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•__CI_Ê_N_CI_A ~ ~ GEOLOGIA As praias perdidas E rosão e recuo do mar redesenham o litoral brasileiro FABRícIO MARQUES m julho de 1993, o Farol da Conceição cedeu à ação do mar e desabou em uma das praias de São José do Norte, no sul. do Rio Grande do Sul. A queda do farol é o resultado de uma batalha silenciosa que se desenrola há anos nesse municí- pio gaúcho de 27 mil habitantes, distan- te 350 quilômetros de Porto Alegre e cenário de lutas da Revolução Farroupilha no século 18. Ali, as águas do oceano Atlântico disputam espaço com a areia e avan- çam de modo sorrateiro sobre uma faixa de 30 quilô- metros de praias desertas de areia firme e escura. Cons- truído no início do século passado numa estreita faixa de terra entre o mar e a Lagoa dos Patos - a maior do país -, o Farol da Conceição ficava até os anos 40 a 80 metros do mar, guiando as embarcações que chegavam ao porto de Rio Grande. Só caiu por causa do processo de erosão natural, decorrente de ondas vigorosas que a cada ano consomem 3 metros de areia. Seu posto é hoje ocupado por outro farol, feito de alumínio e instalado no alto de uma duna. Exemplos como o de São José do Norte são mais co- muns do que se imagina. Cerca de três quartos do li- toral brasileiro encontra-se num processo constante de transformação, que torna a aparente estabilidade da si- 46 • OUTUBRO DE 2003 PESQUISA FAPESP 92

GEOLOGIA As praias perdidas€¦ · à beira-mar transferem a erosão para o terreno vizinho Dividido em 16 capítulos, o levan-tamento deve ser publicado até o final deste ano na

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Page 1: GEOLOGIA As praias perdidas€¦ · à beira-mar transferem a erosão para o terreno vizinho Dividido em 16 capítulos, o levan-tamento deve ser publicado até o final deste ano na

I•__ CI_Ê_N_CI_A ~ ~~

GEOLOGIA

As praiasperdidasE rosão e recuodo mar redesenhamo litoral brasileiro

FABRícIO MARQUES

m julho de 1993, o Farol da Conceiçãocedeu à ação do mar e desabou em umadas praias de São José do Norte, no sul.do Rio Grande do Sul. A queda do farolé o resultado de uma batalha silenciosaque se desenrola há anos nesse municí-pio gaúcho de 27 mil habitantes, distan-

te 350 quilômetros de Porto Alegre e cenário de lutasda Revolução Farroupilha no século 18. Ali, as águas dooceano Atlântico disputam espaço com a areia e avan-çam de modo sorrateiro sobre uma faixa de 30 quilô-metros de praias desertas de areia firme e escura. Cons-truído no início do século passado numa estreita faixade terra entre o mar e a Lagoa dos Patos - a maior dopaís -, o Farol da Conceição ficava até os anos 40 a 80metros do mar, guiando as embarcações que chegavamao porto de Rio Grande. Só caiu por causa do processode erosão natural, decorrente de ondas vigorosas que acada ano consomem 3 metros de areia. Seu posto é hojeocupado por outro farol, feito de alumínio e instaladono alto de uma duna.

Exemplos como o de São José do Norte são mais co-muns do que se imagina. Cerca de três quartos do li-toral brasileiro encontra-se num processo constante detransformação, que torna a aparente estabilidade da si-

