO , ANTIINFLAMATORIA

BIOTA-FAPESP CONQUISTA PRÊMIO

CE:)]

Genoma Xylella na

reta final

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12 O Programa Biota-FAPESP recebe o Prêmio Henry Ford de Conservação Ambiental, como iniciativa do ano na área de preservação

18 Antes do prazo previsto, os pesquisadores da rede Onsa concluem o Projeto Genoma Xylella, de seqüenciamento genético da bactéria Xylella fastidiosa, e se colocam ao lado dos principais grupos da pesquisa genômica mundial

Capa: Hélio de Almeida, sobre

fotos de Miguel Boyayan (folha) e Fundecitrus (Xy/e//a)

26 Pesquisadores da USP chegam a resultados

inéditos sobre o papel antiinflamatório da melatonina, hormônio produzido pela glândula

pineal e que controla o sono nos seres humanos

EDITORIAL 5 MEMORIAS 6 OPINIÃO 7 POLfTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA 8 CIÊNCIA 18 TECNOLOGIA 37 HUMANIDADES 42 LIVROS 48 LANÇAMENTOS 49 ARTE FINAL 50

34 Pesquisadores da Unicamp fundiram dois tipos de circuitos integrados e criaram um outro, de arseneto de gálio, que permite aplicações mais refinadas, em áreas de ponta

38 Um grupo de nove empresas de São Carlos forma a Virtec, uma organização virtual que reúne competências empresariais e acadêmicas

42 Estudo faz amplo levantamento da imigração e mostra que foi ela que deu a São Paulo sua feição empreendedora

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1999 • 3

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PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

PRESIDENTE

PROF. DR.ADILSON AVANSI DE ABREU PROF. DR.ALAIN FLORENT STEMPFER

PROF. DR. ANTÔNIO MANOEL DOS SANTOS SILVA PROF. DR. CELSO DE BARROS GOMES

DR. FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO PROF. DR. FLÃVIO FAVA DE MORAES

PROF. DR. JOSÉ JOBSON DE A ARRUDA PROF. DR. MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO

DR. MOHAMED KHEDER ZEYN PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO

PROF. DR. RUY LAURENTI

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA) CARLOS HAAG (HUMANIDADES)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÃRIO LEITE FERNANDES (TEXTO)

DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA MOISÉS DORADO

T ÃNIA MARIA DOS SANTOS

COLABORADORES ANA MARIA FlORI

LUCAS ECHIMENCO MARCOS PIVETIA MYRIAN CLARK

MÔNICA TEIXEIRA RODRIGO ARCO E FLEXA

ULISSES CAPOZOLI

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI , NO. 1500, CEP OS468-90 I ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TEL. (O - li) 838-4000 - FAX: (O - li) 838-4117

ESTE INFORMATIVO ESTÁ DISPONÍVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http://www.fapesp.br e·mail: mariluce@ fapesp.br

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

4 • NOVEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Genoma Cana

Na reportagem sobre o Genoma Cana, Notícias FAPESP N° 46, foram citadas as universidades e institutos que participam do projeto, com a omissão da Universidade Federal de São Carlos. Esta possui dois gru-pos que integram os grupos de seqüenciamento do SUCEST, um deles sob a minha coordena-ção, no Departamento de Gené-tica e Evolução, e outro sob co­ordenação do Dr. Éder Giglioti, no Centro de Ciências Agrárias da UFSCar, câmpus Araras.

Em informativos anteriores, fui citado como pertencen te à Universidade Federal de São Paulo, Unifesp.

PROF. DR. FLÁVIO HENRIQUE SILVA

Universidade Federal de São Carlos

há dados referentes ao Estado de São Paulo e ao Brasil. Bastaria clicar os sites do Ministério da Saúde referen­tes aos Datasus ou do Instituto Na­cional do Câncer.

PAULO A. LOTUFO

Professor Assistente da Faculdade de Medicina da USP - São Paulo, SP

Taxa bruta de mortalidade por câncer de algumas localizações primárias Brasil - Homens, 1980- 1996

1/1 00 000 homens 14 ~~:.:___::.....:_ _________ ,

12

lO

8~-- Estômago

41·-=-------------1 Cólon t- e Reta

0~-r,-~-r~~~~~~-r~ ~~~~~~~~~~~~~~~~~

Fontes: Ministério da Saúde: DataSus, SIM, INCA; e /BGE: DEPEIDEPIS

Taxa bruta de mo rtalidade por câncer de algumas localizações pri márias Bras il - Mul heres, 1980- 1996

São Carlos, SP 1/ 100.000 mulheres 1 0~:.:___::.:___::.....:_~---------,

Correção 8

Venho através desta solicitar o reparo da informação veicula­da no Notícias FAPESP No 46, do mês de setembro de 1999, na matéria intitulada "Melhores prognósticos: marcadores bioló­gicos permitem prever a evolu-ção do câncer de pulmão", à pág. 20, no item Perfil. O diretor do Serviço de Verificação de Óbitos da Capital da Universidade de São Paulo (SVOC-USP), desde 17 de outubro de 1997 até o momento, é o Prof. Dr. Carlos Augusto Pasqualucci, profes­sor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP.

RUBENS M ARTI NS,

Assistente Técnico-Administrativo do SVOC-USP- São Paulo, SP

Gráficos nacionais

Excelente a pesquisa e a reporta­gem sobre câncer de pulmão (Notí­cias FAPESP 46), porém não se pode admitir a apresentação de um gráfico com a estatística americana, quando

Fontes: Minis!ério da SaUde: 0(J[o5us, SIM, INCA; e IBGE: DEPEIDEPIS

Pesquisa Seade

Pulmão

Estômago

Colo do Útero

É com grande satisfação que acu­samos o recebimento da edição de setembro de Notícias FAPESP, con­tendo ampla e competente matéria sobre a Pesquisa da Atividade Eco­nômica Paulista (PAEP), realizada pela Fundação Seade. A divulgação desse trabalho por um veículo com a credibilidade e o prestígio da revista constitui, para nós, motivo de muito orgulho, especialmente por ter sido a FAPESP a parceira estratégica que tornou possível a realização das ati­vidades de campo.

PEDRO PAULO M ARTON I B RANCO,

diretor executivo e

L UIZ HENRIQUE PROENÇA SOARES,

diretor adjunto de Produção de Dados da Seade

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EDITORIAL

Honrando a própria história

Genoma Xylella reafirma visão de futuro da FAPESP

A reportagem de capa desta edição de Pes­quisa FAPESP é uma daquelas peças jor­nalísticas que tornam extraordinaria­

mente gratificante a função, nem sempre fácil, de editor. Primeiro de tudo, porque se constrói so­bre uma grande e boa notícia. E que editor, jorna­lista, enfim, essas pessoas com tanta freqüência imersas, por dever de ofício, na dura tarefa de por à luz micro-histórias de dramáticas mazelas sociais, de escândalos políticos e econômi-cos, não se sentiria feliz em poder apresentar a seus leitores como uma grande e boa notícia aquilo que

Para além de tudo isso, a reportagem de capa desta edição é também gratificante para um editor de Ciência e Tecnologia pelo que o repórter conse­guiu extrair de vida sendo vivida, de entusiasmo, de emoção imprimida ao trabalho científico, tantas ve­zes mal compreendido nessa dimensão particular. O texto deixa entrever um componente de eletricida­de, de frisson, de alegria e prazer que há na ativi­dade científica, alternado aos naturais períodos de

desânimo, de tédio, a que as verifi­cações obrigatórias, as repetições, a insistência dos gaps que simulam abismos intransponíveis, arrastam.

ele realmente acredita que o é? A conclusão praticamente defi­

nida do seqüenciamento da Xylella fastidiosa é, de fato, isso: uma grande e boa notícia - sobre a capacidade nacional de fazer boa ciência e tecno­logia; sobre a competência do siste­ma de C&T e dos pesquisadores pau­listas para dar saltos e fazer avançar a pesquisa em novas bases de orga­nização; sobre a garra desses pesqui­sadores para perseguir a excelência

" Provou-se Para finalizar, retornando ao pon­

to de vista geral da FAPESP, é grati­ficante editar essa reportagem para a revista desta fundação porque, sem nenhuma referência no texto à his­tória dessa instituição, ela reafirma e honra precisamente essa história.

que orgamzar

3 I laboratórios

em rede virtual

era uma decisão A FAPESP, tal como existe, é sem dúvida, o produto de uma já longa história de boas lutas: da acuidade visual contra a miopia política; da

acertada"

do criar científico e do fazer tecnoló-gico, chave para situar o país no me-lhor nível da produção contempo-rânea do conhecimento.

Para a FAPESP, promotora e financiadora do Programa Genoma em São Paulo, não dá para obscurecer, por falsa modéstia, o brilho desse feito: a conclusão do primeiro projeto genoma brasileiro, prestes a ser apresentado à comunidade científica internacional, é um motivo legítimo de orgulho. Seja por seu próprio significado científico, ou pela demonstração concreta de que a proposta auda­ciosa de organizar o labor científico de 31 labora­tórios de pesquisa em rede virtual, antes nunca tentada no país, era acertada. Seja pelo grau inédi­to de cooperação e integração obtido entre mais de uma centena e meia de pesquisadores, ou pelo ritmo veloz, incomum, que se imprimiu ao proje­to. A FAPESP está convencida de que tudo isso so­mado operou uma mudança radical, de longo al­cance, no ambiente da pesquisa em São Paulo.

visão de longo prazo contra o ime­diatismo estreito; da audácia con­tra o acomodamento estéril; do compromisso com a construção de

uma sociedade mais igualitária e justa contra asa­tisfação de pequenos interesses; da liberdade de criação, aliada à consciência social, contra a cami­sa de força sobre os talentos individuais. Enfim, a FAPESP é tal qual é porque, construída com toda a vontade de acerto que também incorre em erros, como é próprio das boas construções humanas, é sobretudo resultado das vitórias constantes das forças mais positivas da sociedade e da cultura brasileiras sobre suas forças mais sombrias.

Nesta edição de Pesquisa FAPESP, por diferen­tes vias, é esta instituição que se apresenta, deixan­do antever, como na reportagem da Xylella, suas possibilidades para atender um futuro exigente, ou mostrando, como na resenha dos livros orga­nizados pelo professor Shozo Motoyama, as lutas do passado que a trouxeram até o lugar em que hoje ela se encontra.

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1999 • 5

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O primeiro vôo bem-sucedido

Em Paris, naquele 13 de novembro de 1899, o tempo não era lá dos melhores. O céu estava acinzentado, ventava e fazia frio. Fosse um pouco menos obstinado, o mineiro Alberto Santos Dumont (1873-1932) teria revisto seus planos. Já havia passado por experiências frustrantes, mas não desistiu: pôs-se ao ar com o dirigível n° 3 e realizou o primeiro vôo bem-sucedido controlado pelo homem. Mais curto e arredondado que os anteriores, o n° 3 aproveitava o mesmo motor, a hélice e os contrapesos do n° 2, com o qual o inventor havia se chocado contra uma árvore em maio daquele ano. Santos Dumont sobrevoou o Campo de Marte, manobrou para cima e para baixo, à esquerda e à direita, contornou a Torre Eiffel e, como a aeronave se comportava impecavelmente, prolongou o passeio até o campo de Bagatelle, onde pousou, intacto. O n° 3 voou outras vezes e Santos Dumont não parou mais: construiu e aperfeiçoou outros balões dirigíveis até consagrar-se definitivamente em 1906, com o 14-Bis.

Os primórdios da meteorologia no Brasil

Vai chover? Para que a resposta a uma pergunta tão simples se apóie mais na Ciência e menos na intuição, o Brasil começou há 90 anos a observar atentamente os movimentos do céu. No dia 18 de novembro de 1909,

6 • NOVEMBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

e Santos Dumont: no ar, há I 00 anos

entrou em operação a Diretoria de

Meteorologia e Astronomia, atual Instituto Nacional de Meteorologia, então

no Morro do Castelo, no centro da cidade

do Rio de Janeiro, na época capital federal. Ligado

ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, o novo órgão deveria implantar uma rede

de estações meteorológicas e realizar a previsão do tempo,

que começaram a ser divulgadas pelos jornais cariocas em 10 de junho de 1917. As incumbências, na verdade, eram bem maiores. Sob a direção do engenheiro, astrônomo e meteorologista Henrique Charles Morize (1889-1930), a Diretoria deveria dar o "aviso aos navegantes e agricultores" sobre o tempo, noticiar por telégrafo a aproximação de tempestades,

. . pesqmsar as secas e o regime dos rios, propor medidas que amemzassem a escassez de água e realizar observações astronômicas. Tantas atribuições seriam desmembradas em 1925

entre dois órgãos, a Diretoria de Meteorologia e o Observatório Nacional. Morize manteve-se à frente do Observatório Nacional, transferido para o Morro

de São Januário, no bairro de São Cristóvão. O meteorologista Joaquim de Sampaio Ferraz (1882-1966), que analisava os dados da previsão do tempo, assumiu a Diretoria de Meteorologia, com nova sede na ponta do Calabouço, no centro. Na época, a instituição dispunha de 250 estações meteorológicas. Atualmente, com sede em Brasília, o Inmetro conta com cerca de 450 estações meteorológicas espalhadas pelo Brasil, além de dados de satélites.

A antiga torre "aviso aos navegantes"

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OPINIÃO

DARCY FONTOURA DE ALMEIDA

Genomas: projetos, realizações e sonhos Etapa cumprida traz perspectivas entusiasmantes

Ainda me encontro, como de certo muitos outros pesquisadores Brasil afora, sob o benfazejo efeito da dominação, pela co­

munidade científica sediada em São Paulo, da moderna tecnologia de seqüenciamento de geno­mas. Dito assim, parece pouco. É preciso dizer algo mais. De acordo com uma regra que talvez possa ser considerada como intrínseca à evolução da atividade científica, a aquisição de conheci­mento, se por um lado reduz algu-ma perplexidade ou resolve algum problema, por outro lado acarreta a formulação de inúmeras indaga-

a sua apresentação em nível hierárquico superior. Não mais se indagará de um gene, com seu produto e sua função, mas de regulons inteiros, de conste­lações de genes, dos labirintos de funcionalida­de que bem se assemelham aos mapas das vias do metabolismo intermediário, até ante ontem gru­dados às paredes de nossos laboratórios.

As palavras de ordem passam a ser chips de DNA, micro-arrays, uma nova disciplina que em nossa lin­

gua nem nome tem ainda, genomics. Contudo, acredito que, um pouco mais adiante, deverá ocorrer um re­torno à participação individual des-

"Está ções e novos problemas. Portan­to, a etapa cumprida é, ao mesmo tempo, o fim e o início. No caso, tanto um quanto o outro trazem perspectivas entusiasmantes.

Para chegar ao fim, que era o seqüenciamento completo do ge­noma da Xylella fastidiosa, bactéria fitopatógena que provoca a clorose de cítricos, foi necessário construir estruturas que trouxeram impac­tos muito positivos para o futuro

dominada uma tecnologia

essencial para o progresso

na área"

te ou daquele gene, como chave para a saída do labirinto, ou então para a intervenção programada, como, por exemplo, em sítios particulares das rotas geradoras de virulência, e ou­tras situações com as quais não so­nhamos. Vou mais além, e não du­vido da necessidade, em breve, de se aplicar abordagens similares às que hoje se aplicam aos genes codifican-

da pesquisa no país. Vale a pena mencionar dados que

ajudaram na rota para o sucesso: coor-denação competente e determinada, indispensável para o recrutamento de dezenas de laboratórios, de várias especialidades e de vários centros de pesquisa; aquisição de equipamentos modernos e habilita­ção dos participantes, por treinamento especializa­do; apoio institucional decidido, vale dizer, confian­te; por último, mas de valor crucial, pessoal jovem. Dadas as premissas, o resultado não surpreende: produção de competitividade internacional.

Atingido o fim, está dominada uma tecnologia específica, essencial para o progresso na área, mas que por si só não oferece respostas. De certo pu­lulam as novas indagações, para novos inícios. E também novas formas de pensar. A mais óbvia é a abordagem, de uma só vez, do genoma completo, o que requer a generalização das perguntas, ou seja,

• tes de proteínas e RNAs estáveis, para o estudo, mutatis mutandis, de regiões reguladoras, da interação DNA-proteína, enfim, de questões que surgirão quando cair na rotina

o atual fogo do genoma completo. Mas não me as­susto. Quem até aqui chegou, até lá deverá chegar.

É difícil terminar sem mencionar o outro sen­timento que acompanha minha alegria pela reali­zação do projeto Xylella em São Paulo. Lamento, e muito, que não possamos hoje festejar a institui­ção de programas semelhantes em escala federal. Dá até para imaginar, aqui comigo mesmo, bem cala­dinho, como seria bom, na época dos transgênicos, se pudéssemos transmutar a FAPESP numa FAPFEB, Fundação de Amparo à Pesquisa da Federação dos Estados Brasileiros, ou coisa que o valha ...

DARCY FONTOURA DE ALMEIDA é membro titular da Aca­demia Brasileira de Ciências

PESQUISA FAPESP • NOVEMBRO DE 1999 • 7

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ENTREVISTA

A França busca parceiros Daniel Nahon fala da política francesa para obter novos avanços em C&T

Daniel Nahon, conselheiro do Mi­nistro da Educação Nacional, da

Pesquisa e da Tecnologia da França, Claude Allegre, é um respeitado pes­quisador da área de geologia, que exibe em seu currículo cerca de 140 publica­ções científicas. Em uma de suas vin­das como pesquisador ao Brasil, em 1987, tornou-se membro da Academia Brasileira de Ciência. Mais tarde, em 1993 e 1994, foi professor visitante da Universidade de São Paulo-USP.

Em meados de outubro passado, Nahon retornou ao Brasil, dessa vez em missão política. Acabara de assumir a presidência do Comitê Francês de Ava­

~ • Poderíamos começar pelo acordo entre ~ o Cofecub e a FAPESP 0 Deixe-me dizer, em primeiro lugar, " que o Brasil é um país prioritário para

a França. Antes de tudo por razões cul­turais. Somos muito próximos, tanto que, quando cheguei aqui pela primeira vez, me senti em casa e penso que muitos franceses têm essa mesma impressão.

• A França teve uma influência cultural muito grande sobre o Brasil até, digamos, a Segunda Guerra. Depois, com a influência muito mais poderosa dos Estados Unidos, essa presença francesa no país diminuiu.

liação da Cooperação Universitária N ahon: vendo o Brasil como igual

Estou de acordo. E do lado da Fran­ça, fomos seduzidos pela tecnologia que os americanos possuíam. Isso foi

muito benéfico, porque forçou o país, que tinha uma ten­dência a se recolher, a não ver que a pesquisa era interna­cional, não mais nacional, a entrar na competição. Agora, já instalados na competição, já tendo provado nossa aber­tura à novidade cultural, creio que, de forma semelhante ao Brasil, o país tem necessidade de retornar às próprias raízes culturais.

com o Brasil, o Cofecub e, entre outras coisas, precisava discutir com a FAPESP, com quem o ór­gão mantém um convênio de intercâmbio para jovens doutores, as possibilidades de ampliação da colaboração científica entre os dois países.

Em sua passagem por São Paulo, Nahon, que em no­vembro assumiria também a presidência do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento, o Cirad (outro órgão com quem a FAPESP tem um convênio de cooperação), concedeu uma longa entrevista a Mariluce Moura. E nela não evi­tou qualquer aspecto das turbulências que agitam hoje a política francesa de pesquisa científica, decorrentes da oposição entre comunidade científica e governo em tor­no da reforma proposta por este para o sistema de C&T do país. Nahon também falou bastante sobre as perspec­tivas de colaboração entre França e Brasil, especialmen­te em campos estratégicos, como pesquisa genômica e bioinformática. Situou o Brasil como um país jovem, cheio de vigor, que interessa à França como um parceiro, um igual. Observou com ênfase especial que "o ministro Claude Allegre não imaginava a que ponto o país já tinha avançado na excelência em pesquisa científica': coisa que pôde constatar in loco, durante uma visita em abril passa­do e que o levou a determinar que fossem buscadas for­mas de ampliar a colaboração com o Brasil.

A seguir, os principais trechos da entrevista de Daniel Nahon.

8 • NOVEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

• Quais são as bases do acordo entre a FAPESP e o Cofecub? A colaboração estabelecida é por dois anos, em proje­

tos com alto nível. Interessam-nos muito as áreas de saú-de, ciências da vida, especialmente a genética- o Progra­ma Genoma - e meio ambiente. Devemos ter objetivos comuns também nas ciências humanas e sociais e em no­vas tecnologias de informação e comunicação.

• Para a colaboração há, portanto, campos prioritários. E para a política científica francesa em geral?

Somos obrigados a escolher campos para empregar 90% de nossas verbas de pesquisa. Primeiro, porque os progressos científicos são tais que agora recaem sobre a sociedade todos os dias. Antes, tivemos 50 anos entre a descoberta da máquina a vapor e sua aplicação, 30 anos entre a descoberta do DNA e sua aplicação. Hoje a pes­quisa se tornou operacional para a sociedade. E para to­mar qualquer decisão relativa à sociedade, o político está obrigado a levar em conta o progresso científico. Estamos

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obrigados oferecer vias reais para o desenvolvimento cien­tífico, os governos devem impor, entre aspas (não se pode forçar um cientista), direções, algo como grandes leis para o progresso científico. E devemos guardar uma pequena parte dos recursos para idéias novas, geniais.

• O que o senhor chama de "idéias geniais"? O grande desenvolvimento do Genoma. O Genoma

Humano significa conhecer o alfabeto de nosso corpo. Agora vamos precisar de pessoas que escrevam as frases. E para isso, precisamos da bioinformática, que será para a França tanto quanto para o Brasil uma prioridade.

• Em que parte da genômica Brasil e França poderiam ter colaborações?

O genoma é uma prioridade, como a saúde, e os dois campos estão relacionados. Por isso a França decidiu criar, há dois anos, em Evry, perto de Paris, um Genoplant, um centro de genoma, numa interação entre os organismo de pesquisa, a universidade, os órgãos de desenvolvimento e a indústria privada. Evry será a cabeça de uma rede à qual estarão ligados centros em Montpelier, Marseille, Stras­bourg, etc.

O meio ambiente é muito importante porque estamos vivendo uma virada para a poluição sem nos dar conta e se­quer imaginamos toda a poluição que pode existir no futu­ro. Isso tem tem relação com a saúde, que por sua vez está em relação direta com a pesquisa de genoma. O terceiro pon-

to é a educação, base de tudo: do auto conhecimento e até da felicidade, que é

O Brasil é um país de grande agri­cultura, com florestas enormes. Deve­se trabalhar nisso, porque há molécu­las naturais nas plantas brasileiras que poderiam ser a base de medicamentos muito importantes. Na saúde há toda uma evolução a ser feita. A França con­sidera freqüentemente a saúde em torno da clínica, mas o setor pode também trazer dinheiro, porque ligados a ele es­tão a bioinformática, a biomecânica, a economia da saúde, o direito da saúde

"o .. mm1stro uma maneira de exprimir a personalida­de na medida do possível. É a base para que a sociedade seja mais harmoniosa.

não imaginava

a que ponto Enfim, a liberdade. Não podemos

ter grandes cientistas ou sociedades em grande desenvolvimento em um país que constrange as pessoas. E para ser livre- o que se mede também pela co­municação e pela informação que há em um país- é importante o desenvol­vimento de novas técnicas, de meios de

o Brasil avançou

na excelência

d . " e sua pesqu1sa

etc. É preciso conceber agora esses as-pectos como prioridade para a França e o Brasil ao longo dos próximos lO anos. Eis um exemplo fundamental de colaboração, imediatamente aplicável para a sociedade.

