GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS: UMA BREVE · PDF fileA Geometria Hiperbólica Plana nasce então com dois pais: o húngaro Janos ... estudando inclusive as identidades trigonométricas

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  • GEOMETRIAS NO-EUCLIDIANAS: UMA BREVE INTRODUO

    Elias Santiago de Assis*

    Resumo

    A concepo de Geometria apresentada na educao bsica tem sua origem na

    Antiguidade e est arraigada de influncia euclidiana. Embora grande parte dos

    livros didticos e at mesmo a maioria dos professores de Matemtica do ensino

    fundamental priorizem os aspectos intuitivos da Geometria (em detrimento da

    estrutura sistemtica formatada em axiomas e proposies), o desenvolvimento

    terico desse ramo da Matemtica continua imerso na herana grafada por Euclides

    em sua obra Os Elementos. verdade que da antiguidade at os dias de hoje, o

    homem passou por diversas transformaes, alterando seu modo de enxergar a si

    mesmo e ao universo. Entretanto, determinados conhecimentos ou saberes

    matemticos atravessaram milnios, consagrando-se como verdades absolutas

    intransponveis. Mas, ser mesmo? Ser, por exemplo, a Geometria de Euclides a

    nica a descrever as demandas e possibilidades do universo? O mini-curso proposto

    visa analisar os desdobramentos do quinto axioma de Euclides, questionar o

    absolutismo dessa Geometria e estudar as principais caractersticas da Geometria

    Hiperblica.

    Palavras-chave: Axioma das Paralelas; Geometria Hiperblica; Os Elementos de Euclides.

    Os Elementos de Euclides

    Na Matemtica, os resultados incontestveis e que servem de base para o

    desencadeamento de uma teoria so chamados de axiomas ou postulados. A partir

    deles abre-se caminho para o surgimento de novos resultados e idias que precisam

    ser demonstrados de forma lgica e consistente. No cabe apenas o resultado

    emprico-experimental. Uma cincia como a Matemtica no pode correr o risco de

    cair por terra devido a incompatibilidades do seu sistema axiomtico. Era exatamente

    essa a compreenso do clebre matemtico Euclides de Alexandria.

    Professor Assistente da Universidade Federal do Recncavo da Bahia, UFRB.

  • Por volta de 332 a. C., o conquistador Alexandre, o Grande, expande seus

    domnios e funda a cidade de Alexandria, no Egito. Esta cidade, desde a sua

    fundao, foi concebida para ser o grande centro intelectual e cosmopolita da poca.

    Acontece que naquele perodo os homens do saber residiam quase que em sua

    totalidade em Atenas, na Grcia. Era em Atenas que se localizava o Museu de Plato,

    unidade intelectual equivalente s universidades de hoje. Ali estavam os mais

    importantes matemticos, filsofos e fsicos ento existentes. Assim, para dar vida

    aos propsitos de Alexandria e alimentar o Museu criado na cidade, o militar

    Ptolomeu I, sucessor de Alexandre, convida o matemtico (provavelmente grego)

    Euclides para assumir o departamento de Matemtica daquela Academia. Ao aceitar

    o pedido, Euclides movimenta a produo matemtica de Alexandria ao reunir na

    obra Os Elementos todo o conhecimento matemtico da poca. Euclides foi

    praticamente um compilador, reunindo em seu trabalho resultados de lgebra

    elementar, teoria dos nmeros e, principalmente, geometria. At hoje esta obra de

    Euclides, composta por treze livros, continua sendo utilizada e difundida pelo

    mundo. Partindo de conceitos primitivos (isto , ponto, reta e plano), de um grupo de

    axiomas e de algumas definies, o matemtico grego apresenta a Geometria atravs

    de um conjunto de afirmaes passveis de demonstraes s quais denominamos

    proposies ou teoremas. O curioso que para criar essa estrutura axiomtica,

    Euclides utiliza apenas cinco axiomas. Os quatro primeiros foram facilmente aceitos

    pela comunidade matemtica, mas o mesmo no se pode dizer do ltimo. Sobre esta

    obra de Euclides, afirma Eves (EVES, 1994, pg. 167) que nenhum trabalho, exceto

    a Bblia, foi to largamente usado ou estudado e, provavelmente, nenhum exerceu

    maior influncia no pensamento cientfico.

    O Axioma das Paralelas

    O quinto postulado de Euclides, conhecido atualmente como Axioma das

    Paralelas (denominao devida ao matemtico escocs Jonh Playfair), foi, desde a

    sua criao, alvo de crtica e contestao. Para muitos matemticos, aquilo que

    Euclides considerava um axioma no passava de uma proposio, podendo ser

    provado a partir dos axiomas anteriores.

    Numa verso mais contempornea, esse axioma diz que por um ponto fora de

    uma reta pode-se traar uma nica paralela reta dada. A questo evidenciada no

  • era a validade deste resultado, mas a sua classificao como axioma. Iniciou-se ento

    uma batalha no sentido de provar o Axioma das Paralelas. Batalha essa que

    perpassou sculos, provocando, aguando e inquietando matemticos do mundo

    inteiro. Ao longo dessa histria, as controvrsias em torno do quinto postulado deram

    margem ao surgimento de um universo curioso e duvidoso. Trata-se do nascimento

    de outras geometrias diferentes daquela proposta por Euclides, obtidas a partir da

    negao do quinto postulado.

