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GESTÃO DA ESCOLA E PARTICIPAÇÃO ESTUDANTIL: EM BUSCA DA

DEMOCRATIZAÇÃO E DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO PÚBLICA

SILVÉRIO, Helen Mara1

LAROCCA, Priscila2

Resumo

A partir da constatação da ausência de participação política dos estudantes na esfera da gestão escolar e, considerando a gestão democrática da escola pública tal como expressa na Constituição Federal e na atual LDBEN, este artigo busca discutir a organização e participação estudantil como elementos indispensáveis e inseparáveis da gestão democrática da escola e descrever as principais expressões políticas do da história do movimento estudantil. Embora, em esfera nacional, os movimentos estudantis sempre estivessem aliados às grandes lutas políticas no Brasil, os estudantes lutaram também por reformas políticas na educação. A análise histórica permite verificar uma modificação nas formas de mobilização, entre o final do século XX e início do século XXI, antes organizadas em torno de lideranças centralizadas e vinculadas a ideologias partidárias para movimentos mais locais com ausência de liderança única e menos verticalizada. Essas mudanças não sugerem desmobilização, mas novas formas de mobilização em que a tecnologia e a velocidade de informação influenciam grandemente. Dessa análise constata-se a atual configuração da organização estudantil especialmente nas escolas de ensino fundamental e médio com a institucionalização dos grêmios estudantis cujo retorno teve amparo legal nas esferas nacional e estadual. Discute-se que tal institucionalização veio ao encontro das politicas neoliberais que conotam a gestão democrática a partir de um viés pragmático e assistencialista. Considera-se ao final o aproveitamento desse espaço politico para superar a alienação e possibilitar uma leitura mais crítica da escola e do mundo e da realidade por parte dos estudantes.

Palavras- chave: Educação. Gestão Democrática. Grêmio Estudantil. Participação Política

1. Introdução

A gestão democrática da escola pública pressupõe a

participação da comunidade nos destinos da escola. Para tanto, existem na

escola colegiados que podem e devem ser constituídos e que representam os

diferentes segmentos dos profissionais da escola e da comunidade escolar.

Esses colegiados possuem estatuto próprio e, no Estado do

Paraná, recebem as denominações que se seguem: APMF – Associação de

Pais, Mestres e Funcionários, Grêmio Estudantil e Conselho Escolar.

1 Professora PDE, e-mail: [email protected]

2 Professora doutora da Universidade Estadual de Ponta Grossa e orientadora do PDE.

A APMF representa pais, professores e funcionários. Embora

sua natureza histórica seja financeira, essencialmente este órgão não

necessita atuar somente com este objetivo. Indispensável é ressaltar que a

escola só pode receber recursos financeiros estaduais e federais através da

APMF. Portanto, a existência deste colegiado é praticamente obrigatória, uma

vez que é apenas por sua via que as escolas receberão os recursos financeiros

disponíveis.

O Grêmio Estudantil, através de uma diretoria eleita

democraticamente, tem a função de representar o segmento dos alunos,

possuindo uma natureza política, que foi historicamente construída pelos

movimentos e/ou organizações estudantis em todo o Brasil.

O Conselho Escolar é um órgão deliberativo, consultivo,

avaliativo e fiscalizador que, teoricamente, atua sobre a organização e

realização do trabalho pedagógico e administrativo da escola para o

cumprimento da sua função social (PARANÁ, 2008). Este colegiado é

constituído pelos seguintes conselheiros que o compõem:

o diretor, um representante da equipe pedagógica, um representante da equipe técnico-administrativa, um representante da equipe auxiliar operacional, um representante dos pais de alunos e/ou responsáveis, um representante do Grêmio Estudantil e/ou alunos, um representante da APMF e um representante dos movimentos sociais organizados da comunidade (PARANÁ, 2008, p.14).

Embora essas instâncias colegiadas existam nas escolas

paranaenses, as ações previstas nos seus estatutos, bem como as ações dos

seus representantes, não são realidade nas gestões escolares, uma vez que a

gestão democrática não se efetiva somente pela organização destes

colegiados na escola.

A gestão democrática, ainda que prevista pela Constituição

Federal há mais de vinte anos, efetivamente não vem se concretizando nas

práticas escolares. Pode-se afirmar até que, no âmbito da escola pública, nos

diferentes segmentos que compõem a comunidade escolar, existe apenas um

conhecimento genérico e superficial da proposta da gestão democrática, o qual

não é muito distante do senso comum. Assim, as práticas que supõem gestão

democrática, embora muito presentes nos discursos, estão afastadas da

realidade das ações e decisões dos sujeitos da escola. Nesse mesmo contexto,

percebe-se insuficiência ou inexistência de conhecimentos teóricos científicos

sobre a gestão democrática escolar.

Infelizmente este cenário permite explicar ações que se

justificam por meio de expressões cristalizadas como, por exemplo, quando se

diz que a comunidade não quer participar da escola, não se importa com a

escola, ou ainda que os alunos não querem nada com a escola, que escola é

para quem quer aprender, que as coisas são assim mesmo, que o governo

quer assim, entre outras expressões que anunciam claramente o

desconhecimento, bem como o autoritarismo e, por que não dizer, o

comodismo que se instalou quando se trata de discutir a gestão da escola.

Contudo, quando se dá voz aos pais ou responsáveis e aos

alunos, logo se constata que estas ações e expressões contradizem a escola,

ou seja, enquanto a escola aponta os pais ou responsáveis e alunos por não se

interessarem pela escola, estes denunciam que os profissionais da escola são

autoritários, que a escola somente chama os pais quando o filho(a) gera

problemas, que os pais mais importunam do que auxiliam a escola, entre

outras inúmeras expressões cujas manifestações em geral apresentam a forma

de denúncia.

