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Gigantes da Física

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É a aventuramais perseverante e grandiosa da história humana— essabusca de compreender o universo, como opera e de onde veio. É di ícilimaginarqueumpunhadodehabitantesdeumpequenoplanetaquegiraem torno de uma estrela insigni icante numa pequena galáxia possa terpor objetivo uma completa compreensão do universo em sua totalidade,umgrãozinhodecriaçãoacreditandorealmentesercapazdecompreenderotodo.

MurrayGell-Mann

Uma coisa que aprendi numa longa vida: que toda a nossa ciência,confrontadacomarealidade,éprimitivaeinfantil—enoentantoéoquetemosdemaisprecioso.

AlbertEinstein

Minha mensagem é que a ciência é uma atividade humana, e a melhormaneira de compreendê-la é compreender os seres humanos individuaisqueapraticam.

FreemanDyson

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APRESENTAÇÃOÀEDIÇÃOBRASILEIRA

Acontribuiçãodo cientista tantopara a ciênciaquantopara ahistóriadahumanidademuitasvezesdemoraalgumasdécadasparaserassimilada,oque torna o cientista uma pessoa mais distante e, de certa forma, maisinacessível.Alémdisso,suacontribuiçãoédadanummundodelinguagemprópria, muitas vezes cheio de equações, de fórmulas ou de conceitosprecisosenadacomuns.A radical revolução da ísica no início do século XX continua

promovendoavanços,emborajátenhamudadoconceitosbásicosdenossacultura:espaço, tempo,determinismo.Umnovopanoramasurgiu,desdeaescala submicroscópica das partículas elementares até as elaboradasteoriase ideias sobreoUniverso.Mascontinuamosconhecendopoucodahistóriadeseusprotagonistas,doaspectohumanoedocontextosocialnoqualasrevolucionáriasleiturasdomundorealsederam.Será que as grandes teorias ou os experimentos relevantes não

preservamemsialgodeseusautores?Essescientistasforam,semdúvida,pessoas singulares;mas terão sido tão diferentes de nós? Foram, ou são,pessoas cheias de ideias que estão em permanente evolução, ou sãoobstinadasepossuemumaforçadevontadeférrea?Terãonossosmesmosdefeitos e fraquezas diante do problema que os a lige ou são seguros esólidos na defesa de seus argumentos? Jogam, como se diria,“honestamente”ousedeixamcairnaconvidativatentaçãodeutilizaroseucelebradonomeparaderrubarosargumentosdeseuscompetidores?

***

Gigantesda ísicaapresentaavidadeoitocientistasque,comseutrabalhoepersonalidade,deixarammarca indelévelnahistóriada ciência:pessoascomuns, com falhas e virtudes, mas todas com um toque de genialidadequeosdistinguedosdemaissereshumanos.Nãosetratadeumlivrodeciência,esimdeumlivrosobreciência,que

buscaatravésdavidadecientistasmostrarseustrabalhosecontribuiçõesparaahumanidade.Adescriçãode fatos cientí icosé feita como cuidadode proporcionar ao leitor uma leitura simples e em linguagem coloquial,

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semosrigorestécnicosquetornariamoassuntodifícilparaoleigo.Uma série de alterações em relação à primeira edição desse livro foi

introduzida com o intuito de melhor adaptar o texto para um públicobrasileiro, tornando-o mais acessível. Mantiveram-se, naturalmente, asideiaseabordagensoriginais,bemcomooestilonarrativodoautor.A leitura deGigantes da ísica, acreditamos, será agradável e dará

subsídios aos interessados para ummaior aprofundamento dos assuntosabordados. Se o leitor tiver sua curiosidade aguçada e seu interessepelafísicaestimulado,nossoobjetivoterásidoplenamentealcançado.

HéliodaMottaFilhoHenriqueLinsdeBarros

marçode2000

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PREFÁCIO

Mencioneaspalavras física ehistória namesma fraseeosolhosdo leitormediano vão perder o brilho. No entanto, a história da evolução dopensamento humano, especialmente na ísica, é uma crônica dramáticarepleta de personagens curiosos e descobertas empolgantes. O objetivofundamental deste livro é mostrar que ísica e história podem ser aomesmotempoestimulanteseincitadorasdopensamento.Estelivroapresentaoper ildeoito ísicosquecontribuíramdemaneira

relevante para a revolução que ocorreu na ísica no século XX e levou atodaumanovacompreensãodarealidade—dasleisdouniverso.Afísicaéaciênciaquetratadamatéria,daenergia,domovimentoedaforça—tudodesdeaimensidãodocosmoatéamenorpartículaindivisíveldanatureza.Comoatividadeintelectual,elaéabuscadasleisfundamentaisdanaturezae nenhum fenômeno no universo lhe é alheio. A abrangência de nossotema, portanto, depende da capacidade que tenhamos, como escritor eleitor,deexpandirnossasimaginações.Alémdeideias,porém,vamosestartratandodepessoas—umconjunto

de personalidades multifacetadas que são os atores neste palco.Especi icamente,escolhiIsaacNewton,AlbertEinstein,MaxPlanck,ErnestRutherford, Niels Bohr,Werner Heisenberg, Richard Feynman eMurrayGell-Mann,cadaumdosquaisrepresentaumgrandeavançooumudançanavisãodomundo.Esseshomenspartilhamumapaixãointelectualcomumpor conhecer e compreender — assim como os grandes artistas sãocompelidosacriar.Quaisforamasqualidadeshumanassingularesdecadaumdessescientistasqueos tornaramtãonotáveise tornamcadaumadesuas histórias tão fascinante? Todos eles foram pensadoresexcepcionalmente originaisque, em todos os casos, desviaram-seclaramente do pensamento anterior para fornecer aomundo concepçõesinteiramente novas da realidade e novas verdades para considerar. Elessão, em suma, aquelas pessoas que conduziram omundo intelectual, porvezescomrelutância,àcontinuidadede ideias,observações,especulaçõese sínteses que constituem o corpo de conhecimento hoje chamadofísicamoderna. Que signi icado tem isso para nós? De minha parte, sou umentusiasta confesso da ciência e como tal posso ser acusado de ter uma

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visão extremamente estreita da história. A irmo, contudo, que é quaseimpossívelexagerarascontribuiçõesdessesoitocientistas.Elassão,ameuver,muitomaisnotáveisquetodososreis,rainhas,generaisepolíticosquesão os temas usuais da história. Quase tudo à nossa volta na IdadeModerna, de automóveis a eletrodomésticos, do avião a jato a usinaselétricas,devesuaexistênciaemalgumamedidaaessescientistas.Isaac Newton é popularmente conhecido como o homem que viu uma

maçã cair de uma árvore e a partir disso, de umamaneira ou de outra,elaborouasleisdosmovimentoscelestes.Suascontribuições—amecânicae o cálculo— só podem ser verdadeiramente apreciadas quando vistascomo precursoras da Idade da Máquina e da Revolução Industrial. Asteorias revolucionáriasdeMaxPlanck introduziramaeletrônicaquântica,sem a qual a indústria moderna não existiria. O legado conjunto desseshomensésurpreendente.Este livro é destinado à mais extraordinária das criaturas, o “leigo

inteligente” — o não cientista que pode jamais ter feito um curso dehistória da ciência, mas que ainda assim possui curiosidade intelectualpara re letir sobre como chegamos à nossa concepção atual do mundonatural, e, igualmente interessante, quem foram os cientistas que nostrouxeramaesteponto.Este livro,portanto, é ahistóriada ísica contadaatravés de biogra ias abreviadas que se concentram nas personalidadesdos ísicoseemsuasrealizaçõescientí icas.Estáescritoemlinguagemnãotécnica e minha meta é explicar e interpretar a obra desses notáveiscientistasnuma linguagemcompreensível a todos.Nenhumconhecimentoemciênciaoumatemáticaéexigidodoleigoparaesteguia.EstoudeplenoacordocomTimothyFerris,autordelivrossobreciência,quandodisse:“Adi iculdadeparasecompreenderumaobradeciência,emcontraposiçãoaumaobradearte, é frequentementeexagerada.”Newton,EinsteineGell-MannnãodeveriamsermaisamedrontadoresqueShakespeare,TolstoiouMozart. Todos eles representam um desa io intelectual e prometem umaricarecompensapeloesforço.Estelivroéparaaquelesquenãosedeixamderrotarportentativasdeperscrutarecompreenderoincrívelmundoemque vivemos e que estão dispostos a pagar um pequeno preço empensamentoeesforçopeloingresso.Aliás, o título original deste livro em inglês (Heisenberg Probably Slept

Here)a vem de um adesivo avistado num carro nocampus doMITb, e eleprovaque,malgradocertosindíciosemcontrário,aspessoasversadasemciências não deixam de ter certo senso de humor.WernerHeisenberg, éclaro, foi o formulador do princípio da incerteza, pelo qual a exatidão da

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medidaésubstituídapelaimprecisaprobabilidade.PorquecomeçarcomIsaacNewtonenãocomum ísicodoséculoXX?Se

pensarmos na ísica como um esforço para encontrar um conjuntouni icado de leis que governam a matéria, o movimento e a energia nonívelmicroscópicoousubatômico,naescalahumanadocotidianoeaténamais ampla escala cósmica extragaláctica, veremos que as realizações deNewton abrangem toda essa extensão, do micro ao macro, recobrindotambém o território intermediário da ísica aplicada do dia a dia. Hoje, aambiciosametada ísicaencontra-sequaserealizada.Emboraaindanãosetenha alcançado uma teoria completamente uni icada dos fenômenosísicos, um conjunto notavelmente reduzido de leis ísicas fundamentaisparececapazdeexplicartodososfenômenosconhecidos.A ísica desenvolvida até a virada do século XX, aproximadamente, é

conhecida como ísica clássica e é capaz de explicar os movimentos dosobjetosquesemovemlentamentecomrelaçãoàvelocidadedaluz,alémdefenômenos como o calor, o som, a eletricidade, omagnetismo e a luz. Osdesenvolvimentos da ísica moderna, como a relatividade e a teoria dosquanta,modi ica a compreensãodesses fenômenosnamedidaemque seaplicam tanto a velocidades mais altas e a objetos imensos quanto aosdiminutos elementos constitutivos da matéria, como elétrons, prótons enêutrons.Em seu livroSonhos de uma teoria inal, o ísico Steven Weinberg

exprime isso da seguinte maneira: “É com Isaac Newton que o sonhomoderno de uma teoria inal [da ísica] realmente começa.” Newton nosfornece,portanto,opontodepartidalógicoparanossaaventuraintelectualrumoaoespaço,o tempoeodesconhecido.Paramontarocenárioparaogrande homem, algumas palavras de prólogo — um breve sumário dafísicapré-newtoniana—sãonecessárias.

aHeisenbergprovavelmentedormiuaqui.(N.R.T.)bInstitutodeTecnologiadeMassachusetts.(N.R.T.)

