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3 Centro Universitário de Belo Horizonte O CONFLITO TÂMIL NO SRI LANKA: RELAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS E CARÁTER TRANSNACIONAL Geraldine Rosas Belo Horizonte Dezembro, 2006

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Centro Universitário de Belo Horizonte

O CONFLITO TÂMIL NO SRI LANKA :

RELAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS E

CARÁTER TRANSNACIONAL

Geraldine Rosas

Belo Horizonte

Dezembro, 2006

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GERALDINE ROSAS

O conflito tâmil no Sri Lanka: relações transfronteiriças e caráter

transnacional

MONOGRAFIA APRESENTADA AO CURSO DE

GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE, UNI-BH.

ORIENTADOR: LEONARDO RAMOS

BELO HORIZONTE

2006

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GERALDINE ROSAS O CONFLITO TÂMIL NO SRI LANKA : RELAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS E

CARÁTER TRANSNACIONAL .

MONOGRAFIA APRESENTADA AO CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES

INTERNACIONAIS DO CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE, UNI-BH. BELO HORIZONTE, 2006

___________________________________ LEONARDO RAMOS (ORIENTADOR) – UNI-BH

___________________________________ DANNY ZAHREDINNE – UNI-BH

___________________________________ RODRIGO TEIXEIRA – UNI-BH

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 03 1 CONTEXTUALIZAÇÃO GEOHISTÓRICA ....................................................... 09 1.1 CONTEXTO GEOPOLÍTICO ........................................................................................... 09 .1.1 Aspectos geográficos........................................................................................... 09 .1.2 Sociedade.............................................................................................................. 15 .1.3 Economia.............................................................................................................. 18 .2 CONTEXTO HISTÓRICO ............................................................................................... 19 .2.1 Antecedentes do conflito (até 1948) ................................................................... 19 .2.2 O surgimento do nacionalismo étnico (1948-1982)........................................... 22 1.2.3 A guerra civil e seus desdobramentos (1983-2006)........................................... 26 2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 32 2.1 A DIMENSÃO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS INTERNOS ......................................... 32 2.2 GLOBALIZAÇÃO , CONFLITO E ATORES NÃO ESTATAIS ................................................ 40 2.3 A LÓGICA DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA TRANSNACIONAL ........................................... 45 3.4 A DIÁSPORA TÂMIL ...................................................................................................... 48 3 O CONFLITO TÂMIL NO SRI LANKA E A LÓGICA DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA

TRANSNACIONAL ............................................................................................ 52 3.1 A MOBILIDADE DE BENS E CAPITAL ............................................................................... 52 3.2 A MOBILIDADE DE IDÉIAS , INFORMAÇÕES E IDENTIDADE ............................................ 62 3.3 A MOBILIDADE DE PESSOAS........................................................................................... 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................74 REFERÊNCIAS.................................................................................................. 79

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INTRODUÇÃO

A problemática dos focos de tensão, mais especificamente os conflitos, é tema de

constantes análises no campo das relações internacionais. Os conflitos podem ser

internacionais ou internos, motivados por uma série de aspectos como diferenças étnicas,

religiosas ou políticas e podem envolver situações como ocupação de territórios, oposição

de grupos guerrilheiros, busca pela independência de determinadas regiões, dentre outras.

Esse trabalho tem como objeto de análise o conflito tâmil no Sri Lanka, notadamente, o

caráter transnacional e as relações transfronteiriças que o envolvem.

O conflito no Sri Lanka gira em torno de uma minoria étnica (tâmil) que busca a

independência do resto do país, onde prevalece a etnia cingalesa. O povo tâmil se identifica

através de uma cultura particular, de uma língua própria e de uma mesma religião, o

hinduísmo. A luta pela constituição de um Estado autônomo é levada à frente pelos Tigres

de Libertação da Pátria Tâmil, um grupo guerrilheiro que controla a região onde vive a

maior parte da população tâmil. (Stokke & Ryntveit, 2000)

Em linhas gerais, os primeiros confrontos começaram quando o cingalês foi

decretado o idioma oficial do país, em 1956. Uma série de outros acontecimentos e

políticas governamentais discriminatórias fomentaram a revolta da minoria. Em 1983, 13

soldados cingaleses foram mortos por militantes tâmeis e, a partir de então, foi deflagrada

uma enorme onda de violência. Cerca de 3.000 tâmeis foram mortos e 150.000 fugiram do

país, caracterizando a chamada diáspora tâmil1. O desenvolvimento do conflito pode ser

divido em três períodos principais: a fase anterior à independência, ocorrida em 1948

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(antecedentes); o período marcado pelo surgimento do nacionalismo étnico (1948-1983) e o

período que se estende até os dias de hoje marcado, sobretudo, pela guerra e pelas

tentativas de negociações de paz (Fernando, 2005).

Dessa forma, este trabalho pretende identificar as relações transfronteiriças e a

dimensão transnacional do conflito no Sri Lanka. Parte-se do pressuposto de que conflitos

internos, embora só envolvam o Estado em questão, possuem um caráter que vai além das

fronteiras estatais (Brown, 1996). Acredita-se que esses conflitos não estão limitados

apenas ao âmbito do Estado pois envolvem grupos externos, financiamento internacional e

relações com fenômenos transnacionais como o tráficos de armas e de drogas (Gunaratna,

1997).

Sendo assim, esta pesquisa buscará identificar as relações existentes entre o

movimento separatista no Sri Lanka e outros Estados, grupos guerrilheiros, comunidades de

diáspora, dentre outros, analisando como se dão essas relações e sob que aspectos elas se

sustentam como cooperação, financiamento, apoio. Pretende-se, ainda, averiguar as origens

dessas relações e perceber se existem pontos que unem o movimento de separação tâmil a

outros grupos, notando as razões dessas articulações, que podem estar baseadas em laços

étnicos, religiosos, políticos ou outros.

Esse trabalho visa, também, compreender a lógica dessas articulações e a finalidade

delas para uma projeção internacional, percebendo como o movimento de separação se

sustenta (tanto no âmbito financeiro, político, quanto ideológico). Não é possível, contudo,

escapar do objetivo básico de apresentar o conflito e sua história dando a devida ênfase ao

1 No capítulo 2 a dispersão tâmil será abordada a fim de caracterizá-la como diáspora.

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caráter transnacional do mesmo e buscando perceber a complexidade do tema para as

relações internacionais2.

Essa pesquisa se torna relevante já que são poucos os trabalhos que relacionam as

questões concernentes à segurança e os processos de globalização (Barkawi, 2004). Os

movimentos separatistas e os conflitos que decorrem a partir deles são, geralmente, tratados

como conflitos internos e analisados apenas sob a perspectiva estatal. O caráter

transnacional desses movimentos e as relações deles além das fronteiras estatais não são

consideradas, possivelmente, em virtude do interesse dos Estados que sofrem com esses

conflitos de evitar interferências da sociedade internacional em suas querelas internas.

A importância em perceber a dimensão transnacional e a existência de relações

transfronteiriças se encontra, também, na possibilidade de notar um dos aspectos pelos

quais conflitos internos, como o conflito tâmil, dificilmente podem ser solucionados pelo

Estado. É interessante perceber como esses conflitos não limitam sua atuação ao campo

nacional e como esse processo se acelera com a globalização. Diversos aspectos

influenciam a dinâmica do conflito no espaço, como os grupos minoritários espalhados pelo

mundo, o tráfico internacional de drogas e armas e o apoio proveniente de diferentes

Estados. (Adamson, 2005b; Bruderlein, 2000)

O caso do Sri Lanka foi escolhido por ser pouco contemplado pelos estudos

internacionais no Brasil e por ser palco de um conflito que vem se arrastando por mais de

20 anos, tendo gerado cerca de 60 mil mortos desde 1972. Além disso, um cessar-fogo

deveria estar em vigor desde 2002 mas a partir de abril de 2003 as negociações, mediadas

2 Mary Kaldor (1999), por exemplo, aponta que existe um novo tipo de guerra, new wars, que geralmente estão relacionadas a Estados autoritários sob o impacto da globalização. São guerras lutadas por redes de atores não estatais, forças não regulares. Nessas guerras as batalhas são raras e a violência é , geralmente, direcionada a alvos civis. As razões se baseiam, sobretudo, em divergências de identidade (étnicas, religiosas)

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pela Noruega, estão estagnadas e as hostilidades continuam na Pátria Tâmil, que

corresponde a cerca de um terço do território do Sri Lanka. Além disso, o LTTE (Tigres de

Libertação da Pátria Tâmil) é conhecidos por possuírem uma bem constituída rede de

articulação transnacional3, inclusive já utilizada para promover atentados como o que

matou o Primeiro Ministro indiano Rajiv Ghandhi, em 1991.

Com o intuito de analisar o conflito e perceber a forma como ele perpassa as

fronteiras do Sri Lanka, esse trabalho estará dividido em 3 capítulos. O primeiro capítulo

tratará de contextualizar o país através de um viés geohistórico. Serão abordados aspectos

geográficos como localização, clima, relevo e recursos naturais, caracterizando, também, a

geografia do território conhecido como Pátria Tâmil. Será mostrado, ainda, como se divide

a sociedade do Sri Lanka, levantando os dados populacionais, os grupos étnicos, as línguas

faladas e em quais regiões, bem como as religiões predominantes. Nesse momento, serão

ressaltadas as diferenças entre tâmeis e cingaleses, a fim de perceber como essas etnias

estão inseridas na sociedade. Na seção que segue serão enfatizados os aspectos econômicos

do Sri Lanka, demonstrando as bases da economia do país e os dados econômicos

fundamentais, assim como a relação entre as transformações econômicas e o conflito.

Na segunda parte do capítulo 1, será feita uma retrospectiva histórica sobre o

conflito com o objetivo de evidenciar suas origens, o seu desenvolvimento e a conjuntura

atual. Para tanto, serão apontados os antecedentes do conflito, o período anterior à

independência da ilha em relação à colonização européia. Será relatada a luta pela

descolonização e as disputas pelo poder entre tâmeis e cingaleses. Em seguida, será

trabalhado o período em que é considerado o surgimento do nacionalismo étnico, quando o

e o financiamento dessas novas guerras se assenta em saques, no comércio ilegal e em outros tipos de renda gerada pelo conflito. 3 Diversas fontes, dentre elas: Byman et al. (2001), Wayland (2004), Chalk (2000), Tekwani (2006).

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cingalês é decretado o idioma oficial e uma série de políticas discriminatórias faz com que

ocorram as primeiras revoltas e, consequentemente, os primeiros confrontos entre os dois

grupos étnicos. Por fim, será retratada a fase marcada pela guerra, pelas negociações de paz

e pelos acontecimentos mais recentes.

O capítulo 2 conterá o referencial teórico para que seja possível analisar o conflito e

as suas relações com fenômenos transnacionais. Em primeiro lugar, será discutida a

contribuição trazida por Michael E. Brown (1996), acerca dos conflitos internos, suas

causas e a dimensão internacional que eles possuem. Posteriormente, buscar-se-á

contextualizar a discussão feita nesta pesquisa em meio ao estudo das Relações

Internacionais, evidenciando a relevância em abordar o caráter transnacional dos conflitos

internos. Em seguida, será enfocada a “lógica da mobilização transnacional”, cunhada por

Fiona Adamson (2005b), na tentativa de utilizá-la para compreender de que forma o

conflito tâmil no Sri Lanka vai além das fronteiras da ilha. Para possibilitar uma maior

compreensão acerca da diáspora (um dos elementos fundamentais para a

transnacionalização do conflito), serão apontadas contribuições a esse respeito, a fim de,

ainda, caracterizar a dispersão tâmil.

No capítulo 3, o presente trabalho buscará demonstrar a dimensão transnacional do

conflito e as diversas relações transfronteiriças que o envolvem. Seguindo a lógica da

mobilização transnacional, o capítulo final estará dividido em três seções. A primeira delas

retratará o impacto da circulação de bens e capital para a sobrevivência da insurgência

encabeçada pelo LTTE. Em seguida, serão trabalhados os fluxos de informações, idéias e

identidade e a relevância deles para o conflito. Por fim, será abordada a influência da

mobilidade de pessoas e a forma como a permeabilidade das fronteiras pode conferir a um

conflito interno uma dimensão transnacional.

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Dessa forma, o objetivo é chegar a considerações relevantes para os estudos

internacionais no que tange ao conflito no Sri Lanka e no que diz respeito às relações que o

envolvem. Vale mencionar que, para facilitar a compreensão, todas as vezes que o termo

cingalês aparece, ele se refere à etnia cingalesa embora, na língua portuguesa, este termo

também indique a nacionalidade de quem nasce no Sri Lanka. Sempre que aparecerem o

nome de grupos ou partidos do país, serão mantidas as siglas que os identificam em inglês,

apenas com o propósito de que o leitor possa melhor identificá-las em leituras futuras.

É necessário, finalmente, fazer uma consideração acerca das fontes utilizadas nesta

pesquisa. Todos os dados, adiante apresentados, foram retirados de artigos e outros tipos de

publicações científicas. Embora nenhum deles sejam frutos de pesquisas de campo ou

entrevistas diretas (dados primários), acredita-se na relevância deste trabalho embora ele

não apresente informações inéditas. Tendo em vista a ausência de pesquisas brasileiras, no

campo das relações internacionais, sobre o conflito tâmil no Sri Lanka, considera-se válido

analisá-lo mesmo que com base em dados secundários.

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1 CONTEXTUALIZAÇÃO GEOHISTÓRICA

1.1 CONTEXTO GEOPOLÍTICO

1.1.1 Aspectos geográficos

A República Social Democrática do Sri Lanka é uma ilha localizada no sul asiático

e que se encontra a 29 km da costa indiana, ou seja, cerca de 1 hora de distância em barco

(Gunaratna, 1997). É banhada pelo Oceano Índico e possui uma costa de 1,340 km4. A

superfície terrestre corresponde a 65,610 km². A capital é Colombo, cidade que possui

cerca de 2 milhões de habitantes5 e está localizada na porção sudoeste da ilha. As

principais cidades, além da capital, são Dehiwala-Mount Lavinia, Moratuwa e Jaffna. Sri

Jayewardenepura Kotte é considerada a capital administrativa. A ilha está separada do

subcontinente indiano pelo Golfo de Mannar e pelo Estreito de Palk, como demonstra o

mapa abaixo.

4 https://www.cia.gov/cia/publications/factbook/, acessado em 08 de maio de 2006. 5 http://www.statistics.gov.lk/census2001/index.html, acessado em 03 de abril de 2006.

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Mapa 1: Sri Lanka Fonte: http://www.lib.utexas.edu/maps/sri_lanka.html.

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O Sri Lanka possui um clima ameno devido aos ventos oceânicos e a uma

considerável umidade. A temperatura média no país como um todo varia entre 26º C e 28º

C. Janeiro é o mês mais frio e maio o mais quente. O nível de chuva é influenciado pelos

ventos oriundos do Oceano Índico e da baía de Bengala. O clima é marcado por quatro

estações: maio a outubro, quando os ventos do Oceano Índico elevam a umidade relativa do

ar; outubro e novembro, quando são comuns chuvas no norte, leste e sul, podendo ocorrer

ciclones tropicais; dezembro a março, período caracterizado por ventos vindos do norte que

trazem a umidade da baía de Bengala e março até meados de maio quando há ventos

diversos. (Federal Research Division, 1989)

A ilha pode ser divida em três zonas de acordo com a elevação do terreno: as altas

terras centrais, as planícies e a faixa litorânea. A região centro-sul do Sri Lanka, ou as terras

altas, está em um elevado planalto e inclui algumas das montanhas mais altas do país. A

maior parte da superfície, entretanto, consiste em planícies que estão entre 30 e 200 metros

acima do nível do mar. A erosão nos cumes proporcionou que essas áreas se

transformassem em um solo rico e propício para a agricultura. A ilha é cercada por uma

faixa litorânea que está 30 metros acima do nível do mar. Grande parte da costa

corresponde a praias de areia cênica recuadas por lagoas litorâneas. No nordeste e sudoeste

da ilha é possível encontrar precipícios rochosos, baías e pequenas ilhas e essas condições

criaram um dos melhores portos naturais do mundo, em Trincomalee. (Federal Research

Division, 1989)

Os rios do Sri Lanka nascem nas altas terras centrais e são, em sua maioria, curtos.

Os fluxos de alguns deles foram alterados para criar hidroelétricas, sistemas de irrigação e

transporte. No norte, leste e sudeste do país, eles abastecem lagos artificiais e reservatórios

de água para a estação seca. A disponibilidade ou não de água é uma questão que define a

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condição de vida no Sri Lanka6. As montanhas e a região sudoeste são consideradas “zonas

molhadas” pois recebem uma grande quantidade de chuva. O sudeste, leste e norte fazem

parte da “zona seca”, como demonstra o mapa abaixo. A ilha possui recursos naturais como

o calcário, grafite, areias minerais, pedras preciosas, fosfato e barro. (Federal Research

Division, 1989)

Mapa 2: Zonas climáticas no Sri Lanka Fonte: http://www.fao.org/DOCREP/005/AC629E/AC629E11.gif

A Pátria Tâmil corresponde à porção norte e leste do Sri Lanka e é o território em

torno do qual o movimento separatista tâmil reivindica a independência. Ela abrange 8

6 Um estudo aprofundado sobre os recursos hídricos no Sri Lanka é feito em Water Vision 2025: Sri Lanka - Water Resources Unit of the Lanka International Forum on Environment and Sustainable Development (LIFE-WRU), disponível em http://www.iwmi.cgiar.org/srilanka/WaterVision.pdf, acessado em 24 de abril de 2006.

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distritos e é onde vive grande parte da população tâmil (Stokke & Kirsti, 2000).

Atualmente, os Tigres de Libertação controlam a parte norte da região que compreende a

península de Jaffna, considerada a capital da Pátria Tâmil. Nessas regiões, o grupo

insurgente exerce um governo de facto, focando questões de segurança interna e externa e

enfatizando, também, aspectos sociais e de desenvolvimento econômico (Stokke, 2006)

Com exceção de algumas reservas de pedra calcária na península, a área não possui muitos

recursos naturais (Federal Research Division, 1989). Uma das maiores particularidades da

região está na relevância do porto de Trincomalee, que possui uma posição estratégica pois

permite o acesso à Baía de Bengala. Os mapas abaixo apontam a localização da Pátria

Tâmil (mapa 3) e a distribuição de recursos minerais (mapa 4).