Embora todos os colegiados encerrem papéis relevantes para

a gestão da escola, este artigo tem como objeto de análise o Grêmio Estudantil

e sua importância para a gestão democrática da escola.

Alguns condicionantes baseados na observação e em algumas

discussões no âmbito da escola, da Secretaria de Educação e do Núcleo

Regional de Educação de Ponta Grossa, podem explicar, a grosso modo, a

ausência de participação dos estudantes na esfera da gestão escolar. São

eles:

- Ausência de cultura de participação política dos estudantes

nos rumos da escola e junto ao Conselho Escolar;

- Deficiência no diálogo entre representantes e representados

do Grêmio Estudantil;

- Desinteresse e/ou autoritarismo dos profissionais da escola

que vêem a expressão, a mobilização e a representação estudantil como

ameaças às suas ações;

- Desconhecimento dos próprios estudantes em relação aos

seus direitos de mobilização, expressão, organização e representação;

- Inexistência da entidade representativa dos estudantes na

escola;

- Existência do Grêmio Estudantil, porém com ações voltadas

ao voluntariado, assistencialismo e/ou supervisionadas pela equipe diretiva,

descaracterizando assim sua natureza política;

A fim de fundamentar o questionamento destes condicionantes,

este artigo objetiva:

- Discutir a organização e a participação estudantil como

elementos inseparáveis da gestão democrática da escola;

- Descrever as principais expressões políticas da história do

movimento estudantil na esfera nacional.

A partir das reflexões possibilitadas pela teoria científica se

buscarão elementos que possam, em alguma medida, esclarecer a pertinência

ou não desses condicionantes.

2. A Gestão Democrática da Escola Pública e a participação estudantil

A discussão sobre a gestão da escola pública passa por várias

contribuições que assinalam para a democratização das relações profissionais

e sociais que compreendem os sujeitos envolvidos no processo educativo.

Essas contribuições podem ser verificadas na literatura científica, as quais

fazem referência às formas gestão e às formas de participação na gestão

escolar. Podem-se verificar essas contribuições nas publicações de autores

como Paro (2006), Oliveira (2006), Spósito (2002), Hora (2006), entre outros.

O alicerce dessas contribuições é a Constituição Federal de

1988, em que a gestão da escola pública é compreendida pelo viés

democrático, como descreve o artigo 206 e parágrafo VIII: “gestão democrática

do ensino público, na forma desta Lei”. (BRASIL, 1988, p.95).

Embora expressa na letra da lei, sabe-se que a gestão

democrática de fato não se tem concretizado no interior da escola pública, pois,

nenhuma legislação é capaz de garantir a efetividade das propostas, a não ser

os sujeitos nela envolvidos.

A idéia de gestão democrática é complexa e requer

aprofundamento teórico e crítico, bem como assume entendimentos diversos

em relação ao momento econômico, político, social e histórico do estado.

É quase um lugar comum nas escolas, associar a

compreensão de gestão democrática à compreensão de gestão compartilhada,

ou seja, proferir acerca de gestão democrática, mas, agir de conformidade com

a teoria da gestão compartilhada. Ora, o sentido de cada uma delas é bastante

diferente.

A gestão é dita democrática quando busca ampliar e

aprofundar decisões coletivas envolvendo nelas os profissionais da escola e a

comunidade escolar. As decisões democráticas são construídas na discussão

entre os envolvidos e interessados acerca daquilo que é melhor para a escola e

para os estudantes, pautadas nos objetivos educacionais e na realidade

escolar.

A gestão é dita compartilhada quando reduz os processos

decisórios da participação coletiva. Estes ficam focados na escolha dos

dirigentes e na busca de parcerias, inclusive com instituições privadas,

visando-se a solução dos problemas imediatos da escola. A gestão assim

pensada assume um papel eminentemente gerencial. A participação coletiva é

mínima e atém-se a adesão a decisões anteriormente e externamente

tomadas.

Para desfazer a confusão conceitual é imprescindível, como já

foi dito, situar o momento histórico do Estado, estabelecendo, entre os termos,

relações com os campos econômico, social e político. Assim, também é

indispensável, aos sujeitos, uma análise mais profunda sobre os conceitos de

gestão democrática e de gestão compartilhada, contando com referenciais

teóricos.

Além do conhecimento teórico cientifico, é necessário

acrescentar, que isso demanda dos sujeitos envolvidos no processo de gestão,

uma prática que corresponda a esses referenciais. Visto que “sem a

transformação na prática das pessoas” (PARO, 2006, p.19) à luz da teoria, as

mudanças político pedagógicas não terão consistência e tampouco serão

transformadoras. De outra forma, as possibilidades de mudanças na prática da

gestão serão remotas.

A escola que almeja ser um espaço democrático precisa, antes

de tudo, criar espaços que possibilitem a participação efetiva da comunidade

escolar. Uma assembléia com os representantes de turma é um exemplo. Num

primeiro momento, talvez pareça ser uma tarefa difícil e que pode gerar muito

barulho. Mas, aos poucos, estes espaços de discussão começam a fazer parte

do cotidiano da escola e da cultura dos sujeitos envolvidos no processo

educativo. A idéia é que, através da criação desses espaços, a comunidade

sinta-se parte integrante, organicamente vinculada à escola. O que é bem

diferente de simplesmente estar presente na escola.

Nestes espaços, as informações que dizem respeito à escola

podem e devem ser socializadas como um direito de todos; são, também,

nestes espaços que decisões podem ser tomadas, sejam na criação ou na

execução de programas, projetos, enfim todas as ações que serão executadas

na escola com fim pedagógico, administrativo e financeiro (HORA, 2006).

Portanto, sem a socialização da informação e a socialização do

poder decisório, não existirão possibilidades para a criação de espaços mais

democráticos. Em conseqüência, o exercício democrático ficará comprometido

e desse modo comprometerá também a gestão democrática da escola.

