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1 Gestão e Criatividade: Competências Requeridas em um Ambiente Organizacional Criativo Autoria: Fernando Gomes de Paiva Júnior, Henrique Muzzio, Marcelo de Souza Bispo Resumo O objetivo deste estudo é compreender como uma gestão pode ser criativa e quais competências são requeridas a um gestor para fomentar a criatividade empresarial, com reflexos positivos tanto para a empresa, como para o indivíduo criativo. Trata-se de um artigo teórico em que as principais conclusões versam sobre a necessidade de gestão para um ambiente criativo em que pesa mais o estímulo a criatividade do que, propriamente, o controle das pessoas e processos organizacionais de modo a criar uma competência da gestão criativa por parte dos gestores.

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Gestão e Criatividade: Competências Requeridas em um Ambiente Organizacional Criativo

Autoria: Fernando Gomes de Paiva Júnior, Henrique Muzzio, Marcelo de Souza Bispo

Resumo O objetivo deste estudo é compreender como uma gestão pode ser criativa e quais competências são requeridas a um gestor para fomentar a criatividade empresarial, com reflexos positivos tanto para a empresa, como para o indivíduo criativo. Trata-se de um artigo teórico em que as principais conclusões versam sobre a necessidade de gestão para um ambiente criativo em que pesa mais o estímulo a criatividade do que, propriamente, o controle das pessoas e processos organizacionais de modo a criar uma competência da gestão criativa por parte dos gestores.

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1. Introdução

Este estudo tem o propósito de analisar as condições estruturais e comportamentais envolvidas em um processo que vamos denominar “gestão criativa” sob a ótica empresarial. O entendimento do mundo organizacional envolve dimensões e perspectivas que extrapolam sua ambiência e que dizem respeito a uma condição maior presente no mundo social e ao modo como compreendemos a realidade. Nesse sentido, o advento da gestão criativa abrange aspectos da cultura organizacional que envolve o surgimento de novas articulações integrando lideranças, condições sociais e competências individuais e coletivas. Esses modelos de gestão vão sendo dispostos de modo a que sejam viabilizadas competências conceituais voltadas para a geração e implementação de novas ideias. Isso se efetiva em termos de desempenho organizacional voltado para o aperfeiçoamento da gestão do conhecimento, potencialização da criatividade e fomento à inovação (AUERNHAMMER, HAZEL, 2013).

Lentes ontológicas de compreensão diferem-se e estabelecem fronteiras interpretativas e correntes científicas que se confrontam em busca de hegemonia. Dentre elas é possível citar: a) o positivismo (DONALDSON, 2003) parte da premissa que o mundo é real e objetivo e que analisamos a realidade de forma independente e com relações de casualidade; b) o interpretativismo (HATCH, YANOW, 2003) trabalha na condição de que a realidade é socialmente construída, dependente do homem, e que não é possível generalizar a compreensão, em virtude da condição contextual das realidades; c) a perspectiva crítica (WILLMOTT, 2003) censura a lógica social prevalecente e a estruturação de conhecimento que leva a uma relação de poder, daí a sua luta por uma emancipação humana.

A despeito da diversidade do mundo organizacional, nossa análise irá deter-se no contexto empresarial, em que a lógica estrutural prevalecente é amparada no positivismo. Diante de uma realidade concorrencial e competitiva, as empresas normalmente trabalham em uma perspectiva instrumental em que o lucro e a vantagem competitiva estão no cerne da sobrevivência ao longo do tempo. Para a análise da criatividade e da gestão criativa, partimos desse ponto de vista concorrencial, porém, aquilo que vamos defender não significa necessariamente uma amarra à perspectiva instrumental, pois a condição criativa possui a capacidade (e tem a necessidade) de extrapolar fronteiras e conceitos estanques que se solidificaram ao longo do tempo e que funcionaram com eficácia no contexto empresarial mercadológico, ainda que outras perspectivas, como a teoria crítica, por exemplo, possam contestar com propriedade, a estruturação desse sistema.

As organizações empresariais permeiam o universo humano e constituem um lócus fundamental para as relações sociais e para o fornecimento de produtos e de serviços que abastecem as demandas da sociedade. Compreender as relações empresariais em seus mais diferentes níveis e contextos tem sido um exercício vivenciado na academia que se justifica em razão dessa importância delas no contexto contemporâneo (REED, 1999). Inclusive, no que concerne à lógica das organizações criativas no que diz respeito à intensa relação de troca entre pares, sendo esse um pressuposto que representa a geração, compartilhamento e reforço do seu conhecimento na interface com tais interagentes. Logo, elas necessitam acelerar a potencialização de espaços interatividade em busca da criação, transferência e retenção do conhecimento organizacional e isso abrange o desenvolvimento de competências e reorganização de rotinas, a ponto de essas empresas incrementarem seus índices de aprendizagem organizacional com impactos em produtividade e nos resultados (ARGOTE, 2013).