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INTRODUÇÃOSOBREOSOMBROSDEGIGANTES

Em1676,ummodestoIsaacNewtonescreveunumacartaaRobertHooke,colegacientistaerivaldelongadata:“Seenxergueimaislongequeoutroshomens,foiporquemeerguisobreombrosdegigantes.”OresumoqueseseguedizrespeitoaalgunsdosgigantesaqueNewtonsereferiu.Semdúvidahavia ísicaantesdeIsaacNewton.Mesmoantesdosgregos

antigos — na China, no Egito e na Mesopotâmia, para citar apenas trêslocalizações geográ icas—, pessoas esforçavam-se para compreender asleis naturais do estranhomundo emque viviam.Os árabes, por exemplo,deram à civilização seu atual sistema de numeração. As célebrespirâmides, cuja construção demandou um incrível conhecimento dematemática, já eram bastante antigas quando os gregos começaram adiscutir iloso ia e ciência. Do ponto de vista ocidental, no entanto, osgregos foram osmais importantes dos primeiros cientistas, os protótiposdosfísicos,porassimdizer.Algunshistoriadoresidenti icaramTalesdeMileto(640-546?a.C.)como

o primeiro ilósofo e o primeiro cientista. Para merecer essa honra, eleapresentounovasperspectivassobreamaneiradesetentarcompreenderomundonatural.Emprimeirolugar,Talesnãorecorreuaoanimismo;istoé, não dizia que chove porque o deus da chuva está zangado ou que osmaressãoprofundosporqueosdeusesassimdeterminaram.Emsegundolugar, fez a audaciosa a irmação de que o cosmo era algo que a mentehumanapodiacompreender.Seufeitomaisespetacular,equeprovousuatese, foiaprevisãodeumeclipsepara585a.C.—ele realmenteocorreu.Talespôsomundointelectualnasendadare lexãosobreomodocomoascoisas funcionavam, uma senda que continua sendo trilhada em nossosdias.Tales foi sucedido por Pitágoras (c.582-c.500 a.C.) e seus seguidores,

que descobriram que o mundo real pode ser compreendido em termosmatemáticos — de fato, talvezmais bem compreendido em termosmatemáticos. A escola pitagórica, que sobreviveu ao mestre por váriascentenas de anos, a irmava que o universo é a manifestação de váriascombinações de razões matemáticas. Foi dito que os pitagóricos se

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desviaram da religião para amatemática e terminaram transformando amatemáticanumareligião.Suaintuiçãooriginal,contudo,éconsideradaumdosmais importantesavançosnahistóriadopensamentohumano.DesdePitágoras, amatemática tem sido a lingua franca da ciência. Ela pode, noentanto, ser traduzida numa linguagem mais compreensível. O próprioPitágoraséconsideradotambémoprimeirohomemdequesetemnotíciaa ensinar que a Terra era uma esfera e ainda a postular que a Terra semove—ambasnoçõesradicais.A explosão de conhecimento grega continuou com as obras de, entre

outros notáveis, Euclides, Aristarco, Arquimedes e Eratóstenes. Euclides(c.300 a.C.), cujo nome é sem dúvida quase sinônimo de geometria,escreveuummanual chamadoElementosquesetornouopadrãoduranteséculos. Após a invenção da imprensa, foi objeto demais demil edições,razão pela qual Euclides é considerado o mais bem-sucedido autor delivro-texto de todos os tempos. O que fez a grandeza de Euclides foi suacapacidadedeapreender todoo conhecimentoacumuladonamatemáticadesdeosdiasdeTalesedecodi icaressesdoisséculosemeiodeesforçosnumaúnicaobra.OsaxiomasdeEuclides,como“Otodoéigualàsomadassuas partes”, ou “Uma linha reta é amenor distância entre dois pontos”,eram outrora considerados leis matemáticas. No século XIX, os cientistasforam capazes de entender que, na verdade, axiomas são apenasa irmações admitidas, e não verdades absolutas. Pouco se sabe sobre avida de Euclides, mas uma anedota diz respeito à sua resposta ao reiPtolomeu do Egito quando este, ao estudar geometria, perguntou-lhe senão podia tornar sua demonstração um pouco mais fácil de entender.Euclidesrespondeu,inflexível:“Órei,paraseviajarpelopaísháviasrégiaseviasparaoscidadãoscomuns;nageometria,porém,háumasóviaparatodos.”Comfrequência,essepensamentoéexpressonaformamaiscurta:“Nãoháviarégiaparaageometria.”AristarcodeSamos (c.260a.C.) é geralmente consideradoomaisbem-

sucedidodosastrônomosgregos.AristarcocalculouotamanhorealdaLuaao observar o tamanho da sombra projetada pela Terra durante umeclipsedaLua.Amaisrevolucionáriadetodasassuas ideiasfoiasugestãode que osmovimentos dos corpos celestes poderiam sermais facilmenteinterpretados caso se admitisse que todos os planetas, entre os quais aTerra, giram em torno do Sol. Essa hipótese heliocêntrica era demasiadoradicalpara ser aceitapelos sábiosda época eo livrodeAristarco sobreesseassuntonãosobreviveu.Entre os gregos temos, em seguida, Arquimedes (287?-212 a.C.),

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reputado o mais eminente cientista e matemático da Antiguidade. Sobmuitosaspectos, foioprimeirocientistaasertambémumengenheiroporter voltado muitas de suas teorias para o uso prático. Por exemplo,Arquimedes formulou o princípio da alavanca. Demonstrou com detalhesmatemáticos que um pequeno peso a certa distância de um fulcro (oupontodeapoio)iriaequilibrarumgrandepesopróximodofulcroequeospesos e as distâncias estavam em proporção inversa. Conta-se que, apropósito do princípio da alavanca, Arquimedes teria dito: “Dê-me umpontodeapoioepossomoveromundo.”Atribui-setambémaArquimedesainvençãodeumabombadeáguana

forma de um cilindro helicoidal que, quando girado, era capaz demoverágua de um nível para outro, mais alto. Até hoje esse dispositivo éconhecidocomoo “parafusodeArquimedes”.Emseu tempo,Arquimedessenotabilizou sobretudo como inventorde armasde guerra, catapultas eassemelhados.Foide fatoumcomplexomilitar-industrialnumsóhomem.Atualmente, porém, Arquimedes é mais conhecido popularmente peladivertida história de sua descoberta do princípio que leva o seu nome.Oque se conta é que o protetor de Arquimedes, o rei, pediu-lhe queveri icasseseumacoroarecém-enviadapelo joalheiroeradefatotodadeouro, como devia ser, ou se continha uma mistura enfraquecedora deprata. Devia fazer isso sem dani icar a coroa de maneira alguma.Arquimedesnão tinhaamenor ideiasobrecomo levara caboessa tarefaaté que um dia, ao entrar em sua banheira cheia, percebeu que a águatransbordou.Diz a lenda que ao fazer essa observação ele pulou fora dabanheiraesaiucorrendonupelasruasdeSiracusaemdireçãoaopaláciogritando: “Eureca, eureca! (Achei!)”. Dessa observação casual, ele haviafeitoabrilhantededuçãodequeaquantidadedeáguadeslocadaeraigualem volume à porção de seu corpo que estava submersa na banheira. Apartirdisso, concluiuque semergulhassea coroado reinaáguapoderiadescobrir o volumeda coroa pelo aumento do nível da água. Em seguidapoderiacompararovolumedacoroacomovolumede igualpesodeouro.Se os volumes fossem iguais, a coroa era de ouro puro. Se tivesse umamistura de prata (que é menos densa que o ouro a), a coroa teria umvolume maior. Como uma nota de pé de página a esta famosa anedota,caberiaobservarquesedescobriuquea coroaemquestãoeraempartedeprataeojoalheirofoiexecutado.Outro famoso pensador grego de interesse é o astrônomo, geógrafo e

historiadorEratóstenes (276?-195?a.C.).b Ele era o sábio encarregadodaBiblioteca em Alexandria, e tutor do ilho do rei Ptolomeu III. O mais

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importantede tudo,porém,e a razãode sua inclusãonamaiorpartedaslistas dos cientistas importantes da Antiguidade, foi sua façanha dedeterminarotamanhodaTerra.Eleofezobservandoofatodeque,nodiadosolstíciodeverão,oSol icavadiretamenteacimadacidadedeSiena,nosul do Egito, na mesma hora em que estava a sete graus do zênite emAlexandria. Por raciocínio, concluiu que a diferença se devia à curvaturana super ície da Terra entre as duas cidades. Caso a distância entre ascidades fosse conhecida com certo grau de precisão e caso se admitissequeaTerraéumaesferacom igualcurvaturaemtodasaspartesdesuasuper ície, seria possível calcular o diâmetro da Terra. Usando estemétodo,EratóstenescalculouacircunferênciadaTerraempoucomaisde40mil quilômetros, o que é quase correto. c O problema foi que ninguémacreditou nos seus números na época porque fazê-lo era admitir que omundo então conhecido ocupava apenas uma pequena porção dasuper ície total da Terra, e grande parte desta era mar. Os outros trêsquartosdasuper íciedaTerraoueraminteiramentecobertosdeáguaoucontinhamvastas terrasdesconhecidas—eessasduasalternativaseramambasinaceitáveisnaépoca.Do tempo dos antigos às grandes descobertas de Nicolau Copérnico,

Johannes Kepler e Galileu Galilei, passaram-se cerca de 1.700 anos —séculos durante os quais as teorias de Cláudio Ptolomeu (127-151 d.C.)dominaram o mundo pensante. Na versão da realidade de Ptolomeu, aTerraestánocentrodouniversoetodososplanetas giramàsuavoltaemórbitas circulares de vários tamanhos, dependendo da distância que osseparadaTerra.Essateoriaeraclaraesistemática.Podiaatéserusadanaprevisão das órbitas dos planetas, embora com escassa precisão, e era, éclaro, completamente errada. Só 1.700 anos mais tarde izeram-seobservações dos planetas com precisão su iciente para levantar dúvidassobreaversãodouniversodePtolomeu.O astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) foi quem deu a

partidanarevoluçãocientí icaquehaveriadedestronaraciênciagregaeintroduzirohomempensantenumcaminhomaisprodutivo.Em1507,eleobservouqueastabelasdasposiçõesplanetáriaspoderiamsercalculadascommaiorprecisãocasoseadmitissequeoSol,enãoaTerra,eraocentrodo universo. Essa não era uma ideia completamente nova — Aristarcohaviasugeridoessaideiaradicalmuitosanosantes.MasfoiCopérnicoqueelaborouumsistemacomtodososdetalhesmatemáticosparademonstrare sustentaronovoconceito.AnovaordenaçãodosplanetaspropostaporCopérnico,doSolparafora—Mercúrio,Vênus,TerraeLua,Marte,Júpiter

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eSaturno—substituiua tradicionalordemcentradanaTerrae forneceuuma solução simples e coerenteparaoproblemaaté entãomal resolvidodeporqueMercúrioeVênussempreapareciampertodoSol.O sistema copernicano explicou também o enigmático movimento dos

planetas,emparticularoaparentemovimentoretrógradodeMarte,Júpitere Saturno. Se a Terra estava se movendo em torno do Sol numa órbitamenorqueasdeMarte, JúpitereSaturnocomoCopérnicopropôs,ela iriaperiodicamente passar à frente desses planetas, fazendo com queparecessem estar se movendo para trás no céu noturno. Além disso, ofenômeno da precessão (ou ocorrência antecipada) dos equinócios podiaagora ser explicado por um balanço da Terra àmedida que ela gira emtorno do seu eixo. Os equinócios, você deve estar lembrado, ocorremquandooSolcruzaoplanodoequadordaTerra,fazendocomquenoiteediatenhamiguaisduraçõesnaTerrainteira.Issoaconteceduasvezesporano,porvoltade21demarçonocasodoequinóciodaprimaveraede21de setembro, equinócio de outono.d O problema era que esses eventosestavamocorrendoumpoucomaiscedotodososanoseissonãopodiaserexplicadopelas velhas teoriasptolomaicas. Seria possível explicarmelhorasestaçõesnaTerraseestasemovesseemtornodoSolumavezporanoetivesse,comodefatotem,seueixoinclinadoemrelaçãoaoSol.Duranteamaiorpartedesuavida,Copérnicoseabstevedepublicarna

totalidade suas extraordinárias concepções.De revolutionibus só foipublicadoem1543e,porironia, foiobjetodeamplodescasonaépoca.AsideiasexpressasnaobradeCopérnicoeramexcessivamenteradicaisparaseremlevadasasério.Durantedécadas,houvepoucosindíciosnaEuropade que uma concepção sem precedentes fora proposta e de que umamudança drástica na visão domundo fazia-se agora necessária. A IgrejaCatólicaRomanaporcertoprestouatençãoànaturezaheréticadaobradeCopérnico e, como ela contradizia claramente os ensinamentos da Igrejasobre umuniverso centrado na Terra, proibiu-a. Só em1835, quase 300anos após a morte de Copérnico, o livro foi retirado da lista de livrosproibidos. Quatro anosmais tarde, quando uma estátua de Copérnico foiinaugurada em Varsóvia, nenhum padre católico se dispôs a o iciar naocasião.Apesardetudo,doisjovensastrônomosdediferentespartesdomundo

logoseconverteramàsideiasdeCopérnico:KeplernaÁustriaeGalileunaItália. JohannesKepler (1571-1630)eraoherdeirodeumvasto conjuntode observações astronômicas de uma precisão sem precedentesacumuladoporTychoBrahe (1546-1601),oastrônomodinamarquêsque

