Gestação e parto em cadelas fisiologia, diagnóstico de gestação e tratamento de distocias

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    Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.29, n.3/4, p.142-150, jul./dez. 2005. Disponvel em www.cbra.org.br

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    Recebido: 30 de setembro de 2005Aprovado para publicao: 12 de fevereiro de 2007

    Gestao e parto em cadelas: fisiologia, diagnstico de gestao etratamento das distocias

    Pregnancy and parturition in bitches: physiology, diagnosis of pregnancy and treatment of dystocia

    Marcelo RezendeLuz1,2, Patrcia Maria ColettoFreitas1,Evandro ZacchPereira1

    1Curso de Medicina Veterinria, Universidade Federal do Esprito Santo, Alegre, ES, Brasil.2Correspondncia: [email protected]

    Resumo

    Cadelas possuem particularidades reprodutivas diferenciadas quando comparadas a outras espciesdomsticas, como a durao do perodo frtil, da ovulao, a maturao e a fecundao dos ovcitos. Altas taxasde distocia so observadas nesta espcie, especialmente em algumas raas. Com o presente artigo de revisoobjetivou-se abordar os aspectos relacionados gestao e parto desta espcie, com nfase nas distocias. Foramdescritos eventos fisiolgicos da clivagem e implantao embrionria, controle hormonal da gestao, bem comoformas de calcular a sua durao. Alm disso, comentaram-se os possveis mtodos de diagnstico de gestao,relacionando suas vantagens e desvantagens. Descreveram-se, ainda, os aspectos do desencadeamento

    fisiolgico do parto, as principais causas maternas e fetais de distocias, e o exame da paciente em distocia. Todasas possibilidades de tratamento para a cadela em distocia foram enfatizadas e discutidas, assim como osprincipais frmacos a serem usados para a anestesia em cesarianas.

    Palavras-chave: gestao, parto, distocia, cadela.

    Abstract

    Compared to other domestic species, bitches have reproductive particularities, as the duration of thefertile period, the ovulation, the oocyte maturation and its fertilization. High dystocia levels are observed in thisspecies, specially in some breeds. The present article aimed to discuss some aspects of the pregnancy andparturition in such species, with emphasis on dystocia. Physiological aspects of embryo cleavage andimplantation, the hormonal control of pregnancy, and the methods to calculate pregnancy length were described.

    Moreover, comments were performed about the advantages and disadvantages of the pregnancy diagnosticsmethods. Also, the physiological aspects of parturition, the main maternal and fetal causes of dystocia, and thedystocia patient examination were described. All the treatment possibilities for the bitch under dystocia wereemphasized and discussed, as the main drugs to be used for anesthesia in c-sections were listed.

    Keywords: pregnancy, parturition, dystocia, bitch.

    Introduo

    O atendimento obsttrico a cadelas para diagnstico de gestao, gestantes ou em distocia bastantefreqente por parte do clnico veterinrio de animais de companhia. Desta forma, faz-se necessrio oconhecimento sobre gestao e parto nesta espcie. O ciclo reprodutivo da cadela apresenta aspectos nicosquando comparado ao dos demais animais domsticos. Alguns aspectos particulares incluem a durao da

    receptividade sexual e do perodo frtil, a ovulao de ovcitos imaturos, a longa viabilidade dos ovcitos e dosespermatozides, e as diferentes taxas de clivagem embrionria dependentes da maturao ovocitria nomomento da fecundao. Uma caracterstica importante da gestao da cadela a manuteno das concentraesplasmticas de progesterona ser exclusivamente de origem luteal, e serem os corpos lteos dependentes da aoluteotrfica da prolactina, especialmente na segunda metade da gestao. Dentre os mtodos para o diagnsticoda gestao tem-se a palpao abdominal, os exames radiogrfico e ultra-sonogrfico e a dosagem plasmtica derelaxina, um novo mtodo rpido para o diagnstico. Cadelas de vrias raas podem ser acometidas por distocia,e em especial as das raas braquiceflicas. O exame adequado da cadela em distocia fundamental para adeciso sobre qual o tratamento a ser empregado. A escolha dos anestsicos corretos para a realizao dacesariana essencial, para que se tenha pouca ou nenhuma depresso fetal.

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    Aspectos fisiolgicos da gestao

    Para que ocorra a gestao, necessrio que haja cpula ou inseminao artificial (IA), fecundao dosovcitos, implantao e desenvolvimento embrionrio.

    O perodo frtil da cadela estende-se do final do proestro ao meio do estro (Concannon, 2000). Cada

    uma dessas duas fases do ciclo estral da cadela pode durar de trs dias a trs semanas, com durao mdia desete a dez dias (Concannon et al., 1989). O espermatozide canino pode permanecer armazenado em glndulasuterinas durante o estro, e a proximidade do espermatozide com o epitlio colunar no apenas ajuda a manter asua viabilidade, mas pode tambm promover ou modular a capacitao espermtica e as mudanas na motilidade(Kawakami et al., 2000). Durante a fase folicular do ciclo (proestro e estro), folculos monovulares (com apenasum ovcito) ou poliovulares (contendo em mdia de dois a quatro ovcitos) desenvolvem-se nos ovrios(McDougall et al., 1997).