Historicamente, as organizações empresariais têm se estruturado a partir de ambientes burocráticos e hierárquicos que exercem um papel significativo no ordenamento social interno e na produtividade, para ficarmos em dois exemplos, dentro de uma lógica instrumental de produção (HARDT, NEGRI, 2012). Ao longo do tempo, têm surgido modelos alternativos

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(MINTZBERG, 2010) à burocracia gerencial, mais aptos às condições identitárias e sociais presentes na contemporaneidade. Sob essa perspectiva, os métodos de gestão vão emergindo na órbita do capital que move a economia do seu tempo, no qual, durante a maior parte da história da humanidade, o ingrediente fundamental das economias foi o suor, ou seja, o trabalho humano. Na Era industrial, foi o dinheiro, ou seja, o capital. Agora, na Era da informação do século XXI é o talento, a imaginação, a habilidade e o conhecimento, ou seja, a criatividade (NEWBIGIN, 2010). O autor reforça que a necessidade de aplicar a inteligência criativa e imaginação para cada parte da economia moderna tem exigido uma aplicação cada vez mais sofisticada de conhecimentos. Por exemplo, a aplicação de tecnologias eletrônicas nas escolas tem um efeito positivo nos padrões acadêmicos. Em outras palavras, o mundo está mudando em direção a uma economia que depende mais da criatividade e do conhecimento do que qualquer outra matéria prima.

Se a burocracia não perdeu seu status de ordenar as relações e as estruturas organizacionais formais, é razoável supor que ela não dá conta de todas as nuances que envolvem o contexto organizacional contemporâneo, sobretudo para as atividades em que a criatividade alcançou um grau de importância maior do que a mecanização do trabalho.

Sobre a economia criativa, essa tem sido objeto recente de interesse e de investigação em todo o mundo, dado a existência de potencialidades econômicas e sociais vinculadas a essa estratégia de desenvolvimento, inclusive levando em conta aspectos de desigualdades socioeconômicas, diferenças culturais dos países que apostam nessa alternativa de transformação de suas comunidades (DUISENBERG, 2008). Portanto, enquanto atividade, a economia criativa, em seus pilares de singularidade, simbólico e intangibilidade, contribui significativamente na organização social e nos fenômenos derivados dela (REIS, 2008). Atualmente, os dirigentes de algumas organizações empresariais estão mais atentos e interessados no esforço por fazer melhor uso da criatividade com objetivo de aumentar sua competitividade.

No caso do Brasil, o envolvimento com ações institucionais que dinamizam a criatividade na esfera da cultura é o esforço de agentes estatais, uma vez que nas últimas décadas, o Estado brasileiro passou a criar diretrizes e planos estratégicos para valorizar as particularidades culturais do Brasil por meio de segmentos da indústria criativa, como, por exemplo,no setor do audiovisual. Uma justificativa apontada pelo governo para essa ação é a contribuição do cinema para a defesa da identidade nacional, num cenário em que as produções artísticas locais estão inseridas em uma rede baseada num sistema de padronização global de bens simbólicos (FORNAZARI, 2006). Diante dessa situação, emerge o compromisso acadêmico e social de contribuir para a problematização de suas carências em torno de posição competitiva nacional nesse campo da cultura, além da organização de empenhos para sua consolidação como atividade produtiva competitiva e dotada de significado sócio-histórico e econômico.

A economia criativa tem alcançado um lugar importante no ambiente produtivo enaacademia,que também tem se interessado cada vez mais por compreender em que medida ela possibilita novas reflexões sobre os fenômenos empresariais. Nessa ordem, uma das possibilidades de reflexão e que é o objetivo deste estudo, se volta para compreender como uma gestão pode ser criativa e quais competências são requeridas a um gestor para fomentar a criatividade empresarial, com reflexos positivos tanto para a empresa, como para o indivíduo criativo.

Para o alcance do objetivo proposto, esse artigo possui mais 4 seções, além das considerações finais, em que serão analisados, respectivamente, conceitos e definições sobre economia criativa e criatividade, reflexões sobre o processo criativo e a gestão criativa propriamente dita.

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2. Em busca de uma delimitação, ou não!

Além da sua importância nas atividades econômicas, a criatividade é crucial na nossa capacidade de nos adaptarmos e sobrevivermos como espécie. As indústrias criativas geram empregos e valor com um impacto sobre a natureza menor do que outras atividades econômicas. Assim, uma economia crescente, sustentável e capaz de oferecer melhor qualidade de vida para a maioria da população mundial está pautada no esforço por cultivar a economia criativa e utilizar o poder da criatividade em todas as fases da vida econômica (NEWBIGIN, 2010).

A chamada “economia criativa” não representa uma atividade nova. Ao longo do tempo, o homem usou sua capacidade criativa para desenvolver produtos, serviços e processos que significaram inovação. Igualmente, as atividades culturais sempre traduziram, em diferentes dimensões, a nossa capacidade criativa cultural. Porém, uma nova interpretação acabou por significar um emergente campo econômico. As indústrias criativas são classificadas em quatro grupos de acordo com a UNCTAD (2006) e que estão apresentados no quadro 1.

Quadro 1 – Classificação das Indústrias Criativas

Indústrias Criativas Descrição Genérica Subdivisões Patrimônio Cultural Reúne aspectos culturais

dos pontos de vista histórico, antropológico, étnico, estético e social.

1) Expressões Culturais Tradicionais: artesanato, festivais e celebrações; 2) Sítios Culturais: sítios arqueológicos, museus, bibliotecas e exposições, dentre outros.

Artes As atividades baseadas puramente em arte e cultura.

1) Artes Visuais: pintura, escultura, fotografia e antiguidades; 2) Artes Dramáticas: música ao vivo, teatro, dança, ópera, circo e marionetes, dentre outros.

Mídia Abrange a produção de comunicação voltada para grandes públicos.

1) Publicação e mídia impressa: livros, imprensa e outras publicações; 2) Audiovisuais: cinema, televisão, rádio, e outras difusões.

Criações Funcionais Relacionadas a indústrias de bens e serviços com finalidades funcionais.