Mapa 3: A Pátria Tâmil (Tamil Eelam) Fonte: http://www.tamilcanadian.com

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Mapa 4: Recursos minerais da Pátria Tâmil

Fonte: http://www.tamilcanadian.com

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1.1.2 Sociedade

O Sri Lanka possui uma população de, aproximadamente, 20 milhões de habitantes7.

Durante o século XIX a população da ilha era pequena e concentrada no sudeste e norte. O

crescimento populacional, no início do século XX, ocorreu em função de ondas de imigrantes

oriundos do sul da Índia. Milhares de tâmeis foram trazidos pelos britânicos para trabalharem nas

plantações. Eles foram responsáveis por cerca de 40% a 70% do crescimento populacional desse

período. Atualmente, a taxa de crescimento anual corresponde a 0,78% e a população se

concentra nas “zonas molhadas” e nos centros urbanos na costa da Península de Jaffna8.

Desde a independência, em 1948, o país observou quatro ondas migratórias. A primeira

delas diz respeito ao grande número de pessoas que deixaram as áreas rurais e foram para as

cidades. A segunda onda migratória ocorreu durante a década de 1970 e transformou centros

urbanos concentrados em subúrbios dispersos. Colombo, por exemplo, perdeu habitantes para

cidades vizinhas no Distrito de Colombo. A terceira onda se deu em função de projetos do

governo de irrigação que atraíram fazendeiros das “zonas molhadas” para assentamentos nas

áreas secas. Por último, o conflito entre tâmeis e cingaleses deslocou muitas pessoas nas décadas

de 1970 e 1980. Após a intensificação das hostilidades, em 1983, cerca de 100.000 tâmeis

fugiram para a Índia, onde vivem em campos de refugiados no estado de Tamil Nadu, por

exemplo. (Sriskandarajah, 2004)

A população do Sri Lanka pode ser dividida em grupos étnicos marcados, essencialmente,

por distinções lingüísticas e religiosas. O maior grupo étnico é composto pelos cingaleses, que

representam 73,8% da população. Os tâmeis são o segundo maior grupo e podem ser divididos

entre tâmeis oriundos da Índia ou do próprio Sri Lanka. Juntos eles perfazem um total de 8,5% da

7 http://www.cia.gov/cia/publications/factbook/, acessado em 08 de maio de 2006.

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população, embora já tenham sido 18% dela. Os muçulmanos são cerca de 7% da população e

são provenientes da Índia, da Malásia ou da própria ilha. Resta, ainda, mencionar o grupo étnico

constituído por europeus ou descendentes, chamados de burghers. Eles geralmente professam o

cristianismo e vivem em áreas urbanas, correspondendo a menos de 1% da população9.

A língua é um dos elementos cruciais de identificação dos grupos étnicos. O cingalês é o

idioma oficial do país e é falado por 74% da população, sobretudo, cingaleses. O tâmil é falado

por 18% da população do Sri Lanka, incluindo os muçulmanos que falam um tipo de tâmil árabe.

O idioma também é falado por algo em torno de 40 milhões de pessoas em Tamil Nadu (sul da

Índia), além de outros estados indianos vizinhos e entre emigrantes tâmeis espalhados ao redor do

mundo. Como será visto adiante, o reconhecimento do idioma tâmil já representou um importante

papel na história do conflito. (Devota, 2005)

A religião é, também, um elemento importante de identificação entre os grupos étnicos.

De acordo com o censo de 200110, 69,1% da população é budista e 7,1% hinduísta, havendo

ainda muçulmanos, cristãos e outros. Em 1988, 93% dos cingaleses eram budistas e 99.5% dos

budistas falavam o idioma cingalês (Federal Research Division, 1989). Os rituais, literatura e

folclore cingaleses estão baseados na singularidade do budismo no Sri Lanka e na relação entre a

cultura, a política e a religião. O budismo cingalês é caracterizado por uma fusão de vários

elementos religiosos em um único sistema cultural. A religião possui um papel importante na

vida política do país já que o Sri Lanka é definido como um defensor oficial do budismo.

Assim como o budismo representa um elemento de identificação entre os cingaleses, o

hinduísmo vincula o povo tâmil. Cerca de 80% dos tâmeis do Sri Lanka e 90% dos tâmeis

indianos são hindus. O hinduísmo reúne crenças e práticas de diversas religiões. No Sri Lanka,

8 http://www.statistics.gov.lk/census2001/index.html, acessado em 03 de abril de 2006. 9 http://www.cia.gov/cia/publications/factbook/, acessado em 08 de maio de 2006 10 http://www.statistics.gov.lk/population/index.htm, acessado em 05 de abril de 2006.

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especialmente, ele está relacionado ao sistema cultural do estado indiano de Tamil Nadu. A

principal fonte da religião é o Vedas, uma compilação de hinos oriundos do norte da Índia. Eles

são datados de 1.500 a.C. e caracterizam a mais antiga literatura sul-asiática. (Federal Research

Division, 1989)

O hinduísmo é marcado por diversos deuses presentes em mitos, lendas e estilos de

adoração. Um dos principais deuses hindus é o Vishnu que possui mais de dez encarnações,

dentre elas a Rama e a Krishna. A segunda principal divindade, e o mais importante deus para os

tâmeis, é Siva. Ele é o rei dos animais e é visto por seus adoradores como um criador cósmico

que irá salvar as criaturas quando elas se renderem ao seu amor. Além dos principais deuses,

existem uma série de seres divinos subordinados aos quais são atribuídos símbolos. Cada vila,

por exemplo, possui o seu deus protetor que conta com estórias e lugares sagrados. (Seneviratne,

2005)

Como já foi colocado, tâmeis e cingaleses compõem grupos étnicos distintos. Eles se

diferenciam por meio da língua, da religião, da cultura e das tradições. Salvo algumas exceções,

os cingaleses falam o idioma cingalês e são budistas. Os tâmeis falam tâmil e crêem nos deuses

hindus. Os grupos étnicos geralmente estão concentrados em determinadas regiões do país:

tâmeis indianos nas terras altas, tâmeis do Sri Lanka na península de Jaffna e em distritos do

norte e leste e cingaleses especialmente nos distritos do sul. A capital, Colombo, é composta por

uma maioria cingalesa mas compreende parcelas substanciais da população tâmil, muçulmana e

burgher. (Stokke & Kirsti, 2000; Devota, 2005)

As comunidades étnicas, geralmente, vivem em vilas distintas e nas cidades habitam

bairros diferentes. O fato da educação ser ministrada na língua tâmil ou cingalesa faz com que

haja separação até entre as crianças. A segregação étnica é reforçada pelo temor de que a posição

dominante de determinado grupo venha a ameaçar o sistema cultural, lingüístico e religioso da

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minoria. Os cingaleses são maioria no país mas temem o apoio da população de Tamil Nadu que,

somada à população tâmil no Sri Lanka, equivale a cerca de quatro vezes a quantidade de

cingaleses. Há, ainda, o fato de que os cingaleses são o único grupo no mundo a falar o idioma e

a professar a variação do budismo em que eles crêem. Ao mesmo tempo, a etnia tâmil, minoria na

ilha, não tem certeza do apoio indiano e já experimentou várias restrições na vida social em razão

do governo cingalês. (Federal Research Division, 1989)

1.1.3 Economia

O PIB do Sri Lanka equivale a U$ 87.15 bilhões. A agricultura responde por 17.7%, a

indústria por 27.1% e os serviços por 55.2% dos rendimentos do país. Os setores mais dinâmicos

da economia são o alimentício e o têxtil. Os principais produtos são arroz, cana de açúcar, chá,

grãos, borracha, coco, leite, ovos, carne e peixe, produzidos essencialmente no sul. No norte a

agricultura se baseia em produtos como bananas e cebolas, utilizados sobretudo para subsistência.

A indústria gira em torno do processamento da borracha, do chá, coco e tabaco, além de

indústrias de telecomunicação, têxteis, de refino de petróleo e bancos. Na pauta de exportações

estão, sobretudo, produtos têxteis, chá, diamantes, esmeraldas, rubis, produtos feitos de coco,

manufaturas da borracha e peixe. O país importa produtos minerais, petróleo, maquinário e

equipamentos de transporte. 11

A moeda é a rúpia cingalesa e U$1 equivale a, aproximadamente, 100.000 rúpias. Uma

parte da população do Sri Lanka (em torno de 700.000 pessoas) vive em outros países e as

remessas enviadas contribuem com U$1 bilhão ao ano (Cheran & Aiken, 2005)12. O turismo é

outra fonte de renda, entretanto, os tsunamis (2004) devastaram grande parte da costa e

11 http://www.cia.gov/cia/publications/factbook/, acessado em 08 de maio de 2006.

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resultaram em um prejuízo de cerca de U$1,5 bilhão, além dos mais de 30.000 mortos e 440.000

deslocados13. O turismo na região também sempre esteve vulnerável aos acontecimentos relativos

ao conflito e às notícias sobre atentados a bomba.

Em 1977, o Sri Lanka abandonou as políticas econômicas estatais e se voltou para um

comércio orientado para as exportações. A liberalização beneficiou a produção no sul, mas

depreciou o preço dos produtos do norte, piorando as condições de vida da maioria da população

tâmil. As restrições no bem-estar social da população tâmil podem ser consideradas fatores que

contribuíram para o agravamento do conflito (Korf, 2005). A partir do início da década de 1980,

apesar da guerra no país, percebe-se que a economia do Sri Lanka apresentou crescimento. Isso

se deve, de maneira geral, à reforma econômica, à expansão da indústria bélica e conseqüente

aumento das oportunidades de emprego, além de que a militarização da ilha proporcionou um

autoritarismo governamental capaz de conter todo tipo de revolta contra as reformas econômicas.

(Venugopal, 2003)

1.2 CONTEXTO HISTÓRICO

1.2.1 Antecedentes do conflito (até 1948)

Quando os portugueses chegaram à ilha (por volta de 1505), encontraram três reinos

estabelecidos: um tâmil em Jaffna e dois cingaleses em Kotte e Kandy. O rei de Kotte deu

permissão para que os portugueses construíssem, em Colombo, um posto para fins comerciais.

Em pouco tempo os portugueses perceberam a importância da ilha (então chamada de Ceilão)

12 No capítulo 3 essa questão será abordada em referência ao financiamento do conflito. 13 Os tsunamis foram ondas gigantes que devastaram o Sri Lanka. Informações diversas sobre o impacto das ondas no país podem ser encontradas em http://www.lankalibrary.com/news.htm.

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para o comércio com as Índias. Devido à turbulências políticas internas, o reino de Kotte foi

dominado e em 1619, o reino de Jaffna foi anexado aos domínios europeus. Nesse momento,

apenas o reino de Kandy, o símbolo remanescente do poder budista cingalês, ainda não estava

sob controle estrangeiro. Portugal passa os próximos cinqüenta anos tentando, em vão, dominar

toda a ilha. (Wilson & Chandrakanthan, 199-)

No início do século XVII os alemães chegaram ao Ceilão e iniciaram negociações com o

rei de Kandy. Um acordo foi firmado para que os alemães ajudassem o reino na luta contra as

ofensivas portuguesas, em troca da garantia de monopólio dos principais produtos comerciais da

ilha, especialmente a canela. Em 1639, os alemães retomam os portos de Trincomalee e Baticaloa

e os devolveram aos cingaleses. Contudo, quando eles retomaram os portos de Galle e Negombo,

em 1640, os alemães se recusaram a entregá-los ao rei. Após uma série de confrontos, Portugal

entrega Colombo e Jaffna, em 1658. Percebendo que havia trocado um inimigo por outro, o Rei

de Kandy incitou uma rebelião contra o domínio alemão, em 1664. Fato é que essa rebelião

apenas gerou mais instabilidade e os alemães conseguiram ampliar seus domínios,

monopolizando totalmente o comércio. Posteriormente, em 1796, os britânicos tomaram o porto

de Trincomalee, após os alemães terem negado o acesso de navios britânicos ao porto. Apesar da

promessa de que o Ceilão seria devolvido à Alemanha, em 1797, Londres decidiu tornar a ilha

uma possessão britânica. (Federal Research Division, 1989)

Em 1815, o reino de Kandy foi palco de uma guerra interna. Após a interferência dos

britânicos, foi firmado um tratado que decretou que as províncias do reino seriam trazidas sob

controle britânico, contanto que elas continuassem a ser governadas de acordo com as leis e

instituições budistas. Com a consolidação da soberania britânica sob Kandy, toda a ilha passou a

estar debaixo de um único governo, algo que não acontecia desde o século XII. Em 1829, foi

enviada uma comissão britânica para avaliar a administração do país. A Comissão Colebrooke-

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Cameron trabalhou buscando por fim à divisão administrativa em torno de diferenças étnicas e

culturais. Ela propôs que o país fosse administrado através de sistemas uniformes e que contasse

com a participação de tâmeis e cingaleses no governo. Apesar dessas recomendações, os

britânicos continuaram a ocupar os altos postos da administração colonial.

Já no século XX, no período da I Guerra Mundial, a propaganda aliada acerca da

liberdade e autodeterminação dos povos, começou a despertar, no Ceilão, sentimentos

nacionalistas. Os nacionalistas perceberam que deveriam deixar de lado as disputas partidárias e

formaram, em 1919, o Congresso Nacional do Ceilão, que reuniu as maiores organizações

políticas tâmeis e cingalesas. Apesar do CNC ter conseguido a presença de membros não oficiais

no Conselho Legislativo, em 1921, o fundador do Congresso, um tâmil, o abandona alegando que

o CNC estava apenas representando interesses cingaleses. Um passo maior em busca da

independência é dado quando, em 1931, uma comissão real promulga a Constituição

Donoughmore, que visava permitir ao Ceilão um governo próprio, embora o nível mais alto de

responsabilidade do governo continuasse sob controle britânico. A partir daí, foram surgindo

partidos políticos organizados como o Grande Conselho Cingalês, fundado em 1937 visando

restaurar o governo budista; a Associação Política Burgher; o Congresso Indiano do Ceilão; o

Congresso Tâmil do Ceilão, além de outros partidos de direita. (Wilson & Chandrakanthan, 199-)

Quando Singapura foi tomada pelos japoneses, durante a II Guerra Mundial, a ilha do Sri

Lanka se tornou uma base de operações fundamental para os britânicos. Apesar do país ter sido

colocado debaixo de uma jurisdição militar durante a guerra, ele se beneficiou pois atendeu as

demandas aliadas por produtos essenciais, por exemplo a borracha. Uma série de negociações

ocorreu durante esse período e culminaram no Ato de Independência do Ceilão em 1947,

formalizando a transferência de poder. Nesse mesmo ano foi fundado o Partido Nacional Unido

(UNP) que incluía o Congresso Nacional do Ceilão e vários outros partidos. O UNP venceu as

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eleições de 1947 e em 4 de fevereiro de 1948 uma nova constituição entra em vigor, fazendo do

Ceilão um Estado independente. (Federal Research Division, 1989)

1.2.2 O surgimento do nacionalismo étnico (1948-1982)

Um dos primeiros problemas étnicos, após a independência, surgiu com o Ato de

Cidadania de 1948, através do qual mais de um milhão de tâmeis indianos, em geral

trabalhadores rurais, deixariam de ter direito à cidadania do país. No ano seguinte, o Congresso

Tâmil do Ceilão se dividiu e uma facção formou o Partido Federal (Tâmil) que pregava uma

postura mais agressiva diante dos cingaleses e a autonomia das regiões tâmeis no norte e leste.

Divisões aconteceram, também, em meio ao UNP e em 1951 S.W.R.D. Bandaranaike fundou o

Partido Liberdade do Sri Lanka (SLFP), o primeiro partido não marxista de oposição ao UNP.

(Stokke & Kirsti, 2000)

Os problemas econômicos se agravaram nos anos seguintes e ocorreram movimentos de

desobediência civil, às vezes agressivos, devido ao fim do subsídio para plantação de arroz

(Abeyratne, 2004). A perda do apoio da população fez com que o UNP perdesse as eleições de

1956 e Bandaranaike saiu vencedor após uma campanha que prometia defender a cultura

cingalesa. O SLFP divulgou acusações de conspiração entre o UNP e a Igreja Católica Romana,

afirmando que o budismo estava em perigo. No aspecto econômico, o governo de Bandaranaike

prometeu nacionalizar plantações, bancos e companhias de seguro. Ele pregava que o controle do

comércio e das indústrias deveria estar em mãos cingalesas. O dia das eleições coincidiu com o

2.500º aniversário da morte de Buddha, o que contaminou a atmosfera política.

Um aspecto fundamental do governo eleito em 1956 foi o Ato da Língua Oficial,

conhecido como Sihala Only, que decretou o cingalês como único idioma oficial do país. A

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população tâmil se envolveu em protestos não violentos que resultaram em um acordo entre

Bandaranaike e o líder do Partido Federal. O acordo previa autonomia para as províncias do norte

e leste, bem como a utilização do idioma tâmil nas questões administrativas. O pacto previa,

ainda, que logo seriam tomadas medidas em relação à cidadania dos tâmeis indianos, entretanto,

o acordo não foi efetivado pois o clero budista protestou e o denunciou como uma traição ao

povo budista-cingalês. (Seneviratne, 2005)

Em maio de 1958 o rumor de que um cingalês havia sido assassinado por um tâmil

desencadeou revoltas de âmbito nacional e centenas de pessoas (a maioria tâmeis) morreram. O

governo declarou estado de emergência e forçosamente deslocou mais de 25.000 refugiados

tâmeis das áreas cingalesas. A situação se agravou em 1959 quando o Primeiro Ministro

Bandaranaike foi assassinado por um extremista budista. Quem assumiu foi o então Ministro da

Educação que dissolveu o parlamento meses depois. O UNP venceu as eleições em 1960,

assumindo o poder Dudley Senanayake. O governo dele durou apenas alguns meses pois o UNP

foi acusado de ser um partido contrário aos interesses nacionalistas cingaleses. (Fernando, 2005)

Em julho de 1960, Sirimavo Bandaranaike, a viúva do Primeiro Ministro assassinado e

lançada pelo SLFP foi eleita. Um de seus primeiros atos oficiais foi enfatizar o cingalês como

único idioma do governo. As reações tâmeis foram manifestas em forma de desobediência civil e

a reposta governamental veio por meio da declaração do estado de emergência e da proibição das

atividades políticas tâmeis. A Primeira Ministra nacionalizou setores significativos da economia e

firmou acordos de importação de petróleo com a URSS, Romênia, Egito e outros países, até

então, não envolvidos comercialmente com o país. Para concorrer as eleições de 1965, o UNP se

aliou ao Partido Federal e ao Congresso dos Trabalhadores do Ceilão (representando tâmeis

indianos) e lançou uma campanha baseada na “força da democracia” para combater o

totalitarismo. Liderado por Senanayake, o UNP venceu e buscou atender tanto a tâmeis quanto a

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cingaleses. O governo valorizou a cultura cingalesa trocando um feriado cristão por um budista,

ao passo que, também, regulamentou o tâmil como idioma paralelo nas regiões norte e leste. Os

cingaleses reagiram com violência civil enquanto, mais uma vez, o governo declarava estado de

emergência. (Devota, 2005)

Para as eleições de 1970, Sirimavo Bandaranaike formou uma coalizão (Fronte Unido –

UF) para combater o UNP. O programa de governo prometia mudanças estruturais que incluíam

reforma agrária, aumento dos subsídios para o cultivo do arroz e nacionalização dos bancos locais

e estrangeiros. O Fronte Unido acusou o UNP de se aliar aos partidos tâmeis e prometeu adotar

uma nova constituição que fizesse do país uma república, além de devolver ao budismo o seu

papel na política. O UF venceu as eleições mas, dentro de poucos meses, perdeu o controle sobre

os grupos de direita (Abeyratne, 2004).

