geografia humana e métodos

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1 PANORAMA DOS MTODOS E TCNICAS EM GEOGRAFIA HUMANA: retrospectiva e tendncias 1 Flamarion Dutra Alves 2 Enas Rente Ferreira 3 RESUMO Este artigo tem como objetivo fazer um panorama dos mtodos e tcnicas aplicados na geografia humana. De forma sucinta, far -se- a anlise de algumas metodologias nas diferentes escolas do pensamento geogrfico, caracterizando -as e destacando as principais vertentes filosficas e bases tericas. Palavras-chave: Metodologia, Mtodo, Tcnica, Geogra fia Humana. Eixo-temtico: Respuestas terico-metodolgicas de la geografa ante las recientes espacialidades; INTRODUO: Na tentativa de caracterizar alguns mtodos e tcnicas em Geografia Humana, primeiramente, far-se- um esclarecimento sucinto entre m todo, teoria, metodologia, tcnicas e procedimentos metodolgicos. Isso por que, existe uma grande confuso na elaborao de projetos de pesquisas e desenvolvimento de trabalhos, com incoerncias nas terminologias e uso equivocado entre esses conceitos. Em seguida, se far uma relao das bases tcnicas e metodolgicas com a evoluo do pensamento geogrfico, ou seja, a verificao dos mtodos e tcnicas predominantes nos diferentes momentos da cincia geogrfica, no que tange a geografia humana, bem como suas vertentes filosficas e bases tericas. Pierre George (1972) assinala que cada mtodo usado nas pesquisas geogrficas esto dotados de ideologias e posies epistemolgicas, onde cada objeto estudado merece um mtodo adequado pelo gegrafo. A negao ou averso de correntes tericometodolgicas envolve diversos fatores, que esto ligados pelas ideologias que cercam os pesquisadores. A possibilidade de valorizar a construo do pensamento geogrfico parte desse artigo, na medida em que se prope analisar as contribuies de alguns mtodos e tcnicas nos estudos de Geografia Humana. Pela diversidade de temas que o gegrafo pesquisa, George (1972, p.8) diz que a geografia tem que ser metodologicamente heterognea (...) entre as ci ncias da terra ou da natureza (...) esta a razo pela qual ela se encontra continuamente empenhada na busca de1

Alguns fragmentos desse artigo foram retirados do texto Consideraes sobre mtodos e tcnicas em

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geografia humana publicado na Revista Dilogus, Ribeiro Preto, v.4, 2008. Doutorando em Geografia e integrante do Ncleo de Estudos Agrrios (NEA) Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Campus Rio Claro-Brasil. Bolsista do CNPq. [email protected] 3 Prof.Dr. e Coordenador do Ncleo de Estudos Agrrios (NEA) Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Campus Rio Claro-Brasil. [email protected]

2 sua unidade. A respeito dessa diversidade metodolgica na Geografia, George (1972, p.8-9) afirma que a a pesquisa geogrfica recorre sucessiva ou simultaneamente aos mtodos de cada uma das cincias de que se vale para chegar ao conhecimento analtico dos dados includos nas combinaes que constituem o objeto de seus estudos fragmentrios ou globais. Entre esses mtodos no-geogrficos em sua origem, esto os mtodos positivista, funcionalista-organicista, materialismo-histrico dialtico, sobre esses mtodos o autor diz que no existe nenhum mtodo geogrfico para a abordagem dos dados sociais, econmicos, demogrficos e culturais (...) existe uma maneira geogrfica de confrontar os resultados George (1972, p. 35). O que acontece em muitos trabalhos uma pr -determinao de sua metodologia cientfica, antes mesmo de conhecer e explorar a realidade em su a essncia. Nesse ponto, concordamos com Morin (2005, p.36) quando diz que O mtodo s pode se construir durante a pesquisa; ele s pode emanar e se formular depois, no momento em que o termo transformase em um novo ponto de partida, desta vez dotado de m todo, em outras palavras, o mtodo se ajusta com o fenmeno e no o fenmeno que se ajusta com o mtodo. Nesse sentido, se far uma leitura breve de alguns temas pertinentes s questes terico-metodolgicas e tcnicas nas pesquisas em Geografia Humana, nos diferentes momentos da histria do pensamento geogrfico. Mtodo e metodologia: definies e caracterizaes Para entendermos os diferentes mtodos e tcnicas, se far uma breve distino entre mtodo e metodologia, no sentido de elucidar as terminolog ias e explicar suas diferenas. Mtodo: um instrumento organizado que procura atingir resultados estando diretamente ligado a teoria que o fundamenta, conforme o Japiass e Marcondes (1990) um conjunto de procedimentos racionais, baseados em regras, qu e visam atingir um objetivo determinado. Conforme Lalande (1999, p.678) o mtodo o caminho pelo qual se chegou a determinado resultado. Na obra de Sposito (2004) o autor cita alguns elementos que esto imbricados no

