Gestão de Pessoas nos órgãos públicos

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    Gesto de Pessoas:bases tericas e experinciasno setor pblico

    OrganizadoresMaria Jlia Pantoja,

    Marizaura R. de Souza Cames eSandro Trescastro Bergue

    ENAP

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    Gesto de Pessoas:

    Bases Tericas e Experinciasno Setor Pblico

    Braslia ENAP 2010

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    ENAP Escola Nacional de Administrao Pblica

    PresidenteHelena Kerr do Amaral

    Diretor de Formao ProfissionalPaulo Carvalho

    Diretora de Desenvolvimento GerencialMargaret Baroni

    Diretora de Comunicao e PesquisaPaula Montagner

    Diretora de Gesto InternaMary Cheng

    Gesto de pessoas: bases tericas e experincias no setor pblico/organizadopor Marizaura Reis de Souza Cames, Maria JliaPantoja e Sandro Trescastro Bergue. Braslia : ENAP, 2010.

    xxx p.

    ISBN 978-85-256-0069-1

    1. Gesto de Pessoas. 2. Servio Pblico. 3. Administrao Pblica.4. Capacitao Profissional. I. Ttulo

    CDU 331.101.262

    A reproduo total ou parcial permitida desde que citada a fonte.

    ENAP, 2010

    Tiragem: 1.000 exemplares

    ENAP Fundao Escola Nacional de Administrao PblicaSAIS rea 2-A

    70610-900 Braslia, DFTelefones: (61) 2020 3096 / 2020 3102 Fax: (61) 2020 3178Stio: www.enap.gov.br

    Edio: Tatiana Beltro Gomes Reviso de Texto: Daniella lvares de ArajoMelo, Diego da Silva Gomes, Dominique Ferreira Feliciano de Lima e Roberto Carlos

    Arajo Projeto grfico: Maria Marta da R. Vasconcelos e Livino Silva Neto Capa: xxxxxx Reviso grfica: Livino Silva Neto Editorao Eletrnica: Ana Carla GualbertoCardoso e Maria Marta da R. Vasconcelos Catalogao na fonte: Biblioteca GracilianoRamos/ENAP

    Comisso EditorialHelena Kerr do Amaral, Paula Montagner, Paulo Sergio de Carvalho, Elisabete Roseli Ferrarezi,Tatiana Beltro Gomes, Livino Silva Neto.

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    Gesto de Pessoas:

    Bases Tericas e Experinciasno Setor Pblico

    Organizadores:

    Maria Jlia PantojaMarizaura Reis de Souza Cames eSandro Trescastro Bergue

    Escola Nacional de Administrao PblicaENAP

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    SUMRIO

    Apresentao 7Helena Kerr do Amaral

    Captulo IGesto Estratgica de Pessoas: bases para aconcepo do Curso de Especializao emGesto de Pessoas no Servio Pblico 9Rosane Schikmann

    Captulo IIEspecializao em Gesto de Pessoas no ServioPblico: uma perspectiva da vivncia docenteno contexto curso 29Sandro Trescastro Bergue

    Captulo IIIAprendizagem e o Desenvolvimento de Competncias49Claudia Simone Antonello e Maria Jlia Pantoja

    Estudo I Suporte Transferncia de Treinamento:Estudo de caso na Administrao Pblica 103Marizaura Reis de Souza Cames

    Estudo II Atuao da Escola da Previdncia Social:Fatores intervenientes e aes para a sua institucionalizao

    na Previdncia Social 121Rosangela Ferreira Mendes Salgado

    Captulo IVGesto de Desempenho Profissional: conhecimentoacumulado, caractersticas desejadas ao sistema edesafios a superar 143

    Catarina Ceclia Odelius

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    Estudo III A identificao de fatores crticos implantao

    de um Sistema de Avaliao de Desempenho em uma

    instituio pblica 175

    Maria Ins de Mello Espnola DiasEstudo IV Gesto de Desempenho: Estudo de uma

    carreira tpica da Administrao Pblica Federal 195

    Simone Maria Vieira de Velasco

    Captulo V

    Sistemas de Remunerao, Justia e Suporte

    Organizacionais 219Angelino Rabelo dos Santos

    Estudo V Percepo de Justia Organizacional de

    Sistema de Remunerao Ministrio da Cultura 263

    Karina de Vasconcellos Silva

    Estudo VI Percepo de Suporte Organizacional: um

    estudo de caso na Secretaria de Recursos Humanos do

    Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto 281Maria Raquel Stacciarini

    Captulo VI

    A Psicodinmica do Trabalho: um olhar sobre asade do trabalhador

    Elisabeth Zulmira Rossi 301

    Estudo VII O papel da estratgia de defesa nas vivncias

    de prazer e sofrimento no trabalho em uma autarquia federal 317

    rica Rodrigues Zanon Silva

    Captulo VII

    Consideraes finais 341

    Maria Jlia Pantoja e Sandro Trescastro Bergue

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    APRESENTAO

    A Escola Nacional de Administrao Pblica (ENAP) tem o prazer

    de apresentar este livro sobre gesto de pessoas no servio pblico, que trazcontribuies sobre um campo temtico ainda pouco explorado no pas.

    Embora haja extensa literatura dedicada gesto de pessoas nas empresas,

    poucas obras tomam como foco as especificidades desse tema na adminis-

    trao pblica.

    O livro sistematiza reflexes realizadas por docentes e alunos no

    decorrer da primeira edio do curso de Especializao em Gesto de

    Pessoas no Servio Pblico, realizado pela ENAP no perodo de 2007 a2009. Dessa forma, valoriza a articulao entre o conhecimento acadmico

    trazido por professores de renomadas universidades brasileiras e a expe-

    rincia dos servidores pblicos participantes do curso. Ao disseminar os

    aprendizados gerados, a publicao busca ampliar o debate sobre os temas

    em referncia e subsidiar o intercmbio e a produo de conhecimentos

    inerentes temtica no servio pblico, considerando sua centralidade

    para a sustentabilidade dos programas de governo.Nos artigos publicados, professores e alunos tratam de temas, conceitos

    e experincias que hoje so desafios na gesto de pessoas no setor pblico.

    No h pretenso de fazer abordagens conclusivas e, sim, trazer indagaes

    e apontar desafios contemporneos a serem enfrentados. Os textos sele-

    cionados para esta publicao foram organizados em sete captulos tericos

    e sete estudos de caso, que levam em conta a centralidade e relevncia dos

    temas no debate atual da gesto de pessoas.Os estudos de caso so baseados em trabalhos de concluso de curso

    apresentados por alunos para obteno do ttulo de especialista em Gesto

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    de Pessoas no Servio Pblico. Os textos foram retrabalhados, com apoio

    dos docentes responsveis por este livro, para tornarem-se mais sintticos e

    afinados com o objetivo da publicao.As reflexes suscitadas nos estudos de caso so fruto das experincias

    vivenciadas pelos alunos em sua vida laboral e nas reflexes em sala de

    aula e, assim, expressam um conhecimento coletivo que s foi possvel gra-

    as rede construda nos encontros presenciais propiciados pelo curso. Os

    textos so resultado de um curso que est em permanente construo

    uma elaborao conjunta, um produto compartilhado, como todo processo

    de educao de adultos no mundo do trabalho deve ser. Portanto, esta obra

    um exemplo concreto e acabado do ambiente de aprendizagem, partici-

    pao e integrao que a ENAP tem implementado no cumprimento da

    misso de desenvolver competncias de servidores pblicos para aumentar

    a capacidade de governo na gesto de polticas pblicas.

    O curso de Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico

    foi construdo pela ENAP de acordo com as orientaes do Comit Gestor da

    Poltica Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (CG/PNDP), do qual a

    Escola parte integrante. A especializao almejou contribuir para a consoli-

    dao da PNDP, com a capacitao, em nvel estratgico, de servidores das

    reas de desenvolvimento e gesto de pessoas dos rgos pblicos federais,

    visando o fortalecimento das unidades de recursos humanos e a atuao

    sintonizada com as diretrizes da Poltica. Formar profissionais para atuarem

    no desenvolvimento de pessoal, capacitando-os a discutirem a realidade da

    gesto de pessoas por competncias e seus impactos sobre a poltica de

    recursos humanos na Administrao Pblica o objetivo geral do curso.

    Braslia, setembro de 2010.

    Helena Kerr do Amaral

    Presidente da ENAP

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    CAPTULO I

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    Rosane Schikmann

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    Gesto Estratgica de Pessoas: Bases para a concepo do curso de Especializao emGesto de Pessoas no Servio Pblico

    GESTO ESTRATGICADE PESSOAS:BASESPARAACONCEPODOCURSODE

    ESPECIALIZAOEM GESTODE PESSOASNO SERVIO PBLICO

    Rosane Schikmann

    Introduo

    Coerente com a proposta de transformao que a Poltica Nacional

    de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP) enseja, nos termos explicitados na

    nota de apresentao desta obra, a estrutura e a operacionalizao do curso

    de Gesto de Pessoas no Servio Pblico foram organizadas e levadas a

    efeito com vistas a estimular uma atitude reflexiva e a ampliar a capacidadede interpretar fatos, identificar conexes, paradoxos e questes subjacentes

    gesto de pessoas na administrao pblica federal. O resultado esperado

    foi a instrumentalizao tcnica e conceitual dos profissionais que lidam

    com pessoas no setor pblico, para apoi-los de maneira adequada na tomada

    de deciso em seu mbito de atuao, em relao a: alocao das pessoas,

    formao e atualizao dos perfis profissionais, arranjos organizacionais,

    estruturao dos processos tpicos e formas de realizar o trabalho, consi-

    derando sempre o contexto vigente e as reais possibilidades de mudana.

    A abordagem pedaggica desenvolvida privilegiou no apenas a

    apresentao de conceitos relativos aos temas tratados, mas tambm a

    realizao de exerccios prticos, preferencialmente aqueles relacionados

    soluo de problemas reais vividos pelos alunos em situaes de trabalho.

    Completaram os recursos pedaggicos propostos: os trabalhos em grupo e

    individuais, vivncias, estudos de caso, filmes, discusses e debates, pesquisas

    bibliogrficas e de campo e redao de textos.As tendncias atuais apontam para a gesto estratgica das organi-

    zaes, incluindo a gesto de pessoas. Assim, a ideia para esse curso foi a

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    Rosane Schikmann

    de enfatizar tal abordagem, buscando demonstrar seu distanciamento

    do modelo clssico de gesto, inspirado em valores de fundo taylorista-

    fayolista, balizadores da atuao do Departamento de Administrao doServio Pblico (DASP) a partir do final da dcada de 30 do sculo passado.

