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José Eliada Cunha Barbosa UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS: REGIMES DE PROPRIEDADE E CONFLITOS NA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE MARACANÃ. Belém, 2011

GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS: REGIMES DE … · coletiva de bens comuns 1 foi amplamente defendida desde a formulação da obra “A lógica da ação coletiva”, de Mancur Olson,

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José Eliada Cunha Barbosa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS: REGIMES DE PROPRIEDADE E CONFLITOS NA RESERVA EXTRATIVISTA

MARINHA DE MARACANÃ.

Belém, 2011

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José Eliada Cunha Barbosa

GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS: REGIMES DE PROPRIEDADE E CONFLITOS NA RESERVA EXTRATIVISTA

MARINHA DE MARACANÃ.

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação em Ciências Sociais junto à

Universidade Federal do Pará para obtenção de

título de Mestre, orientado pelo Professor

Dr.Heribert Schmitz.

Belém, 2011

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José Eliada Cunha Barbosa

GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS: REGIMES DE PROPRIEDADE E CONFLITOS NA RESERVA EXTRATIVISTA

MARINHA DE MARACANÃ.

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação em Ciências Sociais junto à

Universidade Federal do Pará para obtenção de

título de Mestre, orientado pelo Professor

Dr.Heribert Schmitz.

Banca Examinadora:

__________________________________

Prof. Dr. Heribert Schmitz

Orientador - PPGCS / UFPA

__________________________________

Profa. Dra. Kátia Marly Leite Mendonça

Presidente da Banca – PPGCS / UFPA

__________________________________

Profa. Dra. Sônia Maria Simões Barbosa de Magalhães Santos

Examinadora - PPGCS / UFPA

__________________________________

Prof. Dr. Maria Dolores Lima da Silva

Examinador – PPGCP / UFPA

___________________________________

Prof. Dr. Luís Fernando Cardoso e Cardoso

Examinadora Suplente - PPGCS / UFPA

Defendido em: 01 /03 /2011

Conceito:

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À Cristo Jesus e à minha família que me ensinaram a importância da educação.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus, Deus meu, mais uma vez te dou graças.

À minha família extraordinária. Pai, Mãe e Irmãs.

Ao Professor Heribert pela paciência e compreensão ao longo do

desenvolvimento deste trabalho.

Às amizades que consegui durante o mestrado: Josiane (amiga antiga, mas

merece estar aqui!), Sebastião, Newton, Lizany, Tatiana, Glaucia, Jaciel e a Lélia.

Aos professores que nos ensinaram ao longo de dois anos.

À Thiara Silva por ter fornecido dados sobre a realidade de Maracanã.

À Graça Ferraz pelo apoio incondicional.

À Rosiane Fonseca, querida prima.

À Maria Dolores que aceitou presidir a banca. Sempre te admirei.

À Dalva Mota por ter aceitado estar na banca de qualificação e por suas

orientações.

À Sônia Magalhães que mais uma vez se faz presente para avaliar o

desenvolvimento do trabalho.

À todos os moradores de Maracanã e das comunidades de São Tomé,

Aricuru e Espírito Santo. Sem vocês este trabalho não seria possível!

Ao ICMBio e a Auremar pela ajuda neste trabalho.

Às organizações sociais Colônia de Pescadores Z-7 e o Sindicato dos

Pescadores Artesanais e Aqüicultores de Maracanã.

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Olhai os pássaros do céu: eles não semeiam, não colhem, nem juntam em armazéns. No entanto, o Pai que está no céu alimenta-os. Será que não valeis mais do que os pássaros?

(Lucas, 12:24)

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RESUMO

Este trabalho objetiva compreender e explicar a gestão coletiva de bens comuns assim como sua relação com regimes de propriedade e conflitos que ocorrem na Reserva Extrativista Marinha (RESEXMAR) de Maracanã, especialmente, em sua Zona de Amortecimento (ZA). Procurando identificar e caracterizar os tipos de gestões realizados no interior de territórios conservados, temos como alvo de estudo a RESEXMAR de Maracanã localizada no estado do Pará. Criada em 2002, a reserva totaliza 30 mil hectares, sendo sua vegetação composta por mata de terra firme, florestas secundárias, vegetação de várzea e manguezais. A RESEXMAR envolve 75 comunidades ribeirinhas, com cerca de 1500 famílias, sendo que mais de 5 mil usuários sobrevivem dos recursos naturais explorados tanto em áreas de mangue e marinhas quanto em áreas de terra firme, esta ultima localizada na zona de amortecimento. Para alcançar o objetivo proposto utilizamos procedimentos metodológicos como consulta a fontes secundárias (livros, artigos, jornais, revistas etc.), pesquisa de campo mediante observação participante e uso de formulários semi-estruturados, além de entrevistas informais. Foram realizadas entrevistas na área urbana do município de Maracanã e em três comunidades rurais que se localizam nos arredores da reserva: São Tomé, Aricuru e Espírito Santo (ou Mangueirão). Como resultados, foram encontrados três tipos de gestões: oficial, comunitária e consuetudinária. Estas gestões fazem parte do que chamamos de gestão coletiva de bens comuns. Além destes tipos de gestões identificamos e caracterizamos conflitos e regimes de propriedade que estão relacionados às formas como os indivíduos interpretam o bem comum. Afirmamos, então, que o conceito de gestão coletiva de bens comuns, operacionalizado nesta pesquisa, envolve os três tipos de gestão anteriormente descritos, os regimes de propriedade e os conflitos inerentes ao processo de interação social entre atores internos e externos.

Palavras-chave: Reserva Extrativista Marinha de Maracanã. Campo da Mangaba. Uso comum. Terra “sem dono”. Ação coletiva.

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ABSTRACT

This work aims to identify and describe the collective management of common as well as its relationship with property rights and conflicts that occur in the Reserva Extrativista Marinha (RESEXMAR) de Maracanã, especially in its zona de amortecimento. Seeking to identify and characterize the types of managements conducted within conserved regions, we have aimed to study the RESEXMAR Maracana located in the state of Pará. Created in 2002, the RESEXMAR secondary forests, lowland and mangrove vegetation. The RESEXMAR involving 75 coastal communities, with about 1500 families, with more than 5000 surviving users of natural resources used in marine, mangrove areas and upland areas, the latter located in the zona de amortecimento. The methodological procedures used were: Query secondary sources (books, articles, newspapers, magazines, etc.), participant observation, formal and informal interviews. Interviews were conducted in the urban area of Maracana and in three rural communities that are located outside the reservation: Sao Tome, Aricuru and Espírito Santo (or Mangueirão). As a result, we found three types of managements: official, community and customary. These managements are part of what we call the collective management of common. Besides these types of managements identify and characterize conflicts and property rights that are related to the ways people interpret the commons. We affirm, then, that the concept of collective management of common, operationalized in this research, involves three types of management described above, property arrangements and the conflicts inherent in the process of social interaction between internal and external actors.

Key words: Reserva Extrativista Marinha de Maracanã. Campo da Mangaba. Common use. No man's land. Collective action.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APEAGA - Associação de Pescadores e Agricultores de Aricuru

ARPA - Programa de Áreas Protegidas da Amazônia

AUREMAR - Associação de Usuários da Reserva Extrativista Marinha

de Maracanã

CNPT - Conselho Nacional de Populações Tradicionais

CPOS - Centro Popular de Orientação a Saúde

CPP - Comissão Pastoral de Pesca

CPT - Comissão Pastoral da Terra

GCBC - Gestão Coletiva de Bens Comuns

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MMA – Ministério do Meio Ambiente

RB - Relação de Beneficiários

RDS - Reserva de Desenvolvimento Sustentável

RESEX / RESEX’S - Reserva Extrativista

RESEXMAR - Reserva Extrativista Marinha

SEMA - Secretaria especial de Meio Ambiente

SIPAAM - Sindicato dos Pescadores Artesanais e Aqüicultores de

Maracanã

SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação

SUDAM - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

UC / UC’s - Unidades de Conservação

ZA - Zona de Amortecimento

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................... 12

2. GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS, REGIMES DE PROPRIEDADE E CONFLITOS .................................................................. 17

2.1 DEFININDO O PROBLEMA DE PESQUISA .......................................... 17

2.2 OBJETIVOS ............................................................................................ 17

2.2.1 Objetivo Geral .................................................................................... 17

2.2.2 Objetivos Específicos ....................................................................... 17

2.3 PERGUNTAS DE PESQUISA ................................................................ 18

2.4 METODOLOGIA ..................................................................................... 18

2.5 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................... 27

2.5.1 Dilemas da cooperação .................................................................... 27

2.5.1.1 Mancur Olson e a lógica da ação coletiva ................................... 27

2.5.1.2 Hardin, o problema da superpopulação e a tragédias dos bens comuns ........................................................................................................ 29

2.6 REGIMES DE DIREITO DE PROPRIEDADE ........................................ 32

2.7 GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS E ARRANJOS INSTITUCIONAIS..........................................................................................35

2.8 CONFLITO .............................................................................................. 40

3. O MUNICÍPIO E A RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE MARCANÃ....................................................................................................45

3.1 CHEGANDO AO MUNICÍPIO..................................................................45

3.2 POR UMA GESTÃO COMUNITÁRIA: O EXEMPLO DE ARICURU ...... 50

3.3 A GESTÃO OFICIAL E O PLANO DE UTILIZAÇÃO DA RESEXMAR DE MARACANÃ ................................................................................................. 53

3.4 PREOCUPAÇÕES COM OS BENS COMUNS ...................................... 56

3.4.1 O mangue e o mar ............................................................................. 57

3.4.2 Campo da Mangaba: gestões e conflitos ........................................ 59

3.5 DISCUSSÃO E SISTEMATIZAÇÂO ....................................................... 64

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 74

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 76

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista ....................................................... 81

APÊNDICE B – Formulário de Pesquisa ................................................... 82

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ANEXO A – Imagem do Município de Maracanã (Fonte desconhecida). .... 85

ANEXO B – Cidade de Maracanã (Google Earth 6.0 beta , 2010)........ ...... 86

ANEXO C – Campo da Mangaba (amarelo) e cidade de Maracanã (azul), (Google Earth 6.0 beta, 2010)..............................................................................................................87

ANEXO D – Caminhos no Campo da Mangaba (Google Earth 6.0 beta, 2010)..............................................................................................................88

ANEXO E – Logo do Sindicato dos Pescadores Artesanais e Aqüicultores de Maracanã (SIPAAM), 2006............................................................................89

ANEXO F – Desenho de José Guilherme (Barco Z-7), 2010. .................... ..90

ANEXO G - Desenho de Walmir Corrêa (tipos de currais de

pesca.............................................................................................................91

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1. INTRODUÇÃO

Nesta dissertação objetivamos identificar, descrever e compreender a

gestão coletiva de bens comuns e sua relação com regimes de propriedade

e conflitos que ocorrem na RESEXMAR de Maracanã, especialmente, em

sua Zona de Amortecimento (ZA). Para tanto, utilizamos referenciais teóricos

da ação coletiva e dos conflitos.

A intervenção de agências externas (públicas ou privadas) na gestão

coletiva de bens comuns 1 foi amplamente defendida desde a formulação da

obra “A lógica da ação coletiva”, de Mancur Olson, publicada em 1965, e do

artigo “Tragédia dos bens comuns” de Garret Hardin, de 1968.

A discussão, tanto de Olson (1998), quanto de Hardin (1968), enfatiza

as escolhas racionais dos indivíduos em processos associativos e de gestão

coletiva de bens comuns, respectivamente. Para eles, as escolhas racionais

sempre tenderiam a lograr benefícios individuais, o que comprometeria

supostas ações coletivas de um grupo qualquer ou mesmo da sociedade e

haveria, portanto, a necessidade de regulação seguida de sanções das

ações humanas por meio de uma autoridade central.

A tragédia dos comuns tornou-se parte da sabedoria convencional de estudos ambientais, do planejamento de recursos e das ciências econômica e política e está presente em vários livros [...]. Adicionalmente tem sido utilizada na formulação de políticas de manejo de recursos (FEENY et al., 2001) 2.

Porém, estudos que enfatizam a relação entre arranjos institucionais 3

e regimes de propriedade 4, aliados ao manejo sustentável de bens comuns,

1Gestão coletiva de bens comuns é entendida segundo Schmitz et al. (2009, s/p) “como um resultado de um

processo de interação entre os indivíduos ou grupos para uso desses mesmos bens”.

2 Originalmente publicado em 1990.

3 Tem o mesmo sentido de Instituição segundo OSTROM (1990, citado por Schmitz et al., 2009) que

“significa um conjunto de regras de trabalho que determinam, entre outros, aos participantes, as ações

permitidas ou proibidas, as informações necessárias, a distribuição de benefícios”.

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demonstraram falhas presentes nas análises de Hardin (1968) sobre o

esgotamento de recursos comuns e a possível degradação ambiental, além

da publicação de estudos de casos em que a gestão coletiva feita por

grupos de usuários mostrou-se, em muitos casos, bem sucedida (FEENY et

al., 2001; OSTROM, 1990; MCKEAN e OSTROM, 2000 5; LUNA, 2004;

ALMEIDA, 2004; RAMALHO, 2004; ALMEIDA, 2008; SCHMITZ et al., 2009).

Baseando-se no que foi brevemente exposto acima, a proposta aqui

apresentada tem por alvo de estudo o atual estado de gestão coletiva de

bens comuns na Reserva Extrativista Marinha (RESEXMAR) de Maracanã.

A RESEXMAR está localizada na região Nordeste do Estado do Pará e foi

criada em 2002 com “objetivos de assegurar o uso sustentável e a

conservação dos recursos naturais renováveis, protegendo os meios de vida

e a cultura da população extrativista local” (BRASIL, Decreto s/n de 13 de

dezembro de 2002).

As reservas extrativistas, em sua concepção, tinham por intenção

serem autogeridas pelos próprios usuários quando concebidas. Desde a

década de 1990, quando foram assinados decretos sobre a disposição de

reservas extrativistas, ao ano de 2000 houve a institucionalização federal

destes espaços, estabelecendo-se a chamada co-gestão, através da criação

de conselhos gestores e da transferência de administração para o Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)

(CUNHA et al.,2009). Atualmente o órgão responsável pela administração de

reservas extrativistas é o Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio) 6.

4 FEENY et al., (2001) define quatro tipos de regimes de propriedade: livre acesso, propriedade privada,

propriedade comunal ou comunitária e propriedade estatal. No segundo capítulo desta dissertação estes

regimes estão detalhados.

5 Originalmente publicado em 1995.

6 Ao longo de sua história de criação e implementação, as reservas extrativistas foram transformando-se em

instrumentos de política pública, sendo incluída a partir do ano 2000 no Sistema Nacional de Unidades de

Conservação (SNUC, Lei 9985/00 de 18/07/00).

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A co-gestão é um sistema que agrega diferentes atores em espaços

de decisão, onde são pensadas e demandadas regulamentações de usos e

sanções no interior de territórios conservados. Assim, esse modelo de

gestão é uma parceria entre órgãos governamentais, não-governamentais e

populações tradicionais 7, sendo que esta última deve necessariamente ser

organizada através de uma associação-mãe que represente a Reserva

Extrativista. Existem ainda dois tipos de conselhos atuando em Unidades de

Conservação (UCs): o deliberativo e o consultivo. No caso de Reservas

Extrativistas, o conselho é de caráter deliberativo e o gestor da reserva

(funcionário do ICMBio) é necessariamente o presidente do conselho, como

instituiu o SNUC (2000) 8.

Ao longo da década de 2000 foram criadas na região Nordeste do

Pará nove RESEXMAR, em nove municípios, com objetivo de assegurar a

conservação de áreas costeiro-marinhas e de mangue, além de

regulamentar o uso de espécies características destes ecossistemas como

peixes e caranguejos. Com a implementação da reserva a partir de 2002, no

município de Maracanã, essa área ganhou status legal de uso coletivo,

porém, nem todos os moradores assimilaram esta nova realidade, além do

que, a falta de entendimento do que seja uma Reserva Extrativista ainda

está presente entre os que residem nesses municípios.