• Pesquisadores franceses coordenaram o primeiro projeto de seqüenciamento completo de um microorganismo, o da Saccharomyces cerevisiae, dentro de modelo também pionei­ro de organização da atividade de pesquisa (uma rede de cerca de 100 laboratórios europeus). Como o senhor vê, neste mo­mento, a pesquisa genômica na França? Outra questão: o estabelecimento, pelo governo, de grandes vias para o desen­volvimento da pesquisa na França não é justamente o que está na base de intensos conflitos entre a comunidade cien­tífica e o governo em seu país? A discussão recente sobre o sín­crotron e a discussão mais antiga sobre a reforma do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas) seriam exemplos.

Vou procurar reunir as duas questões em uma só res­posta. A ciência evolui como a sociedade, e se a urgência há 30 anos era o domínio da energia, hoje, as urgências para a população estão nos campos da saúde, meio am­biente, educação e a liberdade. É normal, portanto, que um ministro, que, além disso, é um grande cientista (ele tem, em sua especialidade, um prêmio muito importante, equivalente ao Nobel, na França é o número um de sua es­pecialidade em geoquímica e o número dois em geociên­cias de maneira geral), estabeleça, a partir de uma refle­xão global, o que quer fazer prioritariamente.

comunicação e informação os mais mo­dernos e mais rápidos possíveis. Propo­

mos ao Brasil colaboração também nesse domínio.

• E quanto aos conflitos entre a comunidade científica e o governo francês?

Comecemos pelas divergências em torno do síncrotron. A França gasta uma grande verba em pesquisa pública, entre 70 e 80.bilhões de francos (entre US$ 14 bilhões e US$ 16 bilhões). Devemos considerar que 80% dessa soma, ou mais, são investidos em salários. Ora, um pes­quisador permanece cerca de 40 anos na atividade e, en­quanto progride, seu salário aumenta, de modo que a soma deve obrigatoriamente aumentar a cada ano, para poder pagar o aumento de salários. Logo, ou diminuímos a por­centagem do que resta para fazer a pesquisa funcionar, ou acrescentamos dinheiro. Não se pode indefinidamente au­mentar as verbas de pesquisa. E como o conhecimento ne­cessita de pesquisas científicas de desempenho sempre maior, e os aparelhos científicos custam sempre mais e ao fim de alguns anos é preciso trocá-los, há que se en­contrar uma solução: é preciso haver colaboração. Não po­demos mais construir grandes instrumentos sem nossos vizinhos europeus e a divergência se dá em torno disso.

• Pelo que sabemos, a comunidade científica francesa queria um novo síncrotron na França para dar conta de suas ne­cessidades de pesquisa, e o ministério propôs um síncrotron em parceria com a Inglaterra. A comunidade não aceita.

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1999 • 9

Page 10: Genoma Xylella na reta final

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

A comunidade de físicos não aceita. Mas há grandes físicos que dizem que não seria necessariamente razoável ter uma aparelhagem somente para a França. A aparelha­gem é muito útil para o conhecimento molecular, o co­nhecimento e desenvolvimento de novos medicamentos, inclusive transgênicos. Mas por que não fazê-la com nos­sos parceiros?

• O conflito entre a comunidade e o governo já dura dois anos. Neste momento é ainda possível a reforma do sistema, do CNRS e universidades, nos termos inicialmente propos­tos pelo ministro Allegre?

O conflito é longo, mas não é dramático. Conflitos estão sempre presentes nos laboratórios. Os cientistas aparecem para o público como

dades não fazem boa pesquisa, que são eles os melho­res. É falso! E é preciso avaliar, coisa que não fazemos suficientemente porque na França isso é considerado uma sanção.

Ao lado disso, nosso ministro diz que a inovação deve servir à sociedade, e criar empresas. Não é normal que o cristal líquido seja inventado na França e posto em práti­ca no Japão. A França deve ser capaz de ter também uma pesquisa tecnológica de ponta. Não é o caso de fazer como o Japão, que é muito forte em tecnologia, mas co­meça a perder o chão porque sua pesquisa fundamental não é suficientemente boa. Por isso eles estão relançando a pesquisa fundamental .

• Para terminar, voltando às relações pessoas sob um avental, mergulhadas no próprio pensamento. Mas há mes­quinharias nos laboratórios, há pesqui­sadores que escondem seus produtos para que outros não os vejam, que pu­xam o tapete para que outros caiam, que fazem sujeiras nos comitês para dispu­tar o dinheiro ... Os cientistas defende­rão sempre sua própria pesquisa, e o po­der deve defender a pesquisa em geral.

"Bioinformática

é um exemplo

fundamental

de colaboração

que podemos ter

França-Brasil, seu país gostaria de rece­ber estudantes brasileiros em que nível de formação?

Até o presente, a cooperação de alto nível ocorre depois do mestrado. Mas poderemos ter também necessi­dade de estudantes mais jovens em certos domínios, caso em que são ne­cessários os intercâmbios de longa du­ração (o intercâmbio de alguns meses é útil para grandes cientistas). Para

B 'I" com o ras1 Tomemos o CNRS, um grande or­

ganismo de pesquisa que nasceu na guerra, se desenvolveu, distribui verbas e tem um orçamento da ordem de 6 bilhões de francos. Ele cria pesquisadores e postos de pesquisadores. Sem as fontes externas, 85% de seu orçamento vão para salários; a idade média de seus pesquisadores varia entre 47-48 anos; e o CNRS é tão grande que seu diretor geral não pode acompanhar tudo. Assim, criou-se dentro dos vá­rios departamentos verdadeiros baronatos. O sistema de avaliação da política do CNRS deve ser discutida no Con­selho Científico, mas ele é presidido pelo diretor geral do CNRS e nele há também diretores dos departamentos. Como pode um diretor falar mal de si mesmo no Conse­lho? Ele justificará sempre suas ações. Por isso o ministro propõe fazer do Conselho Científico do CNRS um verda­deiro conselho, com estrangeiros, e um presidente que não seja o diretor geral do órgão. Recentemente, uma comis­são externa de cientistas avaliou duramente a política do CNRS a respeito dos jovens pesquisadores, que quase não têm responsabilidades nos laboratórios. Na idade de 30 a 45 anos há uma produtividade científica, um gosto pelos riscos, que não se tem mais quando o senso de síntese é muito maior. É preciso dar lugar aos jovens. Por isso tam­bém a reforma do sistema de C&T é indispensável.

Queremos estabelecer ligações dos organismos de pesquisa com as universidades para que as descobertas da pesquisa entrem nas universidades, sejam ensinadas e es­timulem os estudantes a ter novas idéias. Esses organis­mos dizem que queremos cerceá-los, que as universi-

I O • NOVEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

isso, é preciso criar laboratórios mistos entre a França e o Brasil, que permiti­

rão enviar o pesquisador, no mínimo por dois anos, para cada país. É preciso incentivar isso, e incentivarei a USP, através da presidência do Cofecub, à criação de uma uni­dade associada. Imaginemos, por exemplo, um laborató­rio misto para genoma de plantas e bioinformática, have­ria um labor:atório aqui na USP, que receberia franceses, e um laboratório no Genoplant de Evry, onde recebería­mos os brasileiros. Teríamos intercâmbios e programas comuns. De um modo geral, nas universidades france­sas, vemos cada vez menos inscritos em disciplinas que nos parecem fundamentais. Por isso, teremos uma polí­tica de atração de estudantes estrangeiros e os próximos dez anos serão capitais, porque pretendemos que pelo menos um terço de nossos estudantes seja de estrangei­ros. Esperamos atrair muitos brasileiros

• Qual é o lugar da França atualmente na produção cientí­fica mundial?

A França investe cerca de 2,3%, de seu PIB em C&T. Isto é mais que a Inglaterra, igual à Alemanha, e menos que o Japão e a Suécia, que investem 3,6%. Em torno de 6 em 1000 publicações internacionais são de pesquisadores franceses. A França decidiu, no governo de Lionel Jospin aumentar investimentos em pesquisa e educação, porque sem isso não podemos ter desenvolvimento econômico. E os países que não compreendem isso, pagam muito caro 10 anos depois. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

COOPERAÇÃO

Reforço alagoano

os Estados. Nesse dia, o presidente da Fapeal, Fernando Antônio Barreiros de Araújo, pretende lançar as raízes da parceria com o setor produtivo para completar os US$ 150 mil ne­cessários para importar o seqüencia­dor automático de DNA, indispensá­vel às pesquisas. Criada em 1991, a Fapeal, que este ano administrou um orçamento próximo a R$ 14 milhões, já reservou cerca de R$ 40 mil ao pro­jeto. "Contamos com a colaboração do setor produtivo", diz ele. Não será a primeira vez. Corre há anos o pro-

Acordo com Fapeal põe mais pesquisadores no Genoma Cana

N asceu da indignação o acordo entre a Fundação de Amparo

à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fa­peal) e a FAPESP, que integra a Uni­versidade Federal de Alagoas (UFAL) aos laboratórios paulistas voltados ao seqüenciamento genético da cana­de-açúcar, no âmbito do Projeto Ge­noma Cana. Há tempos o engenhei­ro agrônomo Eduardo Ramalho Neto e a bióloga Denise Wanderlei Silva, do Centro de Ciências Agrárias da UFAL, andavam intrigados, sem sa­ber ao certo por que razões ainda não participavam desse trabalho, se Ala­goas é o segundo maior produtor de cana-de-açúcar, depois de São Paulo, e a própria universidade mantém um banco de germoplasma de cana em Murici, a 60 quilômetros da capital, de onde saíram variedades cultivadas Brasil afora. No dia 27 de setembro, enviaram um e-mail ao biólogo Pau­lo Arruda, coordenador de DNA do Genoma Cana, contando que gosta­riam de participar das pesquisas.

Em resposta, Arruda comunicou que o trabalho se encontrava aberto à participação de grupos de outros Es­tados. Convidada por ele, Denise visi­tou o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), um dos laboratórios centrais do projeto. Não restaram dúvidas a respeito da qua­lificação dos pesquisadores de Alagoas: Ramalho Neto havia trabalhado com se­qüenciamento de DNA no King Col­lege, na Inglaterra, entre 1990 e 1995, e Denise na Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, entre 1993 e 1996.

Coube aos dois articularem a apro­ximação da Fapeal com a FAPESP, em molde semelhante ao acordo rea­lizado em julho com a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) (ver

Fernando Barreiros, da Fapeal, Brito Cruz, da FAPESP, Denise Silva e José Fernando Perez

Notícias FAPESP no 44). Rapidamen­te se fez a parceria, formalizada por meio de um acordo de cooperação técnica, assinado em 18 de novembro em São Paulo. Em linhas gerais, a Fa­peal compromete-se a equipar os la­boratórios de biologia molecular e ae bioinformática na UFAL, além de dar condições de aperfeiçoamento téc­nico aos pesquisadores do Estado nos laboratórios do Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar, em São Paulo. À FAPESP cabe incluir os novos labo­ratórios na rede ONSA (Organiza­tion for Nucleotide Sequencing and Analysis), acompanhar as pesquisas e viabilizar o aprimoramento dos es­pecialistas nos laboratórios paulistas associados ao projeto.

No dia 16 de dezembro, numa ce­rimônia a ser realizada no Palácio Floriano Peixoto, sede do governo de Alagoas, em Maceió, pesquisadores, plantadores de cana-de-açúcar e pro­dutores de açúcar e de álcool de Ala­goas e autoridades de órgãos públi­cos vão selar o acordo científico entre

grama de melhoramento genético da cana-de-açúcar desenvolvido pela Ufal em conjunto com o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool do Estado de Alagoas e cerca de 30 pro­dutores da região. "Temos interesse em aumentar a produção estadual e melhorar as espécies de cana planta­das no Estado", diz Araújo.

A equipe da UFAL, que conta com especialistas em fungos, microbiolo­gia e patologia de plantas, e biotec­nologia vegetal, com experiência no seqüenciamento manual de DNA, pretende se dedicar intensivamente à caracterização do genoma e à análise de dados resultantes da pesquisa, o chamado data mining, com pelo me­nos um objetivo específico: identifi­car os genes associados à síntese de proteínas envolvidas na resistência à escassez de água, que limita a produ­ção de cana no Nordeste. "Acreditamos que será fácil para os pesquisadores de Alagoas incorporarem a tecnolo­gia de seqüenciamento", diz Paulo Arruda, da Unicamp. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO OE 1999 • li

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BIODIVERSIDADE

Um prêmio para o Biota-FAPESP

É o Henry Ford de Conservação Ambiental como iniciativa do ano

U ma vitória pela biodiversida­de. O programa Biota-FAPESP,

o Instituto Virtual da Biodiversidade, ganhou, em 24 de novembro, o Prê­mio Henry Ford de Conservação Ambiental na categoria "Iniciativa do ano em conservação': Esta foi a quar­ta edição do evento, resultado de um trabalho conjunto entre a Ford Bra­sil e a Conservation International do Brasil (organização não-governa­mental com sede em Belo Horizon­te). O Prêmio Henry Ford tem como meta incentivar trabalhos que sedes­taquem na implantação de projetas

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de conservação da natureza e da qua­lidade de vida, servindo de mode1o para todo o país. A premiação (reco­nhecida como uma das mais impor­tantes da área) abrange tanto inicia­tivas de organizações quanto de pessoas, distribuídas em quatro cate­gorias. Os projetas vencedores rece­bem US$ 1 O mil (leia mais na pág. 14).

A escolha do Biota-FAPESP le­vou em conta as dimensões inéditas do programa, considerado o mais ambicioso na área ambiental já rea­lizado no Brasil. "É uma iniciativa que envolve um amplo esforço de integração da comunidade científi­ca", reconhece Heloísa de Oliveira, coordenadora de projetas da Con­servation International do Brasil e responsável pela organização do Prêmio Henry Ford. O Biota-FA­PESP tem como objetivo mapear e

analisar o conjunto da fauna e da flora do Estado de São Paulo, o que abrange todas as formas de vida, desde os microrganismos até os se­res mais evoluídos. Isso representa um universo de 250 mil quilômetros quadrados, território maior do que a Grã-Bretanha.

O prêmio foi entregue em ceri­mônia realizada em Recife (PE) com a presença do ministro do Meio Am­biente, José Sarney Filho. Da parte dos organizadores, estavam presen­tes Martin Inglis e Antônio Maciel Neto, respectivamente presidente da Ford América do Sul e da Ford Bra­sil, e Roberto Cavalcanti, presiden­te da Conservation International do Brasil. Recebeu o prêmio, pela FAPESP, Rogério Meneghini, coor­denador adjunto da diretoria Cien­tífica da Fundação.

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Rede virtual: O Biota-FAPESP foi lançado em março deste ano. O pro­grama veio ao encontro de uma série de compromissos internacionais as­sumidos pelo Brasil após a realização da ECO 92 (em especial a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Agenda 21), que preconizam o uso sustentável dos recursos naturais e um novo modelo de desenvolvimento.

Multidisciplinar, o programa é in­tegrado por dezenas de projetos temáticos articulados entre si. O Bio­ta-FAPESP não tem sede fixa, con­gregando mais de 200 pesquisado­res paulistas por meio da Internet (www.biotasp.org.br). Sua proposta é formar um amplo banco de dados virtual sobre a biodiversidade paulis­ta. Essas informações serão utilizadas para a elaboração de políticas públi­cas de conservação e uso sustentável dos recursos ambientais do Estado de São Paulo.

"Estamos montando um sistema que vai nos permitir tomar decisões com base em informações, o que não era feito", diz o biólogo Carlos Al­fredo Joly, coordenador do Biota-

FAPESP. "Isso aumenta a capacidade da população de participar em deci­sões que dizem respeito à sua quali­dade de vida", afirma.

São Paulo possui uma das mais ri­cas biodiversidades do país, caracte­rizada pela variedade de ecossistemas. Isso se deve ao fato de o Estado estar localizado numa zona de transição entre a região tropical e a subtropical. Inúmeros aspectos da biodiversida­de paulista, no entanto, permanecem ignorados. O que é agravado pelo iso­lamento a que muitas vezes se vêem submetidos os pesquisadores.

É nesse sentido que o esforço do Biota-FAPESP é saudado. "As pes­quisas sobre biodiversidade sempre eram realizadas em separado", diz o biólogo João Paulo Capobianco, co­ordenador do Instituto Socioambi­ental. "Mas agora, pela primeira vez, um programa cria a oportunidade de termos um volume de recursos diri­gido a pesquisas dentro de uma pro­posta comum", afirma o biólogo. Ele assinala a importância do banco de da­dos que está sendo organizado na In­ternet. "São informações essenciais que

Visão da Mata Atlântica (página anterior) e aspecto geral do cerrado, na Reserva Biológica de Mogi-Guaçu, SP, sistemas que estão sendo estudados pelo Programa Biota-FAPESP. Acima, a Gomphrena macrocephala, planta nativa do cerrado, cujas raízes tuberosas armazenam frutanos

estarão disponíveis para a sociedade", diz. "Isso é um avanço. No Brasil, qua­se sempre o trabalho do pesquisador fica na estante da biblioteca", afirma.

Pesquisas em andamento: O Biota­FAPESP já compreende 15 projetos temáticos formalmente aprovados. Eles abrangem assuntos como a diver­sidade de peixes do Alto Rio Paraná, a conservação dos ecossistemas aquá­ticos de São Paulo, a utilização sus­tentável da biodiversidade vegetal do cerrado e da Mata Atlântica, a pros­pecção de novas drogas e estudos so­bre as bacias hidrográficas do Estado (leia relação completa na pág. 15). Mais sete propostas de projetos temáticos estão em fase final de avaliação, além de 16 propostas enquadradas na fase de tramitação do programa.

"Este ano marca a implantação do primeiro conjunto de projetos temá­ticos que compõem o Biota-FAPESP. Os pesquisadores se dedicaram a ad­quirir os equipamentos e a viabilizar a infra-estrutura para o desenvolvi­mento das pesquisas", diz Carlos Al­fredo Joly. O biólogo destaca os avan-

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O monocarvoeiro (Brachyteles arachnoides), maior macaco brasileiro .. . Solanum sp, conhecida como juá, e a Cayaponia sp

ços iniciais: "Os projetas aprovados no início de 1999 já estão apresen­tando os primeiros resultados".

É a situação das pesquisas sobre a fauna de água doce, que estão con­tribuindo para a ampliação do co­nhecimento sobre a biota paulista. "Nestes poucos meses, já foram en­contradas novas espécies para a ciên­cia", afirma Joly. No caso dos traba­lhos que têm como meta viabilizar o

uso sustentável de produtos da biota paulista, Carlos Joly aponta o proje­to sobre a diversidade química de plantas nativas de mata e cerrado. "Sua equipe está prestes a alcançar o estágio de patentear uma nova droga a partir de uma planta nativa de São Paulo", diz.

As primeiras contribuições para a definição de políticas ambientais, por sua vez, também estão registradas.

Em defesa do meio ambiente

O Prêmio Henry Ford de Con­servação Ambiental foi criado em 1996 por meio de uma parceria en­tre a Ford Brasil e a Conservation International do Brasil. A iniciati­va teve como inspiração a versão européia do Prêmio Henry Ford, criada há 15 anos. Seu objetivo é encorajar projetas de proteção do meio ambiente, assim como aque­les ligados ao uso sustentado de recursos naturais no Brasil.

O prêmio é oferecido em qua­tro categorias: Conquista indivi­dual, Negócios em conservação, Ciência e formação de recursos hu­manos e Iniciativa do ano em con­servação. O concurso é aberto a pessoas, entidades comunitárias,

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organizações não-governamentais, empresas privadas, centros de pes­quisa e agências governamentais.

A edição de 1999 do Prêmio Henry Ford de Conservação Am­biental teve 100 propostas inscri­tas nas quatro categorias, a maioria de São Paulo, Paraná e Rio de Ja­neiro. O júri foi integrado por Eric Stoner (da Agência para o Desen­volvimento Internacional do Go­verno dos EUA/USAID), Jader Marinho (Universidade de Brasí­lia) e Geraldo Wilson (Universi­dade Federal de Minas Gerais).

Na categoria "Conquista indi­vidual", o prêmio coube a Maria Tereza Jorge Pádua, presidente da Fundação Pró-Natureza de Brasí-

Um dos projetas forneceu dados para a definição das áreas de cerrado que serão compradas pela CESP, como parte das medidas compensa­tórias pelos danos ambientais causa­dos com o enchimento do lago de uma hidrelétrica. ''A escolha foi reali­zada com base no estudo que está sendo feito sobre os remanescentes do cerrado do Estado de São Paulo", diz Carlos Alfredo Joly.

lia, escolhida por seu trabalho de criação e consolidação do sistema de unidades de conservação do país, com destaque para a região amazônica. A categoria "Negócios em conservação" foi vencida pela empresa Mata'Dentro Ecoturis­mo Aventura, de Brotas-SP. Cria­da por cinco universitários em 1992, a empresa é considerada uma referência em ecoturismo no Brasil. Por sua vez, a categoria "Ciência e formação de recursos humanos" premiou o Museu de Biologia Professor Mello Leitão, de Santa Teresa-ES. Criado em 1949 pelo professor Augusto Rus­chi, o museu é considerado o mais importante centro de for­mação de recursos humanos no campo conservação biológica do Espírito Santo.

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A expectativa é que no­vas abordagens sejam incor­poradas ao Biota-FAPESP. "Existe ainda uma concen­tração de projetas na área de Biologia", reconhece o co­ordenador, creditando isso à significativa participação de especialistas da área na im­plantação do programa. Os projetas de Biologia somam 13 dos 15 já aprovados e recebem R$ 6,9 milhões, de um total de R$ 8,5 mi­lhões já aprovados para o progra­ma. As outras duas áreas contem­pladas são as de Saúde e Química, com um projeto cada. "Agora, é a hora de trabalhar com projetas que investiguem os aspectos sociais e

Meneghini recebeu o prêmio dado ao programa, coordenado por Carlos Alfredo Joly (no deto/he)

econômicos relacionados à biodi­versidade paulista. Eles são essen­ciais para o estudo de políticas de uso sustentável", diz Joly.

Outro fruto do Biota-FA­PESP é a publicação dos sete volumes da série Bio­diversidade do Estado de São Paulo, Brasil: Síntese do Conhecimento ao Final do Século XX. Os livros reúnem toda a informa­ção disponível sobre a bi-ota paulista, material que

serviu de base para a for­mulação do programa. A

coleção está integralmente disponibilizada na Internet ( www.biotasp.org. br/publi). •

O que já está sendo pesquisado de Mario de Vivo, da USP de Ri­beirão Preto.

