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RECENSÕES 371 GIACOMO BINI, Ritorno alla intuizione evangelica francisca- na, Edizioni Biblioteca Frances- cana, Col. Presenza di San Fran- cesco, n. 48, Milão 2010. Vol. de 180x120 mm e 154 pp. Este livrinho resulta da trans- crição de um retiro pregado pelo ex-Ministro Geral, Frei Giacomo Bini, aos franciscanos de Espanha, em 2004. É, portanto, uma refle- xão teórico-prática sobre a vocação franciscana e seus grandes temas que o autor nos oferece. Sabemos como Giacomo Bini se preocupou sempre em manter vivas e actuais as grandes intuições sanfrancisca- nas, propondo-as aos homens de hoje com a mesma frescura das pa- lavras não domesticadas o Evange- lho. Inserida na coleção «Presenza di San Francesco», este pequeno li- vro poderá ser de grande proveito para todos aqueles que desejam e trabalham para reencontrar e viver «a intuição evangélica francisca- na». Será também útil aos que pre- para ou orientam retiros sobre te- mas franciscanos aqui abordados: «Recuperar a intuição evangélica franciscana» (cap. I e VI); «Uma existência unificada e centrada em Deus» (cap. II); «Memória viva e presença evangelizadora» (cap. III); «A pobreza» (cap. IV e V); «O trabalho» (cap. VII); «Mediações e estuturas» (cap. VIII e IX); «Maria, toda de Deus» (cap. X); «Desafios» (cap. XI). O livro encerra com um apêndice sobre o pertinente tema «Francisco de Assis; uma proposta para uma vida mais humana» (pp. 143-152). I. L. SAMUEL DIMAS, A Metafisi- ca da Experiência em Leonardo Coimbra - Estudo sobre a dialécti- ca criacionista da razão mistérica, Universidade Católica Editora, Lisboa 2012, 560 p. A obra, que nos cabe apresentar, corresponde ao texto das primeiras três partes da tese de doutoramen- to em Filosofia Portuguesa apre- sentada à Universidade Católica Portuguesa por Samuel Dimas, li- cenciado em Teologia e doutor em Filosofia pela Universidade Católi- ca Portuguesa, onde é assessor na Unidade de Coordenação da Inves- tigação Científica da Faculdade de Ciências Humanas e investigador no Centro de Estudos de Filosofia. Como o próprio título indica, o centro da investigação nesta parte da dissertação é o próprio conceito de Experiência (com maiúscula e em itálico) a que Leonardo Coim- bra (1883-1936) deu particular importância e, contrapondo-a a an- tigas compreensões, de Heraclito, de Parménides, Platão, Aristóteles ou Kant, procura ultrapassar, por um abarcar da realidade no diálogo com o Mistério, toda a visão cou-

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GIACOMO BINI, Ritorno alla intuizione evangelica francisca-na, Edizioni Biblioteca Frances-cana, Col. Presenza di San Fran-cesco, n. 48, Milão 2010. Vol. de 180x120 mm e 154 pp.

Este livrinho resulta da trans-crição de um retiro pregado pelo ex-Ministro Geral, Frei Giacomo Bini, aos franciscanos de Espanha, em 2004. É, portanto, uma refle-xão teórico-prática sobre a vocação franciscana e seus grandes temas que o autor nos oferece. Sabemos como Giacomo Bini se preocupou sempre em manter vivas e actuais as grandes intuições sanfrancisca-nas, propondo-as aos homens de hoje com a mesma frescura das pa-lavras não domesticadas o Evange-lho. Inserida na coleção «Presenza di San Francesco», este pequeno li-vro poderá ser de grande proveito para todos aqueles que desejam e trabalham para reencontrar e viver «a intuição evangélica francisca-na». Será também útil aos que pre-para ou orientam retiros sobre te-mas franciscanos aqui abordados: «Recuperar a intuição evangélica franciscana» (cap. I e VI); «Uma existência unificada e centrada em Deus» (cap. II); «Memória viva e presença evangelizadora» (cap. III); «A pobreza» (cap. IV e V); «O trabalho» (cap. VII); «Mediações e estuturas» (cap. VIII e IX); «Maria, toda de Deus» (cap. X); «Desafios» (cap. XI). O livro encerra com um

apêndice sobre o pertinente tema «Francisco de Assis; uma proposta para uma vida mais humana» (pp. 143-152).