mtodo como a doutrina, ideologia, t eoria, leis, conceitos e categorias. Esses elementos que do uma caracterstica comum e o diferencia de cada mtodo. Buscando caracterizar o mtodo Bachelard (1983, p. 122) diz que O mtodo verdadeiramente uma astcia de aquisio, um estratagema novo , til na fronteira do saber onde o mtodo cientfico aquele que procura o perigo (...) e a dvida est na frente, e no atrs, dessa maneira no o objeto que designa o rigor, mas o mtodo (1983, p.122). Portanto, o mtodo uma maneira de obter o s resultados, ou seja, o pensamento do pesquisador, utilizando -se de uma teoria para fundamentar, citando, por exemplo, mtodo dialtico, positivista, fenomenolgico, hermenutico, entre outros. Metodologia: So os procedimentos utilizados pelo pesquisador , material e mtodos, em uma determinada investigao, sendo as etapas a seguir em um determinado processo. Segundo Lalande (1999, p.680) a subdiviso da Lgica, que tem por objeto o estudo a posteriori dos mtodos, e mais especialmente, vulgarmente, o dos mtodos cientficos. A metodologia contempla todos os elementos que constituem os passos a serem tomados na pesquisa (Esquema 1). 3Esquema 1 Organizao da estrutura metodolgica segundo seus elementos e alguns exemplos. Fonte: Alves (2008).

Esse esboo da estrutura metodolgica ajuda a entender alguns passos da metodologia e de sua constituio. Porm, essa estrutura metodolgica no se limita a esse esquema, sendo apenas uma referncia para a montagem e execuo de projetos de pesquisas. Algumas tcnicas na geografia humana As tcnicas de anlise em uma pesquisa servem para coletar, extrair e elucidar informaes de determinados objetos, pode se dizer que existem dois eixos principais nas pesquisas em Geografia, as qualitativas e as quantitativas. As pesquisas podem ser s qualitativas ou quantitativas ou tambm, um conjunto dessas duas pesquisas. Nesse contexto, existem muitas tcnicas que os gegrafos podem utilizar em suas investigaes, as entrevistas so tcnicas adequadas para coletar dados p ara as pesquisas qualitativas na Geografia Humana, sobre isso Alves -Mazzotti e Gewandsznajder (1998) dizem que:De modo geral, as entrevistas qualitativas so muito pouco estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem rigidamente estabelecidos para as perguntas, assemelhando-se muito a uma conversa (ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 1998, p.168).

As entrevistas podem ser abertas ou livres, semi -estruturada, estruturada ou mista, a

adoo delas varia de acordo com o objeto de cada gegrafo, no caso de uma pesquisa quantitativa com obteno de dados tabulados, a melhor tcnica a entrevista estruturada com a utilizao de um questionrio, com perguntas de mltiplas escolhas. A entrevista semiestruturada intercala questionrios fechados com perguntas livres, cabe ndo ao gegrafo escolher a melhor tcnica para proceder a pesquisa. Uma tcnica que auxilia na interpretao do mtodo e dos contedos tericos a das palavras-chave. Essa anlise do discurso e do contedo nas obras so tcnicas que permitem ao pesquisador entender os escritos, mas lembrando que se deve analisar associada conjuntura social, econmica e poltica, pois conforme Bray (1999, p.6) o pensamento do gegrafo reflete as concepes cientficas e ideolgicas do seu tempo. A tcnica das palavras-chave foi usada por Bray (1999) para desvendar a obra de Pierre Monbeig, onde: 4Atravs da tcnica das palavras-chave constatamos que Monbeig consagrou na geografia acadmica brasileira o Positivismo comteano como mtodo, a abordagem sistmica-organicista como prtica e os ideais do liberalismo poltico como doutrina, buscando nas suas anlises a teoria do equilbrio entre a sociedade-natureza e dos homens entre si, atravs da geografia da solidariedade (BRAY, 1999, p. 4).