O Biota-FAPESP está aberto a novas inscrições (acesso pelo si te do programa) de propostas de pro­jetas temáticos. As pesquisas de­vem abordar aspectos da biodi­versidade paulista, integrando-se ao conjunto do programa. A lista a seguir relaciona os 15 projetos já aprovados pelo Biota-FAPESP: • Consolidação do Sistema de In­formação do Programa Biota-Fa­pesp e o Estudo da Viabilidade do Desenvolvimento de um Sistema Geográfico de Informações para o Programa, coordenação de Carlos Alfredo Joly (Unicamp). • Diversidade de Peixes de Ria­chos e Cabeceiras da Bacia do Alto Rio Paraná no Estado de São Paulo, coordenação de Ricardo Macedo Corrêa e Castro, da USP de Ribei­rão Preto, e Naércio Menezes, do Museu de Zoologia da USP. • Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Vegetal do Cerrado e da Mata Atlântica: Diversidade Química e Prospecção de Novas Drogas, coordenação de Vander­lan da S. Bolzani, da Unesp de Ara­raquara, e Maria Cláudia Marx Young, do Instituto de Botânica.

• Diversidade das Interações entre Vertebrados Frugívoros e Plantas da Mata Atlântica, coordenação de Wesley R. Silva, da Unicamp. • Diversidade de Zooplâncton em Relação à Conservação e Degra­dação dos Ecossistemas Aquáticos do Estado de São Paulo, coordena­ção de Takako Matsumura Tundisi, do Instituto Internacional de Eco­logia de São Carlos. • Viabilização da Conservação dos Remanescentes do Cerrado Pau­lista, coordenação de Marisa Dan­tas Bittencourt, do Instituto de Bio­ciências da USP. • Conservação e Utilização Sus­tentável da Biodiversidade Vegetal do Cerrado e Mata Atlântica: os Car­boidratos de Reserva e seu Papel no Estabelecimento e Manutenção das Plantas em seu Ambiente Natu­ral, coordenação de Marcos Buc­keridge, do Instituto de Botânica. • Reconhecimento dos Ácaros de Interesse Agrícola do Estado de São Paulo e de seus Predadores, coordenação de Gilberto de Mo­raes, da Esalq-USP. • Diversidade de Mamíferos no Estado de São Paulo, coordenação

• Ecologia Molecular e Taxono­mia Polifásica de Bactérias de Im­portância Ambiental e Agroin­dustrial, coordenação de Gilson Paulo Manfio, da CCT /Fundação André Tosello. • Flora Ficológica do Estado de São Paulo, coordenação de Carlos E. de M. Bicudo, do Instituto de Botânica/SMA. • Levantamento da Fauna e Aspec­tos da Biologia de Macro Inverte­brados de Água Doce dos Princi­pais Mananciais do Estado de São Paulo, coordenação de Cláudio G. Froehlich, da USP de Ribeirão Preto. • Diversidade de Espécies e de ln­terações em Plantas e Insetos: In­ventários Centrados em Recursos, coordenação de Thomas Michael Lewinsohn, do Instituto de Biolo­gia da Unicamp. • Conservação da Biodiversidade em Paisagens Fragmentadas do Pla­nalto Atlântico, coordenação de Jean Paul W. Metzger, do Departa­mento de Ecologia Geral (IB) da USP. • Estrutura e Funcionamento de Ba­cias Hidrográficas do Estado de São Paulo: Bases para Manter a Biodi­versidade, coordenação de LuizAn­tonio Martinelli, do Cena (USP).

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Lei equipara salário de pesquisadores e docentes universitários

Uma reivindicação de muitos anos dos pesquisadores dos institutos paulistas de pesquisa foi atendida. O governador Mário Covas sancionou a Lei Complementar no 859/99 que equipara os salários dos pesquisadores científicos aos dos docentes universitários. A solenidade de assinatura da Lei ocorreu no dia 21 de setembro passado, no Salão de Despachos do Palácio dos Bandeirantes. "Estamos na frente dos outros estados porque soubemos desenvolver a pesquisa", disse, na ocasião, o governador. "Os países irão avançar não pelos seus recursos naturais, pelo número de habitantes ou mesmo pelo tamanho do mercado, mas, sim, pelo seu grau de saber e conhecimento", afirmou Mário Covas em seu discurso. "Vocês", disse ele, dirigindo-se aos pesquisadores, "vão ser os portadores dessa passagem para o futuro". Participaram do ato o vice-governador Geraldo Alckmin, o presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, Vanderlei Macris, os secretários estaduais João Carlos Meirelles, da Agricultura e Abastecimento, José da Silva Guedes, da Saúde, José Ricardo Trípoli,

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Mário Covas assina a lei de equiparação salaria l

do Meio Ambiente, e Antônio Angarita, da Secretaria de Governo e Gestão Estratégica, os deputados estaduais Jamil Murad, do PC do B, Mariângela Duarte, do PT, e Edmur Mesquita e Sidnei Beraldo, ambos do PSDB, diretores dos institutos de pesquisa e mais de duas centenas de pesquisadores, representados pelo presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo, Nelson Braga. Em seu discurso, Braga homenageou o ex-governador Franco Montoro, responsável pela criação dos cargos de pesquisadores científicos.

Diretrizes japonesas para patentes de genes O Escritório de Patentes Japonês (JPO) divulgou, no início de outubro, suas diretrizes para patentes de genes humanos. Em linhas gerais, informou a Nature de 10 de outubro passado, elas abrem a possibilidade

de patenteamento de ESTs, etiquetas de seqüências expressas, de SNPs, polimorfismos de nucleotídeos simples, e de clones inteiros de cDNA. Embora o escritório japonês tenha chegado, ainda em julho, a um acordo com seus congêneres europeu e norte-americano sobre as patentes de ESTs, acertando que não poderiam ser patenteadas aquelas sem utilidade comprovada, em relação a outras patentes genéticas sua posição permanecia pouco clara. Agora, o Japão avança um pouco mais no assunto, com as novas diretrizes que foram estabelecidas principalmente para responder a pedidos de orientação de pesquisadores e da indústria do país, depois que o governo anunciou sua decisão de aumentar o apoio à biotecnologia-o que inclui o plano de uma base de dados de SNPs na população japonesa (com expectativas de que possa contribuir para o desenvolvimento de novos

medicamentos e técnicas de diagnóstico) e o projeto de criação de um banco central de clones de cDNA para aplicações médicas e de pesquisa. Segundo a Nature, há expectativas de que a introdução de uma lei, no país, sobre transferência de tecnologia baseada na legislação Bayh-Dole dos Estados Unidos, que concede patentes privadas a pesquisas financiadas pelo governo, venha a estimular pedidos de patentes de resultados de colaborações indústria­universidade. E representantes do JPO prevêem que o aumento será sobretudo em relação a patentes de genes humanos, incluindo os de SNPs e de clones de cDNA. De fato, o Helix Research Institute, uma companhia genômica que resulta de uma joint venture entre o Ministério de Indústria e Comércio Internacional e 10 empresas privadas, já entrou com pedidos de patente para mais de 6.000 clones de cDNA humanos completos. A empresa pretende criar um portfólio de propriedade intelectual que possa ser compartilhado por um consórcio de 20 empresas de biotecnologia e institutos de pesquisa, mas há quem argumente que grande parte de seus pedidos de patentes, referentes a clones com funções desconhecidas, não são válidos, na medida que não oferecem possibilidade de comprovação da utilidade da descoberta.

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Projeto Genoma deseerta interesse da Africa do Sul O Sanbi, South African National Bioinformatics Institute, situado na Universidade de Western Cape, na Cidade do Cabo, na África do Sul, está interessado em estabelecer uma colaboração com os pesquisadores do Projeto Genoma Humano do Câncer. No dia 18 de outubro, o fundador do Sanbi, biólogo Winston Hide, esteve no auditório do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, São Paulo, falando sobre o banco de dados e o conjunto de softwares desenvolvidos pela equipe que comanda. "O Brasil e o meu país têm em comum o fato de serem países em desenvolvimento que fazem ciência de qualidade. Uma colaboração científica seria benéfica para ambos", disse Hide. A África do Sul não tem estrutura de seqüenciamento de genes e por isso concentra seus esforços na bioinformática. O Sanbi trabalha a partir das seqüências disponíveis na Internet, nos bancos de dados públicos, como o Genbank, por exemplo. A idéia de Hide, biólogo evolucionista que se especializou em bioinformática, é tornar disponíveis para o Projeto Genoma Humano do Câncer as ferramentas computacionais e o banco de dados desenvolvidos na África do Sul e, em contrapartida, desfrutar da qualidade e relevância das ESTs, expressed

Wi nston H ide, do San bi

sequence tags ou etiquetas de seqüências expressas, geradas aqui no Brasil. O banco de dados do Sanbi se chama STACK, Sequence Tag Alignment and Consensus Knowledge, usado pelas Universidades de Cambridge (Inglaterra) e Harvard (EUA), pela Teijin Systems (Japão), Instituto Pasteur (França) e pelo Instituto Max-Planck (Alemanha). Sua peculiaridade é conter ESTs clustered, isto é, agrupadas. Depois que as seqüências saem da máquina seqüenciadora, essa ferramenta as reúne em grupos, usando um critério de simililaridade. Quando esse agrupamento é perfeito, cada grupo vai corresponder a um RNA mensageiro do organismo. Apesar de a África do Sul concentrar seus estudos no genoma humano -tuberculose, HIV e malária -, o Projeto Cana-de-Açúcar também chamou a atenção do sul africano. Paulo Arruda, coordenador desse projeto, recebeu Hide no CBMEG, o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp, em Campinas.

Publicações científicas lançam rede de referência privada A Science de 19 de novembro comunicou que, após manifestarem pouco interesse em participar do plano do governo norte­americano de criar um site com livre acesso a artigos científicos, 12 organizações privadas sem fins lucrativos anunciaram um esquema próprio: linear artigos de suas publicações por meio de listas de referência, facilitando aos pesquisadores a localização e o acesso ao texto de um artigo, via Internet. Neste caso, os editores conservam os textos completos em seus próprios sites e controlam o acesso a eles. A Academic Press e a John Wiley, que organizam o projeto, trabalharam na

Serviço de Referência de Publicações

Editora N° de publicações

Elsevier Science 1200

Kluwer Academic Publishers mais de 400

Springer-Verlag 400

John Wiley & Sons mais de 300

Academic Press 235

Blackwell Science 200

lnstitute of Electrical and Electronics Enginee rs ln c I OS

O xford Unive rsity Press I 00

American lnstitute of Physics mais de 50 Association for Computing

Machinery 21

Natu re 7

American Association fo r the Advancement of Science (Science)

criação de um serviço sem fins lucrativos, com tags (etiquetas) que possam rastrear e encontrar artigos. Mas o acesso pleno ao texto integral poderia exigir uma senha ou o pagamento de uma tarifa, a depender dos editores. O planto é etiquetar e colocar na Internet cerca de 3 milhões de artigos no início do próximo ano.

Uma FAP para Sergipe

O Estado de Sergipe pode ganhar brevemente a sua Fundação de Amparo à Pesquisa. Esta foi a promessa do governador daquele Estado, Albano Franco, feita por ocasião da sessão de encerramento da SEMPESQ 99 - I Semana de Pesquisa da Universidade Tiradentes (Unit), realizada de 16 a 19

de novembro, em Aracaju. O SEMPESQ congregou três eventos relacionados à ciência e à tecnologia: o III Seminário de Pesquisa, que debateu a situação da pesquisa em diversas áreas do conhecimento; o I Seminário de Iniciação Científica; e a Agenda Cientec Sergipe 2000, que discutiu formas de estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico, como alavanca para o desenvolvimento económico e social. Neste último evento, o diretor presidente da FAPESP, Francisco Romeu Landi, fez palestra sobre o papel das fundações de apoio à pesquisa no desenvolvimento dos estados.

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1999 • 17

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CAPA

GENOMA

e

ras1 se afirma no seleto clube da

A e

genom1ca mundial MONICA TE IXEIRA

Antes do previsto, está sendo concluído o seqüenciamento genético da bactéria Xylella fastidiosa

OS PARTICIPANTES DO GENOMA XYLELLA

Uma equipe de 161 integrantes ...

18 • NOVEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Addolorata Colariccio, Adilson Leite, Adriana Fumie Tateno, Adriana Matsukuma, Agda Paula Facincani, Alda Maria B.N. Madeira, Alessandro Paris, Aline Maria da Silva,

Ana Cláudia Rasera da Silva, Ana Lúcia Tabet Oller do Nascimento, Ana Paula Moraes Fernandes, Anamaria Aranha Camargo, Anderson Ferreira da Cunha, André Luiz Vettore,

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Andréa de Assis Souza, Andrew John George Simpson, Anita Wanjtal, Antônio Carlos Boschero, Antônio Carlos Maringoni, Antônio Nhani Jr., Ari José Scattone Ferreira, Arthur Gruber,

Artur Jordão de Magalhães Rosa, Augusto Etchegaray Jr., Carlos A. Colombo, Carlos F. M. Menck, Cássia Docena, Cássio da Silva Baptista, Catalina Romero Lopes, Celso Luiz Marino, Christian Claudino

Os pesquisadores da rede Onsa ( Organization for Nucleotide Sequencing and Analysis ou Orga­nização para Seqüenci-

amento e Análises de Nucleotídeos) preparam-se para anunciar à comu­nidade científica brasileira e inter­nacional que o genoma completo da bactéria Xylella fastidiosa já está com­pletamente seqüenciado. O anúncio da conclusão do projeto pioneiro do Programa Genoma-FAPESP faz do Brasil o único país do Hemisfério Sul a ter lugar no seleto núcleo que de­tém a tecnologia que mais promete conquistas para o século 21. O geno­ma da Xylella será o quinto mais ex­tenso já seqüenciado completamente e o primeiro de um organismo causa­dor de uma doença em plantas.

Os laboratórios paulistas reuni­dos neste importante esforço cientí­fico completam o trabalho antes do prazo previsto no cronograma, o que é excepcional, e não a regra em pro­jetas genoma. E mesmo com impre­vistos nos custos, mantiveram-se no limite do orçamento estabelecido. O DNA da bactéria causadora da Clo­rose Variegada de Citros é um terço maior do que o esperado; exigiu, por isso, a determinação de um número 30% maior de bases nitrogenadas. Até novembro, as duas principais re­vistas científicas haviam publicado 24 seqüências completas de genomas microbianos; assinam os papers que as apresentam 14 diferentes grupos de cientistas - europeus, norte-ame­ricanos, japoneses. O fim do projeto da Xylella fastidiosa torna a rede Onsa o décimo quinto grupo de pes­quisadores do mundo a se apropriar desta expertise. Um feito.

O começo do fim - "What a wonder­ful question. I wish I knew. We have probably only two gaps now but lots of

Greggio, Cláudia de B. Bellato, Cláudia de Barros Monteiro-Vitorello, Cláudio M. Costa-Neto, Cristina Lacerda S. P. Silva, Cristina Miyaki, Dario Palmieri, David H. Moon, Dirce Maria Carraro

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puzzles still. Lets say next month and hope. Andy." Andy é Andrew John George Simpson, coordenador de DNA do projeto Genoma Xylella fas­tidiosa; as frases curtas da mensagem ecoam o tom inconfundível- irâni­co, risonho, bem humorado - com que este admirável pesquisador lidou com a "maravilhosa pergunta", que ouviu incontáveis vezes: quando, afi­nal, terminaria o seqüenciamento da Xylella? Ao longo do último ano e meio, Simpson riu de si próprio nas várias vezes em que o prazo sobre­veio, mas não a seqüência completa. "Vamos dizer no m ês que vem", previu no e-mail datado de 27 de setembro, "e ter esperança".

Pois ali o cientista chegou bem perto da resposta certa: precisamente um mês depois, no dia 27 de outu­bro, uma pequena expedição inte­grada por ele próprio e por sua fiel escudeira Anamaria Camargo, do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, e Mariana de Oliveira, do Instituto de Biociências da Universi­dade de São Paulo (USP), partiu de São Paulo rumo à Universidade Esta­dual de Campinas (Unicamp ). De Pi­racicaba, veio Cláudia Monteiro-Vi­torello, do Centro de Energia Nuclear para a Agricultura (Cena), da USP. Encontraram-se no laboratório de bioinformática, o centro nevrálgico da rede de pesquisadores constituída em dezembro de 97 para levar a cabo a tarefa de revelar a ordem dos (pen­sava-se então) 2 milhões de nucleotí­deos que caracterizam o material ge­nético da Xylella. João Setúbal e João Kitajima - o terceiro João do labora­tório, que tem também João Meida­nis- esperavam por eles. No dia an­terior, a equipe de jovens doutoras, que permaneceu debruçada durante meses sobre 14 renitentes gaps, per­cebeu que talvez todas as peças do quebra-cabeça tivessem, finalmente, se encaixado.

Pereira, Edson Kemper, Eduardo Formighieri , Edviges Maristela Pituco, Eiko Eurya Kuramae lzioka, Eliana G. de Macedo Lem os, Elizabeth A. L. Martins, Elza Maria Frias

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Gaps, buracos, são interrupções da seqüência total do genoma que po­dem significar, por exemplo, que pe­daços do cromossoma da bactéria ain­da escapavam ao meticuloso trabalho dos pesquisadores. De fato, a estraté­gia inicial de seqüenciamento esco­lhida não cobria 9% das bases do material genético da bactéria. O gru­po reuniu-se em Campinas para exa­minar as novas idéias com os Joões. A reunião marcou o começo do fim do finishing do projeto - a fase do se­qüenciamento completo em que se bus­ca preencher os gaps e aperfeiçoa'-: a qualidade das seqüências obtidas.

" ( .. .) Andy e meninas vieram aqui e fizemos uns processamentos eletrôni­cos que aproximadamente confirma­ram a hipótese de fechamento virtual. Mas nesse dia ainda faltavam pelo me­nos três confirmações de ligação, que apareceram nos dias subseqüentes, a última delas no dia 1 O de novembro ( ... )." O relato traz a marca da preci­são de João Setúbal; mas, apesar do comedimento que fez dele uma das referências de equilíbrio dentro da rede Onsa, a notícia do fechamento virtual (mesmo sem as três confir-

Martins, Emmanuel Dias Neto, Eric D'AJessandro Bonaccorsi, Fabiana Kühne, Felipe Rod rigues da Silva, Fernando Augusto de Abreu, Fernando Ferreira Costa, Fernando Reinach,

mações) começou a correr já na ma­nhã de 28 de outubro. Dizer que o genoma fechou virtualmente signifi­ca que os pesquisadores não têm mais dúvidas importantes sobre a or­dem com que se apresentam os tre­chos de seqüências da molécula de DNA determinadas pelos laborató­rios; além disso, quer dizer também que os pesquisadores já dispõem das evidências de que precisam para afir­mar que todos os pedaços da molé­cula já estão de posse dos laborató­rios de seqüenciamento.

Como João, houve outro no fir­mamento das lideranças do projeto que preferiu se manter cético. "( .. .) Para mim trata-se apenas de uma hi­pótese. Estou tentando confirmá-la, pois a notícia foi dada pelo Simpson que ( .. .) tem um otimismo tão irres­ponsável quanto o meu! Fiquei tão en­tusiasmado quanto incrédulo'; escre­via na sexta, 29 de outubro, o físico José Fernando Perez- diretor cientí­fico da FAPESP e principal articula­dor de todo o Programa Genoma paulista. Mas, na véspera da reunião do comitê internacional que monito­ra e orienta os esforços brasileiros no

Flávio Vieira Meire lles, Francisco G. da Nóbrega, Gilso n Soares Ba ia, Gislayne F. L. Tri ndade Vilas Bôas, Go nçalo Guimarães Pereira, Guilherme Pi mente! Telles, Gustavo de Faria

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mundo da biologia molecular aplicada ao seqüenciamento, mesmo o pondera­do Setúbal sorriu francamente e co­memorou: às 17h46 da terça-feira, 9 de novembro, entrou no banco de dados da Xylella a leitura de 700 bases que fe­chou o último gap. Perez e Simpson fo­ram avisados no dia seguinte. Era 1 O de no­vembro, uma impor­tante quarta-feira na vida da FAPESP.

A reunião com o Comitê: A notícia do fechamento virtual chegou ao co­mitê internacional que assessora o se­qüenciamento do genoma da Xylella (Steering Committee) através do coor­denador de DNA, antes que os três cientistas que o integram- Steve Oli­ver, da Universidade de Manchester; o belga André Goffeau, que coorde­nou o seqüenciamento completo do genoma da levedura, terminado em 1996; e o bioinformático John Sgou­ros, de Londres - desembarcassem no Brasil para a reunião do dia 11 de novembro.

Não foi dos encontros de maior quórum do comitê. Do meio do pri­meiro semestre de 99 para cá, a audiên­cia a essas conversas públicas entre os pesquisadores brasileiros e os três ex­perts internacionais diminuiu e trans­formou-se. A partir de março, a maior parte do trabalho de determinação da ordem das bases nitrogenadas já terminara; começou a predominar, nas reuniões, o debate sobre os problemas do finishing e da anotação - o traba­lho de identificar e refletir sobre a ftm­ção dos genes revelados pelo seqüen­ciamento. A mudança de fase fez mudar

Theodoro, Gustavo Henrique Goldman, Haiko Enok Sawazaki, Hamza Fahmi Ali EI-Dorry, Haroldo Alves Pereira Jr., Helaine Carrer, Helena C. F. Oliveira, Hélina Maria dos Reis, Homero Pinto

também a audiência; apareceram ca­ras novas, e muito jovens. No auditó­rio do quarto andar do prédio da FAPESP, no Alto da Lapa, havia talvez 30 pessoas, as mais comprometidas com a finalização do projeto, quando os três do Steering Committee, ladea­dos por Simpson, Fernando Reinach (chefe do laboratório que produziu o maior número de bases) e João Setú­bal desceram as escadas do anfiteatro.

Eletrizante: Respirava-se contenta­mento quando os trabalhos se inicia­ram. Simpson abriu a reunião, histo­riou as várias etapas do projeto, elogiou e destacou o trabalho de al­guns dos presentes - Jesus Ferro, de quem disse ter sido "magnífico"; Ed­son Kemper e André Luiz Vettore, do Centro de Biologia Molecular da Unicamp, elogiados pela persistên­cia; e Anamaria Camargo, uma das mascotes do projeto (tem 26 anos), a quem atribuiu o insight que resultou no fechamento virtual do genoma.

