Geografia e a Questao Ambiental

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GEOGRAFIA E QUESTO A M B I E N T A L

Capa de Jorge Cassol

Copyright 1988 by AGB Terra Livre uma publicao semestral da AGB. Associao dos Gegrafos Brasileiros, em co-edio com a Editora Marco Zero Ltda.,Rua Incio Pereira da Rocha, 273 Pinheiros So Paulo, CEP 05432, tel.: 815-0093. TERRA LIVRE conta com auxlio do CNPq/FINEP.

TERRA LIVRE 3 Maro de 1988

GEOGRAFIA E QUESTO AMBIENTALAziz Nacib Ab'Sber Horieste Gomes Rolando Berros Ricardo Augusto Pessoa Braga Samuel do Carmo Lima Dirce Maria A. Suertegoray Neiva Otero Schffer Maria Lcia Estrada

Editora Marco Zero Associao dos Gegrafos Brasileiros

Terra Livre 3 TERRA LIVRE uma publicao semestral da A G B Associao dos Gegrafos Brasileiros. Qualquer correspondncia pode ser enviada para a A G B Nacional ( a / c Coordenao de Publicao): Avenida Professor Lineu Prestes, 338 Edifcio Geografia e Histria Caixa Postal 64.525 Cidade Universitria CEP 05497 So Paulo SP Brasil. Telefone: (011) 210-2122 ramal 637. I S S N 0102-8030

Editor

responsvel:

Jos William Vesentini

Conselho

editorial:

Armen Mamigonian Aziz Nacib Ab'Sber Ariovaldo Umbelino de Oliveira Beatriz Soares Pontes Carlos Walter P. Gonalves Horieste Gomes Jos Pereira de Queiroz Neto Manoel F. G. Seabra Manuel Correia de Andrade Mrcia Spyer Resende Maria Lcia Estrada Milton Santos Nelson Rego Pasquale Petrone Slvio Bray Samuel do Carmo Lima Tomoko Iyda Paganelli

SUMRIOApresentao, 7 9

Espao Territorial e Proteo Ambiental,

A questo Ambiental: Idealismo e Realismo Ecolgico, Planificao e Planejamento Ambiental no Brasil, 55

Avaliao de Impactos Ambientais: Uma Abordagem Sistmica, 65 Energia Nuclear Uma opo perigosa, 75

Anlise Ambiental: A Atuao do Gegrafo para e na Sociedade, 89 Algumas consideraes sobre a Geografia e o seu Ensino O Caso da Industrializao Brasileira, 105

Este livro foi composto e impresso pela Real Rio Grfica e Editora Ltda. para Editora Marco Zero Ltda. Pea pelo Correio o nosso catlogo e conhea os outros livros da Editora Marco Zero. Atendemos tambm pelo Reembolso Postal. Editora Marco Zero Ltda., Rua Incio Pereira da Rocha, 273 So Paulo, CEP 05432 Telefone: 815-0093.

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APRESENTAO

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ODE-SE dizer que este nmero da revista Terra Livre, voltado de forma precpua (embora no exclusiva) para a temtica Geografia e questo ambiental, responde a um desafio: o de incorporar o estudo da natureza no movimento de renovao que a Geografia como um todo e, de forma particular, a Associao dos Gegrafos Brasileiros vem conhecendo nos ltimos anos. Desde que a A G B se reestruturou, se expandiu e popularizou face emergncia e participao atuante de amplas parcelas de gegrafos (professores, estudantes e tcnicos), preocupados com a construo de uma Geografia crtica, de um saber geogrfico comprometido com os projetos e lutas visando uma sociedade (e um espao) mais justa e democrtica algo que derivou de circunstncias e contradies histricas especficas, que se constitui num movimento vivo e inacabado, mas que costuma ser datado a partir de momentos institucionais decisivos: 1976 (para So Paulo) e 1978 (a nvel nacional) , que um dos principais reproches feitos pelos tradicionalistas consiste na afirmao de que a Geografia radical ou crtica preocupase apenas com o social, deixando de lado a natureza, a "Geografia Fsica". Os diversos ensaios aqui publicados representam, dessa forma, uma pequena mostra sobre como a natureza pode ser trabalhada numa abordagem geogrfica que d nfase ao social. No se trata mais da natureza como "quadro fsico", no bojo do superado paradigma "A Terra e o Homem", mas

sim da natureza-para-o-homem, dos aspectos fsicos vistos de forma integrada e essencialmente como questo ambiental ou ecolgica, no sentido amplo do termo. Endossando as lapidares palavras de um expoente da Geografia crtica francesa, podemos afirmar que "Reduzir a Geografia to-somente ( . . . ) a uma espaciologia das formaes sociais implica em suprimir uma grande parte da funo estratgica deste saber. O espao onde ocorrem as aes e as lutas no apenas o 'espao social', mas o territrio com suas rugosidades topogrficas, suas coberturas vegetais, as conseqncias que decorrem dos ritmos climticos e seus acidentes etc." (Yves LACOSTE, in Hrodote n. 12, p. 5 ) . Mas convm complementar essa afirmativa com a advertncia de um pertinaz renovador da Geografia fsica: "O meio natural que condiciona nossa existncia biolgica deriva em jogo econmico na medida em que torna-se fonte de lucros, de rendas de situao, de meios de dominao. Os Estados-Maiores promovem tanto o desenvolvimento das armas biolgicas quanto da arma alimentar. [Nessas condies] a ecologia adquire inelutavelmente uma dimenso poltica." (Jean T R I C A R D , in Hrodote n. 26, p. 66) Enfim, deixo o leitor na companhia dos variados autores e diferenciados textos que representam o mago desta revista, na certeza de que este terceiro nmero de Terra Livre prossegue desempenhando os objetivos de sua linha editorial: o de ser um veculo de carter pluralista, de debates e divulgao de um saber geogrfico sempre aberto s crticas e essencialmente voltado para um enleamento com os movimentos sociais que colocam na ordem do dia a justia social e a autonomia individual, a eqidade e as diferenas. Jos William Vesentini

ESPAO TERRITORIAL E PROTEO AMBIENTAL*Aziz Nacib Ab'Sber

ma reflexo sobre a essncia e os limites de responsabilidade da comunidade cientfica responsabilidade que de todos os brasileiros perante a estratgia de elaborao da futura Constituio do pas, ainda no recebeu um tratamento inteiramente adequado. Quero me concentrar, sobretudo, na importncia da oferta de idias, oriunda de um conhecimento acumulado, baseado na experincia e no esprito da responsabilidade social dos intelectuais. Parto da idia de que, no momento de transio poltica que estamos vivendo, a insistncia em nossa participao ser sempre muito pequena. Ser, assim, por dizer, quase uma concesso, feita por iniciativa de quem nos conhece e dedica algum respeito. De resto, o silncio ser quase total (exceo feita s cooptaes), como se a elaborao da Carta Maior de um pas das dimenses fsicas e sociais do Brasil pudesse ser apenas uma mera composio jurdica. Penso que, no esforo para obter um documento justo, normativo e regularizador, indispensvel realizar uma espcie de mutiro nacional de idias, custa de uma complexa noo de diviso de trabalho.

U

* Trabalho escrito em maro de 1986 (baseado em depoimento (feito no Simpsio CNPq MCT sobre "Constituinte, Cincia e Tecnologla").

Aos juristas caber certamente a tarefa principal: no incio, no meio e no fim do processo. Curiosamente, porm, para se conseguir algumas aberturas mudancistas, ser necessrio fazer um chamamento mais entranhado de energia cultural, dirigido aos cientistas, tcnicos independentes e profissionais liberais do pas. Imaginamos que a originalidade das idias inovadoras e dinamizantes ficar dependente da colaborao de muitos crebros, e de muitos outros focos de emisso, e no apenas do da rea jurdica. Sem o que, como j pudemos sentir, correremos o risco de repetir o passado, sob a tica do aparentemente melhorado. Melhoras por libertaes desejadas, na estrutura de poder, aps longo perodo de autoritarismo obscurantista. Melhoras por reagrupamento de fatos e aproximao de dizeres bsicos. Pouco mais ou pouco menos, em funo da presso das oligarquias coesas. E ponto final. Temos a grande certeza de que, independentemente dos fatos que dizem respeito estrutura e modelo do regime poltico, todos os outros captulos de uma Constituio moderna e dinmica deveriam receber a colaborao primria dos diversos segmentos da comunidade cientfica, incluindo os prprios tcnicos e cientistas especializados em legislao e no estabelecimento de leis e cdigos complementares, respaldados pela Carta Magna. Sem o que, na prtica, as oligarquias correriam soltas no processo de "empreitar" a prpria Constituio, com grande chance de impor suas prprias posies, baseadas na experincia acumulada que possuem na defesa de seus prprios interesses. Em sua maior parte, a Constituio deveria resultar do cruzamento das propostas das cincias e das tecnologias com as propostas oriundas das expectativas de todos os segmentos da sociedade. As idias surgidas da comunidade de pesquisadores deveriam comportar uma conscincia tcnico-cientfica, na forma de verdadeiros embries de propostas, a serem tratadas e reorientadas para atender s aspiraes da sociedade total. Elas seriam idias-foras, geradas a partir da experincia vivida e de

reflexes prprias, de longa realimentao intelectual, cultural, tcnica e poltica. Aos juristas, nesses casos, caberia sobretudo a tarefa de coloc-las em linguagem e ordenao jurdica. Desta forma, as idias brutas receberiam uma espcie de lapidao indispensvel, atravs da linguagem dos cientistas da legislao. Trabalho de escultor, em que no se pode ultrapassar os limites potenciais da matria bruta, para garantir a transparncia e fidedignidade das klias-matrizes, que passaro a ter a responsabilidade histrica de um padro legal de referncia. Tenho muitas dvidas em falar sobre a tica do espao territorial e dos recursos naturais em uma Constituio que ser elaborada em ltima instncia por um Congresso Constituinte. Um Congresso esdrxulo, dito Constituinte, sobre o qual no temos ainda qualquer certeza de sua composio, e nem tampouco a possibilidade de fazer uma avaliao prvia das foras e tendncias internas que lhe daro sua atmosfera poltica e ideolgica. Temos o direito de ter tais dvidas, porque a nica certeza a da presena de representantes de grupos oligrquicos, eleitos plutocraticamente para tentar barrar, por todos os meios, a possibilidade da introduo efetiva de conceitos fundamentais de justia social, reformas estruturais e diretrizes que impliquem em efetiva diminuio das distncias scio-econmicas. Em face desse fator de descrena circunstancial, temos o direito de ter um certo pessimismo. No confiamos, de modo algum, na honestidade de propsitos das oligarquias brasileiras. Sabemos que elas esto permanentemente espreita para interferir aproveitando as vlvulas do sistema, custa do seu velho cdigo de linguagem, fundamentalmente opressor e anti-social. Seu particular apetite, na queima e pulverizao dos recursos naturais bsicos, causa uma natural preocupao para todos os cidados conscientes deste pas. Nas discusses sobre Constituio, Cincia e Tecnologia, podem ser destacados trs nveis ou direes de abordagem:

verificar o que as comunidades tcnicas e cientficas pretendem ver inscrito na Constituio, para garantir o desenvolvimento das investigaes bsicas, com vistas a aplicaes mltiplas que representem um sistema de permanente retorno aos diversos setores da sociedade; realizar esforos imediatos para encaminhar propostas setoriais, geradas em diferentes reas do conhecimento, para possvel incluso no edifcio da Carta Bsica em elaborao; ofertar assessoramento, amplo e irrestrito, aos legisladores, no esclarecimento de questes controvertidas, nos conceitos mal-digeridos e nos tpicos que representem lesividade previsvel para o patrimnio pblico e para a sociedade. Uma Constituio um corpo integrado de legislao bsica de validade nacional. E, como tal, precisa estar igualmente distante de um pensamento radical utpico, como tambm de um ou outro ponto de vista de segmentos reacionrios das oligarquias dominantes, independentemente do local onde elas se situem. O cortejo das classes dominantes em relao ao Poder Executivo habitual e quase incontrolvel. Quase o mesmo acontece em relao ao Poder Legislativo. Muito menos (esperemos!), em relao ao Poder Judicirio. Entretanto, a Constituio o grande instrumento-mestre capaz de garantir um certo poder moderador, de longa durao. Para diminuir a presso das oligarquias. Para restringir as instituies estatais ao seu territrio de atuao. Para eliminar tutelas e esvaziar as pretenses dos candidatos a tuteladores. E, enfim, para garantir o direito cidadania e a correta utilizao dos espaos individuais e coletivos de liberdade e de justia para todos. Razes pelas quais, uma boa Constituio a garantia de um permanente encontro entre o Estado e a Nao. A alimentao intelectual de um Projeto de Constituio, moderno e flexvel, depende do esforo de cada

membro esclarecido da comunidade cientfica. Por muitos anos neste pas no tem sido fcil fazer-se ouvir. Continua difcil fazer-se ouvir. T e m sido mais fcil para os medocres, de todas as estaturas, chegar a algum nesta Repblica de cnicos. Mas isto tem que mudar. Por ora, devemos descobrir mecanismos para dar fluxo s idias que j esto amadurecidas; conseguir defender os princpios j trabalhados e aperfeio-los em cada rea do conhecimento. T e mos que descobrir o modo e a estratgia para forar o encontro de um novo espao, para tentar aprimorar a nossa desgastada Constituio e as leis e cdigos complementares que lhe daro apoio, tarefa destinada ao todo o sempre de uma sociedade que adquiriu uma nova dimenso e uma nova dinmica. O cdigo de linguagem parece ser um dos problemas mais crticos a ser enfrentado pelos cientistas brasileiros. A experincia tem provado que nem todos esto afeitos a uma linguagem que esteja ao alcance de todos os segmentos de uma sociedade certamente desigual do ponto de vista cultural. Sem banalizar a essncia, temos que assegurar um cdigo de linguagem pambrasileiro. Idias transparentes em uma linguagem entendvel. A futura Constituio dever ser uma Carta Bsica feita para ser entendida e utilizada por todos os brasileiros. Exige clareza na fixao dos direitos e deveres. Exige substncia no traado das idias. Ser um plano-mestre jurdico, poltico e ideolgico da Nao. E como tal dever incluir idias que tenham fora prpria, para que todos os cidados possam se utilizar delas enquanto mecanismos para se fazer ouvir e defender individualmente ou coletivamente suas posies e suas expectativas. Um espao de garantia para a liberdade. Um chamamento permanente reflexo sria sobre as dimenses e os limites das liberdades individuais. Um caminho para a libertao e autodeterminao efetiva. Um basta e um nunca mais sonoro s distores desmoralizantes cometidas contra a Nao no perodo de autoritarismo castrador e obscurantista.

Tecendo inteligentes comentrios sobre reflexes de Feyerabend, genial autor do Against Method, Carlos A. de F. Monteiro (1981) atinge concluses extremamente corretas: "O grande papel da comunidade cientfica, em qualquer sociedade, contribuir para que a percepo dos fatos (naturais, sociais, fsicos, econmicos etc.) seja a mais prxima da realidade para que as decises tomadas sejam as mais adequadas. Mas, de nenhum modo, o produto da cincia, em matria de decises, elimina o debate poltico da sociedade. A comunidade cientfica um segmento i m portante, e at mesmo decisivo, em qualquer sociedade moderna, mas sua produo precisa ser entendida pelos outros segmentos da sociedade para que se crie o 'consenso' nas decises nacionais. O que significaria que a Cincia e a Universidade devem estar voltadas para os valores permanentes da sociedade e no para os efmeros desgnios do poder." O prprio Feyerabend, referindo-se aos atributos de um cidado emancipado (sendo que para ns o cientista antes de ser um conhecedor das coisas do mundo tem que marcar o seu encontro com a cidadania), no teve dvidas em sentenciar que "um cidado maturo no o homem que foi instrudo numa ideologia especial [ . . . ] e que agora carrega esta ideologia com ele como um tumor mental". Lembra-nos que um cidado maturo aquele que sabe conservar sua independncia de opo. Aquele que sabe manter sua coerncia e que se responsabiliza pela suas escolhas. E em termos da responsabilidade intelectual de cientistas do Terceiro Mundo, talvez fosse oportuno salientar que a nossa deciso deve pender sempre para aquilo que seja mais conveniente para todas as comunidades residentes e, sobretudo, para as mais carentes e desprotegidas. Ou seja, aquelas que tem o menor poder de se fazer representar perante as esferas dos poderes decisrios e que recebem de modo mais agressivo, o impacto dos sistemas econmicos vigentes.

Tenho meditado sobre o modelo poltico de aplicao de cincias em um pas de estrutura subdesenvolvida, em que 60 a 65% da populao vive em condies extremamente carentes, comportando condies subumanas para alguns setores: favelados, garimpeiros, bias-frias, frentistas das selvas, barragistas, subempregados, desempregados. No posso pensar na futura Constituio de meu pas sem me perguntar de que maneira ela poder contribuir, para diminuir, ou pelo menos induzir diminuio, as distncias sociais e projetar um manto de proteo mais eficiente e humano sobre todo esse "estoque" de humanidade constitudo pela populao brasileira. No h recurso e potencialidade mais importante em um pas qualquer do que a sua prpria populao. Buscando a aplicabilidade das cincias para um sofrido Terceiro Mundo, penso num modelo em que, de um lado temos a conscincia tcnico-cientfica e, doutra banda, as aspiraes de uma sociedade de pirmide social distorcida. As propostas para solues de quaisquer problemas nacionais, regionais ou locais deveriam ser obtidas sempre na faixa de cruzamento entre o saber tcnico-cientfico e as aspiraes mltiplas da sociedade, com nfase nas expectativas das comunidades mais carentes. A cincia bsica ter que garantir o espao e as condies mnimas desejveis para formular suas pesquisas, desenvolver suas experincias, rastrear e testar suas hipteses mais promissoras. Mas, em termos de objetivos, se dividir sempre entre o rigor do mtodo e a transparncia da tica, a par com uma busca mais voluntria e enrgica de possveis aplicaes de seus resultados e da soma integrada dos conhecimentos acumulados. No campo das sugestes concretas, relacionadas ao espao territorial e recursos naturais, defendemos a idia da incluso de todo um captulo inicial na futura Constituio, dedicado especificamente ao tratamento em bloco das questes relacionadas ao "Espao Territorial e Patrimnio Natural". Nesse captulo, por assim dizer vestibular, seriam inseridos todos os fatos relativos ao espao fsico,

ecolgico e bitico herdado da natureza e da Histria. Sem prejuzo de um tratamento desdobrado, em outros setores ou captulos da Carta, logo de incio seriam feitas consideraes sobre a soberania do pas nos espaos territoriais. A deve ficar explcito o conceito de espao territorial, incluindo setores continentais e martimos: o domnio continental do grande continuum espacial brasileiro, o domnio do mar territorial e a zona econmica exclusiva ao longo da plataforma e do entorno das ilhas ocenicas brasileiras e seus respectivos corredores de acesso. Uma referncia correta parcela de responsabilidade e objetivos da presena brasileira na Antrtida, em termos de obteno de conhecimentos cientficos e tecnolgicos e cooperao internacional na defesa do futuro da humanidade. O que est em jogo sempre na terra, na interface costeira e no mar a defesa dos recursos naturais bsicos, atravs de cdigos de gerenciamento setorizados, porm integrveis e repassados de uma multidisciplinaridade permanente. Nesse sentido, compete ao Estado manter um amplo e inteligente sistema de gerenciamento, dirigido a todos os setores dos espaos regionais e a todos os tipos de recursos naturais do solo, do subsolo, das guas continentais e das guas costeiras e martimas. Extenso administrativa e cdigos de gerenciamento e proteo so idias bsicas, capazes de gerar aes em relao a diversos nveis de tratamento dos patrimnios nacionais bsicos: defesa dos solos e dos tecidos geoecolgicos preservveis perante as aes predatrias e poluidoras; defesa intransigente da qualidade das guas, sem subterfgios tipolgicos; manuteno da qualidade ambiental a nvel intra e extramuros, para a preservao da sade pblica e para o bem-estar social, em reas urbanas, industriais e rurais; defesa e preservao dos territrios indgenas, sem concesses a quem quer que seja. (Por ex.: "Compete ao Estado manter um sistema nacional de cdigos de gerenciamento, endereados defesa do espao territorial, da qualidade ambiental e dos recursos naturais bsicos, com vistas compatibilizao de