1) Design: interiores, moda, gráfico, joias; 2) Novas mídias: conteúdo digital, software, jogos e animação, dentre outros; 3) Serviços de Criação: arquitetura, propaganda, pesquisa e desenvolvimento (P&D), e serviços culturais.

Fonte: Elaborado pelos autores baseado em UNCTAD (2006). Estes segmentos nos dão uma ideia da amplitude de dimensões que pode envolver a

economia criativa. A temática da criatividade em si já alcança diferentes áreas do conhecimento e possui múltiplas dimensões. Tal condição acaba por dificultar as delimitações no campo. Com isso, aconceituação do que seja economia criativa, cidade criativa, classe criativa e indústria cultural apresenta certa diversidade na literatura (MARKUSEN ET AL., 2008).

A economia criativa está associada à presença de profissionais criativos nas organizações empresariais (THROSBY, 2001; O’CONNOR, GU, 2010; CHASTON, SADLER-SMITH, 2012), estendendo-se a variados setores da economia. Com o trabalho criativo, as condições individuais de produção ganham novo impulso em virtude das próprias características da criatividade e da sua estreita dependência do indivíduo, que fogem ao escopo de commodities da produção industrial clássica, havendo assim, um elevado status do trabalho artístico e/ou inovador nesse sistema produtivo (BANKS, 2010). Todavia, há autores

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como Wilson (2010) que questionam a visão de que a criatividade e o processo criativo sejam produtos exclusivamente de uma dependência individual. Para esses autores, a criatividade é um fenômeno social em que as condições do ambiente assim como a qualidade das interações entre os indivíduos são componentes fundamentais para compreensão de como ocorre o processo criativo nas organizações empresariais.

Parjanen (2012) nos remete à sociabilidade desse fenômeno ao definir criatividade coletiva como os processos criativos que levam a produtos criativos, que são o resultado da interação entre duas ou mais pessoas, chegando a ofuscar a contribuição de indivíduos específicos. Para a autora, a criatividade organizacional ocorre em duas dimensões: as características dos membros da organização e as características da organização que facilitam e nutrem os empregados criativos. Nessa perspectiva coletiva, os grupos de trabalho criativos têm uma diversidade de membros hábeis, uma abertura para novas ideias, confiança interpessoal, comprometimento com o trabalho e comunicação, onde os membros construtivamente desafiam as ideias geradas uns dos outros.

O conceito de criatividade em si é distinto da ideia de capacidade de inovação. O comportamento criativo é suficiente para gerar novas ideias, enquanto o comportamento inovador inclui, além da novidade da ideia, a sua implementação por meio de ações concretas (YUAN, WOODMAN, 2010). Nesse sentido, a associação entre criatividade e inovação ganhou uma relação estreita a partir da necessidade em que governos e empresas se viram diante de um ambiente global competitivo que exigiu dessas organizações produtos e serviços mais competitivos. Tal situação levou a uma busca intensa da criatividade de forma que ela chegou a ser tratada como uma commodity, fato que originou uma “instrumentalização” do processo criativo em que a relação economia e criatividade pesou fortemente em favor do primeiro em relação ao segundo (WILSON, 2010). Porém, não sem a crítica de alguns autores (PEUTER, 2011; SIEBERT, WILSON, 2013) que analisam o uso da criatividade como não sendo adequado para a classe trabalhadora, incluindo suas características, como a flexibilidade, interpretada como uma precarização do trabalho ao transferir riscos empresariais aos colaboradores.

A criatividade pode estar relacionada a setores de atividade, tais como os serviços culturais, que englobam várias empresas que se complementam e formam um amplo mercado. Em outro nível, a criatividade pode ser relacionada a uma organização que possui uma capacidade inovadora e atua em setores da economia criativa. Outro nível é o individual, em que um profissional se distingue por sua capacidade de criação, e muitas vezes, há um estilo de vida e há uma identidade que o diferencia dos chamados profissionais não criativos (CLIFTON, COOKE, 2009).

Uma relação possível entre estes níveis de criatividade poderia ocorrer quando uma empresa com atuação na economia criativa buscasse se estruturar e estabelecer seus valores em convergência com os valores da comunidade criativa, e mais, procurasse atrair talentos criativos para seus quadros de profissionais. Afirmamos que poderia porque esta relação não ocorre necessariamente. Por exemplo, uma empresa que atue no mercado da criatividade pode possuir uma gestão burocrática e distante dos valores criativos. Ou ainda, nem todos aqueles que trabalham na indústria cultural realizam um trabalho criativo, assim como muitos trabalhadores criativos são autônomos e não estão vinculados especificamente a uma organização formal criativa (MARKUSEN ET AL., 2008).

Segundo Florida (2005), os lugares têm capacidade de atrair e reter uma grande variedade de pessoas criativas em razão da sua condição de abertura a diversidade em todas as suas vertentes. De acordo com ele, o crescimento econômico deriva do capital humano, portanto, quanto mais capital humano, mais próspero tende a ser o lugar. Ainda segundo o autor (2011), os trabalhadores da economia criativa possuem distintos níveis de criatividade e os classifica como indivíduos para além daqueles não criativos, em criativos e hipercriativos.

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Entretanto, há uma corrente que defende que todas as pessoas são criativas em algum nível, contudo, nem sempre, essas pessoas recebem a oportunidade de desenvolver a sua criatividade (NICOLACI-DA-COSTA, 2011). Maslow (2000, p.79) corrobora esta posição ao afirmar que “O homem criativo não é um homem comum ao qual se acrescentou algo. Criativo é o homem comum do qual nada se tirou”.