Para se trabalhar com essa tcnica preciso ter um mtodo que contemple a diversidade de temas e assuntos. Desse modo, Bray (1999) salienta o uso de diversos mtodos para dar suporte nessas investigaes, e o autor menciona o mtodo hermenutico, sociolgico e psicolgicos integrados para obter o conhecimento mais verdadeiro das questes. Junto a isso, o que deve estar presente a anlise da conjuntura, a importncia do momento social, poltico, cultural e histrico em que o autor vive e escreve sua obra. Geografia Clssica: Do mtodo indutivo -regional as tcnicas de observaohistrica Durante o perodo que compreendeu a escola clssica ou tradicional da Geografia, as influncias das correntes de pensamento alems e francesas predominaram nas bases tericometodolgicas dos estudos geogrficos. Pierre Monbeig teve grande participao na cincia geogrfica no Brasil, oriundo da Frana, o gegrafo em questo desempenhou um papel importante para a difuso do mtodo regional e das tcnicas utilizadas para esta metodo logia. Monbeig (1944a, p.9) faz algumas observaes sobre os mtodos cientficos nos estudos geogrficos, lembrando do mtodo histrico Basta citar a obra de Vidal de La

Blache e seus discpulos para avaliar -se o papel essencial que o esprito e o mtodo histrico devem desempenhar nos estudos e pesquisas geogrficas. O autor ao tratar sobre a interrelao da geografia humana e a histria cita Demangeon a geografia humana estuda as relaes entre as sociedades humanas e o meio no presente e no passado (1944a, p.9). Frana (1950) discute a influncia francesa de La Blache e a alem de Ratzel na geografia, e prope algumas definies e objetivos da geografia humana:Considerando, o homem como mergulhado no ambiente diverso e mutvel que a superfcie da Terra, a Geografia Humana vem firmando o seu campo, nos dias atuais, como uma Ecologia do Homem, no sentido amplo de equilbrio entre os indivduos e sociedades com os ambientes. (FRANA, 1950, p.5).

O autor considera o homem um ser biol gico, por isso a geografia humana tem que ser ecolgica, nessa linha de pensamento, Frana (1950) se fundamenta em Max Sorre4, O mtodo utilizado o das cincias biolgicas, consistindo na observao e experincia, o que modifica a posio indutiva to freqentemente assumida nos trabalhos geogrficos (p.8). Nesse momento, debatendo a formao do gegrafo, os mtodos e objetivos da geografia Silveira (1945) faz algumas consideraes. A respeito da formao do gegrafo, Silveira (1945) se preocupa com as questes metdicas nas pesquisas geogrficas. O autor j destaca a importncia da pluralidade metodolgica nos trabalhos geogrficos essa diversidade de escolas em interpretaes e mtodos tem que existir para que se no padronize exageradamente o racioc nio e a conquista dos gegrafos (1945,p.989).4 SORRE, Maximilien. Les fondements de La Gographie Humaine. Paris: Armand Colin, 19471949.

5 Ao mesmo tempo que Silveira (1945) critica o uso uniforme de mtodo na geografia, chama ateno ao uso indevido de mtodos e conhecimentos de outras reas do conhecimento:As fontes usadas apresentam mtodos diversos, e via de regra, visam objetivos que no so geogrficos. Os autores de tais fontes no sendo gegrafos em sua formao no aplicam mtodos geogrficos, e destarte, para a Geografia, suas concluses atingem, apenas, aspectos dos temas. (SILVEIRA, 1945, p.690).