Em março de 1971 o Fronte de Libertação do Povo (JVP)14, um grupo composto por

jovens cingaleses e fundando em 1967, lançou uma ofensiva para tomar o poder. Confrontos

ocorreram em distritos do sul, centro-sul e centro-norte, mas o governo reprimiu o movimento e

aprisionou a liderança e cerca de 16.000 suspeitos de insurgência. A estimativa foi de que houve,

aproximadamente, 1.200 mortos. Nesse mesmo ano, o Ministro da Educação introduziu cotas

para admissão nas universidades que reduziram os lugares que poderiam ser ocupados pelos

tâmeis. (Fernando, 2005)

A nova constituição foi promulgada em maio de 1972 e, nesse momento, o Ceilão se

tornou uma república e foi renomeado como Sri Lanka. A Constituição Republicana favorecia a

população cingalesa, efetivava o budismo como a religião do país e não continha elementos de

federalismo. Dois novos grupos surgiram como expressão da insatisfação da comunidade tâmil.

O primeiro, o Fronte Tâmil Unido, reunia grupos de interesses e partidos legais e visava a

14 O movimento é conhecido pela sigla em cingalês JVP (Janatha Vimukthi Peramuna).

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autonomia das regiões tâmeis. O segundo grupo, chamado de Novos Tigres Tâmeis (TNT) foi

formado na península de Jaffna por um jovem de 17 anos, Velupillai Prabhakaram, e parecia ter

abandonado as vias de negociação política. (Gunaratna, 1997)

Após a morte de Senanayake em 1973, Jayewardene assumiu a liderança do UNP e

começou a reestruturar o partido para torná-lo mais atrativo, especialmente, para os jovens. Ele se

tornou o Primeiro Ministro do Sri Lanka em 1977. O Fronte Unido de Libertação Tâmil (TULF),

antigo Fronte Unido Tâmil, se fragilizou com a morte de seu líder e acabou se dividindo em seis

ou mais grupos hostis diferenciados por castas, ideologias e divergências pessoais. Esses grupos

ganharam a adesão de muitos jovens15 que ficaram conhecidos como tigres do Tâmil. O mais

forte desses grupos eram os Tigres de Libertação da Pátria Tâmil (LTTE), antigos Novos Tigres

Tâmeis, que ganharam uma dimensão nacional através do assassinato do prefeito de Jaffna,

responsável por autorizar que a polícia abrisse fogo contra uma manifestação por direitos tâmeis.

Pouco depois, um rumor de que um policial cingalês teria morrido assassinado por terroristas

tâmeis, desencadeou revoltas que totalizaram 300 mortos, de acordo com a Organização de

Reabilitação Tâmil16. (Devota, 2005)

O governo de Jayewardene foi marcado pela promulgação da Constituição de 1978. Ela

substituiu o sistema governamental parlamentarista por um sistema presidencial com forte poder

executivo. O presidente assumiria com um mandato de 6 anos e, com a aprovação do parlamento,

escolheria o Primeiro Ministro. Jayewardene se tornou o primeiro presidente do Sri Lanka. Em

outubro de 1980 ele retirou os privilégios de Sirimavo Bandaranaike de se engajar na política sob

acusações de abuso de poder durante o seu governo. A nova constituição fazia concessões à

15 A participação da juventude tâmil e cingalesa no conflito é discutida em Fernando, 2005. 16 http://www.troonline.org/, acessado em 26 de março de 2006.

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população tâmil, por exemplo, retirando os difíceis critérios de admissão nas universidades e

elevando o tâmil ao status de idioma nacional. (Ganguly, 1996)

O presidente lançou a idéia de fazer uma conferência com todos os partidos para resolver

os problemas étnicos da ilha. Enquanto o TULF e o UNP apoiaram a iniciativa, os Tigres deram

continuidade aos ataques, provocando uma reação anti-tâmil entre os cingaleses. Uma

Maheswaram foi expulso do LTTE devido a divergências ideológicas e fundou a Organização

Popular de Libertação da Pátria Tâmil (PLOTE). O governo promulgou o Ato de Prevenção ao

Terrorismo, tendo em vista ataques a alvos como postos policiais e bancos, e a Península de

Jaffna foi colocada sob lei marcial. O governo cingalês alegou que os terroristas vinham

operando por meio de campos de treinamento no estado indiano de Tamil Nadu, enquanto o

governo da Índia negava a hipótese. (Venugopal, 2003)

Em 1981 aconteceram eleições locais no norte para eleger membros para os conselhos

distritais. Pouco antes das votações, o candidato do UNP foi assassinado. Mais revoltas tâmeis

foram desencadeadas e as forças militares as reprimiam duramente. A Biblioteca Pública de

Jaffna foi incendiada, supostamente, sob a direção de dois ministros do governo. O TULF decidiu

boicotar as eleições presidenciais de 1982, a primeira na história do Sri Lanka, quando

Jayewardene foi reeleito. (Federal Research Division, 1989)

1.2.3 A guerra civil e seus desdobramentos (1983-2006)

O ano de 1983 foi marcado pelos maiores confrontos entre tâmeis e cingaleses e,

consequentemente, pela emigração de milhares de tâmeis. Nesse ano, o LTTE organizou uma

emboscada contra um comboio militar que causou a morte de 13 soldados. O ataque desencadeou

uma onda de violência que matou cerca de 3.000 tâmeis e deslocou mais de 150.000 que se

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refugiaram na Índia e em países do Ocidente. Os anos seguintes foram caracterizados pelo

aumento da violência e por ataques dos militantes a alvos civis. Entre os principais estão um

ataque armado a civis na cidade cingalesa de Anuradhapura, matando 146 pessoas em 1985; a

explosão de uma bomba em um jato da Air Lanka em maio de 1986, 20 mortos e a explosão de

uma estação de ônibus em Colombo em 1987 que resultou na morte de 110 civis. (Voorde, 2005)

Em 1985 foram iniciadas conversações de paz mediadas pela Índia no Butão, onde foram

estabelecidos os Princípios de Thimpu. Esses princípios davam as bases para que o conflito fosse

resolvido e eles estavam baseados no reconhecimento da identidade tâmil como uma

nacionalidade distinta, na garantia da integridade territorial das regiões tâmeis, no direito de auto-

determinação do povo tâmil e no direito dos tâmeis indianos à cidadania. Enquanto as

negociações de paz aconteciam, o LTTE tomou o controle da península de Jaffna e de outras

áreas do norte. Em 1986, o presidente do Sri Lanka prometeu à Índia e ao TULF que concederia

uma autonomia substancial aos distritos do Eelam17.

No início de 1987 o governo lançou uma campanha militar para retomar o controle das

províncias do norte. Um pequeno barco indiano tentou levar suprimentos para a população mas

foi impedido pela marinha cingalesa. A Índia enviou alimentos pelo espaço aéreo e, devido às

pressões de políticos tâmeis no país, iniciou negociações com o governo do Sri Lanka para que

uma força de paz indiana fosse enviada à ilha. O governo indiano acusou o Sri Lanka de cometer

atrocidades contra a população de Jaffna e de impedir a ajuda humanitária indiana. Em

contrapartida, os cingaleses acusaram a Índia de encorajar o separatismo, possibilitando que os

grupos guerrilheiros usassem o território de Tamil Nadu para treinamento. A discórdia chegou ao

fim com o acordo que estabelecia uma Força de Manutenção de Paz Indiana (IPKF). Em julho de

1987, tropas indianas chegaram à ilha. (Venugopal, 2003)

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Inicialmente, os grupos guerrilheiros tâmeis aceitaram o acordo de paz, mas em outubro

daquele ano, o LTTE rejeitou o tratado. As tropas cingalesas capturaram 17 tigres do tâmil que

tentavam contrabandear armas da Índia. No caminho para Colombo, 15 deles cometeram suicídio

ingerindo cápsulas de cianeto. O presidente Jayewardene acusou a IPKF de não impedir os

ataques tâmeis e declarou que ordenaria a retirada das tropas indianas caso elas não garantissem a

segurança dos cidadãos. A IPKF iniciou, então, uma ofensiva contra os tigres (Byman et al.,

2001) O fato das atenções estarem voltadas para o norte deu oportunidade para que os cingaleses

extremistas do JVP ganhassem força no sul. Vários ataques foram cometidos, entre eles a

explosão de uma granada perto da mesa onde estava o presidente e o Primeiro Ministro

Premedassa, em um encontro do governo.

A eleição de 1988 foi ganha por Ranasinghe Premadassa do UNP, em detrimento de

Sirimavo Bandaranaike, do SLFP. O governo reprimiu fortemente as revoltas cingalesas,

capturando e assassinando o líder do JVP, e pediu que a força indiana se retirasse. Em 1989,

ocorreram as primeiras negociações de paz diretas, tendo em vista que o LTTE decidiu negociar

com o governo de Premadassa. No dia 1 de junho desse ano as tropas indianas se retiraram do Sri

Lanka. Apesar das tentativas de paz, em 1990 novas hostilidades ocorreram entre o LTTE e o

governo cingalês18. O ano de 1991 foi marcado pelo assassinato do Primeiro Ministro indiano,

Rajiv Gandhi, morto em Tamil Nadu, por um homem-bomba do LTTE. O Primeiro Ministro

possuía uma postura firme em relação ao grupo insurgente e, possivelmente, voltaria a interferir

no conflito. (Gunaratna, 1997)

Em 1993, o presidente Premadassa foi assassinado em um ataque suicida. Wijetunge

assumiu a presidência e o LTTE anunciou disposição para conversar com o governo caso

17 “Eelam” é o termo usado no idioma tâmil para caracterizar a região reivindicada pelos separatistas, ou seja, a Pátria Tâmil. Aqueles que vivem na região são chamados de “eelavar”. (Tekwani, 2006)

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houvesse a garantia de federalização do país. O presidente rejeitou a proposta e, em 1994, o

LTTE declarou um cessa-fogo unilateral para receber o governo de Chandrika Kumaratunga. O

governo eleito nesse ano sob a plataforma de colocar um fim na guerra iniciou negociações de

paz com o LTTE e, em 1995, foi assinado um acordo que colocava fim às hostilidades. Após o

acordo, o LTTE deu um ultimato ao governo para que as reivindicações tâmeis fossem atendidas.

Tendo em vista que o governo ignorou as exigências, o LTTE colocou fim ao acordo. (Ganguly,

1996)

Em julho de 1995 o governo cingalês lançou uma ofensiva contra os rebeldes em Jaffna.

Uma igreja que servia de abrigo para refugiados, fora da zona de combate, foi repetidas vezes

bombardeada pelas forças aéreas do Sri Lanka. Em outubro outra ofensiva retomou o controle da

cidade de Jaffna e de outras áreas, entretanto, 400.000 civis fugiram para as áreas controladas

pelo LTTE. No ano seguinte o governo recuperou o controle de toda a península de Jaffna

(Stokke, 2006)e os Tigres do Tâmil manifestaram o desejo de participar de negociações de paz

mediadas por um país neutro. O governo cingalês, entretanto, rejeitou a proposta. As hostilidades

e confrontos continuaram no território.

Em 1998, o LTTE recuperou o controle de algumas cidades do Eelam, voltando a ocupar

quase toda a região da Pátria Tâmil. O ano foi marcado, também, pelo ataque a um local sagrado

budista. Em 1999 a presidente Kumaratunga foi ferida em um atentado a bomba. Pouco depois

ela foi reeleita presidente. Em fevereiro de 2000, a Noruega se prontificou a mediar as

negociações de paz entre tâmeis e cingaleses. Em abril, o LTTE recuperou uma importante base

militar na entrada de Jaffna, bem como outros campos onde foram mortos milhares de soldados

cingaleses e conseguidas muitas armas e munições. No ano seguinte, Kumaratunga dissolveu o

parlamento e a UNP venceu as eleições parlamentares em dezembro.

18 Uma listagem completa dos atentados suicidas perpetrados pelo LTTE entre 1990 e outubro de 2000 pode ser

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Com o objetivo de por fim ao conflito étnico no Sri Lanka, o LTTE e o governo cingalês

assinaram em 2002 um acordo de cessar-fogo, mediado pela Noruega, para que fosse possível

chegar a resoluções para a paz Ward & Hackett, 2003). O desarmamento dos grupos guerrilheiros

teve início e, após 12 anos, a estrada que liga a península de Jaffna ao resto da ilha foi reaberta.

Em setembro, as negociações tiveram início na Tailândia e, pela primeira vez, os dois lados

trocaram prisioneiros de guerra. Em dezembro, o governo e os guerrilheiros concordaram que as

províncias tâmeis teriam autonomia e tâmeis e cingaleses dividiriam o poder, como reivindicava

o LTTE (LTTE, 2003).

Em 2003 o LTTE se negou a continuar negociando diante da alegação de que os tâmeis

estavam sendo marginalizados no país. As negociações de paz ficaram estagnadas enquanto as

piores inundações, já vivenciadas pelo país, deixaram 200 mortos e mais de 4.000 desabrigados.

Em 2004, Mahinda Rajapkse se tornou o Primeiro Ministro. Em julho ocorreu o primeiro

atentado desde o acordo de paz de 2002, quando a explosão de uma bomba atingiu Colombo. No

final do ano a ilha foi assolada pelo tsunami e a situação social do país se agravou. (Silva, 2005)

O ano de 2005 ficou marcado pelo retorno da violência e das hostilidades entre o governo

cingalês e o LTTE. Durante eleições desse ano ocorreram diversos ataques e assassinatos e o

então primeiro ministro Rajapkse foi eleito presidente, embora muitos tâmeis não tenham

participado das votações19. O ano de 2006 se inicia com ataques e violência no território, em

meio às tentativas de retomar o processo de paz (Senewiratne, 2006). A ilha, ao longo do ano, é

palco de diversos atentados terroristas e respostas governamentais, causando mais de 300

mortos20. O mapa abaixo mostra as áreas sob controle do LTTE e as regiões do Eelam já

retomadas pelo governo do Sri Lanka.

encontrada em Pape, 2003. 19 Banco de dados do Laboratório de Monitoramento dos Focos de Tensão, acessado em 24 de março de 2006. 20 Banco de dados do Laboratório de Monitoramento dos Focos de Tensão, acessado em 10 de novembro de 2006.

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Mapa 5: Áreas controladas pelo LTTE e pelo governo do Sri Lanka (GOSL) em 2006 Fonte: Stokke, 2006.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A DIMENSÃO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS INTERNOS

Conflitos internos são definidos por Michael E. Brown como “disputas violentas ou

potencialmente violentas...”21, motivadas sobretudo por fatores domésticos e caracterizadas por

ameaças e violência armada que ocorrem dentro das fronteiras de um único Estado. Os principais

atores desses conflitos são, geralmente, o governo e grupos rebeldes (Brown, 1996:p.1). De

acordo com esse conceito o conflito tâmil no Sri Lanka pode ser considerado um conflito interno,

tendo em vista que os fatores que o geraram são domésticos, o palco dos confrontos é a própria

ilha e as disputas ocorrem entre as forças governamentais e grupos rebeldes.

Brown aponta algumas razões pelas quais é importante estudar os conflitos internos. Em

primeiro lugar eles são extremamente comuns, podendo ser identificados em várias regiões do

mundo. De maneira geral, causam muito sofrimento à população, são recorrentes os ataques a

civis e pode ocorrer, inclusive, genocídio. Em terceiro lugar esses conflitos, por vezes, afetam

países vizinhos que são impactados por fluxos de refugiados ou podem ter seu território usado

como passagem de armas e suprimentos, por exemplo. Eles podem, ainda, despertar o interesse

de outros Estados, potências ou organizações internacionais, principalmente quando envolvem

Estados vizinhos e se tornam conflitos regionais. Por fim, esses conflitos são importantes porque

constantemente atraem os esforços da sociedade internacional que busca maneiras adequadas de

lidar com eles (Brown, 1996). Essa importância revelada por Brown se aplica, também, ao caso

específico do Sri Lanka já que o conflito, que dura há 23 anos, já gerou aproximadamente

21 Tradução livre de todos os trechos originalmente em outros idiomas.

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60.00022 mortos e milhares de refugiados23 e, como será trabalhado a diante, envolve e afeta

outros Estados.