atividades e ao bem-estar das comunidades, no espao total." "So considerados cdigos prioritrios de gerenciamento: cdigo de utilizao dos espaos agrrios (agricultura); cdigo de concesso para explorao do subsolo (minerao); cdigo de preservao, cultivo e manejo florestal; cdigo de preservao, uso e recuperao de cursos d'gua; cdigo de preservao e limites de uso de lagos, lagunas e lagos artificiais (e bacias contribuintes); cdigo de preservao e regulao da qualidade do ar e dos climas urbanos; cdigo insular; cdigo de controle emergencial das situaes de calamidade pblica (relacionadas a processos naturais no habituais anomalias do ritmo climtico, enchentes, secas, acidentes de transporte de cargas, incndios); cdigo de defesa e preservao das reservas indgenas, entre outros.) Em funo do estabelecimento desse sistema nacional, flexvel e inteligente, de cdigos setoriais integrveis, a Constituio pode incluir um artigo relacionado competncia do Estado na induo de planos e projetos que visem corrigir permanentemente as distores e incompatibilidades flagrantes reveladas pela organizao humana do espao. (Por ex.: "Compete ao Estado o planejamento da organizao humana do espao atravs de processos de induo ou regulagem com o apoio da massa crtica disponvel nas comunidades tcnicas, cientficas e jurdicas, por meio de pesquisas metdicas e ticas, ouvidas e consideradas as expectativas e aspiraes da sociedade.") As variaes de enunciados para designar as competncias do Estado, como indutor de legislao sobre o uso do solo e dos recursos naturais, podem chegar ao infinito, carecendo da disciplina de uma linguagem jurdica constitucional. (Por ex.: "Compete ao Estado legislar sobre o uso do solo, formas de utilizao e manejo dos recursos naturais do subsolo, das guas continentais, ambientes costeiros e guas da plataforma." "Compete ao Estado normatizar as legislaes municipais de uso e utilizao do solo, de tal forma a compatibiliz-las com os nveis de atuao da Unio e dos Estados." "Compete ao Estado exercer

uma permanente ao de controle e monitoramento da qualidade ambiental nas reas industrializadas, distritos industriais e indstrias isoladas, em termos de suas conseqncias para a sade pblica e a sade dos trabalhadores." "Compete ao Estado realizar ajustes e efetuar controle nos planos de zoneamento de atividades econmicas e sociais da alada dos municpios, visando compatibilizar funes de espaos municipais vizinhos, integrar iniciativas municipais em quadros regionais mais amplos da iniciativa dos Estados ou da Unio e ofertar compensaes para os municpios prejudicados pelo excesso de reas congeladas, do tipo dos parques nacionais, reas tombadas e reservas equivalentes."). Outro preceito constitucional pretendido pela grande maioria dos ambientalistas brasileiros a proposta de um artigo especial para exigncia de estudos de previso de impactos em projetos de grandes obras, tais como barragens, novas cidades, distritos industriais, indstrias potencialmente poluidoras, projetos extensivos de silvicultura. (Por ex.: "Compete ao Estado exigir estudos de previso de impactos ao nvel do social, do ecolgico, do biolgico e do ambiental em todos os projetos de grandes obras de engenharia, a serem implantados em qualquer parte do territrio nacional." "Nos projetos de barragens, novas cidades, distritos industriais e indstrias potencialmente poluidoras, os estudos de previso de impactos devero realizar o balano dos impactos positivos e negativos, a par com o balano dos custos e benefcios, para orientar os rgos decisrios na escolha das melhores alternativas de localizao, estabelecimento de exigncias complementares e autorizao ou no da instalao dos projetos." - "Em qualquer hiptese caber aos estudos de previso de impactos, metodicamente conduzidos, a tarefa de exigir modificaes estruturais e operacionais nos projetos, bem como estabelecer os parmetros do monitoramento e gerenciamento das condies ambientais, ecolgicas e sociais na rea dos grandes projetos." A regulamentao da ordem da grandeza dos projetos e do sistema de encaminha-

mento dos planos e estudos de previso de impactos aos rgos de cisrios dever ser estabelecida em cdigo ou leis complementares referentes vida urbana, vida industrial e ao saneamento bsico do pas (cdigo de controle da urbanizao; cdigo de controle da industrializao; cdigo de saneamento bsico; cdigo de extenso administrativa). entrementes deve ficar explcito que "sero exigidos estudos de previso de impactos para todo ou qualquer projeto de indstrias poluidoras, independentemente de sua localizaao eordem de grandeza". "Compete ao Estado identificar e estabelecer controle regional adequado sobre reas crtrcas onde esteja ocorrendo defeitos cumulativos na organizao do espao, criando cenrios preocupantes de qualidade ambiental e desequilbrios nas atividades econmicas i sociais." "Compete ao Estado identificar reas onde a progresso dos fatos urbanos e industriais est efetuando o tamponamento de solos de excepcional fertilidade natural (p. ex,: terras roxas), incentivada por uma especulao imobiliria metasttica que conduz reduo drstica dos espaos agrrios atravs de uma conturbao totalizante." - "Nesses casos, obrigao do Estado criar superintendncias regionais especficas, interministeriais ( U n i o ) , ininter-secretariais (estados) e intermunicipais (municpios, para drenar a especulao e corrigir os defeitos da organizao humana do espao." "Compete ao Estado manter Parques Nacionais ou reservas equivalentes, sob corretos planos d manejo, submetidos a especialistas renomados, a representantes das comunidades interessadas e custa de uma fiscalizao e gerenciamento adequados." "Compete ao Estado analisar e avaliar todas as propostas das comunidades esclarecidas para a criao de novos parques, estaes ecolgicas e reas de proteo permanente ou de lazer organizado, em direta colaborao com instituies dos estados e dos municpios." "Cumpre ao Estado um particular tratamento para compatibilizar funes conflitantes no espao total e garantir a permanncia e integridade dos Parques Nacionais, estaes ecolgicas e reservas equivalentes." "Compete ao Estado estabelecer polticas con-

sistentes de preservao de ambientes naturais, em diferentes escalas monumentos naturais e paisagens de exceo, mananciais e cabeceiras de drenagem e reas crticas do ponto de vista fisiogrfico, ecolgico, hdrico e biolgico , propiciando o seu tombamento quando existir uma soma considervel de argumentos para o uso desse estatuto legal de preservao integrada." "Cumpre ao Estado gerenciar as ilhas ocenicas brasileiras, seu entorno martimo (mar insular) e os corredores de guas que do acesso ao continente, sob correto manejo de recursos naturais, controle de uso e da organizao humana do espao insular e sua demografia, garantindo a integridade das paisagens e ambientes das reas de preservao obrigatria, que deve ser total no caso do Atol das Rocas." "Cumpre ao Estado gerenciar seletivamente as ilhas continentais brasileiras, mantendo sob controle o uso e a organizao de seus respectivos espaos insulares, garantindo a preservao de uma taxa de no mnimo 50% de suas reas verdes, preservando integralmente as ilhas ou agrupamentos de ilhas no-hbitveis e colaborando com os planos de urbanizao, controle do uso do solo e demografia, nas ilhas brasileiras dotadas de organismos urbanos." fcil perceber que em funo de tais propostas era necessrio possuir, na organizao poltica e administrativa do Estado brasileiro, um Ministrio da Organizao do Espao, ao invs de um esdrxulo Ministrio do Planejamento Urbano e Meio A m biente. Em um trabalho sobre a "Constituinte e o Meio A m biente", feito por tcnicos paranaenses conhecedores da problemtica ambiental brasileira, chegou-se concluso de que entre ns (como de resto em muitos outros pases) "a questo ambiental no tem tido o tratamento adequado no vigente Ordenamento Jurdico, a comear pela Carta Magna". Em algumas constituies mais modernas e atualizadas, de pases que conseguiram se libertar das garras do autoritarismo, existem captulos especificamente dedicados ao tema "Ambiente e Qualidade de Vida" (Portug a l ) e preceitos sobre direito a condies ambientais ti-

mas, nos ttulos "Dos Direitos e Deveres Fundamentais" e "Dos Princpios Diretivos da Poltica Social e Econmica" (Espanha). O grupo de tcnicos do Paran que elaborou o estudo sobre "A Constituinte e o Meio Ambiente", sob os auspcios da Fundao Pedroso Horta, realizou um esforo de recuperao daquilo que de melhor existe nas aludidas constituies. Com base direta em seus estudos comparativos, e em suas apreciaes, pode-se pinar alguns princpios de grande valia para nossa prpria futura Constituio: "Todo cidado tem direito a um ambiente de vida sadio, para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades fsicas, psicolgicas e sociais, cumprindo-lhe o dever de zelar pela qualidade ambiental da coletividade." "Compete ao Estado e sociedade colaborar para a manuteno de padres timos de qualidade de vida e condies de trabalho de todos os brasileiros." "O Estado deve promover a melhoria progressiva e acelerada da qualidade de vida e das condies de trabalho e locomoo de todos os brasileiros." "Compete ao Estado prevenir, monitoriar e controlar a poluio em todos os nveis, e ao longo de todo o territrio nacional." "Compete ao Estado prevenir, monitoriar e controlar as formas prejudiciais de eroso e as reas sujeitas a manejo agrrio inadequado e predatrio." "Compete ao Estado tomar medidas para a regenerao de reas degradadas e o reafeioamento de leses da paisagem ocasionadas por processos intensivos de minerao." "Compete ao Estado criar, implantar e delimitar Parques Naturais, Reservas Florestais integradas, Reservas Biolgicas, Reservas de Biosfera, Estaes Ecolgicas, com vistas preservao de bancos genticos da natureza e implantao zoneada de reas de recreao e lazer." "Compete ao Estado a proteo e regenerao dos espaos naturais e paisagens sujeitas a tombamentos, bem como das formas de vegetao consideradas de preservao permanente." "Compete ao Estado delimitar e zelar pela preservao das reas de reserva florestal, legal preservveis, de cada propriedade rural, exigindo e ofertando colaborao para a sua regenerao em casos crti-

cos." "Compete ao Estado, atravs de leis e cdigos especializados, tomar as medidas necessrias para coibir manejos agrrios extensivos e desadequados, em todos os domnios espaciais do pas, visando garantir o equilbrio entre o uso, a conservao e a preservao legal de componentes naturais, apoiando-se para tanto na indispensvel solidariedade coletiva." "Para fins de proteo ambiental e garantia da vida, o Estado considera como patrimnio comum da sociedade todos os fluxos vivos da natureza, tais como as condies naturais da atmosfera, os cursos d'gua, lagos, lagunas e sistemas lagunares, guas das nascentes, das praias e da plataforma continental, bens sobre os quais o interesse pblico se sobrepe ao interesse particular representado pelo direito de propriedade." "No permitido a pessoas ou grupos econmicos realizar barramentos fluviais para obteno de energia eltrica a uso particular de suas empresas, em detrimento da aquisio de energia de empresas da Unio ou dos estados." "Todas as indstrias que provocarem poluio devero providenciar, sob controle do Estado, o tratamento conveniente das guas residurias, em stios localizados imediatamente a jusante dos emissrios poluidores." Alm de tais propostas concretas, que representam dificuldades para as principais aspiraes das comunidades ecolgicas e ambientalistas, existe uma srie de preceitos que dizem respeito s relaes entre a prpria comunidade cientfica e o Estado. fato conhecido que, por uma razo ou outra, a conscincia tcnico-cientfica do pas subutilizada pela Unio, pelos estados e pelos municpios, fato que revela um divrcio conflitante, peculiar aos pases onde houve uma profunda ruptura entre a inteligncia e a administrao pblica. Por essa razo, em algum lugar da futura Constituio brasileira deveria existir um espao de aproximao entre a massa crtica pensante e a massa crtica administrativa e gerenciadora. Nessa direo, pensamos em alguma coisa do tipo do que se segue: "Compete ao Estado realizar um esforo permanente de planejamento do desenvolvimento social, econ-