Diante do exposto, uma reflexão inicial nos coloca diante da necessidade de questionar a buscapor uma definição da economia criativa. Talvez, o mais interessante seja trabalhar com uma concepção de que a economia criativa seja encarada como um processo criativo cheio de interlocuções do que um espaço geograficamente limitado que restringe e afronta a própria concepção de criatividade associada à liberdade. Assim, apresenta-se o desafio de conciliar as palavras “gestão” e “criatividade” sem cair na armadilha ora apresentada.

3. Dimensões da criatividade

Ainda que se possa atribuir uma razoável parcela da criatividade a uma característica

individual, ela também é fruto de uma coletividade (FLORIDA, 2011, WILSON, 2010), ou seja, o compartilhamento é uma ação importante que possibilita exercer a criatividade em uma ampla gama de processos, atividades, produtos e performances (SOUSA, PELLISSIER, MONTEIRO, 2010). Daskalaki (2010), analisando a criatividade com as lentes da teoria ator-rede, defende que o processo criativo não se limita a um projeto específico, mas a um contínuo de relações anteriores e futuras derivadas de um processo cultural com suas condições simbólicas e ancoradas em valores, o que a autora denomina comunidade de trabalho criativoque vai considerar o processo criativo uma ação simultânea entre humanos e não-humanos, ou seja, indivíduos, ambientes, objetos e artefatos.

Howkins (2001) diz que mesmo na economia criativa, a criatividade em si não se configura como uma atividade econômica, o autor destaca que ela só se torna uma atividade econômica quando produz uma ideia capaz de gerar implicações econômicas, como, por exemplo, um produto capaz de ser comercializado.

Portanto, soluções viáveis ou originais para os problemas e desafios não surgem no vácuo. Elas são decorrência de conhecimentos e expertises que devem ser adquiridos de forma pioneira, usados de forma sistemática e com princípios que levem a uma solução criativa. Isso requer um processo complexo de ação que, muitas vezes, necessitam de uma maior gestão prévia de estruturação da situação, de levantamento de informações chave e de reconhecimento de limitações do que a decisão em si (MUMFORD, 2000).

Transformar ideias criativas em produtos e serviços inovadores demanda, por exemplo, a combinação de elementos de estrutura e de processo por meio da criação de equipes de projeto que incluam gente de P&D, ao lado de atores estratégicos responsáveis pela produção e entrega de projetos criativos. Assim, a criatividade, como componente da construção identitária do profissional criativo, constitui patrimônio potencial de inovação, embora a capacidade de desenvolver artefatos novos, de modo constante, é tarefa difícil para empresas de cultura pautada por ordem, regulação e previsibilidade.

Porém, a criatividade não pode ser vista como restrita a trabalhadores diretamente envolvidos com a inovação, como aqueles vinculados à área de P&D. Em qualquer setor, a criatividade pode ser desencadeada para modificar uma condição vigente e fazer de uma forma mais rápida ou mais barata, na perspectiva instrumental, ou mesmo, de maneira mais prazerosa ou com menor impacto ambiental. Todos estão envolvidos com processos, tanto operacionais como gerenciais e, nesse sentido, a criatividade pode contribuir para melhorar ações operacionais, comportamentais ou gerenciais (PARJANEN, 2012).

O pensamento criativo envolve a capacidade do indivíduo de ver além de uma única perspectiva, sendo capaz de questionar os modelos tradicionais vigentes, dado que, se os

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problemas forem resolvidos sempre da mesma maneira, haverá um bloqueio da criatividade e de novas ideias (PARJANEN, 2012; JOHNSTON, BATE, 2013).

Nessa ótica, não seriam suficiente uma organização com produtos criativos e inovadores, aliados com indivíduos criativos, haveria de existir também uma gestão criativa, para que possa servir de elo entre os dois elementos anteriores. 4. Fomentando o processo Criativo

O processo criativo conflita diretamente com os parâmetros clássicos de gestão relacionados ao comando e controle, ainda que isso não signifique uma eliminação completa dos mesmos, ou ainda, uma nova ótica de relação deles nos diversos aspectos da vida organizacional criativa. O desafio desta abordagem está justamente na conciliação dos fundamentos da gestão com os da criatividade. Hartley (2005) destaca que a economia criativa é evidenciada pela sua estreita relação com o intangível, uma vez que grande parte dos seus produtos está relacionada a itens como dados, notícias, entretenimento, propaganda, música, etc. Desse modo, comando e controle devem ser compreendidos em contexto distinto frente ao que foi utilizado na Era Industrial.

O processo criativo está relacionado à criação e antecede ao processo inovador, que está vinculado a sua implementação. No campo da estratégia organizacional, Johnston e Bate (2013) comentam que para o desenvolvimento da estratégia da empresa é essencial a aplicação de ferramentas criativas, a considerar que muitas empresas implementam seu processo de planejamento estratégico, apenas orientadas por números, faltando o componente da criatividade e acrescentam que essa prática pode ser um ato temeroso, uma vez que pode-se estar estendendo uma estratégia antiga a um cenário futuro diferente. Assim, quando executivos seniores convidam seus gerentes a pensarem fora da caixa (out of Box thinking) muitos deles não sabem como fazer para explorar uma ideia além do quadro da estratégia atual.

Se a criatividade possui diferentes dimensões, uma possível efetividade de sua aplicação somente teria êxito nos casos em que todas essas dimensões fossem exercidas em sua plenitude. Em sendo a criatividade um fenômeno que vai além do indivíduo, é a organização, por fim, que necessitaria garantir ações nas distintas dimensões da criatividade, ou seja, seria uma ação gerencial, nesse caso, uma gestão criativa. A conjugação de talentos, em um ambiente propício, sob uma gestão aberta seriam condições essenciais para permitir uma criatividade social (WILSON, 2010).