As causas dos conflitos internos podem ser divididas em quatro tipos de fatores. Eles

podem ser estruturais como Estados fracos, problemas de segurança interna ou a geografia

étnica. Brown afirma que alguns Estados nascem fracos e por isso não conseguem exercer um

controle efetivo sob todo o território. Dessa forma, líderes de oposição, organizações criminosas

e grupos rebeldes podem atuar mais livremente e conflitos violentos podem acontecer. Nesses

Estados, em função da ineficácia das instituições, os grupos internos se sentem responsáveis por

sua própria segurança e acabam desenvolvendo maneiras próprias de fazerem frente a possíveis

ameaças. A geografia étnica representa, também, uma característica relevante já que países

etnicamente heterogêneos são mais propensos a conflitos internos. Quando as minorias étnicas se

localizam em uma região específica existem grandes possibilidades de surgimento de um conflito

separatista e de que os grupos étnicos estabeleçam o controle da área reivindicada. (Brown, 1996)

Fatores políticos como instituições políticas discriminatórias, ideologias nacionais

exclusionárias e políticas elitistas podem também ser causas de conflitos. Mesmo em governos

democráticos pode existir ressentimento por parte de grupos que não se sentem devidamente

representados. Além disso, em alguns lugares o sentimento de nacionalismo pode estar mais

ligado à identidade étnica do que ao fato de que todos os que vivem em um mesmo país devem

possuir os mesmos direitos. Jack Snyder (apud Brown, 1996) aponta que o nacionalismo étnico

surge em decorrência do fracasso das instituições, quando elas já não são capazes de prover as

necessidades básicas dos indivíduos. Nota-se, então, como Estados fracos estão suscetíveis a esse

tipo de fenômeno. Independente da característica que os diferencia, grupos separados por

22 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2006/08/060807_srilankamortosrw.shtml, acessado em 18 de agosto de 2006 às 15:00h.

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rivalidades étnicas, religiosas, políticas ou ideológicas possuem uma grande propensão para o

conflito se existem, sobretudo, objetivos incompatíveis que levam à competição e provocam nos

grupos o medo de serem dominados pelo outro. (Brown, 1996)

As causas dos conflitos internos podem estar, também, baseadas em fatores econômicos e

sociais que são originados por problemas econômicos, modernização ou sistemas econômicos

discriminatórios. Elementos como a inflação, o desemprego e a competição por recursos

(especialmente terra) são responsáveis por gerar frustrações e tensões sociais. Muitas vezes as

reformas econômicas também são prejudiciais em razão dos choques econômicos e do fim de

subsídios por parte do governo. Assim como nos fatores políticos, sistemas econômicos

discriminatórios, baseados em etnias ou classes, que fornecem oportunidades e acesso desigual

aos recursos provocam ressentimentos que podem levar à violência. Para Brown, um exemplo de

conflito em que prevalecem as discriminações econômicas é o caso do Sri Lanka. Até mesmo o

crescimento econômico pode dar bases para alguns conflitos pois beneficia a determinados

grupos mais que a outros. (Brown, 1996)

O último conjunto de causas está relacionado a fatores culturais ou perceptuais expressos

através de padrões culturais de discriminação e grupos historicamente problemáticos. A

discriminação de minorias ocorre quando identifica-se oportunidades educacionais desiguais,

constrangimentos legais no que tange ao uso e ensino do idioma desses grupos e restrições na

liberdade religiosa. Já em relação aos problemas entre grupos, trata-se de uma questão de

percepção de um em relação ao outro, sendo que sentimentos hostis antigos podem legitimar as

rivalidades históricas. (Brown, 1996).

No conflito tâmil-cingalês podem ser identificados aspectos relacionados a esses quatro

fatores. O país possui uma geografia étnica particular (tâmeis no norte e nordeste e cingaleses no

23 http://www.unhcr.org/cgi-bin/texis/vtx/news/opendoc.htm?tbl=NEWS&id=44e590b92, acessado em 18 de agosto

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sul e centro-oeste), o que facilita a ocupação pelo grupo guerrilheiro das áreas ocupadas pelos

tâmeis e a reivindicação desse território como sendo a Pátria Tâmil. Diante da ineficácia do

governo em prover segurança e bem estar para a população, esse papel é muitas vezes exercido

pelos rebeldes, nesse caso os Tigres de Libertação da Pátria Tâmil. Em dadas regiões são eles que

garantem a segurança da população e fornecem elementos básicos necessários à sobrevivência

como alimentos e remédios. O país já foi, também, afetado ao longo de sua história por políticas

discriminatórias como o Sihala Only ou as cotas nas universidades para estudante tâmeis. Essas

práticas somadas ao fato da população tâmil não se sentir devidamente representada resultaram

no surgimento de um nacionalismo étnico que afetou tanto tâmeis quanto cingaleses (Stokke,

2006).

Em relação ao aspecto econômico do conflito, é interessante notar que as contradições no

processo de desenvolvimento do país criaram um ambiente propício para o surgimento do

conflito. No período pós-independência, o Sri Lanka apresentava características econômicas

bastante favoráveis, comparadas aos de países desenvolvidos, principalmente no tocante a saúde

e educação. Um sistema político pluralístico e competitivo, marcado por eleições regulares e voto

universal, fazia do país naquele momento um exemplo de democracia. O início do processo de

desenvolvimento do país foi caracterizado pela expansão do estado de bem-estar social que

possibilitava um livre acesso a saúde, educação, além de subsídios estatais para determinados

produtos e serviços. Entretanto, além das diferentes políticas comerciais implementadas pelo

Partido Nacional Unido (políticas de livre comércio) e pelo Partido Liberdade do Sri Lanka

(intervenção estatal na economia), o país teve que lidar com a demanda social e com a ausência

de recursos para financiar o Estado de bem-estar. Fato é que as políticas de comércio restritivas

que vigoraram até 1977 foram responsáveis por gerar um longo período de estagnação

de 2006 às 15:24h.

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econômica, tornando impossível sustentar o Estado de bem-estar social. A estagnação econômica

e a decorrente exclusão social, aliadas aos fatores étnicos e políticos, culminaram na deflagração

do conflito entre tâmeis e cingaleses, bem como da insurgência cingalesa (liderada pelo JVP em

1971). (Abeyratne, 2004)

O conflito é motivado, também, por divergências entre os diferentes grupos étnicos. As

características culturais distintas, dentre elas a língua e a religião, são elementos chaves para a

criação da identidade dos grupos e as discriminações, no caso do Sri Lanka legitimadas pelo

governo, colaboram para o surgimento de sentimentos hostis entre as etnias. As perseguições

sofridas pela minoria e os conseqüentes confrontos entre tâmeis e cingaleses cooperam para que

se desenvolva nos dois grupos uma percepção problemática acerca do outro. A população tâmil,

por exemplo, teme perder sua identidade em virtude das restrições em relação à utilização do

idioma, da manutenção das práticas religiosas e do acesso à educação. Em contrapartida, os

cingaleses se vêem rodeados pela cultura tâmil se levam em consideração a população do estado

indiano de Tamil Nadu, enquanto os últimos representantes da etnia cingalesa são os habitantes

da ilha (Ganguly, 1996). Os conflitos, massacres e a violência ocorrida entre os grupos fazem

com que um se torne uma ameaça à sobrevivência cultural do outro24.

Uma outra discussão levantada por Michael Brown concerne à dimensão regional dos

conflitos internos. Ele aponta que esses conflitos sempre acabam envolvendo Estados vizinhos, o

que alguns autores tratam como uma forma de “contágio”. Entretanto, Brown demonstra que essa

analogia às doenças é simplista e mecânica. Isso ocorre porque pensar a dimensão dos conflitos

como um problema de “contágio”, retrata uma movimentação que acontece apenas em um

sentido: do lugar onde os conflitos começam para os Estados vizinhos. Dessa forma, além dos

24 Para um estudo aprofundado sobre conflitos identitários, ver Thual, 1995.

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Estados atingidos parecerem vítimas passivas do “contágio”, a impressão que se tem é que esse

transbordamento do conflito é algo incontrolável, além do controle dos Estados25.

Brown divide os impactos dos conflitos internos nos países vizinhos em 5 grupos:

problemas de refugiados, problemas econômicos, militares, instabilidade e guerra. Ataques a

civis são constantes em conflitos internos e, por isso, é comum que eles gerem grandes números

de refugiados. A chegada de refugiados geralmente impõe um certo peso econômico aos países

que os acolhem. Além disso, campos de refugiados são, muitas vezes, usados para recrutamento

ou reorganização de grupos combatentes. Isso pode trazer problemas para a segurança do Estado

que os recebe diante da acusação de abrigar rebeldes. A Índia, por exemplo, já foi acusada pelo

governo do Sri Lanka de permitir que o LTTE utilizasse territórios indianos para treinamentos

militares.

Os Estados vizinhos podem também ser afetados por problemas econômicos, já que

conflitos armados podem prejudicar o comércio, o transporte de mercadorias, as comunicações, o

acesso a matéria-prima, dentre outros. Se o conflito ameaça a instabilidade da região ele pode,

inclusive, repelir investimentos e provocar uma grande piora nas relações comerciais. Problemas

militares não são difíceis de ocorrer. Territórios vizinhos podem ser utilizados para despachar

armas e suprimentos para grupos rebeldes. Armas para os Tigres do Tâmil passaram pelo estado

indiano de Tamil Nadu, por exemplo. Grupos rebeldes podem, também, promover ataques nos

países vizinhos: o ex Primeiro Ministro indiano Rajiv Gandhi foi assinado em um ataque suicida

pelo LTTE em retaliação à Força Indiana de Manutenção da Paz estabelecida em 1987. (Brown,

1996)

Os conflitos internos impactam seus vizinhos, ainda, causando instabilidade política. Essa

instabilidade é oriunda dos problemas com refugiados, dos problemas econômicos e da ação dos

25 Cf. Brown 1996:23,24,591.

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grupos rebeldes nos Estados próximos. A possibilidade de uma guerra entre Estados não pode ser

descartada. Um Estado vizinho pode se ver envolvido em um guerra por tentar preservar sua

soberania frente à tentativa do Estado em conflito interno que deseja eliminar rebeldes em

território vizinho. Uma outra situação acontece se o governo cria animosidades com um vizinho

para desviar a atenção da população para um problema interno. Um conflito interno pode, além

disso, desenvolver um nacionalismo agressivo e radical, cujo primeiro alvo é, geralmente, um

país próximo. ( Brown, 1996)

Como foi colocado anteriormente, Brown acredita que a dimensão dos conflitos internos

não pode ser vista como algo que flui apenas do Estado em conflito para os vizinhos. Ele

caracteriza o sentido contrário desse impacto (partindo dos vizinhos para o Estado em conflito)

através da intervenção dos outros países no conflito interno. Essa ingerência pode se manifestar

na forma de uma interferência humanitária, defensiva, protecionista ou oportunista. Perceber que

Estados vizinhos podem influenciar os conflitos internos é um passo inicial importante para

compreender o caráter que eles possuem. Fato é que a dimensão desses conflitos não se limita

apenas a impactos nos países próximos mas podem estar relacionada a fenômenos que não se

prendem a fronteiras estatais.

Brown tem razão quando afirma que o impacto ou a dimensão de um conflito não se dá

apenas em um sentido. Existem vários fatores externos ao Estado que podem influenciar um

conflito. A visão de Brown, contudo, é restrita pois ele define esses fatores apenas através das

intervenções estatais que o país em conflito pode sofrer. Não são levados em consideração o

papel de fenômenos transnacionais (tráfico de armas, fluxos financeiros) e atores não estatais

(grupos guerrilheiros, comunidades de diáspora e etc). Notar como um Estado vizinho pode

interferir em um conflito interno é um avanço relevante para compreender a complexidade dos

fatores que os influenciam, entretanto, esse é apenas um primeiro passo.

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Outro ponto a ser questionado trata da possibilidade de controle do Estado em relação a

esses elementos. Brown acredita que é um risco enxergar o “transbordamento” dos conflitos

internos como fenômenos incontroláveis. Nesse caso, o “contágio” seria visto como um “...

processo conduzido por forças da natureza ou pelo conflito ele mesmo” (Brown 1996:p.600). O

autor afirma que os conflitos internos se tornam problemas regionais devido a decisões

deliberadas de líderes e governos e sendo assim, a dimensão regional e internacional dos conflitos

internos é algo que pode ser controlado pelo Estado. Mais uma vez é necessário considerar que

existem fenômenos e atores que interferem na dinâmica dos conflitos e que, ao contrário do que

argumenta Brown, estão além das fronteiras estatais e, por isso, não podem ser controlados pelo

Estado.

Diante do entendimento de que os conflitos internos, por exemplo o conflito tâmil, não

apenas afetam regiões vizinhas mas também são afetados por fenômenos alheios ao Estado, é

importante perceber de que forma isso ocorre. Os conflitos internos não são apenas envolvidos

por fenômenos que cruzam as fronteiras (originados em países próximos) mas que, inclusive,

tendem a transcendê-las. Sendo assim, a globalização exerce um papel fundamental que também

merece ser contemplado. Uma contribuição deveras relevante para compreender a relação entre

globalização e conflitos é trazida por Fiona Adamson através da lógica da mobilização política

transnacional. Entretanto, antes de abordar propriamente essa questão, é interessante identificar

onde a discussão se insere e fazer algumas considerações sobre a globalização e os conflitos.

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2.2 GLOBALIZAÇÃO , CONFLITO E ATORES NÃO ESTATAIS

No campo dos estudos sobre globalização ainda são poucos os trabalhos que relacionam o

fenômeno aos conflitos, sejam eles internacionais ou internos26. Tarak Barkawi (2004) chama a

atenção para a necessidade de localizar a guerra e a cultura nesses estudos, percebendo a guerra

como uma forma de interconexão entre lugares e pessoas. De acordo com o autor, as teorias de

relações internacionais possuem como tema central a guerra e a paz, ao passo que os estudos

sobre globalização dedicam pouca atenção ao tema. Ele critica a tendência pacífica desses

estudos e entende que a guerra pode ser considerada como uma força globalizante, através da

qual surgem conexões que levam a processos sociais e transformações políticas e culturais. Ele

entende que os períodos de guerra não se tratam de interrupções nas comunicações e trocas tendo

em vista que continuam havendo fluxos sociais, econômicos e políticos que também constituem

as entidades territoriais. Nesse momento é importante frisar que a globalização não é entendida

aqui como um fenômeno que irá suceder a organização política estatal. A globalização não

implica o fim dos Estados mas constitui um conjunto de relações internacionais constitutivas

pelas quais eles são produzidos, reproduzidos e transformados27 (Barkawi, 2004).

Sabendo que a globalização está associada a relações de interconexão e tendo em vista seu

caráter transformativo, pode-se dizer que ela é, também, constitutiva. Barkawi reivindica que o

termo globalização seja interpretado, pela política internacional, como relações internacionais de

interconexão e constituição mútua, podendo ser aplicado a diversos momentos históricos embora

muitos deles não possuam um escopo de fato global28. É a partir da compreensão da globalização

como formas de conexão e constituição que pode-se perceber a guerra como uma relevante

26 Algumas discussões nesse sentido são feitas em Cronin (2002) e Kishner (2004). 27 Para uma compreensão maior acerca da globalização, ver Scholte, 2002.

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dimensão dessas relações. O ponto central é analisar de que maneira as guerras são constituídas

pelas sociedades e como as sociedades são formadas pelas guerras que elas mesmas empreendem

(Barkawi, 2004).

Para Barkawi, “não importa como a globalização é construída, seja como globalização

econômica, como interconexões ou como consciência do global, a guerra e os aspectos militares

possuem um papel muito mais importante do que os estudos de globalização indicam” (Barkawi,

2004:p.168). Os conflitos armados muitas vezes funcionam como pontes para as conexões

transregionais, já que a manutenção dessas ligações por vezes requerem o uso de força e a

circulação de pessoas, bens e idéias as vezes tomam formas militares. O autor percebe, então, que

os conflitos merecem mais atenção nos estudos de globalização, posto que eles podem ser

responsáveis pela conexão de lugares e pessoas, pelo aumento de determinados fluxos e pela

transformação de sociedades.

Da mesma forma que as guerras e conflitos armados são uma forma na qual a

globalização se expressa, a globalização possui uma importância fundamental para os conflitos.

Assim como a guerra não recebe muita atenção nos estudos de globalização, a globalização

tampouco é amplamente contemplada pelos estudos dos conflitos. É nesse contexto que se insere

a discussão de Fiona Adamson que visa relacionar conflito e globalização. O advento da

globalização proporciona um aumento na circulação de pessoas, capital, idéias e informações

além das fronteiras estatais e provê as condições necessárias para a criação de redes ou cadeias

transnacionais29 que podem ser utilizadas para articulações com fins políticos (Adamson, 2005b).

28 Uma crítica a esse pensamento é feita em Robertson (1992) que afirma que globalização deve ser distinguida de interconexões transregionais (Robertson apud Barkawi, 2004:p.165). 29 O conceito de redes é definido como “... um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos”. Podem existir vários tipos de redes compostas por pontos (nós), distantes no globo, que se interligam. (Castells, 1999: p. 498)

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Como será detalhado adiante, Adamson demonstra que os conflitos são fortemente

influenciados por fenômenos transnacionais nos quais se destacam, especialmente, atores não

estatais30 que embora coletivos, como redes, instituições ou populações, podem ser considerados

atores unitários. Isso ocorre pois esses grupos são unidos por ideologias políticas, como o

nacionalismo por exemplo, que os constituem (Adamson, 2005a). A veracidade desse argumento

é comprovada, por exemplo, pelo caso da Argélia, em que um movimento político transnacional

(Movimento Nacionalista Argelino) resultou no surgimento de um novo ator estatal31 (Adamson,

2005a). Cabe, dessa forma, contextualizar a discussão de Fiona Adamson sobre atores não estais

frente às teorias de relações internacionais.

A autora demonstra que a maioria das teorias de relações internacionais trabalham com a

premissa dos Estados como atores unitários. De realistas, Waltz por exemplo, a construtivistas

como Wendt, percebe-se a presença dessa noção para as formulações teóricas. Waltz toma o

Estado como ator unitário ou unidades básicas do sistema internacional devido à força e natureza

da identidade coletiva ou sentimento de grupo, produzidos historicamente pela combinação de

avanços tecnológicos e surgimento do nacionalismo que propiciaram a fusão de identidade

nacional e espaço territorial (Waltz, 1979). Já do ponto de vista de Alexander Wendt, os Estados

podem ser considerados unidades pois podem ser concebidos como as “pessoas” do sistema

internacional que permanecem vivas devido aos interesses nacionais (Wendt, 1999).