João Setúbal falou em seguida. Retraçou os fatos dos dias anteriores; escreveu numa transparência os no­mes das seis doutoras do fechamen-

Vallada Filho, Humberto Maciel França Madeira, lzaura Nobuko Toma, Jane Silveira Fraga, Jeanne Blanco De Molfetta, Jesus Aparecido Ferro, João Bosco Pesquero, João Carlos

~ to: Marilis do Valle § Marques, Cláudia 3 Monteiro-Vitorello, j'

Ana Cláudia Rasera da Silva, Elizabeth Martins, Mariana de Oliveira e Anama­ria. A estas, Simpson acrescentou o nome de Marie-Anne Van Sluys. Em seguida, Setúbal contou que o read salvador, aque­le que preenchera o último gap dois dias antes, contendo uma seqüência que ainda não tinha aparecido nunca, veio do labo­ratório JJ: Jesus e

seus extraordinários colaboradores da Faculdade de Ciências Agrárias e Ve­terinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), de Jaboticabal, "re­presentaram o melhor espírito do projeto", nas palavras de João, e rece­beram aplausos generosos dos cole­gas. Jesus produziu muito - não só seqüências. Empenhou-se em todas as outras tarefas- clonagem, bibliote­cas, montagem-, com a diligência de seu bem orquestrado laboratório. Terminadas as merecidas comemora­ções, começaram as apresentações de resultados, que duraram todo o dia.

O parecer: No dia seguinte, o vetera­no André Goffeau transmitia alegria ao avaliar o encontro. Escolheu smart para qualificar as well trained young /adies. Admirou-se com o good spirit reinante; confidenciou que, no cam­po científico, os homens são um pouco paranóicos; e elogiou o coordenador de DNA por ter sempre ressaltado o crédito de cada um das (dos) participan­tes. O parecer assinado por ele, Oliver e Sgouros transpira entusiasmo:

"O Comitê impressionou-se muito com os progressos do projeto de seqüen-

Campanharo, João Carlos Setúbal, João Meidanis, João Paulo Kitajima, Joaquim A. Machado, Joaquim Mansano Garcia, Jomar Patrício Monteiro, José Eduardo Krieger, José Franco da Silveira,

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ciamento do Genoma Xylella desde a última visita. Agora, está confiante de que o projeto terminará com êxito, dentro de um período muito curto de tempo(. .. )

1. A seqüência do genoma está vir­tualmente completa, graças às seguin­tes medidas:

a) uma volta ao uso extensivo de shotguns de clones de plasmídeos;

b) a delegação, a uma série de exce­lentes jovens cientistas, da responsabi­lidade de fechar um ou mais dos 14 gaps remanescentes da seqüência;

c) a construção de novas bibliotecas de fago-lambdas, por Edson Kemper e André Vettore, no laboratório de Paulo Arruda;

d) o reconhecimento, por Anamaria Camargo, do fato de que havia dois conjuntos de genes de r RNAs, e a elu­cidação da posição que ocupam um em relação ao outro.

2. Construiu-se um excelente espí­rito de grupo dentro da rede da Xylella como resultado de:

a) O modo entusiasmado, positivo e acolhedor com que Andrew Simpson exerceu seu papel de coordenador de DNA;

b) o excepcionalmente alto nível de competência profissional de­monstrado pelos dois coordenado-res de bioinformática, João Setú­bal e João Meidanis, combinado com a disposição, sempre, de aju­dar a resolver os problemas;

c) o compartilhamento não egoísta, entre o grupo de jo­vens e capazes cientistas brasileiros, das diferentes ta­refas de seqüenciamento, construção de bibliotecas, mapeamento e fechamento de gaps;

Em geral, o Comitê consi­dera que a decisão de estru­turar a rede para seqüenciar o genoma tem funcionado em São Paulo ainda melhor

José Odair Pereira, Kelly Santos, Laurival Antônio Vilas Bôas, Lin Tzy Li, Luci Deise Navarro Cattapan, Lúcia M. Carareto Alves, Luciana Cezar de Cerqueira Leite, Luciane Prioli Ciapinaf,

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do que funcionou na Europa. A FA­PESP deveria esforçar-se para assegu­rar que tudo de positivo que listamos acima seja incorporado a outros pro­jetas genoma que ela venha a apoiar no futuro':

O Comitê destaca, em seu relató­rio, também o trabalho de outros seis pesquisadores: Ari Scattone Fer­reira ("a talented young graduate stu­dent by Hamza El-Doury"), Ronaldo Quaggio e Marilis do Valle Marques, todos do Instituto de Química da USP; Eiko Izioka, da Unesp de Botu­catu; Cláudia Vitorello; e João Kita­jima. O parecer estimava para o Natal a obtenção da seqüência do genoma completa e finalizada- quer dizer, completamente comprovada na bancada dos laboratórios, com a ordem das bases determinadas uma a uma e aceita pelos dois Jo-ões - de benign and helpful attitudes, mas implacá­veis com os critérios de qualidade. Pelo crono­grama sugerido pelo Co­mitê, o paper- com a se­qüência e todas as

Luciano Takeshi Kishi, Lucienne Medeiros, Luís Eduardo Aranha Camargo, Luís Eduardo Soares Netto, Luís Roberto Furlan, Luiz Lehmann Coutinho, Luiz R. Nunes, Luíza Carla Duarte,

descobertas sobre os genes encontra­dos nela, trabalho do grupo de ano­tação - deverá ser submetido à apro­vação da revista Nature em março, para ser publicado em julho.

Pós-reunião: A aprovação efusiva do Steering Committee aos resultados in­jetou ainda mais vibração nos núcleos de finishing e anotação da rede Onsa. Um aliviado e exultante Andrew Simpson organizou logo o encontro dos que se concentraram no estudo dos genes responsáveis pela doença nos laranjais- que aconteceu na ter­ceira semana de novembro. Houve resultados animadores, sobre os quais pesa o embargo de se mante­rem inéditos até a publicação. Meida­nis, o coordenador da anotação, já está mais confiante- no dia da reuni­ão do Steering Committe, mesmo com

clima tão favorável, preocupava­se muito com o pouco tempo

Lyndel Meinhardt, Manoel Victor F. Lemos, Mara Lúcia Zucheran Silvestri, Marcelo Brocchi, Marcelo R. S. Briones, Márcia Heloísa lquegami, Márcio de Castro Silva Filho, Márcio Rodrigues Lambais,

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que resta para definir muito sobre os milhares de genes da Xylella fastidiosa.

Do lado da finalização de gaps, tudo corre melhor que o esperado. Um vento de felicidade varreu o mui­tas vezes tedioso e desanimador coti­diana dos últimos meses, enquanto as doutoras do fechamento prepara­vam persistentemente a hora em que todos os enigmas se encaixariam - o que aconteceu quando Anamaria percebeu "que eram dois os conjun­tos de genes ribossômicos, e sua po­sição relativa", como descreveu o pa­recer internacional.

"Estou me sentindo tão impor­tante", diz uma emocionada Cláudia, que descobriu dados sobre a história evolutiva da Xylella, também consi­derados notáveis pelo Comitê. "É mes­mo um grande quebra-cabeça. Tenho certeza de que todos nós tínhamos que gostar de quebra-cabeça quando crianças", lembra Elizabeth Martins, do Instituto Butantan, que se sente, agora, inserida na ciência do mundo. Na sexta-feira, dia 26 de novembro, José Fernando Perez acreditava num encurtamento do cronograma do Steering Committee. O texto do anún­cio à imprensa deveria estar pronto já em dezembro.

Pós-genoma: "Impressiona o Comitê a combinação única de expertise que foi construída ao longo dos últimos dois anos. A rede explorou quase todas as estratégias de clonagem, mapeamento e seqüenciamento, assim como usou e desenvolveu quase todas as técnicas de bioinformática relacionadas com essas estratégias. Essa expertise acumulada não pode ser desperdiçada. Nós estamos convencidos de que São Paulo pode vir a dominar o campo da análise genô­mica de patógenos de plantas."

O item seis do parecer do comitê internacional aponta para o futuro e traz à tona uma discussão que já vem sendo feita. Qual o melhor destino

Marco Antônio Zago, Marcos A. Gimenes, Marcos Antônio Machado, Marcos Macari, Marcos Oliveira, Marcos Renato Rodrigues Araújo, Maria Aparecida Nagai, Maria Florência Terenzi, Maria Helena de Souza

Jovens e talentosas cientistas

Durante meses, essas jovens doutoras debruçaram-se sobre 24 renitentes interrupções da seqüência total do genoma da Xylella, os chamados gaps, que paralisavam o projeto. Elas conseguiram fechar os gaps, permitindo a conclusão do seqüenciamento

Cláudia Monteiro-Vitorello

Mariana de Oliveira

Marilis do Valle Marques

Goldman, Maria Heloísa Tsuhako, Maria Inês Tiraboschi Ferro, Maria Júlia Gobbo Beretta, Maria Rita Passos-Bueno, Mariana C. de Oliveira, Mariângela Cristofani, Marie-Anne Van Sluys,

Anamaria Camargo

Elizabeth Martins

Marie-Anne Van Sluys

Ana Cláudia Rasera

Marília Caixeta Franco, Marilia Dias Vieira Braga, Marilis do Valle Marques, Mário Henrique de Barros, Marli de F. Piore, Mayana Zatz, Nalvo Franco de Almeida Jr., Nirlei Aparecida Silva, Paula Azevedo

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1999 • 23

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para a expertise e para a capacida­de instalada da rede Onsa, que não se quer ociosa? Fernando Reinach, o primeiro a pensar na idéia de se­qüenciar um genoma completo de bactéria e acreditar na sua factibi­lidade, quase três anos atrás, tam­bém enxerga na especialização em patógenos de plantas a vantagem comparativa de São Paulo - ainda mais porque o projeto Xanthomonas citri, que causa o cancro cítrico, de­ve oferecer a seqüência completa de seu genoma daqui a um ano e meio. Fernando e Jesus respondem por mais esta empreitada de seqüencia­mento completo, outra parceria da FAPESP com o Fundecitrus, orçada em US$ 5 milhões.

Como parte da rede Onsa enceta também o Genoma Cana, sob a coor­denação de Paulo Arruda, acentua-se mais a ligação com o mundo da agri­cultura. Simpson concorda com a for­ça da vertente agrícola; mas sua idéia passa pela criação de um grande cen­tro de seqüenciamento, financiado inclusive por fontes privadas, atuante em outras duas áreas: projetas como a Cana e o Câncer, que querem des­cobrir genes, não fornecer seqüências completas; e estudos que aliem nossa biodiversidade às tecnologias de ex-

Kageyama, Paulo Arruda, Paulo Inácio da Costa, Paulo Lee Ho, Regina L. Costa de Oliveira, Regina Yuri Hashimoto, Renata Guerra, Renato Alvarenga, Roberto Vicente Santel li , Ronaldo Quaggio, Sérgio Furtado

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pertise da rede Onsa. "Dominamos uma atividade de valor comercial. Somos um dos líderes do mundo nesta área. O fato de haver tantas em­presas no setor mostra que podemos ganhar dinheiro com isso", diz ele.

O coordenador de DNA ressalta uma tendência importante para a discussão do futuro: o centro, afirma, estará na bioinformática. No cenário antevisto por Simpson, as idéias se­rão geradas in silico, no trabalho com programas de computador, nas con­sultas a bancos de dados internacio­nais, na comparação de informações. Experimentos na bancada virão de­pois, para validar in vitro os resultados. Mas reforçar a bioinformática é esti­mular a criação de novos centros, óu fortalecer um só? João Setúbal oscila entre as duas possibilidades e observa que elas não são excludentes.

Quanto a novos seqüenciamentos, porém, este politécnico não vacila: põe sua cruzinha num eucarioto (quer di­zer, um organismo com célula nuclea­da) simples, com tamanho entre 10 e 50 milhões de pares de bases - há muito maiores dificuldades técnicas para a montagem de genomas assim.

O maior saldo: José Fernando Perez sentou-se há 15 dias com Reinach e

dos Reis, Sérgio Verjovski-Almeida, Silvana Bordin, Sílvio A. Lopes, Siu Mui Tsai, Suely Lopes Gomes, Suzelei de Castro França, Thiago Claudino Gréggio, Vagner Katsumi Okura, Vanderlei Rodrigues, Vânia

Simpson para conversar so­bre o futuro da rede Onsa. O diretor científico da FA­PESP está entusiasmado com o largo caminho que se abre à frente, inclusive na área de genoma estrutural. Sua confiança vem de ava­liar outras aquisições que também brotaram da deci­são de seqüenciar o genoma completo da Xylella. Traba­lhar na fronteira do conhe­cimento, remeter-se a um problema específico, mobi­lizar a capacidade já insta­lada - tudo isso beneficiou

a biologia molecular no Estado, obje­tivo primeiro da decisão de montar a rede Onsa e enfrentar o primeiro se­qüenciamento. Mas assinala outro impacto do projeto, talvez o maior de todos, resultado da estrutura em que foi concebido: a importância do tra­balho cooperativo.

O fato de não participar direta­mente das atividades da rede não tolda a fina sintonia do diretor: se houvesse uma enquete, 10 entre 10 pesquisadores perguntados concor­dariam com ele. Nas conversas de balanço, o destaque vai para a coesão entre os laboratórios, o exercício da amizade, da troca de experiências, a velocidade e o novo gosto que a co­laboração intensa imprimiu ao tra­balho. Parece que os cientistas de São Paulo se descobriram uns aos ou­tros; descobriram, também, as delí­cias do convívio, do tititi no site da rede Onsa. A todos eles, especial­mente a elas neste fechamento, con­gratulations.

E do diretor científico, fica um re­cado: " Vamos consolidar nossa lide­rança em patógenos, para dar novos saltos. Nos inserirmos em um contex­to que exige ousadia e agressividade crescentes. E o futuro, mais que pro­missor, é exigente': •

Fernandes, Vera Ferreira, Vicente Eugênio de Rosa Junior, Walter José Siqueira, Wanderley Dias da Silveira, Weber A. N. do Amaral, Wilson Araújo Silva Jr, Wilton ]. R. Lima, Zanoni Dias

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CIÊNCIA

O tokamak: alternativas para produção de energia

Estudando a fusão nuclear

Equiparando-se a instituições do Japão, Europa e Estados Unidos, Índia e China, o Ins­tituto de Física da Universida­de de São Paulo (USP) conta com um tokamak de médio porte, um equipamento que confina plasma (partículas atômicas com alta energia) em campos magnéticos, inaugu­rado no final de outubro. Por meio dele começaram a ser realizadas pesquisas que po­derão contribuir para a cons­trução de reatores de fusão nuclear, considerados uma alternativa de menor impacto ambiental em relação à fissão nuclear, por não gerar resídu­os radiativos. Construída ao longo de seis anos, com cerca de R$ 2,9 milhões provenien­tes da USP, da FAPESP, da Fi­nanciadora de Estudos e Pro­jetos (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimen­to Científico e Tecnológico (CNPq), a nova máquina pode viabilizar também traba­lhos em conjunto com outros grupos de pesquisa nacionais e internacionais. Segundo o coordenador do projeto, o fí­sico Ivan Cunha Nascimento,

já estão em andamento pes­quisas em colaboração com grupos da Universidade Esta­dual de Campinas (Unicamp ), da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, da Rússia e da Ucrânia e do Centro de Fu­são Nuclear do Instituto Su­perior Técnico de Lisboa. •

Descobertas no cromossomo 6

A revista Nature de 28 de ou­tubro noticiou o primeiro se­qüenciamento e o mapa ge­nético completos de um complexo maior de histocom­patibilidade (MHC) humano, fundamental para o sistema imunológico, numa região do cromossomo 6. Os 22 pesqui­sadores de duas instituições dos Estados Unidos, uma da Inglaterra e outra do Japão, que assinam o artigo da Natu­re, consideram que a aglome­ração de genes relacionados com o sistema imunológico é tão marcante que parece im­provável que isto seja uma coincidência. Lembram tam­bém, por outro lado, que a proporção de genes do siste­ma imunológico no genoma em geral ainda não é inteira­mente conhecida e pode ser

igualmente alta. De imediato, esse trabalho tornou possível, por exemplo, rastrear a simi­liaridade de seqüências gené­ticas de 700 milhões de anos atrás e situar o surgimento do sistema imunológico há cerca de 400 milhões de anos. •

Prata, para medir a poluição atmosférica

Um dos gases que poluem o ar das cidades, o dióxido de enxofre, altera a cor dos obje­tos feitos com prata, o cha­mado azinhavre. Verificando que o mal se encontrava a um passo do bem, a pesquisadora Magali Silva, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), elaborou um méto­do para medir a poluição at­mosférica que parte justa­mente desse efeito do gás, produzido pela queima, so­bretudo, de óleo diesel de au­tomóveis e indústrias. Magali colocou pequenas placas de prata em três locais de Porto Alegre, nos quais a poluição é acompanhada pelo método tradicional, com a aspiração do gás, e nas proximidades de uma indústria na região me­tropolitana. Durante seis me­ses, acompanhou as placas, decompondo o azinhavre, o sulfeto que se forma pela

Sulfeto de prata: indicador

ação do enxofre sobre a prata, por meio de corrente elétrica. No final, com resultados equi­valentes ao método tradicio­nal, verificou que a concen­tração média de poluentes em um dos pontos analisados, a Rodoviária, com intenso trá­fego de ônibus movidos adie­sel, é dez vezes maior que em outro ponto, a Avenida Bor­ges de Medeiros, com maior circulação de automóveis. A pesquisa pretende ainda rela­cionar a concentração de dió­xido de enxofre com outras variáveis, como o regime dos ventos e a umidade do ar. •

Pesquisador premiado

O bioquímico Rogério Mene­ghini, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), diretor­associado do Laboratório Na­cional de Luz Síncroton e co­ordenador-adjunto da FAPESP, recebeu o prêmio Rheinboldt­Hauptmann, entregue no dia 17 de novembro. Especialista em biologia molecular, Mene­ghini proferiu na ocasião a pa­lestra "Os caminhos conflitan­tes dos elétrons de ferro (II) na célula': O prêmio - criado em homenagem a dois profes­sores alemães, Heinrich Rehein­boldt e Henrich Hauptmann, fundadores do Departamento de Química da antiga Faculda­de de Filosofia, Ciências e Letras da USP, base do atual Institu­to de Química- reconhece o trabalho de pesquisadores que tenham feito contribui­ções relevantes ao avanço da Química e da Bioquímica. Foi conferido pela primeira vez, em 1986, a Leopoldo de Meis, da Universidade Fede­ral do Rio de Janeiro. •

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO DE 1999 25

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CIÊNCIA

FISIOLOGIA

Proteção durante o sono Está comprovado o papel antiinjlamatório da melatonina

Convém abandonar a idéia de que os organismos são apenas

um conjunto de sistemas, como o circulatório, o respiratório e o repro­dutor, entre outros, cada um funcio­nando como uma linha de produção independente. Nada disso. Cada vez mais, prova-se que a integração é grande. Há substâncias que funcio­nam como maestros do organismo, pondo cada parte para tocar em har­monia. No Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), um grupo de pesquisadores está aju­dando a ciência a entender melhor uma delas, a melatonina, um hormô­nio produzido por uma pequena glândula, a pineal, situada na base do cérebro.

Produzida apenas à noite, a mela­tonina marca o escuro, com ações di­ferenciadas: controla o sono nos seres humanos e o estado de alerta nos ra­tos, animais de hábitos noturnos. Mais do que regulador do relógio biológico, esse hormônio pode de­sempenhar outras funções estratégi­cas. Após quase 1 O anos de trabalho, a equipe coordenada pela biomédica e farmacologista Regina Pekelmann Markus, do IB, chegou a resultados animadores, considerados inéditos pe­la comunidade científica internacio­nal, sobre o possível papel desse hor­mônio em processos inflamatórios. Há também implicações práticas: em alguns anos, esse trabalho pode levar a indicações mais precisas sobre a me­lhor hora e as dosagens mais eficazes para ministrar medicamentos.

Já se sabia que a melatonina inter­fere sobre os sistemas imunológico,

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Regina Markus: t rabalho pode ajudar a rever o uso de medicamentos

hormonal e nervoso, assegurando a sincronização de diversas funções do organismo, muitas delas sem relação umas com as outras, mas não de mo­do assim tão decisivo. No IB, estudç>s realizados em camundongos e ratos mostraram que a melatonina, cuja pro­dução ocorre apenas durante a noite, pode atenuar inflamações. A ciência já sabia também que a melatonina poderia atuar sobre a fase aguda das inflamações, nos dois primeiros dias do processo. Seu papel em lesões crô­nicas, mais longas, é que constitui um campo novo de estudos.

"Não podemos dizer que a mela­tonina é um antiinflamatório, mas sim que tem importância modulató­ria no processo inflamatório", explica Regina Markus, coordenadora do projeto temático Glândula Pineal e Melatonina -Estudo de Regulação Fi­siológica e Fisiopatológica, com três subprojetos, que nos últimos três anos contou com um financiamento de R$ 68.386,60 da FAPESP. Trata-se

de uma ação global, na qual não ca­bem mais visões compartimentadas do organismo. A melatonina, ao que tudo indica, impede que um tipo de células brancas do sangue, os neutró­filos, rolem ou se fixem nas paredes dos vasos sanguíneos, travando assim sua passagem para os tecidos adja­centes. A melatonina não impede in­teiramente a evasão das células, ape­nas a reduz em cerca de 30%. Na prática, o organismo sai ganhando. "Se vão menos neutrófilos para a re­gião inflamada, a inflamação vai pro­gredir mais lentamente': diz a profes­sora. Outra conseqüência: haverá menos pressão, menos inchaço e, tal­vez, menos dor na região inflamada. A melatonina, portanto, não breca a inflamação, mas a regula.

A partir dessas evidências, como o ciclo de produção da melatonina é bem conhecido em mamíferos, in­cluindo os seres humanos, os médi­cos poderiam em tese potencializar o efeito das drogas antiinflamatórias se

Page 27: Genoma Xylella na reta final

sura das patas, determinada pela in­flamação induzida, variava de acordo com um ritmo que parecia guardar uma relação com o ciclo de produ­ção da melatonina no organismo dos animais. Regina Markus conta que as

líquido e de proteína dos vasos para os tecidos vizinhos, a chamada per­meabilidade vascular, devidamente medida pelos especialistas do IB. Co­mo demonstraram, a permeabilidade das patas lesionadas era sempre maior

as ministrassem justamente nos mo­mentos de alta concentração desse hor­mônio no organismo, que ocorrem à noite. Para Regina Markus, que tam­bém coordena o curso de Ciências Moleculares da USP, esse cuidado ex­tra poderia resultar em trata­mentos mais eficazes contra inflamações crônicas, como a

Uma das experiências em ratos

asma e a artrite reumatóide, Como a melatonina interfere na inflamação produzida nos animais de laboratório

além de permitir o uso de uma dosagem menor (port<m­to, menos agressiva) das dro­gas, cujos efeitos seriam po­tencializados pela presença da melatonina. É lógico, lembra ela, que terão de ser feitos es­tudos detalhados em seres hu­manos sobre a ação da mela-

I - Os pesquisadores injetaram uma solução com bactérias do tipo BCG e uma substância inerte chamada nistatina na pata traseira esquerda de camundongos. O objetivo era produzir uma inflamação crônica, que tomaria a forma de um caroço palpável, no local da injeção. Além de receberem aplicações periódicas, os animais eram mantidos em um ambiente com iluminação controlada ( 12 horas com luz e 12 sem luz).

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tonina antes que esse tipo de procedimento se torne uma rotina terapêutica. Essa etapa também está sendo planejada pelos pesquisadores. "Preten­demos começar a pesquisar o papel da melatonina em pro­cessos inflamatórios em hu­manos em um ou dois anos", afirma Regina.