    Mas que ainda permanecem em muitas das organizaes pblicas, apesar

    de diversas delas adotarem, embora no integralmente, elementos identi-

    ficados com o modelo gerencial e seus respectivos mecanismos e instru-

    mentos de gesto estratgica.

    Desta forma, o modelo de gesto estratgica de pessoas foi escolhido

    como base do curso para formar profissionais alinhados com as modernas

    tendncias de gesto existentes na atualidade. Muitas delas j consagradas

    no mbito da iniciativa privada, ainda que dependentes de uma profunda

    reflexo por ocasio de sua transposio para o setor pblico.

    Este artigo pretende apresentar o encadeamento lgico utilizado para

    a concepo do curso de Especializao em Gesto de Pessoas no Servio

    Pblico. Procura tambm discorrer sobre o contexto vigente na gesto pblica

    e suas consequncias, assim como sobre o continuum da migrao da

    administrao de pessoal para a gesto de pessoas, e dessa para a gesto

    estratgica de pessoas.

    O contexto vigente no mbito da gesto pblica

    A sociedade vem exigindo do poder pblico uma atuao cada vez

    mais voltada para o alcance de resultados, isto , alm da eficincia to perse-

    guida pelas organizaes nos ltimos tempos, atualmente a eficcia e aefetividade da ao governamental so as palavras de ordem. No basta

    atuar de forma a obter a melhor relao custo-benefcio, se os resultados

    almejados no forem alcanados e se no atenderem necessidades legtimas.1

    Os usurios do servio pblico tm aumentado o nvel de exigncia

    em relao satisfao de demandas. A qualidade e a adequao dos

    servios s necessidades dos usurios so hoje aspectos crticos para o bom

    desempenho de qualquer rgo ou entidade da administrao pblica.Alm disso, a exigncia de transparncia e tica, a crescente escas-

    sez de recursos em todas as esferas e a necessidade de aproximao do

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    usurio, em relao aos servios pblicos, reforam a abordagem por meio

    da eficcia e da descentralizao. Isso exige um aumento da flexibilidade,

    da prontido2

    e da capacidade de adaptao dessas organizaes, implicandoo uso de novas tecnologias, especialmente o da tecnologia da informao, e

    da modernizao da estrutura normativa, organizacional e de pessoal.

    Embora essas transformaes no sejam novidade nas organizaes

    privadas, nas pblicas elas representam uma grande mudana no somente

    nas formas de estrutura e funcionamento, mas na ressignificao dos sentidos

    que tanto o servidor quanto a sociedade atribuem ao que pblico. Tal

    quadro tem conduzido as organizaes pblicas a repensar seus objetivos e

    a rever suas estruturas e processos para o alcance do desempenho desejado.

    A transformao dos rgos pblicos para a configurao de um modelo

    pautado por resultados pressupe a ruptura com alguns dos padres

    gerenciais vigentes e o profundo repensar de outros.

    De fato, no se pode pensar em transformaes substantivas na

    sociedade, e por extenso na administrao pblica, sem considerar os

    componentes da formao histrica. Elementos da tradio legalista e formal

    da administrao pblica, combinados com traos culturais como o

    patrimonialismo e o individualismo, quando contrastados com os atributos

    idealizados de uma burocracia profissional como a impessoalidade e o mrito,

    entre outros, culminam na gerao de um ambiente complexo e desafiador

    para a gesto de pessoas nas organizaes pblicas.

    Essa herana forjou um estilo gerencial com traos autoritrios,

    permeado de relaes por vezes excessivamente formais e, paradoxalmente,

    carentes de padronizao. Nesse contexto organizacional, em nome daeficincia, assume destaque um arranjo mecanicista ao estilo taylorista em

    que aqueles que realizam atividades operacionais pouco so estimulados a

    pensar formas alternativas de gesto, provocando com isso uma ciso entre

    o operacional e o intelectual. Alm disso, as barreiras mobilidade funcional

    e as estruturas organizacionais rgidas reforam a forma de funcionar que

    no mais responde ao imperativo de uma realidade complexa e multifacetada,

    tanto no que diz respeito s demandas sociais quanto quelas advindas doconcerto dos servidores pblicos, notadamente no que concerne a carreiras,

    realizao e reconhecimento profissional.

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    Rosane Schikmann

    Nesse contexto, fenmenos disfuncionais extremos podem por vezes

    emergir, tais como a percepo de acentuada valorizao do tempo de servio

    em detrimento das competncias, e a proteo dos cargos e funes, confi-gurando expresses de clientelismo, dficits meritocrticos e de transpa-

    rncia na gesto de pessoas. A exacerbao desses traos capaz de

    promover um mecanismo que opera na contramo da busca por resultados.

    Isso porque no enfatiza o desempenho e nem incentiva a busca de aprimo-

    ramento e a aquisio de competncias a serem aplicadas na organizao

    com o propsito de alcanar seus objetivos e metas estratgicas.

    Tal conjunto, entretanto, vem sendo transformado no plano

    institucional; movimento para o qual concorrem as transformaes cons-

    titucionais operadas desde o final da dcada de 1990 at recentes atos

    executivos como os Decretos no 5.707/2006 e 7.133/2010, que tratam,

    respectivamente, dos temas da gesto por competncias e da avaliao

    de desempenho.

    Essas transformaes tm promovido movimentos orientados para

    mudanas em alguns traos caractersticos comumente associados organi-

    zao do servio pblico e ao conjunto dos servidores pblicos que reclamam

    um repensar. A prpria ENAP tem assumido um papel de vanguarda no

    processo ao fomentar a difuso e a reflexo sobre os modelos de gesto em

    voga nos diferentes momentos desse processo (ENAP, 2000; 1998, entre

    outros).

    Caractersticas das organizaes pblicas

    A forma como a gesto dos recursos humanos realizada hoje se

    deve a um conjunto de caractersticas comuns maioria das organizaes

    pblicas e que podem ser evitadas. Entre elas, destacam-se:

    a) Rigidez imposta pela legislao nas entrevistas e discusses com

    o pessoal que atua em organizaes pblicas, percebe-se que eles tm, muitas

    vezes, ideias para solucionar os problemas que se apresentam, mas muitas

    das solues esbarram na legislao, que os impede de implement-las. No

    entanto, ainda que dependa de um processo legislativo complexo, inerente

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    administrao pblica cogitar as hipteses de mudana na legislao,

    inclusive como forma de preservar o interesse pblico;

    b) Desvinculao da viso do cidado como destinatrio do serviopblico em diversas organizaes pblicas ainda no clara a ideia de que

    o cidado a razo de ser da organizao, pois para ele que qualquer

    servio pblico trabalha. Por outro lado, o prprio cidado desacredita o

    papel do servio pblico como forma de soluo para seus problemas. Como

    est muito arraigado na cultura da populao, sugere-se a necessidade de

    mudana de mentalidade dos dois lados.

    c) Pouca nfase no desempenho muitas organizaes pblicas aindano vinculam a realizao do trabalho com o adequado desempenho. Apesar

    dos esforos orientados para a introduo dos valores da meritocracia que

    remontam dcada de 1930 e dos movimentos mais recentes de avaliao

    de desempenho que alcanam a dcada de 1970, tambm por conta da falta

    de viso do cidado como cliente, o desempenho nem sempre considerado

    na realizao do trabalho. Entenda-se por desempenho a realizao do

    trabalho de forma eficiente, eficaz e efetiva. Em outras palavras, o trabalho

    sendo realizado da melhor forma possvel, direcionado para o alcance dos

    objetivos e metas da organizao, atingindo os resultados desejados no prazo

    previsto e satisfazendo aqueles para os quais o trabalho realizado de forma

    permanente e contnua.

    d) Mecanismos de remunerao que desvinculam os vencimentos

    do desempenho os funcionrios sentem-se pouco estimulados a melho-

    rar seu desempenho, uma vez que a remunerao independe desse fator.

    De um lado, pode-se referir que esse fenmeno capaz de provocar a

    inrcia e a falta de comprometimento dos funcionrios. Por outro, entre-

    tanto, se tomado o fato de que desde a dcada de 1970 so experimen-

    tadas sucessivas frustraes em termos de propostas de remunerao

    associadas ao desempenho, ento resta manifesto o imperativo de repensar

    as bases desses processos.

    e) Limites postura inovativa alm da questo remuneratria, a

    prpria rigidez da legislao estimula a inrcia gerencial, uma vez que muitas

    iniciativas esbarram nas limitaes da legislao.

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    Rosane Schikmann

    f) Poucos mecanismos de planejamento e pouca preocupao com a

    gesto a fraca nfase no desempenho conduz a uma atuao voltada para

    o cumprimento das tarefas do dia a dia, sem preocupao com um planeja-mento que contemple uma viso para o curto, mdio e longo prazo. Por

    conta disso tambm no h uma cultura de monitoramento de resultados,

    feedbacke envolvimento dos funcionrios na melhoria contnua da gesto.

    g) Rotatividade na ocupao de posies de chefia por conta da

    rotatividade, as posies de chefia podem apresentar intensa alternncia

    entre os membros da equipe de trabalho ou do rgo. Nesse particular,

    todavia, caberia uma investigao emprica envolvendo o mapeamento dos

    fluxos, o destino daqueles que deixam as posies de chefia e da percepo

    das pessoas em relao ao impacto desses condicionantes no desempenho

    da equipe, em particular no que diz respeito s medidas de responsabilizao.

    h) O papel da gratificao em muitas situaes nas organizaes

    pblicas a gratificao utilizada como forma improvisada de compensao

    impossibilidade de aumento salarial. Tal fator constitui uma deformao

    da verdadeira funo da gratificao, que foi criada para contemplar funes

    desempenhadas que apresentam algum risco ou esforo adicional aos

    previstos na execuo da maior parte das tarefas da organizao.

    Administrao de pessoal x gesto de pessoas

    Em muitas das organizaes pblicas brasileiras, as reas que cuidam

    da gesto de pessoal ainda se dedicam principalmente s atividades relacio-

    nadas folha de pagamento, benefcios da aposentadoria e afins, propo-

    sio de leis, regras e regulamentos, alm de desenvolver algumas aes

    pontuais e emergenciais de treinamento e capacitao.