mico e cultural, com base no produto da cincia e da tecnologia, cruzado com todas as expectativas das comunidades que integram a sociedade brasileira." "Compete ao Estado promover o planejamento indutivo da organizao do espao com o apoio da massa crtica disponvel nas comunidades tcnicas e cientficas do pas, atravs de pesquisas metdicas e eticamente realizadas, ouvidas as expectativas de todos os segmentos da sociedade." "Compete ao Estado, atravs de seus conselhos de governo, assegurar a presena de representantes credenciados das comunidades tcnicas e cientficas do pas, com o objetivo maior de colaborar em todos os campos do desenvolvimento social, econmico e cultural da Nao." "Compete ao Estado organizar polticas administrativas e sistemas de gerenciamento adequados e eficientes, para o controle, monitoramento e conservao dos recursos naturais bsicos, sob diretrizes emanadas das comunidades tcnicas e cientficas do pas." "Compete ao Estado promover ordenadamente o aproveitamento dos recursos naturais bsicos, salvaguardando a sua capacidade de renovao e reutilizao, reserva e estocagem para uso futuro, garantindo a eficincia produtiva dos espaos a servio do desenvolvimento social e cultural das populaes residentes." "Compete ao Estado tomar todas as medidas necessrias para que no haja descompasso entre o desenvolvimento econmico regional e os processos de oferta de oportunidades de educao e aperfeioamento cultural dos cidados residentes." "Compete ao Estado exigir participao das comunidades cientficas e universitrias do pas no que concerne crtica e ao aperfeioamento dos cdigos e estratgias de desenvolvimento social, cultural e econmico." Nessa altura, tenho ganas de propor que o Estado reserve obrigatoriamente um certo nmero de bolsas para estgios de recm-formados, em diferentes reas tcnicas e cientficas, a fim de colaborarem por no mximo at dois anos com a administrao pblica, como auxiliares e observadores especficos de cada compartimento da desmorali-

zada mquina administrativa do pas. Talvez uma medida desse tipo pudesse arejar os ambientes exageradamente burocrticos e contribuir para o redirecionamento de seus objetivos e formao da futura massa crtica administrativa e gerencial, a ser recrutada em concursos pblicos e democrticos independentemente das presses das oligarquias, das relaes de parentescos e das flutuaes ascendentes e descendentes de grupos partidrios. Muito se tem escrito sobre os atributos de uma verdadeira Constituio. Leio, medito e s vezes me delicio com as contradies internas de alguns desses escritos. Ubiratan de Macedo procurou visualizar o cenrio apotetico de uma Constituinte, em termos de um ato de fundao, centrado na velha experincia romana: "A fundao o ato solene pelo qual todo um povo por seus representantes resolve instaurar para todo o sempre as regras fundamentais de sua convivncia. Uma constituinte um imenso teatro coletivo, revestido de um paroxismo de solenidade e exaltao, da qual devem estar imbudos todos seus atores. Pois nela o povo, atravs de seus representantes especiais, vai dar-se uma constituio. A qual, consoante a tradio ocidental, a organizao racional do mundo social e poltico, um vasto contrato coletivo estabelecendo as regras e a base da vida em comum, a substituio dos equilbrios e correlaes entre as foras sociais e regionais pelo reino do direito, pela transparncia entre as relaes humanas." Tais idias foram inspiradas pela leitura de Georges Gusdorf, em um dos volumes da obra "Les Sciences Humaines et la Pense Occidentale". L o g o adiante, porm, Ubiratan de Macedo, partindo do pressuposto de que a Constituio estabelece as regras do jogo poltico e a moral social (Paul H a z a r d ) , opina que "no se deve esperar originalidade e inovaes de uma constituio; ela deve consagrar como moral social o consabido, o que todos admitem e julgam dever ter uma fora obrigatria. Como todas peas solenes deve ser curta, no polmica, uma imensa proclamao do bvio, todo tema ou soluo conflitante ou tcnica inacessvel ao comum dos

brasileiros deve ser relegada de plano para uma lei complementar." Em outros pontos de seu estudo, o autor defende a tese de que a Constituio deve ser limitada ao essencial ("denominao do pas, smbolos, componentes, estrutura do Estado e do governo, sua diviso em poderes, suas atribuies, forma de provimento, do processo eleitoral e dos partidos polticos e solene proclamao atendendo a todos os compromissos que o Brasil assumiu no campo internacional" [ . . . ] "Tudo antecedido de um prlogo onde se definam os objetivos nacionais [ . . . ] . " Apreciei particularmente a idia expendida por Ubiratan de Macedo sobre a necessidade de serem editadas Leis Complementares de apoio Constituio, preservando esta para a incluso de preceitos essenciais. Permito-me discordar, entretanto, da sua afirmao de que no se deve esperar muita originalidade e inovaes de uma Constituio. Penso que, a essa altura do processo de redemocratizao do pas, perder a oportunidade de ser inovador e original na elaborao da nova Constituio uma agresso inteligncia brasileira e a toda a conscincia tcnicocientfica do pas. No estamos reunindo esforos para realizar um ato de fundao. Estamos tentando, aps um perodo de imenso autoritarismo e agresso justia e ao direito, reelaborar a Carta-mestra da sociedade brasileira, respaldada em uma reordenao da ordem jurdica e na incorporao das idias dinmicas, reclamadas pelas mais legtimas aspiraes de um povo. Tentemos, portanto, colaborar, na medida de nossas foras, com idias renovadoras. Nos escritos de Paulo Bonavides, a respeito da futura Constituio brasileira, recolhemos algumas observaes que julgamos de alta validade: "A Constituio futura ser uma fora ativa, um texto de eficcia normativa, um alicerce jurdico de mudana." [ . . . ] "A fim de que o Estado possa mais e os grupos econmicos possam menos, faz-se mister a plena eficcia da ordem constitucional como fora normativa autnoma, sem sujeio a interesses privilegiados que atuam compulsivamente sobre a sociedade por

obra nica de sua hegemonia financeira e econmica, no raro divorciada do bem comum." "Em pocas de crise, que, sendo pocas anormais, so aquelas em que se mede com maior rigor a eficcia normativa do texto constitucional." "A Constituio, que uma fora entre outras foras ou co-instncias decisrias do processo poltico, deve colocar-se acima de todas, como potncia racionalizadora e condutora por excelncia de todo o decisionismo estatal." Jos Carlos Graa Wagner tece, igualmente, consideraes extremamente pertinentes sobre "Constituio, Sociedade e Pessoa". Sublinha que " Estado de Direito aquela sociedade em que a lei protege o que intrnseco ao ser humano. De primeiro a vida. Se a lei no protege a vida e todas as suas manifestaes naturais, o Estado no de Direito". "Se a lei no protege o direito de, por meio do trabalho, ter acesso aos bens essenciais vida e aos bens teis realizao dos dons naturais do ser humano, no Estado de Direito." Num outro ponto de seu trabalho, Graa Wagner acrescenta uma opinio, que a nosso ver bsica para exigir, de uma constituio moderna e flexvel, preceitos sobre espaos ecolgicos e recursos da natureza, qualidade ambiental e salvaguardas para a sobrevivncia da vida: "O homem cria atravs do trabalho humano e da inteligncia criadora. No seu trabalho, o homem transforma os bens naturais em bens teis ao seu uso. Transforma os bens criados, mas para faz-lo submeter-se s leis inerentes ao criado. T e m de aceitar as leis fsicas (sic) sob pena de nada construir, podendo pelo contrrio destruir esses bens e a si prprio." Tais reflexes que tornam vivel a incluso de um ttulo ou captulo especificamente endereado ao espao territorial, aos recursos naturais e defesa permanente da qualidade ambiental, na futura Constituio de nosso pas. No estudo dos patrimnios nacionais bsicos, deve-se dar um tratamento adequado s questes referentes ao patrimnio natural, assim como efetuar um trabalho de igual amplitude e significado, referente ao patrimnio cultural. A coleta e apurao das

idias constituem um mutiro da inteligncia brasileira a favor de reclamadas mudanas estruturais. Existe uma natural reserva sobre a eficcia de uma Constituio a ser elaborada e votada nas condies polticas atualmente dominantes no Brasil. O pas saiu do presidencialismo autocrtieo, mas continua imerso no ranso poltico, administrativo e oligrquico que deu respaldo expanso e permanncia da ditadura. As oligarquias iro exercer presso para obter a Constituio dimensionada a seus eternos interesses. Toleraro uma Carta Magna solene e aparatosa, porm pouco eficiente no campo do social, enquanto as grandes massas sofridas, com um incipiente nvel de politizao, ficaro margem dos grandes debates, culturalmente impotentes para colocar suas prprias proposies. A verdade dolorida que, era funo da enorme reproduo da pobreza, a maior parte da populao brasileira est marginalizada em relao a uma participao efetiva no debate nacional por uma nova Constituio, dinmica, moderna e socializante. O povo brasileiro est aglutinado politicamente, mas no teve ainda a oportunidade de adquirir aquela dimenso cultural de cidadania, para efetivamente participar, de modo mais ativo, do processo de renovao, por ele prprio reclamado e exigido. Nessa contingncia cresce a responsabilidade daquela parcela da sociedade brasileira que teve o privilgio de obter uma parte da herana cultural substantiva dos conhecimentos acumulados e de se identificar com os grandes problemas que incidem sobre a natureza humana. Paulo Bonavides (1985), depois de lembrar que a legitimidade na implantao de uma Constituio condio indispensvel para a eficcia do Estado social em nosso pas, tece consideraes inteligentes e realsticas sobre a maneira de encarar a convivncia entre segmentos diferenciais da sociedade no contexto estatutrio de uma Carta Magna. "A Constituio jurdica sem legitimidade no tem fora para conter e conduzir o decisionismo

