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Agriculturas - v. 2 - n o 3 - outubro de 2005 1 Gerando riquezas e novos valores Gerando riquezas e novos valores outubro 2005 vol. 2 n o 3 Gerando riquezas e novos valores

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Gerandoriquezase novos valores

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outubro2005vol. 2

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2 Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005

v. 2, n0 3(corresponde ao v. 21, nº 2 da Revista LEISA)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa –, em parceria com a Funda-ção ILEIA - Centre of Information on Low External Input

and Sustainable Agriculture.

AS-PTARua da Candelária, n.º 9, 6º andar.

Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21) 2233-8363

E-mail: [email protected]

Fundação ILEIAP. O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10www.leisa.info

Conselho EditorialCláudia Calório

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Eugênio FerrariCentro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAss. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica

e Extensão Rural - Emater, RS

Marcelino LimaDiaconia, PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional-Fase/RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico, RS

Miguel Ângelo da SilveiraEmbrapa Meio Ambiente

Paulo PetersenAS-PTA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número Sílvio Gomes de AlmeidaProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Sílvio G. de Almeida, Fernanda A. Teixeira,Gustavo M. da Silva e Jurema Diniz

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque e tradução Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzFoto da capa Arquivo FASE/PA

Projeto gráfico e diagramação I GraficciImpressão SRG

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

ISSN: 1807-491X

edito

rial

lógica econômica que comanda os rumos dodesenvolvimento rural no Brasil oculta ainsustentabilidade do modelo fundado na em-

presa patronal monocultora. Por um lado, ela deixa à som-bra o fato de que a celebrada competitividade do agro-negócio depende cada vez mais de pesados subsídios pú-blicos. Por outro, escamoteia as elevadas e crescentescontrapartidas públicas negativas nos planos ambiental esocial que sustentam os resultados econômicos privadosdas fazendas modernizadas.

Fundamentados nessa mesma lógica de curtoprazo, analistas convencionais encaram a agricultura debase familiar como um resíduo histórico em vias deextinção. Segundo suas interpretações, os estabelecimen-tos familiares já não reúnem condições de competir com aempresa rural altamente tecnificada num ambiente macro-econômico que favorece a concentração em todos os se-tores da economia. Apesar dessas previsões fatalistas, aagricultura familiar vem demonstrando notável capacidadede convivência com entornos sócio-econômicos hostis ecom o desprestígio ideológico e o desamparo político aosquais esteve historicamente submetida. Sua persistência sópode ser explicada pelo fato de que adota uma racionalidadetécnica e econômica que leva em conta o longo prazo,racionalidade essa não captada pela teoria econômica con-vencional. O equilíbrio entre produção econômica e repro-dução social nos sistemas agrícolas familiares permite queeles se sustentem mesmo quando são submetidos a condi-ções econômicas adversas, já que permanecem operandocom baixas taxas de remuneração monetária, desde quepossam assegurar taxas endógenas relativamente elevadasde reprodução ecológica, técnica e social.

Ao propugnar a diversificação e a integraçãodas atividades produtivas no tempo e no espaço, a ciênciada agroecologia reforça as estratégias técnicas e econômi-cas tradicionalmente empregadas pela agricultura familiar,alçando-as a níveis superiores na espiral dos conhecimen-tos. As experiências relatadas neste número da revista Agri-culturas colocam em evidência o papel positivo que aagroecologia desempenha sobre a sustentabilidade eco-nômica da agricultura familiar, seja ao proporcionar níveissatisfatórios e estáveis de renda para as famílias e comuni-dades rurais, seja ao incrementar a autonomia técnica eeconômica e reforçar os mecanismos de defesa dosagroecossistemas contra os riscos inerentes à atividadeagropecuária.

O editor

Gerando riquezase novos valores

A

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Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005 3

Índi

ce

Artigos

Eventos pág. 43

Páginas na internet pág. 42

Publicações pág. 40

Editor convidado Sílvio Gomes de Almeida pág. 4

pág. 37

pág. 12

pág. 16

pág. 19

pág. 23

pág. 31

As contradições da economia de mercado: pág. 7um olhar sobre a renda da agricultura agroecológicaAlvori Cristo dos Santos

Fundo Rotativo Solidário: instrumento de promoção pág. 12da agricultura familiar e do desenvolvimentosustentável no semi-áridoJosé Camelo da Rocha e José Waldir de Sousa Costa

A economia de base ecológica em pequenas propriedades pág. 16familiares: o caso da família RutkoskiAdilson R. Bellé, Juliana Mazurana e Lauro Foschiera

Algodão agroecológico: pág. 19uma experiência no semi-árido cearensePedro Jorge B. F. Lima

A certificação do açaí na região do Baixo-Tocantins: pág. 23uma experiência de valorização da produção familiaragroextrativista na AmazôniaSebastião Aluizio Solyno Sobrinho

A construção da economia feminista na pág. 27Rede Xique-Xique de Comercialização SolidáriaIsolda Dantas

Agricultoras descobrem nova forma de gerar renda e pág. 31garantir uma alimentação seguraJosé Aldo dos Santos e Rebeca Barreto

A reforma agrária e a reconversão pág. 34produtiva do meio ruralRosângela Pezza Cintrão

Gestão econômica da transição agroecológica – pág. 37ensinamentos de um caso na região centro-sul do ParanáSílvio Gomes de Almeida e Gabriel Bianconi Fernandes

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4 Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005

edito

r co

nvid

ado

s sistemas produtivos familiares de base agroecológica encerram umconjunto de características e uma multiplicidade de funções que con-ferem a suas atividades econômicas um caráter multifocado e, ao

mesmo tempo, fortemente interconectado. Deste ponto de vista, esses sistemas têm princípios seme-lhantes aos sistemas tradicionais e neles se inspiram, introduzindo-lhes novos elementos que fortale-cem sua capacidade de produção e de reprodução econômica, social, técnica e ambiental.

A economia desses sistemas se fundamenta na combinação de diversificados sub-sistemasde produção de bens e serviços voltados para o mercado, para o consumo da família e para reciclagensinternas, gerando diferentes formas e fontes de renda e complementaridades técnico-econômicas. Apar de constituírem unidades territoriais de produção e consumo, os sistemas familiares constituemigualmente unidades de relações organizadas em torno a valores, referências culturais e conhecimen-tos, que são também parte integrante de suas estratégias reprodutivas.

Geralmente enraizados num meio físico conhecido e sob controle, eles mantêm uma rela-ção positiva com o território, sendo capazes de valorizar e mobilizar as potencialidades próprias aosecossistemas naturais e ao meio social em que estão inseridos como componentes estruturais domanejo ecológico e da gestão de suas economias.

Ao mesmo tempo, a produção familiar agroecológica é portadora de grande eficácia cole-tiva no campo econômico. Por meio de um conjunto de atividades agrícolas, agro-extrativistas e não-agrícolas, ela provê serviços ambientais e contribuições ao desenvolvimento local, que configuramum bem público de elevado valor agregado ecológico, social e econômico (a preservação e uso susten-tado dos recursos da biodiversidade, redistribuição local das rendas geradas na comunidade, etc).

Em síntese, a lógica que orienta a sustentabilidade econômica da produção familiaragroecológica, ao visar a otimização a longo prazo das rendas geradas no conjunto do sistema, diferediametralmente dos critérios da empresa capitalista, estruturada em torno da obtenção de lucros acurto prazo.

Essas características e funções produtivas e reprodutivas são parte constitutiva da econo-mia das unidades familiares e, como tal, se incorporam aos processos de gestão dos recursos social-mente disponíveis voltados para a produção de riquezas. Sendo irredutível a uma racionalidade pro-dutiva voltada exclusivamente para a geração de riqueza material expressa em dinheiro, a produçãofamiliar é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, um modo de produção econômica e um modo devida. É na combinação desses modos que se estrutura a lógica econômica desses sistemas e onde seinterconectam as dimensões econômica, social, ambiental, cultural e valorativa.

Organizada em torno a essa racionalidade, e tendo seu desempenho e suas perspectivas desustentabilidade vinculados à capacidade de integração funcional dessas dimensões, a economiafamiliar estabelece relações radicalmente diferentes daquelas mantidas pelas empresas agrícolas capi-talistas entre produção e consumo; uso dos recursos e lucro; tecnologia e meio ambiente; ocupaçãoeconômica e remuneração; riqueza e dinheiro; seres humanos e natureza; produção e reprodução;mercado e renda; produtividade e eficiência; quantidade e qualidade; gestão e trabalho; conhecimen-tos tradicionais e ciência; entre cooperação e competição, dentre outras (1).

Economia x ecologiaTendo por fundamento a mesma matriz teórica reducionista e fragmentária que inspirou,

no campo técnico-agronômico, o desenvolvimento do modelo moto-químico-mecanizado da “revo-lução verde”, os procedimentos correntes da economia têm se mostrado insuficientes ou simples-mente inadequados para apreender, de um ponto de vista holístico, a estrutura e o desempenhoeconômicos dos sistemas produtivos familiares.

Esses procedimentos (como, por exemplo, a relação benefício-custo) não incorporam ele-mentos essenciais da sustentabilidade dessas economias, como a existência de variáveis nãoquantificáveis, a integração de parâmetros biofísicos e agronômicos com processos econômicos, osefeitos em cadeia e as propriedades emergentes das inovações agroecológicas, dentre outros. Esse

Economia familiar:modo de produção

e modo de vidaO

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Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005 5

distanciamento analítico entre a teoria econômica convencional e a realidade da agricultura familiardecorre, pelo menos, de três de suas características básicas, justificando plenamente o ponto de vistade Fritjof Capra (2), segundo o qual o pensamento econômico contemporâneo é substancial e ineren-temente anti-ecológico:

• Contrariamente à produção familiar ecológica, cuja sustentabilidade incorpora estrutu-ralmente a busca da harmonização entre as atividades técnico-econômicas e a qualidadedo meio natural, o pensamento econômico contemporâneo tem demonstrado crônicaincapacidade de considerar a dimensão econômica inserida no contexto dos ecossistemase, por extensão, das relações sociais.A economia convencional desconhece os conceitos de limites naturais, de capacidade desuporte dos ecossistemas e de equilíbrio ecológico. Os recursos naturais têm, na “funçãode produção”, o caráter meramente instrumental de estoque de insumos passíveis demobilização por capital e trabalho. Nesse enfoque mecanicista, está implícita a idéia deque os fatores de produção (capital, trabalho e recursos naturais) podem ser perfeita-mente substituídos entre si, o que significa que qualquer limite imposto pela natureza àatividade econômica poderá ser indefinidamente superado pelo avanço científico etecnológico, através de novas combinações de capital e trabalho.

• Um outro limitante da economia convencional para o estudo da sustentabilidade dossistemas produtivos familiares diz respeito ao conceito de valor. Nos modelos convencio-nais os únicos valores considerados são aqueles que podem ser quantificados e expressosem preços estabelecidos em termos monetários nos mercados. Tudo o mais sãoexternalidades que não fazem parte dos procedimentos do cálculo econômico. Esseenfoque restritivo retira da teoria e dos instrumentos de avaliação econômica a capacida-de de identificar, analisar e atribuir valor a aspectos qualitativos e não-monetários quesão fundamentais para o entendimento das dimensões ecológicas, sociais, ambientais eculturais da atividade econômica.

• Ao desconsiderar o contexto ecológico-social e as dimensões não-quantitativas da ativida-de econômica, os conceitos e procedimentos da teoria econômica convencional mostram-se inteiramente inadequados para rastrear, explicar e computar os custos da decomposiçãosocial e da degradação ambiental do mundo rural promovidas pela “revolução verde”. Damesma forma, eles são incapazes de identificar e atribuir valor aos serviços ambientaisprestados pelos produtores agroecologistas no manejo equilibrado dos ecossistemas. Essalimitação restringe irremediavelmente qualquer esforço de análise comparativa consistenteda sustentabilidade entre diferentes sistemas e modelos produtivos. Ao mesmo tempo, elaadverte para a necessidade de interpelar, do ponto de vista ecológico, conceitos correntesda análise econômica como eficiência, produtividade, lucro – e mesmo o conceito centralde riqueza – referidos a atividades econômicas produtoras de lucros privados e de altoscustos públicos e prejuízos sociais e ambientais quase sempre irreversíveis.

Essas diferenças que singularizam a organização econômica dos sistemas familiares reme-tem a valores, conceitos e práticas que fundamentam relações sociais e estratégias peculiares degestão dos recursos produtivos e de regulação dos processos socioeconômicos e técnicos de reprodu-ção microeconômica. São elas que, em grande parte, explicam a enorme capacidade de resistência ede mobilização de mecanismos de auto-defesa que têm revelado os sistemas produtivos familiaresface à ação permanente de poderosas forças desestruturadoras, organizadas, sobretudo, no Estado enos mercados. Trata-se, na verdade, de um sistema de organização econômica cuja apreensão analí-tica demanda a formulação de uma estrutura conceitual e metodológica ajustada e inteiramentenova. Este é seguramente um dos principais desafios colocados a uma economia ecológica preocupa-da simultaneamente com o avanço do conhecimento e a construção de um novo paradigma dedesenvolvimento sustentável do mundo rural, que defenda e promova a produção familiar.

***Os artigos apresentados nesta edição de Agriculturas, em seu conjunto, trazem exemplos

de como produtores e produtoras familiares, em todo o país, foram e estão sendo capazes de consti-tuir modos de vida mais sustentáveis, pelo desenvolvimento de economias fundadas principalmentena mobilização inovadora de recursos naturais e de conhecimentos, pela criação de novas oportuni-dades de inserção nas esferas produtivas e da comercialização, e, também pelo fortalecimento decapacidades sócio-organizativas próprias.

Referenciados a contextos sócio-ambientais e a sistemas econômicos familiares ou de baseassociativa muito distintos, esses artigos nos trazem também contribuições ao enfrentamento dodesafio posto ao desenvolvimento rural sustentável de formular paradigmas novos e adequados parauma economia ecológica compreensiva e estimuladora dos processos de manejo dos ecossistemas. Deum lado, os autores e autoras exercitam enfoques e instrumentos analíticos que lhes permitam captara singularidade dos processos econômicos em foco; de outro, propõem ou suscitam um amplo lequede questões que demandam clarificação e aprofundamento no campo teórico e dos instrumentos daanálise econômica.

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6 Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005

*Sílvio Gomes de Almeidaeconomista, diretor-executivo da AS-PTA

[email protected]

Cabe, ao final desta apresentação, simplesmente sublinhar de forma apenas indicativa osconteúdos dos principais dentre esses pontos, por meio de alguns exemplos, com o objetivo deprecisar o sentido e também estimular a leitura dos textos produzidos.

Em todos os artigos, as experiências são apresentadas e analisadas com foco nos processossociais de produção, de repartição e de reprodução das riquezas, que constituem o objeto definidorda atividade econômica. Dessa forma, explícita ou implicitamente, os textos se demarcam das con-cepções simplificadoras do pensamento econômico convencional que, ao ocultar o caráter social edesigual das relações produtivas e de repartição de valor, as naturalizam, reificando-as nos produtos.Coerente com esse enfoque, a análise da atividade econômica exercitada nos artigos não está funda-mentada nas variações da combinação insumo-produto. Ao contrário, ela se amplia ao conjunto dasdimensões propriamente econômica, técnica, ambiental, sócio-cultural e político-organizativa queespecificam e condicionam as estratégias de produção e de reprodução da riqueza nos sistemasfamiliares que delas são constitutivas.

Por outra parte, todos os artigos evidenciam a grande importância que assume nas econo-mias familiares analisadas a produção para os mercados e a constituição de rendas monetárias. Essacaracterística é também associada, em todos os casos, à implementação de estratégias voltadas paraa estabilidade, a flexibilidade e a autonomia produtiva e econômica das famílias. De um lado, ossistemas incorporam forte diversidade produtiva, mesmo quando há um esforço focado em um produ-to específico. De outro lado, a produção para os mercados se associa e se combina com a manutençãode um dinâmico setor econômico de auto-consumo (produtor de rendas não-monetárias) que garan-te a segurança alimentar das famílias. Em terceiro lugar, a reprodução da fertilidade dos sistemas éfundamentalmente assentada em complementaridades geradas internamente. Finalmente, as famíli-as procuram assegurar, individualmente ou de forma associativa, o acesso a uma grande diversidadede mercados. Diferentemente da procura de mercados estruturados, especializados e de longa distân-cia, ressaltam aí os mercados locais ou de proximidade como os espaços por excelência de venda dadiversidade produtiva, e onde as famílias e associações são capazes de exercer maior controle sobre asrelações oferta-demanda, sobre a formação dos preços e a apropriação do valor produzido.

Alguns dos artigos chamam nossa atenção para uma questão essencial ao desenvolvimen-to da agroecologia: o papel novo e ativo que as mulheres agricultoras passam a assumir, individual-mente ou pela força de sua ação coletiva, nos processos de promoção da agroecologia e na gestãotécnico-econômica dos sistemas produtivos. Trata-se para as mulheres de enfrentar os bloqueios denatureza política e cultural presentes nas relações familiares, comunitárias e em âmbitos mais amplosda sociedade, que limitam o exercício de suas capacidades criativas e a valorização social de seusconhecimentos e de seu trabalho. As experiências apresentadas e discutidas nos trazem exemplos daíntima relação entre o desenvolvimento agroecológico e das economias familiares com o desbloqueioda força produtiva das mulheres e o reconhecimento de suas capacidades de inovação e de participa-ção social, ao mesmo tempo em que apontam caminhos através dos quais estão emergindo relaçõesmais igualitárias entre gêneros.

Finalmente, cabe assinalar que todas as contribuições a este número da revista encerram esuscitam questões de concepção e método essenciais ao desenvolvimento do conhecimento nocampo da agroecologia e, no caso, da construção de um pensamento econômico que lhe corresponda.Em que pese recortes mais ou menos amplos e níveis diferenciados de profundidade da análise econô-mica, todas essas contribuições têm a realidade como sua matéria. Partem das experiências concre-tas, das práticas e estratégias econômicas de produção e nelas ancoram o exercício de aproximaçãoanalítica, revendo ou utilizando novos conceitos e testando instrumentos mais ajustados de análisemicroeconômica. Assim, ao mesmo tempo em que apontam um caminho fecundo para a emergênciade um novo enfoque, os artigos estabelecem um duplo divisor de águas: de um lado, com o reducionismomonetário e mercadológico do pensamento dominante; de outro, com vertentes diversas do roman-tismo econômico que, ao contestar com razão o dinheiro como forma absoluta da riqueza, se apartamdos processos reais, não entendendo que as formas monetárias – como a renda – são também expres-sões sociais da riqueza. Como tal, elas cristalizam e exprimem relações e correlações sociais de forçaque ocupam lugar central nas estratégias produtivas e nas preocupações cotidianas dos produtores eprodutoras familiares com sua reprodução social e biológica.

Referências:(1) SANTOS, B. de S. (org). Produzir para viver – os caminhos da produção não capitalista.Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2002, 514p.

(2) CAPRA, F. O Ponto de mutação. São Paulo: Ed. Cultrix, 2003, 448p.