I. L.

SAMUEL DIMAS, A Metafisi-ca da Experiência em Leonardo Coimbra - Estudo sobre a dialécti-ca criacionista da razão mistérica, Universidade Católica Editora, Lisboa 2012, 560 p.

A obra, que nos cabe apresentar, corresponde ao texto das primeiras três partes da tese de doutoramen-to em Filosofia Portuguesa apre-sentada à Universidade Católica Portuguesa por Samuel Dimas, li-cenciado em Teologia e doutor em Filosofia pela Universidade Católi-ca Portuguesa, onde é assessor na Unidade de Coordenação da Inves-tigação Científica da Faculdade de Ciências Humanas e investigador no Centro de Estudos de Filosofia.

Como o próprio título indica, o centro da investigação nesta parte da dissertação é o próprio conceito de Experiência (com maiúscula e em itálico) a que Leonardo Coim-bra (1883-1936) deu particular importância e, contrapondo-a a an-tigas compreensões, de Heraclito, de Parménides, Platão, Aristóteles ou Kant, procura ultrapassar, por um abarcar da realidade no diálogo com o Mistério, toda a visão cou-

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sista da realidade e da própria ex-periência reduzida. Ou como inter-preta o Autor “o criacionismo leo-nardino rejeita a contraposição pla-tónica entre a verdadeira realidade da perenidade inteligível do Ser e a aparência da transitividade sensível dos seres e recusa a contraposição kantiana entre númeno, só aces-sível ao pensamento especulativo da razão e o fenómeno, objecto do conhecimento experimental cientí-fico. Ao contrário de Kant (…) Le-onardo Coimbra fundamenta a sua gnosiologia no sentido metafisico da Experiência, que consiste no es-forço ético e religioso da livre von-tade amorosa em atingir a eternida-de da vida” (p.476). O subtítulo é, também ele, indicador do percurso do Autor pelo pensamento do filó-sofo portuense: Estudo sobre a dia-léctica criacionista da razão misté-rica. Se o criacionismo é da pena de LC, já a expressão «mistérica» se deve ao Autor. Conceito que não está livre de problematicidade como refere Cândido Pimentel na «Carta a Samuel Dimas» que pre-facia a presente obra; diz ele: “Des-de a primeira vez que a formulou perante mim, não deixei de reagir à noção de «razão mistérica», noção que não é da forja de Leonardo, e que me pareceu inicialmente uma correção indevida da razão experi-mental, uma declaração da insufici-ência de esta para o abeiramento do mistério do ser, interrogando-me eu se não haveria na sua proposta

algum preconceito cientificista ra-dicado numa conceção limitada de «experiência», tal a que alguns pre-tenderam ao sugerir a substituição do «experimental» por «experien-cial», reservando o primeiro para a experiência científica e o segundo para a experiência humana em ge-ral, com o que não deve concordar--se por ser a experiência científica um grau possível, de entre outros, da experiência criacionista. Des-cansei quando compreendi que pela «razão mistérica» queria tra-duzir uma experiência noético--emocional da inteligência na re-lação com o mistério do ser, não necessariamente o divino, embora especialmente o inclua” (p.15). A génese deste conceito é esclarecida pelo autor em nota de pé de pági-na: “A expressão razão mistérica surgiu, pela primeira vez com este significado, no âmbito do nosso trabalho de investigação acerca da especificidade do conceito de razão no pensamento filosófico português, nomeadamente a partir das teorias do Mistério de Leonar-do Coimbra e do mito de António Botelho, tendo sido apresentada na comunicação «A razão mítica em Afonso Botelho: da indiferencia-ção primordial à transcendência judaico-cristã» ” (nota 37, p.108).

