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PROJETO DE PESQUISAS Relatório Técnico Final Proc Nº: 46.2828/00-0 Título: Geoeconomia do Gás Natural no Cone Sul Instituições Executoras: Laboratório de Gestão do Território (LAGET) do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Centro de Estudios Urbanos y Regionales, vinculado ao Centro de Estudios Avanzados da Universidad de Buenos Aires (UBA). Equipe técnica: Claudio Antonio Gonçalves Egler - Professor Adjunto - Coordenador Frederic Monie - Professor Visitante - Pesquisador Gisela Aquino Pires - Professora Adjunta - Pesquisadora Elsa Laurelli (CEUR) - Doutora em Geografia - Colaboradora Isabel Raposo (CEUR) - Doutoranda em Geografia - Colaboradora Elma Montana (CEUR) - Doutoranda em Geografia – Pesquisadora Silvina Carrizo (CEUR) - Doutoranda em Geografia - Pesquisadora Rafael Alves Montanha - Estudante de Geografia - Bolsista

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PROJETO DE PESQUISAS

Relatório Técnico Final

Proc Nº: 46.2828/00-0

Título:

Geoeconomia do Gás Natural no Cone Sul Instituições Executoras: Laboratório de Gestão do Território (LAGET) do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Centro de Estudios Urbanos y Regionales, vinculado ao Centro de Estudios Avanzados da Universidad de Buenos Aires (UBA). Equipe técnica: Claudio Antonio Gonçalves Egler - Professor Adjunto - Coordenador Frederic Monie - Professor Visitante - Pesquisador Gisela Aquino Pires - Professora Adjunta - Pesquisadora Elsa Laurelli (CEUR) - Doutora em Geografia - Colaboradora Isabel Raposo (CEUR) - Doutoranda em Geografia - Colaboradora Elma Montana (CEUR) - Doutoranda em Geografia – Pesquisadora Silvina Carrizo (CEUR) - Doutoranda em Geografia - Pesquisadora Rafael Alves Montanha - Estudante de Geografia - Bolsista

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APRESENTAÇÃO O presente relatório técnico reflete a produção da equipe envolvida no projeto

“Geoeconomia do Gás Natural no Mercosul” , coordenado por Claudio A. G. Egler e apoiado pelo CTPetro/CNPq, desenvolvido em colaboração entre o Laboratório de Gestão do Território (LAGET-UFRJ) e o Centro de Estúdios Regionales y Urbanos (CERU), vinculado ao Centro de Estúdios Avanzados da Universidad de Buenos Aires.

Os trabalhos envolveram pesquisadores e bolsistas das duas instituições em diversas atividades, desde o levantamento e sistematização de informações estatísticas, cartográficas e bibliográficas, até a apresentação de resultados em diversos fóruns científicos. Devido a isto, podemos considerar seus produtos segundo duas categorias básicas: intrumentais e finais.

Os produtos instrumentais, tais como bases de dados e sistemas de informações geográficas, devem considerados no bojo da linha temática de pesquisas “Geografia Econômica do Mercosul”, em desenvolvimento no LAGET e integrante do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRJ (PPGG-UFRJ), e são utilizados como suporte ao desenvolvimento de teses e monografias, bem como de pesquisas sobre o processo de integração regional no Cone Sul da América.

Dentre os produtos intrumentais disponíveis no LAGET destacam-se as bases de dados BRASIL, que reune informações socioeconômicas sobre os municípios brasileiros, desde 1970 até os dias atuais e MERCOSUL, com dados principalmente da Argentina e Chile, mas também Uruguai, Paraguai e Bolívia, desde 1980 ate 2000. Tais bases integram o sistema de informações geográficas (SIG) CONE SUL, disponível no LAGET,que possui bases cartográficas georeferenciadas em diversas escalas, desde 1:5.000.000 até 1:500.000, com informações sobre limites territoriais, hidrografia, rodovias, ferrovias e utilidades, dentre outras. Tal sistema foi transferido para as instituições que colaboram com o projeto: o CEUR (Argentina) e o Centre de Recherches et Documentation sur l’Amerique Latine (CREDAL), vinculado a Université de Paris III.

Essas bases e parte do SIG, principalmente o que diz respeito à atividade petrolífera no Brasil, estão sendo disponibilizadas também através do Banco de Dados Ambientais para a Indústria do Petróleo (BAMPETRO), em implantação no Observatório Nacional (ON-MCT), com apoio do CTPetro/FINEP. Também considera-se como produto instrumental do projeto, a construção de uma página Internet (www.geogas.ufrj.br), que se propõe a divulgar dados e informações sobre a geoconomia do gás natural no Mercosul. Tal página encontra-se em processo de remodelação para incorporar novas ferramentas de consulta baseadas em softwares livres (My SQL e PHP), visando a servir como suporte à pesquisa interativa entre as instituições participantes da rede.

Quantos aos produtos finais da pesquisas destacam-se diversos trabalhos publicados, teses e monografias defendidas e participações em congressos e seminários. Para sintetizar essa produção foi seleciodada uma coletânea de textos que ora é encaminhada para apreciação do CNPq. Os dois primeiros, de autoria de Claudio A. G. Egler (LAGET-UFRJ) apresentam uma visão geral da geoeconomia do Cone Sul e o papel das redes logísticas na conectividade das principais cidades do Mercosul. Segue-se o texto de Gisela A. Pires do Rio (LAGET-UFRJ), que apresenta os lineamentos centrais da

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Geopolítica Energética do Brasil nas últimas décadas. O Prof. Frederic Monié (LAGET-UFRJ)discute a seguir os problemas associados a redefinição das redes logísticas no Brasil, com especial atenção ao sistema portuário. Do mesmo autor é o artigo que faz uma análise comparativa da atividade petrolífera no Mar do Norte, Golfo do México e América do Sul, com especial atenção ao novo papel do poder local no Brasil, analisado em detalhes na área de influência da Bacia de Campos.

A seguir é apresentado o trabalho de Silvana Carrizo, do CEUR-UBA, que discute o papel do Gás Natural na Argentina. A Prof. Carrizo está desenvolvendo sua tese de doutorado sobre essa temática no CREDAL e o texto aponta a orientação de suas pesquisas. Na mesma direção, mas voltado para o papel das redes de energia nos vínculos entre Argentina e Chile, apresenta-se o artigo da Prof. Elma Montana, vinculada ao CEUR, mas atuando na Universidad Nacional de Mendoza.

Encerrando o relatório, incluiu-se o trabalho do Geog. Rafael Montanha, bolsista do LAGET-UFRJ, que desenvolveu sua monografia de graduação sobre as redes logísticas no Mercosul.

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SUMÁRIO GEOECONOMIA DO MERCOSUL: NOTAS PRELIMINARES ..................... 4

INTRODUÇÃO: .......................................................................................................... 4 TECNOLOGIA E INTEGRAÇÃO TERRITORIAL.............................................................. 7 A RETOMADA DA GEOECONOMIA........................................................................... 13 INTEGRAÇÃO REGIONAL NO MERCOSUL ................................................................ 16 CONFLITOS E AJUSTES NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO CONE SUL..................... 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 20

INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E REDES LOGÍSTICAS NO CONE SUL.... 25 APRESENTAÇÃO..................................................................................................... 25 INTEGRAÇÃO ECONÔMICA REGIONAL: ALCANCES E LIMITES.................................. 25 CONECTIVIDADE ESPACIAL E A DIVISÃO TERRITORIAL DO TRABALHO ................... 27 REESTRUTRAÇÃO PRODUTIVA E REDEFINIÇÃO DOS SISTEMAS................................ 28 A AGENDA DOS EIXOS NACIONAIS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (ENIDS)

.......................................................................................................................................... 30 AS DIFICULDADES DA INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL ............................................... 38 AS REDES LOGÍSTICAS E SUA CONFIGURAÇÃO ESPACIAL NO CONE SUL ................. 40 BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 48 ANEXO 1................................................................................................................ 50

ENERGIA NO BRASIL: CONTRADIÇÕES DE UM PROJETO GEOPOLÍTICO INACABADO........................................................................................ 51

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 51 RAÍZES E ATUALIDADE........................................................................................... 52

Ratzel e Kjellén: raízes ..................................................................................... 52 A atualidade: incertezas e pluralidade............................................................. 54 Brasil: a “cultura” geopolítica militar e a estruturação espaço .................... 55

CHOQUE VERSUS CONTRA-CHOQUE: DESDOBRAMENTOS GEOPOLÍTICOS................ 58 A disputa entre cartéis ...................................................................................... 58 Políticas nacionais: interesses compartilhados ............................................... 61

O SISTEMA ENERGÉTICO NO BRASIL ...................................................................... 64 Os primeiros marcos jurídico-institucionais .................................................... 65 Consolidação e crise......................................................................................... 66 Cinco questões-chave para uma abordagem geopolítica da energia no Brasil

...................................................................................................................................... 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 68

PLANEJAMENTO TERRITORIAL, MODERNIZAÇÃO PORTUÁRIA E LOGÍSTICA. O IMPASSE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E NO RIO DE JANEIRO...................................................................................................................... 71

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 71

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TRANSPORTE E PORTOS NA ECONOMIA GLOBAL DE CIRCULAÇÃO .......................... 71 Reestruturação produtiva e nova economia dos fluxos .................................... 71 A redefinição da logística................................................................................. 72

RETÓRICA E PRÁTICA DAS NOVAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO BRASIL ......................................................................................................................... 73

REFORMA PORTUÁRIA E “INSERÇÃO COMPETITIVA” DO RIO DE JANEIRO NA ERA GLOBAL ............................................................................................................................. 76

O PROJETO SEPETIBA: O TRANSPORTE CONTRA O TERRITÓRIO? ............................. 78 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 82

A INDÚSTRIA DE PETRÓLEO E GÁS EM ESCALA MUNDIAL. UMA VISÃO COMPARATIVA.................................................................................................. 84

MUDANÇAS RECENTES NA INDÚSTRIA PETROLÍFERA MUNDIAL.............................. 84 EXPLORAÇÃO OFF SHORE E ORGANIZAÇÃO REGIONAL: ELEMENTOS DE

COMPARAÇÃO.................................................................................................................... 86 A situação no México........................................................................................ 86 O caso do Mar do Norte ................................................................................... 89

REENGENHARIA INSTITUCIONAL NA ARGENTINA, NA VENEZUELA E NO MÉXICO: ELEMENTOS DE COMPARAÇÃO. .......................................................................................... 91

Argentina: um exemplo de privatização total da cadeia petrolífera................ 92 Venezuela: fim do monopólio na produção e na petroquímica........................ 93 México: manutenção do monopólio sobre a produção .................................... 93

A BACIA DE CAMPOS. O TERRITÓRIO DA MUDANÇA NO CENÁRIO NACIONAL........ 94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 96

LA NUEVA DINÁMICA Y LOS NUEVOS DESAFIOS EN MATERIA DE HIDROCARBUROS EN ARGENTINA. ........................................................................ 97

EVOLUCIÓN HISTÓRICA DE LA PRODUCCIÓN DE GAS Y PETROLEO EN ARGENTINA .98 Consolidación de la red de gas en Argentina y su potencial expansion regional

...................................................................................................................................... 99 Los nuevos territorios de las redes de hidrocarburos .................................... 100

DESAFÍOS QUE OFRECEN LAS REDES EN EL CONO SUR ......................................... 102 REFERÉNCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................................... 103

LAS REGIONES ARGENTINAS FRENTE A LA AMPLIACIÓN DE LAS REDES TRANSFRONTERIZAS DE ENERGÍA EN EL CONO SUR: MENDOZA: ¿BENEFICIOS LOCALES O ÁREA DE SACRIFICIO? ............................................. 104

LOS PRIMEROS SIGNOS DEL CAMBIO DEL MODELO ECONÓMICO ARGENTINO: LA DESREGULACIÓN DEL SECTOR DE LOS HIDROCARBUROS .................................................. 104

Internacionalización y reestructuración de los actores del sector................. 105 LA RED HIDROCARBURÍFERA ARGENTINA ............................................................ 107 LA RED GASÍFERA TRANSNACIONAL..................................................................... 109 LAS REDES TRANSNACIONALES EN MENDOZA Y LA V REGIÓN DE CHILE ............ 115

Los proyectos de la integración energética.................................................... 115 LAS IMPLICANCIAS PARA LOS TERRITORIOS LOCALES .......................................... 117 REFERÉNCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................................... 120

GASODUTOS NO CONE SUL: UMA REDE TRANSNACIONAL............... 121

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CARACTERÍSTICAS DO GÁS NATURAL ................................................................. 121 DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DO GÁS NATURAL ....................................... 121 TRANSPORTE DO GÁS NATURAL: UM DESAFIOE ECONÔMICO............................... 123

Transporte via gasodutos ............................................................................... 123 Transporte via navios criogênicos: ................................................................ 124 A possibilidade dos combustíveis sintéticos ................................................... 125

A INTEGRAÇÃO DOS GASODUTOS NO CONE SUL DA AMÉRICA ............................ 126 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 135 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 135

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Geoeconomia do Mercosul: Notas preliminares

Claudio A. G. Egler

Introdução: A crise do padrão de acumulação, que vigorou na economia mundial desde o

imediato pós-guerra até o início dos anos 70, atingiu nações e regiões de modo desigual. Enquanto crise da hegemonia norte-americana, ela se manifestou em fraturas irreversíveis no espaço monetário supranacional fundado no dólar, enquanto moeda internacional, forçando a reajustes drásticos na política monetária e cambial dos Estados nacionais. Enquanto crise do padrão de concorrência intercapitalista, ela se manifestou no acirramento do conflito entre grandes blocos de capital, deflagrando um processo de fusões e incorporações de empresas multinacionais que alterou significativamente o planisfério mundial da propriedade do capital. Por final, enquanto crise do padrão tecnológico fundado na inesgotabilidade dos recursos naturais e na inexorabilidade das economias de escala, enquanto fatores básicos para a produção competitiva em qualquer parte do planeta, ela levou a obsolescência de antigas regiões industriais consolidadas e forçou a reestruturação produtiva das economias nacionais, ampliando as exigências de intervenção do Estado, ao mesmo tempo que reduzia sua capacidade de financiar o gasto público.

Isto pode ser atribuído a vários motivos. Em primeiro lugar, a redução do ritmo de crescimento das economias nacionais e a generalização de formas de subcontratação entre empresas permitem uma vasta gama de operações contábeis que levaram a uma substancial perda da capacidade extrativa do Estado, junto com um aumento do desemprego nas atividades e regiões tradicionais. Como conseqüência deste duplo movimento, houve um crescimento desproporcional dos encargos sociais a um limite que inviabiliza qualquer polí-tica territorial de distribuição da renda com base nos instrumentos fiscais clássicos, acen-tuando, por outro lado, os conflitos distributivos regionais.

Em segundo lugar, embora o desenvolvimento de novos materiais e a flexibilização dos processos produtivos tenha contribuído para reduzir a velocidade do processo de concentração espacial da atividade industrial, ainda é prematuro para assumir integralmente as teses de Markusen (1985), acerca da falibilidade do princípio da "causação circular" de Myrdal (1957). A experiência recente não permite conclusões definitivas acerca da tendência espacial das economias capitalistas avançadas, existem evidências que a desconcentração da produção, quando ocorre, não é acompanhada pela descentralização da gestão financeira e estratégica das empresas, que se baseia cada vez mais em redes telemáticas para ampliar sua área de atuação e reduzir o tempo de decisão.

Por outro lado, o papel do Estado não pode ser desprezado na criação de novas localizações industriais vinculadas às chamadas "novas tecnologias". Seja nas economias li-berais, como os EUA, onde os gastos militares tiveram papel decisivo na formação do "Silicon Valey", na Califórnia, ou da "Route 128", nos arredores de Boston. Nas economias reguladas como a França, onde a política dos "technopoles" (pólos tecnológicos), como Sophia-Antipolis, recebeu forte suporte de órgãos públicos, empresas estatais e garantia de mercado civil e militar. Seja também nas economias de "capitalismo organizado" (Tavares, 1990), como o Japão, onde a política das "technopolis" (cidades tecnológicas), como Tsukuba, constitui um elemento importante de reestruturação produtiva e de negociação com as comunidades territorialmente localizadas.

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Esta situação assume aspectos particularmente críticos quando a orientação da política econômica caminha no sentido da integração supranacional, através da formação de uniões alfandegárias e mercados comuns. O princípio da união alfandegária pressupõe a adoção de um mesmo regime tarifário para as nações que a integram, abolindo as barreiras entre elas e apresentando-se como uma entidade única perante o comércio internacional. É um caminho que pressupõe a adoção de medidas visando uniformizar o espaço econômico, reduzindo as formas espúrias de estímulo a produção, em favor daquilo que Fanjzylber (1992) chama de competitividade sistêmica, baseada em formas sustentáveis de introdução e absorção de progresso técnico.

Tais propostas de políticas públicas defrontam-se com interesses regionais consolidados e todas atuam diretamente sobre as relações entre o mercado doméstico e o mundial. Para compreendê-las é fundamental utilizar as três escalas de análise, articulando-as de modo dinâmico em torno da meta geral de superação da crise (Egler, 1992), resguardando as características peculiares de redefinição de cada estrutura produtiva regional e tendo como critério fundamental a ampliação do mercado nacional com eqüidade social. É evidente que medidas destinadas a corrigir a extrema concentração de renda na economia brasileira terão fortes efeitos multiplicadores sobre estrutura produtiva nacional, entretanto isto não pode velar o fato de que o núcleo dinâmico do mercado doméstico, capaz de lhe conferir um rítmo endógeno de acumulação, está fortemente ancorado nos três principais complexos industriais: o metal-mecânico, o químico e o agroindustrial.

Esses complexos possuem ligações produtivas e, principalmente, financeiras que extrapolam os limites do mercado doméstico e devem ser definidas em escala mundial. Isto significa que seu comportamento depende das estratégias de concorrência de blocos de capital que operam no sistema internacional e, embora estejam plasmados em diversos territórios econômicos com é o exemplo do Brasil, avaliam suas posições no espaço econômico global e buscam vantagens competitivas reais e potenciais naquilo que Michalet (1989) chama de échiquier1 industrial mundial.

Os complexos metal-mecânico e químico, foram objeto de profundas transformações com a flexibilixação dos processos produtivos e o desenvolvimento de novos produtos. A aplicação da microeletrônica e da gestão informatizada que alterou as regras de concorrência em segmentos importantes da indústria metal-mecânica, assim como a orientação preferencial do investimento na indústria química para a produção de especialidades de alto valor incorporado, a chamada química fina, são tendências já comprovadas no mercado mundial que dificilmente a economia nacional poderá passar ao largo sem o risco de que as empresas que operam em seu mercado doméstico se transformem em firmas marginais.

Existem fortes evidências de que as condições locais são importantes elementos de atração de empresas de maior densidade tecnológica. Mais do que isto, dadas as condições de mobilidade das plantas flexíveis e da integração através de redes de subcontradas operando just in time (JIT), alguns segmentos destes complexos tem comportamento locacional peculiar. Scott e Storper (1988: 31) mostram que a indústria eletrônica norte-americana teve seu foco original no Nordeste nos anos 50. No entanto, a partir da década de sessente e, intensificado nos setenta, esta indústria mudou seu núcleo dinâmico para a costa oeste. Diversos fatores explicam este processo desde qualificação da mão-de-obra até a formação de complexos científicos-tecnológicos em torno de universidades ou institutos de

1 Tabuleiro de xadrez, tabuleiro de jogos.

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pesquisa. No caso específico dos EUA existem fortes evidências da associação da indústria eletrônica com o complexo industrial militar, principalmente o segmento aeroespacial, que deslocou-se para o oeste em busca de áreas livres para testes e implantação de grandes plantas. (Markunsen, 1986).

A dimensão territorial do desenvolvimento econômico tende a se alterar com a difusão de métodos flexíveis de produção. Harvey (1989: 159-160) mostra o papel do acesso ao conhecimento técnico-científico às novas formas de produção como instrumentos fundamentais da concorrência inter-capitalista. Scott e Storper (1992: 13) distinguem a configuração das regiões onde predominam as economias de escala daquelas onde a flexibidade e as economias de escopo ou amplitude são dominantes. Eles reconhecem três tipos de aglomerações definidas pela produção flexível:

1) as indústrias baseadas no trabalho especializado e diferenciação do produto, como vestuário, têxteis, mobiliário, cerâmica, material esportivo. Elas apresentam dois padrões básicos de localização, um coincide com o interior de grandes áreas metropolitanas, como Paris, Londres ou Nova York, e a outra com antigos centros de produção artesanal como na Terceira Itália, partes da França, Grécia, Portugal, Alemanha, Espanha e Escandinávia;

2) as índústrias de alta-tecnologia que tendem a se localizar em zonas suburbanas ou próximas às grandes metrópoles e também em áreas não industrializadas, como o Sunbelt, nos EUA; Cambridge na Grã-Bretanha ou no Sul da

França; 3) Por final, as aglomerações de sedes de empresa e serviços financeiros são

encontradas no centro, ou próximos a ele, das grandes cidades mundiais, como Manhattan, a City de Londres ou La Defense em Paris.

Esta classificação mostra que, embora os núcleos de decisão permaneçam fortemente centralizados nas cidades mundiais, as atividades produtivas podem ser descon-centradas, desde que hajam conexões fáceis entre as unidades produtivas e os centros de gestão e exista a disponibilidade de trabalho qualificado e uma base técnica adequada às operações industriais. Estudos de campo realizados no Vale do Paraíba, entre as duas grandes metrópoles nacionais do Rio de Janeiro e São Paulo, bem como nas suas ramificações no Sul de Minas Gerais, mostraram que existem bolsões de trabalho especializado e qualificado formados por formas pretéritas de industrialização - como é o caso do Vale do Sapucaí (MG), que sediava antigas indústrias do complexo metal-mecânico, inclusive ligadas ao setor militar como a fábrica de armas de Itajubá - que fornecem mão-de-obra e base técnica para as novas fábricas do segmento eletro-eletrônico e mecânico que estão se implantando recentemente na região. (Becker e Egler, 1989).

É importante que se frise que este processo não ocorre unicamente por fatores espontâneos, ou seja pela atuação das 'livres forças do mercado'. As análises realizadas em estudos comparativos entre o Brasil e a França mostraram que o Estado desempenhou papel determinante na afirmação dos centros de produção com maior densidade tecnológica nestes dois países, seja no segmento aeroespacial como ocorre em Toulouse e São José dos Campos, ou eletroeletrônica e informática como em Grenoble e Campinas. Mais do que isto, não se trata na visão corriqueira do Estado como o poder centralizado no nível mais elevado da estrutura jurídica nacional, mas sim de uma ação conjunta das diversas esferas de poder que envolve desde órgãos federais até entidades municipais ou comunais (Becker e Egler, 1991).

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Essa talvez seja a principal observação acerca da reestruturação produtiva e as novas condições de operação do Estado. Não é mais possível que as fronteiras de acumulação seja abertas apenas pelos investimentos concentrados em grandes projetos, é necessária uma intensa cooperação entre as diversas esferas de poder para criar campos de atração para o investimento produtivo, garantindo desde as obras de infra-estrutura até a formação e qualificação da força de trabalho. Isto não é possível sem uma forte participação e efetivo envolvimento das autoridades locais e regionais, o que coloca a questão do federalismo em outro patamar, ultrapassando os limites dos ajustes políticos para fincar raízes no terreno da geoeconomia (Egler, 1993).

Tecnologia e integração territorial O ingresso no século XXI é um marco crucial na redefinição do papel dos territórios

nacionais no contexto global. Até então, o primado da geopolítica ressaltava aspectos como extensão, contiguidade e posição, como elementos potenciais para construção e afirmação do Estado-nação. Hoje, contudo, os fluxos de mercadorias, pessoas e informações não respeitam fronteiras e apenas a posse sobre terras e águas, definidas por limites políticos internacionais, não garante o efetivo domínio sobre o território.

A expansão das redes globais e a aceleração da velocidade em seus diversos circuitos alteram constantemente as dimensões relativas dos territórios nacionais. Nesse contexto, somente o conhecimento detalhado de suas condições naturais, sociais e culturais pode garantir a verdadeira soberania. É a dimensão geoeconômica que assume importância crescente no modo como os diversos espaços se inserem na economia mundial, em permanente mutação. Para a geoeconomia, o território nacional não é um ente estático, mas dinâmico, em sua forma, estrutura e organização.

Um exemplo flagrante dessa nova realidade é a Plataforma Continental do Brasil no Atlântico Sul. Com uma superfície total de cerca de 4 milhões de km2, com dimensões equivalentes à Amazônia brasileira, é dela que provêm a maior parcela da produção nacional de petróleo e gás natural e onde estão suas principais reservas conhecidas. Essas vastas e ricas extensões territoriais foram recentemente submetidas à jurisdição nacional, com base na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar de 1982, que acordou o princípio de que somente o conhecimento detalhado - tanto das potencialidades, como das restrições ao uso sustentável dos recursos, permite a reivindicação da soberania sobre os espaços marítimos.

A integração territorial manifesta a síntese concreta dos processos de divisão técnica e social do trabalho, de concentração produtiva e de centralização financeira no território. Desde logo é importante advertir que o conceito de território é distinto de uma visão puramente espacial, ou mesmo regional, como o fazem os membros da "regional science" de fundamento neo-clássico. O conceito de território pressupõe a existência de relações de poder, sejam elas definidas por relações jurídicas, políticas ou econômicas. Nesse sentido é uma mediação lógica distinta do conceito de espaço, que representa um nível elevado de abstração, ou de região, que manifesta uma das formas materiais de expressão da territorialidade, como o é, por exemplo, a nação.

Do ponto de vista da dinâmica territorial, vista aqui como motor do processo de integração, é importante ressaltar e discutir dois níveis analíticos fundamentais e interliga-dos. O primeiro é o das relações cidade e campo, que embora sejam tratadas conjuntamente nos fundamentos do pensamento econômico, perderam grande parte de seu poder analítico ao serem dividas em "ramos" distintos do conhecimento, como a economia rural e agrícola

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e, seu quase reverso, a economia urbana e industrial. Aqui vale um contraponto: muito tem sido atribuído à geografia acerca da imprecisão do conceito de região, como um ente natural e histórico; entretanto desde a sua origem, enquanto conceito geográfico, Vidal de la Blache afirmava, no início do século, que "cidades e estradas são as grandes iniciadoras de unidade, elas criam a solidariedade das áreas". Neste sentido, a região é, antes de tudo, um conceito síntese das relações entre cidade e campo, definindo-as e particularizando-as em um conjunto mais amplo, que pode ser tanto a economia nacional, como a internacional.

Admitindo isto, é importante, desde logo, afastar qualquer viés fisiocrata acerca do processo de formação das regiões. No capitalismo, as regiões não se formam a partir da captura do excedente agrícola, como alguns ingênuos podem fazer crer. Novamente a geografia nos ensina que a "região não criou a sua capital, é a cidade que forjou sua região" e "a indústria e o banco, mais do que simples instrumentos desta construção, são o verdadeiro cérebro dela" (Kayser, 1964: 286). Toda região possui um centro que a estrutura e a manifestação mais concreta dos níveis de integração territorial em uma determinada região é a consolidação de sua rede urbana. Na verdade, pode-se ir além disto: o próprio estágio de desenvolvimento da rede urbana revela os níveis de integração produtiva e financeira de uma região.

A literatura em geografia distingue três estágios de desenvolvimento da rede urbana (Kayser, opus. cit.: 301). Primeiro a "semeadura urbana", onde o crescimento das cidades se faz de modo relativamente autônomo, onde cada uma se limita a tentar controlar para si a maior parte das relações com o campo vizinho. Neste caso seus vínculos são mínimos e a divisão territorial do trabalho entre elas praticamente inexistente, a não ser entre cidade e campo. O segundo estágio é o da "bacia urbana", quando as grandes cidades lançam sobre a região a rede que drena para elas o máximo de riquezas. É o período onde o capital mercantil é dominante e inicia a construção uma hierarquia urbana, que é resultante do processo de concentração produtiva e centralização financeira na capital da região mercantil. Do mesmo modo, a divisão territorial do trabalho começa a se esboçar entre as atividades urbanas, iniciando um processo de especialização e diferenciação que resulta de vantagens locacionais e históricas.

Por final, a consolidação da rede urbana corresponde ao momento descrito como "industrialização do campo". É quando os fluxos entre cidades e entre elas e o campo são estáveis e permanentes, formando uma estrutura dinâmica e individualizada que pode, então, ser descrita como uma região territorialmente integrada. É importante frisar que nesta estrutura não existe nada que leve a um pretenso equilíbrio interno ou externo, como algumas formulações neo-clássicas da "regional science" tentam difundir. Embora alguns modelos descritivos e dedutivos tenham sido formulados a partir de situações de equilíbrio, como é o exemplo da célebre "teoria dos lugares centrais" de Christaller (1933), seu poder explicativo é bastante limitado e estático, sendo incapaz de dar conta das diversas situações no tempo e no espaço.

Estas observações podem ser ampliadas para a maioria das "teorias" de crescimento regional, desde aquelas de fundamento keynesiano, como a "teoria da base de exportação", como também aquelas de viés schumpeteriano como a concepção perrouxiana do "crescimento desequilibrado". Não está entre os objetivos deste trabalho dar conta do debate histórico acerca da dinâmica regional, apenas é importante frisar que boa parte das componentes fundamentais desta dinâmica repousam nas relações que se estabelecem entre cidades e entre elas e o campo. Isto é particularmente importante na análise do processo contemporâneo de reestruturação econômica, onde novos padrões de integração produtiva e

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financeira, estão redefinindo a estrutura das relações cidade e campo e contribuindo para a reelaboração do desenho das redes urbanas regionais nas economias avançadas.

O segundo nível a ser trabalhado é o das relações entre centro e periferia, que neste texto será assumido em suas dimensões originais, isto é como resultante da divisão terri-torial do trabalho, da concentração produtiva e da centralização financeira durante o processo de formação do "mercado interno" para o capitalismo. Segundo Lenin (1899: 550), este processo "oferece dois aspectos, a saber: o desenvolvimento do capitalismo em profundidade, quer dizer, um maior crescimento da agricultura capitalista e da indústria capitalista em um território dado, determinado e fechado, e seu desenvolvimento em extensão, quer dizer, a propagação da esfera de domínio do capitalismo a novos territórios." Isto significa, em poucas palavras, que as relações centro-periferia são, desde a origem, um processo dinâmico de aprofundamento vertical e expansão horizontal das forças produtivas e das relações de produção capitalistas.

Isto foi percebido claramente por Prebisch em sua análise sincrônica da economia mundial do pós-guerra, onde corretamente pôs ênfase na desigual velocidade de incor-poração do progresso técnico nas diversas porções da economias capitalistas, que resultavam em diferentes níveis de produtividade e, conseqüentemente, na deterioração dos termos de intercâmbio entre centro e periferia. É importante, desde logo, afastar as concepções neo-ricardianas da existência de "trocas desiguais" devido às diferentes quan-tidades ou remunerações do trabalho entre centro e periferia. Neste erro, apesar da simplificação dualista, Furtado não incorreu quando atribuiu a origem das crescentes desi-gualdades regionais da renda entre o Nordeste e o Centro-Sul aos diferentes níveis e ritmos de crescimento da produtividade em conseqüência da industrialização pesada.

Uma das sínteses mais fecundas entre a dinâmica centro-periferia e a questão do progresso técnico foi aquela elaborada por Friedmann. A despeito de sua explícita vinculação à concepção estéril da "teoria geral dos sistemas", Friedmann (1965) assume que o desenvolvimento, que resulta da difusão do progresso técnico, se expressa em mudanças estruturais no sistema espacial, que passa a se integrar através relações de autoridade-dependência. Neste aspecto, ele é fiel à tradição da geografia política que, desde Ratzel, define a área "core" como o centro de poder e de irradiação cultural no território nacional2. Assim, as inovações principais ocorrem nas "core regions", ou centros, e todas as outras áreas da economia nacional são regiões periféricas, definidas através de suas relações de dependência com o centro3.

Friedmann (1971) propõe um modelo de desenvolvimento "equilibrado" que parte de uma situação inicial, onde as inovações são concentradas em uma ou duas cidades para onde convergem os recursos da periferia, sejam eles mercadorias ou força de trabalho, que caracterizaria uma situação marcada pelo forte "desequilíbrio estrutural". À medida que o progresso técnico se difunde pela periferia, a estrutura espacial tenderia para o "equilíbrio", quando a integração nacional se faria através da multiplicação de "core regions" pela periferia. Para ele, o caráter da política territorial deveria adequar-se a cada uma das fases do processo de desenvolvimento, pois nos primórdios da industrialização haveria tendência ao agravamento dos "desequilíbrios" regionais", fazendo com que a política regional

2 - Sobre o conceito de "core" e centro e periferia em geografia política e no pensamento de Ratzel,

vide Burghardt (1969) e Strassoldo (1985). 3 - Sobre as relações entre as análises de Friedmann e os pressupostos da Geografia Política ver

Becker (1972: 16)

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procurasse reproduzir as metas setoriais nacionais dentro de cada região. Já no segundo estágio, a industrialização passaria a ser limitada pelas dimensões do mercado na área central, o que faria com que a política regional passasse a ser um instrumento de extensão geográfica dos mercados e de racionalização do uso dos recursos naturais em todo o território nacional, criando condições para que se estabeleça uma política explícita de integração do mercado nacional4.

Aydalot (1976: 15-20) parte também da noção de progresso técnico para analisar a dinâmica territorial das economias capitalistas. Para ele, "se considera-se que as implicações do nivel tecnológico são essenciais, mais do que o nível de investimentos, as transferências de excedente aparecerão menos importantes que as escolhas espaciais das técnicas (...). Mais do que isto, sua visão do imperialismo está definida "pela aptidão do capitalismo de impor uma divisão interespacial do trabalho tal que certos espaços tendem a se especializar nos produtos que possuem uma forte dose de conhecimento, enquanto outros se especializarão nas produções que exigem conhecimentos inferiores (...) Assim, a conclusão é simples: "os espaços não se diferenciam mais sobre a base de seu estoque de capital, mas em função das aptidões produtivas de sua força de trabalho, e de sua aptidão em conceber bens novos e processos técnicos mais avançados".

Em sua forma geral, a concepção de Aydalot assemelha-se a visão do ciclo do produto de Vernon embora reforçe o papel da qualificação da força de trabalho como elemento de diferenciação no espaço econômico. Isto permite com que ponha ênfase na mobilidade do trabalho e na transmissão inter-espacial das técnicas como elementos fundamentais de integração territorial. Em sua visão, para que haja desenvolvimento, "o trabalho caracterizado de maneira qualitativa e dinâmica (aptidão para a progressão) tornou-se a variável estratégica." Em síntese a dinâmica territorial para este autor pode assim ser resumida:

"Nas relações entre dois espaços quaisquer, há sempre uma parcela de autonomia e uma parcela de integração. No correr do tempo, ao longo de um processo secular, se produz um alargamento espacial das relações entre os espaços de modo que os espaços anteriormente autônomos se aproximam (redução dos custos das mobilidades, redução das 'distâncias' entre espaços, desenvolvimento das informações, do conhecimento inter-espacial). Assim, em dinâmica de longo período, dois espaços quaisquer passam, um vis-a-vis o outro, de um estado de autonomia a um estado caracterizado pelas relações cada vez mais intensas, embora os mecanismos da mobilidade continuem os mesmos."

Aydalot põe ênfase na "distribuição desigual das técnicas" porém não expõe quais os fatores que a explicam, exceto um desenvolvimento originário também desigual. Neste sentido, a mobilidade das atividades produtivas seria um fator de homogeneização, a longo prazo, do espaço econômico através da difusão da técnica pelas suas diferentes parcelas. Neste mundo construído pela solidariedade não existe espaço para a concorrência, assim é fácil perceber a raiz de sua crítica aos autores marxistas que analisam o desenvolvimento do capitalismo através de seus padrões de concorrência (mercantil, concorrencial e

4 Posteriormente Friedmann vai desenvolver uma visão mais abrangente da integração territorial fundada na noção de desenvolvimento agropolitano, que se assemelha em linhas gerais à de desenvolvimento sustentável. Para ele, a integração territorial diferenciaria-se da integração funcional, pois enquanto esta última corresponde ao controle e à distribuição centralizada de recursos no espaço, a integração territorial realça as noçòes de solidariedade no uso e apropriação do território. (Friedmann e Weaver, 1979).

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monopolista), pois para ele "não é o capitalismo que se transforma, mas o quadro espacial que se amplia" (op. cit.: 18), o que sem dúvida constitui uma curiosa forma de 'determinismo espacial' da dinâmica das economias capitalistas.

Do ponto de vista da concorrência inter-capitalista, uma das sínteses mais elaboradas da dinâmica territorial no capitalismo foi aquela realizada por Holland (1976). Partindo da crítica da visão neo-clássica de equilíbrio no espaço econômico, argumentando sobre as teorias de crescimento polarizado de Myrdal e Perroux, Holland utiliza a teoria da concorrência oligopólica de Sylos-Labini (1964) para ensaiar uma síntese entre os aspectos micro e macro da dinâmica territorial através da definição do setor mesoeconômico. Para ele:

"o grau de competição desigual entre grandes e pequenas firmas é tão expressivo nas principais economias capitalistas que desqualifica toda a teoria regio-nal fundada em modelos microeconômicos competitivos e suas sínteses em teorias macroeconômicas. O que emergiu na prática leva a um novo setor mesoeconômico entre o nível macro de teoria e política e o nível micro das pequenas firmas competitivas." (op. cit.: 138).

O efeito regional da concorrência entre firmas meso e microeconômicas depende diretamente da distribuição espacial das firmas e, em teoria, poderia se afirmar que:

"algumas regiões poderiam ganhar, a curto e médio prazo, se elas conseguissem manter tanto a matriz, como as plantas subsidiárias de uma companhia mesoeconômica que é capaz de proteger ou aumentar sua parcela no mercado nacional através de aumentos de escala, inovações ou táticas de formação de preços inter-firmas". (Op. cit.: 139).

No entanto, Holland parte do exemplo dos EUA para mostrar que as grandes firmas nem sempre contribuem para integrar as regiões de um mesmo mercado doméstico, pois: "quando companhia atingem lucros extraordinários devido a uma posição dominante no mercado nacional, elas preferem localizar novas plantas em economias mais desenvolvidas e com mercados que crescem mais rapidamente do que em regiões menos desenvolvidas de sua própria economia." (Op. cit. 140). Isto se deve ao fato de que, em outros mercados, o grau de competição oligopólica pode ser mais baixo ou que existem brechas a serem ocupadas, o que pode conferir lucros extraordinários às empresas que atingirem posições pioneiras em outras parcelas do mercado mundial.

A mesoeconomia, enquanto categoria analítica, é uma solução simplificadora para a amplitude da concorrência em sua dimensão territorial, entretanto apesar disto e do dualismo que emprega ao discutir seu papel na dinâmica das regiões mais desenvolvidas vis-à-vis às menos desenvolvidas, Holland avança no sentido de territorializar as estruturas de mercado nas economias capitalistas, mostrando como, em um sistema crescentemente internacionalizado, a lógica do investimento privilegia os territórios econômicos que possam garantir vantagens competitivas às grandes empresas que neles se instalam.

No sentido de avançar na compreensão do caráter destes territórios econômicos, que apresentam a capacidade dinâmica de atrair novos investimentos, Storper (1991: 14) mostra que os complexos territoriais, onde existe aglomeração industrial, "são o modo geográfico pelo qual as economias externas de escala nos sistemas produtivos são realizadas pelas firmas". Para ele existe uma forte relação entre as economias de aglomeração - e também de urbanização - e o surgimento e desenvolvimento de novas indústrias. Citando o exemplo do Silicon Valley nos EUA, Storper afima que "as cidades e regiões industriais emergem quando a divisão social do trabalho se desenvolve no interior do sistema produtivo, e não

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simplesmente porque estas cidades forneciam insumos e infra-estrutura para as firmas industriais."

Esta é uma questão central quando se analisa capitalismos tardios e periféricos, pois muito da história e da geografia da América Latina parte do pressuposto de que a indústria nasceu como continuação do circuito mercantil-exportador através do processo de substituição de importações. Como veremos adiante isto é apenas uma observação superficial, pois a industrialização brasileira desdobra-se do circuito mercantil pela lógica da acumulação e da valorização de capitais, e não pela mera conquista de fatias domésticas do mercado mundial. Isto é fundamental para que se compreenda que a formação de um complexo territorial das dimensões de São Paulo não representa apenas uma expressão geográfica de economias de aglomeração, mas também - e principalmente - uma fonte de crescimento da produtividade industrial, isto é de acumulação de capital no sentido clássico. Para Storper (1991: 16):

"A dinâmica da industrialização está fortemente associada à urbanização, porque as inovações técnicas no curso do desenvolvimento dos setores líderes são freqüentemente conseguidos no interior de complexos urbano-industriais (...) A complexidade das relações inter-firmas, combinada com as estruturas do mercado de trabalho dos centros territoriais de crescimento, garante que o centro territorial será o foco de inovações tecnológicas em produtos e processos."

Não se trata apenas da urbanização enquanto processo geral, pois a lógica da divisão territorial e da concorrência no interior do conjunto dos setores produtivos dominantes faz com que as cidades se organizem hierarquicamente em uma rede urbana, enquanto expressão da integração territorial do mercado nacional. Storper associa a configuração da rede urbana ao padrão de industrialização definido pelo conjunto dos setores dominantes, visto como aqueles que empregam grande número de trabalhadores, possuem altas taxas de crescimento do produto e/ou do emprego, dispõem de grandes efeitos propulsores nos setores a jusante e produzem bens de capital ou bens de consumo de massa. Assim, segundo este autor pode-se distinguir quatro fases distintas, que coincidem grosso modo com os ciclos de inovação de Schumpeter.

"A idade têxtil do capitalismo no início do século XIX, a era do carvão-aço-indústria pesada na virada deste século, ou o período de produção em massa dominado pelos automóveis e bens de consumo duráveis nas décadas que se estendem entre 1920 e 1960. Agora, nós estamos entrando em um período por novas indústrias como a eletrônica e novos setores de serviços como os serviços de apoio à produção." (op. cit.: 17)

Encerrando esta longa exposição, é importante observar que Storper procura relacionar os padrões de integração, expressos fundamentalmente nos complexos territoriais e na rede urbana, às diferentes fase do capitalismo industrial. Com isto, abre a possibilidade de que a nova configuração produtiva que emerge da crise e reestruturação da economia mundial na década de 70 venha a alterar a distribuição territorial do investimento, inclusive nos países de capitalismo tardio e periférico, no processo que Richardson (1980) denomina de "reversão da polarização", isto é a tendência a uma maior dispersão espacial do investimento, revertendo os mecanismos concentradores que caracterizaria o período de substituição de importações em direção a formas territoriais dispersas fundadas na produção flexível.

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A retomada da geoeconomia

O termo geoeconomia (Geoökonomie) foi utilizado originalmente pelos teóricos da economia espacial na Alemanha para caracterizar o campo de conhecimento que procurava introduzir a dimensão espacial como componente fundamental do raciocínio econômico. Autores de Geografia Econômica (Wirtschaftsgeographie), tratavam a geoeconomia como um ramo da economia, marcado pela excessiva abstração, bastante distinto do conhecimento empírico sobre as condições geográficas da produção, distribuição e consumo de bens na superfície da Terra, que era o tema central de seus trabalhos científicos5

Hoje, no entanto, a formação dos blocos supranacionais, tais como a União Européia, o Mercosul6 e o NAFTA7 define novos espaços econômicos, através de instrumentos de política econômica, que vão desde a simples liberalização das trocas comerciais entre os membros do bloco, como é o caso do NAFTA, pela a imposição de Tarifas Externas Comuns (TEC), por formas integradas de regulação dos mercados de trabalho, bens e capitais, até a definição de uma moeda comum, como é o caso do Euro, tende a mostrar que o alcance dos instrumentos clássicos de análise da geografia econômica e da geografia política são insuficientes para interpretar os aspectos dinâmicos da configuração e da gestão do território nesta nova escala de operação das firmas e dos Estados-nações, cujo objetivo principal passa a ser conquistar ou de preservar uma posição vitoriosa no mercado mundial.8.

5 Vide, por exemplo, OTREMBA, Erich (1955). 6 Mercado Comum do Sul 7 Sigla em inglês de North America Free Trade Agreement, isto é Acordo de Livre Comércio da

América do Norte, também conhecido pela sigla francesa ALENA 8 Esta nova dimensão na atuação dos Estados-nações foi descrita como movida fundamentalmente

por aspirações geoeconômicas por LUTTWAK (1990, 1993 e 1999)

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Tabela 1 Principais Blocos Econômicos

Blocos Integrantes Data da Criação

Área Total (em km2)

PIB total (em

milhões de US$ de 1996)

População Total 1997

(em milhões)

PIB per capita

(em US$)

APEC 17 países 1989 43.631.917 15.528.539 2.238 6.938ASEAN 9 países 1967 4.342.410 673.248 487 1.382CARICOM 12 países e 3

territórios 1973 421.796 15.086 * 6 2.514

CEI 12 países 1991 22.100.900 508.722 286 1.778MERCOSUL 6 países

(4 membros plenos e 2

associados)

1991 13.765.669 1.129.078 223,5 5.063

NAFTA 3 países 1988 21.315.771 7.770.986 396 19.623Pacto Andino 5 países 1969 4.721.155 232.622 104 2.236SADC 12 países 1992 6.926.394 170.260 142 1.199União Européia 15 países 1957 3.235.972 8.398.165 373 22.515*Excluindo as Ilhas Virgens Britânicas e as Ilhas Turks e Caicos Fontes: Banco Mundial, Fundo das Nações Unidas para a População A tabela a seguir mostra a importância dos blocos geoeconômicos na economia mundial contemporânea, onde é percebido que a maior parcela da produção e do comércio mundial se fazem intra e inter blocos, embora com uma distribuição bastante desigual entre estes grandes conjuntos econômicos. Neste cenário, a principal noção que serviu de base à geografia econômica, isto é, o mercado nacional, tem hoje reduzido poder de explicação sobre o comportamento dinâmico da produção e distribuição de bens, em grande parte devido às condições de integração transfronteira das cadeias produtivas. Da mesma maneira, a noção de limites, como uma linha divisória entre os territórios e mercados nacionais, perdeu boa parte de sua eficácia devido a fluidez dos circuitos internacionais de bens e capitais.