.. o 2 ·Trinta dias depois do início da experiência, os pesquisadores começaram a medir o inchaço das patas lesionadas. Perceberam que a grossura das patas, determinada pela inflamação induzida, variava de acordo com o ritmo que parecia guardar uma relação com o ciclo de produção de melatonina no organismo dos animais.

Patas inchadas: Uma equipe do IB, composta pela doutora Cristiane Lo­pes e pelo professor Mario Mariano, realizou urna série de estudos enfocan­do o papel da melatonina na respos­ta inflamatória. Primeiro, injetaram as bactérias do tipo BCG (Bacillus Calmette-Guerin) e uma substância inerte chamada nistatina na pata tra­seira esquerda de camundongos. O objetivo era produzir uma inflama­ção crônica, que tomaria a forma de um caroço palpável que podia ser lo­calizado no local da injeção, a cha­mada lesão granulomatosa. Além de receberem aplicações periódicas, os animais eram mantidos em um am­biente com iluminação controlada (12 horas com luz e 12 sem luz).

Trinta dias depois do início da ex­periência, os pesquisadores começa­ram a medir o inchaço das patas lesio­nadas - urna tarefa metódica, realizada a cada quatro horas, dia e noite, in­clusive nos finais de semana e feria­dos. No final, perceberam que a gros-

patas nas quais se aplicou as substân­cias apresentavam-se mais inchadas durante o dia, sobretudo entre as no­ve horas da manhã e a uma da tarde, justamente o período em que a glân­dula pineal não produz melatonina. Ao contrário, mostravam-se menos in­chadas durante a noite, especialmente entre as nove da noite e a uma da ma­nhã, um intervalo de tempo que coin­cide com o momento de pico de con­centração do hormônio no organismo.

A partir desses dados, ficou claro para os pesquisadores que a inflama­ção crônica obedecia a um ritmo que variava uniformemente ao longo de 24 horas. O experimento era também um indício de que a presença ou au­sência de melatonina tinha alguma influência sobre o inchaço nas patas dos camundongos. Segundo Regina Markus, havia nesse estudo outro da­do interessante que reforçava a tese de que o ciclo de produção de mela­tonina estava ligado à intensidade da resposta inflamatória: era a saída de

o 3 -As patas nas quais se aplicaram as substâncias apresentavam-se mais inchadas durante o dia, sobretudo entre as nove horas da manhã e a uma hora da tarde, justamente o período em que a glândula pineal não produz melatonina.

o 4 -Ao contrário, as patas mostravam-se menos inchadas durante a noite, especialmente entre as nove horas da noite e a uma da manhã, um intervalo de tempo que coincide com o momento de pico de concentração do hormônio no organismo.

ao meio-dia do que à meia-noite. Como se sabe, quanto maior o grau de per­meabilidade vascular numa área in­flamada, maior será o seu inchaço.

Em seguida, os pesquisadores pre­cisaram verificar se os resultados ob­tidos decorriam apenas do ritmo de liberação da melatonina ou se havia outro fenômeno envolvido, urna etapa chamada de eliminação de variáveis. Então, retiraram a glândula pineal de alguns camudongos ou apenas o gân­glio cervical superior, decisiva para seu funcionamento. Pronto: estava cessada ou drasticamente reduzida a produção natural desse hormônio, que só é sintetizada por essa glândula. Como resultado, relata a professora Regina, o inchaço das patas lesiona­das dos camundongos parou de se­guir o ritmo circadiano, que determi­nava o inchaço mais intenso durante o período de luz e menos acentuado no período de escuro. Um forte indí­cio, portanto, de que a ausência de melatonina no organismo estudado

PESQUISA FAPESP · NOVEMBRO OE 1999 • 27

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desregulava o ciclo normal da inflamação. Para que não houvesse mais dúvi­das, aplicaram doses no­turnas de melatonina nos animais que não mais pro­duziam esse hormônio e -eis a prova final - a lesão nas patas voltou a obedecer o ciclo tradicional, de maior ou menor inchaço de acor­do com a hora do dia.

Pioneirismo: Em outro trabalho sobre o papel an­tiinflamatório da melatoni­

O controle do sono: uma das ações da melatonina

Outra linha de atuação do grupo volta-se à fisiolo­gia da glândula pineal e uma outra família de receptores celulares, os purinocepto­res do subtipo P2, estimu­lados pelas moléculas de adenosina trifosfato (ATP) liberadas pelo terminal ner­voso. Esses receptores celu­lares têm uma importância específica: contribuem para induzir a síntese de mela­tonina. O ATP, lembra a pro­fessora Regina, é bastante

na, um grupo de estudos formado por Regina Markus, Sandra Farsky, do Instituto Butantan, Cristiane Lo­pes e Celina Lotufo, do IB, analisou a influência desse hormônio e de seu precursor, a N-acetilserotonina, na ca­pacidade de um tipo de células sanguí­neas, os leucócitos, rolarem e aderi­rem à parede de vênulas, as pequenas veias localizadas logo após os capila­res. Segunda Regina Markus, esses são um dos primeiros passos que de­sencadeiam a resposta inflamatória.

Em ratos, os pesquisadores apli­caram diferentes doses desses dois hormônios, que atuavam em quanti­dades equivalentes à produzida nor­malmente pelo organismo. Ao final das análises, constataram que o pre­cursor, uma molécula intermediária à melatonina, também apresenta uma ação definida no organismo. Tanto a melatonina quanto a N-ace­tilserotonina, ainda que em dosa­gens semelhantes às produzidas pela glândula pineal à noite, podem ter um papel fisiológico nos processos inflamatórios agudos, atuando na microcirculação, como são chama­dos os pequenos vasos onde se dá a saída de células da corrente san­guínea, provocando uma resposta inflamatória.

Segundo Regina Markus, os resul­tados desse trabalho representam uma contribuição original da ciência brasileira para a compreensão de uma das possíveis funções antiinflamató­rias da melatonina. O estudo dos pes­quisadores da USP, ela assegura, foi o

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primeiro no mundo a conseguir tais resultados em lesões agudas lançan­do mão de baixas doses desses hor­mônios. "Os trabalhos internacionais nessa linha sempre utilizaram dosa­gens muito elevadas dessas substân­cias, de 10 mil ou até 100 mil vezes maior, criando uma situação total­mente artificial e diferente das condi­ções de funcionamento do organis­mo", comenta a pesquisadora.

conhecido como a molécu­la que é quebrada para fornecer ener­gia para as células. Neste caso, o ATP não é quebrado, mas atua como um sinalizador de reações químicas entre duas células.

Tão notáveis quanto as descober­tas foram as dificuldades vividas pelo grupo. A mais marcante diz respeito a um aparelho importado dos Esta­dos Unidos, indispensável para o es­tudo das funções da glândula pineal e

De Herófilo a Descartes

A melatonina é uma molécula de produção relativamente simples, derivada de um aminoácido essen­cial, o triptofano, e elaborada· em apenas duas etapas intermediárias. Pode ser encontrada em quase to­dos os animais, desde os unicelula­res, com a exceção de alguns ratos do deserto, desprovidos de olhos, que vivem sob a terra, e algumas va­riedades de peixes de águas profun­das, que vivem no escuro absoluto.

A glândula pineal ou epífise, que a produz, está presente nos animais vertebrados (peixes, répteis, anfíbi­os, aves e mamíferos) - os inverte­brados, embora sem a glândula, produzem a melatonina pelos mes­mos caminhos bioquímicos. Des­crita pela primeira vez há 2.000 anos por um anatomista da Univer­sidade de Alexandria, Herófilo, a pi­neal era considerada na Antiguida-

de como uma espécie de esfíncter, um simples músculo, capaz de re­gular o fluxo do pensamento.

No século II, o médico grego Ga­leno fez um grande avanço ao mos­trar que essa glândula era constituí­da de um tecido diferente do tecido cerebral. No século XVII, o pai do racionalismo francês, René Descar­tes, alimentou o conceito de que a pineal seria o centro da alma. No fi­nal do século passado, já com suas propriedades anatômicas, histológi­cas e embriológicas conhecidas, é apontada como algo semelhante ao terceiro olho das aves. Constitui, na verdade, o órgão epifiseal dos pássa­ros, onde a pineal é uma fotorrecep­tora, como a retina.

Hoje, está evidente, a pineal fun­ciona como um tradutor: é capaz de informar às partes internas do orga­nismo sobre as condições de ilumi-

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da atuação da melatonina nos orga­nismos. Era um microfisiômetro, que mede a acidez ou a alcalinidade, o chamado pH, nas células e fornece a velocidade de acidificação do meio lí­quido em que se encontram. Quem o vê funcionando em um dos labora­tórios do IB não imagina os bastido­res. O aparelho, de uso conjunto por diversos grupos de pesquisa, custou cerca de US$ 100 mil, financiado pela FAPESP. Foi o primeiro micro­fisiômetro instalado no Brasil, segun­do a coordenadora do projeto.

Sua chegada, em meados do ano passado, alegrou os pesquisadores da USP. Mas, como fazer ciência é uma luta quase diária contra as adversida-

des, o equipamento apresentava al­gum problema e, para decepção ge­ral, não funcionou. Para complicar, não havia assistência técnica no Bra­sil. "Tivemos de consertá-lo com a ajuda on line do fabricante, com quem passamos a trocar e-mails na esperança de resolver o problema", relembra Regina, com bom humor. O problema até que era simples, uma bombinha do aparelho estava danificada, mas consumiu três meses para ser localizado e sanado. Reu­nindo habilidades, os pesquisadores conseguiram resolver o contratempo por aqui mesmo. Mandar o aparelho de volta para ser consertado nos Es­tados e esperar o retorno seria muito

A produção de melatonina

mais demorado. Outro ponto a favor da ciência brasileira. •

PERFIL:

• REGINA P EKELMANN M ARKUS, 50 anos, professora titular do Depar­tamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), graduou-se em Ciências Biomédicas na Escola Pau­lista de Medicina, atual Universida­de Federal do Estado de São Paulo (Unifesp ), onde fez o doutorado. Projeto: Glândula Pineal e Me/ato­nina - Estudo de Regulação Fisioló­gica e Fisiopatológica Investimento: R$ 68.386,60

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O mecanismo que se repete a cada 24 horas, determinado pela presença ou pela ausência de luz, começa no olho "' -;;;

I - Fibras nervosas da retina captam a luminosidade do ambiente e repassam essa informação, na forma de estímulos elétricos, para o Núcleo Supraquiasmático, NSQ, situado no hipotálamo, localizado no sistema nervoso central.

5 -A estimulação dos adrenoceptores beta induz a produção de adenosina monofosfato cíclico (AMPc), que ativa a síntese de enzima N-acetiltransferase (NAT), por sua vez é responsável pela transformação da serotonina, que levará à constituição da melatonina.

Vaso

Triptofano t

6 - O triptofano, aminoácido

2 - O hipotálamo envia a informação para a medula espinhal, situada no interior da coluna vertebral.

Receptor B 5-0H-triptofano

~ AMPc Serotonl!Ja

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que vai constituir a melatonina, chega pelos vasos sanguíneos que irrigam os pinealócitos.

3 - Em seguida, a medula envia a informação até o gânglio cervical superior. E a última parada antes de a informação chegar à glândula pineal.

Corte da medula

NOR

4 - Do gânglio cervical superior sai um nervo que libera noradrenalina,

um neurotransmissor, e adenosina trifosfato (ATP), que neste caso funciona como cc-transmissor. A noradrenalina age sobre adrenoceptores beta e o ATP atua sobre receptores P2Y I, localizados na membrana dos pinealócitos, as células da glândula pineal que produzem melatonina.

nação ambiental. Em outras pala­vras: a pineal, liberando mela to nina, informa ao organismo se está escu­ro. Permite desse modo que seja di­ferenciado o dia da noite - e, de acordo com a intensidade da luz, li­bera no organismo os hormônios que produz.

A ação da melatonina varia de acordo com a hora em que é libera-

• Melatonina

Vaso

7 - O triptofano transforma-se em 5-0H-triptofano, precursor da serotonina, que será modificada em N-acetil serotonina (NAS) e depois em melatonina, que ganha a circulação sanguínea.

fonte: Adaptado de Reiter, 1993, Brazilion journal o( Medical ond Biologicol Reseorch

da. Em animais com ciclo reprodu­tivo ditado pelas estações do ano, esse hormônio sinaliza as mudan­ças sazonais: pode, por exemplo, es­timular ou inibir o desenvolvimen­to dos órgãos genitais. Os hamsters, por exemplo, se reproduzem na pri­mavera, quando os dias são mais longos. Nas ovelhas, ao contrário, a fecundação ocorre no inverno.

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CIÊNCIA

lrenilza: estudos do impacto da ventilação e da temperatura sobre o ganho de peso dos animais

CRIAÇÃO ANIMAL

O valor do conforto ambiental

Pesquisa contorna as perdas de produtividade causadas pelo calor

Para os animais, o calor é um tormento. Se vivem soltos, pro­

curam a sombra de uma árvore. Quando confinados em granjas ou criatórios, pouco podem fazer. No verão, quando a temperatura chega a 30° Celsius, as galinhas põem menos ovos, as vacas produzem menos leite e os porcos perdem peso. Estima-se que as perdas em produtividade che­guem a US$ 50 milhões a cada sema­na de calor contínuo, sem nada que refresque os animais. A experiência ensinou que soluções imediatas nem

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sempre resolvem, como ocorreu liá dois anos com um grupo de granjei­ros paulistas. Compraram nebuliza­dores, que espalham vapor de água sobre as galinhas, mas logo se viram desesperados, à medida que as aves caíam mortas pelo excesso de umida­de relativa do ar. Os criadores come­çaram a ver que os ajustes nos apare­lhos e nas próprias instalações eram indispensáveis.

Atento justamente aos detalhes do conforto térmico, essencial à ma­nutenção da produtividade dos ani­mais, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pode agora ter a chave que faltava para estancar a sangria produtiva provocada pelo calor de­senfreado. Ao encerrar o projeto Ava­liação biofísica de sistemas utilizados

em criação industrial de animais, ini­ciado há três anos com um financia­mento de R$ 35.079,00 da FAPESP, Irenilza de Alencar Naas apresenta uma série de recomendações que, uma vez assimiladas, poderá assegu­rar o conforto térmico e a lucrativi­dade da produção animal. Evidente­mente, os ganhos serão maiores nas criações em que os cuidados ambien­tais ainda não estejam implantados com ngor.

"O resultado do trabalho de cam­po é que valida a pesquisa", diz Irenil­za, professora do Departamento de Construções Rurais da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp. Um grupo de cerca de 40 criadores de galinhas, porcos ou bovinos- não apenas das proximidades de Campi­nas, mas também de Pouso Alegre e

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outras cidades do Sul de Minas -aceitaram correr os riscos da experi­mentação científica. Convencidos de que as melhorias são necessárias, ce­dem o espaço e dão aos pesquisado­res liberdade para mudarem o que acharem necessário, desde que os animais não se abatam mais com o calor. Dessa etapa, ao lado da equipe da Unicamp, participam especialistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP) e da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal.

Estudiosos e inventores: Após exami­nar o ambiente, os cientistas sugerem que os criadores reduzam ou aumen­tem a altura das paredes ou instalem cortinas, que podem ser abertas ou fechadas de acordo com as necessida­des térmicas. São meticulosos a pon­to de alterarem até mesmo o ângulo de colocação dos ventiladores, para que o vento não desvie a nebulização que deve cair sobre os animais. Não se limitam aos conselhos. Também criaram e implantaram dispositivos que contribuem com o conforto tér­mico dos animais. Um deles são tu­bulões plásticos, com 12 centímetros de diâmetro, associados a uma bom­ba de refrigeração, que conduzem ar refrigerado até o cocho de matrizes suínas. Nada muito inovador, pois esse processo, chamado resfriamento eva­porativo, já era utilizado em bovinos leiteiros. Funcionou.

Deu certo também outra invenção dos pesquisadores, o poleiro refrigera­do, criado a partir da constatação de que pelo menos 30% do calor que as aves trocam com o ambiente ocorre a partir dos pés - nada mais lógico, portanto, do que refrescar os pés das aves poedeiras, em vez de providen­ciar o arejamento de todo o aviário. Esse poleiro, um cano pelo qual passa água fria, atravessa as gaiolas ao lon­go do corredor da granja. Mas foi o bastante, segundo a pesquisadora, para permitir um aumento de 1,72% na produção de mil aves manejadas em um dos casos estudados. A produ-

tividade elevou-se, mas somente quando esse ganho chegar a 4% é que a lucratividade estará assegurada, alerta a pesquisadora.

As respostas que marcam a con­clusão desta etapa da pesquisa têm despertado o interesse dos produto­res, que solicitam continuamente as sugestões dos especialistas da Uni­camp. Muitas vezes, partem dos pró­prios especialistas a iniciativa de pro­mover palestras em associações de criadores, às vezes com centenas de interessados. Como indicação desse

a cnaçao sobreviver, as perdas de produtividade devem ser reduzidas ao mínimo. Com essa finalidade, já se investiu bastante em nutrição e gené­tica, que permitiram o desenvolvi­mento de variedades mais resistentes e de crescimento mais rápido. Falta agora, na opinião da pesquisadora, dar mais atenção à chamada ambiên­cia ou bioclimatologia animal - um conjunto de fatores climáticos, como Sol, chuva, vento ou brisa, que influen­ciam nas condições ambientais inter­nas e, se bem regulados, geram o con-

Gaiolas com poleiro refrigerado: ovos mais resistentes

entrosamento, neste final de aho quase não parava de tocar o telefone das salas de pesquisa da Unicamp -eram produtores em busca de solu­ções que assegurem a produtividade dos animais no verão que se inicia.

O trabalho amadurecido nos últi­mos anos partiu do livro Princípios de conforto térmico na produção ani­mal, de 1989, que a pesquisadora ela­borou a partir de informações de ou­tros países, já com adaptações para as condições brasileiras, destinado aos estudantes sobretudo de engenharia agrícola. Naquela época, lembra ela, as fórmulas de cálculo do conforto térmico eram mais simples. "O pro­dutor ainda não sentia no bolso as perdas de produtividade, porque as margens de lucros eram muito gran­des", diz. A situação hoje é outra: para

farto térmico, a temperatura ideal na qual não há estresse do organismo.

Os pesquisadores, ao relacionarem temperatura ambiental, a umidade, a circulação de ar e as trocas de calor entre os animais, tornaram multidis­ciplinar um estudo que normalmen­te é conduzido de forma isolada. A Biologia aliou-se a campo da Física, a termodinâmica, abundante em fór­mulas matemáticas que indicam como ocorre a troca de calor entre os organismos e o ambiente. Puderam assim compreender a fundo o siste­ma homeotérrnico dos animais, quere­gula a troca de calor com o ambiente e faz com que os animais transpirem e se movimentem mais ou menos de acordo com a temperatura externa.

Quando os animais gastam ener­gia em excesso para chegar ao con-

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forto térmico- por meio da eliminação de água por meio da respiração, do suor ou da urina ou do aumento da freqüên­cia respiratória e da transpiração, por exem­plo-, a produção cai ou perde qualidade. Os li­mites, lembra a pesqui­sadora, são bem defini­dos: vacas leiteiras que produzam menos de 25 litros por dia já estão dando prejuízo ao cria­dor. Do mesmo modo, leitões desmamados sem atingir o peso ideal, de três a cinco kg aos 21

Pintinhos em alas com ventilação manejada: menos doenças

dias, jogam por terra o retorno dos investimentos em melhor nutrição e instalações. No caso das granjas, co­mo a pesquisa atestou, o microclima interfere na resistência das aves a doen­ças e na formação da casca dos ovos.

Condições específicas: Com base nos conceitos e nos padrões matemáti­cos de conforto térmico, a equipe da professora Irenilza comprovou que não adianta simplesmente abrigar os animais com o equivalente a uma boa sombra, pois cada tipo de cria­ção exige um microclima, instalações e manejo específicos. O acompanha­mento da temperatura corporal em situação de normalidade ambiental ou em condições adversas, como o calor ou frio intensos, permitiu o aprofun­damento dos estudos e, por fim, cul­minou com a elaboração de modelos e de índices de conforto térmico pró­prios para a criação de aves, suínos e bovinos leiteiros, dentro e fora das instalações em que vivem.

No caso da avicultura, um dos re­sultados desse trabalho é a verifica­ção de que a faixa de conforto térmi­co situa-se entre 22°C e 24°C. Mais do que a uma solução, Irenilza che­gou, sim, a um impasse. Segunda co­locada no mercado nacional de pro­teínas de origem animal, após a bovinocultura, a criação de aves tem promovido um superadensamento de aves nas granjas, com a finalidade de

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produzir mais carne e ovos. No mes­mo espaço onde há alguns anos con­viviam dez aves, agora há vinte. O de­safio é como manter a boa circulação de ar e a temperatura ideal dentro do aviário já que as aves, mais próximas, trocam mais calor entre si e com o ambiente. Cada ave, ensina Irenilza, gera calor numa equivalência de po­tência de 20 Watts. Portanto, um lote de 20 galinhas por metro quadrado equivale a 400 Watts, como se nesse espaço houvesse quatro lâmpadas in­candescentes de 100 Watts.

Ela sabe que seu trabalho pode promover reviravoltas nos padrões de manejo por mostrar também qúe não se deve descuidar da amônia, o gás formado a partir dos excremen­tos e da urina das aves. "O adensamen­to das aves está diretamente relacio­nado à concentração de amônia, cujo poder corrosivo compromete a sani­dade respiratória e parte das carcaças das aves no abate", diz Irenilza. A ven­tilação adequada resolve o problema, embora deixe em aberto as conse­qüências da aglomeração das aves.

Conseqüências: No caso das aves poe­deiras, o desconforto térmico é uma das causas da baixa eclosão e da mal­formação dos ovos, com impacto ime­diato sobre a produtividade e a lucrati­vidade. Regulando o conforto térmico, os pesquisadores começaram a lidar melhor com esse tipo de problemas.

As intervenções se tornaram mais eficazes a partir do momento em que concluíram qual o manejo mais adequado para cada fase do desenvolvimen­to das aves. Para apre­sentarem um bom cres­cimento, por exemplo, os pintinhos, as aves de um dia que normal­mente viram frango de abate, precisam de aquecimento controla­do. Um dos trabalhos práticos evidenciou a diferença entre o siste-ma de ventilação con­

trolada e aquecimento do tipo estu­fa, com cortinas plásticas, e o aquecimento convencional, a gás, revestido com placas de madeira. Com o uso da estufa, a temperatura ambiental oscilou menos. As aves apresentaram um peso médio prati­camente igual ao das manejadas convencionalmente, mas a uma taxa mais eficaz de ganho de peso e com menor índice de mortalidade.

Irenilza conta que, de modo geral, a nebulização do ambiente é de fato um dos recursos possíveis para a ma­nutenção do conforto térmico, não apenas para as aves, mas também para os suínos e bovinos. Mas há um detalhe: a água retira calor do corpo dos animais somente no estado gaso­so. Não adianta, portanto, regar ou aspergir água sobre os animais - na forma líquida, a água aumentará a umidade, que prejudica imensamen­te a respiração dos animais.