    Grande o nmero de matemticos envolvidos nessa trama provocada pelo

    Axioma das Paralelas. Por questo de tempo e espao, nos limitaremos a citar apenas

    alguns deles. Segundo Andrade (ANDRADE, 2008, pg. 7), a busca pela

    contestao do modelo absoluto para o espao passou a ser uma obsesso e no

    tardou a surgir candidatos ao Panteo.

    As tentativas fracassadas

    Os primeiros matemticos que se colocaram diante do desafio de provar o

    referido axioma foram: Proclus Diadochus, o persa Nasir Edin e o ingls Jonh

    Wallis. Os trs se equivocaram ao utilizar em suas respectivas provas um resultado

    equivalente ao quinto postulado. Um tempo depois, entre os sculos XVII e XVIII, o

    jesuta italiano Giovanni Girolano Saccheri se debruou em torno dessa questo.

    Detentor de um grande conhecimento de lgica, o padre Saccheri criou um

    quadriltero (conhecido como quadriltero de Saccheri) o qual possua dois ngulos

    retos e dois lados opostos de mesmo comprimento. Sua idia era provar, a partir dos

    quatro primeiros axiomas, que os outros dois ngulos do quadriltero tambm eram

    retos. Isso era equivalente a provar o quinto postulado. Todavia, Saccheri s

    conseguiu mostrar que os outros dois ngulos eram congruentes. Em sua busca,

    obteve alguns resultados da Geometria No Euclidiana, os quais, por no

    compreend-los, considerou abominveis. A verdade que Saccheri no conseguia

    conceber a existncia de outro tipo de Geometria. Esse excelente logicista perdeu a

    oportunidade de ser coroado como o pai da Geometria Hiperblica Plana, nome dado

    Geometria No Euclidiana em questo.

    Se Saccheri tivesse suspeitado que no tinha chegado a uma contradio,

    simplesmente porque no havia contradio para ser encontrada, a

  • descoberta da Geometria no euclidiana teria ocorrido quase um sculo

    antes. Seu trabalho admirvel e, retirados o final e alguns pequenos

    defeitos, o resto uma prova inequvocada de que Saccheri possuiu

    grande intuio geomtrica e profundo conhecimento de lgica.

    (BARBOSA, 2008, p. 26).

    Em meados do sculo XVIII, o parisiense Adrien-Marie Legendre entrou na

    discusso. No conseguiu provar o Axioma das Paralelas, mas destacou-se por

    demonstrar diversos resultados da Geometria Plana de forma rpida e clara. Com seu

    estilo simples e direto, renovou as bases da Geometria. Demonstrou com bastante

    elegncia o resultado j conhecido de que a soma das medidas de dois ngulos

    internos quaisquer de um tringulo menor que 180. Tambm merecem louvores,

    as tentativas do francs Jean DAlembert. Este matemtico trabalhou em torno de um

    quadriltero com trs ngulos internos retos. Tentou mostrar que o mesmo ocorreria

    com o quarto ngulo, mas no obteve xito.

    Provavelmente estava faltando um matemtico mais ousado, com

    pensamentos futuristas, capaz de compreender a complexidade de se tentar

    demonstrar o quinto postulado de Euclides. Aps duas dcadas de tentativas, o

    matemtico alemo Carl Friedrich Gauss convenceu-se de que o Axioma das

    Paralelas no era uma proposio. Mais que isso, o prncipe dos matemticos (como

    Gauss atualmente reconhecido), foi o primeiro a perceber claramente a

    possibilidade de haver uma geometria igualmente lgica e precisa, contudo diferente

    daquela proposta por Euclides. Entretanto, por medo da Igreja que adotava a

    Geometria Euclidiana como a nica e absoluta, Gauss preferiu se calar. Afinal, a

    inquisio era o presente recebido pelos desafetos da Igreja na poca.

    O nascimento de uma nova Geometria

    Longe dos ambientes intelectualmente viciados, um jovem hngaro, Janos

    Bolyai, resolveu substituir o Axioma das Paralelas por uma de suas negaes. Ao

    admitir que por um ponto fora de uma reta passam pelo menos duas retas paralelas

    reta dada, Janos descobre a Geometria Hiperblica Plana. Encantado com sua

    descoberta, ele comunica a novidade a seu pai, o matemtico Farkas Bolyai. Janos

    diz ao pai que do nada havia descoberto um universo maravilhoso e igualmente

    estranho. Farkas apresenta os resultados de seu filho a Gauss, o qual recebe a notcia

  • com certo descrdito afirmando que ele mesmo j havia vislumbrando os mesmos

    resultados h bastante tempo. Curiosamente, outro matemtico, o russo Nikolai

    Lobachewski, sem manter contato algum com Janos, descobre os mesmos resultados

    que ele. A Geometria Hiperblica Plana nasce ento com dois pais: o hngaro Janos

    Bolyai e o russo Nikolai Lobachewski. Este ltimo, ao contrrio do primeiro,

    continuou suas pesquisas nessa rea, estudando inclusive as id