Sublinhamos outro interessante ponto de discordância entre Cândi-do Pimentel e Samuel Dimas que diz respeito à compreensão do mis-tério, preferindo o primeiro a «con-

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dição enigmática» que repudia uma oposição entre o insolúvel mistério e o resolúvel enigma. Julgamos que as opções de Dimas se justificam pela sua oportuna formação teoló-gica onde a categoria de Mistério, numa clara referência ao «Mistério admirável da nossa fé», de sentido cristológico e dom divino, assume, eleva e transfigura a dificuldade de compreensão da inteligência fini-ta, mesmo a que já não se atém ao mítico, conservando sempre algo de noturno do místico na «visão ginásica» como forjou Leonardo a partir de Chesterton e exposto no seu texto S. Francisco de Assis (pu-blicado na coletânea Em louvor de S. Francisco, Braga 1927: “um ho-mem que olhasse o mundo na po-sição dum ginasta, andando sobre as mãos”).

Tem este trabalho como mérito chamar a atenção para um dos con-tributos importantes da filosofia de LC. De facto, perante a falência das filosofias racionalistas até Heidde-ger e perante as nublosas filosofias orientais e nirvânicas, sem esquecer os importantes dados das ciências, com Darwin e Einstein, continua-mos hoje à procura do pensamento em que nada do humano, pessoal e coletivo, temporal e eterno, espiri-tual e corporal, dado e construído, fique de fora ou seja esquecido sob o risco de se diminuir o próprio homem. LC não cai num relativis-mo, mas antes, pelo seu assomar ao Mistério, «alarga o espaço da ten-

da», no dizer do texto bíblico, onde o homem não se perde no castelo de muitas moradas mas se encontra num saudoso projeto de “harmonia universal de cósmica e plena frater-nidade”.

Como o próprio autor apresen-ta a obra, ela “procura evidenciar a metafísica da Experiência de Leo-nardo Coimbra como forma filosó-fico-teológica de justificar o senti-do da livre relação entre o Ser e os seres. Através da correlação entre a razão e a experiência, no progresso dialéctico da memória consciente, que tem na Razão mistérica o seu corolário, apresentaremos a solu-ção criacionista para a ancestral questão metafísica acerca da rela-ção entre a Unidade essencial da Origem e a pluralidade existencial das criaturas” (p.19). Procura evi-denciar a teoria metafísica da Ex-periência de LC como forma filo-sófica de configurar o movimento saudoso da ação criadora, em que o regresso à Origem não significa a abstrata diluição dos seres no Ab-solutus (monismo panteísta), mas constitui a realidade concreta e so-cial da relação fraterna das criatu-ras com o Criador (pluralismo te-ísta). Através da correlação entre a razão e a experiência, no progresso dialético da memória consciente, que tem na Razão mistérica o seu corolário, apresenta a solução cria-cionista para a ancestral questão metafísica acerca da relação entre a Unidade essencial da Origem e

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a pluralidade existencial das cria-turas. A Razão mistérica introduz--nos na visão ginástica do Mistério da Origem, que afirma os seres na dependência do Ser infinito e asse-gura a Presença da eternidade da Graça no tempo da condição exis-tencial, cujo Fim é a vitória sobre o mal e sobre a morte, na dinâmica incomensurável da redenção in-tegral. Mas se este estudo da obra de LC se inicia “com o objectivo de compreender o alcance da sua teoria, apresentada na obra A Rús-sia de Hoje e o Homem de Sempre, acerca da imortalidade integral da pessoa e da penetração integral da matéria pelo espírito” (p.23), não se fica apenas por essa obra mos-trando uma grande familiaridade com todo o pensamento e com as demais obras do filósofo nortenho. Centrando-se na “análise da argu-mentação criacionista que procura demonstrar, contra o dualismo de origem platónico, que a realidade material do Universo sensível não é uma aparência de Ser e que o Pa-raíso futuro da Vida eterna resulta de um resgate universal” (p.23), Samuel Dimas identifica primeira-mente o problema essencial expres-so no método criacionista, o pro-blema do conhecimento da unidade integral da realidade na pluralidade das suas diferentes manifestações. Daí passa à análise do conceito de razão filosófica, terminando na análise da fundamentação metafisi-ca da Experiência segundo os três

grandes domínios: gnosiológico, ontológico e filosófico-teológico ou metafísico-religioso.