As características da organização, de seus membros e do seu ambiente, bem como os fatores estruturais do grupo, tais como, tempo de trabalho em conjunto, recursos disponíveis e a qualidade das interações são exemplos de ações que podem ser valorizadas para se alcançar uma convergência entre indivíduo e ambientes criativos. A criatividade é favorecida quando ocorrem determinadas condições ambientais de trabalho que permitam o compartilhamento de conhecimento e de informações, os debates construtivos, a confiança, a participação da equipe no fluxo de ideias e nas relações abertas na equipe (MARTENS, 2011).

Nessa perspectiva, o vocábulo criativo tende a se aludir às condições oferecidas aos indivíduos para expressar e desenvolver a sua criatividade e não apenas em referência a produtos ou a processos inovadores. O estudo desenvolvido por Royalty, Oishi e Roth (2014) ilustra essa situação de aperfeiçoamento criativo quando registram os esforços enfrentados por universidades em todo mundo no sentido de introduzir novos métodos de aprendizagem e avaliação de seus resultados, voltados para o desenvolvimento da criatividade e inovação em estudantes. Daí, os autores fazem alusão ao pensamento para o design (design thinking) que representa uma abordagem contemporânea com propósito de aperfeiçoar a confiança na criatividade do indivíduo e no processo de solução criativa de problemas em que sua principal

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premissa é que ao entender os métodos e processos que profissionais utilizam para gerar soluções. Nesse estudo, eles buscam capturar os resultados de experiências bem sucedidas visíveis em egressos desses programas de aperfeiçoamento criativo voltados para solução de problemas.

O foco além da perspectiva financeira, o combate a estereótipos negativos do indivíduo criativo, uma visão de longo prazo da experiência criativa, o estímulo à comunicação coletiva intensiva são exemplos de ações organizacionais nesse intuito (MUMFORD, 2000). Ou seja, práticas gerenciais tradicionais, tais como o treinamento profissional, a aprendizagem formal estruturada, o monitoramento e o controle a partir de uma visão clássica, que são úteis em outros contextos, não alcançam a mesma eficiência no contexto criativo (LAMPEL, LANT, SHAMSIE, 2000).

Um exemplo desse controle mais rígido diz respeito ao tempo que o trabalhador possui para entregar sua produção. Diante da referida competitividade, a autonomia pode ficar restrita ao fator tempo. Muitos profissionais não dispõem de um tempo completamente livre para executar sua criatividade, em virtude dos cronogramas exigidos pelas relações comerciais das organizações atuantes no contexto criativo (SENGUPTA, EDWARDS, TSAI, 2009).

Em uma gestão não criativa, se as ideias do indivíduo criativo não são implementadas ou não contribuem para novos produtos e serviços ou práticas gerenciais, sua criatividade deixa de ser aproveitada, dado que a geração de ideias e a efetivação da inovação são fases distintas (SOUSA, PELLISSIER, MONTEIRO, 2012). Tal condição coloca o fator de convencimento e a capacidade de mobilizar suporte de apoio ao novo, como condições significativas para a implantação das ideias criativas (BAER, 2012). Nessa ordem, a efetividade criativa é um processo social de persuasão que também é influenciado pelas expectativas sobre o que o novo pode representar (YUAN, WOODMAN, 2010). Contudo, esta tendência de maior controle sempre está inversamente proporcional a quantidade e qualidade do processo criativo. Csikszentmihalyi (1996) defende que uma possível harmonização deste conflito seja encaminhada por meio da combinação da inter-relação entre o domínio, o campo (ambiente) e a pessoa criativa.

O trabalhador criativo normalmente precisa quebrar paradigmas e romper com regras estabelecidas, muitas vezes em um movimento de confrontação hierárquica. Mainemelis (2011) fala em criatividade desviante sobre a atitude de um funcionário em desobedecer à ordem gerencial de parar de trabalhar em uma nova ideia.

A liderança exercida pelos gestores poderia incluir o componente criativo. O "modelo de propulsão de liderança criativa" (STERNBERG, KAUFMAN, PRETZ, 2004) define três tipos diferentes de liderança: liderança que aceita formas existentes de fazer as coisas, a liderança que desafia as formas existentes de fazer as coisas e a liderança que utiliza formas existentes de fazer as coisas de maneiras novas e originais. Em uma liderança criativa, os líderes têm a capacidade de influenciar os problemas estruturais da inovação e da criatividade com a geração de ideias e feedback avaliativo, bem como, podem influenciar positivamente o clima organizacional voltado para a criatividade (BYRNE, ET AL, 2009). 5. Gerenciando o Ambiente Criativo

O dinamismo e as condições mercadológicas que definem as ações estratégicas empresariais ocorrem a despeito de críticas e análises alternativas da academia. Uma aproximação possível pode estar relacionada à propagação de conceitos e aplicações a partir de análises teóricas que signifiquem uma efetividade das práticas empresariais com reflexos para indivíduos e empresas. Sem ter a intenção de sermos essencialmente prescritivos, o debate em torno de ações gerenciais que potencializem a criatividade organizacional e os

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benefícios associados a indivíduos e às organizações pode ser construtivo, notadamente para empresas que estão contidas em um ambiente concorrencial. As indicações expostas nessa seção também devem ser analisadas a partir das realidades e especificidades organizacionais e não buscam constituir um caminho universal de ação.