A democracia, todavia, está além de uma virtude, de uma

definição, de uma origem etimológica, de algo idealístico. Para sua

compreensão é imprescindível admiti-la como um processo, como algo que se

pratica, se edifica e reedifica, que se estabelece e se vivencia.

Pode-se exercitar a democracia através de uma reflexão crítica

acerca da realidade e trabalhar na criação de condições para transformar essa

realidade. Pode-se construir a democracia na criação de direitos, ou na criação

de “novos direitos” (CHAUÍ, 2001, p.11) necessários em uma sociedade

dividida em classes, condição alocada no sistema capitalista. Pode-se

reedificar a democracia através do voto, seja para presidente da República,

governador de Estado, diretor de escola. Pode-se instalar a democracia através

da ação das classes populares no controle social do Estado e/ou da ação da

comunidade no controle social na escola. Ou seja, pode-se vivenciar a

democracia participando da gestão pública e/ou da gestão da escola.

Chauí (2001, p.10) explica que a democracia supõe “a

passagem do poder despótico privado [...] ao poder propriamente político como

discussão, deliberação e decisão coletivas realizadas em público, sob o direito

e as leis”. E, sendo assim, não se pode supor que a democracia seja um

regime de consenso. Pelo contrário, a democracia supõe trabalhar sobre os

conflitos.

É nesse mesmo sentido que Coutinho (2002) compreende a

democracia. No entanto, este autor sugere o uso da expressão

“democratização”, destacando-a como processo crescente, que se difunde na

socialização da participação política. Dessa forma, segundo o autor, a

democracia assume valor universal.

Ao expressar o sentido de democratização como valor

universal percebe-se que há a implicação da socialização da participação

política. Esta não pode ser agendada no sentido de que existe um determinado

momento em que uma determinada pessoa, ou mais pessoas, permitem que

outras pessoas tomem decisão sem passar por um processo de discussão.

Ainda, a socialização da participação política não deve ser confundida com

uma reunião, onde uma ou mais pessoas comunicam o que foi decidido e

outras pessoas apenas formalizam essa decisão.

A socialização da participação política do ponto de vista

individual é, prontamente, um processo dinâmico e inseparável do democrático.

Somente se realiza em sua plenitude quando está combinada com a

socialização do poder. A socialização é, ainda, instrumento que forma e

transforma, proposital e intencionalmente, a personalidade individual. Consiste

em interação e integração dos sujeitos sociais na sua totalidade.

A partir da idéia da socialização da participação política emerge

a noção de gestão democrática da escola “significando a defesa de

mecanismos mais coletivos e participativos de planejamento escolar”.

(BATISTA, 2007, p.402). Nestes mecanismos coletivos e participativos de

planejamento escolar está implícita a participação da comunidade escolar.

A comunidade escolar pode ser entendida como sociedade civil

organizada, pois, na esfera da escola, existem instâncias colegiadas

representativas que se organizam com o propósito de efetivar a participação no

planejamento escolar nas dimensões pedagógica, administrativa e financeira.

A participação desses colegiados, então, pode e deve ter caráter social e

também caráter político. Segundo Dore (2006, p.338), “a sociedade civil é o

espaço de luta entre projetos sociais e políticos”. Muitas vezes, os projetos são

contraditórios, mas é dentro dessas contradições, com posições conflituosas,

que se faz necessária a discussão argumentada cujo objetivo se pauta pelo

bem estar da coletividade e busca de acordos. É possível, portanto, apontar

que é no conflito que os sujeitos sociais exercem sua cidadania.

A cidadania, segundo Chauí (2001, p.12), “se constitui pela e

na criação de espaços sociais de lutas e pela instituição de formas políticas de

expressão permanente.” A cidadania, tal qual a democracia, está em constante

construção, donde se afirmam e reafirmam conquistas que contradizem a

lógica social vigente: o capitalismo, a globalização, a sociedade do consumo, a

pós-modernidade, que implicam o individualismo que impera na sociedade

atual.

Ser cidadão pressupõe, portanto, que o sujeito possua

conhecimentos acerca de seus direitos e deveres civis, sociais, políticos e os

exercite. Direitos e deveres que vão além do indivíduo, que estão expressos na

coletividade e nas normas que regulam o bem comum. É a existência destas

normas que permite o funcionamento da ordem social. Todavia, conforme

Chauí (2001), as normas precisam ser reconhecidas e oferecer garantias de

igualdade e de liberdade dos cidadãos.

As noções de democracia, democratização, participação

política, socialização da informação e do poder e cidadania são alguns

conceitos essenciais para que se tenha condições de compreender a

sociedade como está posta atualmente. De outra forma, a compreensão da

gestão democrática da escola não ultrapassará os limites de uma gestão

gerencial.

Sendo assim, é mister enfatizar que a idéia de Gestão

Democrática está para além da legislação, visto que a lei não é um fim, mas

um meio para a participação. Todavia, segundo Paro (2006, p.16):

Parece faltar ainda uma maior precisão do conceito de participação. A esse respeito, quando uso esse termo, estou preocupado, no limite, com a participação propriamente dita, que é a partilha do poder, a participação na tomada de decisões. Isto não elimina, obviamente, a participação na execução; mas também não a tem como fim e sim como meio, quando necessário para a participação propriamente dita, que é a partilha do poder de participação na tomada de decisões.

O que o autor está enfatizando é que a participação na Gestão

Democrática da escola passa necessariamente pela partilha do poder. Mas, o

que substancia essa partilha de poder? A partilha de poder consiste numa

participação ativa e política ou numa participação ativa e colaborativa? Há que

se ter clareza da forma dessa participação.

Se a participação é do tipo ativa e política, então, cada uma

das ações a serem realizadas na escola, antes de serem executadas, passará

por um amplo processo de discussão, ao qual se segue a deliberação coletiva.