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Tabela 2

Indicadores de Blocos Econômicos Selecionados Indicador União

Européia NAFTA Japão Tigres

Asiáticos

China Mercosul Índia Rússia Mundo

População (milhões hab.)

373 378 126 249 1.222 215 936 148 5.768

% População mundial

6,5 6,6 2,3 4,3 21,2 3,7 16,2 2,6 100

Comércio (US$ bilhões)

4.446 2.111 717 607 283 173 69 158 10.615

% Comércio mundial

42 19 6,7 5,7 2,7 1,6 0,7 1 100

PIB (US$ bilhões)

8.654 7.932 4.600 961 701 874,6 310 441 29.200

% PIB mundial

29,6 27,2 15,7 3,3 2,4 3 1 1,5 100

Fonte: FMI - Anual Report / FAO - FAOSTAT, 1994

Neste contexto, a categoria analítica que deve ser introduzida é a de mercado doméstico9, onde o domínio é exercido de forma compartilhada por um grupo de firmas, que operam em condições de concorrência oligopólica, que é dinamicamente diferenciado do mercado mundial através do estabelecimento de barreiras à entrada através de instrumentos de política econômica postos em prática pelo Estado-nação, ou por um conjunto de Estados-nações, que não se resumem mais às tarifas, mas que se situam nas condições de introdução de progresso técnico e no controle sobre as redes logísticas de produção e distribuição de bens e serviços10. Assim, a noção de barreiras territoriais é complementar à concepção clássica dos limites na definição do contorno do mercado doméstico.

Do ponto de vista prático, o mercado doméstico é a parcela do mercado mundial, que está sujeita a determinações de política econômica por parte do Estado-nação ou por um acordo entre Estados-nações, que exerce domínio sobre as condições de concorrência nele vigentes. Existem graus diversos de domínio, entretanto, do ponto de vista desta análise, interessa considerar um aspecto importante: a capacidade de definir uma política tarifária e uma política cambial próprias. Neste ponto, são diversos os fatores que atuam no sentido de dar consistência ou fragilizar medidas de política econômica destinadas a reservar o mercado doméstico, ou mesmo ampliar suas dimensões além das fronteiras ter-ritoriais de um Estado-nação através da integração econômica. Um destes fatores, cuja dimensão territorial é fundamental é o poder político e econômico que dispõe certas frações de capital de impor suas regras de articulação e integração com o mercado mundial.

Este processo se deve, em grande parte, às mudanças ocorridas nas condições materiais da produção e distribuição de bens e serviços em função da aplicação da microeletrônica e do processamento digital de informações nas diversas esferas de produção e gestão, permitindo a coordenação, em tempo real, de atividades desenvolvida em localizações as mais diversas, que podem ser integradas rapidamente pela padronização e aceleração dos deslocamentos espaciais através das redes de transportes. A nova

9 Sobre a questão da relação entre mercado doméstico e mercado mundial ver EGLER (1993) 10 Os alcances da concepção geoeconômica sobre o território podem ser vistas em LOROT (1997)

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configuração das estruturas produtivas ampliaram o papel da logística como instrumento de manutenção do domínio sobre os mercados domésticos e de abertura de fronteiras no mercado mundial através da extensão de novas redes.

A relação entre domínios e fronteiras passa a estar diretamente dependente da consolidação e operação das redes logísticas, que não podem estar mais vistas como um conjunto de redes separadas (energia, transportes, comunicações), mas sim uma estrutura integrada, multimodal e interdependente, que é fundamental para garantir o controle sobre porções selecionadas do território, que constituem os novos domínios, de onde se projetam ramos ou linhas de expansão que abrem fronteiras em novas zonas de influência no mercado mundial. Segundo uma concepção logística, competitividade está diretamente vinculada, não apenas à densidade ou à extensão das redes, mas também à sua confiabilidade, expressa na no seu caráter permanente e pouco vulnerável a perdas ou a rupturas temporárias. Neste aspecto as redes técnicas mudam as distâncias relativas e as condições específicas dos lugares. Se o estoque de riqueza pode ser considerado como atributo do lugar, sua capacidade de gerar fluxos de renda está definida pelas condições que o ligam aos outros lugares, isto é sua conectvidade às redes técnicas.

Por final, a introdução da dimensão geoeconômica traz a luz sobre um aspecto que foi considerado de forma marginal na geografia econômica: a dimensão ambiental. A geoeconomia introduz esta dimensão como uma variável importante da concorrência, seja na medida em que a capacidade de suporte passa a ser um instrumento de regulação das práticas econômicas, bem como a variável ambiental passa integrar as estratégias de criação de barreiras à entrada através do estabelecimento de normas tais como a ISO 9.000 e a ISO 14.000. A introdução das barreiras ambientais pressupõe também a adoção de instrumentos de regulação compatíveis com esta dimensão. Tais instrumentos podem prever o controle sobre o estoque de determinados recursos em áreas sob o controle de algum país membro do bloco, ou mesmo determinar a qualidade dos produtos dentro do bloco. É importante também considerar esta dimensão no que diz respeito ao controle sobre os recursos genéticos, naturais ou produzidos, que passa a integrar uma fronteira entre a tecnologia e a ecologia.

Integração regional no Mercosul O MERCOSUL constitui um ambicioso projeto de integração territorial,

relativamente independente dos planos norte-americanos para a América ao sul do Equador, que se defronta com sérias dificuldades para sua efetiva implementação. O Tratado de Assunção (1991), firmado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai prevê a criação de uma união aduaneira, nos moldes definido por Viner (1950), que progressivamente se ajustaria na consolidação de um mercado unificado, nos moldes adotados originalmente pelo Tratado de Roma (1957) para a formação do Mercado Comum Europeu.

O tratado previa a data de 25 de janeiro de 1995 para a eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias entre os países membros, postulando a livre circulação de bens e serviços no interior deste mercado doméstico supranacional que teria uma única tarifa externa comum. Independente dos problemas derivados das políticas macroeconômicas dos signatários do acordo, que diga-se de passagem não são poucos principalmente considerando a diversidade de políticas monetárias e cambiais, a questão central reside nos impactos que a unificação produzirá sobre as estruturas produtivas nacionais e sobre seus segmentos regionais.

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Dadas as características próprias das duas principais economias que buscam a integração: o Brasil e a Argentina, os efeitos do mercado unificado serão particularmente intensos nos respectivos complexos agroindustriais. Desde a metade dos anos oitenta o Brasil vem aumentando significativamente suas importações de produtos agrícolas dos demais membros do MERCOSUL. Em 1985, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai eram responsáveis por cerca de um terço do fornecimento de bens agrícolas importados pela economia nacional. Com um crescimento regular durante o último quinquênio, este valor atingiu 60 % em 1990, principalmente em trigo, milho, soja e derivados da pecuária.

É importante observar que grandes empresas dos complexos químico e metal-mecânico já estão definindo estratégias de operação para atuar no mercado supranacional. A Scania, cuja fábrica na Argentina já foi concebida dentro desta visão, exporta motores, eixos e outras peças e componentes para sua filial no Brasil. Na mesma direção, embora em menor escala, a Volkswagen possui um esquema de complementação transfronteira com um projeto de investimento, com valores superiores a US$ 200 milhões para a produção de caixas-ponte na Argentina, com previsão de 90 % das vendas serem destinadas à montadora no Brasil (Porta, 1991: 109-10).

No caso especial do Rio de Janeiro, a implantação de duas montadoras de automóveis e caminhões: a Volkswagen e a Pegeout, nos municípios de Resende e Porto Real, respectivamente, representam o resultado da aplicação do Regime Automotivo Brasileiro, que prevê tratamento especial para as montadoras que se implantem no território nacional, permitindo cotas de importações diferenciadas na escala do MERCOSUL, o que fez com que a concorrência entre elas forçasse a uma mudança da escala de operação, isto é, do mercado doméstico nacional para o MERCOSUL.

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QUADRO 1 – MERCOSUL – Breve Histórico 1960 Assinatura do primeiro Tratado de Montevidéu, criando a Associação latino-

americana de livre comércio (ALALC); 1967 Conferência de Punta del Este dos chefes de estado americanos; "mercado

comum latino-americano" em um intervalo máximo (não superior a) de 15 anos, a partir de 1970;

1969 Criação do Grupo Andino, pelo Acordo de Cartagena; 1980 Assinatura do segundo Tratado de Montevidéu, que criou a Associação Latino-

americana de Integração (ALADI); 1985 Argentina e Brasil iniciam um processo de integração bilateral; 1986 "Ato pela integração Brasil-Argentina (29 de julho): programa de integração e

de cooperação econômica de caráter "gradual, flexível e equilibrado"; 1988 "Tratado de Integração, cooperação e desenvolvimento" (29 de novembro)

entre o Brasil e a Argentina; criação de um mercado comum em dez anos; 1990 "Iniciativa pelas Américas ", do Presidente George Bush: zona de livre

comércio do Alasca até a Terra do Fogo; o México é o primeiro candidato; 1990 "Ata de Buenos Aires"(6 de julho): decisão de criar o mercado comum bilateral

Brasil-Argentina até 31 de dezembro de 1994; 1991 "Tratado de Assunção"(26 de março) "para a constituição de um mercado

comum entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai até 31 de dezembro de 1994; o tratado adota os mecanismos fixados no programa Brasil - Argentina;

1992 "Acordo de cooperação inter-institucional entre a Comissão das Comunidades Européias e as instituições do Mercosul;

1993 O Brasil propõe os acordos de livre comércio com os outros países da América do Sul. Conclusão da negociação do NAFTA (ALCAN) entre o México, o Canadá e os Estados Unidos, que entra em vigor em 1 de janeiro de 1994;

1993-94 Negociações da tarifa exterior comum no Mercosul; listas nacionais de exclusão;

1994 O Brasil propõe uma área de livre-comércio na América do Sul (ALCAS); 1994 "Summit of Americas"(9-11 de dezembro) em Miami, negociações para criar

uma zona de livre-comércio hemisférica antes de 2005; 1994 "Protocolo de Ouro Preto" (17 de dezembro), que modifica o Tratado de

Assunção; 1995 Entrada em vigor da união aduaneira (parcial) do Mercosul, ao 1 de janeiro, se

negocia conjuntamente com a UE e a OMC; Esta mudança de escala afetou diretamente as redes logísticas regionais, desde os

portos até os sistemas de armazenamento e despacho. A ampliação da participação da FIAT no MERCOSUL, com a integração produtiva de suas unidades fabris no Brasill e na Argentina, fez com que os portos do Rio de Janeiro e Vitória e as rodovias que os ligam a Belo Horizonte fossem transformados em extensões da própria fábrica, transportando veículos montados, prontos para montagem (CKD) e partes, peças e componentes entre as diversas unidades fabris.

Nesse quadro, os desdobramentos territoriais da integração econômica vão afetar de modo desigual as economias regionais brasileiras, introduzindo transformações que podem alterar s posições relativas entre elas. No caso do presente projeto de pesquisas, procurou-se avaliar os impactos da integração econômica, através do MERCOSUL sobre a estrutura produtiva dos complexos químico e metal-mecânico no Estado do Rio de Janeiro,

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detalhando a escala geográfica de análise ao nível das áreas industriais do Médio Vale Fluminense do Paraíba do Sul e Metropolitana do Rio de Janeiro, onde grandes projetos de infra-estrutura, como o Porto de Sepetiba, e industriais, como a implantação da Volkswagen, em Resende, e do Pólo Gás-Petroquímico, em Duque de Caxias, que manifestam, não apenas um novo padrão tecnológico de operação industrial, como também expressam novas formas de atuação dos governos estadual e municipais, que merecem um estudo detalhado para avaliar seus efeitos sobre o desenvolvimento regional no Estado.

Conflitos e ajustes no processo de integração do Cone Sul

O processo de integração no Cone Sul da América, embora tenha realizado avanços significativos do ponto de vista econômico, ainda encontra restrições quanto à produção de conhecimento sobre suas reais dimensões. Isto é particularmente relevante no que diz respeito às novas territorialidades engendradas pela formação de cadeias produtivas e redes transfronteiriças, tanto formais como informais, que estão afetando, direta e indiretamente, a vida de populações, tanto nas metrópoles como nas margens dos territórios nacionais dos países signatários do Tratado de Assunção.

Diversos aspectos ainda continuam pendentes no que diz respeito aos avanços da integração geoeconômica no Cone Sul. Do ponto de vista global, a proposta norte-americana de constituição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), unificando tarifas e abrindo mercados desde o Alasca até a Terra do Fogo, enfraquece as alternativas regionais de uma negociação em bloco, não apenas com os Estados Unidos, mas com a denominada ‘Tríade’, isto é, incluindo a União Européia e o Japão. Estas negociações têm encontrado dificuldades das mais variadas ordens, mas que em grande parte refletem interesses domésticos, que não cedem os privilégios conseguidos. Este é, por exemplo, o caso dos subsídios garantidos pela UE a certos produtos agrícolas sensíveis, como o açúcar, o que tem feito com que a França vete sistematicamente qualquer possibilidade de negociação direta entre a UE e o Mercosul.

O problema do açúcar também azeda as relações entre os dois principais parceiros do Mercosul: o Brasil e a Argentina. Sob o argumento de que o Brasil fornece subsídios indiretos à produção açucareira através do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), os argentinos mantém uma sobretaxa sobre as importações de açúcar brasileiro que tem servido para manter ainda em funcionamento a economia açucareira da Província de Tucumán, que é incapaz de atingir os níveis de produtividade alcançados pelas usinas e fazendas do Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Pode-se adicionar ao açúcar, diversos outros produtos agro-industriais que são fontes potenciais de conflitos, como é o exemplo dos lácteos e da soja.

No caso da soja, Brasil e Argentina são competidores diretos no mercado mundial, já que as safras são coincidentes e ingressam ao mesmo tempo nos centros compradores. A questão se torna mais complexa quando que se observa que a produção brasileira tem se deslocado espacialmente da Região Sul para o Centro-Oeste, buscando inclusive novas alternativas de saída para os mercados no hemisfério norte, a soja argentina conquistou seu território sobre as áreas tradicionais de pecuária e tem elevado sua produtividade através da introdução de sementes transgênicas, que já responde por cerca de 60% da produção desta oleaginosa no território argentino. No Brasil, a controvérsia sobre a legalização dos cultivos trangênicos ainda permanece, com setores sociais que se posicionam frontalmente contra estas novas variedades. Independente destas posições, o uso de sementes transgênicas está

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funcionando como um instrumento de segmentação do mercado mundial da soja, já que enquanto a União Européia tem resistido a compra de soja geneticamente modificada, os EUA o fazem sem nenhuma restrição.

Outro aspecto que tem separado Brasil e Argentina no cenário mundial é quanto ao padrão monetário e as formas de administração de sua política cambial. Ambos os países enfrentaram processos inflacionários crônicos desde o início da década de 80 e experimentaram sucessivos planos de estabilização que modificaram profundamente os respectivas moedas nacionais. A Argentina conseguiu atingir um padrão monetário estável através da convertibilidade ao dólar e hoje propõe a dolarização total de sua economia, através de um acordo monetário com os EUA, o que não tem sido aceito pelos norte-americanos, que não querem assumir nenhuma responsabilidade pela manutenção da estabilidade monetária fora dos limites estritos do NAFTA.

Neste sentido, é importante destacar que os problemas financeiros no interior do bloco conduziram a primeira crise econômica do Mercosul em seu conjunto, que não se manifesta apenas na disparidade de políticas monetárias e cambiais dos países membros, mas principalmente no complexo industrial mais integrado na escala supranacional, isto é o metal-mecânico em seu segmento automotivo. As dificuldades enfrentadas pelo Brasil e Argentina para renegociar um Acordo automotivo no âmbito do Mercosul refletem os problemas de financiamento e estruturação do complexo ao nível do mercado integrado. Firmas como a Volkswagen, a Ford, a Fiat, a Renaut, dentre outras, já estão implantadas nos dois lados da fronteira e com cadeias produtivas que se complementam mutuamente. A grande questão está em ampliar suas áreas de mercado para além do Mercosul, onde certamente encontram a presença de concorrentes, principalmente japonesas, como é o caso do Chile e do Peru.

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Figura 1

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CaliBogota

Caracas

Brasilia

Porto Alegre

MontevideuBuenos Aires

Assunção

São Paulo

Curitiba

Belo Horizonte

Rio de Janeiro

Belém

Caiena

GeorgetownParamaribo

Salvador

Fortaleza

Recife

Tamanho Urbano (circa 1993)

" Até 500.000 hab.

" Até 2.500.000 hab

" Mais de 5.000.000 hab.

Legenda

Limites internacionais

Rios Principais

Rodovias Pavimentadas

Ferrovias

" Cidades principais

km

2000

América do Sul

Redes Logísticas e Principais Cidades

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Integração Econômica e Redes Logísticas no Cone Sul Claudio A. Egler∗

Apresentação O presente texto tem como objetivo discutir, do ponto de vista geoeconômico, o

processo de integração regional no Cone Sul da América, procurando analisar o papel geoestratégico das redes logísticas e avaliando a conectividade do sistema de cidades em construção na escala do Cone Sul.

Brasil e Argentina têm uma larga história de ajustes e conflitos em torno de seus interesses geopolíticos sobre o Cone Sul do continente americano. Boa parte deste processo se desenvolveu sobre dois cenários interligados: a Bacia do Rio da Prata e o Atlântico Sul. Hoje, o MERCOSUL representa uma tentativa de estabelecer laços permanentes de colaboração entre estas duas nações, entretanto, os principais problemas a serem vencidos não se situam mais na órbita geopolítica, mas sim nos terreno da geoeconomia e se manifestam em propostas distintas quanto às formas de inserção das respectivas economias nacionais na economia mundial.

Tais propostas se expressam em um leque diferenciado de questões, que vão desde o uso e gestão dos recursos naturais até sobre a propriedade e o controle sobre as inovações tecnológicas. Neste trabalho serão discutidas algumas destas questões ao nível do Cone Sul da América, procurando mostrar que se situam em um novo campo de forças, definido pelas relações geoeconômicas entre os estados-nações, em suas diversas escalas de operação, e as empresas transnacionais, que operam com redes produtivas que estendem-se para alem das fronteiras nacionais.

Integração econômica regional: alcances e limites O termo geoeconomia (geoökonomie) foi utilizado originalmente pelos teóricos da

economia espacial na Alemanha para caracterizar o campo de conhecimento que procurava introduzir a dimensão espacial como componente fundamental do raciocínio econômico. Autores de Geografia Econômica (Wirtschaftsgeographie), tratavam a geoeconomia como um ramo da economia, marcado pela excessiva abstração, bastante distinto do conhecimento empírico sobre as condições geográficas da produção, distribuição e consumo de bens na superfície da Terra, que era o tema central de seus trabalhos científicos.

A formação dos blocos supranacionais, tais como a União Européia, o Mercosul e o NAFTA e com as propostas atuais de constituição de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), unindo em um mesmo sistema de tarifas o território que se estende desde a Terra do Fogo até o Alasca, define novos espaços econômicos, através de instrumentos de política econômica, que vão desde a simples liberalização das trocas comerciais entre os membros do bloco, como é o caso do NAFTA, passando pela a imposição de Tarifas Externas Comuns (TEC) passando por formas integradas de regulação dos mercados de trabalho, bens e capitais, até a definição de uma moeda comum, como é o caso do Euro, tende a mostrar que o alcance dos instrumentos clássicos de análise da

∗ Professor do Departamento de Geografia e Pesquisador do CNPq no Laboratório de Gestão do

Território.

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geografia econômica e da geografia política são insuficientes para interpretar os aspectos dinâmicos da configuração e da gestão do território nesta nova escala de operação das firmas e dos Estados-nações.

Neste cenário, a principal noção que serviu de base à geografia econômica, isto é, o mercado nacional, tem hoje reduzido poder de explicação sobre o comportamento dinâmico da produção e distribuição de bens, em grande parte devido às condições de integração transfronteira das cadeias produtivas. Da mesma maneira, a noção de limites, como uma linha divisória entre os territórios e mercados nacionais, devido a fluidez dos circuitos internacionais de bens e capitais, perdeu boa parte de seu poder explicativo, na medida em que os instrumentos clássicos de atuação do Estado-nação perdem seu poder de estabelecer fronteiras, em função do poder que dispõem as firmas transnacionais para delimitar, através de mecanismos econômicos, suas respectivas áreas de influência.

A categoria que deve ser introduzida é a de mercado doméstico, onde o domínio é exercido por um grupo de firmas, operando sob condições de concorrência oligopólica, que é dinamicamente diferenciado do mercado mundial através do estabelecimento de barreiras à entrada de concorrentes através de instrumentos de política econômica que não se resumem mais às tarifas, mas que se situam nas condições de introdução de progresso técnico e no controle sobre as redes logísticas de produção e distribuição de bens e serviços. Neste sentido, a noção de barreiras territoriais é complementar à concepção clássica dos limites na definição do mercado doméstico para as firmas que nele operam e procuram impedir a entrada de novos concorrentes.

Do ponto de vista prático, o mercado doméstico é a parcela do mercado mundial, que está sujeita a determinações de política econômica por parte do Estado-nação ou por um acordo entre Estados-nações, que exerce domínio sobre as condições de concorrência nele vigentes. Existem graus diversos de domínio, entretanto, do ponto de vista desta análise, interessa considerar um aspecto importante: a capacidade de definir uma política tarifária e uma política cambial próprias. Neste ponto, são diversos os fatores que atuam no sentido de dar consistência ou fragilizar medidas de política econômica destinadas a reservar o mercado doméstico, ou mesmo ampliar suas dimensões além das fronteiras ter-ritoriais de um Estado-nação através da integração econômica. Um destes fatores, cuja dimensão territorial é fundamental é o poder político e econômico que dispõe certas frações de capital de impor suas regras de articulação e integração com o mercado mundial.

Esse processo se deve, em grande parte, às mudanças ocorridas nas condições materiais da produção e distribuição de bens e serviços em função da aplicação da microeletrônica e do processamento digital de informações nas diversas esferas de produção e gestão, permitindo a coordenação, em tempo real, de atividades desenvolvida em localizações as mais diversas, que podem ser integradas rapidamente pela padronização e aceleração dos deslocamentos espaciais através das redes de transportes. É o que pode-se denominar de estruturas produtivas multilocacionais.

A nova configuração das estruturas produtivas ampliaram o papel da logística como instrumento de manutenção do domínio sobre os mercados domésticos e de abertura de novas fronteiras através da extensão de novas redes.

As novas estruturas espaciais que estão se conformando nesse contexto caracterizam-se por alterações significativas na divisão territorial do trabalho entre as cidades que formam os sistemas urbanos nacionais.. As indústrias que foram os motores do padrão “fordista” foram obrigadas a uma radical reestruturação de seu padrão, que passa a

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ser caracterizado pela procura de formas de produção mais flexíveis e interconectadas, além da utilização crescente de mercados de trabalho fragmentados.

Conectividade espacial e a divisão territorial do trabalho Todas essas mudanças econômicas influenciaram a organização da hierarquia

urbana. Os grandes pólos industriais tradicionais geralmente entraram em declínio, arrastando a região vizinha, apesar de algumas reconversões bem sucedidas. Paralelamente, as novas formas de produção encontraram menos restrições na localização de suas atividades. Apesar disso, assistimos a uma reconcentração espacial ligada aos imperativos da organização industrial e a qualidade dos mercados do trabalho. A aglomeração espacial permite reduzir os custos da troca, além de aumentar as externalidades positivas. Podem-se também observar o desenvolvimento rápido de centros urbanos intermediários, cujo crescimento está relacionado aos circuitos do capitalismo mundial, Muitas vezes, o responsável pela difusão do crescimento não é mais a firma, mais sim o tecido produtivo e gerencial, conformando o que se passou a denominar de “cidade-região”.

Neste ponto, assume especial importância a dimensão da conectividade entre as cidades, que não depende mais da distância física entre elas, mas sim de uma estrutura de fluxos mais ou menos estáveis, mantidos por agentes públicos e privados, que refletem – não apenas as características do passado, mas também as novas formas de inserção no mercado mundial. Estes fluxos são proporcionais a rede de influência que as cidades exercem sobre o seu espaço imediato e pelo que deles recebem, que passa a ser um elemento de posicionamento da cidade na estrutura urbana.

A operação multilocacional das firmas transnacionais é um dos fatores que explicam a perda de capacidade fiscal e financeira dos Estados nacionais, que vêm reduzindo seu poder regulatório sobre os mercados domésticos, com especial ênfase no esvaziamento do papel da moeda, enquanto meio de definir o espaço das relações salariais.

Nesse contexto, novos instrumentos geoeconômicos são postos em prática para tentar delimitar o território econômico. Dentre esses instrumentos, assume especial importância a capacidade, tanto do setor privado, como público, de atrair e fixar fundos financeiros globais. Esta capacidade, que assume sua expressão mais nítida nos diferenciais de risco atribuídos pelas agências de classificação, é referenciado a partir da taxa de juros praticada pelas autoridades monetárias norte-americanas.

A institucionalização da Organização Mundial do Comércio (OMC), em substituição às periódicas rodadas do GATT, deu foro global a uma série de medidas regulatórias das trocas internacionais, na sua grande maioria assimétricas em relação aos países emergentes, que são obrigados a renunciar aos mecanismos de proteção de sua matriz industrial, orientando-se para nichos onde podem contar com algumas “vantagens competitivas”, que muitas vezes provêm apenas de sua dotação de recursos naturais.

Neste aspecto, a capacidade de delimitar um campo econômico relativamente estável, capaz de atrair investimentos de capitais globais, passa a estar diretamente dependente da consolidação e operação das redes logísticas, que não podem estar mais vistas como um conjunto de redes separadas (energia, transportes, comunicações), mas sim uma estrutura integrada, multimodal e interdependente, que é fundamental para garantir o controle sobre porções selecionadas do território, que constituem os novos domínios, de onde se projetam ramos ou linhas de expansão que abrem fronteiras em novas zonas de influência no mercado mundial. Segundo uma concepção logística, competitividade está diretamente vinculada, não apenas à densidade ou à extensão das redes, mas também à sua

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confiabilidade, expressa na no seu caráter permanente e pouco vulnerável a perdas ou a rupturas temporárias. Neste aspecto as redes técnicas mudam as distâncias relativas e as condições específicas dos lugares. Se o estoque de riqueza pode ser considerado como atributo do lugar, sua capacidade de gerar fluxos de renda está definida pelas condições que o ligam aos outros lugares, isto é sua conectividade às redes técnicas.

Reestrutração produtiva e redefinição dos sistemas As cidades desempenharam funções importantes no processo de ocupação do

território, servindo como sítios de suporte ao povoamento, centros de controle político e de armazenamento da produção agro-extrativa, núcleos de conexão com os circuitos mercantis, pólos de crescimento industrial e nós da redes financeira e informacional . Desde o século XVI até os dias atuais, pode-se distinguir diversas formações territoriais, que expressam as distintas relações entre cidade e campo e entre as cidades no processo de desenvolvimento.

A primeira delas é a Formação Territorial Agromercantil Nacional, onde as condições de controle do processo de acumulação se consolidam no território nacional, com o campo constituindo-se como principal fonte de riquezas e a cidade seu locus de comercialização, seja para o mercado mundial, seja para o mercado doméstico que começa a se expandir. Os interesses urbanos estavam, predominantemente, representados pelos comerciantes e funcionários do Estado.

A seguir a Formação Territorial Urbano-industrial Nacional, que caracteriza-se pelo processo de industrialização que passa a determinar a lógica da acumulação endógena. Pode-se distinguir três fases:

1. Fase da Industrialização Restringida, quando a lógica da acumulação ainda dependia viceralmente da capacidade de exportar bens agrícolas, em função de sua dependência da importação de bens de produção do mercado mundial.

2. Fase da Industrialização Pesada, onde o Estado foi responsável por uma expressiva aceleração no ritmo de crescimento do mercado doméstico, que se expressa em novas relações cidade/campo iniciando o processo de constituição da rede urbana integrada a nível nacional. Esta rede era a expressão da do dinamismo do mercado doméstico, que deu sustentação ao processo de industrialização;

3. Fase de Internacionalização Financeira, caracterizada pela crise e esgotamento fiscal e financeiro do Estado Nacional, cuja capacidade de comandar o processo de industrialização foi seriamente comprometido pelo endividamento interno e externo e a lógica do investimento passa a ser diretamente comandada por empresas transnacionais e pela presença do capital privado a elas associado. O período se caracteriza pela redução do ritmo de crescimento das grandes metrópoles e pela emergência de novos centros dinâmicos. Nesta fase, a orientação do processo de industrialização passa a responder à dinâmica de uma estrutura de mercado que não está mais restrita às dimensões do território nacional, mas orienta-se para a consolidação de cadeias produtivas, destinadas a ocupar o mercado sul-americano e competir em escala mundial.

Neste sentido, embora prematuramente, seria possível definir a emergência de uma nova Formação Territorial, cuja delimitação sugere dimensões transfronteiriças e cujo ritmo de acumulação está determinado pela capacidade de conquistar fundos privados, seja no mercado doméstico ou mundial, viabilizada - em grande parte, pelas políticas cambiais e monetárias do Estado-Nação, que passa a cooperar e/ou competir com outros Estados-

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Nações pela captura destes fundos privados. A título provisório podemos denominá-la de Formação Territorial Urbano-financeira Supranacional.

Um novo quadro conceitual está se desenvolvendo que leva em consideração as mutações ocorridas no processo mundial de urbanização nesses últimos anos. Podemos observar a emergência de três novos conceitos. O primeiro se refere as redes ou sistemas de cidades. Ele traduz muito bem as interações existentes entre as cidades e a importância crescente da noção de circulação entre os pólos de crescimento. Essa abordagem evidencia o progresso dos transportes e das telecomunicações numa época caracterizada pela importância das circulações dos bens, das pessoas e cada vez mais das informações. Enfim, o poder de difusão da inovação representa um fator essencial na dinâmica dos sistemas de cidades. Esses processos, provocam três mutações significativas:

- a de hierarquização dos pólos de nível inferior devido ao crescimento regular das relações horizontais entre eles. A conseqüência maior desse processo é a especialização crescente das cidades intermediárias;

- a permanência e/ou reforço das polarizações nacionais tradicionais. As grandes capitais são as cidades que beneficiam o mais do processo de mundialização da economia. Assim trinta anos depois da tentativa de implementar pólos de equilíbrio territorial na França, podemos observar que o peso de Paris na economia francesa aumentou;

- a emergência de metrópoles internacionais e de algumas cidades mundiais. A primeira pode ser definida como uma cidade que participa plenamente das redes econômicas, científicas e culturais supranacionais, graças a existência de serviços de alta qualidade, de grandes laboratórios de pesquisa, de equipamentos culturais, a organização de congressos e feiras internacionais etc.

Pode-se também ressaltar as mudanças na morfologia das redes de cidades. Se a organização tradicional em teia de aranha é uma realidade na maior parte do mundo em desenvolvimento, nos países industrializados, ao modelo chamado de hub and spokes (núcleo e raios) desenha redes em forma de estrelas. Esse modelo é a representação espacial dos maiores fluxos de bens, pessoas e de informações entre as grandes cidades que atravessam espaços intersticiais incapazes de captar, mesmo que parcialmente, esses fluxos que impulsionam o crescimento econômico. Falamos de um ‘‘efeito túnel’’ que gera zonas de exclusão no espaço entres os pólos urbanos mais dinâmicos.

O segundo conceito de organização dos sistemas de cidades corresponde ao modelo de metropolização que traduz a emergência de grandes centros urbanos, as vezes qualificados de pós-industriais, que exercem uma polarização cada vez maior sobre territórios cada vez mais amplos. Os geógrafos norte-americanos colocaram cedo em evidência o processo de concentração-internacionalização do capital e a intensificação de sua rentabilidade em conseqüência da nova distribuição das populações e das atividades nas grandes metrópoles. Esses centros metropolitanos internacionais tem o verdadeiro poder de comando dentro da economia-mundo contemporânea. Em efeito, eles privilegiam as funções gerenciais, os serviços superiores (atividades financeiras, imobiliárias, serviços informáticos, de consultoria, seguros, marketing etc.), as relações transnacionais, além da inovação científica e tecnológica. Assim os empregos gerados por essas atividades são tanto altamente qualificados, como também mais tradicionais e menos qualificados ( funções comercial e logística etc.). Esses últimos, são empregos que oferecem pouca segurança aos trabalhadores, que são em maioria jovens e mulheres cujos salários são normalmente inferiores remuneração metropolitana mediana.

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Apesar de uma fragmentação social e territorial crescente, as metrópoles internacionais se apresentam como os nós de múltiplas redes de comunicações materiais e imateriais, que contribuem de maneira decisiva a reorganização do espaço em regiões de influencia cada vez mais amplas. A polarização exercida pelas metrópoles internacionais é ainda reforçada pela atração sobre as populações jovens que migram das cidades menores em direção a essas aglomerações, que ainda oferecem uma perspectiva de remuneração melhor, possibilidades de ascensão social, melhores possibilidades de acesso à infra-estrutura e serviços urbanos, assim como equipamentos culturais e de lazer mais sofisticados e diferenciados.

O novo modelo metropolitano de estruturação territorial, tende assim a recolocar em questão o projeto de novas organizações urbanas estruturadas em torno do conceito de uma difusão amplamente decentralizada da inovação tecnológica a partir de pólos de excelência instalados em cidades intermediarias. A integração dessas últimas à rede das aglomerações internacionais supõe infra-estruturas pesadas (aeroportos internacionais, teleportos etc.), um parque imobiliário comercial de alto nível, redes de serviços de grande qualidade e equipamentos culturais suscetíveis de atrair os executivos das firmas multinacionais. Nesse sentido, uma transformação profunda da hierarquia urbana aparece ainda prematura mesmo se as megacidades internacionais, as mais sujeitas as oscilações da conjuntura econômica conhecem dificuldades (multiplicações das externalidades negativas) que favorecem um certo processo de descentralização das atividades nas regiões limítrofes, como nas edge cities.

A Agenda dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENIDs)

A formulação da proposta dos Eixos de Desenvolvimento origina-se de duas vertentes básicas. A primeira diz respeito aos estudos do GEIPOT acerca dos principais estrangulamentos dos chamados “corredores de transportes” necessários para reduzir o “custo Brasil” que oneravam, e ainda oneram, as exportações de produtos do complexo agroindustrial que, nas últimas décadas, conquistou definitivamente os Cerrados centrais para a agropecuária tecnificada.

A segunda via foi gestada durante a passagem de Eliezer Batista da Silva pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR) durante o Governo Collor, quando algumas de suas idéias assumiram a forma preliminar em um mapa que indicava os principais corredores logísticos necessários, em sua concepção, para vencer os gargalos internos de infra-estrutura e aumentar a eficiência da integração do território nacional na economia mundial.

Posteriormente, em fins de 1994, este estudo foi apresentado a Fernando Henrique Cardoso, que acabava de vencer as eleições e estava compondo sua equipe de governo e colhendo propostas para o mandato que então se iniciava. Estas idéias tiveram acolhida na equipe presidencial e passaram a integrar os esboços destinados a elaboração do Plano Plurianual de Investimentos (PPA) para o período 1996-99, que quando veio a público, em meados de 1996, recebeu a denominação de “Programa Brasil em Ação”, definido pelo governo como um novo “Plano de Metas”, em uma referência tardia aos investimentos do período Kubitschek que alavancaram a industrialização pesada no Brasil..

O PPA 1996-99 introduziu a noção de eixos de desenvolvimento, vistos como instrumentos de integração nacional e continental e de redução dos desequilíbrios

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espaciais11. Neste documento, os eixos são vistos como grupamentos de projetos de infra-estrutura, voltados para “ a maior integração das regiões brasileiras e à abertura de novas fronteiras de investimentos”. Esta “nova geografia econômica do País” partia do pressuposto de que “a concentração e coordenação das intervenções em determinadas regiões provocam impactos mais positivos sobre o restante do sistema econômico nacional e regional do que uma atuação dispersa ou generalizada.”

Neste contexto, é notório que a concepção dos eixos representa uma redefinição logística e uma ampliação espacial da noção dos pólos de desenvolvimento, bastante generalizada no discurso oficial do planejamento brasileiro durante os anos setenta. A grande diferença está em que para a visão dos pólos o destaque estava nos lugares, isto é, nos centros regionais, de onde se difundiria o crescimento polarizado através das redes que os conectavam a outros lugares.

Nos eixos de desenvolvimento, o foco se deslocou para as redes, cuja integração e modernização passa a ser fundamental para a dinamização dos lugares, o que significa em linguagem geoeconômica, privilegiar os fluxos em relação aos estoques. Esta visão poderia estar coerente com as novas formulações da logística no que diz respeito ao aumento da velocidade e a eficiência dos sistemas multimodais de transportes e comunicações, entretanto nada está dito que signifique um ganho efetivo na renda e na qualidade de vida dos lugares, cuja posição na estrutura espacial poderia, tanto ser reforçada, como assumir uma situação marginal.

No PPA 1996-99 foram definidos cinco eixos de integração nacional e dois de integração continental, são eles (Vide Figura 1):

a) Eixos Nacionais: 1. Eixo de integração norte-sul, destinado a fortalecer os meios de transporte

destinados ao escoamento da produção agroindustrial e agropecuária dos cerrados centrais, envolvendo o oeste da Bahia, o sudoeste do Piauí, o su1 do Maranhão, o Tocantins e parte do Estado de Goiás; Entre os principais projetos que foram considerados estão o trecho da Ferrovia Norte-Su1 entre Imperatriz(MA) / Estreito (MA) e a Hidrovia do Araguaia-Tocantins;

2 Eixo de integração oeste, destinado a consolidar o desenvolvimento das áreas de expansão recente da fronteira agrícola do Pais, ligando os Estados do Acre e Rondônia com os Estados da Região Centro-Su1 e Sul, passando pelo Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Os investimentos projetados concentravam-se no fortalecimento da malha ferroviária e na restauração/reconstrução de rodovias troncais. O principal projeto é a implantação da FERRONORTE, entre Aparecida do Taboado (MS) e Alto Araguaia (MT), que vem sendo finalizado pela iniciativa privada. Destacava-se também neste eixo a construção do gasoduto Bolívia-Brasil, que iniciaria-se com 32" de diâmetro em Rio Grande, na Bolívia, alcança a fronteira com o Brasil no Mato Grosso do Sul (Puerto Suarez-Corumbá) e segue com o mesmo diâmetro até Campinas (1.257 km no trecho Corumbá-Campinas). Daí, divide-se em dois ramais principais com diâmetros de 24". O primeiro segue até Guararema, em São Paulo, onde se interliga com o sistema de dutos da Petrobrás (São Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte), e o segundo, até Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas).;

11 Brasil, Ministério do Planejamento. Plano Plurianual 1996-99. Brasília, 1996, pg. 38

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3. Eixos de integração do nordeste, voltado principalmente para a recuperação e a expansão da base de infra-estrutura da Região, especialmente na área dos transportes. A conformação de um corredor de transportes intermodal, baseado na revitalização da Hidrovia do São Francisco, na modernização e ampliação da malha ferroviária, particularmente pela implantação do trecho Petrolina-Salgueiro da Transnordestina, eram os principais projetos, além da adequação e da ampliação do Porto de Suape (PE);

4. Eixos de integração sudeste. Os empreendimentos previstos contemplavam a

adequação da infra-estrutura rodoviária da Região. Os principais projetos visam reestruturar e adequar a capacidade de rodovias troncais, destacando-se a duplicação da BR-381 (Fernão Dias), entre Belo Horizonte e São Paulo;

5. Eixos de integração sul, que envolviam intervenções para adequar as malhas de transporte intermodais necessárias à melhoria dos eixos de articulação entre as Regiões Sudeste e Su1 do Pais. Concentravam-se em rodovias integradoras, incluindo obras de duplicação, restauração e reconstrução de rodovias existentes. O principal projeto foi a duplicação das BR-116/BR-376/BR-101, entre São Paulo e Florianópolis. No setor ferroviário, deu-se a prioridade à implantação da Ferroeste, ligando Guarapuava (PR) a Dourados (MS), numa extensão de 645 km. Complementavam os investimentos nesses eixos de integração as obras de adequação e modernização dos Portos de Paranaguá e Rio Grande, de melhoria da navegabilidade nas Hidrovias do Paraná e do Paraguai, além da construção da ponte entre São Borja (Brasil) e São Tomé (Argentina).

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Goiânia

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Porto Velho

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Boa Vista

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Salvador

Belo Horizonte

Sao PauloRio de Janeiro

Vitória

Fortaleza

Teresina

Sao Luis

Maceió

Aracajú

Natal

RecifeJoao Pessoa

BOLIVIA

CHILE

PERU

ARGENTINA

URUGUAI

PARAGUAI

Principais EixosSaída para o Caribe

Saída para o Pacífico

Eixo Norte-Sul

Eixo Sul

Eixo Sudeste

Eixo Nordeste

Eixo Oeste

Legenda

Estados da Federação

Limites Internacionais

% Capital Federal

! Capitais Estaduais

Eixos de Desenvolvimento

km10005000

Brasil e América do SulEixos de Integração Nacional e Continental

Fonte: IBGE - Mapa da Série Brasil Geográfico - Escala 1:5.000.000MPO - Plano Plurianual 1996-99

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Principais EixosSaída para o Caribe

Saída para o Pacífico

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Eixo Sudeste

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Principais EixosSaída para o Caribe

Saída para o Pacífico

Eixo Norte-Sul

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Eixo Nordeste

Eixo Oeste

Legenda

Estados da Federação

Limites Internacionais

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Eixos de Desenvolvimento

km10005000

Brasil e América do SulEixos de Integração Nacional e Continental

Fonte: IBGE - Mapa da Série Brasil Geográfico - Escala 1:5.000.000MPO - Plano Plurianual 1996-99

Figura 1

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b) Eixos Continentais 1. Saída para o Caribe: os projetos considerados nesse eixo estavam voltados para

a consolidação de rodovias integradoras do Pais com os mercados do Caribe e Atlântico Norte. O empreendimento mais importante era a complementação da pavimentação da BR-174, entre Manaus (AM) e Caracaraí (RR);

2. Saída para o Pacífico: os projetos que foram previstos para este eixo estavam direcionados para a consolidação da ligação com as fronteiras do Peru e Bolívia, que favoreceriam a integração com esses países e o futuro acesso terrestre do Brasil a portos localizados no Pacifico. Na área rodoviária, estavam previstas obras de construção e/ou recuperação em trecho de 350 km de extensão da BR-317, que liga Rio Branco (AC) a Assis Brasil (AC), na fronteira com o Peru. Deveria, também, ser construído trecho de 90 km de extensão, ligando Abunâ (RO) a Guajará Mirim (RO), na fronteira com a Bolívia. Estavam também previstos investimentos na melhoria das condições de navegabilidade da Hidrovia do Rio Madeira m obras de sinalização, balizamento, derrocamento e desassoreamento.

Neste ponto, é importante frisar que as propostas do PPA 1996-99 se afastaram bastante das concepções originais de Eliezer Batista. Isto é facilmente contatado em dois aspectos fundamentais, quando se compara esse documento com o estudo publicado pelo antigo presidente da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) em 199712. O primeiro aspecto decisivo é a controversa saída para o Pacífico.

Com o sugestivo título de Infra-estrutura para Desenvolvimento Sustentado e Integração da América do Sul, o estudo elaborado por Eliezer Batista destaca a importância do transporte marítimo por cabotagem na escala sul-americana e propõe a constituição do que denomina de “cinturões de desenvolvimento” para a porção norte e sudeste da América do Sul, como configuração espacial adequada a dar consistência ao novo desenho logístico capaz de aumentar a participação do continente no comércio mundial. Nesse projeto, considerando às limitações de custo-benefício econômico e, principalmente, devido aos seus impactos ambientais, a alternativa de uma ligação transcontinental por via terrestre entre o Atlântico e o Pacífico cortando a Floresta Amazônica foi sumariamente descartada.

Na verdade, e é o segundo aspecto a ser destacado, a proposta de Eliezer Batista se propõe a construir uma alternativa de integração logística da América do Sul que tenha como ponto de partida o desafio da sustentabilidade ambiental, naquilo que denomina de um novo paradigma de desenvolvimento. Neste ponto, as diferenças com a concepção e as propostas do primeiro PPA do primeiro governo Cardoso são radicais, pois neste último a dimensão ambiental é um apêndice aposto “ex post” à formulação dos eixos, considerada, em muitos casos, como um elemento restritivo que deveria ser vencido pela capacidade técnica dos formuladores e gerentes dos projetos.