Dessa forma, Silveira (1945) refora a necessidade do conhecimento metodolgico pelo gegrafo, afim de satisfazer os objetivos da cincia geogrfica:Acreditamos que, na formao de um pesquisador, o que se deve desejar a preparao de um especialista que possua conhecimentos do mtodo geogrfico em todo seu rigor e que seja capaz de, com segurana, atacar o que interessante para a Geografia. Reunir os dados bons, indicar lacunas para serem preenchidas, relacionar todas as fontes com o fito de fazer sentir o conjunto de uma regio, o equilbrio e evoluo de uma paisagem, j ter avanado muito, j estar em condies de prestar excelentes servios causa geogrfica. (SILVEIRA, 1945, p.690).

A obra de Sternberg (1946) elabora de forma didtica e ao mesmo tempo simplificada, quais os procedimentos que o gegrafo deve tomar para a real izao de um trabalho de campo, destacando as caractersticas da Geografia Clssica:Embora constitua uma simplificao, pode-se dizer que a essncia do autntico trabalho geogrfico consiste em (1) observar, (2) registrar (e, implicitamente, localizar), (3) descrever e delimitar e (4) correlacionar e explicar os elementos constituintes da paisagem. (STERNBERG, 1946, p.26).

Gottman (1949) debate sobre a dificuldade em criar um mtodo de anlise na geografia humana ressaltando a influncia dos mtodos aplica dos na geografia ecolgica e regional, na qual consiste em analisar os aspectos naturais e em seguida relacionar com os aspectos humanos. Com isso, existe uma carncia nas propostas metodolgicas em geografia humana:A matria humana principalmente quando reveste a forma coletiva e social, de uma fluidez extraordinria e os humanistas no dispunham de nenhum instrumento de anlise, comparvel aos que as cincias experimentais e matemticas tinham descoberto para penetrar nos segredos dos fenmenos da natureza. (GOTTMAN, 1949,p.133).

Acerca da concepo determinista alem na geografia humana, Gottman (1949) analisa tal influncia nos trabalhos geogrficos:Poucos gegrafos pensam hoje em tais termos. O mtodo geogrfico mantm-se fiel concepo demasiado puramente ecolgica, herdade de Frderic Ratzel. A ecologia , sem dvida, um instrumento preciosismo, mas dificilmente admite que o agente (sujeito) possa remodelar o meio, o que ,

6entretanto, prprio do homem e constitui o aspecto essencial da geografia humana. (GOTTMAN, 1949, p.135).

Gottman (1949) lembra da influncia francesa na geografia humana, mas critica tal utilizao do mtodo regional como principal meio de constituir uma disciplina cientfica:Introduziu Vidal de la Blache na geografia humana um primeiro sistema, formulando a definio do gnero de vida que permite um esboo de classificao. Todavia o gnero de vida apenas serve como instrumento de descrio, descrio racional, certo, mas em que a explicao ainda se limita a envolver e amparar a descrio, sem lograr libertar-se lhe e muito menos preced-la. O princpio do gnero de vida repousa no regionalismo; no conduz a nenhuma concepo geral. (GOTTMAN, 1949, p.134).

Ainda para Gottman (1949), essa dificuldade metodolgica na geogra fia humana se deve a mobilidade e dinmica social, cultural, religiosa e econmica da populao o que dificulta a quantificao dos resultados. Todavia, elenca alguns fatores positivos do mtodo regional os nicos princpios verdadeiramente gerais de que se serve a geografia humana, ainda so as noes de povoamento e de habitat. Noes vagas, mas implicando rico contedo funcional [...] seno em relao a sua extenso (Gottman, 1949, p.135). Nova Geografia: Mtodo funcionalista e sistmico, o espao geog rfico visto como