As RESEXMAR são baseadas no modelo de Reserva Extrativista

(RESEX) implantado no estado do Acre, na década de 1990, e são

compostas por três ecossistemas no estado do Pará: regiões costeiro-

marinhas, mangue e terra-firme, sendo esta última localizada na zona de

amortecimento. Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(2000) – SNUC – “zona de amortecimento é o entorno de uma unidade de

7 Neste trabalho utilizamos o conceito de populações tradicionais, porém entendemos a existência de um

debate em torno do conceito (BARRETO FILHO, 2006).

8 “A Reserva Extrativista será gerida por um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua

administração (atualmente o ICMBio) e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da

sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no ato

de criação da unidade” (BRASIL, 2000, Art. 18, parágrafo 2º).

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conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e

restrições específicas, com propósito de minimizar os impactos negativos

sobre a unidade” (BRASIL, 2000, artigo 2 º, parágrafo XVIII).

Apesar de as zonas de amortecimento não estarem no foco da

pesquisa, é nela que encontra-se o ecossistema terra-firme, onde as

populações extrativistas vivem, logo é onde a análise e discussão dos dados

obtidos em campo estão mais presentes. Apresentamos dados referentes a

regiões alagadas, porém a maior parte da pesquisa se refere as relações

perpetradas na zona de amortecimento (ZA).

A zona de amortecimento é um termo técnico desconhecido pela

maioria dos moradores entrevistados. Eles, inclusive, não sabem que vivem

nos arredores da reserva e não na própria reserva. Estudos que tratam de

aparatos jurídicos e suas contradições referentes às ZA (ANDRADE, 2005)

ou de como elas sofrem com diferentes tipos de ameaças como expansão

urbana, aterro sanitário, expansão agrícola, depósito de entulho (VITALLI,

2007) enfatizam perspectivas legalistas e conservacionistas, porém não

avançam na problemática referente a desigualdades e incertezas que

envolvem as ZA. Para se ter uma idéia, algumas ZA também abrigam em

seu interior, além de espaços rurais, áreas consideradas urbanas, pois

muitas UC estão bem próximas de sedes de municípios. É o caso da

RESEXMAR de Maracanã já que sua zona de amortecimento abriga a área

urbana do município 9.

Neste trabalho entendemos que as ZA são cenários onde vivem as

populações ditas tradicionais (que praticam diferentes tipos de extrativismo e

atividades ligadas agricultura), na RESEXMAR, e é onde a “realidade”

acontece. As ZA demonstram sérios problemas com relação a sua gestão,

pois a legislação atual do SNUC não esclarece como os gestores das

9 A zona urbana do município de Maracanã encontra-se situada na zona de amortecimento da reserva, pois

segundo uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), de 1990, as zonas de

amortecimento de unidades de conservação possuem um raio de 10 km. CONAMA, nº 13/1990. Disponível

em: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res90/res1390.html

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unidades de conservação devem atuar sobre este espaço, ou seja, o

“entendimento” sobre ZA depende exclusivamente de como o gestor pensa

e age sobre este espaço, o que possibilita a geração conflitos sociais ou a

não mitigação de conflitos já existentes nas ZA, como ocorre na

RESEXMAR de Maracanã.

Ademais, neste trabalho foram identificados três tipos de gestões

segundo o interesse de alguns atores. Cada uma das gestões apresenta

características específicas. Ao longo da pesquisa percebeu-se que não

poderíamos tratar da gestão sem falar dos regimes de propriedade e dos

conflitos presentes na gestão. Os dados obtidos em campo mostraram a

necessidade de se relacionar estas temáticas.

Assim, descrevemos os tipos de gestões encontrados, os regimes de

propriedade praticados e os conflitos identificados que acontecem em

regiões oceânicas, de mangue e no campo da mangaba. O leitor, no

decorrer do trabalho, perceberá que o campo da mangaba torna-se o foco

das discussões, pois encontramos ali um palco de disputas que envolvem a

compreensão dos variados atores no que diz respeito à gestão (ou gestões)

e aos regimes de propriedade. Evidentemente descrevemos os conflitos

decorrentes das interpretações em torno da gestão e dos regimes, assim

como dos diferentes interesses em torno de bens comuns.

Por fim, o trabalho não tenta demonstrar que as populações

extrativistas de Maracanã possuem uma relação ecológica com os bens

comuns, mas descrever a maneira pela qual é realizada e constituída a

gestão coletiva de bens comuns. A gestão é coletiva quando é realizada por

diversos atores que possuem interesses diversos entre si, o que pode

ocasionar conflitos entre os mesmos.

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2. GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS, REGIMES DE PROPRIEDADE E CONFLITOS

Neste capítulo apresentamos o problema, os objetivos e a

metodologia de pesquisa utilizada. Abordamos, ainda, a discussão, acerca

da ação coletiva envolvendo recursos naturais, realizada por teóricos como

Garret Hardin (1968), Feeny et al. (2001) 10, Ostrom (1990), McKean e

Ostrom (2000) 11 e Schmitz et al.(2009). Objetivamos aqui descrever as

principais idéias desses autores no que diz respeito ao: comportamento

individual e coletivo, regimes de direitos de propriedade e gestão coletiva de

bens comuns.

2.1 DEFININDO O PROBLEMA DE PESQUISA

Considerando o que foi exposto até o momento, a pergunta central

desta pesquisa é: Como é realizada a gestão coletiva de bens comuns

na RESEXMAR de Maracanã, levando em consideração que ela é feita

por diversos atores (ICMBio, AUREMAR 12, Conselho gestor, atores

internos e externos)?

2.2 OBJETIVOS

2.2.1 Objetivo Geral

Compreender e explicar a gestão coletiva de bens comuns e sua

relação com regimes de propriedade e conflitos que ocorrem na

RESEXMAR de Maracanã e, especialmente, na zona de amortecimento.

2.2.2 Objetivos Específicos

a) Identificar e caracterizar a gestão coletiva e os atores envolvidos;

b) Identificar e caracterizar os regimes de propriedade;

10

Originalmente publicado em 1990. 11

Originalmente publicado em 1995. 12

Associação de usuários da Reserva Extrativista Marinha de Maracanã. A AUREMAR é uma associação

composta por uma diretoria que faz parte da gestão oficial da reserva extrativista. É também um dos membros

do conselho deliberativo.

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c) Identificar e caracterizar os conflitos;

2.3 PERGUNTAS DE PESQUISA

Foram elaboradas algumas perguntas com o intuito de ajudar no

desenvolvimento da pesquisa:

a) Quais os tipos de gestões existentes?

b) Quais os tipos de regimes de propriedade?

c) Quais os conflitos existentes? Onde ocorrem?

d) Como se realiza a co-gestão?

e) Quais as normas do plano de utilização?

2.4 METODOLOGIA

Nesta pesquisa utilizamos a metodologia qualitativa, seguida do

método observação participante, e de técnicas como entrevistas baseadas

em roteiros e formulários, além da entrevista receptiva ou informal.

Foram utilizados, ainda, caderno de campo e máquina fotográfica,

esta última empregada apenas na primeira visita de campo. Foram

entrevistados homens, mulheres e crianças, totalizando quarenta e um

entrevistados (sendo uma entrevista realizada em Belém).

Para a construção metodológica da pesquisa foram consultados

autores como Blalock Júnior (1976), Abramo (1979), Haguette (1987),

Tavares dos Santos (1993), Oliveira (1998), Gil (1999), Bandeira (2000),

Flick (2004) e Quivy et al. (2005).

A 170 km de Belém, localizada no nordeste paraense, encontra-se o

município de Maracanã que abriga uma Reserva Extrativista Marinha – das

nove existentes no Estado – e que possui um total de 30 mil hectares de

área. A vegetação de Maracanã é composta de mata de terra firme, florestas

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secundárias, várzea e manguezais, além de um campo natural chamado

campo da mangaba, localizado na zona de amortecimento da RESEXMAR.

A pequena população do município (de aproximadamente 29.417

habitantes - IBGE, 2010), economicamente ativa, é composta basicamente

por pensionistas, aposentados, beneficiários do governo estadual ou federal,

feirantes, pequenos comerciantes, extrativistas, funcionários públicos, além

daqueles que fazem parte da pequena classe política e jurídica.

Na zona de amortecimento da RESEXMAR estão abrigadas 75

comunidades banhadas pelos rios Marapanim, Cuinarana, Maracanã, Caripí

e a Baia de Maracanã. Habitam na zona de amortecimento

aproximadamente mil e quinhentas famílias, totalizando cerca de cinco mil

usuários que vivem e sobrevivem dos recursos naturais explorados nas

áreas da reserva e do seu entorno.

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Fonte: MMA/IBAMA/CNPT

A RESEXMAR de Maracanã abriga o Campo da Mangaba que se

localiza nos arredores da reserva na chamada zona de amortecimento. É

descrito como um espaço, onde se exercem atividades extrativistas

realizadas por catadores de mangaba, homens e mulheres (SILVA, 2010), e

é um espaço de conflito entre diferentes atores. Além disso, o campo é

caracterizado como uma área comum de livre acesso que, durante os anos

de 1950, foi somente aproveitada para fins extrativistas. Nessa região,

também, se praticou a extração do leite da mangabeira para a produção de

borracha, atividade que durou até o ano de 1977 (SCHMITZ et al., 2008).

Na região de Maracanã, os catadores de mangaba acumularam

experiência de enfrentamento com atores externos. Na década de 1980

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ocorreu um conflito social violento envolvendo os cadadores e uma empresa

de Belém que devastou o campo para plantação de coqueiros. Uma parte da

população local se revoltou e incendiou as plantações de coqueiros

(SCHMITZ et al., 2008).

Na realização da pesquisa de campo, obtivemos relatos de moradores

sobre o cercamento e impedimento de acesso à retirada de mangabas no

interior do campo. Esse cercamento está presente na área desde a década

de 1980. Há aqueles que afirmam que o campo faz parte da reserva e

caracteriza-o como patrimônio da união e que, portanto, o campo não tem

“dono(s)”.

Em discussões com o ICMBio 13, uma parte dos moradores indagou

sobre a possibilidade de transformação do campo em Reserva de

Desenvolvimento Sustentável (RDS), e foi respondido a eles, com o apoio

de outros moradores contrários a transformação, que o campo já estava

protegido pela reserva. Há confusões e dissensos entre os moradores

quanto ao pertencimento do campo à reserva extrativista (LIMA et al.,

2009).

Aqueles que defendem a transformação do campo em RDS afirmam

que existem queimadas periódicas na localidade e que estas são

intencionalmente provocadas, outros rebatem dizendo que essas queimadas

são apenas incidentes causados por “pontas” de cigarros, que ao atingirem

a vegetação rasteira e folhagens secas, provocam incêndios.

No interior do Campo, os extrativistas coletam também o bacuri, que é

outro recurso alvo de disputas na zona de amortecimento da reserva.

Apanhadores de localidades próximas e mesmo aqueles que vivem nos

arredores da reserva praticam a retirada do bacuri, ainda não amadurecido,

em grandes quantidades para serem vendidos na área urbana. Estes são

colocados em paneiros e são vendidos assim que se tornam maduros. Esta

13 Reunião realizada no dia 15 de janeiro de 2010 na sede da RESEXMAR.

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prática é danosa para os demais extrativistas locais que acabam ficando

sem o fruto e alguns questionam a gestão do ICMBio no que diz respeito à

fiscalização e mitigação desta prática.

Porém, a realidade das populações extrativistas da RESEXMAR de

Maracanã não se concentra apenas na coleta da mangaba ou do bacuri,

pois os mesmos desenvolvem atividades em áreas de mangue, além de

atividades pesqueiras (SANTOS, 2008; LIMA et al., 2009). Essas práticas

são reguladas por instrumentos de gestão como o plano de utilização e o

plano de manejo, este último ainda falta ser discutido e aprovado pelo

conselho gestor.

Os primeiros contatos com a reserva foram realizados no dia 04 e 05

de dezembro de 2009, onde foram entrevistados líderes locais e extrativistas

com propósito de levantamento de dados para ajudar na definição da

problemática de pesquisa.

Após isso, foi realizado, de forma constante, levantamento de dados

secundários. Utilizamos pesquisa bibliográfica já que pretendíamos levantar

dados que nos fornecessem aspectos teóricos e empíricos acerca da

realidade alvo de estudo. Foram coletados dados sobre Unidades de

Conservação (UC’s), mas precisamente Reservas Extrativistas (RESEX’s), e

“sujeitos ou grupos sociais residentes” em substituição a categoria

“populações tradcionais”, como proposto por West & Brechin (1991, p.6

citado por BARRETO FILHO, 2006), além de revisar a literatura sobre

Maracanã, conflitos sociais, gestão e ação coletiva.

Além disso, foram feitas buscas em bibliotecas digitais como

http://www.scielo.br, do Museu Paraense Emílio Goledi (http://www.museu-

goeli.br), da Biblioteca Virtual Centro Edelstei (http://www.bvce.orgbr), no

portal do periódico da capes (www.periodicos.capes.gov.br) e no Google

acadêmico (http://scholar.google.com.br).

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Foram feitas buscas nas seguintes bibliotecas físicas: Biblioteca

Pública Arthur Viana, Biblioteca Setorial do Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas (IFCH), Biblioteca setorial do Núcleo de Altos Estudos

Amazônicos (NAEA), Biblioteca setorial do Núcleo de Estudos em

Agricultura Familiar (NEAF), Biblioteca Central da UFPA e na Biblioteca

Pública Municipal Laércio Barbalho. Todas as bibliotecas listadas se

localizam em Belém, com exceção da última que se encontra em Maracanã.

Nesta pesquisa utilizamos teóricos da ação coletiva e do conflito.

Detalharemos o debate em torno da cooperação (ação coletiva) feita por

estudiosos como Hardin (1968), Axelrod (1984), Olson (1998), Sabourin

(2006); gestão coletiva de bens comuns realizada por Ostrom (1998), Feeny

et al. (2001), McKean e Ostrom (2001), Goldman (2001), Diegues (2001),

Schmitz et al. (2009); regras sociais e regimes de propriedade estudados por

Luna (2004); Almeida (2004); Ramalho (2004); Almeida et al.(2008); no que

diz respeito ao estudo de conflitos utilizamos autores como Simmel (1983),

Birnbaum (1995), Giddens (2005), Ogburn et al.(1971), Schmitz et al. (2008)

e Collins (2009);

Outros autores foram consultados para auxiliar no desenvolvimento da

pesquisa como: Furtado (2002), Malinowski (2003), Andrade (2005), Creado

(2006), Gohn (2007), Vitalli (2007), Machado (2007), Vitalli et al. (2009),

Silva (2010), Pereira (s/a), Chamy (2004).

Na pesquisa documental serviram de auxílio fontes não escritas que

podiam ser vestuários, obras, instrumentos, símbolos, fotografias, caminhos

e aldeias com o objetivo de “desvendar os sentidos e penetrar nos

significados dos objetos” (BANDEIRA, 2000).

No que se refere a fontes escritas objetivamos também analisar fontes

oficiais e não-oficiais como jornais, revistas, enciclopédias e periódicos.

Obtivemos dentre estes: uma ata de reunião da Associação de Pescadores

e Agricultores de Aricuru (APEAGA), concernente a sua fundação; um

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documento chamado “Relatório sobre Aricuru” encontrada na casa de uma

moradora; o Plano de utilização da RESEXMAR cedido pelo presidente da

AUREMAR Jeremias Correa; um documento contendo o parecer técnico da

Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) sobre o campo da mangaba cedido

por Thiara Silva; o Estatuto do Sindicato dos Pescadores Artesanais e

Aqüicultores de Maracanã (SIPAAM) cedido pelo próprio presidente do

sindicato Domingos Carrera.

Foi utilizado também o Google Earth 6.0 beta e o Google Maps

(http://maps.google.com.br/), para a localização do Município de Maracanã e

de áreas pertencentes a reserva através de imagens de satélite.