Uma gestão criativa requer a execução de uma política de convivência com paradoxos e suas contradições naturais, fruto da diversidade que é demandada para este tipo de gestão. Tal situação é necessária em razão da necessidade do pluralismo para o surgimento do “novo”. Entretanto, quanto maior a diversidade e o pluralismo, maior deve ser também a maestria na gestão de conflitos oriundos das diferenças. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que a criatividade é nutrida pela diversidade e diferença entre as pessoas, ela também gera um número maior de conflitos entre essas mesmas pessoas que, muitas vezes, partem de raciocínios, valores pessoais e experiências diferentes, causadores da criatividade e do conflito.

Essa mudança de compreensão acerca do novo dirigente empresarial de perfil empreendedor nos leva ao entendimento de sua ação sob o prisma dialógico, em que sua tarefa se viabiliza por meio da relação com sua rede social e pela preocupação com o ambiente externo. Esse perfil de liderança pode ser ilustrado pelo trabalho do agente que opera no ambiente da cultura, o qual viabiliza o desenvolvimento de projetos pautados na inserção de grupos profissionais periféricos operando no contexto da produção cultural e favorece a [re]construção contínua de identidades com suporte da cooperação. Esse fenômeno dá margem ao florescimento de novas tecnologias de gestão, oriundas de práticas inovadoras vigentes na indústria criativa(cf. PAIVA JR., GUERRA,ALMEIDA, 2008).

Sendo assim, a criatividade está baseada na busca pelo novo, pelo surpreendente, pela inovação, nesse sentido, princípios clássicos das relações organizacionais devem ser também (re)vistos sob o prisma da criatividade e abrir espaço até mesmo para repensar tais normativas e permitir as exceções criativas, o que inclui a própria forma de pensar e agir na gestão das pessoas e dos recursos disponíveis. Algumas perspectivas de competências são expostas a seguir e relacionam-se com características ora requeridas para gestores atuantes em empresas criativas com liderança sobre trabalhadores criativos. Tais competências estão pautadas em duas dimensões, uma perspectiva reflexiva (individual) e outra de ação gerencial fomentadora das competências coletivas.

Na medida em que as empresas vão crescendo novas estruturas profissionais são adotadas para seu gerenciamento e isso interfere no desenvolvimento de criatividade. Entretanto, as empresas com equipes pequenas e motivadas, em que todos os integrantes têm a visão integrada dos processos e princípios de auto-organização, oferecem maiores condições de desenvolvimento da criatividade. E isso é um desafio para organizações atuais, no sentido de manterem a comunicação intensiva com suas equipes internas e seus interagentes da sua rede organizacional para incentivar a criatividade.

5.1 Dimensão de Reflexão

O gestor contemporâneo tende a vivenciar a conduta do aprender a aprender ao ter que

lidar no seu cotidiano com as incertezas, as quais se repercutem no desenvolvimento de formas mais democratizadas de profissionalização, controle e desenvolvimento empresarial. Logo, a reflexão contínua desse dirigente representa um reforço à busca por competências centradas no pensar e no agir. Isso ilustra a necessidade de oferta de suporte para que eles e suas equipes enfrentem, de forma criativa, os movimentos de mudança social, em particular, aqueles que contribuem para incrementar a incerteza nos espaços de negócios e no mercado de trabalho.

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Repensar seus próprios valores e suas crenças Os padrões, as normas, os regulamentos são instrumentos muito úteis no contexto

cultural e operacional nas organizações. A cultura organizacional se ampara fortemente em valores e crenças (PETTIGREW, 1979;SMIRCICH, 1983) que permitem uma visão coletiva de convergência como meio de garantir adequação comportamental e padronização operacional. Porém, paradoxalmente, esses valores e crenças nos aprisionam em uma visão de mundo particular, visão essa nem sempre suficiente ou adequada para permitir uma gestão condizente com um ambiente criativo.

O questionamento dos próprios valores por parte dos gestores, ainda que não seja algo simples diante da teia paradigmática, poderia ser um exercício para permitir e/ou incentivar fluxos criativos oriundos de liderados possuidores de outros valores e de outras crenças, por vezes, necessários para superar um status quo relacionado a uma condição vigente.

A gestão criativa baseada na análise da dinâmica de reflexão em torno dos processos de desmontagem e remontagem das estruturas organizacionais, especialmente em decorrência do advento da tecnologia digital, potencializam as organizações das indústrias criativas. Uma reflexão completa do cotidiano organizacional, por um lado, e as possibilidades de transformação e inovação, por outro, só são adquiridos pela análise conjunta do modo como as lógicas institucionais, os modelos de negócios e os processos criativos são atingidos por artefatos interativos contemporâneos, caso da tecnologia digital, e como eles se relacionam na produção de eventual estabilidade ou mudança, em meio às redes interativas vigentes nas novas tecnologias de informação e comunicação (MANGEMATIN, SAPSED, SCHÜβLER, 2014).

Repensar a lógica da composição funcional

A criatividade e a criação de novos produtos e serviços comerciais requerem insights

individuais e ações coletivas relacionadas a legitimidade, compartilhamento e trabalho em equipe. O indivíduo criativo muitas vezes não possui a capacidade de fomentar esse ambiente sozinho, em virtude, por exemplo, dos sistemas regulatórios ou dos valores culturais. Nesse sentido, como o novo requer o gerenciamento de processos complexos, o olhar individual pode não ser suficiente para consagrar um insight individual.