É diante disso que Fiona Adamson sugere que formas não estatais de atores unitários

sejam levadas em consideração nas teorias de relações internacionais. Ela esclarece que a

perspectiva realista, por exemplo, entende que atores não estatais e movimentos transnacionais

30 No estudo das relações internacionais, o termo “transnacionalismo” foi introduzido no início dos anos 70, buscando perceber o papel dos atores não estatais, até então negligenciado. Inicialmente, o termo era associado, sobretudo, à ação de corporações transnacionais e às relações econômicas. Posteriormente, organizações políticas e humanitárias foram incluídas nessa abordagem mas grupos terroristas, organizações criminosas e outros atores não-estatais só receberam maior atenção após os atentados de 11 de setembro de 2001. (Wayland 2004)

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podem ser simplificados apenas como fenômenos que acontecem no âmbito do sistema

internacional. Essas teorias não enxergam que esses fenômenos podem constituir o sistema,

entendendo exclusivamente que eles são formados pelos Estados e que o contrário não ocorre

(Adamson, 2005a). O realismo reconhece a existência de atores não estatais mas os percebe como

sendo periféricos para a segurança internacional se comparados com os Estados.

A autora defende que a ênfase nos processos de mobilização política transnacional pode

facilitar a compreensão acerca do surgimento de novos atores no sistema internacional,

ressaltando a relevância de identidades coletivas, a princípio não territoriais, que apresentam os

atributos de atores coletivos. Essas identidades coletivas são fruto de um processo de mobilização

política transnacional, no qual a ideologia política é responsável por vincular redes distantes que

geram atores coletivos que podem ser considerados unitários (unidades) pois atuam no nível do

sistema internacional (Adamson, 2005a).

A mobilização política transnacional acontece quando, em primeiro lugar, ocorre uma

convergência, por meio de discursos e símbolos, de redes sociais em uma única rede ativa e

politizada. Essa nova rede constituída por uma ideologia se expande por mais de um contexto

político, geralmente marginal aos centros de poder existentes. A ideologia mais utilizada para

criar um sentimento de grupo é o nacionalismo, que reúne uma variedade de aspectos culturais,

lingüísticos e simbólicos como instrumentos de mobilização. O nacionalismo é usado, inclusive,

para mobilizar exilados e migrantes que se encontram divididos entre a sociedade de origem e a

sociedade onde estão situados, podendo transformar redes sociais passivas em redes politizadas

(Adamson, 2005a). Nesse momento percebe-se a importância da diáspora que leva à criação de

comunidades dispersas por várias regiões que, com as facilidades de comunicações e transportes,

são propícias para a mobilização transnacional.

31 O nacionalismo argelino nasceu como um movimento político transnacional, com o intuito de desafiar o poder

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Adamson busca demonstrar, dessa forma, que compreendendo a lógica da mobilização

política transnacional é possível notar como são constituídos os atores coletivos unitários no nível

do sistema internacional. Os Estados são exemplos de atores unitários determinados por espaços

geográficos, os territórios. Entretanto, esses atores, considerados unidades no sistema

internacional, não são apenas aqueles definidos territorialmente. A autora acredita que tanto

realistas quanto construtivistas devem atentar para o papel dos atores coletivos unitários não

estatais, percebendo também que a divisão entre as abordagens teóricas de relações internacionais

baseadas em poder ou em identidade não expressam a complexidade que marca o surgimentos

dos atores coletivos unitários (Adamson, 2005a).

Diante do exposto é possível perceber que a discussão feita por Fiona Adamson aborda,

sobretudo, duas questões principais: o papel da globalização nos conflitos e a importância de

atores não estatais no sistema internacional. Esses dois aspectos são reunidos na lógica da

mobilização política transnacional que se insere no esforço teórico por relacionar globalização e

conflito bem como no contexto de teorias de relações internacionais que visam salientar a

relevância dos atores não estais. A importância dessa análise se deve ao fato de que a

“globalização transforma o ambiente da segurança internacional proporcionando um aumento de

recursos disponíveis, infra-estrutura e capacidade para que atores políticos não estatais se

engajem na mobilização política transnacional e global” (Adamson, 2005b:p.32). Adiante serão

detalhados os aspectos concernentes à lógica da mobilização transnacional, buscando no próximo

capítulo evidenciar como o conflito no Sri Lanka expressa esse fenômeno e em que bases pode

ser sustentado o seu caráter transnacional.

colonial e resultou no surgimento de um Estado-nacional, a Argélia.

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2.3 A LÓGICA DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA TRANSNACIONAL

De acordo com Fiona Adamson, a lógica da mobilização política transnacional pode ser

entendida como uma forma identificável de organização transnacional adotada por agentes

políticos não estatais no intuito de desafiar de maneira violenta o status quo político (Adamson,

2002). Em primeiro lugar trata-se de um padrão de organização e estratégias transnacionais, ou

seja, que não se limitam a barreiras geográficas ou territoriais, perpassando as fronteiras estatais e

se espalhando por todo o globo. Em segundo lugar, esse fenômeno é levado a cabo por atores não

estatais que se articulam a fim de alterar determinado status quo político por meio do recurso à

violência. Através da mobilização transnacional, atores não estatais fracos podem articular

recursos dispersos espacialmente pelo sistema internacional e utilizá-los para projetar poder e

desafiar determinada situação política.

Como Adamson aponta, a lógica da mobilização política transnacional só é possível por

meio de fluxos transnacionais que transcendem as fronteiras e se tornam acessíveis aos atores não

estatais. Esses fluxos podem ser de pessoas, capital ou idéias, informações e identidades. A

mobilidade de pessoas está intimamente relacionada à migração que por sua vez constitui um

fenômeno global (Adamson, 2005b). A globalização de mercado e a tendência à integração

econômica, assim como as facilidades de transporte de mercadorias e de tecnologias de

comunicação, são responsáveis pelo aumento da mobilidade de força de trabalho. Outros fatores

que contribuem para a ampliação das migrações são as facilidades de viagens, os baixos custos de

transportes, as disparidades econômicas dentro de determinados Estados, a violência e as guerras

que geram ondas de refugiados, as políticas de migração forçada e até mesmo as redes de

contrabando humano (Adamson, 2006). As migrações ocorrem por razões políticas, econômicas,

podem ser voluntárias ou forçadas, legais ou ilegais.

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50

A circulação de pessoas além das fronteiras de um determinado Estado pode, aliada a

outros fatores, cooperar para a elevação da violência dos conflitos quando provê recursos que

sustentam conflitos internos, gera oportunidades para redes de crime organizado e servem como

forma de inserção para o terrorismo internacional (Adamson, 2006). Outra característica

interessante da migração é que, geralmente, permanece um forte vínculo com o país de origem e

com a comunidade que permaneceu ou que se encontra em outras localidades. Isso ocorre devido

às novas tecnologias como a internet, fax e as comunicações via satélite que permitem que os

migrantes mantenham contato rápido e a baixos custos com aqueles que estão distantes

geograficamente. Isso garante que as comunidades migradas se relacionem através de redes

sociais transnacionais que facilitam o recrutamento de membros das comunidades imigradas para

organizações transnacionais (Adamson, 2005b).

Assim como a mobilidade de pessoas, a mobilidade de capital constitui um aspecto

fundamental que compõe a lógica da mobilização política e confere a ela uma dimensão

transnacional. Esse fenômeno é caracterizado por fluxos financeiros, em larga medida,

provenientes das atividades de redes econômicas informais. Esses fluxos estão intimamente

relacionados às redes de migração e se baseiam sobretudo em relacionamentos pessoais, mais que

em organizações formais. As oportunidades de expansão dos fluxos financeiros aumentaram

significativamente em função de novas tecnologias de comunicação que permitem transferências

instantâneas de fundos, da disponibilidade de uma infra-estrutura financeira global e do aumento

dos fluxos lícitos entre Estados (Adamson, 2005b).

Essa circulação de capital pode ser oriunda de remessas referentes ao trabalho de

populações migradas, do tráfico internacional (drogas, armas) ou do crime organizado. Esses

fluxos são extremamente relevantes pois funcionam como uma fonte de financiamento para

grupos não estatais violentos. Muitos grupos de oposição se articulam transnacionalmente a fim

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de levantar fundos para suas atividades políticas. Geralmente, a mobilidade de capital se

manifesta através do financiamento pelas comunidades da diáspora, da taxação de remessas

financeiras não registradas, do engajamento dos grupos não estatais na economia ilegal, do

envolvimento com o crime organizado, doações individuais, negócios legais, dentre outros

(Adamson, 2005b). Dessa forma, os agentes políticos criam bases de recursos dispersas

espacialmente que podem ser mobilizadas, consolidando os recursos disponíveis.

O terceiro fluxo possível está relacionado à mobilidade de idéias, informações e

identidades. O avanço nas tecnologias de comunicação, por exemplo televisão via satélite e

outras formas de mídia, fazem com que o vínculo entre culturas nacionais e espaços territoriais

sejam cada vez menores. Imigrantes, por exemplo, podem permanecer interligados a

comunidades identitárias virtuais que transcendem localizações geográficas. O fato de idéias,

informações e identidades circularem num escala global permite, ainda, que grupos de oposição e

atores não estatais venham expandir a dimensão de sua atuação. Através da mídia eles podem

disseminar suas idéias e criar um sentimento virtual de unidade (sobretudo em sociedades que

sofreram diáspora). Na internet, por exemplo, pode ser criado um website que seja divulgado

como um ponto de encontro para uma comunidade transnacionalmente definida e que vincule

determinada comunidade virtual (Adamson, 2005b).

Nas três formas de mobilidade, elencadas por Adamson, que constituem a lógica da

mobilização transnacional, nota-se a relevância do papel exercido pelas comunidade de diáspora.

Percebe-se que elas são o cerne da mobilidade de pessoas, um dos pilares da mobilidade de

capital e um dos principais alvos da mobilidade de idéias, informações e identidades. Cabe,

então, refletir um pouco sobre essa questão, caracterizando o que é uma diáspora, a importância

dela para um conflito interno, bem como observando se pode-se falar em uma diáspora tâmil. É

importante atentar para esse aspecto para que, no próximo capítulo seja possível analisar o caso

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do Sri Lanka, apontando como a lógica da mobilização transnacional confere uma dimensão

supraterritorial ao conflito e quais as funções exercidas pelas comunidades de diáspora nesse

contexto.

2.4 A DIÁSPORA TÂMIL

De acordo com Pierre George (1985) a diáspora acontece quando populações se

dispersam pelo mundo, saindo de seu país de origem devido à perseguições políticas, religiosas,

dentre outras. Historicamente, o termo é empregado para se referir à dispersão dos judeus,

entretanto, pode ser aplicado a outros casos. As principais características da diáspora são: a

dispersão de determinado povo através de vários êxodos, o estabelecimento de comunidades em

diversos pontos de asilo, bem como a manutenção das características culturais do grupo e a

conseqüente segregação em relação ao meio receptor. O autor afirma que o termo diáspora pode

ser utilizado para caracterizar coletividades que se assemelham aos judeus no que tange à

distribuição geográfica, mobilidade e formas de inserção no país para onde se destinam. Ele

salienta que quando há uma completa assimilação à sociedade do país de destino e rompimento

dos vínculos culturais com a comunidade de origem, deixa de haver diáspora.

A diáspora pode ser considerada uma forma de minoria pois a relação de seus grupos com

o espaço ocupado se dá no nível dos guetos ou bairros. Nesses lugares se estabelecem grupos que

mantêm uma unidade no que diz respeito aos elementos de identidade como, por exemplo,

religião, língua, tradições e modo de vida. Fato é que esses grupos são minorias integradas e que

buscam se integrar às sociedades onde estão sem perder a identidade (George, 1985). As causas

da diáspora podem ser variadas e as formas de inserção das comunidades imigradas nos países

que as recebem são diversas. O importante é que o vínculo que essas comunidades mantêm com

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seu país de origem e com os demais grupos espalhados por outras regiões, facilitado pelas novas

tecnologias, é o que propicia uma articulação transnacional dessas comunidades que pode ser

usada com objetivos políticos, inclusive em conflitos violentos (Adamson, 2006).

Como já foi mencionado anteriormente, as comunidades de diáspora, muitas vezes

geradas por situações de conflito, podem atuar como agentes da ampliação da dimensão desses

conflitos, conferindo a eles uma dimensão transnacional (Lyons, 2004). Essas comunidades

possuem um papel relevante quando se trata de levantamento de fundos para os movimentos

políticos, da disseminação de ideologias e da identidade, podem agir pressionando os governos

dos países onde se encontram e podem, também, ser a base dos recursos humanos necessários

para a formação dos grupos políticos que se articulam transnacionalmente. De acordo com um

estudo do Banco Mundial, os países que vivenciaram conflitos violentos e contam com uma

significativa população que sofreu diáspora, possuem seis vezes mais chances de experimentar o

ressurgimento do conflito do que aqueles países que não passaram por um processo semelhante

(Collier apud Adamson, 2006). Grande parte dos fenômenos que envolvem a lógica da

mobilização transnacional, exposta acima, gira em torno de comunidades imigradas que sofreram

diáspora. Nesse sentido, a mobilização dessas comunidades pode ser entendida como “ciclos

transnacionalizados de violência política” (Adamson, 2006:p.192).

Terrence Lyons (2004) afirma que os grupos de diáspora são o ponto de ligação entre

globalização e conflito, já que o aumento dos fluxos migratórios e a diminuição dos custos de

comunicação e viagens permitem que os imigrados criem articulações entre a terra natal e o lugar

de residência. As diásporas geradas por conflitos possuem características peculiares pois a

dispersão é forçada e violenta e permanece um forte vínculo com a terra natal, tanto no que tange

à identidade quanto em relação ao território e ao desejo de regresso. Segundo o autor, “grupos de

diásporas geradas por conflitos são redes sociais que interligam o conflito passado, os desafios

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atuais de viver num Estado hospedeiro e a aspiração de retornar a determinado território que é a

terra natal e possui uma importância simbólica” (Lyons, 2004:p.9).

Muitas vezes, a identidade das comunidades de diáspora está relacionada a grupos

marginalizados e que não possuem um Estado próprio, como é o caso dos tâmeis, e devido à

ausência de um governo que garanta seus direitos, as redes de mobilização se tornam mais fortes.

Essas redes reforçam o sentimento de identidade e, geralmente, se envolvem de forma ativa no

conflito na terra natal, pressionando governos ou organizações internacionais, arrecadando

fundos para armamentos, dentre outras atividades. As redes constituídas pelos grupos de diáspora

funcionam, também, como elos de preservação da identidade (através da formação de grupos

religiosos, escolas, etc), além de promoverem programas de ajuda comunitária, por exemplo

auxiliando na busca por empregos e moradias (Lyons, 2004).

Lyons afirma que essas redes e organizações formadas pelos grupos de diáspora

contribuem para que os conflitos na terra natal se tornem mais duradouros. Isso ocorre devido ao

financiamento dos grupos guerrilheiros; à pressão exercida frente aos governos hospedeiros para

que eles se engajem no conflito; e à liberdade e facilidade no acesso das comunidades de diáspora

aos meios midiáticos, muitas vezes controlando a mídia nos Estados hospedeiros e na terra natal e

articulando a agenda política dos atores em conflito. Já que os grupos de diáspora possuem

grande interesse nos conflitos e por não estarem diretamente expostos aos males por eles

causados (por não residirem mais no país que é palco dos confrontos), esses grupos se tornam

menos dispostos a aceitarem termos de acordos de paz que não correspondam exatamente às

expectativas (Lyons, 2004).

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R. Cheran (2003) argumenta que os tâmeis do Sri Lanka podem, sem dúvida, ser

considerados como um povo que sofreu diáspora32. O autor aponta que toda diáspora possui um

caráter transnacional, embora nem toda comunidade transnacional possa ser considerada uma

diáspora. As comunidades de diáspora são caracterizadas pela migração forçada; por uma

memória coletiva geralmente associada à dor e ao trauma; pela alienação por acreditarem que

nunca serão de fato incorporados ao Estado hospedeiro; pela desterritorialização e

reterritorialização da nação; pelo investimento em projetos na terra natal, por exemplo ajuda

humanitária ou reconstrução de regiões; pela consciência da diáspora, através da manutenção das

características etno-culturais e, finalmente, pelo desejo de retorno ao país de origem (Cheran,

2003). Todas essas características podem ser encontradas nas comunidades tâmeis espalhadas

pelos cinco continentes.

De acordo com Cheran a diáspora tâmil é estimada em 700.000 pessoas, refugiadas

sobretudo no Canadá, Europa, Índia e Austrália e é formada por refugiados e exilados que

deixaram o país devido ao conflito interno (Wayland, 2004). Estima-se que, desde 1983, um terço

da população tâmil anterior a esse período deixou a ilha (Foglerud, 2001). Cerca de 110.000

tâmeis se encontravam no estado indiano de Tamil Nadu no final de 1998 e, aproximadamente,

450.000 pediram asilo na Europa e América do Norte entre 1983 e 1998 (Wayland, 2004). No

próximo capítulo, será evidenciado o caráter transnacional do conflito através da lógica da

mobilização transnacional que, como foi possível perceber, se assenta no relevante papel das

comunidades de diáspora e na articulação transnacional empreendida pelos Tigres de Libertação

da Pátria Tâmil (LTTE).

32 Os cingaleses podem ser considerados como uma comunidade transnacional pois se encontram em várias regiões, como Austrália, Oriente Médio, Canadá e Reino Unido. Apesar de não serem considerados uma diáspora, pois são

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3 O CONFLITO TÂMIL NO SRI LANKA E A LÓGICA DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA

TRANSNACIONAL

Como foi visto no capítulo anterior, o caráter transnacional do conflito no Sri Lanka pode

ser percebido através da lógica da mobilização transnacional assentada, em larga medida, nas

atividades das comunidades de diáspora. A transnacionalidade do conflito se expressa, sobretudo,

por meio da movimentação e do fluxo de pessoas, capitais e idéias/informações. A fim de

explicitar essa dimensão transnacional, esse capítulo buscará apontar os fenômenos e

circunstâncias que envolvem o conflito tâmil e conferem a ele um caráter que vai além das

fronteiras do Sri Lanka. Para facilitar a compreensão, o capítulo estará dividido de acordo com os

três eixos da lógica da mobilização transnacional. Em primeiro lugar, será demonstrado como se

dá a circulação de capital, mais precisamente, o financiamento do grupo guerrilheiro.

Posteriormente, será trabalhada a questão da mobilidade de idéias e informações, enfocando o

relevante papel dos meios de comunicação, mídia e o uso da internet. Por fim, será analisada a

circulação de pessoas e o impacto das migrações sob o conflito.