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foiseumentoreseupredecessornaposiçãodematemáticoeastrólogodosacroimperadorromano.Usandoessetesourodedadosefortalecidopelafé na teoria copernicana, Kepler empenhou-se na descoberta das leismatemáticas que iriam resolver o problema do comportamento dosplanetas. Por mais notável que fosse a concepção heliocêntrica deCopérnico, os dados observáveis ainda não se ajustavamperfeitamente àteoria. Kepler dedicou dez anos de trabalho árduo e paciente àinvestigaçãoempíricadosmovimentosdosplanetas e às leismatemáticassubjacentesaessesmovimentos.Feztudoissointeiramentesozinho,semoapoiodeninguémecompreendidoapenasporpoucos.OgolpedegêniodeKepler foidescobrirqueaverdadeira formadaórbitadaTerraemtornodoSoleraumaelipseenãoumcírculoperfeitocomohaviasidopostulado.Fez isso calculando as relações posicionais da Terra, de Marte, e do Sol,para concluir que somente uma órbita elíptica corresponderia aos dadosobserváveis. Feito isso, Kepler passou a calcular as órbitas eosmovimentosdosdemaisplanetasconhecidos.Foiumtrabalhomonumental,especialmenteemse considerandoas limitaçõesdamatemáticanaépoca.Além de descobrir que as observações correspondiam precisamente aórbitascomformadeelipses,KeplerdescobriuquecadaplanetasemovianumavelocidadeproporcionalàdistânciaqueoseparavadoSol.Combasenessesachados,Keplerdesenvolveuumconjuntodetrêsleis:

(1) Os planetas orbitam em torno do Sol em órbitas elípticas, com o Solnum dos dois pontos focais da elipse. (2) A linha que une o Sol e umplanetavarreáreasiguaisemtemposiguais.(3)OcubodadistânciamédiaentreumplanetaeoSoléproporcionalaoquadradodotempoqueelelevaparacompletarumaórbita.Asegundaleipodeserexpressatambémdaseguintemaneira:quando

um planeta está se movendo pela extremidade externa de sua elipse, alinhaqueouneaoSolserámaislongaeoplanetaestarásemovendomaislentamente; à medida que o planeta move-se mais perto do Sol, a linhaicarámaiscurtaeoplanetasemoverámaisdepressa.Essasmudançasnavelocidade signi icam que a área varrida pela linha que une o sol a umplaneta,emqualquerperíododetempo,queroplanetaestejapróximooulongedoSol,permaneceráamesma.AterceiraleideKeplertambémadmiteoutraformulação:seadistância

médiaentreoSolequalquerplaneta fosseelevadaaocuboe seo tempoqueessemesmoplaneta levapara completar suaórbita fosse elevadoaoquadrado, a razão dos dois números resultantes seria sempre a mesma,nãoimportaqualfosseoplanetaenvolvido.Paratodososefeitos,asleisde

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Kepler introduziram ordem e harmonia à concepção de universo dahumanidade.Quando jovem, Kepler ganhava a vida como professor de matemática

numa cidadezinha da Áustria. Para suplementar seus magros ganhos,distribuía calendários astrológicos que previam, entre outras coisas, otempo, o destino de príncipes, os riscos de guerra e de insurreições dosturcos. Sua fama se espalhou e por im ele passou a calcular horóscopospara o imperador Rodolfo e outros membros preeminentes da corte. Apseudociência da astrologia continuou sendo a fonte de renda de Keplerquando tudomais falhava.Constaqueele teriadito: “Prognosticaré,pelomenos,melhorquemendigar.”Apesardesuasincursõespelacartomancia,Johannes Kepler assegurou seu lugar entre os gigantes como o primeirohomem a discernir a realarquitetura do sistema solar e a formular leisquepreveemcomprecisãoosmovimentosdosplanetas.

SEGUNDALEIDEKEPLEROtempoentreA1eA2éigualaotempoentreB1eB2.AvelocidadeentreA1eA2émaiorquantomaioraproximidadedoSol.

Aproximadamente namesma época em que Kepler estava publicandosuas leis domovimento planetário emPraga, Galileu Galilei (1564-1642),universalmente conhecido apenas por seu primeiro nome, virou seurecém-construídotelescópioparaocéuquecobriaPádua,naItália.Elenãoinventarae o telescópio;odispositivo fora criadonaHolandaem1608.Noentanto,elemontouparasiumtelescópiomelhorem1609efoiopioneirodeseuusocomoinstrumentoastronômico.Antes de se voltar para observações astronômicas, Galileu estivera

empenhadoem irmarsuareputaçãocomooprimeiro ísicoexperimental

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domundo.Fezexperimentoscomtudoquelhepassoupelacabeça:comosom, com a luz, com a temperatura e, o que foi mais importante, com omovimento.Segundoumahistóriainteressante,queinfelizmentenãopassade ummito, Galileu deixou cair objetos de diferentes pesos da inclinadaTorre de Pisa para demonstrar que cairiam sobre a Terra com amesmavelocidadef. Essa história não é mencionada por Galileu em nenhuma desuasanotações;naverdade,foiatribuídaaeleanosmaistarde.Sejacomofor, o experimento, tivesse ele sido efetuado, não teria tido os resultadospresumidos, porque objetos de diferentes pesos só cairiam no mesmointervalodetemponovácuo.O que Galileu de fato fez foi estudar como os objetos se movem; não

deixandoquecaíssemlivrementedatorreoudequalqueroutrolugar,masusando um plano inclinado. Fazendo bolas de diferentes pesos rolar porumplanoinclinadoabaixo,tornouomovimentomais lentoatéopontoemque podiamedi-lo. Não era um experimento perfeito porque havia atritoenvolvido e objetos mais pesados seriammais afetados que outros maisleves. Galileu fez o possível para eliminar esse fator, polindo a tábuainclinada até deixá-la lustrosa. Começou com uma inclinação suave e emseguida repetiu o experimento com inclinações crescentes, até que avelocidade se tornou grande demais para ser medida com algumaprecisão. Galileu foi capaz de extrapolar os resultados dessesexperimentos com planos inclinados, concebendo um experimentohipotéticomental para conjeturar o que ocorreria a objetos numa quedalivre.Descobriuqueumobjetoemquedanãocai simplesmente—elecaicada vez mais depressa ao longo do tempo. Em outras palavras, ele seacelera, e a aceleração (aumento da velocidade) é constante. Além disso,Galileu observou que a taxa de aumento da velocidade é a mesma paratodasasesferas,sejaqualforseupesooutamanho.Sendoummatemático,expressoutodasassuasconclusõesnumafórmulaqueéconhecidacomoaLei da queda dos corpos. Não precisamos detalhar a matemática ou afórmula, mas cabe simplesmente assinalar que hoje se considera que asobservações e deduções de Galileu deram início à ciência damecânica equetiveramenormeinfluênciasobreIsaacNewton.Nasnoitesde4a15dejaneirode1610,reputadaspormuitoscomoas

mais importantes na história da astronomia, Galileu fez observaçõesassombrosas com seu recém-construído telescópio. Essas observaçõespuseram ao alcance da astronomia as primeiras provas qualitativamentenovas que ela conhecera desde a Antiguidade. Galileu interpretou cadaumadesuasobservações—ascraterasemontanhasnasuper íciedaLua,

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asmanchasmóveisnoSol,asquatroluasquegiramemtornodeJúpiter,asfases de Vênus, as diferentes estrelas quase inacreditavelmentenumerosas da Via Láctea — como poderosa evidência que vinhacorroborar os conceitosdeCopérnico e refutar a velha teoriaptolomaica.Com o telescópio de Galileu, ateoria heliocêntrica tornou-se ofatoheliocêntrico. O universo copernicano não mais poderia ser descartadocomomeraconveniênciadecálculo.Em 1632, Galileu publicou seus achados num livro chamadoDiálogo

sobre os dois maiores sistemas do mundo e imediatamente passou a terproblemas com a Igreja Católica Romana. A propósito, a despeito de suaimportância trata-se de um livro longe de ser sisudo. Está cheio do quehoje se chamaria de piadas batidas e zombarias. A zombaria, contudo,fazia-seàcustada IgrejaedopapaUrbanoVII,e foiaíqueosproblemascomeçaram. Galileu foi levado perante a Inquisição sob acusações deheresia.Asquestõesconsideradasno julgamentopoucotinhamavercomteoriascientí icas.Naverdade,Copérnico,aconcepçãoheliocêntrica,eumaTerra que semovia não foram discutidos emmomento algum. A questãocentral do julgamento foi a obediência ao papa. Galileu havia tentadoseparar os domínios da Igreja e do Estado ao dizer: “A religião nos dizcomochegaraoCéu,nãocomooCéuchegoulá”,masfracassou.Como parte de seu esforço para convencer Galileu do erro de seus

procedimentos,o inquisidores levaramoarroganteastrônomo,entãocomquase setenta anos, até asmasmorras e lhemostraram o ecúleo. Galileunãofoirealmentetorturado.Duasvezes,porém,foiameaçadodetortura.Épossível também que tenha sido lembrado de que em 1600 o papaClementeVIIIenviaraodesventuradoastrônomoitalianoGiordanoBruno,que também desenvolvera ensinamentos e pensamentos ligados a teoriaheliocêntrica, para a fogueira por heresia. Com pouca escolha, Galileurenunciouàssuasideiasefoicondenadoaprisãodomiciliarpelorestodeseus dias. A história de que Galileu, após sua abjuração, levantou-se dochãoondeestavaajoelhadoesussurrou“Epursimuove”(“Apesardisso,semove”)émaisummitoquesóemergiuem1761,cercade130anosapósojulgamento.Enquanto esteve sob prisão domiciliar, nada do que Galileu escreveu

pôdeserpublicado.Adoutrinaproibidadeumuniversoheliocêntriconãodevia ser discutida, e Galileu não tinha permissão para falar sequer comprotestantes. O resultado de tudo isso foi o im da investigação cientí icacatólica. O grande contemporâneo de Galileu, René Descartes, levou aadvertência a sério, parou de publicar na França e mudou-se para a

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Holanda.OVaticano tardouaté1985para reconhecerqueGalileu foi umcientistanotávele injustiçadopela Igreja.Em1986,SuaSantidadeopapaJoão Paulo II apelou para uma “concórdia frutífera entre ciência e fé”.Atualmente, a Igreja católicamantémastrônomoseoutros cientistasparaaconselhá-lanotocanteaomundofísico.Paraqueoutrosavançosnacompreensãohumanadouniversonatural

se produzissem, era preciso, contudo, que a Revolução Cientí ica sedeslocasse para o norte da Europa, e ela o fez. Galileu morreu, aindaprisioneiroemsuacasaemArcetri,pertodeFlorença,em1642.NodiadeNataldomesmoano,naaldeiadeWoolsthorpe,naInglaterra,nasceuIsaacNewton.

aAdensidadedaprataéde10,5g/cm3enquantoadoouroéde19,5g/cm3.(N.R.T.)b Para uma descrição de vários dos experimentos mencionados pelo autor, ver Michel Rival,Osgrandesexperimentoscientíficos,RiodeJaneiro,JorgeZahar,1997.(N.R.T.)c As medidas de Eratóstenes forneceram o valor de 250.000 estádios para a circunferência daTerra,quecorrespondea cercade46.000km.Ovalor real éde39.941kmmostrandoaexcelenteestimativarealizadaporEratóstenes.(N.R.T.)d No hemisfério Sul estas datas correspondem ao equinócio do outono e da primavera,respectivamente.(N.R.T.)eGalileuescreve,emseulivrode1610,Amensagemdasestrelas (MAST/Salamandra,trad.C.Ziller,1987): “Há cerca de dez meses chegou aos nossos ouvidos a notícia que um certo belga haviaproduzidoum‘óculo’comoqualosobjetosvisíveisaindaquemuitolongedoolhodoobservadorsediscerniamclaramentecomoseestivessempróximos.”(N.R.T.)f A queda em questão não se dá em velocidade constante: os corpos são acelerados. O alegadoexperimento demonstraria que os dois corpos, se largados simultaneamente, atingiriam o solo aomesmo tempo. A velocidade de ambos seria igual em cada instante de tempo, pois ambosexperimentariamamesmaaceleração.(N.R.T.)