um sistema / geossistema Atravs da influncia das cincias biolgicas e naturais, o funcionalismo venho alcanar uma positividade prtica e metodolgica na Geografia (Bray, 1980). A relao entre organismo das cincias naturais e a organ izao do espao da Geografia fundamental para entender o mtodo funcionalista. Na obra Princpios de Geografia Humana La Blache faz a relao dos diferentes gneros de vida, nas quais habitam de forma harmnica e coerente, com a natureza, em uma organizao sistmica onde cada gnero ou modo de vida tm uma funo (Bray, 1980). Com relao idia de elemento e funo, o mtodo sistmico vem ao encontro do pensamento harmnico do espao geogrfico. A Teoria Geral de Sistemas 5 d sustentao a essa metodologia. A noo de paisagem presente nos estudos da Geografia Tradicional foi substituda pela noo de sistema espacial ou organizao espacial, compreendendo a estrutura dos elementos e os processos que respondem pelo funcionamento de qualquer e spao organizado Christofoletti (1976, p.13). Essa abordagem feita atravs da organizao espacial remete a uma escala varivel conforme a grandeza do sistema que se deseja analisar (1976, p.13). Nesse tipo de abordagem o gegrafo que determina seus e lementos e o universo que quer trabalhar, determinando as relaes entre o homem e o meio, numa relao harmnica. A utilizao de tcnicas estatsticas e matemticas se difundiram, alm do uso de aprimorado da cartografia atravs de fotografias areas e s ensoriamento remoto. Nessa corrente do pensamento, faz -se a sistematizao das informaes adquiridas atravs de bases estatsticas e quantificveis e modelar esses dados, configurando o real. Conforme Andrade (1987, p.107) essa escola do pensamento possui tais caractersticas:5

BERTALANFFY, L. von. Teoria Geral dos Sistemas. 2.ed. Petrpolis: Vozes, 1975.

7Esta corrente destacou-se por usar em larga escala os modelos matemticoestatsticos, desenvolvendo diagramas, matrizes e utilizando sempre a anlise fatorial e a cadeia de Markov. (...) Uma ala intitulou-se de Teortica, para quebrar qualquer vnculo com os trabalhos empricos, afirmando-se inteiramente comprometida com a reflexo terica. (ANDRADE, 1987, p.107).

A partir da dcada de 1960, a Geografia Agrria brasileira introduziu em seus estudos o mtodo sistmico, Jos Alexandre Felizola Diniz (1984) se fundamentou no mtodo neopositivista com abordagem sistmica (Esquema 2) proposto pela UGI 6 para elaborar suas pesquisas nesse perodo.

Esquema 2 - Sistema da Agricultura: subsistemas internos e externos, conforme a Comisso de Tipologia Agrcola. Fonte: Diniz (1984).

A abordagem sistmica tm sua utilizao mais freqente na Geografia Fsica, porm h estudos em Geografia Humana com essa base terico-metodolgico, mas sua aplicao muito mais difcil, pois envolve as relaes sociais e as dinmicas da sociedade, nas quais no esto em um sistema harmnico e hierarquizado. Geografia Crtica: Mtodo dialtico, materialismo histrico e tcnicas qualitativas Uma das caractersticas dessa corrente a anlise as contradies postas pelo modo de produo capitalista na sociedade, atravs de uma abordagem histrica e dialtica. A respeito do mtodo, Moraes (2005, p.131) ressalta a diversidade metodo lgica na Geografia Crtica esta apresenta um mosaico de orientaes metodolgicas bastante variado: estruturalista, existencialistas, analticos, marxistas (em suas vrias nuances), eclticos etc. aqui a unidade se esvanece (...) como nico trao comum, o discurso crtico. A contradio e o conflito so caractersticas bsicas do mtodo dialtico, conceituando esse mtodo Japiassu e Marcondes (1990, p. 167) dizem que procede pela refutao das opinies do senso comum, levando -as contradio, para chegar ento a verdade, fruto da razo.6

Unio Geogrfica Internacional criou uma classificao metodolgica atravs da Comisso de Tipologia Agrcola, criada em 1964, visando construir uma classificao dos tipos de atividades agrcolas no mundo.

8 Uma obra bsica dessa corrente de Quaini (1979), quando ele discute a utilizao das teorias e metodologias marxistas no estudo da Geografia, na qual a preocupao das conseqncias do capitalismo na sociedade devem estar nos objetivos da Geografia. Os elementos bsicos do pensamento dialtico esto na tese, anttese e sntese, onde a tese uma afirmao ou situao inicial, a anttese o conflito da tese. Desse conflito aparece a sntese, que uma condio nova que leva dentro de si elementos resultantes desse choque. A sntese transforma-se em uma nova tese, que se contrape com uma nova anttese criando uma nova sntese, num cenrio complexo e contraditrio. Sobre a importncia da histria na dialtica Demo (1985) ressalta que:O dinamismo histrico da realidade expresso em grande parte, por esta forma de viso, que admite ser ela um todo complexo, sempre com duas faces, como se fosse uma moeda; no h moeda com uma face s; mas, embora sendo duas, forma um todo. A polarizao traduz a idia de

dinmica e de contradio (DEMO, 1985, p. 88).