privado dos grupos sociais que o neocorporativismo de nossa poca abrange, decisionismo onde avulta principalmente a realidade econmica e financeira, porquanto traz o peso e o concurso de poderosas formaes internacionais grandes empresas, grandes bancos e grandes investidores cujo poder poltico e econmico, sendo to vasto e dilatado, habitualmente, no perante a soberania estatal um poder subordinado, mas subordinante, determinado, mas determinante." "O poder econmico poder que no se despolitiza, poder cujo influxo direto ou indireto sempre se far sentir, mas poder que no se pode interditar e que numa viso realista da sociedade precisa de legitimar-se, a fim de que a diversidade social se componha num justo equilbrio de interesses e de participao. T a l legitimao s ocorre em nossa idade no mbito de uma organizao democrtica de poder, a nica que no far o Estado dependente de estruturas econmicas, decisrias contidas no seio da sociedade e volvidas s vezes ora contra esta ora contra aquele." Todos reconhecem que a ampliao do debate pblico sobre a elaborao da futura Constituio do pas tarefa essencial no esforo de redemocratizao do Estado brasileiro. O que se assiste, entrementes, um certo bloqueio para que o debate transcenda os limites exclusivos dos juristas. Bloqueio fomentado pelos reacionrios, pela vaidade dos eruditos e ampliado pela alienao dos acomodados. Como se a obra do estabelecimento de uma carta, de ( r e ) constituio de uma sociedade complexa, fosse tarefa apenas dos notveis da Velha e da Nova Repblica. Os fatos substantivos, ao que sabemos, tm sido sufocados pelas discusses aparatosas sobre a convenincia ou no desse ou daquele modelo de estrutura de poder. Como se o sistema poltico presidencialismo democrtico ou parlamentarismo pudesse valer por si prprio, independentemente

da predisposio dos homens para adquirir cultura poltica e uma nova mentalidade social. O uso abusivo dos casusmos "debilitou a f na Constituio e nas leis" (Bonavides, 1984). E, muitos casusmos foram respaldados por eruditos e polticos. Houve fragilizao deliberada da classe poltica, e aconteceu uma autodesmoralizao cultural e pblica de uma imensa parcela dos polticos. Estabeleceu-se um vazio imenso no campo das idias criadoras. Nestas circunstncias h pessimismo no seio da vigorosa mocidade brasileira. H receios superpostos no ambiente dos intelectuais independentes. Tornou-se difcil a filiao a uma agremiao poltico-partidria e manuteno da coerncia com princpios transsociais e transideolgicos. Os cientistas que no se alinham com as reas executivas, os partidos polticos e as classes dominantes ficam reduzidos a um ostracismo deliberado. No h lugar para os competentes; abundam espaos para os reconhecidamente medocres. Desce sobre os crebros mais privilegiados uma sndrome de impotncia em termos de uma desejada reorganizao da sociedade uma sociedade desigual e sofrida enquanto as oligarquias e foras obscurantistas esto espreita para defender seus eternos interesses, formando um grupo de direita dos mais reacionrios e oportunistas existentes na face da terra. E as esquerdas ditas radicais permanecem no campo dos chaves infrteis e utpicos. As propostas indutoras de dinamizao cultural, poltica e scio-econmica so escassas e tmidas (salvo no campo estrito da Economia, onde uma nova gerao de economistas vem provocando uma mudana em cadeia, capaz de se constituir por si s em um tipo de revoluo). Nem mesmo, at agora, o Poder Judicirio tem tido incentivos para, dentro de seus limites, participar de uma indispensvel auto-renovao, a servio da grande renovao exigida pela parcela mais esclarecida e pelas classes mais carentes da sociedade. Nessa conjuntura, compreensvel que as aes populares sobre questes ambientais sejam interpretadas como um estorvo, destinadas a um sistem-

tico desacolhimento. A tecnicidade jurdica vigente impede o fortalecimento do Direito ambiental e ecolgico. E, no entanto, atravs de um novo chamamento de nossas reservas de energia cultural e poltica, temos que dar a grande volta por cima em relao a todos esses fatores complicadores e desestimulantes. Mesmo porque no queremos nos filiar ao rol das Democracias predatrias, controladas permanentemente pelos slidos desgnios cripto ou faneros das oligarquias dominantes e opressoras. SP 24/03/1986

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A QUESTO AMBIENTAL: IDEALISMO E REALISMO ECOLGICOHorieste Gomes *

Na atualidade, a abordagem da questo ambiental est a exigir de cada um de ns em particular e, acima de tudo, da sociedade como ser social (ns somos componentes desse ser coletivo) uma tomada de posio mais imperativa. Somos cnscios que esta, por si s, no capaz de pr um ponto final nas profundas mazelas que vm sendo cometidas contra o patrimnio natural/social, cujos efeitos nocivos incidem direta e indiretamente sobre todos os seres vivos. Entretanto, possvel paralisar e mesmo retroceder o processo de destruio apesar de estarmos convictos de que a eliminao definitiva do perigo ecolgico-ambiental passa, necessariamente, pela liquidao das relaes de propriedade privada e de antagonismos de classes. Essa tomada de ao consciente, podemos assim dizer, tende a crescer em nossos dias em direo a uma crescente uniformizao de entendimentos das causas reais geradoras da nefasta desestabilizao do ambiente natural. Se no passado no muito distante a palavra de ordem traduzia-se em postura mais contemplativa, em conservacionismo puro, e t c , hoje, o impacto da destruio atingenos muito mais concretamente em virtude de ter-se ampliado de forma considervel o quadro das violaes, premedi-

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Professor do Departamento de Geografia da U.F.G. Goinia.

tadas ou no, em razo do maior desenvolvimento anarquista das foras produtivas que estruturam o modo de produo capitalista. A nova palavra de ordem passa a ser cada vez mais impositiva, em razo de a perspectiva de salvar geraes futuras de vivncias degradadas incorporar-se como atributo de valor maior na conscincia social de significativos segmentos de nossa sociedade. Trata-se uma renhida luta de contrrios, em que de um lado a materializao vulgar da economia posta em prtica pelos que ambicionam acumular riquezas, possuir poder econmico (como, por exemplo, as grandes empresas de minerao, agroindustriais, grandes fazendas de criatrio e t c ) , e pelas atividades isoladas de pessoas, de pequenas e mdias empresas e grupos que ambicionam descobrir a "sorte grande" (como a g a r i m p a g e m ) ; melhorar as suas condies de vida etc. Do outro, os que batalham para possuir no presente e preservar para o futuro o espao ideal de vivncia para o ser humano, notadamente para as novas geraes, espao esse traduzido na interdependncia entre Homem e Natureza (interao m t u a ) . Sabemos que o desenvolvimento harmnico de uma sociedade depende, basicamente, de uma biosfera sadia como sistema integrado e auto-regulado suficiente para dar continuidade a sua reproduo nova se, o homem no processo de sua produo material respeitar as suas leis de funcionamento e evoluo. Para tanto, h que se pautar por uma conduta superior orientada no sentido de tornar consciente e planificada a relao interdependente HomemNatureza, a fim de que se possa criar um meio propcio nos parmetros naturais e sociais vivncia dos seres vivos. Esta organizao harmoniosa, denominada pelos ecologistas de "ecodesenvolvimento", consiste na transformao racional do meio ambiente em benefcio do ser humano e do prprio meio, tendo em vista que a simples conservao insuficiente para manter o equilbrio natural dos processos da biosfera.

necessrio questionar que no basta, simplesmente, conhecer as causas determinantes da profunda desestabilizao do binmio Homem-Natureza; no suficente apelar, pelas leis cientficas que regem os fenmenos naturais e os sociais; pelos princpios ticos, humansticos, religiosos, estticos, e t c , como tambm para a conscincia do ser humano no sentido de que assuma uma conduta de respeito natureza e sociedade; que no suficiente invocar a vontade, a bondade, a compreenso, a fraternidade, o bom senso, enfim, por toda e qualquer "postura de pedinte", para pr fim ao contnuo processo de violao e destruio do binmio Natureza-Homem. Se as peties tivessem fora de deciso altura de solucionar os malefcios j causados e os que esto sendo produzidos pelos impactos ambientais gerados pela ambio do homem detratores do meio ambiente que acumulam e concentram capitais em benefcio de poucos e prejuzos de muitos h muito que o planeta Terra estaria transformado num verdadeiro den. evidente que lutar no sentido de estabelecermos "cdigos de tica"; fazer toda ordem de apelos conservacionistas; procurar sensibilizar os principais responsveis pela administrao pblica e privada; invocar o papel da conscincia individual e coletiva, e t c , so formas de lutas vlidas e necessrias que devemos incrementar. No entanto, bom termos cincia de que elas so insuficientes e limitadas, por motivo de no possurem em suas essncias a dinmica de produzir mudanas de qualidade, isto , as que mudam a natureza da prtica social negativa. Sabemos que nos dias atuais os ndices de agresso natureza e sociedade atingem valores catastrficos, portanto so cada vez mais perigosos. Na prtica, os denominadores do espao capitalista no conseguiram conciliar o desenvolvimento econmico com a preservao da natureza e com a qualidade de vida do cidado brasileiro, embora haja formulaes tericas que propem estratgias com intuito de vincular o conservacionismo com o desenvolvimentismo.

O gegrafo Nivaldo Jos Chiossi no I Encontro da Subcomisso de Controle Ambiental da Comisso de Tecnologia da Cmara dos Deputados, realizado em 1985, mapeou um conjunto de reas submetidas a fortes impactos ecolgicos, fornecendo-nos uma viso dos grandes conjuntos degradados, e em processo de degradao no Brasil: ocupao irracional e devastao florestal na Amaznia; srios impactos ecolgicos nos mangues de So Lus; destruio de dunas no Cear; desertificao na regio de Alegrete ( R S ) ocasionada por mtodos agrcolas inadequados; poluio em todo o litoral da Bahia ao Rio Grande do Sul, fundamentalmente, em decorrncia da concentrao industrial; ameaas no Pantanal (ocupao e usinas de l c o o l ) ; poluio hdrica na regio carbonfera de Santa Catarina (ndice de acidez elevado das guas dos rios); eroso acelerada em 180 municpios do Estado de So Paulo, 150 no Paran e mais de 30 em Mato Grosso; mais de 4 mil loteamentos clandestinos (sem o devido controle do solo urbano) em So Paulo, produzindo forte assoreamento nas bacias do Tite e do Pinheiros; Planalto Central (poluio pela prtica agropastoril; Rondnia, prximo foco de eroso via agricultura industrial; Cubato, etc. E conclui que

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Assessor da Secretaria de Obras e Meio Ambiente do Estado de So Paulo.