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Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005 7

olhar sobre a ren-da, proposto nes-te artigo, é uma

“ferramenta de linguagem” empre-gada na promoção de um processode comunicação entre agricultorese todos os sujeitos histórica e orga-nicamente envolvidos com os cam-poneses. Para isso, é necessário es-tarmos completamente abertos auma construção compartilhada, de-fendendo nossos pontos de vista,sem dúvida, como sujeitos efetivos,mas metodologicamente dispostosa absorver consertos, arrumações eaprimoramentos. Fundado nessaconcepção, este texto tem um ob-jetivo ainda mais definido: expor,por meio de um olhar sobre a ren-da, a condição monetária da produ-ção da agricultura familiar da regiãoSul do Brasil, comparando sistemasconvencionais com caminhos agro-ecológicos em construção.

Alvori Cristo dos Santos*

As contradições da economia de mercado:um olhar sobre a renda daagricultura agroecológica

O conceito de renda tem estado orientadoquase sempre por um enfoque econômico centrado ex-clusivamente nas relações monetárias insumo-produto evoltado para oportunidades de mercado. Esse reducio-nismo se deve também à não-disponibilização de instru-mentos metodológicos para a análise da realidade soboutra perspectiva, contribuindo para abstrair do debatee da tomada de decisões a questão dos modelos de de-senvolvimento e projetos de sociedade. Além disso, esseenfoque torna agricultores, organizações, instituiçõesde apoio, programas de desenvolvimento e políticas re-féns de um único objetivo: a oportunidade de bons ne-gócios no mercado que, via de regra, se traduzem emganhos individuais somente viáveis em cenários de resul-tados negativos para a maioria.

A geração dos indicadores de renda utilizadosneste artigo não teria sido possível sem o concurso daRede de Agricultores Familiares Gestores de Referências,que se estrutura como uma rede-ferramenta no sul do país.O processo metodológico de produção de referências emrede foi iniciado em novembro de 2003 em 14 regiões deorganização histórica da agricultura familiar (Rio Grandedo Sul, Santa Catarina e Paraná). A Rede é formada até omomento por 212 agricultores gestores comunitários e801 agricultores vizinhos. Entre as organizações parcei-ras, estão cerca de 50 sindicatos de trabalhadores rurais e

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Família Arruda: produtores agroecológicos de São Miguel do Iguaçu

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8 Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005

sindicatos da agricultura familiar, associados à Federaçãodos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Sul (Fetraf-Sul),25 cooperativas de crédito integradas ao Sistema de Cré-dito Solidário (Cresol), dez ONGs vinculadas à RedeEcovida e um assentamento do Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem-Terra (MST). Os indicadores de camposão registrados pelos agricultores nas comunidades e sis-tematizados também por eles, contando com o apoio deorganizações parceiras.

A renda da agricultura comoindicador da possibilidade deexclusão

A renda aferida das 1.013 famílias agricultorasque integram a Rede de Referências indica uma condiçãode risco para um número significativo delas. Quase 47%necessitariam recorrer a algum tipo de financiamento daprodução ou complementação de renda para obter umbalanço monetário positivo no ano agrícola 2003/2004,um período de preços elevados para a soja, o milho, ofeijão, o fumo e o leite, produtos cuja comercializaçãorepresenta parte significativa do resultado econômico dossistemas de produção praticados por essas famílias. Seutilizarmos preços médios históricos, o número de famíliascom renda negativa tende a aumentar consideravelmente.

O formato de cálculo da renda da agri-cultura foi obtido simplesmente dedu-zindo-se do valor bruto da venda daprodução os custos tecnológicos e demanutenção da estrutura produtiva

(consertos de rotina no ano agrícola) edespesas de consumo da família. Inter-pretar esse indicador é um desafio. Elefoi utilizado por sua proximidade comos fluxos monetários reais com queoperam os agricultores. O formato éefetivamente uma ferramenta de diá-logo em construção. Apesar de sua apa-rente obviedade como meio para seobter a quantidade de dinheiro em flu-xo no final de um ano agrícola, seus sig-nificados e valor encontram-se abertosa um processo de análise crítica.

De qualquer forma, a primeira consideração aser feita se refere ao número de famílias com renda negati-va. A avaliação inicial permite observar que as políticas eações de desenvolvimento para a região não apresentamnenhuma agenda objetiva para essa questão e seguemconiventes com uma condição de inoperância e/ou acei-tação do status quo. Todas as iniciativas e agendas dedesenvolvimento deveriam trabalhar com indicadores dessetipo como elemento-base de planejamento estratégico,explicitando os riscos, avaliando impactos junto às popu-lações e elaborando ações concretas. É necessário estipu-lar objetivos e metas no sentido de reverter os cenáriosdominantes sobre as dinâmicas de exclusão e permanên-cia de famílias no campo.

Os diferentes caminhos daagricultura familiar

Os resultados relacionados à produtividade dotrabalho se referem à área de produção manejada por umapessoa adulta e são apresentados a partir de quatro cami-nhos distintos seguidos pelas famílias produtoras associa-das à Rede de Gestores de Referências. Dentre as 1.013famílias que participam até o momento dessa rede-ferra-menta, é possível distinguir quatro grandes “categoriasde caminhos” ou estratégias de manejo técnico-econômi-co dos sistemas produtivos:

• agricultura tradicional;

• agricultura convencional;

• agricultura orgânica;

• agricultura agroecológica de agrofloresta.

Cada atividade agrícola, cada família e, no casopresente, os conjuntos de famílias representados por “ca-tegorias de caminhos”, podem ter a renda apresentadanesse formato.

A renda aferida das 1.013 famíliasagricultoras que integram a Rede deReferências indica uma condição derisco para um número significativodelas. Quase 47% necessitariamrecorrer a algum tipo definanciamento da produção oucomplementação de renda para obterum balanço monetário positivo noano agrícola 2003/2004.

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Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005 9

Observações:

• a renda da agricultura = (valor bruto da produção) –(custos tecnológicos) – (custos de manutenção) – (des-pesas de manutenção familiar);

• as taxas inflacionárias futuras são tendenciais. Foramestabelecidas com base em séries históricas disponíveispara o caminho convencional e divulgadas amplamentena literatura;

• as expressões -1X, -2X, -4X representam uma incógnita(X) relacionada a ordens de grandeza dos custos e pre-ços, que poderão assumir variações para menos em ní-veis e intensidades diferentes (-1, -2, -4), dependendo

das estratégias produtivas e de mercado seguidas pelosdemais caminhos da agricultura familiar em situaçãoreal. Essas expressões referentes aos caminhos tradicio-nal, orgânico e agroflorestal ainda não são conhecidasna forma de indicadores sistematizados e validados. Porisso, são subtraídas do percentual padrão de tendênciasinflacionárias futuras correspondentes à agricultura con-vencional, que é tomada como parâmetro de compara-ção com os demais caminhos;

• a área de produção significa, aproximadamente, a áreatrabalhada por uma pessoa adulta em tempo integral,indicador que nos possibilita comparar sistemas de pro-dução bastante diferentes;

Quadro 1. Indicadores do desempenho econômico dosquatro caminhos, obtidos com base na produtividade dotrabalho de uma pessoa ocupada em tempo integral.

Indicadores Tradicional Convencional Orgânico Agroecologiade agrofloresta

Área de produção (ha) 5 15 0,2 4,5

Produtos comercializados Milho, feijão Soja, leite Hortaliças Banana,outras frutas,

horta etc

Valor bruto da produção – VBP (R$/ha) 780,00 950,00 60.000,00 1.800,00

Valor bruto da produção total (R$) 3.900,00 14.250,00 12.000,00 8.100,00

Custos tecnológicos (%/VBP) 18 77 27 12

Custos de manutenção (%/VBP) 4 8 12 3

Despesas de manutenção da família – DMF (%/VBP) 35 25,8 34 24

Renda da agricultura (%/VBP) 43 (-10,8) 27 61

Renda da agricultura (R$) 1.677,00 (-1.539,00) 3.240,00 4.941,00

Preços: tendência inflacionária futura (5-1X) (5) (5) (5) – Taxa de 5% a.a.

Custos: tendência inflacionária futura (15-2X) (15) (15-2X) (15-4X) – Taxa de 15% a.a.

DMF: tendência inflacionária futura (7) (7) (7) (7-2X) – Taxa de 7% a.a.

Fonte: Rede de Agricultores Familiares Gestores de Referências, safra 2003/2004.

CAMINHOS

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10 Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005

• os indicadores de produtividade do trabalho expressam acapacidade de trabalho de uma pessoa adulta, que tem àdisposição determinados meios de produção normalmen-te disponíveis na agricultura familiar da região Sul.

Os resultados apresentados no Quadro 1 pro-porcionam um olhar sobre os níveis de renda da maioriados agricultores em cada categoria de caminho. Isso signi-fica que em cada categoria algumas famílias apresentammelhores resultados, outras se alinham aos níveis de rendaconstantes do quadro e outras obtêm resultados piores. Agrande questão que destacamos se refere à representa-ção, em cada categoria de caminho, do grupo de famíliascom pior renda e exposto, portanto, ao maior risco emmenor espaço de tempo.

A “agricultura tradicional” é aquela praticadapor famílias com limitado acesso aos benefícios das políti-cas públicas. Emprega um manejo técnico com baixa uti-lização de insumos externos e mostra indicadores de pro-dutividade menores em relação aos padrões normalmentedefinidos como competitivos. É comum comercializar pe-quenas quantidades de produtos variados. Uma pessoaadulta praticando esse caminho em tempo integral temcondições de trabalhar cerca de 5 ha de terra, contandocom a força de trabalho manual e/ou com alguma combi-nação de tração animal, ou mesmo com a aquisição dehoras/máquina. Como assinalado no Quadro 1, os custostecnológicos representariam em torno de 18% dos preçosrecebidos pela venda dos produtos, os custos de manu-tenção da infra-estrutura produtiva representam 4% e asdespesas de manutenção familiar 35%, determinando umarenda positiva de 43% sobre o valor bruto da produção. Éimportante considerar, nesse caso, ser expressivo o núme-ro de famílias que não dispõe dessa área produtiva, recor-rendo sistematicamente a outras rendas para complemen-tar o orçamento. Mesmo com a venda da produção a pre-ços baixos no mercado, muitas famílias, embora vivendoem condições precárias de subsistência, conseguem ope-rar com menores riscos, se comparados aos do caminho daagricultura convencional. A taxa de reajuste dos custostecnológicos pode ser menor do que no padrão convencio-nal. A taxa resultante da expressão (15-2X) pode ter re-sultados variando, por exemplo, entre 13% a 9%, o queconfigura uma situação de maior resistência quando com-binada com os baixos custos tecnológicos que compõema renda, mesmo em cenário de menores preços recebidospor seus produtos (5-X). Esta expressão de tendência in-flacionária pode significar uma remuneração dos produtoscomercializados pela agricultura tradicional de 4% ou 3%,por exemplo. Muitas famílias agricultoras que seguem estecaminho vendem sua produção em estabelecimentos co-merciais que financiam direta e indiretamente sua produ-ção e despesas de manutenção familiar. Dessa forma, con-

dicionadas por uma situação de dependência, essas famí-lias têm seus produtos remunerados a um preço menor doque aqueles praticados no mercado convencional. Apesarda baixa dependência de insumos externos, as situaçõesde pobreza e a limitada disponibilidade de terra podemconduzir a agricultura tradicional à superexploração dosrecursos do meio e à inviabilidade do sistema.

A “agricultura convencional” é o único cami-nho que apresenta dependência de recursos externos paragarantir, em cenários futuros, a permanência de suas ativi-dades produtivas. A produção de grãos e leite é efetivada,total ou parcialmente, com aquisições de algumas horas/máquinas. Os custos tecnológicos de produção são eleva-dos, representando 77% dos preços recebidos no merca-do. Esses indicadores, quando analisados segundo as ten-dências das taxas inflacionárias futuras (preços reajusta-dos em torno de 5% ao ano e custos tecnológicos reajus-tados a taxas por volta de 15% ao ano), nos permitemperceber uma condição de risco extremo para um númeromais expressivo das famílias que seguem esse caminho.São famílias submetidas à “tesoura”, que estrangula umaagricultura altamente dependente de insumos externos eque se baseia em um pequeno número de produções compreços deprimidos nos mercados.

A “agricultura orgânica” é uma cate-goria de caminho histórico trilhado portodos aqueles que, há algumas déca-das, aceitaram o desafio de construir onovo. Ela constituiu uma expressão daagroecologia como nova forma de pro-duzir e, ao mesmo tempo, é reflexo domercado, orientando um processo al-

A “agricultura tradicional” é aquelapraticada por famílias com limitado

acesso aos benefícios das políticaspúblicas. Emprega um manejo técnico

com baixa utilização de insumosexternos e mostra indicadores de

produtividade menores em relaçãoaos padrões normalmente

definidos como competitivos.

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*Alvori Cristo dos Santos:engenheiro agrônomo, técnico do Departamento de

Estudos Socioeconômicos Rurais (Deser).

ternativo. É a expressão da contradi-ção. Os custos tecnológicos represen-tam 27% dos preços recebidos: em par-te, porque a agricultura orgânica nãorecorre aos pacotes preconizados pelamodernização conservadora da agricul-tura, mas também porque comercializaseus produtos a preços mais elevados,que são pagos por um mercado consti-tuído por consumidores com maior po-der aquisitivo. No entanto, nessa pers-pectiva, que inclui a especialização, oscenários futuros não garantem condi-ções de maior autonomia econômica,apresentando cenários de riscos. A re-lação entre preços e custos ainda podeindicar tendências a rendas negativasno caminho orgânico, com taxas infla-cionárias tendenciais de custos tecno-lógicos um pouco menores que no ca-minho convencional (15-2X), porémsem capacidade de recuperar renda emantendo-se na busca de mercados queremunerem seus produtos a preçosmaiores que os convencionais.

A “agricultura agroecológica de agrofloresta”demonstra definitivamente a capacidade de ruptura téc-nico-econômica com a equação negativa entre preços ecustos do capital representada pela agricultura convencio-nal. O caminho seguido por esse padrão de agriculturaaponta para uma perspectiva de autonomia e soberania.Os custos tecnológicos necessários correspondem a 12%dos preços de venda dos produtos. Nos cenários futuros,

as taxas inflacionárias podem tender significativamente azero (15-4X). Depoimentos de agricultores, trilhando deoito a dez anos os caminhos da agroecologia de agro-floresta, dão conta de planos visando ao fim da necessida-de de importação de fertilidade para seus sistemas, limi-tando os custos de produção ao manejo de podas de con-dução da agrofloresta, à manutenção dos equipamentosnecessários a essa prática e algum processo de benefi-ciamento e comercialização. Se tais referências se confir-marem no futuro, os alimentos ecológicos não terão queser mais caros. A forte produção para o autoconsumo per-mite diminuir os custos de compra de alimentos, ao mes-mo tempo em que potencializa a diversificação da pautade produtos alimentares a serem escoados nos mercados.Muitos agricultores, agricultoras e outros agentes dessescaminhos Brasil afora encontram-se em processos inten-sos de construção de conhecimentos na agroecologia deagroflorestas, apresentando grande diversidade de raízessocioculturais: populações indígenas, quilombolas, cabo-clos, negros, migrantes, povos das florestas, dos Cerra-dos, do Pantanal, do semi-árido, dos faxinais, dos pampas,ribeirinhos e pescadores. Ao mesmo tempo, manejam deforma complexa a biodiversidade em uma grande varieda-de de ambientes e de atividades econômicas envolvendo aerva-mate, banana, café, cupuaçu, açaí, plantas medici-nais, essências nativas, hortas e quintais.

No entanto, é importante afirmar que o con-ceito de renda no formato proposto neste artigo, mesmoque entendido como uma “ferramenta de linguagem” eexplicite contradições da agricultura convencional, estáainda restrito a indicadores convencionais. Permanece,assim, o desafio de incluir, neste e em outros formatos derepresentação da renda, outros indicadores que expres-sem a condição de sustentabilidade e de novos paradigmas.Os números apresentados são olhares sobre processos. Egostaria que assim fossem lidos, com todos os limites quenossa capacidade de olhar e perceber possui.

Ao encerrar este artigo, quero fazer um agrade-cimento muito especial a todas as famílias agricultoras e atodas as organizações parceiras da Rede de Gestores deReferências que estão viabilizando a geração dessas infor-mações e o aprimoramento dos conhecimentos sobre no-vas possibilidades de sonhar. A possibilidade de sonharexige esforço, trabalho, método e concepção. A sistema-tização dos conhecimentos alternativos exige estarmosabertos para encarar rupturas, exige construção efetiva eexige solidariedade na construção.

A forte produção para oautoconsumo permite diminuir oscustos de compra de alimentos, aomesmo tempo em quepotencializa a diversificação dapauta de produtos alimentares aserem escoados nos mercados.

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FundoRotativo

Solidário:instrumento de

promoção daagricultura familiar edo desenvolvimento

sustentável nosemi-árido

José Camelo da Rocha eJosé Waldir de Sousa Costa*

s famílias agricultorasdo semi-árido brasileiropraticam maneiras sábias

de organização e solidariedade que alimentam relações deinteração e de responsabilidade mútua. Raramente expres-sas para além dos envolvidos, essas práticas são espontâ-neas e partilhadas entre grupos de interesses ou de indiví-duos, em que cada um faz sua parte.

São experiências voltadas para o reforço dasunidades de produção familiar, para o compartilhamentode alimentos, sementes, água e outros bens, para o apoioindividual e psicológico ou para a promoção de melhoriasdas condições de vida da coletividade. Ora as famíliasdoam, de suas poucas terras, áreas para formação de “fun-do de pasto” para uso coletivo, ora melhoram as vias deacesso à água, construindo ou limpando em mutirão re-servatórios comunitários, ou ainda se juntam e botam abai-xo as cercas colocadas por fazendeiros nos reservatóriospúblicos. São formas de organização social e de enfren-tamento coletivo dos problemas do dia-a-dia, que traba-lham com a noção de que é necessária a convivência comas adversidades climáticas da região. Essas práticas con-trapõem-se ao padrão dominante de relações iníquas, ba-seadas na concentração da propriedade, na apropria-ção privada dos recursos e na sujeição aos detentores dopoder político e econômico. O sentimento solidário pre-

Encontro Estadual sobre Fundos Rotativos Solidários

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sente nessas comunidades é, portanto, condição essencialpara o próprio convívio com o ambiente.

Muitas dessas práticas persistem ao longo dosanos e até se moldam às exigências da tecnologia, comoos mutirões para debulha mecanizada de cereais, dandocontinuidade ao velho costume de, em conjunto, “fazer omilho e o feijão” – que antes era um trabalho manual usan-do pedras e varas. A essas estratégias soma-se a aprendi-zagem histórica da poupança, baseada, na maioria dasvezes, na engorda e criação animal e no plantio de cultu-ras de renda.

Observa-se então que o forte sentimento devizinhança e de partilha é parte da cultura e das tradiçõesenraizadas na vida comunitária, que se materializam emintensos fluxos de produtos, serviços e de poupança, con-figurando uma verdadeira “economia de reciprocidade”.É essa economia que está sendo resgatada e fortalecidanas dinâmicas da Articulação do Semi-Árido Paraibano(ASA-PB)1, por meio da disseminação de formas maisestruturadas de crédito mútuo voltadas para o desenvol-vimento da agricultura familiar agroecológica. Essas açõesvêm ainda reforçar a organização social e o espírito desolidariedade inerente às famílias agricultoras.