Assim é sintomático que, enquanto o PPA 1996-99 considerasse o meio ambiente como um programa a mais dissociado dos eixos de desenvolvimento, o estudo de Eliezer Batista insistia que:

“O novo paradigma de desenvolvimento de infra-estrutura pode ser denominado de eco-eficiência. Seus princípios fundamentais são eficiência e

12 Batista da Silva, Eliezer. Infra-estrutura para Desenvolvimento Sustentado e Integração da

América do Sul. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1997

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sinergia. Ele procura promover padrões de desenvolvimento que forneçam o retorno máximo dos recursos disponíveis a cada uma das nações da América do Sul, ao enfatizar complementaridade, oportunidades de adicionar valor a produtos da região, dentro da região, e operando de forma a maximizar a eqüidade social e a proteção ambiental, tanto quanto a lucratividade. A longo prazo, evitar o custo dos danos ambientais e sociais acentua a eficiência econômica, além de ser a única abordagem que pode ser considerada ética e justa (grifo nosso).” (Batista da Silva, 1997: 10-11)

O segundo Plano Plurianual de Investimentos (PPA 2000-03) do Governo Cardoso foi precedido por um edital de contratação de serviços de consultoria especializada lançado pelo BNDES, para o então Ministério de Orçamento e Gestão, destinado à identificação de oportunidades de investimento públicos e privados nas áreas de influência dos Eixos, definidos tout court, sem nenhuma adjetivação, que visassem a estimular o desenvolvimento econômico e social dessas áreas com especial atenção aos empreendimentos complementares ou relacionados ao “Programa Brasil em Ação”, isto é, destinava-se a levar adiante o que havia sido iniciado com o PPA anterior.

Este referido edital listava um conjunto de Eixos que já não correspondia exatamente ao definido pelo PPA 1996-99, a saber:

1. Eixos da Amazônia: 1.1. Eixo de Saída Norte para o Caribe/ Rodovia BR-174; e

1.2. Eixo de Saída para o Atlântico – Hidrovias do Madeira e do Amazonas;

1.3. Eixo Araguaia-Tocantins/ Ferrovia Norte-Sul e Ferrovia Carajás; 3. Eixos do Nordeste; 3.1 Eixo Costeiro do Nordeste; 3.2 Eixo do Rio São Francisco e; 3.3 Eixo Transnordestino; 4. Eixo do Oeste; 5. Eixos do Sudeste; 5.1 Eixo Centro Leste; e 5.2 Eixo de São Paulo; 6. Eixos dos Sul; 6.1 Eixo Costeiro do Sul; 6.2. Eixo da Franja de Fronteira; 6.3 Eixo da Hidrovia do Paraná-Paraguai; É necessário destacar que, além do novo ajustamento geográfico da proposta dos

Eixos, o Edital eliminou a distinção entre os eixos nacionais e os continentais e retirou a saída para o Pacífico, como objetivo estratégico, o que já representa um novo cenário geopolítico para as pretensões brasileiras no contexto sul-americano.

Destaque também deve ser dado ao fato de que constituía uma das exigências do edital, a elaboração de um banco de dados georefenciados, contendo mapas e indicadores sobre os aspectos econômicos, sociais e ambientais e de INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO (destaque do edital), assim como os portfólios dos investimentos públicos e privados identificados. Dadas as dimensões desta base de dados, sua função representava um pré-zoneamento ecológico-econômico das áreas de influência dos eixos.

O edital foi vencido por um consórcio de empresas multinacionais, que adotou o sugestivo nome de Consórcio Brasiliana, formado pelas consultoras Booz Allen &

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Hamilton do Brasil Consultores Ltda e Bechtel International, Inc., alem do Banco ABN-AMRO S.A., que se apoiaram em consultores de vários órgãos públicos e privados e, segundo fontes oficiais, participaram do consórcio três universidades federais (Universidade de Brasília, Universidade Federal de São Carlos e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), além de institutos de pesquisa, reunindo um total de19 coordenadores e mais de 100 profissionais.

Os resultados deste estudo, que ainda são de circulação restrita, foram elementos fundamentais para a constituição da Agenda dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENIDs) que passou a compor as orientações estratégicas da Presidência da República para a elaboração do segundo PPA do Governo Cardoso, que ora se encontra em votação no Congresso Nacional, provocando sérios atritos na base governamental. Esses resultados também já provocaram acirrados debates quando foram apresentados em cada uma das regiões brasileiras, quando alguns governadores não aceitaram o portfólio de investimentos públicos e privados proposto pelo Consórcio.

Não resta a menor dúvida de que um projeto que prevê investimentos da ordem de US$ 165 bilhões provocaria debates acirrados, seja pela disputa regionalista dos fundos públicos, seja por sua proposta de alocação regionalizada dos investimentos. Neste ponto, há de se destacar que a concepção dos ENIDs considerou fundamentalmente os objetivos logísticos nacionais, sem refletir sobre as estratégias regionais de inserção na estrutura produtiva nacional e na economia global. Isto se torna flagrante quando se observa que, nos resultados dos estudos, os Eixos passaram a conformar uma nova divisão territorial do Brasil, que não expressa integralmente o recorte regional oficial, nem muito menos os diversos agentes sociais envolvidos na gestão efetiva do território.

Para o Consórcio Brasiliana, os eixos passaram a se constituir em grandes regiões - o que subverte as noções elementares de topologia, sem falar em geografia -, que dividem o território nacional em 9 grandes áreas contíguas, que passaram a balizar as propostas de políticas públicas no Brasil: São elas (Vide Figura 2),

Figura 2

SP

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Áreas de Influência

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Rede Sudeste

Sudoeste

Sul

km

6003000

Áreas de Influência dos Eixos Nacionaisde Integração e Desenvolvimento

Fonte: IBGE - Mapa da Série Brasil Geográfico - Escala 1:5.000.000 Relatórios do Consórcio Brasiliana

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1. Eixos do Norte 1.1. Arco Norte; que corresponde à combinação de duas regiões

não contíguas, envolvendo basicamente os Estados de Roraima e Amapá. Essa configuração teve origem no eixo sugerido pelo Edital, denominado Eixo de Saída Norte para o Caribe/Rodovia BR-174, que se caracterizava por estabelecer uma ligação entre a Zona Franca de Manaus, o Estado de Roraima e importantes zonas de consumo da República da Venezuela e da Guiana, permitindo assim acesso brasileiro a portos do Caribe, e posteriormente, o conceito original foi expandido para incluir uma outra saída para o Norte, correspondente à área de influência da rodovia BR-156, em implantação no Estado do Amapá. Segundo o Consórcio Brasiliana, “a lógica dessa nova configuração - a única dentre os nove eixos propostos que corresponde a um território não-contínuo - decorre da perspectiva de uma futura interligação rodoviária no extremo norte do continente, aproveitando-se as duas rodovias citadas, do lado brasileiro, a interligação rodoviária já existente entre as capitais das três Guianas.”13.

1.2. Madeira-Amazonas; que afeta diretamente a porção ocidental da Região Amazônica, cujos principais projetos são a Hidrovia do Madeira e os Gasodutos de Urucu-Porto Velho e Coari-Manaus, esse último ao longo do Rio Amazonas. Além destas obras destaca-se a pavimentação de diversas rodovias, tais como a BR-364 e a ampliação de aeroportos e terminais fluviais em Manaus, Porto Velho e Santarém. Devido às dimensões da área territorial envolvida por este Eixo , cerca de 2,7 milhões de Km2, quase 32% do território nacional, dos quais 60% são cobertos por floresta densa e 38% são de uso especial (terras indígenas ou unidades de conservação)14, pode-se avaliar os problemas associados à sua gestão sustentável. 2. Eixos do Nordeste

2.1. São Francisco; afetando principalmente o Estado da Bahia, sua estrutura vertebral principal de apoio em termos de transportes é constituída pela Hidrovia do São Francisco, em toda sua extensão navegável, pelas rodovias litorâneas BR 101 e BR 116 e pelas inúmeras transversais que partem de Salvador/Feira de Santana em direção ao interior - notadamente o vale do São Francisco - e por quatro portos marítimos: Aracaju, Aratu, Salvador e Ilhéus;

2.2. Transnordestino, afetando os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Segundo o Consórcio Brasiliana15, “a exemplo do São Francisco, o Eixo Transnordestino foi configurado e delimitado geograficamente a partir de um rearranjo territorial realizado nos três eixos originalmente propostos para o Nordeste – São Francisco, Costeiro do Nordeste e Transnordestino. Nesse processo, buscou-se garantir escalas mínimas para análise das economias regionais associadas aos eixos”. O principal projeto deste eixo é Ferrovia Transnordestina, em um trecho de 350 km, de Petrolina a Missão

13 Consórcio Brasiliana. Arco Norte – Relatório Preliminar - Sumário Executivo, mimeo,

outubro de 1998 14 Consórcio Brasiliana. Madeira-Amazonas – Relatório Preliminar - Sumário Executivo,

mimeo, outubro de 1998 15 Consórcio Brasiliana. Transnordestino – Relatório Preliminar - Sumário Executivo, mimeo,

outubro de 1998.

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Velha/PE, passando por Salgueiro, além de várias obras de melhoria da rede viária e de suporte à irrigação na zona semi-árida 3 Eixo do Sudeste

3.1 Rede Sudeste; originalmente denominado como Rótula pelo Consórcio Brasiliana, mas que devido a impropriedade desse termo ao referir-se ao núcleo urbano-industrial do país, foi posteriormente revisto16. A configuração da Rede Sudeste substitui os dois eixos do Sudeste contidos na definição original fornecida pelo Edital, o Eixo Centro-Leste e o Eixo de São Paulo. Segundo o Consórcio Brasiliana, “a lógica dessa nova conceituação é integrar as áreas pertencentes àqueles eixos que, pelas características de suas ocupações e das infra-estruturas que lhe dão suporte, não constituem propriamente eixos, desempenhando, na essência, a função de articulação nacional e internacional das demais regiões”17. Dentre os projetos previstos para a Rede Sudeste destacam-se o Porto de Sepetiba, além da ampliação e melhoria dos Portos de Santos e Vitória, construção e melhoramentos de aeroportos, ramais ferroviários e rodoviários. A interligação com o Gasoduto Brasil-Bolívia e o abastecimento a partir da Bacia de Campos possibilita também a construção de diversas usinas termoeléctricas a gás natural para ampliar a oferta de energia elétrica na Região. Especial atenção também foi dada ao sistema de telecomunicação, com a interligação por fibras óticas entre as principais cidades. 4. Eixos do Sul

4.1. Sudoeste; formado por expressivas parcelas do Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, outras de São Paulo, e partes menores de Goiás e Minas Gerais, possui uma economia baseada na agroindústria, como sua principal atividade produtiva, à qual estão associados os ramos industriais mais significativos - produtos alimentares, bebidas, couros e peles, química e têxtil. A Hidrovia Tietê-Paraná é a principal via troncal de transporte do eixo e seu papel é fundamental na integração do Mercosul.

4.2. Sul; compreendendo integralmente os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e uma expressiva porção do Estado do Paraná. Representa uma fusão dos eixos Costeiro do Sul e da Franja de Fronteira previstos no edital. Dada a sua posição na fronteira meridional é considerado fundamental para a integração econômica com o Uruguai e a Argentina. Seus principais empreendimentos são a Rodovia do Mercosul, que atravessa longitudinalmente a Região Sul, o Gasoduto Bolívia-Brasil e o Porto de Rio Grande; 5. Eixos do Centro-Oeste

5.1 Araguaia-Tocantins; este eixo está estruturado em torno da infra-estrutura de transporte existente na região, envolvendo as instalações do complexo portuário de São Luís, as ferrovias Carajás e Norte-Sul e as hidrovias do Araguaia e do Tocantins. É considerado pelo estudo como “fator essencial da integração intermodal entre o sistema rodoviário do Centro-Oeste e o ferroviário do

16 Neste aspecto, aparentemente a concepção original de Eliezer Batista de “cinturão” parece ser

muito mais adequada. 17 Consórcio Brasiliana. Rótula – Relatório Preliminar - Sumário Executivo, mimeo, outubro de

1998.

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Norte, permitindo o escoamento da produção agropecuária e agro-industrial dos cerrados e mineiro-metalúrgica da Amazônia Oriental, através do porto de Itaquí.”18

5.2 Oeste; conceituado como elo de integração entre o extremo oeste e a região central do País, viabilizado, fundamentalmente, pela rodovia BR-364, que torna possível a ligação de áreas de fronteira agrícola e de atividades agropecuárias com o resto do País através do entroncamento dessa rodovia com os sistemas rodo, hidro e ferroviário das regiões Sudeste e Sul. Na definição do Consórcio Brasiliana foram incorporadas adicionalmente as áreas correspondentes ao antigo Eixo da Hidrovia do Paraguai/Paraná19, o que significa que este eixo afeta diretamente o Pantanal e suas bordas; Este quadro serviu de referência para a elaboração do “Programa Avança Brasil”,

que é o nome fantasia do Plano Plurianual de Investimentos 2000-03, que prevê investimentos totais da ordem de R$ 317 bilhões nos próximos oito anos20, o que sem dúvida significará uma mudança radical na estrutura produtiva nacional, com reflexos diretos nas diversas economias regionais que o compõem.

As dificuldades da integração no Mercosul Firmado em 1991, entre o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, o Tratado de

Assunção iniciou a construção do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), que constitui hoje uma das mais importantes iniciativas de integração econômica das fora da influência direta das economias mais industrializadas do mundo atual.

De modo diferente das tentativas anteriores, o Mercosul não partiu da iniciativa de um foro supranacional para sedimentar suas propostas de construir uma união aduaneira que envolvesse as duas principais economias da América do Sul: o Brasil e a Argentina. As pressões resultantes do processo de mundialização do capital, genericamente definido como “globalização” da economia, bem como as necessidades internas de expansão dos respectivos sistemas produtivos nacionais, que foram duramente atingidos pela crise dos anos oitenta, levaram Brasil e Argentina a superarem seus conflitos históricos em torno da Bacia do Prata e buscarem soluções comuns para problemas semelhantes através da cooperação e da integração econômica.

Nesta direção, o que originalmente envolvia apenas operações mercantis, como compra e venda de produtos agroindustriais, nos quais as respectivas economias nacionais possuíam vantagens comparativas, como é o exemplo do trigo da Argentina para o Brasil e da carne de frango, no sentido inverso; foi sendo gradativamente intensificado através da integração transfronteira das estruturas produtivas nacionais, o que já é flagrante nos complexos metal-mecânico e químico, principalmente nos segmentos automobilístico e petroquímico.

Diversos aspectos ainda continuam pendentes no que diz respeito aos avanços da integração geoeconômica no Cone Sul. Do ponto de vista global, a proposta norte-americana de constituição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), enfraquece

18 Consórcio Brasiliana. Araguaia-Tocantins – Relatório Preliminar - Sumário Executivo,

mimeo, outubro de 1998 19 Consórcio Brasiliana. Oeste – Relatório Preliminar - Sumário Executivo, mimeo, outubro de

1998 20 Brasil, Presidência da República. Programa Avança Brasil. Brasília, mimeo, 1999. Pode ser

consultado no site do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (www.mpo.gov.br).

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as alternativas regionais de uma negociação em bloco, não apenas com os Estados Unidos, mas com a denominada ‘Tríade’, isto é, incluindo a União Européia e o Japão. Estas negociações têm encontrado dificuldades das mais variadas ordens, mas que em grande parte refletem interesses domésticos, que não cedem os privilégios conseguidos. Este é, por exemplo, o caso dos subsídios garantidos pela UE a certos produtos agrícolas sensíveis, como o açúcar, o que tem feito com que a França vete sistematicamente qualquer possibilidade de negociação direta entre a UE e o Mercosul.

O Tratado de Assunção previu a data de 25 de janeiro de 1995 para a eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias entre os países membros, postulando a livre circulação de bens e serviços no interior deste mercado doméstico supranacional que teria uma única tarifa externa comum (TEC). Devido aos problemas derivados das políticas macroeconômicas dos signatários do acordo, que, diga-se de passagem, não são poucos, principalmente considerando a diversidade de políticas monetárias e cambiais entre os dois principais parceiros do projeto de integração, observa-se que a meta da TEC Mercosul parece estar a cada dia mais distante.

As políticas de estabilização postas em prática pelo Brasil e Argentina tem muitos aspectos distintos, dos quais o mais evidente é a oposição entre a rigidez da conversibilidade argentina vis-a-vis a flexibilização cambial total no Brasil. Entretanto, embora com intensidades e horizontes temporais distintos, deve-se observar que em ambos os casos existem traços comuns que convergem para o crescente endividamento e a grande dependência de créditos externos.

Esta convergência na busca por fontes de crédito, para dar suporte ao processo de estabilização monetária, acabou transformando Brasil e Argentina – e pour cause, o próprio Mercosul, em competidores solidários no mercado financeiro mundial, onde disputam o acesso aos fundos globais, ao mesmo tempo em que são solidários nos movimentos negativos engendrados pelas crises que afetam a cada um deles.

Assim, a dificuldade de refinanciar a dívida argentina empurra a cotação do dólar no Brasil, que por sua vez reduz a competitividade dos produtos argentinos no mercado brasileiro. Nesse círculo vicioso, o bode expiatório passa a ser a tarifa externa comum, o que compromete o Mercosul em sua essência básica, passando a constituir-se em um arremedo de zona de livre comércio, eivada de conflitos, do Cone Sul da América, o que - diga-se de passagem, fragiliza ambos parceiros diante das investidas norte-americanas para a rápida implantação da ALCA.

Neste cenário conturbado, há de se considerar que a intensificação dos fluxos econômicos, não apenas entre os integrantes do MERCOSUL, mas também com a Bolívia e o Chile - que são membros associados, é uma necessidade basilar da própria denâmica econômica, isto é da própria necessidade de garantir a oferta de insumos básicos, com especial destaque para energéticos, o colocou na ordem do dia o problema das redes logísticas de ligação continental no espaço sul americano (BATISTA DA SILVA, 1997), desencadeando o processo de expansão e conexão entre estas distintas economias nacionais.

Assim, já se encontram em execução projetos que irão conectar o Sudeste Brasileiro ao Pampa Argentino, como a ligação litorânea através da Rodovia do MERCOSUL ou pelo interior do continente como a Hidrovia Tietê-Paraná, que fazem parte do projeto dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENIDs) do governo brasileiro.

Da mesma maneira, troncos de transporte de energia estão sendo construídos, como as linhas de transmissão que conectam Yaceretá-Apipé, entre a Argentina e o Paraguai, ao sistema energético brasileiro e a entrada em operação do Gasoduto Brasil-Bolívia que vai

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cortar as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil transportando e distribuindo gás natural, que passa a ser uma alternativa, não apenas como combustível industrial, mas também como insumo importante para a matriz energética brasileira, restringida que está pela ausência de créditos de logo prazo para grandes investimentos hidrelétricos.

É nesse quadro que, as heranças do processo de industrialização tardia das economia nacionais do Cone Sul deixa sua marca registrada no desenho das redes logísticas disponíveis para a integração econômica supranacional. Ferrovias com diferentes bitolas, hidrovias que ainda refletem disputas geopolíticas sobre o controle de bacias hidrográficas, rodovias com obras de engenharias que não suportam o volume de tráfego internacional, em suma, uma configuração espacial do sistema logístico que está profundamente marcado pelas heranças da industrialização tardia e que exige uma grande engenharia de financiamento para adequá-lo às demandas prementes de uma estrutura produtiva que está começando a integrar-se para além das fronteiras nacionais.

As redes logísticas e sua configuração espacial no Cone Sul A despeito dos problemas que dificultam o processo de integração ao nível

macroeconômico, resultantes da disparidade de políticas monetárias e cambiais postas em prática pelos membros do grupo, a integração física das redes logísticas tende a avançar, em grande parte devido às próprias necessidades materiais das principais economias que conformam o Mercosul: Brasil e Argentina.

Para compreender este processo, procurou-se mapear as principais redes na escala regional (ferroviária, rodoviária, energia elétrica e gasodutos) e as conexões entre as principais cidades do Cone Sul, selecionadas a partir dos seguintes critérios: 1 -Possuir mais de 100.000 habitantes no aglomerado urbano; 2 Ser capital de estado (Brasil), província (Argentina) ou sede de região (Chile). A aplicação destes critérios resultou na seleção de 139 cidades, vide Anexo 1, que formam o embrião do sistema urbano do Cone Sul.

Observa-se que o desenho da rede ferroviária traz a marca da orientação das economias agrário-exportadoras para os principais portos, formando verdadeiras bacias urbanas, com especial destaque para o papel de Buenos Aires, no Pampa Úmido, e de São Paulo-Santos, no Planalto Paulista. Destaca-se o papel da Bolívia, como zona de convergência interior dos sistemas ferroviários comandados por estes dois grandes complexos territoriais agrário-exportadores. (Mapa 1)

A integração dos mercados nacionais nas duas grandes economias do Cone Sul foi feita através do padrão rodoviário, onde não apenas a indústria automobilística comanda o processo de industrialização, mas também se manifesta espacialmente na rápida expansão da malha rodoviária. Deve-se ressaltar a baixa densidade das redes nas regiões de fronteira dessas economias: a Amazônia e a Patagônia, onde fatores geográficos e históricos explicam a rarefação da população, que são, evidentemente, muito mais flagrantes na Amazônia brasileira. (Mapa 2)

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# Principais CidadesRodoviaLimites Internacionais

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Mapa 3 Mapa 4

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# Principais CidadesLinhas de Alta TensãoLimites Internacionais

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Gasoduto TroncalEm operaçãoEm construçãoEm projeto

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A consolidação da indústria pesada é um fator crucial para a diferenciação das economias nacionais do Cone Sul, seja pelas dimensões que assume no Brasil, seja pelo caráter concentrado que apresenta na Argentina. A rede elétrica expressa na distribuição regional essas características, além de traços constitutivos da montagem do sistema, que no Brasil foi orientado preferencialmente para a hidreletricidade, cujo apogeu se expressa na construção da central binacional de Itaipú, que transforma o Paraguai em exportador de energia, enquanto na Argentina é importante o papel da termoeletricidade na conformação do sistema elétrico nacional. (Mapa 3)

O gás natural apresenta perspectivas de aumento acelerado de participação na matriz energética mundial e a Argentina é um dos países do mundo de maior participação desse combustível na oferta de energia primária, tendo iniciado a construção de seu primeiro gasoduto em 1947. A difusão do gás natural como combustível no Brasil acelera-se com a construção do Gasoduto Brasil-Bolívia, que já nasce como uma rede transnacional no Cone Sul, onde a Bolívia reassume seu papel de interface na margem das redes brasileiras e argentinas. (Mapa 4)

Em suma, as redes logísticas refletem em seu desenho, tanto aspectos históricos, como também novas formas de articulação entre as economias nacionais. A compreensão dessa dimensão espaço-temporal das redes é fundamental para o estabelecimento depolíticas territoriais, na medida em que os eventuais gargalos que hoje apresente algum dos sistemas logísticos, pode ter sido uma vantagem estratégica no passado

A análise da conectividade do sistema de cidades em formação no Cone Sul pode contribuir para a compreensão da estrutura espacial em formação na escala supranacional, apontando seus lineamentos principais e subsidiando políticas territoriais no sentido da consolidação de um espaço de fluxos capaz de ampliar as dimensões do mercado doméstico do bloco econômico, contribuindo para contornar possíveis gargalos que se formem no processo de integração regional.

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Mapa 3 Mapa 4

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# Principais CidadesLinhas de Alta TensãoLimites Internacionais

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Cone SulRede de Gasodutos

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Em termos geoeconômicos, as conexões ferroviárias são aquelas que trazem a marca da hegemonia do capital mercantil. Apresentam baixa densidade no interior, são concentradas nas regiões produtoras de bens agropecuários e, geralmente, fortalecem as cidades portuárias. Mostram geoestratégias competitivas entre as duas potências regionais para a projeção de seus domínios sobre a Bacia do Prata. (Mapa 5)

A geoeconomia da industrialização substitutiva de importações marca o padrão de conectividade rodoviário, com destaque para a emergência de nós logísticos de apoio a ocupação econômica das zonas de fronteira, como é o caso de Neuquén na borda da Patagônia argentina ou Goiânia-Brasília no suporte logístico a ocupação da Amazônia. Do ponto de vista geoestratégico, o padrão de conectividade da rede rodoviária mostra a orientação preferencial da política territorial do Brasil e da Argentina para o processo de integração nacional, decisivo na formação do mercado interno para a indústria. (Mapa 6)

As ligações aeroviárias já mostram a inserção dos países do Cone Sul em uma economia globalizada, onde as conexões entre cidades já expressam fluxos financeiros e informacionais. As conexões das duas principais economias do Cone Sul mostram significativas diferenças, pois enquanto na Argentina é patente o papel dominante de Buenos Aires na conectividade por avião entre as cidades, no Brasil observa-se a emergência de Brasília como importante centro de conexão interregional. (Mapa 7)

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Mapa 5 Mapa 6

Cone SulConexões Ferroviárias

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População circa 1950# 0 - 64.700# 64.700 - 224.419# 224.419 - 660.569

# 660.569 - 1.436.522

# 1.436.522 - 3.026.195

# 3.026.195 - 4.748.723

Limites InternacionaisConexões ferroviárias

0 1000 Kilometers

Cone SulConexões Rodoviárias

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Conexões rodoviárias

População circa 1970# 0 - 100.915# 100.915 - 254.682# 254.682 - 529.780

# 529.780 - 1.077.208

# 1.077.208 - 2.791.972

# 2.791.972 - 8.461.955

Limites Internacionais

0 1000 Kilometers

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Mapa 7

Cone SulConexões Telefônicas

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Conexões telefônicas

População circa 1995# 57.651 - 228.326# 228.326 - 446.619# 446.619 - 947.335# 947.335 - 2.164.139# 2.164.139 - 4.729.118

# 4.729.118 - 15.971.292

Limites Internacionais

0 1000 Kilometers

Mapa 8

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Conexões Aeroviárias

População circa 1980# 0 - 198.683# 198.683 - 501.198

# 501.198 - 1.005.367

# 1.005.367 - 1.696.318

# 1.696.318 - 3.919.903

# 3.919.903 - 12.183.634

Limites Internacionais

Cone SulConexões Aeroviárias

0 1000 Kilometers

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Breves Considerações Finais A análise da estrutura espacial do Cone Sul, no que diz respeito às redes logísticas e

às conexões entre as principais cidades, aponta para a permanência de uma relativa autonomia dos sistemas logísticos regionais, tanto no que diz respeito aos transportes, como energia e telecomunicações, mostrando que o processo de integração regional das redes físicas ainda encontra-se em sua fase inicial, embora apresente aspectos irreversíveis, principalmente nas redes de transportes e energia.

Devido às características do passado agroexportador e a industrialização substitutiva de importações que marcam a inserção dessas duas economias no mercado mundial, o padrão de conectividade das cidades do Cone Sul ainda não apresenta uma estrutura orientada para a integração continental.

Há um fortalecimento da conectividade no Arco Atlântico do Cone Sul, com um aumento da importância dos fluxos marítimos entre os principais portos da região, reforçada pelo adensamento da malha rodoviária, o que mostra uma tendência de re-hierarquização da estrutura espacial da zona costeira e adjacências.

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Anexo 1 As cidades selecionadas no Cone Sul, segundo os critérios apontados no texto,

foram: Argentina (30 cidades): Córdoba, Rio Cuarto, Santa Fe, Rosário, Mendoza, San Juan, San Luis,

Resistencia, Formosa, Santiago de Estero, Corrientes, Concordia, Parana, Posadas, San.Fernando de Catamarca, S.S. de Jujuy, La Rioja, Salta, San Miguel de Tucuman, Bahia Blanca, Mar del Plata, La Plata, San Nicolas, Buenos Aires, Santa Rosa, Comodoro Rivadavia, Trelew, Neuquen, Viedma, Rio Gallegos.

Bolívia (6 cidades): La Paz, Santa Cruz, Cochabamba, Oruro, Potosi, Sucre, Brasil (105 cidades): Ji-Paraná, Porto Velho, Rio Branco, Manaus, Boa Vista, Belém, Castanhal,

Marabá, Santarém, Macapá, Araguaína, Palmas, Caxias, Imperatriz, Sao Luís, Parnaíba, Teresina, Fortaleza, Juazeiro do Norte, Sobral, Mossoró, Natal, Campina Grande, Joao Pessoa, Caruaru, Garanhuns, Petrolina, Recife, Arapiraca, Maceió, Aracaju, Alagoinhas, Barreiras, Feira de Santana, Ilhéus, Jequié, Salvador, Vitória da Conquista, Barbacena, Belo Horizonte, Divinópolis, Governador Valadares, Ipatinga, Itabira, Juiz de Fora, Montes Claros, Poços de Caldas, Sete Lagoas, Teófilo Otoni, Uberlândia, Cachoeiro de Itapemirim, Linhares, Vitória, Cabo Frio, Campos dos Goytacazes, Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Volta Redonda, Araçatuba, Araraquara, Bauru, Campinas, Franca, Guaratinguetá, Jundiaí, Limeira, Marília, Moji-Guaçu, Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirao Preto, Santos, Sao José do Rio Preto, Sao José dos Campos, Sao Paulo, Sorocaba, Cascavel, Curitiba, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Londrina, Maringá, Paranaguá, Ponta Grossa, Blumenau, Chapecó, Criciúma, Florianópolis, Itajaí, Joinville, Lages, Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Santa Maria, Uruguaiana, Campo Grande, Dourados, Cuiabá, Rondonópolis, Anápolis, Goiânia, Rio Verde, Brasília,

Chile (16 cidades/aglomerações urbanas): Santiago, Valparaíso/Vina de Mar, Concepcion/Talcahuano, Antofagasta,

Temuco, La Serena, Rancagua, Arica, Talca, Iquique, Chillan, Punta Arenas, Quillota/La Callera, Osomo, Valdivia, Puerto Montt.

Paraguai (2 cidades): Asunción, Ciudad del Este. e Uruguai (1 cidade):

Montevideo

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Energia no Brasil: contradições de um projeto geopolítico inacabado

Gisela A. Pires do Rio

Introdução O que poderia, na atualidade, ser assinalado a respeito da geopolítica da energia?

Esta pergunta, sempre presente nos trabalhos que se dedicam a explorar o tema constitui um duplo desafio. Por um lado, requer o esforço da clareza e da abertura intelectual para que a análise possa ser conduzida de forma lógica e não como exercício de retórica ou simples doutrina estruturada para justificar objetivos militares. Por outro, abre a possibilidade de surpreender aqueles que insistem em imaginar a Geopolítica como um simples atlas escolar das relações internacionais; perspectiva esta, aliás, favorecida, não resta dúvida, pela ampla vulgarização dos sistemas de informação geográfica, fáceis de serem usados, mas que requerem qualificação na interpretação das imagens por eles produzidas.

Nos anos de 1990, Paul Claval (1994), entre outros, mostrou a “redescoberta” da geopolítica21 e, em especial, da geopolítica como grade analítica que comporta elementos fundamentais para a reflexão sobre as geo-estratégias de diversos atores e em várias escalas de análise. Para este autora geopolítica retomou, curiosamente, importância no exato momento no qual as ideologias do mundo bipolar teriam chegado ao seu fim. Mais de vinte anos após o segundo choque do petróleo, uma série de questões no que diz respeito à energia retornam à ordem do dia. Questões que podem, à primeira vista, parecer semelhantes àquelas dos anos de 1970, nos impingindo o espectro do eterno retorno, são, todavia, bastante diferentes. A geopolítica da energia assume, na atualidade, contornos muito distintos dos anos anteriores. Não obstante algumas dimensões permancerem como elementos de continuidade entre o passado e a conjuntura atual, há que se reconhecer mudanças profundas no período atual. Algumas dessas mudanças interessam diretamente à Geografia e, mais especificamente, à Geografia da Energia, campo do conhecimento que vem se desenvolvendo no seio dessa disciplina desde os anos 1950 (Calzonetti e Solomon, 1985; Chapman, 1989).

Quais seriam então as questões que norteariam uma abordagem geopolítica da energia no contexto atual, e, em particular, no contexto brasileiro. Existe hoje uma geopolítica da energia no sentido da realização de práticas e representações espaciais tal como houve entre as décadas de 1930 e 1960. Em havendo, qual o sentido a elas atribuído? Quais os atores que hoje desempenham um papel fundamental em tais representações? Sem pretender esgotar essas e outras tantas questões que emergem durante a elaboração de um trabalho, este capítulo está organizado em três itens. Seu plano geral apóia-se no conceito de geopolítica como pluralidade de práticas e representações espaciais. Ao longo do texto essas práticas e representações são discutidas, tendo em vista a atualidade dos problemas relacionados à energia. Observa-se mudanças profundas na constituição e dinâmica dos diferentes sistemas energéticos. Um item introdutório discute os fundamentos da geopolítica: conceitos e modelos dominantes. No segundo item apresenta-se os desdobramentos geopolíticos dos dois choques do petróleo em termos de coalizões de interesses e de disputa entre potências para assegurar o aprovisionamento em energia. Cada um desses aspectos é articulado ao caso brasileiro. No terceiro item, discute-se, ainda que de modo imperfeito, as condições de formação, as estruturas organizacional e

21 Além de Paul Claval, outros autores assinalam, igualmente, a retomada desse interesse (Agnew,

1998; Parker, 1998; O Tuathail e Dalby 1998; Taylor e Flint, 2000; Blouet, 2001).

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52funcional e os atuais pontos de estrangulamento do sistema energético no Brasil. Por fim, e à guisa de conclusão, interroga-se sobre o futuro do projeto brasileiro, ou melhor sobre os desdobramentos das práticas e representações espacias, portanto, dos níveis de análise para uma abordagem geopolítica.

Raízes e atualidade Este item trata, na realidade, de dois extremos do que poderia ser uma abordagem

linear da evolução do pensamento geopolítico e as diversos matrizes que lhe deram sustentação. A opção aqui foi a de operar um corte temporal abrupto, sem, portanto, transição. Como em certos filmes, passou-se de um plano a outro sem a gradação de luz que nos levaria a inferir uma transição progressiva. Assim, tratar-se-á das origens do pensamento geopolítico contemporâneo para, em seguida, apresentar algumas das mais recentes contribuições sobre o tema.

Ratzel e Kjellén: raízes O termo geopolítica, cunhado em 1899 por Rudolf Kjellén (1846-1922), tem suas

raízes etimológicas no grego clássico: Ge ou Gaia, a terra, e polis a cidade-estado. Na representação clássica, Ge constituía a morada ou abrigo do homem, enquanto polis significava controle e organização que tornavam possível o habitar, o viver. Se as raízes etimológicas conduzem à idéia geral de que a derivação do termo geopolítica constitui a representação das relações entre a terra e um sistema de organização político-social, as implicações que dele decorrem vão além desta relação. Em sua definição original Kjellén considerou geopolítica como a “ciência que concebe o estado como um organismo geográfico ou como um fenômeno no espaço (Kjellén, 1899 apud Dodds, 2000:31). Kjellén acrescentou `as categorias fundamentais da geopolítica, estado território e localização, definidas por Ratzel, a forma como importante categoria que influencia o comportamento do estado. Para Parker (1998) as implicações do conceito de geopolítica encontram-se na compreensão de que o estado se constitui não apenas um fenômeno sobre a terra, mas, principalmente, um fenômeno da terra; significando, portanto, que em sua natureza, o estado é um componente do espaço geográfico. Resumidamente, a interpretação de Parker apóia-se na idéia de que as interações entre circunstâncias políticas e geográficas constituem uma totalidade em movimento e condicionam as relações inter-estados.

A construção do que se denomina geopolítica iniciou-se, contudo, com os trabalhos realizados por Ratzel (1844-1904) nos quais os conceitos espaço vital, solo e território desempenharam um papel fundamental. Para Ratzel, a “prática da geopolítica procura estabelecer o controle nacional ou imperial sobre o espaço, bem como sobre os recursos, as vias, a capacidade industrial e a população contidos num território” (Ratzel, 1896 apud Blouet, 2001:7). Ou ainda “ a extensão do horizonte geográfico, uma consequência do esforço mental e corporal de várias gerações, tem continuadamente provido novos domínios para o crescimento territorial das nações” (Ratzel, 1896 apud Agnew et. al. 1997). Nessas passagens pode-se observar vários aspectos que constituiram as bases do que, posteriormente, se tornou a doutrina geopolítica na Alemanha. O interesse maior dessas passagens reside, para os objetivos aqui propostos, nos conceitos nelas assinalados ou delas inferidos. Do espaço (boden) deriva o termo espaço-vital (lebensraum)22, isto é,

22 Deve-se observar que na composição da noção de espaço-vital o segundo termo nela empregado

refere-se ao território, atributo fundamental do estado como organização espacial (Ratzel, 1896 apud Agnew et. al. 1997).

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53a área necessária para a vida de um estado23. Todo estado deveria assegurar, assim, seu espaço-vital; sua sobrevivência e, por conseguinte, sua expansão, dependiam dessa área. Na origem do trabalho de Ratzel, os estados corresponderiam a organismos que se adaptam ao espaço que ocupam; o sucesso dessa adaptação delimita o território e aumenta o espaço-vital. Assim, Ratzel diferencia espaço (boden) e território (raum) nos seguintes termos: “o território de um estado não é uma área fixa em sua duração- como o estado é um organismo vivo, ele não pode conter-se em limites rígidos...O crescimento dos estados opera-se pela anexação de pequenos territórios...” (Ratzel 1896, apud Blouet, 2001: 29). Esta diferença é importante, pois permite compreender não só os ideais e justificativas político-científicas relacionados ao movimento de expansão e conquistas coloniais do século XIX, em particular o alemão24, mas, igualmente, a influência dessas idéias no estabelecimento e controle de mercados mais organizados.

A influência de Ratzel e Kjellén estenderam-se do final do século XIX `a primeira metade do século XX e tiveram consequências importantes. Na Inglaterra, por exemplo, Halford Mackinder (1861-1947) publicou, em 1904, o artigo intitulado The Geographical Pivot of History. Neste trabalho Makinder considerava a possibilidade de domínio e controle do mundo pela conquista do heartland25. Localizado na área compreendida entre os rios Elba e Vístula, o heartland correspondia, na época, à posição geográfica central, tanto em termos de disponibilidade de recursos (carvão mineral) como em termos de acesso aos mercados euro-asiáticos que estavam se constituindo. A condição necessária para que controle e domínio pudessem ser exercidos sobre esta área estava associada à consolidação tanto de um estado suficientemente centralizado, como a de um aparelho militar que assegurasse a “natural necessidade de expansão” de determinados estados (Bassin, 1987).

Não se pode atribuir, contudo, tais ideais expansionistas, ou de domínio, exclusivamente, à geopolítica alemã do final do século XIX e a seus desdobramentos na década de 193026 com os trabalhos de Haushofer. As idéias de Mackinder, por exemplo, influenciaram a geopolítica americana por um longo período. Esta influência foi observada por O Tualhail (1992) e Agnew (1998). Ao reproduzir parte das bases da estratégia geopolítica do governo Reagan, O Tualhail mostra a referência explícita `a noção de heartland e sua aplicação na Asia Central, para prever `as possíveis consequências para segurança americana, caso essa região, considerada estratégica, fosse controlada por um estado (ou grupo de estados) hostil (is) aos Estados Unidos. O Tualhail (1992) e Agnew (1998) consideram que essa concepção geopolítica constituiu, na realidade, uma extensão da concepção que esteve presente durante todo o período da Guerra Fria (1947- 1989), isto é, um modo de pensar institucionalizado para estabelecer, de um ponto de vista auto-centrado, práticas de controle e domínio em escala internacional27.

23 Nota-se, aqui, uma clara influência das idéias de Darwin. Ratzel iniciou sua carreira nas ciências

naturais e, posteiormente, buscou aplicar alguns dos conceitos e princípios evolucionistas na geografia humana (Heske, 1994: 205).

24 Como doutrina de Estado, a geopolítica teria sido levada às últimas consequências por Karl Haushofer (1869-1946) para justificar a necessidade de uma luta permanente em dominar e controlar o espaço-vital, para ele, a principal fonte de poder (Heske, 1987).

25 Deve-se lembrar que o trabalho de Mackinder está em oposição à tese defendida por Mahan, para quem o domínio marítimo constituia uma importante fonte de poder internacional. O trabalho The influence of seapower upon history, publicado em 1890, alimentou as aspirações expansionistas norte americanas no sec. XIX: em 1896 o Hawaí foi anexado, e, em 1898, foram implantadas as principais bases militares americanas no Caribe, inclusive a de Guantanamo (Blouet, 2001).

26 Durante longo tempo houve uma tendência a equiparar o pensamento geopolítico de Haushofer `a doutrina do nacional-socialismo, Bassin (1987) apontou diferenças substantivas entre ambos.

27 Hoje vemos as consequências do financiamento e apoio norte-americano à “resistência democrática” organizada pelos Talibãs.

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54Como pôde ser visto de modo bastante simplificado neste item, as raízes da

geopolítica estão ancoradas numa estrutura na qual o espaço (boden) representava a própria vida, enquanto a fonte de poder provinha do controle do território (raum). Este apresentava-se, na maioria das vezes, como realidade física, isto é, como localização de recursos e como espaço politicamente organizado para implantação da infra-estrutura que permitiria o deslocamento, no espaço, dos fluxos materiais e imateriais. Deve-se lembrar que, até recentemente, as redes de infra-estrutura, inclusive a de energia, tinham na contiguidade física uma condição necessária. Telégrafo, telefone, cabos submarinos, redes ferroviária e rodoviária, rede de energia elétrica foram implantados por um palmilhar do espaço físico, donde a “necessidade” de controlar e “proteger” regiões que assegurassem o aprovisionamento em matéria-prima e representassem, ao mesmo tempo, mercado consumidor, mais ou menos organizado.

A atualidade: incertezas e pluralidade Até o final dos anos de 1960, as bases e desdobramentos da geopolítica tenderam a

enfocar, de modo quase exclusivo, as relações e disputas entre poderes hegemônicos em escala internacional. Alguns autores, entre eles Agnew (1998), Taylor e Flint (2000) e O Tuathail e Dalby (1998) chamam a atenção para os modelos geopolíticos estruturados28 que continham um apelo de estabilidade num mundo em rápida transformação. A amplitude e velocidade das transformações expressas em termos de contração do espaço-tempo, requerem o entendimento das diversas representações que produzem os espaços do mundo político (Agnew, 1998). As definições do termo geopolítica foram revistas e atualizadas por vários autores (Claval, 1994; Agnew, 1997 e 1998; Parker, 1998, Taylor e Flint, 2000). No atual contexto, três definições podem ser destacadas:

• “estudo das relações internacionais sob uma perspectiva espacial” (Parker, 1998:5);

• “estudo da distribuição geográfica do poder entre estados, especialmente no que se refere `a rivalidade entre os maiores poderes” (Taylor e Flint, 2000: 371).

• “estudo do impacto das distribuições e divisões geográficas no mundo político” Agnew (1998: 2);

Essas definições tentam traduzir, na realidade, o movimento iniciado, na década de 1970, no qual a geopolítica estaria recuperando seu potencial como importante grade de leitura para a análise das relações internacionais e das geoestratégias em diferentes escalas (Claval, 1994). Em que pese a maior ou menor ênfase na escala internacional, questões foram à essa escala articuladas no que diz respeito às ações militares e diplomáticas, aos conflitos étnicos e religiosos, às representações espaciais, não obstante um tratamento marginal. A tendência atual constitui, pois, na aceitação de incertezas de um mundo em transformação, no reconhecimento da instabilidade dos processos sociais, políticos e culturais em escalas distintas e na multiplicidade de construções políticas do espaço (O Tuathail, 1997). Tendo em vista a magnitude das transformações, alguns autores propõe uma periodização que possa indicar continuidades e rupturas na evolução do pensamento geopolítico (Agnew, 1997 e 1998). O propósito de tal periodização seria permitir discernir as distintas “ordens geopolíticas” que marcaram esse movimento ao longo do tempo e estabelecer uma grade de leitura em termos de práticas e representações do espaço. Para alguns autores, um movimento genuíno, posteriormente denomindo “nova geopolítica”

28 Considera-se modelo estruturado o conjunto de práticas, materiais e de representação do estado,

que definem suas relações com o território e com os demais estados. Nesta concepção dois grandes modelos tornaram-se referência: Mackinder e Mahan.

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55(Parker, 1998) ou “geopolítica crítica” (Dalby, 1991; Blouet, 2001), teria emergido em meados da década de 1970.

Para analisar e compreender as práticas e representações do espaço, Agnew (1998) adota a seguinte periodização: geopolítica civilizatória (do início do século XVII até 1875), geopolítica naturalizada (1875- 1945) e geopolítica ideológica (1945- 1989). Cada período é definido pelos propósitos da ação do estado. Assim, durante a fase da geopolítica civilizatória, as ações estavam concentradas na imposição da Europa como referência política, econômica e cultural, num sentido de “superioridade”, dada pela identificação do estado-nação como representação de uma organização particular e “superior” ao resto do mundo. A geopolítica naturalizada corresponde ao período durante o qual o estado, já consolidado, tornou-se predador e competidor. O caráter natural do estado e sua necessidade de expansão foram cientificamente explicados e justificados. Finalmente, a geopolítica ideológica caracterizar-se-ia por um amálgama de ideais, manipulação de símbolos e estratégias para promover uma ordem social e cultural. Neste período, a competição entre blocos se concentrou na disputa para organizar a economia internacional.