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CAPÍTULOUM

ISAACNEWTON

Anaturezaesuasleisocultavam-senasTrevas,Deusdisse“QueNewtonsefaça”,efez-seaLuz.

AlexanderPope

Isaac Newton foi chamado o gênio cientí ico preeminente, o intelectosupremodaIdadedasLuzes.Queespéciedehomemfoieleparadespertartal admiração? Quando seu célebre livro Philosophiae Naturalis PrincipiaMathematica (Princípios matemáticos de iloso ia natural) — ou,simplesmente,Principia— veio a público pela primeira vez em1686, eleassombrou o mundo do conhecimento. Nesse livro, Newton resolveu omaior problema na história da ciência até aquela data— o problema damecânicadouniverso.Na verdade ele havia resolvido o problema básico 20 anos antes,

durante umas férias de 17 meses que uma peste o forçou a passar nointerior do Lincolnshire, na Inglaterra. Em seguida, o jovem Newtonretornou a Cambridge para ensinar matemática no Trinity College.Cumpriasuasobrigaçõestranquilamentee,podemossupor,bem,masnãopublicavanadadeseutrabalho.Aoqueparece,vivianumenormeenfadonessaépoca.Nãosesentiainclinadoacontarparaorestodomundooquehavia descoberto durante aquela breve estadano campo.Mais ainda, emrazãodacomplexidadedeseuscálculos,eleprecisouinventarumsistemade matemática inteiramente novo — hoje chamado decálculo. Tambémsobre isso não falou com ninguém. Ali estava sem dúvida um cientistaestranho.Paranós,quevivemosnumaépocaemque tudosepublicaàspressas

—emuitasvezesprematuramente—,aideiadedescobrirasleisbásicasque governam o universo e guardá-las em segredo parece absurda. Porqueobriguentoemal-humoradoNewtonrelutavatantoempartilharsuasdescobertas? EmUma breve história do tempo , seu grande best-seller,StephenHawkingobservouque“Newtonnãoeraumhomemagradável”e

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que era dado à “desonestidade e ao sarcasmo”. O comportamentocaracterísticodeNewtonnãopodiaterseoriginadodeumfracassoemserreconhecido e reverenciado em seupróprio tempo, porque o foi. De fato,Newton foi o primeiro cientista inglês a ser armado cavaleiro por umsoberanobritânico.Porqueentão,segundoavozcorrente,Newtoneratãoexcêntrico? O conhecimento de alguma coisa sobre a formação dessehomemextraordinárioajudaráaencontrararesposta.

PRESSÁGIODESUCESSO

No dia de Natal de 1642, Hannah Newton (nascida Ayscough), deWoolsthorpe, perto de Grantham, no Lincolnshire (cerca de cemquilômetrosdeCambridge),deuàluzseuprimeiro ilho.Chamouomeninode Isaac em homenagem ao pai dele, um agricultor que morrera doismeses antes, aos 36 anos. Era um bebê prematuro, tão pequeno e frágilque amãe temeu que não passasse do primeiro dia. Era tãomiúdo que,como ele contou a seu biógrafo muitos anos mais tarde, “podiam pô-lonumapaneladeumlitro”.Segundoalendafamiliar,duascriadasenviadasparabuscaralgumacoisaparaorecém-nascidona localidadepróximadeNorthWithamsentaram-senumumbralàbeiradocaminho,dizendoquenão havia razão para pressa já que o menino estaria morto antes quepudessemvoltar.Maseleviveue,emborafosseocasionalmenteacometidopor doenças e tenha sido umhipocondríaco durante a vida toda,Newtoncontrariou a predição delas e viveu até os 84 anos. Nessa altura,muitosdevem ter pensado que foi seumau gênio que omanteve vivo por tantotempo.Isaac não teve uma infância feliz. Quando tinha três anos, suamãe se

casoucomBarnabasSmith,umabastadopastorcomodobrodaidadedela,eomenino foimandadoparaacasadaavómaterna,comquempassouamorar.Ficouseparadodamãedurantenoveanos,atéamortedopadrastoem

1653. É evidente que a separação afetou gravemente o desenvolvimentodesuapersonalidadeequasecertamentemoldousuasatitudesemrelaçãoàsmulheres. Ele pouco se envolveu com elas durante toda a sua vida. Ajulgar por seus diários e anotações, dedicou pouco tempo até a pensarsobre as mulheres (em contraste com seu contemporâneo e tambémdiarista Samuel Pepys, que obviamente dedicou pouco tempo a pensar

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sobre qualquer outra coisa). Newton nunca se casou, emboraprovavelmente tenha icado noivo pelo menos uma vez (talvez duas), epareceterconcentradosuaatençãoexclusivamentenotrabalho.Alguns historiadores examinaram a ancestralidade de Newton em

tentativas de explicar seu brilhantismo como uma herança genética,masessasinvestigaçõesforaminfrutíferas.OramodafamíliaAyscoughdequeamãe de Newton provinha, embora em geral mais instruída e demaiorprojeção social que os Newton, não produziu mais ninguém de algummérito excepcional. Quanto aos Newton, ainda que fossem agricultoresbastante bem-sucedidos, tinham pouca, ou nenhuma, educação formal eeram na realidade analfabetos — todos assinaram seus testamentos,redigidos por escribas da aldeia, com uma cruz. A própria Hannah sabiaescreverumpouco,ajulgarporalgunsfragmentosdebilhetesqueenviouaIsaacquandoesteseencontravaemCambridge.Elaassinouseuprópriotestamento,mas não é provável que tivessemuita educação formal, nemquepusessefénela.O importante para nossa história é que Newton foi criado quase

inteiramente pelos Ayscough e, por causa disso, provavelmente abraçouum conjunto de expectativas diferente do que teria tido se seu pai aindavivesse. No seio da família Ayscough havia membros instruídos, emespecial o reverendo William Ayscough, que morava a apenas algunsquilômetros de distância. É possível que para os Ayscough fosse naturalqueogarotodevesse receberpelomenosumaeducaçãobásica, aopassoqueéduvidosoqueosNewtonteriamconsideradoissonecessário.Se não transmitiram a Isaac uma tradição de estudos, os Newton

deixaram-lheumapropriedade.Quandosecasounovamente,Hannahteveo cuidado de reservar a renda dessa propriedade paterna para Isaac.Alémdisso,comopartedeseucontratodecasamento,insistiuemqueseusegundomaridotransferisseoutraglebaparaojovemNewton.Seporumlado se pode dizer que, na condição de jovem viúva, Hannah deserdouemocionalmenteseubebê,nãohádúvidadeque, inanceiramente,ela fezporeleomelhorquepodia.Quase todas as anedotas sobreos anosda infânciadeNewtonvêmde

duas fontes: o dr. William Stukeley, amigo do ísico na velhice e seuprimeiro biógrafo, e John Conduitt, marido da sobrinha por a inidade deNewton, que fez anotações para uma pretendida biogra ia. Emborativessem entrevistado muitas pessoas que haviam conhecido Newtonquando criança, tanto Stukeley quanto Conduitt valeram-se do próprioNewtonparaamaioriadoscasosquemaistardeviraramlendas.Stukeley

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e Conduitt relataram a crença popular corrente na época de que umnascimentonodiadeNatalerapresságiodefuturosêxitosequeos ilhospóstumospossuíampoderesextraordináriosqueosdestinavamaosucessoeàboasorte.Setinhaconhecimentodessasduascrençaspopularesesesuamãelhe

falarasobresuasobrevivênciaquasemiraculosacomobebê,Newtonpodiasemdúvidapensarqueforaescolhidopelodestinoparaagrandeza.Muitocedo, sabia que eradiferente: parecia preferir a própria companhia à deoutras crianças e raramente brincava ou praticava esportes com elas.Quando brincava com outras crianças, era em geral commeninas e nãocom os arruaceiros ilhos dos agricultores da vizinhança. Segundo aspessoas entrevistadas por Stukeley, Isaac era introspectivo, tímido,temperamental e extremamente nervoso. Por outro lado, demonstravahabilidade manual e engenhosidade na construção de brinquedosmecânicos como relógios de água, reproduções emminiaturademoinhosdevento,pipaserelógiosdesol.Os nove anos que Newton passou emWoolsthorpe, separado damãe,

foram um período penoso. Conta-se que o jovem Isaac subia nocampanário da igreja para avistar a aldeia próxima de NorthWitham, anovaresidênciadamãe,dequemsentiamuitasaudade.Havia,éclaro,suaavó,MargeryAyscoughparasubstituí-la,masquandoseavaliamosefeitosdeseusprimeirosanosdevida,éimportanteregistrarqueNewtonnuncaevocou qualquer espécie de lembrança afetuosa dela. Nem mesmo suamorte,algunsanosmaistarde,foiobjetodecomentário.Que importância teve tudo isso na modelagem do caráter do futuro

gênio?Háalgunsindíciosdocumentaisparasustentarateoriadequeessaimportânciafoidefatoconsiderável.Em1662,aos19anos,Newtonpassoupor período de fervor religioso, durante o qual compilou uma lista de 58pecados que esperava expiar mediante atos de con issão. O décimoterceiro desses pecados é revelador: “Ameaçar meu pai e minha mãeSmithdepôrfogonelesenacasaqueoscobre.”Em seu livroUm retrato de Isaac Newton , o professor Frank Manuel

concluiu que o segundo casamento damãe foi o episódiomais crítico detoda a vida de Newton. Segundo a análise de Manuel, baseada numaperspectiva freudiana, o sentimento de privação dominou a vida dele.Newton foi roubado de seu bemmais precioso, e passou o resto de suavidaencontrandosubstitutossobreosquaisdarvazãoàraivaquenãoforacapaz de expressar contra o verdadeiro objeto de seu rancor, BarnabasSmith. Manuel considera que a atitude exorbitante de Newton para com