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Vila do Cabeço, na foz do São Francisco: erosão destruiu as casasdo povoado e deixou dentro d'água o farol que antes ficava em terra firme

lhueta de nossos 8.000 quilômetros decosta uma referência apenas nos mapasescolares. Atualmente, 40% das praiassão fustigadas por algum processo ero-sivo e perdem terreno para o mar, en-quanto em 10% da costa brasileira ocorreo inverso - a areia avança sobre o oce-ano, um fenômeno chamado de progra-dação -, de acordo com as conclusõesdo primeiro levantamento nacional so-bre as alterações do perfil litorâneo.Segundo esse estudo, a erosão corróitambém um quarto dos paredões na-turais de rocha (falésias) e invade a de-sembocadura de 15% dos rios que de-ságuam no oceano. Em outros 15%dos casos a foz dos rios ganha espaçosobre o mar. Concluído recentemente,o Diagnóstico de Erosão e ProgradaçãoCosteira resulta de um esforço coletivode 16 grupos de pesquisa e mostra queo desaparecimento das praias em al-guns pontos e o crescimento das faixasde areia em outros ocorre com maiorou menor intensidade nos 17 estados

brasileiros banhados pelo Atlântico, de-pendendo da geografia local.

Esse levantamento indica não ape-nas os trechos mais afetados e os pontosmais suscetíveis à força das ondas, comoa região Nordeste, na qual as praias apre-

. sentam inclinação suave e facilitam ainvasão do mar. O diagnóstico faz ain-da um mapeamento detalhado das áreasem que a ocupação humana corroeu apaisagem e daquelas em que a trans-formação do litoral é obra da natureza.Por essa razão, deve orientar a criaçãode uma rede permanente de monitora-mento dos trechos de maior risco eauxiliar na elaboração de normas queimponham limites mais rigorosospara a construção de casas e condomí-nios à beira-mar. "A fixação desses li-mites depende da velocidade de recuoda costa e do monitoramento das áreasde risco", comenta o geógrafo DieterMuehe, pesquisador da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ) ecoordenador geral do levantamento, fi-

nanciado pela Secretaria da Comissãolnterministerial para os Recursos doMar (Secirm).

Segundo Muehe, a adoção de reco-mendações adota das pelo Ministériodo Meio Ambiente, como não construira menos de 50 metros da praia em áreasurbanas e a distâncias inferiores a 200metros nas regiões ainda não ocupa-das - algo que não se observou até hojeem boa parte dos municípios costei-ros -, evitaria problemas como os en-frentados em 2001 pela população daBarra de Maricá, no litoral norte do Riode Janeiro, onde uma tempestade pôsabaixo um conjunto de casas construí-das na faixa de areia. Esse trecho da cos-ta tluminense se encontra numa área emque o emagrecimento da faixa de areiaé cíclico - em um ano as águas tomama praia, que se recupera no ano seguin-te. Sem respeitar os limites impostospelo oceano, os proprietários recons-truíram as casas e ergueram muros dedefesa na areia, mutilando a paisagem.

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Murosà beira-martransferema erosãopara o terrenovizinho

Dividido em 16 capítulos, o levan-tamento deve ser publicado até o finaldeste ano na forma de atlas, com mapasdos trechos avaliados de cada estado. ORio Grande do Sul, com um litoral defácil acesso para os pesquisadores, éo estado que melhor es-quadrinhou sua orlamarinha e reuniu infor-mações coletadas du-rante os últimos 80 anossobre os 640 quilôme-tros da costa gaúcha. Jáo Maranhão, na regiãoNordeste, e o Pará, naNorte, dispõem apenasde informações mais re-centes sobre as condi-ções das praias, carênciaque dificulta a compre-ensão de como esses fenômenos evo-luem no tempo.

O jogo de avanços e recuos do ocea-no remodela a costa brasileira desdeque a América do Sul começou a se se-parar da África há 130 milhões de anos.É um fenômeno natural determinadopela energia das ondas e as característi-cas geológicas das praias, que orientamas correntes marinhas e o transporte deareia, a exemplo do que se observa emSão José do Norte. Também é assim nolitoral norte do Rio de Janeiro, em umtrecho de 50 quilômetros entre CaboFrio e Saquarema, na restinga de Mas-sambaba. Ali, um Atlântico de águasmuito azuis - e também geladas, mes-mo sob sol intenso - consumiu 6 metrosde praias e dunas de areia fina e brancade abril de 1996 a agosto de 2002. Comoa região é praticamente deserta, a ero-são só foi identifica da porque os pes-quisadores da UFRJ já monitoravam aregião nesse período.