Para a suinocultura, a pesquisa da Unicamp aponta para uma profunda revisão das instalações ainda utiliza­das. Segundo Irenilza, salas com pé­direito baixo, janelas pequenas e piso que facilitam a formação de umidade são um convite ao prejuízo. Nessas condições, o ar circula mais lenta­mente, gerando a rápida saturação do ar, que se torna assim impróprio para as trocas térmicas.

Em uma granja comercial de Campinas, Marilena, com 350 matri-

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zes suínas, os pesquisa­dores implantaram sis­temas de manejo dife­renciados de ventilação em três etapas da cria­ção suína. As 36 matri­zes em gestação acomo­dam-se em uma ala nova, com pé-direito mais alto, mas paredes mais baixas que as habi­tuais, de até um metro e meio de altura, e sem ja­nelas. A construção per­mite assim o uso de cor­tinados, reguláveis de acordo com o clima. A pesquisadora da Uni­camp mostra por que

Gado holandês sob ventiladores: resfriamento controlado

vale a pena cuidar do conforto térmi­co dos suínos: o acréscimo no peso na desmama equivale a um rendimento de um leitão a mais por matriz ou cerca de três toneladas a mais de car­ne num rebanho de 350 animais.

Na outra ala da criação, o setor de maternidade, as condições térmicas constituem um desafio aos pesquisa­dores e ao próprio criador. Para os fi­lhotes, a temperatura deve permane­cer entre 28 e 30° Celsius, um pouco mais alta do que a indicada para o conforto térmico da matriz, entre 22 e 24° C. Mas também é importante manter o conforto térmico para as genitoras, pois elas é que vão produ­zir o leite para os filhotes. A solução encontrada pelos pesquisadores para conciliar as condições ideais a família toda foi a mesma utilizada em reba­nhos de gado leiteiro: os tais tubulões de PVC despejam ar refrigerado so­bre a cabeça dos animais adultos, de modo a abaixar a temperatura cor­poral. "Os animais se sentem confor­táveis e os filhotes ganham peso", ex­plica a engenheira agrícola Patrícia Souza, filha de criadores de Minas Ge­rais, doutoranda em construções ru­rais e ambiência, que integra a equi­pe da professora Irenilza, ela própria uma alagoana, filha de pai cearense e mãe paraibana, ambos com família e intensa convivência no campo.

Para os rebanhos leiteiros, com­postos no Brasil geralmente por ani-

mais da raça holandesa, os estudos apontam de saída um paradoxo, apa­rentemente de difícil solução: a faixa térmica ideal varia de 5 a 24° Celsius, algo quase impossível no Brasil, onde os dias amanhecem já com tempera­turas próximas a 18 graus. Para que os animais vivessem confortavel­mente, seria preciso que o inverno durasse o ano todo. A situação só não é assim tão crítica, lembra a pesqui­sadora, porque existe a aclimatação, que permite os animais se adaptarem -ainda que de maneira inadequada­às condições locais, depois de várias gerações.

Aos poucos, verificaram que ·os animais de melhor linhagem, resul­tantes de uma boa seleção genética, responderam com um ganho reduzi­do de produtividade, ainda assim da ordem de 60%, à medida que se ajus­tavam as condições de conforto tér­mico. Segundo Irenilza, o potencial máximo de produção pode chegar a 85% ou até mesmo a 100%, ou seja, dobrar. Em rebanhos de baixo rendi­mento genético, portanto de baixa produtividade leiteira, o impacto da ventilação manejada, com ventiladores associados à nebulização, mostrou-se maior, com ganhos de produtividade de até 25% acima dos 60% usuais. Se­gundo a pesquisadora, as mudanças implantadas pelos pesquisadores em criações de médio porte ao redor de Campinas, em São João da Boa Vista

(SP) e Pouso Alegre (MG) prop1oaram uma me­lhoria de 20 a 28% na produção de leite, de 8% no índice de parição e de 12% resistência à mas­tite, fatores ligados a uma melhor resposta hor­monal e imunológica.

Irenilza espera mos­trar pelo menos a im­portância da prudência e da vigilância constante e dos limites da tecnolo­gia. Num caso dramático, ocorrido há dois anos, um criatório mantinha 380 avós de frango de corte, material genético

precioso, cada uma custando de R$ 300 a R$ 400, em condições ótimas de con­forto térmico. Havia dois sistemas de segurança com alarmes que deveriam funcionar caso a temperatura exce­desse os limites previstos. Mas, num dia de calor intenso, quando deveriam entrar em ação, o primeiro equipa­mento falhou e o outro, que deveria dar o alarme geral, ficou mudo - o terminal do relê havia sido envolvido por um casulo feito por abelhas. Qua­se 300 morreram de calor. •

PERFIL:

• lRENILZA DE ALENCAR NAAS, formada pela Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Cam­pinas (Unicamp ), fez o mestrado em Engenharia Agrícola na Universida­de Politécnica do Estado da Califór­nia e o doutorado em Engenharia Agrícola, na área de Ambiência e Construções Rurais, na Universida­de de Michigan, também nos Esta­dos Unidos. É professora do Depar­tamento de Construções Rurais da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp desde 1990 e membro do Clube de Bolonha, uma comissão de especialistas que assessora os paí­ses da União Européia. Projeto: Avaliação Biofísica de Siste­mas Utilizados em Criação Industrial de Animais Investimento: R$ 35.079,00

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CIÊNCIA

MICROELETRÔNICA

Sanduíche reformulado Engenheiros refazem as camadas dos chips de arseneto de gálio

Pode estar surgindo na Universi­dade Estadual de Campinas

(Unicamp) uma nova geração de cir­cuitos integrados, os conhecidos chips, placas semelhantes a aranhas metáli­cas que revolucionaram a eletrônica deste século. Sem eles, a vida hoje se­ria no mínimo diferente. Não haveria computadores e Internet, seriam mais demorados os cálculos para a previ­são do tempo e as televisões ainda te­riam válvulas - as imagens custariam a aparecer e poderiam apagar-se a qualquer momento.

Após sete anos de trabalho, um grupo interdisciplinar coordenado pelo engenheiro eletrônico Jacobus Swart e pelo físico Mareio Pudenzi, respectivamente da Faculdade de En­genharia Elétrica da Unicamp e do Instituto de Física da Unicamp, con­cluiu o desenvolvimento de um mé­todo alternativo de fabricação de cir­cuitos integrados, que substitui a tradicional matéria-prima desses dis­positivos, o silício, por arseneto de gálio, e integra duas tecnologias atu­almente em uso.

Chips são conjuntos de transisto­res, pastilhas do tamanho da unha de um polegar ou menor, que geram, controlam ou amplificam sinais elé­tricos (um circuito pode ter dezenas de transistores, num telefone celular, a centenas de milhões, num compu­tador Pentium comum). Os transis­tores feitos - agora às centenas - nos laboratórios da Unicamp tornam as aplicações finais mais flexíveis e inte­ressantes que as gerações anteriores, baseadas apenas no silício. Podem ser utilizados sobretudo em telecomuni-

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cações, especialmente para aplica­ções via satélite e em telefonia celular. Nessas aplicações de alto desempe­nho, as mais promissoras, os circui­tos de silício têm se mostrado limita­dos para alguns nichos de aplicações, segundo Swart.

Quase todos os chips ainda são construídos com silício por ser um material abundante e fácil de ser ma­nipulado. Já o arseneto de gálio, ex­plica o pesquisador, é mais quebradi­ço, pelo menos lO vezes mais caro e mais difícil de se obter do que o silício, devido, em parte, à raridade de seus componentes, o arsênio e o gálio, cuja produção o Brasil dominou recente­mente (ver Notícias FAPESP no 40).

A preferência: "Circuitos com o ar­seneto de gálio apresentam perfor­mances eletrônicas incomparáveis para algumas aplicações, como circu-

Swart : reorganizando as camadas dos chips

itos de comunicações em altas fre­qüências e circuitos integrados opto­eletrônicos", justifica Swart. Se fosse possível acompanhar o que ocorre no interior desses materiais, vería­mos elétrons, partículas subatômicas de cargas negativa, que conduzem a eletricidade, fluindo com velocidade muito maior no arseneto de gálio do que no silício. O pesquisador da Uni­camp explica que é justamente essa propriedade que permite, no caso do arseneto de gálio, operações a fre­qüências elevadas. Os comprimentos de ondas mais curtos e energéticos tornam os circuitos de arseneto de gálio essenciais para uso na faixa de microondas, uma das bandas dos sis­temas de comunicação.

Descendente de holandeses que vieram para o Brasil há 40 anos, em busca de terras agrícolas, o professor Swart adverte: os circuitos integrados

da Unicamp não são iné­ditos no mercado interna­cional. Existem produtos comerciais fabricados nos Estados Unidos, Japão e Europa, já utilizando essas tecnologias, com arseneto de gálio. O que sua equipe fez, ele reconhece, "foi um desenvolvimento nacio­nal com algumas inovaçõ­es em relação aos sistemas do mercado". Encerrada em junho a primeira eta­pa do projeto, os pesqui­sadores preparam-se para o passo seguinte, o desen­volvimento de aplicações com base na tecnologia desenvolvida.

Agora é o momento de detalhar um pouco mais o objeto da pesquisa intitu­lada Tecnologia HBiFET: Processo e Caracterização, que contou com um fi-

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nanciamento de US$ 593,9 mil da FAPESP. Os pesquisadores cria­ram os mecanismos de produção sintetizados nessa sigla, HBiFet ( tran­sistor bipolar de hete­rojunção integrado com transitar de efeito de campo). Trata-se de uma tecnologia híbrida, que integra num mes­mo material os transis­tores chamados de HBT (Heterojunction Bipolar Transistor, ou transistor bipolar de heterojunção) e os conhecidos como

Estação de pontas de prova: teste de desempenho

Mesfet (Metal-Semiconductor Field­Effect Transistor, ou transistor de efei­to de campo metal-semicondutor). Feito o resumo, vamos às explicações.

Como nos sanduíches: Um transis­tor é um arranjo de normalmente três camadas de material semicondu­tor, como o silício ou o arseneto de gá­lio, que conduzem eletricidade e fazem funcionar os aparelhos eletrônicos. Para facilitar, imaginemos um san­duíche, com camadas de queijo. Tro­cando um tipo de queijo por outro, temos os transistores chamados de homojunção. Foram os primeiros ti­pos de transistores, feitos apenas com o mesmo material hospedeiro nos dois lados da junção, como é chama­do o contato das camadas empilhadas. Pondo uma fatia de presunto no lu­gar de uma de queijo, temos os tran­sistores do tipo heterojunção, os mais recentes. É o caso do trabalho da Uni­camp: uma das camadas de arseneto de gálio é substituída por um mate­rial diferente, uma liga de índio, gálio e fósforo ou simplesmente InGaP.

Os HBTs, com uma fatia de mate­rial diferente da base, têm outra ca­racterística: são bipolares, por terem dois tipos de elementos portadores de carga elétrica - os elétrons (carga negativa) e as lacunas (carga positiva). As camadas de material semicondu­tor podem ser alteradas para conter um ou outro desses portadores- essa é a dopagem, como se as camadas do

sanduíche recebessem pitadas de sal ou de orégano. O processo de dopa­gem é necessário em quase todos os dispositivos semicondutores.

Já os FET ou MESFET são chama­dos de efeito de campo porque são transistores unipolares, ou seja, por­tadores apenas de cargas positivas ou negativas e a condutividade pode ser alterada por aplicação de um campo elétrico. Podem também ser de hete­rojunção- uma fatia de presunto no lugar de uma de queijo. Como resul­tado dessa composição, nos transis­tores HBT a corrente elétrica flui per­pendicularmente às junções, como se estivesse furando o sanduíche de alto a baixo, enquanto nos FET a corren­te é lateral, paralela às junções, de modo a acompanhar as camadas.

O engenheiro Luiz Eugênio de Barros Jr., carioca de 32 anos que há dois se instalou em Campinas, após o doutoramento (em HBT) feito na Universidade de Drexel, na Filadélfia, Estados Unidos, explica que a escolha por uma ou por outra tecnologia de­pende das aplicações. Nenhuma de­las pode ser considera obsoleta. Ele próprio, por sinal, como pesquisador do Instituto de Física da Unicamp, participa da equipe do professor Swart buscando melhorias nos HBT.

A síntese: Acontece, lembra ele, que as limitações de uma ou outra tecno­logia tornam-se evidentes, sobretudo, na construção de circuitos de alta per-

formance - a exemplo dos amplificadores de telefone celular ou de co­municação por satélite, para os quais se deseja um baixo ruído (som mais puro) e uma potên­cia alta (a onda vai mais longe da antena ). Inte­grando as duas numa só pastilha, os resultados podem ser otimizados. "O HBT dá a alta potên­cia e o FET, o baixo ruí­do", observa Barros Jr.

A tecnologia de fa­bricação dos circuitos do tipo MESFET, lem­

bra o professor Swart, tem sido desen­volvida em outros centros de pesqui­sa no Brasil, entre eles a Universidade de São Paulo, desde os anos 80. A no­vidade é o HBT, o transistor bipolar de heterojunção, inédito no Brasil até o desenvolvimento dos protótipos na Unicamp. Foi em 1991, durante o pós­doutoramento no Research Triangle Ins­titute, nos Estados Unidos, que Swart ganhou prática no projeto e na fabri­cação de dispositivos e circuitos inte­grados baseados na tecnologia HBT e sua co-integração com outros disposi­tivos, como lasers e fotodetectores. Nes­se mesmo ano ele fez os primeiros ex­perimentos que levariam ao HBiFET.

Inédita no mundo, ao que se sabe, a integração de tecnologias exige cui­dados imensos na preparação das ca­madas e na compatibilidade entre os materiais. Nos fornos do laboratório do Instituto de Física, crescem uma sobre as outras as camadas que vão compor as pastilhas dos transistores. Forma-se primeiro o HBT e depois o FET. Se fosse o sanduíche, haveria duas camadas de queijo, uma de pre­sunto, outra de pão, funcionando co­mo isolante, e mais duas de queijo. A primeira camada é constituída por arseneto de gálio com silício como dopante. A segunda, do mesmo ma­terial hospedeiro, contém carbono ou berílio como dopante. E a tercei­ra é feita com a liga de índio, gálio e fósforo, com silício como dopante. A camada isolante, que impede que os

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materiais entrem em curto-circuito, também é de arseneto de gálio puro, sem material do­pante. Sobre o isolante formam-se duas cama­das de arseneto de gá­lio, uma com silício e outra com silício refor­çado, mais condutiva (com mais elétrons). A alquimia agrupou espe­cialistas em ciências de materiais, químicos, físi­cos, engenheiros e téc­nicos da Faculdade de Engenharia Elétrica, do Instituto de Física e do

Lâmina de circuitos integrados: usos possíveis em telecomunicações

de pessoas, fazendo funcionar os aparelhos de televisão e de som, fornos microondas, ge­ladeiras, máquinas de lavar, relógios, telefo­nes, fax e portões ele­trônicos. Está presen­te também nos carros, caminhões e aviões, em hospitais e labora­tórios de análise clíni­cas. "Estamos no início de uma nova revolu­ção, a automatização total': afirma Swart. Se­gundo ele, a eletrônica vai se incorporar ainda

Centro de Componentes Semicondu­tores (CCS) da Unicamp e do Insti­tuto de Física da Universidade Fede­ral do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Houve também inovações no pro­cesso, a exemplo da etapa chamada passivação de superfície, o isolamen­to elétrico da superfície das pastilhas que melhora do desempenho, neste caso decorrente de tratamento quí­mico mais eficiente para os novos circuitos. Esse tratamento químico é realizado em ambiente de plasma (gás rarefeito com partículas carrega­das eletricamente) de nitrogênio se­guido por deposição química de uma camada de nitreto de silício, também por processo de plasma.

Não se perdem de vista os desafios. Os pesquisadores sabem que é preci-

so ainda controlar, por exemplo, os mecanismos de dissipação de calor, para evitar falhas no circuito, e asse­gurar o consumo de uma potência baixa, para que a bateria do celular, digamos, não acabe logo.

Mercado amplo: O mercado de ele­trônica, para o qual se destinam os novos transistores, é a fatia mais rele­vante do comércio internacional. Já estimado em mais de US$ 1 trilhão, supera segmentos que já estiveram nessa posição, caso do petróleo e a indústria automobilística. A mi­croeletrônica avança rapidamente porque está embutida em todo lugar: nos sistemas de posicionamento gld­bal por satélite ( GPS), nos satélites militares e no cotidiano de milhões

Das válvulas aos computadores

Os físicos norte-americanos John Bareen, Walter H. Brattain e William B. Sockley, que trabalha­vam para a companhia Bel! Tele­phone, depositaram seus nomes na história da tecnologia deste século ao criarem o transistor, em 1947. A idéia que desenvolve­ram seria fundamental para a re­volução cibernética dos anos se­guintes. Já nos anos 50 os transistores substituíram os tu-

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bos de vácuo, conhecidos como válvulas, em muitas aplicações, como os rádios, televisores e ra­dares. Os equipamentos modifi­cados tornaram-se menores: os rádios portáteis, uma das primei­ras aplicações da nova tecnolo­gia, seduziram multidões em todo o mundo. Sem a miniaturi­zação permitida pelos transisto­res, a maioria dos equipamentos modernos seria inviável.

mais em tudo - no trabalho, no car-ro e na casas. •

PERFIL:

• ] ACOBUS WILLIBRORDUS SWART, 49 anos, graduado e doutorado em Engenharia Elétrica pela Escola Po­litécnica da Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutora­mento na Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e no Research Triangle Institute, nos Estados Uni­dos, é professor da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1988. Projeto: Tecnologia HBiFET: Proces­so e Caracterização Investimento: RS 593,9 mil

O tamanho reduzido dos transistores, o baixo nível de calor que dissipam, a alta confiabilida­de, o reduzido consumo de ener­gia e sobretudo o baixo custo de produção por unidade permiti­ram o desenvolvimento de com­plexos circuitos integrados como os exigidos para a produção dos computadores pessoais, a partir dos anos 80. A década de 60 mar­ca o início da montagem em série dos transistores numa mesma pastilha (chip), formando circui­tos integrados.

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TECNOLOGIA

de fios ligados ao atuador. A inovação ocorre por meio de ímãs potentes de neodímio, ferro e boro, que provocam um potente campo magnético e interagem com a corrente elé­trica produzida por bobinas que circundam o ambiente do atuador. •

A expansão das incubadoras

Compacto, o Didat faz peças de plástico PVC O número de incubadoras de empresas no Brasil não pára de crescer. Segundo o levan­tamento "Panorama 99" da Associação Nacional de Enti­dades Promotoras de Empre­endimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec), elas atingiram a soma de uma centena neste ano, enquanto, em 1998, reuniam 74. Um crescimento rápido, conside­rando-se que, em 1990, a en­tidade registrou apenas sete incubadoras. Do total de 1999, 57o/o têm vínculo formal com universidades e centros de pesquisa e 20%, informal. As incubadoras coin base tecno­lógica representam 72o/o, as tradicionais (como indústrias moveleira e de couro), 22o/o e as mistas, 14o/o. São oitocen­tas empresas residentes nas

Um torno especial para as escolas

A empresa Sensis, de São Car­los, desenvolveu e lançou no mercado um torno específico para ser utilizado no ensino, em universidades e escolas técnicas. O microtorno Didat substitui o equipamento real, maior e mais caro. É conectá­vel a qualquer computador e tem software de fácil uso. Sua função é executar uma pro­gramação com Comando Numérico Computadorizado (CNC), técnica usada para repetir a fabricação de uma peça idêntica ao molde. O Didat usina peças de plástico (PVC), um material mais fácil de usar que o metal, evitando riscos de acidentes com os alunos. O torno é resultado de uma tese de mestrado de um dos sócios da Sensis, o enge­nheiro Luiz André de Melara de Campos Bicudo. •

Campo magnético move minirrobô

O avanço da informática e da robótica está fazendo crescer a demanda por pequenos mo­tores para uso industrial que apresentem movimento e con­trole preciso de posição. Um

desses dispositivos é o atuador planar, uma espécie de carri­nho que se movimenta em superfícies planas, utilizado em linhas de produção de cir­cuitos integrados, máquinas com controle numérico com­putadorizado e laboratórios de análises clínicas e quími­cas. Esse tipo de minirrobô re­cebeu uma grande inovação tecnológica no Laboratório de Máquinas Elétricas da Es­cola de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A doutoranda Marília Ama­ral da Silveira, sob orientação dos professores Ály Ferreira Flores Filho e Altamiro Suzim, elaborou uma tese que demons­tra a não necessidade do uso

z

,A.

Superfície acrílica

Robô

Enrolamento da armadura

Núcleo da armadura

Culatra

Ímãs permanentes

Carrinhos

Estágio móvel

incubadoras que empregam 4 mil pessoas e têm um fatu­ramento estimado, para este ano, de R$ 85 milhões. •

Missão escolhe dois projetos

Um projeto que une a tecno­logia do pager com o sistema GPS (Global Position System) foi o ganhador do concurso Missão XXI, na categoria "No­vos negócios em paging', pro­movido pela Moto rola doBra­sil. Os autores do projeto foram quatro alunos do quinto ano de engenharia elétrica da Esco­la de Engenharia de São Carlos da USP. Eles tiveram a coorde­nação do professor Luís Gon­çalves Neto e vão receber o prêmio de R$ 25 mil. A uni­versidade também será pre­miada com o valor deUS$ 100 mil. O projeto minimiza os erros de leitura do GPS utili­zando a mesma estrutura das antenas das operadoras de pa­ger, fornecendo coordenadas para melhor situar o sistema. Na categoria "Tecnologia", a equipe vencedora é do Institu­to Tecnológico de Aeronáuti­ca (ITA), formada pelos alu­nos Fábio da Silva e Joseane Dias e pelos professores Mira­bel Resende, Inácio Martins e Antonio Migliano. O objetivo dos premiados do ITA, que também receberam R$ 25 mil, foi desenvolver materiais que reduzem a radiação eletromag­nética de antenas de telefones celulares e outros aparelhos emissores desse tipo de onda como TVs, fornos de micro­ondas, estações radiobase etc. Esses aparelhos têm as emis­sões controladas, porém em ambientes fechados pode exis­tir um aumento da concen­tração eletromagnética. •

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TECNOLOGIA

COOPERAÇÃO

Encontro de competências Organização virtual, em São Carlos, une a USP e nove empresas

U ma forma inédita, no Brasil, de cooperação entre uma ins­

tituição acadêmica e pequenas e mé­dias empresas está em desenvolvi­mento na cidade de São Carlos. É a Organização Virtual de Tecnologia (Virtec) formada pelo Núcleo de Manufatura Avançada (Numa), sedi­ada na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), junto com mais nove empre­sas da região. A Virtec é uma reunião de empresários com habilidades e competências que se encontram -pessoalmente ou via computador -para trocar informações tecnológicas, satisfazer uma oportunidade de ne­gócio ou desenvolver uma idéia que resultará em um novo produto. Eles contam com o apoio de pesquisado­res que colaboram na elucidação de problemas técnicos, fazem estratégias de marketing e estudam o mercado específico, necessário para cada pro­jeto. Isso acontece como se todos par­ticipassem de uma única empresa, sem que exista uma holding ou escri­tório centralizador. O mentor dessa organização é um dos coordenadores do Numa, Carlos Frederico Bremer, professor da área de engenharia de produção do Departamento de En­genharia Mecânica da USP.