Nas viagens que se sucederam a Maracanã, com o intuito de

definirmos as comunidades alvo da pesquisa, primeiramente coletamos

informações na zona urbana do município: nos hotéis, restaurantes, na feira

local, no trapiche onde se vende pescados, na sede da “Tribuna de

Maracanã”, um jornal local da cidade, nos pequenos mercados onde se

vende alimentos, nas sedes das organizações dos extrativistas como na

Colônia de Pescadores Z-7 e no Sindicato de Pescadores Artesanais e

Aqüicultores de Maracanã (SIPAAM).

As comunidades, que se localizam na zona de amortecimento, onde

realizamos entrevistas foram escolhidas à medida que era necessário

deslocar-se em busca de informações. Atores que participavam ativamente

da gestão da reserva foram às principais bússolas da pesquisa. Assim,

nossa amostra foi composta por sujeitos que vivem, além da área urbana,

em três comunidades: São Tomé, Aricuru e Espírito Santo (chamado

também de Mangueirão). Foram definidas essas três comunidades pela

seguinte razão:

a) A comunidade de partida, para a realização da pesquisa, foi São

Tomé, pois lá residi Tomásia Oliveira dos Santos, antiga secretária da

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AUREMAR, e por ter sido uma das primeiras moradoras que tivemos

contato;

b) Aricuru foi escolhida devido aos relatos sobre a atuação de duas

freiras, junto dos moradores, que lutam pelo transformação do campo em

RDS, além das organizações sociais que a comunidade possui. Era uma

oportunidade de entender como era realizada a gestão e ação coletiva nesta

comunidade;

c) Espírito Santo é uma comunidade que se localiza no interior do

campo da mangaba – as outras comunidades vivem ao redor do campo – e

participou ativamente de um conflito social pela posse de terra que envolveu,

também, um fazendeiro que se instalou na região;

d) não foram escolhidas outras comunidades por causa do tempo

estabelecido para a pesquisa e feitura da dissertação.

O número de entrevistados foi maior em São Tomé e Aricuru. Vejamos

o quadro:

Quadro 1- Entrevistas realizadas no Município de Maracanã

Área Entrevistas

Urbana

Rural (comunidades)

São Tomé Aricuru Espírito Santo

(Mangueirão)

Formais 6 11 9 3 29

Informais 2 5 4 -- 11

Total 8 16 13 3 41 *

* Foi incluído neste resultado uma entrevista realizada na capital Belém.

A pesquisa realizada pode ser dividida em algumas etapas:

(a) Inicialmente as entrevistas foram feitas mediante um roteiro que

continha 27 perguntas sobre o Conselho deliberativo, zona de

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amortecimento, atividades dos extrativistas e outras 14. A escolha dos

entrevistados deu-se de forma aleatória;

(b) Posteriormente foi elaborado um formulário 15 com perguntas sobre

família, habitação, atividades coletivas, criação da reserva e outras 16. A

escolha dos entrevistados deu-se de forma dirigida: os entrevistados eram

escolhidos pela participação e atuação no que se refere à gestão oficial e

comunitária da reserva;

(c) Por fim, na realização de algumas entrevistas não foram utilizadas,

enquanto técnicas, nem o formulário, nem caderno de campo. É o que

estamos chamando de entrevista informal. Este tipo de entrevista, baseada

na receptividade do sujeito, mostrou-se importante pela qualidade de dados

obtidos durante as “conversas informais”: sem o observador está munido de

roteiros, formulários e caderno de campo foi possível obter dados com mais

“riqueza” de detalhes, já que o sujeito entrevistado sente-se “mais a

vontade”, quando comparados com dados obtidos em entrevistas formais.

Este tipo de entrevista tem suas dificuldades, pois a clareza e descrição dos

dados obtidos dependem da memória do pesquisador. Para mitigar

possíveis problemas os dados eram escritos no caderno de campo logo

após o termino da entrevista.

A observação participante, enquanto método, foi fundamental para o

desenvolvimento da pesquisa, pois possibilitou a caracterização de um tipo

de gestão, das três descritas neste trabalho, que é baseada na tradição.

Sem o acompanhamento das atividades dos extrativistas como apanhar

mangaba, vender caranguejos, fazer farinha, pescar no curral, tirar água do

poço e participar de festividades religiosas não seria possível entender e

caracterizar este tipo de gestão.

14 Ver apêndice.

15

ABRAMO (1979, p.40) considera a diferença entre formulário e questionário: “[...] questionário, quando

preenchido pelo próprio informante, e [... ] formulário, quando preenchido pelo pesquisador ou aplicador”.

16

Ver apêndice.

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2.5 REFERENCIAL TEÓRICO

2.5.1 Dilemas da cooperação

É a partir dos trabalhos de Olson (1998) em a “Lógica da ação

coletiva” e de Garret Hardin (1968) em “A tragédia dos bens comuns”, que a

ação coletiva é tratada como uma problemática de pesquisa. Ambos tratam

de questões relacionadas à abordagem da escolha racional que busca

compreender fenômenos sociais.

Esta linha teórica foi desenvolvida por economistas para explicar

fenômenos sociais, tais como a utilização de um pasto comum entre vários

pastores ou a pesca no mar aberto. A lógica seria discutir, principalmente,

idéias utilitaristas no sentido de que o homem segue seus próprios

interesses quando associados a outros.

2.5.1.1 Mancur Olson e a lógica da ação coletiva

Olson (1998) estudou grupos de pressão (lobbies) com o objetivo de

analisar os motivos que levam indivíduos a cooperar. Olson (1998)

questiona a idéia comumente aceita sobre cooperação, na qual as pessoas

com objetivos comuns se unem voluntariamente para adquirirem vantagens.

Ainda que todos os indivíduos num grupo sejam racionais e egoístas, não é o facto de todos beneficiarem da concretização do objectivo do grupo que os leva a agir de forma a atingir esse objectivo. Na verdade, os indivíduos não agem com vista aos seus objetivos comuns ou com vistas ao interesse do grupo (OLSON, 1998, p.2).

Para o autor, os incentivos que levariam um indivíduo a se engajar em

uma causa coletiva seriam avaliados pelo próprio indivíduo, através de

aspectos racionais, e este tomaria a decisão se valeria a pena ou não lutar

pelo bem comum 17, mesmo ele tendo clareza de que o bem alcançado seria

17

Bem comum, coletivo ou público, seria um bem que “uma vez consumido por uma pessoa [...], num grupo

[...] não é passível de ser negado às outras pessoas desse grupo” (OLSON, 1998, p.13)

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para seu beneficio. Na verdade, Olson (1998) questiona a idéia de que a

racionalidade individual estaria a favor dos objetivos do grupo.

Afirma ainda que os indivíduos não teriam interesses puramente

econômicos em processos associativos, pois além destes haveriam

incentivos pessoais baseados no prestígio, respeito, amizade, além de

outros “objetivos sociais e psicológicos”. Porém, mesmo que existam essas

outras motivações na execução de uma ação coletiva, o indivíduo não

deixaria de estar sendo racional, “pois o status social e a aceitação social

são bens individuais e não coletivos” (OLSON, 1998, p.54).

Consideremos o grupo latente formado pelos consumidores de um produto bem determinado, [...], a carne de açougue. Suponhamos que a qualidade desse produto caia sensivelmente e que, ao mesmo tempo, seu preço aumente. Cada consumidor será, sem dúvida, sensível a essa piora de situação. [...] Como conseqüência, irá ele se unir aos outros para uma ação coletiva de protesto? (BOUDON e BOURRICAUD, 2007).

Para responder a questão acima, de acordo com a lógica de Olson

(1998), diríamos que os indivíduos não se engajam voluntariamente, e sim

de acordo com seus interesses individuais, portanto, o que o autor afirma é

que indivíduo calcularia se os benefícios são compensadores em relação ao

investimento realizado. Assim, muitos não irão se engajar em determinada

ação coletiva por conta da sua lógica racional.

Mesmo que o indivíduo não cooperasse com a causa coletiva, ele

poderia ser beneficiado pelos objetivos alcançados pelo grupo. Sendo

assim, o indivíduo poderia decidir se ajudaria ou não o grupo alcançar os

objetivos traçados. Mesmo que não ajudasse cooperando, ele racionalmente

entenderia que seria beneficiado. Desse modo, Olson (1998) introduz no

debate o termo “free rider” (aproveitador) para o indivíduo ou grupo que se

beneficia mediante o trabalho de outros.

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Isso configura um dos principais dilemas da cooperação, pois o

indivíduo, de certa forma, obteria o bem comum participando ou não da

ação, o que geraria um desinteresse de real participação e engajamento no

grupo. Olson (1998) afirma que os resultados em grupos menores seriam

mais proveitosos em relação a grupos maiores, pois o primeiro permitiria

certo controle e coerção dos aproveitadores, já que os resultados são

divididos para um número menor de pessoas. Já os grupos maiores não

apresentam muitas vantagens quanto à cooperação, pois o controle é mais

difícil, sendo os benefícios divididos para um número maior de pessoas.

Também é mais difícil identificar os aproveitadores que acabam não sendo

excluídos dos benefícios.

2.5.1.2 Hardin, o problema da superpopulação e a tragédias dos bens comuns

Hardin (1968) em a “Tragédia dos bens comuns” desenvolve a

temática da ação coletiva relacionada ao uso de recursos naturais. Utiliza

exemplos como recursos pesqueiros e uso de pastos coletivos. Hardin

(1968) preocupa-se com o crescimento demográfico e a pressão exercida

sobre os recursos naturais de livre acesso, como em áreas oceânicas, por

exemplo.

A tragédia dos bens comuns consiste em afirmar que todos têm livre

acesso aos recursos dessa natureza e acabam por explorá-los em busca de

benefícios individuais, porém os efeitos desta exploração, como no caso de

uma sobrepesca e sobrepastejo, seriam de todos. Ou seja, todos dividiriam

os prejuízos.

A publicação do artigo de Hardin (1968), intitulado “Tragédia dos bens

comuns”, que trata sobre a possibilidade de degradação de recursos de

propriedade comum (ou bens comuns) 18 em conseqüência do aumento

18

Bem comum faz referência a natureza física do recurso, segundo McKean e Ostrom (2001). Feeny et al.

(2001) utiliza o termo “recursos de propriedade comum”.

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populacional e da lógica racional individual, causou grande impacto nas

visões acerca da problemática ambiental. As idéias de Hardin (1968) se

popularizam e influenciaram, inclusive, políticas públicas relacionadas ao

manejo de recursos em vários países (FEENY et al., 2001; MCKEAN e

OSTROM, 2001).

Hardin (1968, s.p.) afirma que o problema do aumento demográfico

mundial não se pode resolver através de soluções técnicas, como, por

exemplo, por meio do cultivo em áreas marinhas ou criando novas

variedades de trigo. Para ele, “The population problem cannot be solved in a

technical way, […]”.

Hardin (1968) preocupa-se com o crescimento demográfico e a

pressão exercida sobre os recursos naturais de livre acesso19. Um exemplo

citado pelo autor é a pesca marinha, que é de difícil controle, já que todos os

países têm acesso livre a este bem.

[…] the oceans of the world continue to suffer from the survival of the philosophy of the commons. Maritime nations still respond automatically to the shibboleth of the "freedom of the seas". Professing to believe in the "inexhaustible

resources of the oceans”, they bring species after species of

fish and whales closer to extinction (HARDIN, 1968, s.p.).

O autor relaciona o problema da superpopulação à racionalidade

individual, o que causaria o esgotamento de bens comuns. Cita, ainda,

Adam Smith em “A riqueza das nações”, onde é defendido que a

racionalidade que persegue benefícios individuais traria, em conseqüência

da “mão invisível”, promoção do interesse público.

If it is correct we can assume that men will control their individual fecundity so as to produce the optimum population. If the assumption is not correct, we need to reexamine our individual freedoms to see which ones are defensible (HARDIN, 1968, s.p.).

19

Livre acesso é considerado por Feeny et al. (2001) como um regime de direito de propriedade.

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31

Porém, Hardin (1968), contrariando Adam Smith, afirma que a busca

por benefícios, baseada em uma racionalidade individual, não traria

resultados positivos para o problema da superpopulação presente nas

sociedades modernas.

Hardin (1968) utiliza um exemplo de pasto coletivo para provar sua

hipótese. A pergunta de partida é como se comportariam os pastores no

interior de um pasto coletivo.

As a rational being, each herdsman seeks to maximize his gain. Explicitly or implicitly, more or less consciously, he asks, "What is the utility to me of adding one more animal to my herd?" This utility has one negative and one positive component.

Adding together the component partial utilities, the rational herdsman concludes that the only sensible course for him to pursue is to add another animal to his herd. And another; and another.... […]. Each man is locked into a system that compels him to increase his herd without limit −− in a world that is limited. Ruin is the destination toward which all men rush, each pursuing his own best interest in a society that believes in the freedom of the commons. Freedom in a commons brings ruin to all (HARDIN, 1969, p.4-5)

Para este autor, com o desordenado crescimento demográfico, o

mundo não suportaria tal situação, o que levaria conseqüentemente a uma

escassez de recursos naturais. Apenas o controle estatal ou privado,

seguido de punições àqueles que desrespeitassem as regras, poderia

solucionar problemas relacionadas à superpolução e, conseqüentemente, a

tragédia dos bens comuns.

It is a mistake to think that we can control the breeding of mankind in the long run by an appeal to conscience.[…].

[…]. To make such an appeal is to set up a selective system that works toward the elimination of conscience from the race (HARDIN, 1968, p.8-9).

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32

Assim, para Hardin (1968), um apelo à consciência não teria sentido

na ausência de sanções, pois o homem livre não se sentiria coagido a

mudar suas práticas antiecológicas e seguiria sua racionalidade, a qual

tenderia sempre a beneficiar seus anseios individuais, mesmo que soubesse

que isso traria conseqüências indesejadas futuramente.

É necessário, portanto, que a racionalidade individual seja controlada

por meio de agências externas ao indivíduo, para que a tragédia dos bens

comuns não aconteça. Para ele isso se daria através de duas formas: 1)

autoridade central estatal ou 2) por meio da privatização. A idéia de

regulação formulada por atores externos, baseada em sanções, induziria o

comportamento dos indivíduos a favor da cooperação entre os mesmos,

sendo então possível o manejo sustentável de recursos de uso comum.

Na verdade, Hardin (1968) debate sobre “escolhas” racionais, mas

acaba fazendo previsões baseadas numa lógica individual determinista, que

não deixa espaço para os indivíduos realmente escolherem, já que

acabariam agindo em beneficio próprio.

Na metade da década de 1960 iniciam-se as discussões acerca dos

problemas ambientais e os limites do crescimento econômico, sendo que o

trabalho de Hardin (1968) gera bastante influência em grupos decisórios

acerca da problemática ambiental.

2.6 REGIMES DE DIREITO DE PROPRIEDADE

A tragédia dos [bens] comuns, de Garret Hardin, foi publicada há 22 anos. Embora enfocando a superpopulação, o legado dominante desse trabalho foi a metáfora do manejo de recursos de propriedade comum [ou bens comuns]. Nesse período, as idéias popularizadas por Hardin tornaram-se explicações amplamente aceitas a respeito da sobreexploração de recursos manejados de forma comunal. A idéia essencial era a de que tais recursos, como oceanos, rios, atmosfera e áreas de parques, são sujeitos a maciça degradação (FEENY et al., 2001, p.17).

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33

Feeny et al.(2001), em seu artigo intitulado “A tragédia dos comuns:

vinte anos depois”, criticam a visão catastrófica de Hardin (1968), afirmando

que o autor considera livre acesso, que seria um regime de direitos de

propriedade, equivalente à bens comuns, relativo à natureza física do

recurso. Para tanto, Feeny et al.(2001) define bem comum como “uma

classe de recursos para a qual a exclusão é difícil e o uso envolve

subtração” (BERKES et al., 1989, p.89 citado por FEENY et al., 2001, p.20).