Os chamados Fundos Rotativos Solidários (FRS),enquanto mecanismos de mobilização e valorização socialda poupança comunitária, assumem a forma de gestãocompartilhada de recursos coletivos. São constituídos apartir da contribuição das famílias ou estimulados por umcapital externo, que pode proceder de diversas fontes2.Têm sido, na verdade, um exercício fundamental na buscada sustentabilidade dos sistemas familiares, na perspecti-va da convivência com a região semi-árida e na transiçãoagroecológica. O termo “solidário” confere um novo sen-tido de sociedade, com estilo e valores concebidos e apro-priados localmente, mas abertos à interação com outrosgrupos e ideais e contrapondo-se às relações políticas eeconômicas excludentes.

Na Paraíba, em cada comunidade, município ouregião, encontra-se uma grande riqueza de iniciativas e decapacidade inovadora na gestão e na organização dos FRS.

Um exemplo de FundoRotativo Solidário

A falta de água potável era um problema co-mum para as mais de 150 famílias da comunidade deGameleira, no município de Massaranduba. A construção

de cisternas de placas destinadas à captação de água daschuvas para uso doméstico foi recebida como uma solu-ção imediata, eficiente e ao alcance da iniciativa das famí-lias. Num primeiro momento, chegaram recursos externospara apoiar a construção de dez cisternas. Mas como aten-der a todas as famílias com tão pouco recurso? Foi inspira-do em outras tantas comunidades organizadas pela ASA-PB que o povo de Gameleira criou um primeiro grupo deFundo Rotativo Solidário, com a participação inicial de 30das 91 famílias que necessitavam do benefício.

Nessa época, decidiram em conjunto quetodas as famílias daquele grupo pagari-am mensalmente R$ 20,00 e foi dessaforma que a comunidade conseguia ar-recadar o montante mensal de R$ 600,00– que correspondia, então, ao valor in-tegral de uma cisterna. Passaram tam-bém a sortear mensalmente uma novacisterna entre o grupo. Ao final de 20meses, com os recursos captados local-mente, foram construídas 20 unidades,contemplando todos os participantesdesse primeiro grupo. O sucesso da ex-periência logo mobilizou outras famíli-as da comunidade e mais dois gruposforam formados a partir do repasse fei-to pelo FRS inicial. Ou seja, o recursodas dez primeiras foi capaz de gerar doisnovos grupos. Mais tarde, Gameleirarecebeu para a construção de outras 25cisternas, apoio financeiro do Progra-ma de Formação e Mobilização Socialpara Convivência com o Semi-Árido (ouP1MC), da ASA-Brasil, financiado peloGoverno Federal por meio do Ministé-rio do Desenvolvimento Social (MDS).

O termo “solidário” confere umnovo sentido de sociedade, com

estilo e valores concebidos eapropriados localmente, mas

abertos à interação com outrosgrupos e ideais e contrapondo-se

às relações políticas eeconômicas excludentes.

1 A Articulação do Semi-Árido Paraibano (ASA-PB) é um fórum formado por pes-soas, instituições sindicais e comunitárias, setores da Igreja e de universidades públi-cas, movimentos sociais e organizações não-governamentais que têm como objetivocentral a construção de um projeto coletivo de desenvolvimento sustentável e deconvivência com o semi-árido.2 No caso descrito neste artigo, os recursos externos provêm principalmente de duasfontes: recursos da cooperação nacional e internacional, via orçamento das organi-zações não-governamentais, e recursos de políticas públicas governamentais.

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Com a compreensão de que os projetos sociaisdevem cumprir um papel de fortalecimento das organiza-ções locais, das dinâmicas geradoras de desenvolvimentocomunitário, econômico e social, as famílias que recebe-ram as cisternas por meio dos recursos externos não sediferenciaram das demais e continuaram contribuindo parao FRS. Foi assim que, em pouco tempo, conseguiram aten-der a todas as famílias e mais: 11 delas já conquistaram suasegunda cisterna.

Em quatro anos, a comunidade que re-cebeu recursos para 35, chegou a cons-truir mais 67 cisternas com arrecada-ção local, totalizando 102 unidades. Ouseja, o recurso inicial quase triplicou.Há que se considerar ainda o aumentoda oferta de água potável em 1.632 m3.Ao deixar de comprar carro-pipa parafazer o abastecimento local, o povo deGameleira também deixou de gastaraproximadamente R$ 14.000,00/ano.Esses recursos, em vez de serem apro-priados por empresas urbanas fornece-doras de água, puderam ser mantidosem circulação na comunidade paraatendimento de outras necessidades.

Atualmente, o FRS permanece em Gameleiraestimulando outras iniciativas e reforçando os processosde organização e de multiplicação dos laços de solidarie-dade. Com a água perto de casa, as famílias despertarampara um novo modo de se relacionar com a natureza paramelhoria do sistema produtivo. A diversificação da produ-ção, principalmente ao redor de casa, com plantas frutífe-ras, medicinais, forrageiras e aprimoramento dos sistemasde pequena criação, vem contribuindo sobremaneira para

a segurança alimentar das famílias. Observa-se, ainda, queo Fundo Rotativo vem valorizando e financiando outrasiniciativas na comunidade, como a melhoria da infra-es-trutura hídrica para produção, a construção de residênci-as e igrejas, o apoio funeral etc.

Aos resultados econômicos, acrescentam-se aelevação da auto-estima, a conquista da cidadania, a pro-dução de conhecimentos que são incorporados pelas famí-lias no processo de discussão, a proposição de idéias e agestão compartilhada dos recursos. A exemplo da experi-ência do Fundo Rotativo de Gameleira, muitos grupos co-munitários, hoje espalhados por diversos municípios daParaíba, não se satisfazem só com a conquista da água po-tável, mas passam a vislumbrar a construção de uma novarelação em sociedade.

A gestão compartilhada

As formas de organização e gestão dos FRS´ssão diversas e alimentadas pelas dinâmicas comunitária,municipal ou regional. Nesse processo, as trocas de expe-riências têm constituído espaço fecundo para o sucessoda disseminação de informações entre os grupos. Umacomunidade aprende com a outra como superar suas difi-culdades, como inovar suas práticas, como melhorar suagestão compartilhada.

Na forma de gestão mais usual, as famílias sereúnem, avaliam os trabalhos da comunidade, fazem a pres-tação de contas e dão a sua contribuição. Geralmente, ovalor de retorno ao Fundo é definido de acordo com ascondições de cada família e aquelas com melhor condiçãofinanceira contribuem com parcelas maiores. Na reunião,ainda é feito o sorteio da próxima família a ser contemplada.

Os Fundos são mais do quemecanismos de financiamento deatividades. Eles têm se mostrado umforte instrumento da economiacomunitária a serviço dodesenvolvimento autocentrado.Como um sistema de crédito mútuo,a experiência pode ser apreendidacomo motivação e subsídio paraformulação de políticas públicas definanciamento mais adequadas àagricultura familiar.

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Discussão sobreFRS na comunidadede Gameleira

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O momento seguinte é a com-pra do material de construção necessárioque, normalmente, fica a cargo dos respon-sáveis pela coordenação do grupo. Quan-do algumas famílias não conseguem con-tribuir num determinado mês, e os recur-sos não são suficientes para comprar osmateriais, são elas que negociam com a lojaa complementação do pagamento no mêsseguinte. Com essa prática, evita-se a des-valorização da moeda. Mas, quando issoacontece, as famílias também aumentam onúmero de parcelas para corrigir a perda eacompanhar o preço do material. Para me-lhor organização dos dados, o registrocontábil é feito em planilhas com os nomesdos participantes, que podem seguir o fluxode perto com seu carnê de contribuição.

O processo de irradiação:articulação em rede

A partir do processo de formação e mobilizaçãoalimentado pelas experiências locais, as famílias e suas or-ganizações são motivadas à valorização e ao olhar críticode sua realidade. Dessa forma, a sistematização de suaspróprias experiências, seja do ponto de vista técnico, eco-nômico, organizativo ou político, constitui um instrumen-to importante para pensar estratégias de irradiação. Elastrazem referências novas para a reflexão e a ação das famí-lias, resgatando valores e construindo novas percepçõessobre a capacidade das comunidades de se constituir comoagentes econômicos autônomos e autogestionários.

É dessa forma que as experiências com os FRS´stêm sido incorporadas aos diversos espaços de atuação daASA-PB e da ASA-Brasil. Pode-se dizer que a primeiraexperiência realizada com FRS, em 1993, envolvendo dezfamílias da comunidade de Caiçara, no município deSoledade, foi um impulso que alimentou o processo de irra-diação para as 18 mil famílias hoje envolvidas e distribuídasem mais de 1.800 comunidades de 140 municípios em todoo estado. Os FRS´s têm crescido em número de grupos, emdiversidade de ações e nas formas e modalidades de gestão,como define José Maciel da Comunidade de Caiçara: “Esteé o jeito da gente crescer em comunidade”.

Atualmente, a ASA-PB vem estimulando e mo-bilizando recursos públicos de programas governamentaispara o fortalecimento das ações solidárias, a exemplo do Pro-grama Cooperar e do Programa de Formação e MobilizaçãoSocial para Convivência com o Semi-árido – P1MC.

Os Fundos são mais do que mecanismos de fi-nanciamento de atividades. Eles têm se mostrado um for-

*José Camelo da Rocha:administrador e assessor técnico da AS-PTA.

[email protected]

José Waldir de Sousa Costa:estudante de geografia e coordenador do Programa

Cidadania, Políticas Públicas e DesenvolvimentoSustentável do Programa de Aplicação de Tecnologia

Apropriada às Comunidades (Patac)[email protected]

Fundo Rotativo Solidário permite o acesso à água potável

te instrumento da economia comunitária a serviço do de-senvolvimento autocentrado. Como um sistema de crédi-to mútuo, a experiência pode ser apreendida como moti-vação e subsídio para formulação de políticas públicas definanciamento mais adequadas à agricultura familiar.

Inseparável de sua dimensão de exercí-cio comunitário de gestão e de poderpolítico, que se exprime em uma novaforma de relacionamento pessoal e cole-tivo, o FRS é “a chave que abre a portade um novo horizonte”, como exprimeo agricultor Cícero, do município dePicuí. E é para ampliar esse horizonteque os agricultores, agricultoras, suaslideranças e organizações e técnicosdas diversas entidades de assessoria vãocontribuindo, cada um do seu jeito eem seu lugar, para a construção de po-líticas alicerçadas em práticas locaissustentáveis e democráticas para aconvivência com o semi-árido.

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A economiade base ecológica

em pequenas propriedades familiares:o caso da família Rutkoski

Adilson R. Bellé, Juliana Mazurana e Lauro Foschiera*

família Rutkoskireside no municí-pio de Sananduva,

Rio Grande do Sul, e conta sua histó-ria a partir da década de 70, com ocasamento do Sr. Ivo (54 anos) eDona Lourdes (47 anos).

Tiveram dois filhos: Evandro (26 anos) e Fáti-ma (18 anos), que trabalham e vivem junto aos pais. Rece-beram como herança uma área de 3,5 hectares localizadana comunidade de São Paulo da Cruz, a 30 km da sede domunicípio, região de topografia acidentada e colonizada,em sua maioria, por poloneses e italianos. Mais tarde, afamília conseguiu comprar outros 20 hectares com a pro-dução e venda de suínos, feijão e soja, mas sem deixar deproduzir para o autoconsumo.

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Família Rutkoskiem sua propriedade

no interior deSananduva, RS

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Custos e renda

A agricultura ecológica realizada pela famíliaestá baseada, sobretudo, no cuidado com o solo e na con-servação e uso de sementes próprias, evitando a utilizaçãode insumos externos à propriedade e, com isso, reduzindoconsideravelmente os custos variáveis da produção. Dis-pondo, assim, de um razoável nível de autonomia técnicae econômica, os Rutkoski praticamente não lançam mãode empréstimos, ainda que considerem que o ProgramaNacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, oPronaf, oferece atualmente alternativas interessantes. Comuma estratégia produtiva diversificada e auto-suficiente,passaram a desfrutar de um padrão relativamente elevadode renda monetária e não-monetária.

Na safra 2003/04, por exemplo, foram produ-zidos, para o consumo anual da família, cerca de 2.500 kgde alimentos, representando um valor estimado de R$4.000,00. Não fosse essa produção, os gastos com a ma-nutenção da família teriam sido evidentemente superio-res, se realizados nos mercados locais.

As vendas atingiram um valor bruto de R$27.790,00 e, quando somadas ao autoconsumo, totalizamR$ 31.790,00/ano. Os diversos custos intermediários exis-tentes na propriedade (combustível, manutenção de veí-culos, insumos orgânicos etc.) somaram R$ 14.240,00.Com isso, a renda familiar mensal chega a R$ 1.458,00,em média, o que possibilitou à família uma poupança men-sal de R$ 1.000,00 para futuros investimentos e necessi-dades emergenciais. Esse padrão de renda, com algumasvariações, tem se mantido nos últimos anos.

A situação econômica dos Rutkoski é positiva,não só na avaliação da própria família, mas quando com-parada à situação da maioria dos agricultores familiares deSananduva e da região que, ao contrário, estão em pro-

Produção e comercializaçãoOs Rutkoski sempre tiveram uma postura reser-

vada quanto ao uso de agrotóxicos, principalmente pelapreocupação com a saúde. Adotavam apenas em parte opacote proposto pelo modelo convencional de produção,fazendo uso de pequenas quantidades de adubos quími-cos em seus cultivos. Aos poucos, no entanto, o sistemaconvencional foi sendo incorporado à economia da famí-lia. Além da falta de alternativa, a introdução desse mode-lo foi estimulada pela cultura produtiva dominante na re-gião e também pela “pressão” exercida pelos vizinhos.Cresceram assim a dependência de insumos e os custoscom a produção. No que se refere aos aspectos econômi-cos, a renda obtida era baixa. O sistema produtivo poucodiversificado gerava instabilidade e insegurança, tantoeconômica quanto alimentar.

Depois da participação do filho em um cursosobre produção ecológica em 1996, a família decidiu tor-nar a propriedade totalmente ecológica. A transição dospadrões do manejo técnico-produtivo foi rápida, pois per-ceberam que havia boas oportunidades para fazer um tra-balho diferente, com maior liberdade para comercializar epossibilidades de incremento da renda. A família foi pio-neira na adoção do sistema ecológico no município, de-monstrando a viabilidade da proposta.

Embora a mudança para o sistema de produçãofamiliar ecológico tenha sido rápida, os Rutkoski avaliamatualmente que o processo pensado em termos coletivosdeve ser mais lento do ponto de vista técnico e econômi-co, sendo principalmente um processo educativo, no qualse prioriza a melhoria da saúde.

Anteriormente, a base da produção destinadaao comércio era bastante especializada e se resumia a trêsou quatro produtos: milho, suínos, soja e feijão. Atualmen-te, são cultivados e comercializados 30 diferentes produ-tos, como, por exemplo, açúcar mascavo, mandioquinha-salsa, melão, moranga, arroz, mel, aipim e batata-doce.

A venda, realizada até então com intermediaçãoda cooperativa ou nas casas comerciais atacadistas, passoua ser feita de forma direta nas feiras. Essa nova dinâmicaproporcionou a diversificação dos mercados, maior contro-le sobre os preços recebidos, além do contato direto com osconsumidores e a constituição de uma clientela própria, oque antes não ocorria. O acesso direto aos mercados agorarepresenta 80% da venda da produção da família, que aindaconta com o mercado da cooperativa onde há um espaçodestinado ao comércio de produtos ecológicos.

A feira foi fundada em 1997, com o apoio doCentro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap) edo Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) do municí-pio, e serve de espaço para um grupo de agricultorescomercializarem produtos ecológicos. Além da assessoriaà comercialização, o Cetap apóia os processos sócio-organizativos e de produção das famílias de agricultoresdispostas a fazer a transição para a agroecologia.

Embora a mudança para o sistemade produção familiar ecológicotenha sido rápida, os Rutkoski

avaliam atualmente que o processopensado em termos coletivos deve

ser mais lento do ponto de vistatécnico e econômico, sendoprincipalmente um processo

educativo, no qual se prioriza amelhoria da saúde.

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cesso de descapitalização e cada vez mais dependentes derecursos externos, inclusive do crédito.

Agricultura ecológica para alémdos aspectos da renda

A melhoria da renda veio acompanhada de ou-tras mudanças e realizações, nas dimensões econômica,ambiental e das vivências, dentre as quais a família destaca:

• A preservação e o uso da biodiversidade são, segundo ofilho Evandro, grandes vantagens de ser agricultor eco-lógico. Cerca de 40 variedades de sementes crioulas ecultivos, que antes não tinham a devida importânciaeconômica, passaram a ser resgatadas e valorizadas, aexemplo do feijão de cor e feijão de vagem, amendoim,mandioquinha-salsa, morangas, ervilha, aipim, milho,arroz, pipoca, melancia, hortaliças etc.

• O planejamento da produção e a organização do tra-balho passaram a ser incorporados como uma necessi-dade pelo núcleo familiar, tornando mais fácil a reali-zação das atividades de forma conjunta;

• A feira possibilita o contato direto com as pessoasurbanas, permite a troca de informações entre quemproduz e quem consome os alimentos, fortalecendoas relações entre as partes: o mundo rural e o urbano;

• A filha Fátima destaca as perspectivas como jovem:Nós vivemos bem na agricultura ecológica, temos umaboa alimentação e temos boas condições de vida. Euestou estudando e pretendo cursar uma universidade.E enquanto planejam seu futuro, os dois jovens exer-citam a capacidade de gestão e uma certa indepen-dência econômica: Eu tenho minha própria remunera-ção, posso gastar no que eu quiser, mas minhas ami-gas não têm a mesma liberdade.

• A tranqüilidade na vida da família aumentou muito,especialmente em relação à saúde, devido à qualidadee à diversidade da alimentação, ao uso da fitoterapia eà possibilidade de acesso ao lazer, além da estabilidadeeconômica e menor incidência de riscos na atividade;

• Na dimensão ambiental, a família tem convicção deque quanto menos interferir na natureza, melhor serápara a produção e para a saúde das pessoas. Chamaparticularmente atenção para a qualidade do solo ondeexiste muita vida, como minhocas e outros insetosbenéficos para a natureza e fertilidade;

• A opção do filho Evandro de ser agente de saúde pos-sibilita aprender e ensinar coisas novas, como o siste-ma das trocas comunitárias de mudas e sementes criou-las, por meio da participação ativa na vida das comu-nidades próximas.

*Adilson R. Bellé:técnico agrícola e graduando em Desenvolvimento Rural

pela UERGS, técnico do [email protected]

Juliana Mazurana:engenheira agrônoma, técnica do Cetap.