    As ovulaes ocorrem em mdia 48 horas aps o pico pr-ovulatrio de hormnio luteinizante (LH),embora neste perodo os ovcitos ainda no estejam fertilizveis, pois so ovulados como ovcitos primrios, noestdio de vescula germinativa, e h necessidade de um perodo de dois a trs dias para que ocorra a maturao nosovidutos (Holst e Phemister, 1971; Phemister et al., 1973; Concannon et al., 1989). Dois a trs dias aps o pico de LH,os ovcitos atingem a metfase da primeira meiose e aps trs a cinco dias, a metfase da segunda meiose, comexpulso do primeiro corpo polar (Concannon e Lein, 1989; Concannon et al., 1989). De acordo com Verstegen

    et al. (2001), os ovcitos caninos podem permanecer fertilizveis por perodo superior a 200 horas.Aps a fertilizao, os embries passam pelo perodo de clivagem (diviso celular) dos blastmeros eatingem o tero por volta do dia 11 (Concannon et al., 1989). Entretanto, entre os dias 12 e 13 aps a primeiracpula, embries em vrios estdios de desenvolvimento podem ser encontrados no interior do tero, desdezigotos at blastocistos eclodidos (Mattos e Silva, 2001). De acordo com Concannon et al. (2001), em cadelas aclivagem embrionria entre os estdios de duas e 16 clulas mais rpida aps a fertilizao de ovcitos maismaduros, quando comparado a ovcitos menos maduros, e isto poderia explicar por que a durao da gestao semelhante quando as cpulas ocorrem antes ou vrios dias aps a maturao ovocitria.

    Previamente implantao, em aproximadamente 50% das cadelas, os embries passam por um eventodenominado migrao transcornual (Tsutsui, 1975; Shimizu et al., 1990). Este fenmeno ocorre entre os dias 12e 16-18 da gestao (Shimizu et al., 1990; Concannon et al., 2001). De acordo com esses autores, o objetivoprincipal desta migrao a distribuio eqitativa dos embries entre os dois cornos uterinos. Entre os dias 19 e20, algumas protenas ligadas implantao embrionria so secretadas pelos embries, como as protenas

    caninas 1, 4, 6 e 7 (cP1, cP4, cP6 e cP7), e so semelhantes a protenas secretadas pelo endomtrio. J a protenacP7 apenas secretada pelos blastocistos, previamente implantao (Thatcher et al., 1994). A implantaoembrionria inicia-se por volta dos dias 16 a 18 e completa-se at o dia 23 da gestao, sendo observado queentre os dias 22 e 23 h invaso do trofoectoderma placentrio no endomtrio (Thatcher et al., 1994).

    A placenta das cadelas denominada endotlio-corial, e h quatro camadas entre o feto e a me, sendo oendotlio materno, o crion, o mesnquima e o endotlio fetal (Roberts, 1986). Em funo da disposio dessascamadas ao redor do feto, esse tipo de placenta denominado zonria. Ela envolve completamente o feto, e nassuas margens so observados os hematomas marginais, de colorao esverdeada (Miglino et al., 2006).

    Para o desenvolvimento da gestao, h necessidade de altas concentraes de progesterona (P4) (Luz etal., 2006b), que na cadela so produzidas exclusivamente pelos corpos lteos (CLs) (Concannon et al., 1989;Onclin e Verstegen, 1997). A formao do CL canino inicia-se antes das ovulaes, quando h o processo deluteinizao pr-ovulatria das clulas foliculares (Concannon et al., 1977). Tanto em cadelas gestantes comono diestro no gestacional, normalmente os CLs so capazes de manter altas concentraes de P 4 por pelo menos

    50 a60 dias aps o pico pr-ovulatrio de LH (Nett et al., 1975; Onclin e Vertegen, 1997; Luz et al., 2006b).Caso os CLs no sejam capazes de manter adequadas concentraes de P 4, fenmeno conhecido comohipoluteoidismo, ocorre morte embrionria ou fetal e abortamento (Luz, 2004).

    Na primeira metade da gestao, os CLs parecem no necessitar de suporte hipofisrio para a secreode P4. Entretanto, na segunda metade da gestao, altas concentraes de prolactina so necessrias para amanuteno funcional dos CLs (Okkens et al., 1990). De acordo com Concannon et al. (1987), os CLs sodependentes tanto de LH como de prolactina, enquanto Okkens et al. (1990) sugeriram ser a prolactina ohormnio de maior importncia luteotrfica em cadelas gestantes. Assim sendo, o uso clnico de anti-prolactnicos como metergolina, cabergolina ou bromocriptina durante a gestao pode levar ao abortamento(Steinetz et al., 1987; Onclin et al., 1993; Luz, 2004).