O compartilhamento de ideias por grupos interdisciplinares potencializa a eficácia do processo criativo. Nesse sentido, uma atitude gerencial criativa poderia fomentar esses grupos, bem como agir para garantir uma eficiência em seus processos e uma eficácia de seus resultados. Outro papel gerencial expressivo poderia ser o de conector entre grupos criativos, diante da amplitude funcional normalmente encontrada no âmbito empresarial. Nessa ordem, o líder criativo poderia funcionar como um nó em uma grande rede de criatividade. 5. 2 Dimensão de Ação

A inovação organizacional em meio a seu processo criativo não deve ser vista como

uma prática isolada, a ver que é considerada o resultado de uma ação coletiva decorrente do compartilhamento e da transformação da informação no interior da empresa. Tal ação se caracteriza, portanto, como um processo coletivo, turbilhonar, interno e externo às empresas (JULIEN, 2010). Assim, a gestão criativa se projeta na tarefa de dimensionar sua ação gerencial no esforço articulado de gerir ao mesmo tempo indivíduos hipercriativos, criativos e tradicionais, controlar de forma inovadora e permitir a irreverência conceitual.

Gerir ao mesmo tempo indivíduos hipercriativos, criativos e tradicionais

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A isonomia no tratamento entre os indivíduos é um princípio que permeia a ética

organizacional. As pressões sociais, inclusive, têm se voltado para banir atitudes discriminatórias e preconceituosas no ambiente de trabalho. Mas como tratar os desiguais em termos criativos? Sem significar uma atitude discriminatória, uma gestão criativa deveria levar em consideração as características individuais e agir em conformidade a cada caso. Florida (2011) distingue os trabalhadores ditos tradicionais, dos profissionais criativos e dos hipercriativos, cada um com suas especificidades.Os indivíduos hipercriativos normalmente possuem dificuldades em adaptar a condições limitadoras, como as regras burocráticas, horários fixos etc. Uma gestão criativa seria permitir duplas interpretações das regras organizacionais quando isso ocorrer em função de atitudes relacionadas a ações criativas.

Controlar de forma inovadora

O controle é uma ferramenta gerencial que pode auxiliar muito a gestão. Só podemos analisar as ações passadas e traçar estratégias coerentes com o uso de medições e de controles. Mas isso pode ser feito por diferentes concepções. O controle clássico fundamenta-se no viés de vigiar e punir (FOUCAULT, 1987) e quase sempre foi um ponto de partida para a gestão instrumental clássica, mas um controle criativo pode ter uma conotação alternativa. Tal controle poderia partir da premissa de que o erro e os custos envolvidos fazem parte da busca pelo novo. Outra dimensão seria um abrandamento do controle comportamental, dado que os indivíduos criativos podem ser mais avessos a vigilância. Tudo isso não significa abrir mão de qualidade ou liberdade total, mas interpretar o controle como um meio também de permissão criativa.

Esse processo vem ocorrendo em decorrência da mistura das classes criativas, tais comoos artistas, designers gráficos, arquitetos e empresários, com o tempo em suas mãos e necessidades pessoais a serem satisfeitas. Esses atores começam a construir uma nova economia fundada em sistemas de produção de pares -peer systems production- (RAMOS, 2013). Isso ocorre principalmente operando em sistemas de rede (CASTELLS, 2010), em que o formato exigido de poder passa por formas de heterarquias (SPELTHANN, HAUNSCHILD, 2011) em rede, como expressão de uma nova realidade sociopolítica. Heterarquia se posicionaria entre uma hierarquia clássica e uma plena autonomia presente em uma homoarquia, em que as várias unidades organizacionais estariam em colapso, formando um contexto organizacional próprio. A complexidade resultante desse modelo não é para ser combatida, mas enfatizado para fazer luz às condições da criatividade (SPELTHANN, HAUNSCHILD, 2011).

Outro exemplo seria a permissão para contratação fora do perfil padrão. Os indivíduos criativos pertencem a um perfil profissional com menor número de representantes. Os padrões de contratação normalmente são elaborados em função de um perfil médio, porém, é adequada a contratação de um profissional criativo baseado em um padrão de um trabalhador tradicional? É possível ainda uma perspectiva multidisciplinar de uma equipe criativa, nesse sentido, as contratações poderiam ampliar o leque de formações aceitas, permitindo uma maior pluralidade de profissionais (administradores junto a engenheiros, designs, psicólogos, publicitários etc.). Ou ainda, uma maior permissividade de diversidade de perfil identitário dentre os componentes.

Permitir a irreverência conceitual

A hierarquia e a obediência são princípios basilares das relações organizacionais tradicionais. Logo, os líderes devem garantir o respeito a tal regra a fim de existir um

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ambiente ordeiro, controlado e estabelecido em função dos objetivos organizacionais e da convivência harmoniosa entre os membros, mas uma gestão criativa poderia abrir uma exceção para uma irreverência conceitual, não significativo de desrespeito, mas sim dentro de uma lógica lúdica que garantisse um desprendimento com as amarras do pensar convencional. Um líder poderia minimizar um comportamento desviante (MAINEMELIS, 2011), quando tal fato ocorresse em função de determinada ação inovadora, dado que, o novo, normalmente surge do “desrespeito” a um status quo estabelecido, até mesmo gerencial.