[email protected] Foschiera:

tecnólogo em Administração Rural, técnico do [email protected]

O abastecimento local e aampliação da propostaagroecológica

A produção da família Rutkoski se destina aomercado local, o que lhe permitiu desenvolver uma maiorcapacidade de acompanhamento e gestão das relaçõestécnicas e econômicas entre a oferta e a demanda dosconsumidores. Ainda que o centro urbano de Sananduvaconte apenas com dez mil habitantes, a cidade importacerca de 80% dos produtos hortigranjeiros consumidos,conforme estudo realizado pelo Cetap, em 2005.

Face a esse déficit, a família destaca algumaspropostas que considera necessárias para ampliar a produ-ção e o consumo de produtos ecológicos no município,dentre as quais: a divulgação continuada das vantagensda agricultura ecológica; a formação e assessoria técnicaàs famílias agricultoras; a construção de propostas junta-mente com os consumidores; o apoio por meio de políti-cas públicas diversas, que devem dar prioridade para a ven-da de alimentos ecológicos nos mercados institucionais.

Além disso, os Rutkoski vêm demonstrando aosagricultores familiares da região que é possível e vantajoso,sob diversos aspectos, praticar a agricultura ecológica e as-sim ter qualidade de vida. A ampliação dessa forma de fazeragricultura depende de um conjunto de ações, mas, em gran-de parte, está relacionada às atitudes de cada família.

Feira Ecológica de Sananduva

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Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005 19

cultivo de algodãoem bases agro-ecológicas, inicia-

do em Tauá-CE, nos anos 90, esten-deu-se para os municípios de Choró,Quixadá e Massapê, envolvendo,atualmente, 152 agricultores e agri-cultoras familiares, com uma área to-tal de 189 hectares. É uma práticaque associa, em seus objetivos, a ge-ração de renda, a melhoria da quali-dade do solo, a diversificação da ofer-ta de alimentos sadios e o desenvolvi-mento de uma consciência ecológicaentre famílias que dela participam.

Essa atividade é organizada pela Associação deDesenvolvimento Educacional e Cultural (Adec), uma or-ganização de agricultores e agricultoras agroecologistasde Tauá, e pelos Sindicatos de Trabalhadores(as) Rurais(STRs) nos outros três municípios, em parceria com oCentro de Pesquisa e Assessoria, o Esplar, ONG que pro-porciona capacitação, acompanhamento técnico e asses-soria à comercialização.

Algodão agroecológico:uma experiência no semi-árido cearense

A proposta agroecológica

Do ponto de vista do sistema de manejo agro-ecológico, o solo é considerado elemento básico, sendoimprescindível o emprego de técnicas visando a sua con-servação e melhoria: plantio em nível, enleiramento dosrestos vegetais, valetas de retenção e/ou muretas de pe-dra, também em nível, adubação com esterco e plantio deleguminosas.

O algodão é consorciado com milho (Zeamays), feijão de corda (Vigna unguiculata), gergelim(Sesamum indicum) e guandu (Cajanus cajan), culturasestas de livre escolha de cada agricultor(a). Utilizam-sevariedades de algodoeiro arbóreo 7MH, de cor branca, em95% dos casos, e BR200, marrom, nos 5% restantes. Oestímulo ao policultivo tem o objetivo de incrementar asalternativas produtivas e a flexibilidade econômica dos sis-temas familiares, reduzindo simultaneamente os riscos deperdas de safra por falta ou excesso de chuvas, ataque depragas ou outros fatores adversos. A totalidade dessesagricultores e agricultoras dispõe de árvores de nim(Azadirachta indica A.Juss.) como recurso no controle depragas e doenças de plantas e animais.

Para melhorar a nutrição das plantas e defendê-las do ataque de pragas, são utilizados preparados eficien-tes e de baixo custo para pulverizações com urina de

Pedro Jorge B. F. Lima*

Consórcio agroecológico da família de Gervásio Ferreira, na comunidade Riacho do Meio, Choró – CE

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20 Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005

vaca, na forma pura ou adicionada a extrato de folhas denim, e/ou um biofertilizante à base de esterco frescofermentado.

O manejo ecológico de pragas, especialmentedo bicudo do algodoeiro (Anthonomus grandisBoheman), compreende um conjunto de medidas, comoo plantio nas primeiras chuvas, catação de botões floraisafetados e poda das plantas ao final da safra.

Estratégia e metodologia

A estratégia de intervenção do Esplar tem comopressuposto a existência de uma associação local deagricultores(as) familiares interessada em organizar a pro-dução de seus associados(as) em bases agroecológicas.

Para implantar sistemas agroecológicos, agri-cultores e agricultoras familiares e dirigentes dessas orga-nizações participam de visitas de intercâmbio a lugaresnos quais já se desenvolve a proposta e de cursos decapacitação em agroecologia, oferecidos pelo Esplar, queproporciona ainda acompanhamento técnico mensal, comvisitas às áreas, reuniões de planejamento e avaliação doano agrícola.

O acompanhamento é realizado em cada loca-lidade, de forma coletiva, em rodízio, com a participaçãode agricultores e agricultoras, representantes da organi-zação local e membros da equipe técnica do Esplar. Équando ocorrem as trocas de experiências que contribuempara a melhor assimilação das tecnologias que integram aproposta e o avanço na consciência do quê e por quê aestão implementando.

Para compensar o acréscimo de trabalho na pro-dução e estimular o manejo ecológico, o Esplar concedeum subsídio de até R$ 240,00/ha, pago por intermédiode cada organização local, depois de comprovada sua apli-

cação. Isso tem favorecido a discussão política junto aosgrupos locais sobre os elevados subsídios concedidos aosprodutores de algodão nos EUA e suas conseqüênciassobre os preços internacionais do produto, sobretudo aque-les pagos aos pequenos produtores dos países pobres.(Ricúpero, 2001).

Resultados

Os resultados obtidos em sete anos mostramque, do ponto de vista ambiental, ocorreram avanços sig-nificativos nos processos de conversão, tanto da agricul-tura tradicional como da convencional, para os padrõesagroecológicos.

Em 2004, a adoção das técnicas pre-conizadas foi bastante elevada, espe-cialmente daquelas relacionadas coma conservação do solo. A adesão aoplantio em nível aproxima-se dos100%; aplicações de urina de vaca, ex-tratos de nim e de biofertilizantes fo-ram bastante utilizadas, entre 71% e96%. O uso de esterco, bastante raroem cultivos de sequeiro no semi-árido,foi empregado em cerca de 23% doscasos.

Avaliações da qualidade do solo em áreas comesses sistemas, em Tauá, apontaram para uma “(...) maiorcapacidade de promover melhor qualidade do solo, com-paradas com as áreas de produção convencional (...) prin-cipalmente pelo uso de rotação de culturas, aplicação defertilizantes orgânicos, redução dos tratos culturais, pro-movendo (...) o aumento do conteúdo de matéria orgâni-ca do solo” (Lima, 2001). Também proporcionam “(...) amanutenção da qualidade do solo em condições seme-lhantes e/ou melhores que a condição natural” (Ototumi,2003). Esses são resultados ainda não mensurados, maspercebidos com clareza e valorizados por agricultores eagricultoras envolvidos na experimentação.

A substituição dos agrotóxicos por produtosdo nim e pelos biofertilizantes se traduz em autonomia emrelação a insumos industriais e em ganhos para a saúdehumana, animal e ambiental. Esses elementos, junto coma redução das queimadas, indicam que o caminho dasustentabilidade ambiental está sendo trilhado.

A valorização e dinamização dos processos lo-cais de cooperação e articulação solidárias entre partici-pantes das atividades demonstram os avanços no âmbitoda sustentabilidade social e organizativa, apontando parauma maior efetividade da proposta, ao longo dos próxi-mos anos, independente da presença do Esplar. Em parti-cular, o consumo de alimentos livres de agrotóxicos e a

A estratégia de intervenção doEsplar tem como pressuposto aexistência de uma associaçãolocal de agricultores(as)familiares interessada emorganizar a produção de seusassociados(as) em basesagroecológicas.

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Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005 21

incorporação do gergelim, alimento de alto valor nutri-cional, à dieta familiar constituem importantes indícios demudança cultural.

A produção de 2004 compreendeu 17.232 kgde algodão em rama, 55.012 kg de milho, 16.532 kg defeijão de corda, 1.020 kg de gergelim e 4.619 kg de abóbora(Cucurbita moschata) e jerimum (Cucurbita pepo), que,somados a outros produtos de menor participação, resulta-ram num valor bruto da produção (VBP) de R$ 80.303,00.O feijão de corda teve o VBP mais elevado, 41,2% do total,seguido do algodão, com 25,7%, e do milho, com 20,5%.

O rendimento médio do algodoeiro, em2004, foi de 128 kg/ha, cerca de 60%dos 214 kg/ha registrados no estadonos sistemas convencionais, em condi-ções de monocultivo (IBGE, 2004). Omenor rendimento dos sistemas agro-ecológicos se deve à menor populaçãode plantas/ha e à inexistência de re-cursos que controlem efetivamente obicudo, o que, por sua vez, limita a ex-pansão da área média cultivada por fa-mília – atualmente em torno de 1,03 ha– em razão do trabalho adicional exi-gido na catação manual de botões flo-rais afetados.

Para realizar a produção, foram empregadosinsumos de produção própria – sementes, esterco de gado,pó de folhas de nim – estimados em R$ 4.001,33. Osgastos com sementes de algodão, aluguel de trator (em4,8% dos casos) e pagamento de trabalho contratadototalizaram um desembolso de R$ 19.395,70.

O trabalho empregado por hectare correspondeua 56 h/d, sendo 75,4% realizado pela família e 24,6% pela

mão-de-obra contratada. Isso implicou um gasto total deR$ 17.533,50. Para um VBP de R$ 80.303,00, o resulta-do líquido apropriado pelas famílias foi de R$ 56.906,40.

Considerando que o trabalho familiar aplicadonos consórcios correspondeu a 5.685,50 h/d, o valor apro-priado por cada dia de trabalho foi de R$ 10,01, equiva-lente à diária paga na região, que é de R$ 10,00. Comoesse conjunto de agricultores e agricultoras recebeu sub-sídios no montante de R$ 20.420,00, o valor final apropria-do por cada dia de trabalho familiar alcançou R$13,60, ouseja, quase 36% acima da diária vigente na região.

Perspectivas

Mesmo com as limitações impostas pelas varia-ções climáticas próprias ao sertão semi-árido, a dimensãoeconômica dos consórcios agroecológicos já sugere um

relativo avanço, levando-se emconta que se trabalha com agri-cultura de sequeiro. De qualquerforma, é necessário buscar alter-nativas que melhorem a rendaauferida nos sistemas agroeco-lógicos.

Encontrar meios para ocontrole do bicudo do algodoei-ro, em bases ecológicas, perma-nece como grande desafio paraque se consiga aumentar, de for-ma significativa, a oferta de algo-dão agroecológico e, em conse-qüência, a renda de cada agricul-tor(a) participante da atividade.

O estímulo à participa-ção ativa em todo o processo de

Mesmo com as limitações impostaspelas variações climáticas próprias ao

sertão semi-árido, a dimensãoeconômica dos consórcios

agroecológicos já sugere um relativoavanço, levando-se em conta que se

trabalha com agriculturade sequeiro.

Antônio Fernandes colhendo algodão agroecológico em Caiçarinha, Choró – CE

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Referências:RICÚPERO, R. Algodão: escândalo mundial. Glo-bo Rural, Rio de Janeiro, ago. 2002.

LIMA, Herdjania Veras de. Influência dos siste-mas de cultivo orgânico e convencional de algo-dão sobre a qualidade do solo no município deTauá-Ce. Fortaleza, Universidade do Ceará, 2003.53 f. Dissertação (mestrado em agronomia – áreade concentração em solos e nutrição de plantas).

OTOTUMI, Adriana Tamie. Qualidade do soloem sistemas de cultivo agroecológicos no municí-pio de Tauá-Ce. Fortaleza, Universidade do Cea-rá, 2003. 54 f. Dissertação (mestrado em agrono-mia, área de concentração em solos e nutrição deplantas).

LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODU-ÇÃO AGRÍCOLA. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.

*Pedro Jorge B. F. Lima:engenheiro agrônomo, mestre,

pesquisador do Esplar, Fortaleza (CE).www.esplar.org.br

[email protected]

Colaboraram na elaboração deste artigo:

Aécio Alves de Oliveira:economista, professor do Departamento de Teoria

Econômica da Universidade Federal do Ceará (UFC);

Ailton Carlos Ferreira Ponte:estudante de agronomia da UFC, estagiário do Esplar;

André Lima:estudante de economia da UFC, estagiário do Esplar;

Marcus Vinícius de Oliveira:engenheiro agrônomo do Esplar.

trabalho, questionando, propondo e realizando mudan-ças ou ajustes nas propostas técnicas, leva ao desenvolvi-mento da consciência ecológica, à elevação da auto-esti-ma e à criação de uma identidade própria de agricultores eagricultoras agroecológicos, que os diferencia nos grupossociais aos quais pertencem.

A experiência com algodão agroecológico noCeará tornou-se referência para organizações da agricul-tura familiar do semi-árido cearense e nordestino, paraONGs, centros de pesquisa e empresas do comércio jus-to, que a visitam para conhecer o trabalho em andamentoe seus resultados. Grupos de agricultores e agricultorasfamiliares que visitaram Tauá, em 2003, iniciaram ativida-de semelhante em Afogados da Ingazeira e São José doEgito (PE) e Umarizal (RN), numa parceria entre a ONGDiaconia, de Recife, e associações de agricultores eagricultoras familiares e sindicatos de trabalhadores ru-rais. Também em Porteirinha (MG), um grupo de 15 agri-cultores e agricultoras implantaram as primeiras áreas decultivo de algodão agroecológico em 2004, inspirados naexperiência de Tauá, numa parceria entre o Sindicato deTrabalhadores Rurais e o Centro de Agricultura Alternati-va de Montes Claros (MG).

A oferta anual de pluma de algodãoagroecológico pela Adec tem variadoentre 3 e 5,5 toneladas, bem inferior àsdemandas do mercado orgânico. Amaior parte das duas últimas safras foivendida à empresa francesa Veja FairTrade, que atua no comércio justo efirmou contrato de três anos com aAdec, a partir do qual organizou umacadeia produtiva para fabricar tênisecológicos no Brasil e comercializá-losna Europa e no Japão. Outra parte dasafra de 2004 foi vendida à Univens,uma cooperativa de costureiras de Por-to Alegre, que também atua no mer-cado solidário. Nessas duas operações,a pluma foi vendida a R$ 6,00/kg, odobro do preço do produto convencio-nal. Cerca de 300 a 400 kg de algodãoagroecológico são utilizados por trêsgrupos de mulheres na produção de fios,vendidos para tecelagens artesanais.Com esses fios elas próprias tambémconfeccionam peças em crochê e tricô,para colocação num mercado aindaincipiente.

Desse modo, o comércio justo ou solidário ofe-rece condições excepcionais em relação ao mercado con-vencional: estabelecimento de preços capazes de cobrir os

custos de produção e beneficiamento, acrescidos de umprêmio que garanta a sustentabilidade da Adec e o interes-se crescente de agricultores e agricultoras em ingressar e/ou permanecer na atividade. O contrato firmado entre aVeja Fair Trade e a Adec é baseado na ética e na transparên-cia, valores indispensáveis à construção de relações de con-fiança entre todos os envolvidos, resultando em maior se-gurança de colocação do algodão no mercado, melhor re-muneração para quem produz e beneficia, contribuindotambém para a consolidação de relações mais justas entrediferentes integrantes da cadeia produtiva.

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s comunidadesque vivem nas vár-zeas do estuário

do rio Tocantins são exemplos domanejo e uso sustentável de recur-sos naturais na Amazônia. Há sécu-los seus sistemas de produção es-tão fundamentados em práticas deconservação dos solos, água, faunae flora, mantendo a integridade dasflorestas de várzea como principalfonte de recursos para o desenvol-vimento socioeconômico local. As-sim, com o conhecimento autócto-ne passado de geração para gera-ção, essas populações têm garanti-do sua segurança alimentar, forne-cendo, ao mesmo tempo, um impor-tante excedente para o abasteci-mento de Belém e de outras cida-des do estado do Pará.

A certificaçãodo açaí na regiãodo Baixo-Tocantins:uma experiência devalorização da produçãofamiliar agroextrativistana Amazônia

Sebastião Aluizio Solyno Sobrinho*

Um dos produtos dessa sábia convivência como meio ambiente são os magníficos pomares agroflorestaisque se projetam nos estabelecimentos familiares da regiãodo Baixo-Tocantins, riquíssimos em espécies frutíferas,como o açaí (Euterpe oleraceae), o buruti (Mauritisflexuosa), o cacau (Theobroma cacao) e inúmeras outrasespécies silvestres das florestas de várzea. Como resultadodo habilidoso manejo florestal feito desde os tempos an-cestrais até os dias de hoje, a região do Baixo-Tocantinsconserva 67% da sua área total ocupada com florestas eculturas permanentes (IBGE, 1996), o que lhe confereuma posição invejável em relação ao manejo e preservaçãode recursos naturais, quando comparada com regiões deocupação recente na Amazônia.

Isso não quer dizer que a região do Baixo-Tocantins tenha atravessado sua história como um san-tuário ecológico, livre das ações antrópicas que devas-tam a paisagem amazônica. Pelo contrário, desde o perío-do colonial foi um dos primeiros lugares a sofrer o impac-to da ocupação econômica na Amazônia. Já no início doséculo XVII, os franceses exploravam o rio Tocantins, tra-tando de anexar o território às áreas sob seu domínio noMaranhão. Até o final do século XVIII, a região haviasido inteiramente vasculhada por várias expedições de

A

Residência de família ribeirinhae desembarque do açaí

Fotos: Aluizio Solyno

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disputa colonial (entre França e Portugal), aprisionamen-to de índios, coleta de drogas e exploração mineral (Ve-lho, 1981: 16-19).

Ainda na segunda metade do século XVIII, re-gistra-se a primeira tentativa de estabelecer plantaçõeshomogêneas na região do Baixo-Tocantins, afirmando-seo cacau como a primeira commodity cultivada e a maisimportante fonte de divisas da Amazônia. No século se-guinte, é introduzida a plantation da cana-de-açúcar, de-lineando uma economia baseada nos engenhos de açúcare cachaça, que determina os sistemas de produção atémeados do século XX. Mais recentemente, com o esgota-mento das fontes de Eutherpe edulis na Mata Atlântica ea transferência das indústrias de palmito para regiões devárzea no Pará nas décadas de 1970 e 1980, a região doBaixo-Tocantins sofre grande pressão pela extração dopalmito do açaí (Eutherpe oleraceae). Com o corte indiscri-minado dos açaizeiros em idade produtiva para a extraçãodo palmito apical, a ação predatória chegou inclusive a afe-tar o estoque de frutos para a dieta alimentar local, basea-da na farinha de mandioca, peixe e polpa de açaí.