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seusrivaisRobertHooke,JohnFlamsteedeGottfriedWilhelmLeibniz,bemcomo sua total impiedade para com os infelizes falsi icadores queencontrou mais tarde na vida, podem ser explicadas pelas frustraçõessofridasporNewtonquandocriança.Éumainterpretaçãointeressantedosfatos,oproblemaéquehámuitopoucos fatos.Qualquerquetenhasidoacausa,Newton se tornou umhomemangustiado, comumapersonalidadeneurótica.QuandooreverendoBarnabasSmithmorreu,em1653,Hannahmudou-

sedevoltaparaWoolsthorpe.Newtontinhadezanosquandoamãevoltou.Agora,contudo,ummeio-irmãoeduasmeias-irmãspartilhavamaatençãodela. Cabia aNewtondesempenharopapeldo irmãomais velho, zelandoporseusmeios-irmãosmaisnovoseajudando-os.Obviamenteessenãoeraum papel do seu agrado, mas teve curta duração. Menos de dois anosdepois,IsaacfoienviadoparaumaescolasecundáriaemGrantham.AintroduçãopréviadeNewtonàeducaçãoformal izera-sepormeiode

duaspequenasescolasdeSkillingtoneStokeRochford,aldeiaspróximasobastante de Woolsthorpe para que o jovem estudante izesse a pé ocaminho de ida e de volta todos os dias. Não há registro de quem foramseusprofessoresoudoqueaprendeucomeles.NewtonnãoosmencionaemnenhumadasentrevistasquedeumaistardeaStukeleyouConduitt.ÉpossívelqueacapacidadedeobservaçãodeNewtonesuacuriosidadeemrelação ao mundo à sua volta ainda estivessem por se manifestar. Épossível também que o introvertido menino Isaac vivesse num mundopovoadoporseusprópriosdevaneios,poucoafetadopeloquequerqueosprofessoresestivessemtentando lheensinar.Fossequal fosseocaso, seuprofessor na King’s School, em Grantham, icou tão pouco impressionadocomonovopupilo(ecomosconhecimentosqueacumulara)quenãosóodestinouàsérieinferiorcomooincluiuentreosúltimosnela.Newtonteriade iniciar sua verdadeira educação formal no nível mais baixo, ou pertodele.Cercade11quilômetrosaonortedeWoolsthorpe,Granthamera longe

demais para o jovem estudante ir a pé para a escola todos os dias.Tomaram-se providências para que Isaac icasse alojado na casa do sr.Clark,oboticáriodaaldeia.AmulherdeClarkeramuitoamigadamãedeIsaac e seu irmão Joseph, ummédico, era professor assistente na King’sSchool. Isaac teria um quarto no sótão só para ele e, livre das tarefasagrícolas, passou a ter tempo para empreender vários projetos que lhepareciamdeinteresse.A educação formal de Newton estava agora nas mãos de um certo

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Henry Stokes, diretor da King’s School. Não se sabe muito sobre o sr.Stokesporqueelemorreuaos53anos,umadécadaantesde seucélebrediscípulo se tornar famoso. Ele próprio tivera uma excelente formação etinharenomecomoeducador.QueespéciedeeducaçãorecebiamosalunosdaKing’sSchool?OcurrículoincluíaprovavelmenteaBíblia,latimegrego,literatura clássica e uma pequenamedida de instrução em aritmética. Osespecialistas parecem pensar queNewton não havia estudado geometriaantes de ingressar em Cambridge. Era um grau de instruçãomatemáticanotavelmente reduzido para alguém que haveria de inventar o cálculoapenasquatroanosdepoisdedeixaraescolasecundária.ComoNewtonfoicapaz de conceber o cálculo sem um completo conhecimento da culturamatemáticadaépoca?Esteéumdosgrandesmistériosnãoresolvidosquecercam Newton. Mas, seja o que for que lhe tenham ensinado na King’sSchool, nãohádúvidadequeos interesses intelectuais deNewton foramdespertadosecultivadossoboolharaguçadodeHenryStokes.Umacaracterística importantedaeducaçãonasescolas secundáriasno

séculoXVIIeraoensinodaBíblia.ÉsabidoqueIsaacestudouaBíblianaslínguasclássicasedesenvolveuuminteressepelasquestõesteológicasqueperdurou por toda a sua vida. O latim foi outro elemento essencial daeducação formal deNewton. Era a linguagemda ciência e damatemáticaemtodoomundoocidentaleodomínioquedelaadquiriunãosópermitiua Newton estudar por conta própria como lhe forneceu o meio para secomunicarcomacomunidadedoutadaépoca.Como já se mencionou, Newton começou sua educação sendo

classi icadoquasenonívelmaisbaixodaclasse.Mas,aproximadamentenamesma época, teve lugar um acontecimento importante que ajudou amoldar a carreira acadêmica subsequente de Newton. Tal como Newtonevocouoeventocercade70anosmaistarde,numamanhãeleeumgarotoseatracaramnumabrigaacaminhodaescola, tendoooutro“chutado-lhea barriga, com força”. Assim que as aulas do dia terminaram, Isaacdesa iou seu agressor para um luta e ganhou — apertou o rosto dooponentecontraaparededaigreja,esfregou-lheonariznelaeoobrigouasedarporvencido.Masessahumilhantevitória ísicanãofoiobastante.Oadversárioemquestão(tratava-semuitoprovavelmentedeArthurStorer)era o melhor aluno da escola e Newton resolveu derrotá-loacademicamentetalcomoo izera isicamente.Assim, inalmentemotivado,Isaac ascendeu rapidamente à condição de melhor aluno da escola. Estahistória temumquêdeverdade, especialmentequandose consideraqueumdospecadosqueNewtonlistouem1662foi“BateremArthurStorer”.

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Em Grantham, Newton tornou-se um leitor voraz de tudo em queconseguiapôrasmãos—provavelmentesobretudolivrosreligiosos,oquepodeexplicarointeresseporteologiaquealimentouavidainteira.Maisoumenos na mesma época, desenvolveu um interesse por medicina equímica,quepodeseratribuídoaClark,seusenhorio,bemcomoaoirmãodeste, Joseph, um médico local. O ambiente de Grantham estimulava acuriosidadenaturaldeIsaac,eelefezprogressos.Suas proezas acadêmicas, no entanto, não impressionaram suamãe, e

quandoNewtonestavacomcercade16anosHannahresolveutrazê-lodevolta para casa para assumir a ocupação mais prática de administrar apropriedade de Woolsthorpe. (Num per il biográ ico, Isaac Asimov serefere aNewton como “o pior agricultor domundo”.)O diretor da escolaqueNewtonestavadeixando,Henry Stokes, tentou convencerHannahdequeolugarcertoparaogarotoeraaescola.Pensandoqueoproblemaeradinheiro, Stokes chegou a oferecer uma dispensa dos 40 xelins cobradosanualmente de todos os meninos não nascidos em Grantham. Istorepresentaria um sacri ício considerável para um professor de recursosmodestos. Mas o problema não era dinheiro e Hannah era teimosa. Osplanosquedehámuitoacalentavaparao ilhoestavamsedesintegrando.Ela recorreu ao irmão, o reverendo William Ayscough, em busca deconselho.Quandoatéeleapoioua ideiadeNewtonretornaràescolae seprepararparaumaeducaçãosuperior,Hannahfinalmenteconsentiu.AmaioriadosbiógrafosdeNewtona irmaqueelenão foi reconhecido

comogênionaprimeirafasedesuavida.Talveztenhamrazão,maspareceque seusmentores reconheceram nele algo de especial. Os esforços queizeram no seu interesse foram muito além do que o dever impunha.Conta-se que, quando Newton deixou Grantham de initivamente, HenryStokespôsseubrilhantepupilodiantedaturmae,comlágrimasnosolhos,fezumdiscursoveementeemseulouvorparamotivarosoutrosmeninosaseguir-lhe o exemplo. Assim foi que, no verão de 1661, aos 18 anos,Newton viajou cem quilômetros ao sul, até a cidade universitária deCambridge,paraumnovomundoeumanovavida.

CAMBRIDGE

Todas as pessoas instruídas com quem o jovem Isaac tivera contatoestreito haviam se graduado na Universidade de Cambridge: seu tio

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WilliamAyscoughestudaranoTrinityCollege,seuprofessorHenryStokesfrequentaraPembrokeeJosephClarkforaalunodoChrist’sCollege.Assim,provavelmentehouvepoucadúvidasobrequeinstituiçãoelefrequentaria.Em 1661 Cambridge tinha mais de 400 anos de existência.

Originalmente fora o que hoje chamaríamos de uma rami icação daUniversidadedeOxford,maisantiga.MasCambridgehaviasemultiplicadovárias vezes em tamanho e chegara a termais de trêsmilmatrículas naépocaemqueNewton lá chegou.CambridgehaviaultrapassadoOxfordese tornaranão sóo coraçãodopuritanismo inglês comoo centroda vidaintelectualinglesa.Duas faculdades dominavam o cenário de Cambridge naqueles dias: o

St.John’sCollegeeseuvizinho,oCollegeofUndividedTrinity(fundadoporHenriqueVIIIem1546).NewtonfrequentouTrinity,comoo izeraseutio,o reverendo William Ayscough. Acredita-se que Newton teve outropadrinhonapessoadeHumphreyBabington.ProfessoradjuntoemTrinity,ele era irmão da senhoria de Newton em Grantham. Ao que parece,Babington icara impressionadocomNewtonquandooconheceranacasadairmãesetornouumfortealiadodoestudantecarentedeoutrosamigos.Newtonprecisavadetodooapoioquepudesseconseguir.Ingressouem

Trinity na qualidade desubsizar, um estudante pobre que ganhava suasubsistência fazendo tarefas servis para professores e alunos maisabastados. Ossubsizars estavam no nível mais baixo da rígida estruturasocialdeCambridge.PorqueNewtontevedesuportaressascondiçõesnãoéclaro.Suafamíliaerabastanteprósperapelospadrõesruraisdaépocaenão havia necessidade econômica de que ele ocupasse aposição decriado/estudante.PossivelmenteHannahaindanãoaceitaraporcompletoasambiçõesacadêmicasdofilhoedecidirapô-loàprova.O ssubsizars não tinham permissão para comer com seus colegas

estudantes nem para se sentar com eles na capela. Algumas faculdadestinham até becas especiais para os alunos pobres para que os alunos“ idalgos” pudessem evitar ser vistos conversando ou caminhando comeles.Essa condição inferior teve um único efeito visível sobre Newton —

tornou-o ainda mais esquivo do que já era. Em casa ele teria tido seuspróprios criados e, como herdeiro da propriedade, uma posição socialmuito acima daquela a que estava relegado em Cambridge. Se estavasendopostoàprova,eleavenceu.EraemTrinityqueiria icar,oquequerqueacontecesse.