Assim, a exclusão de potenciais usuários ao acesso de recursos

comum é custosa e muitas vezes impossível, como por exemplo, o controle

de vidas selvagens ou águas subterrâneas; outra característica do bem

comum, apresentada na definição, seria a subtração, que significa que cada

usuário ao explorar determinado recurso tem a capacidade de subtrair parte

da prosperidade do outro, ou seja, “o nível de exploração de um usuário

afeta adversamente a habilidade de exploração de um outro usuário”

(FEENY et al., 2001, p.20).

Os autores apresentam quatro tipos de regimes de direitos de

propriedade (FEENY et al., 2001, p.20-21):

a) livre acesso: caracterizado pela ausência de direitos de

propriedade, como acontece com a pesca em regiões oceânicas;

b) propriedade privada: a exclusão de terceiros é decidida e regulada

por um indivíduo ou por um grupo de pessoas, como empresas;

c) propriedade comunal ou comunitária 20: seria um regime identificado

por sua exclusividade e regulação no uso dos recursos manejados. Essa

exclusão e regulação seriam feitas por uma “comunidade identificável de

usuários interdependentes”;

20

Schmitz et al. (2009) defende que o termo seja grafado como “propriedade comunitária” para dirimir

confusões. Neste trabalho utilizamos o termo “propriedade comunitária” ao invés de comunal.

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34

d) propriedade estatal: os direitos aos recursos são exclusivos do

governo e caberia ao mesmo decidir sobre o acesso e a natureza de

exploração desses recursos;

Os quatro tipos de regimes de propriedade apresentados são tipos

analíticos ideais, ou seja, não se apresentam dessa mesma forma na

realidade. Muitas vezes existem casos de sobreposição, além de existirem

casos onde esses regimes são conflitantes entre si, sendo que há variações

nesses regimes (FEENY et al., 2001).

Além do mais, a administração estatal, como defendida por Hardin

(1968), não necessariamente assegura o uso sustentável dos recursos. Um

dos problemas freqüentemente evidenciado é a grande quantidade de

regulações de uso. Em regiões do sul da Ásia e da África, onde o regime

vigente era de propriedade estatal, constatou-se exploração de áreas

florestais de maneira clandestina (FEENY et al., 2001).

[...] Isso não surpreende se considerarmos que os agentes

governamentais que tomam as decisões não possuem o mesmo

horizonte de tempo ou mesmos interesses dos proprietários

particulares, do público em geral, ou mesmo do próprio governo.

A propriedade estatal é raramente associada ao manejo bem sucedido

em países menos desenvolvidos. A infra-estrutura profissional responsável

pelo manejo de recursos no organograma estatal normalmente é pouco

desenvolvida e a imposição de normas é problemática. (FEENY et al., 2001,

p.30-31).

A lógica do argumento da “Tragédia dos [bens] comuns” é que

proprietários particulares ou gerentes estatais podem e normalmente

conseguem manejar recursos com sucesso. Ou seja, os dois regimes de

direitos de propriedade providenciariam os incentivos para o uso regulado de

forma consistente com a sustentabilidade. Hardin implicitamente argumenta

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35

que tais incentivos seriam ausentes ou frágeis em outros regimes (FEENY et

al., 2001, p.31).

Hardin (1968) não consegue afirmar claramente que os prejuízos de

livre acesso estão relacionados à ausência de direitos de propriedade, ou

seja, na liberdade do acesso e não no uso comum dos recursos. Assim, o

regime de propriedade comunal (ou comunitária) “se refere aos arranjos de

direitos de propriedade nos quais grupos de usuários dividem direitos e

responsabilidades sobre os recursos” (MCKEAN e OSTROM, 2001, p.80).

Além do mais, Hardin (1968) não considera a possibilidade de

exclusão de usuários em um regime de propriedade comunitária. Para

Hardin (1968) somente a propriedade estatal ou privada é que possibilitaria

um controle sobre os recursos. “O argumento do autor negligencia o

importante papel de arranjos institucionais que geram exclusão e regulação

de uso [em propriedades comunais]. [...]. O sucesso pode ser identificado

em três, e não somente dois regimes de direitos de propriedade” (FEENY et

al., 2001, p.32).

2.7 GESTÃO COLETIVA DE BENS COMUNS E ARRANJOS INSTITUCIONAIS

Arranjos institucionais são um conjunto de regras formais e informais

que são estabelecidas e seguidas pelos usuários no que diz respeito à

exploração do recurso comum (TUCKER e OSTROM, 2009). Assim os

arranjos institucionais se baseiam na composição de elementos como:

“assembléia, negociação, decisão, acordos, regras, monitoramento, sanções

e instâncias de fácil acesso para a resolução de conflitos” (SCHMITZ et al.,

2009). Experiências de sucesso de arranjos institucionais em regimes de

propriedade não são incomuns.

Em vários países regimes de propriedade comunitária foram

desconsiderados pelas políticas públicas, seja por desconhecê-los ou

ignorá-los em função, também, das discussões promovidas por Olson (1998)

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36

e Hardin (1968). Foram apresentadas soluções, para o manejo de recursos

naturais, baseadas na propriedade privada e/ou pública devido a uma

suposta eficiência na regulação e proteção desses recursos. O

deslocamento de direitos de propriedade de grupos tradicionais sobre

recursos comuns para outros grupos de usuários acabou por afetar os

arranjos institucionais como monitoramento e sistemas de exploração,

diminuindo a eficácia do manejo anteriormente utilizado pelas comunidades

tradicionais (MCKEAN e OSTROM, 2001).

Estudos de casos ilustram que as populações podem organizar e

monitorar o uso dos recursos pelos seus membros. “Uma diversidade de

sociedades no passado e no presente tem, de forma independente,

elaborado, mantido ou adaptado sistemas comunais voltados ao manejo de

recursos de propriedade comum”. Assim, essas populações podem realizar

uma gestão de bens comuns bem sucedida. (FEENY et al., 2001, p.32)

Com relação à gestão, Schmitz et al. (2009, p.278) defende que se

use o termo gestão coletiva de bens comuns ao invés de gestão

comunitária, pois a primeira seria caracterizada pela atuação de vários e

diferenciados atores em um território, sendo que esses atores ou grupos

muitas vezes possuem interesses diferentes e até opostos entre si. Assim,

para Schmitz et al. (2009, p.279), gestão coletiva de bens comuns seria “um

resultado de um processo de interação entre os indivíduos ou grupos para

uso desses mesmos bens”.

Exemplos de gestão de bens comuns são apresentadas por Ostrom

(1998) 21 que se destaca por criticar a visão de que o uso comum, por

exemplo, de uma área de pasto, de peixes e outros bens, não poderiam

funcionar se fossem regulamentados coletivamente, já que segundo Hardin

(1968) a gestão coletiva de bens comuns estaria fadada ao fracasso.

21

Nota de aula referente a disciplina Temas Avançados em Sociologia – Ação Coletiva, ministrada pelo

professor Heribert Schmitz no dia 24 de setembro de 2009

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37

Exemplos de florestas e prados em comunidades japonesas, em

regime de propriedade comunitária, definiam datas para o fim e o início para

a exploração de determinado recursos. Guardas fiscalizavam e puniam caso

as regras fossem descumpridas. Havia uma escala gradual de multas aos

infratores. As ferramentas da coleta também eram reguladas. Assim,

normatizações legisladas pelos comunitários garantiam o uso sustentável

das terras comuns por gerações (McKean, 1982 citado por FEENY et al.,

2001, p.28).

Alarmados pelos crescentes número de usuários e escala de conflitos,

os pescadores em Alanya desenvolveram um sistema para regular o uso:

áreas de pesca eram situadas de maneira suficientemente distantes para

evitar interferências, e os pescadores concordavam entre si em pescar em

regime de rotação para assegurar igualdade de acesso ás melhores áreas,

sendo a posições iniciais determinadas por lotes mapeados (FEENY et al.,

2001, p.29).

Ostrom (1998) cita alguns exemplos de gestões coletivas bem

sucedidas a partir de Netting (1976), como no vilarejo Törbel, na Suiça. O

vilarejo possuía associações, regimentos e regras de parentesco bem

definidas inclusive visando estrangeiros. O número de vacas deveria ser de

acordo com a alimentação desses animais, além de serem aplicadas multas

aos infratores de direitos de propriedade (havia um oficial local que multava

e ficava com parte da multa como pagamento). Havia também um sistema

de heranças, no qual todos os filhos não podiam dividir os bens até que

ficassem adultos. Por fim, este é um exemplo de que os próprios moradores

podiam administrar o bem comum.

As condições que promovem o uso coletivo são abordadas por vários

autores, como Netting (1976) 22, que argumentam que formas comunitárias

de posse de terra são mais apropriadas quando: (1) o valor da produção por

22 Nota de aula referente a disciplina Temas Avançados em Sociologia – Ação Coletiva, ministrada pelo

professor Heribert Schmitz no dia 24 de setembro de 2009.

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38

unidade de terra é baixa; (2) a freqüência ou a confiabilidade do uso ou da

colheita é baixa; (3) a possibilidade de melhoria ou intensificação é baixa; (4)

um território grande é necessário para o uso efetivo; (5) grupos

relativamente grandes são requeridos para atividades de investimento de

capital. Lembrando que isso são apenas tendências ou indicações, não

significa que sempre será assim nesses moldes.

Ostrom (1998) dá outros exemplos e diz que no Japão em uma região

montanhosa havia três vilarejos (Hirano, Nagaike e Yamaroka) que tinham

características semelhantes ao exemplo anterior: havia terras comuns na

parte de cima e propriedades privadas na parte debaixo das montanhas. As

terras comuns, que não eram pastos, tinham bastantes florestas de onde

retiravam madeiras, plantas apodrecidas para adubo, carvão vegetal etc. A

terra comum atende as cinco condições que Netting (1976) apresenta

anteriormente.

A base do cálculo de bens (distribuição de riquezas) era de acordo

com o cume (grupo de lares) e este não poderia aumentar segundo as

regulamentações do vilarejo. Para cada cume foi designado um sistema de

rodízio para o uso da floresta evitando que uns utilizassem áreas com

madeiras mais nobres do que outros. Além do mais, somente uma doença,

tragédia ou ausência de adultos era considerado como desculpa para

ausência no trabalho coletivo.

Cada vilarejo possuía seu próprio sistema de monitoramente e

sanção. Havia detetives que os vilarejos contratavam para evitar a entrada

de estrangeiros ao vilarejo. Os detetives confiscavam os cavalos e materiais

dos transgressores, sendo que essas posses só eram liberadas quando o

transgressor pagasse uma multa ao vilarejo. Existia uma multa que bania e

expulsava o infrator do vilarejo.

Um terceiro exemplo é o da Huerta de Valência, na Espanha, onde

existem relatos de tempos remotos onde regulamentos formais

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39

especificavam quem usava e quem tinha direitos de usar os canais de água

de valência (sistemas de irrigação). Os agricultores eram organizados por

comunidades de irrigação com a presença de síndicos (a organização não

era apenas uma questão técnica, mas também de usuários). Aqui também

havia um tribunal das águas que se encontravam durante séculos nas

terças-feiras no mesmo lugar, aonde eram eleitos os síndicos e funcionários

para tomar conta desses canais. Existiam multas para a manutenção do

sistema: o sindico recebia 2/3 da multa e 1/3 para o denunciante, porém as

multas aplicadas eram baixas.

Outro exemplo, agora na realidade brasileira, se refere ao manejo

tradicional praticado por catadoras de mangaba 23, há décadas, e que

conseguem aliar “o extrativismo da mangaba à coleta de produtos de

manguezal, à pesca, à agricultura, ao artesanato e ao assalariamento no

turismo” (SCHMITZ et al., 2009, s/p).

Teóricos que tratam de questões envolvendo a reciprocidade

relativizam as visões de Hardin (1968) e de Olson (1998), baseadas em

escolhas racionais, pois demonstram que o indivíduo em processos

associativos (formais e informais) tendem a cooperar ou não baseados na

ação do outro (AXELROD, 1984) 24.

Sabourin (2006) demonstra que existem práticas de ajuda mútua rural

no mundo moderno que evidenciam a lógica da reciprocidade (dar, receber e

retribuir). O autor se refere, por exemplo, a atividade rural denominada

mutirão, onde grupos se unem para agir em prol do próprio grupo ou de

determinado indivíduo, na qual existe uma cooperação baseada em

obrigações sociais.

23

Estudo realizado em alguns estados da região Nordeste brasileira.

24

Baseado no modelo “tit for tat” (olho-por-olho), que estipula que se um indivíduo coopera em determinada

situação o outro tende a cooperar, caso contrário, se o individuo não coopera o outro também passa a não

cooperar.

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40

Isso, portanto, evidencia a possibilidade de ações coletivas bem

sucedidas, apesar dos dilemas que cercam estas ações.

Conseqüentemente, a gestão coletiva de bens comuns pode ser realizada

de forma satisfatória ou não, dentro das especificidades situacionais. Assim,

o objetivo deste estudo é justamente demonstrar como é realizada a gestão

coletiva de bens comuns na RESEXMAR de Maracanã.

2.8 CONFLITO

Filosofias sociais, mais especificamente o darwinismo social,

influenciaram pensadores a formular teorias que comparavam dinâmicas de

sociedades animais com a lógica do sistema social. Os mais aptos

sobreviveriam na luta pela vida, havendo então uma seleção natural dos

melhores. Assim conflitos entre diferentes raças humanas, baseadas nas

diferenças biológicas, poderiam ser justificados. Com o desenvolvimento de

teorias sociais, o conflito passa a ser analisada a partir de perspectivas

sociológicas e não mais ideológicas (BIRNBAUM, 1995).

Para Birnbaum (1995), Hobbes, ao colocar “os problemas do

fundamento da ordem”, é o primeiro a abordar o problema a partir de uma

perspectiva sociológica. Segundo Birnbaum (1995), Hobbes afirma que, em

uma “sociedade natural”, o homem vive pelas suas paixões e uso da força e

que só através da abdicação desses impulsos poderia ser instaurada uma

paz civil e prosperidade coletiva. Para Hobbes, somente o poder político

absoluto poderia exercer o domínio e controle social sobre os homens.

Para Auguste Comte, ao contrário de Hobbes, não seria necessária

uma coerção externa absoluta para que se instaurasse a ordem, pois com a

evolução gradativa da sociedade e com o crescimento do positivismo25 e da

racionalidade, estariam postas as condições necessárias para o

desenvolvimento de uma sociedade pacífica. Já “Marx e Tönnies, [...],

25

“O positivismo constitui [um]a corrente filosófica [...], tendo como hipótese central [...] que a sociedade

humana é regulada por leis naturais que atingem o funcionamento da vida social” (MINAYO, 1996, p. 39).

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41

invertem a dicotomização social proposta por Hobbes” e defendem que “[...],

a guerra de todos contra todos desencadeia-se na sociedade baseada na

propriedade privada e não na comunidade natural” (BIRNBAUM, 1995, p.

250).

De acordo com Birnbaum (1995, p. 252-253), Durkheim, de corrente

funcionalista, estudava os meios para manter a sociedade integrada e

dotada de uma ordem social. A unidade social deveria ser assegurada por

princípios de integração social. Para Marx “[...], uma sociedade que tenha

abolido a propriedade privada consegue eliminar as dissensões; [...]”,

enquanto que para Durkheim “[...], a erradicação do confronto está

associada à implementação funcional da divisão do trabalho social”.

Segundo Giddens (2005, p.35), “os sociólogos que empregam teorias

do conflito enfatizam a importância de estruturas dentro da sociedade”. A

sociedade é analisada através de modelos explicativos de funcionamento,

onde são destacadas questões relacionadas ao poder, lutas e

desigualdades. O que causariam os conflitos seriam os diferentes interesses

em relação a um determinado objeto em disputa, além do que sempre

haveria um grupo em desfavorecimento se relacionado a outro.