Contudo, nenhuma tentativa de exploraçãodesordenada dos ecossistemas de várzea demoveu a tradi-ção de manejo agroextrativista nos sistemas de produçãofamiliares da região do Baixo-Tocantins. Em meio a todasas ingerências externas, como uma espécie de resistênciacultural viva e dinâmica, os habitantes da região seguirama herança ancestral, adaptando os sistemas de manejo àsnecessidades de sobrevivência e, na medida em que apare-ciam oportunidades de mercado, ampliando os exceden-tes de produção para complementar a renda familiar. Exa-tamente por isso, pela resistência cultural garantindo a

integridade social e econômica das populações locais, asflorestas de várzea do Baixo-Tocantins alcançam o séculoXXI com sua integridade ecológica preservada.

Um bom exemplo de como as famílias de pro-dutores do Baixo-Tocantins adaptam o manejo agro-extrativista, combinando as necessidades de subsistênciacom as oportunidades de mercado, pode ser demonstradono caso supracitado, de ameaça no estoque de frutos deaçaí pela extração predatória do palmito nas décadas de1970 e 1980. Quando as indústrias de palmito chegaram,o principal produto do açaizeiro era a polpa do fruto, uti-lizada para o autoconsumo dos produtores e para a vendaa milhares de indústrias caseiras da capital do estado ecidades do entorno. Entretanto, a demanda do produtoficava restrita aos limites regionais, o que exigia um pe-queno aumento da produção apenas para atender o cres-cimento populacional.

A procura pelo palmito aparece então comonova oportunidade de renda, fazendo com que os produ-tores ampliassem a exploração do açaí em direção a novasáreas em estado silvestre. Contudo, a demanda aceleradapelo produto levou à exploração predatória dos açaizaisnativos, comprometendo ainda mais o abastecimento defrutas. Nesse momento, em que as reservas de palmito sedistanciavam e as famílias produtoras reagiam para recu-perar o alimento, essa tendência foi entrecortada por ou-tra na década de 90, quando o suco de açaí passou a sermoda entre jovens de classe média no Rio de Janeiro e SãoPaulo, introduzindo uma demanda por frutos em escalanacional.

Assim, conjugando a necessidade derecuperar os estoques de alimento coma abertura do mercado nacional paraos frutos de açaí, as famílias da regiãodo Baixo-Tocantins iniciaram um pro-cesso de recuperação das áreas deaçaizais nativos, retomando as práti-cas tradicionais de manejo agroflo-restal, o que levou a produção de fru-tos a triplicar. Mas os produtores deaçaí não se limitaram ao desenvolvi-mento das técnicas de manejo no inte-rior dos estabelecimentos. Na verdade,o que se iniciou sob a demanda dos pro-dutores foi um importante processo deorganização da produção regional, en-volvendo associações de produtores,centros de pesquisa, entidades gover-namentais e não-governamentais.

Em meio a todas as ingerênciasexternas, como uma espécie deresistência cultural viva e dinâmica, oshabitantes da região seguiram aherança ancestral, adaptando ossistemas de manejo às necessidades desobrevivência e, na medida em queapareciam oportunidades de mercado,ampliando os excedentes de produçãopara complementar a renda familiar.

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Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005 25

Nessas iniciativas, uma experiência que mere-ce destaque é a articulação do Sindicato dos Trabalha-dores Rurais de Abaetetuba com diversas associações deagricultores do município e a Federação de Orgãos paraAssistência Social e Educacional (Fase) para a implanta-ção do Centro Tipiti de Tecnologias Alternativas, cen-tro de formação que visa desenvolver alternativas produ-tivas para as áreas degradadas na terra firme e na várzea.Para resgatar as práticas de manejo do açaí e garantir abiodiversidade dos sistemas tradicionais, os produtoresfamiliares associados ao Centro Tipiti iniciaram, em 1996,um trabalho de manejo florestal de açaizais e outras prá-ticas agroecológicas nas áreas de várzea do município,trabalho este que se tornou referência, repercutindo emtoda região.

Por outro lado, para viabilizar econo-micamente a retomada da produção doaçaí e o crescimento da produção defrutas, a Universidade Federal do Pará,em parceria com a Fase, criou em 1997um programa de pesquisa e desenvol-vimento, produzindo tecnologias adap-tadas ao processamento de frutas daprodução familiar. Nesse projeto, enfo-cou-se a experimentação em meio realdas tecnologias pesquisadas na Univer-sidade, cujos resultados levaram àmelhoria no processo de pós-colheitado açaí, à introdução da pasteurizaçãono processamento da polpa e ao reco-nhecimento das qualidades do açaícomo alimento funcional (bom para aalimentação e para a saúde).

No ano 2000, foi elaborado um programa deeducação em Gestão de Empreendimentos EconômicosAssociativos, investindo na profissionalização de jovensrurais em cooperativismo, informática, planejamento denegócios e outras atividades desenvolvidas com a peda-gogia da alternância. Os produtores, por sua vez, se arti-cularam em uma Comissão Regional de Comercialização,envolvendo três cooperativas e 44 associações de produ-tores dos municípios de Abaetetuba, Barcarena, Cametáe Igarapé Miri, que planejam de maneira conjunta a pro-dução e efetuam operações de comercialização coletivade abrangência regional. Como resultado dessa nova es-tratégia, conseguiu-se uma significativa melhoria na ges-tão das cooperativas e uma grande ampliação nacomercialização de açaí por parte dos produtores organi-zados na região do Baixo-Tocantins. Entre os anos de

2000 e 2005, o volume de açaí comercializado anual-mente aumentou 40 vezes, passando de 81 a 3.200 to-neladas. Trabalhando com 904 famílias na comercia-lização de açaí da safra 2004/2005, as cooperativas deprodutores organizados alcançaram um faturamento bru-to de R$ 1,9 milhões.

Atividade doméstica

Para resgatar as práticas de manejodo açaí e garantir a biodiversidade

dos sistemas tradicionais, osprodutores familiares associados ao

Centro Tipiti iniciaram, em 1996, umtrabalho de manejo florestal de

açaizais e outras práticasagroecológicas nas áreas de várzea do

município, trabalho este que setornou referência, repercutindo

em toda região.

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26 Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005

*Sebastião Aluizio Solyno Sobrinho:engenheiro agrônomo, mestre em Planejamento

do Desenvolvimento, consultor técnico daFase no Programa Amazônia/PA

[email protected]

Referências:

Censo agropecuário – 1995/96. Número 5. Pará.Rio de Janeiro: IBGE, 1997. 217 p.

VELHO, Otávio Guilherme. Frentes de expansãoe estrutura agrária: estudo do processo de pene-tração numa área da Transamazônica. 2 ed. Riode Janeiro: Zahar Editores, 1981.

FEDERAÇÃO DE ÓRGÃOS PARA ASSISTÊN-CIA SOCIAL E EDUCACIONAL. Relatórios anuaisda Fase Programa Amazônia/Pará. Belém: Fase,2001-2005.

A valorização dos frutos de açaí no mercadonacional e o avanço dos produtores da região do Baixo-Tocantins na organização da produção abriram oportu-nidades de negócios para a produção familiar. Como con-seqüência, em 2003, iniciou-se um processo de exporta-ção de açaí para os Estados Unidos, articulado entre aCooperativa dos Fruticultores de Abaetetuba (Cofruta),a Cooperativa Agrícola de Resistência de Cametá (Cart),a Cooperativa dos Produtores de Barcarena (Coopebab),a Associação Mutirão de Igarapé Miri, uma empresa in-ternacional (Sambazon Inc.), duas fábricas de proces-samento de frutas no Pará (Camta e Fly) e outra no Cea-rá (Dafruta).

A continuidade do processo tornou mais evi-dente a necessidade de reconhecimento do fruto do açaícomo um produto agroecológico de origem orgânica, umavez que sua produção é feita sem o uso do fogo ou dequalquer insumo químico. O diploma de certificação doaçaí foi obtido em 2003 através da agência GuaranteedOrganic Certification Agency (Goca), possibilitando umgrande diferencial no processo de comercialização, já queos compradores de açaí orgânico aceitam contratos se-guindo as normas do comércio justo.

Com efeito, no período de agosto de2004 a janeiro de 2005, a média dospreços pagos pelo açaí orgânico supe-rou em 25% os preços praticados pe-los atravessadores da região. Assim,descontados os custos de comercia-lização, as 904 famílias de produtoresque participaram da venda coletiva doaçaí orgânico obtiveram uma rendamensal média de R$ 321,50 (Fonte: Re-latórios Fase). Considerando que até1996 a renda média dos pequenos pro-dutores da região era de R$ 216,47 pormês (IBGE, 1996) e que a safra do açaíconcentra-se no período de setembro adezembro, pode-se concluir que, nestadécada, os produtores de açaí orgâni-co vêm passando natais mais fartosque na década passada.

Mais importante que os resultados imediatosda exportação de açaí são as oportunidades que o merca-do de produtos orgânicos pode oferecer para a imensadiversidade de produtos silvestres da Amazônia, cuja pro-dução é obtida de maneira artesanal, sem nenhuma adi-ção de insumos industriais. Por outro lado, emerge um

grande desafio: viabilizar uma produção artesanal em es-cala industrial no padrão de qualidade exigido pelo merca-do internacional e garantir ao mesmo tempo eqüidadesocial e diversidade ecológica.

A experiência dos produtores familiares organi-zados no Baixo-Tocantins vem contribuindo para respon-der a esse desafio, tendo como eixo de ação a capacitaçãode jovens rurais para a gestão eficiente dos empreendi-mentos associativos e a articulação desses empreendimen-tos em nível regional, para a organização da produção emescala comercial.

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Transporte do açaí

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história da RedeXique-Xique deComercialização

Solidária1 confunde-se com a histó-ria da organização das mulheres naregião oeste do Rio Grande do Nor-te. Sua fundação teve a participa-ção de vários grupos com experiên-cia de produção coletiva e que bus-cavam um espaço de comerciali-zação que atendesse às necessida-des de seus projetos produtivos.

Em 1999, o Grupo de Mulheres Decididas aVencer, do Assentamento Mulungunzinho, de Mossoró(RN), após avaliar várias idéias para gerar renda por meio

A construção daeconomia feminista na

Rede Xique-Xiquede Comercialização Solidária

Isolda Dantas*

A de um projeto produtivo, dentre eles, fábricas de doces ecriação de galinhas, optou pelo cultivo de hortaliças orgâ-nicas. A agricultura fazia parte das raízes e do dia-a-dia decada uma delas, familiarizadas com a terra e seus humores.Praticá-la agora com base nos princípios da agroecologiaera converter o aprendizado que tinham acumulado emuma obra concreta.

Convencidas da idéia de cultivar hortaliçasagroecológicas, era necessário averiguar formas decomercialização coerentes com as da produção, que fos-sem justas, solidárias, o que significa também escapar à

Agricultoras participando da Feira de Economia Solidária

1 A Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária tem sede na cidade de Mossoró(RN), situada na região oeste do estado do Rio Grande do Norte. É fruto de um amploprocesso de construção coletiva dos grupos produtivos, com a contribuição de umconjunto de organizações da sociedade civil que, atuando em diferentes áreas, lutampela autonomia e melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras docampo e da cidade. A Rede comercializa e produz dentro dos princípios da agroecologiae da economia solidária. Contatos: [email protected].

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exploração exercida pelos atravessa-dores. Pensando nisso, foi criada a As-sociação de Parceiros e Parceiras daTerra (APT). Nesse espaço, reuniam-se produtoras e consumidores(as), etodo o processo de venda e entrega deprodutos era feito de forma direta.

Após três anos, outros gru-pos de áreas de assentamentos rurais eurbanos, na sua maioria mulheres, queproduziam mel de abelha, castanha, ar-tesanatos de palha e sementes, deriva-dos da caprinocultura e hortigrangeirosem vários municípios da região, tam-bém passaram a demandar meios paraa comercialização de sua produção.

Com isso, grupos produti-vos, entidades de assessoria e movimen-tos tinham uma preocupação que eranorteada pela certeza de que precisa-vam estender a comercialização a to-dos os envolvidos, conservando osmesmos compromissos afirmados paraa produção e organização, que estiveram presentes noprocesso de construção da Rede e que integram, hoje, acarta de princípios do Espaço Xique-Xique: a produção, acomercialização e o consumo devem se distanciar de to-das as formas de exploração do trabalho, incluindo o tra-balho infantil, ausência de salário digno, desigualdade sa-larial entre homens e mulheres, presença da figura doatravessador entre a produção e comercialização, dentreoutras.

Buscamos, então, dar um passo além, soman-do esforços na constituição da tríade organização, produ-ção e comercialização e ampliando assim a idéia da APT,iniciada pelo Grupo de Mulheres Decididas a Vencer. Em2003, criou-se o Espaço de Comercialização SolidáriaXique-Xique, em Mossoró (RN).

A construção da RedeO Espaço de Comercialização Solidária tornou-

se rede quando reuniu 50 grupos participantes, de oitomunicípios. Atualmente, a Rede tem dois núcleos funcio-nando, em Mossoró e Baraúna. Além de potencializar eparticipar de feiras, promover seminários de formação, ar-ticular-se com outras redes, segue avançando no processode certificação participativa e na construção de novosnúcleos e feiras agroecológicas semanais.

A idéia é que o objetivo final não expresse ape-nas uma troca mercadológica de produtos, mas se situe nacontinuidade do processo de conscientização feito de for-ma participativa entre produtoras e produtores, consumi-doras e consumidores, guiados pela premissa daautogestão.

Promover a articulação dessas três etapas sig-nifica acreditar na construção de um instrumento concre-to que garanta que os princípios e valores presentes naorganização permaneçam também nos momentos da pro-dução e comercialização. Quem se organiza também querproduzir, quem produz quer se organizar e comercializar.E produzir com organização exige uma comercializaçãojusta e solidária.

Afirmando a consciência feministaNo caso particular dos projetos desenvolvidos

dentro de uma consciência feminista, sabíamos que a bus-ca desse novo horizonte transcendia a afirmação de pre-ceitos éticos e solidários ao longo do processo de forma-ção, pois necessitávamos, antes de tudo, que as mulheresestivessem presentes de forma real e efetiva em todos osespaços, sendo sujeitos da ação nessa construção.

Essa compreensão fundamenta a atuação daRede, que em sua carta de princípios traz expressa a preo-cupação em garantir a valorização do trabalho das mulhe-res e jovens, reforçando sua participação, através de umapolítica de ação afirmativa em todas as etapas do processo(buscando instrumentos que viabilizem a socialização dotrabalho doméstico), respeitando suas diferenças sem ge-rar desigualdades de gênero e geração.

Como conseqüência desse enfoque de forma-ção, a Rede Xique-Xique tem atualmente em suas instân-cias uma presença feminina significativa. No ConselhoDiretor, composto por sete membros, seis são mulheres.A associação, gestora jurídica da Rede, diretoria e coorde-nação também contam com 90% de mulheres. Além da

Produtos comercilizado na Rede Xique-xique

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ocupação dos cargos de direção, elas participam na Redeatravés dos grupos de mulheres organizados nos assenta-mentos e/ou nas comunidades, somando 35 grupos pro-dutivos, num total de cinqüenta grupos.

A produção das mulheres é a principal respon-sável pela grande diversidade de produtos comercializadosno núcleo de Mossoró e nas feiras livres. Hoje, são produ-zidos por elas, de forma agroecológica, uma pauta diversi-ficada de produtos transformados e in natura: doces, melde abelha, rapadura de leite de cabra, produtos de higienepessoal à base de mel, artesanato de palha, sisal e semen-tes, hortaliças e mariscos.

Na busca por construir alternativas comuns parafacilitar a comercialização dentro da Rede, alguns gruposde mulheres optaram por confeccionar uma rotulagemúnica para produtos semelhantes. Isso garante uma iden-tidade aos produtos das mulheres integrantes da Rede.Além disso, são realizadas compras de matéria-prima en-tre os grupos: compra-se mel das apicultoras para produ-tos à base de mel; vende-se cenoura para o outro grupoproduzir bolos. Nessa perspectiva, garante-se a circulaçãodos produtos das mulheres fora e dentro da Rede.

Como já falamos anteriormente, a Rede é tam-bém um espaço de organização e articulação. Os gruposde mulheres, além de pertencerem à Rede, participam domovimento feminista, por meio da Marcha Mundial dasMulheres e da Coordenação Oeste de Mulheres, retro-alimentando o conjunto do movimento e a Rede com ques-tões referentes à luta contra transgênicos, luta contra oacordo da Área de Livre Comércio das Américas (Alca),pelo acesso a crédito, acesso a água, dentre outras.

Limites e desafios para as mulheresA ocupação desses espaços, a produção e a

comercialização feitas pelas mulheres representam avan-ços. Basta olharmos os diversos depoimentos das envolvi-das na rede: Aos poucos, conscientizávamos nossos mari-dos das vantagens que a associação das mulheres trariapara toda a família. Como associadas, somaríamos os nos-sos benefícios e direitos aos deles, mas só conseguiríamosatravés da organização, conta Neneide Viana, presidenteda Associação Xique-Xique. Ela procura ainda evidenciarque os resultados alcançados estão inter-relacionados, sejana divisão das tarefas domésticas, seja no seu reconheci-mento na esfera pública: Recebemos pesquisadores, as-sistentes sociais e equipes de avaliação do governo. Todosno assentamento encaminham até a gente, dizendo: – Vãoaté às mulheres, elas é que são responsáveis pela organiza-ção aqui.

Além dos ganhos relativos à autodeterminaçãodas mulheres no mundo público e privado, podemos cons-tatar o despertar para o conhecimento, construindo no-vas tecnologias, tanto no processo de produção como nagestão de seus projetos: Em nossa plantação, os sapos

passeiam livremente, desde que descobrimos que eles eramnossa melhor arma para expulsar os gafanhotos, explicaAna Lúcia, produtora de hortaliças agroecológicas do Pro-jeto de Assentamento de Mulungunzinho. Quem visitanosso projeto vê uma coisa engraçada. Lá tem berço, temrede e muito menino. Assim como as tarefas da produção,o cuidado com as crianças é também dividido entre nós,observa Liana, presidente da Associação do Assentamen-to e produtora da Rede Xique-Xique.

Mesmo destacando os avanços, é im-portante refletir sobre algumas questões:Como provocar e efetivar nesse proces-so de economia solidária questões refe-rentes à socialização do trabalho emtodos os espaços? A participação emexperiências solidárias não assegura ajusta divisão de tarefas domésticas nocotidiano das mulheres, pois o custo dareprodução da força de trabalho no ca-pitalismo tem sido pago apenas pelasmulheres em suas famílias. (Nobre,2003, p.210).

Nesse sentido, a economia feminista, que inau-gura uma nova discussão na economia, coloca a reprodu-ção humana na centralidade do debate econômico, envol-vendo a divisão sexual do trabalho e a necessidade de cons-truir valores sociais para “a produção do viver”. Essa for-ma de abordagem feminista trouxe para a Rede Xique-Xique a necessidade de aprofundar tais questões e praticá-las no interior de cada grupo integrante da Rede: “Oaporte da economia feminista é tornar visível a contribui-ção das mulheres à economia. São pesquisas que conside-

Além dos ganhos relativos àautodeterminação das mulheres

no mundo público e privado,podemos constatar o despertar

para o conhecimento,construindo novas tecnologias,tanto no processo de produção

como na gestãode seus projetos.