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OrigorosoestilodevidapuritanodeNewtonoteriaisoladodoscolegasde todo modo. Cambridge tinha seu quinhão de tentações para osestudantes nos arredores do campus. Tabernas, cafés e prostíbulosabundavam. Os bacharelandos estavam proibidos de frequentar essasdistrações,masnãohaviacomoimporessasleis.OdiárioeasanotaçõesdopróprioNewtonnãoindicamumavidadesregrada.Quandosepermitiaumpudimnasobremesaoumesmoumpoucodevinho,anotavaadespesa.Acidadeàparte,oquesepassavanaUniversidade?O icialmente,pouco

denovooude inovador.Comomilharesdeoutrosbacharelandos,Newtoncomeçou sua educação superior mergulhando em Aristóteles e Platão.Naquelaaltura,omovimentohojeconhecidocomoa “revoluçãocientí ica”estava bem avançado e muitas das obras fundamentais para a ciênciamoderna haviam sido lançadas. O sistema heliocêntrico do universo foraexposto por Copérnico e Kepler. Galileu havia con irmado essa teoria elançadoosfundamentosdeumanovamecânica,erguidasobreoprincípioda inércia. Filósofos como René Descartes haviam articulado uma novaconcepção da natureza como uma máquina complexa, impessoal. NotocanteaoqueseensinavanasuniversidadesdaEuropa,porém,eracomosetodasessasnovasideiasnãotivessemsidoexpressas.OscurrículosemCambridge e nos demais lugares eram solidamente baseados noaristotelismo, a antiga teoria geocêntrica do universo, e numa visãomaisqualitativa que quantitativa da natureza. Como de costume, contudo,Newton não prestou muita atenção à rotina estabelecida. Desde seusprimeiros dias na faculdade, agiumais comoumpós-graduadoque comoum calouro.Liaoquequeria lereestudavaoque lhe interessava.Trinitysempre adotou o sistema de tutoria e o tutor de Newton, um idalgochamado Benjamin Pulleyn, estava muito ocupado em supervisionar umnúmero recorde de graduandos. Não há nenhum indício de que o tutortenha tidomuita in luência sobre o pupilo ou de que este tenha causadoalguma impressão no tutor. Pulleyn pôs Isaac na trilha compulsória dasleituras clássicas e depois pouco se ocupou dele. Mais tarde Newtonencontrou seu próprio caminho, e um caminho que levou a RenéDescartes, Sir Francis Bacon, Galileu Galilei e Johannes Kepler. Há clarossinaisdequeeles,enãooscursoso iciais,in luenciaramprofundamenteofuturocientista.Em algum momento de 1663 ou 1664, Newton escreveu em seu

caderno a máxima “Amicus Plato amicus Aristoteles magis amica veritas ”(Platãoémeuamigo,Aristótelesémeuamigo,masmeumelhoramigoéaverdade). Chegara a um ponto importante de seu desenvolvimento

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intelectual. Sob essa máxima e numa seção nova de seu caderno deestudante, Newton listou uma série de questões (Quaestions quaedamphilosophicae) que abrangiam todas as áreas da ciência natural e dateologia que lhe interessavam. Trata-se de um conjunto extremamentereveladorde indagaçõese interesses,claramente indicativodapropensãodeNewtonparacompreenderedesuaobsessãodesaber.Embora não tenha registrado o fato em suas Quaestions, Newton já

iniciara seus estudos matemáticos nessa ocasião. Começando comDescarteseageometria,passourapidamenteparatécnicasalgébricas.Empouco mais de um ano havia dominado a literatura da matemática ecomeçadoasemoverparaterritóriosnovos,delepróprio.EmseusúltimosdoisanosnoTrinity,Newtonpassouasofrerain luênciadeIsaacBarrow,professor da faculdade e o primeiro matemático em Cambridge areconhecersuainteligência.Embora seus escritos sobre matemática tenham sido decisivos no

despertardeNewtonparaesseestudo,ain luênciadeDescartesfoimuitoalémdessecampo.Ointelectualfrancêseosdemais ilósofosmecanicistasda época concebiam a realidade ísica como inteiramente composta departículasdematériaemmovimentoea irmavamquetodososfenômenosnanaturezaresultamdeinteraçõesmecânicasdaspartículas.OsregistrosnodiáriodeNewtone suas anotaçõesmostramqueele conhecia a fundotodasasobrasdeDescartesequeconsideravaessanovaabordagemummeio melhor de explicar a natureza que a iloso ia aristotélica queprevalecianaépoca.QualeraexatamenteanovaabordagemdeDescartes?Umadasironias

dahistóriadasideiaséqueabuscadecertezanomundoempreendidaporDescartes fundava-senoprincípiodequetudodeveserpostoemdúvida.DescartesreceberaamelhoreducaçãoquepodiaserobtidanaEuropaemseu tempo. Foi uma educação que incluiu um estudo exaustivo da lógicaaristotélica e da ciência ísica. Mas quando se formou, aos 20 anos,percebeu que, afora algumas verdadesmatemáticas, não sabia nada comcerteza. Por quê, perguntou a si mesmo, não poderia conhecer todas ascoisas com aquela mesma certeza matemática? Como os pitagóricos detantosséculosantes,ojovemintelectualfrancêspensavaqueamatemáticadevia ser o caminho para a verdade. Assim, mergulhou no estudo damatemática e foi recompensado pela descoberta de uma ferramentamatemática essencial — a geometria analítica — que se provou de usomais fácil que a antiga geometria de Euclides. Sem essa ferramenta,Newton não teria podido formular as leis da gravitação universal ou

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escreverosPrincipia.Em1639,apósmuitare lexãoeleitura,Descartespublicousuapequena

obra-prima ilosó ica,Discurso sobre ométodode conduzir corretamentearazão e buscar a verdade nas ciências (ou, simplesmente,Discurso). Nessain luente obra ele documentou a história de seu desenvolvimentointelectual — como começou a duvidar da verdade do que lhe haviamensinado,atéquechegouàsimplesconclusãodequetudopodiaserpostoem dúvida exceto uma coisa, a saber, a existência da dúvida, já que eleduvidava.Dubito ergo sum (Duvido, logo existo)a foi sua maneira deformularessaconclusão.Apartirdissopassouàdescobertadeummétodoquepermitissealcançarumacertezasemelhanteemoutrosdomínios,combase na redução de todos os problemas a uma forma e uma soluçãomatemáticas. Quando se pudesse primeiro reduzir um problema à formamatemática e em seguida aplicar o número mínimo de axiomas, ouproposições evidentes por si mesmas, para con igurá-lo, seria possívelchegar a um conjunto de equações algébricas. Então as equações seriamresolvidas pela aplicação das regras da álgebra e o resultado seriaconhecimento correto. Descartes via o universo como um enormeecomplexomecanismo, semelhante ao de um relógio, posto emmovimentopela mão de Deus, mas um universo que, uma vez em movimento,funcionaria para sempre sem a assistência de Deus. Descartes, a irmamalgunshistoriadores,tornouNewtonpossível.Sir Francis Bacon, omais famoso desertor do Trinity College, também

teve grande in luência sobre Newton. Como Descartes, Bacon era umrebelde em relação ao dogma estabelecido. Insistia em que a abordagemcientí icabásicadeviamudardoraciocíniodedutivoparaoindutivo.Quembuscava o conhecimento, sustentava ele, não mais devia começar pelasde inições abstratas e distinções verbais para, a partir destas, deduzirsoluções concretas. Quando se fazia isso, insistia, obrigava-se os fatos acorroborar noções preconcebidas. Em vez disso, devia-se começar comdadosconcretos,preferivelmenteencontradospormeiodeexperimento,eraciocinar indutivamente a partir desses dadospara chegar a conclusõesreais, gerais e empiricamente apoiadas.Os experimentos queNewton fezposteriormentecoma luzeosomilustrama in luênciadeBaconemseusmétodos.Quando Newton recebeu seu grau de bacharel, em abril de 1665,

encerrou-se, sem reconhecimento, o que pode ter sido a mais notávelcarreira de graduação na história da universidade. Como Newtonprogramava seu próprio curso tanto em iloso ia natural quanto em

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matemática, e como con inara o progresso de seus estudos aos próprioscadernos, sua carreira acadêmica completou-se, o icialmente, semqualquerdistinção.

OANODOSMILAGRES

Nomesmoano,1665,umaressurgênciadatemidapestenegraobrigouasuniversidades da Inglaterra a fecharem as portas. Isaac Newton deixouCambridge para uma permanência forçada em casa, na pacata aldeia deWoolsthorpe.Játendosidoconsideradoinaptoparaotrabalhonocampo,ojovem estudante pôde se entregar à sua leitura e re lexão solitárias.Montou para si ummisto de estúdio e quarto de dormir com as paredesforradas de livros, a janela dando para o pomar demacieiras, e pôs-se atrabalhar. É provável que a essa altura já tivesse concebido todas ou amaioriadaspeçasdoquebra-cabeçaqueiriasetransformarnosPrincipia.Galileu de inira a lei dos corpos em queda e medira com precisão a

força da gravidade ao nível do mar. b Kepler descrevera as trajetóriaselípticasdosplanetasepostularaqueumaforçaestranhaemanadadoSolimpeleosplanetasemseuscursos.Ademais,Keplerderivaraleisprecisaspara a cinemática do Sol e de seus planetas. Bacon mostrara que averdadeirabasedoconhecimentoeraomundonaturaleainformaçãoqueesteforneciaatravésdossentidoshumanos.DescartesensinaraaNewtoncomo aplicar métodos matemáticos a problemas ísicos. O que faltava aorapaz naquela ocasião, portanto, era tempo, desejo e capacidade mentalpara repensar todo o conhecimento que herdara. O destino, com asprecauçõesmédicasdoséculoXVII,proporcionaram-lheotempo.A geometria analítica de Descartes foi uma ferramenta poderosa no

trato de um universoestático.Newtonhavia concluídoqueoque se fazianecessário era uma maneira de quanti icar a operação de um mundodinâmico,ummundoemconstantemovimento.Diantedisso,mostrou-seàalturadodesa io: inventouoscálculosdiferenciale integral,ummarconahistóriadamatemática.Ocálculoéamaise icazferramentamatemáticadeque se dispõe para a resolução de problemas que envolvam variaçõesin initesimaisemtaxasdemovimentoeparaadeterminaçãodatrajetóriade um corpo no espaço. O cálculo se funda na ideia de considerarquantidades e movimentos não como de inidos e imutáveis, mas comodinâmicos e lutuantes. Na verdade, de início Newton chamou seu novo

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métodomatemáticodefluxões.Ao desenvolver o cálculo, Newton fez uso de um princípio que

aprendera com Descartes: quando um problema parecer vasto ecomplicadodemais, decomponha-oempequenosproblemase resolvaumporum.É issoqueocálculo faz.Decompõeumproblemadedinâmicaemum enorme número de degraus e em seguida sobe os degraus, cada umdeles um problema passível de solução, um por um. Quanto maior for onúmero de degraus em que um problema é decomposto, mais precisosserãoosresultadosfinais.Ahistóriadequea ideiadagravitaçãouniversal foisugeridaaNewton

pelaquedadeumamaçãpareceverdadeira.WilliamStukeley,oprimeirobiógrafodeNewton,relataqueouviuocasodelepróprio.

PRINCÍPIO DO CÁLCULO O cálculo decompõe uma mudança ou movimento num grande número dedegraus.Quantomaiorforonúmerodedegrausemqueacurvaédecomposta,maisprecisaseráaresposta.

Aoobservarofato,Newtondeuumsaltomentalintuitivoefezasimesmoumaperguntabásica:eseamesmaforçaresponsávelpelaquedadamaçãse estendesse à órbita da Lua? Em primeiro lugar, presumiu que a Luaestava caindo em direção à Terra em resposta ao puxão para baixo(vertical) da gravidade da Terra, mas jamais se chocava com esta porcausadopuxãomaisfortedoSol.ConsiderouqueaLua,àmedidaquecaiem direção à Terra, é também puxada, no grau exatamente necessárioparacompensaraquedaecarregá-laemtornodacurvaturadaTerraemsua órbita elíptica. Em segundo lugar, imaginou que a força gravitacionalemanaria do centro de um corpo (a Terra, neste caso) e não de suasuper ície. Tentou então quanti icar a diferença entre a força exercidasobreamaçãeaquelaexercidasobreadistanteLua.RealizouestaúltimatarefatomandoporbaseaterceiraleidomovimentoplanetáriodeKepler,chegandoaoquesetornouconhecidocomoaleidoinversodoquadrado .Aforça gravitacional diminui com o quadrado da distância sobre a qual sepropaga. Se a maçã estivesse 60 vezes mais próxima do centro de

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gravidadedaTerradoqueaLua(comodefatoestá),aforçagravitacionalexercida sobre a maçã seria 60 ao quadrado, ou 3.600 vezes mais forteque aquela experimentada pela Lua. Inversamente, portanto, a Luadeveria cair ao longo de sua órbita 1/3.600 avo do que a maçã cai nomesmo tempo.A partir dessas suposições,Newtonpôde calcular a órbitaexatadaLua.Aelaboraçãomatemáticadetudoissocon irmouamagní icaintuiçãode

Newtonde que amesma força que puxa amaçã para baixo, puxa a Lua.Em seguida, ele deu mais um passo gigantesco para a humanidade aopressupor que aqueles mesmos princípiosmatemáticos se aplicavam atodos os corpos — planeta, lua ou asteroide — no universo. De fato,Newton tomara o quadro geral do universo de Descartes e o tornararigorosamentematemáticoepreciso.Haviafeitonadamenosqueconstruiraprimeirasíntesemodernasobreouniverso ísico,umavisãofundadanamecânica, em que tanto asmenores partículas quanto osmaiores corposcelestes movem-se todos de acordo com os mesmos princípiosmatemáticos.