De outra forma, se a participação for do tipo ativa e

colaborativa corre-se o risco de formalizar as ações como mera participação na

execução de tarefas, embora a execução de tarefas não deva ser eliminada do

processo de participação.

Mas, o que é mais importante, antes da execução, é a forma

como se deliberou sobre a necessidade de se executar uma ação. É essa

forma que representa a realidade da participação na tomada de decisões. E é

essa forma que vai determinar se a escola realmente é um espaço democrático

ou não.

Assim, a gestão democrática escolar deve refletir a importância

e a necessidade da participação de todos os profissionais da escola e da

comunidade escolar nas decisões do seu cotidiano, sejam estas pedagógicas,

administrativas ou financeiras. O essencial é que se busque um compromisso

coletivo, cujos resultados sejam significativos para a educação. Esse

compromisso se efetiva se considerarmos que “mais do que a integração da

escola com a família e a comunidade ou colaboração dos pais, é preciso

entender essa presença como mecanismo de representação política”.

(SPÓSITO, 2002, p.49).

Se a gestão da escola é um processo coletivo, será no decurso

desse processo que a deliberação visará ao bem comum. Deste modo, a

participação passa a ter um caráter democrático, que irá para além do discurso,

concretizando-se em ações e decisões participativas de modo que cada

envolvido se sinta responsável pela educação e, por conseguinte, pela sua

transformação. Para tanto é necessário ter a clareza de que:

A participação da comunidade na escola, como todo processo democrático, é um caminho que se faz ao caminhar, o que não elimina a necessidade de se refletir previamente a respeito dos obstáculos e potencialidades que a realidade apresenta para a ação. (PARO, 2006, p.17).

Ora, a comunidade escolar compreende em seu universo, entre

outros, os profissionais da escola, pais ou responsáveis e os estudantes. Os

estudantes são os sujeitos diretos e de direitos no processo educativo e tem,

segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, “direito de organização e

participação em entidades estudantis”. (BRASIL, 1990, p.18).

Nesse sentido, a gestão da escola, na sua expressão

democrática, abrange, entre outros, a participação dos estudantes no processo

de gestão, bem como reconhece que o movimento e/ou organização dos

estudantes é e está implícito na democratização do poder decisório em suas

diferentes categorias.

3. Principais expressões políticas do Movimento Estudantil na esfera

Nacional

Embora o direito de organização de crianças e adolescentes

em entidades estudantis esteja exposto no Estatuto da Criança e do

Adolescente a partir do ano de 1990, anteriormente a esse período foi

oficializado em 1985, o retorno legal dos Grêmios Estudantis nas escolas,

através da Lei Federal nº 7398/85.

Relacionando esta lei a outras leis, sabe-se que estas não

surgiram espontaneamente, mas fazem parte de um processo histórico de

ações da sociedade na luta pela conquista de direitos. No caso da legalização

das entidades estudantis, não foi diferente, sendo necessário proceder a uma

retrospectiva histórica destes movimentos e/ou organizações estudantis, pois, é

bem marcante e constantemente relembrada pela mídia e em diversos estudos

científicos a trajetória de movimentação estudantil na sociedade brasileira e no

mundo.

No Brasil, inicialmente, os movimentos e/ou organizações

abrangiam os estudantes universitários. Posteriormente, os chamados

estudantes secundaristas, iniciaram movimentações e organizações,

integradas aos primeiros.

Esta trajetória histórica compreende uma participação

estudantil intensa em momentos pontuais, como, por exemplo, na década de

1960, contra a política imposta pelo regime militar, especialmente no ano de

1968. Conforme De Moraes Freire (2008, p.134) “no Brasil, [...], o ano de 1968,

[...] é um marco revelador do potencial do movimento estudantil naquela

época”.

Naquele momento histórico o movimento estudantil estava

aliado a outros setores da sociedade em oposição ao regime militar.

Na ocasião, houve inúmeros protestos e muitos deles

motivaram ações violentas por parte do governo militar que usou da sua força

para fazer calar estudantes e outros segmentos da sociedade. Ao constatar a

força que possuíam esses movimentos, bem como, o aumento do número de

adeptos aos protestos e temendo que as manifestações atingissem proporções

incontroláveis, Costa e Silva, no período de 1967/1969, militar e então

Presidente do Brasil, instituiu o AI5 (Ato Institucional nº 5).

O referido AI5, entre outras determinações, instituiu,

arbitrariamente, as seguintes determinações conforme De Moraes Freire (2008,

p.136): “pena de morte para os crimes políticos, prisão perpétua, fim das

imunidades parlamentares, transferência de inúmeros poderes do legislativo

para o executivo”. Assim, toda forma de manifestação contrária à política

daquele momento foi considerada ilegal e reprimida fortemente pelo AI5,

durante o período do regime militar, que atingiu ao seu ápice.

Com esse mesmo ato – AI5, conforme Gonçalves e Romagnoli

citado por González e Moura (2009, p. 377), “aumenta a repressão e a censura

que resulta na extinção das entidades estudantis, na prisão e no exílio de suas

principais lideranças”.

Dessa forma, a principal entidade de movimento de estudantes,

a UNE - União Nacional dos Estudantes, criada em 1937, foi colocada na

ilegalidade. Apesar disso, não deixou de manifestar-se. Cabe ressaltar que o

movimento estudantil, nesse período, devido às inúmeras repressões

originadas no regime militar, abrandou suas formas de combate a ditadura. A

intensa repressão, o desaparecimento de alguns líderes, a prisão de

estudantes que protestavam foram alguns condicionantes que provocaram a

desarticulação dos estudantes e de outros segmentos da sociedade.