Bremer começou a pensar em empresas que se auto-ajudam ainda no tempo que fazia pós-graduação e morava, em uma república, em São Carlos. Ele e mais sete colegas desen­volveram um polímero que conduz eletricidade e não gera campo ele­trostático. Com isso, eles resolveram fabricar o produto em forma de grâ-

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nulos, para servir como matéria-pri­ma na produção de sacos plásticos, por exemplo, que barram interferên­cias eletrônicas quando utilizados em embalagens de placas de computa­dor. Mas os sete jovens pesquisadores

assunto. Na volta, em 1997, integrou o projeto Numa, que faz parte do Programa de Apoio a Núcleos de Ex­celência (Pronex), do qual participam alunos de pós-graduação de enge­nharia da USP de São Carlos e tam-

Bremer: na Virtec os empresários desenvo lvem idéias e cooperação

precisavam de uma granuladora que custava US$ 600 mil, inviável naqué­le momento. Encontraram, então, a máquina em uma empresa de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. O negó­cio começou a dar certo e parte dos colegas montou, posteriormente, a Mixcim, uma das atuais nove empre­sas da Virtec, que produz bandejas de circuitos eletrônicos que dissipam eletricidade e diversos outros produ­tos para a indústria eletroeletrônica.

"Depois de ler o livro Corporações Virtuais, do americano David Malo­ne, em 1995, eu fui buscar mais in­formações sobre o assunto na Uni­versidade de Aachen, na Alemanha, onde existia um projeto de formação de empresas virtuais': explica Bre­mer. Lá, ele fez pós-doutorado, em 1996, e ficou um ano como professor daquela universidade pesquisando o

bém pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep ).

Início de conversa: ''A partir do final de 1997, nós começamos a conversar com algumas empresas da cidade e, em abril de 1998, já tínhamos oito membros. Hoje são nove, sendo que apenas duas indústrias são de médio porte, com mais de 100 funcioná­rios", afirma Bremer. No total, elas reúnem 350 funcionários e um fatu­ramento conjunto deUS$ 30 milhões por ano. "São empresas que sabiam da existência uma da outra, porém não conversavam e não trocavam ex­periências. Agora, elas cooperam en­tre si com tecnologia, produtos e pro­cessos." As empresas participantes

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são a Fultec, Kehl, EDG, Mixcim, La­tina, Hece, SF, Tecnomotor e Digi­motor. Elas atuam - cada uma com sua competência -nos ramos de me­cânica e mecatrônica, materiais cerâ­micos, materiais poliméricos, siste­mas hidráulicos, softwares aplicados à automação industrial, além de servi­ços de assistência técnica e de impor­tação e de exportação.

Na Virtec, a virtualidade é exerci­da sempre que uma oportunidade de negócio aparece para uma empresa ou para o grupo. Aí, uma ou mais em­presas unem suas habilidades e desen­volvem o produto ou serviço desejado pelo cliente ou por uma necessidade de mercado. ''Assim é constituída uma empresa virtual, que, mesmo tendo várias empresas na elaboração de um produto, apenas uma aparece para o cliente, como representante do grupo': explica Bremer. ''As empresas podem ser criadas, dissolvidas ou reconfigu­radas conforme a necessidade."

Os primeiros produtos desen­volvidos internamente na Virtec foram alguns modelos de marte-los com pontas de poliuretano vege­tal biodegradável - com aspecto se­melhante à borracha-, produzidas com melaço de cana-de-açúcar e óleo de mamona. Eles servem para montagem de vidros e no acabamento de peças de metal, sem danificar o produto. A empresa Kehl desenvolveu esse material como re­sultado de sete anos de pesquisa auto­financiada, tendo à frente o proprietá­rio, o químico Eduardo Murgel Ferraz Kehl. Como não podia fazer todo o martelo de borracha, ele encontrou em outra empresa da Virtec, a Fultec, que produz materiais de ligas de aço especial, uma parceira ideal para de­senvolver o cabo do martelo, que ne­cessitava ser barato, leve e reciclável. Com o início da produção, houve grande procura e Eduardo Kehl re­solveu repassar a fabricação do mar­telo. "Estamos negociando com uma empresa de São Paulo, que deve com­prar a nossa matéria-prima e fabricar o produto."

A Kehl também participou no de­senvolvimento de outro projeto nas-

cido no âmbito da organização. A La­tina Eletrodomésticos procurava um amortecedor de coluna do motor elé­trico para uma nova secadora de roupas. Por meio do intercâmbio in­terno da Virtec, a Kehl foi convidada a desenvolver o amortecedor feito de borracha comum. Como havia uma falta de conhecimento na absorção de vibração do amortecedor, foi acio­nado o Departamento de Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia de São Carlos, que fez os testes necessários.

Primeiro produto: martelos com pontas de plástico biodegradável

Hoje, o amortecedor já está na secadora. A Kehl também faz parte do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas, da FAPESP, com o projeto Otimização e Caracte­rização de Espuma de Poliuretano Bio­degradável. Esse material, produzido com substratos de arroz, mamona e cana-de-açúcar, está em fase de testes para a produção de pequenos sacos para transporte de mudas de várias, culturas como citros, café e eucalipto. "Depois do plantio, esse saco se de­compõe no solo e serve como um nu­triente", afirma Eduardo Kehl. Antes dos testes finais, ele já tem um pedi­do de 300 milhões de sacos feito por uma empresa do interior de São Pau­lo. O novo material está patenteado e é inédito em todo o mundo, segundo Eduardo Kehl. Esse tipo de espuma também poderá substituir o EPS, o

popular isopor, nas embalagens de produtos eletrônicos.

Campo de estudo: Além de propiciar um ambiente de cooperação entre as empresas, a Virtec é um campo de es­tudo que está gerando diversos traba­lhos acadêmicos. Foram produzidos cinco artigos em revistas internacio­nais e quatro apresentações no exte­rior sobre o projeto. Bremer também participa da Corporation of Small Medi um Enterprise (Cosme) - Associ­ação de Pequenas e Médias Empre­sas, uma entidade que promove reu­niões semestrais entre pesquisadores de universidades dos países onde existem estudos sobre organizações

virtuais, como Suíça, Alemanha, México, Inglaterra e Itália. Em

São Carlos, esse tema foi objeto de vários trabalhos científicos. So­

mente no âmbito da FAPESP foram três bolsas de mestrado para os alu­nos Flávia Valéria Michilini, Jairo Eduardo Moraes Siqueira, Ana Pau­la Freitas Mundim e uma bolsa de iniciação científica para Christiane Goulart Peres. Eles desenvolveram métodos para a formação de redes vir­tuais em indústrias regionais e redes de computadores que sirvam às pe­quenas e médias empresas partici­pantes de uma organização virtual. Outra pesquisadora, Luciane Mene­guim Ortega, que tem bolsa de dou­torado da Coordenação de Aperfei­çoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), estuda a questão cultural da união entre empresários na Virtec. "Em uma organização como esta prevalece, no início, uma insegurança mútua entre os partici­pantes porque, muitas vezes, é neces­sário trocar informações, segredos industriais e comerciais. Hoje, de­pois de um ano, eles já expõem suas idéias e cooperam com mais facili­dade", explica Luciane. Para melho­rar esse cantata, os empresários aprovaram a contratação de um es­tagiário de quinto ano do curso de engenharia em cada uma das parti­cipantes da Virtec. "O objetivo é que ele conheça profundamente a em­presa e tente encontrar um ponto de

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ligação com as outras e promover possíveis oportunidades de negó­cio", explica Bremer.

Outro aspecto que incomodou os participantes da Virtec é a situação jurídica da organização. Como resol­ver possíveis quebras de sigilo ou como comercializar um produto que foi concebido junto com outra em­presa do grupo? Para isso, está sendo criado um contrato inovador no país que vai reunir as características pró­prias de uma organização virtual. "A dificuldade é criar uma associação que não tenha uma conotação co­mercial e não figure como um grupo de empresas, porque existe um ingre­diente acadêmico no grupo", comen­ta o advogado Terêncio Augusto Mariottini de Oliveira, aluno de mes­trado da área de engenharia de pro­dução, orientado pelo professor Car­los Bremer. "Elaboramos uma minuta do contrato que cria uma associação civil sem fins lucrativos vinculando as empresas participantes e o profes­sor Bremer, como pessoa física (o Numa não é figura jurídica), por meio de cláusulas que ditam as re­gras, a natureza ética e a própria arbi­tragem", explica Oliveira. Esse últi­mo item determina que os próprios empresários, junto com o professor Bremer, serão os juízes de qualquer conflito que possa surgir dentro do grupo. "Assim, as empresas abrem mão de ingressar na justiça comum em favor da arbitragem própria", afirma Oliveira, que tem esse con­trato como trabalho prático de sua dissertação.

A amarração jurídica vai ser im­portante para dar confiança e segu­rança no desenvolvimento de novos produtos. O próximo é um projeto de uma cadeira de rodas acionada eletronicamente, ainda não fabricada no Brasil, desenvolvida por quatro empresas da Virtec- Digmotor, Mix­cim, Kehl e Latina. "Todos os partici­pantes podem colaborar em algum ponto do projeto", afirma Bremer. É o espírito da cooperação em uma orga­nização virtual que avança em São Carlos e serve como exemplo para outras cidades e regiões do país. •

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TECNOLOGIA

MEDICINA

Longe do coração Pequenos aparelhos monitoram batimentos cardíacos a distância

E stá próximo o dia em que o mo­nitoramento dos batimentos

cardíacos poderá ser acompanhado a distância pelos médicos. Por meio de miniholters, miniaturas de apare­lhos portáteis usados atualmente, chamados de holter 24 horas, a pró­pria pessoa poderá iniciar a grava­ção de seu eletrocardiograma. É só atar o aparelho ao tórax nos dias e horários determinados pelo médico, por períodos de até duas horas. Em se­guida, o miniholter poderá ser acopla­do a um computa­dor ou a qualquer outro sistema que permita a conexão com a Internet, co­mo os futuros tele­fones celulares ou TVs a cabo. Os da­dos vão ser coleta­dos por uma cen­tral de uma clínica ou hospital e, com os resultados dos diversos eletrocar­diogramas grava­dos ao longo de meses, os médicos terão um poderoso instrumento de análise.

"É muito impor­tante não só acom­panhar o funciona­mento do coração de um paciente por 24 horas, como nos

mas analisar a variação entre os dias", afirma o médico Ricardo Geretto Kortas, diretor da KIIM - Kortas In­formática Instrumentação Médica, de São Paulo. Ele desenvolveu seis protótipos de miniholters para o pro­jeto Análise Estocástica da Dinâmica Temporal das Arritmias Cardíacas, por Meio da Gravação Intermitente do Ele­trocardiograma, por Períodos de Tempo Muito Longos, apoiado pela FAPESP dentro do Programa Inovação Tecno­lógica em Pequenas Empresas (PIPE).

O principal conceito para enten­der a novidade que o miniholter re­presenta é o do processo estocástico, utilizado por matemáticos e enge­nheiros para análise de séries tem-

exames tradicionais, Kortas produziu seis protótipos do miniholter

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parais. "Quando você coleta al­guma variável, como, por exem­plo, a medição de uma pressão arterial isolada, ela é uma variável aleatória. O registro e acompa­nhamento dessa variável aleató­ria ao longo do tempo passa a ter uma seqüência de variáveis (da­dos estatísticos), ficando mais fá­cil detectar uma alteração signi­ficativa e problemática", ele explica. Kortas acredita, funda­mentado em princípios matemá­ticos, que o processo estocástico é mais do que multiplicar várias vezes os resultados obtidos em um dia. É analisar o que acontece entre os dias. O médico pode pe­dir a seu paciente, depois de efe­tuar o holter tradicional, que leve o miniholter para casa e faça me­dições em dias e horários diferen­tes. A variação entre dias pode trazer dados valiosos para análise médica, desde que respeitada toda a metodologia", diz Kortas.

Esforço de atleta: A diferença entre o holter tradicional, de 24 horas, e o miniholter é que o menor tem me­nos memória e um software de aná­lise mais simples. Como esse aparelho será utilizado também por atletas, ele possui um sensor de passada, que registra a pressão do impacto do pé no chão, fornecendo informações sobre o esforço das articulações da perna, e faz a relação dos passos com os batimentos cardíacos.

O médico destaca, ainda, a im­portância da divulgação dos concei­tos de análise estocástica, por perío­dos de tempo muito longos, para a população em geral. "Queremos es­tender a utilização dos nossos equi­pamentos para Postos de Saúde e es­peramos que, aos poucos, as pessoas entendam que não basta uma medi­ção de pressão eventual para ter cer­teza de que tudo corre bem. Tam­bém é muito importante que façam eletrocardiogramas antes de correr maratonas ou outras competições, porque uma arritmia não detectada anteriormente pode ser fatal na hora da prova."

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Eletrocardiograma para o médico, via co mputador

Para a execução do projeto, a KIIM recebeu da FAPESP R$ 30 mil na primeira fase, e R$ 183 mil, na segunda, que está em andamento. Além do desenvolvimento do mini­holter e do software que permite a análise dos dados numa central, Kortas pretende aperfeiçoar o holter tradicional criado por ele e utiliza­do em exames no Hospital Benéfi­cência Portuguesa, em São Paulo, desde 1995. Também está previsto um aparelho de coleta de pressão ar­terial semelhante a um relógio de pulso que será desenvolvido com a mesma filosofia - medidas intermi­tentes por longos períodos de tem­po, enviadas a uma central. A análi­se da pressão arterial constitui uma ampliação do projeto. "A medida da pressão arterial é uma variável alea­tória. Não é uma constante absoluta. Tiro sua pressão agora e ela certa­mente será menor do que depois que você subir uma ladeira ou cor­rer. Com a análise estocástica sofisti­cada, nós conseguiremos manter a coerência dos dados, coletando frag­mentos obtidos com essas medições intermitentes", afirma Kortas.

Novo Centro: A KIIM também fabrica outros equipamentos, como uma esteira onde poderá ser acoplado o miniholter, permi­tindo o acompanhamento do tra­balho cardiovascular de pacientes ou atletas. Kortas acredita que a junção desses dois aparelhos es­tará disponível inicialmente no Centro de Atividade Física - que deverá ser inaugurado no pri­meiro semestre do próximo ano -junto ao Hospital Beneficiência Portuguesa. A iniciativa, segundo Kortas, tem o apoio do empresá­rio Antonio Ermírio de Moraes, presidente do hospital, que cedeu um local para a instalação de 20 esteiras, em que tanto os pacien-tes em recuperação quanto o pú­blico em geral poderão se exerci­tar e monitorar o funcionamento de seu coração.

Para Kortas, o investimento em tecnologia, hoje, pode dimi-nuir a dependência de tecnolo­

gia estrangeira amanhã. "É possível fazer uma medicina de altíssima qua­lidade sem tanto gasto. Não é possí­vel que nos acomodemos e admita­mos que daqui até o fim de todos os tempos estaremos importando equipamentos americanos. Eu aju­dei a criar tecnologia americana nes­ta área e sei que posso fazer o mesmo no Brasil." •

P ERFIL:

• RICARDO G ERETTO KORTAS formou­se pela Faculdade de Medicina da USP, em 197 4, é mestre em Enge­nharia pela Escola Politécnica da USP (1979), doutor em Computa­ção e Tecnologia Médica pela Stanford University (1984) e espe­cialista em Medicina Esportiva pela Sociedade Brasileira de Me­dicina Esportiva (1997). Projeto: Análise Estocástica da Di­nâmica Temporal das Arritmias Cardíacas, por M eio da Gravação Intermitente do Eletrocardiogra­ma, por Períodos de Tempo Muito Longos. Investimento: R$ 213 mil

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HUMANIDADES I

IMIGRANTES

Mexendo no caldeirão de raças Estudo revela que imigrante deu caráter empreendedor a São Paulo

A bsorvida pela investigação do escravismo, a historiografia

brasileira deixou de lado o estudo das imigrações e seu impacto na vida na­cional. A perspectiva, agora, é que esse conhecimento seja ampliado com um trabalho que aborda o tema: Imi­grantes, Elites e Sociedade em São Paulo. A pesquisa está sendo desenvolvida no Instituto de Estudos Econômicos Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp), coordenada por Oswaldo Mário Ser­ra Truzzi e Maria do Rosário Rolfsen Salles. Truzzi é da Universidade Fede­ral de São Carlos e Maria do Rosário do próprio Idesp. O estudo, um pro­jeto temático, tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), no valor de R$ 92,3 mil.

O historiador Boris Fausto, em His­toriografia da Imigração para São Pau­lo, assegura que os estudos sobre os imigrantes começaram a ganhar des-

taque com os "brazilianistas". O nor­te-americano Michael Hall, segundo Fausto, abriu esse veio em 1969, quan­do publicou sua tese de doutorado sobre as origens da imigração em mas­sa para o Brasil, com um capítulo dedi­cado aos italianos em São Paulo. Para Fausto, "isso se relaciona com o de­senvolvimento de estudos sobre etnias nos Estados Unidos e, mais prosaica­mente, com um processo generaliza­do de ocupação de fronteiras':

Mas o próprio Fausto considera José de Souza Martins, discípulo de Florestan Fernandes, "um dos autores que tomaram a questão imigratória como tema central de suas investiga­ções, buscando integrar a problemá­tica da natureza das relações de pro­dução pós-escravistas com as amplas questões abertas pela imigração".

Já a idéia básica do trabalho de Truzzi é fazer interagir pontos espe­cíficos, a serem levantados, com o co­nhecimento amplo do processo de imigração. Foi a imi­gração que permitiu ao Estado de São Pau­lo assumir a feição de uma sociedade diferen­ciada, "comparativa-

mente mais complexa e mais rica em empreendedores", avalia.

Desde o final da década passada o Idesp vem envolvendo-se mais estrei­tamente com o estudo social de São Paulo no contexto nacional, interpre­tam Truzzi e Maria do Rosário. Para direcionar o trabalho que agora coor­denam, eles decidiram-se por uma aná­lise comparativa com a imigração ar­gentina e norte-americana.

A metodologia se justifica pelo fato de que, entre 1850 e 1950, quan­do o Brasil recebeu 5 milhões de imi­grantes, os Estados Unidos registra­ram 25 milhões e a Argentina 6 milhões. Além disso, enquanto 75% dos imigrantes brasileiros eram forma­dos por portugueses, espanhóis e ita­lianos, nos Estados Unidos esse con­tingente foi muito mais diversificado. Na Argentina, com reduzida popula­ção negra e onde o escravismo termi­nou cedo, a imigração européia teve forte impacto na formação da nacio-

Desembarque na estação da Hospedaria de Imigrantes, 1907 Portão principal da Hospedaria, década de 20

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nalidade. No Brasil, último país do Ocidente a abolir a escravidão, a in­fluência européia ficou mais restrita aos Estados do Sul e Sudeste e acabou condicionando a historiografia.

Curiosamente, mesmo as investi­gações sobre a chegada de africanos ao Brasil acabou prejudicada por uma atitude contemporizadora de Rui Bar­bosa. Abolicionista, ministro da Fa­zenda com a proclamação da Repú­blica, senador e exilado político, Rui Barbosa queimou os dados disponí­veis sobre comércio escravo sob o ar­gumento de que representavam uma "página negra da história nacional".

O trabalho coordenado por Truz­zi e Maria do Rosário está dividido em oito blocos distintos mas interati­vos: 1) Etnias em convívio; 2) Deslo­cados de guerra e a política imigrató­ria brasileira no pós Segunda Guerra Mundial; 3) Assimilação e seus agen­tes; 4) Imigração e política no interior paulista; 5) Imigração e criminalida­de; 6) Buenos Aires e São Paulo como cidades receptoras de imigrantes; 7) Comparação entre política imigrató­ria do Brasil e Argentina nos anos 30 e; 8) Comparação entre imigração no Brasil e Estados Unidos.

Diversidade cultural: Etnias em con­vívio envolve basicamente a história do bairro do Bom Retiro, em São Pau­lo, inicialmente uma área de ocupa­ção de italianos. Carlos Lemos, pesqui­sador da Universidade de São Paulo,

mostra em O Morar em São Paulo no Tempo dos Italianos que as moradias nessa região receberam o nome de cortiço, com "duas fileiras de cômo­dos separadas por uma estreita pas­sagem central e apresentando no ftm­do duas ou três privadas, ao lado a mesma quantidade de tanques de la­var roupas para uso comunitário".

Habitações insalubres e promís­cuas, os cortiços alinharam-se ao lon­go da estrada de ferro com o Rio de Janeiro, a partir de 1875, quando foi feita essa ligação interurbana.

Aprofundando as investigações so­bre essa matriz original, as pesquisas do Idesp vão mostrar a chegada dos judeus ao bairro, especialmente entre os anos 20 e 30 deste século. Esses re­cém-chegados ocupam terras mais ele­vadas, livres das inundações que amea­çavam a saúde e vida dos italianos com as cheias do rio Tietê, um rio ain­da sinuoso, antes de ser retificado. A chegada dos judeus deslocou os italia­nos, mas os próprios judeus, a partir dos anos 60, foram substituídos por uma população majoritariamente co­reana, interpreta Truzzi. Os coreanos ainda dividem espaço com gregos no Bom Retiro e estabeleceram uma re­lação de patronato com bolivianos.

O bairro do Bom Retiro, na avalia­ção de Truzzi, é um laboratório privi­legiado para a investigação de relações de convívio e conflitos étnicos. Ne~te caso, a participação dos gregos traz uma contribuição particular. A vinda

desses imigrantes foi mais intensa no pós-guerra e desde o início eles eram vistos com certas reservas, suspeitos de abrigarem muitos anarquistas. Como essas etnias se relacionaram ou como se relacionam ainda hoje são fatos mui­to pouco conhecidos.

Quanto aos deslocados de guerra, a intenção é investigar as conseqüên­cias da política imigratória brasileira no pós-guerra, particularmente os flu­xos relacionados ao acordo internacio­nal assinado pelo Brasil para absor­ver parte de um contingente estimado em 1,7 milhão de pessoas. Os dados disponíveis, segundo Maria do Rosá­rio, distribuem essa população entre 30% de poloneses, 20% de judeus, 17% de baltas e o restante ucranianos, rus­sos e apátridas, entre outros. Os des­locados de guerra formam uma po­pulação que não tem como retornar às suas origens devido a rupturas políti­co-culturais profundas. É o caso dos poloneses, profundamente católicos, que viram a Polônia submeter-se ao comunismo. Neste caso também in­cluem-se os russos.