    Alguns parmetros como perodo de aceitao do macho, secreo sero-sanginolenta vulvar ou examesde citologia vaginal no so precisos para se determinar a durao da gestao em cadelas (Concannon eDiGregorio, 1986). Sendo assim, a durao da gestao varia e depende do evento fisiolgico e comportamental

    que serve como dia zero (Johnston et al., 2001). Segundo Concannon et al. (2001), os eventos da gestaoparecem ocorrer de forma consistente entre cadelas com relao ao momento do pico de LH. Desta forma, adurao da gestao relativamente constante entre cadelas se for considerado o dia do pico de LH (pico de LH

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    = dia zero) e bastante varivel se forem consideradas as datas das cpulas. Tendo-se como base o pico pr-ovulatrio de LH, na maioria das cadelas a gestao tem durao de 65 1 dia (Concannon et al., 1989), mesmose a cadela tiver sido acasalada ou inseminada artificialmente trs a cinco dias antes ou aps as ovulaes(Concannon e Rendano, 1983). Em contraste, usando-se a data da primeira ou da ltima cpula ou inseminaoartificial como referncia, a gestao pode durar de 56 a 68 dias. Essa variao pode em parte ser explicada

    devido ao fato de os espermatozides caninos poderem sobreviver por at seis a sete dias no interior do sistemareprodutivo da cadela (Doak et al., 1967). Alm disso, embora ainda seja um assunto controvertido entrepesquisadores, pode existir, mesmo que pequena, uma variao na durao da gestao em cadelas por influnciaracial, tamanho da ninhada ou quantidade de fetos (Concannon, 2000; Eilts et al., 2005). Segundo Okkens et al.(2001), em estudo com cadelas de raas grandes, ocorre uma variao de quatro a sete dias na durao dagestao, mesmo tendo sido o perodo de ovulao considerado como referncia para o clculo da durao. Deacordo com Eilts et al. (2005), cadelas com quatro ou menos fetos possuem gestao mais prolongada do quecadelas com cinco ou mais fetos, sendo o prolongamento de um dia.

    Mtodos de diagnstico da gestao

    Dentre os mtodos para o diagnstico da gestao inclui-se a palpao abdominal, os examesradiogrfico e ultra-sonogrfico e a dosagem plasmtica de relaxina.

    Mediante a palpao abdominal, com a cadela em estao (posio quadrupedal) ou em decbito lateral,por volta do dia 25 da gestao pode-se sentir individualmente as vesculas embrionrias, com aproximadamente1cm de dimetro (Concannon et al., 2001). Entre os dias 35 e 45, as vesculas embrionrias alongam-se e podeser difcil a individualizao. O diagnstico de gestao pode ser difcil em cadelas grandes, em cadelas comabdmen tenso ou quando h apenas um ou poucos fetos e, principalmente, se localizados na regio cranial dotero (Johnston et al., 2001). O diagnstico de gestao por palpao abdominal est sempre indicado, por serum mtodo precoce, seguro e no oneroso, porm requer habilidade do profissional.

    Entre os dias 21 e 42 da gestao, em muitas cadelas, o tero pode ser detectado radiograficamente, contudoneste perodo apenas visualizado o tero repleto de lquido, pois ainda no ocorreu calcificao fetal (Johnston et al.,2001). A partir de aproximadamente 45 dias, j possvel o diagnstico radiogrfico da gestao, pois a calcificaossea fetal ocorre no perodo de 44 a 47 dias aps o pico de LH em cadelas ou 42 a 52 dias aps a primeira cpula(Concannon e Rendano, 1983). Entretanto, sempre necessrio considerar a exposio fetal radiao X. Assim,sugere-se evitar a realizao de radiografias desnecessrias em fmeas gestantes.

    Vesculas embrionrias podem ser detectadas ao exame ultra-sonogrfico como estruturas anecicasmaiores que 1mm de dimetro, entre os dias 17 a 19 da gestao, e batimentos cardacos fetais so detectadosentre os dias 24 e 25 (Yeager e Concannon, 1990). A ultra-sonografia deve sempre ser considerada nodiagnstico de gestao, por ser mais precoce que o exame radiogrfico, e por no ser prejudicial aos fetos (Johnston etal., 2001). Baseado na experincia dos autores, recomenda-se o diagnstico precoce de gestao pela ultra-sonografiaentre os dias 20 a 25, j que se tem um diagnstico precoce, seguro e que permite avaliar a viabilidade embrionriapelos batimentos cardacos e quantidade de lquidos fetais. De acordo com England e Russo (2006), perdasembrionrias podem ser detectadas entre os dias 15 e 35 da gestao pelo exame ultra-sonogrfico. Segundo essesmesmos autores, cadelas com grande quantidade de embries no tero so mais predispostas a terem reabsoroembrionria. Testes de dosagem plasmtica de relaxina podem detectar gestao to cedo quanto 21 dias aps acpula em cadelas, por ser a relaxina um hormnio sintetizado pela placenta. O aumento de sua concentraoinicia-se entre os dias 20 e 30 da gestao, com o pico ocorrendo entre os dias 40 e 50. Tais testes estodisponveis na forma de kits comerciais, porm no so comercializados no Brasil (Buffet al., 2001).

    Vale ressaltar que a dosagem plasmtica de P4 no um mtodo de diagnstico de gestao paracadelas, pois as concentraes plasmticas deste hormnio no diferem estatisticamente entre cadelas gestantes ecadelas no diestro no gestacional (Onclin e Verstegen, 1997; Luz et al., 2006b).