Sendo assim, os teóricos do conflito

examinam as tensões entre grupos dominantes e desfavorecidos dentro da sociedade e buscam compreender como as relações de controle são estabelecidas e perpetuadas. [...]. Em todas as sociedades há uma divisão entre aqueles que mantêm a autoridade e aqueles que são largamente excluídos dela, entre os que fazem regras e os que obedecem elas (GIDDENS, 2005, p.35).

A sociologia do conflito social que questiona a estrutura funcional da

sociedade, ganha corpo a partir da década de 1950 no ocidente

(BIRNBAUM, 1995). Ralf Dahrendorf, influenciado por Max Weber, afirmava

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42

em sua obra 26 que teóricos do funcionalismo consideravam apenas

aspectos como harmonia e concordância nas sociedades estudadas.

Segundo Ralf Dahrendorf a vida social também é marcada pela divisão e

pelo conflito. Para ele, o conflito, entre indivíduos e grupos, surge a partir

dos diferentes interesses que estes possuem. Para Marx, as diferenças de

interesses estavam ligadas principalmente à classe social, enquanto que

para Dahrendorf essas diferenças estavam ligadas à autoridade e ao poder

(GIDDENS, 2005).

Simmel (1983) 27, ao defender uma natureza sociológica do conflito,

afirma que ele é uma forma de interação, de associação e que as causas do

conflito, como inveja, necessidade, ódio ou desejo, são fatores de

dissociação. Ele atribui ao conflito uma natureza dualística, tanto negativa

quanto positiva, e pretende ressaltar a positividade do conflito, já que

teoricamente a tendência é que os aspectos negativos sejam mais

percebidos.

O conflito é percebido por este autor como um fenômeno que produz

estruturas sociais em cooperação com “forças unificadoras”. O conflito,

segundo ele, seria um fenômeno capaz de integrar grupos e indivíduos. Esta

força ou fenômeno seria inerente as relações sociais e os seres humanos

não poderiam viver sob a forma de “um grupo absolutamente centrípeto e

harmonioso, uma união pura não é só empiricamente irreal, como não

poderia mostrar um processo de vida real” (SIMMEL, 1983, p.124)

Para ele as mudanças e o próprio desenvolvimento das sociedades

estão de fato ligados a discordâncias, a diferenciações de pensamento e ao

próprio conflito. Ele via a “unidade” social como uma conseqüência de

disputas de interesses, já que seria a partir da verbalização ou

26

Classe e Conflito de classe na sociedade Industrial, publicada em 1959.

27

Publicado originalmente em 1908.

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43

externalização da insatisfação, de um indivíduo ou grupo, que não nos

tornaríamos oprimidos e nem nos sentiríamos vítimas das circunstâncias.

Como o conflito nasce a partir das relações sociais, Simmel (1983) diz

que “tendências contraditórias coexistem” (p.131) e se complementam no

interior de outros tipos de relações. Comparativamente ele afirma que

relações do tipo eróticas se complementam “por meio de traços opostos; de

amor e de vontade de dominar ou necessidade de dependência” (p.130).

A mistura de relações harmoniosas e hostis, todavia, apresenta um caso nos quais as séries sociológica e ética coincidem. Começa com a ação de A em beneficio de B, desloca-se para o beneficio do próprio A sem beneficiar B, mas também sem prejudicá-lo, e finalmente torna-se uma ação egoísta de A à custa de B. Na medida em que tudo isso é repetido por B, embora dificilmente do mesmo modo e nas mesmas proporções, surgem as combinações inumeráveis de convergência e divergência nas relações humanas (SIMMEL, 1983, p.132).

Com isso ele se refere as incoerências e dualidades presentes nos

indivíduos e nas suas relações sociais, e portanto presentes no conflito.

Simmel (1983, p.122) acha que o conflito é “um modo de conseguir algum

tipo de unidade, ainda que através da aniquilação de uma das partes

conflitantes”.

Para Glasl (1997:90-93 citado por SCHMITZ et al., 2008) o conflito

necessita de vários fatores para acontecer, não podendo ser reduzido a

apenas uma causa. O conflito para este autor seria definido “como uma

interação entre atores na qual pelo menos um deles vivencia

incompatibilidades no pensamento, na representação, na percepção, no

sentimento ou no querer com um outro, assim que na ação ocorre um

impedimento através do outro” (GLASL, 1997:14-15 citado por SCHMITZ et

al., 2008).

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44

Baseando-se em Simmel (1983) e Glasl (1997 citado por SCHMITZ et

al., 2008), o conflito pode ser considerado como

“[...] uma parte integral da vida organizacional, tanto nas relações internas e externas de indivíduos e grupos, quanto entre organizações. O conflito ocorre muitas vezes porque diferenças de opiniões e concepções sobre temas e iniciativas entre grupos e pessoas não são tratados devidamente” (SCHMITZ et al

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45

3. O MUNICÍPIO E A RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE MARCANÃ

Neste capítulo descrevemos, com mais detalhes, as gestões

identificadas durante a realização da pesquisa: oficial, comunitária e

consuetudinária. Detalhamos também as visitas as comunidades estudadas,

além de apresentarmos um tópico destinado a discussão e sistematização

dos dados obtidos.

3.1 CHEGANDO AO MUNICÍPIO

Para se chegar ao município de Maracanã existem atualmente dois

meios de transporte terrestre: um é através da linha Belém-Maracanã que é

realizada pela empresa de ônibus “Estrela do Mar”, que alcança seu destino

em aproximadamente quatro horas; o outro é através de “vans” que fazem o

mesmo percurso em torno de três horas.

O município possui duas realidades distintas, mas que coexistem: a

rural e a urbana. Ao adentrar em Maracanã pela rodovia PA - 127 logo se

percebe uma extensa área de mata nativa onde são encontrados clarões

que abrigam pequenas casas de alvenaria, madeira ou taipa. Os quintais

das casas são repletos de pequenos animais domésticos como aves e

suínos.

Além disso, existem pequenos lagos naturais, cercados pela

vegetação, onde as pessoas tomam banho e lavam roupas. Nos domínios

do município a rodovia PA-127 é dividida por quilometragem e ao longo

desta existem caminhos feitos de piçarra ou barro batido que levam a outras

ruas e casas.

No decorrer da rodovia mulheres andam no acostamento com latas de

água na cabeça e são acompanhadas de crianças; ciclistas transportam

alguns objetos como lascas de madeira para produção de carvão; comércios

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46

residenciais vendem alimentos básicos como farinha, óleo de cozinha, sal,

açúcar e bases protéicas.

Há, ainda, pequenas escolas de alvenaria de ensino fundamental que

foram pintadas em três cores: branco, vermelho e um azul berrante.

Algumas dessas escolas levam o nome de personalidades políticas do

município. Também pela rodovia, nos altos, são percebidas caixas de água

responsáveis pelo abastecimento e distribuição desta aos moradores.

No final da estrada chega-se a área urbana de Maracanã, próximo ao

rio de mesmo nome, onde encontramos: a feira local, o serviço de postagem

de cartas, as lan houses, os pequenos comércios, hotéis e pousadas, as

igrejas católica e evangélica, as sedes de clubes de futebol, concessionárias

de água, energia e gás, posto de saúde, as duas escolas públicas (uma que

possui ensino fundamental e a única escola que detêm o ensino médio do

município), a sede da prefeitura e da câmara municipal e um banco

comercial que existe na cidade. Todos esses serviços e espaços atraem as

pessoas que vivem nas comunidades rurais dentro e fora da zona de

amortecimento da reserva.

A pequena área urbana tem ainda uma orla turística e uma praça, esta

última é um espaço de sociabilidade juvenil e de constantes festividades

“modernas” acompanhadas pelo tecnobrega 28. A praça também abriga a

igreja católica, sendo que enquanto os cultos são ministrados não pode

haver nenhum tipo de interrupção por parte das aparelhagens de som. Elas

devem aguardar até que o culto termine para que a festa possa ser iniciada.

É um tipo de acordo mútuo. Os jovens, os padres e as agradáveis senhoras

devotas agradecem.

Algumas organizações sociais dos extrativistas também se encontram

na zona urbana: dentre elas temos o Sindicato de Trabalhadores Rurais, a

28

Ritmo musical pertencente ao estado do Pará que é caracterizado por batidas eletrônicas e

dançantes.

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47

Colônia de Pescadores Z-7, o Sindicato dos Pescadores Artesanais e

Aquicultores (SIPAAM) e, por último, a Associação dos Caranguejeiros.

Todas essas organizações fazem parte do chamado conselho deliberativo

da RESEXMAR de Maracanã 29, exceto a Associação dos Caranguejeiros.

Da pequena zona urbana do município em direção as comunidades

rurais é necessário seguir em direção a feira, adentrá-la e tomar um caminho

que fica logo atrás do mercado municipal, aonde se encontra mais

comerciantes, dentre eles os peixeiros. Estes comercializam seus produtos

em um local que é coberto com telhas e construído com madeira. É também

o lugar onde os pescados são pesados assim que chegam. Abaixo deste

local e a frente está o imenso e belo rio Maracanã. Esta casa de pesagem

do pescado é ligada a um trapiche que se torna pequeno comparado a

quantidade de barcos que aportam nele.

Os barcos a motor têm um horário único para fazerem a travessia.

Esses barcos são propriedades dos próprios pescadores locais, ou seja, não

existe um transporte fluvial municipal. Uma alternativa, caso se perca o

barco, é a lancha, porém a travessia se torna bem mais cara. Para que os

jovens estudantes sejam transportados da área rural até a cidade, a

prefeitura freta barcos dos próprios comunitários para fazer o traslado. Aliás,

é necessário que se conheça os regimes da maré para não que se perca o

barco, pois na maioria das comunidades eles só passam uma vez ao dia! Os

horários dos barcos mudam de acordo com a vazante e enchente, eles

podem chegar uns 20 minutos mais cedo ou mais tarde. E esse horário pode

variar ainda mais.

Do trapiche ao barco a motor, é necessário saber qual deles vai

passar pela comunidade que se pretende chegar. Após o pagamento no

valor de R$2,00 e a lotação ser completada a viagem pela orla do rio

Maracanã se inicia. O motor anuncia a partida. De um lado está a área

29

Criado e aprovado em 16 de outubro de 2009.

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48

urbana assentada em um terreno acima das águas (algumas partes é visível

o assoreamento), do outro a vegetação de manguezais e plantas aquáticas.

A viagem para a comunidade de São Tomé, a primeira parada, dentre

as outras comunidades existentes, leva em torno de 20 a 30 minutos, mas

na viagem esse tempo é imperceptível. As brincadeiras pueris dos botos, as

pequenas ondulações do rio provocadas pelo andar do barco, o silêncio das

pessoas durante a condução ajudam na perda da percepção do tempo.

Na pequena praia, de água salobra, onde os passageiros

desembarcam para se dirigirem a comunidade de São Tomé, parte inicial da

areia é avermelhada causada pela dinâmica da maré que despedaça

pequenas pedras que acabam por se espalhar tanto dentro da água, quanto

na areias próximas, ocasionando a coloração característica daquela praia.

Logo à frente, do lado esquerdo, temos um pequeno estaleiro, onde se

consertam e constroem os barcos. Do lado direito, nos altos de uma encosta

assoreada, temos uma placa deteriorada com um anuncio quase ilegível:

“Reserva Extrativista Marinha de Maracanã – Decreto Presidencial de

13/12/2002 – Acesso somente com autorização”, seguida de logomarcas do

CNPT, ARPA, IBAMA e MMA 30.

A placa que anuncia a reserva demarca seu fim e não seu início. Isso

porque a reserva extrativista é marinha, ou seja, é destinada a proteger

principalmente áreas alagadas, como nos mangues, e áreas marinhas. A

área de terra-firme, onde vivem os extrativistas, é considerada zona de

amortecimento. Esta zona se inicia onde a praia termina e continua 10 km

para o interior da área de terra-firme. Seu principal objetivo é mitigar

impactos ambientais para que eles não cheguem às áreas conservadas.

Seguindo o caminho de areia que logo é substituído pelo de barro

seco e amarelado, é possível avistar as primeiras casas dos moradores. O

30

Conselho Nacional de Populações Tradicionais, Programa de Áreas Protegidas da Amazônia, Instituto

Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, e Ministério do Meio Ambiente.

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49

caminho leva a uma estrada principal que obriga o visitante a escolher entre

a direita ou esquerda. Ao longo do percurso é possível observar os

instrumentos de trabalho dos pescadores próximos as suas casas: redes,

canoas e anzóis. Porém, nem todos são pescadores. Existem aqueles que

se denominam de caranguejeiros, mas que também utilizam outros recursos

naturais presentes em áreas de mangue como mexilhão, sernambi, turú e

siri. Também é praticado o extrativismo vegetal, em área de terra-firme,

onde se coleta mangaba, bacuri, jaca e outros.

A comunidade possui energia elétrica, água encanada (que não chega

para todos), escola com as séries iniciais, um campo de futebol, uma igreja

protestante, um espaço católico onde se realizam as missas e pequenos

comércios familiares que ocupam parte da casa do proprietário. Não existe

uma organização formal como uma associação de moradores, no entanto a

prática do mutirão com finalidade de roçado é bastante corriqueira. No

mutirão não existe partilha do que é plantado ou colhido. A retribuição em

forma de cooperação gira em torno da força de trabalho. Se se ajuda a fazer

roçado na área destinada de propriedade de uma família, esta, por sua vez,

tem a obrigação social de desempenhar a mesma tarefa na área de roçado

daqueles que a ajudaram.

As casas de alvenaria, as geladeiras e fogões, fornecidos dentro do

contexto da política de reforma agrária do INCRA 31, é um dos grandes

destaques da positividade da criação da reserva, segundo os próprios

moradores. Nem todos conseguiram o benefício, pois alguns não

acreditavam que haveria construções de casas e distribuição de materiais

para subsidiar a atividade pesqueira e, portanto, não realizaram seu

cadastro que seria incluído na Relação de Beneficiários (RB).

Entre as criações de animais encontram-se porcos, galinhas e patos.

A relação entre consumo e venda desses recursos varia. O peixe e outros

31

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

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50

recursos aquáticos são mais utilizados para venda, seguida da farinha e de

outros produtos de origem vegetal. Porém, a utilização desses recursos é

marcadamente para a subsistência.

O quintal também é fonte de alimentação. Existem plantações

próximas a casa que fornecem banana, abacaxi, limão e manga. Na roça, ou

“centro”, se planta mandioca, arroz, feijão e milho. É consenso entre os

moradores que o solo não fornece plantações com muita qualidade, pelo

menos não como já forneceu anteriormente. É também comum se ouvir falar

sobre a escassez de determinadas espécies de pescado ou de sua

diminuição drástica ao longo dos últimos anos. O caranguejo também é alvo

deste impacto, tanto na sua diminuição em tamanho, quanto em volume.

Para a mitigação desses impactos a reserva ainda se referencia em

seu plano de utilização, não possuindo ainda um plano de manejo, porém

este último ainda está sendo pensado e discutido no recém criado conselho

deliberativo.

3.2 POR UMA GESTÃO COMUNITÁRIA: O EXEMPLO DE ARICURU

Deixando a comunidade de São Tomé, via fluvial, e indo para a

próxima comunidade, a mais ou menos 30 minutos, se encontra Aricuru.

Durante a viagem vemos muitos currais ao longo da margem do rio,

parecem até fazer parte daquele ecossistema. Em Aricuru, ao se sair do

barco, é necessário subir uma pequena encosta para se chegar em terra-

firme. O visitante é saudado com outra placa indicando o fim da reserva

extrativista marinha e o início da zona de amortecimento. Lá do alto, olhando

o horizonte, vemos o rio Maracanã sumir por entre os manguezais

iluminados pelo dia claro.

As comunidades são constituídas por grupos de famílias que formam

um sistema de parentesco. Em Aricuru existem cinco famílias nucleares que

possuem entre si genros, noras, sobrinhos, netos, compadres e comadres.

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Ao total são 43 famílias que vivem nesta comunidade. A população é

bastante jovem e constituída de muitas crianças.