3.1 A MOBILIDADE DE BENS E CAPITAL

De acordo com Katrin Radtke (2006), grupos armados podem obter financiamento de

quatro maneiras principais: doações, atividades empresariais, taxas e pagamento por proteção e

segurança. Esse financiamento é proveniente de um forte vínculo com as comunidades de

diáspora, podendo ocorrer de forma espontânea ou mesmo coercitiva. O processo de arrecadação

caracterizados por migrações voluntárias, possuem um caráter ativo transnacionalmente, sobretudo empenhados na reconstrução de um Sri Lanka budista e cingalês. (Cheran 2003)

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de fundos para o grupo guerrilheiro faz parte do que é chamado de “economia moral da

diáspora”, envolvendo um sistema de articulação que garante a essas comunidades a provisão de

casas, empregos, roupas e suprimentos, principalmente no período imediatamente após a

transição para o território estrangeiro. A preocupação com os parentes que permanecem na zona

de conflito e um sentimento de culpa por ter escapado enquanto os compatriotas permanecem

lutando são fatores que impulsionam a participação dos membros da diáspora no financiamento

dos grupos armados. (Radtke, 2006)

A primeira forma de levantamento de fundos para grupos armados, nesse caso os Tigres

de Libertação da Pátria Tâmil, são as doações. Elas são voluntárias e podem ser ofertadas em

dinheiro ou outros gêneros como jóias, roupas, etc. Podem ser elencadas três estratégias

principais de arrecadação de doações, sendo elas: a organização de festivais, a publicação de

apelos na mídia33 e a coleta porta a porta. No Canadá, por exemplo, a coleta porta a porta é

organizada pela Canadian Tamil Broadcasting Corporation, que organiza também uma lista com

os nomes dos doadores e as quantias ofertadas. O contato pessoal e a divulgação das doações

possibilita um maior comprometimento dos doadores e integração da comunidade. Esse

sentimento de identidade fica mais evidente durante os festivais, quando geralmente são

promovidas atividades culturais como filmes sobre batalhas na terra natal ou entrevistas com

combatentes, além de danças, músicas e discursos políticos. Na diáspora tâmil esses festivais são

organizados durante as datas comemorativas estabelecidas pelo LTTE em memória dos mártires e

vítimas da guerra34. (Radtke, 2006)

33 Radtke (2006) argumenta que a existência de uma mídia eficiente é fundamental para o sucesso das arrecadações. Ela é utilizada para legitimar a guerra e lembrar aos membros da diáspora o sofrimento vivenciado na região de conflito. Mais adiante, no tópico acerca da circulação de idéias/informações, essa questão será mais destrinchada. 34 Os principais festivais ocorrem em datas como o Karuppu Joolai, em julho, que relembra as revoltas contra os tâmeis em 1983; Msveerar Naal, comemoração do aniversário do líder do LTTE; Karum Puli Thinam, quando é celebrado o primeiro atentado suicida comandado pelos Tigres, dentre outros.

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Grupos armados como o LTTE também podem se beneficiar de atividades empresariais

dirigidas por membros da diáspora. Em Toronto, por exemplo, existem centenas de pequenos

negócios tâmeis e pelo menos dois guias (Vanikan Business Directory e Tamils’ Guide) são

distribuídos gratuitamente nas lojas tâmeis. Alguns ramos de atividades comerciais são

conduzidos diretamente pelo LTTE, como o comércio de ouro e jóias. O grupo também possui no

Canadá mercearias e outros comércios35, opera uma linha de ônibus que vai de Montreal a

Toronto e conduz o seu próprio serviço de postagem. É comum, ainda, que o LTTE forneça

recursos para empresários tâmeis que necessitam começar ou recuperar um negócio.

Posteriormente, quando o negócio começa a gerar lucros, os rendimentos são divididos entre o

empresário e os Tigres. (Radtke, 2006) De acordo com Gunaratna (apud Radtke, 2006), a renda

proveniente de atividades empresariais no Canadá, entre outubro de 1998 e outubro de 1999,

correspondeu a aproximadamente U$6,5 milhões.

Uma terceira forma de prover fundos é através de taxas ou impostos que constituem

contribuições monetárias impostas e não relacionadas a nenhum tipo de serviço em troca.

Diferente das doações, essas contribuições representam entradas financeiras mais regulares. O

recolhimento das taxas é feito de porta em porta por coletores do LTTE que, geralmente, estão

munidos de listas que contêm os nomes e endereços dos membros da diáspora. Os valores das

contribuições são estipulados e após o pagamento é entregue um recibo com a assinatura de

Vellupillai Prabhakaran, o líder do LTTE. No Canadá, as quantias exigidas giram em torno de

1.000 dólares canadenses por ano e podem chegar a 3.000 para empresários e comerciantes

(Gunaratna apud Radtke, 2006).

35 Nesses comércios são vendidos produtos como jornais, calendários, souvenirs e vídeos do LTTE. É possível comprar também um cartão telefônico conhecido como “Eelam Card” que permite que um membro da diáspora no Canadá se comunique com parentes nas áreas controladas pelo grupo guerrilheiro no Sri Lanka, através de um telefone via satélite. (Radtke, 2006)

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Por fim, resta mencionar o pagamento por proteção (protection money), também utilizado

pelo LTTE. Essa estratégia é utilizada quando as doações e taxas não são viáveis em razão de

uma perda do vínculo entre o grupo armado e a comunidade de diáspora, do enfraquecimento da

relação entre a diáspora e a terra natal ou em função da incapacidade do grupo guerrilheiro de se

estabelecer como o representante da causa. Esse tipo de pagamento não possui um caráter

voluntário e inclui um tipo específico de serviço em troca: garantia de segurança, seja do membro

da diáspora ou de parentes na terra natal. No caso da recusa em efetuar o pagamento, a pessoa

pode ser vítima de ameaças contra a sua própria segurança e contra a segurança da família. Assim

como as doações e taxas, essa forma de arrecadação de fundos ocorre de porta em porta,

aumentando a insegurança dos membros da diáspora e os constrangendo a colaborar com os

Tigres. (Radtke, 2006)

Byman (2001) aponta, ainda, uma outra forma de financiamento do grupo guerrilheiro: o

tráfico de pessoas36. De acordo com a Inteligência de países como Canadá, Austrália e Reino

Unido, o LTTE possui um importante papel no tráfico ilegal de emigrantes e refugiados,

retirando-os do Sri Lanka e da Índia e levando-os para o Ocidente. Acredita-se que o grupo

arrecade entre U$18.000 e U$32.000 em cada transação. Apesar da dificuldade de obter

informações precisas a esse respeito, o Departamento de Investigação Criminal do Sri Lanka

descobriu, em junho de 2000, uma operação que traficou cerca de 650 pessoas para a União

Européia, por meio de vistos falsos. Supostamente, o LTTE utiliza em larga escala o território

tailandês para facilitar a movimentação dos emigrantes pelas fronteiras nacionais, contando com

funcionários especializados que atuam como intermediários em Bangkok. Um dos destinos mais

36 O tráfico de drogas, principalmente heroína, também é cogitado como uma forma de obtenção de recursos monetários. O LTTE possui uma posição vantajosa no que diz respeito ao tráfico de drogas devido à eficiente rede internacional desenvolvida com o objetivo de contrabandear armas. As rotas por onde circulam armas e munições se localizam próximas à grandes produtores de drogas como Burma, Camboja, Tailândia, Afeganistão, dentre outros países. (Chalk, 1999)

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desejados pelos emigrantes tâmeis é o Canadá. Afirma-se que eles viajam do Sri Lanka para

Bangkok, munidos de passaportes falsos, onde aguardam por uma gama maior de documentações

falsas (como cartões de residência, carteiras de motorista e passaportes). De posse desses

documentos, as pessoas são traficadas e entram no Canadá pelos Estados Unidos, evitando as

rotas diretas como os aeroportos de Toronto, Montreal e Vancouver. (Byman et al., 2001)

É importante mencionar que, na maioria das vezes, o levantamento de fundos não é feito

diretamente pelo grupo guerrilheiro. O LTTE é taxado em muitos países como um grupo

terrorista e busca legitimar sua luta perante a sociedade internacional. Sendo assim, grande parte

das arrecadações são conduzidas por associações tâmeis que, oficialmente, não possuem vínculo

com o grupo37. Essas organizações, pelo menos aparentemente, recolhem fundos para trabalhos

humanitários e reconstruções de regiões destruídas pela guerra no Sri Lanka. Os fundos

arrecadados ao redor do globo e as organizações que cooperam para a captação de recursos são

coordenados pela Secretaria Internacional do LTTE. Esse órgão é dirigido por Velummylum

Manoharan e é responsável por administrar todo o apoio externo que é recebido, garantindo que

os recursos chegarão e serão utilizados nas ações guerrilheiras no Sri Lanka. (Byman et al., 2001)

Alguns aspectos são responsáveis por influenciar a arrecadação de fundos provenientes da

diáspora. A existência de mais de um grupo rebelde ou a fragmentação dos grupos armados pode

prejudicar o levantamento das contribuições financeiras, tendo em vista que a comunidade de

diáspora pode ficar confusa ou indecisa no momento de contribuir. Na década de 1980, pelo

menos três grupos guerrilheiros tâmeis atuavam em Toronto: Organização de Libertação da Pátria

Tâmil (TELO), Organização de Libertação Popular da Pátria Tâmil (PLOTE) e Organização de

Estudantes Revolucionários do Eelam (EROS). O fato do LTTE ter incorporado ou derrotado

37 Por muitos anos a World Tamil Movement foi a maior organização tâmil no Canadá. Até a década de 1990 ela apoiava abertamente o LTTE até que, em 1995, o líder da organização foi acusado de ser um membro do grupo e

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esses grupos posteriormente contribui para aumentar a eficácia da mobilização da diáspora, já

que o grupo passou a ser visto como o único representante da causa tâmil, sendo capaz de

canalizar toda a arrecadação de fundos. A dinâmica da guerra (derrotas e vitórias) também podem

influenciar o financiamento dos grupos armados38. A perda ou ocupação de territórios, ataques e

episódios relevantes podem ser usados como pretextos para a organização de festivais e

campanhas de arrecadação. Negociações de paz ou a vitória de um grupo guerrilheiro e a

conseqüente transformação dele em um partido político também podem afetar a relação entre a

diáspora e o grupo rebelde no tocante ao financiamento. (Radtke, 2006; Byman et al., 2001)

O governo do Sri Lanka estima que as contribuições financeiras provenientes da diáspora

tâmil gere ao LTTE uma soma de, aproximadamente, U$80 milhões por ano. Por outro lado,

representantes da Federação das Associações de Tâmeis Canadenses (FACT) argumentam que a

população tâmil no Canadá, por exemplo, não seria economicamente capaz de doar quantias que

perfazem esse valor. Afirmam, também, que o dinheiro enviado ao Sri Lanka pelas comunidades

de diáspora vai para familiares e organizações humanitárias. De qualquer forma, identificar com

exatidão quais são as remessas financeiras enviadas para o LTTE seria muito complexo39. Em

primeiro lugar, mesmo que membros da diáspora enviassem quantias para familiares, os Tigres

arrecadar recursos para os Tigres. A partir de então, as operações do LTTE, no Canadá, se tornaram cada vez mais secretas. 38 Um exemplo interessante foi a conquista pelo LTTE da região conhecida como Elephant Pass, uma faixa de terra que liga a Península de Jaffna ao restante da ilha do Sri Lanka, ocorrida em abril de 2000. De acordo com informações oficiais do governo canadense e cingalês, após a conquista do território foi constatado um grande volume de contribuições não só em dinheiro mas também em jóias (Byman et.al., 2001). 39 A dificuldade em monitorar as remessas se deve à forma como elas são enviadas. Utiliza-se, em larga medida, sistemas informais de transferências monetárias. Nessas transações, o dinheiro é entregue a um agente informal que calcula o valor na moeda local e em rúpias cingalesas e a taxa que será cobrada pelo serviço de transferência. No mesmo dia ou em um prazo máximo de 3 dias, o dinheiro é entregue ao destinatário no Sri Lanka. Não é necessário nem mesmo que ele possua uma conta bancária pois a remessa é entregue por um representante do agente na casa do destinatário. Nesse caso, o dinheiro não cruza as fronteiras de fato, ele é transferido por meio de trocas de mercadorias, manipulações de faturas, contrabando e etc., sem passar pelo sistema bancário convencional. Essas transferências informais são adotadas pela diáspora tâmil pela facilidade (já que não exigem o preenchimento de uma série de formulários), pelos baixos custos e por existir uma quantidade limitada de bancos nas províncias que compõem o Eelam. (Cheran & Aiken, 2005)

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poderiam se apossar de parcelas deste valor40. Em segundo lugar, grande parte dos projetos

humanitários na ilha são conduzidos pela Organização de Reabilitação Tâmil (TRO), que possui

um forte vínculo com os Tigres. Isso não significa que o dinheiro não seja gasto com ações

humanitárias mas indica que ele, possivelmente, é administrado de acordo com os interesses do

grupo. (Wayland, 2004)

As diversas formas expostas de levantamento de fundos para o grupo guerrilheiro revelam

a significante contribuição das comunidades de diáspora. Diante disso, é possível que se

questione o papel dos governos hospedeiros, a razão pela qual eles não atuam de modo a impedir

o apoio da diáspora ao movimento de insurgência na terra natal. Em primeiro lugar, é difícil para

os países hospedeiros discernirem imigrantes obedientes à lei de ativistas pró LTTE. Para fazer

essa diferenciação seria necessário investir no monitoramento das comunidades imigradas, algo

que requer gastos, além de ir contra as políticas democráticas do Ocidente. Outro fator importante

diz respeito à influência política que o LTTE exerce sob as comunidades de diáspora, sendo

capaz de conduzir os votos tâmeis em favor de determinados políticos. Muitos candidatos no

Canadá, por exemplo, acreditam que o voto das comunidades tâmeis pode ajudar-los a garantir a

vitória eleitoral41. Percebe-se, então, que alguns governos são condescendentes com o apoio que a

diáspora fornece ao movimento tâmil por uma questão de inércia42. Se eles não tomam nenhum

tipo de postura, tacitamente estão permitindo que o LTTE se organize e arrecade fundos entre a

diáspora. Por outro lado, a oposição ao movimento de insurgência demandaria um aumento de

gastos que, aparentemente, não traria benefícios diretos. (Byman et al., 2001)

40 Acredita-se que o LTTE possui listas contendo o nome dos tâmeis que vivem fora do país, seus recebimentos no país onde se encontram e, através de ligações com bancos locais, a quantia financeira que enviam de volta ao Sri Lanka. Quando o dinheiro chega aos parentes, um representante do grupo visita essas pessoas e solicita uma parte do valor. 41 Em Toronto, por exemplo, a comunidade tâmil equivale a 6.000 votos (Cheran, 2003) 42 Alguns países não se manifestam em oposição à contribuição da diáspora para o grupo guerrilheiro pó serem incapazes de limitar as operações do LTTE em seu território.

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Ainda neste tópico, fazendo referência à circulação de bens, é interessante abordar como

se dá a aquisição de armas e demais artefatos militares, processo segundo o qual se matem ativa a

luta entre o governo cingalês e os Tigres da Pátria Tâmil. A circulação desses produtos ocorre em

escala global e assim como o financiamento é o que possibilita a efetivação dos confrontos

liderados pelo LTTE no Sri Lanka. A aquisição de armas, contudo, não conta diretamente com a

atuação da diáspora, a não ser pelo provimento dos recursos financeiros necessários. Até 1987, o

papel de fornecer apoio direto era exercido pela Índia que dava suporte militar não só ao LTTE

mas a outros grupos que lutavam pela causa tâmil, como o PLOTE, TELO, dentre outros.

Esse apoio vinha, sobretudo, em forma de treinamento de insurgentes e suprimento de

armas e era proveniente de preocupações geopolíticas e ideológicas. A Índia observava a

aproximação do governo cingalês junto aos países do Ocidente – existia a hipótese de que o porto

de Trincomalee seria oferecido à marinha norte-americana – além do bom relacionamento entre o

Sri Lanka e a China e o Paquistão (países que já se envolveram em guerras contra a Índia).

Apoiar grupos como o LTTE significava uma forma de pressionar o governo do Sri Lanka a

repensar sua postura. Entre 1982 e 1987, o LTTE contava com cerca de 30 campos de

treinamento em Tamil Nadu e algo em torno de 20.000 tâmeis receberam proteção,

financiamento, treinamento e armas. O apoio era proveniente do governo central, do governo

estadual de Tamil Nadu e de outros grupos insurgentes. A partir de 1987, contudo, a Índia

interrompeu a assistência ao LTTE, já que o aumento da violência na ilha estava gerando ondas

de refugiados para a província indiana e, consequentemente, estimulando um sentimento

separatista na região. (Gunaratna, 1997)

Sobretudo a partir do assassinato de Rajiv Gandhi, em 1991, o grupo guerrilheiro passou a

diversificar sua atuação, buscando novas formas de adquirir materiais bélicos. A rede

transnacional de armas articulada pelo LTTE é liderada por Kumaran Pathmanathan (conhecido

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como “KP”) que enfatizou, a partir do fim do auxílio indiano, a aquisição de explosivos e mísseis

para serem utilizados contra as forças cingalesas (Davis, 1996). Afirma-se que ele estabelece

intermediários em diversos países, criando uma rede transnacional de aquisição de armas. Essas

pessoas, geralmente, não possuem treinamentos militares e nunca estiveram envolvidas em

confrontos violentos na ilha. Essa é uma tática utilizada para evitar que esses comerciantes de

armas sejam reconhecidos pela Inteligência cingalesa ou de outros países (Gunaratna, 1997).