    Parto normal (eutcico)

    O conhecimento da fisiologia e endocrinologia do parto eutcico necessrio para a preveno,diagnstico e tratamento das distocias (parto anormal; Johnston et al., 2001). Fatores maternos e fetaiscontribuem para o desencadeamento do parto, que pode ser dividido em trs estgios:a) 1o Estgio: com a maturao fetal ao final da gestao, o aumento do hormnio adrenocorticotrfico

    (ACTH) leva subseqente liberao de cortisol fetal. Conseqentemente, observa-se declnio dasconcentraes plasmticas de P4 e aumento de estrgenos. Altas concentraes do metablito PGFM (13,14-diidro-15-ceto-prostaglandina-F2) no perodo pr-parto de cadelas indicam a sntese e liberao de PGF2

    pelo tero de cadelas gestantes, possivelmente em resposta ao aumento de cortisol fetal (Concannon et al.,1988, Luz et al., 2006a). As prostaglandinas estimulam as contraes uterinas diretamente ou podemocasionar a liberao de ocitocina que, por sua vez, aumenta a freqncia e a fora de contrao do tero.

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    Nos dias antecedentes ao parto, h aumento das concentraes de prolactina em cadelas, possivelmentecomo reflexo ao declnio de P4. O primeiro estgio do parto dura em mdia seis a 12 horas, podendo seextender por at 36 horas em cadelas primparas e nervosas, sem comprometimento para os fetos (Linde-Forsberg e Eneroth, 1998; Johnston et al., 2001). interessante salientar que se observa declnio datemperatura corprea de 0,5 a 1,0C nas 12 a 24 horas antecedentes ao parto (Concannon et al., 1977).

    b)

    2

    o

    Estgio: a expulso fetal se d neste estgio do parto, quando a crvix est completamente dilatada,formando juntamente com a vagina um nico canal, o canal do parto. medida que os fetos se insinuam nocanal do parto, a distenso mecnica por eles provocada desencadeia o reflexo de Ferguson, fenmeno quese caracteriza pela liberao reflexa de ocitocina. Assim, promove-se maior fora de contrao para aexpulso fetal. O segundo estgio do parto dura em mdia seis horas, podendo chegar at 24 horas, semcomprometimento fetal (Linde-Forsberg e Eneroth, 1998; Johnston et al., 2001).

    c) 3o Estgio: caracterizado pela expulso das placentas. Em fmeas multparas, como as cadelas, normalmentedeve ocorrer a expulso placentria alguns minutos aps a sada do feto. Assim sendo, at que ocorra a expulsodo ltimo feto, o 2o e o 3o estgios do parto se intercalam. No existe um intervalo constante entre o nascimentodos filhotes, mas o ideal que no seja superior a duas horas (Johnston et al., 2001).

    De uma maneira geral, o parto eutcico pode se completar de seis a 48 horas em cadelas (Johnston etal., 2001; Luz, 2004; Romagnoli et al., 2004).

    Parto anormal (distocia)

    O parto anormal (distocia) ocorre quando h falha em iniciar o parto no momento correto, ou quando hproblema na expulso normal dos fetos, uma vez que o parto tenha iniciado. Vrios fatores maternos e fetaispodem contribuir para a distocia em cadelas. De acordo com Walett-Darvelid e Linde-Forsberg (1994), 75% dasdistocias em cadelas so de origem materna e 25% de origem fetal.

    Fatores maternos

    a) Inrcia uterina primria: caracterizada pela falha em expulsar fetos de tamanho normal pelo canal do parto,o qual no apresenta irregularidades, exceto pela incompleta dilatao da crvix (Johnston et al., 2001).

    b) Inrcia uterina secundria: ocorre depois de prolongada contrao uterina sem xito em expulsar um fetoque obstrui o canal do parto, ou todos os fetos ainda retidos no tero face obstruo. Desta forma, ocorrefadiga da musculatura uterina aps as sucessivas contraes improdutivas. Tanto na inrcia uterina primria

    quanto na secundria, a musculatura uterina normalmente falha em responder administrao de ocitocina(Johnston et al., 2001; Luz, 2004).

    c) Raa e conformao: fmeas de algumas raas de cadelas apresentam maior predisposio distocia, comocadelas de raas braquiceflicas (ex.: Bulldogs e Pugs; Eneroth et al., 1999). Na clnica ambulatorial doCurso de Medicina Veterinria (UFES) freqente o atendimento a cadelas da raa Pinscher em distocia. Almdisso, algumas alteraes na conformao do sistema genital podem influenciar dramaticamente a expulsofetal. Dentre essas, destacam-se a fratura prvia de pelve, obstruo do canal vaginal, prolapso vaginal euterino e persistncia do hmen (Eneroth et al., 1999; Johnston et al., 2001; Luz, 2004).

    d) Tnus muscular abdominal: cadelas idosas ou obesas podem ter dificuldade em produzir contraesuterinas, principalmente no 2 estgio do parto (Jackson, 1995).

    e) Toro ou ruptura uterina: tores uterinas de diferentes graus podem ocorrer, predispondo distocia. Oscasos de ruptura uterina so mais freqentes aps a administrao de ocitocina em dose excessiva, feita porleigos, sem prescrio mdica (Sampaio et al., 2002).

    f) Outras causas maternas: outras causas maternas que predispem distocia em cadelas so as estenosesvaginais, vagina hipoplsica, vagina dupla, hiperplasia de assoalho vaginal, vulva infantil, vulvovaginites,presena de septos vaginais, ruptura diafragmtica, perfurao de traquia, dor, medo (inibio voluntria doparto), excesso de gordura perivaginal, histerocele gravdica e placentites (Johnston et al., 2001).