Todavia, conforme De Moraes Freire (2008, p.140), “Após um

longo período de paralisia forçada, o movimento estudantil parece renascer no

ano de 1979, quando as entidades estudantis começam a ser reativadas”. Mas,

o movimento estudantil não será mais o mesmo, pois após a abertura

democrática no Brasil a população testemunhou pouquíssimas manifestações

advindas dos estudantes na política nacional. Ao contrário da experiência

anterior, afirma ainda a autora, neste novo momento de mobilização e ação

estudantil, grande parte de seus participantes não foram os universitários como

aconteceu na década de 1960, mas sim estudantes do ensino médio,

especialmente no movimento “Cara Pintadas”3, embora, segundo Cancian

(2008) citado por De Moraes Freire (2008, p.141) esta não foi “uma experiência

típica do movimento estudantil brasileiro”.

Dois outros momentos contaram com a ampla participação

estudantil na política nacional brasileira. Esses momentos aconteceram nas

décadas de 1980 e 1990.

A década de 1980 mostrou novamente a intensidade de força

do movimento estudantil. No ano de 1984, o movimento intitulado Diretas já!,

contou com a participação em massa dos estudantes das zonas urbanas. De

modo semelhante ao que ocorreu na década de 1960, essa movimentação

esteve conjugada a outros setores políticos e a sociedade civil. “Assim o

movimento estudantil emerge para os anos 1980 ampliando suas forças e lutas

pela redemocratização do Brasil”. (DE MORAES FREIRE, 2008, p.139).

A principal bandeira deste movimento foi sustentada por uma

indispensável democratização na escolha do principal dirigente do país: o

presidente da República, considerando que, há vinte anos, desde o golpe

militar em 1964, o exercício democrático não era praticado pelos cidadãos

brasileiros.

No entanto, a eleição direta para presidente da República viria

a ser realidade somente em 1989, embora, os militares tenham deixado o

3 O movimento “Cara Pintadas” será explorado posteriormente.

poder em 1985, sendo o último militar presidente João Batista de Oliveira

Figueiredo.

Na década de 1990, engajados às lutas nacionais, os

estudantes promoveram manifestações contra um governo corrupto. Esse

movimento denominou-se Caras Pintadas. O resultado dessa manifestação foi

o Impeachment do Presidente da República na época, Fernando Collor de

Melo.

Esses movimentos destacam as maiores participações

estudantis no Brasil que também foram as participações mais difundidas na

mídia. É possível afirmar que foram momentos em que os estudantes tiveram

como um dos propósitos a luta política, que num primeiro momento voltou-se

contra a Ditadura Militar, num segundo momento a favor da democratização do

país e eleições diretas para presidente do Brasil. E, num terceiro e último

momento, contra a corrupção e a favor do Impeachment do Presidente

Fernando Collor de Melo.

Embora um dos focos, nesses momentos citados, fosse a luta

política é pertinente ressaltar que a luta pela educação foi, e ainda talvez seja,

o principal elemento mobilizador dos estudantes.

4. Educação: Objeto de mobilização e/ou ação dos estudantes

Nas lutas nacionais, ou no interior das universidades, os

estudantes manifestaram-se e manifestam-se tendo como princípio discutir a

educação.

Tais manifestações envolveram várias discussões que se

alternaram entre reformas educacionais, do período anterior à Ditadura Militar

até os dias atuais, bem como, visaram realizar ações que não diziam respeito

diretamente às políticas educacionais, porém estiveram conectadas a estas

devido ao objetivo de mobilização. Objetivos como esses podem ser

exemplificados, conforme indica De Moraes Freire (2008), por “[...] uma

campanha pela melhoria da alimentação fornecida aos estudantes pobres [...]”.

Na década de 1960, um dos principais agentes mobilizadores

dos estudantes, foi, o que se chamou de crise universitária. “Esta consistia no

descontentamento dos alunos que pressionavam a universidade para dar-lhes

„um lugar ao sol‟” (FREITAG, 1980, p.84), ou seja, havia uma demanda grande

de estudantes que queriam adentrar a universidade, porém o número reduzido

de vagas nas diferentes graduações juntamente como o processo altamente

seletivo do vestibular impediam que todos tivessem acesso à continuidade dos

seus estudos.

Foi um período de grandes manifestações que demandavam

por vagas educacionais.

Contudo, percebeu-se nesses movimentos e/ou ações

estudantis, uma alternância entre períodos de participação intensiva e períodos

de quase inexistência de participação. Para Bringel (2009), as movimentações

promovidas pelos estudantes correspondem a ciclos participativos cujas ações,

são, às vezes, alimentadas pela ação de outros movimentos sociais.

No século XXI, não houve ainda manifestações de cunho

nacional advindas do movimento estudantil. Todavia, isto não significa que

estas deixaram de existir no interior das universidades. Fatos expressivos, por

exemplo, aconteceram nos anos de 2007 e 2008.

Em 2007, conforme De Moraes Freire (2008), os estudantes

ocuparam a reitoria da Universidade de São Paulo. O contexto dessa

manifestação esteve ajustado aos rumos que a ideologia neoliberal configurou

para a política educacional nas universidades públicas. Essa ocupação

desencadeou situações semelhantes em várias outras universidades no Brasil.

No ano de 2008, os protagonistas do movimento estudantil

procederam da Universidade de Brasília – UnB. Nesse contexto, o fator

predominante foi a corrupção no interior da instituição. Inconformados com os

escândalos e tal como os universitários da USP, os universitários da UnB,

invadiram a reitoria em uma ação que resultou na renúncia do reitor. Para De

Moraes Freire (2008, p.144): “A luta dos estudantes da UnB levantou bandeiras

capazes de denunciar os efeitos perversos do modelo privatista da

Universidade Pública”.