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"mais forte do que os efeitos de vulces e terremotos, que felizmente no temos, a irresponsabilidade administrativa dos governos anteriores permitiu que a degradao ambiental explodisse de forma assustadora por todo o pas". Todo este quadro de violaes registradas tanto no meio urbano quanto no rural, excetuando as reas especficas (como exemplo, das dunas, dos mangues, dos plos petroqumicos, etc) pode ser generalizado em todos os quadrantes do territrio brasileiro, nas mais diferentes escalas (micro, meso e m a c r o ) . Bastaria exemplificar com a acelerada poluio das bacias dos rios Araguaia, So Francisco e de tantas outras do territrio nacional, bem como a geomtrica e desordenada metropolizao das cidades brasileiras, fruto principalmente da especulao imobiliria, responsvel maior pela degradao do solo urbano. Patrick Dugan, bilogo ingls em recente entrevista pontificou que: "Os governos dos pases da Amrica do Sul so, de maneira geral, desatentos em relao mentalidade conservacionista" e conclui enftico: "Tenho dvidas se a prxima gerao de latinoamericanos vai poder usufruir da riqueza de sua terra."2

necessrio que definamos muito bem como a questo ambiental fica em grande parte dependente de como as pessoas se posicionam de acordo com as suas filosofias e prxis de vida. Se um grande nmero unnime em constatar os malefcios da devastao do meio ambiente, no entanto, nem todos esto em condies de captar e avaliar os nveis de degradao da realidade objetiva na-

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Entrevista em Isto , de 08.10.86.

tureza-sociedade, da serem as solues propostas, diferenciadas e mesmo particularizadas. No fundamental, depreende-se dos questionamentos trs posicionamentos: a) um de carter utpico, podemos assim dizer, porquanto os seus propositores vem a soluo via apelo conscincia das pessoas envolvidas no processo de destruio do patrimnio natural. Acreditam que uma questo que se define pela vontade, pelo querer das pessoas no sentido de que possam reverter os comportamentos dos indivduos que destroem o meio ambiente; b) Outro, mais conseqente, embora seja dotado tambm de forte dosagem idealista. Seus propugnadores j cobram do aparelho estatal uma atitude mais agressiva contra os infratores do espao natural-cultural; c) um terceiro, mais realista, em virtude de que procura encaminhar as solues dos problemas ecolgicos/ambientais via incremento das lutas polticas. O problema colocado contra a estrutura do Estado dependente do capital financeiro; contra grupos e empresas que detm no s o capital monopolista, como tambm a posse e uso dos espaos regionais. Entende que a luta poltica no elimina as outras formas de lutas, muito pelo contrrio, ela se alimenta de todas, notadamente da luta econmica. Em razo de esta ser determinante no a nica e absoluta forma de luta o objetivo produzir mudanas na base (a questo da posse dos meios de produo, da produo, da distribuio e do consumo) e adquirir assim um maior potencial de fogo contra os depredadores do binmio Natureza-Sociedade, constituindo-se numa forma superior de produzir mudanas fundamentais na super estrutura (as diferentes formas de conscincia social-poltica, jurdica, educacional, cientfica, tica, esttica, religiosa, e t c . ) .

Os dois primeiros posicionamentos no vo ao centro da questo ambiental pelo fato de, no geral, no questionarem os compromissos do Estado burgus com as empresas monopolistas nacionais e transnacionais. Segundo, porque no penetram a fundo no domnio da formao econmica do modo de produo capitalista, nas suas contradies, nos seus jogos de interesses. No compreendem o capitalismo em sua historicidade (gnese, evoluo e perecimento). No questionam o acelerado processo de diviso internacional do trabalho que, por sua vez, passa pela industrializao imposta na regionalizao dos espaos geogrficos entre sistemas poltico/ideolgicos e econmicos opostos, em que de um lado, o capitalismo por no corresponder mais s aspiraes da sociedade perde, inexoravelmente, realidade histrica e torna-se desnecessrio por motivo de no corresponder mais verdade social. Do outro, o socialismo em sua tica se afirma, mais e mais, como aspirao maior de crescente nmero de povos e naes. Ele revela-se como o novo que vem substituir o velho (o controle ambiental uma realidade concreta em consecuo nos pases socialistas, principalmente, nos de socialismo desenvolvid o ) . Quem no admite essa realidade, na maioria das vezes, por motivo de ordem ideolgica. H tambm os que se apegam aos acontecimentos particularizados como o recente acidente de Chernobyl na URSS. bom informar que nessa mesma Repblica est em prtica o "princpio da regenerao" dos R N , subentende-se que o recurso natural utilizado ou consumido pelo homem tem que ser compensado em termos de reposio. A R T C representa uma poderosa aliada quando aplicada socialmente na proteo Natureza por meio de sucedneos criados, por exemplo, as transformaes das cermicas em substituio a metais; os plsticos pelas madeiras, metais, vidros, etc. No se percebe que na atualidade, devido produo cientfico/tecnolgica e conseqente ampliao da diviso internacional do trabalho, ampliou-se a luta intestina interempresas capitalistas em termos de conquista de mercados econmicos produtivos, comerciais e fi-

nanceiros, permanecendo na arena da concorrncia o mais forte, o mais atico, o mais sagaz, etc. No se compreende que o capitalismo s pode ter continuidade se ele conseguir manter a reproduo ampliada do capital, sendo esta vivel, unicamente, por meio da obteno do lucro mximo, o que significa necessidade premente de eliminar concorrentes, intensificar a produo, majorar continuamente os preos das mercadorias e explorar mais intensamente a classe trabalhadora. Por sua vez, sabemos que este ltimo comportamento gera contradies cada vez mais antagnicas entre as foras produtivas e as relaes de produo, contradies estas motivadas pela no correspondncia necessria dos dois componentes do modo de produo capitalista. Cada vez mais amplia o distanciamento, o afastamento entre os interesses do capital e do trabalho na proporo que aumentam as contradies entre as classes antagnicas, entre a poltica desenvolvimentista aplicada e a qualidade de vida (para os trabalhadores) gerada pelo mencionado desenvolvimento econmico. No identificam que um pas ser subdesenvolvido corresponde a ser dependente economicamente, condio esta que nos impe a dependncia poltica e que ao nvel da prtica, se traduz por condies subdesenvolvidas de vivncia social. No percebem que boa parte dos polticos que nos governam, por razes mltiplas, possuem defeitos de formao social, cultural, profissional, moral, e t c , e so desprovidos de prtica social, democrtica, portanto identificada com a qualidade do viver da populao brasileira. So homens comprometidos com os interesses internos e externos escusos de indivduos, de grupos e de empresas nacionais e estrangeiras. Quanto aos no diretamente comprometidos com as estruturas de poder, seus atos refletem o carter de suas formaes sociais no interior da sociedade burguesa que , por sinal, bastante marcada pela conduta individualista, personalista, autoritria e mesmo narcisista, por parte de grande parte dos seus membros. No que concerne s suas administraes elas levam a marca de

suas individualidades e respectivas limitaes. No essencial, so dependentes das ddivas dos emprstimos oficiais e privados, obtidos para a consecuo dos seus planos administrativos e governamentais. Como sabemos, os bens formados e intencionados existem, no entanto, so poucos e a grande maioria deles no possuem poder de deciso poltica. H que ressaltar o grande pblico da sociedade que sente as conseqncias de maneira mais direta dos impactos ambientais, todavia, pelo fato de no lhe pertencerem os meios de produo e as riquezas por eles produzidas, suas vozes e seus feitos ficam, em grande parte, reduzidos ao marco da constatao do fenmeno ecolgico. Tal conduta resulta, em decorrncia de estarem desorganizados ou precariamente organizados em sindicatos, associaes de classe, associaes comunitrias, culturais, e t c , opondo-se de forma ainda bastante dbil destruio malvola dos espaos da natureza e da sociedade. verdade que houve e que h manifestaes concretas que j obtiveram, na proporo de espaos individualizados, conquistas deveras importante, todavia, no fundamental, isto , no espao da totalidade, a situao deixa muito a desejar. H que se aglutinar foras em diferentes nveis de organizao e de abordagens: econmico/social; poltico/ideolgica; cientfico/tecnolgica; tico/humanista; esttica e t c , enfim combinar as mais diferentes formas de conscincia social para que possamos numa viso de globalidade imprimir de forma mais participativa e assumida, a luta poltica. Esta, contm de maneira mais unificada as preocupaes, os desejos da sociedade como ser social e possui fora maior de produzir mudanas substanciais no que concerne preservao, fundamentalmente, utilizao racional do meio ambiente em termos de compatibilidade social.41

Em decorrncia da poltica econmico/financeira de "rolar a dvida pagando os juros" custa do sacrifcio, cada vez mais exigido, do povo trabalhador brasileiro, forase os membros dessa sociedade produtiva a se pautar por um galopante crescer no arrocho vital e por uma multiplicao de esforos dispendidos no sentido de se tentar manter o j reduzidssimo oramento domstico, o que, por um lado, depaupera e debilita as nossas foras, por outro, cresce o nosso potencial crtico/transformador e as condies subjetivas ficam mais maduras aproximando-nos das condies objetivas (a degradao ambiental concreta e visvel) preparando a unidade necessria para produzir mudanas transformadoras. Por desconhecermos, em parte, a intencionalidade escondida nos propsitos dos que manipulam, ao seu bel prazer, os RN (renovveis e no renovveis), as matriasprimas existentes nos espaos da produo material, acabamos por aceitar tacitamente o jogo dos apropriadores do espao geogrfico. Tambm, em virtude de que em nossa sociedade ainda perdura em nossa conduta evidentes traos de individualismo produto de nossa formao histrica o que faz com que as pessoas se pautem mais por condutas pessoais (no coletivas) tornando-se presas de fcil controle ideolgico. No conjunto, uma elevada quantidade ainda se pauta por atitude passiva, conformista e mesmo estica ante aos desmandos que se praticam contra o nosso patrimnio natural/cultural. H que ganh-los na conduo prtica da luta ecolgica, na medida em que as violaes so cometidas. H que se ter em conta que o sistema de dominao reinante montou na esfera dos rgos de informao de massa imagens televisionadas, escrita, falada, sonora, semiolgica, etc. um forte aparato de alienao poltica, cuja funo bsica de reduzir a capacidade do cidado de compreender as causas reais da degradao da biosfera a fim de que ele permanea na condio de acrtico, indiferente e seja um reprodutor de sua dimenso de alienao. necessrio que haja uma sociedade acrtica, conformista e materialista vulgar, para que

os responsveis diretos e indiretos pela destruio e desestabilizao do binmio interdependente Homem/Natureza sintam-se protegidos e possam dar continuidade aos seus propsitos de enriquecimento ilcito. Registramos, a ttulo de exemplificao, trs marcantes exemplos de destruio do nosso meio ambiente no atual estgio de desenvolvimento do capitalismo no Brasil: 1) a progressiva eliminao da floresta Amaznica na escala de uma superfcie equivalente de Portugal, isto , mais de 80.000 k m , anualmente, de cobertura florestal devastada;2