    Fatores fetais

    a) Esttica fetal anmala: alteraes na apresentao, posio e/ou na postura do feto durante o parto podempredispor distocia. Sessenta por cento dos filhotes de ces nascidos de parto normal nascem emapresentao longitudinal anterior, e os 40% restantes em apresentao longitudinal posterior. Apesar de aapresentao longitudinal posterior ser considerada uma variante normal do parto em cadelas, partosprolongados e distocias tm sido associados a esse tipo de apresentao (Johnston et al., 2001).

    b) Desenvolvimento fetal anormal: o desenvolvimento de monstros fetais, como fetos com hidrocefalia,Schistosomus reflexus ou fetos edematosos podem resultar em distocia obstrutiva. O diagnstico dessasalteraes deve ser feito por meio de exames radiogrficos ou ultra-sonogrficos, no perodo pr-natal (Cruzet al., 2003; Luz, 2004).

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    Outros fatores

    a) Ausncia de desencadeamento do parto: dados do nosso laboratrio (no publicados) evidenciam que o usode progestgenos injetveis, como o acetato de medroxiprogesterona, amplamente utilizado porproprietrios para tentar inibir a ovulao de cadelas pode resultar em no desencadeamento do parto.

    Nestes casos, embora haja maturao fetal com produo de cortisol na tentativa de desencadear o partofisiologicamente, provavelmente as altas concentraes de progesterona, de origem exgena, nopossibilitam que ocorra contrao uterina, dilatao cervical e expulso fetal. Com isso, ocorreprolongamento da gestao e morte fetal. Em nossa experincia, o proprietrio busca o profissional comqueixa de que o parto j deveria ter ocorrido, ou em alguns casos ele percebe que a cadela apresentasecreo vaginal hemorrgica. Ao exame ultra-sonogrfico, normalmente diagnostica-se morte e maceraofetal, mesmo sem contaminao intra-uterina. O tratamento empregado geralmente aovariosalpingohisterectomia (OSH).

    Segundo Johnston et al. (2001), pode ocorrer ausncia de desencadeamento do parto tambm em animaisportadores de malformaes hipofisrias ou das glndulas adrenais, e nas gestaes nas quais h poucos fetos, ouprincipalmente quando h apenas um (sndrome do filhote nico) ou dois, possivelmente por deficincia na produode ACTH e cortisol. Nesses casos de gestao com apenas um ou dois fetos, recomendado se monitorar a gestaopor meio de ultra-sonografia e avaliar a necessidade de realizao de cesariana.

    Exame da paciente em distocia

    a) Histrico: importante realizar uma boa anamnese, para saber o histrico de gestaes anteriores, se oanimal sofreu distocia anteriormente, h quanto tempo o parto iniciou, se a fmea recebeu contraceptivos noperodo do estro, se houve expulso fetal e h quanto tempo o ltimo filhote foi expulso (Luz, 2004).

    b) Exame fsico: inicialmente deve-se certificar de que a fmea realmente est gestante, por palpaoabdominal, exame digital vaginal, e exames radiolgicos e/ou ultra-sonogrficos. necessrio avaliar se hcomprometimento sistmico da me e se h viabilidade dos fetos retidos intra-tero. Deve-se proceder aexame digital do canal do parto para saber se h dilatao cervical.

    c) Exame radiolgico: quando h suspeita de fetos em esttica anmala, pode-se realizar radiografiasabdominais, nas posies ltero-lateral e ventrodorsal. Alm da esttica fetal, tem-se com este exameinformaes sobre o nmero total de fetos. No caso de morte fetal h vrios dias, pode-se detectar a

    presena de gs no interior do tero, alm de sobreposio dos ossos do crnio fetal, denominado de sinal deSpalding (Jackson, 1995; Luz, 2004).

    d) Exame ultra-sonogrfico: vrias mensuraes fetais podem ser realizadas por meio da ultra-sonografia parase determinar a idade gestacional em cadelas, como o dimetro das vesculas embrionrias, o dimetro bi-parietal e o dimetro abdominal fetal (Johnston et al., 2001). Entretanto, embora essas mensuraes sejamamplamente utilizadas, importante lembrar que a acurcia desse exame pode ser inferior a 50% quando asmensuraes fetais so realizadas aps o dia 39 da gestao (Kutzler et al., 2003). Alm disso, como asfrmulas para clculo da idade gestacional so adaptadas para cadelas de vrias raas, normalmente oresultado apresentado com variao de 3 dias. Como j existem dados para clculo de idade gestacionalpara algumas raas diferentes, como para beagles ou retrievers, importante que sejam realizadasmensuraes de acordo com a raa (Kutzler et al., 2003). Esses autores afirmaram tambm que h variaoprincipalmente quando se comparam dados de cadelas pequenas (menos de 9 kg) e gigantes (mais de 40 kg).De acordo com Zone e Wanke (2001), pode-se tambm avaliar a viabilidade fetal por meio de exame ultra-