Pode-se perceber um diferencial entre as lutas estudantis do

século XX e do século XXI. Segundo Cancian (2008) citado por De Moraes

Freire (2008, p.141):

O movimento estudantil sofreu uma inflexão no final dos anos 70, quando passou a ser liderado por militantes das organizações de esquerda que priorizavam as reivindicações políticas em detrimento das demandas educacionais. Essa subordinação à agenda política conduziu aos protestos desse período em defesa das liberdades

democráticas, mas provocou um longo refluxo, que persiste até hoje, em razão do distanciamento da maioria dos alunos.

No século XX, as organizações estudantis eram fortes,

possuíam líderes que os representavam, possuíam ideologia unitária. Na

década de 1960 tinham ideologia de esquerda – socialista e estavam unidos à

política nacional. Nas décadas de 1980 e 1990 muitos estudantes filiaram-se a

partidos políticos e se utilizaram dessa ideologia, a dos partidos políticos, para

representarem suas ações. Ainda que o foco principal estivesse na política

nacional, não deixavam de expressar ideologias partidárias para as políticas

educacionais.

Nos movimentos do século XXI, embora locais, houve certa

inversão no que diz respeito à organização em entidades. Para Bringel (2009),

além do novo caráter das ações dos estudantes, por exemplo, a ocupação das

reitorias da USP e da UnB, neste último ciclo de movimentação estudantil

questiona as organizações e mobilizações das décadas anteriores.

A tecnologia contribuiu socializando a informação de forma

instantânea, além disso, existe um novo “ser” em processo alimentado pela

ideologia da pós-modernidade. Nesse sentido, pode-se dizer que a forma de

mobilização dos estudantes, na primeira década deste século, sofreu

alterações radicais em relação às freqüentes na década de 1960. Portanto, há

uma nova forma de expressão no movimento estudantil. Segundo Bringel

(2009, p.111-112), esta forma de expressão caracteriza-se,

ante a centralização, hierarquização e partidarização das lutas estudantis [...] aparece um formato mais “movimentista”, no qual primam: maior democratização da informação e da comunicação [...]; Maior horizontalidade na deliberação [...]; Ausência de um líder definido [...]; Certo grau de imprevisibilidade.

Mediante o exposto, percebe-se que há uma fragilidade na

relação entre os estudantes quanto às formas de institucionalização, tanto das

entidades estudantis, quanto dos partidos políticos, um tanto mais concreto nas

lutas do século anterior. Outra diferenciação ocorreu nos processos de

informação e comunicação entre os estudantes que foram promovidos pelo uso

da internet: a rapidez que se propagam as notícias e a rapidez com que estas

promovem a mobilização. Ainda, as lideranças desses movimentos já não

estão mais representadas apenas por “um” sujeito. Trata-se de uma liderança

que varia entre os indivíduos envolvidos no processo de mobilização, o que de

certa forma impede a verticalização das decisões.

A despeito de todas essas mudanças, é importante observar

que os movimentos de outrora, bem como os movimentos atuais, ainda

persistem no foco mais antigo dos movimentos estudantis: A educação.

Embora em contextos distintos e formas também distintas de movimentação,

organização e representação estes movimentos não deixaram de exprimir o

objetivo comum de melhoria da educação.

5. Os movimentos estudantis e as novas formas de institucionalização

Com a progressiva abertura democrática no Brasil, nos

anos finais da década de 1970 e início da década de 1980, as entidades

estudantis puderam ser reativadas em diversos níveis: nacional, estadual e

municipal incentivando-se, assim, o retorno dos Grêmios Estudantis às escolas

de ensino fundamental e médio.

O retorno dos Grêmios Estudantis foi garantido pela Lei

Federal nº 7398/1985 e Lei Estadual nº 11.057/1995, no Paraná.

Contudo, esta reorganização dos estudantes em entidades

representativas não se deu ao acaso e não pode ser desvinculada do contexto

político, econômico e social.

Se analisarmos linearmente a simples legalização das

entidades estudantis, pode ser interpretada como grande expressão

democrática. De outra forma, se a análise se der sob outros condicionantes,

tais como o momento econômico ao final do período ditatorial e a política de

reforma do Estado nos anos 1990, pode-se tratar de uma das muitas

estratégias para a minimização do papel do Estado nas políticas sociais.

É preciso entender que movimento estudantil difere de

organização estudantil. Segundo Bringel (2009), o movimento estudantil

assume tal caráter quando não estiver institucionalizado, do contrário, não será

um movimento e sim uma organização estudantil.

Neste sentido, quando nos referimos ao movimento estudantil

através das instituições nacionais, estaduais e municipais e no âmbito da

escola, estamos nos referindo à organização estudantil. Estas organizações se

materializam na UNE – União Nacional dos Estudantes, na UBES – União

Brasileira dos Estudantes secundaristas e na verticalização destas entidades

em níveis estadual e municipal.

Na esfera da escola, a organização dos estudantes é conferida

aos Grêmios Estudantis. Embora essa organização devesse originar-se da

aspiração dos estudantes sem influência de qualquer natureza, percebe-se

que, durante a reforma política do sistema educacional no Brasil nos anos

1990, essa ação ocorreu ao contrário.

É possível verificar isso na proposta do Governo do Estado de

São Paulo, por exemplo, em 1998, pois, segundo González e Moura (2008), a

Secretaria Estadual de Educação elaborou um documento incentivando a

constituição dos grêmios estudantis e, ainda, propondo o “papel” que deveriam

exercer, ou seja, definindo qual a função social da entidade na escola. Entre

outras sugestões, o documento aborda implicitamente ações voluntárias e

assistencialistas como forma de solução para situações imediatas da escola.

Não obstante, o Estado do Paraná também adotou proposição semelhante.

De certa forma, isso contradiz e descaracteriza a trajetória

histórica e política dos movimentos ou das organizações estudantis.