    A forma de atuao das reas geralmente reativa, respondendo

    quando acionadas pelas demandas das outras reas da organizao e funcio-

    nrios, indicando que elas no possuem o controle dos assuntos que estariam

    afetos sua responsabilidade.

    O foco nessas demandas prioriza as questes emergenciais, relegandoa segundo plano as atividades estratgicas como o estabelecimento de objetivos

    e metas alinhados com as definies da organizao, o planejamento de aes

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    Gesto Estratgica de Pessoas: Bases para a concepo do curso de Especializao emGesto de Pessoas no Servio Pblico

    e a definio de polticas como, por exemplo, a de contratao, capacitao e

    remunerao de pessoal, entre outras.

    Alm disso, muitas organizaes pblicas ainda no vinculam a reali-zao do trabalho com o adequado desempenho, e este, por sua vez, est

    desvinculado dos mecanismos de remunerao. O fato de haver pouca ou

    nenhuma nfase no desempenho, no resultado e nos critrios de mrito

    refletido pela falta de mecanismos para o desenvolvimento profissional

    contnuo e permanente e pelo pouco estmulo rotao de funes.

    Cabe salientar tambm que, embora no exista um conjunto de regras

    que possa ser denominado efetivamente de poltica de gesto de pessoas,

    as normas e definies existentes, principalmente aquelas constantes nos

    planos de cargos, podem suscitar a acomodao dos funcionrios. Entre

    elas se destacam a utilizao do tempo de servio como critrio prioritrio

    para a progresso e a utilizao da gratificao como forma improvisada de

    compensao impossibilidade de aumento salarial.

    A descrio de cargos, da forma como realizada, limita o escopo de

    atuao dos funcionrios, desestimulando a multifuncionalidade e a viso

    sistmica, e configura com frequncia os desvios de funo que so muito

    comuns nos diversos rgos pblicos em todos os mbitos.

    O recrutamento e a seleo realizados por concursos tm foco

    baseado em cargos e, no, em competncias. A forma genrica como os

    cargos so descritos possibilita a alocao das pessoas em reas

    com caractersticas muito diferentes, mas, de fato, no supre as reais

    necessidades em relao s competncias necessrias para a realizao

    de suas atividades tpicas.As caractersticas aqui descritas correspondem ao perfil de uma rea

    denominada de departamento de pessoal, que realiza a administrao de

    pessoal. Mesmo considerando as iniciativas adotadas por diversas organi-

    zaes pblicas brasileiras no sentido de transformar os departamentos de

    pessoal em autnticas unidades de gesto de pessoas, esse novo perfil de

    gesto estratgica precisa ser consolidado com a efetiva realizao de suas

    atividades tpicas.Nota-se que em muitos casos, embora a estrutura organizacional tenha

    sido modificada, incluindo reas que realizam atividades tpicas de gesto de

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    Rosane Schikmann

    pessoas, na prtica esses campos no tm funcionado em plenitude, com a

    abrangncia e profundidade necessrias.

    A substituio da administrao de pessoal pela gesto de pessoasimplica a implementao de mudanas que no seu conjunto constituiro o

    que denominamos de gesto estratgica de pessoas.

    Gesto estratgica de pessoas

    O conceito de gesto estratgica se refere a um tipo de gesto que se

    preocupa com os objetivos e metas da organizao e com o desempenho eas formas de atuao mais adequados para concretiz-los, considerando-se

    o curto, o mdio e o longo prazos. O foco a definio dos resultados

    esperados, o planejamento e o monitoramento das aes para seu alcance.

    O desempenho diz respeito no s organizao, mas tambm s

    pessoas que nela atuam. O planejamento estratgico da organizao, em

    que so definidas as diretrizes para desempenho, desdobrado nos diversos

    nveis organizacionais at o individual.

    O modelo de gesto estratgica de pessoas inclui a definio dos perfis

    profissionais e da quantidade de pessoas com tais perfis, necessrios para

    atuar na organizao. Alm disso, abrange o estabelecimento de uma poltica

    que oferecer o respaldo adequado para a sustentabilidade da gesto.

    Essa poltica dever contemplar os aspectos relativos ao recrutamento

    de pessoal, estratgia de desenvolvimento profissional e pessoal, estra-

    tgia de realocao e redistribuio do pessoal, avaliao de desempenho,

    estrutura de carreira, remunerao e aos incentivos, entre outros.

    Cabe ressaltar que a definio dessas polticas no se restringe ao

    estabelecimento de regras aleatrias para cada tema. Elas devem ser integradas

    de modo a imprimir consistncia e coerncia. Tal integrao deve se basear em

    um conjunto bsico de premissas a serem utilizadas como diretriz para o enun-

    ciado de todas as definies includas no conjunto de polticas de gesto de

    pessoas.

    Os principais aspectos a serem contemplados por essa poltica incluem: A definio de critrios para o recrutamento de pessoal, baseado

    nas competncias necessrias organizao;

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    Gesto Estratgica de Pessoas: Bases para a concepo do curso de Especializao emGesto de Pessoas no Servio Pblico

    O estabelecimento de uma estratgia de desenvolvimento profissionale pessoal que possibilite o aprimoramento contnuo do quadro de pessoal;

    A estruturao da avaliao do desempenho que permita, alm davinculao progresso do funcionrio, a identificao das necessidades decapacitao;

    A definio de critrios para a criao de carreiras que estimulem odesenvolvimento profissional e o desempenho;

    O estabelecimento de uma estratgia de realocao e de redistri-buio de funcionrios que seja compatvel com os perfis e quantitativos

    necessrios organizao. nesse contexto que entra a gesto estratgica de pessoas que,

    alinhada aos objetivos e metas da organizao, se preocupa com o perfil e

    com o quantitativo adequados ao quadro de pessoal, para realizar as atividades

    que lhe so atribudas, garantindo o desempenho esperado.

    A premissa do desempenho e do alcance dos resultados esperados

    implica uma srie de mudanas na forma de agir do atual departamento de

    pessoal, por meio de um modelo de gesto estratgica de pessoas, trans-

    formando-o em uma rea de gesto estratgica de pessoas.

    A rea de gesto de pessoas

    No cenrio aqui descrito, a rea de gesto de pessoas passa a

    desempenhar um papel estratgico, em que ela deve conhecer a essncia

    da organizao e de cada uma de suas reas para garantir a melhor aplicao

    e alocao possveis dos recursos humanos.Essa rea deve ser a detentora das informaes sobre o perfil dos

    funcionrios da organizao e tambm sobre os resultados, devendo

    coordenar os esforos para suprir as necessidades de pessoal de uma forma

    altamente tcnica, com a identificao dos perfis profissionais adequados.

    Isso inclui a criao de oportunidades de crescimento profissional para as

    pessoas da organizao, uma vez que novas competncias individuais podero

    ser necessrias.A atuao estratgica dessa rea prev que sejam reestudadas as

    formas de admisso de funcionrios, baseando-se na identificao das

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    Rosane Schikmann

    competncias essenciais para a organizao e daquelas que podem ser obtidas

    fora da organizao. O cunho estratgico dessa e das demais reas da

    organizao deve representar a obteno dos melhores resultados com amelhor aplicao possvel de todos os recursos.

    O gestor que trata da gesto estratgica de pessoas precisa estar

    preparado para fazer frente ao novo desafio que se apresenta com as mudanas

    de escopo e de abordagem at ento praticados na gesto de pessoas.

    Para a implementao da gesto estratgica de pessoas, novas atividades,

    mecanismos e instrumentos devero ser includos no escopo de ao e atuao

    da rea de gesto de pessoas. Para efeito da percepo da real dimenso do

    que denominamos de gesto estratgica de pessoas e do esforo a ser empreen-

    dido para a implantao dessas mudanas, so apresentadas, a seguir, de forma

    sucinta, as principais caractersticas desses mecanismos e instrumentos.

    Mecanismos e instrumentos da gesto estratgica de pessoas

    Os principais mecanismos e instrumentos da gesto estratgica

    de pessoas so: a) Planejamento de recursos humanos; b) Gesto decompetncias; c) Capacitao continuada com base em competncias; e

    d) Avaliao de desempenho e de competncias. Esses elementos guardam

    uma relao de dependncia entre si. A Gesto de competncias define

    as competncias e os perfis profissionais necessrios organizao e,

    com base nessas definies, o Planejamento de recursos humanos realiza

    o dimensionamento e a alocao dos perfis. Por outro lado, a Avaliao de

    desempenho e de competncias analisa o desempenho das pessoasportadoras dos perfis profissionais definidos e verifica a efetividade,

    oferecendo insumos para a definio da Capacitao continuada.

    a) Planejamento de recursos humanos

    Considerando que as necessidades de pessoal em uma organizao

    variam ao longo do tempo, o Planejamento de recursos humanos visa siste-

    matizar a avaliao das necessidades futuras de pessoas na organizao,com o objetivo de supri-la com um quadro de pessoal adequado em relao

    ao perfil profissional e composio quantitativa e qualitativa.

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    Gesto Estratgica de Pessoas: Bases para a concepo do curso de Especializao emGesto de Pessoas no Servio Pblico

    Ele inclui a definio de estratgias e aes para viabilizar o suprimento

    dessas necessidades, alinhadas aos objetivos e metas organizacionais, inte-

    gradas ao seu planejamento estratgico, vinculadas s disponibilidadesoramentrias e dentro das exigncias legais. O Planejamento de recursos

    humanos tem como pressuposto o envolvimento da alta direo e dos diversos

    nveis gerenciais, alm de representantes de todas as reas da organizao.

    Ele tambm pressupe a construo de um cenrio futuro para a

    definio de perfis profissionais e composio qualitativa e quantitativa do

    quadro de pessoal. Para isso, realizada uma avaliao de possveis mudanas

    no contexto interno e externo organizao, a fim de identificar os gaps decompetncias e desenvolver estratgias para o suprimento desses.

    Salienta-se que esse planejamento um processo contnuo que deve ser

    revisto periodicamente, uma vez que as necessidades mudam ao longo do tempo

    e os perfis profissionais, composio e quantitativo, devem acompanhar essas

    alteraes. A utilizao contnua desse processo propiciar a adequao do

    dimensionamento do quadro de pessoal no servio pblico.

    b) Gesto de competncias

    Para tratar desse tema necessrio definir competncia e, para isso,

    entre as diversas definies existentes, destacamos a definio de Fleury

    (2000)3, apresentada a seguir: Competncia um saber agir responsvel e

    reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos,

    recursos, habilidades, que agreguem valor econmico organizao e valor

    social ao indivduo. Essa definio pressupe a aplicao dos conhecimentos,habilidades e atitudes do indivduo na organizao.