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RACIOCÍNIODENEWTON AmesmaforçaquepuxaamaçãparabaixopuxatambémaLua.Mas,comoaLuaestá60vezesmaislongedafontedegravidadequeamaçãecomoagravitaçãodiminuicomoquadradodadistância,aLuadeveriacairaolongodesuaórbita1/3.600avosdoqueofazamaçãna mesma quantidade de tempo. Ele estava certo, é claro, e trabalhando a partir desse começochegou a quanti icar as leis domovimento sobre todos os corpos ísicos— um esquema comumparaadinâmicaterrestreeceleste.

Nessemesmoperíodode17meses,alémdedesenvolverocálculoedaros primeiros passos rumo à descoberta da lei da gravidade, Newtonchegoua importantesdescobertas sobre aspropriedadesda luz eda cor— descobertas que mais tarde formariam a base daÓptica, seu artigocapitalarespeito.Comopuderarealizartudoissotãojovemetrabalhandobasicamente sozinho? Newton recordariamais tarde: “Naquele tempo eu

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estava na plenitude de minha idade para a invenção e me ocupei dematemáticaefilosofiamaisdoqueemqualqueroutraépoca.”Feito isso, Newton guardou todos os seus artigos e não falou com

ninguém sobre seus feitos monumentais. Propuseram-se váriasexplicaçõesparaesseestranhocomportamento.Elenãogostavadechamaratenção.Valorizavasuaprivacidadeacimadetudoomaisetalveztemesseque a publicação de suas ideias lhe trouxesse notoriedade. Além disso, épossível que não estivesse seguro acerca de seus números. Eles seajustavamsu icientementebemparaconvencê-lodesuahipótese,mas,emrazãodealgumasestimativas imprecisassobreadistânciaatéaLuaouoraiodaTerra,talvezreceassesubmeterseuscálculosaosolhoscríticosdeseus pares. Newton não tinha porque se preocupar. Na realidade, nãotinhapares.Éprecisoobservaraquiquenemtodososhistoriadoresacreditamque

Newtontenha feito tudo issoemsuacurtaestadade17mesesnocampo.Situamessa crençana categoriademito, ao ladodahistóriadaquedadamaçã.Naverdade,hápoucadocumentaçãoparasustentar, sejaahistóriado“AnodosMilagres”,sejamasopiniõesdeseuscríticos,excetoofatodeopróprioNewton(aindaque50anosmaistarde)terrecordadooseventosdessamaneira.Na ausênciadeprova emcontrário, é opiniãodeste autorque se deveria aceitar a palavra de Newton como expressão do queaconteceuedomomentoemqueaconteceu.Quando Cambridge reabriu, em 1667, Newton para lá voltou e foi

escolhidoparaumabolsadeestudosnoTrinityCollege.Doisanosdepois,seumentor,IsaacBarrow,demitiu-sedacátedrade“LucasianProfessorofMathematics”(posiçãohojeocupadaporStephenHawking)eindicouIsaacNewton como seu sucessor. Esse passo, de suma importância na carreiraacadêmica,éilustrativodaestreitarelaçãoqueuniaBarroweNewton.Newtonestabeleciapoucas relações íntimascompessoasdesua idade.

Noentanto,eraatraídoporhomensmaisvelhosecultoscomoClark,StokeseBabington.EmTrinity, IsaacBarrowfezopapeldeseumentor.Maisde12anosmaisvelhoqueNewton,ocupavaumaposiçãoderelevonarígidahierarquia acadêmica. Os dois homens tinham em comum uma formaçãopuritana rigorosa, bem como o amor pelo conhecimento e, com o tempo,BarrowadquiriuumaagudapercepçãodotalentomatemáticodeNewton.Emcartas,Barrowreferiu-seaoprofessormaisjovemcomo“meuamigo”ecomoum“gênioextraordinário”.É possível queBarrow tenhadeixado sua cátedra por reconhecer que

Newton era potencialmente ummatemáticomais notável que ele. Émais

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provável, contudo,queBarrowfosseumhomemdeconsiderávelambiçãoetivesseosolhosemposiçõesmaiselevadas.Detodomodo,quandosurgiuaoportunidadeeledeixouCambridgepara se tornar capelãodeCarlos II(oqual,peloquedizahistória,precisavadeum).Quatroanosmaistarde,BarrowestavadevoltaaCambridge,tendosidonomeadoreitordoTrinityCollege pelo rei. Newton passou a ter um protetor aindamais altamentesituado do que antes. Infelizmente a situação não durariamuito. BarrowicoudoentenumaviagemaLondreseprocuroualívionoópio.Morreuaos47anos,vítima,aparentemente,deumaoverdose.Nessemeiotemposeuprotegidoestava irmandosuaprópriareputação

no campodamatemática.Newton, o professor, não eramenos excêntricodo que o fora Newton, o estudante. Tornou-se conhecido como “o sujeitoesquisitoquemorapertodoportão” (seusaposentos localizavam-se juntoaoGreatGate,naentradadoTrinityCollege).Eravistopelocampusmetidoem roupas desleixadas, a peruca torta, sapatos surrados e uma golamanchada.Parecianãoseimportarcomcoisaalgumaaforaoseutrabalho.Ficava tão absorto em seus estudos que frequentemente se esquecia decomer. Pelo menos em uma ocasião, registrou em suas anotações teresquecidotambémdedormir:vendo-seincapazderesolverumproblemarelativamentesimplesdearitmética,deu-secontadequenãodeitavahaviadiase,comrelutância,recolheu-seaoseuquartodedormir.Excêntrico ou não, Newton trabalhava com a inco. Ao longo dos anos,

desenvolveu o campo da geometria analítica, completou seus esforçospreliminares com relação ao cálculo, realizou um trabalho pioneiro emóptica e (como os historiadores descobririam anos mais tarde) efetuouinúmeras experiências em alquimia. Fez tudo isso sem chamar muitaatenção sobre si, não publicando artigo algum. Talvez se referisse a seutrabalho em alguma de suas raras preleções, mas de todo modo poucosprofessoresouestudantesasassistiam.Seuscolegasacadêmicosachavamdi ícil,senãoimpossível,acompanharoencadeamentodesuas ideias.Seucriado doméstico contou a biógrafos posteriores que Newton, quando sevia num auditório vazio, “falava para as paredes” ou caminhava de voltapara seus aposentos, claramente não abalado e ansioso por retomar seutrabalho.Seuisolamento,contudo,logoteriafim.Em1660,CarlosII,umpretenso ísicoamador,criouaRoyalSocietyde

Londres,umaorganização independentequese tornouoprincipal centrodaatividadecientí icainglesaduranteosséculosXVIIeXVIII.Osmembrosda sociedade ainda não tinham ouvido falarmuito de Isaac Newton,mastinhamnotíciasdeumnovotelescópioqueele izera.Semprehabilidosona

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construçãodeaparelhoscientí icos,Newtonviu-seprecisandodeumnovotelescópio com que observar os cometas e os planetas. O único tipo detelescópio disponível na época era o de refração, com uma grande lentecurva na extremidade anterior e uma ocular nos fundos. Newton nãogostavadessestelescópiosporcausadatendênciaquetinhamaintroduzircores espúrias. Assim sendo, imediatamente iniciou a montagem de umnovotipodetelescópioque,emvezdeumalente,usavaumespelhocurvopara coletar a luz. A ideia desse novo telescópio não fora concepção sua,mas ele foi o primeiro a montar efetivamente um. Mais e iciente e defabricaçãomaisfácil,o“refletordeNewton”,comofoichamado,tornou-seotelescópiomaispopularnomundo.Newtonmontoutrêsdelese,quandoaRoyal Society pediu para ver o invento, mandou-lhe um de presente.Impressionada, a Royal Society prontamente elegeuNewton como um deseusmembros.Eraoiníciodeumalongaeporvezestempestuosarelação.SatisfeitocomaentusiásticaacolhidadaRoyalSocietyaoseutelescópio,

Newton sentiu-se su icientemente encorajado para apresentar um breveartigo sobre a luz e as cores. O estudo da luz e da óptica, que fora umamarcacentraldarevoluçãocientí ica,eraumassuntodeespecialinteressepara Newton desde o hiato dos anos da praga em 1665-1666. AcontribuiçãodeNewtondizia respeito às cores e à sua relação coma luzbranca.Osaberconvencionaldaépocasustentavaqueascoressurgemdeuma modi icação da luz que, em sua forma primitiva, mostra-se branca.Durante suapermanênciana fazendade suamãe,Newton realizaraumasériede experimentos emqueo espectrodeumestreito feixede luz eraprojetado através de um prisma sobre a parede de um quarto escuro.Observou que um raio de luz que atravessa um prisma é refratado(de letido ou curvado) e que diferentes partes dele sofrem refraçõesdiferentes.Oresultadonãoémeramenteumamanchade luzmaisampla,masumabandadecoresconsecutivas:vermelho, laranja, amarelo,verde,azulevioleta.Quandoa luzrefratadapassavaporumsegundoprisma,asdiferentes cores se recombinavam para formar luz branca. Essadescoberta o levara à conclusão de que a luz não é homogênea e simcomplexa e que o fenômeno das cores surge da decomposição de umamisturaheterogêneaemseuscomponentessimples.Concluiuaindaquealuzconsistedepartículasminúsculas.Os cientistas ingleses e do continente europeu tiveram reações que

variaramentreoceticismoeaoposiçãovirulentadiantedasconclusõesdeNewton, que pareciam invalidar a teoria ondulatória da luz prevalecente.Uma oposição especial veio de Robert Hooke, o brilhante e acrimonioso

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secretário (e de fato o principal cientista) da Royal Society e do cientistaholandês ChristianHuygens. Newton jamais esquecia um inimigo e essesdoisantagonistasforamobjetosespeciaisdeseuódioaolongodedécadas.Logo do início da controvérsia das cores, Newton respondeu

pacientemente às objeções comnovas explicações,mas sua paciência eralimitada. Quando seus argumentos adicionais produziram reações aindamaisnegativas, icou irritadoe jurouquenuncamaispublicarianada.Naverdade, chegou a ameaçar abandonar por completo a investigaçãocientífica.AtrocairrestritadeideiasquecaracterizaodebatecientíficonãoeraparaNewton.Aosedefrontarcomqualquertipodecrítica,refugiava-senasolidãoenosilêncio.ComaschamadasmentessuperioresdaRoyalSocietyrevezando-senoataqueàsuadesconcertante teoriada luz,o leãoferidoserecolheuàtocaparalambersuasferidas.Newtonpermaneceuemisolamentointelectualaté1675,quando,numa

visita a Londres, chegou-lhe aos ouvidos que Hooke inalmente aceitarasua teoriadascores.Encorajadoporessanotícia,aventurou-seapublicarum novo artigo sobre a cor, além de um segundo texto intitulado “Umahipóteseparaexplicaraspropriedadesda luz”.AreaçãodeHookeaesseartigo foi declarar que Newton o roubara dele. Newton explodiunovamente. Intermediários controlaram a disputa e seguiu-se, entreNewton e Hooke, uma troca de cartas formais, gelidamente polidas, quenãoescondemacompletaausênciadeafeiçãoentreosdoishomens.Nessa mesma ocasião Newton envolveu-se também em uma outra

controvérsia com um círculo de jesuítas ingleses radicado em Liège. AsobjeçõesdospadresaotrabalhodeNewtoncareciamdemérito,masoqueenfureceuNewtonfoiaalegaçãodelesdequeseusexperimentosestavamerrados.Essacontrovérsiaperdurouaté1678,quandoumaexplosão inaldeNewtonpôsfimàcorrespondência.Aoqueparece,Newtonteveoprimeirodeseusdoiscolapsosnervosos

em 1678 e no ano seguinte sua mãe morreu. Durante seis anos ele sefurtouaqualquer intercâmbiointelectual,excetoquandooutros iniciavamuma correspondência, que ele sempre interrompia tão logo quantopossível. Quando inalmente retornou à ciência, foi com sua contribuiçãomáximaparaonossoconhecimentodouniverso.