Parker (1998) e O Tuathail (1997) estabelecem cortes temporais similares no que diz respeito `a ruptura essencial no modelo de organização da economia internacional a partir da queda do muro de Berlim, porém reforçam a idéia de continuidade na definição do objeto de análise e da metodologia naquilo que denominam geopolítica tradicional (sec. XVIII até início dos anos de 1970). Para Parker a ruptura só poderia ser evidenciada quando da mudança substantiva desses dois aspectos. Assim, uma geopolítica crítica teria emergido na década de 1970, quando, efetivamente, ocorreu esta mudança29. Dalby (1991) sugere que tais tranformações estão refletidas nos discursos impregnados de representações que resultam em políticas e práticas espaciais decorrentes a) da ação das grandes corporações na estrutura produtiva dos países subdesenvolvidos, b) dos atores públicos na regulação das atividades econômicas, c) dos tratados e acordos internacionais e d) da ação de atores sociais organizados. Igualmente assinalando um caráter inovador na temática das representações, Dodds (1998) aborda a produção de imagens, isto é, o papel da iconografia nas representações geopolíticas de lugares e fronteiras, internas e externas. As características da geopolítica incluem elementos renovados em termos de centralidade dos estados, da natureza das atividades exercidas no território, da conectividade (ou por sua ausênciade) `as diferentes redes e, ainda, dos efeitos da informação e das tecnologias militares no espaço (Agnew e Corbridge, 1995). Assim, os dois elementos essenciais para a compreensão das múltiplas dimensões geopolíticas consistem nas práticas espaciais que definem fluxos, interações e movimentos no espaço, e nas representações do espaço.

Brasil: a “cultura” geopolítica militar e a estruturação espaço Poucos países prestam-se à análise geopolítica como o Brasil. Verdadeiro

laboratório para a realização de manipulações espaciais, isto é, criação de espaços estratégicos escolhidos para exercerem determinada funcionalidade, segundo objetivos políticos precisos (Machado, 1982), o país realizou uma integração territorial sem precedentes na sua história. Este aspecto, exaustivamente desenvolvido por Becker (1982), indica que segmentos consideráveis do espaço foram objeto de manipulações via alocação de investimentos, interferências diretas e indiretas que consolidaram uma estrutura espacial particular, com a criação de enclaves territoriais articulados diretamente `as escalas nacional e internacional, sem a mediação da escala regional. Em alguns casos, como os grandes projetos implantados na Amazônia, constituiu-se numa nova escala de gestão (Becker, 1986). No que diz respeito `a sua determinação espaço-temporal, a Amazônia

29 A publicação da revista Hérodote, sob responsabilidade de Yves Lacoste e colaboradores, é

considerada o marco desta geopolítica crítica.

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56representou, em vários sentidos, inclusive para a geração de energia, o “espaço de projeção do futuro” (Becker, 1997).

Tal como em vários países, a geopolítica foi, no Brasil, objeto de estudo e prática, principalmente, no âmbito das forças armadas. Como doutrina militar, sustentou concepções, objetivos e metas de expansão e consolidação dos limites territoriais brasileiros. Desde o século XIX, é possível identificar um projeto de expansão e consolidação desses limites em direção `a Amazônia, como, por exemplo, a aquisição do território que, hoje, constitui o estado do Acre. No âmbito da Escola Superior de Guerra (ESG), a geopolítica assumiu definitivamente o contorno de prática de intervenção em escala infra-nacional para controle efetivo do território e desenvolvimento de um projeto militar nacional (Hepple, 1986a). Na ESG, a atuação e influência do general Golbery do Couto e Silva foi inconteste. O desenvolvimento de uma visão oficial ou, como era ali considerada, de uma “geopolítica brasileira”, efetuou-se pela substituição do tratamento tradicional de rivalidade entre estados pela tese do inimigo interno30 e estabeleceu a doutrina de segurança nacional (Couto e Silva, 1967) para justificar medidas de intervenção direta, planejamento e políticas de ocupação e integração do território nacional. Tratava-se, evidentemente, de adequar o território `as possibilidades de investimentos ofertadas naquele momento pelo mercado e pelas agências internacionais de desenvolvimento.

Adequar o território `as possibilidades de investimentos externos traduziu-se na implantação de uma base material constituída pelas redes de infra-estrutura. Retoma-se, aqui, o que foi mencionado anteriormente sobre as redes de comunicação que exigiram, para sua implantação, um palmilhar do espaço físico. Tal proposta foi consubstanciada pela delimitação de áreas cuja funcionalidade era definida de acordo com o projeto de desenvolvimento do sistema produtivo. Este projeto viabilizou, entre os anos de 1960 e 1970, a criação de economias externas, induzindo a localização de investimentos de capital privado, nacional e internacional. Em outros termos, foram definidas áreas estratégicas tanto do ponto de vista do suprimento em energia, como do ponto de vista da localização dos investimentos produtivos31.

A lógica de integração nacional, consubstanciada por uma demanda externa efetiva em recursos minerais e energéticos, acelerou as ações de intervenção do Estado por meio de políticas de multiplicação e renovação de inversões em áreas de conflito e em áreas consideradas vazias ou com baixa densidade populacional. Esses investimentos concentraram-se na implantação de redes de transportes e comunicação e na abertura de frentes pioneiras de povoamento que atendiam aos objetivos de integração e ocupação do território e de segurança nacional (Couto e Silva, 1967). A existência de recursos minerais, por exemplo, tornava-se assunto de interesse nacional, na medida em que poderiam propiciar a criação de espaços estratégicos e, ao mesmo tempo, abafar os conflitos em escalas infra-nacionais. Vários projetos exemplicam este aspecto, particularmente o projeto Grande Carajás, na Amazônia Oriental.

Naquele contexto (1960 e 1970), além da ocupação do que se considerava áreas vazias ou semi-vazias, a diversificação da estrutura econômica foi contemplada com investimentos nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul. A indústria constituiu-se na atividade que comandou o projeto de crescimento econômico do país. O ciclo de investimentos privilegiou a dotação de infra-estrutura e a concessão de incentivos fiscais e creditícios por

30 Na década de 1960, a Guerra Fria acentuou a polarização hegemônica entre União Soviética e Estados Unidos. A opção da elite brasileira (grupo de tecnocratas, líderes políticos, experts em política externa e seus acessores imediatos) foi a do alinhamento ao bloco americano. No rastro deste alinhamento, as crises internas foram tratadas como ameça `a segurança nacional, pois estariam vinculadas ao movimento de expansão soviética na América Latina.

31 Os complexos metal-mecânico e petroquímico ilustram esse último tipo de investimento.

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57parte do setor público. Essas medidas objetivavam a redução dos custos de produção para o setor industrial que, diante das condições ofertadas, deveria adquirir maior capacidade de reinversão. As concepções de geopolítica e de geoestratégia que fundamentavam tais ações tentavam, assim, estabelecer um padrão de alocação de recursos e de localização das atividades econômicas (Couto e Silva, 1979). Nesse modelo, a infra-estrutura de energia assumiu maior importância como indutora do processo de crescimento econômico. O imperativo geopolítico consistia, portanto, em assegurar a estabilidade necessária para que a integração econômica, territorial e funcional entre as diferentes regiões pudesse ser efetivada.

As ações e políticas estabelecidas ao longo daquelas duas décadas criaram diferenciações significativas no espaço brasileiro. Tais diferenciações remetem, de fato, `a perspectiva da intervenção, intrinsecamente seletiva em seu conteúdo, resultante, em grande medida, de investimentos de caráter estruturante, espacialmente concentrados e concentradores. No que diz respeito `a dotação de uma rede de energia, cabe lembrar que a redução das restrições técnicas para o estabelecimento de linhas de transmissão `a longa distância não representaram, no caso do Brasil, uma distribuição mais equilibrada da energia elétrica entre as diferentes regiões. Ao contrário, elas significaram a possibilidade de transferências de grandes blocos de energia de um ponto a outro do território. Mais ainda, a implantação da rede de transmissão energia elétrica foi parte integrante de um conjunto de ações com elevado grau de irreversibilidade que, no curto e médio prazos, atribuiu uma funcionalidade aos diversos segmentos espaciais, como será visto mais adiante.

Para a geração de energia, o “espaço de projeção do futuro” foi sendo progressivamente incorporado pela implantação das Usinas Hidroelétricas como Tucuruí e Balbina, o início da construção das usinas de Babaquara, Camargo, Peixe, Serra da Mesa e as usinas projetadas para entrarem em funcionamento no final da década de 1990, como Santa Isabel, Boa Esperança, Cana Brava, Foz do Bezerra32 (Pires do Rio, 1989). As matrizes de interação espacial, abaixo apresentadas, fornecem uma indicação da funcionalidade das regiões Amazônica e Sul projetadas como espaços estratégicos para exercerem a função de supridoras de energia. Os dados nelas assinalados remetem ao Plano 2010, elaborado pela Eletrobras no final dos anos de 1980.

Quadro 1: Fluxos Elétricos Inter-regionais previstos para 2005 (MW ano)

De Para N (+ MA) NE (-MA) SE+ CO (-MS) S (+MS) N (+ MA) 0 3.300 6.300 0NE (-MA) 320 0 0 0SE+ CO (-MS) 0 0 0 0S (+MS) 0 0 2670 0

Nota: N (+MA): região Norte e Maranhão; NE (-MA): região Nordeste, excluído o estado do Maranhão; SE + CO (- MS): regiões Sudeste, Centro Oeste, excluído o estado do Mato Grosso do Sul; S (+ MS): região Sul e estado Mato Grosso do Sul.

Fonte: Eletrobras, Plano 2010 apud Pires do Rio, 1989.

32 Muitas dessas UHEs tiveram sua construção interrompida durante os anos de 1980 devido `a

erosão da capacidade de financiamento do setor elétrico.

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58 Quadro 2: Fluxos Elétricos Inter-regionais previstos para 2010 (MW ano)

De Para N (+ MA) NE (-MA) SE+ CO (-MS) S (+MS) N (+ MA) 0 6.030 12.250 0NE (-MA) 0 0 0 0SE+ CO (-MS) 0 0 0 0S (+MS) 0 0 1760 0

Nota: N (+MA): região Norte e Maranhão; NE (-MA): região Nordeste, excluído o estado do Maranhão; SE + CO (- MS): regiões Sudeste, Centro Oeste, excluído o estado do Mato Grosso do Sul; S (+ MS): região Sul e estado Mato Grosso do Sul.

Fonte: Eletrobras, Plano 2010 apud Pires do Rio, 1989.

Merece atenção as projeções, já naquela época, do montante de transferências de blocos de energia, configurando, do ponto de vista dos requerimentos futuros em energia, os espaços estratégicos. Houve, naturalmente, revisões das projeções contidas no Plano 2010, mas todos os planos que a ele sucederam estavam marcados pela intensidade da crise econômica, pela instabilidade institucional e pela desvalorização intencional dos recursos que estavam nas mãos do Estado33. Os fluxos de energia, provenientes das regiões Norte e Sul em direção ao Sudeste e Centro-Oeste, foram parcialmente realizados, reafirmando o padrão de concentração existente. Independentemente das alterações na magnitude dos fluxos de energia, a premissa de transferência de energia elétrica, portanto a atribuição da funcionalidade permaneceu inalterada. Nesse sentido, duas idéias-chave merecem ser destacadas: em primeiro lugar, a escala de interconexção do sistema de energia elétrica e, em segundo lugar, a restrição aos sistemas isolados. Para viabilizar as transferências de energia, a lógica de operação do sistema só poderia ser nacional. Os sistemas isolados eram percebidos como restrições ao projeto modernizante de integração nacional, pois não operavam em escala suficiente para atrair investimentos.

Choque versus contra-choque: desdobramentos geopolíticos Desde o final do século XIX, as questões geopolíticas concentraram-se, conforme

foi mencionado anteriormente, na disputa entre potências por áreas de influência que representavam, na realidade, mercados supridores de matérias-primas e consumidores de bens manufaturados. Esta divisão territorial do trabalho, consolidou, portanto, uma estrutura espacial complementar e desigual em escala internacional. Condicionantes tecnológicos, econômicos e financeiros que permeam toda estrutura espacial apontam, no entanto, para questões sobre apropriação dos recursos e requerimentos em energia, articuladas `as demais escalas geográficas.

A disputa entre cartéis Do ponto de vista estritamente tecnológico, a principal transformação no início da

Revolução Industrial consistiu na possibilidade de alteração do tipo de energia empregada nas atividades de produção e de transformação. Em outros termos, as atividades produtivas deixaram de usar um fluxo intermitente de energia (moinhos de vento, tração animal) e passaram a trabalhar com um fluxo contínuo de energia (vapor). Considerando-se que a demanda no processo produtivo não é, a priori, por este ou aquele energético, e sim por calorias, a opção de utilização de uma ou outra fonte é histórica e geograficamente condicionada. Assim, a utilização do carvão como fonte de energia gerou um “mercado

33 Desvalorização esta acentuada durante o governo Collor.

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59cativo” para as companhias que atuavam verticalmente integradas e condicionou, igualmente, tanto o funcionamento como a estrutura do aparelho produtivo da época.

De modo semelhante ao que ocorreu no período da Revolução Industrial, a substituição do carvão pelo petróleo representou uma mudança tecnológica de grande amplitude. A necessidade de um substituto que apresentasse custos inferiores de transporte, melhores condições de armazenamento e poder calorífico superior levou `a substituição progressiva do carvão pelo petróleo, estabeleceu novos padrões técnicos de produção com desdobramentos na estrutura do aparelho produtivo em diferentes escalas (Pires do Rio, 1989). O avanço tecnológico, permitiu, assim, que lugares até então desprovidos de interesse mais imediato, assumissem importância estratégica para o aprovisionamento de energia em escala mundial, passando a constituir os principais pontos de origem dos fluxos internacionais (especificamente, neste caso, o Oriente Médio).

Tal transformação, fez com que a energia, sobretudo no que tange ao controle dos fluxos de energia primária, assumisse contornos de questão geopolítica. Esta mudança teve implicações importantes no que diz respeito ao controle das áreas que dispunham de reservas suficientes para suprir a demanda de energia. Deve-se lembrar que desde os movimentos emancipatórios do pós-guerra, a presença in loco do estado colonial não representava mais uma condição necessária à segurança de suprimento em energia e em outras matérias-primas. Nas áreas que dispunham de reservas suficientes para suprir a demanda em petróleo dos países industrializados, um novo tipo de agente econômico assumiu o seu controle com o intuito de assegurar o fluxo contínuo de energia: as grandes companhias petrolíferas.

Uma diferença siginificativa entre a estrutura da indústria de carvão e a estrutura da indústria de petróleo marcou a geopolítica internacional. De modo distinto do que ocorreu com a indústria do carvão, a indústria de petróleo emerge sob condição de monopólio. Desde a formação da Standard Oil, do grupo Rockfeler, até a formação do cartel das Sete Irmãs (EXXON, TEXACO, MOBIL, GULF OIL, CHEVRON, BRITISH PETROLEUM E SHELL) esta indústria sustentou-se pelo uso de mecanismos como barreiras à entrada de novos concorrentes, controle dos mercados consumidores e neutralização dos custos de transporte (Chevalier, 1986). Individualmente ou via cartel, essas companhias constituíram atores fundamentais da dinâmica da indústria de petróleo, sobretudo a partir dos anos de 1960. A descoberta de grandes reservas no Oriente Médio permitiu que essas empresas organizassem, pela capacidade financeira e tecnológica de que dispunham, todo o setor petrolífero dos países que compõem a região. De início, controlando toda a cadeia- extração, transporte, refino e comercialização de petróleo e derivados- as Sete Irmãs foram se concentrando nas etapas mais rentáveis, “deixando” a extração para empresas estatais que começavam a se constituir.

A OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo)34, criada em 1960, constituiu-se como nova força que, opondo-se ao cartel das companhias de petróleo, entrou na disputa pelo controle das reservas e da exploração de petróleo. Congregando, na época, os principais países produtores de petróleo, a OPEP adotou uma estratégia própria de nacionalização dos campos pretrolíferos, assumindo o controle da produção. O marco do fortalecimento da OPEP corresponde ao ano de 1969, quando a Líbia conseguiu assumir o controle de suas reservas e impôs o pagamento de impostos para a extração de petróleo. A posição privilegiada deste país em termos de proximidade do mercado da Europa Ocidental, bem como a qualidade do óleo cru (leve e pouco sulfuroso), favoreceram sua estratégia de apropriação de parte da renda petrolífera aí gerada. Essas conquistas

34 Os países fundadores da OPEP foram: Irã, Iraque, Kuweit, Arábia Saudita e Venezuela.

Posteriormente ingressaram no cartel: Indonésia, Libia, Argélia, Catar, Emirados Arabes Unidos, Nigéria, Gabão e Equador (utiliza-se, propositadamente, a nomenclatura da época).

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60engendraram um movimento importante de nacionalização das reservas nos demais países-membro. Evidentemente, condições externas e internas permitiram que, paulatinamente, a OPEP fosse fortalecida e pudesse adotar uma estratégia agressiva de redução da produção, provocando uma situação de escassez relativa: o primeiro e segundo choques do petróleo, respectivamente em 1973 e 1979.

Os efeitos dos dois choques são mais do que conhecidos: redução ritmo das atividades econômicas em escala internacional, grande volume de excedente, inflação. No longo prazo, porém, tais efeitos foram minimizados pela própria atuação das Sete Irmãs: investimentos em novas áreas produtoras (principalmente exploração em plataformas continentais), ampliação da capacidade de refino nos países-sede e concentração nas atividades de transporte e comercialização de derivados. Assim, o excedente dos produtos refinados era destinado ao mercado mundial, inclusive países da OPEP, o que assegurou `as companhias uma parcela significativa da renda petrolífera, ou nas palavras de Soja (1983) uma transferência geográfica de valor35. Importa, nesse contexto, salientar que a atuação das companhias foi potencializada pela possibilidade de controle dos fluxos que conectavam (e conectam) áreas estruturadas por uma organização espacial desigual mas combinada, condição necessária para que se realize a transferência geográfica de valor.

A partir da segunda metade da década de 1980, os investimentos efetuados na exploração em águas profundas, o aumento da eficiência energética do aparelho produtivo das economias mais dinâmicas e a diversificação da matriz energética dessas mesmas economias exceram um papel importante na neutralização das estratégias da OPEP. Os dados da época ilustram a capacidade de controle conquistada pela OPEP e sua posterior erosão: quando do primeiro choque do petróleo, a OPEP detinha 53% da produção mundial; no final dos anos de 1980, quando os resultados dos investimentos em novos campos, da diversificação da matriz energética dos principais mercados consumidores, do aumento da eficiência energética do aparelho produtivo puderam ser observados, sua participação relativa havia sido reduzida para 35% (Pires do Rio, 1989).

No que diz respeito à atuação das grandes companhias, os dois choques acabaram por viabilizar uma reestruração nas suas respectivas estratégias. As atividades de exploração e de produção foram total ou parcialmente substituídas pelas atividades de pesquisa e serviços em tecnologia, tanto para a indústria do petróleo como para a indústria de novas fontes de energia, em especial a indústria nuclear. A mudança fundamental reside no fato de que as companhias passaram a contar com mecanismos de tarifários e royalties, implantados para financiar a diversificação da matriz energética em vários países. Indiretamente, o controle sobre esses mecanismos tarifários e de financiamento operaram via empresas de equipamentos especializados para o setor de energia. Este ponto é importante, pois foi através dessas empresas que as grandes companhias de energia puderam criar fluxos complementares e, ao mesmo tempo, ter acesso ao financiamento internacional que priorizou o financiamento em equipamentos para o setor de energia em detrimento dos investimentos em prospecção e exploração (Niosi, 1988).

Em países como o Brasil, por exemplo, os dois choques desencadearam os investimentos em atividades de prospecção e produção em águas profundas. Os elevados investimentos, com recursos provenientes do mercado financeiro internacional, foram realizados pela Petrobras, detentora, na ocasião, do monopólio das atividades de produção e refino. Excluídas dessas atividades, as companhias asseguraram um outro tipo de mercado, igualmente vantajoso, o mercado de aditivos e da indústria petroquímica, além, evidentemente, do fornecimento de bens e equipamentos específicos para a indústria do petróleo, de eletricidade e nuclear.

35 Transferência geográfica de valor consiste no mecanismo através do qual o valor produzido numa

área é parcialmente realizado e, portanto, contribui para a acumulação em outra (Soja, 1983).

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61Deste painel resultam dois elementos essenciais com desdobramentos geopolíticos

importantes. O primeiro deles refere-se à constiuição e operação da OPEP que se contrapôs ao cartel formado pelas grandes companhias de petróleo. O confronto entre esses dois cartéis, um tipo de confronto entre organizações, portanto, bem distinto dos conflitos entre estados, nos termos da “geopolítica clássica”, resultou na possibilidade de ingerência, principalmente em países subdesenvolvidos, nas decisões de política energética. Isso porque as soluções de transferência de tecnologia avançada que viabilizassem o aumento da oferta interna de energia reforçaram o padrão de transferência geográfica de valor. O segundo elemento refere-se, por conseguinte, à disputa entre companhias, assistidas pelos atores públicos dos respectivos países-sede, por mercados organizados de onde seria possível a drenagem de recursos financeiros. O Programa Nuclear Brasileiro consiste num dos exemplos mais significativos do imbricamento de questões ditas setoriais com desdobramentos geopolíticos de segunda ordem.

No quadro atual novos elementos apresentam desdobramentos geopolíticos. O aumento dos preços do petróleo em 1999 foi rapidamente neutralizado, ou melhor, não teve a repercussão do primeiro e segundo choques, seja pelas dificuldades da própria OPEP (fragilidade interna, precariedade de organização para enfrentamentos de longo prazo) (Sidaway, 1998), seja pela relativa autonomia das economias ocidentais no que toca ao suprimento de petróleo pela OPEP. Além disso, outros elementos do processo de tomada de decisão das corporações interferem nas ações e representações geopolíticas. Em primeiro lugar, as companhias vinculadas ao setor de energia vêm se tornando multi-utilities, o que, em outras palavras, significa uma alteração em suas respectivas estratégias e características de atuação. Em segundo lugar, a abertura de mercados em expansão, via privatização e quebra de monopólio, para investimentos nas indústrias que operam em rede, principalmente em países subdesenvolvidos36, acaba minimizando os efeitos de ondas especulativas, como aconteceu em 1999/2000.

Políticas nacionais: interesses compartilhados Os efeitos dos choque abriram caminho para que segmentos do espaço passassem a

ser dirigidos por uma lógica de interesses compatilhados que acabou por criar enclaves territoriais. Esses enclaves foram hierarquicamente organizados e definidos segundo sua funcionalidade, grau de modernização e conexão com o mundo. Potenciais locais e regionais foram categorizados segundo a funcionalidade que poderiam desempenhar num sistema competitivo. Nesse sentido, as diferenças locais e regionais puderam ser valorizadas diante do quadro de crise internacional e, por conseguinte, passaram a constituir potencial de competitividade. Nas regiões com atributos valorizados pelo cenário internacional, isto é, dotadas dos recursos suficientes que permitissem e justificassem sua exploração, foram construídas vantagens competititivas, em diferentes escalas, num jogo geopolítico de coalizões relativamente estáveis (Pires do Rio, 1994). Ao contrário do que se supõe, polaridades do tipo interno e externo, nacional e internacional foram paulatinamente nuançadas pela emergência de fluxos, conectividade e redes (Castells, 1999). A partir de fragmentos de política energética de diferentes países como Brasil (Quadro3), Japão, Estados Unidos e ex-URSS (Quadro 4), traça-se um esquema comparativo que coloca em relevo a convergência entre os respectivos “interesses internos” e “externos”, mediados pela construção de vantagens competitivas. Trata-se, na realidade de indicar como fluxos, interações, movimentos e estratégias foram espacializados.

No caso do Brasil, de todos planos e programas de governo, o II PND constitui, ainda hoje, uma refência fundamental em termos do tratamento da energia como questão

36 O Brasil, entre outros, consiste num exemplo típico desta abertura de mercado.

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62geopolítica em escala nacional e sua articulação com o contexto internacional. Elaborado e implementado num contexto de crise de energia, as diretrizes, metas e objetivos buscavam conciliar os imperativos de segurança nacional, infra-estrutura em energia para assegurar o crescimento industrial que se pretendia acelerado, com o intuito de superar a “fronteira entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento” (Brasil, 1974). O quadro a seguir ilustra esses aspectos.

Quadro 3: Síntese da política de energia contida no II PND

Objetivos Linhas de Ação Medidas Aumento da oferta interna de petróleo

Programa de prospecção, produção de petróleo; Programa de Xisto

Substituição dos derivados de petróleo por outras fontes de energia

Eletrificação de ferrovias; deslocamento do transporte de massas para os setores ferroviário, maritimo e fluvial; Programa Nacional de Transportes Coletivos em áreas metropolitanas (metro; trens suburbanos); Programa Nacional do Alcool

Redução da dependência de fontes externas de energia

Redução da demanda de petróleo

Política de preços de derivados: eliminação de subsídios; limitação do horário de funcionamento dos postos de gasolina; tributação para lanchas de passeio; punição para ônibus e caminhões com motores desregulados; limite de velocidade em estradas; adoção de tecnologia poupadora de energia na indústria.

Emprego intensivo de energia de origem hidráulica

Desenvolver poder de competição em processos industriais intensivos em energia elétrica

Incentivo à indústria de alumínio. Programa de eletrotermia

Aumento da capacidade instalada e expansão dos sistemas de transmissão e distribuição de energia hidroelétrica

Programa ampliado de energia elétrica

Construção de grandes centrais hidroelétricas (Itatipu, Itumbiara, Xingu, Salto Santiago); estudos de viabilidade de Tucuruí e São Felix; construção da terceira central nuclear

Expansão e modernização da produção de carvão

Pesquisa para ampliação da utilização do carvão e de subprodutos

Programa de carvão

Utilização de novas fontes de energia

Programa de financiamento direcionado para fontes alternativas

Pesquisa em fontes não convencionais

Expansão da utilização de minérios energéticos nucleares

Produção de minérios energéticos nucleares

Pesquisa, lavra, instalação de usinas de concentração de urânio

Fonte: Pires do Rio, 1989.

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63 Quadro 4: Síntese dos elementos de política de energia da Ex-URSS , EUA e Japão

País Objetivos Linhas de Ação Aumento da produção de energia Aumento da produção de gás natural

(30%), eletricidade (20%) e petróleo (3%)

Aumento da eficiência no uso da energia Redução do consumo médio de energia

Ex-URSS

Aumento (ou manutenção) das exportações de energia para entrada de divisas

Substituição entre energéticos liberando para exportação gás natural, carvão e petróleo.

Estabilidade na oferta de energia para prevenção de escassez e flutuação de preços

Desregulamentação da indústria de energia e maximização do papel das forças de mercado; esforço em pesquisa e desenvolvimento; manutenção das reservas estratégicas

Segurança no aprovisionamento de energia (fontes domésticas e externas) a custos suportáveis

Apoio a programas de estabilização do cenário internacional; incentivar a produção de fontes nacionais; abertura para exploração das plataformas continentais

EUA

Intensificar a diversificação da matrix energética ampliando a utilização de fontes alternativas e intesificar a conservação

Desenvolvimento do tripé conservação, carvão e energia nuclear;

Segurança no aprovisionamento de energia

Diversificação das áreas supridoras de energia; promover a cooperação internacional

Redução da dependência do petróleo Aumentar o uso de carvão, uranio e GNL

JAPAO

Aumento da eficiência no uso da energia Pesquisa e desenvolvimento em oferta e consumo; reduzir as indústrias energético-intensivas; substituição de equipamentos

Fonte: Chapman, 1989. Da comparação entre os quadros apresentados, resulta que o domínio das políticas

de energia estende-se além dos respectivos espaços nacionais. O cruzamento dos elementos da política do Japão com a síntese da política brasileira, no mesmo período, fornece indicações precisas dos interesses compartilhados por esses dois países e suas implicações nos médio e longo prazos. De um lado, o Brasil afirma sua capacidade em criar fronteiras para investimentos, num longo processo de construção de vantagens competitivas apoiado em recursos naturais, recursos infra-estruturais e financeiros, que integravam um ciclo de investimentos a cargo, quase exclusivamente, do setor público (Pires do Rio, 1994). Nesse sentido, a articulação dos investimentos realizados na cadeia do alumínio na Amazônia Oriental retraram com particular evidência o imbricamento dessas respectivas políticas de energia. Participando dos investimentos na Albras-Alunorte, via NAAC, consórcio de empresas, traders e agentes de financiamento, o Japão realizou o objetivo de aumentar a eficiência interna de energia pela exportação de indústrias intensivas em energia (Pires do Rio, 1994). Do lado do brasileiro, a abertura de uma fronteira de investimentos, a

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64Amazônia Oriental, para a implantação da cadeia completa da indústria de alumínio (Mineração Rio do Norte- Alunorte– Albras) prestava-se aos objetivos de intensificação do uso de hidroeletricidade e expansão do parque de geração de energia elétrica pela construção de grandes UHEs, neste caso Tucuruí.

De modo diferente, as políticas de energia dos EUA e da Ex-URSS deixam entrever os conflitos potenciais, e reais, no que diz respeito, de um lado, ao apoio norte americano à “estabilização do cenário internacional”, e, de outro, a vulnerabilidade da Ex-URSS em termos de capitais, necessitando, portanto, assegurar tanto o ingresso de capital, como sua área de influência para garantir o suprimento interno de energia, as exportações e os mercados consumidores complementares. Um ponto de convergência entre as políticas soviética e japonesa merece atenção. O Japão passou a representar um mercado consumidor importante para as exportações de petróleo, o que ia ao encontro dos interesses japoneses em diversificar as áreas supridoras de petróleo. Ainda do lado soviético, a extensão da rede de gasodutos até a Grécia e Turquia abriam perspectivas de exportação para o mercado da Europa Ocidental.

A habilidade em transformar as dificuldades impostas pela conjuntura de crise consistiu, nos exemplos analisados, na organização de uma base material soldada por dois conceitos geoestratégicos: coalizões por interesses compartilhados e projeção no cenário internacional. As coalizões por interesses compartilhados permitiram o desenvolvimento de alianças com atores distintos, mas com peso suficiente para atender as necessidades de capital requeridas por essse tipo de investimento, tanto por recursos próprios como, e sobretudo, pela capacidade em alavancar recursos financeiros no mercado internacional. A projeção no cenário internacional assume expressão pelo deslocamento de tropas militares para assegurar a coerência de uma ordem dominante, ou para “conquistar” uma posição competitiva no mercado internacional.

O sistema energético no Brasil Um sistema significa a interrelação de elementos constituindo uma entidade ou

unidade global formada pela permanente interação desses elementos. A noção de interrelação traduz um processo contínuo de trocas mútuas e múltiplas que o caracterizam como unidade em constante transformação (Morin, 1977). Sua dinâmica reside na interdependência dos diferentes elementos. Estes e as formas a eles associadas, organizadas em estruturas, simples ou complexas, têm por finalidade a orientação dos fluxos que percolam no interior do sistema, e para ele se dirigem, vindos do “exterior”. Cada sistema passível de delimitação pode ser considerado um sub-sistema do sistema social no qual se insere, produzindo e reproduzindo um aspecto, material ou imaterial, do sistema social que o engloba.

O sistema energético, desse ponto de vista, pode ser definido pela conexão de recursos energéticos com as necessidades em energia através de diversos canais (Del Valle, 1980). Como parte do sistema social, o sistema energético pressupõe formas organizadas em estruturas que condicionam a direção e intensidade dos fluxos de energia. Pelas interações com os sistemas “externos” (produtivo e social), o sistema energético apresenta desdobramentos de ordem técnico-financeira e no padrão de consumo, modelando seu comportamento.

Num sistema energético, a estrutura é constituída pelo quadro jurídico-institucional que o delimita, pelas unidades de produção e geração, conectadas a pontos, áreas e centros de transformação e de consumo por meio de uma rede de comunicação e transmissão e, finalmente, pela lógica de indústrias em rede. Esta última deveria, pelo menos em tese, assegurar a excepcionalidade da energia em relação aos demais insumos produtivos. pois trata-se de um bem de consumo coletivo. A rede de comunicação contempla, além das rodovias, ferrovias e hidrovias, uma rede de dutos e linhas de transmissão específica para o

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65transporte de energia. Esta malha de dutos e linhas de transmissão assegura os fluxos que, não sendo simétricos, são direcionados segundo as necessidades criadas pelo sistema social e produtivo, englobando, portanto, atividades produtivas e não produtivas (Pires do Rio, 1989). Este último aspecto é relevante, pois traduz, efetivamente, o significado da energia não como uma commodity, mas como recurso para atender as condições mínimas de higiene e saúde da população, ou seja, como bem coletivo que pressupõe universalidade a seu acesso e não rivalidade no seu consumo.

Os primeiros marcos jurídico-institucionais Os marcos jurídico-institucionais consistem, no contexto deste trabalho, no

conjunto de instituições que asseguram a articulação das estruturas funcional e organizacional do sistema energético. Entende-se como estrutura funcional as formas que, conectadas, sustentam a geração, o transporte, a transformação de energia primária em secundária, e o atendimento da demanda. A estrutura organizacional é circunscrita pelos atores que interferem na realização das funções, isto é, o ator público, as companhias de energia, e atores sociais. Esses marcos refletem, pois, uma lógica e racionalidade que definem objetivos e transformam, no tempo e no espaço, as estruturas delas resultantes. O agente público pôde atuar, assim, segundo duas modalidades distintas: como regulador e como agente econômico.

Sinteticamente, pode-se considerar que o quadro jurídico-institucional que ofereceu suporte `a consolidação do sistema energético no Brasil começou a ser construído nos anos de 1930, quando foram adotados, em 1934, o Código de Aguas e o Código de Minas e, em 1938, quando foi criado o Conselho Nacional de Petróleo (CNP). Além dessas intituições, o Estado passou a atuar diretamente na geração e transmissão de energia elétrica através de empresas públicas, de âmbito regional, criadas para esta finalidade. A fundação da CHESF, em 1946, constitui um bom exemplo desta segunda modalidade de atuação.

No contexto do imediato pós-guerra, o estabelecimento de um quadro institucional, mesmo que precário, constituía uma restrição à atuação do capital externo na exploração de recursos minerais e na produção de energia. O ressarcimento ao Brasil dos empréstimos efetuados durante a Segunda Guerra, via financiamento de obras de infra-estrutura e indústrias de base (CSN e ACESITA, por exemplo), teve nas missões de “cooperação técnica” os argumentos para assegurar parte de um mercado em crescimento. As recomendações das missões Cook e Abbink, realizadas, respectivamente, em 1943 e 1948, insistiam na necessidade de uma abertura ampla do espaço nacional aos investimentos diretos nesses setores da economia (Pires do Rio, 1989).

Este quadro definiu, por um lado, os limites necessários para a realização de dois objetivos de política de crescimento industrial: segurança de aprovisionamento em energia e a demarcação, no campo jurídico-institucional, das diretrizes gerais que deveriam regulamentar a atuação do capital externo em setores considerados estratégicos. A empresa pública concentrou, por outro lado, sua atuação nas áreas consideradas pouco rentáveis e, por conseguinte, de reduzido interesse para o capital privado. Apesar do crescimento constante dos investimentos públicos, o setor de energia representou 16% do total de investimentos efetuados no período 1949-1953 (Egler, 1987). No que diz respeito `as fontes de energia consideradas modernas, derivados de petróleo e hidroeletricidade, seu ingresso na matriz energética do Brasil só pode ser observado de modo definitivo quando da implementação do Plano de Metas (Martin, 1966). Os estudos que se reportam a este período (Martin, 1966; Egler, 1987; Oliveira e Araújo, 1983) constatam ainda a expressiva expansão do consumo de energéticos “modernos”, comandada pelo setor industrial; mudança importante, pois até então o consumo era conduzido pelos setores residencial e de transportes. O Plano de Metas configurou, portanto, um ponto de inflexão na matriz energética. Esta inflexão teve desdobramentos no quadro institucional que ganhou em

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66complexidade com a criação, em momentos diferentes, de empresas públicas de energia para atuarem em escala nacional: Petrobras, em 1954, e Eletrobras, em 1962. Evidemente, o modelo federativo, suficientemente concentrado, buscou, desde o Estado Novo, um grau elevado de uniformidade no que tange às decisões de políticas setoriais e que tiveram rebatimento sobre todo o território.

A autonomia das empresas no que tange à definição de tarifas sempre foi reduzida. Para as tarifas de energia elétrica, preços, alíquotas e impostos que sobre elas incidiam eram definidos pelo extinto DNAEE (Departamento Nacional de Aguas e Energia Elétrica). De modo semelhante, os preços, impostos e normatizações sobre os derivados de petróleo eram definidos pelo CNP. Este quadro institucional passou a atuar, todavia, como força de inércia para remoção de pontos de estrangulamento estrutural. Entre 1980 e 1994, as tarifas de energia elétrica e os preços dos derivados foram usados como instrumentos de política anti-inflacionária, provocando uma degradação na capacidade de auto-financiamento das empresas que atuavam nas respectivas indústrias. Este quadro permaneceu praticamente inalterado até os anos de 1990, quando da implementação das reformas administrativas nas duas últimas gestões de Fernado Henrique Cardoso. Nesse período, as mudanças no quadro jurídico-institucional contemplaram os seguintes aspectos: a) supressão dos órgãos definidores de preços e tarifas (DNAEE e CNP), b) criação das agências setoriais (ANEEL, ANP), c) privatização de segmentos da cadeia de energia elétrica, e d) quebra do monopólio nas atividades de prospecção e exploração de petróleo e de comercialização de derivados.

Consolidação e crise Reflexo do movimento nacionalista presente desde a década de 1930, a montagem

do quadro jurídico-institucional representou mudanças significativas na estrutura espacial do país. A criação da Petrobras e da Eletrobras estava associada ao controle, por parte do Estado, dos recursos que eram estratégicos para o crescimento de uma economia, cada vez mais, caracterizada por sua dinâmica urbano-industrial. A diferença fundamental entre essas duas empresas residiu na atribuição do monopólio para a Petrobras. A Eletrobras, ao contrário, constituiu-se como holding do setor elétrico, assumindo a coordenação das atividades financeiras das empresas federais e estaduais que atuavam nos mercados periféricos, enquanto a área de maior dinamismo, o eixo Rio-São Paulo, era atendida pela Ligth37, empresa privada de capital estrangeiro. A Petrobras representa, basicamente, o início da indústria do petróleo no Brasil, enquanto a Eletrobras, entra numa indústria já organizada, embora deficiente em termos de atendimento `a população.

Como os investimentos em energia são capital-intensivo e constatemente excedem, em muito, a capacidade interna de financiamento, os recursos provenientes das agências internacionais de financiamento sempre influenciaram as decisões de localização dos investimentos. Assim, os investimentos da Petrobras se concentraram na ampliação da capacidade de refino, parte da indústria de petróleo que, na ocasiaão, contava com a participação do capital privado. Segmento mais dinâmico dessa cadeia, as refinarias implantadas pela Petrobras representaram um aumento significativo na oferta interna de derivados para os vários ramos da atividade industrial: em 1957 as refinarias da Petrobras representavam 65% da produção de derivados realizada no país (Martin, 1966).

No que diz respeito ao setor de energia elétrica, a existência de empresas do porte da Light dificultaram bastante a criação de uma empresa pública de atuação em escala

37 A história da Light ilustra com clareza a evolução da estrutura organizacional do setor elétrico. De companhia de capital canadense, a Light foi nacionalizada pouco antes de terminar sua concessão para ser, posteriormente privatizada. Para os consumidores atendidos por esta empresa, a privatização representou a perda substancial na garantia do fornecimento de energia elétrica e o aumento substancial das tarifas. Os frequenstes cortes no fornecimento de energia elétrica antecederam, em muito, `a atual crise.

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67nacional. De modo diferente do que ocorreu no setor de petróleo, a participação do capital privado no setor de energia elétrica esteve mais presente. Desde a elaboração do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), em 1964, aventava-se a possibilidade de privatização desse setor (Pires do Rio, 1989). As fontes internacionais de financiamento, principalmente o Banco Mundial, recomendavam, entretanto, que esses investimentos, dada a magnitude por eles requerida, fossem executados pelo setor público.

Todo o processo de consolidação do sistema energético esteve associado `a construção de um espaço sistêmico que conferisse significado à experiência de integração. O modelo centralizador e concentrador guardava, nesse sentido, uma coerência interna. De modo substancialmente diferente do II PND, os programas, políticas e ações sistematizados no Brasil em Ação e, na sua segunda versão, o Avança Brasil, a reação do setor privado aos estímulos ofertados por esses programas restringiu-se à participação nos leilões de privatização. Do conjunto de compromissos fixados na agenda pós-privatização, apenas o aumento das tarifas públicas, sem a correspondente melhoria e ampliação dos serviços em áreas carentes dessa infra-estrutura, foi efetivado.

Sinteticamente, as bases materiais que propiciaram o sistema energético foram estabelecidas pelos princípios elementares do funcionamento de indústrias em rede: conectividade, instantaneidade, e simultaneidade. A conectividade foi assegurada pelas redes de dutos e linhas de transmissão, específicas para transporte de energéticos, pelas demais vias de comunicação que ligavam as unidades de geração aos pontos de estoque e de redistribuição. Como foi anteriormente observado, a lógica dessa conexão foi guiada pela integração em escala nacional. Por outro lado, essas redes técnicas favoreceram, também em escala nacional, a oferta quase instantânea de energia (Dias Leite, 1999). Finalmente, o pressuposto de atendidmento extensivo ao conjunto da população está vinculado ao princípio de simultaneidade, ou seja, o consumo de energia por vários agentes ao mesmo tempo. Concretizado na escala nacional, nas escalas regional e local, esses princípios elementares não podem ser, contudo, observados.

Além disso, um outro aspecto deve ser evidenciado: o sistema não está mais circunscrito aos limites administrativos do território. Os fluxos, movimentos e transferências de energia dependem da articulação em escalas mais amplas, ou melhor com novos níveis regionais. O trajeto do gasoduto Bolívia-Brasil retrata essa mudança: a funcionalidade anteriormente atribuída prioritariamente à Amazônia passa agora a ser exercida por uma região fora do domínio adminstrativo e institucional do estado brasileiro. Por outro lado, as próprias exigências das indústrias em rede no que se refere às condições mínimas requeridas, elevada densidade de consumidores para extensão da rede, minimização do tempo de entrega da energia (instantaneidade), não importando a distância, e a redução de custos e riscos na realização e operação do investimento, sugere a continuidade da polarização e desigualdade em termos de execução da missão de serviço público. Na escala urbana a rede complexa de distribuição que permitiria atender consumidores residenciais e industriais, em continuidade, é limitada em sua extensão. Na escala regional, as áreas cortadas pelo gasoduto são igualmente pouco densas em termos de atividades econômicas.

Todo o debate dos anos de 1990 concentrou-se na incapacidade do ator público em realizar tais princípios. A abertura à concorrência das indústrias em rede modificaram substancialmente as estruturas organizacional e funcional do sistema de energia. Todavia, os recentes acontecimentos e a ameaça de racionamento de energia colocam importantes questões no que diz respeito às exigências de manutenção do serviço público, essencial para funcionamento da economia e para o atendimento das necessidades básicas da

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68população38. A crise de fornecimento de energia expôs com clareza a fragilidade estrutural sobre a qual se assenta a infra-estrutura de acesso aos bens de consumo coletivo.

Cinco questões-chave para uma abordagem geopolítica da energia no Brasil A trajetória percorrida neste capítulo buscou mostrar tanto do ponto de vista

conceitual como empírico que uma abordagem geopolítica e, em particular da geopolítica da energia no Brasil, abre um vasto campo para uma análise mais compreensiva das práticas e representações espacias. Cada aspecto abordado requer a consideração de respostas coletivas num processo de gestão, distante, portanto, das práticas exclusivamente intervencionistas ou das práticas governadas estritamente pelas estratégias companhias que controlam os fluxos e movimentos de energia. Da análise aqui apresentada cinco questões-chave estariam ligadas ao desenvolvimento de um modelo mais descentralizado e cooperativo do sistema energético, envolvendo uma dimensão geopolítica.

• No curto prazo e médio prazos, sem folgas no sistema para acompanhar os surtos intermitentes de crescimento e minimizar os problemas, mais que decantados, de redução dos níveis pluviométricos, qual seriam as possibilidades efetivas de inserção de consumidores e de áreas, até o presente, excluídas das redes técnicas?

• A estrutura organizacional tornada um campo de forças pela introdução da concorrência significou apenas uma partilha cartorial dos mercados geográficos, quais os possíveis impactos na dinâmica espacial?

• A incapacidade de estabelecer políticas alternativas de longo prazo tornou-se um dado estrutural, o que representaria, em termos de dinâmica espacial, a perda da coerência sistêmica?

• A prestação de serviço público tornou-se objeto de comportamentos estratégicos das mais diferentes companhias, que modificações tais comportamentos trazem para o conteúdo de fluxos e movimentos, categorias de consumidores e áreas beneficiadas (e/ou não beneficiadas) pelos serviços?

• A perda de coerência sistêmica está presente ainda na fragmentação da coordenação de conjunto segundo o modelo das agências que, sem experiência de planejamento estratégico, mesmo setorial, tornam-se vulneráveis às pressões dos novos agentes, como definir uma coordenação que assegure tal coerência se o cerne do problema se deslocou para as estratégias individualizadas das companhias em detimento da missão de serviço público?

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38 Lembra-se que um bem coletivo tem como característica de um bem coletivo reside na

impossibilidade de exclusão de qualquer indivíduo ou conjunto de indivíduos de um serviço, inclusive aqueles que não contribuem para seu financiamento (Lévêque, 1998).

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71 Planejamento territorial, modernização portuária e logística.

O impasse das políticas públicas no Brasil e no Rio de Janeiro* Frédéric Monié∗∗

Introdução A globalização reativa a competição entre os territórios para a captação de fluxos

de bens, capitais e informações que circulam em volumes cada vez maiores no espaço econômico mundial. Por isso, atores econômicos e políticos fluminenses organizaram-se ao longo dos anos de 1990 no sentido de reposicionar seu estado no jogo econômico macro-regional e global. Este projeto de inserção competitiva do Rio de Janeiro nos circuitos comerciais e produtivos globais, idealizado numa conjuntura caracterizada pela crise do modelo industrial-desenvolvimentista, aposta, em particular, na dotação da economia regional em equipamentos e infra-estruturas de ultima geração e em mudanças de ordem institucional que permitem captar volumes crescentes de fluxos materiais e imateriais.