    Entretanto, a materializao dessa aplicao, segundo Dutra (2001),

    s se realiza efetivamente se o indivduo realmente entregar suas compe-

    tncias organizao. O conceito de entrega, proposto por Dutra, comple-

    menta a definio de competncia apresentada, e inclui a capacidade de

    entrega como um fator condicionante genuna aplicao dos conhecimentos,

    habilidades e atitudes individuais.Assim, podemos dizer que a competncia abrange os conhecimentos

    (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (saber ser) que um indivduo

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    Rosane Schikmann

    tem ou adquire, e entrega organizao ao realizar as atividades sob sua

    responsabilidade para a consecuo dos objetivos.

    A lgica da gesto de competncias baseia-se na adequao do perfildo quadro de pessoal s necessidades da organizao em termos dos

    conhecimentos, habilidades e atitudes que devem estar presentes para a

    realizao das atividades tpicas.

    Segundo Brando e Guimares (1999), cabe uma distino entre

    Gesto por competncias e Gesto de competncias. A primeira se refere

    estruturao das atividades das reas e das equipes da organizao de acordo

    com os tipos de competncias necessrias para realiz-las. A segunda se

    refere ao conjunto de mecanismos utilizados para gerir as competncias,

    incluindo o planejamento, a organizao, a avaliao e a escolha das formas

    de desenvolvimento de competncias necessrias ao alcance dos resultados

    pretendidos. No caso da administrao pblica federal, o Decreto no 5.707/

    2006, que institui a Poltica Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP)

    adota a gesto por competncias.

    A lgica da gesto de competncias pode se enquadrar condio das

    organizaes pblicas, uma vez que no contexto atual elas se deparam com

    mudanas cada vez mais rpidas e constantes das demandas dos cidados, o

    que implica a busca de novas formas de atend-las, e que, por sua vez, leva

    necessidade de adequar os perfis profissionais s novas situaes.

    Entretanto, h um desafio utilizao dessa lgica nas organizaes

    pblicas, uma vez que, para alocar as pessoas pelas reas da organizao, so

    considerados apenas os tipos de cargos e a descrio geralmente sumria de

    suas atribuies, em lugar de serem consideradas as competncias para arealizao das atividades. Assim, ocupantes de um mesmo cargo podem ser

    alocados em reas com perfis e necessidades muito diferentes, que ao fim e

    ao cabo no podero ser atendidas de forma adequada, uma vez que no

    foram consideradas as competncias especficas para cada caso, correndo o

    risco de no alcanar os resultados e o desempenho pretendidos.

    A gesto de competncias utiliza mecanismos e instrumentos tais como

    o mapeamento de competncias, que identifica as competncias necessrias organizao e as presentes no quadro de pessoal, e o banco de talentos, que

    se constitui em um banco de dados com as informaes detalhadas sobre os

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    Gesto Estratgica de Pessoas: Bases para a concepo do curso de Especializao emGesto de Pessoas no Servio Pblico

    perfis profissionais do quadro de pessoal, utilizado quando a organizao ne-

    cessita planejar a alocao de pessoal ou realizar a realocao das pessoas.

    c) Capacitao continuada com base em competncias

    A inteno da capacitao o desenvolvimento de um quadro de

    pessoal com as competncias necessrias para satisfazer s necessidades

    e aos objetivos da organizao, de modo a garantir seu bom desempenho e

    o alcance dos resultados e metas estabelecidos no planejamento estratgico4.

    Ela deve se basear no mapeamento das competncias necessrias

    organizao e nas existentes no quadro de pessoal, identificando os gapsentre o necessrio e o existente. Deve tambm utilizar os resultados da

    avaliao de desempenho, que constitui uma rica fonte de informao sobre

    as necessidades de capacitao.

    A capacitao deve ser um processo contnuo, uma vez que medida

    que a organizao evolui, acompanhando as mudanas das demandas

    externas, surgem novas necessidades em termos de competncias que devem

    ser supridas com o fornecimento de novos programas de capacitao.Ela deve ser um dos principais mecanismos para o desenvolvimento

    profissional do quadro de pessoal e dever ser um dos fatores a serem

    considerados para o estabelecimento do mrito e para a progresso na

    carreira. Esta ltima, entretanto, considera tambm, para efeito de evoluo

    na carreira, outros quesitos como a realizao de cursos de formao e de

    ps-graduao em assuntos compatveis com as competncias essenciais,

    ligadas misso da organizao.Esse tema, a propsito, constitui objeto de anlise do captulo trs

    desta publicao.

    d) Avaliao de desempenho e de competncias

    A avaliao de desempenho, que tambm objeto de abordagem

    especfica no captulo quatro, um sistema formal de gerenciamento que

    prov a avaliao da qualidade do desempenho individual e/ou institucionalem uma organizao. Assim, ela pode visar apenas o indivduo ou tambm

    as equipes, as reas e a organizao.

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    Rosane Schikmann

    A avaliao de desempenho institucional pode ser um elemento de

    complementaridade da avaliao individual, fortalecendo o trabalho em equipe

    e facilitando o alcance das metas definidas. Ela no deve ser utilizada isolada-mente, pois pode causar uma viso distorcida em relao ao desempenho

    individual, uma vez que oferece os dados consolidados referentes a uma equipe

    ou rea e esses nem sempre coincidiro com os resultados individuais.

    A adoo de uma poltica de avaliao de desempenho representa

    uma ferramenta importante para o desenvolvimento de uma cultura voltada

    para resultados. Tal afirmao baseada no pressuposto de que o alinha-

    mento de objetivos individuais e das equipes s metas da organizao implica

    o maior envolvimento dos funcionrios de todos os nveis, os quais passam

    a se sentir pessoalmente responsveis pelo desempenho da organizao.

    Em que pese a discusso a respeito da subjetividade de determinados

    critrios adotados e a tendncia complacncia por parte dos avaliadores,

    se bem utilizada, a avaliao de desempenho uma das ferramentas mais

    poderosas de uma organizao. Visa o desenvolvimento profissional e das

    competncias individuais e organizacionais que possibilitem o alcance de

    metas estratgicas.

    No nvel do indivduo, a avaliao de desempenho permite:

    avaliar o desempenho profissional; identificar necessidades de aprimoramento das habilidades pessoais

    e profissionais;

    refletir sobre os pontos fortes e fracos de cada avaliado; conhecer o potencial do funcionrio;

    obter subsdios para a progresso na carreira, com base em compe-tncias e desempenho, entre outros benefcios.

    No nvel de equipes, reas ou at mesmo no nvel institucional, a

    avaliao de desempenho possibilita, entre outros:

    maior alinhamento das unidades da organizao com suas metas eobjetivos estratgicos;

    o desenvolvimento de uma viso sistmica por parte dos indivduos

    em relao organizao; o desenvolvimento do esprito de equipe; e a percepo da interdependncia entre reas e pessoas.

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    Gesto Estratgica de Pessoas: Bases para a concepo do curso de Especializao emGesto de Pessoas no Servio Pblico

    Assim como no Planejamento de Recursos Humanos, a avaliao de

    desempenho deve contar com o envolvimento de todos os nveis da organi-

    zao, estar integrada com a poltica de capacitao e vinculada ao plano dedesenvolvimento profissional, de modo a oferecer oportunidades de desenvol-

    vimento aos profissionais nos assuntos e reas em que eles apresentem

    pontos fracos.

    O processo de avaliao de desempenho individual prev o dilogo

    entre a chefia e cada um dos subordinados separadamente, para a anlise

    dos resultados da avaliao comparados com os da autoavaliao. por

    meio dessa discusso que ocorre o alinhamento entre as expectativas deambas as partes e a identificao das habilidades, das realizaes, das defi-

    cincias e das mudanas necessrias ao perfil de cada indivduo. nessa

    oportunidade tambm que so estabelecidas as metas individuais para o

    perodo seguinte.

    Esse dilogo promove a aproximao entre a chefia e cada subordi-

    nado, estreitando o relacionamento e estimulando a busca da melhoria do

    desempenho, uma vez que a chefia passa a ser encarada como aliada nabusca do aperfeioamento profissional.

    Vista dessa forma, a avaliao de desempenho se torna no mais um

    mecanismo utilizado apenas para obteno de uma pontuao a ser utilizada

    na progresso e na promoo. Ela se transforma em um instrumento de

    desenvolvimento de competncias individuais e organizacionais.

    Um novo contrato de trabalho

    A gesto estratgica de pessoas voltada para o alcance de resultados

    implica um novo contrato de trabalho a ser estabelecido entre as pessoas

    e a organizao. No estamos falando aqui do contrato formal obrigatrio

    para a efetiva vinculao de um funcionrio, mas de um contrato operacional

    e psicolgico em que sero combinadas as formas de relacionamento entre

    as pessoas e a organizao. Um contrato em que a presena fsica perca

    importncia frente o alcance de resultados, o compromisso ocupe o lugar dasimples lealdade, a iniciativa substitua a pura aceitao e a progresso por

    tempo de servio seja trocada pela progresso por desempenho e mrito.

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    Rosane Schikmann

    Esse contrato visa criar as condies e o ambiente por parte da orga-

    nizao que estimulem o comprometimento e o interesse dos funcionrios,

    possibilitando mudanas nas atitudes. A criao de tais condies e ambientepressupe demonstrar aos funcionrios que eles no so meros executores

    de ordens dos superiores e que sua participao no fornecimento de propos-

    tas e sugestes para o aperfeioamento da organizao necessria e mui-

    to bem-vinda.

    A iniciativa e o compromisso por parte do pessoal indicam uma nova

    forma de encarar o relacionamento com a organizao. Por outro lado, a

    oferta de oportunidades de crescimento profissional em substituio a simples

    garantias de salrio e de emprego, reflete uma mudana de cultura por

    parte da organizao.

    Para isso, podero ser necessrias mudanas em algumas regras e

    regulamentos formais da organizao. Por exemplo, no caso da mudana

    de critrio de progresso, seria necessria uma reviso dos planos de cargos,

    carreiras e salrios, substituindo o tempo de servio pelo desempenho e

    mrito. Alm disso, como esses planos normalmente no preveem a

    realizao de avaliaes para medir o desempenho e atribuir o mrito, elas

    tambm devero ser includas.