Dividida em três partes, a pri-meira – “O progresso do pensa-mento: a evolutiva superação da antinomia entre a razão e a experi-ência” – analisa a relação essencial de crescimento e harmonização en-tre a razão e a dialéctica. Por aqui fica claro que a “experiência não é a recepção passiva das sensações, mas é a vida do pensamento em progressivo crescimento, impul-sionado pela atitude interrogativa” (p.39). Começando pelo “O carác-ter social do progresso do pensa-mento” (cap.1) e fazendo a passa-gem “Da razão mística à razão mis-térica” (cap.2) e “Da razão formal abstracta à razão experimental” (cap.3), esta parte desemboca em “O carácter dinâmico e relativista da Razão experimental e a supe-ração do formalismo e do mate-rialismo metafisico apriorista do pensamento absoluto, que reduz os indivíduos a determinações lógicas de uma substancia, para a metafisi-ca da experiência, que reconhece a autonomia relacional das consciên-cias pessoais” (cap. 3.4).

A segunda parte leva como títu-lo “A actividade dialéctica do pen-samento criacionista e o sentido metafisico da experiência”. Depois de “reconhecidos os pressupostos metodológicos do criacionismo e feito o enquadramento histórico do desenvolvimento do pensamento

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humano (…), a segunda parte do trabalho procurará estudar a especi-ficidade do pensamento criacionis-ta no que diz respeito à concepção da objectividade do conhecimento e no que se refere ao modo como é entendida a relação com o Ser. (…) É o momento de compreender, em termos gnosiológicos e ontológi-cos, o verdadeiro alcance da noção metafísica de Experiência” (p.47). “A objectividade da verdade meta-física da síntese ideorreal” (cap.4), “A razão mistérica criacionista e a relação de desproporcionalidade com o ser” (cap.5) e “A metafísi-ca da experiência” (cap.6) são os três capítulos que constituem esta parte. Aqui é de sublinhar o cap.6 onde se expõe de modo detalhado como Leonardo Coimbra entende a Experiência na recusa de “reduzir a realidade (…) ao curso irreversí-vel dos fenómenos e ao plano sen-sitivo da certeza positivista e (…) a uma pura criação subjectivista e apriorista do sujeito cognoscen-te que procura o ideal da verdade [e assim] o criacionismo propõe uma teoria do conhecimento que contemple a unidade integral do ser, quer na sua manifestação fe-noménica, quer na manifestação de uma presença que se revela no labor interrogativo e judicativo da actividade noética do pensamento, que tem na experiencia ontológica a radicação primeira e o alcance úl-timo” (p.329). Ao não estabelecer uma contraposição radical entre o

pensar e o sentir apresenta-se a no-ção de Experiência que “significa a relação solidária do pensamento e da sensação, não livre acção cria-dora da realidade que se efectiva através de uma meditativa conver-sa com o Universo, num processo de socialização que ascende da di-mensão humana à dimensão cósmi-ca, pois só aí a realidade se atinge na sua integralidade” (p.370). Ou seja, a realidade que não é de todo dada, mas é construída na originá-ria Experiência de convívio e soli-dariedade entre o pensamento e o ser na elevação do imediato sensi-tivo ao mediato ideal, diz-se exata-mente nessa “Experiência integral que no desenho da relação solidária da razão e do sentimento descobre a moralidade como fundamento ontológico do Universo e concebe a acção justa e virtuosa do homem como meio de encontro definitivo da natureza com o seu fundamento espiritual” (p.49 e título do para-grafo 6.4). Pela nuclear noção de Experiência o pensamento criacio-nista supera o cousismo do objeto exterior ao pensamento recordado platonicamente e das ideias inatas ou da realidade humanamente ob-jetiva ao jeito kantiano (o cousismo do Materialismo e do Formalismo); há neste particular modo de enten-der a Experiência uma dinâmica dialética, uma construção ascensio-nal, que não reduz, antes liberta o homem colocando-o face ao Mis-tério que o cumpre enquanto Graça