    sonogrfico, utilizando critrios como a freqncia cardaca, a movimentao espontnea e o peristaltismointestinal fetal. Durante uma gestao canina, os batimentos cardacos fetais esto acima de 220 por minuto(bpm), e os fetos no tero final da gestao apresentam movimentao espontnea. Freqncia cardacaentre 180 e 220 bpm em fetos caninos indicativa de discreto sofrimento fetal, e abaixo de 180 bpm tem-sesevero sofrimento fetal. Alm disso, a deteco de peristaltismo intestinal fetal parece estar relacionada comsofrimento fetal e risco perinatal acentuado, sendo necessria interveno cirrgica imediata. O exame ultra-sonogrfico tambm til no diagnstico de malformaes fetais (Johnston et al., 2001).

    e) Outros exames complementares: de acordo com a condio clnica da parturiente, a avaliao laboratorialdeve incluir a realizao de hemograma e dosagens de clcio, glicose, uria e creatinina, embora apenas arealizao de hemograma seja rotina em nossa experincia. Sugere-se que seja realizado hemograma quandoa paciente for submetida cesariana ou quando apresentar comprometimento sistmico. A dosagem declcio e glicose pode ser solicitada quando a paciente apresentar sinais clnicos sugestivos de hipocalcemiaou hipoglicemia, como tetanias, fraqueza, hipertermia ou mesmo convulses. Uria e creatinina devem ser

    dosadas quando houver comprometimento sistmico da paciente (Johnston et al., 2001).

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    Tratamento das distocias

    Como formas de tratar uma cadela em distocia tm-se as opes do tratamento manipulativo,medicamentoso e cirrgico. Caso um dos dois primeiros tratamentos no resulte em xito, ou caso hajacomprometimento materno, a cesariana deve ser imediatamente realizada, associada teraputica complementar.

    a)

    Tratamento manipulativo: consiste na realizao de manobras obsttricas digitais para a retirada de fetos queestejam obstruindo o canal do parto (Luz, 2004). Em casos de distocia branda, com fetos de tamanhonormal, ocasionalmente esta manipulao pode resolver o problema com mnimos riscos me. Em casosde fetos em esttica anmala, pode ser possvel a correo manual e a desobstruo do canal do parto emalguns casos (Johnston et al., 2001). Porm, devido ao pequeno dimetro do canal do parto de cadelas, nemsempre se tem sucesso com este tratamento (Linde-Forsberg e Eneroth, 1998; Eneroth et al., 1999).Recomenda-se o uso de lubrificantes vaginais e de luvas estreis durante o procedimento. A introduo dolubrificante no lmen vaginal pode ser facilitada com o uso de sondas uretrais acopladas a seringas. O usode instrumentos, como frceps e pinas cirrgicas, no recomendado, exceto quando o feto a ser retirado jest morto, face ao risco de injrias aos filhotes e traumas aos tecidos maternos (Johnston et al., 2001). Casoo feto que obstrui o canal esteja pouco insinuado, ele deve ser mais facilmente retirado pela cesariana.

    b) Tratamento medicamentoso: indicado se a fmea estiver em boas condies clnicas, se houver dilataodo canal do parto, se o tamanho dos fetos for proporcional ao dimetro desse canal e se no houver esttica

    fetal anmala (Johnston et al., 2001). Quando apenas um ou dois fetos permaneceram no tero, o tratamentomedicamentoso adequado e pode resultar em expulso fetal (Romagnoli et al., 2004). Entretanto, seocorreu a expulso de apenas um ou dois fetos, e vrios outros permaneceram no tero, a realizao decesariana provavelmente ser o procedimento mais rpido e seguro, tanto para a me quanto para os fetosremanescentes (Johnston et al., 2001). Nesse caso, mesmo que o tratamento medicamentoso seja eficaz, ademora na expulso de todos os fetos restantes pode ser suficiente para que os ltimos a nascer venham abito antes de serem expulsos. Porm, quando se opta pelo tratamento medicamentoso e a fmea noresponde ou a resposta fraca e demorada, a realizao da cesariana est indicada (Luz, 2004). Para otratamento medicamentoso, utilizam-se drogas ecblicas (que promovem contrao uterina), isoladamenteou em associaes, como:- Ocitocina: normalmente o primeiro frmaco de escolha, j que a ocitocina sinttica capaz de estimulare aumentar a freqncia das contraes uterinas e favorecer a expulso fetal. Sua meia-vida curta, entreum e dois minutos, mas sua capacidade de promover contrao acentuada (Johnston et al., 2001). Embora