    O quadro abaixo resume algumas das condies para a efetivao de

    um novo contrato de trabalho.

    Condies para a efetivao de um novo contrato de trabalho

    Substituir de Para

    Presena fsica Resultado

    Pura aceitao Iniciativa

    Simples lealdade Compromisso

    Garantias Oportunidade

    Obedincia cega Flexibilidade

    Comunicao de cima para baixo Comunicao em mo dupla

    Fazer sua tarefa Conhecer os objetivos da organizaoProgresso por tempo de servio Progresso por desempenho e mrito

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    Gesto Estratgica de Pessoas: Bases para a concepo do curso de Especializao emGesto de Pessoas no Servio Pblico

    Pode-se considerar, em suma, que os condicionantes institucionais

    para a construo desse novo cenrio de gesto de pessoas na administrao

    pblica federal esto dados, notadamente pela Poltica Nacional de Desenvol-vimento de Pessoas. Elementos outros de estrutura e de regulamentao

    dessas novas diretrizes j podem ser encontrados no arranjo da adminis-

    trao pblica brasileira.

    A filosofia e o formato do curso de Especializao em Gesto de

    Pessoas no Servio Pblico pautaram-se e bem refletem igualmente os

    valores subjacentes aos atributos desejados da gesto de pessoas emergente.

    H desafios de fundo, todavia no que diz respeito capacitao dos especi-

    alistas em gesto de pessoas: o de assumi-la como um processo cclico e

    virtuoso em termos de aprendizado, e o de promover a formao de compe-

    tncias com significado para a administrao pblica. Esse um dos pontos

    a serem abordados no captulo seguinte.

    Notas

    1 BERGUE, S.T. Gesto de Pessoas em Organizaes Pblicas. Caxias do Sul: EDUCS, 2007.2 KON, J. A acelerao das mudanas: como enfrent-las. RAE light, v.4, n.2. 1997.3 FLEURY, A. FLEURY, M.T. Estratgias empresariais e formao de competncias. So Paulo:

    Atlas, 2000.4 DREYFUSS, M.B. et al. Mecanismos de Gesto de Recursos Humanos para o Novo Tribunal

    de Justia. In: GONALVES, J.E.L. (org). A Construo do Novo Tribunal de Justia de SoPaulo. Vol I. So Paulo: FGV, 2005.

    Referncias

    BERGUE, S. T. Gesto de pessoas em organizaes pblicas. Caxias do Sul: EDUCS, 2007.

    BRANDO, H.P., Guimares, T. A. Gesto de Competncias e Gesto de Desempenho:Tecnologias Distintas ou Instrumentos de um Mesmo Construto? Disponvel em: http://www.anpad.org.br/enanpad/1999/dwn/enanpad1999-rh-04.pdf

    DREYFUSS, M. B. et al. Mecanismos de Gesto de Recursos Humanos para o Novo Tribunalde Justia. In: GONALVES, J.E.L. (org).A Construo do Novo Tribunal de Justia de SoPaulo. Vol I. So Paulo: FGV, 2005.

    DUTRA, J.S.(org)Gesto por competncias. So Paulo: Editora Gente, 2001.ENAP.Experincias de avaliao de desempenho na administrao pblica federal. CadernosENAP 19. Braslia: ENAP, 2000.

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    Rosane Schikmann

    . Flexibilidade na gesto de pessoal na administrao pblica. Cadernos ENAPno 16. Braslia: ENAP, 1998.

    FLEURY, A. FLEURY, M.T.Estratgias empresariais e formao de competncias. So Paulo:

    Atlas, 2000.KON, J.A acelerao das mudanas: como enfrent-las.RAE light, v.4, n.2, p. 2-4, 1997.

    MARCONI, N.Diagnstico do sistema de servio civil do governo federal do Brasil. Panam:CLAD, 2003. Disponvel em: http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0047409.pdf. Acesso em: 28/09/2004 (VIII Congreso Internacional del CLAD sobre laReforma del Estado y de la Administracin Pblica, 28-31 oct).

    PARES, A., SILVEIRA, J .P. Gesto pblica orientada para resultados no Brasil. In: Evelyn Levye Pedro Anbal Drago (org). Gesto Pblica no Brasil Contemporneo. So Paulo: Fundap,Casa Civil , 2005.

    SCHIKMANN, R.; CREDICO, R. Utilizao de indicadores de desempenho nos processos de

    avaliao de desempenho individual. In: GONALVES, J.E.L. (org).A Construo do NovoTribunal de Justia de So Paulo. Vol II. So Paulo: FGV, 2005.

    SILVA, M.C.A. Capacitao para a gesto por competncias. In: LEVY, E.; DRAGO, P.A. (org).Gesto pblica no Brasil contemporneo. So Paulo: Fundap, Casa Civil, 2005.

    Rosane Schikmann mestre em Administrao de Empresas pela Escola de Administraode Empresas de So Paulo, FGV/EAESP. Consultora Associada da FGV projetos Professora dePs-graduao da FGV/EAESP. Contato: [email protected]

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    CAPTULO II

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    Sandro Trescastro Bergue

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    ESPECIALIZAOEM GESTODEPESSOASNO SERVIO PBLICO:

    UMAPERSPECTIVADAVIVNCIADOCENTENOCONTEXTOCURSo

    Sandro Trescastro Bergue

    Introduo

    O curso de Gesto de Especializao em Pessoas no Servio Pblico,

    atualmente em sua segunda edio, com os ajustes que a aprendizagem

    proporcionada por uma proposta inovadora e pioneira enseja, foi concebido a

    partir das diretrizes lanadas pela Poltica Nacional de Desenvolvimento de

    Pessoal (PNDP), contida no Decreto no 5.707/2006. Coerente com a natu-reza de um curso de especializao, a proposta de capacitao combina

    elementos tericos e instrumentais que habilitam os profissionais da adminis-

    trao pblica federal a refletir sobre o atual estado de coisas, contrastes,

    limitaes e possibilidades no contexto da gesto de pessoas.

    sobre o conjunto de experincias vivenciadas nesse curso de

    especializao, tomadas predominantemente sob a perspectiva docente, a

    que este texto se refere.O leitor certamente j ouviu algo como: as pessoas so o principal

    ativo da organizao ou sem os servidores no h prestao de servios

    pblicos de qualidade, entre outras variantes dessas mesmas ideias. O

    leitor j refletiu sobre a posio efetivamente ocupada pela rea ou funo

    de Recursos Humanos (RH) nas organizaes pblicas? O que efetiva-

    mente os gestores pblicos pensam da gesto de pessoas? J se questionou

    sobre o porqu disso? Tal anlise, no raro, revela um paradoxo.Questes como essas, sem respostas simples, nortearam os debates

    no desenvolvimento do curso.

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    Sandro Trescastro Bergue

    Alm dessa seo introdutria, o texto desenvolve-se trazendo as

    mltiplas vivncias, experincias e expectativas que compuseram as relaes

    de mtuo ensino e aprendizagem. Nesses processos, destacado o impera-tivo de um tratamento conceitual em gesto de pessoas ressignificado para

    o setor pblico, discusso que enseja a segunda seo. Coerente com esse

    debate, a terceira seo aborda o desafio da linguagem e a apropriao do

    cotidiano como recursos pedaggicos no estabelecimento das conexes entre

    os planos conceitual e vivencial. Sobrevm, na seo 4, um convite supe-

    rao da perspectiva convencional de gesto, de fundo essencialmente

    clssico e inspirao cartesiana, para avanar em direo ao pensar sistmico.

    A quinta seo aborda as expectativas e eixos de transformao da realidade

    da gesto de recursos humanos na administrao pblica, em direo a uma

    gesto de articulao mais estratgica. Por fim, so tecidas consideraes

    finais evocando a ideia essencial de um processo de transformao que no

    pode ser tomado como evento de ruptura, tampouco elemento de continui-

    dade; seno um ponto de inflexo na trajetria de compreenso da gesto

    de pessoas na administrao pblica.

    Mltiplas vivncias, perspectivas e expectativas

    O curso de Gesto de Pessoas no Servio Pblico, concebido nos

    moldes apresentados no captulo produzido pela prof Rosane Schikmann,

    trouxe Escola Nacional de Administrao Pblica (ENAP) uma turma de

    estudantes de ps-graduao qualificada e heterognea. Essa heteroge-

    neidade se manifestou tanto nas diferentes formaes de graduao quanto

    em termos de vivncias em gesto de recursos humanos nos correspon-

    dentes rgos e entidades de origem.

    O compartilhamento de conhecimento, predominantemente emprico,

    dado que o trnsito por conceitos afetos gesto de pessoas estava, de

    modo geral, pendente de elaborao, temperou as expectativas em relao

    formao pretendida no contexto da Poltica Nacional de Desenvolvimento

    de Pessoal, formalizada no Decreto n 5.707/2006. As angstias dos profis-sionais, em relao ao estado da gesto de RH na administrao pblica,

    vinham tona e eram percebidas como comuns, revelando desde deficincias

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    de ordem normativa e organizacional at fatores de fundo comportamental,

    sobressaindo-se os estilos tradicionais de gesto, a forte ingerncia poltica,

    alm de traos culturais j conhecidos que conformam a organizao pblica,tais como o paternalismo, o formalismo, o clientelismo, entre outros.

    Com mltiplas vivncias em relao ao campo da gesto de pessoas

    e experincias em diferentes organismos da administrao pblica federal,

    essa diversidade proporcionou a construo de um espao pedaggico alta-

    mente promissor. Essa riqueza de conhecimento emprico acumulado de

    modo geral explicitando as srias deficincias da rea de gesto de pessoas

    na administrao pblica constituiu o lastro inicial para os debates, reflexese novas construes produzidas em conjunto no transcorrer do curso.

    Mltiplas tambm foram, por conseguinte, as perspectivas do emer-

    gente fenmeno da gesto de pessoas, explicitando-se desde percepes de

    fundo mais formal e legalista prxima do que se convenciona definir como

    administrao de pessoal e que acentua as origens jurdicas do campo no

    contexto brasileiro at atitudes mais inclinadas para o que se visualiza

    como gesto de pessoas em sua expresso mais estratgica, inclusive sobforte influncia do paradigma gerencial em difuso.

    Como consequncia direta dessa diversidade de experincias, compar-

    tilhando um espao comum presencial e virtual de interao, em seletas

    disciplinas em termos de temtica e contedo, dotadas de densa e apropriada

    carga horria, tem-se a formao de grandes expectativas em termos de

    transformao da administrao pblica pela via da gesto de pessoas.