Uma particularidade estratégica em relação aos deslocados de guerra é que entre eles havia pessoas alta­mente qualificadas do ponto de vista intelectual, daí o interesse que desper­taram nos países que se dispuseram a recebê-los, cada um com exigências es­pecíficas. Os países interessados em alo­jar os deslocados organizaram missões de reconhecimento. A primeira equi-

A Hospedaria no final do séc. 19, início séc. 20 A Hospedaria de Imigrantes hoje

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pe a chegar aos campos europeus on­de eles se encontravam foi a do Bra­sil, seguida pela canadense, britânica, belga e francesa, além da venezuela­na, chilena e holandesa, entre outras.

A Holanda, segundo o historiador Hélio Lobo, citado por Maria do Ro­sário, preferia operários solteiros de ambos os sexos, enquanto a Inglater­ra recebeu famílias. A Austrália bus­cava operários para a construção civil e agricultores que deveriam viajar so­zinhos e só depois se fazerem acom­panhar de familiares. O Brasil aceita­va famílias inteiras e por isso "foi logo visto com bons olhos': Mas havia res­trições e elas estavam ligadas à idade: cônjuges não podiam ter mais que 50 anos. Também havia limitações quan­to a doenças consideradas graves, co­mo a tuberculose, ou antecedentes criminais, além de se recusar a viagem de mulheres desacompanhadas.

As relações e as histórias dessas imigrações são pouco conhecidas, avalia Maria do Rosário. Ela acrescen­ta que esses contingentes ocuparam áreas da cidade como a Zona Leste e o ABC, além da Lapa, Vila Anastácio e Ipojuca, em São Paulo. Muitos dos representantes dessas etnias, particu­larmente húngaros, eram intelectuais ou portadores de habilidades varia­das, que influenciaram a vida da ci­dade de forma, hoje, quase anônima.

Por tudo isso os pesquisadores vêem a necessidade de se abordar também o tema da imigração e seus agentes. Os japoneses, por exemplo, que tiveram restrições anteriores, como os chineses, começaram a che­gar em 1908. Mas essa imigração era tutelada pelo Estado japonês, que acompanhava o processo de adapta­ção e fornecia recursos para financiar a compra de pequenas porções de terra, entre outras iniciativas.

Os italianos, ao contrário dos ja­poneses, sem o acompanhamento do Estado, desenvolveram, corno outras etnias, entidades de socorro mútuo para amenizar a sorte dura de grande parte dos que chegavam. Entre os ita­lianos, os intelectuais e os homens en­riquecidos transformaram-se em por­ta-vozes legitimados de aspirações. Já os

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judeus, com preocupação bem locali­zada na educação, também se valeram de intelectuais e membros com posses financeiras na interlocução entre a co­munidade e as autoridades nacionais.

Os judeus, considera Truzzi, "fize­ram os saltos mais rápidos entre pro­fissões como comerciantes, numa pri­meira geração, e ocupações mais nobres, caso de médicos ou advoga­dos, na geração seguinte". Mas toda essa história ainda é insatisfatoria­mente conhecida, alertam.

cesso ainda é, em grande parte, mui­to pouco conhecido, adverte Truzzi.

Para investigar esses acontecimen­tos foram escolhidas cinco cidades do interior de São Paulo: São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Bauru. Bauru, ainda que não tenha tido uma influência como Ribeirão Preto e as outras cida­des escolhidas, deve fornecer urna vi­são contrastante para facilitar a detec­ção de processos típicos das demais cidades, justificam os pesquisadores.

Visita do presidente Getúlio Vargas à Hospedaria de Imigrantes, 1940

Interior · do Est ado: Até o final dos anos 20, a oligarquia cafeeira é a prin­cipal responsável pelo fluxo de imi­gração, especialmente de italianos, para o interior de São Paulo. A crise econôrnica do final dessa década e início da seguinte e a instalação do Estado Novo, no entanto, modificam inteiramente a política de imigração. Com o Estado Novo, diz Truzzi, "é a União, e não mais os Estados, que as­sume o controle da imigração':

O interessante a se observar, neste caso, é que, com a primeira eleição do pós-guerra, em 1947, o perfil dos novos representantes é inteiramente diverso do anterior, com grande par­ticipação de descendentes, especial­mente de italianos. Esse reordena­mento representativo está na base do populismo que vai expandir-se com Getúlio Vargas, mas mesmo esse pro-

Criminalidade: Urna das investigaçõ­es capazes de oferecer dados sobre o processo de integração está nos regis­tras policiais. As investigações nesta área ainda estão começando. Em São Carlos, os estudos partem do ano de 1882, propositadamente de antes da abolição da escravatura. As investiga­ções, neste caso, vão considerar o imigrante tanto na condição de réu quanto vítima. Localizar essas inves­tigações em apenas urna cidade, justi­fica o pesquisador, "vai permitir que ganhemos em profundidade, ainda que percamos em generalidade".

O que se pode dizer já nesta fase do trabalho, previsto para estar con­cluído no próximo ano, é que os cho­ques maiores aconteceram entre italia­nos e negros e a razão disso, entende Truzzi, "estará ligada à disputa por postos de trabalho, após a abolição':

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Levando-se em conta o tipo de re­lacionamento que os proprietários ru­rais tinham com os escravos negros, sabe-se, por levantamentos ainda ra­refeitos, dos atritos que envolveram esses fazendeiros com a mão-de-obra livre européia. A dificuldade, adver­tem os pesquisadores, "é que boa par­te desses desentendimentos não che­gavam à Justiça".

A historiadora Maria Thereza Schorer Petrone, da Universidade de São Paulo, mostra em Abolição e Imi-

São Paulo, a partir de 1880. Essas fo­ram as duas cidades que mais recebe­ram imigrantes na América Latina, segundo os pesquisadores. Em 1890, Buenos Aires era quase incomparável a São Paulo, com uma população dez vezes maior, contabiliza Truzzi. Em 1930, quando o Brasil centraliza sua política de imigração e estabelece restrições, Buenos Aires ainda é qua­tro vezes maior que São Paulo.

Mas, além da população, há um outro dado significativo que já dife-

Oswaldo Truzzi: estudo abrangente da imigração de diversas etnias

gração Italiana em São Paulo exem­plos de ocorrências desse tipo, onde o proprietário rural, confinado a um universo restrito, não tem espaço mental para compreender as neces­sidades dos novos trabalhadores. Originários de uma sociedade mais sofisticada, eles não podem confor­mar-se com os padrões atribuídos aos trabalhadores escravos, como par­tilha da família e recusa na oferta de educação. O trabalho de Maria The­reza, como o de Lemos, envolvendo a ocupação do Bom Retiro, integra o segundo volume do livro A Presença Italiana no Brasil, obra subvenciona­da pela Fundação Giovani Agnelli.

Buenos Aires: Outro segmento que deve trazer interessantes dados com­parativos está relacionado às análises entre imigração em Buenos Aires e

rencia essas duas metrópoles latinoJ americanas. A Argentina, diz Truzzi, "nunca financiou a passagem dos imi­grantes, ao contrário do que fez oBra­sil': Uma das conseqüências dessa po­lítica brasileira foi atrair populações mais pobres e, certamente, com me­nor escolaridade, ainda que tudo isso também deva ser melhor investigado para a obtenção de dados mais consis­tentes. Para fazer esse trabalho compara­tivo, os pesquisadores brasileiros terão a contribuição da pesquisadora ar­gentina Alícia Bernasconi, do Centro de Estudios Imigratorios Latinoame­ricanos (Cernia), em Buenos Aires.

Em 1934, no Estado Novo, oBra­sil adota o sistema de cotas para a aceitação de novos imigrantes. Os pesquisadores avaliam que essa deci­são pode ter sido influenciada por uma medida semelhante adotada

pelos Estados Unidos nos anos 1920. O percentual aceito vai até 2% do contingente étnico registrado no país até 1934. Com o Estado Novo, a legislação prevê ainda uma relação de dois terços de nacionais para um terço de imigrantes entre os empre­gados de uma empresa.

Então, a imigração liberal já é uma cena do passado, especialmente para os chineses. As autoridades brasilei­ras de imigração, relata Truzzi, "en­xergavam os chineses como gente pe­rigosa, viciada em ópio, entre outros problemas". Para os negros também não havia nenhuma chance, até por­que, nesse momento, já estava esta­belecida a decisão de se adotar um "branqueamento da população".

Truzzi se prepara agora para uma pesquisa na Universidade de Chica­go, que deverá fornecer os dados ca­pazes de sustentar ao menos uma primeira abordagem na comparação entre as políticas imigratórias desses dois países. A conclusão do trabalho, avaliam os pesquisadores, irá dese­nhar um cenário novo não só das imigrações, mas também das migra­ções. A partir dos anos 1930, com as restrições à chegada de estrangeiros, é que se inicia o movimento interno, especialmente as migrações de po­pulações do Nordeste para o Sudes­te. Esses movimentos mais uma vez vão reformular o estilo de vida das grandes cidades, especialmente de São Paulo, onde, hoje, o acento ita­liano divide espaço com o sotaque nordestino. •

PERFIL:

• OSWALDO MÁRIO SERRA TRUZZI, 42 anos, graduou-se em engenharia de produção pela Escola de Engenha­ria de São Carlos, da USP. Fez mes­trado em administração de empre­sas na Fundação Getúlio Vargas e doutorado em Ciências Sociais na Unicamp. É pesquisador no Centro de Ciências Exatas e Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos Projeto: Imigrantes, Elites e Socieda­de em São Paulo Investimento: R$ 92,3 mil

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HUMANIDADES -'---------

Arte feita de idéias

preponderância da idéia; que tem uma atitude crítica frente às institui­ções, em especial, os museus; que crê no uso de meios transitórios e mate­riais precários (como livros de artis­tas, fotos, vídeos, filmes superoito, papéis, lixo, etc.); e utiliza canais al­ternativos de circulação, como o cor­reio, no caso da arte postal", define a pesquisadora.

Pesquisa no MAC- USP põe museus em xeque com arte conceituai

Como vemos a arte? Infelizmen­te, às portas do século 21, com

olhos emprestados de 200 anos atrás, uma miopia que, ainda mais grave, se estende também aos nossos museus, os quais, em vez de seguirem a evolu­ção do tempo e da sociedade, prefe­rem se manter como espaços sacros­santos para a fruição do belo. A distância, é claro. Cansada desse des­compasso, a pesquisadora Maria Cristina Freire decidiu que era hora de questionar não o objeto de arte, mas qual o objeto da arte. E começou a cutucar o trabalho dessas institui­ções em seu próprio trabalho: o Mu­seu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP), ao qual está ligada há 10 anos.

"Preocupava-me como o museu tratava a produção contemporânea, em especial a chamada arte concei­tuai, que não se enquadra nos pa­drões da arte tradicional", conta. "Esse grupo de obras, dos anos 70, estava à deriva no MAC, empilhadas nos cor­redores, o que, para mim, era lugar simbólico, uma espécie de limbo já que, dentro dos limites rígidos dos nossos museus, ainda preso aos ve­lhos conceitos das belas-artes, não ha­via classificação possível para aquelas criações experimentais que pediam reflexão e não admiração", analisa.

Em 1997, Cristina recebeu um auxílio à pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no valor de R$ 11,7 mil para desenvolver o projeto A Es­tética do Processo, Arte Conceituai no Museu de Arte Contemporânea da USP: levantamento e pesquisa e, pouco de-

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pois, ganhou da instituição mais duas bolsas de Capacitação Técnica que garantiram o desdobramento da investigação teórica na prática da do­cumentação, catalogação e restauro das obras que analisava. A professora acaba de lançar o resultado de sua pesquisa em livro, Poéticas do Proces­so: Arte Conceituai no Museu (Ilumi­nuras, 197 págs.)

No Brasil, os principais nomes as­sociados à arte conceituai são: Regina Silveira, Carlos Zílio, Genilson Soa­res, Júlio Plaza, entre outros. Mas não havia barreiras para a expressão. "Graças aos esforços de Walter Zani­ni, criador do MAC, os criadores na-

Cristina Freire: museu como espaço de experimentação

Movimento iniciado nos anos 60, nos EUA, a arte conceituai pretendia pôr em xeque a confortável arte tra­dicional que pouco exigia do espec­tador além de seu olhar admirado. Usando materiais inusitados, como lixo ou xerox, os novos criadores que­riam que o público visse suas obras como reflexões sobre o mundo con­temporâneo, articulando estética às questões sociais e políticas.

Ainda está vago? Bem, os pró­prios estudiosos têm dificuldades em classificar essa modalidade artística cuja base, no entanto, está explícita em seu nome: conceito, idéia, para além da forma. "Entendo a arte con­ceituai como aquela em que vigora a

cionais entraram em contato com os meios internacionais e tiveram a pos­sibilidade de experimentar novas téc­nicas': diz. Eis a chave do estudo de Cristina: retomar essa função primor­dial dos museus, entendidos como es­paço de experimentação e não de sa­cralização.

Para tanto, Cristina iniciou um le­vantamento do acervo do MAC-USP, entrevistando os artistas daquele pe­ríodo (a fim de entender o impacto e as intenções do movimento concei ­tuai) e partindo, em seguida, para a prática, identificando obras, inician­do a sua catalogação e conservação. Os resultados foram surpreendentes. "Descobrimos, por exemplo, fotos

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Arte conceituai: Manuel Cas imiro, Projeto Porto de Nice, 1976. Diapositivos em co res. Detalhe

valiosíssimas do polonês Krzysztof Wodiczko, que, hoje, o museu não teria con­dições econômicas de com­prar e de que o próprio ar­tista, quando esteve aqui no ano passado, nem mais se lembrava", conta.

"São testemunhos de tempos em que se pensava o museu como um fórum de debate e não de venda de ca­misetas e marketing cultural'; critica a professora. E que, ainda assim, num curioso Paulo Bruscky, Arte por Correspondência, 1975

paradoxo, lotavam as expo­sições. "Embora tivessem por função incomodar o especta­dor, levantar dúvidas e não distraí-lo, as mostras ficavam cheias", revela. "Apenas os críticos não entendiam a arte conceituai, porque acredita­vam que a arte e os museus exigiam uma atitude reve­rencial", avalia Cristina.

Mas, lembra a pesquisa­dora, esses desencontros não foram privilégios dos trópi­cos. No Moma (Museum of Modem Art), de Nova York, os curadores pegaram One and Three Chairs, obra de Joseph Kosuth, que reunia uma cadeira e suas figura­ções artísticas em fotografia

Augusto de Campos e Julio Plaza, Caixa Preta, 1975

e palavras e mandaram a cadeira para uma ala do museu, a foto para o de­partamento de fotografia e o verbete de dicionário (as palavras) para a bi­blioteca. A instituição americana, aliás, foi o paradigma de museu de arte contemporânea importado para

o Brasil. "Em que predomina a peda­gogia visual, narrar a história da arte como uma ideologia do progresso, modelo adotado pelo MAM, do Rio, e, mais tarde, pelo MAC", fala.

Beneficiada pelo auxílio da FA­PESP, que pagou a telecinagem de 12

filmes de artistas conceituais e permitiu a compra de equipamentos e materiais para o ordenamento do acervo do MAC, Cristina pretende implementar um arquivo de arte contempo­rânea que abra um espaço definitivo para essas obras na instituição. "Elas são tes­temunhos fundamentais daquele tempo e dos esfor­ços de um grupo de artistas em partir da práxis ritual da arte para a práxis política", avisa. A conclusão de sua pesquisa é um duro golpe nos museus. "As instituições não acompanham as novas propostas dos criadores há pelo menos duas décadas", assegura. Há olhos que pre­cisam, com urgência, de um oculista para olhar o futuro de frente. •

PERFIL:

• MARIA CRISTINA FREIRE é gra­duada em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e dou­torado em psicologia social na mesma instituição. Fez mes­trado em administração de mu-seus e galerias de arte na City

University, de Londres. É pesquisa­dora e professora do MAC-USP. Projeto: A Estética do Processo, Arte Conceituai no Acervo do Museu de Arte Contemporânea: Levantamento e Pesquisa Investimento: R$ 11,7 mil

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MARCO ANTONIO COELHO

Montagem vitoriosa de um sistema Um estudo valioso da evolução de C&T no país

Finalmente, vem a lume um valioso estudo sobre a trajetória e os desafios da pesquisa científica e tecnológica no Brasil. O livro de

Shozo Motoyama e outros autores é uma chave de ouro para decifrar esse ramo da cultura.

Embora centralizado no caso específico da FAPESP, é um exame global e completo da evolu­ção e dos problemas básicos da Ciência e da Tec­nologia em nosso país. Análise de fundamental relevância porque, partindo do quadro mundial, político e científico, enquadra a his-tória dessa agência no panorama nacional e estadual, assim como do papel desempenhado pela univer­sidade e instituições de pesquisa.

Seus autores não ficaram presos às vicissitudes corriqueiras e à petit histoire de uma entidade que se tornou um instrumento básico pa­ra a atividade de milhares de pes­quisadores. Alicerçados numa farta documentação, apresentam os fatos fundamentais de uma luta ingente para sobrepujar os contratempos. Apontam sem rodeios, mas com isen­ção, méritos e deméritos dos prin-cipais protagonistas, o que realça a competência e o rigor desses historiadores. E tudo isso é feito numa linguagem escorreita e agradá­vel. Distante, assim, dos padrões usuais que afu­gentam o leitor da maioria dos textos acadêmicos.

Resgatando a memória de um projeto lançado há mais de meio século, por personalidades emi­nentes da comunidade científica e da sociedade civil em São Paulo, como um documentário cine­matográfico, vão relatando os episódios básicos de um combate para tornar vitoriosa a montagem de uma instituição essencial à C&T.

Relatam as várias "razões" desse êxito. Entre elas, o fato de o projeto da FAPESP ter surgido como uma exigência irresistível da comunidade científica, num tempo em que o prestígio da Ciên­cia estava em seu zênite, no ocaso da Segunda

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Guerra Mundial. E quando em São Paulo já exis­tia uma massa crítica de cientistas e técnicos cer­rando fileiras em torno do postulado de que" ... O progresso de uma nação se deve basear. .. em qua­tro suportes fundamentais: um bom sistema edu­cacional, um bom sistema de financiamento de pesquisas, um bom clima de liberdade ao pesqui­sador e um bom sistema para prever as necessida­des imediatas e futuras para o desenvolvimento global do país" (Warwick Kerr).

Ao mesmo tempo, aprende-se no livro que a perenidade e a esta­bilidade da FAPESP decorrem tam­bém do fato de essa entidade con­seguir firmar como uma norma inflexível em sua vida uma indica­ção de Caio Prado Júnior - o de evitar que interferências políticas a desviem de seus objetivos.

Não sendo possível destacar aqui todas as lições apresentadas nos dois tomos do trabalho, é indispensável

· porém assinalar que elas mostram que o sucesso da agência resulta de ha­ver impregnado, ao longo de várias décadas, em todos os que a ela se li­gam, nela trabalham e a ela recorrem,

o que se pode chamar de uma ética da FAPESP. Princípio diretor que a guia em todos os conflitos, dentro e fora da comunidade científica, nos meios universitários e no seu relacionamento com o públi­co externo. Ética que a impulsiona para corrigir suas falhas e insuficiências. O que permite à FAPESP abrir novos caminhos, diante dos novos desafios.

FAPESP, Uma História de Política Científica e Tecno­lógica, organizado por Shozo Motoyama, que vem com um segundo tomo, Para Uma História da FAPESP - Marcos Documentais, trabalho de Shozo Motoyama, Amélia Im­pério Hamburger e Marilda Nagamini (FAPESP, 1999).

MARCO ANTONIO COELHO é jornalista, editor executivo da revista Estudos Avançados - IEAIUSP

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LANÇAM~_NTOS

Análise de Dados Qualitativos: Estratégias Metodológicas para as Ciências da Saúde, Humanas e Sociais

Júlio César Rodrigues Pereira

Versão de um curso ministrado na Faculdade de Saúde Pública da USP, este livro é um auxílio precioso aos pesquisadores envolvidos em

trabalhos cujas conclusões dependem do entendimento de dados qualitativos. O estudo propõe-se a ser um instrumental, de fácil acesso, para conciliar a abordagem métrica, objetiva, desses objetos de estudo com o inevitável reconhecimento de que o mesmo, tem uma natureza subjetiva. (Edusp, Fapesp, 157 págs., R$ 14,00)

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\lxlSTÚTI:US

A Justiça em Aristóteles

Eduardo C. B. Bittar

Fruto de um aprofundado estudo sobre o filósofo grego, esta obra trata da relação, no seio do pensamento aristotélico, entre justiça e ética, pensando de que forma é possível se alcançar

a realização da natureza social do homem, pretendida por Aristóteles e, ao mesmo tempo, satisfazer a práxis, a racionalidade da questão em julgamento. Decorrente deste tema, o autor também oferece uma detalhada análise da terminologia aristotélica sobre a justiça, a partir do Livro V de Ética a Nicômaco. (Forense Universitária, Biblioteca Jurídica, 151 págs., R$ 25,00)

Rumo às eslrelas ~,....::..COI*"""--óo do oiv

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~~·:a Rumo às Estrelas: Um Guia Prático para Observação do Céu

Alberto Delerue

Os antigos não tinham problemas em identificar estrelas e constelações e dirigir suas embarcações e suas vidas, sem a necessidade

de instrumentos. Hoje, perdemos essa genial capacidade de observação. Mas não se desespere, pois o livro de Delerue é um manual delicioso sobre como encontrar a sua estrela favorita, mesmo em meio ao caos do universo. De quebra, o guia ainda oferece lendas e histórias sobre esses astros. Para o público leigo e para cientistas sem preconceitos. (Jorge Zahar Editor, 87 págs., R$ 24,00)

REVISTAS

Revista USP Dossiê Psiquiatria e Saúde Mental

Como tratar os doentes mentais, quando soltos dos centros de tratamento? Dez artigos da edição n° 43 (set./out./nov. 1999) tratam do problema da saúde mental no Brasil. Examinam os

conceitos, as fo rmas de tratamento e a legislação, em busca de alternativas às novas diretrizes governamentais, que procuram reduzir os gastos nessa área e dispensar os pacientes dos centros de tratamento. Outros cinco artigos sobre a vida e a obra do poeta romântico italiano Giacomo Leopardi (1789-1837). Editada pela Coordenadoria de Comunicação Social da USP.

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Revista de Saúde Pública

Esta edição (no 5, outubro de 1999) contém artigos sobre a avaliação do uso de medicamentos em idosos, realizada por meio de uma pesquisa com 664 mulheres do Rio de Janeiro, outro

• sobre a epidemiologia do envelhecimento no Nordeste, com base em inquérito domiciliar com 667 idosos em Fortaleza (CE), e um terceiro que analisa o perfil de 1.128 residentes de asilos de Belo Horizonte (MG). Bimestral, a revista é editada pela Faculdade de Saúde Pública da USP

Revista do lncor

A edição no 54 (novembro de 1999) põe em destaque as novas técnicas de tratamento do câncer. Resultantes do aprofundamento das pesquisas em genética e biologia molecular, essas inovações permitem diagnósticos precoces

mais freqüentes e ampliam a sobrevida dos pacientes, embora se reconheça que 25o/o dos casos ainda apresentam causa desconhecida e necessitam de pesquisa básica mais intensa.

PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 1999 • 49

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NEGREIROS

50 · NOVEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

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