A redefinição dos sistemas de transporte e portuário, caracterizados por custos operacionais elevados e precárias condições de funcionamento, surgiu então como uma prioridade para a qualificação do espaço produtivo fluminense, ao ponto que a modernização das infra-estruturas de comunicação tornou-se um quesito fundamental para fazer do Rio de Janeiro o elo estratégico de inserção do país no novo cenário global. Porém, pretendemos aqui demonstrar que a eficiência no escoamento dos fluxos não pode representar um fim em si na medida em que a competitividade econômica depende cada vez mais da capacidade dos atores regionais de mobilizar os recursos oferecidos pelos territórios.

Em conseqüência, a valorização dos fluxos de mercadorias depende sobretudo da qualidade das interações entre os atores, pressupondo um ambiente produtivo capaz de atender demandas que superam a simples eficiência técnica das redes de comunicação. Assim, além da fluidez das circulações, a produtividade da cadeia logística depende em proporções crescentes das relações entre o segmento transporte e os serviços de apoio ao comércio e à produção que agregam valor ao fluxo. No entanto, as políticas públicas promulgadas nos anos 1990 no Brasil e no Rio de Janeiro no intuito de modernizar as infra-estruturas de transporte e os portos ilustram a dificuldade de levar em consideração estas variáveis e de operar a transição rumo a uma definição da logística como mobilização de competências técnicas e sociais a serviço do desenvolvimento dos territórios.

Transporte e portos na economia global de circulação A economia mundial passa atualmente por um profundo processo de reestruturação

que se traduz em particular pela emergência de novos territórios produtivos, por um forte crescimento do comércio internacional e pela adoção de novos métodos de gestão dos fluxos. Essas mudanças implicam em uma reconfiguranção dos sistemas de transporte em virtude do caráter cada vez mais complexo das demandas dos agentes econômicos e, de modo mais geral, das exigências impostas pelo novo modelo de acumulação flexível.

Reestruturação produtiva e nova economia dos fluxos Nas décadas do pós Segunda Guerra mundial, o fordismo, articulado em torno do

tripé produção-consumo de massa-intervenção do Estado e centrado, ao mesmo tempo, na

* Capitulo do livro: Monié, F & Silva, G – org. – (2003): A mobilização produtiva dos territórios. Instituições e logística do desenvolvimento local. Rio de Janeiro, DP&A Editora (no prelo).

∗∗ Professor adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador do CNPq pelo Laboratório de Gestão do Território – LAGET-PPGG/UFRJ..

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72fábrica industrial e no território nacional, garantiu crescimento econômico e desenvolvimento social aos países centrais (BOYER, 1990; HARVEY, 1989). No final dos anos 1960, este modelo começou a apresentar sinais de esgotamento: declínio relativo dos ganhos de produtividade; saturação dos mercados de bens de consumo; oscilações quantitativas e qualitativas dos mercados que colocam em questão a rigidez da produção e da relação salarial; contestação crescente da organização do trabalho industrial e da sociedade de consumo. Mas, numa conjuntura mundial cada vez mais incerta, a restauração das margens de lucro mediante uma nova corrida às economias de escala parecia inviável.

O desafio consistiu, então, no re-estabelecimento de altos níveis de rentabilidade mediante um intenso processo de reestruturação do trabalho e da produção (LABTeC, 1999). A diminuição, pelas grandes empresas, dos custos de produção, obtida, em particular, através da substituição do trabalho pelo capital, da externalização crescente das funções de produção ou da re-localização de parte do aparelho produtivo, geralmente em direção a países emergentes, representou uma primeira mudança fundamental em relação ao modelo de acumulação fordista39.Uma segunda característica do capitalismo pós-fordista reside na segmentação e na diferenciação dos mercados provocando uma concorrência acirrada entre as firmas na busca de novos nichos de consumo. Essa tendência supõe, de um lado, um aumento dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e, de outro, a adoção de novos padrões de gestão a fim de atender as demandas, sempre mais complexas, de um número crescente de clientes. Assim, segundo VELTZ (1996), assistimos à transição de uma economia de massa para uma economia de variedade e de fluidez, que transforma a densidade e a qualidade das interações em fator central da produtividade dos territórios.

Além disso, a própria natureza dos fluxos sofreu grandes transformações nestes últimos anos. Os fluxos da economia pós fordista são caracterizados pela diminuição das quantidades de mercadorias transportadas, pelo aumento das distâncias percorridas e pela diferenciação da gama de produtos que circulam. Essas mudanças supõem a adoção de novos padrões de gestão, sobretudo o just-in-time, que permitem conceber, vender, produzir e distribuir os produtos em tempo ágil e em escala global. Essa evolução exige uma grande adaptabilidade da cadeia de transporte frente à rápida mudança qualitativa dos fluxos exigindo cada vez mais pontualidade, qualidade e segurança na circulação. Paralelamente, a estratégia de multilocalização de sua base produtiva adotada pelas firmas dos países desenvolvidos contribui para o forte aumento das trocas inter e intrafirmas, reconfigurando, assim, a geoeconomia do comércio internacional. Por isso, a noção de circulação torna-se uma questão central desse modelo pós-fordista que vende a mercadoria antes de sua produção e impõe uma reorganização completa dos sistemas de transportes nos seus aspectos infra-estruturais, institucionais, gerenciais e operacionais.

A redefinição da logística Neste contexto a emergência de novos espaços econômicos e as novas formas de

concorrência entre as firmas conferem à competitividade da cadeia logística um papel de destaque no cenário econômico global. VELTZ (1996: 200) aponta assim o fato que a interconexão das operações de produção e de circulação em grandes escalas e o aumento dos critérios de competitividade, assim como os prazos e a qualidade do serviço projetam a gestão dos fluxos internos e externos - antigamente função de intendência de segundo nível - ao centro da estratégia das firmas. Essa gestão da circulação revela-se particularmente complexa devido à pulverização espacial do processo de produção, às exigências do just-in-time e à variedade dos produtos transportados. Esses fatores supõem

39 Os economistas regulacionistas falam em flexibilidade defensiva para caracterizar a busca

sistemática de diminuição dos custos de produção. Ver LIPIETZ & LEBORGNE (1994).

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73arquiteturas logísticas hierarquizadas, articulando redes primárias (onde os fluxos estão concentrados) e redes secundárias de desconcentração e redistribuição (VELTZ, 1996: 201). As plataformas logísticas se multiplicam e aparecem, cada vez mais, como um elemento central dessas novas arquiteturas operacionais e gerenciais. As plataformas têm por função básica operações de armazenagem e gestão das mercadorias, por produtos ou lugar de destino, que requerem em particular a adoção de métodos de gestão complexos e o uso de programas informáticos sofisticados. Mas, uma plataforma pode também agregar valor aos fluxos, através de operações de embalagem, etiquetagem, manutenção, segmentos de fabricação fina, entre outros. (BOLOGNA, 1998). Ou seja, a logística não se limita somente ao transporte e aos seus serviços anexos – manutenção, armazenagem, etc. Graças às possibilidades abertas pelas novas tecnologias da comunicação e da informação ela posiciona-se como instrumento privilegiado da imbricação das esferas do consumo, da produção e da distribuição. A logística, antes “fechada”, definida segundo uma perspectiva funcionalista centrada na eficiência de cada segmento operacional – produção industrial, transporte – abrange hoje um universo aberto de potencialidades indispensável para a organização da produção em escala global.

A capacidade de criar sinergias entre atores e articular estas diferentes esferas confere então à cadeia logística eficiência e produtividade. Dentro dessa cadeia, o setor dos transportes passa por uma profunda reformulação tecnológica, institucional e, sobretudo, organizacional. Em primeiro lugar, o crescimento do comércio, a dificuldade de imobilizar produtos de alto valor agregado, a minimização dos estoques das empresas e a lógica do fluxo intensivo exercem uma pressão considerável sobre o setor, cuja produtividade é determinante para a competitividade dessa economia da circulação. Em segundo lugar, além da eficiência e da rapidez na circulação, os atores econômicos impõem igualmente imperativos em termos de redução dos seus custos de transporte. A modernização da gestão das operadoras, o progresso tecnológico e a qualidade das infra-estruturas permitiram reduzir consideravelmente os custos do setor ao longo das últimas décadas. No entanto, redução dos custos e melhoria do desempenho operacional dos vetores e dos pontos nodais da economia de circulação não podem constituir a finalidade exclusiva das políticas públicas de desenvolvimento territorial. Além disso, a inserção na globalização não deve limitar-se a um simples projeto de captação dos fluxos do comércio internacional sem preocupação com a inscrição territorial desta adaptação ao novo capitalismo global. As orientações recentes das políticas territoriais no Brasil ilustram ao nosso ver a dificuldade de definir um projeto de desenvolvimento inovador ancorado na mobilização dos recursos oferecidos pelos territórios.

Retórica e prática das novas políticas de desenvolvimento territorial no Brasil

No caso específico do Brasil, duas dinâmicas incentivaram, a partir do início dos anos 1990, atores econômicos e autoridades políticas a preocupar-se com a elaboração de novas orientações em termos de desenvolvimento territorial após mais de uma década de inércia. Por um lado, o esgotamento do modelo nacional-desenvolvimentista e o discurso do governo federal relativo à inserção competitiva do país na globalização atualizaram a necessidade de adequar a estrutura de circulação terrestre às novas demandas da economia nacional, macro-regional e global. Do outro lado, o debate referente à organização do território brasileiro ganhou uma nova dimensão, em função das perspectivas abertas pela construção do Mercosul e da ambição do Brasil de se posicionar como a grande potência regional da América do Sul. Ou seja, existem tendências integracionistas evidentes no que diz respeito à emergência e a consolidação de novas articulações produtivas e geopolíticas do país com o sub-continente e com o mundo (COSTA: 1999).

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74Estas dinâmicas se revelaram determinantes para estimular uma reflexão sobre o

tipo de planejamento territorial mais adequado ao novo contexto econômico e geopolítico. Observamos, assim, a emergência de novas demandas que dizem respeito, em primeiro lugar, a circulação dos fatores de produção numa economia cada vez mais aberta sobre o exterior mas cuja base infra-estrutural de circulação continua caracterizada por uma grande precariedade em todas as modalidades. Ou seja a luta contra o chamado “Custo Brasil” se revelou neste momento decisiva para justificar a retomada dos grandes investimentos infra-estruturais e re-atualizou, em particular, a necessidade de reestruturar e modernizar o setor dos transportes. O “Custo Brasil” é, com efeito, compreendido como um conjunto de gargalos – institucionais, operacionais etc. – que encarecem os custos de produção das firmas e afetam, conseqüentemente, sua capacidade de competir com suas concorrentes estrangeiras no âmbito de uma economia em processo de abertura e profunda reestruturação. Ou seja, este custo por onerar as exportações representaria o maior obstáculo à inserção do Brasil no novo cenário global, esta última sendo concebida como um simples processo de articulação nos fluxos do comércio internacional que supõe então a identificação de elos (as grandes metrópoles e seus serviços) e de vetores (infra-estruturas de comunicação) suficientemente eficientes para se tornar competitivo (COCCO: 2001). A aplicação de algumas receitas universais – desregulamentação, privatizações de monopólios estatais, modernização das infra-estruturas de comunicação – deveria então garantir uma maior competitividade da base produtiva nacional num contexto mundial cada vez mais concorrencial.

Paralelamente, a reflexão sobre a organização do território brasileiro ganhou novos contornos em função do novo contexto geopolítico continental. COSTA (1999) sublinha assim de que maneira este último estimula uma re-conceituação de sistemas de circulação terrestre que foram concebidos como instrumentos a serviço da integração nacional e da contenção do expansionismo das potências regionais rivais – no caso do Brasil, principalmente a Argentina. A segregação das redes de circulação multiplicou as disjunções físico-operacionais como ilustra o caso da largura diferenciada das bitolas ferroviárias entre os diferentes países da América do Sul (COSTA: 1999). A eliminação destas rupturas violentas na circulação de mercadorias e pessoas constitui então hoje um desafio para o subcontinente num contexto caracterizado pelo aumento das interações e pelo dinamismo crescente de algumas regiões fronteiriças.

O novo ambiente geopolítico regional e o projeto de combate ao “Custo Brasil” foram então determinantes para a retomada das discussões acerca de um projeto de desenvolvimento territorial para o país, num contexto de estabilização econômica e financeira e de crescente retirada do Estado da esfera produtiva direta. A adequação das infra-estruturas de comunicação às novas articulações produtivas e comerciais que se consolidam nas escalas macro-regional (em particular Mercosul) e intercontinentais foi então considerada prioritária. A elaboração dos Programas Plurianuais de Desenvolvimento Brasil em Ação (1996/99) e, num segundo momento, Avança Brasil (2000/03), que marcam um ajuste conceitual das políticas territoriais a algumas das exigências do novo paradigma produtivo e geopolítico, constituiu então uma resposta a estas novas demandas. Estes planos apresentam assim avanços conceituais em relação aos corredores de exportação concebidos durante a segunda metade dos anos 197040. Em primeiro lugar, a política federal articula-se doravante a interesses regionais localizados (no caso do Rio de Janeiro, o Conselho Coordenador das Ações Federais) que legitimam, de certa maneira, grandes empreendimentos que a “sociedade local reivindicava há muito tempo” mas que nunca foram implementados, como o porto de Sepetiba no caso da

40 Concebidos pelo GEIPOT estes últimos tinham como vocação principal o escoamento da

produção do complexo agro-industrial nacional em direção aos portos marítimos.

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75metrópole fluminense (COCCO: 2001). Em segundo lugar, os investimentos contemplam, além das infra-estruturas de transporte, de telecomunicações e energia, setores como a educação, a saúde e a habitação41.

A nova política de desenvolvimento territorial apresenta então avanços conceituais nítidos em relação aos conceitos de pólos de desenvolvimento e de corredores de exportação que constituíam tradicionalmente o pano de fundo das políticas federais de ordenamento do território na era nacional-desenvolvimentista. No intuito de delinear uma “nova geografia econômica e social” do país, os PPAs desenham os chamados Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento – ENID – que pretendem articular todas as escalas geográficas – incluindo o Cone Sul e o resto do subcontinente – graças a uma abordagem mais reticular do planejamento; promover novas formas de gestão dos projetos públicos; estimular a multimodalidade de transporte, etc. Após um levantamento exaustivo das potencialidades produtivas, assim como dos gargalos técnicos e sociais apresentados por cada eixo, o governo federal se propõe, através dos PPAs a aplicar, em parceria com a iniciativa privada, investimentos ao longo de cada um dos 12 Eixos que cobrem a totalidade do território nacional. Ou seja, estamos diante de uma nova abordagem, relativamente dinâmica, que levanta a possibilidade de mobilizar recursos produtivos localizados para gerar novas fontes riqueza e alimentar macro-vetores de circulação.

No entanto, apesar dos avanços mencionados, a nova política de desenvolvimento territorial traz problemas decorrentes de certas ambigüidades e lacunas na própria concepção do “novo planejamento territorial” e de um descompasso nítido entre a retórica conceitual (freqüentemente inovadora) e a prática do planejamento (freqüentemente conservadora). As limitações da nova política de ordenamento do território aparecem, assim, na sobrevivência do determinismo tecnológico e do caráter funcionalista que a caracterizaram durante a era industrial. Para BRANDÃO & GALVÃO (2003), estas limitações aparecem na própria concepção dos Eixos, elaborados como misto de regiões de planejamento e corredores de transporte stricto sensu. Os mesmos autores ressaltam que, no final dos anos de 1990, a crise financeira e as taxas de crescimento inferiores às expectativas incentivaram o governo federal a priorizar alguns grandes projetos e a esvaziar em conseqüência o PPA. Este último se tornou então num conjunto de empreendimentos de grande porte42 e de grande visibilidade, associado a uma ampla campanha de marketing. Este rumo contribuiu para transformar a modernização das infra-estruturas físicas de transporte – sobretudo rodovias, ferrovias, portos- numa prioridade absoluta para as autoridades federais e seus relais regionais. Finalmente, a opção em favor da grande obra fez ressurgir a “ideologia” do impacto estruturador das infra-estruturas, compreendidas como os instrumentos mais adequados para promover o desenvolvimento sócio-econômico e inserir o país nos fluxos da globalização. Nestas condições, o ordenamento do território, continua sendo apreendido em escala macro, de forma extremamente verticalizada – de cima para baixo – e na base de variáveis operacionais que ilustram uma grande preocupação com a captação e a redistribuição dos fluxos – materiais e imateriais – do comércio internacional. Não existe nenhuma preocupação em pensar uma logística aberta e transversal que se fundamenta na mobilização produtiva dos territórios. Porém, tornar a economia brasileira mais competitiva no cenário global exige a elaboração de novos arranjos gerenciais, institucionais e tecnológicos suscetíveis de substituir o simples trânsito de mercadorias por estratégias voltadas para a valorização desses fluxos.

À estas ambigüidades conceituais convém acrescentar outras limitações que relativizam o caráter inovador das políticas recentes de desenvolvimento territorial. A

41 Na sua primeira versão o plano Brasil em Ação contempla investimentos em 42 projetos considerados prioritários sendo 26 deles de cunho infra-estrutura l e 16 de cunho social.

42 Para uma apresentação dos grandes programas infra-estruturais do Brasil em Ação e Avança Brasil ver COSTA (1999).

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76defasagem entre a retórica inovadora do Brasil em Ação e do Avança Brasil e a implementação destes programas aparece, por exemplo, no esvaziamento do discurso sobre a centralidade da questão ambiental ou da dimensão democrática no novo planejamento territorial brasileiro. Apesar de considerar a conservação do meio ambiente um vetor de geração de emprego e renda e não um empecilho ao desenvolvimento43, o que significa a introdução inédita da variável ambiental num programa deste porte, os estudos preliminares realizados neste sentido, assim como as realizações posteriores, desmentem em grande parte essa proposta. Os impactos da regularização do sistema Araguaia-Tocantins e da hidrovia Paraná-Paraguai sobre os Cerrados e o Pantanal, que podem segundo EGLER (1999) inviabilizar um verdadeiro projeto regional de desenvolvimento, foram subestimados ou, em certos casos, ignorados. Da mesma forma, a preocupação com a “pesca esportiva” no Centro Oeste contrasta, por exemplo, com a ausência da questão da contaminação dos mananciais e do esgotamento dos recursos hídricos no Distrito Federal e Entorno (EGLER: 1999). Podemos, também, mencionar que a valorização da biodiversidade como vetor de desenvolvimento acabou escamoteada pela prioridade outorgada a realização de grandes obras conforme ilustra o caso do Rio Madeira cuja vocação parece não extrapolar até agora o simples escoamento da soja produzida na Chapada dos Parecis.

Podemos, enfim, observar uma real dificuldade de superar a lógica tecnocrática que caracterizou o período desenvolvimentista. Ou seja, os PPAs ilustram a incapacidade notória de democratizar o planejamento territorial, que já vinha sofrendo no Brasil um certo desgaste na sociedade por ser associado por muitos aos grandes empreendimentos do período militar (COCCO: 2001 & BRANDÃO & GALVÃO: 2003). As ambigüidades conceituais e os descompassos entre uma retórica inovadora e uma prática conservadora do planejamento territorial aparecem, ao nosso ver, claramente nas orientações que dizem respeito a modernização do sistema portuário brasileiro em geral e, em particular no projeto de ampliação e reestruturação do porto de Sepetiba no Estado do Rio de Janeiro.

3. As ambiguidades do planejamento territorial no Rio de Janeiro: o exemplo do “projeto Sepetiba”

No Rio de Janeiro também o projeto de inserção competitiva na globalização produziu um consenso em torno de um “Custo Rio de Janeiro” que representaria o maior empecilho para o ingresso da metrópole e do Estado no novo cenário global. As precárias condições de circulação e os altos custos operacionais dos portos e das redes rodoviária e ferroviária foram assim considerados determinantes para a desqualificação do ambiente produtivo regional numa conjuntura exigindo redes técnicas cada vez mais eficientes e sofisticadas. Em conseqüência, a aplicação de algumas soluções universais permitiria construir um sistema logístico regional suscetível de re-dinamizar a economia fluminense. Assim, a partir de 1995, as ferrovias, os principais eixos rodoviários e os portos públicos foram privatizados, reestruturados e modernizados e grandes empreendimentos foram lançados.

Reforma portuária e “inserção competitiva” do Rio de Janeiro na era global

A abertura comercial e a redefinição da posição do Rio de Janeiro em relação aos fluxos do comércio mundial atualizaram então, nos últimos anos, o debate relativo a modernização e a ampliação da capacidade do complexo portuário regional. Este último44

43 Ver a apresentação do Avança Brasil no site do Ministério do Planejamento: www.mpo.gov.br 44 O sistema portuário fluminense compreende os portos do Rio de Janeiro, de Sepetiba, de Angra

dos Reis, do Forno (em Arraial do Cabo) e de Niterói, além de diversos terminais privativos, entre os quais os da MBR (em Mangaratiba) e da Petrobrás (em diversos lugares do Estado).

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77beneficia-se de uma localização excepcional no maior complexo urbano-industrial da América do Sul que, num raio de cerca de 500 km, responde por aproximadamente 70% do PIB brasileiro. Mas, apesar dessa posição estratégica, os portos fluminenses se deixaram distanciar por seus concorrentes, como Santos e Buenos Aires, que se adaptaram à nova conjuntura econômico-comercial internacional, apostando, em particular, no dinâmico e lucrativo mercado da movimentação de contêineres. Ao contrário, a atividade portuária fluminense continua largamente dominada pela movimentação dos granéis sólidos (sobretudo carvão e ferro) e líquidos (particularmente o petróleo e seus derivados) de um grupo relativamente restrito de grandes empresas industriais (Petrobrás, CSN, MBR, Ferteco, etc.). Essa predominância da movimentação de commodities contradiz, então, uma tendência atual do transporte marítimo internacional, caracterizado pelo aumento dos fluxos de produtos manufaturados e pela a unitização das cargas. Apesar da modernização recente dos terminais da Ponta do Caju, o complexo portuário do Rio de Janeiro ainda não se adaptou a essas mutações globais e continua responsável por apenas 15% da movimentação nacional de contêineres.

No intuito de modernizar e adaptar os portos45 às atuais transformações da economia portuária, as autoridades brasileiras promoveram uma reorganização institucional, físico-operacional e gerencial a fim de eliminar os gargalos que afetam tradicionalmente sua produtividade. A defasagem tecnológica, que se manifesta num grave déficit competitivo na operação de cargas conteinerizadas, a legislação trabalhista, que contribuiu também a encarecer a atividade portuária posicionando os portos fluminenses - e brasileiros em geral - entre os mais caros do mundo, e a não coordenação de vários atores institucionais na atividade portuária foram apontados como principais responsáveis da precariedade das operações portuárias.

Para conferir maior eficiência ao setor, as Leis de Modernização dos Portos de 1993 e 1996 reformularam a atividade mediante profundas reformas institucionais e operacionais. Entre as mudanças introduzidas cabe mencionar a descentralização da administração dos portos da esfera federal para a estadual; a transformação da Companhia Docas em Autoridade Portuária; a criação de novos órgãos de gestão encarregados da administração da mão de obra e a privatização da atividade portuária. As novas leis extinguem assim um regime articulado em torno de monopólios de administração, operação portuária e gestão da mão de obra. Apesar da complexidade dessa reengenharia e das dificuldades para implementar o novo modelo, os terminais privatizados registraram ganhos expressivos de produtividade. É o caso dos terminais de contêineres do porto do Rio de Janeiro, arrendados em 1997 aos grupos Multirio (Tecon 1) e Libra (Tecon 2), que conseguiram diminuir significativamente o custo de movimentação das caixas e o tempo de permanência dos navios nos quais46. Esses avanços permitiram aos terminais cariocas de ganhar novos mercados: o Tecon 1 é, por exemplo, responsável pela logística do transporte dos componentes do modelo Classe A da Mercedes entre Bremerhaven e fábrica da firma em Juiz de Fora. Paralelamente, os novos operadores cariocas apostam numa atividade crescente de transhipment47 com os demais portos do Mercosul, como o ilustram acordos firmados com os portos de São Francisco do Sul e Montevidéu.

45 Os portos brasileiros são responsáveis pela movimentação de aproximadamente 95% das

exportações do país. 46 Segundo Luiz Henrique Carneiro, da Multirio, a adoção de novos critérios gerenciais e os

investimentos em equipamentos portuários se traduziram por uma diminuição significativa do custo de movimentação dos contêineres no Tecon 1que passou de 600 reais por unidade em Março de 1999 para 150/160 reais no final do mesmo ano. Comunicação no seminário internacional Cidades, Portos e Desenvolvimento Local, LABTeC-UFRJ, Rio de Janeiro, 22-23 de Novembro de 1999.

47 O transhipment consiste na redistribuição de fluxos em direção a portos de menor porte e/ou apresentando condições operacionais que não atendem as demandas dos armadores.

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78O projeto Sepetiba: o transporte contra o território? Além destas mudanças institucionais e gerenciais, a reorganização do complexo

portuário fluminense inclui o projeto de ampliação e reestruturação do porto de Sepetiba. Localizadas no município de Itaguaí, a cerca de 70km do centro do Rio de Janeiro, as instalações portuárias foram inauguradas em 1982 no intuito de integra-las ao parque industrial do oeste metropolitano e ao complexo gás-químico a ser implantado na região. A idéia inicial do governo federal consistia em criar um complexo portuário e industrial nos moldes dos grandes projetos europeus e japoneses de siderurgia ou química litorânea dos anos 1960 e 1970. Mas, ao longo dos anos 1980, o porto de Sepetiba limitou-se basicamente à movimentação de carvão mineral para a usina da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda. As novas instalações portuárias atenderam então essencialmente as necessidades da firma siderúrgica fluminense.

No início da década seguinte, atores econômicos e políticos regionais começaram a se organizar no âmbito do Conselho de Coordenação das Ações Federais no Estado do Rio de Janeiro, propondo-se a reverter o declínio da economia fluminense captando, para isso, investimentos federais de grande porte (SILVA, 1997). O projeto de reestruturação e ampliação do Porto de Sepetiba foi escolhido como uma das prioridades48 para reerguer a economia fluminense e logo integrado ao programa Brasil em Ação. Para seus idealizadores, a nova plataforma portuária faria do Rio de Janeiro o elo estratégico da inserção do Brasil nas redes comerciais e logísticas globais. O projeto do Conselho de Coordenação foi endossado pela Companhia Docas que fomentou um discurso oficial apontando a necessidade do Brasil dotar-se de um hub port49 a fim de concentrar e redistribuir os fluxos terrestres e marítimos de mercadorias da costa leste da América do Sul. Segundo a CDRJ, o porto de Sepetiba disporia de vantagens locacionais e físico-operacionais indispensáveis para a implementação do projeto. A localização do hub próximo do coração econômico do cone sul; a disponibilidade de uma ampla retroárea portuária e de um canal de acesso marítimo suscetível de receber navios de última geração, constituíam vantagens competitivas decisivas justificando, assim, investimentos de grande porte. Além disso, mediante a aplicação de recursos suplementares nas redes ferroviária e rodoviária, Sepetiba passaria a dispor de uma excelente acessibilidade em relação ao porto do Rio de Janeiro que apresenta dificuldades no escoamento de suas cargas. O governo federal investiu, numa primeira fase, na dragagem do canal de acesso, no aterramento do retroporto e na construção de um Cais de Uso Múltiplo incluindo um terminal de contêineres, cujo potencial de movimentação alcança cerca de 1 milhão de TEUs50 ao ano. Graças a essas novas instalações, Sepetiba deveria movimentar, num prazo de 20 anos, cerca de 600 000 contêineres e 100 000 veículos por ano, além de granéis sólidos e grãos (CDRJ: s/d)51. Além da ampliação das infra-estruturas, aposta-se no arrendamento do porto à iniciativa privada e no recurso as novas formas de gestão da mão de obra, ambos previstos pela Lei de Modernização Portuária de 1993.

Todavia, os acontecimentos posteriores contradisseram o projeto inicial que apostava num porto concentrador de última geração na medida em que os principais beneficiários do processo de arrendamento dos terminais existentes foram grandes grupos industriais fluminenses - a CSN e a CVRD – do ramo da siderurgia e da mineração. Em 1997, a siderúrgica obteve a concessão do terminal de minérios, que já era responsável

48 Segundo os idealizadores do Conselho, o Teleporto do Rio de Janeiro e a Bacia petrolífera de Campos deviam ser os demais investimentos prioritários para o Estado.

49 O hub port tem por função a concentração e a redistribuição, para portos secundários, portos secos, etc., dos fluxos das grandes corredores marítimos.

50 O TEU ou EVP (Equivalente Vinte Pés) é um contêiner padrão de 20 pés (2,4x2,4x6,1m). 51 Uma segunda etapa prevê a transformação de Sepetiba em mega-hub dotado de cerca de vinte

terminais de contêineres (LABTeC:1999).

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79pelas importações de carvão destinadas à usina de Volta Redonda. No ano seguinte, as duas firmas formaram a Sepetiba Tecon para operar o terminal de contêineres. O último terminal foi arrendado pela Valesul, que deve usá-lo para importar alumina. A Ferteco é, por sua parte, responsável pela construção de um terminal privativo também dedicado à movimentação de granéis sólidos. Ou seja, o conjunto dos terminais será operado por grupos industriais regionais que não têm a priori o perfil adequado para transformar Sepetiba num mega-hub. A presença maciça da CSN, que já figura entre os maiores acionistas da operadora ferroviária MRS Logística, indica, ao contrario, que os investimentos na plataforma portuária inserem-se numa estratégia de integração vertical na busca de economias de escala através do domínio completo da cadeia produtiva da firma52.

Podemos então observar um descompasso evidente entre um discurso que privilegia a opção do megaporto concentrador de cargas e uma configuração físico-operacional que posiciona Sepetiba como um equipamento a serviço de um universo restrito de clientes atuando essencialmente no mercado siderúrgico (LABTeC, 1999). Com efeito, a CSN nunca se beneficiou das vantagens competitivas oferecidas pela operação das próprias infra-estruturas de transporte e portuárias. Além disso, a proporção de produtos siderúrgicos conteinerizados tende a crescer significativamente, o que representou um estímulo suplementar para a empresa siderúrgica fluminense de ingressar na atividade portuária. Mas qualquer que seja a configuração definitiva do porto de Sepetiba no longo prazo - porto industrial integrado ou hub port - cabe questionar a relevância de tais investimentos no que se refere ao desenvolvimento sócio-econômico que o porto iria, segundo o discurso oficial, promover no oeste metropolitano.

O modelo de porto concentrador ganhou força nesses últimos anos nas grandes rotas comerciais marítimas devido a estratégia dos grandes integradores que selecionam um número cada vez menor de escalas, o que implica em navios e instalações portuárias de grande capacidade. As plataformas concentradoras, nos moldes dos hubs de Algeciras e Gioia Tauro53, inserem-se na estratégia global das firmas multinacionais que concebem o porto como simples lugar de trânsito das mercadorias de uma modalidade de transporte para outra. Dessa maneira, os impactos em termos de desenvolvimento regional são mínimos. Além disso, esses portos geram pouco emprego, devido ao elevado grau de automação das instalações que requerem uma mão de obra qualificada e pouco numerosa. O porto concentrador configura-se assim como equipamento desterritorializado que capta fluxos comerciais internacionais e os redistribui sem nenhum processo significativo de agregação de valor (BAUDOUIN, 1999).

Do seu lado, os portos industriais clássicos apresentam uma configuração operacional e gerencial específica da era desenvolvimentista onde era mantido ‘‘um perfil altamente setoriarizado, ou seja, segmentado e direcionado à movimentação de tipos específicos de carga, sem se mostrarem muito flexíveis às variações da natureza do produto, às modificações da tecnologia dos transportes ou às alternativas do mercado. Em síntese, o porto da era fordista caracterizava-se por ser uma prótese das linhas de montagem fabris. O valor e os empregos concentravam-se nas economias de escala proporcionadas pelos grandes pólos industriais. Uma correlação imediata ligava os volumes de produção aos níveis de emprego e renda gerados’’ (COCCO & SILVA, 1999: 12). Além de simbolizar uma época específica do processo de desenvolvimento das forças produtivas, esse modelo do complexo industrialo-portuário, concebe o porto como simples aparato tecnológico, administrado de maneira autônoma em relação a metrópole, e cuja função reside na garantia de uma circulação fluída das cargas entre o navio e as fábricas.

52 Essa estratégia foi em particular idealizada por Eliezer Batista da Silva quando ele dirigia a CVRD.

53Essas plataformas são respectivamente localizadas no estreito de Gilbratar e na região italiana da Calabria.

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80Nessas condições, a questão da relação porto/território permanece não resolvida (DE ROO, 1999)54.

A resolução dessa questão coloca-se como um desafio central numa época justamente caracterizada pela volta das metrópoles (VELTZ) que ocupam um lugar de destaque no atual processo de globalização, concentrando cada vez mais riqueza e poder de decisão. Nesse cenário, o modelo da cidade portuária, nos moldes do Northern Range europeu por exemplo, aparece como mais promissor em termos de desenvolvimento local. Nesse caso, fala-se em cidade-portuária, ‘‘ou seja, por um lado um porto que encontra nas redes sociais urbanas os recursos empresariais para aprimorar seus serviços (e otimizar sua capacidade de gerar valor e emprego) e, por outro, uma cidade que recupera sua relação histórica (e não apenas paisagística) com o mar’’ (COCCO & SILVA, 1999: 20). Esse modelo supera, então, a visão do porto como instrumento tecnológico para atrela-lo aos serviços de apoio a produção e ao comércio, oferecidos pela metrópole que torna-se uma verdadeira plataforma logística inserida nas redes empresariais locais, regionais e globais. Nessa configuração, o porto insere-se numa comunidade portuária metropolitana que mobiliza suas competências produtivas para, além de captar os fluxos da globalização, valorizar a esses fluxos55.

No caso do processo de modernização do complexo portuário fluminense, dominado pelo projeto de ampliação e reestruturação do porto de Sepetiba, as orientações seguidas até agora apostam numa dinâmica inversa com a criação de um porto inserido na cadeia produtiva de um ator central – limitando assim as perspectivas de definição de estratégias alternativas de desenvolvimento local (LABTeC, 1999); o afastamento desse porto do centro metropolitano transformando-o num enclave sem relações com seu entorno imediato56 e uma configuração operacional defasada em relação as demandas cada vez mais complexas do espaço produtivo. Nesse contexto, podemos nos questionar a propósito das potencialidades oferecidas pelo porto do Rio de Janeiro que, após ter sido previamente condenado na base de problemas de acessibilidade rodoviária e técnico-operacionais (particularmente a insuficiência do calado), foi ignorado pelos idealizadores do programa de modernização do complexo portuário regional. No entanto, o aumento na movimentação de contêineres e veículos, observado a partir de 1999, testemunha que o porto apresenta um potencial de desenvolvimento significativo na base da atual capacidade instalada. Em primeiro lugar, os investimentos a serem realizados na dragagem do canal de acesso, na acessibilidade rodoviária e ferroviária e na organização do retroporto são evidentemente essenciais57. Em segundo lugar, a qualidade e a diversidade dos serviços prestados pela economia metropolitana constituem o maior trunfo do porto, na medida em que, como já foi mencionado, a logística portuária não se limita mais ao simples equacionamento de problemas infra-estruturais e supõe uma mobilização das competências oferecidas pelos atores locais. A mobilização dessas potencialidades no âmbito de uma comunidade portuária58 fluminense representa, então, um parâmetro essencial para uma

54 Os casos franceses de Dunkerque ou Fos-sur Mer ilustram o descompasso que pode existir entre a grande zona industrialo-portuária e a metrópole vizinha (DE ROO, 1999)

55 Cabe ressaltar que nesse modelo, o sucesso do porto não se mede aos volumes de cargas movimentadas, mas a qualidade dessas cargas, as que contêm mais valor agregado sendo mais indicadas para gerar renda e emprego na economia metropolitana.

56 Nesse caso, a cidade é somente apreendida como um empecilho a fluidez das circulações materiais.

57 Vale, todavia, lembrar que os investimentos em dragagem, aterramento do retroporto e construção da RJ-109 realizados no âmbito do projeto de ampliação e reestruturação Sepetiba indicam que problemas de ordem operacional e de acessibilidade não foram nesse caso considerados redibitórios para o desenvolvimento futuro da atividade portuária.

58 Para uma apresentação do conceito de comunidade portuária ver o artigo de Michèle Collin no presente livro.

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81inserção realmente produtiva do Rio de Janeiro na economia de circulação. No entanto, a reforma portuária ilustra, ao nosso ver, a dificuldade de romper com os métodos e as finalidades do planejamento características do modelo nacional-desenvolvimentista. Convém enfim acrescentar que as concessões ao novo rumo da economia global aparecem, do seu lado, bastante ambíguas por limitar-se a um projeto de captação de fluxos da esfera mundial e desterritorializada de circulação das mercadorias sem preocupação nenhuma com a circulação produtora de riqueza na esfera territorializada que integra produção, consumo e distribuição.

Considerações Finais Os processos de globalização e de abertura comercial impõem ao Brasil e ao estado

do Rio de Janeiro novas exigências no que se refere à circulação dos fluxos materiais e imateriais. Uma maior eficiência do setor dos transportes deve contribuir para eliminar gargalos que prejudicam a competitividade da economia. Por isso, os investimentos em infra-estruturas portuárias e de transporte sinalizam avanços, pois propiciam maior capacidade, melhores condições de circulação e baixos custos operacionais aos operadores. Porém, o atual processo de reestruturação dos espaços produtivos supõe uma ruptura com as políticas setoriais herdadas de um modelo desenvolvimentista em crise. Na medida em que ‘‘o território entra doravante no jogo econômico como matriz de organização e de interações sociais e não mais, em primeiro lugar, como estoque de montagem de recursos técnicos’’ (VELTZ, 1996: 10), assistimos à transição progressiva de um modelo privilegiando as grandes obras, para um novo paradigma, valorizando, em primeiro lugar, a subjetividade dos territórios. Apesar disso, as políticas públicas continuam negando as potencialidades produtivas dos territórios em beneficio de investimentos de grande porte que apostam nos chamados impactos estruturadores das infra-estruturas de comunicação. No Rio de Janeiro, o consenso em torno dos efeitos desencadeadores da expansão do porto de Sepetiba sobre a economia regional, assim como o perfil dos concessionários privados das rodovias - predominantemente grandes empreiteiras - e das ferrovias - mineradoras e siderúrgicas -, ou seja empresas ligadas às atividades industriais mais tradicionais, ilustram a dificuldade de se pensar um projeto logístico inovador. No estado, como no Brasil em geral, ainda prevalece uma visão da finalidade do transporte profundamente marcada pela ideologia do transitismo que apreende a matriz de transporte como um simples instrumento técnico a serviço de um ‘‘domínio do fluxo, instantâneo e universal [...que acaba...] negando definitivamente qualquer subjetividade territorial’’ (BAUDOUIN, 1999: 28). Essa abordagem funcionalista da atividade continua amplamente compartilhada por autoridades que promulgam políticas setoriais de cunho essencialmente infra-estrutural, sem real estratégia de agregação de valor aos fluxos de mercadorias.

Ou seja, para muitos, o conceito de logística consiste ainda numa mera articulação entre as infra-estruturas básicas e os recursos oferecidos pela telemática que garante a fluidez da circulação. Como já foi mencionado, se a instantaneidade e a continuidade do trânsito revelam-se efetivamente indispensáveis para atender aos princípios da produção just-in-time em diversos ramos industriais, o desafio da logística abrange objetivos que supõem novos arranjos técnico-institucionais. Assim, ‘‘os sistemas de transportes não ligam mais, entre eles, mercados urbano-industriais homogêneos. Ligam, sim, específicos segmentos de mercados e, portanto, realidades produtivas e comerciais cada vez mais heterogêneas’’ (LABTEC, 1999: 37). Nesse contexto, a localização das atividades não é mais tributária do desempenho meramente técnico dos transportes, e, sim, da capacidade de elaborar uma verdadeira logística territorial mobilizando os recursos econômicos, sociais, políticos e culturais localizados, a serviço das redes materiais e imateriais que qualificam a competitividade regional. Essa evolução supõe, então, abordagens que rompem com a lógica que presidiu a organização do setor na era industrial no sentido de

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82uma crescente valorização das competências territoriais. A relação transportes/território transforma-se assim radicalmente. O território não se apresenta mais como uma base física indiferenciada voltada ao trânsito dos fluxos, multiplicando os ‘‘efeitos túneis’’ (chanelization) entre grandes centros de produção e/ou de consumo. Hoje, ao contrário, a qualidade das interações entre os atores da cadeia produtiva, os processos de organização, de comunicação, de cooperação representam um desafio central para qualificar a competitividade das economias regionais (VELTZ, 1996), medida a partir de sua capacidade de gerar renda e emprego. Por isso, políticas setoriais desvinculadas das realidades territoriais aparecem cada vez mais inoperantes num cenário econômico que posiciona os transportes como elo estratégico, mas não necessariamente determinante, da logística territorial. Essa mudança implica sobretudo políticas de valorização integrada de todas as competências oferecidas pelo território e voltada para um desenvolvimento local integrado.

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A indústria de petróleo e gás em escala mundial. Uma visão

comparativa Frédéric Mónie

Mudanças recentes na indústria petrolífera mundial Entre a descoberta e a exploração dos primeiros poços de petróleo e os anos

1920/30, o controle do “ouro preto” se tornou fundamental numa civilização que transformou rapidamente este recurso natural na sua principal fonte de energia. As grandes companhias petrolíferas que emergiram então dominaram rapidamente a exploração e a produção de petróleo graças à formação de um poderoso cartel59 onde os interesses geoeconômicos das firmas correspondiam perfeitamente aos interesses geopolíticos dos países centrais.

No entanto, os períodos 1920/30-1980/90, foram marcados, nos países produtores, por uma presença crescente do Estado na cadeia produtiva petrolífera que enfraqueceu relativamente o poder das 7 Majors. Os paises semiperifericos produtores de petróleo, que abrigam as maiores reservas, tentaram então se organizar no intuito de nacionalizar a exploração, o refino e a comercialização do petróleo. Estes objetivos foram alcançados através da:

- multiplicação de medidas visando a limitar a participação do capital externo no setor;

- criação de Companhias estatais em todos os grandes países produtores60; - promoção de estratégias visando a criação de cadeias produtivas integradas

mediante investimentos na indústria para-petrolífera, em infra-estruturas de grande porte – redes de dutos, portos, etc.; ou no transporte marítimo.

Vale ressaltar que, apesar das motivações ás vezes variadas dos governos, as orientações então seguidas pelas nações produtoras (países da península arábica, Argélia, Líbia, Iraque, Irã, México, Venezuela, Argentina, etc.) se inserem num contexto mais geral caracterizado pelo crescimento rápido do consumo nos países centrais, de um lado, e pela tentativa de organização dos paises semiperifericos em prol de uma nova divisão internacional do trabalho. Estes paises pretendem, para isso, usar o controle das riquezas nacionais como um meio de acumulação de renda redistribuído, em seguida, pelo Estado em investimentos na base produtiva – como grandes projetos infraestruturais nas áreas da energia e dos transportes – e na indústria nacionais. Desta forma, as nações produtoras poderiam promover formas mais autônomas de desenvolvimento industrial e equipara-se em relação aos paises do núcleo orgânico.

A melhor ilustração desta tendência reside na criação da Organização dos Países Produtores de Petróleo61 – OPEP – que foi determinante neste embate crescente entre países produtores e grandes firmas privadas dos países centrais. È durante a década de 70 que este conflito alcançou seu auge. Os países árabes produtores passaram então a usar o petróleo como arma na luta travada contra o Estado de Israel. Em conseqüência, nesta década, as guerras israelo-árabes, se traduziram por uma explosão do preço do petróleo e um aumento significativo da renda dos países produtores preço do petróleo. Paralelamente, com o prosseguimento do processo de nacionalização do setor as companhias nacionais se

59 O Cartel é então dominado por 7 “majors”: Standart Oil, Chevron, Exxon, Mobil e Texaco nos

Estados Unidos; Royal Dutch Shell e British Petroleum na Europa. 60 INOC no Iraque; Saudi Aramco na Arábia Saudita; NIOC no Irã; Pemex no México; PDV na

Venezuela, Sonatach na Argélia, etc. 61 A OPEP foi criada no início dos anos 1960

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85tornaram atores fundamentais da cadeia petrolífera mundial e passaram a serem responsáveis por cerca de 2/3 da produção mundial nos anos 1970 (ANP: 1999).

No entanto, a partir do final dos anos 1970, alguns fenômenos prefiguram a emergência de novas relações de força na geoeconomia e na geopolítica do setor petrolífero mundial. Em primeiro lugar, os países consumidores adotaram políticas energéticas visando a diminuir o consumo de petróleo – programas de equipamento em usinas nucleares e fontes de energia alternativa; inovações da indústria, em particular automobilística, etc. Em segundo lugar, os países consumidores diversificaram suas fontes de abastecimento, em particular em direção aos novos países produtores62 como a Nigéria, o Cazaquistão, a Venezuela, o México, o Brasil, a Indonésia ou as Bacias Congo e do Mar do Norte, etc. A abertura recente de novas bacias de produção provocou um aumento da concorrência e uma diminuição da renda diferencial apropriada pelos países produtores (ANP: 1999).