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Intervenção danosa - O estudo deta-lha o impacto da intervenção humana eé motivo de alerta. Em diversos pontosdo litoral, a erosão e seu reverso, a pro-gradação, surgem ou são agravadas pelaintervenção na natureza. A construçãode um cais ou de um canal para nave-gação altera o ciclo de transporte desedimentos e faz a areia acumular-se deum lado dessa barreira artificial e fal-tar do outro. No porto gaúcho de RioGrande, dois paredões de pedras (mo-lhes) de 3,5 quilômetros de compri-mento, erguidos dentro do mar paraproteger a navegação, mudaram o per-

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fil da praia do Cassino. Considerada amais extensa praia do planeta com seus245 quilômetros de extensão, a praia doCassino tornou-se ainda maior: en-gordou 450 metros desde 1947. Maisao norte da barreira artificial, a praia

do Mar Grosso cumpreo destino oposto e vemencolhendo num ritmode 1,4 metro por anonum trecho de quatroquilômetros. É algo se-melhante ao que ocorreem Ilhéus, no sul da Ba-hia, onde a construção deum porto provocou ero-são severa nas praias aonorte e acúmulo de areianas praias ao sul.

A situação de alertanão significa, porém, que toda a costase encontre ameaçada. As praias enso-laradas - e cercadas por coqueiros noNorte e no Nordeste ou rodeadas pormorros no Sul e no Sudeste - não de-vem desaparecer, embora se transfor-mem com a ação do mar. Por hora, osefeitos da erosão são mais graves emtrechos restritos, localizados sobre-tudo em áreas urbanizadas, alvo de es-peculação imobiliária recente comoem Matinhos, balneário situado a 111quilômetros ao sul de Curitiba, no Pa-raná. Antes imperceptível para a po-pulação, a erosão que atinge 6 quilô-metros de praia começou a gerarincidentes com o avanço da especula-ção imobiliária no litoral nos últimosanos. Em maio de 2001, uma ressacadestruiu 19 casas erguidas na areia dapraia em loteamentos irregulares, dei-xando 50 famílias desabrigadas. A so-lução mais eficaz - e óbvia - é respeitara natureza e construir a uma distânciasegura do nível de maré alta. Em vezdisso, apela-se para paliativos, como aconstrução de muros, que podem causarresultado desastroso. "Os muros trans-ferem a erosão para o terreno vizinho,destroem a paisagem e desvalorizamos imóveis", comenta o geólogo Ro-dolfo José Angulo, do Laboratório deEstudos Costeiros da Universidade Fe-deral do Paraná, que monitora a ero-são em Matinhos, cidade apelidada deNamorada do Paraná.

No balneário paranaense, o pro-blema se agravou por causa da urbani-zação mal planejada, que removeu asdunas da praia, uma proteção natural

contra as ressacas - uma praia tem trêspartes fundamentais: a zona de quebradas ondas, a praia seca e um acúmulode areia, conhecido como duna fron-tal. Em Saquarema, no litoral norte doRio de Janeiro, a remoção das dunaspara construção de uma estrada foi cas-tigada pelo mar. A rodovia ruiu apósduas décadas de erosão. Muehe contaque a prefeitura local, "num ato de in-sistência possivelmente inócua", ater-rou novamente o local e reconstruiua estrada à beira-mar. De modo ge-ral, a falta de planejamento urbanoinduz ou mesmo acentua os danos daerosão.

Os efeitos da interferência humanasobre o comportamento do mar nãodecorrem apenas de obras realizadas naspraias ou próximas ao litoral. Barragenserguidas a centenas de quilômetros dacosta, em rios que deságuam no mar, in-terrompem o processo natural de trans-porte de sedimentos para as praias. Coma escassez repentina de areia dos rios, asondas do mar deixam de enfrentar asbarreiras naturais e invadem com maisfacilidade as praias. Um exemplo extre-mo desse fenômeno ocorreu no povoa-do de Vila do Cabeço, 140 quilômetrosao sul de Aracaju, em Sergipe, na foz dorio São Francisco. Em 1998, as ondasvarreram esse povoado de 50 famílias.Antes em terra seca, o farol da Marinhaconstruído no final do século 19 en-contra-se hoje dentro d'água, em con-seqüência do processo de erosão asso-ciado à escassez de sedimentos.