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e excesso.Depois de ter identificado o

sentido metafisico e ontológico da radicalidade moral e relacional do Ser, na terceira parte do trabalho dão-se a ver as implicações antro-pológicas desse percurso: “A uni-dade heterogénea da consciência e as suas experiências secundárias progressivas”. No cap.7 a “perfei-ta e universal memória da consci-ência de Deus” desdobra-se como “diálogo unificador do pensamento pensante com o pensamento pen-sado” (p.373); “imanente Presença manifestativa no mundo” (p.382): ordem, harmonia, consciência e Memória – fundamentais nesta abordagem antropológica da Ex-periência –; “personalismo divi-no do absoluto centro do Univer-so” (p.386); e “infinito excesso” (p.391). O volume hipervolume espiritual, ou “a sociedade de seres activos e livres, livremente criando e exaltando os domínios da Consci-ência” reúne em si, no mais espiri-tual dos capítulos desta obra, o pen-samento, o sentimento, a vontade e a ação orientados ao personalismo divino desse absoluto centro do Universo até à ação da consciência religiosa. Ou por outras palavras: “A unidade heterogénea da cons-ciência humana e a ascensão para a consciência divina” (cap.8) onde se trata “A experiência humana do ser na unidade plural da consciên-cia (cap.8.1), “A unidade humana do espírito e da matéria: o corpo

não é o cárcere da alma, mas sim a simbólica manifestação da cons-ciência” (cap.8.2), “A vida como movimento ascensional da Cons-ciência” (cap.8.3), terminando com “A corpórea consciência humana como mediação entre o real e o ideal: a vital actividade criadora da realidade espiritual realiza-se sim-bolicamente nos actos criadores científicos, filosóficos, artísticos, éticos e religiosos” (cap.8.4). Nesta abordagem procura salvaguardar--se a totalidade do que leva o nome de «pessoa» como autotranscen-dência cognitiva e moral, indivi-dualidade autónoma, onde nada do que é humano, conjuntamente com o todo da criação, se perde ou dis-solve numa mera força ou energia panteísta, mas é assegurado pelo diálogo escatológico, superador da morte, com Aquele que pode as-segurar a evolução contínua para além da própria morte até ao mo-mento da ressurreição e consuma-ção cósmica em que Deus será tudo em todos, no dizer do Apóstolo das Gentes, ou os “novos céus e nova Terra” de S. Pedro. É a perspectiva de “um olhar humilde e afectivo, prévio à altivez da lógica racional e purgado da vontade de domínio deste conhecimento abstracto, um olhar inocente e convertido que sente a ausente Presença da Gra-ça divina na saudade da comu-nhão original (…) a experiência do Mistério [que] é o horizonte em que a razão se une à emoção,

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através do discurso mistérico-poé-tico e em que a razão se une à fé e a filosofia à religião, através do discurso filosófico-teológico” (p. 495). É, precisamente, um tal olhar que deixa como pergunta o modo de “conhecer a ordem do real que tem como Fim a Vida total e não o nada, devendo-se à proximidade de um Infinito que a envolve e de um Amor que a contacta e a solicita para Além-Morte, que não significa a extinção na fusão nirvânica, mas significa a harmonia social da Vida em integral plenitude na unidade gloriosa da natureza e da Graça, do corpo e do espírito, do inteligível e do sensível” (p.470).