Com a inversão das relações de força entre produtores e consumidores os preços diminuem de 70% durante o “contra-choque” do período 1985-1993. Este processo desestabilizou os países produtores – aumento da dívida, dos déficits públicos, etc. – mas também o sistema financeiro internacional. Neste contexto, a maior parte dos países produtores promoveu uma série de transformações estruturais no sentido da desregulamentação do setor, a da privatização das Estatais e da abertura a concorrência das atividades petrolíferas. Conseqüentemente surgiram então novos dispositivos institucionais no intuito de redefinir o papel do Estado neste contexto de liberalização-globalização do setor. As mudanças intensificam a concorrência, mas também promovem novas formas de cooperação entre países produtores e entre firmas. Estas últimas também definem suas prioridades e suas estratégias no sentido de uma regionalização crescente de suas atividades mundiais e de uma integração internacional da cadeia produtiva mediante um processo contínuo de concentração63. Estas estratégias e novas redes produtivas permitem diminuir os riscos geopolíticos e os custos globais logísticos e de produção das atuais majors petrolíferas (CARROUÉ: 2002).

A reestruturação das atividades petrolíferas em nível mundial não se dá, no entanto, de forma homogênea. Os novos arranjos institucionais apresentam características diferenciadas que resultam geralmente do processo de formação e desenvolvimento do setor petrolífero próprio a cada país produtor, mas também de considerações políticas internas ou geopolíticas internacionais. Alguns como a Argentina optaram para uma privatização completa do setor. No Brasil e na Venezuela, as firmas estatais coabitam doravante com grandes grupos privados, nacionais e estrangeiros. O fim do monopólio se traduziu pela introdução de novos métodos de regulação, incluindo em particular, mecanismos de distribuição de royalties. Enfim, em diversos países produtores, como o México, apesar de uma tentativa de modernização e liberalização do setor, a estatal continua tendo o domínio quase exclusivo sobre boa parte da cadeia produtiva64.

As reservas mundiais de petróleo alcançaram em 2001 a marca de cerca de 1 trilhão de barris. O subsolo do Oriente Médio, que dispõe das maiores reservas, abriga 685,6

62 Na maioria dos casos estes países não pertencem a OPEP que entrou em crise a partir dos anos

1980 devido as divisões crescentes dos países árabes membros da organização cada vez mais divididos entre “repúblicas progressistas” e “monarquias conservadoras pró-americanas”. A partir de 1999, a OPEP voltou, no entanto, a apresentar uma coesão maior que se traduziu por um aumento substancial dos preços nos anos seguintes.

63 Cinco grandes grupos - Exxon Mobil, Shell BP, Amoco, Texaco, Chevron e Total FinaElf dominam hoje a produção e dispõem das maiores reservas de petróleo e gás natural.

64 O processo de re-engenharia institucional no México, na Venezuela e na Argentina é

apresentando com mais detalhes adiante.

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86bilhões de barris contra 96 bilhões para a região América Central e do Sul e, mais especificamente, 3 bilhões para o Brasil. No que diz respeito a produção, que alcançou no mesmo ano o patamar de 74,5 milhões de barris por dia, ela se revela atualmente bastante estável. Os países de Oriente Médio continuam ocupando uma posição de destaque apesar de um ambiente geopolítico regional particularmente desfavorável que obrigou a vários cortes na produção nos últimos anos. Ao contrario a produção de petróleo registra um crescimento rápido nos paises da Ásia Central da Ex- União Soviética. No Brasil também observamos um aumento regular da produção que cresceu de 5,2% entre 2000 e 2001.

No que tange as capacidades mundiais de refino, os paises centrais (Estados Unidos, União Européia e Japão) compartilham o domínio sobre esta atividade com a ex-União Soviética e a China. Vale ressaltar que os paises do Oriente Médio ocupam uma posição secundaria apesar dos investimentos pesados realizados na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos.

Reservas, produção e capacidade efetiva de refino de petróleo por região –2001 (Em bilhões de barris)

Região Reservas Produção Capacidade

de refino (mil b/d)América do Norte 63,9 14 040 20 134Américas Central e

do Sul 96,0 7 001 6 429

Europa 18,6 6 809 16 374Ex-União Soviética 65,4 8 652 8 695Oriente Médio 685,6 22 234 6 634África 76,6 7 815 3 080Ásia Pacífico 43,7 7 944 20 859Total 1 049,8 74 495 82 205

Fonte: ANP (2002)

Exploração off shore e organização regional: elementos de comparação

A situação no México No seu processo de industrialização, o México experimentou no século XX três

grandes momentos: o primeiro centrado em torno de Monterrey e das indústrias do aço e do vidro; o segundo, a partir dos anos 1920/30, que teve como placo privilegiado o planalto central e o velho eixo colonial Puebla-Veracruz, deu origem a um parque industrial voltado para os bens de consumo; o terceiro se traduziu pela emergência de uma nova geração de atividades industriais a partir do petróleo. O boom petrolífero mexicano teve desde então impactos muito profundos sobre o processo de industrialização e de organização do território nacional. Sob o impulso do Estado Federal, o petróleo deu origem a um parque industrial para-petrolífero e automobilístico de grande porte; alavancou a construção de uma malha viária densa e de qualidade assim como de uma rede de dutos que interligam as áreas produtoras aos grandes centros consumidores65 e marcou significativamente a matriz energética. Além disso, a renda petrolífera, mas também o “direito ao endividamento” (BATAILLON) conferido pela existência de grandes reservas de petróleo no país, foram usados pelo governo federal para importar bens de capital para a

65 Somente o Noreste do país não é servido pelos gasodutos da PEMEX.

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87indústria nacional; lançar grandes programas de urbanização nas principais capitais e expandir as redes técnicas.

Os Estados do Golfo do México foram, e continuam sendo, os mais diretamente afetados pelos impactos do boom petrolífero dos anos 1970. A faixa litorânea destes Estados, forma hoje, um espaço bastante dinâmico onde a exploração segue um duplo gradiente Norte/Sul e terra/plataforma continental. A exploração on shore, que começou no sul do Tamaulpas no início do século XX, transformou nas décadas seguintes a conurbação Tampico/Ciudada Madero num centro industrial e portuário de grande porte. Em seguida, o Estado de Veracruz, mais ao Sul, se tornou o segundo grande centro da economia petrolífera do Golfo do México. A cidades de Coatzaolcos se firmou então como principal centro logístico e industrial da região. Enfim, a partir dos anos 1970, o centro de gravidade se deslocou ainda mais em direção ao Sul e a plataforma continental com a expansão da produção de petróleo e gás natural off shore. As cidades de Campeche e Tabasco são os centros regionais mais dinâmicos.

Segundo Musset (1999), o boom do petróleo teve impactos consideráveis em termos de organização regional nos Estados do Golfo do México, na medida em que o centro de gravidade da região se deslocou em primeiro lugar em da serra direção as baixas terras tropicais do litoral, tradicionalmente negligenciadas devido ao seu clima quente e muito úmido considerado insalubre. Em segundo lugar, a região foi dotada de grandes equipamentos industriais e infra-estruturais, alterando profundamente a hierarquia dos centros regionais e suas respectivas articulações com o resto do país e o mundo e produzindo paisagens bastante semelhantes caracterizados por:

- campos de exploração percorridos por densas malhas de pistas e canalizações, - grandes equipamentos industriais: refinarias, complexo químicos e petroquímicos; - uma rede de dutos e equipamentos que abastecem o interior do país, - um porto que funcionava inicialmente para a exportação de petróleo como no caso

de Tampico (sul do Tamaulipas). Ao contrario, no Sul do Golfo do México os portos das áreas produtoras que combinam produção on e off shore como Cotzacoalcos no estado de Veracruz e Dos Bocas – plataforma do sistema Tabasco-Campeche – desempenham funções mais sofisticadas de apoio a logística a produção off shore, além da exportação de petróleo, da movimentação de carga geral, etc.

- e, sobretudo, de uma cidade moderna geralmente constituída pela “fortaleza” dos funcionários da estatal Pemex cercada dos bairros precários dos operários da construção civil, dos trabalhadores que vivem “a jusante” dos salários do petróleo, etc. (BATAIILON: 1991). Algumas cidades foram criadas ex-nihilo em torno da indústria petrolífera – como Ciudad Pemex no estado de Tabasco – outras passaram por um crescimento muito rápido e desordenado gerador de profundos impactos ambientais e de formas exacerbadas de segregação sócio-espacial – como Tampico, Ciudad Madero, Poza Rica, Ciudad Del Carmen, etc.

A exploração do petróleo, em particular nos anos 1970, provocou então mudanças muito mais profundas na organização do espaço regional do Golfo do México do que na Bacia de Campos. A ação dos atores centrais – governo federal; Pemex e sindicato dos petroleiros foi, no caso mexicano, determinante em muitos aspectos. Contrariamente ao Brasil, o Estado apostou logo na constituição de cadeias produtivas a jusante do petróleo na região, o que se traduziu por investimentos maciços em centros industriais – refino e química em particular e em infra-estruturas de distribuição e exportação. Os impactos foram, em conseqüência, maiores e mais duráveis, no que diz respeito a emergência de novos centros urbanos que se constituíram ou cresceram em torno destas atividades. No caso fluminense, os impactos sócio-econômicos mais significativos são registrados em Macaé. A cidade se tornou nos últimos anos o principal pólo logístico e de serviços de apoio à produção de petróleo na Bacia de Campos. Seu papel é hoje fundamental na

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88administração da interface continente/plataforma continental e nas articulações da Bacia com o resto do mundo, via a metrópole do Rio de Janeiro. No entanto, os impactos – não somente econômicos, mas também sociais, culturais e políticos – se revelam muito menores do que no litoral do Golfo do México que experimentou, conforme foi demonstrado, um violento processo de industrialização e urbanização.

No que diz respeito aos velhos centros urbanos, que funcionavam como tradicionais lugares centrais, observamos seu re-posicionamento na hierarquia urbana, sem que eles passam, no entanto, por um processo de decadência absoluto. A evolução das cidades de Veracruz e Campos apresenta, assim, alguns pontos comuns como a inserção limitada na economia petrolífera e a manutenção de um peso ainda relevante na política e na cultura. Vale ressaltar que Veracruz e, em menor escala Vilahermosa, souberam captar indiretamente benefícios da renda petrolífera e investir na produção de amenidades, sem portanto, sofrer impactos negativos provocados pela indústria do petróleo nos seus maiores centros.

Do ponto de visto institucional, as configurações apresentadas pelas duas regiões são também bastante diferenciadas. No México os investimentos na indústria petrolífera; nas infraestruturas de comunicação, mas também urbanas em certos casos, foram realizados em grande parte pelo Estado mexicano, diretamente ou pelo viés da Pemex e do sindicato dos petroleiros66. Neste contexto, as autoridades locais nunca participaram de forma relevante dos processos de decisão relativos ao futuro da região. A partir dos anos 1980, numa conjuntura caracterizada pela contestação crescente ao “Estado-PRI” e pela organização crescente da sociedade civil, a tutela centralizadora e autoritária exercida pelo Estado e seus apêndices locais foram cada vez mais contestados. Os conflitos se multiplicaram em primeiro lugar em torno dos enormes impactos ambientais da exploração on shore, das indústrias e da construção de infraestruturas de transporte sobre a fauna e a flora. A área de conurbação Campeche-Tabasco foi, neste sentido, a mais afetada com a poluição de amplas áreas de mangue e lagoas.

Nas cidades, o caráter caótico da urbanização provocou inúmeros conflitos em torno do uso do solo; as disparidades entre os funcionários da Pemex e os demais trabalhadores geraram tensões na sociedade local; a inflação provocada pela injeção maciça de dinheiro na economia local e o padrão de consumo dos trabalhadores do petróleo afetaram a qualidade de vida dos mais pobres e a corrupção crônica das autoridades contribuiu, ainda mais, para a degradação das relações entre sociedade local e atores exógenos (MUSSET: 1999). No estado do Rio de Janeiro, algumas destas tensões já podem ser observadas nas cidades mais impactadas pelo aumento da produção de petróleo, em particular em Macaé onde os intensos fluxos migratórios dos últimos anos; o crescimento dos fluxos de mercadorias na área urbana; a inflação; o aumento dos níveis de poluição; a saturação de alguns equipamentos públicos, etc. provocam questionamentos por parte da sociedade civil, mas também das autoridades locais, excluídas de alguns dos processos de decisão estratégicos para o futuro da cidade. No entanto, contrariamente ao México, as prefeituras da Bacia de Campos dispõem aqui de uma margem de manobra maior oriunda do recebimento de royalties que contribuem hoje para parte expressiva das receitas municipais. Isto, além de abrir janelas para a promoção de programas e projetos de desenvolvimento, representa um fator decisivo para atenuar os conflitos latentes entre atores nacionais, e futuramente globais, e locais.

A exploração do petróleo do Golfo do México coloca então em evidência alguns dos desafios postos pelo desenvolvimento de uma indústria intensiva em capital e altamente impactante sobre o meio ambiente e em termos de organização do espaço. Em

66 Parte da renda é redistribuída diretamente para o sindicato que dispõe do monopólio da

distribuição de emprego e “a jusante” domina a vida política local via o Partido Revolucionário Institucional.

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89primeiro lugar estamos em presença de uma indústria cujos atores organizam o espaço de forma extremamente seletiva e extrovertida. As regiões produtoras aparecem assim como “campos de fluxos” que articulam equipamentos extremamente sofisticados – plataformas; portos; heliportos; redes de dutos; estações de processamento, etc. – que funcionam freqüentemente como simples de centros de captação e redistribuição destes fluxos de óleo, mercadorias, homens, informações.

O exemplo do Golfo do México traz enfim ensinamentos no que diz respeito ao futuro das regiões produtoras após o esgotamento das reservas de petróleo e gás natural. No México, a diminuição da produção nas áreas históricas de exploração e a tentativa de reestruturação da Pemex provocaram, a partir da metade dos anos 1980, uma crise de confiança que não parou de se agravar colocando assim em evidência as dificuldades de reconversão experimentadas por espaços onde a grande maioria da população vive da redistribuição direta e indireta da renda petrolífera. A incapacidade de planejar em longo prazo a reconversão destes espaços altamente dependentes de uma atividade representa então um desafio central para as regiões produtoras. No caso da Bacia de Campos, a redistribuição dos royalties para as prefeituras poderia estimular a formulação de projetos – municipais e consorciados – alternativos de desenvolvimento através de formas de planejamento integradas, horizontais e democráticas valorizando as potencialidades produtivas existentes na região. Por enquanto a formulação de tais projetos é ainda inexistente.

O caso do Mar do Norte O Mar do Norte representa de certa maneira um paradigma no que diz respeito à

prospecção e exploração de petróleo off shore. Desde o final dos anos 1950, o gás natural e o petróleo vêm sendo explorados nos Mares de Noruega e Barents com tecnologias cada vez mais sofisticadas segundo um gradiente Sul/Norte que leva hoje as companhias petrolíferas a operar em condições extremas, acima do 60º paralelo Norte, entre as Ilhas Shetland e o litoral norueguês67. Os Noruegueses já planejam para as próximas décadas a exploração das reservas localizadas acima do círculo polar, assim como das imensas reservas localizadas ao largo das Ilhas Rockall, em pleno Atlântico. Por enquanto, o Mar do Norte produz cerca do terço do consumo europeu e é responsável por cerca de 24% da produção mundial em alto mar. Os grandes beneficiários da exploração são a Grã Bretanha e a Noruega, com respectivamente aproximadamente 2,5 e 3,4 milhões de barris por dia em 2001 (ANP: 2002).

O sistema espacial do petróleo do Mar do Norte se organiza de forma bastante semelhante no mar e no continente em torno de equipamentos sofisticados a começar pelas plataformas, centros de vida e produção onde as distâncias mais significativas são percorridas verticalmente entre instalações de produção propriamente ditas; lugares de trabalho e repouso; espaços residenciais; heliporto; central elétrica alimentada pelas sobras de gás natural, etc. Nas imediações da plataforma, bóias de carregamento e atracação; enormes tanques de estocagem da produção e a torre de flash que queima o gás não aproveitado completam a paisagem. (MARCHAND & RIQUET: 1996). A plataforma e seus anexos podem abrigar até 2.500 pessoas, são abastecidas em trabalhadores, máquinas, peças de reposição, alimentos, etc. por uma frota marítima e aérea de grande porte. Das plataformas o petróleo e o gás natural são escoados por tubos até Aberdeen na Escócia, Stavanger na Noruega ou para o terminal marítimo de Sullom Voe nas ilhas Shetland.

A organização do espaço litorâneo do Mar do Norte decorre da ação de Estados que souberam valorizar os potenciais oferecidos pelo litoral e o mar: pesca; transporte

67 As plataformas gigantes do Troll norueguês foram por exemplo projetadas para resistir a ventos

de até 300 km/h e as ondas gigantes que caracterizam as tempestades do Mar do Norte.

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90marítimo; controle dos estreitos; comércio internacional; indústria naval; petróleo e gás natural. Ou seja, nesta região do mundo o elemento marítimo sempre foi apreendido como um vetor de desenvolvimento e não como um obstáculo ao desenvolvimento. Isto contribuiu a transformar o mar num agente de produção do espaço marítimo e também terrestre. O crescimento da produção off shore de petróleo e gás natural contribuiu para aumentar o grau de integração do mar a economia nacional de diversos países em particular a Noruega e a Escócia. As políticas de gestão do território portam a marca desta integração como o ilustram os investimentos em redes de transporte e a reestruturação recente das indústrias marítimas. Os espaços terrestres da economia petrolífera se configuram como nós de captação e redistribuição de fluxos de petróleo e gás natural, trabalhadores, mercadorias e informações que regulam as articulações mar/continente e com o resto do mundo. Estes espaços são caracterizados por seu elevado nível de tecnicidade. Alguns como Sullon Voe nas ilhas Shetland ou Flotta nas ilhas Órcadas são essencialmente pontos de transbordo; outros como Stavenger ou Morgstad no litoral norueguês, por exemplo, já são complexos industrial-portuários de grande capacidade (MARCHAND & RIQUET: 1996).

Em função da própria evolução da exploração assistimos, como no Golfo do México e na Bacia de Campos a mudanças na hierarquia dos centros urbanos litorâneos. No que diz respeito a evolução da hierarquia portuária observamos por exemplo que os portos que souberam se inserir no dispositivo logístico da exploração, do refino e da distribuição do petróleo do Mar do Norte conseguiram escapar a desclassificação num setor que sofreu grandes mudanças a partir de meados dos anos 1970.

No Reino Unido o declínio do carvão e o crescimento paralelo da produção de petróleo e gás natural favoreceram o litoral oriental em detrimento da fachada atlântica. O primeiro foi assim equipado em terminais portuários; pólos indústrias (6 refinarias tratam petróleo britânico e norueguês) e unidades de construção de material destinado a exploração off shore que dinamizaram bastante o litoral escocês entre Edimburgo e Lerwick (Shetland) que forma a frente pioneira do petróleo onde salários e as criações de empresas são mais altos que a média nacional e onde a taxa de desemprego é inferior a da resto do país. O coração energético britânico se deslocou então progressivamente do Norte para o Sul e do Oeste para o Leste. Seus centros dinâmicos são cidades como Edimburgo, Inverness, Dundee, Clyde e, sobretudo, Aberdeen, capital nacional do petróleo e do gás natural que organiza a logística do setor. Nesta última cidade o petróleo foi responsável pela criação de cerca de 65.000 empregos diretos e indiretos. Vale, no entanto, ressaltar que as autoridades foram ás vezes cautelosas em termos de gestão do território e não acompanharam sempre as mudanças na geografia da energia. Isto explica que as ilhas Shetland e Òrcadas não foram equipadas em unidades de refino para não prejudicar as refinarias mais meridionais (MARCHAND & RIQUET: 1996).

Na Noruega, país tradicionalmente voltado para seus horizontes marítimos, a indústria petrolífera substituiu nos anos 1970 o transporte marítimo de longo curso, cujos armadores perderam espaço frente a seus concorrentes asiáticos, como locomotiva da economia nacional. Durante muito tempo, a Noruega se limitou na prospecção e na exploração do petróleo sem investir no refino e no processamento do óleo que era transportado para as refinarias escocesas. As dificuldades de instalação de dutos a 700 m de profundidade contribuíram para este estratégia. No entanto, as inovações tecnológicas e a vontade da Statoil de diversificar suas atividades na petroquímica impuseram investimentos pesados numa rede de dutos e unidades industriais que foram localizadas próximas a Stavanger, transformando a cidade na Aberdeen norueguesa (MARCHAND & RIQUET: 1996). Por sua parte, os grandes armadores se reconverteram freqüentemente no transporte de gás, produtos químicos e no abastecimento das plataformas assim como na

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91produção do material flutuante de altíssimo valor agregado necessário para a prospecção e a exploração dos sítios petrolíferos (MARCHAND & RIQUET: 1996).

Num litoral profundamente marcado pela erosão glaciária o eixo Stavanger – Bergen apresenta-se como a frente pioneira terrestre da economia petrolífera e de seus desdobramentos logísticos e industriais. Portos, terminais de dutos, heliportos, canteiros navais, unidades de refino e petroquímicas contestam hoje a macrocefalia exercida tradicionalmente por Oslo. A crescente concentração de redes técnicas e indústrias na área ampliou velhos fenômenos de polarização e contribui para aumentar as desigualdades entre o litoral sudoeste, integrado ao espaço europeu, e as regiões mais setentrionais. Stavanger em particular atraiu nos últimos anos trabalhadores das regiões periféricas e da Finlândia, empresas atuando direto e indiretamente na indústria petrolífera provocando inflação, especulação imobiliária e levantado a questão dos riscos de uma área cada vez mais dependente de uma mono-atividade. Por isso, na medida em que a maioria do petróleo está sendo exportada68, o estado norueguês dispõe de uma renda considerável usada para investir nas redes de comunicação em todo o país e na diminuição das desigualdades regionais. Os investimentos realizados no Mar de Barents, além do círculo polar, ilustram assim a dupla vontade do Estado de prospectar novas reservas e incluir as populações do Norte a economia petrolífera diminuindo assim as desigualdades entre o litoral do Sudoeste e as regiões mais setentrionais (MARCHAND & RIQUET: 1996).

No que tange aos impactos ambientais da exploração do petróleo do Mar do Norte, estamos em presença de uma configuração bastante diferente da Bacia de Campos com um mar pouco profundo e “alimentado” em poluentes por áreas litorâneas que são entre as mais urbanizadas e industrializadas do mundo. No alto mar os acidentes foram extremamente raros, mas de grandes proporções como no caso da plataforma 14 do campo de exploração Ecofisk Bravo onde 3.000 ton./dia de petróleo vazaram durante 8 dias provocando uma mancha de mais de 200.000 ha mas contribuíram para a emergência de movimentos ambientais determinantes para a adoção de normas anti-poluição e para a instalação de um sistema de monitoramento do mar (MARCHAND & RIQUET: 1996).

A grande singularidade do Mar do Norte em relação ao México e ao Brasil reside certamente no fato de ser um campo de experimentações tecnológicas extremamente avançadas. Nas últimas décadas, os países e as companhias que ali operam fomentaram assim cadeias produtivas constituídas por atividades de alto valor agregado. Quatro países presentes no Mar do Norte, a Noruega, a Grã Bretanha, a Finlândia e a França, produzem assim um material de alto valor tecnológico adaptado a condições de exploração extremas: navios a posicionamento dinâmico; câmeras de televisão submarinhas; robôs submarinhos, etc. no intuito de explorar reservas hoje difíceis de acesso e, em longo prazo, nódulos polimetálicos nas grandes profundezas. Além disso, Noruegueses e Britânicos exportam serviços altamente qualificados para o mundo inteiro nas áreas de segurança; da sísmica, etc. A Finlândia, que se especializou na construção de navios quebra-gelo e na prospecção em alto mar, domina, do seu lado, as mais sofisticadas técnicas de hidrodinâmica. Ou seja, a constituição de verdadeiras cadeias produtiva representa um diferencial em termos de geração de empregos de alto nível e de renda nos grandes centros logísticos do petróleo do Mar do Norte: Aberdeen; Bergen, Oslo, etc..

Reengenharia institucional na Argentina, na Venezuela e no México: elementos de comparação.

Na América Latina, a produção de petróleo foi, geralmente, a partir dos anos 1930 até os anos 1990, dominada pelas companhias estatais – Petrobrás no Brasil; Pemex no

68 Privilegio único na Europa onde os demais produtores destinam o petróleo em prioridade para o

consumo interno.

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92México, YPF na Argentina; PDV na Venezuela ou Enap no Chile – que dispunham de um monopólio sobre a produção, o refino e a distribuição. Estas firmas, que exploravam ás vezes reservas consideráveis, demonstraram uma eficiência econômica e financeira e uma capacidade de inovação tecnológica variáveis. Em muitos casos, as estatais eram administradas segundo critérios mais políticos do que técnicos a ponto de formar – sobretudo no México e na Venezuela “estados dentro do estado” (MUSSET: 1999). As dificuldades provocadas por esta situação foram determinantes para incluir o setor nos grandes programas de reformas estruturais empreendidas no final dos anos 1980. A partir deste período o setor do petróleo passa por um processo de reformas em particular institucionais sem precedente no intuito de melhor a competitividade das firmas; atrair capital externa; estimular a inovação tecnológica e diminuir a dívida pública num contexto de elevação tendencial das taxas de juros (ANP: 1999)69.

Argentina: um exemplo de privatização total da cadeia petrolífera Dos grandes produtores latino-americanos a Argentina foi o primeiro país a adotar

medidas visando a liberalização do setor no início da década de 90. Este país foi na primeira década do século XX pioneiro no que diz respeito à criação de uma companhia estatal sem, portanto, que esta opere em situação de monopólio como foi o caso no Brasil, na Venezuela e no México. O governo argentino sempre priorizou a estratégia da busca de auto-suficiência por motivos evidentes de segurança nacional. Porém, este objetivo nunca foi alcançado o que motivou constantes – e nem sempre coerentes – mudanças na engenharia institucional do setor petrolífero (ANP: 1999). Em 1967, a primeira grande onda de medidas visando a desregular a indústria petrolífera – exploração, transporte e distribuição – abriu de forma muito mais ampla o setor a empresas privadas no intuito de diminuir a dependência energética do país.

Nos anos 70, o ambiente político nacional e as novas condições geoeconomicas externas – caracterizadas em particular pelos desdobramentos do boom do preço do petróleo – se traduziram por um questionamento crescente da abertura do setor e por uma diversificação da matriz energética a fim de diminuir a dependência da Argentina em relação ao petróleo70. Uma década depois, em 1988/89, num contexto agora marcado pela diminuição contínua do preço do petróleo e por políticas bem sucedidas de diminuição relativa do consumo e de diversificação do aprovisionamento nos países centrais, o governo lançou um amplo processo de liberalização e modernização do setor visando a diminuir de forma drástica a participação do Estado e atrair volumes crescentes de investimentos privados (ANP: 1999). A exploração, o refino, o transporte e a distribuição foram, assim, largamente abertos ao setor privado. Do seu lado, a estatal YPF, herdeira da primeira companhia de Estado criada na América latina, foi privatizada em 1993. A ex-estatal foi então profundamente reestruturada e adotou um padrão de gestão empresarial que aumentou sua eficiência produtiva. A YPF passou, paralelamente, a operar na Colômbia, na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Por enquanto a reestruturação profunda do setor e a entrada das grandes firmas se traduziram pela entrada de novas tecnologias de prospecção e a exploração; pela recuperação de jazidas consideradas esgotadas assim como pela exploração de novas reservas off shore (MUSSET: 1999).

69 A parte relativa as mudanças institucionais ocorridas no setor petrolífero latino-americano se

inspira nas suas grandes linhas do trabalho realizado para a Agência Nacional do Petróleo por Eliana Fernandes e Joyce Perin Silveira (ANP: 1999).

70 O desenvolvimento sistemático do uso – residencial e industrial – do gás natural data assim deste período, o fez da Argentina – contrariamente ao Brasil – um grande e precoce consumidor de gás.

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93Venezuela: fim do monopólio na produção e na petroquímica Entre os anos 1930 e 1970, a Venezuela se firmou como um dos grandes produtores

e exportadores mundiais de petróleo. O país ficou então extremamente dependente das exportações que lhe forneciam mais de 90% de suas receitas. Neste período as multinacionais exerceram um domínio quase absoluto sobre a produção, o refino e a distribuição. No entanto, o país, fundador da OPEP, experimentou neste período um desenvolvimento peculiar do seu setor petrolífero. Nos meados da década de 40 o Estado começou a intervir como regulador estabelecendo uma política tarifaria e de retribuições (royalties) e obrigando as firmas estrangeiras a reinvestir na cadeia produtiva petrolífera cerca de 50% do seu lucro liquido. Esta política serviu posteriormente de modelo para inúmeros países produtores. (ANP: 1999).

Contrariamente ao México e a Argentina, a criação da estatal venezuelana ocorreu muito tarde (1960) e não foi inserida num grande projeto em prol da nacionalização do setor. Foi o boom do petróleo da década seguinte que estimulou o governo a nacionalizar o setor a fim de fixar no país uma fatia maior da renda petrolífera. Em 1976 a recém criada PDVSA obteve o monopólio sobre as atividades. No entanto, como no México e na Argentina, a inflexão do preço do petróleo e a crise econômico-financeira dos anos 1980, incentivou as autoridades a definir uma nova política para o setor petrolífero. Em meados da década seguinte, a abertura da atividade marcou a volta dos grandes grupos multinacionais no país após um período relativamente curto de monopólio absoluto. A nova engenharia institucional abre assim um amplo leque de possibilidades para a iniciativa privada – acordos de cooperação; joint venture; associações estratégicas, etc. – sem que o Estado abre mão de seu papel através das normas de regulação; da política fiscal ou das próprias operações da PDVSA (ver ANP: 1999). A transformação progressiva da estatal em firma global produtora, processadora e distribuidora de petróleo caracteriza, segundo ANP (1999), a singularidade do processo de reestruturação do setor na Venezuela. O objetivo do governo com esta reforma consiste em garantir ao país sua renda petrolífera num contexto marcado pela descoberta de novas reservas e pelo aumento da produção71.

México: manutenção do monopólio sobre a produção Conforme foi mencionado anteriormente, no México a exploração comercial do

petróleo começou na primeira década do século XX. Na época o país experimenta mudanças profundas em função do processo de modernização dos governos de Porfírio Diaz72 e da primeira fase de industrialização centrada na região de Monterrey. A indústria do petróleo apresenta então a dupla característica de operar sob o domínio quase exclusivo de firmas anglo-saxônicas e estar voltada para a exportação. Após 1917, a Revolução não alterou de forma significativa este quadro geral até o final dos anos 1930 quando foi lançado pelo presidente Lazaro Cardenas um grande programa de nacionalização da indústria petrolífera. A estatal Pemex foi criada em 1940 e se tornou imediatamente um dos símbolos da revolução.

Nas décadas seguintes o petróleo foi essencial para modernizar as estruturas produtivas nacionais podendo financiar o processo de industrialização e equipamento do país em infra-estruturas modernas (BATAILLON: 1992). Neste período a produção era então voltada para o mercado interno. No entanto a má administração da Pemex, atuando como “estado dentro estado”, assim como o esgotamento progressivo do modelo nacional-

71 A atual conjuntura política no país pode se traduzir por mudanças profundas na organização interna da PDVSA cujo poder a assimila freqüentemente a um “estado dentro do estado” que nunca foi um instrumento a serviço da redistribuição da renda petrolífera. Além disso, a instabilidade política já diminuiu o volume de investimentos aplicados no setor nos últimos meses.

72 Porfírio Diaz, fortemente inspirado pelas idéias positivistas, governou, direta ou indiretamente, o México entre 1876-1910, promovendo um processo de modernização conservadora do país.

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94desenvolvimentista contribuiu decisivamente para a crise do setor petrolífero mexicano a partir do final dos anos 1960 (ANP: 1999).

Nos meados da década de 1970, a descoberta de novas reservas no istmo de Tehuantepec foi determinante para o aumento da produção, das reservas comprovadas e a aplicação de investimentos na capacidade de refino do país. Porém, esta nova conjuntura não foi aproveitada para reestruturar o setor no sentido de eliminar os gargalos organizacionais que foram decisivos para a deterioração da indústria petrolífera. Ao contrario, a explosão da produção de petróleo aumentou ainda mais o poder político e financeiro da companhia e do sindicato dos petroleiros que adquiriram maior autonomia em relação ao Estado (MUSSET: 1999).

Nos anos 1980, num contexto de crise aguda da economia e das finanças mexicanas, a Pemex e os sucessivos governos não conseguiram potencializar os efeitos tradicionalmente desencadeadores da renda petrolífera. No final da década, enquanto o preço do petróleo e sua participação nas exportações mexicanas diminuíam, o governo federal tentou reestruturar o setor petrolífero através da diminuição do papel da Pemex na cadeia setorial, mas também de sua influência social e política nos níveis regional (Golfo do México) e nacional.

A primeira brecha no monopólio da Pemex foi aberta pelas discussões sobre a Alena que se traduziram pela divisão da firma em 4 sociedades especializadas em 1992 - exploração e extração; refino; gás e petroquímica de base e petroquímica – coordenadas por um órgão central que gera os serviços administrativos (MUSSET: 1999). A estatal começou nesta época a operar em parceria com diversos grupos privados estrangeiros como a Shell ou a Repsol através de contratos de serviço (ANP: 1999). No entanto, a resistência da sociedade e da própria companhia obrigou o governo a alterar a agenda da re-engenharia liberalizante do setor petrolífero. Além disso, num momento de graves dificuldades financeiras, o governo queria garantir o domínio sobre grande parte da renda petrolífera. Por isso, a Pemex não foi privatizada, se mantendo hoje como uma das maiores produtoras de petróleo do mundo, e o processo de abertura do setor a concorrência foi muito tímido.

A Bacia de Campos. O território da mudança no cenário nacional A atividade de exploração de petróleo e gás em águas profundas é relativamente

recente no Brasil. O conjunto das bacias sedimentares começa ser explorado no final dos anos de 1970 como resposta aos dois choques do petróleo. Naquele período a base material do sistema energético apoiava-se na energia hidroelétrica e no refino de petróleo. Este último integrava, e ainda integra, a matriz energética como principal fonte de energia importada. Atualmente, as importações de petróleo correspondem, em média a 550 mil barris/dia, para cobrir a defasagem entre a produção nacional, da ordem de 1.500 mil barris/dia, e o consumo, em torno de 1,9 milhão barris/dia.

Naquele momento consolidou-se o quadro institucional no qual as políticas públicas de energia que fundamentaram a expansão do sistema energético. Nesse sentido, a adequação da oferta de energia às demandas dos sistemas produtivos constituiu a preocupação fundamental daquelas políticas. A partir da segunda metade da década de 1970, a conjuntura internacional de elevação dos preços do petróleo no mercado internacional exigiu mudanças importantes no direcionamento da política de energia no Brasil. Nesse período, os objetivos dessa política privilegiaram a redução da oferta da dependência de fontes externas de energia, uso intensivo de energia de origem hidráulica e diversificação da matriz energética. Assim, as respostas aos dois choques do petróleo foram definidas em dois registros complementares: de um lado, assegurar a estratégia de desenvolvimento do país e, de outro, viabilizar a realização dos objetivos propostos pela implantação de planos, programas e projetos, ligados ao setor.

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95No que diz respeito à estratégia de desenvolvimento, os pontos essenciais

englobavam: a) segurança de abastecimento em energia, b) disponibilidade interna de recursos energéticos e c) atendimento dos requerimentos em energia do setor produtivo. Esses pontos ilustram bem a prioridade estabelecida, ou seja, diante das restrições da conjuntura de crise, a condição necessária para o desenvolvimento apoiava-se na redução da dependência de fontes externas de energia, em torno da qual eram estruturadas todas as demais ações. Lembra-se que fontes externas de energia diziam respeito, especificamente, ao petróleo.

No tocante aos Planos, Programas e Projetos, isto é, o conjunto de propostas que ordenam as ações para viabilizar as estratégias, concentrou-se na oferta interna de energia, sendo, portanto, direcionados para segmentos específicos do sistema energético: basicamente energia elétrica e produção de petróleo. Desse modo, os PPPS implantados na ocasião contemplaram os seguintes aspectos: prospecção em águas profundas, política de preços de derivados do petróleo, programa de substituição de sistemas termoelétricos, programa nuclear, programa de ampliação do uso de carvão. Sinteticamente, os PPPs reforçavam os objetivos da política nacional de energia, a saber: controle da oferta de energia, diversificação da matriz energética e melhoria da eficiência energética dos sistemas de produção.

O regime de monopólio sobre a exploração e produção de petróleo e o controle dos preços dos derivados formavam os principais marcos do quadro institucional no qual a política acima descrita foi implementada. Além disso, a expansão e reestruturação da Petrobras obedeceram à lógica de qualquer grande empresa de petróleo: verticalmente integrada (exploração- produção- refino, distribuição de derivados- petroquímica de base e de produtos finais), criando um espaço que articulava, em escala nacional, vários pontos do território. As reformas macroeconômicas operadas na década de 1990, e que resultaram na quebra do monopólio da exploração e produção de petróleo, abriram o setor para a concorrência, obrigando a Petrobras a definir como vetores estratégicos para 2010 os seguintes pontos: a) expansão das reservas, b) ampliação de sua capacidade de logística; e c) fortalecimento da capacitação tecnológica. Tal estratégia tem rebatimentos na Bacia de Campos na inserção dessa área no cenário nacional.

No território brasileiro situam-se 29 bacias sedimentares, cujo potencial estimado em exploração de petróleo varia entre 14 e 177 bilhões de barris equivalentes de petróleo (Horta, 2002). A Bacia de Campos é, atualmente, responsável por 90% das reservas de petróleo e 47% das reservas de gás natural (Horta, 2002). A produção de petróleo foi sendo consolidada à medida que o avanço tecnológico permitiu o aumento substancial do número de poços explorados em águas profundas e ultraprofundas. Em 1978 a profundidade da lâmina d’água para exploração era de 200m. Em 2000 as perfurações encontram-se em torno de 1.500 m de profundidade.

No que diz respeito à produção de petróleo offshore, a produção total do Brasil foi da ordem de 452 mil barris/dia, em 2000. Desse total, a Bacia de Campos corresponde a 80% da produção e, esses dados indicam a inserção dessa bacia como principal área produtora de petróleo no cenário nacional. O quadro atual resulta dos investimentos realizados no passado e possui relação direta entre governo federal centralizado e as políticas públicas que, na sua esfera, contaram com agentes bem organizados e estruturados, como a Petrobras.

A síntese apresentada indicou o contexto econômico e institucional no qual foram decididos os investimentos realizados nas diferentes bacias sedimentares. Ao longo da costa, os resultados dos investimentos em prospecção offshore representaram a construção de estruturas específicas que se sobrepuseram àquelas já existentes. Nesse sentido, há um processo de desestruturação e reestruturação que tem sua expressão na forma de inserção

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96das distintas regiões no cenário nacional. Como expressão desses elementos podemos diagnosticar uma dupla inserção: estratégica e funcional.

Inserção estratégica: trata-se de um espaço que se organiza em consonância com os interesses nacionais, constituindo-se assim, em espaço estratégico para o cumprimento dos objetivos de política energética. Como espaço que se estrutura na interface terra-mar, “traz o mar para dentro do território”, cria importantes elementos de diferenciações espaciais na escala regional, em função da distribuição dos investimentos na base logística para a produção, e exerce influência numa área que vai além daquela onde se localizam os equipamentos vinculados à exploração, tancagem, beneficiamento dos recursos explorados.

Inserção funcional: como decorrência da inserção estratégica, principal área de reserva e produção de petróleo e gás, e dos investimentos realizados, rede de dutos que viabiliza a conexão com as unidades de refino, localizadas próximas aos centros consumidores, a Bacia de Campos caracteriza-se, do ponto de vista funcional, como supridora de energia primária.

O fim do regime de monopólio não altera a modalidade de inserção da Bacia de Campos no cenário nacional. Inserção estratégica e inserção funcional tendem, ao contrário, serem reforçadas. A mudança opera-se, contudo, na ampliação do número de agentes envolvidos e na abertura de arenas de negociação para projetos de desenvolvimento regional.

Do exposto, é possível reconhecer algumas tendências decorrentes dessas duas modalidades de inserção. São elas: a) articulação em rede entre a zona de produção, processamento, de refino e cidades portuárias de porte variado, cuja lógica atende aos requisitos do sistema energético em escala nacional; b) dificuldade por parte municípios integrantes das zonas de produção principal para o desenvolvimento de cadeias produtivas que poderiam sustentar as economias locais, quando do esgotamento das reservas; e c) fragilidade das estruturas locais face aos imperativos econômicos das empresas e instituições extra-locais que atuam nos diferentes municípios; d) as zonas de produção principal integram um espaço onde os fluxos materiais e financeiros são, na sua maior parte, mundiais, sem que os rebatimentos no território sejam da mesma magnitude; e) os royalties favorecem certa polaridade, mesmo que restrita ou parcial, dos que abrigam a infra-estrutura de apoio à produção offshore .

Referências Bibliográficas ANP (1999): A reforma do setor petrolífero na América Latina: Argentina, México

e Venezuela. Agência Nacional do Petróleo, Rio de Janeiro. ANP (2003): Anuário estatístico do petróleo e do gás natural 2002. Agência

Nacional do Petróleo, Rio de Janeiro. BATAILLON, C. et al. (1991): Amérique Latine. In: Brunet, Roger (org.): Géographie

Universelle, Paris, Hachette/Reclus. CARROUÉ, Laurent (2002): Géographie de la mondialisation. Coleção U, Armand

Colin, Paris. MUSSET, A et alli (1999): Les puissances emergentes d´Amérique Latine.

Argentine, Brésil, Chili et Mexique. Paris, Armand Colin. MUTIN, Georges (2001): Géopolitique du Monde Árabe. Col. Carrefours de

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La Nueva Dinámica y los Nuevos Desafios en Materia de Hidrocarburos en Argentina.

Silvina Cecilia CARRIZO* Una nueva dinámica se aprecia en las redes de hidrocarburos en Argentina. En su

formación convergen transformaciones mundiales/regionales y nacionales/locales. Estas se conjugan y movilizan mayores flujos de gas y de petróleo sudamericanos, en particular en el Cono Sur. Retomando expresiones del profesor Alain Vanneph, el impulso provocado por esos cambios, que se imprime sobre las actividades, se traduce en la “explosión de la oferta” y la “implosión de la demanda” en Argentina.

Evolución de la producción del petróleo y del gas en los países del Cono Sur. Elaboración : SCC. Source : OLADE.

Estas dos fuerzas se retroalimentan en la búsqueda de un equilibrio. De un lado, la oferta se multiplica, en un aumento de la producción, en la diversificación de productos promoviendo el empleo de gas y en la incorporación de nuevos espacios en la producción y para la distribución. Del otro lado, la demanda aumenta con el crecimiento de la capacidad de consumo de los antiguos usuarios, en la reconversión del consumo energético promoviendo el gas y en la apertura de nuevos espacios. Comparando los alcances nacional y regional de estos tres últimos procesos, los mayores desafíos se platean en la relación con los países limítrofes. En ellos las redes de hidrocarburos, particularmente las de gas, están menos consolidadas. Por lo tanto, y frente a los crecientes potenciales de consumo, Chile y Brasil buscan desarrollar sus redes, convirtiéndose en los principales interesados por los hidrocarburos “vecinos”, lo que plantea una disputa particular entre los recursos argentinos y bolivianos. Ahí, es clave ganar los espacios ávidos de hidrocarburos. Para ello incide de una parte , la competitividad de los productores –los que se localizan estratégicamente en varios de los países-, y de la otra parte, influye la capacidad de reacción y la voluntad política de acción, de otros actores que vislumbren en su avance oportunidades de desarrollo.

El presente artículo se centra en lo acontecido en Argentina, y sus cambios y su posición en la disputa por el rol de productor de hidrocarburos para el MERCOSUR. En particular se hace referencia a la densificación y modernización de la malla de infraestructura – maniobra de base en una estrategia expansiva. Pues cuando ocurre la desregulación, la desmonopolización y la privatización, los nuevos actores despliegan el abanico de posibilidades nuevas de operación. En él las inversiones físicas son esenciales para ejecutar la estratégica “explosión de la oferta”, encarada por los nuevos actores, mayoritariamente privados y extranjeros, buscando las nuevas oportunidades al interior y exterior del país. Ciertas oportunidades son captadas por ellos a partir de la construcción o

* Doctorante IHEAL-CREDAL-CONICET

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98modernización de infraestructura, mientras que varias oportunidades permanecen latentes, visibles en los proyectos y estudios ideados.

Hacia los años 90, la desregulación de las actividades petrolera y gasíferas, la des-monopolización y la privatización de las empresas dan curso a una serie de cambios que activan un aumento acelerado de la producción de hidrocarburos. Hasta ese momento, la actividad estaba dominada por YPF y Gas del Estado. Esas empresas públicas, utilizadas como instrumentos de políticas antiinflacionarias o de redistribución de ingresos, no fueron capaces de beneficiarse adecuadamente de sus recursos. En el caso del petróleo, la desregulación significó la liberalización de precios y el acceso masivo de de capitales privados hasta la privatización completa de YPF. En el caso del gas, ella implicó la privatización de Gas del Estado dividida en tres sectores –producción, transporte y distribución-. En cuanto a Energas (Ente Nacional Regulador del Gas) deviene la institución responsable de determinar los precios de transporte y de distribución, mientras que los precios de la producción responden al juego de la oferta y la demanda. Estos cambios modifican la producción petrolera y gasífera, provocando un crecimiento de la actividad por el que Argentina alcanza su autoaprovisionamiento y logra exportar a varios países. Con una tasa de crecimiento del 8,5% anual, hoy la producción se encuentra 50 % sobre aquélla de 1991. Solo, el sector de hidrocarburos contribuye con el 8% del PBI. También capta el sector el 5% de la inversión. Esta en parte se destina a tecnología que aumente los rendimientos, por ejemplo en perforaciones de largo alcance para la explotación de yacimientos marítimos desde las costas o en la recuperación de zonas

“consideradas” extinguidas.