Considera-se que, sob esse contexto, houve uma

(re)institucionalização do Grêmio Estudantil, ou seja, num primeiro espaço de

tempo, a organização dos estudantes nas entidades nacionais, estaduais e

municipais, já caracteriza uma institucionalização e num outro momento a

escola institui o Grêmio Estudantil como um segmento próprio.

Tal institucionalização do Grêmio Estudantil pela escola,

conforme Gonzáles e Moura (2008), tende a um esvaziamento na construção

dos sujeitos do ponto de vista de sua humanização.

Ora, e o que é o sujeito humanizado?

O processo de educar humaniza o homem, como afirma

Saviani: “o objeto da educação diz respeito [...] à identificação dos elementos

culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana

para que eles se tornem humanos” (1992, p.21). Portanto, o sujeito

humanizado é aquele que assimila e identifica os elementos culturais

desenvolvidos ao longo da história da humanidade. Estes elementos culturais

são fundamentais para compreender o mundo e suas complexidades sociais.

É possível afirmar que a institucionalização dos Grêmios

Estudantis dá suporte para contribuir com essa humanização? Ao se definir, no

âmbito das Secretarias de Educação através de documentos institucionais, a

função social do Grêmio Estudantil, se está a contribuir para a humanização

dos estudantes? Ao se incentivar os estudantes para ações voluntárias,

trabalho solidário bem como ser “assistente” da escola tem-se contribuições

para a humanização?

Uma análise crítica da atual política educacional nacional

revela que organismos internacionais investem fundos e ditam as regras para a

formação de “um tipo de ser social cuja escolaridade deverá propiciar sua

adaptação, empregabilidade e as competências e habilidades necessárias para

o enfretamento da realidade em curso” (GONZÁLEZ; MOURA, 2009),

permitindo responder negativamente às questões anteriores. Implícita nesta

política está à manutenção da lógica de mercado, fator fundamental do sistema

capitalista.

Para Marx, (2004, p.13) “a essência do sistema capitalista está,

pois, na separação radical entre o produtor e os meios de produção”, assim, a

sociedade se divide em classes, onde predomina o poder da classe burguesa,

embora em menor número de representantes, detentora dos meios de

produção e da manipulação desses meios para produzir lucros.

Do outro lado, está o produtor, pertencente à classe proletária,

em maior número de indivíduos, porém sem condições culturais e econômicas

para sobrepor a minoria. Estes, desprovidos dos meios de produção, têm

somente a força de trabalho para produzir sua existência. Sendo assim, aos

expropriados dos meios de produção restou submeter-se aos expropriadores.

Nessa relação, os lucros ficam nas mãos de quem não produz e nem são

divididos entre os assalariados. E aos produtores resta o salário, que não faz

parte da divisão do lucro.

Dessa forma, prevalece a lógica mercadológica que se estende

para as diferentes organizações e instituições na sociedade de forma que esta,

a sociedade, passa a crer nesta lógica como um processo natural. Esta

naturalização das relações de trabalho é um dos muitos objetivos do sistema

capitalista.

Assim sendo, a escola, que compõe a estrutura social, também

reproduz a lógica do mercado nas concepções pedagógicas das políticas

educacionais.

5. O que fazer diante da Institucionalização do Grêmio Estudantil?

A institucionalização dos Grêmios Estudantis é um

acontecimento e está cada vez mais disseminada.

No entanto, crer que a institucionalização dos Grêmios

Estudantis e a naturalização do voluntariado e do assistencialismo provocada,

em partes, pela ideologia neoliberal muito presente na sociedade e, em outra

parcela, na política educacional regulamentada pelas reformas educacionais na

década de 1990, sejam imutáveis e cristalizadas, estará se considerando que a

“alienação”, provocada e construída no sistema capitalista e atualmente

reforçada em bases neoliberais, é parte orgânica do jovem.

Para Silva (2005, p.101), “a idéia de alienação consiste em um

mundo do fetiche, do manipulado, da falsa realidade e da aparência, em

contraposição ao mundo da essência”, isto é, a realidade objetiva é manipulada

convertendo-se em uma pseudo-realidade, onde o que parece real e natural é

forjado.

A alienação também pode ser entendida como uma das

diversas facetas da política neoliberal aliada à ideologia pós-moderna. Trata-se

de transferir para a sociedade a resolução imediata de problemas sociais. Entre

tais soluções estariam ações assistencialistas e voluntárias como forma de

minimizar as mazelas sociais. Dessa forma, as desigualdades sociais passam

a ser vistas como processos naturais, desviando assim, a atenção dos sujeitos

sociais, do real agente promotor dessas desigualdades: o sistema capitalista.

De outra forma, pode-se avaliar que, embora a alienação seja

realidade no contexto social, necessariamente, não é permanente, basta que

se tome consciência dela, conforme Chauí (1999, p.512) citada por De Moraes

Freire (2008, p.145) “algo que os homens fazem em condições determinadas,

ainda que não o saibam e que podem deixar de fazer se, tomando consciência

delas, decidirem-se organizar contra elas”.

Isto significa que, apesar da institucionalização dos Grêmios

Estudantis, apesar de os instrumentos fornecidos pelas Secretarias de

Educação estabelecendo a função social dos alunos, apesar da ideologia pós-

moderna estar extremamente presente na sociedade, estas situações não são

permanentes ou imutáveis. A situação social atual só poderá ser mudada se

se desvelarem as formas de ocultação da realidade concreta.

Embora a institucionalização do Grêmio Estudantil seja um

acontecimento e o fato de existirem instrumentos que, de certa forma, reforçam

as ações da entidade enquanto “ajudante” da escola, é possível que essas

ações assumam outras configurações. Nesse sentido, é papel da escola,

enquanto instituição social, proporcionar espaços e elementos que

instrumentalizem os estudantes e que neles desenvolvam melhores condições

para olhar a realidade mais criticamente.