    Uma primeira aproximao, em relao a esse qualificado ambiente,

    permitiu perceber:

    a) que a proposta da ENAP, em resposta ao que propunha o Decreto

    no 5.707/2006, era consistente e estimulante;

    b) que transformaes substantivas na prtica de gesto de pessoas

    na administrao pblica eram possveis, apesar dos desafios que se

    impunham;

    c) que a vontade e a capacidade das pessoas eram muito elevadas e

    no deixavam a desejar (talvez fossem superiores em termos substantivos)

    em relao a esforos anlogos empreendidos na esfera do setor privado;

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    Sandro Trescastro Bergue

    d) que, de modo geral, as pessoas de diferentes realidades comparti-

    lhavam crenas e percepes em relao ao fenmeno contemporneo da

    gesto de recursos humanos.Em essncia, a experincia permitiu ao docente identificar que os

    interesses alimentados pelo tema da gesto de pessoas em organizaes

    pblicas encontravam ressonncia e, por conta disso, restavam fortalecidos.

    O terreno de trabalho promissor, gerado pela convergncia de interesses e

    expectativas de professores e de alunos , sugeria ainda uma preocupao

    com a transposio dos conceitos de gesto de pessoas para o setor pblico.

    Essa transposio de conceitos envolveria um amplo esforo de reflexo

    com vistas construo e difuso de conhecimentos significativos para a

    administrao pblica.

    A necessidade do tratamento conceitual em gesto

    de pessoas ressignificado para o setor pblico

    O campo da gesto notadamente no mbito privado vive, em

    larga medida, de inovaes gerenciais (PAULA; WOOD Jr., 2008). Novos

    conceitos e tecnologias de gesto so produzidos de modo a atender ainda

    que no nvel da superfcie um fluxo virtuoso de identificao de problemas

    e gerao de solues em matria de gesto das organizaes. Afirma-se

    isso porque, a rigor, nem sempre os problemas so realmente problemas e,

    mais comumente ainda, as solues so efetivamente solues.

    A administrao pblica tem nas ltimas dcadas, em razo de ml-

    tiplos fatores, se voltado para o campo da administrao privada em busca

    de solues para problemas aparentemente semelhantes. Foi assim com a

    gesto pela qualidade, com o planejamento estratgico, com o balanced

    scorecardetc. E no diferente com a inspirao encontrada na gesto

    por competncias, por exemplo.

    No se advoga que essas tecnologias de gesto no possam oferecer

    possibilidades de transformao para o setor pblico. Tampouco se afirma

    que o setor pblico absolutamente diferente do setor privado e, portanto,que as solues de gesto concebidas para aquele particular ambiente de

    administrao o privado no podem servir de subsdio para a

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    qualificao da gesto de organizaes pblicas. Definitivamente, no se

    defende isso.

    No se pode esquecer que, a despeito das diferenas substantivasem termos de objetivos de uma empresa e de uma organizao pblica

    da administrao direta (um ministrio, por exemplo) , em ambos os casos

    estamos tratando de organizaes que dependem de gesto. So instituies

    que, por certo, tm distintos objetivos, dispem de recursos em diferentes

    nveis de escassez, atendem s necessidades de um destinatrio do bem ou

    servio pblico gerado (seja ele cliente, contribuinte, usurio de servios

    pblicos ou sociedade de forma mais ampla) etc.

    Se assim so sempre organizaes1 , ento as tecnologias de

    gesto so necessrias. So imperativos para que exista a gesto, indepen-

    dentemente do setor em que operem. A questo que se impe, portanto, a

    seguinte: que tecnologias? E como pode ser efetivado esse processo de

    transposio entre as distintas reas?

    A resposta que se prope a seguinte. As organizaes pblicas tm

    seus sistemas de gesto prprios e erigidos a partir de uma construo

    histrica e particular em termos de atributos materiais e de elementos

    culturais.2 Esse sistema de gesto pode e por que no dizer, deve se valer

    de experincias exgenas (alm das fronteiras organizacionais) a fim de

    transformar e buscar convergncia com as exigncias do contexto mais

    amplo. E, pode-se dizer, talvez seja nesse ponto em particular a forma de

    realizar que tenhamos mais falhado nas experincias anteriores, envol-

    vendo os processos de transposio de tecnologias de gesto do setor priva-

    do para o pblico. A reproduo direta, ou mesmo as adaptaes de modelosde gesto exgenos ao servio pblico, gerar desde apropriaes

    formalsticas ou de faz de conta at verdadeiros traumas organizacionais.

    O tema da transposio de conceitos no novo no campo dos

    estudos organizacionais, sendo pesquisado sob diferentes perspectivas,

    graus de amplitude e de profundidade. Autores como Morris e Lancaster

    (2005) abordam o imperativo que denominam traduo de conceitos;

    Abrahamson (2006) sugere o processo de recombinao criativa; e WoodJr. e Caldas (1998) propem a adaptao criativa (ou a antropofagia

    organizacional).

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    Sandro Trescastro Bergue

    Ao resgatar outro autor brasileiro Ramos (1996) temos como

    conceito de fundo a reduo sociolgica. Mais recentemente, estendendo o

    alcance desse conceito, temos o conceito de reduo gerencial (BERGUE,2008; BERGUE; KLERING, 2010), que, no contexto da transposio de tecnologias

    de gesto do setor privado para a administrao pblica, sugere o imperativo

    da identificao dos conceitos e dos pressupostos subjacentes a essas

    tecnologias e sua ressignificao, seguindo-se a construo de solues

    gerenciais endogenamente orientadas. Isso sempre importante assinalar, a

    partir do que h de mais essencial em uma tecnologia de gesto os conceitos.

    O conceito assume, portanto, uma posio central no processo de

    transposio de tecnologias para a organizao pblica. Ser capaz de tomar

    uma tecnologia gerencial, reconhec-la como objeto cultural produzido em

    um contexto especfico, e a ele vinculado em termos de pressupostos e

    significados, constitui um passo importante do processo de transposio

    significativa. Identificar nessa tecnologia os conceitos que lhe so intrnsecos

    e definidores de sua forma adentrar a sua substncia conceitual, em vez

    de apenas limitar-se ao seu formato constitui outro ponto importante. A

    par disso, submeter esse conceito a um processo de reflexo com vistas

    sua ressignificao, convertendo-o em algo que seja coerente com elementos

    que conformam o sistema de gesto da organizao, , sem dvida, o esforo

    mais desafiante. Essa perspectiva de aprendizagem orientou a proposta de

    capacitao em foco, elaborada pela ENAP.

    Na conduo do curso, buscou-se no somente expor os profissionais

    em formao s tecnologias de gesto de pessoas existentes, notadamente

    aquela em evidncia a gesto por competncias , mas estabelecer osconceitos a elas subjacentes. Esforos foram empreendidos no sentido de

    superar os eventos de superfcie que moldam o fenmeno tecnolgico e adentrar

    o seu arranjo conceitual e de pressupostos fundamentais. Isso com o firme

    propsito de construir uma matriz conceitual que permitisse aos profissionais

    reconhecer os conceitos essenciais a essa e outras tecnologias de gesto de

    pessoas; mas, especialmente no contexto especfico dos seus rgos e enti-

    dades de atuao, os habilitassem a produzir solues gerenciais que fossemsignificativas para a organizao. No se visou, em suma, capacitar esses

    profissionais para a reproduo de um modelo de gesto ou outros, mas sim

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    dot-los de competncias que os conduzissem assuno de uma posio

    autnoma e de sistemtica reflexo, que, ao final, facilitasse a apropriao

    crtica e devidamente contextualizada de conhecimentos produzidosexogenamente administrao pblica.

    Desafio da linguagem e da apropriao do cotidiano:

    conexes entre os planos conceitual e vivencial do

    trabalho na administrao pblica brasileira

    As experincias de convvio em sala de aula aqui tomadas emperspectiva estendida para alcanar tambm as relaes construdas em

    ambiente virtual de aprendizagem, por vezes largamente utilizado permitiriam

    referir ainda diversos outros pontos que bem ilustrariam a importncia da

    proposta do curso. Destaca-se, no entanto, a questo da linguagem, em

    especial a adoo da terminologia que particulariza o campo da administrao

    pblica e a apropriao dos elementos do cotidiano das organizaes pblicas

    como recurso pedaggico.

    No exerccio da atividade docente, seja na graduao ou ps-graduao,

    em diferentes instituies de ensino e pblicos acadmicos escolas de governo

    ou escolas de negcio , tem-se percebido, seja pelas experincias, seja por

    relatos ou leituras, o quanto os alunos tendem a referir uma desconexo

    entre os conceitos abordados em sala de aula e a realidade da organizao.

    Isso provavelmente no seria diferente com a turma de Gesto de Pessoas no

    Servio Pblico, caso o fenmeno no estivesse na pauta de preocupaes

    dos profissionais que conceberam a estrutura curricular e a proposta pedaggica

    do curso.

    Dado o alcance pretendido para o projeto, sempre compreendido no

    contexto da PNDP, a que d ensejo o j referenciado Decreto no 5.707/2006,

    percebeu-se o esforo da ENAP em buscar pelo pas profissionais com estreita

    relao entre os campos terico e prtico. A natureza particular de uma proposta

    de ps-graduao em nvel de especializao, concebida e levada a efeito no

    contexto de uma escola de governo, exige um formato didtico-pedaggicocujo corpo docente seja capaz de, tanto quanto possvel, prover aporte de

    conhecimento contextualizado. Isso implica um concerto de pessoas sensveis

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    Sandro Trescastro Bergue

    ao imperativo de relacionar os conceitos e a realidade das organizaes pbli-

    cas, sempre reconhecidas as suas especificidades de estrutura e funciona-

    mento, linguagem, terminologia, elementos culturais etc.Assim, tende a alcanar melhores resultados a prtica docente que

    parte da experincia vivida pelo profissional-aluno. Em que pese seja

    desnecessrio referir o repdio a uma postura pedaggica que Paulo Freire

    denominaria como de inspirao bancria e de fundo estritamente

    reprodutivista, no demais lembrar que no processo de aprendizagem,

    que tem apenas parte de seu lugar na sala de aula, aquele que est na

    posio de aluno detm largo conhecimento acerca de como se processa

    de fato a gesto de recursos humanos na administrao pblica. Aparen-

    temente, a partir dessa realidade, pode-se construir conhecimento novo e

    significativo. esse conhecimento pr-existente que nas relaes de ensino

    e aprendizagem vem tona, problematizado, sofre um processo de

    reflexo e ressignificado.