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Referências:FARIA, Nalu & NOBRE, Miriam (Orgs). A produ-ção do viver. SOF, 2003.

Economia Feminista. SOF, 2002.

NOBRE, M. Mulheres na economia solidária. In:CATTANI, A. David (Org.). A outra economia.Ed. Veraz, 2003.

CARRASCO, C. Introducción: hacia unaeconomía feminista. In: CARRASCO (Ed.).Mujeres y economía.

ram o trabalho de forma mais ampla, incluindo o mercadoinformal, o trabalho doméstico, a divisão sexual do traba-lho na família, e integram a reprodução como fundamen-tal a nossa existência, incorporando saúde, educação eoutros aspectos relacionados com temas legítimos da eco-nomia” (FARIA e NOBRE, 2003, p.13).

É necessário seguir provocando essa reflexãono interior dos grupos de mulheres em cada comunidade eassentamento. São em reuniões quinzenais dos grupos demulheres que as questões do cotidiano são formuladas e,a partir de cada grupo, são repassadas para a Rede. Sabe-mos que as alternativas às questões estruturais, como a dadivisão sexual do trabalho, só serão criadas com uma realmudança na sociedade, provocada pelas próprias mulhe-res. Estamos falando de transformação e, sem dúvida, eladeve ser cotidiana.

Outro desafio está relacionado ao fato de lidar-mos também com experiências mistas, nas quais a deter-minação da presença das mulheres precisa ser constante-mente reafirmada. De fato, o que observamos quando setrata de trabalho coletivo misto é que as mulheres perdemseu poder de participação à medida que os resultados po-sitivos aparecem.

Apesar da constante busca pela autodetermi-nação, o número expressivo de grupos produtivos de mu-lheres atualmente existente na Rede Xique-Xique enfren-ta os mais corriqueiros limites, como, por exemplo, a nãopermissão pelo marido para participar de atividades exter-nas à região. Uma outra manifestação dessas restrições é adesvalorização do trabalho das mulheres na família. Mes-mo quando a renda oriunda do trabalho da mulher repre-senta quase 100% do orçamento familiar, o marido aindao trata como “ajuda”. Há ainda as barreiras da distânciafísica e política, quando as mulheres produzem, mas nãoconseguem chegar ao núcleo da Rede para comercializar.

Reconhecer a existência desses limites e tratá-los com a devida relevância é parte de nossa luta pelofortalecimento da organização e da economia das mulhe-res, no intuito de superá-los, resistindo à cômoda rendi-ção ao discurso mascarado de que existe transversalidadee participação das mulheres quando se fala em economiasolidária.

É importante ter claro que, mesmo as experiên-cias de economia solidária, ao serem desenvolvidas em umaeconomia hegemônica capitalista, são passíveis de inúme-ras contradições. Cientes disso, podemos dispor de novaspossibilidades de constituir formas alternativas de produ-ção e comercialização, questionando o modelo concen-trador e excludente, desnaturalizando-o de sua propagan-da de “ideal e eficiente”.

A criação da Rede Xique-Xique tem mostradoque é possível garantir, mesmo diante dos limites apresen-tados, que as mulheres sejam protagonistas de um proces-so que envolve e entrelaça diversos temas, como agro-ecologia, feminismo e economia solidária. A Rede Xique-Xique é a prova de que podemos construir espaços deprodução e de comercialização da agricultura familiar fun-dada na articulação desses pressupostos.

*Isolda Dantas:militante da Marcha Mundial das Mulheres e da Rede deEconomia e Feminismo; assessora da Rede Xique-Xique

de Comercialização Solidá[email protected]

Mutirão de preparação de área produtiva

Reconhecer a existência desses limitese tratá-los com a devida relevância éparte de nossa luta pelofortalecimento da organização e daeconomia das mulheres, no intuito desuperá-los, resistindo à cômodarendição ao discurso mascarado deque existe transversalidade eparticipação das mulheres quando sefala em economia solidária.

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o semi-árido per-nambucano, a a-gricultura familiar

agroecológica e a em transição paraa agroecologia têm buscado apro-priar-se das várias potencialidadesdos sistemas agrícolas e pecuáriossustentáveis, seja através do benefi-ciamento de uma produção diversifi-cada, seja por meio da comerciali-zação a partir de canais diferencia-dos, com destaque para as “feirasagroecológicas”.

Entre as famílias agricultoras, chama atenção ofato de as mulheres, em municípios como Bom Jardim eSanta Cruz da Baixa Verde, estarem desenvolvendo expe-riências que já apresentam resultados concretos nas di-

Agricultoras descobrem novaforma de gerar renda e garantir

uma alimentação seguraJosé Aldo dos Santos e Rebeca Barreto*

mensões ambiental (solo, vegetação, fauna silvestre etc.),sociocultural, assim como na dimensão econômica, sobrea qual trataremos aqui de enfocar alguns aspectos. Parasituar o contexto dessas experiências, apresentaremos umpouco da vida de mulheres que fazem do semi-árido umlugar promissor.

A agricultora Lourdes Negromontes vive hácerca de 50 anos na comunidade Santa Cruz, no municí-pio de Bom Jardim. Ela trabalha com a terra desde os dezanos de idade. É, na região, uma das poucas mulheresque assumem a chefia do sistema de produção, do be-neficiamento e da comercialização dos produtos agro-florestais.

Dona Lourdes pratica a agricultura agroflorestalhá oito anos e afirma que isso mudou a sua vida para me-lhor. Mas nem sempre foi assim: Meu pai foi quem meensinou a plantar em roçado queimado. Aprendi que ondeexistisse pé de fruta não dava para plantar, por isso a gen-te cortava e queimava o solo. Durante muitos anos, suaplantação se resumia ao cultivo de feijão, milho e mandio-

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Dona Lourdes e suas companheiras durante curso sobre beneficiamento de frutas

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ca, e não era possível comercializar seus produtos. O re-sultado das plantações atendia unicamente as necessida-des de consumo da família. A gente só plantava para co-mer, não tinha esse negócio de vender, porque a gentenão lucrava nada, lembra. Para ajudar na renda familiar,Dona Lourdes também costurava, confeitava bolos e cria-va animais para vender.

A decisão de “inovar” partiu dela mesma, quenão hesitou em procurar informações e participar de reu-niões para saber melhor a respeito da agrofloresta. Fui aprimeira vez e gostei. Daí por diante, comecei a ir sempreàs reuniões do Sindicato e vi que a agrofloresta dá certo.Com o apoio dos filhos e assessoria do Centro Sabiá, DonaLourdes iniciou com os sistemas agroflorestais numa áreade 200 m². Logo notou a melhora da sua área, diversificouo número de plantas e introduziu a criação de animais.

Com esse novo jeito de plantar, ela pôde orien-tar parte do produto do seu trabalho para a venda na feiraagroecológica. O que a gente tem agora dá para comer epra vender, só gastamos com açúcar, farinha e goma e,quando a feirinha é boa, chegamos a lucrar mais de R$100,00, conta ela.

Hoje, Dona Lourdes obtém, com o suor de seutrabalho, o retorno que tanto merece, complementandosua renda com seus doces e bolos. Ela participa das feirase lá recebe pelo que produz e pelo que tira da sua terra. Aagricultora, que adora aprender e participar, tem na agri-cultura sua principal fonte de renda e quer melhorar cadavez mais naquilo que ama fazer.

Numa pesquisa realizada pelo Centro Sabiá, foiverificado que, em 1999, Dona Lourdes tinha uma rendamensal líquida de R$ 190,00. Após cinco anos, essa rendasubiu para R$ 829,00. A gente mudou (...) Eu tenho maisamor pelas coisas. Quando vejo um pé de planta que támeio fraquinho, dá vontade de chegar lá e ajeitar para vê-lo crescer bonito!

A agricultora Ivonete Lídia Vieira reside numa áreapequena, localizada no Sítio Baixa das Flores, município deSanta Cruz da Baixa Verde. Até 1997, cultivava apenas cafépara o consumo familiar. A única fonte de renda de Ivonete

era trabalhar no alugado em propriedades vizinhas, aplican-do venenos nas plantações de cana-de-açúcar. Essa ativida-de comprometeu por diversas vezes a saúde dela.

Em meados desse mesmo ano, com oapoio da Associação de Desenvolvi-mento Rural Sustentável (Adessu)Baixa Verde, Ivonete começou a incor-porar as práticas agroecológicas a suapropriedade. No início, tinha certa re-sistência à agricultura agroflorestal.Observando os resultados positivos des-sa intervenção, que transforma terrasimprodutivas em cultiváveis, ela e suafamília passaram então a intensificaro trabalho com agrofloresta. Hoje, pas-sados oito anos, existem em seu terre-no mais de 50 espécies, entre nativas efrutíferas. Para melhor aproveitar suaprodução, que é diversificada e cons-tante, porém em pequena quantidade,Ivonete resolveu beneficiar tudo o quetirava da terra. Dessa forma, consegueagregar mais valor aos produtos e ob-tém um lucro satisfatório, diversifican-do não apenas o número de produtostransformados, mas também a formade oferecê-los aos consumidores: Coma produção de um único pé de cajá, euapurei aproximadamente dois saláriosmínimos, fazendo polpas, doces, geléias,licores e sucos. E se tivesse um freezerteria ganhado muito mais.

Com um espírito inovador, ela está sempre crian-do receitas diferentes: Antes eu usava a palma apenas paraalimentar os animais. Hoje, sei que ela serve para alimenta-

Dona Lourdes(ao lado) e Ivonete(à direita) na feira

agroecológica

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Referências:Centro Sabiá e PD/A-MMA. Sistematização daExperiência com Comercialização Agroecológica– Feiras Agroecológicas, 2004.

* José Aldo dos Santos:coordenador-geral do Centro Sabiá

[email protected]

Rebeca Barreto:estagiária de jornalismo do Centro Sabiá

[email protected]

ção humana porque é rica em vita-mina A, e também auxilia no trata-mento de algumas doenças. Da pal-ma eu aproveito tudo: vendo o fru-to, faço sucos, geléias e tambémcocadas. Com a folha eu faço desdesaladas até farofas.

Devido ao sucesso desuas receitas, sempre participa emprogramas de rádio, nos quais dádicas de como ter uma alimentaçãosaudável aproveitando os recursosexistentes na região. Freqüente-mente ela também é convidada poroutras instituições para assessorarcursos de beneficiamento de frutas.

A comercialização dosprodutos por ela beneficiados é rea-lizada na Feira Agroecológica deSerra Talhada, localizada no SertãoCentral de Pernambuco. Nesse es-paço, são vendidos produtos da agri-cultura familiar, cultivados sem agrotóxicos nem adubosquímicos. Tudo é produzido de forma saudável e sustentá-vel. Considerada uma referência no campo da produção ebeneficiamento de produtos agroecológicos, a área deIvonete é visitada constantemente por agricultores, pes-quisadores, técnicos de vários municípios do Nordeste, deoutras regiões do país e de outros países. Ela ressalta queesse novo jeito de trabalhar a agricultura proporcionou umamelhoria na renda e na qualidade de vida de sua família.Hoje, temos hábitos alimentares saudáveis, vendemos e con-sumimos produtos limpos e de boa qualidade, mas tudoisso só foi conquistado quando aprendemos a conviver coma nossa terra.

Diferentemente de Dona Lourdes Negromontes,Ivonete começou só há pouco tempo a fazer comercia-

Curso de beneficiamento de frutas do quintal

Tudo é produzido de forma saudávele sustentável. Considerada umareferência no campo da produção ebeneficiamento de produtosagroecológicos, a área de Ivonete évisitada constantemente poragricultores, pesquisadores, técnicosde vários municípios do Nordeste,de outras regiões do país e deoutros países.

lização direta. Numa pesquisa realizada em 2003 pelo Cen-tro Sabiá, ela apresentou renda média mensal de R$ 160,00.Pode-se perceber aí uma grande diferença entre as rendasauferidas por ela e Dona Lourdes, que, além do maior tem-po de experiência, comercializa no mercado da capital doestado, onde é maior a demanda dos consumidores pelosprodutos agroecológicos.

Outro aspecto a ser observado na estratégia eco-nômica das duas agricultoras refere-se ao autoconsumo.Tanto num caso como no outro, evidencia-se a diminui-ção de gastos com a compra de alimentos e uma maiorqualidade e diversidade da dieta da família.

Essas experiências inovadoras de produçãoagroecológica vêm possibilitando às famílias agricultorasa melhoria da qualidade de vida e uma gestão mais autô-noma e mais próspera de suas economias. Isso significa areconstrução do prazer de ser gente mais alegre e satisfei-ta, com auto-estima elevada e plantando mais vida paraum mundo melhor.

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34 Agriculturas - v. 2 - no 3 - outubro de 2005

reforma agrária éuma das políticaspúblicas defendi-

das pelo movimento agroecológiconacional, vista como uma das con-dições fundamentais para se alcan-çar um desenvolvimento rural sus-tentável. Por sua parte, os movi-mentos de luta pela terra – em es-pecial o MST – vêm crescentementeincorporando o enfoque agroeco-lógico como paradigma para a estru-turação técnico-econômica dos as-sentamentos. Simultaneamente,pesquisas acadêmicas recentes têmrevelado os impactos positivos quepode trazer a conversão de grandesáreas monocultoras em novas uni-dades familiares de produção. Alémdisso, colocam em evidência estra-tégias produtivas já existentes nosassentamentos, que poderão serpotencializadas através de proces-sos de transição agroecológica.

Um instigante exemplo é a pesquisa que deuorigem ao livro Impactos dos assentamentos – um estudosobre o meio rural brasileiro (Leite et alii, 2004), realizada

em seis áreas com concentração de assentamentos de re-forma agrária, identificadas como “manchas”2: sudestedo Pará, zona canavieira nordestina, entorno do DistritoFederal, sertão do Ceará, sul da Bahia e oeste catarinense3.A existência dos projetos de assentamento nessas áreas éfruto da iniciativa de luta dos próprios trabalhadores, emcontextos de crise dos sistemas convencionais de produ-ção marcados por monoculturas e elevada concentraçãode terras.

A análise do perfil dos assentados nessas man-chas apontou que os assentamentos possibilitaram o aces-so à propriedade da terra de uma população historicamen-te excluída, que na sua maioria vivia na zona rural da pró-pria região. Embora tivessem anteriormente alguma inser-ção no mercado de trabalho, essas pessoas se encontra-vam em condições bastante instáveis e precárias, muitasvezes subordinadas às grandes fazendas, como meeiros,moradores, posseiros ou assalariados rurais. A criação dosassentamentos representou, em primeiro lugar, uma im-portante alternativa de ocupação estável e inserção social,tornando possível a esses trabalhadores centrar suas es-tratégias de reprodução familiar e de sustento econômicono próprio lote. Do total da população com 14 anos oumais assentada nos projetos pesquisados, 90% trabalha-vam ou ajudavam no lote, numa média de ocupação detrês pessoas por unidade produtiva, sendo que 79% tra-balhavam somente no lote4.

Já a análise da produção vegetal e das criaçõesconsideradas importantes pelos assentados revelou umamplo leque de produtos, indicando a existência (mesmodentro de um mesmo projeto de assentamento) de siste-mas de produção diversificados. Certos cultivos predomi-nam na grande maioria dos lotes, ainda que com variaçõesnas diferentes manchas, e são ao mesmo tempo destina-dos aos mercados e considerados cruciais na alimentaçãodas famílias. São eles o milho, a mandioca, o feijão e, emmenor escala, o inhame, a banana e o arroz. Verifica-setambém a presença de cultivos eminentemente comerciais,dentre os quais o algodão, a cana-de-açúcar, o cacau, oabacaxi e o fumo, dependendo da região. Aparece aindaum conjunto de produtos do extrativismo, a maioria uti-

Rosângela Pezza Cintrão*

A reformaagrária

e a reconversãoprodutiva do

meio rural1

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1 Este artigo é uma versão resumida e modificada do artigo publicado em 2004 noboletim eletrônico da Rets, escrito por Beatriz Heredia, Leonilde Medeiros, MoacirPalmeira, Rosângela Cintrão e Sérgio Leite.2 Esta denominação foi dada para diferenciar de outras divisões geográficas, já queessas áreas abrangem desde uma microrregião de um estado até uma intersecção deestados e aparecem no mapa da distribuição dos assentamentos no Brasilcomo“manchas”, pelo elevado número de projetos e de famílias ali presentes.3 A pesquisa entrevistou 1.568 famílias, em 92 projetos de assentamento. Essa amos-tra corresponde a 10% das famílias assentadas pelo Incra entre 1985 e 1997, nos 39municípios analisados, e é estatisticamente representativa apenas nos municípios se-lecionados.4 O trabalho fora do lote nas áreas estudadas aparece como complementar: apenas 12%do total da população fazia algum trabalho fora do lote, sendo a maior parte (44%) decaráter eventual, 24% de caráter temporário e apenas 31% de modo permanente.

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lizada para autoconsumo (como lenha, plantas medici-nais e frutos silvestres), tendo alguns deles peso comercial,como a piaçava no sul da Bahia, a erva-mate no oeste cata-rinense e a madeira em estacas no sudeste do Pará.

A pauta de criação animal é também diversificadae utilizada simultaneamente para autoconsumo e venda.Os destaques em percentual de criadores são o gado (prin-cipalmente de leite, mas também para corte), a criação deaves (para carne e ovos) e suínos. Uma porcentagem menossignificativa de assentados cria outros animais, como pei-xes, abelhas, cabras e outras aves (galinhas d’angola, patosetc). Produtos como leite e ovos têm peso importante novalor total da produção e certamente também na alimenta-ção das famílias. A possibilidade de criar animais foi desta-cada pelos entrevistados (especialmente pelos antigos par-ceiros e assalariados permanentes) como uma das melhoriasimportantes nas suas condições de vida. A grande diversi-dade de produtos associando bens destinados ao auto-consumo e aos mercados está relacionada à estratégia eco-nômica das famílias assentadas, que se resguardam, procu-rando maior flexibilidade produtiva frente às oscilações dacomercialização, ao mesmo tempo em que garantem amelhoria dos padrões de qualidade da alimentação. Essamelhoria é reconhecida por 66% dos entrevistados pelapesquisa.

A importância do autoconsumo foi especifica-mente analisada por uma outra pesquisa realizada em as-sentamentos no estado do Rio de Janeiro, que quantificoudetalhadamente o orçamento e os rendimentos das famí-lias e estimou em cerca de meio salário mínimo a rendamédia mensal correspondente ao autoconsumo5. Essamesma pesquisa constatou a existência de fluxos conside-ráveis de “doações” de produtos, tanto vegetais comoanimais, entre famílias, alcançando cerca de 8% do valorbruto da produção dos lotes (Leite, 2005). Essas doa-ções, em geral não contabilizadas do ponto de vista eco-nômico, indicam a importância das relações de reciproci-dade e de compensações produtivas espontâneas atravésde “trocas” de produtos entre os assentados.

Quanto à comercialização da produção, a pes-quisa revelou um quadro heterogêneo. De uma forma ge-ral, os canais de venda utilizados pelos assentados nãodiferem substancialmente daqueles tradicionalmenteacessados pelos agricultores familiares em cada região. Osatravessadores assumem papel de destaque, mas se verifi-ca também a venda a outros agentes, como agroindústrias,açougues, armazéns, supermercados e cooperativas ex-ternas ao assentamento, com os principais canais decomercialização variando nas regiões conforme o tipo deproduto.