Dessa forma, a Geografia Crtica tem a tendncia a considerar o comportamento social como o resultado de um conjunto de elementos, alguns gerais e determinantes, outros particulares ou contingentes (Gomes, 1996, p. 275) . Para isso, alguns autores dessa corrente utilizam o mtodo dialtico que permite a passagem da imagem catica do real para uma estrutura racional, organizada e operacionalizada em um sistema de pensamento" Gomes (1996, p.281). Atravs do materialismo dialtico o conceito de espao social na Geografia Crtica ganha importncia, pois traduz a idia das contradies:(...) a dinmica social inscrita em um espao que , ao mesmo tempo, reprodutor de desigualdades e a condio de sua superao, o reflexo de uma ordem e um dos meios possveis para transformar esta mesma ordem; enfim, o espao faz parte da dialtica social que o funda (GOMES, 1996, p. 297).

Portanto, uma Geografia Crtica resgata uma dimenso histrica, alm da relao entre sujeito e objeto ser em dadas contraditoriamente na medida em que o sujeito se constri ele se modifica, em um movimento conflitante, onde o mtodo dialtico analisa a realidade, indo do real ao abstrato oferecendo um papel importante para o processo de abstrao.No materialismo histrico, o elemento bsico na produo cientfica, literria ou artstica que as criaes humanas, nos mais diferentes planos so expresses de uma viso do mundo e que as vises do mundo no so fatos individuais, mas sim fatos sociais (BRAY, 1999, p. 11).

Os mtodos utilizados na escola crtica vislumbram o social e seu processo histrico de formao, nesse sentido, as correntes tericas marxistas predominam no conjunto das pesquisas geogrficas. A ateno dada ao social, movimentos sociais to significativa que muitos gegrafos vo se debruar em obras de outras reas do conhecimento, como a sociologia, economia, histria, antropologia e filosofia. Geografia Plural: Diversidade e pluralidade metodolgica (Carncia Geogrfica ou Interdisciplinaridade?) 9 Aps a dcada de 1990 houve um aumento na produo geogrfica, e uma diversidade de temas, teorias, mtodos, conceitos e tcnicas empregados pelos gegrafos. Essa diversidade pode ser compreendida pela complexidade do espao geogrfico, conforme Edgar Morin (2005) que trabalhou com a tese da anlise sistmica e complexidade para os diversos fenmenos da natureza sendo de ordem (econmico, ambiental, cultural, social, etc) em sua obra O mtodo; a natureza da natureza e props que os elementos no devem ser analisados

de forma isolada uns dos outros e sim, analisados com suas inter -relaes, pois h uma complexidade organizada entre os elementos. Essa complexidade conjuga diversas reas do conhecimento, necessitando ao pesquisador um conheciment o de vrias disciplinas, nesse caso entra em debate a interdisciplinaridade ou a carncia geogrfica dos trabalhos? Uma dificuldade freqente para quem estuda sistemas complexos, como a Geografia, encontrar e adequar um mtodo para sua utilizao, pois s eu objeto de estudo est em constante transformao e inclui elementos humanos, fsicos e ambientais. Sobre essa diversidade metodolgica Oliveira Filho (1995, p.263) faz uma distino entre ecletismo e pluralismo metodolgico, considerando o primeiro como patologia metodolgica pode ser definido pelo uso de conceitos fora dos seus respectivos esquemas conceituais e sistemas tericos, alterando os seus significados. O uso indiscriminado de conceitos de diversas bases tericas, ou at mesmo de autores com posies tericas e metodolgicas totalmente opostas so caractersticas desse ecletismo. Oliveira Filho (1995, p. 264) deixa claro que o ecletismo deixa uma lacuna no que diz respeito a sua esteril idade intelectual explicitada e que:O ecletismo impede que o autor adote claramente uma postura tericometodolgica, a partir da qual possa incorporar outras contribuies conceituais, tipolgicas, classificatrias ou tericas em sentido forte, tendo grande dificuldade em apreender diferenas entre posies adotadas por autores e escolas com respeito s estratgias gerais de investigao (OLIVEIRA FILHO, 1995, p. 264).