Evolución histórica de la producción de gas y petroleo en Argentina Con el crecimiento de la explotación sin la inversión paralela en exploración ha

descendido el horizonte de actividad -momento en el que las reservas se extinguirían de no variar las condiciones de producción actuales- a 10,9 años para el petróleo y a 16,2 para el gas en Argentina. Estas cifras se encuentran entre las menores en América del Sur. Sin embargo, estas comparaciones pueden variar en tiempos cortos. Puesto que la definición del horizonte involucra en teoría una inmovilidad técnica, económica y política que en la realidad, no resulta tal. Su desplazamiento puede ser continuo, en función de los descubrimientos de nuevos yacimientos o de los avances tecnológicos que permitan la

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99recuperación de otros antiguos. Por supuesto que esta “movilidad”, también es hipotética, y depende de las condiciones “físicas73” de las cuencas y de las decisiones políticas que continúen fomentando la localización de la inversión en un sitio, de ahí la disputa suscitada entre las provincias petroleras argentinas.

Consolidación de la red de gas en Argentina y su potencial expansion regional Si la oferta se fortalece, en la diversificación de productos lo hace

fundamentalmente, desarrollando la potencialidad del recurso gasífero. Mundialmente existe una tendencia a incorporar en la oferta de hidrocarburos, volúmenes cada vez mayores de gas. Al respecto, Argentina ha demostrado precocidad como productor y consumidor de gas. Su mercado interno data de mediados de siglo XX. El recurso fue promovido por el Estado, de tal manera que alrededor del 45% de la energía nacional es satisfecha con este recurso; este porcentaje sólo es alcanzado por los Países Bajos y Rusia. En términos absolutos, Argentina produjo 34 billones de m3 en 1999, ubicándose en duodécimo lugar mundial y utilizó ese año, 33 billones de m3 de gas natural, cantidad semejante a la empleada por Francia y Holanda (38), México (35), Venezuela (32) o los Emiratos Arabes (31). Una limitación a la expansión interna de gas han sido las restricciones a su entrada en sitios donde se promovían otros combustibles desarrollados localmente. Pero la desregulación general habida en Argentina, posibilitaría paulatinamente el ingreso del gas en todas las provincias, creándose para los operadores de gas, nuevos mercados internos. Frente a un mercado interno consolidado, la propagación en el contexto nacional no deja de ser tradicional sino que resulta más bien la continuación de un “plan”. En cambio la incursión en el mercado regional representa una dinámica nueva, aún cuando cuente con no pocos antecedentes. Porque los intercambios en materia energética han sido múltiples. La experiencia más remarcable está en materia de hidroelectricidad74 pero en hidrocarburos no faltan ejemplos, pues de hecho durante décadas, Bolivia ha provisto gas a la Argentina, quien a su vez ha suministrado petróleo y derivados a Uruguay y Paraguay. Estos flujos al interior del MERCOSUR se aceleran con la eliminación de las restricciones estatales75 a la exportación de gas y de petróleo. Para ellos quedan como principales limitaciones la capacidad de producción y la de transporte. Pero sorteando esto, nueva tecnología y nueva infraestructura se introducen en el circuito permitiendo recuperar más hidrocarburos y alcanzar mercados distantes. Así, a un siglo de haberse descubierto oficialmente el petróleo, la Argentina consigue invertir el desequilibrio en la balanza comercial de hidrocarburos, exportando a distintos sitios en el mundo.

La complejidad del transporte de gas vuelve difícil su exportación más allá de los países de América del Sur, mientras que sus derivados líquidos y los del petróleo y éste mismo avanzan sobre todos los continentes. Es por supuesto el servicio al MERCOSUR, que genera los mayores cambios, no sólo por el aumento de los volúmenes a aprovisionar y

73 Por ejemplo, la cuenca austral dispone de reservas grandes recientemente explotadas con la

tecnología más moderna invertida por actores extranjeros privados, mostrando una reproducción acelerada de las mismas y la interacción de actores de actores de orígenes diversos que desarrollan la potencialidad vista. En contraste, la cuenca del Golfo de San Jorge siendo la primera oficialmente explotada se encuentra en fase de recuperación secundaria, donde si bien la extracción es rentable el arraigo es menor vislumbrándose un paulatino desplazamiento hacia el oeste.

74 La primera obra importante de integración energética regional es la interconexión del proyecto

hidroélectrico Acaray (Paraguay) con la provincia de Misiones (Argentina). Más tarde, entre el Uruguay y la Argentina, la Central Hidroeléctrica Salto Grande surge como el primer complejo binacional, seguido por el de Itaipú, entre Brasil y Paraguay y aquel de Yaciretá, entre Argentina y Paraguay.

75 La exportación y la importación de hidrocarburos y de derivados son exentas de retenciones, derechos o tarifas. El Poder Ejecutivo se reserva el poder establecer restricciones a la exportación con un preaviso de 12 meses.

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100las expectativas, pero también por la necesidad de realizar nuevas inversiones de infraestructura.

Los nuevos territorios de las redes de hidrocarburos Si la oferta se fortalece también por un mayor alcance espacial, esto lo logra

fundamentalmente mediante las numerosas obras que encauzan los nuevos flujos de hidrocarburos. Si bien la salida de petróleo y derivados, se realiza fundamentalmente por medios marítimos o viales, dos conductos importantes ligan Argentina con Chile, un oleoducto de 15 MMm3/día de P. Hernández a Concepción y un poliducto de 600km por el que podrían circular 5MMm3/día de gas líquido desde Loma La Lata (Provincia de Neuquén) a Bahía Blanca (Provincia de Buenos Aires). Este último, a pesar de situarse en territorio nacional, sirve directamente a la exportación puesto que forma parte de un proyecto regional76 que tiene entre sus objetivos estratégicos, proveer gas líquido a Brasil. A diferencia de los oleo y poliductos, los proyectos y obras de gasoductos son numerosos. De Argentina a Chile, desde 1997 a hoy se han puesto en operación seis gasoductos; en la región austral, hay dos, uno alimenta una planta de methanol en Punta Arenas y otro refuerza su aprovisionamiento desde San Sebastian77; en la región central otros dos gasoductos78 de gran envergadura alimentan dos centrales de ciclo combinado (un tercero estudiado no fue justificado a partir de la construcción de aquellos) y en la región norteña, la minería y la generación eléctrica son servidas por otros dos gasoductos. Entre Argentina y Brasil, hay en construcción un gasoducto de Uruguayana a Porto Alegre. Luego existen dos grandes ideas, una, el gasoducto del MERCOSUR, que liga Curitiba a la cuenca neuquina; otra, el gasoducto Transiguazú, que vincula San Pablo al Noroeste argentino. Hacia Uruguay, parte de Paraná un gasoducto que llega a Paysandú, analizándose su extensión a Brasil, y está en construcción, el gasoducto Cruz del Sur a Montevideo, diseñado para ser prolongado a Porto Alegre. Así, diversos estudios alternativos toman curso que pretenden, desde el sur argentino o desde el Noroeste argentino, alcanzar San Pablo. Entre ellos, sobresalen el proyecto de un gasoducto desde Tierra del Fuego, puesto que el San Martín tiene colmada su capacidad de transporte, y otros proyectos para reforzar para el suministro a Brasil (incluso invirtiendo el sentido del gasoducto existente). El interés por los mismos puede cambiar rápidamente en este contexto “volátil” del negocio de los hidrocarburos, en el que Argentina por ejemplo, vio aumentar súbitamente su competencia al duplicarse las reservas probadas de Bolivia79. Ante la velocidad en los cambios de escenario y para continuar fortaleciendo la dinámica en los intercambios energéticos, importa la reacción y la acción de los actores involucrados, en particular del Estado frente a obras no abordadas por el privado.

La red de hidrocarburos viene a complementar un sistema anterior de transporte, el fluvio-marítimo que también se vio afectado por las medidas de descentralización del

76 Proyecto MEGA, concebido por YPF, DOW INVESTMENT ARGENTINA S.A. (subsidiario de

DOW CHEMICAL COMPANY) y por BRASOIL ALLIANCE COMPANY (subsidiario de PETROBRAS) implicó además, la construcción de una planta de separación de gas en Neuquén, de una usina de fraccionamiento en Bahía Blanca y de instalaciones para depósito y expedición de los productos.

77 Methanex I et II 78 El gasoducto TRANSGAS por YPF, ASTRA, SAN JORGE, PLUSPETROL y BRIDAS de

Argentina, asociados a BRITISH GAS, TENNECO de los Estados Unidos y ENAP de Chile y el gasoducto GASANDES por COMERCIAL DEL PLATA y TECHINT de Argentina, NOVA CORP de Canadá, GASCO y CHILGENER

79 El descubrimiento fue realizado por la empresa francesa Total, el segundo productor de gas en Argentina.

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101Estado nacional de los años 90. Su reestructuración implica principalmente, la gestión80 de una segunda modernización de los puertos que en su mayoría databan de más de un siglo. El objetivo de la misma es alcanzar un funcionamiento competitivo en términos de rapidez, minimización de costos y eficacia, con una renovación institucional y de recursos humanos y con inversiones en infraestructura.

Mapa: Red de hidrocarburos en América del Sur. Elaboration: SCC No es en la modernización portuaria que las terminales cambian de forma de operar

sino que habiendo Argentina, desarrollado la capacidad de exportar, en sus puertos -tradicionales puertas de acceso de petróleo y de combustibles- el tráfico cambia el sentido de su flujo. Desde Buenos Aires al igual que desde otros puertos centrales –Bahía Blanca, Rosario y La Plata- se exportan los derivados que procesan las refinerías y las petroquímicas ubicadas en su proximidad. El petróleo bruto se exporta principalmente por los puertos patagónicos. También se realizan intercambios a través de los ríos Paraguay y Paraná que representan ejes de integración en la región. Hoy, la «Hidrovía» es un programa compartido por Argentina, Brasil, Bolivia, Paraguay y Uruguay para facilitar el

80 Los puertos son concesionados o transferidos a las provincias, quienes pueden optar por el

sistema de administración que consideren convenientes. Así la provincia de Buenos Aires otorga autonomía a los puertos de Bahía Blanca y La Plata, mientras otras provincias como Chubut conservan la administración de los puertos fijando las políticas y prioridades en función del conjunto. En consecuencia, la descentralización de las actividades portuarias ha significado una complejización del sistema, con respuestas diferentes, según cada provincia.

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102transporte fluvial de Puerto Cáceres (Brésil) a Puerto Nueva Palmira (Uruguay) que constituye otro medio de circulación de hidrocarburos.

Desafíos que ofrecen las redes en el Cono Sur La escena descripta de la expansión de la oferta argentina es función de demandas

existentes, importantes desde los países vecinos que –a excepción de Bolivia- son crecientes importadores de hidrocarburos. En el marco del MERCOSUR, se abre la posibilidad de interconexión con ellos. Así, Argentina se convierte en el segundo proveedor de Brasil, dadas su producción insuficiente y su demanda creciente en los sectores industrial y doméstico, en los cuales el gas tiene una participación mínima que el Estado busca aumentar. Uruguay, no poseyendo ni gas ni petróleo, debe importar el total necesario y ocasionalmente sus derivados. Así por ejemplo en 1994, cuando su refinería cerró por reestructuración, Argentina le proveyó 56% de los productos comprados. Paraguay, como Uruguay, no posee reservas de hidrocarburos. Alrededor de la mitad del petróleo y la mayor parte de los derivados provienen de Argentina. Chile particularmente, produce gas y petróleo. Pero para servir al sector minero, las industrias y las residencias encuentra más rentable importarlos desde las cuencas neuquina, cuyana o noroeste que desde sus propios yacimientos australes, cuya producción incluso le resulta insuficiente81.

A mayor desarrollo económico de estos países, mayor consumo energético y mayores las oportunidades para los productores en Argentina, quienes se benefician ya, de una tendencia a aumentar la participación del gas en la generación de energía. En la generación de electricidad y especialmente, en el servicio residencial, Argentina tiene un desarrollo importante, en tanto que sus vecinos buscan ahora la reconversión de sus sistemas. En la modernización de sistemas eléctricos, el gas juega un papel estratégico ya que con la utilización de turbinas a gas82, éste se vuelve un recurso ideal para la generación de electricidad. El rendimiento de las mismas y la menor contaminación provocada las hace competitivas, beneficiadas además de una mayor rentabilidad por la disponibilidad actual y el menor costo del gas. El sector doméstico, es por doquier un espacio a ocupar por el gas natural. Entonces si la demanda de hidrocarburos crece fundamentalmente con el incremento de la capacidad de consumo, la reconversión del mismo y la apertura de otros espacios, se comprueban las oportunidades que Argentina halla a escala regional.

Este avance de las redes argentinas de hidrocarburos por su aprovechamiento intenso, su extensión y su modernización, tiene el freno en la no realización de ciertas obras de gran envergadura posibles y/o necesarias. Dos obstáculos fuertes acarrean tal inacción. Uno, el financiamiento de las mismas. Porque si bien entran en el sistema nuevos actores y se fortalecen otros que ya operaban en Argentina. Estos dejan desiertos ciertos espacios de la oferta, puesto que las inversiones necesarias para satisfacer una demanda, que es real, no resultan suficientemente atractivas –tal vez seguras- para ellos que pueden localizar sus esfuerzos en otras partes del mundo. Otro límite, la falta de una voluntad política de intervenir en la compensación de tal “incapacidad”, en un momento en que diversas oportunidades quedan latentes por producciones aún extensibles en demandas presentes insatisfechas, crecientes y ampliables y una posibilidad de mayor integración regional, ya ejemplar en materia energética. Conocidas las potencialidades del sector y los posibles proyectos, cabe preguntarse por las pérdidas ante su no ejecución.

81 A diferencia del resto de países del Cono Sur, históricamente Bolivia provee gas a Argentina.

Esta relación comienza en 1972, pero en la última década toma proporciones cada vez más reducidas. 82 En general, se opta por la generación de energía próxima al yacimiento cuando la distribución

eléctrica es cercana y por el transporte del gas a través de grandes distancias cuando el destino de la electricidad es más lejano.

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104 Las regiones argentinas frente a la ampliación de las redes

transfronterizas de energía en el Cono Sur: Mendoza: ¿beneficios locales o área de sacrificio?

Elma MONTAÑA*

La transformación del sector de la energía en Argentina en los 90, en particular la de los hidrocarburos, se produjo a partir de la conjunción de una sumatoria de factores: las nuevas reglas impuestas por la desregulación del sector, la llegada de nuevos capitales, la tendencia en los países del Cono Sur a la reconversión energética de los derivados del petróleo al gas natural (que se explica doblemente por factores ambientales y económicos) y que da lugar a la oportunidad de negocios de exportación-importación, todo esto en el marco de procesos de integración. Este panorama determinó el auge de proyectos tendientes a crear redes transfronterizas para el transporte de hidrocaburos y también de interconexiones eléctricas. El trabajo presenta una síntesis de estos proyectos y el mapa de estas redes en el Cono Sur.

Paralelamente, los territorios regionales, y en este caso Mendoza, apuestan cada vez con más énfasis a los procesos de integración en los distintos niveles como oportunidad para su desarrollo o supervivencia en el modelo derivado de la reestructuración económica global. Las redes transfronterizas de energía son vistas como pasos importantes de esta estrategia. ¿Cuáles serían las consecuencias de este proceso a nivel del territorio mendocino? ¿Cuáles son los grados de injerencia de la sociedad local con respecto a las decisiones en torno a estos proyectos? ¿Cómo se articulan las nuevas actividades ligadas a la construcción y posteriormente a la explotación de estos ductos con las actividades regionales preexistentes? ¿En qué medida estos proyectos reportan beneficios a la economía local y a las condiciones en las que viven los mendocinos? ¿Estos proyectos, fortalecen los vínculos de cooperación transfronteriza entre Mendoza y la V Región? ¿Constituyen, efectivamente, un elemento significativo en la estrategia de desarrollo regional en torno a la integración, o sólo se trata de asumir los costos (principalmente ambientales) de "lugar de paso" para aportar a beneficios extraregionales o de una escala mayor? ¿La solidaridad territorial entre regiones, requiere "áreas de sacrificio"?

Los primeros signos del cambio del modelo económico argentino: la desregulación del sector de los hidrocarburos

Ya en 1976, durante la dictadura militar, se produjo en Argentina la apertura a convenios con particulares para la explotación de petróleo. Estos dan inicio a una etapa de aumento sostenido de la producción, pero no es hasta 1989 que el gobierno de Menem inicia una transformación profunda del sector que da a la iniciativa privada un importantísimo rol que contrasta incluso con las fuertes regulaciones que caracterizan a los sectores petroleros de los países centrales.

La transformación del sector del gas natural se produjo a partir de la liberalización del sector petrolero. Los decretos de desregulación petrolera hacían referencia tangencial al gas natural y la libre disponibilidad que se determinaba para los hidrocarburos líquidos afectaba también a los gaseosos. Por otra parte, la Ley de Reforma del Estado (privatizaciones) incluía el servicio de distribución de la empresa estatal Gas del Estado. En el caso del sector eléctrico, la apertura del mercado se produjo después de dos décadas

* CONICET-CRICYT

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105(las de los 70 y 80's) durante las cuales, en el marco de estrategias de sustitución de importaciones, las políticas energéticas en el Cono Sur privilegiaron las inversiones en la generación de energía eléctrica83. Frente a un aumento de las demandas que crece más allá de la ampliación de la oferta, las alternativas que el sector ha explorado son el incremento y la potenciación de las centrales térmicas, la reducción de pérdidas del sistema y el aumento de la eficiencia energética. Pero la vía más exitosa en los años recientes ha sido la de generación de energía eléctrica a partir de gas natural, lo que pone nuevamente en primer plano la cuestión de los hidrocarburos y del gas natural en particular.

Los aspectos relevantes de las reformas del sector hidrocarburífero argentino podrían agruparse en cuatro tipo de acciones: • Las privatizaciones que afectaron no sólo la propiedad/uso de los recursos energéticos

sino también los activos "de superficie" necesarios a la explotación • Cambios en la organización institucional de los circuitos energéticos y nuevos marcos

regulatorios para el sector que redefinen el rol del Estado y que deberían equilibrar los intereses de oferentes y demandantes

• La previsión (al menos en el texto de las normas) de las implicancias ambientales de la actividad

• La integración de redes de transporte y distribución a partir del fomento de la inversión privada.

Con distintas modalidades y a partir de situaciones de base distintas, las reformas en la Argentina han tenido su correlato en los distintos países de la región. Chile tiene su mercado de crudo y derivados desregulado y Bolivia, con la sanción de la nueva Ley de Hidrocarburos (abril de 1996) avanza en la misma dirección. En el caso de Uruguay, la empresa petrolera ANCAP ejerce (en virtud de una ley) el monopolio de la refinación y distribución. Por el contrario, el mercado petrolero brasileño está totalmente regulado. La empresa estatal Petrobrás ejerce el monopolio de hecho de la exploración, la producción y la refinación y está obligada, como contrapartida, a cumplir con los objetivos de autoabastecimiento interno.

Internacionalización y reestructuración de los actores del sector

Los cambios en las reglas del juego constituyeron fuertes incentivos para la atracción de empresas extranjeras. Sin embargo, a la hora de desembarcar en Argentina, no podían (en el caso de la extracción de hidrocarburos) comprar áreas de reserva, ya que éstas estaban concesionadas: YPF (la ex-petrolera estatal) y otras firmas cubrían ya la totalidad del mapa conocido. La estrategia principal fue, entonces, comprar compañías argentinas con áreas concesionadas. Las locales, por otra parte, presionadas por la competencia creciente, no podían apostar a un crecimiento individual y gradual sino que debían salir a buscar en la región las nuevas oportunidades que se habían tornado más difíciles en el mercado argentino. Incluso la ya privatizada YPF debió supeditar su crecimiento a una estrategia orientada al Cono Sur, aunque por motivos diferentes: en el proceso de privatización se había establecido que YPF no podría superar el 45-50 % del mercado nacional por lo que, aun con extensas áreas de reserva a explotar, YPF compró una empresa estadounidense84 con intereses internacionales.

Durante los años previos a la crisis del 2000 cuando el ciclo petrolero general, analizado en función de las relaciones producción/oferta - demanda/consumo -

83 En América Latina, las cobertura de los servicios eléctricos pasó del 40 al 70% entre 1970 y

1990. 84 Se trata de Maxus, empresa que ya operaba en Bolivia, Ecuador, Venezuela, EE.UU. e Indonesia.

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106reservas/stocks, y las condiciones del mercado internacional85 determinaban un escenario de precios bajos (al que contribuía, en alguna medida, la consciencia general sobre las consecuencias ambientales de la utilización del petróleo), las empresas se esforzaban por minimizar costos a través de la incorporación de innovaciones tecnológicas86, nuevas modalidades de gestión de reservorios y de recuperación asistida de las reservas así como nuevas estrategias de gerenciamiento que reducen los períodos de maduración de las inversiones. En un mercado nacional abierto a los capitales extranjeros y en creciente internacionalización, las empresas argentinas se veían presionadas hacia una mayor competitividad o, de no ser posible, hacia la venta y/o fusión. Esta situación se veía agravada por la baja productividad de los yacimientos argentinos en comparación a los de otras regiones productoras87. La tendencia era a la integración vertical y a las alianzas estratégicas en las que el interés no era ya el petróleo o el gas sino el negocio energético en su conjunto.

En el campo eléctrico merece una mención particular el caso de las empresas chilenas llegadas a la Argentina que destacan por pertenecer a un país del Cono Sur y de una región vecina a Mendoza y por haber sido las primeras en introducirse al mercado en vías de privatización en 199288. Las ventajas comparativas de estas empresas por sobre las locales y las extranjeras podrían haber estado relacionadas con los hechos que Chile las había familiarizado con un marco regulatorio similar al que se estaba implementando en Argentina en aquella época y en su experiencia en un mercado a la escala del argentino.

Así, y a diferencia de lo que podría ocurrir en otros sectores de la actividad económica, las alianzas por fusión, partnership o conformación de Unidades Transitorias de Empresas (UTE) son situaciones comunes en el mercado energético argentino, llegando a asociarse en un proyecto empresas que son competidoras en otro segmento del mercado89. Se constituyen así en actores con fuertes influencias en la determinación de las reglas del mercado y, en particular, con gran poder de negociación con el Estado.

El mapa de los agentes privados del sector se vuelve así complejo: los viejos (locales y foráneos), los extranjeros recién llegados, los emergentes por algún tipo de asociación, y estos cambios tienen derivaciones sobre los niveles de encadenamiento horizontal y vertical de la actividad y plantean nuevas relaciones de poder entre los actores privados y también con relación al estado y los consumidores.

Este proceso de mayor demanda de escala de las empresas se ha visto incrementado con la proliferación de redes transfronterizas, particularmente de gasoductos, que se asocian a compromisos de exportación a largo plazo y hacen imprescindible las inversiones en

85 entre las que se incluyen mayores costos por exigencias ambientales y escasez del crédito debida

a menores expectativas de ganancia. 86 sísmica en tiempo real, software en tres dimensiones 87 La productividad media por pozo que en Argentina es de 59 barriles por día (similar a la de los

EEUU) llega a 4.000 en Kuwait, a 7.500 en Irak, a 9.500 en Irán y a más de 11.000 barriles/día en Arabia Saudita.

88 Se trata de los dos principales grupos de generación eléctrica de Chile, Chilgener y Endesa Chile, que se introdujeron rápidamente en el segmento de la generación termoeléctrica.

89 Algunos movimientos dan cuenta de los procesos en curso: YPF (cuyo paquete mayoritario está en manos de Repsol) compró Maxus; Pluspetrol y Astra (Arg.) se unieron a Repsol (Esp.); Repsol se introdujo en la refinación y comercialización de naftas con EG3, en la distribución de gas natural por red con Metrogás y en el fraccionamiento y distribución de gas licuado de petróleo con Algás y Poligás Luján; Bridas (Arg.) se vinculó a Amoco (EEUU) dando lugar a Panamerican Energy; Babcock Wilcox (gestora de proyectos energéticos) llegó a la Argentina asociada a Endesa, Astra (Arg.) y Bridas (Arg.) en el proyecto de la central térmica de ciclo combinado de Dock Sud, Buenos Aires; Petrobrás compró a la argentina Pérez Companc.

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107prospección y exploración, los eslabones más caros y riesgosos de la cadena de producción de hidrocarburos.

La red hidrocarburífera argentina

Como país productor de hidrocarburos y en el marco de políticas de sustitución de importaciones, la Argentina había desarrollado en décadas anteriores una nutrida red de ductos que le permitían transportar la producción desde los centros productores ubicados en regiones periféricas a los puntos de transformación cercanos a los mercados consumidores del frente fluvial-litoraleño, donde también se localizan los puertos

La red consta de 2.897 Km. de poliductos/oleoductos interprovinciales y 2.865 de oleoductos provinciales.

Recursos petrolíferos y gasíferos en la Argentina Petróleo Gas natural

Cuenca Producción (barriles/día)

Reservas (millones de

barriles)

Producción (millones de

m3/día)

Reservas (miles de millones de

m3) Noroeste 17.400 160,7 215 5.100 Cuyana 77.000 181,3 24 29 Neuquina 158.000 630,5 1.240 11.353 Golfo San Jorge

85.400 389,3 200 450

Austral 139.000 208,2 576 3.520 Total 476.800 1.570,0 2.255 20.452

Fuente: Carta Petrolera, Año 1, Nº 1, noviembre de 1991

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108

Red de oleoductos y poliductos argentinos

Tipo Nº

Provincias vinculadas

Localidades Vinculadas

Empresas operadoras

Diám.

(cm)

Long

(Km)

P 1 Salta - Córdoba Campo Durán – Montecristo

Pérez Companc 32,4 1.109

P 2 Córdoba - Santa Fe

Montecristo - San Lorenzo (pto.)

Repsol-YPF 32,4 379

P 3 Mendoza - San Luis

Luján de Cuyo - Villa Mercedes

Repsol-YPF 36,6 338

P 4 San Luis - Córdoba

Villa Mercedes – Montecristo

Repsol-YPF 32,4 320

P 5 San Luis-Buenos Aires

V. Mercedes - Dárs. Inflamables

Repsol-YPF 32,4 699

F 6 Buenos Aires La Plata - Dársena Inflamables

Repsol-YPF 93,4 52

O 7 Neuquén - Mendoza

Puesto Hernández-Luján de Cuyo

Repsol-YPF 40,6 525

O 8 Neuquén Puesto Hernández – Allen 40,6 230 O 9 Neuquén Plaza Huincul – Allen 27,3 137

0 Neuquén-

Bs. Aires Allen - Puerto

Rosales Consorc

io Oldeval 5,6 13 O 1

1 Neuquén-Bs. Aires Plaza Huincul - Puerto

Rosales 35,6 647

Inte

rpro

vinc

iale

s

O 12

Buenos Aires Puerto Rosales - La Plata YPF 81,3 584

Inter-nac.

O 13

Pcia. de Neuquén - VIII Región de Chile

Puesto Hernández – Concepción

YPF (58%) - ENAP (Ch) -

Inter Río 40,6 415

Notas: O: Oleoducto; P: Poliducto; F: Fueloducto Fuente: Elaboración sobre la base de artículos de la revista Carta Petrolera y Boletín Informativo Techint

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109

Refinerías Localidad Provincia Empresa BPD

Campo Durán Salta Repsol-YPF 15.111 Luján de Cuyo Mendoza Repsol-YPF 83.652 Plaza Huincul Neuquén Repsol-YPF 17.074 Bahía Blanca Buenos Aires Isaura 10.638 Galván Buenos Aires ESSO 7.190 La Plata Buenos Aires Repsol-YPF 181.215 Dock Sud Buenos Aires Shell 59896 Campana Buenos Aires ESSO 55.647 San Lorenzo Santa Fe Repsol-YPF 23.615 YPF Dock Sud Buenos Aires Otras 97 Sol Solano Otras 74 Dapsa Lomas Otras 46

Con anterioridad a la desregulación del mercado y a la privatización, la empresa estatal YPF efectuaba el proyecto, financiación, construcción y operación de los ductos. Actualmente la red se encuentra bajo administración y operación privadas, sujetos a un régimen de acceso abierto restringido. El Estado otorga la concesión de transporte, regula el funcionamiento y las tarifas y regula y fiscaliza todo lo relativo al cuidado del medio ambiente y la seguridad. Las futuras ampliaciones de la red, hoy cercana a los niveles de saturación, son materia de decisión de los capitales privados.

La red gasífera transnacional

Implementadas las reformas de la década del 90, la internacionalización del sector requiere de la complementación de los países del Cono Sur en un modelo en el que la magnitud de los mercados ampliados constituya un escenario de negocios atractivo para los inversores. Las interconexiones y ductos transfronterizos se han multiplicado y se han incrementado los intercambios entre los países dando lugar incluso a variaciones en la matriz energética, particularmente en el caso de aquellos países importadores de energía que tienden a pasar de los combustibles fósiles a la utilización de gas natural para consumos directos (industriales, residenciales u otros) o para la generación de energía eléctrica. En este sector, la integración física materializada por gasoductos, oleoductos y líneas de interconexión eléctrica han contribuido a perfilar un mercado energético regional en expansión.

Ya son varios los gasoductos en plena operación y son numerosos los proyectos en diversos grados de avance.

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111 Gasoductos y oleoductos transfronterizos en el Cono Sur90

T91 NOMBRE OBJETIVO CABECERA TERMINAL RECORR LONG DIAM EXPOR CARACTERÍSTICAS

TECNICAS $92 ESTADO EMPRESAS INVOLUCRADAS

G Yabog Exportación de gas de Bolivia al N argentino. Es posible que en el futuro se revierta el flujo con exportaciones de Argentina a Brasil a través de Bolivia

Santa Cruz (Bolivia)

Yacuiba (Argentina)

541 Km.

24' 2200 m3/año Capacidad: 6 Mmcd93 En operación

G Nor-Andino Alimentar las nuevas centrales de ciclo combinado que construyen Electroandina y Edelnor en las localidades de Tocopilla, Mejillones y Coloso p/ atender las crecientes demandas de electricidad de las empresas mineras del N de Chile

Campo Durán, Tarta-gal, Pichanal (Provincia de Salta, Arg.)

Loc. de To-copilla, Meji-llones y Co-loso en la costa del Pa-cífico (II Re-gión de Chile

Cruce de los Andes por el paso de Jama (4270 msnm)

1050 Km.

20' / 24"

• 307 Mmcd por 17 años • 1350 Mmc/año

• Además de las difi-cultades propias del cruce de la cordillera, el trazado incluye el cruce de varios ríos y rutas importantes • Cap.: 6 Mmcd

330 Inauguración prevista para fines de 1999 (estimación a fines de 1998)

• Gasoducto Nor-Andino es una firma integrada por Tractebel (Bélgica) y Enerpac (Chile), entre otras • Construcción: Techint

G De la Puna Provisión de gas a los emprendimientos mineros de la puna salteña, abastecimiento de un parque industrial minero (a construir) en Pocitos

Río de los Burros (Salta, Arg.)

Salar del Hombre Muerto

S. Antonio de los Co-bres, Olaca-pato, Poci-tos

200 Proyectado para 1 Mmcd

18 A licitar

G Atacama Alimentar con recursos gasíferos provenientes de la cuenca noroeste de Argentina la central eléctrica de Me-jillones. Otros clientes potenciales: minería, fundición y refinerías de cobre

Coronel Cornejo (Salta, Argentina)

Mejillones (Chile)

Cruce de los Andes por el paso de Jama

928 Km. (531 Arg., 411 Chil.)

20" • 2.65 Mmcd por un plazo de 15 años • 986 Mmc/año

• Capacidad: 8,5 Mmcd • En marzo de 2000 está transportando 2 Mmcd

Esti-mada entre 350 y 400

Entró en fun-cionamiento en el segundo semestre de 1999

• Consorcio integrado por CMS Energy (EEUU) y Endes (Chile) • Exportación autorizada a Pluspetrol Energy SA y Astra CAPSA de Argentina

G Bolivia-Chile Bolivia Villamontes, Tocopilla, Mejillones

700 20" Cap.:6 Mmcd

90 Elaboración propia en base a artículos periodísticos de los diarios Uno y Los Andes (Mendoza), La Nación y Ámbito Financiero, El Cronista (Buenos Aires), de las

revistas Mercado y Mercado Cuyo, Novedades Económicas, Boletín Informativo Techint, FIGUEROA DE LA VEGA, F. (1999), MONTAMAT, D. (1997) y entrevistas a informantes clave.

91 Tipo: O (oleoducto); G (gasoducto) 92 En millones de dólares 93 Millones de metros cúbicos diarios

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T94 NOMBRE OBJETIVO CABECERA TERMINAL RECORR LONG DIAM EXPOR CARACTERÍSTICAS

TECNICAS $95 ESTADO EMPRESAS INVOLUCRADAS

G GasAndes Transporte de gas de las cuencas gasíferas del sur argentino con destino a la generación de energía en Chile (Central Nueva Renca) y al uso urbano por red

La Mora (Malargüe, Mendoza, Argentina)

San Bernardo, Santiago de Chile

Cruce de la frontera por el paso Cajón del Maipo (3400 msnm)

776 Km.: 150 chile-nos y 315 ar-genti-nos

24" • 2738 m3/año • Total au-torizado de 5,9 Mmcd

• Capacidad: 8 Mmcd • Bombeo 5 millones de m3 diarios con capacidad máxima de transporte de 20 mill. de m3 • Construcción avanzada por parte de Electrogás de un ramal de 115 Km. y 100 mill que abastecerá la V Región

80696 Inaugurado el 7/8/77

• Gas Andes conformada por Novacorp-International TransCanadá , 56,5% (Can), Chilgener , 15% y Metrogás 15% (CH) y Cía. Gral. de Combustibles (Arg.), 13,5% • Exportación: P. Santa Fe, Total, Bridas y Repsol-YPF • Construcción encomendada a consorcio Techint - CPC SA

O Estenssoro-Pedrals (Oleoducto Trasandino)

Provisión de crudo para los usos cer-canos a la ciudad de Concepción y reducción de los costos de importación de Chile

Puesto Hernández (Neuquén, Argentina)

Ciudad de Concepción (VIII Región de Chile)

Cruce por el paso Buta-Mallín (1950 msnm)

424 Km.

16' Tres estaciones de bombeo (en Arg.): Puesto Hernández , Pampa de Trill y La Primavera y sus corres-pondientes nuevas líneas de alta tensión

215 Inaugurado el 15/2/94

Techint lideraba el consorcio in-tegrado por SADE (Arg.) y Sigdo Koppers y Belsaco (Ch)

G Del Pacífico Abastecer con gas de la cuenca neuquina (Arg.) el sector industrial (celulosa, papel, cemento, acero, vidrio) y posiblemente una central termoeléctrica de Concepción

Neuquén (Argentina)

Ciudad de Concepción (VIII Región de Chile)

530 Km.

20" / 24"

• 1825 Mmc/año • Volumen autorizado de 5 Mmcd hasta un total de 20000

• Cap.: 6 Mmcd • Se prevén ramales para abastecer a Los Angeles, Arauco, Lir-quén, Nacimiento y otras ciudades

350 En proyecto con estudio de factibilidad

• Construcción y explotación: acuerdo y fusión de los consorcios Transgas (Enap, El Paso y Repsol- YPF) y Gas Sur (Nova y Gasco) • Exportación: YPF • Distribución residencial a cargo de Gasco Concepción • Distribución industrial: Sociedad de Gas Natural

G Gas-Pacífico

Loma de la Lata (Neuquén, Argentina)

Puerto de Talcahuano (Chile)

Paso de Buta-Ma-llín (1950 msnm)

139 Km.

24" 985 Mmc/año

Trabajos pró-ximos a su inicio a fines de 1998

• Gas Pacífico integrada por Nova Gas Internacional, El Paso Energy, Gasco, ENAP, Repsol-YPF) • Construcción: Techint

94 Tipo: O (oleoducto); G (gasoducto) 95 En millones de dólares 96 Gasoducto y ramales

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T97 NOMBRE OBJETIVO CABECERA TERMINAL RECORR LONG DIAM EXPOR CARACTERÍSTICAS

TECNICAS $98 ESTADO EMPRESAS INVOLUCRADAS

G Magallanes I Cullen (Argentina)

Cabo Negro (Chile)

90 Km. 10" 730 m3/año Capacidad: 2 Mmcd

6,5 En operación desde dic. 1996

• Propietaria del ducto: Repsol-YPF y Enap (Ch) • Exportadora: Repsol-YPF

G Magallanes II

Alimentar la planta de metanol de la empresa canadiense Methanex

S. Sebastián (Argentina)

Cabo Negro (Chile)

105 Km.

20"/ 16"

985 Mmc al año 2000

Capa3cidad: 2,9 Mmcd 30 Inag. prevista para marzo/99

• Empresas exportadoras: YPF (2 Mmcd) y Sipetrol (0.75 Mmcd)

G Colón-Paysandú ( del litoral-Puente In-ternacional

Alimentación de la fábrica de alco-holes y la planta de cemento Portland de la ANCAP en Paysandú. Obras complementarias permitirán la alimentación de otras industrias y la ciudad de Paysandú

Colón (Entre Ríos, Argentina)

Paysandú (Uruguay)

Cruce del Río Uru-guay por puente Gral. Artigas

26 Km. 8" • 137 m3/año • Vol. auto-rizado: 0,2 Mmcd hasta total de 730 Mmc

• Capacidad: 0,4 Mmcd • Para la distribución se estiman ramales de 20 Km. •

Inaugurado el 23/10/98

Exportación realizada por PetroUruguay

G Cruz del Sur Buenos Aires (Argentina)

Montevideo (Uruguay)

215 Km.

10" 730 Mmc/año

• Cap.: 2.5 Mmcd • Posibilidad de exten-der el gasoducto 920 Km. hacia el norte hasta Porto Alegre (Br) sujeta a la autorización de la Agencia Nacional del Petróleo, previéndose una entrega de 6 Mmcd en esa ciudad.

Inver-sión total99: 100

Licitación p/ construcción y operación ganada a principios de 1998

• Construcción-operación: con-sorcio integrado por British Gas (40%), Panamerican Energy de Arg. (40%) y ANCAP, empresa estatal de Uruguay (20%) • Distribución en Montevideo: Gaseba (Gaz de France, 51%; Acodike de Uruguay, 15%; Empresa Privada de Gas de Argentina, 25% y Bridas de Arg., 9%)

G Austral Vincular la cuenca austral de Argentina con Porto Alegre pasando por Buenos Aires

Cuenca austral (Argentina)

Porto Alegre (Brasil)

3700 Km.

36" / 30"

• Cap.: 31 Mmcd • Se prevé entregar 5 Mmcd en Bs.As., 2.5 en Montevideo y 16 en Porto Alegre

Proyecto con estudio de factibilidad.

T10 NOMBRE OBJETIVO CABECERA TERMINAL RECORR LONG DIAM EXPOR CARACTERÍSTICAS

TECNICAS $101 ESTADO EMPRESAS INVOLUCRADAS

97 Tipo: O (oleoducto); G (gasoducto) 98 En millones de dólares 99 Construcción y explotación de gasoducto troncal, gasoductos de aproximación para abastecer consumos residenciales, comerciales, industriales, de servicios y de

generación eléctrica, así como la instalación de una estación de transferencia, de plantas de regulación de presión y del sistema de comunicaciones. 100 Tipo: O (oleoducto); G (gasoducto) 101 En millones de dólares

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114 G Litoral-

Subfluvial Es una extensión del Troncal En-trerriano de Argentina para sumi-nistrar combustible a una central eléctrica uruguaya

Gasoducto Troncal Entrerriano, E. Ríos (A)

Casablanca (Paysandú, Uruguay)

1,3 Km.

12" 730 Mmc/año

• Capacidad: 2 Mmcd

G Gaucho Es una extensión del Troncal En-trerriano de Argentina para sumi-nistrar combustible a una central eléctrica uruguaya

Gasoducto Troncal Entrerriano

Uruguaiana (Uruguay)

440 Km.

24" 2.5 Mmcd • Cap.: 3 Mmcd • Estudios para exten-derlo hasta Porto Alegre

Empresa exportadora: Repsol-YPF

G del Mercosur

Llevar gas de la cuenca noroeste de Arg. a las provincias de Formosa, Chaco, Corrientes y Misiones y a Asunción del Paraguay con destino final en los estados de Río Grande do Sul, S. Catarina y Paraná en Brasil p/ abastecer consumos residenciales, industriales y de generación electrica

Provincia de Salta (Argentina)

San Pablo (Brasil)

Por Asunción del Paraguay

3115 / 3515 Km.

30" / 36"

1350 Mmc/año

Capacidad: 25 Mmcd 1500 (esti-mada)

Proyecto con estudio de factibilidad. Previsión de conclusión de obra en el 2000

Proyecto promovido por el con-sorcio AEC Pipelines de Canadá, Mobil Corp. de EEU, Marubeni Corp. De Japón y Petrolera Ar-gentina San Jorge

G Trans-Chaco

Santa Cruz (Bolivia)

Asunción (Paraguay)

846 Km.

18" Cap.: 6,9 Mmcd

2.4 Mmcd a incre-mentarse en 10 años hasta 3.3 Mmcd

Esti-mada en 182102

Proyecto con estudio de factibilidad.

Acuerdo firmado entre los dos países en 1996 prevé construcción y explotación por parte de privados

G Bolivia-Brasil

Alimentación de la zona sur de Brasil con gas proveniente de yacimientos bolivianos. Mercado prioritario: industrial p/ sustituir gas licuado, diesel y leña. Electrobrás estudia la instalación de centrales termoeléctricas

Santa Cruz (Bolivia)

Ref.Paulinha (Sao Paulo, Brasil)

Pto Suárez, Corumbá, C.Grande, Tres Lagoas, Campinas

3061 Km.

32' 2190 • Capacidad: 30 Mmcd • Derivaciones previstas a Belo Horizonte y P. Alegre

460 103

Inaugurado en febrero de 1999

• Participación accionaria: AFP (25,5%), Enron/Shell (59,5%), Petrobrás (9%) y British Gas, El Paso y BHP (6%). • Construcción: Techint

G La Paz-Ilo La Paz (Bolivia)

Ilo (Perú) 400 Km.

1500 Ton/año

Capacidad: 4,1 Ton 150 (esti-mada)

Proyecto con estudio de factibilidad.

Ejecución estaría a cargo de Willbros de EEUU

Perú-Bolivia

Camisea (Perú)

Santa Cruz (Bolivia)

Perú- Brasil

Camisea (Perú)

Manaos

(Brasil)

102 Sin recompresión y ramales 103 Monto de las inversiones bolivianas

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Las redes transnacionales en Mendoza y la V Región de Chile

Separadas por la Cordillera de los Andes pero conectadas por el Corredor Bioceánico Central en el paso más transitado de la frontera argentina-chilena (paso Las Cuevas, sistema del Cristo Redentor), la provincia de Mendoza en Argentina y la V Región de Chile son territorios fuertemente marcados por su condición de fronteras y por un proceso histórico que las ha vinculado con anterioridad a los hoy activos procesos de integración en los ámbitos nacional, regional y local. Desde épocas coloniales, ya sea por haber estado estrechamente vinculadas o por haberse dado la espalda, las dos regiones han compartido destinos comunes a partir de los cuales se ha construido el territorio a ambos lados del actual límite internacional, particularmente en los espacios cordilleranos marcados igualmente por un medio natural inhóspito y de extrema fragilidad. La integración energética en el Cono Sur y el desarrollo de las redes transfronterizas de energía constituyen un caso más de una reterritorialización que redefine la geografía de las regiones.

Para comprender cómo se articulan los territorios locales en sus vínculos transfronterizos es necesario considerar a la V Región en el marco de la "Macrozona Central" de Chile104 que incluye además de la V Región (de Valparaíso), la del Libertador Bernardo O'Higgins y, de manera destacada, la Región Metropolitana en la que se localiza Santiago, la capital nacional. La Región Metropolitana no se extiende hasta la frontera argentino-chilena pero su importancia política y administrativa, su dinamismo económico y su posición relativa con respecto al Corredor Bioceánico Central la convierten en una pieza insoslayable a la hora de considerar los territorios involucrados en la integración transfronteriza y los nuevos grandes proyectos generados en el área. Ha sido justamente el gran mercado localizado en Santiago de Chile en primera instancia y en la Macrozona Central en segundo término el imán que ha determinado la localización de inversiones para el transporte de gas a través de la Cordillera de los Andes.

Los proyectos de la integración energética

El gasoducto "GasAndes"

El gasoducto GasAndes fue construido con el objetivo de transportar el gas producido en La Mora, departamento de Malargüe, al sur de la Provincia de Mendoza (que pertenece a la cuenca neuquina) con destino a la localidad de San Bernardo, en la Región Metropolitana de Santiago de Chile. La Región Metropolitana105 se encuentra embarcada en una profunda transformación de su matriz energética determinada en gran parte por los graves problemas de contaminación atmosférica. El objetivo es reducir o estabilizar los consumos de petróleo en favor del gas natural, primeramente en la generación de energía eléctrica y posteriormente en usos industriales y residenciales, para lo cual se encuentran en construcción vastas redes de distribución. Este mercado es objeto de interés del consorcio GasAndes, liderado por la canadiense Novacorp e integrado asimismo por otras empresas entre las que se cuentan argentinas y chilenas.