Para se estabelecerem nos países ocidentais, esses intermediários a serviço de “KP”

viajam com passaportes e vistos conseguidos por tâmeis residentes em países como EUA,

Austrália e Canadá e que possuam características físicas semelhantes. Eles vão acompanhados de

mais um membro de LTTE que, após a entrada no país escolhido, retorna com os documentos

originais e os devolve aos verdadeiros donos. Uma vez no país de destino, os intermediários

solicitam o status de refugiados, garantindo que as negociações de armas possam ser feitas sem

levantar suspeitas. (Byman et al., 2001)

Para efetivar o suprimento de armas, “KP” conta com uma frota conhecida como Pombos

do Mar. Na maioria das vezes esses navios (aproximadamente 10) transportam cargas legais

como chá, arroz, sementes, etc. Fato é que no resto do tempo eles são responsáveis pelo

transporte de armas, explosivos e munições, comprados de diversos países como Camboja,

Myanmar, Afeganistão, Bulgária, República Tcheca, Coréia do Norte, Ucrânia e Croácia. (Chalk,

1999) Atualmente, o LTTE tem expandido seu comércio com a África do Sul, já que o país que

faz fronteira com Angola e Moçambique, grandes fornecedores de munição, possui infra-

estrutura satisfatória em termos de comunicações e transportes, possui tradição em acobertar o

comércio de armas – devido às sanções sofridas na época do Apartheid – e conta com grupos que

declaradamente apóiam a luta tâmil. A Tailândia pode ser considerada o ponto intermediário

entre os diversos países, de onde provêm as armas, e o Sri Lanka. O território tailandês permite

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acesso a antigas zonas de guerra – onde ocorrem “bazares” de armamentos – e está a uma curta

distância da ilha através da Baía de Bengala. (Davis, 2000)

As atividades internacionais do LTTE relacionadas à aquisição de armas se concentram,

sobretudo, em cinco principais zonas geográficas. A primeira delas é o nordeste e sudeste asiático

que compreende China, Coréia do Norte, Camboja, Tailândia, Hong Kong, Vietnã e Burma. As

armas oriundas dessa região são traficadas através do Mar da China, pelos estreitos de Malaca e

Singapura até a Baía de Bengala ou passando pelo território tailandês. O Afeganistão e o

Paquistão caracterizam a segunda região de onde provêm os armamentos adquiridos pelo LTTE.

Eles também podem ser obtidos da antiga União Soviética, particularmente, da Ucrânia. A quarta

zona onde o LTTE pode operar é composta pelo sudeste europeu e Oriente Médio, mais

precisamente Líbano, Chipre, Grécia, Bulgária e Turquia. As armas e munições são trazidas dessa

região passando pelo Canal de Suez, contornando o Chifre da África em direção ao Sri Lanka.

Por fim, o fluxo de armas pode ser originado na África, em países como a Nigéria, Zimbábue e

África do Sul, geralmente, passando pelo Cabo da Boa Esperança ou via Madagascar. (Chalk,

1999)

Como foi possível perceber, o LTTE se articula transnacionalmente para obter os recursos

necessários à manutenção do conflito na ilha, sejam eles recursos financeiros ou materiais. A

diáspora possui um papel relevante no tocante ao suporte financeiro, notadamente após o fim do

apoio indiano no final da década de 1980. Além disso, a circulação de bens, essencialmente

suprimentos militares, é crucial para que o LTTE prossiga insurgindo contra o governo cingalês.

Como foi visto, a aquisição de armas comandada pelos Tigres ocorre em uma escala global, pois

o grupo opera transnacionalmente, criando todo o aparato necessário (negociadores, meios de

transporte e etc) para obter os suprimentos bélicos que lhes permitem empreender ataques e

continuar controlando as áreas sob seu domínio. Entretanto, não é apenas a circulação de capitais

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e bens que afeta o conflito no Sri Lanka. O fluxo de idéias e informações também é um aspecto

fundamental que proporciona ao conflito uma repercussão que ultrapassa as fronteiras do Estado.

3.2 A MOBILIDADE DE IDÉIAS , INFORMAÇÕES E IDENTIDADES

Os avanços tecnológicos e os novos meios de comunicação permitem que idéias e

informações circulem livremente pelo mundo. A mobilidade desses elementos possibilita que a

identidade de uma comunidade seja mantida apesar da distância territorial. A mídia e a

disseminação de idéias e informações são essenciais para garantir a unidade da diáspora tâmil,

possibilitando a mobilização política transnacional. Assim como no que tange ao financiamento e

à aquisição de armas, os Tigres de Libertação da Pátria Tâmil possuem uma ampla rede de

articulação destinada a zelar pela publicidade do grupo frente a governos, organizações e

indivíduos, bem como preocupada em vincular as comunidades tâmeis espalhadas pelos cinco

continentes.

A circulação de informação entre as comunidades de diáspora representa um fator

importante para a manutenção da identidade e para assegurar que a população tâmil que vive fora

da ilha se mantenha informada sobre todos os acontecimentos que envolvem o conflito. Em

Toronto, por exemplo, circulam cerca de 10 jornais no idioma tâmil, sendo que metade deles são

gratuitos43. Existem 7 estações de rádio que colocam no ar, durante toda a semana, programas

falados em tâmil que recebem várias ligações de ouvintes por dia. A cidade conta com três

cinemas que exibem apenas filmes em tâmil e é onde está localizada a maior loja de vídeo e

música tâmil. Existem pelos menos seis templos hindus, além de uma série de empreendimentos

e organizações políticas, culturais, empresariais e sociais encabeçadas por membros da diáspora.

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A Tamil Eelam Society se destaca como uma das principais organizações de assistência social à

população tâmil em Ontário, por exemplo. (Wayland, 2004)

Através da disseminação de informações a identidade das comunidades tâmeis nos mais

diversos países vai sendo garantida, evitando que os membros da diáspora assimilem totalmente

as características dos lugares onde se encontram. Por meio de jornais, programas de rádio, cinema

e etc a população tâmil se matem informada sobre o conflito e sobre as comunidades tâmeis em

outros países. Esse é um elemento fundamental para assegurar que a diáspora continue se

envolvendo no conflito, apoiando e financiando o LTTE e a causa tâmil. Além disso, as

características culturais, a língua e a religião são preservadas, evitando que aqueles que deixaram

o Sri Lanka adotem em seu dia-a-dia os hábitos das sociedades onde estão inseridos, em

detrimento do modo de vida tâmil.

A internet possui um papel crucial na disseminação de informações, possibilitando que

em qualquer lugar do mundo, onde exista um computador com acesso à rede, uma pessoa possa

se informar sobre os mais diversos assuntos. Existem uma grande quantidade de websites nos

quais encontram-se análises de acontecimentos sob uma perspectiva tâmil, cronologias sobre o

conflito no Sri Lanka, canais de comunicação para as comunidades de diáspora, além de diversos

outros assuntos não relacionados às questões políticas, como por exemplo classificados e

anúncios (Wayland, 2004). Alguns sítios são destinados a comunidades específicas como o Tamil

Canadian44, direcionado para a diáspora tâmil no Canadá. Nele estão disponíveis listas de

associações tâmeis e sugestões sobre como fazer contato com o governo canadense, dentre outros

43 Incluindo a Europa e os EUA são mais de 40 jornais, sendo a maioria deles administrados pelo LTTE (Gunaratna, 1997). 44 http://www.tamilcanadian.com/, acessado em 10 de novembro de 2006.

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serviços. Outros, como o Tamil Nation45, são voltados para a população tâmil como um todo,

especialmente para aqueles dispersos geograficamente.

Muitos desses sites estão em inglês mas podem, também, ser lidos no idioma tâmil,

através de software especializado. Neles os tâmeis podem ler jornais da Pátria Tâmil, ouvir

estações de rádio do Eelam, enviar cartões eletrônicos que apresentam bandeiras, mapas e estão

voltados para ocasiões festivas, podem ouvir discursos do líder do LTTE, acessar informações da

terra natal como, por exemplo, páginas amarelas, participar de plataformas de discussão sobre a

luta tâmil, além de terem à disposição uma série de dados políticos, históricos, culturais, dentre

outros. Nesse ambiente virtual a comunidade tâmil em todo o mundo se sente conectada, mantêm

suas tradições e características culturais e permanece informada e engajada politicamente em

relação ao conflito na ilha. Muitos desses sites são considerados os “oficiais” da causa tâmil e do

Eelam e são mantidos pelos Tigres de Libertação da Pátria Tâmil (Tekwani, 2006).

Em alguns momentos a internet é a única fonte de informação sobre as zonas de combate,

devido à censura do governo cingalês46. Quando os combates são intensificados na ilha, ocorre

um aumento significativo na busca por informações nos sites tâmeis de notícias. No início de

novembro de 1999, por exemplo, quando o LTTE lançou uma ofensiva contra as forças

governamentais, o Tamil Canadian e o Tamil Net47 registraram algo em torno de 1 milhão de

visitas cada um (Wayland, 2004). É interessante notar que os sítios que representam a Pátria

Tâmil visam conectar virtualmente toda a população separada fisicamente e pregam a

constituição de um Estado convencional. Sendo assim, a maioria deles rejeita a correspondência

que existe entre a rede (world wide web) e os territórios governados por Estados, ou seja, não

45 http://www.tamilnation.org, acessado em 10 de novembro de 2006. 46 Em junho de 1998, por exemplo, jornalistas nacionais e estrangeiros foram proibidos de entrar nas regiões onde estavam ocorrendo os combates entre as tropas do governo e o LTTE. As informações eram fornecidas apenas pela imprensa militar e as notícias publicadas em outros países não podiam ser “importadas” devido à censura. Assim

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utilizam as terminações que caracterizam a origem dos websites48. De maneira geral, fazem uso

das terminações “.com” ou “.org”. (Enteen, 2006)

A internet e os demais meios de comunicação são também instrumentos eficientes usados

pelos Tigres de Libertação da Pátria Tâmil para garantir a mobilização política. As tecnologias de

comunicação são utilizadas para propagar uma mensagem nacionalista, atingindo o maior número

possível de tâmeis, a despeito da distância espacial que os separa. As festividades anuais do

Heroes’ Day são uma expressão da forma como as informações, idéias e o sentimento de

identidade são rapidamente disseminados. Todos os anos, no dia 27 de novembro o líder do

LTTE, Velupillai Prabhakaran, faz um discurso em homenagem aos mártires da guerra, dando

informações acerca dos últimos acontecimentos envolvendo o conflito. Milhares de membros da

diáspora se reúnem, ao mesmo tempo, em espaços públicos para realizarem suas próprias

comemorações. Apenas alguns minutos após o discurso de Prabhakaran eles são capazes de ouvi-

lo através de estações particulares de rádio. Em aproximadamente trinta minutos, o texto (já em

inglês) pronunciado pelo líder e as fotos do evento podem ser acessados através da internet.

Dessa forma, durante festividades e datas especiais as comunidades de diáspora podem ter a

sensação de que estão conectadas à terra natal pois têm acesso praticamente em tempo real aos

acontecimentos no Tamil Eelam. (Wayland, 2004)

O LTTE também utiliza os meios de comunicação e a unidade das comunidades de

diáspora para promover suas atividades de publicidade e propaganda49. O responsável pela

sendo, acredita-se que até o governo e os oficiais militares buscavam informações em sites tâmeis na internet. (Wayland, 2004) 47 http://www.tamilnet.com/, acessado em 11 de novembro de 2006. 48 Os sites brasileiros, por exemplo, fazem uso da terminação “.br”. Supostamente, sites criados por comunidades de diáspora poderiam utilizar as terminações dos países em que se encontram ou aqueles criados pelos tâmeis no Sri Lanka poderiam terminar com o “.lk”, mas isso não acontece. Como é anunciado em alguns sites, a população tâmil se considera uma nação transnacional. 49 A primeira vez que o grupo articulou uma propaganda internacional foi em 1978, quando produziu o primeiro folheto, distribuído na XI Conferência Mundial da Juventude em Havana, Cuba, onde estavam reunidos diversos líderes revolucionários (Gunaratna, 1997).

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divulgação do grupo é V. Manoharan (que está à frente da Secretaria Internacional do LTTE, que

supostamente conta com escritórios em 54 países) cujo objetivo é aumentar o apoio político

internacional. A mensagem propagada está assentada em três pontos principais: os tâmeis são

vítimas do governo no Sri Lanka, dominado por cingaleses; são subjugados a constante

discriminação e opressão militar; e jamais conseguirão coexistir com a população cingalesa em

um único Estado. De maneira geral, o LTTE promove e divulga suas idéias através de grupos de

pressão e mídia, coordenados por organizações regionais50. (Chalk, 2000)

Em sua campanha internacional, os Tigres possuem como lema a paz51, divulgando em

sites da internet, em panfletos, vídeos e calendários os resultados dos ataques militares cingaleses

nas regiões controladas pelo grupo. Eles contam com uma sofisticada infra-estrutura para manter

as “missões diplomáticas” informadas sobre os acontecimentos nas regiões de combate, enviando

diariamente relatórios, fotos e se comunicando através de telefones via satélite. É assim, por meio

da divulgação da violência do conflito, que o LTTE consegue o apoio de diversas organizações

não-governamentais internacionais52. Tal apoio é fundamental para o grupo pois, de certa forma,

internacionaliza e legitima a causa tâmil e a busca pela independência do Tamil Eelam. (Chalk

2000)

Entretanto, após a decisão dos Estados Unidos de incluir o grupo na lista de organizações

terroristas internacionais, em 1997, a campanha para garantir a imagem do LTTE sofreu um

grande retrocesso. Após os atentados de 11 de setembro de 2001 esse processo vem se agravando

devido aos esforços para combater o terrorismo transnacional. O LTTE faz parte da lista de

50 Dentre as organizações mais ativas estão a Australian Federation of Tamil Associations, Swiss Federation of Tamil Associations, French Federation of Tamil Association, Federation of Association of Canadian Tamils, Illankai Tamil Sangam (nos EUA), Tamil Coordinating Committee in Norway e International Federation of Tamil in United Kingdom. (Chalk, 2000) 51 Para maiores informações ver http://www.lttepeacesecretariat.org, acessado em 22 de novembro de 2006. 52 Exemplos dessas organizações não governamentais são: Canadian Relief Organization for Peace in Sri Lanka, International Educational Development Inc, Australian Human Rights Foundation, International Federation of Journalists, World Council of Churches, dentre outras. (Chalk 2000)

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grupos terroristas da Organização das Nações Unidas, em acordo com a Resolução 1373 do

Conselho de Segurança, aprovada em 28 de setembro de 200153 e adotada por países como os

EUA, Reino Unido e Canadá. A despeito das barreiras e limitações impostas por esses governos,

os Tigres continuam empreendendo suas atividades publicitárias, através de organizações de

fachada54, buscando mobilizar politicamente as comunidades de diáspora a fim de alcançar

financiamento e apoio da população tâmil, assim como outras organizações e até mesmo

governos. Contudo, desde então, as atividades do grupo vem adotando uma postura cada vez mais

discreta, aumentando a relevância da utilização da internet (Tekwani, 2006)

As tecnologias de comunicação também já foram utilizadas pelo LTTE para colocar em

prática ações políticas diretas. Em agosto de 1998 ocorreu o que a CIA caracterizou como o

primeiro “cyber ataque” promovido por um grupo terrorista conhecido. Durante duas semanas,

embaixadas do Sri Lanka na América do Norte, Europa e Ásia foram “bombardeadas” com

mensagens de e-mails. Elas receberam cerca de 800 mensagens por dia em seus computadores,

anunciando que aquele era um ataque dos Internet Black Tigers, cujo objetivo era interromper a

comunicação das embaixadas. (Zanini & Edwards, 2001)

Além de promover a disseminação de informações, propaganda e até mesmo ser usada

para ataques contra o governo, a internet possui um papel essencial na comunicação. Através da

rede, membros do LTTE podem se comunicar uns com os outros de maneira mais segura,

anônima. O grupo pode, também, entrar em contato com outros movimentos de insurgência,

facilitando a articulação entre eles. A internet promove, ainda, o contato entre os membros da

diáspora e o LTTE, permitindo que os tâmeis ao redor do mundo apóiem o movimento e se

53 Disponível em http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N01/557/43/PDF/N0155743.pdf?OpenElement, acessado em 14 de novembro de 2006. 54 No Canadá, por exemplo, o lobbying é feito, principalmente, pela Federation of Associations of Canadian Tamils (FACT) que envia regularmente correspondências ao governo canadense. Alguns políticos canadenses (o Ministro

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engajem politicamente (pressionando a opinião pública, divulgando a causa tâmil e levantando

fundos). Por meio da internet os Tigres são capazes de manipular as informações e ações,

pregando suas idéias e divulgando sua versão do conflito55 sem a interferência do governo

cingalês e da censura56. (Tekwani, 2006)

De maneira geral, pode-se afirmar que o conflito no Sri Lanka possui uma dimensão

transnacional também em relação à circulação de informações, idéias e identidade. Como foi

demonstrado, o LTTE procura garantir a divulgação de informações sobre o conflito, bem como

ressaltar através de diversos meios de comunicação as características culturais tâmeis em meio às

comunidades de diáspora. É importante que o vínculo entre a diáspora e o Tamil Eelam seja

mantido para que os tâmeis espalhados por diversos países se mobilizem politicamente, apoiando

a causa. A internet – além dos outros meios de comunicação – possui um papel relevante pois

proporciona espaços virtuais nos quais as informações e idéias circulam livremente e, através

deles, toda a população tâmil pode se sentir conectada. O LTTE se articula transnacionalmente,

ainda, para zelar pela sua imagem internacional e para alcançar apoio político através de suas

atividade de publicidade e propaganda. É por meio da mobilidade de informações, idéias e

identidade que o conflito tâmil se torna conhecido, condição essencial para que ele possua uma

dimensão que vai além das fronteiras do Sri Lanka.

das Finanças Paul Martin, por exemplo) já participaram de eventos tâmeis, como um jantar de gala pela virada do ano tâmil em 6 de maio de 2000. (Wayland, 2004) 55 O governo do Sri Lanka, obviamente, utiliza a mesma estratégia, divulgando fotos e imagens televisivas da devastação causada pelos atentados a bomba perpetrados pelo LTTE. A divulgação internacional dessas imagens contribui de forma significativa para que o grupo seja caracterizado como uma organização terrorista. (Venugopal, 2003)

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3.3 A MOBILIDADE DE PESSOAS

Como já foi possível observar, a diáspora está intimamente ligada à dimensão

transnacional do conflito tâmil. O papel das comunidades tâmeis vivendo fora da ilha é

fundamental para facilitar a articulação internacional do LTTE e para fazer com que o conflito

esteja relacionado a fenômenos transnacionais, que vão além das fronteiras do Sri Lanka. A

diáspora, por sua vez, só é viável através da mobilidade de pessoas, da migração. A mobilidade

de pessoas pode ser relevante para o conflito em função da emigração - saída de pessoas (tâmeis)

da ilha – e fixação desses indivíduos em outros países, ou pela imigração – entrada de pessoas no

Sri Lanka, quando pensa-se, por exemplo, no impacto que o retorno de milhares de tâmeis

poderia trazer para o país57. A fim de prosseguir enfatizando a relevância da diáspora, esta seção

se aterá à emigração – saída de tâmeis do território cingalês.