Enfim, são várias as dimensões e perspectivas possíveis para uma gestão criativa. O papel dos líderes é decisivo no alcance dos êxitos empresariais. São diferentes as ações envolvidas nessa tarefa, tais como: formação estratégica, construção e condução de equipes, geração de ideias, definição do clima organizacional, planejamento, suporte e gestão para inovação (BYRNE, ET AL., 2009).Cada empresa tem sua realidade cultural, institucional e mercadológica e suas práticas devem ter relação com tais realidades, mas é de conhecimento geral que a inovação necessita quebrar paradigmas e romper as condições vigentes para que se estabeleça uma realidade emergente, inclusive no âmbito gerencial.

Como forma de ilustrar o processo de gestão criativa no desenvolvimento de uma competência organizacional da gestão criativa, elaborou-se a figura 1.

Figura 1 – Competências da Gestão Criativa

Fonte: Autores Considerações Finais

O retorno ao objetivo central do estudo nos leva a buscar compreender como uma gestão pode ser criativa e que competências seriam requeridas a um gestor contemporâneo para fomentar a criatividade empresarial, com reflexos positivos tanto para a produtividade e resultados da empresa, sem desconsiderar também o êxito pessoal e profissional do indivíduo criativo. Portanto, alguns pontos centrais demarcam esses desafios, como as novas configurações vigentes na lógica de poder da organização que opera na Era das redes

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organizacionais e da tecnologia digital, o perfil dos membros da organização pós-fordista e as características da organização que facilitam e nutrem os empregados criativos. No que tange às novas configurações na lógica de poder presente nas práticas culturais em torno da produção flexível e orgânica, característica das organizações criativas, elas se entrelaçam numa miríade de lugares, objetos e pessoas articulados em uma rede distribuída de natureza descentralizada, que rediscute a lógica de poder tradicional e constitui uma forma crítica de se entender as práticas compartilháveis de gestão criativa e fomento à inovação. Assim, o desafio da gestão criativa se pauta por avaliar como elas respondem a uma agenda contemporânea por maior participação e colaboração, representando tanto um mecanismo técnico, como um modo social e organizacional de compreensão do processo de absorção de tecnologias livres, abertura de espaços plausíveis para ideias diferentes e florescimento de formatos sistêmicos e contínuos de criação, transferência e retenção de conhecimento nas organizações.

Nessa seara, uma suposição plausível é a necessidade de gestores pró-ativos atuando em função de princípios que signifiquem uma ruptura ou, no mínimo, uma reorientação aos preceitos clássicos da gestão tradicional, ilustrada no fordismo. Essa postura emergente estaria sustentada por perspectivas de liderança e de gestão capazes de (re)significar a competência a partir da criatividade e das condições dessa última, ou seja, foco no indivíduo e sua articulação coletiva, abertura ao inusitado, permissividade com o erro criativo etc.

Parece evidente ainda a necessidade de um aprendizado organizacional com incorporação de conhecimentos tácitos advindos da experiência e sendo integrado à rotina sistemática e dinâmica dos empreendimentos que interagem em redes sociais com suporte da interatividade tecnológica. Portanto, isso tudo pode representar uma demanda de revisão da cultura das empresas de perfil criativo, no sentido de assimilação de práticas estruturadoras de processos e cargos que se coadunem com o uso das novas tecnologias da informação e comunicação. Nesses cenários orgânicos contemporâneos, a academia deve contemplar estudos voltados para a averiguação da gestão criativa sob o ponto de vista funcional de novos esquemas de avaliação de desempenho, adaptados ao profissional criativo, para o qual devem também ser revistos modelos tradicionais de remuneração, descrição de cargos e sistemas de recompensas.

No aspecto de configuração das características dos membros da organização e do perfil das próprias organizações do futuro, que facilitam e nutrem as equipes criativas, parece imperativa a abertura de avenidas de investigação a respeito de competências voltadas para a gestão contínua de mudanças, tecnologias gerenciais para lidar com equipes voltadas para processos e operando em modelos de projetos articulados em formatos de cooperação.

A partir do exposto, emerge a posição de que tanto o processo de aprendizagem, quanto o desenvolvimento e gestão das competências, passa pela compreensão de que a “gestão criativa” não deve se concentrar, essencialmente, nas pessoas e no controle das suas atividades, mas na gestão do ambiente organizacional que possibilite e fomente a condição criativa de seus membros nos níveis individual, grupal e organizacional. Em outras palavras, a gestão criativa não deve estar pautada no quanto as pessoas criam, mas onde (ambiente) e de que maneira elas criam no intuito de oferecer condições para que a criatividade tenha lugar privilegiado na organização.

Ao corroborar com Daskalaki (2010), este processo de gestão aqui defendido também está suportado pela compreensão de que o processo criativo é sim potencializada pela interação humana, mais também, sem dúvida, pela interação com os elementos não-humanos (objetos e artefatos) que exercem papel de atores na criatividade. Como forma de ilustrar tal pensamento, é só tentar imaginar o quão criativa pode ser uma pessoa trabalhando em uma empresa com ambientes de cores opacadas, em que não há contato visual entre as pessoas e os relógios estão espalhados de forma a pressioná-las assim como os chefes ao se posicionarem

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em locais estratégicos para vigiar o que se está fazendo. Por outro lado, um ambiente mais aconchegante com espaços para momentos de ócio criativo e que a gestão está pautada por resultados e compartilhamento de responsabilidades surge como uma potencializadora de ações criativas.

Por fim, a gestão criativa não pode ser vista como uma busca desenfreada por talentos que confinados em uma sala salvarão os problemas do mundo, mas como um recurso capaz de promover ambientes em que talentos evidentes continuem prosperando assim como talentos ocultos aflorem. Portanto, a competência na gestão criativa é baseada na prática cotidiana interacionista entre humanos e não humanos. Referências

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