2)

a bacia do rio Araguaia que, aceleradamente, perde as suas condies de existncia em funo da derrubada do manto vegetal que cobre a bacia, das queimadas, da poluio causada pelos inmeros garimpos, da quimificao poluidora dos solos e das guas, pelo criatrio intensivo que chega at as barrancas dos rios, da pesca e caa predatrias e pelo impacto do turismo anrquico praticado em locais sem a mnima infra-estrutura de condies tursticas; a recente queimada (para fins agropastoris) registrada em 24.08 pretrito pela imagem satlite que revelou numa superfcie de 8.000 k m de florestas (rea do Estado de Mato Grosso, sul do Par e leste de Rondnia) cerca de 6.800 focos de incndios.2

3)

No tocante floresta Amaznica, bastaria lembrar que mais de 50% das chuvas que caem na regio dependem da evapotranspirao (evaporao da gua por intermdio da vegetao) .8

3

Consutar os trabalhos de Eneas Sallati e de outros pesquisada Amaznia.

dores

Que tragdia teremos, em breve futuro, caso permanea o acelerado processo de desestabilizao da natureza? Um elucidativo exemplo que serve para testemunhar como depois de um determinado estgio de poluio ambiental, torna-se praticamente irrecupervel o ambiente degradado, nos fornecido pela "chuva cida" que j matou cerca de 14.000 lagos e rios no Canad, e mais de 40.000 esto sujeitos ao perecimento numa escala de tempo relativamente curta. A grande indstria estadunidense da regio dos Grandes Lagos a principal geradora de poluentes cidos, produo esta que se coloca como o mais grave problema ecolgico que afeta o Canad.4

A origem da chuva cida buscamo-la, basicamente, na produo dos dixidos de enxofre e de nitrognio oriundos da queima de combustveis fsseis, de carves, das fbricas, das refinarias de petrleo, usinas termoeltricas, dos veculos, alm de outras partculas complexas que contm flor e outros metais que so tambm bastante txicos, como o mercrio, o cdmio, berilo, mangans, etc. O ndice de acidez elevado, isto , o situado abaixo de 5.6 (este , no ambiente da atmosfera, o da chuva normal) alm de destruir a natureza viva animal e vegetal, ataca o ser humano provocando inmeras doenas respiratrias, alrgicas e t c , afetando mais diretamente as crianas e os velhos, principalmente, os que esto em estado de subnutrio. imprescindvel que empreendamos as mais diferentes formas de lutas cientfica, econmica, poltica, ideolgica, tica, esttica, e t c , mas de fundamental importncia colocar a luta poltica em plano superior s demais em virtude de que a conquista poltica envolve decises e solues de cunho geral (o geral define o fenmeno) de interesse de toda a sociedade. A dimenso social contida

Revista "Hoje-Canad", ano VI, n 27/87 artigo transcrito do Jornal do Brasil de 04.01.87 texto de Ruth de Aquino.

4

na luta poltica de abrangncia maior dado que ela identifica-se com a natureza humana em sua amplitude social. Pelo mecanismo da luta cientfica, subtende-se esta como o confronto entre teorias e mtodos de investigao diferenciados inseridos no mbito da teoria do conhecimento cientfico. No essencial ela exprime diferentes abordagens de captao da realidade objetiva dos fenmenos e suas leis (naturais, histricas e sociais), bem como de seus reflexos em forma de conhecimentos materializados pela produo do ser humano. Afirmamos o papel das cincias no tocante ao conhecimento fsico/qumico/biolgico do meio ambiente natural e cultural a fim de que possamos luz da realidade objetiva combater o empirismo em nossas aes prticas. O estudo da biosfera de capital importncia, a fim de que o homem conhecendo-a possa elaborar mtodos de previso biolgica e ecolgica, bem como propor solues para a problemtica ecolgica ambiental. A ecologizao das cincias e das tcnicas contemporneas imprescindvel para o advento do desenvolvimento em nosso espao geogrfico de vivncia scio-natural. por meio da luta cientfica em termos de pesquisa fundamental (terica) e pesquisa experimental (aplicada) que comprovamos a objetividade da natureza e da sociedade; a reproduo contnua da materialidade do universo, e a confirmao da relatividade do nosso saber no sentido de assimilarmos o conhecimento verdadeiro (relativo e absoluto) existente de forma objetiva no mundo da natureza e da sociedade, ou, em sua representao reflexa escrita, falada ou simblica. A razo dessa limitao prende-se ao fato de que o mundo material (natureza e sociedade) se reproduz infinitamente sempre como "mundo novo". A conduo cientfica no contexto da questo ambiental de significativa importncia, a fim de desmistificar posturas subjetivas de carter eminentemente praticistas, as quais tanto ao nvel de captao da realidade objetiva quanto ao do encaminhamento de propostas de solues, permanecem na superficialidade dos fenmenos (aparncia) e no atingem a natureza dos mesmos (essncia).

Pela conduo das cincias detectamos os ndices de desequilbrios verificados na relao Homem-Natureza, hoje interligados s particularidades da Revoluo Cientfico/ Tecnolgica ( R C T ) aplicada indstria, todavia, os desequilbrios ambientais no so conseqncias deste crescente progresso, mas, sim, decorrncia de que o referido desenvolvimento se pauta por orientaes scio-econmicas capitalistas (o lucro capitalista sobrepe-se s condies sociais de vivncia do ser humano). A luta econmica travada entre o capital e o trabalho o grande motor do acirramento das contradies. Em busca de melhoria de salrio, de condies de trabalho, de estabilidade no emprego, de existncia de trabalho permanente, de reduo da jornada de trabalho, de garantias trabalhistas, e t c , os trabalhadores confrontam-se com os possuidores dos meios de produo e percebem o distanciamento social entre eles que so produtores reais dos bens sociais de uso e de troca, e seu empregador proprietrio dos meios de produo. Como os dissdios, unicamente, do solues paliativas, momentneas, a curto prazo, o trabalhador cai e recai num verdadeiro crculo vicioso na rua da amargura. Em decorrncia de viver, simultaneamente, com as lutas de outras classes e categorias, no processo de sua luta econmica, amplia-se a sua conscincia de classe at que ele se transforma de "classe em si" em "classe para si". Agora, ele est completamente ganho para a luta poltica e coloca como objetivo maior a conquista do poder poltico em mos de uma minoria que detm o respectivo poder em seu proveito pessoal ou de grupo, em detrimento da sociedade global. A questo do poder poltico, a questo da posse dos meios de produo, da produo em si, da distribuio e do consumo passam a ser cada vez mais interrogadas: em mos de quem e servem a quem? A luta ideolgica est intimamente ligada luta poltica e ela reflete como as diferentes formas de conscincia sociais assumem, para mais ou para menos, o partidarismo de classe, isto , como tomamos partido com os compro-

missos assumidos ideologicamente por uma (ou mais) classes. Estar imbudo de ideologia corresponde a identificarse com a concepo filosfica, poltica, econmica, social, tica, e t c , contida nos propsitos de uma determinada classe. H duas ideologias determinantes no mundo atual: a da burguesia e a do operrio, sendo ambas por natureza antagnicas, portanto, so opostas e conflitantes, e refletem mundos opostos. A luta jurdica uma questo do Direito codificado em princpios, leis, normas, acrdos, e t c , como regulador do comportamento dos cidados. Na defesa do meio ambiente o Direito joga um papel importantssimo pelo fato de que por seu intermdio poderemos efetuar no domnio da fundamentao legal a necessria proteo ao meio ambiente. Na prtica temos que aglutinar outros mecanismos de administrao social para fazer valer a fora do Direito. Este, faz parte, como sabemos, da superestrutura do Estado, e como tal ele impe e reproduz a legalidade que serve aos interesses do Estado que ele representa juridicamente. Sendo um Estado capitalista dependente do grande capital e dotado de um mnimo de soberania, evidentemente, o Direito tende a se pautar para a defesa dos interesses deste Estado burgus. Isto no significa que ele no represente uma possibilidade real de controle por meio de proibies, sanes, e t c , desde que a sociedade cobre com o devido rigor a aplicabilidade do Direito no sentido social, e, no como mero aparato legalista para defender o status quo. Por meio de leis e normas jurdicas, o Direito pode estabelecer proibies, regulaes e autorizaes no sentido de garantir o bem-estar da sociedade em sua dimenso ecolgico-ambiental. Fazer valer a fora do Direito para o bem comum num Estado capitalista tarefa rdua, todavia, de fundamental importncia buscarmos as normas legais existentes e criar novas com o propsito de estabelecermos um regime jurdico condizente com a natureza social do ser social. de fundamental importncia democratizar o Direito a servio da sociedade. Coloca-se uma profunda indagao:

Controle de quem, para quem? Pelo mecanismo da luta tica humanista tentamos introduzir no aparelho do Estado capitalista uma nova moral que defina, em ltima instncia, as relaes do desenvolvimento econmico com o desenvolvimento social, e que significa no admitir o aceleramento do desenvolvimento econmico (principalmente o industrial) sem a necessria correspondncia social. Os cdigos de tica somente adquirem fora de validade na proporo que a sociedade esteja organizada altura de fazer valer o cumprimento dos mesmos. Sob o capitalismo a tica de uma classe, a burguesia, e no de todas as classes; eis a razo porque os cdigos so constantemente violados. Vejamos um bom exemplo: apesar do Cdigo Florestal (Lei n. 4.771, de 15.09.65) em seu art. 5., parg. nico, estipular: "Fica proibida qualquer forma de explorao dos recursos naturais dos parques nacionais, estaduais e municipais." E o art. 26 estipula as penalidades para as contravenes cometidas contra o patrimnio natural, a SUDECO (Superintendncia do Desenvolvimento do Centro-Oeste rgo federal) a propositora da abertura da estrada para cortar o Parque Nacional do Araguaia, situado ao norte da Ilha de Bananal. No fundo ela est compromissada com um conjunto de empresas de colonizao, minerao agropastoril, e t c , (como a CODEARA, a Mineradora Roncador). A indagao que se coloca a seguinte: tica para quem? A luta esttica visa aprimorar a sensibilidade das pessoas a fim de que elas passem a ver a natureza como parte integrante de sua prpria natureza, isto , como um rgo que completa o nosso organismo fsico, mental, social. Isto muito importante em razo de que as pessoas conscientes (indivduo e sociedade) sem cair na postura mecanicista contemplativa e buclica do valor dessa interao interdependente posicionam-se de maneira mais conseqente para no permitir mutilao em sua prpria pri-