La provincia es receptora de este proyecto en carácter de espacio de paso entre un yacimiento productor (Loma de la Lata, en Neuquén, Argentina) y un mercado consumidor en la Región Metropolitana de Chile. Uno de los factores cruciales para la viabilidad del proyecto fue justamente (según fuentes del consorcio106) un factor ajeno a Mendoza: asegurar el suministro de gas de la cuenca neuquina para los compradores chilenos.

104 Esta Macrozona Central representa el 55% de la población y el 62% de la producción de Chile. 105 Posteriormente se sumó la V REgión de Chile con las ciudades de Valparaíso y Viña del Mar 106 Citada en: "Chile inició obras del gasoducto", en: diario Uno, Mendoza, martes 24 de octubre de 1995.

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Con un trazado de 776 Km., el gasoducto tiene su punto de origen en la localidad de La Mora, en el departamento de Gral. Alvear, en Mendoza, y atraviesa los departamentos de San Rafael y San Carlos en un tramo de 315 Km. hasta cruzar la frontera por el paso Cajón del Maipo a 3400 m.s.n.m., desde donde recorre otros 150 Km. pasando por San Gabriel hasta llegar a su destino en San Bernardo, en la Región Metropolitana. En La Mora no hay yacimiento sino una planta compresora sobre el gasoducto Centro-Oeste, el que une la cuenca neuquina con Villa Mercedes, en San Luis, con San Jerónimo en plena pampa húmeda y desde donde diversas conexiones abastecen el área central de Argentina. Este es el mismo gasoducto que, a partir de una planta compresora en Beazley (San Luis), deriva un ramal hacia el Area Metropolitana de Mendoza y de allí a San Juan.

Los únicos factores del proyecto negociados en Mendoza fueron los relativos a la preservación del medio ambiente, ya que el trazado involucra el cruce de nueve cursos de agua entre las cuales se cuentan dos cruces del río Diamante, uno de ellos aguas abajo de la desembocadura del lago, a 1.800 m.s.n.m., sobre tierras de la Reserva de la Laguna del Diamante, área natural protegida de jurisdicción provincial.

El proyecto contemplaba diversos pasos alternativos para el cruce de la cordillera principal: por Las Cuevas (paso Cristo Redentor), la ruta Molina (al E de Rancagua), la ruta Piuquenes y la ruta Maipo, que fue la seleccionada finalmente.

La fundación ambientalista local Cullunche y un diputado provincial se opusieron públicamente a que el trazado atravesase la Reserva de la Laguna del Diamante, poniendo la discusón en el ámbito público. El diputado y un joven mendocino, ex guardaparques, presentaron una denuncia a la Fiscalía de Estado por posible daño ambiental, en un intento de lograr un desvío de la traza hacia una alternativa más al norte, por la ruta Piuquenes, con mayor costo de obra. A raíz de estas acciones, la empresa fue conminada a presentar una Manifestación de Impacto Ambiental que resultó en un informe general107 sobre el cual se basó el gobierno para autorizar de manera general el tendido. Finalmente la empresa ofreció algunas medidas de mitigación del impacto, el trazado fue aceptado, la construcción iniciada y el gasoducto se encuentra hoy funcionando.

Gasoducto de la V Región de Chile

Habiendo llegado Gas Andes a la Región Metropolitana y ya avanzado el proceso de reconversión energética hacia el gas natural, se ha previsto la construcción de un ramal que, continuando la traza hacia el litoral pacífico llevará gas natural a la V Región, precisamente al Area Metropolitana de Valparaíso que comprende las ciudades de Valparaíso, Viña del Mar, Con Con y Quilpué. Se trata de un tendido de 115 Km. por los valles centrales chilenos a cargo de la empresa chilena Metrogás que atenderá las demandas industriales de estos centros urbanos así como dos centrales termoeléctricas. Su construcción se encuentra avanzada. Chile avanza así la transformación de su matriz energética sobre la base de un mercado desregulado que le permite negociar libremente sus suministros futuros de gas natural.

Poliducto Luján de Cuyo – V Región de Chile

En el primer semestre del 2000 se anunció el proyecto de un nuevo corredor de gas transnacional que, con cabecera en el departamento de Luján de Cuyo, en Mendoza (en donde se encuentra el Parque Industrial Petroquímico), llegaría a la Región Metropolitana y la V Región de Chile. El proyecto surge de una alianza estratégica entre la empresa Repsol-YPF y la Empresa Nacional de Petróleo (ENAP) chilena que consistiría en un intercambio de activos. se entregaría una porción del mercado chileno a Repsol-YPF, la empresa argentina efectuaría inversiones en las

107 El informe no contempla la ley provincial que declara la zona protegida en el año 1994.

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refinerías chilenas Petrox y Con Con (cordinadas por la ENAP) y se efectuarían aportes chilenos en Luján de Cuyo (coordinados por Repsol-YPF). El posible acuerdo se encontraba en etapa de evaluación por parte del Ministerio de Economía y Minería de Chile.

Proyecto de interconexión eléctrica "InterAndes"

La idea de una interconexión eléctrica entre Mendoza y Santiago (de una inversión estimada de 42 u$s108) no se ha concretado todavía en un proyecto ejecutivo. Este vínculo permitiría la interconexión de la macrozona central de Chile, la más demandante de energía, al sistema eléctrico provincial y, por su intermedio, al Mercado Eléctrico Mayorista de alcance nacional.

Las implicancias para los territorios locales

Los gasoductos, como manifestaciones físicas de un mercado transnacional de energía, son escasamente perceptibles por parte de la sociedad mendocina. En el caso de Mendoza, como en el de otras regiones sobre la Cordillera de Los Andes, éstos discurren sobre espacios semidesérticos que se encuentran escasamente ocupados y que no están presentes en el imaginario social regional. Los impactos directos de estos proyectos se refieren a aspectos ambientales particularmente críticos en ecosistemas frágiles y con la dificultad adicional que los riesgos presentes o los daños ocasionados no son fácilmente determinables, ya que en territorios con accesibilidad restringida y en materias reservadas a especialistas, los mecanismos de evaluación y control de los impactos ambientales no son fáciles de corroborar.

Más allá de la percepción social, Mendoza importa aproximadamente el 90% del gas que consume, por lo que acceder a mercados transfronterizos no tiene valor para su estrategia comercial ni para el desarrollo de los operadores locales del sector. A diferencia de Neuquén, en donde sí existen fuertes excedentes de gas exportables, Mendoza funciona como un mero soporte de conexión entre proveedores y consumidores extraregionales de gas natural. Distinto sería el caso del poliducto Luján de Cuyo – V Región de Chile que permitiría la exportación de productos con valor agregado mendocino, potenciando el Parque Industrial Petroquímico localizado en Luján de Cuyo, al sur del Área Metropolitana. El gasoducto transnacional no incrementa los flujos que Mendoza "importa" por el Gasoducto Centro-Oeste, por lo que aquel tampoco incide en mayores opciones para el abastecimiento del mercado local.

En cuanto a los beneficios factibles de obtener en las etapas de construcción de estas obras, los montos comprometidos son muy altos e implican requerimientos de escala y un grado de especialización que excluye a las empresas locales.

¿Son útiles estos proyectos en el reforzamiento de la cooperación interregional y/o transfronteriza? Aparentemente, no: la cooperación entre Mendoza y la V Región de Chile no tiene en su agenda el comercio de gas natural que es un asunto que se acuerda entre chilenos y neuquinos. El gasoducto Gas Andes ni siquiera ha generado un acercamiento entre Mendoza y Neuquén, dos provincias argentinas que aunque poseen problemáticas compartidas y podrían beneficiarse de estrategias comunes, nunca se han reconocido como potenciales aliadas para enfrentar los desafíos de los mercados ampliados.

Además de los efectos deseables o no deseables, se ponen en franca evidencia los escasos márgenes de maniobra de los poderes locales (estatales y otros) para decidir y manejar los conflictos asociados de la instalación de estas redes.

108 Según MONTAMAT, Daniel Gustavo (1997), "Energía: la agenda pendiente del Cono Sur", en: Boletín

Informativo Techint, Nº 290, abril-junio, p. 43.

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En los grandes proyectos de redes transnacionales, de energía y especialmente de transporte de cargas, se advierte la competencia de los territorios locales por atraer una gran obra. En el marco de las transformaciones globales de la economía y la necesidad de activar la economía regional, un emprendimiento transfronterizo es percibido localmente como una posibilidad de montarse a la ola del nuevo modelo, como un "polo de desarrollo" que traerá beneficios. En plena disputa por la inversión y frente a la ausencia de una estrategia regional socialmente compartida, no se discute el hecho de que ciertos sectores quedan marginados o incluso pierdan sus espacios en la actividad económica local, no se discuten tampoco los posibles impactos negativos de esta obra; esa sería una etapa posterior a resolver por el "vencedor", quien logró atraer la inversión. La utilización de estos argumentos por parte de políticos y formadores de opinión por cuestiones de imagen o para decidir contiendas partidarias es frecuente y confunde a la opinión pública. Las voces que advierten la necesidad de reflexionar sobre las condiciones en las que estos proyectos se desarrollarían aparecen como retrógradas o atadas a intereses consolidados. Algo similar ocurre con la defensa del medio ambiente, que aunque muchas veces está viciada de "ecologismo", puede ofrecer alternativas para encontrar maneras más sustentables de dar respuesta a las necesidades de crecimiento económico con equidad y respeto por factores ecológicos y objetivos de desarrollo social. En el caso de los proyectos de infraestructuras de transporte, esta situación se ve agravada por la idea de que estas obras automáticamente permitirían sacar ventaja de "la posición estratégica de Mendoza", sin advertir la posibilidad de que el territorio provincial se convierta una tubería pasante que facilite los flujos en la escala Cono Sur sin mayores repercusiones positivas en la escala local y sin tener en cuenta que la misma puerta que abre las posibilidades es la vía de entrada de la competencia.

¿Debería Mendoza "sacrificarse" aceptando ciertos costos para contribuir a una solidaridad territorial que, con objetivos de cohesión económica y social, permita que regiones productoras puedan abastecer a regiones consumidoras? La respuesta podría ser afirmativa si las características particulares de los proyectos aportan a la atenuación de las desigualdades territoriales y no a su profundización (no es lo mismo un ducto para transportar crudo que uno para productos elaborados, ni un origen-destino que otro, por ejemplo). Del mismo modo, se podría pensar en promover estos mecanismos de transferencia y/o compensación si están enmarcados en estrategias territoriales y procesos de integración y cooperación acordados y con objetivos compartidos de reequilibrio interregional.

Con relación a las interacciones global-local, el caso mendocino avalaría la hipótesis que los grandes proyectos no se definen solamente en un análisis costo-beneficio, sea éste regional o nacional, económico o social, de desarrollo integral o sectorial, de corto o largo plazo, sino por la puesta en juego y oposición de intereses y actores que, con existencias e interrelaciones cuya lógica se define en un contexto político, económico y social extrarregional, se manifiestan en torno a los proyectos localizados. En todo caso, antes de consentir en la realización de uno de estos grandes proyectos, sería necesario explicitar y analizar estos costos y beneficios y contrastarlos en el marco de estrategias legítimas.

El sector energético constituye efectivamente una pieza del mayor interés para analizar las transformaciones territoriales asociadas a los procesos de integración en el Cono Sur por múltiples causas. En primer lugar porque se ha transnacionalizado tempranamente; luego porque las redes construidas constituyen manifestaciones espaciales que desestiman bordes administrativos y naturales, transforman fronteras y representan grandes trabajos y fuertes inversiones en espacios marginales de escasa ocupación y alta fragilidad ambiental. Además, porque el sector energético constituye un rubro importante en los procesos de integración en curso. Finalmente, porque la incidencia de lo energético en otros sectores de la economía determina que las transferencias entre regiones podrían traducirse en beneficios ambientales y económicos para todo el Cono Sur. Pero la liberalización del mercado no basta: será necesario avanzar en la armonización de las políticas y

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los acuerdos en torno a una estrategia común para que los "sacrificios" de unos se traduzcan en beneficios para muchos y para que la solidaridad territorial sea un camino de ida y vuelta.

Ya en la escala nacional y regional y en cuanto a las implicancias con relación a la explotación del recurso, cabe mencionar que las reservas de gas son abundantes, pero no se las está reemplazando al ritmo de la producción: se consume más de lo que se incorpora a las reservas remanentes. El horizonte de reservas (en años) de la Argentina es notablemente inferior al de otros países de la región.109

De no mediar un cambio importante, esta situación se agravará con el cumplimiento de los compromisos de exportación a los que obligan los nuevos gasoductos construidos y proyectados, a Chile (petróleo de la cuenca neuquina) y a Brasil (cuenca noroeste) y las inversiones efectuadas en plantas de ciclo combinado para la generación de energía eléctrica en Argentina, Chile y, en menor grado, en Uruguay y Brasil.

Asegurar futuros volúmenes de producción requiere mayores inversiones en prospección y exploración para sumar metros cúbicos a las reservas probadas. El interrogante aquí es como se prevería el reemplazo de las reservas en un contexto de reducción de ganancias por parte de las empresas a causa de mayores costos financieros y bajos precios del petróleo.

El negocio del gas era muy próspero para las empresas mientras que las tarifas se ajustaban con la inflación de los EE.UU. y en la Argentina había deflación110. Pero la situación cambió bruscamente con la devaluación de fines de 2001, el congelamiento tarifario y la creciente morosidad de los ususarios: ahora empresas transportistas y distribuidoras están empeñadas en recomponer sus rentabilidades, aumento de tarifas de por medio. En la negociación con el Estado justifican la suba de tarifas aduciendo que deben hacer frente a deudas contraídas en el exterior (en dólares). El análisis del comportamiento empresario muestra que las concesionarias han financiado los generosos dividendos repartidos entre sus accionistas con deudas contraídas a tasas bajas.111

109 Cálculos efectuados sobre la base de consumos de 1997 110 Fueron esas las condiciones que hicieron que actores internacionales hiciesen fuertes inversiones en un

país política y económicamente inestable como la Argentina. 111 Desde el incio de la concesión hasta setiembre de 2001, Transportadora de Gas del Sur (TGS) de Enron y

Pérez Companc (Petrobras) había distribuído utilidades por 1.397 millones de pesos (o dólares) al mismo tiempo que acumulaba deuda por 1.080 millones. Metrogas (operada por British Gas) en la ciudad de Buenos Aires, que se declaró en default en 2002 por no poder cumplir con obligaciones crediticias sobre 413 millones de deudas, había repartido utilidades por 430 millones desde el momento de la concesión.

Producción anual de gas (1999) y horizonte de reservas

0102030405060708090

100

Venezuela México Argentina Brasil Bolivia Colombia Chile

Producción 1997(en millones de metros cúbicos) Horizonte de reservas (años)

Fuente: FIGUEROA DE LA VEGA, Francisco (1999), "Perspectivas del comercio de gas natural en América Latina y el Caribe",

en: Comercio Exterior, Vol. 49, Nº 11, México, noviembre de 1999.

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Por otra parte, en el marco de grandes demandas, la cuenca neuquina experimentaría mayor presión sobre sus reservas (las de menor costo de explotación) y habría que prever la movilización de las grandes reservas comprobadas de la Cuenca Austral (en el mar) a mayores costos y la necesaria ampliación de la capacidad de los ductos troncales argentinos.

En fin, más allá de la emergencia de nuevas oportunidades de negocios y el florecimiento de las inversiones en proyectos de gran envergadura, se hace cada día más evidente la urgencia de planificar el manejo de los recursos naturales (y los servicios públicos derivados) y, de manera complementaria, la necesidad de establecer objetivos energéticos comunes en el marco de políticas energéticas concertadas en el Cono Sur.

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Gasodutos no Cone Sul: uma Rede Transnacional

Rafael Alves Montanha A produção e o consumo de gás natural apresentam tendência de crescimento em todo o

mundo). O Cone Sul da Américas não é exceção, apesar da crise econômica que assola o bloco regional. O gás natural, como veremos adiante, é um energético, que possui vários usos, desde insumo industrial, combustível automotivo, aquecimento residencial, passando por geração de energia elétrica através das termelétricas. O gás natural possui vantagens comparativas em relação às outras fontes energéticas como o fato de ser menos poluente, ter preço mais competitivo, além de, no contexto regional termos relativa abundância deste integrante da matriz energética.

Há que deixar claro que não estamos falando apenas de um produto e sua rede. O energético é uma ramificação de uma grande indústria, a indústria do petróleo, mas que ao longo do século XX foi ganhando alguma autonomia com as consecutivas altas do petróleo e novas tecnologias de prospecção e transporte do produto. Podemos hoje afirmar que existe uma indústria do gás natural, a qual usa-se muito a sigla (IGN). Usarei também a sigla (GN) quando estiver me referindo ao gás natural

Na indústria do petróleo há duas fases distintas: upstream e downstream. A primeira traduz-se em exploração e produção propriamente dita. A segunda fase corresponde ao transporte, refino e distribuição. O gás natural como um ramo da indústria do petróleo passa por estas duas fases, só não necessitando do refino.

Características do Gás Natural O gás natural é um hidrocarboneto que pode ser encontrado isolado ou associado ao óleo,

sendo um combustível limpo em relação a outros hidrocarbonetos, pois possui pouco enxofre e emite baixas quantias de óxidos carbônicos. Não há necessidade de estocagem no próprio local de consumo. Uma das principais vantagens do GN é a não necessidade de refino, o que realmente diminui em muito o custo final do produto.112

Após o que foi apresentado o parágrafo acima se pode passar a falsa impressão de que o GN apenas tem vantagens e não há problemas quanto à utilização destes. Entretanto, a IGN tem um grande problema logístico-econômico que é justamente o transporte deste, dois terços do preço do energético é constituído pelo transporte. Isto se explica pela baixa densidade energética que possui o GN, tendo que transportar grande quantidade e investir muito na infra-estrutura de compressão do gás, para poder vender razoáveis quantidades de energia. A passagem de ALMEIDA (2000), exemplifica bem o que digo:

“A desvantagem básica do gás natural é sua baixa densidade calórica. Ou seja. Uma mesma quantidade de energia. Ou seja, uma mesma quantidade de energia na forma de gás natural ocupa um volume cerca de mil vezes superior à energia na forma de petróleo. Isto implica num grande custo para seu transporte em grandes distâncias e distribuição para os consumidores finais”. (pp. 3, grifo meu).

A indústria do gás natural, como já dito acima, expandiu-se muito com as crises do Petróleo de 1973 e de 1979. Mas também há defensores professos do GN que afirmam que o energético será o sucedâneo do petróleo ao longo do século XXI.

Desenvolvimento da Indústria do Gás Natural A primeira empresa criada no ramo do gás natural aconteceu na Inglaterra em 1812, a

London Westminster Gas Light and Coke Company. O Brasil chegou a utilizar o gás natural para a

112 A Petrobrás vende US$ 2,50 o milhão de Btu.

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iluminação pública, sua principal utilidade até início do século XX: 113 ainda no Império na iluminação da cidade do Rio de Janeiro promovida por uma empresa do Barão de Mauá.114

Há que ressaltar a existência de dois tipos de gás pertencentes à indústria do petróleo, o manufaturado conhecido como (GLP) – gás liquefeito de petróleo – e o gás natural em si. O gás natural é um produto em si, ou seja, não é derivado. Encontra-se associado ou não ao petróleo nas jazidas. (ver figura adiante na página). Só nos anos de 1950, o gás natural ultrapassou em venda o gás manufaturado. Isto ocorreu nos EUA quando novas tecnologias de transporte e dutos mais resistentes à pressão surgiram. O transporte ficou mais barato.

O novo contexto geopolítico a partir da década de setenta também impulsionou a IGN, pois os países centrais, que tentavam diminuir sua dependência em relação a petróleo oriundo do oriente médio, passaram a ver no GN uma alternativa. Outro fator que também ajudou o crescimento do consumo do gás natural foram as novas políticas ambientais em favor de combustíveis menos poluidores. As novas tecnologias entram em grande parte no transporte, aumenta-se cada vez mais a pressão interna nos dutos, possibilitando assim, transporte de maiores quantidades de gás acarretando maiores economias de escala.

Outra vantagem que pode ser ressaltada é a produção de energia elétrica através das termelétricas bem próximas aos centros de consumo. Ou seja, não há grandes perdas na transmissão até o usuário final. Juntam-se às termelétricas o processo de co-geração, o qual alcançam-se um aproveitamento energético de até oitenta e cinco por cento. O processo de co-geração é a utilização do calor e do vapor d’água liberado pela turbina da termelétrica para utilização da indústria. Exemplo é a da empresa Rio de Janeiro Refrescos (Coca-cola) no Rio de Janeiro, que utiliza o calor gerado pelas turbinas para aquecer líquidos durante o processo produtivo.

MAPA 1

113 Eletricidade tirou o mercado de iluminação pública do gás natural. 114 Palestra proferida pela Dra. Maria das Graças Pena Silva da empresa (Redegasenergia), em 17/09/2002 no

Fórum de Gás Natural – RJ.

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Transporte do Gás Natural: um desafioe econômico. Como o gás natural tem baixa densidade calórica, realmente o transporte assume o papel

mais oneroso na IGN. Como já dito, dois terços do preço final do produto se devem ao transporte. Há dois modos em concorrência para a condução do produto. O primeiro se dá através de gasodutos, o segundo através da liquefação. Sendo esta mais cara é utilizada para transportar o energético para regiões onde o local de extração e o de consumo, geograficamente, não se pode fazer por gasodutos. Exemplo clássico é o consumo gás natural consumido pelo Japão onde o exportador é nada mais que o Chile.

Transporte via gasodutos Focando no primeiro método, os gasodutos estão em grande avanço e articulação entre si,

pois para a lógica capitalista, em que os mercados cada vez mais se expandem, o não há outra alternativa senão a integração.O processo de integração de blocos regionais supranacionais promovido em grande parte pelo processo de mundialização do capital, genericamente chamado de globalização, também contribui para a junção dos gasodutos (CHESNAIS, 1996).

O transporte do gás natural dá-se nos gasodutos através de compressores. O gás é comprimido e assim desloca-se pela tubulação e ao percorrê-la sofre atrito e também perda de pressão. Sendo assim tem que ser novamente comprimido para poder continuar a se deslocar. Quanto à estocagem, o gás é retirado dos dutos nos momentos de pico, alta utilização, e nos momentos de baixa utilização é injetado Os gasodutos estocam grande quantidade de gás para poder atender a demanda rapidamente, assim como num modelo just in time, atendendo ao modo de acumulação flexível.

Há uma pressão mínima contratual com que as operadoras trabalham. Mas em média, a pressão se dá na ordem de 100 a 150 kg/cm2. Nos meios urbanos, por motivo de segurança as city-gates115 reduzem esta para 5 ou 6 kg/cm2. [ABREU et MARTINEZ, (1999)].

A rede de gasodutos imobiliza muito capital sobre o território, porém, em contrapartida, tem baixo custo operacional e de manutenção. Não há como ter uma visão, que não seja multi-modal das redes logísticas, exemplo claro é a dos gasodutos. Por mais que a distribuição dos gasodutos seja rígida, atendendo a determinados centros urbanos e excluindo outros, esta rede só opera com segurança e viabilidade econômica atualmente, estando atrelada à outra rede, a de telecomunicações. Esta sim, bastante flexível.

Todo o transporte, controle e coordenação do transporte do gás natural é feito de um ponto no território que acompanha, via telecomunicações, a quantidade de gás que está passando em cada medidor, seja este de pressão ou de volume. A informação que passa por estes medidores é enviada através de satélite, ou de cabos de fibra ótica, sinais de rádio, internet para um centro de controle situado a muitos quilômetros de distância. Por exemplo, o Gasbol – Gasoduto Brasil-Bolívia, tem seu centro de controle localizado no Rio de Janeiro, embora este não perpasse o território fluminense. Provavelmente este ponto de controle é situado no estado do Rio de Janeiro por nele estar a metrópole onde está localizada a Petrobrás.

“... sistemas integrados de monitorização e controle da rede de transporte de gás, denominado SCADA (Sistema Supervisor de Controle e Aquisição de Dados). Estes sistemas funcionam como uma espécie de piloto automático das redes de transporte de gás, uma vez que permitem a operação centralizada dos dutos a partir de um centro de controle capaz de acionar todos os dispositivos de controle e monitorização ao longo da rede de dutos. O SCADA reúne dados sobre o produto transportado através de sensores eletrônicos distribuídos ao longo da rede de transporte e proporcionam controle remoto dos dispositivos mecânicos e eletrônicos responsáveis pelo controle da rede (válvulas, bombas e compressores)”. (ALMEIDA, Op. Cit).

115 City-gates são pontos de redução de pressão, próximos aos centros consumidores já preparando o gás

consumo.

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A partir da citação acima infere-se que é extremamente relevante, no mínimo ter uma “indústria” de softwares para acompanhar o processo de expansão e a necessidade de controle sobre gasodutos. O controle via telecomunicações permite uma monitoração cada vez mais precisa e acompanhada por trabalhadores mais qualificados, ou seja, engenheiros especializados ao invés de técnicos. Possibilita a detecção automática de vazamentos e verificação do estado de corrosão dos dutos. Portanto, o que exemplificamos de forma clara é que as redes logísticas são multi-modais e complementares, exigindo não apenas uma ampla e eficiente infra-estrutura, como também qualificação profissional para lidar com estas redes cada vez mais complexas e que exigem agilidade e rapidez na tomada de decisões.

Traço um esquema abaixo onde tento demonstrar o modo de como é feito o transporte do gás natural via gasodutos, o espaçamento entre os compressores varia entre 150 e 600 Km (ABREU et MARTINEZ (Op. Cit):

Figura 1: Variação de pressão no transporte de gás natural dentro de gasodutos

Fonte: ALMEIDA (2000)

Transporte via navios criogênicos: O gás natural também pode ser transportado por navios criogênicos, também conhecidos

como metaneiros – metano é o principal componente do gás natural. Para transportar o gás natural é necessário liquefazê-lo sendo para isto necessário reduzir sua temperatura à –162ºC. Ao liquefazer o gás natural diminui-se seu volume em 600 vezes, uma ordem de grandeza significativa. O grande problema do gás natural liquefeito (GNL) é que este imobiliza uma quantidade muito grande de capital, porque seu transporte e sua cadeia produtiva são mais complexos do que a do GN tornando mais oneroso o transporte por criogênicos do que por dutos. Embora nos últimos anos perceba-se um ganho de escala significativo, o transporte de GNL só é efetivado quando não há possibilidade econômica ou técnica de transportá-lo via dutos. (ver figura adiante do processo logístico do GNL).

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Figura 2: O sistema logístico do gás natural liquefeito

Outro obstáculo a ser superado pelo transporte do GNL é a logística dos portos para

atenderem aos grandes metaneiros que transportam material, que necessita de muita segurança para evitar acidentes. Os portos do Cone Sul, realmente, não possuem tal logística e garantias para um eventual revés que ocorra. O porto tem que praticamente parar todas as outras operações para atender, exclusivamente, ao navio criogênico que esta aportando. Mas o cenário não é tão sombrio quanto demonstro. Só para apresentar um dado: desde 1978, o GNL teve o custo diminuído em 30% vis à vis o GN. Esse por sua vez diminuiu seu preço em 60% desde 1985.

A possibilidade dos combustíveis sintéticos Existe viabilidade técnica de fazer combustíveis sintéticos de gás natural (CSGN), através

de processos químicos como o FISCHER-TROPSCH116. Podemos obter através do gás natural, derivados de petróleo de alto valor no mercado, como a gasolina, o diesel ou o nafta. Pode-se também obter metano através da biodigestão, ou seja, utilizando o lixo urbano, o grande problema é a falta de subsídios e de consciência ambiental.

A grande vantagem é que os CSGN, embora não são tão poluentes, já que são livres de enxofre. Estes não são competitivos economicamente com os derivados diretos do petróleo. Com a alta do galão do petróleo devido às sucessivas crises e também um aumento reduzido das reservas petrolíferas provadas117, poderemos em algumas décadas estar perfeitamente usando CSGN como fonte energética. Empresas como Exxon/Móbil, Shell, Chevron e Texaco já desenvolvem intensivas pesquisas para o desenvolvimento dos combustíveis sintéticos com o intuito de reduzir seu custo. Em momentos críticos, de colapso energético, ou em que se necessita muito de energia utilizam-se combustíveis alternativos, a história no mundo demonstra isto:

116 Ver Abreu et Martinez (Op. Cit): 39. 117 Há que fazer uma observação neste ponto, reservas provadas é a quantidade de petróleo e/ou gás que se

pode extrair de um campo de petróleo, e não a quantidade propriamente existente nas jazidas. Atualmente, com a tecnologia existente, o aproveitamento em um campo de petróleo se dá na ordem de 30%.

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“Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha para movimentar as suas forças armadas, produziu combustíveis artificiais similares aos derivados de petróleo (a partir do carvão mineral), utilizando processo semelhante ao que ocorreu na natureza, em face da dificuldade de acesso às fontes de petróleo. A África do Sul procedeu da mesma forma, sob o boicote de petróleo, durante o Apartheid”.[ABREU et MARTINEZ (Op. Cit.): 12].

Para terminar este tópico, traço o processo de distribuição até o consumidor final, de todos os tipos de gás natural. Necessário ressaltar a importância das UPGNs (Unidades de Processamento de Gás Natural) onde o gás é tratado, sendo seco, ou seja, separa-se o metano e o etano, além de ser tirada a umidade e vários outros compostos corrosivos, que destroem com grande voracidade os gasodutos. Na figura, a UPGN será apresentada como um quadrado negro, escrita acima apenas a palavra “tratamento”.

Figura 3: Distribuição dos tipos de GN até o consumidor final

A Integração dos Gasodutos no Cone Sul da América A partir deste ponto vamos aumentar nossa escala cartográfica de análise, ou seja, vamos

focalizar nosso estudo em uma região geográfica menor, o bloco regional supranacional Cone Sul. Esta região econômica apresenta crescimentos significativos tanto no consumo quanto na produção de gás natural. A título de exemplo, o consumo entre 1971 e 2000 cresceu em torno de 736 % e a produção 748 %. Em comparação com os vinte maiores utilizadores do energético, o consumo e a produção, no mesmo período, cresceram respectivamente 239 % e 271 %.

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MAPA: 2

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MAPA 3

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Os dados demonstram que o bloco econômico tem uma dinâmica própria. Apesar das crises econômicas que assolam a região desde a década de setenta com a crise do petróleo e elevação das dívidas externas assim como o decênio de oitenta considerado como a década perdida pelo baixíssimo crescimento e até mesmo estagflação. Em outras palavras: não apenas o Cone Sul, mas todo o subcontinente latino-americano endividou-se externamente com os altos juros praticado pelo sistema financeiro mundial e tiveram suas respectivas inflações acrescidas em escala vertiginosa,118 além de não terem crescimento econômico. A década de noventa foi a década do neoliberalismo, onde a dívida avançou mais ainda, o crescimento continuou estagnado, mas tivemos reduzida de forma significativa a inflação. Demonstro na passagem abaixo a importância da integração geoeconômica, ou seja, não apenas o Estado, mas o mercado agindo em prol da unificação do Cone Sul:

Em associação, a YPF, a Petrobrás e a Dow estão implantando na Província de Neuquén, uma unidade de secagem119 de GN, denominada Projeto Mega, onde o etano e os hidrocarbonetos mais pesados serão separados do gás seco e conduzido em dutos separados, até Bahia Blanca. Aí será feito o fracionamento desta corrente, sendo o etano destinado à Central de matérias-prima da Dow de Bahia Blanca, e o GLP e a gasolina natural resultantes, exportados para o Brasil. Solução semelhante deve alimentar o Pólo Gás Químico do Rio de Janeiro. No futuro, algo similar deverá acontecer com o duto de secagem do GN da Bolívia. (ABREU et MARTINEZ, Op. Cit.).

Percebe-se nos mapas 2 e 3, que no hemisfério sul apenas três países têm relevância neste setor: Argentina, Indonésia e Austrália. Enquanto no hemisfério norte, dois países com relevância na indústria do petróleo, EUA e Grã-Bretanha são, por sua vez, os maiores produtores e consumidores de gás natural.

No Cone Sul, como já ressaltado, a integração dos gasodutos apresenta-se em forte arranque, principalmente, com o (Gasbol), Gasoduto Brasil-Bolívia, o maior da América Latina. Gasoduto com 3150 Km de extensão, sendo destes 557 em território boliviano e 2593 em território brasileiro. Este perpassa quase cinco mil propriedades em cento e trinta e cinco municípios brasileiros localizados na core área brasileira responsável por 75% do PIB brasileiro, podendo transportar um volume de 30 milhões de m3/ dia.

Analisando cada país do bloco, verifica-se que a Bolívia é país chave na integração regional dos gasodutos, pois além de ter grandes reservas provadas, fica no centro do subcontinente, localizando-se na interface de Brasil e Argentina, as duas maiores economias da região econômica. O país boliviano também exporta GN para a Argentina para o Chile, através do gasoduto troncal.

O Chile tem produção na Patagônia exportando bastante GNL para o Sudeste asiático através de navios criogênicos e também importando da Argentina, através de gasodutos. (MACHADO et alii, 1999). É um país que também aponta crescimento no consumo do energético nos últimos anos.

118 Lembro-me de um número que decorei fácil, em dezembro de 1989 a inflação foi de 89%. 119 Secagem refere-se a separação que é feita nas UPGNs do metano e do etano

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Mapa 4

Na Argentina, pioneira na utilização do gás natural, seu primeiro gasoduto foi

inaugurado em 1947. Tem a maior produção e o maior consumo do subcontinente. Apresenta uma infra-estrutura importante, que permite abastecer tanto o consumo interno como a possibilidade para exportar para países vizinhos como o Brasil. Já que tocamos no nosso país, faço uma articulação que acredito ser importante ressaltar.

O Brasil possui 25.000.000 de veículos dos quais 150.000 utilizam (GNV) – Gás Natural Veicular, já a Argentina possui uma frota de 6.000.000 em que 700.000 rodam em GNV. Vamos raciocinar de modo bastante simples:12% da frota Argentina é movida por GNV. Se considerarmos que o Brasil alcançará o mesmo percentual, o Brasil estará rodando com 3.000.000 de veículos com GNV. Isso pode ser alcançado em um curto espaço de tempo.

O país vizinho tem 40% dos veículos rodando a diesel, que é de difícil conversão para o gás, e muito caro. Ou seja, dos 6.000.000 de veículos argentinos apenas 3.600.00 são passíveis de conversão, o que representa 20% da frota. O Brasil tem um desprezível número de carros movidos a diesel, pois o uso de diesel para veículos leves é proibido, logo a maioria dos carros são passíveis à conversão. Se adotarmos uma política com

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escopo de alcançar os mesmos vinte por cento, que é o máximo possível no país platino, teremos um mercado de 5.000.000 de veículos!!!

Mas para atingirmos este percentual precisamos superar alguns óbices. O primeiro é constituirmos uma rede de gasodutos intra-metropolitana com alto poder de compressão para atendermos com qualidade o consumidor final. O segundo é a constituição de postos pelo Brasil atendendo com qualidade os futuros clientes. Acredito que este não será um grande problema. O terceiro seria a de termos carros diretos de fábrica apoiando-se já no modelo bicombustível. A FIAT e a Volkswagen prometem modelos para breve. (só não sei o quanto é o breve deles). Há uma outra vantagem que são os kits de conversão, que estão se espalhando de forma até razoável pelo país através de pequenas oficinas.

Agora, tenho que ressaltar uma grande lástima para a integração regional do subcontinente que é a não unificação das válvulas de abastecimento. A Argentina e a Bolívia utilizavam válvulas com diâmetro de 12,7 mm, enquanto que no Brasil o diâmetro se dá na ordem de 11,1 mm, ou seja um veículo movido a GNV que saia do Brasil em direção à Argentina não conseguirá abastecer lá e vice-versa, pois as válvulas são incompatíveis. Será que este subcontinente é composto de mentecaptos econômicos regionais?

A Argentina, como já afirmado, é o principal protagonista na IGN dentro do contexto do Cone Sul. O GN tem uma participação de 52% em sua matriz energética e junto com a Bolívia, de grande uso, além de ter grandes reservas comprovadas de GN. (Ver gráficos IV. 1 e IV. 2 adiante).

GRÁFICO: CONE SUL MATRIZ ENERGÉTICA – COMPOSIÇÃO - 2000

40%

65%

56%49%

14%

63%

41%

52% 5%16%

26%

0%

0%

24%

3%

20%

6%5%

54%

19%

3%

5%10%

22% 20%

32%

18%

32%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Argentina Brasil Chile Bolivia Paraguai Uruguai Mundo

OtrosHidroGásPetróleo

Fonte: IAGP/BP No Brasil, a rede de gasodutos vem se ampliando no sul do país com a ligação

com a rede troncal Argentina, através da cidade de Uruguaiana e desta para Porto Alegre, que a exemplo do distrito de Campos Elíseos, município Duque de Caxias (RJ), está construindo um pólo Gasquímico.

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Voltando a Argentina, esta tem cinco gasodutos e é, realmente, o país com maior savoir-faire mercado sul-americano. Tem suas quatro maiores bacias gasíferas (Neuquina, Noroeste, San Jorge e Austral) conectadas por rede de Gasodutos (WEIS, 2001). A Argentina tem grande importância no cenário latino-americano.

Gás Natural na Argentina: A Argentina possui grandes reservas de gás natural contidas em suas bacias

gasíferas, estas tanto onshore como offshore.120 No Cone Sul da América é o primeiro país em quantidade de reservas, com viabilidade de ser explorado. Possui o suficiente para o consumo interno e ainda encontrando-se, em condições de ampliar bastante suas exportações, fato que já está ocorrendo. Por estas características reveladas acima podemos dizer que o país platino é um importante player para a promoção da integração dos gasodutos com os países vizinhos.

Como o país argentino possui, além de grandes reservas, um bom know-how no tratamento do gás, conhecimento de suas reservas que, além de muito grandes, têm alto grau de octanagem, o que facilita e desonera o custo de sua extração e assim atrair investimentos. A tabela abaixo divulgará a quantidade de gás natural que cada bacia platina possui:

GRÁFICO: CONE SUL RESERVAS COMPROVADAS DE GN - 2000

Observa-se na tabela uma enorme quantidade de gás a ser explorado. Outro

ponto que merece atenção é o volume contido na Bacia Neuquina. Esta bacia que fica a oeste da Grande Buenos Aires e a leste de Santiago do Chile, duas metrópoles de poderio industrial e concentração populacional podem portanto utilizar-se destas grandes reservas

120 Onshore refere-se à exploração de gás ou óleo em terra; offshore à exploração em mar.

729.215

518.500

226.000

96.000

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

700.000

800.000

ARGENTINA BOLÍVIA BRASIL CHILE

Reservas de gás (bilhões m3)

Fonte: IAPG/BP AMOCO

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TABELA: 1 RESERVAS DE GÁS COMPROVADAS NA ARGENTINA (BILHÕES DE

M3)

Ano Austral Cuyana Neuquina Noroeste San Jorge Total

1995 115.848 861 294.711 113.245 10.867 535.532

1996 136.347 855 343.802 122.145 16.148 619.297

1997 155.479 662 338.315 173.883 17.883 685.602

1998 160.301 806 329.158 172.063 21.469 663.797

1999 158.023 821 357.206 153.429 17.105 686.584

2000 171.437 879 377.118 146.444 33.337 729.215

FONTE: Instituto Argentino del Petróleo e del Gas – Sistema de Información de Petróleo y Gas

. A extração que se faz do gás que, como dito acima, pode ser tanto em terra como

em mar serve para o consumo de vários setores, entre eles incluído o industrial. Para este especificamente, o gás serve como material de queima, aquecimento de caldeiras e para indústrias que são intensivas em calor. Produtos como o etano, butano e propano são também obtidos do gás extraído o que para, o setor industrial, possui grande valia. Utiliza-se o gás para distribuição residencial também.

O gás é obtido nas cinco bacias gasíferas que possui a Argentina. Estas são: a Noroeste, Neuquina (produção de 60% do gás platino), Cuyana, Golfo de San Jorge e Austral. A produção do gás serve basicamente ao país e para exportação aos países vizinhos, embora exista exportação do gás já liquefeito para outros países como Japão e Austrália.

A distribuição interna deste produto é feita por duas empresas: TGN (Transportadora Gás Norte) e a TGS (Transportadora Gás Sul). O sistema é composto por cinco gasodutos centrais espalhando o gás por todo o país platino. O transporte supera a marca de cem milhões de metros cúbicos diariamente.

A TGN transporta mais de cinqüenta e quatro milhões de metros cúbicos dia sendo possuidora de dois gasodutos. O gasoduto Norte, que possui extensão de dois mil e cem quilômetros é ligado a bacia Noroeste e fazendo distribuição pelo norte do país. Possui também o gasoduto Centro-Oeste com extensão de mil cento e trinta quilômetros, este é ligado à bacia Nequina. Este espalha seu produto pela Grande Buenos Aires em conjunto com o Norte, eixo industrializado do país.

A TGS faz a difusão do gás pelo sul da Argentina através de três Gasodutos centrais o Neuba I e o Neuba II, somando-se a estes o San Martin. San Martin e é o de maior extensão alcançando a marca de três mil cento e noventa e dois quilômetros é ligado a três bacias: a Cuyana, a Austral e a de San Jorge. Os gasodutos Neuba I e II respectivamente medem mil duzentos e três quilômetros e mil trezentos e trinta e quatro quilômetros. Estes dois últimos gasodutos estão atrelados a bacia Neuquina.

Os gasodutos argentinos têm um transporte facilitado por terem grande pressão variando de 15kgf/cm2 a 25kgf/cm2 enquanto a média brasileira dá-se em torno de 2 a 8kgf/cm2, isto realmente desonera o transporte do gás na Argentina.

O consumo do gás é extremamente difundido, por ter sido escolhido como a principal fonte na matriz energética argentina. Como já dito acima é extremamente

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utilizado pelas indústrias intensivas em calor e como matéria-prima para produtos que alimentarão a indústria platina. A utilização também é feita de forma residencial, ou seja, para cozimento e o aquecimento, Argentina tem uma grande malha para difusão do gás para uso residencial.

GRÁFICO

52%

40%

5% 3%

0%10%20%30%40%50%60%

Matriz Energética Argentina - 2000

GásPetróleoOutrosHidro

FONTE: BP Amoco Statistical Review of World Energy – 2000 O gás natural como combustível para automóveis é utilizado na Argentina.

Apenas 12% da frota total platina, ou seja, setecentos mil veículos, utiliza o gás como combustível. Além do mais, 40% dos veículos argentinos são movidos a diesel o que dificulta a conversão para gás natural, pois é muito mais complexa e cara. No Brasil a maioria da frota é movida à gasolina o que facilita a conversão. Utilizando a mesma marca argentina, 12% de automóveis movidos a gás natural teremos 3.000.000 (três milhões) de autos rodando a gás, um mercado realmente muito promissor.

Além do consumo interno, a Argentina exporta bastante gás natural e a tendência com a integração dos gasodutos é de aumento. Totalizando suas exportações no Cone Sul, o país platino exporta 62% para o Brasil, 20% para o Chile, 13% para o Uruguai e 5% para o Paraguai.

Na Argentina várias empresas transnacionais atuam em larga escala, depois das privatizações ocorridas na década de noventa promovida pelo Governo Menén. As principais empresas são: a British Petroleum (inglesa), REPSOL YPF (espanhola), ENRON (americana), EL PASSO (americana), e Corp (japonesa). Infere-se então que o mercado argentino já é bastante dividido pelo oligopólio do gás. A Petrobrás também tem inserção no mercado argentino produzindo componentes, matéria-prima para a indústria (metano, butano, propano, etano) na refinaria de Bahia Blanca. Também há um transbordamento do capital transnacional atuante na Argentina para o Brasil; a Repsol já possui ativos na REFAP (Refinaria Alberto Pasqualini) localizada no Rio Grande do Sul. Observa-se, desta maneira, que as empresas tenderão a alçar sua atuação no Brasil.

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O órgão responsável pela regulação do setor de gás natural na Argentina é o Ente Nacional Regulador de Gás (ENARGAS). Este órgão é ligado diretamente ao poder executivo federal e tem seus funcionários nomeados por este, mas antes passa pela aprovação do Congresso Nacional. Tem este órgão como dever, primeiramente, defender o direito dos consumidores, este é a sua primeira obrigação. Entre outras, estão a de racionalizar o uso do gás natural, promover a proteção do meio ambiente, assim como a competitividade entre os atores que atuam no mercado, impedindo crises de oferta e demanda. Outra questão, que é de fundamental importância, é a garantia de preços a nível internacional.

Considerações Finais O mercado regional de gás natural tem um volume considerável, apresentando

grande potencial para o incremento deste energético no Cone Sul da América. A demanda para o Brasil deve crescer bastante em virtude da ausência de crédito de longo prazo para investimentos hidrelétricos. A produção de energia através das termelétricas exige um investimento menor. Logo o retorno vem de modo mais rápido, embora vis à vis com a hidroeletricidade os preços marginais cresçam bastante. (EGLER, 2001b).

Bolívia e Argentina apresentam destaque para dotar o mercado energético gás natural, pois o primeiro país apresenta além de altas reservas, uma produção muito maior que seu consumo interno, além de ficar na interface das duas maiores economias do bloco econômico. Já o segundo país é protagonista na indústria do gás natural, pois possui uma logística já implementada e um know-how adquirido.

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