Após os confrontos de 1983, milhares de pessoas deixaram a ilha e outras tantas

continuam abandonando o Sri Lanka em razão do conflito. A importância da população tâmil

vivendo fora da ilha se deve a três fatores principais. O primeiro deles é o tamanho da diáspora

que pode ser estimada entre 600 e 800 mil pessoas, ou seja, de 20% a 30% da população tâmil

mundial – aproximadamente 2,5 milhões. Em segundo lugar está a relevância da localização

dessa população. Os tâmeis estão dispersos pela América do Norte, Europa, Ásia e Austrália,

possibilitando a criação de redes transnacionais devido às vantagens políticas, econômicas e

estratégicas. O terceiro fator é a proximidade emocional que existe entre a diáspora e os

acontecimentos que envolvem o conflito. Como ela é composta, sobretudo, por exilados e

56 Alguns sites utilizados pelo LTTE para divulgar informações são: http://www.eelamweb.com/, http://www.eelamnation.com/, http://www.tamilpower.com/, http://www.sangam.org/, acessados em 21 de novembro de 2006. 57 Estima-se que entre 25.000 e 30.000 tâmeis – membros da diáspora – retornam anualmente ao Sri Lanka, principalmente após o acorde de cessar-fogo, em 2002 (Cheran, 2003).

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refugiados de guerra, os tâmeis se mantêm envolvidos com o conflito na terra natal. Dessa forma,

podem ser facilmente levados a se mobilizarem politicamente em relação à luta que ocorre na

Pátria Tâmil. (Venugopal, 2003)

Tsagarousianou (2004) chama a atenção para a necessidade de compreender o conceito de

diáspora que está totalmente relacionado ao “transnacional” e se refere a fluxos

multidimensionais de pessoas, produtos e idéias, além de diversas formas de interação. As

comunidade de diáspora – interligadas por características comuns culturais, étnicas, lingüísticas e

religiosas – podem ser consideradas grupos transnacionais não só por estarem transnacionalmente

dispersas mas, também, pela constante e intensa interação no nível transnacional. É devido à

conexão entre elas que as comunidade de diáspora podem estar localizadas em meio a um

conjunto de fluxos transnacionais que interligam pontos geograficamente distantes.

A diáspora contribui para o surgimento de fluxos transnacionais e pode ser considerada

como uma das forças que intensifica a globalização (Clifford apud Tsagarousianou, 2004). As

novas tecnologias e as facilidades de comunicação maximizam o potencial de impacto da

mobilidade de pessoas, já que a migração envolve a circulação de capital, bens, informações,

idéias e identidades, como foi demonstrado acima. A mobilidade de pessoas possibilita o

estabelecimento de redes e a conseqüente circulação de fluxos que transcendem as fronteiras

estatais. As comunidades de diáspora implicam na criação de redes que se estendem por todo o

globo e que estão em permanente contato, nas quais circulam todos os tipos de fluxos.

Como foi exposto na primeira parte deste capítulo, o LTTE não só se beneficia da

existência da diáspora tâmil como, também, se envolve no processo de emigração. O grupo está

relacionado ao tráfico de pessoas, organizando operações para a saída de tâmeis do Sri Lanka e

entrada dessas pessoas em outros países da Ásia, Europa e América do Norte. O LTTE é

responsável pela falsificação de documentos e pelo transporte até os países onde os tâmeis irão se

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fixar. Os emigrantes que estão deixando a ilha viajam acompanhados de membros do LTTE ou

de agentes associados ao grupo, sempre munidos de documentos de nacionalidade falsa. Algumas

vezes a viagem pode exigir passagem por lugares intermediários enquanto são providenciados os

recursos necessários para chegar ao país de destino58. A maioria das pessoas que deixam o Sri

Lanka solicitam o status de refugiados nos novos territórios, mas também são grandes os

números daqueles que entram como imigrantes comuns. (Thompson, 2003)

A mobilidade de pessoas é, ainda, facilitada pela diáspora tâmil, pelas comunidades já

instaladas. Isso ocorre, principalmente, em relação a familiares, quando tâmeis fixados em outros

países se articulam para possibilitar que seus parentes também deixem a ilha. Acredita-se que

membros da diáspora no Reino Unido e Canadá exerçam um importante papel na negociação de

condições de transporte e aquisição de documentação falsa para trazer seus entes da zona de

conflito para o Estado onde se encontram59. Comunidades tâmeis no Oriente Médio e em países

do sudeste asiático inclusive fornecem auxílio, através de postos intermediários, a tâmeis que

estão de passagem por essas regiões rumo ao Ocidente. (Crisp, 1999)

Como Venugopal (2003) afirma, desde que o movimento de insurgência tâmil substitui o

apoio proveniente de Tamil Nadu (no final dos anos 80) pelas contribuições geradas pela

diáspora tâmil, “as dimensões políticas externas do conflito efetivamente se expandiram de um

contexto regional para um contexto internacional” (Venugopal, 2003: p.24). A existência de

comunidades de diáspora permite que a lógica da mobilização política transnacional seja

desenvolvida, conferindo ao conflito uma dimensão transnacional, já que fluxos provenientes de

58 Em 1985, por exemplo, um grande número de tâmeis chegaram ao Canadá requerendo status de refugiados e alegando que o país era o primeiro local de refúgio desde o Sri Lanka. Na verdade, eles haviam passado pela Índia, União Soviética, Alemanha Oriental e, então, Alemanha Ocidental, onde foram interrogados por autoridade locais. Dali o grupo prosseguiu por navio até o Canadá. Enquanto isso, em Hamburgo, um incêndio destruiu os arquivos policiais que possuíam informações sobre a passagem e estadia dos tâmeis pelo território alemão. (Thompson, 2003) 59 O LTTE lucra com o tráfico de pessoas de diversas formas, seja organizando toda a operação de saída de tâmeis da ilha e entrada em outros países, fornecendo documentos falsos ou apenas cobrando uma taxa pelo “visto de saída”

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diversos países circulam transnacionalmente, adentrando as fronteiras do Sri Lanka e, de alguma

forma, influenciando o conflito.

Duas circunstâncias específicas demonstram como membros da diáspora podem se

engajar politicamente e expandir a dimensão do conflito estando fora do Sri Lanka. O primeiro

episódio ocorreu em 1978, quando um tâmil residente em Londres se dirigiu à Assembléia Geral

das Nações Unidas fingindo ser o Ministro das Relações Exteriores cingalês. Antes que o

verdadeiro ministro tomasse o seu lugar, ele alarmou que o governo do país vinha cometendo

genocídio contra a população tâmil. O segundo exemplo de participação política efetiva de

membros da diáspora pôde ser visto nas negociações de paz ocorridas em setembro de 2002, as

primeiras conversações diretas entre o LTTE e o governo do Sri Lanka. Dentre os quatro

delegados oficiais do grupo, dois eram membros da diáspora. Considerando que o próprio líder

das negociações viveu no Reino Unido durante os anos 70 e atualmente vive fora da ilha, três dos

quatro negociadores podem ser considerados parte da diáspora tâmil (Sriskandarajah, 2004).

Além disso, a diáspora é, também, uma relevante fonte de recrutamento humano para o LTTE60.

Além da importância da diáspora, vale ressaltar também que é a mobilidade de pessoas e a

possibilidade de entrada de tâmeis em diversos países (mesmo que ilegalmente) que possibilita o

estabelecimento de bases do LTTE em outros territórios, fora da ilha. A partir dessas bases

(escritórios, campos de treinamentos, células) o grupo guerrilheiro tem a capacidade de articular e

executar atividades de publicidade e propaganda, busca por financiamento, tráfico de armas,

tráfico de drogas, assim como estabelecer contatos diretos com outros movimentos insurgentes,

organizações não governamentais ou mesmo representantes de governos (Voorde, 2005). A

necessário para deixar as áreas controladas pelo LTTE. A taxa pelo visto de saída é cobrada, sobretudo, daqueles cuja família nunca serviu às forças guerrilheiras dos Tigres. (Thompson, 2003) 60 Os tâmeis vivendo fora da ilha podem se associar ao grupo e exercer vários papéis sem, necessariamente, retornar à ilha. Eles podem operar como agentes do tráfico de armas e drogas, conduzir atividades de propaganda, promover

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porosidade das fronteiras em relação à circulação de pessoas permite que o LTTE efetive suas

ações em outros territórios mais livremente, fora do alcance do controle cingalês.

Como as duas seções anteriores revelaram, a mobilidade de pessoas é fundamental para a

criação das redes onde transitam os fluxos de bens, capital, idéias, informações e identidade.

Como a migração tâmil evidencia, é a partir da saída de pessoas do Sri Lanka e fixação em outros

territórios que a mobilização política transnacional pode acontecer. Fora do país em conflito o

LTTE consegue se articular com mais liberdade e, assim, empreende seus esforços na luta contra

o governo cingalês. A diáspora, por sua vez, possui um papel significativo pois é fonte de

recursos financeiros, humanos e de apoio político, além de propiciar que o conflito seja

conhecido além das fronteiras do Sri Lanka.

Como este capítulo buscou demonstrar, o conflito no Sri Lanka, embora seja um conflito

interno, está relacionado a fenômenos transnacionais como a mobilidade de bens e capitais,

idéias, informações e identidade, assim como, a circulação de pessoas. Isso ocorre na medida em

que, para levar adiante a luta contra o governo, os Tigres de Libertação da Pátria Tâmil contam

com o financiamento que vem, sobretudo, da diáspora, adquirem armas e munições por meio de

redes transnacionais, disseminam informações e idéias a fim de conquistar apoio político e se

beneficiam da porosidade das fronteiras que permite a circulação de pessoas. Esse capítulo

buscou demonstrar, através de fatos concretos sobre o conflito tâmil que “a guerra vem sendo

travada dentro do Sri Lanka, embora os esforços tâmeis sejam sustentados por redes étnicas

transnacionais” (Wayland, 2004:p.424)

eventos para congregar a diáspora, fazer parte das organizações de fachada, recolher fundos ou mesmo atuar em atentados terroristas. Existe, ademais, a possibilidade de retornar ao país e compor as forças guerrilheiras do LTTE.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou evidenciar as relações transfronteiriças e o caráter transnacional

que o conflito no Sri Lanka apresenta. A intenção foi demonstrar que, a despeito de ocorrer

dentro de um único país, o conflito está relacionado a fenômenos que transcendem as fronteiras

do Estado cingalês. Como foi exposto, a luta tâmil possui antecedentes que remontam à época da

colonização e às disputas pelo poder quando da independência do antigo Ceilão. Políticas

discriminatórias, condições de vida limitadas e restrições na participação política foram

responsáveis por acentuar as diferenças entre os grupos existentes e possibilitar o surgimento de

um nacionalismo étnico, que resultou em um violento confronto entre os Tigres de Libertação da

Pátria Tâmil e o governo do Sri Lanka.

Desde a deflagração de uma guerra civil, em 1983, são grandes os números de mortos,

deslocados internos e refugiados, além do complexo processo de paz atualmente vivenciado. A

população no Sri Lanka observa, constantemente, confrontos entre tâmeis e cingaleses, assim

como atentados contra a população civil e ofensivas governamentais no intuito de colocar fim ao

movimento de insurgência. O LTTE reivindica a independência – ou pelo menos autonomia – da

área localizada a norte e leste do país, conhecida como Pátria Tâmil. O grupo controla,

atualmente, o norte do Sri Lanka onde exerce um governo de facto, embora suas atividade não

estejam limitadas a essa região.

Na busca por alcançar o objetivo proposto, foi percebido que existem fatores externos

(além de intervenções estatais) que influenciam em larga medida os conflitos internos, da mesma

forma que fluxos provenientes dos Estados em conflito podem causar impactos regionais e

internacionais. Fenômenos externos como os fluxos transnacionais possuem relevantes papéis em

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relação a conflitos internos, como acontece no caso do Sri Lanka. Nesse momento, nota-se a

importância da globalização na acentuação desse processo, tornando as fronteiras mais

permeáveis em função das novas tecnologias de transporte e comunicação.

A fim de demonstrar o caráter transnacional do conflito, foi empregada a “lógica da

mobilização política transnacional”, assentada na criação e articulação de redes transnacionais

utilizadas por atores políticos não estatais – inclusive violentos – desejosos de alterar

determinado status quo. É dessa forma que o estudo realizado no presente trabalho se insere em

meio a discussões que visam relacionar as questões concernentes aos conflitos aos fenômenos

impulsionados pela globalização. Como foi abordado, a lógica da mobilização transnacional se

assenta em fluxos que transcendem as fronteiras estatais e circulam através de redes

transnacionais, cujos pontos se encontram em diferentes localidades do globo. Esses fluxos

podem ser de pessoas, bens, capital, idéias, informações e identidade, todos eles apresentando

impactos significativos para os conflitos internos.

Esta pesquisa buscou evidenciar a relevância da lógica da mobilização política

transnacional para o conflito tâmil. O capítulo 3 demonstrou como o grupo de insrugência – o

LTTE – se articula transnacionalmente para conseguir os recursos necessários para empreender a

luta contra o governo. Foi possível perceber que o grupo, sobretudo após o fim do apoio indiano,

baseia o seu financiamento nas comunidades de diáspora, utilizando diversos meios para tal. No

que tange aos aspectos militares, o grupo se envolve com o tráfico internacional de armas,

estabelecendo redes por meio das quais a aquisição de armas se torna possível. A circulação de

bens e capital permitem ao grupo guerrilheiro efetivar a insurgência contra o governo cingalês e

levar adiante todas as atividades que encabeça, dentro e fora do Sri Lanka.

O capítulo 3 revelou, ainda, como a mobilidade de idéias, informações e identidade

possibilita a politização da diáspora, impede que essas comunidades se esqueçam do conflito e

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garante a preservação da identificação tâmil. Sem esses elementos a mobilização política se torna

impossível e o engajamento da diáspora no conflito não acontece. O LTTE propaga

internacionalmente sua mensagem e utiliza todos os tipos de avanços nas comunicações para

interligar o grupo e a comunidade tâmil espalhada pelo mundo. Como foi demonstrado, através

da circulação de idéias, informações e identidade, o conflito no Sri Lanka ganha uma dimensão

transnacional na medida em que se torna de conhecimento e interesse de comunidades situadas

em várias áreas do mundo.

Por fim, foi demonstrado como a mobilidade de pessoas possibilita a circulação dos

demais fluxos transnacionais, além de permitir a criação das redes de articulação utilizadas pelos

Tigres de Libertação da Pátria Tâmil. Salientou-se a importância da diáspora como fonte de

financiamento, apoio, recrutamento, dentre outros. A mobilidade de pessoas permite, também, o

estabelecimento de bases do LTTE, fazendo com que uma questão, até então de segurança interna

do Sri Lanka, se torne um assunto que abrange outros Estados.

De maneira geral, buscou-se evidenciar neste trabalho como o conflito no Sri Lanka não

se restringe às fronteiras do Estado, como não são apenas fatores internos que influenciam o

confronto entre tâmeis e cingaleses. Percebeu-se que o caráter transnacional do conflito se baseia,

acima de tudo, na articulação transnacional do movimento de insurgência, o LTTE. Ficou claro

que a busca por financiamento em outros países, a aquisição de armas além das fronteiras, a

utilização de mecanismos de publicidade e propaganda transnacionalmente, a instalação de bases,

escritórios e agentes em diversos países conferem ao conflito um alcance que não se limita

apenas ao Sri Lanka.

É possível que a dimensão transnacional do conflito tâmil e as relações transfronteiriças

com as quais ele está envolvido venha a ser uma das razões pelas quais ele dura há tantos anos e

apresenta possibilidades remotas de resolução. A história do conflito conta com diversas

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tentativas de por fim aos confrontos: diplomacia, intervenção, intimidação, guerra e mediação,

sem que nenhuma delas, até hoje, tenha apresentado resultados eficientes. O fato dos Tigres de

Libertação se articularem transnacionalmente, ou seja, não dependerem apenas de fatores

domésticos para efetivarem a insurgência contra o governo, implica em uma maior autonomia do

grupo. Já que o LTTE conta com o apoio político de comunidades dispersas territorialmente, é

financiado por capital externo, recebe suprimentos militares provenientes de diversos países e

possui, inclusive, ramificações em diferentes pontos do globo, uma medida efetiva de combate ao

grupo teria que ser fruto da cooperação internacional.

Nesse ponto as comunidades de diáspora podem, mais uma vez, exercer um papel

significativo quando influenciam o governo dos países onde se encontram, pressionando-os e

levando-os a tomarem determinadas atitudes em relação ao conflito. É o chamado “efeito

bumerangue” (Keck & Sinkkink, 1998), quando grupos originados de um país (diáspora tâmil,

por exemplo) se fixam em outra localidade e pressionam esses Estados a influenciarem o

comportamento do governo de seu país de origem (Sri Lanka). Pode-se imaginar que, muitas

vezes, os governos estrangeiros não assumem posturas mais severas em relação ao LTTE em

função da pressão exercida pelas comunidades de diáspora. A influência dessas redes de ação

cívica, entretanto, é um tema para futuras discussões.

Através desta pesquisa espera-se, ainda, ser possível fazer uma última consideração

relevante para as relações internacionais. O caso trabalhado revelou que o conflito tâmil no Sri

Lanka possui um caráter transnacional, ou seja, está envolvido em relações que transcendem as

barreiras estatais. Como foi demonstrado, esse caráter se baseia na circulação de fluxos através de

redes transnacionais que afetam o movimento de insurgência e o conflito como um todo. Pode-se

dizer, então, que a conclusão a que se chegou acerca do conflito tâmil pode ser aplicada aos

demais conflitos internos levados a cabo por grupos rebeldes que se articulam

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transnacionalmente, especialmente aqueles que vivenciaram diáspora. Isso se deve ao fato de que

se os fluxos transnacionais não afetassem os conflitos internos, assim como, se a mobilização

política transnacional não fosse possível, ou seja, se apenas fatores domésticos fossem relevantes

para os conflitos internos, esse fatalmente seria o caso do Sri Lanka, tendo em vista que trata-se

de uma ilha – naturalmente isolada de outros territórios.

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