Nesta comunidade existe água encanada (não chega para todos),

energia elétrica, escola com as séries iniciais provida pelo município, um

clube e um campo de futebol. Existe ainda uma escola de reforço para as

crianças, na qual as professoras são as próprias moradoras da comunidade,

uma mini-biblioteca chamada “Espaço de Leitura Paulo Freire”, o Salão São

Benedito que possui uma sede espaçosa onde são realizadas reuniões e

festividades religiosas, e a Associação de Pescadores e Agricultores de

Aricuru (APEAGA). Toda essa formação de organizações de base

comunitária pode ser atribuída a Coordenação de São Sebastião, fundada

pelos moradores e por duas freiras atuantes na comunidade, sendo que uma

delas nasceu em Aricuru. Elas e alguns moradores fazem parte da

Comissão Pastoral da Terra e de Pesca (CPT e CPP).

A ação coletiva nesta comunidade é caracterizada por um

engajamento feminino intenso. As mulheres se organizam também em um

grupo que utiliza recursos da floresta encontrados no campo da mangaba

para fazer remédios à base de plantas medicinais. O Centro Popular de

Orientação a Saúde (CPOS) possui sede própria e produz remédios de

forma artesanal, baseado em uma medicina popular, que é comercializado

entre os moradores. Essa organização também foi mobilizada pelas freiras

que atuam na comunidade. No centro são produzidas pomadas, pílulas de

creolina e de babosa, garrafadas e xaropes da casca de jatobá, de mastruz

e algodão. Existem dois tipos de xarope: os feitos a partir da casca de pau e

de plantas.

Temos conflitos que ocorrem, em sua maioria, nas comunidades que

estão em torno do campo da mangaba, mas que afetam aquelas que mesmo

distantes fazem uso dos recursos naturais do campo:

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(1) cercamento do campo da mangaba, campo este em que os

extrativistas coletam frutas como bacuri e mangaba;

(2) impedimento de acesso a Ilhas de mangabeira, provocado por um

fazendeiro da região;

(3) queimadas no interior do campo da mangaba para produção de

carvão;

(4) Coleta indiscriminada do bacuri, retirado por usuários externos a

reserva, quando o fruto ainda não está maduro. A prática consiste em

arrancar o bacuri “verde” e catalisar o processo de amadurecimento

utilizando o abafamento do fruto através de jornais e/ou enterrando-os, para

posterior comercialização. Além da perda no sabor original do fruto,

provocada por este processo, há uma perda no volume de recursos que é de

propriedade dos extrativistas;

Para tentar solucionar os conflitos os moradores de Aricuru e Espírito

Santo, junto às freiras, estão propagandeando a necessidade de tornar o

campo da mangaba uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)

que garanta o acesso dos extrativistas e defenda o campo de potenciais

usuários externos. São enviados convites a várias comunidades e

promovidas reuniões junta a Secretaria de Meio Ambiente do estado do Pará

(SEMA) para que se possa implementar a reserva no campo da mangaba.

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3.3 A GESTÃO OFICIAL E O PLANO DE UTILIZAÇÃO DA RESEXMAR DE MARACANÃ

O sistema de gestão oficial da reserva é baseado na atuação de três

organizações: ICMBio, AUREMAR e Conselho deliberativo. Cada

organização é responsável por fiscalizar e discutir assuntos emergentes

relacionados à reserva. O conselho deliberativo, enquanto principal arranjo

institucional, é composto por 27 entidades membros, além de um presidente,

sendo que este deve ser, segundo estabelece a legislação do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), o próprio gestor da reserva

extrativista que pertence ao quadro de funcionários do ICMBio. Antes da

criação do conselho as decisões eram tomadas em assembléias e reuniões

que, evidentemente, não envolviam todos os membros atuais.

As comunidades também fazem parte do conselho deliberativo através

de um sistema de representatividade. O sistema funciona assim: as

comunidades estão agrupadas em pólos, sendo que um pólo agrupa cerca

de 9 comunidades, mas existem pólos que agregam menos comunidades.

Ao total são 9 pólos que compõe a reserva e que fazem parte do conselho.

O nome de cada pólo leva o nome de algumas das comunidades. Há ainda

as comissões de fiscalização em cada pólo, no qual existe um representante

titular por pólo e os representantes suplentes que são distribuídos por

comunidade.

Os comitês de fiscalização também são um instrumento utilizado para

“engajar” os moradores no que diz respeito à proteção de recursos da

reserva e do seu entorno através de denuncias de irregularidades.

Para a fiscalização dos recursos da reserva foi realizado um curso de

formação de agentes ambientais promovido pelo IBAMA. O alvo deste curso

eram os próprios moradores. Eles tornar-se-iam fiscalizadores com poder de

advertir àqueles que não cumprissem as normas ambientais.

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Além da formação de comitês e agentes ambientais considera-se que

cada extrativista, morador das 75 comunidades, está inserido no sistema de

gestão da reserva como fiscal ambiental. Cada morador é considerado

responsável pela manutenção dos ecossistemas pertencentes a reserva

extrativista marinha e a zona de amortecimento, como consta no plano de

utilização (s/a):

Cada extrativista é um fiscal da Reserva, cabendo a qualquer um a obrigação de denunciar a AUREMAR, ao IBAMA, Delegacia Especializada em Meio Ambiente – DEMA e ao Batalhão de polícia Ambiental ou outro órgão competente as irregularidades que estejam sendo praticadas dentro ou no entorno da reserva.

O plano de utilização, como instrumento da gestão oficial, representa

as regras e condutas que o usuário deve conhecer e perpetrar em seu

cotidiano, mesmo que isso afete sua antiga relação com os recursos de uso

comum. Recursos de origem animal, mineral e vegetais são citados no plano

de utilização como recursos que devem ser protegidos.

No entanto, recursos de origem animal de áreas alagadas ganham

grande destaque, como peixe, camarão, siri, ostra, caranguejo e outras

espécies aquáticas. Recursos de origem vegetal são mencionados no plano

de maneira generalizada, não sendo destacados, de forma específica,

recursos de uso comum que estão presente no campo da mangaba como o

bacuri e a própria mangaba:

Não será permitido na Resex o desmatamento, corte de raízes, retiradas de cascas de mangue, devendo ser obedecida a legislação que trata do assunto.

Qualquer atividade ou projeto que pretenda manejar fauna silvestre ou flora nativa deverá ser encaminhado para análise e aprovação do IBAMA e posteriormente contemplado pelo Plano de Manejo da Reserva.

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Já os recursos de origem mineral como pedras, areias, seixos rolados

(a maioria destes recursos se encontram na zona de amortecimento) só

poderão ser retirados se a solicitação obtiver:

(a) o “aceite” da comunidade local;

(b) a aprovação da AUREMAR;

(c) a aprovação do CNPT/IBAMA.

No que diz respeito a aves, répteis (jacarés, camaleões, tartarugas) e

mamíferos (macacos, botos, guaxinins) o plano de utilização proibi

claramente a captura desses animais. Todavia, é preciso que os órgãos

competentes estejam atentos a práticas conduzidas por um protecionismo

excessivo já que, segundo uma moradora da comunidade de Aricuru, que se

identifica como agricultora, o aumento da população de cotias tem

provocado perdas significativas nas plantações dos agricultores, pois esses

animais se alimentam das produções das lavouras causando prejuízos aos

roçados. O aumento no número de guaxinins também tem se mostrado

problemático, pois eles se alimentam freqüentemente de crustáceos como

caranguejos e siris.

Esses animais, sem predadores naturais, e também sem o homem

para poder consumi-los, tornaram-se verdadeiras pragas aos extrativistas e

agricultores. Os objetivos conservacionistas da reserva sem dúvida tem

alcançado sucesso, no entanto os desejos para que se mantenha uma

“ordem natural” da vida silvestre tem se mostrado danoso ao próprio meio

natural, já que se continuar havendo um crescente aumento populacional de

guaxinins, por exemplo, isso poderá acarretar em diminuição de outras

espécies protegidas pela reserva como siris e caranguejos. Além do mais,

essas pragas estão afetando a já ínfima qualidade alimentar dos moradores

da reserva.

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3.4 PREOCUPAÇÕES COM OS BENS COMUNS

Da orla da cidade pode-se ver o rio Maracanã, que se encontra no

interior da reserva extrativista marinha. Ao longo da orla, próximo as

encostas 32, existem dois restaurantes em funcionamento: o “Beira Mar” e o

“Rola Papo”. Os dois restaurantes estão situados, em parte, na zona de

amortecimento (ou seja, em área de terra-firme), e em parte no interior da

reserva (nas encostas), sendo que as construções ou reformas realizadas

nesses imóveis sofrem fiscalizações por parte da Associação dos Usuários

da RESEXMAR de Maracanã – AUREMAR.

Não é permitido realizar construções ou reformas em áreas da

reserva, pois esta prática é considerada danosa aos ecossistemas. É

necessária uma autorização ambiental para construir ou reformar um imóvel

em áreas protegidas, caso contrário tal atitude é considerada infração

ambiental, sendo o “infrator” sujeito a sanções como multas.

Nesta mesma situação encontram-se extrativistas de comunidades

que possuem casas em praias, onde é proibida também a construção de

qualquer imóvel, já que o solo arenoso de praia passou a ser considerado

um ecossistema protegido e encontra-se no interior da reserva. Após a

implantação da reserva comunidades que residem em praias também se

tornaram infratoras, porém existe a possibilidade de requerimento de

licenças ambientais para construções nesses ambientes.

Para a obtenção da permissão de construção de ranchos de pesca,

casas de praia ou a reforma de imóvel em terrenos praianos é necessário,

segundo consta no plano de utilização da RESEXMAR de Maracanã (s/a,

p.2):

(a) o “aceite” da comunidade local;

32

Essas superfícies são intermediárias entre o rio Maracanã e a terra-firme e estão inseridas no interior da

RESEXMAR.

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(b) a aprovação da AUREMAR;

(c) a aprovação do conselho deliberativo da reserva;

(d) e, por fim, o licenciamento dos órgãos competentes, quando

necessário;

O próprio presidente da AUREMAR, Jeremias Correa, age como

fiscalizador ambiental, tendo autuado inclusive a prefeitura do município por

cometer irregularidades contra a reserva. Certa vez o próprio presidente

averiguava a construção de banheiros públicos, anexados a um ponto de

venda de passagens marítimas mantida pela prefeitura, que estavam

despejando dejetos diretamente no rio Maracanã.

A preocupação com a conservação dos espaços naturais é claramente

presente entre líderes, gestores e comunitários da reserva. A conservação

de bens comuns está intimamente ligada às preocupações com as gerações

futuras. O discurso ambiental mais recorrente faz referência à diminuição do

pescado e caranguejo, o que quer dizer que, em conseqüência disso, devam

existir ações com objetivos de proteção para estas espécies, como por

exemplo, através do defeso do caranguejo em sua época de acasalamento.

3.4.1 O mangue e o mar

O Suatá 33, como é conhecido, é um fenômeno de fertilidade dos

caranguejos e é caracterizado pela “andança” dos caranguejos-macho em

busca das “condessas” (caranguejos-fêmea), sendo que durante esse

período é regulamentada a captura destes animais 34.

Existem informações, por parte dos moradores, de que na reserva

ocorre efetivamente fiscalizações realizadas pelo Instituto Chico Mendes de

33

Esta palavra não existe no dicionário de língua portuguesa por isso é comum encontrá-la grafada de formas

variadas como: “Soutá” (SANTANA, 2006) ou “Soatá” (SANTOS, 2008).

34

O caranguejo-uçá fêmea está em defeso no período de 1ª de dezembro a 31 de maio de cada ano e o tamanho

mínimo para a captura de machos e fêmeas é de 6 cm. Para declarar o estoque, o catador ou comerciante

deverá dirigir-se às Superintendências nos estados (Diário do Pará, 2011).

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Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em relação à pesca artesanal e

em épocas de defeso do caranguejo, sendo a ação do órgão criticada por

um morador que se identifica como caranguejeiro e agricultor: segundo ele,

o órgão não entende as variadas épocas em que o ocorre o Suatá o que

ocasiona fiscalizações em períodos desnecessários, além de o calendário

do ICMBio não acompanhar a lógica da “andança” dos caranguejos nas

variadas comunidades, já que, a reprodução desses crustáceos ocorre em

dias diferenciados nas comunidades.

Áreas alagadas como rios, igarapés, mangues, ou terrenos arenosos

como os de praia, além de animais característicos destes ecossistemas

como tartarugas, peixes e caranguejos são focos ambientais na reserva.

Tomásia Oliveira dos Santos, extrativista vegetal e agricultora, moradora da

comunidade São Tomé, foi a primeira secretária da AUREMAR 35 e em um

de seus relatos também manifestou sua preocupação com a redução do

pescado atribuindo esta diminuição a duas causas:

(1) Ao constante assoreamento do rio Maracanã, devido à

grande quantidade de chuvas que já provocaram deslizamentos

de encostas no rio. Aliás, saindo da área urbana do município

em direção a comunidade de São Tomé é perceptível que

grandes partes das encostas sofreram perdas de sua matéria

arenosa, pois há enormes buracos nestas encostas;

(2) Existem espécies de peixes que se reproduzem na foz do rio

Maracanã, porém a reprodução destes peixes fica

comprometida devido à pesca comercial realizada por grandes

embarcações que utilizam redes de pesca proibidas pelo plano

de utilização da reserva, redes estas que impedem a passagem

de peixes do mar para o rio Maracanã. Além do mais, existe

35

A primeira diretoria da AUREMAR exerceu seu mandato durante três anos: de 2004 a 2007.

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ainda a falta de fiscalização por parte dos órgãos competentes

em áreas oceânicas;

3.4.2 Campo da Mangaba: gestões e conflitos

A RESEXMAR de Maracanã abriga o Campo da Mangaba que está

localizada em área de terra-firme, ou seja, na zona de amortecimento da

reserva. O campo é um espaço, onde se exercem atividades extrativistas

por diferentes comunidades e é também um espaço onde ocorrem conflitos

entre diferentes atores.

A maioria das comunidades está localizada ao redor do campo, mas

existem comunidades que se localizam no interior do mesmo como a de

Espírito Santo, ou “Mangueirão”, como também é chamada. No total cerca

de quinze comunidades se envolvem diretamente com atividades

extrativistas realizadas no campo.

Foram identificadas, atualmente, ameaças que o campo vem sofrendo

como: queimadas, loteamento, cercamentos, apropriação privada e indevida

do espaço coletivo, sendo que conflitos envolvendo cercamentos foram

identificados, de acordo com os entrevistados, desde a década de 80.

Conflitos envolvendo uma empresa de Belém e os extrativistas,

também são datados a partir da década de 80. Segundo alguns moradores,

a prefeitura de Maracanã estava envolvida na geração deste conflito, pois a

mesma arrendou o campo à empresa para que esta pudesse fazer

plantação de coqueirais. A Superintendência do Desenvolvimento da

Amazônia (SUDAM) teria sido responsável pela liberação de recursos

financeiros, mediante seus planos desenvolvimentistas, para a execução do

projeto. Porém, a monocultura promovida pela empresa não obteve sucesso,

já que o solo arenoso não era adequado para este tipo de plantação. A

empresa abandonou a área após sua ação devastadora que deixou grande

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parte do campo sem a vegetação original causando prejuízos àqueles que

viviam do extrativismo vegetal.

Este acontecimento ainda está muito presente na memória coletiva

dos extrativistas, pois esta história sempre é mencionada quando se

questiona sobre o campo da mangaba. O acontecimento marcou a

população local pela grandiosidade do projeto, já que o campo, além de ser

uma área muito grande, foi quase todo derrubado com o uso de tratores e

correntes. Além do mais, o empreendimento também contou com a

participação de extrativistas locais, que sobreviviam do campo, como mão-

de-obra para a derrubada da vegetação nativa e plantação de coqueirais.