As feiras livres aparecem como outro espaçoimportante de comercialização. Em vários municípios ana-lisados, a presença dos assentamentos contribuiu para adiversificação e o crescimento da oferta local de produtos,

chegando a repercutir no aumento do tamanho ou mes-mo da freqüência das feiras e, em alguns casos, provocan-do rebaixamento de preços de produtos alimentares. Alémdisso, as feiras podem funcionar como momento de afir-mação dos assentados junto à população local, com a co-locação de barracas (ou mesmo com a implantação denovos setores na feira) identificadas com os assentamen-tos de reforma agrária.

Embora em pequena escala, a comprae venda de produtos entre famílias as-sentadas também foram constatadas,com mais relevância nos assentamen-tos maiores. Esses fluxos são tambémsignificativos na oferta e na demandade serviços, já que vários dos assenta-dos que declararam trabalhar parcial-mente fora do lote o faziam dentro dopróprio assentamento, seja em obras deinfra-estrutura (construção de cercas,estradas, poços), seja como merendei-ras, professoras ou agentes de saúde.Esses dados são indicativos da consti-tuição de um mercado interno de pro-dutos e serviços, que, de forma similaràs doações mútuas, dão lugar a pro-cessos locais de circulação de rendas,gerando efeitos multiplicadores cir-cunscritos à comunidade dos assenta-dos e dinamizando suas economias.

Ainda com relação à comercialização, foramdetectadas mudanças induzidas pela organização dos as-sentados, principalmente onde há presença de movimen-tos sociais organizados, como o MST. Exemplo disso é oaparecimento de cooperativas e associações e a introdu-ção de inovações na gestão econômica, como o bene-ficiamento, a implantação de pequenas agroindústrias e/ou a criação de pontos de venda próprios, possibilitando aagregação de valor às produções. Em vários casos, surgemmarcas e selos próprios, vinculando a origem do produto àreforma agrária.

Apesar de os recursos obtidos por meio dasdiversificadas formas de venda da produção dos lotes nãoserem a única fonte de rendimentos das famílias assenta-das, eles representavam, na média geral das áreas pes-quisadas, 69% do total auferido, enquanto as atividadesde trabalho externo representavam 14% e os benefíciosprevidenciários, 17%, sempre com diferenças entre asmanchas.

5 Nesses assentamentos do Rio de Janeiro a renda monetária líquida correspondia emmédia a 2,8 salários mínimos, ou seja, o autoconsumo potencializa em quase 20% essarenda.

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De uma forma geral, a pesquisa cons-tatou que o acesso à terra permitiu umamaior estabilidade e rearranjos nas es-tratégias de reprodução familiar. Resul-tou daí uma melhoria das rendas e dascondições de vida, especialmente quan-do se considera a situação de pobreza eexclusão social que caracterizava mui-tas dessas famílias antes do seu ingres-so nos projetos de assentamento.

Uma estimativa das rendas médias mensais bru-tas para o conjunto das famílias pesquisadas aponta umvalor em torno de R$ 312,00 no período referente à safra1998/99, pouco mais de dois salários mínimos por família(o salário mínimo correspondia a R$ 151,00 no mesmoperíodo), variando de uma média de R$ 116,74 na man-cha do sertão do Ceará até R$ 438,72 na mancha do oestecatarinense. Apesar de o nível médio de renda não serelevado, houve em geral um aumento na capacidade deconsumo das famílias em relação a sua situação anterior,não só no que se refere a gêneros alimentícios, mas tam-bém a outros bens, como eletrodomésticos, meios de trans-porte próprio, equipamentos agrícolas, bem como melho-res condições de moradia.

Um aspecto de grande relevância socioeconô-mica e humana observado é que os assentamentos aca-bam atuando como mecanismos de consolidação ou mes-mo de reconstituição de laços familiares antes desfeitosou ameaçados pela necessidade de migrações e desloca-mentos em busca de alternativas de sobrevivência. Alémda freqüente presença de parentes em outros lotes domesmo assentamento, verificou-se que em 24% dos lotesentrevistados viviam, além da família nuclear (pai, mãe efilhos), outros parentes, como pais/sogros, genros/no-ras, irmãos/cunhados e netos, muitos dos quais não mo-ravam com a família antes de ela vir para o assentamento,indicando que as famílias assentadas podem estar servin-do como amparo social a parentes. Ao constituírem capa-cidades de ocupação produtiva, de renda estável e de se-gurança alimentar, os assentamentos atuam como ânco-ras para a recomposição das famílias, aproximando mem-bros que anteriormente estavam dispersos, possivelmenteem função das dificuldades acarretadas pela necessidade dese inserir no mercado de trabalho, contribuindo para garan-tir a reprodução não apenas econômica, mas também e fun-damentalmente social desse grupo de trabalhadores6.

Como uma síntese das evoluções positivas dascondições de vida e da conquista de uma maior eqüidadesocial e econômica, os assentados apontam o sentido danova condição, em que o acesso à terra faz com que sesintam “libertos”, senhores de seus próprios passos e ca-

pacitados a controlar suas vidas, deixando de ser “escra-vos”. Depoimentos nesse sentido apareceram em especial(embora não exclusivamente) nas áreas onde predomina-vam monoculturas e as relações de subordinação e de po-der que as caracterizam. Apesar das dificuldades enfrenta-das, e da pobreza ainda generalizada, o acesso à terra temprovocado rupturas e uma nítida sensação de avanço emrelação ao passado.

Para além das melhorias trazidas para a vida dasfamílias assentadas, que por si só justificariam a implanta-ção de uma verdadeira reforma agrária que resgatasse adívida social com a população do campo, a pesquisa reve-lou que os assentamentos trouxeram mudanças tambémpara os municípios onde estão inseridos. A ampla gama deprodutos produzidos resultou na diversificação da ofertalocal de produtos agropecuários, o que foi verificado atra-vés da comparação entre a produção dos assentamentos ea produção total dos municípios estudados. O aumentodo poder de compra das famílias assentadas teve repercus-sões na dinamização do comércio local dos municípios. Aconcentração de assentamentos modificou a paisagem, opadrão de distribuição da população e o padrão produti-vo, multiplicando as estradas (que antes iam somente paraas sedes das fazendas) e levando ao surgimento de novosaglomerados populacionais. Especialmente no caso dasantigas áreas monocultoras ou de pecuária extensiva ondea agricultura patronal encontrava-se em crise, os assenta-mentos possibilitaram uma verdadeira “reconversão pro-dutiva”, tanto mais visível quanto maior o número de fa-mílias assentadas e a extensão da área ocupada, levando aprocessos de reorganização do sistema de uso dos solos eda produção familiar no seu contexto mais geral, e abrin-do caminho para uma reestruturação agroecológica domeio rural.

* Rosângela Pezza Cintrão:engenheira agrônoma; mestre em Desenvolvimento e

Agricultura; membro da coordenação da pesquisa sobreimpactos dos assentamentos e secretária executiva da

Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Referências:LEITE, Sérgio P.; HEREDIA, Beatriz M.A.;MEDEIROS, Leonilde S.; PALMEIRA, MoacirG.S.; CINTRÃO, Rosângela P. Impactos dos as-sentamentos: um estudo sobre o meio rural brasi-leiro. São Paulo: Editora Unesp, 2004.

LEITE, Sérgio P. Estratégias socioeconômicas,atividade produtiva e orçamentos domésticos nosassentamentos rurais. Rio de Janeiro: CPDA(mimeo), 2005.

6 Por outro lado, a agregação de novos membros pode gerar novas pressões sobre aterra, favorecendo a saída para outros lotes ou mesmo para novas ocupações de terra.

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s intensas chuvas ocasio-nadas pelo El Niño em1995/96 compromete-

ram drasticamente as colheitas dafamília Licheski, agravando a já crí-tica situação de desorganização daeconomia familiar. Essa conjunturamarcou o início de um período dereorientação de suas atividadesagrícolas, até então baseadas nocultivo convencional e especializa-do de milho-feijão consorciado e debatata, em áreas próprias e arren-dadas. Não fosse a venda de erva-mate, presente nas matas da regiãoem que vivem no centro-sul do Pa-raná, e a venda de oito vacas, a fa-mília teria sido obrigada a abando-nar a agricultura.

Gestão econômica datransição agroecológica –

ensinamentos de um caso naregião centro-sul do Paraná

Sílvio Gomes de Almeida e Gabriel Bianconi Fernandes*

A busca incessante pelo aumento da renda apartir de escalas crescentes de produção, tanto pela utili-zação de agroquímicos, como pela expansão da área culti-vada, foi a estratégia adotada pela família desde sua insta-lação como novo casal de agricultores, em 1983. Essepadrão produtivo tornou a renda dos Licheski fortementedependente das oscilações do mercado de alguns poucosprodutos. “Havia êxito numa safra, empate na outra, per-da na seguinte”, conta José Licheski. Nessas circunstân-cias, não havia possibilidade de constituir poupança. Arenda gerada num ano era consumida no ciclo produtivoseguinte, enquanto se acumulavam dívidas com presta-mistas e comerciantes locais.

Diante da crise, a família decidiu cultivar apenasa área que conseguia trabalhar com seus próprios meios,abandonou progressivamente o uso de motomecanizaçãoe agroquímicos e iniciou a transição para a agroecologia.Contribuiu para esse processo o conhecimento herdadoda família sobre a produção de sementes, o manejo deadubos verdes e a tradição da produção de batata orgâni-ca para consumo próprio.

Da especialização àdiversificação

Em 2001, menos de cincoanos após esse momento difícil, uma ava-liação comparativa dos impactos econô-micos gerados pelas inovaçõesagroecológicas introduzidas até então nosistema familiar evidenciou que a propri-edade estava bastante mudada. Em vol-ta da casa, a família cultivava mais de 60espécies, entre frutas, hortaliças e plan-tas medicinais, mantendo também umpequeno criatório diversificado. Os cul-tivos anuais de batata, milho, feijão, tri-go, arroz e mandioca são sempre inter-calados, no espaço e no tempo, com adu-bos verdes de inverno e verão. O erval

A

Família Licheski na seleção de sementes de milho

Foto: Arquivo AS-PTA

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nativo foi mantido em um sistema agroflorestal do qual seutilizam mais de 35 espécies, dentre frutos silvestres, le-nha e plantas medicinais.

Essa composição diversificada da propriedadeviabilizou estratégias variadas de manejo da fertilidade doagroecossistema e elevado aproveitamento interno de re-cursos, o que se traduziu em baixa dependência de insumosexternos e alto nível de autonomia técnica. A horta é adu-bada com cinza do fogão, biofertilizantes e esterco dasaves que, por sua vez, recebem sobras da horta e do con-sumo alimentar da família, além de milho e batatas quenão atingiram padrão desejável. Já as áreas de grãos rece-bem biofertilizantes e uma mistura de esterco, cinza,fosfato de rocha e calcário. O esterco é comprado de vizi-nhos ou trocado por outros produtos, dada a ausência debovinos e suínos na propriedade.

Economia da diversidade

A diversidade cultivada e os recursos florestais,além de constituírem um elemento central na gestão dosistema, também geram rendas diversificadas. As produ-ções de batata, da horta, da mandioca e da agroflorestarepresentam 68% da renda agrícola da família. Esse valornão reduz a importância das outras atividades, que gerampequenas receitas escalonadas ao longo do ano e que,além disso, são fontes de rendas não-monetárias, ao pro-duzirem insumos e resíduos usados nas demais atividadese fornecerem alimentos que enriquecem em quantidade equalidade a dieta familiar.

As diferentes formas de valorizar economica-mente um mesmo produto, seja para consumo animal ouhumano, seja para utilização como insumo ou para venda,ajudam a estabilizar todo o sistema. A comercialização desementes, por exemplo, é uma fonte significativa da rendaagrícola. Elas são vendidas ou trocadas no mercado local,onde há grande demanda.

O relacionamento com o mercado urbano localé outra forma de valorizar a diversidade na economia fami-liar e de se apropriar de uma maior parcela do valor produ-zido. A maioria dos produtos é vendida diretamente aosconsumidores através de múltiplos canais – restaurantes,

coletividades e famílias, que formam uma clientelamantida, sobretudo, em função de relações de confiançana qualidade do que é comercializado. A comunidade ondevivem os Licheski e seu entorno constituem também umespaço de realização da produção, por meio da venda ouda troca de gêneros, como a erva-mate, sementes e outrosprodutos do quintal.

Os outros agricultores familiares da região, noentanto, ainda que participando do mercado local, ven-dem a maior parte da produção a preços pouco vantajososnos circuitos dominados por intermediários e atacadistas.

Com um sistema de manejo integrado e capazde subsidiar suas próprias atividades, os custos monetários(desembolso em dinheiro) das produções correspondiam aapenas 14,5% do excedente monetário da renda agrícolada família, enquanto o conjunto das necessidades domésti-cas (inclusive alimentares) compradas no mercado limita-va-se a somente 2,5% desse excedente. Constituíram-se,assim, as condições para a formação de uma poupança emdinheiro correspondente a 80% da receita gerada pela famí-lia. Esses recursos puderam ser destinados às despesas demanutenção doméstica, ao lazer, ao custeio dos poucosinsumos comprados e até a pequenos investimentos.

Baixos custos e alto valor agregadoOs rendimentos dos principais cultivos regio-

nais obtidos pela família no manejo agroecológico revela-ram-se amplamente superiores aos verificados nos siste-mas convencionais, salvo no caso da batata. Os rendi-mentos apresentam variações entre um mínimo de +16%para a mandioca e um máximo de +171% para o feijãoconvencional. Quanto à batata, a significativa diferençapara menos está relacionada à ausência de variedades adap-tadas ao manejo orgânico para as condições locais.

Combinados a rendimentos elevados, os custosunitários de produção extremamente baixos conferem altarentabilidade econômica ao sistema agroecológico. Os gas-tos intermediários, ou custos monetários de produção, ab-sorveram apenas 5,5% do produto bruto do estabelecimen-to, revelando grande capacidade do sistema em aproveitaros recursos internos e minimizar gastos com insumos e ser-viços. Essa estratégia de gestão se traduziu numa agrega-ção pelo trabalho familiar de nada menos do que 1.640%ao valor dos insumos adquiridos fora da propriedade.

No caso do milho, a cada real aplicado, a famíliaobteve novos R$38,12, contra R$1,27 no sistema convencio-nal com tração animal, e apenas R$0,57 no motomecani-zado. Mesmo no cultivo da batata, embora com produtivida-de menor, o sistema agroecológico alcançou maior rentabili-dade em função dos baixos custos, agregando entre 8 e 28vezes mais valor por unidade de área do que os sistemas con-vencional e de tração animal, respectivamente.

Expressando essa elevada capacidade de gerarnovas riquezas, os Licheski conseguiram apropriar-se de92% do valor agregado total da atividade produtiva a tí-

A família Licheski na Feira de Sementes emSão Mateus do Sul – PR

Foto

: Arq

uivo

AS-

PTA

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tulo de renda agrícola familiar. Com esse resultado, a ocu-pação econômica do núcleo familiar pôde ser mantida es-tável, com uma renda agrícola per capita (2000/01) emtorno de 20% superior ao custo de oportunidade da forçade trabalho na região (1 salário mínimo).

Economia de sinergia

A sustentabilidade do sistema agroecológicotem seu fundamento em uma sólida “economia desinergia”, ou de integração entre fatores internos e exter-nos. Internamente, há um grande aproveitamento dosprodutos e da biomassa, resultando em uma consideráveleconomia de insumos. Externamente, intensas relaçõesde cooperação entre vizinhos e parentes permitiram eco-nomias importantes na contratação de serviços e mão-de-obra, assim como na aquisição e manutenção de equipa-mentos. Mesmo estimando monetariamente apenas umaparte dessa “economia de sinergia”, observa-se que, se ti-vesse que adquirir esses produtos e serviços, a família teriagasto cerca de 80% do faturamento líquido (produto dasvendas menos os custos monetários) da safra 2000/01.

Novos valoresA incorporação das inovações agroecológicas ao

sistema produtivo estimulou a emergência de novos valoresque se manifestam nas relações familiares e comunitárias.

A maior integração técnica e econômica dasatividades produtivas tem implicado em esforço renovadoe reconhecido de partilha das decisões na propriedade pelonúcleo familiar, que se expressa no planejamento dos cul-tivos, na alocação de recursos financeiros e também navalorização dos conhecimentos e da capacidade de inova-ção da mulher e dos filhos.

No âmbito comunitário, a família Licheski temsido veículo de disseminação de conhecimentos novos no

REFERÊNCIAS:ALMEIDA, S.G. & FERNANDES, G.B. Monitoreoeconómico de la transición agroecológica, estudiode caso de una propiedad familiar del sur de Brasil.Leisa, revista de agroecologia. Lima: AsociaciónETC Andes, 2003. p.58-63.

*Sílvio Gomes de Almeida:economista, diretor-executivo da Assessoria e Serviços

a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA)[email protected]

Gabriel Bianconi Fernandes:agrônomo, assessor-técnico da AS-PTA.

[email protected]

tem promovido práticas sociais mais integradoras, esti-mulando tanto a preservação dos recursos ambientais co-letivos como as práticas dinamizadoras da economia lo-cal. Exemplo disso é o favorecimento e incentivo à circula-ção das rendas familiares dentro da própria comunidade,através de processos locais de compra e venda, troca eempréstimos de bens e serviços, incluindo trabalho, se-mentes, produtos animais, dentre outros.

DesafiosNa continuidade do processo de transição para

a agroecologia, a família tem planos de expansão e inten-sificação das atividades, estendendo-as a uma nova áreaadquirida por herança familiar. Com essa decisão, algunspontos críticos e desafios foram identificados em discus-são com a família durante a avaliação, como o aumento dademanda por trabalho, a reintrodução de bovinos e suínose a necessidade de novos equipamentos e crédito compa-tíveis com o manejo do sistema.

Rendimentos físicos e rentabilidade econômica dos principais cultivos. Safra 2000/01 (Kg/ha)

RENTABILIDADE R$/ha

Valor agregado / Consumo Intermediário

EcológicoFamíliaLicheski

(a)

ConvencionalTração animal

(b)

%a/b

ConvencionalMecanizado

(c)

%a/c Ecológico Convencional

motomecanizadoConvencionalTração animal

RENDIMENTOS Kg/ha

Feijão 2.770 1.488 +86 1.020 +171 6,68 4,62 3,91

Milho 6.000 3.720 +61 4.200 +43 38,12 1,27 0,57

Batata 10.000 14.750 -47 15.300 -53 7,65 0,27 0,88

Arroz 4.917 2.975 +65 1.896 +159 —— —— ——

Mandioca 24.020 15.000 +60 20.700 +16 —— —— ——

Fonte: Levantamento em campo (a); DERAL – Secretaria de Agricultura do PR (b e c)

campo do manejo dos sistemas agrícolas. Por outro lado,

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Publicações

The resilient farm:supporting agriculturaldevelopment and ruraleconomic growth.BURPEE, G. e WILSON, K.UK: ITDG Publishers, 2004.170 p.