Um desses espaços é o Conselho Escolar, espaço que,

teoricamente, oferece condições para participação política na escola.

Assim, cabe ressaltar que a participação política é um exercício

democrático, de transformação social e de práticas de cidadania. A

participação política é também papel e objetivo da escola. Todavia é

imprescindível que os profissionais da educação igualmente as tenham

desenvolvido, pois, “ninguém dá o que não tem” (CHAUÍ, 2001, P.12). Em

outras palavras, se o educador ambiciona alunos críticos, tem que sê-lo

também; se espera alunos participativos, deve sê-lo também. Só há conquista

democrática, cidadã, na medida em que se convive com sujeitos que tragam

consigo atitudes democráticas e atitudes e cidadãs.

Entretanto, apesar da existência desse espaço estar garantida

de forma legal, visto que o estatuto do Conselho Escolar (PARANÁ, 2008)

garante assento ao Grêmio Estudantil em sua composição, parece faltar uma

visão crítica dos fatos que provocam alienação aos sujeitos envolvidos no

processo educativo para que isto se torne uma realidade.

6. Algumas considerações

A partir de uma análise histórica da participação estudantil nos

rumos da educação brasileira percebe-se que o “arrefecimento” dos

movimentos e/ou organizações estudantis aconteceram sob determinadas

circunstâncias. Essas circunstâncias fazem parte de um cenário amplo, porém

não se podem desconsiderar as especificidades.

Pode-se dizer que, o período da Ditadura Militar no Brasil, com

o decreto do AI5 no ano de 1968 e a intensa repressão gerada por este ato,

desmobilizou tanto a sociedade em geral quanto os estudantes, que perduraria

por um período de tempo relativamente grande. Para Bringel (2009, p.109) foi

“um período de clandestinidade e exílio, em que a repressão e o arbítrio seriam

a tônica dominante”.

Por outro lado, no governo militar de Ernesto Geisel, no

período de 1974/1979, houve certo relaxamento na repressão. Dessa forma, os

movimentos estudantis encontraram maiores possibilidades de rearticulação.

Entre os períodos dos governos militares Costa e Silva e

Geisel, ou seja, entre a profunda coerção de um governo e as possibilidades de

rearticulação dos movimentos sociais proporcionada pelo outro, pode-se

apontar algumas transformações que transitaram da aguda oposição à

negociação entre os atores. De Moraes Freire (2008, p. 138, grifo nosso)

analisa essas variações:

No desenvolvimento da resistência democrática, esses movimentos foram ganhando características comuns e diferenciadas, conforme sua prática social e política. Saudados por alguns analistas nos anos 70 como a nova face da sociedade civil, como novos sujeitos sociais; criticados por outros, nos anos 80, bem como nos anos 90, como meros grupos de pressão articulados por lobbies com interesses político/partidários e/ou religiosos; o fato real é que os movimentos sociais inscreveram em leis e projetos institucionais suas demandas e lutaram por espaços democráticos junto aos órgãos públicos.

Ainda que os movimentos sociais, incluindo os movimentos

estudantis, tenham adotado formas diversas de enfrentamento ante as

diferentes realidades sociais, econômicas e políticas brasileiras é possível

apontar avanços nas questões pelas quais lutaram e lutam. No caso específico

do movimento estudantil, ainda há muito que se desenvolver, porém não se

pode colocar no descrédito o potencial da juventude em termos de mobilização

e conquista, sejam elas pontuais ou não. O movimento estudantil possui

peculiaridades ou conforme diz Bringel (2009, p.102) é “sui generis”.

Com base nestas argumentações, embora reconhecendo que

hoje a escola se volta para institucionalizar o Grêmio Estudantil, através das

ações das Secretarias de Educação, cogita-se que podem haver possibilidades

de ampliar a participação dos estudantes na gestão da escola para além de

ações voluntárias e assistencialistas na direção de uma participação política

efetiva em que os alunos sejam sujeitos da gestão democrática escolar.

Sendo assim, acredita-se que se devem aprofundar algumas

discussões com os estudantes em momentos próprios provocados pelo

Programa de Desenvolvimento Educacional neste contexto. Porém, não se

pode descartar que esses momentos deveriam e devem ser parte da cultura

escolar.

Espera-se que discussões acerca de instrumentos que

norteiam a gestão da escola possam proporcionar alguns elementos que

colaborarão para o desenvolvimento de maior criticidade nos estudantes. Entre

estes instrumentos da escola citam-se: O Estatuto da Criança e do

Adolescente, o Projeto Político Pedagógico da escola, o Estatuto do Conselho

Escolar e o Estatuto do Grêmio Estudantil. Também será indispensável a

discussão de temáticas como democracia, cidadania, participação política,

dimensão do espaço público e gestão democrática.

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Abstract

After noting the absence of political participation of students in the field of school management, considering the democratic management of public schools as expressed in the Constitution and current LDBEN, this article seeks to discuss the organization and student participation as indispensable and inseparable elements democratic management of the school and describe the main expressions of the political history of the student movement. Although at a national, student movements were always coupled with great political struggles in Brazil, students also fought for political reform in education. Historical analysis allows to verify a change in the forms of mobilization, among the late twentieth and early twenty-first century, before organized around centralized leadership and party ideologies linked to movements for more sites with no single leadership and less vertical. These changes do not suggest demobilization, but new forms of mobilization that technology and speed of information greatly influence. From this analysis it is clear the current configuration of the student organization especially in elementary schools and middle with the institutionalization of student unions whose return had legal support at the national and state levels. It is argued that such institutionalization came to the meeting of neo-liberal policies which connote the democratic management from a pragmatic and paternalistic bias. It is considered the end use of the political space to overcome the alienation and enable a

more critical reading of the school and the world and the reality on the part of students.

Keywords: Education. Democratic Management. Student Guild. Political Participation.