Sabe-se também que as desem-bocaduras de grandes rios sãoregiões naturalmente instá-veis. De acordo com Mue-he, esses ecossistemas sofrem

erosão e progradação em proporçõesequivalentes (15% delas apresentamdesgaste e 15%, acréscimo), em espe-cial na costa do Paraná e de Santa Ca-tarina. Os dois fenômenos podem ain-da conviver numa mesma foz. É o quese vê, por exemplo, em Ilha Comprida,no litoral sul de São Paulo, onde a de-sembocadura do rio Ribeira de Igua-pe se desloca lentamente para o sul pelaforça das areias. "É comum que o em-bate entre a energia das ondas e a forçados rios mude lentamente a configu-ração de praias", diz José Maria Lan-dim Dominguez, do Instituto de Geo-ciências da Universidade Federal da

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São Luís - Bancosde areia migramem direção à praia.

Ponta do Tubarão - O mar alcançoupoços de petróleo antesa 800 metros da praia.

Fortaleza - Umquebra-mar provocaerosão nas praiasa oeste da cidade.

Guamaré - A erosão expôstubulações de gáse óleo instaladas a1,5 metro de profundidade.

São Bento e Caiçara do Norte - A erosãodestruiu duas ruas e casas nos últimos 30 anos.

Paulista - Praia do Janga perdeu10 metros de areia devido a obrascontra a erosão em Olinda.

Recife - Ocupaçãoda orlana praia de Boa Viagem geraacúmulo de areiaao norte e erosão ao sul.

Vila do Cabeço - Barragens no rioSão Francisco agravaram a erosão,que destruiu o povoado em 1998.

Belmonte - A orla avançou 500 metrossobre o mar na foz do rio Jequitinhonha.

Porto de Ilhéus - Obras no porto causaramerosão nas praias ao norte e acúmulo de areia ao sul.

Caravelas - Em 40 anos, a linha da costarecuou 200 metros em 15 quilômetros de praias.

Atafona - Na foz do rio Paraiba do Sul,a erosão pôs abaixo um quarteirão de casas.

Barra de Maricá - O mar consomeas praias e derrubou

casas à beira-mar em 2001.

Saquarema - Na praia de Ponta Negra,uma rodovia ruiu por causa do avanço do mar.

'-------- São Vicente - Construção de emissário submarinoagravou erosão na praia do Gonzaguinha.

Ilha Comprida - Acúmulo de areia desloca foz do rio Ribeira de Iquape para o sul.

1iI~~r-----------------São José do Norte - A erosãoderrubou o Farol

da Conceição em 1993.

Balneário do Hermenegildo - A erosão destruiu 30 casas.

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Porto deSuape, ao sulde Recife,fez o maravançar sobreáreas urbanas

Bahia (UFBA) e responsável pelos ca-pítulos do levantamento referentes aosestados da Bahia, Sergipe e Paraíba.

Ameaçadora em boa parte da cos-ta, a ação do oceano nem sempre geradanos. Em alguns casos, o caprichodas ondas produz situa-ções curiosas. No litoralnorte de São Paulo, trêspraias vizinhas do mu-nicípio de Ubatuba apre-sentam característicascompletamente diferen-tes. Uma delas, a de Su-nunga, recebe ondas vio-lentas vindas do sul e éalvo de um processoconhecido como rotaçãopraial, na qual há alter-nância de erosão e depo-sição nos extremos das praias, con-forme estudo conduzido por MichelMichaelovitch de Mahiques, pesqui-sador do Instituto Oceanográfico daUniversidade de São Paulo (USP), e adoutoranda Cristina Célia Martins. Ogrupo do Oceanográfico, integrado porMoysés Gonsalez Tessler, autor do ca-pítulo paulista do levantamento, quecontou com apoio da FAPESP, estáprocurando entender com precisão osprocessos de erosão e reconstituiçãonatural das praias do Estado de SãoPaulo. "O importante não é detectarunicamente a erosão, mas avaliar o ba-lanço de sedimentos que entram e saemda praia." Ao lado de Sununga, comsua areia grossa e mar bravo, encon-tra-se a praia do Lázaro, bem mais cal-ma, protegida do impacto direto dasondas por uma baía e um costão ro-choso. Em seguida, vem a praia de Do-mingas Dias, plácida e com areia fina.