    o uso de ocitocina seja considerado seguro, alguns pesquisadores acreditam que altas e repetidas dosespodem resultar em estmulo uterino acentuado e angstia fetal. Tal frmaco deve ser utilizada na dose de 5-20 UI por via intramuscular (IM) ou subcutnea (SC), em intervalos de 30 a 40 minutos. Pode ser observadoque a resposta ocitocina diminua a cada nova aplicao (Johnston et al., 2001; Luz, 2004). Dosessuperiores s recomendadas podem causar tetania uterina, comprometer a oxigenao fetal e ocasionarruptura uterina. Se usada durante a gestao, pode provocar descolamento placentrio precoce, constriodos vasos umbilicais, vasodilatao materna e hipertenso arterial (Linde-Forsberg e Eneroth, 1998;Johnston et al., 2001). Se a cadela est em trabalho de parto h poucas horas, e aps trs ou quatroaplicaes de ocitocina, com intervalo de 15 a 20 minutos, no h expulso fetal ou apenas um ou dois fetosso expulsos, o procedimento que tem sido adotado o de encaminh-la imediatamente cesariana.- Gluconato de clcio: o gluconato de clcio a 10% pode ser utilizado para promover aumento da fora decontrao uterina (Linde-Forsberg e Eneroth, 1998). Pode ser utilizado isoladamente ou concomitantemente ocitocina. Deve ser utilizado na dose de 0,2 mL/kg por via intravenosa (IV) ou 1,0 a 5,0 mL/SC em

    cadelas. Quando usado por via IV, deve ser aplicado lentamente, durante trs a cinco minutos. Em geral, asdoses totais utilizadas so de 2,0 a 20,0 mL. A administrao deve ser lenta, sendo 1,0 mL/minuto, enecessita monitorao cardaca durante todo o perodo de infuso (Linde-Forsberg e Eneroth, 1998;Johnston et al., 2001). Caso a fmea apresente alteraes da freqncia ou do ritmo cardaco, ou fiqueinquieta, a administrao imediatamente suspensa (Luz, 2004).- Glicose: embora seja recomendada por alguns autores, so raros os casos de cadelas em distocia comhipoglicemia. Porm, caso seja diagnosticada a hipoglicemia ou quando ocorre toxemia da gestao, pode-seutilizar glicose oral ou soluo de glicose a 5,0 ou 10%, por via IV (Johnston et al., 2001).- Tranqilizantes e sedativos: os tranqilizantes fenotiaznicos, como, por exemplo, a acepromazina, podemproduzir hipotenso grave por bloqueio -adrenrgico, bem como depresso respiratria central edescontrole da termorregulao (Mastrocinque, 2002). Entretanto, devido ao eficaz efeito tranqilizante,podem ser usados em cadelas gestantes agitadas, desde que se reduza a dose em 30 a 50%. O diazepam, umagente benzodiazepnico, cruza a barreira placentria rapidamente e acumula-se no feto, persistindo no

    neonato por vrios dias. Doses pequenas, quando utilizadas em cadelas gestantes, no acarretam alteraesimportantes, podendo ser usadas para a sedao de cadelas gestantes. Contudo, segundo Mastrocinque(2002), o uso repetido pode culminar em srios problemas, como hipotonia, alimentao deficiente,

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    termognese insuficiente para resposta ao frio e hipotermia neonatal. O procedimento adotado para aliviar ador e causar leve sedao de cadelas agitadas em distocia, facilitando as manobras obsttricas, o uso deopiides, como o tramadol ou a meperidina. Esses opiides podem tambm ser associados aostranqilizantes, proporcionando melhor conforto paciente. A xilazina, um agente -2 agonista, contra-indicada em gestantes, pois, alm de cruzar a barreira placentria, causando depresso cardiopulmonar

    intensa aos fetos, lentamente eliminada. O uso da associao xilazina-cetamina tambm pode causaralteraes cardiopulmonares importantes.c) Tratamento cirrgico: nos casos em que a correo da esttica fetal no possvel, quando o uso de drogas

    ecblicas no resulta em contraes produtivas, a cesariana a nica forma de salvar os filhotes. Essainterveno deve ser realizada tambm antes que ocorra fadiga da fmea em trabalho de parto ou hajasofrimento fetal. Est indicada tambm para pacientes com parto excessivamente longo, sinais deendotoxemia ou septicemia, em casos de morte fetal com putrefao, ou quando h antecedentes de distocia(Johnston et al., 2001). A cirurgia deve ser rpida para que ocorra mnimo comprometimento fetal. Arealizao de OSH concomitantemente cesariana est indicada quando h comprometimento daintegridade uterina, em casos de fetos macerados ou ptridos, ou quando o proprietrio deseja esterilizar deforma permanente o animal (Linde-Forsberg e Eneroth, 1998; Luz, 2004).