Apesar deste acontecimento trágico, o campo se restituiu

naturalmente nas décadas seguintes a devastação. Porém, atualmente, o

campo ainda sofre com incêndios contínuos, tendo defensores que

argumentam que as queimadas são deliberadamente provocadas, enquanto

outros afirmam que os focos de incêndio acontecem por duas razões: uma

seria por causa da caça aos ovos de camaleão-fêmea que requer a

queimada do terreno para que os ovos, guardados em covas, fiquem

expostos; o outro motivo estaria ligado ao período de estiagem, pois as

queimadas são apenas incidentes causados por “pontas” de cigarros, que ao

atingirem a vegetação rasteira e folhagens secas, provocam os incêndios.

Aliás, essas alegações a favor de que existe alguém que

intencionalmente inicia os incêndios tornaram-se necessárias para aqueles

que defendem a criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável

(RDS) no campo da mangaba.

Apesar de estas queimadas anuais consumirem “mangabas que

estavam do tamanho de laranjas”, como afirmou uma catadora, estas não

são as únicas preocupações dos extrativistas locais, pois recentemente, um

fazendeiro “Gaúcho”, como é identificado, que se instalara na região, cercou

as ilhas de mangabeiras, onde ele reside, e proibiu a passagem de

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catadores por um caminho que dava acesso a essas ilhas, restringindo a

atividade extrativista e privatizando caminhos utilizados pelos moradores.

Ilhas de mangabeiras, como definiu uma moradora da comunidade

Espírito Santo, são algumas partes territoriais aonde se concentram as

plantações de mangabeira, pois essas plantações não estão em todo o

campo, apenas em algumas partes dele.

Os moradores de Espírito Santo, localizado no interior do campo, e de

comunidades próximas ao campo como Brasília e Vista Alegre presenciaram

recentemente a ação destruidora, por parte deste fazendeiro, do campo da

mangaba. O fazendeiro utilizou um trator para “limpar” uma parte do campo

com intuito de cultivar plantações de feijão, milho e soja. Ele propôs às

comunidades uma partilha da colheita em troca de permissão para usofruto

da terr. Isso seria conseguido através de um documento que solicitava aos

moradores suas assinaturas e suas identificações pessoais como a do

Cadastro de Pessoa Física (CPF) e do Registro Geral (RG). O documento

dava direitos ao fazendeiro para que ele pudesse fazer plantações em terras

comunais.

O acordo com os extrativistas asseguraria que o fazendeiro iria arar e

gradear a terra, serviços feitos com um trator para facilitar o manejo da terra,

e parte da produção obtida iria ficar com os moradores e a outra parte

deveria ser entregue exclusivamente à “Gaúcho”. Moradores de

comunidades como Brasília e Vista Alegre assinaram o contrato proposto

diferentemente de Espírito Santo que se recusou, pois os mesmos acharam

o acordo inconveniente, já que:

(a) O milho e o feijão só iriam ser colhidos por safra, e isso não

seria vantajoso para os moradores que precisariam dividir

seu tempo entre os cuidados com os seus roçados e com as

plantações de “Gaúcho”;

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(b) Outra desvantagem seria o fato de que a soja ocuparia uma

grande área da terra, novamente sem benefícios para os

extrativistas;

O conflito acabou ganhando proporções maiores e os moradores de

Espírito Santo levaram o caso à prefeitura e à delegacia do município. O

delegado local pediu ao fazendeiro que apresentasse um documento que

comprovasse a posse oficial da terra. “Gaúcho”, em resposta, disse que não

só tinha este documento como o havia registrado em cartório, porém o

delegado contra-argumentou dizendo que a área não poderia pertencer a

ele, este por sua vez tentou levar o caso ao fórum do município, no entanto

a juíza não foi localizada.

Neste caso, também houve a intervenção do IBAMA, porém mesmo

após essa intervenção o fazendeiro continuou no local e ainda impediu que

catadores de mangaba fossem até as ilhas de mangabeira, que ficava em

sua suposta propriedade, garantindo isso através de um caseiro e cães.

Os moradores compreendem o campo da mangaba como propriedade

comunitária pertencente aos extrativistas que vivem dele e é considerado

usuário externo: (a) aquele que não mora nos arredores do campo ou nas

comunidades próximas; (b) aquele que não pratica o extrativismo, que não

se identifica ou que não é identificado enquanto extrativista; Há ainda uma

condição de usuário baseada no tempo que o individuo já exerce esta

atividade.

Com relação à gestão consuetudinária, baseada na tradição, podemos

perceber sua manifestação através dos usos sociais como os de poços que

existem nas comunidades: o “poço do caju”, em Aricuru, que possui,

aproximadamente, um século de existência é mantido pelos próprios

usuários. A água do poço serve para tomar banho, lavar roupa e ingeri-la. O

espaço em torno do poço é comum, desde que não se esteja tomando

banho. Ao se aproximar deste espaço é necessário seguir regras de

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conduta: o usuário tem de saber se não tem alguém utilizando o espaço do

poço antes de adentrá-lo, pois pode haver alguém tomando banho. Para

saber se há alguém, é necessário que se emita um sinal audível como um

assovio ou um longo “uhuuu”. Assim, entendemos que o recurso água é

comum, assim como o espaço onde ele se localiza, porém a certos

momentos que este espaço não pode ser compartilhado por todos.

No que diz respeito aos regimes de propriedade de uso privado temos

como exemplo as roças e os quintais que são espaços destinados

exclusivamente à família nuclear. Isso não significa que não possa ser

partilhado se o proprietário achar que deva assim fazer. Em Aricuru os

quintais servem de caminho para os moradores. Existe uma estrada

principal que dá acesso a outros caminhos, porém aos quintais também é

atribuído este papel. Não existe cerca na maioria das propriedades onde se

localizam as casas. O que demarca os limites da propriedade podem ser

esteios, árvores ou plantas.

Nos quintais existem caminhos entre os capins altos que foram sendo

desenhados pelos que transitaram e transitam por ali. É evidente que o uso

comum da propriedade, como acontece com os quintais atualmente, já vem

sendo praticado há séculos. A concepção de propriedade parece ser uma

mescla entre o entendimento comunitário indígena e a que foi introduzida

pelos colonizadores quando estiveram na Amazônia.

É também por entenderem o território a partir de uma concepção de

propriedade comunitária que existem conflitos em torno das ilhas de

mangabeira: um fazendeiro sulista que se instalou em terras próximas ao

campo da mangaba impede o acesso de moradores às mangabeiras. Um

caminho muito utilizado pelos comunitários também foi alvo de privatização

por parte do fazendeiro que impediu que os moradores transitassem por ali

garantido isso através de cães de guarda e um caseiro.

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Além do conflito que acontece na zona de amortecimento, descrito

acima, existem conflitos envolvendo extrativistas e pescadores de grande

porte. Peixes que atravessavam águas marinhas para se reproduzir em

águas do rio Maracanã, ou próximas a ele, estão em constante diminuição,

já que a pesca predatória e empresarial em nível oceânico não é fiscalizada.

Em conseqüência, os extrativistas amarguram a diminuição do pescado em

suas redes e currais.

As gestões comunitária e consuetudinária prosseguem de forma

independente da gestão oficial da reserva, sendo que esta última ainda não

abarca as demandas sociais dos diversos extrativistas. A luta pela

transformação do campo da mangaba em RDS é um exemplo de que a

gestão comunitária está mais próxima dos moradores, apesar das grandes

distâncias entre as comunidades. Aliás, algumas comunidades são maiores

do que a zona urbana do município.

3.5 DISCUSSÃO E SISTEMATIZAÇÂO

Nesta pesquisa foram identificados três tipos de gestão: (1) um que

chamamos de oficial, (2) outro de comunitária e (3) por último um que é

baseado na tradição, chamada de consuetudinária. Chamamos atenção

para o fato de que existem oposições e um distanciamento entre a gestão

tipo 1 quando comparada as gestões de tipo 2 e 3. Neste trabalho entende-

se que o conceito de gestão coletiva de bens comuns engloba os três tipos

de gestões aqui apresentados.

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Figura 1 - Tipos de gestões identificados na RESEXMAR de Maracanã

GCBC

-----------------------------------------------------------------------

Legendas:

GCBC – Gestão Coletiva de Bens Comuns

G1 – Gestão de tipo 1 (oficial)

G2 – Gestão de tipo 2 (comunitária)

G2 – Gestão de tipo 3 (consuetudinária)

A gestão oficial (tipo 1) é caracterizada pela co-gestão ou parceria

composta pela tríade ICMBio, AUREMAR e Conselho deliberativo, este

último é composto de 27 entidade-membros 36. Este tipo de gestão

concentra suas ações na orientação do comportamento de indivíduos diante

de bens comuns e na fiscalização e punição daqueles que transgridem as

regras impostas no plano de utilização e nos regimentos internos.

36

Art.2º O Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista Marinha de Maracanã contempla as seguintes

representações: I - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio; II - Empresa de

Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará - EMATER; III - Marinha do Brasil / Capitania dos Portos da

Amazônia Oriental - CPAOR; V - Sindicato dos Pescadores Artesanais e Aquicultores de Maracanã -

SIPAAM; VI - Conselho Nacional de Seringueiros - CNS; VII - Prefeitura Municipal de Maracanã; VIII -

Igreja Católica / Diocese de Castanhal - Paróquia de São Miguel Arcanjo; IX - Igreja Evangélica Adventista,

como titular, e Igreja do Evangelho Quadrangular, como suplente; X - Associação dos Usuários da Reserva

Extrativista Marinha de Chocoaré-Mato-Grosso - AUREM/C-MG; XI - Colônia de Pescadores Z-07 de

Maracanã-PA; XI - Movimento dos Pescadores do Pará - MOPEPA; XII - Universidade Federal Rural da

Amazônia - UFRA; XIII - Universidade Federal do Pará - UFPA; XIV - Câmara Municipal de Maracanã-PA;

XV - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Maracanã; XVI - Associação dos Usuários da Reserva

Extrativista Marinha de Maracanã-PA - AUREMAR; XVII - Secretaria Estadual de Meio Ambiente - SEMA;

XVIII - Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG; XIX - Pólo Sede; XX - Pólo 40 do Mocooca; XXI - Pólo São

Roberto; XXII - Pólo Aricuru; XXIII - Pólo Tatuteua; XXIV - Pólo Penha; XXV - Pólo Mota; XXVI - Pólo

São Cristóvão; XXVII - Pólo Itamaraty (Portaria 59 de 29/07/2009).

G1

G2

G3

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Suas ações são pautadas em documentos oficiais que apresentam

distâncias consideráveis das realidades sociais. Os sistemas de uso comum

(ALMEIDA, 2008) não são contemplados pelo plano de utilização da reserva,

o que dificulta o entendimento, por parte dos gestores oficiais, de lógicas

sociais baseadas na tradição, além de que o sistema de co-gestão tem se

mostrado omisso com relação à resolução de conflitos no interior da reserva

e daqueles que ocorrem na zona de amortecimento.

A gestão comunitária, ou tipo 2, é composta pelos indivíduos das

comunidades estudadas, assim como suas organizações, algumas

devidamente formalizadas, como associações. Um aspecto importante é o

envolvimento de duas freiras, vinculadas a Comissão Pastoral de Pesca

(CPP) e Comissão Pastoral da Terra (CPT), que impulsionaram e ajudaram

na criação de várias organizações sociais na comunidade de Aricuru como:

(a) Associação de Pescadores e Agricultores de Aricuru (APEAGA),

criada em 1999. A APEAGA conseguiu adquirir um barco após sua

fundação, porém o barco está em desuso atualmente por

problemas técnicos. A associação tem sede própria.

(b) Coordenação de São Benedito, que é uma coordenação religiosa e

foi responsável pela construção do Salão de São Benedito e da

primeira Igreja Católica. Atualmente a segunda igreja está em

construção, ocupando uma área maior que sua antecessora;

(c) O Centro Popular de Orientação a Saúde (CPOS) foi criado para

auxiliar na prevenção e cura de doenças através da manipulação e

produção de remédios a partir de plantas medicinais. Grande parte

dessas plantas é conseguida no campo da mangaba. O CPOS

possui sede própria;

(d) O Espaço de Leitura Paulo Freire abriga uma pequena biblioteca e

uma pequena sala destinada ao ensino-aprendizagem de alunos

de séries iniciais e as professoras que lecionam nesta “pequena

creche” são moradoras da comunidade de Aricuru.

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Apesar dessas organizações se concentrarem na comunidade de

Aricuru, as ações das freiras, no que diz respeito ao campo da mangaba,

ultrapassam os limites da comunidade e envolvem cerca de outras quinze

que utilizam de forma direta o campo (OLIVEIRA et al., 2007).

Já a gestão consuetudinária apresenta características que não são

exclusividades de uma ou de outra comunidade. A gestão de tipo 3 foi

formatada ao longo de séculos, pois esta apresenta formas de

relacionamento entre indivíduos e bens comuns que remetem a preceitos

de gerações anteriores.

Imbricado a esse tipo de gestão está o chamado sistema de uso

comum (ALMEIDA, 2008) que possui por sua vez regimes de propriedade

(FEENY et al., 2001; MCKEAN & OSTROM, 2001) com regras sociais

específicas para os usos de bens comuns e que estão imbuídas de lógicas

de reciprocidade, comunitária e privativa (LUNA, 2004; ALMEIDA, 2004) .

Ao longo da pesquisa percebeu-se que a gestão de tipo 1 (oficial)

preocupa-se demasiadamente com os recursos naturais, não

compreendendo os sistemas sociais em torno de bens comuns, praticadas

na gestão de tipo 3 (consuetudinária).

Apesar de o conselho deliberativo ser composto por extrativistas é

necessário que se qualifique o debate em torno da real participação dos

mesmos em cenários de tomada de decisão.

Este trabalho não procurou através qualificar a participação dos

extrativistas em arranjos institucionais como no conselho deliberativo, porém

entendemos que a existência de espaços de decisão e de deliberação como

conselhos, assembléias e reuniões, que coordenam a vida organizacional,

presentes em reservas extrativistas, não significam necessariamente que

interesses e demandas provenientes de diferentes tipos de extrativismo

estejam sendo representados.

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Os conselhos podem ser tanto instrumentos que realizam uma gestão

democrática e participativa, quanto estruturas burocráticas formais que

apenas transmitem políticas sociais que muitas vezes não mediam conflitos,

tornando-se estruturas enfadonhas, além de gerar ônus para administrá-la.

Ou seja, o conselho em si, enquanto representante de um sistema

organizativo, não garante a participação (GOHN, 2001).

A gestão de tipo 2 (comunitária) busca instituir ações coletivas que

defendam direitos dos extrativistas ligados principalmente a questões

fundiárias e melhoria da qualidade de vida, que serão conseguidos através

da ação organizada. Apesar dos esforços deste tipo de gestão não existe

um reconhecimento das ações coletivas, desenvolvidas em comunidades

como Aricuru, por parte da gestão oficial. Não há uma interação entre estas

gestões que, muitas vezes, parecem estar em realidades paralelas. A falta

de um debate qualificado em torno de zonas de amortecimento e sua

funcionalidade para as unidades de conservação só aumentam o abismo

entre essas duas gestões.

A gestão de tipo 3 é invisibilizada quando comparada as outras duas.

Os sistemas de uso comum só podem ser percebidos e identificados em

contato com o cotidiano das comunidades. A percepção desses sistemas

também é escassa aos próprios moradores, pois estes sistemas encontram-

se de forma inter-relacionada com os afazeres habituais dos extrativistas

seja através de mutirões para cuidar do roçado, da manutenção e proteção

de plantações que se localizam no campo da mangaba (assim como dos

caminhos que dão acesso as ilhas de mangabeiras) ou na fundação e

manutenção de poços.

Na perspectiva da gestão consuetudinária o campo sempre foi dos

extrativistas que sobreviveram e sobrevivem dos recursos provenientes

deste ecossistema, inclusive no que se refere à manutenção e proteção do

campo contra usuários externos que sempre foi difícil e custoso.

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Em decorrência de conflitos que ocorrem constantemente no campo

da mangaba, a gestão comunitária, em consonância com a importância do

campo apresentada na gestão consuetudinária, propõe que o campo torne-

se uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). De acordo com a

gestão oficial o campo da mangaba faz parte da zona de amortecimento da

reserva, logo ele se encontra protegido pela mesma, porém existem conflitos

no campo que não são mediados por meio desta gestão.