o impacto do porto - De toda a costa,as áreas mais suscetíveis à erosão estãona região Nordeste, onde as praias ori-ginalmente padecem de escassez deareia causada pela falta de rios capazesde abastecer o mar com sedimentos.Em Pernambuco, um dos estados maisafetados por esse problema, cerca deseis em cada dez praias dos 187 quilô-metros de costa cedem terreno para omar. Na capital do estado, o Porto deRecife, com 3,4 quilômetros de exten-são, deslocou os efeitos da erosão paraOlinda, uma cidade vizinha 8 quilô-metros ao norte. É uma interferênciaque agrava a situação do historicamen-

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te vulnerável litoral pernambucano,afetado pela escassez de sedimentos ecarente de dunas naturais que dete-nham o avanço do mar.

Os primeiros registros de erosãono estado remontam a 1914 e foram

agravadas principalmen-te pelas obras do porto,que alterou as correnteslitorâneas que atingemOlinda. Em 1953, foramencomendados estudosao Laboratoire Dau-phinois d'HydrauliqueNeyrpic, em Grenoble,na França, que recomen-dou a construção dequebra-mares próximoao porto, numa área emque não existem recifes

naturais, comuns na região. Dessemodo, as faixas de areia na cidade pra-ticamente desapareceram, substituídaspor muralhas de pedras erguidas contraa força das ondas. Mas o que se conse-guiu foi transferir a erosão para a cos-ta mais ao norte, chegando até a cida-de de Paulista, a 16 quilômetros doRecife, onde a poluída praia de Iangaemagreceu 100 metros nos últimosdez anos. Uma situação parecida com aque se observa a partir dos anos 80 emFortaleza, no Ceará, após a construçãode um quebra-mar ter bloqueado o flu-xo de sedimentos e causado erosão naspraias a oeste da cidade.

Nas últimas décadas, a erosão no li-toral pernambucano só piorou -corn aconstrução de prédios, estradas e diquessobre as praias. Na praia de Boa Viagem,uma das mais conhecidas do Recife, omar engoliu cinco metros da faixa de

praia, em 20 anos. "E a tendência é pio-rar': adverte o geólogo Valdir Manso,do Laboratório de Geologia e GeofísicaMarinha da Universidade Federal dePernambuco (UFPE), que monitoracontinuamente 15 pontos da costa per-nambucana. A intervenção humana napaisagem, com a construção do porto deSuape no município de Ipojuca, 40quilômetros ao sul do Recife, interrom-peu o fluxo de sedimentos e amplifi-cou o problema. Como conseqüência,o mar avançou sobre áreas urbaniza-das, como a praia de Toquinho, onde osproprietários de mansões à beira-maroptaram por erguer muralhas de ro-chas na areia na tentativa de manter omar distante. Com a consultoria daUFPE, a prefeitura de Ipojuca elaborouum projeto de R$ 5 milhões destinadoa proteger a orla com a construção deum dique de proteção a 200 metrosmar adentro.