    Como conseqncia da distocia ou mesmo do tratamento realizado por meio de cesariana, algumascadelas podem apresentar agalactia (agalactasia) transitria ou permanente. De acordo com Lawler (1991), a

    agalactia pode ocorrer por vrias razes, como parto prematuro, estresse ou cirurgia, debilidade da cadela ouestado nutricional ruim, por mastite ou metrite. Parece haver envolvimento familiar em alguns casos. Comomtodos preventivos, deve-se prover cadela adequada nutrio na gestao e na lactao, evitando asuperalimentao, prevenir situaes de estresse e tratar problemas como mastite ou metrite. Em cadelas muitoestressadas, o uso de tranqilizantes fenotiaznicos, como a acepromazina, pode promover aumento dasconcentraes de prolactina e melhorar a lactao (Johnston et al., 2001). importante ressaltar que, se oproblema inicial tratar-se de mastite ou metrite, deve-se efetuar tratamento especfico para essas afeces. Outraopo teraputica eficiente, barata e segura para a agalactia canina a metoclopramida (Plasil), a qual age sobrea dopamina com conseqente elevao das concentraes plasmticas de prolactina. Deve ser usada na dose de0,2-0,5 mg/kg, por via oral, SC ou IM, a cada 8 horas, at que haja secreo de leite (Corrada e Gobello, 2006).

    Consideraes sobre anestesia para cesarianas

    A cirurgia cesariana geralmente um procedimento de emergncia e deve contar com tcnicasanestsicas seguras para a me e os fetos. Ao mesmo tempo, deve permitir anestesia e analgesia adequadas paraa realizao da cirurgia em tempo hbil, liberando os filhotes em estado vigoroso (Mastrocinque, 2002). Durantea gestao, ocorrem alteraes fisiolgicas que so relevantes para os procedimentos anestsicos. Entre elas,pode-se observar um aumento da freqncia respiratria da me e do volume corrente, que podem ocasionaralcalose respiratria (Goodger e Levy, 1973). Alm disso, essa alterao deve ser levada em consideraodurante a anestesia voltil, pois pode aumentar a concentrao alveolar, podendo ser fatal tanto para a me comopara o feto. Alteraes cardiovasculares, como aumento do dbito e freqncia cardaca, tambm soobservadas, podendo ocasionar aumento do fluxo sangneo cerebral, proporcionando, assim, menor tempo deinduo anestsica. No perodo transoperatrio, a fmea fica em decbito, e, portanto, ocorre compresso da veiacava pelo tero gravdico, o que pode implicar diminuio do retorno venoso com quedas bruscas de pressosangnea (Mastrocinque, 2002). Devido s caractersticas fsico-qumicas da maior parte dos agentesanestsicos, estes cruzam em maior ou menor grau a barreira placentria e afetam os fetos. Devido menor

    espessura da placenta endotlio-corial, em cadelas, comparativamente placenta epitlio-corial de vacas, guas eporcas, h uma maior difuso dos frmacos na placenta dessa espcie (Borrensen, 1980).

    Como medicaes pr-anestsicas seguras, pode-se ressaltar os opiides butorfanol (0,1 a 0,2mg/Kg/IM), tramadol (2,0 mg/Kg/IM ou IV) e meperidina (2,0 mg/Kg/IM). Tranqilizantes como aacepromazina (0,05 mg/Kg/IM) devem ser utilizados apenas para fmeas muito agitadas (Mastrocinque, 2002 ).J a levopromazina segura na dose de 0,3 mg/Kg/IV, como tambm o diazepam (0,3 mg/Kg/IV) e o midazolam(0,2 mg/Kg/IM). Dentre os agentes para induo anestsica, tem-se o propofol (4,0-6,0 mg/Kg/IV), o tiopental(8,0-12,0 mg/Kg/IV), a cetamina (2,0 mg/Kg/IV ou 10 mg/Kg/IM) e tiletamina-zolazepam (6,0 a 10,0mg/Kg/IM) (Muir III e Hubbell, 2001; Lavor et al., 2004). Deve-se associar a cetamina aos benzodiazepnicos(diazepam ou midazolam), para minimizar a rigidez muscular e possveis convulses (Muir III e Hubbell, 2001).A induo anestsica tambm pode ser realizada com o auxlio de mscara, com a administrao de isofluorano.A manuteno da anestesia pode ser realizada com os agentes inalatrios isofluorano e halotano, ou frmacosdissociativos, como a cetamina (2,0 mg/Kg/IV ou 10 mg/Kg/IM) ou tiletamina-zolazepam (6,0 a 10 mg/Kg/IM).

    Entretanto, o isofluorano resulta em recuperao mais rpida para as mes e os neonatos (Muir III e Hubbell,2001; Mastrocinque, 2002; Lavor et al., 2004). Comparada s tcnicas de anestesia parenteral e inalatria, a

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    anestesia regional (epidural) provavelmente a que menos produz depresso fetal induzida pelo frmaco. Paratanto, pode-se utilizar lidocana a 2% sem vasoconstritor (5,0 mg/Kg) ou bupivacana 0,5% sem vasoconstritor(1,5 mg/Kg), ambas por via epidural lombrossacra (Muir III e Hubbell, 2001; Mastrocinque, 2002; Lavor et al.,2004). A anestesia epidural considerada uma boa opo, principalmente para fmeas menos agitadas, j que osfilhotes nascem vigorosos e rapidamente apresentam reflexo de suco.

    Em concluso, importante o conhecimento por parte do clnico veterinrio de animais de companhiados principais eventos que ocorrem durante a gestao e o parto nas cadelas, pois permite a deteco de quaisqueranormalidades nesses perodos, facilitando a escolha da melhor forma de monitorao e tratamento da fmea.

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