No que diz respeito aos regimes de propriedade, estes retratam a

complexidade da relação entre as gestões aqui apresentadas. Os regimes

de propriedade apresentam-se sobrepostos na realidade e foram

identificados a partir do campo da mangaba:

(a) Propriedade estatal, já que o campo faz parte da zona de

amortecimento, segundo a gestão oficial;

(b) Propriedade comunitária de acordo com os sistemas de uso

comum perpetrados na gestão consuetudinária;

(c) Propriedade privada percebida em áreas de roçado e em

partes do campo que foi privatizado por um fazendeiro;

(d) Livre acesso, pois alguns atores (como no caso de um

fazendeiro que impediu o acesso de catadores às

mangabeiras) não reconhecem os direitos de propriedade

estatal ou comunitária;

A idéia de livre acesso permite privatização de partes de um território

de acordo com as vontades do ator, ou seja, ele pode privatizar partes de

uma região qualquer de forma momentânea ou duradoura. Como o ator

percebe que uma determinada região não possui “donos” claramente

definidos (através de um documento oficial, por exemplo) ele

deliberadamente o ocupa e o privatiza. E ele pode não ser o único a fazer

isso. Para facilitar o entendimento pensemos nas regiões oceânicas

inseridas na RESEXMAR de Maracanã: as “cidades flutuantes” são um

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aglomerado de barcos comerciais que se localizam no oceano próximo do

estuário de Maracanã. O oceano percebido como uma área de livre acesso

e dotado de bens comuns atrai empresas pesqueiras de grande porte que

competem entre si para a aquisição desses bens. O livre acesso, podemos

afirmar, de acordo com este exemplo, não é um regime caracterizado pela

ausência de direitos de propriedade, mas pela difusão e pelo não

reconhecimento mútuo desses direitos por parte dos atores envolvidos. Ou

seja, não há uma unidade entre os membros para competirem entre si

segundo regras estabelecidas, ao contrário do regime de propriedade

comunitária que estabelece regras e direitos que não são exclusivos de um

ou de outro, mas de um conjunto de sujeitos interdependentes que também

competem para a aquisição de bens, porém esta competição se baseia em

arranjos pré-definidos socialmente.

As beiras de praias na reserva podem parecer inicialmente uma área

de livre acesso aonde qualquer um pode colocar seu curral, já que não há

um controle aparente realizado pelos extrativistas, porém os lugares onde se

colocam os currais são privatizados pelos pescadores. Mesmo em um

sistema de uso comum (ALMEIDA, 2008) as privatizações de pequenas

áreas são praticadas. Elas demarcam as propriedades da família nuclear

garantindo assim o acesso a bens comuns. Comparando com o exemplo

anterior, o das “cidades flutuantes”, os currais são regidos por um sistema

que une para competir. Nos regimes de propriedade comunitária a rivalidade

no acesso aos bens não é percebida de forma negativa, porém isso também

depende da escalação da rivalidade, ou seja, depende de como ela é tratada

caso exista um desentendimento entre os atores envolvidos para que ela

não se torne um conflito.

Conflitos envolvendo regimes de propriedade não são incomuns. No

caso do campo, apesar de ele ser entendido por alguns moradores como

uma área pertencente aos que vivem e sobrevivem do extrativismo vegetal o

controle deste território apresenta complicações no que diz respeito à

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contenção de interesses externos (o que de certa forma também se pode

atribuir também ao tamanho do campo que é de 3.570, 78 ha).

Alguns atores entendem o campo como uma terra “sem dono” e que,

portanto, deve ser conservado e destinado aos extrativistas, porém outros

vêem nele a possibilidade de obtenção de lucros. Enquanto uns

compreendem o campo sob a ótica de uma propriedade comum, que possui

áreas familiares privadas, outros privatizam partes do campo com a intenção

de auferir lucros e impedem, através de cercas, que bens comuns possam

servir aos extrativistas. Esse tipo de prática não condiz com os direitos de

propriedade comunais exercidos pela gestão consuetudinária onde os bens

comuns são utilizados como forma de renda, mas principalmente para

subsistência familiar. Como existem racionalidades diferentes envolvendo os

bens comuns no que diz respeito aos direitos de propriedade (comunitária e

privado, neste caso) os atores vivenciam incompatibilidades de pensamento

situação propicia para a manifestação do conflito através da ação.

Um dos conflitos identificados se refere a interesses sobre o campo

que não condizem com o entendimento das gestões comunitária e

consuetudinária. Um caso exemplar são os loteamentos ilegais. Aliás, é

importante salientar que os próprios moradores que sobrevivem do campo

podem envolver-se na venda desses lotes. Decisões como esta contrariam

as gestões de tipo 2 e 3 perpetradas por outros extrativistas, porém as

ações e interesses do(s) ator(es) são contextuais e podem contrastar

mesmo que de forma interna à essas gestões (ALMEIDA, 2008).

Nosso objetivo geral sugere que existe uma relação entre gestão e

conflitos. Aliás, alguns conflitos são provocados de forma endógena, o que

quer dizer que existem atores internos à gestão que conflitam entre si. Como

neste trabalho a gestão coletiva é entendida como uma interação entre

atores (SCHMITZ, 2009) ela não está isenta do possível aparecimento de

conflitos, já que estes últimos fazem parte da vida social (SIMMEL, 1983;

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OGBURN et al.1971). Entendemos, portanto, que a gestão é, por vezes,

permeada por conflitos.

O conceito de gestão coletiva de bens comuns sugere que atores

externos também participam da gestão quando os mesmos se envolvem no

processo que se sucede, o que aumenta as chances da ocorrência e do

agravamento de conflitos dependendo da intenção do(s) ator(es) externo(s).

Afirmamos, então, que o conceito de gestão coletiva de bens comuns,

operacionalizado nesta pesquisa, envolve os três tipos de gestão

anteriormente descritos, os regimes de propriedade e os conflitos inerentes

ao processo de interação entre atores internos e externos.

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Figura 2 – Mapa ilustrativo de regimes de propriedade e conflitos no campo da mangaba e em região oceânica

Campo da Mangaba ( propriedade estatal) Área referente a regimes de propriedade comunitária e privada

Conflitos Comunidades Áreas destinadas ao roçado

Poços Curral de pesca

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reserva extrativista Marinha de Maracanã possibilitou uma

participação da população rural no que diz respeito à gestão oficial daquele

espaço. Em troca de serviços ambientais, os moradores receberam produtos

duráveis como geladeira e fogão, além da construção de casas e

recebimento de créditos para aquisição de materiais utilizados nas

atividades cotidianas.

Apesar disso, a co-gestão (parceria entre organizações

governamentais, não-governamentais e extrativistas), é um sistema que

ainda está em processo de implementação e, portanto, de ajustes.

Entendemos que a gestão oficial não atende ou não representa os

interesses de extrativistas pertencentes às comunidades de São Tomé,

Aricuru, e Espírito Santo.

Este trabalho possibilitou entendermos que os sistemas de uso

comum precisam ser percebidos como realidades concretas na qual os

indivíduos possuem mobilidade e são dotados de capacidades de ação.

Além do mais, é necessário que os extrativistas realmente sejam incluídos

no desenvolvimento de planos de utilização e em planos de manejo para

que se mitigue incoerências entre realidade legal e as realidades sociais.

Com relação aos regimes de propriedade, estes têm de ser

entendidos a partir das lógicas sociais e da compreensão dos atores que

estão competindo pelo bem comum. São os anseios, os desejos e as

intenções do ator, perpetrados por meio da ação, que configuram a gestão e

os regimes de propriedade. Como demonstrado, por exemplo, no sistema de

uso comum (ALMEIDA, 2008) os indivíduos se unem para competir, porém a

rivalidade entre os diferentes atores pode aumentar dependendo da intenção

dos envolvidos no processo. O aumento da rivalidade pode ocasionar o

aparecimento de conflitos sociais em torno dos bens comuns inseridos em

regimes de propriedade que pode envolver atores internos e externos.

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Finalizando, é necessário, ainda, ampliar o debate sobre o conceito de

bens comuns, pois segundo McKean & Ostrom (2001) o conceito está

relacionado à natureza física do recurso, no entanto é necessário afirmar à

natureza social do mesmo. Os bens comuns devem ser compreendidos

como recursos que estão sob uma lógica social baseada em direitos de

propriedade (estatal, comunitária ou privado) e são alvos de competição

entre diferentes atores. Estes atores por sua vez podem conflitar entre si por

perceberem o bem comum a partir de direitos de propriedade diferentes.

Enquanto a gestão oficial entende que o campo da mangaba faz parte da

zona de amortecimento, já que esta zona possui 10 km de extensão e abriga

o campo em seu interior, moradores pleiteiam junto a SEMA a

transformação do campo em outro tipo de unidade de conservação com o

intuito de torná-lo propriedade comunitária destinada aos extrativistas que

sobrevivem dele. Já o fazendeiro que se instalou no campo não compartilha

da concepção de propriedade comunitária dos moradores. Ao tentar

privatizar partes deste território, inclusive caminhos que os extrativistas

utilizam para seu deslocamento, o fazendeiro fomentou o desagrado de

comunidades que tiveram que se envolver em um conflito em torno da posse

da terra. Assim, os bens comuns são recursos que podem estar sob a lógica

de direitos de propriedade distintos, que podem divergir e conflitar entre si,

dependendo das ações dos atores envolvidos.

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PEREIRA, Emanuel S. Revendo caminhos: a saga maracanaense. [s/l], Ed. Art e Graff, [s/a].

SILVA, Thiara Fenandes e. “É sempre bom ter o nosso dinheirinho”: Uma leitura sobre a autonomia da mulher no extrativismo da mangaba no nordeste paraense. In: I Seminário sobre o extrativismo e as mulheres catadoras/apanhadoras de mangaba. Belém, 14 e 15 de outubro de 2010.

SINDICATO DOS PESCADORES ARTESANAIS E AQUICULTORES DO MUNICIPIO DE MARACANÃ. Estatuto. Maracanã, 2006.

BRASIL. Plano de utilização da Reserva extrativista Marinha de Maracanã. Maracanã, [s/a].

Furtado, Lourdes Gonçalves; Nascimento, Ivete Herculano. Traços de uma comunidade pesqueira do litoral amazônico: relato sobre organização em comunidade haliêutica. In: Furtado, Lourdes Gonçalves; Quaresma, Helena Doris A. Barbosa.Gente e ambiente no mundo da pesca artesanal. 258 p., Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, p. 23-56, 2002 (Colecao Eduardo Galvão).

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APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista

1. Como esta comunidade foi formada?

2. Como se deu a criação da Reserva Extrativista?

3. Quais os limites da reserva (demarcações)?

4. Quem foram os responsáveis pela criação da mesma?

5. Porque escolheram este local para a criação da Resex?

6. Qual o papel do programa ARPA na criação da reserva?

7. Qual o papel do ARPA na gestão da reserva?

8. A reserva recebe algum recurso financeiro do programa ARPA?

9. Quais foram os impactos provocados pelo ARPA?

10. Quais as mudanças provocadas pela criação da Resex?

11. Quais os tipos de atividades (econômica e de subsistência) são desenvolvidos?

12. O que plantam?

13. O que consomem desta plantação?

14. O que vendem?

15. Qual a renda familiar provocada por essas atividades?

16. Quais as organizações formais e informais presentes?

17. Havia organizações antes da criação da Resex? Quais?

18. O conselho gestor é formado por quantos membros e quem são eles?

19. Qual o papel do conselho?

20. Como está sendo pensada a construção do plano de manejo?

21. Existem conflitos?

22. Quais os tipos de conflitos existentes?

23. Quais as possíveis causas do conflito?

24. Quais os atores envolvidos em conflitos?

25. O campo da mangaba está dentro da reserva? Se sim, é apenas uma parte ou

todo campo?

26. O que são as zonas de amortecimento?

27. Qual a efetividade dessas zonas de amortecimento (o que são e o que

realmente e o que existe na prática?)

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APÊNDICE B – Formulário de Pesquisa

DATA:___/_______/___ COMUNIDADE: ____________________ ENTREVISTA Nº: ______________ 1.FAMÍLIA

1.1. Nome

1.2. Naturalidade

1.3. Sua família já morava neste local?

1.4. Em que ano chegou na área atual?

1.5. Parentes na localidade

Nome Apelido Grau de parentesco

1.6 Composição familiar

Nome Idade

Sexo

Escolaridade

2. HABITAÇÃO 2.2. Nº de compartimentos 2.4 É uma casa construída a partir de recursos do INCRA?

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2.5. O que você acha desse benefício? Está satisfeito(a)? 2.5. Porque ainda existem pessoas que não receberam a casa do INCRA?

3. ATIVIDADES DESENVOLDIDAS

3.1 O que você planta?

3.2 O que você cria?

3.3 O que você utiliza do seu quintal?

3.4 Você vende algo?

3.5 Se sim, o quê e por quanto?

3.6 Qual é, na sua opinião, a sua principal atividade?

4. ATIVIDADES COLETIVAS

4.2 Você divide tarefas com vizinhos ou parentes?

4.3 Se sim, quais são essas tarefas?

4.3 Existe uma periodicidade para a realização dessas tarefas?

4.4 Como é dividido o que vocês conseguem?

5. CRIAÇÃO DA RESEX MARINHA

5.1 Como se deu a criação da reserva extrativista?

5.2 Quem foram os responsáveis pela criação da mesma?

5.3 Depois que a reserva foi criada, você recebeu algo do governo ou dos órgãos responsáveis?

5.4 Se sim, o quê recebeu?

5.5 Quantas famílias residem nesta comunidade?

5.6 Quantas famílias residem atualmente na reserva?

5.7 Quantas comunidades existem na reserva?

5.8 O que é zona de amortecimento?

5.9 Você sabe onde começa e termina a zona de amortecimento?

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5.10 Como era o extrativismo antes da reserva? O que mudou?

5.11 Como era a pesca antes da reserva? O que mudou?

5.12 Existe a possibilidade de criar uma nova unidade de conservação no campo da mangaba?

5.13 Se sim, porque isso acontece?

5.14 Todos apóiam esta nova criação?

5.15 Se não, quais os principais argumentos dos que se opõe e dos que

defendem a criação?

6. GESTÃO DA RESEX MARINHA

5.1 De acordo com o plano de utilização, o que se pode e não se pode fazer com os recursos florestais?

5.2 De acordo com plano de utilização, o que se pode e não se pode fazer com

os recursos pesqueiros?

6.1. Na comunidade existe alguém responsável pela gestão desta mesma comunidade?

6.2. Como esse responsável é chamado(a)?

6.3. Como é realizada a divisão feita por pólos na reserva?

6.4. Quantos pólos existem?

6.5. Existe alguém aqui da comunidade que participa das reuniões do

conselho? Se sim quem é?

6.6. Você já ouviu falar do Programa ARPA?

6.7. Qual o papel do ARPA na reserva?

7. CONFLITOS

7.1 Existem conflitos por terra e recursos (agentes internos, externos e órgãos)?

7.2 Existem conflitos entre pescadores, agentes, externos e órgãos? 7.3 Existem conflitos entre grupos, organizações?

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ANEXO A – Imagem do Município de Maracanã (Fonte desconhecida).

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ANEXO B – Cidade de Maracanã (Google Earth 6.0 beta , 2010).

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ANEXO C – Campo da Mangaba (amarelo) e cidade de Maracanã (azul),

(Google Earth 6.0 beta , 2010).

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ANEXO D – Caminhos no Campo da Mangaba (Google Earth 6.0 beta , 2010).

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ANEXO E – Logo do Sindicato dos Pescadores Artesanais e Aqüicultores de Maracanã (SIPAAM), 2006.

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ANEXO F – Desenho de José Guilherme (Barco Z-7), 2010.

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ANEXO G – Desenho de Walmir Corrêa (Tipos de currais de pesca), 2010.

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