meira natureza. A primeira e segunda natureza complementam a nossa prpria natureza. Coloca-se uma indagao: a esttica serve a quem e para quem numa sociedade de classe? Fazer avanar o nosso grau de sensibilidade perante a natureza deveras significativo, no com o intuito de diviz-la mas sim para entendermos que ns somos parte dessa primeira natureza e sem a qual no teramos a mnima possibilidade de sobrevivncia. Como sabemos, somos regidos pelas leis da reproduo do mundo material responsveis pela dinmica evolutiva dos ciclos naturais (ciclo da gua, do oxignio, do carbono, do azoto, e t c . ) , sendo que o materialismo dialtico confirma a unidade interdependente N-S com base nos princpios do desenvolvimento social e da unidade do mundo material. necessrio que a nossa categoria supere a viso dicotmica da Geografia, pois, assim procedendo, que teremos condies efetivas de dominar a amplitude interdependente do complexo Homem-Natureza. Precisamos avanar a nossa categoria na tarefa da integrao das cincias e disciplinas afins; dos contedos; dos currculos e programas, e t c , a fim de que possamos recompor o conhecimento da realidade objetiva do mundo da natureza e da sociedade (pulverizado ao longo da Histria pela diviso do trabalho imposta a favor da classe dirigente) numa totalidade, tendo em vista a necessidade de termos uma viso de globalidade dos fenmenos naturais e culturais. Esta postura ir enriquecer a nossa anlise e sntese no tocante questo ecolgico-ambiental, portanto fundamental, e necessria nossa prxis transformadora. preciso esclarecer que o resgate da integrao dos conhecimentos passa pelo "resgate do ncleo epistemolgico" de cada cincia, de cada disciplina, e no criar a polivalncia superficial pretendida pelos que desejam subqualificar os contedos com o fim intencional de sub-

qualificar as pessoas (ideologia do dominador e pretenso de conselheiros educacionais, de proprietrios diretos e indiretos do ensino privado, e t c ) . A questo ambiental no pode ser desligada da questo poltica, e esta, por sua vez envolve o econmico e o social. No atual estgio de desenvolvimento das foras produtivas do capitalismo, a abordagem relativa questo ambiental requer nossa anlise pelo menos sob trs variveis fundamentais: a) a interdependncia Natureza-Sociedade (autonomia de cada componente e dependncia recproca) com a finalidade de preservarmos o habitat das espcies vivas dentro do nicho ecolgico, a fim de que possamos utilizar racionalmente os objetos de trabalho identificados com os recursos naturais e com as matrias-primas, com sabedoria e profundo respeito me natureza; b) a questo ecolgico-ambiental est intimamente ligada s formas como se concretiza, no dia-a-dia, a produo material. Sob o capitalismo assistimos acelerada desestabilizao do binmio N-S, produzida pelo papel nefasto do grande capital; da acelerao industrial, da tcnica, da cincia sem a necessria correspondncia social. Sob o capitalismo a busca determinada pela procura da "lei do lucro mximo", sendo que o poder do Estado fica merc e conjuminado com a estrutura do capital financeiro monopolista. Este em processos acelerados, provoca profundos desmandos sobre a Terra e o homem brasileiro, produzindo mltiplos desequilbrios naturais e sociais. Nossos recursos e matrias-primas so destrudos pela ambio do capital, que coloca o lucro capitalista acima do social. A tica do lucro e no do social; c) finalmente, o crescimento demogrfico acelerado deve ser analisado como fator de desenvolvimento econmico/social, desde que haja o devido resgate

dos valores positivos da composio etria, em termos de "realidade para o presente e de potencialidade para o futuro", anlise esta que passa pelo enfoque das relaes de produo e das relaes sociais. Em decorrncia da marginalizao crescente da maioria da populao brasileira, em grande parte da juventude, esperana do amanh cresce a dicotomia entre o econmico e o social. No conjunto de diretrizes para uma Poltica Ambiental calcada na interdependncia Natureza e Sociedade, registramos como necessidades imperativas: 1) ter cincia da ameaa concreta que paira sobre o binmio interdependente N-S, S-N em termos de destruio, de desordenamentos, de violaes de mltiplas superfcies ambientais existentes no espao brasileiro. Ser cnscio de que no plano da destruio no ser mais possvel a recuperao primitiva do habitat; 2) tomar a questo ambiental como parte integrante da luta poltica direcionada em busca da democracia efetiva, como exemplo prtico, tentar democratizar "os mtodos de acumulao" do capital; 3) lutar para incorporar na legislao a obrigatoriedade do "princpio de regenerao" como fundamento de direito comunitrio, e, acima de tudo, aplic-lo rigorosamente sem distino de privilgios de classes em todos os espaos ambientais sujeitos s transformaes materiais. T a l aplicabilidade recai diretamente sobre quatro segmentos fiscalizadores e executores: a o aparelho estatal, responsvel maior pelo controle ambiental em razo da sua estrutura ambiental, em razo da sua estrutura organicista de poder poltico/econmico e jurdico;

b os aparelhos estaduais e municipais dotados de legislaes especficas com responsabilidades de controle ambiental mais diretamente ligada s comunidades, pelo fato de que so em seus espaos regionalizados ou a serem regionalizados que se produzem os maiores impactos ambientais; c comunidade organizada em formas de entidades de classe (sindicatos, associaes de classe) e comunitrias (de bairros, de categorias), e de partidos polticos, e t c ; d toda a sociedade individualizada dado que cabe ao indivduo preservar o seu ambiente de vivncia social. sua funo proteger o verde como parte integrante de nossa ambincia vital (contida no espao da casa, da praa, do bairro, da cidade, do lazer, do trabalho, etc.). 4) estabelecer e exigir que se cumpra "o teto dos encargos ecolgicos". Isto significa no permitir que as empresas industriais, agropastoris, imobilirias, e t c , violem as leis e normas ambientais. Para tanto h que condicionar com rigor as suas instalaes e funcionamento s normas de proteo ao meio ambiente. O teto deve corresponder como exigncia legal s condies objetivas reguladoras das relaes interdependentes Homem-Natureza; 5) ter em vista que o mecanismo de sano por intermdio da multa, por si s, insuficiente, limitado e, acima de tudo, ele permite a contnua reproduo da violao ambiental. A multa em si num pas onde a corrupo sinnimo de sagacidade, de inteligncia e as penalidades so paliativas tm sido mais estimuladora do que sancionadora;

6) ampliar as reas ecolgicas existentes atravs da criao de reservas biolgicas, de parques e florestas nacionais, de jardins botnicos; 7) inserir a "educao ambiental" na Escola do 1., 2. e 3. graus de carter obrigatrio. Temos que formar a conscincia ecolgica em todas as faixas atinentes formao educacional da criana, do adolescente e do jovem. O estudante na escola primria deve ser integrado com a natureza, o que significa que a escola deva ministrar contedo que corresponda ao existente na realidade objetiva (natureza e sociedade). Portanto, prioritrio que na programao escolar conste, como embasamento de formao cientfico/cultural e de cidadania, a seqncia do ensino relacionada com as estaes do ano, a fim de que a criana conhea o habitai em que vive, bem como o do espao social configurado da casa para a praa, da praa para o bairro, do bairro para o zoneamento de bairros, deste para a cidade, e t c ; 8) introduzir a poltica ambiental na legislao municipal, como pressuposto legal terico imprescindvel a uma eficiente prtica conservacionista; 9) criao de "grupos de iniciativa cvico-comunitria" com a finalidade de fomentar o protecionismo ambiental no bairro. Neste tipo de atividade joga um papel fundamental a formao da mentalidade comunitria no que se relaciona com o sentido do verde em nossa vida scio-comunitria. s associaes de bairros cabe um grande desempenho na proteo da natureza e da sociedade; 10) criar em cada municipalidade uma "central de divulgao" das coisas que envolvem a questo ecolgico-ambiental, com a finalidade de informar e tambm denunciar a gama de violaes praticadas no passado (ns temos que formar a conscincia histrica) e as que esto sendo praticadas no presente contra o patrimnio natural/cultural. Outros-

sim, esclarecer a todos os segmentos da sociedade o relevante significado do bom viver associativo do homem com a natureza. No conjunto dos meios de comunicao de massa, os recursos audiovisuais so importantssimos mecanismos para o bom desempenho dessa tarefa comunitria; 11) necessidade de dominar a questo ambiental em sua forma globalizante, isto , de totalidade (aspectos naturais, sociais, polticos, econmicos, ideolgicos, ticos, estticos, e t c . ) ; com intuito de propiciar abordagens de conjunto. Como forma de conscincia social, podemos assim afirmar, os ciclos de reproduo da vida sero mantidos em seus processos de auto-regulao na medida em que avana formao de uma conscincia internacional que coloque a interdependncia Natureza-Sociedade no centro das preocupaes maiores do ser humano.

Bibliografia recomendada1 I. Nvik "Scciedad y Naturaleza" Editorial Progresso/Mosc ou/82, 2 I. Prolov e outros "A Proteo ao Meio Ambiente e a Sociedade" Academia das Cincias da U R S S , Moscou/83. 3 Jos Lutzenberger e outros "Poltica e Meio Ambiente" Editora Mercado Aberto Porto Alegre/86. 4 Paulo Fernando L a g o "A Conscincia Ecolgica" a luta pelo futuro Editora U F S C Florianpolis/86. 5 Brbara W a r d , Ren Dubois "Uma Terra Somente" Editora da USP/SoPaulo/73. 6 Guy Biolat "Marxismo e Meio Ambiente" Ed. Seara N o v a Lisboa/77. 7 pirre Aquesse "Chaves da Ecologia" Editora Civilizao Brasileira R i o de Janeiro/72. 8 Maurcio Tragtenberg "Ecologia versus Capitalismo" Cortez Editora in Economia & Desenvolvimento n. 2 So Paulo/82. 9 Carlos Walter p. Gonalves "Paixo da Terra (ensaios crticos de Ecologia e Geografia) " Editora Rocco/SOCIX Rio/84. 10 Maria Cavalcante Martinelli "Ecologia, Cincia para a Nova Gerao" Editora U F G Goinia/84. 11 Horieste Gomes "A Interao Homem-Natureza e a Questo Ecolgica" in Anais o V Encontro Nacional de Gegrafos A G B Porto Alegre/82.

PLANIFICAO E PLANEJAMENTO AMBIENTAL NO BRASILRolando Berros *

1 .

Necessidade de Planificar ou Planejar?

N

o necessrio ser cientista nem especialista na matria para se dar conta do estado de deteriorao em que se encontra nosso planeta, bem como da limitao das reservas de recursos naturais, em geral. A continuar essa farra de poluir toa, sem levar em considerao os processos naturais de absoro das matrias residuais e consumindo, indiscriminadamente, as matrias-primas que so finitas, em um prazo muito curto, que no ser superior a umas quantas geraes, a vida na Terra corre riscos serssimos de se transformar num meio inabitvel. Continuar encarando a questo ambiental da forma como o fazem as economias capitalistas, significa cavar a nossa prpria cova. necessrio mudar de enfoque, e rapidamente, antes que a situa