Entender por que uma praiaperde ou ganha areia não éfácil mesmo para os pes-quisadores - o que se temclaro são os efeitos desses

fenômenos. No litoral do Rio Grandedo Norte, o desgaste ameaça poços depetróleo que, na década de 80, haviamsido instalados a 800 metros da praiano campo petrolífero de Macau-Serra,próximo à Ponta do Tubarão. Preven-tivamente, esses poços à beira-mar fo-ram circundados por muros de conten-ção. Na maré alta, a água chega até eles.Em Guamaré, cidade produtora de pe-tróleo e gás natural a pouco mais deduas horas de carro de Natal, dutos eemissários submarinos instalados a 1,5

Avaliação Multitemática doTransporte de Sedimentos em umAmbiente Praial: Praia da Sununga,Ubatuba, Estado de São Paulo

OS PROJETOS

Atlas de Erosão e ProgradaçãoCosteira do Litoral Brasileiro

MODALIDADEPrograma de Geologia e GeofísicaMarinha

COORDENADORDIETER MUEHE - UFRJ

INVESTIMENTOR$ 47.000,00 (Secirrn)

INVESTIMENTOR$ 163.920,67 (FAPESP)

MODALIDADELinha Regular de Auxílioa Pesquisa

COORDENADORMICHEL MICHAELOVITCHDE MAHIQUES- Instituto Oceanográfico/USP

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metro de profundidade encontram-sehoje à flor da terra. Em um estudo fi-nanciado pela Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Supe-rior (Capes), pelo Fundo Setorial doPetróleo e Gás Natural (CTPetro) e aPetrobras, a equipe da geóloga Heleni-ce Vital, do Laboratório de Geologia eGeofísica Marinha e MonitoramentoAmbiental da Universidade Federal doRio Grande do Norte, descobriu queuma convergência de fatores provocaerosão nessa parte do estado. De umlado, os rios que drenam a região são depequeno porte e não fornecem sedi-mentos em quantidades significativase, para piorar a situação, alguns delesforam represados. De outro, as caracte-rísticas tectônicas da plataforma pro-duzem áreas com rebaixamento do ter-reno, criando o mesmo efeito que umaelevação do nível do mar. Nos municí-pios de São Bento e Caiçara do Norte,as praias recuaram 250 metros nos últi-mos 30 anos.

Já o mistério da destruição do Fa-rol da Conceição, no Rio Grande doSul, só foi desvendado com uma aná-lise do movimento das ondas. Consta-tou-se que elas são mais fortes e car-regam mais energia que nas praiasvizinhas. O fundo do oceano funcionacomo uma lente que aumenta a ener-gia das ondas no ponto erodido. A sín-drome é conhecida como efeito foco."Como não havia urbanização, a causasó podia ser natural", diz Lauro Cal-lia ri, pesquisador do Laboratório deOceanografia Geológica da FundaçãoUniversidade Federal de Rio Grande.

Projeções internacionais sugeremque o nível do mar pode subir de 40 a 50centímetros nos próximos cem anos."Ninguém sabe ainda se isso realmen-te acontecerá, mas convém tratar o as-sunto com seriedade, uma vez que ofundo do mar próximo à costa temuma declividade baixa", diz Muehe.Uma elevação de 50 centímetros nonível do Atlântico poderia consumir

100 metros de praia, em regiões comoo Norte e o Nordeste. Mesmo o litoralsul de São Paulo poderia sofrer, apesarde resguardado por planície de até 25quilômetros de extensão entre o mar ea serra. Quem ignora essa possibili-dade desdenha a dinâmica do mar.Sabe-se que, nos últimos 120 mil anos,o nível do mar oscilou muitas vezes,em decorrência de fenômenos climáti-cos. Há 17 mil anos, o oceano voltou asubir após ter descido mais de 100 me-tros devido ao período glacial, fazendocom que a linha de costa se situasse adezenas de quilômetros defronte à linhade costa atual. Há 5.100 anos, o marsubiu e seu nível ficou 4 metros acimado atual. Ninguém aposta numa novaglaciação capaz de afetar o nível domar nas próximas gerações, mas comcerteza sai menos caro monitorar ocomportamento do litoral e estabele-cer faixas de proteção do que esperarpelo pior e mais tarde reconstruir asbordas das cidades costeiras. •

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