Por que algumas proprie-dades familiares são maisresilientes que outras? Osautores discutem a realida-

de econômica e ecológica da pequena proprieda-de familiar e analisam o papel de organizações dedesenvolvimento no enfrentamento de desafios queafligem os agricultores. Exemplos de casos, bem-sucedidos ou não, enfatizam a necessidade de umenfoque integrado nas ações de apoio ao desen-volvimento local. Bem ilustrado e de fácil leitura,o livro é referência para agentes de cooperação etécnicos de campo envolvidos de alguma formacom a produção familiar e com a economia rural.

Matriz produtiva daregião Sul e Brasil:metodologia para estra-tégias de segurança ali-mentar, soberania e cida-dania. Uma construção apartir da agroecologia.SANTOS, A. C. (Coord.) et alii.Paraná: Deser (Projeto Rede deAgricultores Familiares) s.d. 36 p.

A publicação propõe uma matriz de avaliação daprodução agrícola no Brasil que permite compre-ender o problema da fome e da miséria a partir datemática da segurança alimentar, da soberania eda condição de cidadania na agricultura familiar.O estudo dessa matriz pode ser resumido em trêsquestões: o quê, quanto e onde produzir. Com basenessas questões, a matriz procura fornecer orien-tações para a tomada de decisão sobre o planeja-mento da ocupação de áreas produtivas. Seu ob-jetivo é capacitar agricultores gestores de refe-rências e suas organizações, assim como debatercom a sociedade a temática da segurança alimen-tar e da produção agrícola.

Sustentabilidad yCampesinado: seisexperienciasagroecologicas enLatinoamerica.ASTIER, M. e HOLLANDS,J. (ed.). México: Gira, 2005.262 p.

O livro apresenta a siste-matização de estudos decaso realizados no Méxi-

co, Peru, Brasil e Bolívia. Cada um de seus capí-tulos contém a análise e os resultados da aplica-ção de um método de avaliação da sustentabi-lidade em diferentes sistemas agrícolas que in-corporaram práticas agroecológicas. É uma boaindicação para os interessados em diferentes for-mas de se promover e avaliar a sustentabilidadeem sistemas familiares de produção. Um dos es-tudos enfoca a sustentabilidade econômica de umsistema familiar no semi-árido paraibano.

Fortalecer el capital humano, conservar labiodiversidad y lograr el desarrollo de laseconomías andinas. Impacto del CIED enPuno 1996-2000.CLAVERÍAS, R. H. et al. Peru: Cied, 2001. 57 p.

Ao avaliar o impacto da intervenção do Centrode Investigación, Educación y Desarrollo (Cied)em Puno, no período entre 1996 e 2000, o docu-mento descreve e analisa os modelos adotadospelos camponeses para que seus sistemas produ-tivos apresentem um nível mínimo de sustenta-bilidade frente aos riscos de oscilações de climae de mercado. São também discutidas as estraté-gias dos camponeses para reduzir a insegurançaalimentar em um contexto de mudanças climáti-cas negativas e de um processo de globalizaçãoexcludente.

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*Todas as publicações estãodisponíveis para consulta no

Centro de Informação da AS-PTA.

Monitoramento de impactos econômicos depráticas agroecológicas. Termo de referência.GOMES DE ALMEIDA, S. Rio de Janeiro: AS-PTA,2001. 19 p.

O texto foi elaborado para orientar a avaliação deimpactos econômicos associados à incorporaçãode práticas agroecológicas em sistemas agrícolasfamiliares nas regiões de atuação dos Programasde Desenvolvimento Local da AS-PTA.Partindo de um ponto de vista crítico às insuficiên-cias e ao reducionismo da teoria econômica con-vencional para a análise da sustentabilidade, pro-põe-se a exercitar novos conceitos e métodos quepermitam a avaliação econômica integrada dossistemas familiares agroecológicos e em transi-ção para a agroecologia.

Monitoramento deimpactos econômicos depráticas agroecológicas.FERRARI, E. In: Monitoramentoe avaliação de projetos: méto-dos e experiências. (SérieMonitoramento e Avaliação,1) Brasília, DF: Ministério doMeio Ambiente, Secretaria deCoordenação da Amazônia,

Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicaisdo Brasil, Projeto de Apoio ao Monitoramento e Análi-se, 2004.

O artigo destina-se a socializar parte do aprendi-zado e dos desafios de organizações com atuaçãona área do desenvolvimento rural sustentável, quebuscam implementar sistemas de monitoramentoadaptados ao seu campo específico de interven-ção. Aborda, mais detalhadamente, a experiênciado Centro de Tecnologias Alternativas da Zona daMata-MG (CTA-ZM) com o monitoramento deimpactos econômicos das propostas agroecológicasdifundidas junto aos agricultores e agricultoras fa-miliares da Zona da Mata mineira.

Diagnóstico desistemas agrários.Guia metodológico.GARCIA FO, D. Prado. Pro-jeto de Cooperação TécnicaIncra/FAO. Brasília, DF:Incra/FAO, 1999. 58 p.

O documento apresentaconceitos e instrumentosda metodologia de diag-

nóstico de sistemas agrários, fundamentada naconcepção dos programas de Pesquisa e Desen-volvimento (“Récherche – Dévéloppement”). Uti-lizado pelo antigo Projeto de Cooperação Técni-ca Incra-FAO, sobretudo na avaliação de assenta-mentos de reforma agrária em diferentes regiõesdo país, propõe enfoques inovadores e interes-santes para o estudo da dimensão econômica dossistemas familiares.

A Natureza das economias.JACOBS, Jane. São Paulo:Beca Produções Culturais,2001. 190 p.

O livro expõe a tese de queo “desenvolvimento econô-mico é uma versão do desen-volvimento natural”. Enten-didos como o resultado deações naturais, os sistemas

econômicos são equiparados em seus princípiosfuncionais a ecossistemas, perdendo, portanto,toda a artificialidade com que são tratados pelateoria econômica. A autora demonstra que as ati-vidades econômicas não são antinaturais, ao con-trário, só podem se desenvolver se forem integra-das com os demais processos naturais.

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Páginas na internet

O Grupo Interdisciplinario de Tecnología Rural Apropiada(Gira-AC) é uma organização não-governamental mexica-na, com atuação concentrada na área do desenvolvimen-to rural no estado de Michoacán, articulando-se tambémem nível nacional e internacional com instituições acadê-micas e organismos públicos. O Gira tem como objetivopromover processos locais de desenvolvimento ruralparticipativo, tanto na área da gestão e manejo de siste-mas agrícolas familiares quanto através da geração eimplementação de métodos de diagnóstico e avaliaçãotécnico-econômica. Encontram-se na página indicaçõesde referências bibliográficas editadas pelo Gira.

Vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, a páginado Programa Economia Solidária em Desenvolvimentobusca promover o fortalecimento e a divulgação do con-ceito de economia solidária, mediante políticas integra-das que visem à geração de trabalho e renda, à inclusãosocial e à promoção do desenvolvimento justo e solidário.Além disso, a Economia Solidária tem se mostrado tam-bém um importante instrumento de combate à pobreza,assim como uma ferramenta geradora de inclusão social.A página apresenta as ações prioritárias em 2004 e 2005,os principais objetivos do programa e disponibiliza umasérie de textos para discussão sobre o tema.

www.gira.org.mx

www.mte.gov.br/Empregador/EconomiaSolidaria/default.asp

O Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural(Nead) é um projeto de cooperação técnica entre o Minis-tério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o InstitutoInteramericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).O Nead promove e estimula estudos e pesquisas orienta-dos para a avaliação de políticas públicas relacionadas àreforma agrária, à agricultura familiar e à promoção decomunidades e populações tradicionais. A página divulgao boletim Nead, notícias, eventos, acompanhamento delegislação e concursos temáticos. A Biblioteca contémum número razoável de indicações de trabalhos de pesqui-sa concluídos e em andamento sobre o desenvolvimentorural, inclusive sobre sua dimensão econômica.

www.nead.org.br

O Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais(Deser) é uma organização não-governamental que con-grega diversos sindicatos de trabalhadores rurais, movimen-tos populares do campo, associações de produtores, pasto-rais ligadas às igrejas e entidades de assessoria dos três esta-dos da região Sul do Brasil. O Deser nasceu da demanda dediferentes organizações sociais do campo pela sistematiza-ção de informações, elaboração e difusão de análises e estu-dos, e produção de pesquisas e assessorias que avancem naimplementação de políticas que melhorem as condições devida e trabalho da agricultura familiar da região. A páginatraz uma síntese da história da organização, boletins infor-mativos, biblioteca virtual, publicações e links de acessopara outras páginas ligadas à agricultura.

www.deser.org.br

A Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (Ecoeco) éuma comunidade científica voltada para o desenvolvimentoe disseminação da economia ecológica no Brasil, visandocompreender as complexas relações entre desenvolvimentoeconômico, eqüidade social e equilíbrio ambiental e enfo-cando transformações na direção do desenvolvimento sus-tentável. Na página da Ecoeco é possível encontrar links paraoutras instituições ligadas ao tema, o histórico da organiza-ção, livros, artigos e eventos sobre economia ecológica.

www.ecoeco.org.br

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EventosO

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III Congresso Brasileiro de AgroecologiaData: 17 a 20 de outubro de 2005Tema: “A sociedade construindo conhecimentos para a Vida”Local: Florianópolis, SCInformações: www.agroecologia2005.ufsc.brOrganizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), o III CBA inscreveu em sua pauta o debate de questõesde caráter técnico-científico e político da atualidade, tais como pesquisa e ensino em ciências agrárias, assistênciatécnica e extensão rural, opções de mercado, comercialização e certificação de produtos, educação e agroecologia,ecossocialismo, dentre outros. A discussão com organizações de consumidores também foi incorporada, com enfoquena saúde e na qualidade dos alimentos orgânicos. Para a organização e dinâmica do evento foram previstas apresen-tações orais e pôsteres, mesas redondas e oficinas, a apresentação de experiências de agricultores e agricultoras, alémde “estações culturais”, exposição de artesanato e degustação das culinárias regionais.

Prêmio Margarida Alves para estudos rurais e gênero no BrasilData: até 31 de outubro de 2005Informações: [email protected]: (61) 3273-3264, ramal 214A Associação Brasileira de Antropologia, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Secretaria de Políticas paraas Mulheres e outras entidades científicas lançaram o ‘Prêmio Margarida Alves’ para destacar os melhorestrabalhos acadêmicos sobre estudos rurais e gênero no Brasil, em duas categorias: a) Apoio à pesquisa (mestradoe doutorado); b) Ensaio inédito (pesquisadores e estudantes). As inscrições estão abertas. Veja o edital no site:http://www.abant.org.br/downloads/informativos/0405/Edital_Premio_Margarida_Alves.pdf.

BioFach América LatinaData: 16 a 18 de novembro de 2005 (das 10 às 18 horas)Local: Riocentro, Pavilhão 5, Rio de Janeiro, RJInformações: www.biofach-americalatina.com.brPatrocinada pela IFOAM e pela organização alemã Nürnberg/Global Fairs e apoiada por um grande número deinstituições públicas e privadas nacionais e internacionais, a Biofach é uma iniciativa de caráter empresarial,destinada sobretudo à promoção e à venda dos produtos e serviços do agronegócio orgânico. Realizado desde 2002,o evento deste ano, que articula feira e uma série de seminários temáticos, tem como objetivo a criação de uma redede cooperação transnacional de produtos orgânicos e naturais na América Latina. Participarão produtores, empre-sas industriais e de comércio de vários países latino-americanos, dos Estados Unidos e Europa.

Encontro Nacional de Mulheres e AgroecologiaData: 18 a 20 de novembro de 2005Local: BelémInformações: Beth (CTA-ZM) (31) 3892-2000 / [email protected] Encontro é organizado pelo Grupo de Trabalho de Gênero da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA),estando inscrito no processo preparatório do II Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). Espera-se a participaçãode 150 mulheres das diferentes regiões do Brasil. Os objetivos do evento são: dar visibilidade às experiênciasagroecológicas realizadas por mulheres; fortalecer a interação entre organizações dos campos feministas e daagroecologia; discutir sugestões para a incorporação da questão de gênero na ANA; mobilizar as mulheres paraparticipar e apresentar suas experiências no II ENA; identificar os limites e os desafios das experiências dasmulheres com a agroecologia, extraindo elementos para o debate sobre políticas públicas.

XI Flora – Feira de Produtos da FlorestaData: 25 a 27 de novembro (inicialmente prevista para setembro)Local: Rio Branco, ACInformações: Pesacre – [email protected] por instituições governamentais e não-governamentais, a Feira é realizada anualmente, com a participaçãode populações tradicionais da Amazônia (colonos, seringueiros, ribeirinhos e índios). O objetivo é divulgar as potencialidadesda Amazônia e viabilizar a comercialização dos produtos dos povos da floresta. Programação diversificada: exposiçãode produtos, rodada de negócios, seminários, atividades culturais, oficinas de beneficiamento e comidas típicas.

Cadastramento de entidades de Assistência Técnica e Extensão RuralInformações: www.pronaf.gov.brO SAF/Dater (Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural da Secretaria de Agricultura Familiar –Ministério do Desenvolvimento Agrário) está cadastrando as entidades governamentais e não-governamentais deAssistência Técnica e Extensão Rural (Ater) de todo o país. O cadastramento é obrigatório para as entidades quequeiram se habilitar a receber recursos públicos para ações de Ater, além de constituir um instrumento paraconhecer o potencial da Ater nacional e ajudar na montagem do Sistema Nacional Descentralizado de Ater.Os documentos necessários para o cadastramento estão disponíveis na página www.pronaf.gov.br (na páginaprincipal, no botão “credenciamento de ATER”, abaixo à direita).

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1. Os artigos deverão descrever e analisar experiências concre-tas, procurando extrair delas ensinamentos que possam servirde inspiração para outros grupos envolvidos com a promoçãoda Agroecologia. Solicita-se que os artigos não sejam elabora-dos em formato de relatório institucional.

2. Os artigos devem ter uma extensão de 1, 2 ou 3 laudas de2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Artigos queextrapolem essas dimensões não serão analisados.

3. Os artigos deverão vir acompanhados de duas ou três ilus-trações (fotos, desenhos, gráficos), com indicação dos seus au-tores (fotógrafo, artista gráfico etc) e com as respectivas legen-das. Todo material gráfico será devolvido aos autores(as) apósa edição da Revista. Se o material gráfico for enviado em for-mato digital, solicitamos que os arquivos estejam com exten-

Instruções para a elaboração dos artigos são JPEG de, no mínimo, 350 dpis para uma ilustração escanea-da e uma dimensão lateral de, no mínimo, 15 cm.4. A citação de nomes comuns de plantas e/ou animais devevir acompanhada do respectivo nome científico. Siglas devemvir acompanhadas de seu significado.5. Caso julgue necessário, o editor da revista poderá propor umaedição do artigo ou uma solicitação de informações complemen-tares aos autores(as). Quaisquer alterações propostas serão sub-metidas à aprovação dos autores(as) antes da publicação.6. Os autores(as) deverão informar seu endereço (postal e/ou eletrô-nico) de forma a facilitar eventuais contatos diretos de leitores interes-sados em conhecer mais a respeito das experiências apresentadas.7. As citações bibliográficas não deverão exceder ao número de 4(quatro).8. Os editores se reservam o direito de decidir pela publicaçãoou não do artigo enviado.

Próximo número (v. 2, nº 4)Tema: Pequena criação nos sistemas produtivosfamiliaresPequenos animais integram os sistemas familiares de produ-ção exercendo diferenciadas funções econômicas, ecológicas esócio-culturais. De forma geral, essas funções são negligenci-adas pelos programas convencionais de desenvolvimento ru-ral. Quando é enfocado por esses programas, o pequenocriatório tende a ser abordado a partir de uma perspectivatécnico-econômica voltada para a maximização dos resulta-dos produtivos, o que em geral implica sua forte dependênciade insumos externos aos agroecossistemas. Em programas dedesenvolvimento da produção familiar orientados pelo enfo-

que agroecológico, a criação dos pequenos animais dependeessencialmente da reciclagem interna de recursos do próprioagroecossistema. Os processos de inovação no subsistema dapequena criação têm sido efetivos estimuladores da participa-ção pro-ativa de mulheres e jovens tanto no âmbito das famí-lias, quanto no das comunidades rurais envolvidas em dinâ-micas sociais de experimentação agroecológica. Este númerodas revistas Leisa enfocará, sob esse prisma, iniciativas defamílias, grupos e organizações envolvidos com o manejoagroecológico da pequena criação.

Datas-limite para envio dos artigos:31 de outubro (Revista Agriculturas)

4 de novembro (Revista Latino-americana)

Chamada de artigos para o v. 3, nº 1Tema: Das experiências às políticas públicas. Relaçõesentre sociedade e Estado na promoção do desenvolvi-mento agroecológico.

As políticas públicas tiveram e ainda mantêm um papel essen-cial na definição dos rumos da agricultura. As orientaçõesadotadas nas legislações e pelos sucessivos governos, em vári-as instâncias, moldaram, por ação ou omissão, os padrõesdominantes de acesso e de manejo dos recursos produtivos.Ao longo do último século, políticas de pesquisa, crédito, en-sino, assistência técnica, de reforma agrária, comercialização,preços e agroindustrialização, dentre outras, deram a caraatual do modelo dominante na agricultura. Outras políticas,relacionadas à sanidade dos alimentos e ao meio ambientetambém foram estabelecidas, muito embora nem sempre te-nham tido efeitos práticos.A expansão das práticas agroecológicas nos últimos 10 anostem resultado fundamentalmente da capacidade de iniciativadas organizações dos produtores e da sociedade civil. Em que

pese algumas medidas governamentais pontuais muito re-centes de fomento, a intensificação dessas práticas no nívelnacional tem se efetivado apesar das políticas do Estado.Mais ainda, organizações e redes de produtores e da socieda-de civil, nos níveis local, estadual e nacional, têm conseguidovalorizar as experiências em curso nas distintas regiões doPaís, para influenciar as políticas públicas. Pelo menos emparte, elas têm alcançado resultados positivos. Ao mesmotempo, acumulam um tipo novo de experiência de relações dasociedade civil com o Estado, ao aparecerem na cena políticacomo portadores de propostas e como agentes de políticaspúblicas de promoção da agroecologia.Esse número da revista Agriculturas será dedicado à apresen-tação e análise de casos concretos dessas experiências derelação – de conflito ou de cooperação – entre sociedade eEstado, visando à formulação e à execução de políticas públi-cas favorecedoras do desenvolvimento da agroecologia e daprodução familiar.

Datas-limite para envio dos artigos:30 de janeiro (Revista Agriculturas)

30 de janeiro (Revista Latino-americana)

Divulgue suas experiências nas revistas LeisaConvidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na Revista Agricultu-ras: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-Americana (editada no Peru) e naLeisa Global (editada na Holanda). Veja nesta página as temáticas dos próximos números e as respectivas datas-limite parao envio dos artigos. Abaixo você encontra as instruções para a elaboração dos artigos.