Desta maneira, fica comprometido um estudo na qual se arma com uma diversidade terico-metodolgica, enquadrada no ecletismo, pois no corresponde em nenhuma vertente terica ou escola, fragilizando um debate mais aprofundado. Quando o autor escolhe e deixa explcito sua inteno em usar dois ou mais mtodos, entendendo que somente um mtodo no daria sustentao a investigao chamamos de pluralismo metodolgico. Essa sada terica caracterizada por Oliveira Filho (1995) em pluralismo interno e pluralismo externo, o primeiro pode cair em certo reducionismo ou uma incompatibilidade entre as cincias, j o segundo assinalado como:Pluralismo externo evitar os perigos do ecletismo metodolgico pela incorporao crtica de novas contribuies a uma postura terica e metodolgica inicial, que em constantes reelaboraes, fruto do intenso dilogo, determinar os caminhos, decises e apostas intelectuais (OLIVEIRA FILHO, 1995, p. 268).

Ainda sobre o pluralismo metodolgico Demo (1995, p.52) analisa as contribuies

dessa abordagem em Cincias Humanas:(...) o pluralismo, compreendido como componente da discutibilidade, parte integrante do processo de criao cientfica, porque funda o direito de divergir, o direito de produzir com originalidade, o direito de ser diferente, o direito alternativa. Monolitismo reproduz cincias oficiais, sempre

10medocres, porque no so chamadas a criar, mas a bajular (DEMO, 1995, p.52).

Na Geografia h uma dificuldade de obter um mtodo para a anlise da organizao do espao, dependendo do enfoque da pesquisa o uso de um pluralismo metodolgico uma alternativa para alcanar os objetivos propostos. Porm, para que isso seja alcanado, as pesquisas devem priorizar o entendimento da organizao do espao, objeto de estudo da Geografia. Consideraes Finais A dificuldade em encontrar um mtodo e tcnicas para a Geografia Humana um desafio para quem trabalha com o social, devido dinmica e a velocidade de transformaes que o espao social sofre. E nessa pequena apreciao sobre mtodos e tcnicas ficou evidente que o gegrafo tem a liberdade para selecionar seu aporte terico-metodolgico, bem como as tcnicas e materiais mais apropriados para sua investigao. Essa diversidade metodolgica na Geografia e a dualidade (humana x fsica) so situaes que tornam a cincia geogrfica complexa. A cerca das utilizaes de mtodos distintos na geografia fsica e humana, Alentejano e Rocha-Leo (2006) discorrem da seguinte forma:Vale destacar que o mtodo dialtico de investigao cientfica foi muito pouco aplicado ao estudo da natureza, sendo esse fortemente influenciado pelo mtodo positivista, que separa o sujeito do objeto, embora as anlises sistmicas em Geografia fsica tenham ajudado a problematizar as relaes entre o sujeito e o objeto. (ALENTEJANO e ROCHA-LEO, 2006, p.60).

A utilizao de um mtodo pr -determinado ou a idia de que uma teoria possa responder todas as perguntas e questes existentes na organizao do espao so equivocadas. As tcnicas que so meios para se chegar a um fim, devem estar de acordo com a fundamentao terico-metodolgica e por isso, a seleo de um mtodo no contempla essa diversidade tcnica e terica to vasta. Cabendo ao gegrafo fazer sua escolha em relao ao mtodo e tcnica, pois a complexidade do espao geogrfico profunda e deve ter cuidado para no cair em um reducionismo ou senso comum. Referncias ALENTEJANO, Paulo R. R. & ROCHA-LEO, Otvio M. Trabalho de campo: uma ferramenta essencial para os gegrafos ou um instrumento banalizado? p.51 -67. In: Boletim Paulista de Geografia , n.84, jul, 2006.

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