    Outro elemento de relevncia diz respeito a posturas didtico-peda-

    ggicas que contrastam os contextos pblico e privado em relao a

    estratgias, posturas e percepes de valor nos processos de ensino e

    aprendizagem. Ao passo que, nas escolas de negcios, a evidenciao de

    estreita sintonia com o jargo e os modismos gerenciais que permeiam o

    mundo corporativo tem forte apelo simblico, em uma escola de governo

    essa pode no ser a tnica. Nesse contexto tende a preponderar uma obser-

    vncia mais estrita aos limites impostos pelo concreto.

    Tambm se sabe que pouca ou nenhuma efetividade teria uma aula do

    tipo conferncia, marcada por uma abordagem excessivamente terica, naqual as posies assumidas por aluno e professor contribuem para reforar

    assimetrias e desequilbrios. Dessa forma, conspiraria contra a efetividade de

    um curso de especializao nos moldes pretendidos pela PNDP a interao

    pautada pela adoo de terminologia reveladora de demasiado apelo

    gerencialista, recheada de anglicismos ou estrangeirismos de toda a ordem,

    desnecessrios e que mais distanciam e comprometem a comunicao do que

    a favorecem. Os exemplos ilustrativos so peculiares e referem-se a casosde empresas ditas de sucesso, mormente no caso de empresas estrangeiras

    ou, ainda, de experincias deslocadas no tempo.

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    Em suma, no caso de que se fala o curso de Gesto de Pessoas no

    Servio Pblico , as diretrizes pedaggicas foram orientadas para a cons-

    truo de conhecimento significativo e a sala de aula no constituiu ambientede demasiada, descontextualizada ou desproporcional exposio terica. Essa

    preocupao, sabe-se por relatos, esteve presente tanto na concepo quanto

    na execuo do curso.

    Nesses termos, revelou-se importante para a boa comunicao,

    condio para a construo de significados compartilhados mais efetivos,

    a recorrente exemplificao ou correlao dos conceitos em tratamento

    com as especificidades da administrao pblica. No se pode, por exemplo,

    abordar o tema da estratgia, notadamente o planejamento estratgico,

    sem estabelecer a conexo com a tradio de planejamento de longo prazo

    que o setor pblico tem, inclusive no Brasil; tampouco sem referir os

    instrumentos de planejamento j consolidados na administrao pblica

    brasileira, como o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Oramentrias e a

    Lei Oramentria Anual. Nessa mesma linha de argumentao, no parece

    adequado que se fale de qualidade sem referir que, antes da experincia

    na indstria japonesa, em meados do sculo passado, a origem das ferra-

    mentas da qualidade est no organismo correspondente ao Ministrio da

    Agricultura dos Estados Unidos, na dcada de 1920.3 Assim, no se

    evidencia como boa prtica pedaggica a abordagem de temas afetos

    gesto por competncias sem a vinculao do contedo aos significados

    j estabelecidos para a expresso competncia, reinantes na adminis-

    trao pblica e construdos sob influncia da cultura jurdica ibrica que

    marca esse espao organizacional. Igualmente, impe-se relacionar a nooconceitual de competncias ao formato vigente de planos e descries de

    cargos, aos conceitos de carreira existentes, aos limites (e mesmo possibi-

    lidades) que a Constituio e a legislao ordinria impem admisso,

    remunerao e avaliao de desempenho de servidores na administrao

    pblica etc. Sem o estabelecimento dessas conexes com o cotidiano,

    mltiplas em termos de experincias e de realidades organizacionais, o

    contedo resulta fragilizado em significado.Percebe-se, portanto, que o estabelecimento das diferentes conexes

    possveis entre os campos da gesto e as mltiplas reas da administrao

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    Sandro Trescastro Bergue

    pblica um campo do saber bem mais complexo que a gesto de

    empresas importa um pensar sistmico, no subordinado ao conceito

    estrito de disciplinas.

    Convite ao pensamento sistmico: condio

    para a transformao organizacional

    Os traos mecanicistas fragmentao do trabalho, especializao

    das pessoas, padronizao e formalizao de procedimentos, hierarquia, o

    foco no processo etc. emergem do mais simples esforo de leitura darealidade organizacional, que conforma a administrao pblica brasileira

    contempornea. Alm desses conceitos, mais facilmente perceptveis, pode-

    se observar outros atributos do pensamento clssico de inspirao cartesiana

    que permeiam a administrao pblica. Entre esses, e com acentuado impacto

    sobre a gesto de pessoas, destaca-se a orientao racionalista e a

    consequente crena em uma realidade objetiva e na existncia de uma

    verdade exterior ao indivduo.

    Ademais, pensar e promover a efetivao das diretrizes emanadas

    do Decreto no 5.707/2006, notadamente no que diz respeito introduo do

    conceito de gesto por competncias na administrao pblica federal, implica

    admitir mudanas substantivas. Tal processo, impe-se dizer, no pode ser

    pensado somente a partir das bases do pensamento clssico, seno

    reconhecendo o imperativo da adoo de um pensamento sistmico.

    Sabe-se que o referencial, a partir do qual se aborda um processo de

    mudana organizacional, influencia sobremaneira no somente a percepo

    dos agentes sobre o fenmeno, mas o tempo, o alcance e a consistncia dos

    resultados do processo. As organizaes pblicas podem ser consideradas

    sensivelmente mais complexas que as demais em termos de substncia

    (componentes e propsitos), amplitude e relaes de poder, fato que expe

    ainda mais as limitaes do pensamento mecanicista de orientao estrita-

    mente instrumental. A esse propsito, em termos de paradigmas gerenciais,

    pode-se sintetizar alguns atributos afetos aos processos de gesto mecanicistae sistmico Quadro 1.

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    Quadro 1: Elementos constituintes dos paradigmas

    mecanicista e sistmico de gesto

    Mecanicista Sistmico

    partes todo

    objetos relacionamentos

    hierarquia redes

    causalidade linear circularidade dos fluxos e relaes

    metfora mecnica metfora orgnica

    conhecimento objetivo conhecimento objetivo e subjetivo

    verdade descries aproximadas

    Fonte: adaptado de Andrade et al. (2006).

    A compreenso dos fenmenos de mudana, portanto, no deve

    assentar-se to somente na perspectiva clssica de gesto mecanicista ,

    que pressupe aes deliberadas, objetividade, racionalidade plena, neutralidade,

    controle amplo e irrestrito (conhecimento e domnio sobre as variveis) etc.,

    seno como um processo emergente, substantivo, fluido e dinmico, com nfase

    nas relaes e essencialmente relacionado s pessoas, elementos estes

    que caracterizam a perspectiva sistmica. Coerente com isso, o fenmeno da

    mudana requer a assuno das seguintes premissas fundamentais

    (MORGAN, 1996):

    A mudana um fenmeno contingencial e emergente, no possuindofrmula nica e previamente validada;

    A compreenso do contexto e descrio da situao complexa deanlise pr-requisito essencial para o esforo de planejamento de uma

    estratgia de mudana organizacional;

    A abordagem do pensamento sistmico, sobretudo a linguagemsistmica, constitui elemento fundamental do processo de compreenso do

    fenmeno da mudana.

    Nessa linha, a mudana pode ser reconhecida, fundamentalmente,

    como processo de aprendizagem. Portanto, os resultados positivos de um

    processo de mudana tendem a ser proporcionais amplitude da compreensodo fenmeno, o que se d, inicialmente e em larga medida, pela explicitao

    das suas categorias centrais (variveis) e das relaes mltiplas e, por vezes,

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    Sandro Trescastro Bergue

    mtuas que se estabelecem, aspectos estes caractersticos da perspectivasistmica, que se ope viso fragmentada e parcial do fenmeno.

    Outro ponto a destacar na conduo do processo de mudana opapel dos atores organizacionais. Nesse particular, ressalta-se a importncia

    do amplo envolvimento dos agentes da organizao nos processos de

    mudana. Isso particularmente importante quando se pensa na substancial

    transformao desejada para a funo de recursos humanos nas organi-zaes pblicas. Nesse processo, assume posio central a capacidade de

    articulao por parte do pessoal da rea de RH em relao aos demais

    atores organizacionais, de incio reconhecendo as mltiplas e legtimas pers-

    pectivas da organizao (objetivos, aspiraes, exigncias, temores etc.) e,ato subsequente, oferecendo respostas a essas tenses de modo a minimizarseus efeitos sobre a reconstruo de uma poltica de recursos humanos

    para a organizao.

    A mudana organizacional , ento, um processo complexo e

    multifacetado, cuja definio mais ampla pode ser encontrada nos prpriostermos: mudana e organizao. A mudana constitui fenmeno inerente

    organizao e se manifesta sob diferentes formas, desde os esforosadaptativos de qualquer ordem e intensidade, inovaes gerenciais e de

    estrutura, at transformaes mais radicais, que alcanam aspectos

    substanciais do comportamento das pessoas na organizao.

    Mudana organizacional implica tambm reconhecer o que se entendepor organizao. Segundo uma perspectiva mais inclinada ao

    interpretativismo, pode-se reconhecer a organizao como uma construo

    simblica, resultante da forma como as pessoas interagem e pensam. Essaperspectiva fundamental, pois sendo isso uma organizao, a mudana

    passa por alterar a forma como as pessoas constroem e percebem essasinteraes; logo, a prpria organizao.4

    A mudana, em suma, pode ser percebida como um processo de

    aprendizagem das pessoas em suas relaes de interao mtua, que se

    projeta no que se define como organizao. Se processo, implica assumir:

    o imperativo do amplo envolvimento das pessoas;

    a obteno de resultados mais substanciais, principalmente a mdioe longo prazos (perodo de maturao e assimilao);

    a possibilidade de desvios em relao trajetria inicial estabelecida etc.

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    O fato de reconhecer uma organizao pblica como uma estrutura

    sistmica implica admitir a mudana como um fenmeno a ela inerente e

    como condio de sobrevivncia, inclusive. Mudanas acontecem a todo omomento. Sobressaem-se, todavia, aquelas que tendem a causar mais intensa

    perturbao no arranjo conhecido de coisas.