Chegados ao derradeiro capítu-lo são apresentadas as diferentes, várias e cumulativas compreensões de experiência: 1. Biopsicológi-ca: a experiência do pensamento vulgar e a construção dialética da experiência científica; 2. Estética: a verdade da sensibilidade e da re-alidade corpórea, onde a noção de arte tem a função da socialização das criaturas através da harmonio-sa simbólica do corpo e da alma, da sensibilidade e da inteligência; 3. Moral: a liberdade na sua relação com o dever e a vontade amante que promove a unificação coor-denadora das tendências e desejos na concretude da fraterna e justa relação social; e 4. A experiência--síntese metafisico-religiosa com a unidade entre a natureza, a consci-ência, ciência e moral como procu-

ra de sentido libertador para os pro-blemas dramáticos do sofrimento, do mal e da morte. Ou como o au-tor resume: “No sentido gnosioló-gico, a experiência não é a receção passiva e imediata das sensações e das propriedades de cousas feitas, por parte da consciência cognos-cente sensitiva ou intelectiva, mas é a ordenação racional da intuição sensível em noções cada vez mais ricas e amplas, impulsionada pelo questionamento e pela procura ac-tiva de respostas compreensíveis. Na experiência confluem de forma correlativa o momento indutivo e o momento dedutivo. (…) A ex-periência é uma síntese intuitivo--racional que implica característi-cas formais e materiais e implica a conexão das experiências parce-lares, cuja amplitude e qualidade, progressiva e variável, resulta do nível de desenvolvimento cultural de determinada sociedade e do ní-vel de desenvolvimento emocio-nal e intelectual de cada membro dessa sociedade. A experiência é a vida do pensamento em progressi-vo crescimento, impulsionada pela atitude interrogativa e pela acção judicativa” (p.478).

Se o trabalho de investigação se desenvolveu à volta do conceito de Experiência não se pode esquecer, como aponta o subtítulo, a impor-tância que o conceito de Razão tem ao longo de todo o trabalho, como que numa paralela abordagem da metafísica da Razão. Um e outro

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conceito foram sendo progressi-vamente alargados na sua abran-gência e por isso se passou de uma Razão mística a uma Razão formal abstrata, dessa a uma Razão expe-rimental (“dinâmica, livre e relati-vista, [que] apresenta-se em oposi-ção às diferentes formas da Razão formal abstracta ou da Razão Ló-gica, ou seja, em oposição à razão monista da identidade pura de ori-gem eleata e em oposição à razão silogística aristotélico-escolástica de carácter estático e abstracto; em oposição à razão apriorista kantia-na e à razão fenomenológica hus-serliana, (…) em oposição à razão conceptual absolutista hegeliana que (…) apresenta a absorção in-diferenciada da pluralidade do real na unidade abstracta do Absoluto, esquecendo a experiência da inter--relação entre a acção individual e a acção social” p.484), desembocan-do, se bem entendemos, numa Ra-zão Criacionista ou Razão Mistéri-ca, ou seja, “uma Razão fundada na Experiência integral do Ser, vivifi-cada pelo dinamismo progressivo da Razão experimental dialéctica, depurada dos antropomorfismos e ontologismos da Razão mítica e de-purada dos formalismos monistas da Razão abstracta” (p.476), numa “união do raciocínio especulativo

com a emoção poética, a contem-plação espiritual e a acção moral” (p.497), para tudo consumar na Vida gloriosa do Paraíso Celestial. É este o termo de um percurso que começando pelo equacionar da no-ção criacionista de Experiência, da filosofia se passa à teologia e onde a filosofia criacionista enquadra a experiência metafisico-religiosa enquanto questionamento sobre o sofrimento, o mal e a morte.

O percurso de pensamento pe-las obras de LC, como se percebe por esta brevíssima apresentação da obra, prima pela abrangência e familiaridade com o pensamento do autor do Criacionismo. Está, por isso, de parabéns o seu autor. E, a par desta grande proximida-de com os textos leonardinos e da análise do conceito de Experiência que se oferece como uma possível e muito acertada porta de entra-da no universo de Leonardo, é de assinalar também a vastíssima bi-bliografia aqui apresentada, o que faz, certamente, deste trabalho um marco para futuros estudos sobre o filósofo português, sem que com isto fiquem esgotadas todas as pos-sibilidades de abordagem do seu pensamento.

Gonçalo Figueiredo