    So expresses dos fenmenos mais visveis de mudana no setor

    pblico, entre outras: as reformas (administrativas, previdencirias, tribu-

    tria etc.); as alteraes na legislao afeta gesto de pessoas; a introduo

    de tecnologias gerenciais que modificam a organizao; e objetivos e critrios

    de avaliao do trabalho no mbito de um poder ou rgo pblico em parti-

    cular. Todos esses vetores de mudana so de amplitude geral, mas impactam

    de diferentes formas em contextos distintos. O que esses movimentos de

    mudana tm em comum? Inicialmente preciso lembrar que diferentes

    so as perspectivas, segundo as quais se pode analisar o processo de

    mudana.

    Sendo assim, razovel admitir que o processo de mudana no pode

    ser percebido como um fenmeno linear, determinstico, envolto em um senso

    de racionalidade ilimitada etc.; tampouco pode ser rigidamente conduzido.

    De fato, a operao de mudanas, com especial destaque nas organizaes

    do setor pblico, costuma ser percebida pelos agentes de transformao

    como processos complexos, que percorrem caminhos tortuosos e, sobretudo,

    lentos. Isso porque, em geral, de incio os processos de mudana

    organizacional, no somente por implicarem um rearranjo de foras e uma

    perturbao no estado de coisas, expem um conflito entre os interesses

    aparente e oculto do administrador, que por vezes o prprio agenteindutor do movimento.

    Nesse caso, o interesse aparente aquele traduzido no discurso de

    mudana, contido no plano de melhoria etc., ao passo que a dimenso oculta

    do processo de mudana evidenciada nas intenes reais e aes centrais

    que se orientam pela tendncia de manuteno da situao vigente e conti-

    nuidade do comportamento dominante, materializada na preservao dos

    valores estruturantes fundamentais da dinmica organizacional. Essatendncia pode ser observada em programas cuja diretriz oculta central

    assenta-se na noo de que necessrio promover mudanas aparentes

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    Sandro Trescastro Bergue

    com o propsito de manter inalterado o arranjo vigente, cujos contornos de

    definio so multilateralmente desejados, sobretudo para o bloco de poder

    dominante.Diante disso, pode-se estabelecer como premissa fundamental de

    qualquer processo de mudana, com pretensa consistncia e comprometi-

    mento com a obteno de resultados efetivos, o interesse na mudana. Inte-

    resse que transcenda o nvel aparente e mergulhe nos estratos ocultos das

    relaes que estruturam a organizao, com o propsito de transform-la

    efetivamente, reorientando-a segundo as exigncias ambientais emergentes.

    A expectativa de transformao da realidade da

    gesto de RH

    Convergem a expectativa criada pela Poltica Nacional de Desenvol-

    vimento de Pessoas Decreto no 5.707/2006 e a desenvolvida e alimentada

    pelos profissionais no transcorrer do curso, orientada pela noo de gesto

    estratgica de pessoas. Mas o que gesto estratgica de pessoas na

    administrao pblica brasileira? Antes disso, o que estratgia no contexto

    da gesto?

    vasta em amplitude e profundidade a literatura sobre estratgia.

    Produz-se no plano terico e tecnolgico, nesse campo, desde pelo menos a

    dcada de 1960. A despeito disso, pode-se afirmar que h mltiplos signifi-

    cados atribudos ao conceito de estratgia no setor pblico. Gesto, em uma

    perspectiva bastante singela e processual de inspirao neoclssica, pode

    ser definida pelo processo administrativo, que consiste no fluxo cclico e

    virtuoso das funes gerenciais de planejamento, organizao, direo e

    controle. De forma simples, pode-se dizer que a estratgia contedo que

    se materializa no planejamento estratgico. So condies para a produo

    da estratgia e, por conseguinte, de um planejamento estratgico, o que

    poderamos denominar de pensamento estratgico. Dito isso, tem-se que

    a difundida ideia de planejamento estratgico est mais intensamente

    associada a um dos elementos do processo de gesto o planejamento.Portanto, produzir planejamentos estratgicos no sinnimo de gesto

    estratgica. Da, reitera-se a importncia dos conceitos.

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    Como pano de fundo, tem-se o conceito de pensamento estratgico.

    Esse, por sua vez, possui algumas dimenses, entre as quais destacam-se as

    seguintes: a noo de um pensamento de topo efetivo envolvimento daalta administrao , com alcance do todo considerando a organizao

    como sistema complexo , e orientado para o longo prazo antecipa

    elementos conformadores de cenrios futuros e estabelece, para o curto e

    mdio prazos, condies para transform-los. Considera-se, tambm, que

    gerenciar antes de tudo pensar, para que os elementos de teoria assumam

    condio de centralidade. Tomando esses, entre outros possveis elementos

    de definio, tem-se uma singela e nuclear definio de gesto estratgica

    pensar a organizao como um todo, em as suas instncias, relacionada ao

    seu contexto e orientada para o longo prazo.

    Derivando dessa definio, a gesto estratgica de pessoas pode ser

    definida a partir dos seguintes elementos:

    A funo RH prxima alta administrao; Os agentes pblicos (servidores e agentes polticos) no centro da

    organizao;

    A gesto de pessoas como compromisso de todos os gestores.Gesto estratgica de pessoas implica que a organizao compartilhe

    traduzindo em ao e no somente no plano do discurso a ideia de que a

    gesto de pessoas e tudo o que lhe seja afeto sejam elementos conside-

    rados efetivamente nas decises da alta administrao. Peca-se pela

    reduo, mas no intuito de que isso favorea o incio de um processo de

    compreenso da mensagem, que as pessoas sejam uma varivel sempre

    posta entre as categorias centrais de deciso e considerada poltica de Estado.Isso remete ideia de reconhecer as pessoas servidores efetivos,

    comissionados, terceirizados e agentes polticos como elemento central na

    organizao. Em que pese a aparente obviedade disso, impe-se ao gestor

    buscar compreender a dinmica que exclui as pessoas dessa posio central,

    ou seja, os motivos pelos quais essa diretriz no se efetiva.

    Outro elemento fundamental da gesto estratgica de pessoas na admi-

    nistrao pblica, que, por vezes, contrasta com o cotidiano das organizaes, a noo de que o gerenciamento de pessoas compromisso de todos os

    gestores da organizao. Nessa perspectiva, pensar estrategicamente a gesto

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    Sandro Trescastro Bergue

    de pessoas pressupe, entre outros aspectos, deslocar a crena de que os

    temas relacionados a pessoal so problemas da rea de RH.

    Portanto, impe-se aos gestores dos diferentes organismos e nveisda administrao pblica uma reflexo sobre as prticas vigentes e os valores

    que as suportam. A ateno dimenso conceitual condio inicial desse

    movimento de transformao e os profissionais capacitados em nvel de

    ps-graduao esto habilitados, tanto para a interpretao e ressignificao

    desses elementos para a administrao pblica quanto para a proposio de

    ajustes e eventuais lacunas da prpria PNDP.

    Consideraes finais: o curso no contexto de um

    processo de transformao

    Em suma, redes de relacionamento foram estabelecidas sempre de

    natureza informal em diferentes nveis de intensidade. Um dos desafios

    futuros, tanto da ENAP quanto dos profissionais egressos do curso de gesto

    de pessoas no servio pblico, intensificar esse arranjo relacional em redes

    de cooperao de aprendizagem e soluo de problemas concretos , que

    alcancem os mltiplos rgos e entidades da administrao pblica federal

    (e, por que no, estender a experincia e conhecimentos para outros nveis

    da federao em diferentes formatos desde meios mais convencionais,

    como publicaes e seminrios, at formatos menos ortodoxos, como

    consultorias internas no onerosas no setor pblico).

    Notas

    1 Mesmo se escaparmos do 1o e 2o setores da economia (pblico e privado), temos o 3o setor,o no governamental, que no deixa de ser composto de organizaes.

    2 Assume-se aqui o sistema de gesto como o agregado orgnico articulado e coerente detecnologias de gesto que garantem a estrutura e o funcionamento da organizao.

    3 importante considerar, tambm, que alguns dos conceitos essenciais da gesto pelaqualidade padronizao, diviso do trabalho, especializao, formalizao, hierarquia

    etc. so os mesmos que informam o modelo clssico, de inspirao taylorista paraanlise organizacional. Oferecer essas lentes aos profissionais, mais que abordar osaspectos de superfcie da tecnologia gerencial a gesto pela qualidade contribuirpara uma formao mais substantiva.

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    Especializao em Gesto de Pessoas no Servio Pblico: uma perspectiva da vivncia docente no contexto curso

    4 Nesse particular, interessante sinalizar os esquemas sobre os pressupostos de anlisereferentes natureza das relaes sociais de Burrel e Morgan (1979), especificamenterelacionados s dimenses ontolgica (perspectiva de ser no mundo) e epistemolgica(pressupostos acerca de como o conhecimento produzido). Na dimenso ontolgica, ocontnuo entre nominalismo (mundo percebido pelo sujeito) e realismo (mundo como algoexterno pessoa); na dimenso epistemolgica, o contnuo entre subjetivismo/interpretacionismo (conhecimento relativo e depende da perspectiva dos sujeitos) epositivismo (regularidades e relaes causais entre elementos).

    Referncias

    ABRAHAMSON, Eric.Mudana Organizacional: uma abordagem criativa, moderna e inovadora.

    So Paulo: Makron Books, 2006;ANDRADE, Aurlio de Leo; SELEME, Acyr; RODRIGUES, Lus Henrique; SOUTO, Rodrigo. Pensa-mento sistmico caderno de campo: o desafio da mudana sustentada nas organizaes e nasociedade. Porto Alegre: Bookman, 2006.

    BERGUE, Sandro Trescastro. A Reduo Gerencial no Processo de Transposio de Tecnologiasde Gesto para Organizaes Pblicas.AnaisENANPAD. Rio de Janeiro, 2008.

    BERGUE, Sandro Trescastro; KLERING, Luis Roque. A Reduo Sociolgica no Processo deTransposio de Tecnologias Gerenciais. Organizaes e Sociedade, v. 17, n. 52, 2010.

    MORGAN, Gareth.Imagens da Organizao. So Paulo: Atlas, 1996.

    MORRIS, Timothy; LANCASTER, Zo. Translating Management Ideas. Organization Studies, 27 (2),p. 207-233, 2005.

    PAULA, Ana Paula Paes de; WOOD Jr., Thomaz. Dilemas e ambigidades da indstria doconselho: um estudo mltiplo de casos sobre empresas de consultoria no Brasil.Revista deAdministrao Cont