OS“PRINCIPIA”

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TalvezNewton jamais tivesseretornadoaomundo intelectual,não tivessesidopelojovemastrônomoEdmundHalley.GraduadopeloQueen’sCollege,Oxford, Halley irmara ali uma reputação de notável sábio. Depois deOxford,passoudoisanosna ilhadeSantaHelena,noAtlânticoSul.Ali fezobservações astronômicas e conseguiu catalogar os astros do hemisfériosul com uma precisão e uma completeza nunca antes alcançadas. O reiCarlos II aplaudiu seu trabalho e a Royal Society o elegeu membro em1678.Àsuafrenteestendia-seumacarreiranotável,abrilhantadaporsuaidenti icação do cometa periódico que desde então levou seu nome.Importantesparaapresentenarrativaforamseutatoeafabilidade.Eraaomesmotempofamosoeapreciadoentreseuscolegas.Em agosto de 1684, Edmund Halley, que estava encontrando

di iculdades com um problema de dinâmica orbital, visitou Newton emCambridge.Issoporsisóeraextremamenteinusitado.Haviaalgumtempoquecientistaseuropeusvinhamtentandoiniciarumacorrespondênciacomo eminente matemático sem muito sucesso. Newton icou claramentelisonjeado com o fato de o renomado astrônomo Halley ter ido atéCambridgeparalhepedirconselho.Esseimportanteencontroforaprecedidoporumaconversa,nomêsde

janeiroanterior,deHalleycomChristopherWreneRobertHooke,famososarquiteto e astrônomo, respectivamente. Eles haviamalmoçado juntos emLondres em uma de suas tabernas favoritas e discutido a força dagravidade e as órbitas elípticas dos planetas. O problema era que nãoconseguiam demonstrar a conexão entre a força e as órbitas de umamaneiramatemáticaprecisa.HalleyeWrenconfessavamnãosercapazesde fazê-lo. Hooke a irmou que tinha ummeio para isso, mas não diria aninguém qual era. Todos eram da opinião de que a lei do inverso doquadrado podia explicar as órbitas elípticas de Kepler, mas nãoconseguiamprová-las. Encerraramo almoço apostandoquemconseguiriaseroprimeiroaprovaraconjectura.ApósesperarporsetemesesqueHookerevelasseseusistemasecreto,

Halley resolveu visitar o mais famoso matemático da época e pedir suaajuda. Estivera comNewton uma vez antes e, é claro, sabia de sua famadesagradável; mas certamente Halley tinha também con iança em suasprópriashabilidadesdiplomáticas.Porocasiãodesseencontro,Halley tinha28anoseNewton,42.Apesar

da diferença de idade, Halley não teve medo de envolver Newton numaprovocante discussão intelectual. Perguntou a Newton se era possível

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provar matematicamente que os planetas giravam em torno do Sol emórbitas elípticas.A resposta espantosadeNewton foi que issonão só erapossível,comoele jáo izeraanosantes.QuandoHalleypediuparaveroscálculos, Newton deu uma rápida busca em várias das muitas pilhas depapel que se espalhavam pelos seus aposentos mas não conseguiuencontrá-los.DisseaHalleyqueosescreveriadenovoeosenviariaparaele. É bem possível que Newton soubesse exatamente onde os papéispodiamserencontrados,masquisesseveri icarseusnúmerosumaúltimavezantesdesubmetê-losaojulgamentodeHalley.Qualquer que tenha sido a razão, mais trêsmeses se passaram antes

queNewtonenviasseseuscálculosaHalley.Grandepartedessetempofoigastanaelaboraçãodeumtratadodenovepáginasqueeleintitulou Sobreomovimentodoscorposgiratórios (Demotu,comoerachamadoemlatim).QuandoHalleyrecebeuessenovoartigo, icouassombradomaisumavez.Não só continha a solução para o problema original que ele propuseracomomuitomais.Naverdade,ocurtoartigocontinhaogermematemáticodeumaciênciageraldadinâmica.Opequeno tratadonãoenunciavaa leidagravitaçãouniversal,nemcontinhaqualquerdas três leisnewtonianasdomovimento.Era,contudo,umcomeçobrilhante,oprecursordamagnumopus que estava por vir. Se aquilo era uma amostra representativa, quemais se poderia encontrar naquelas pilhas de papel aparentementedesorganizadasnoalojamentodeNewton?Paraseugrandemérito,HalleyreconheceuaimensaimportânciadotrabalhodeNewtonenãodemorouair a Cambridge uma segunda vez. Ali, convenceu Newton a organizaraquelas pilhas de papel, aqueles esboços e diagramas aparentementemisturados, aquelas intermináveis colunas de algarismos, e começar atrabalhar no livro de initivo sobre a gravitação e a dinâmica do sistemasolar.Assim que começou a rever e ampliar seu pequeno artigo original,

Newton icouobcecado.Halleydesencadearaoesforço,masagora Newtonestava plenamente envolvido. “Agora que estou envolvido no assunto”,escreveueleaoastrônomoJohnFlamsteed,“ icariafelizemconhecer-lheoâmago antesdepublicarmeu artigo.” Para chegar a esse âmago,Newtonpraticamente se isolou da sociedade humana. De agosto de 1684 até aprimaverade1686,suavidafoicompletamentedevotadaaotrabalhoquemaistardeseriaconhecidocomoosPrincipia.Seu secretário na época, Humphrey Newton (nenhum parentesco),

escreveu queNewton “comiamuito frugalmente, emais,muitas vezes seesquecia completamente de comer, de tal modo que, ao ir a seu quarto,

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encontravasuacomida intacta”.Eraumhomempossuído.Novamenteseusecretáriorelataqueelecostumava“sedebruçarparaescreversobresuaescrivaninhadepé,semsedaraotrabalhodepuxarumacadeiraparasesentar”.É tambémdeHumphreyNewtonquevema famadeserNewtondesprovidodesensodehumor.Osecretáriocontouque,aolongodoscincoanos em que o serviu, viu o grande homem rir apenas uma vez. TendoemprestadoumexemplardeEuclidesaumconhecido,estelheperguntaraqueutilidadeoestudodaquele livroteriaparaele,“coisadequeSirIsaacachou muita graça”. Numa ocasião posterior, Isaac Newton foi ouvidorepreendendo EdmundHalleyporperder tempocomumditoespirituosoenquantotrabalhavamjuntosnumexperimento.

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PáginaderostodosPhilosophiaenaturalisprincipiamathematica—1686.

Para escrever osPrincipia, Newton teve de sintetizar todo o trabalhoque havia feito ao longo dos 20 anos precedentes. Teve de recalcular,revererepensartodososproblemaseteveaindadecoletarnovosdados— todos os novos dados astronômicos em que pudesse pôr as mãos.Provavelmentesabiaqueessetrabalhoseriasuaobramagna,asomatotaldetudoqueelesabiaoueracapazdedescobrirsobreomundonatural.O livronãosedestinavaaserumcampeãodevendasnosentidoatual

da expressão. Newton queria se comunicar com uns poucos escolhidos,umaeliteintelectual,cujonúmeroprocuroureduziraummínimoabsolutoportodososmeiospossíveis.Escreveuemlatimclássicoenãofeznenhumesforço para facilitar o entendimento de sua complicada matemática. OlivrosóchegouaserpublicadograçasaosesforçosincansáveisdeEdmundHalley. Quando surgiam problemas em Cambridge, Halley ia até lá paraencorajarNewtoneinstigá-lo.QuandosurgiamobstáculosàpublicaçãonaRoyal Society em Londres, ele os superava com diplomacia e pródigosesforços.No inal,entroucomseuprópriodinheiroparacobrirocustodaimpressãoedadistribuição, comqueaRoyalSocietyconcluíranãopoderarcar.Os rascunhos dosPrincipia que restaram ilustram o dito de que

genialidade é 1% de inspiração e 99% de transpiração. Os rascunhos secaracterizammenosporsúbitosebrilhantesachadosqueporumtrabalhocontínuo sobre problemas especí icos. Quando, anos mais tarde, lheperguntaram como havia descoberto as leis da dinâmica celeste, Newtonrespondeu:“Pensandonelassemcessar.”Finalmente publicados em 1687,Philosophiae naturalis principia

mathematica consistia de três livros: o Livro I expõe uma dinâmica geraldoscorposqueoperamnacondição teóricadenenhumatritoenenhumaresistência.O Livro II ocupa-se basicamentedos problemasmais práticosrelativos aosmovimentos dos corpos sólidos suspensos nummeio luido,istoé,omovimentodoscorposquandoháatritoeresistência.ÉnoLivroIIIque Newton revela seu gênio de maneira mais extraordinária. Ali eleapresenta sua descrição quantitativa exata dos movimentos dos corposcelestes.Essadescriçãoébaseadanastrês leisdomovimentodeNewton:(1)queumcorpopermaneceemseuestadoderepousooudemovimentoretilíneo uniforme a menos que seja compelido por uma força a eleaplicada a mudar esse estado; (2) que a mudança no movimento (amudançada velocidade vezes a massa do corpo) é proporcional à força

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aplicada;(3)queparatodaaçãoháumareaçãoigualeoposta.Um exemplo da primeira lei seria um projétil em movimento, que

continuará a semover numa linha reta amenos que seja retardado pelaresistência do ar ou que sua trajetória seja curvada para baixo por umaforça (identi icada por Newton como a gravidade). Outro exemplo é umpiãoquegiraecontinuarágirando,amenosquesejaretardadoporatritocomasuper íciesobreaqualsuapontagiraoupelaresistênciadoar.Osvastos corpos dos planetas ou dos cometas, encontrando pouca ounenhumaresistêncianoespaço,persistememseusmovimentos,sejamelesretososcurvos,parasempre.Newtonre inouaindamaissuaprimeira leicomoconceitodemassa, inventadoporele.Nouniversonewtoniano,todoobjetoé caracterizadopor suamassa, emassapossui inércia, a tendênciadeumobjetoaresistiraqualquermudançaemseuestadodemovimento.A segunda lei do movimento de Newton a irma que uma força maior

induzumamaiormudançademovimentoequemúltiplasforçasproduzemuma mudança que é uma combinação das diferentes intensidades edireçõesdasvárias forças.Umamudançanomovimentoéexpressacomoaceleração, de inida como a mudança na velocidade com o tempo. Asegunda lei de Newton — força é igual a massa vezes aceleração — éexpressanaprimeiraequaçãoaprendidaportodosqueestudamfísica:

F=ma

Esta foi chamada de a mais útil lei ísica jamais escrita. Aparentementesimples, a equação é de um poder espantoso e por vezes terrivelmentedifícilderesolver.Também na segunda lei, Newton introduziu o conceito de força

centrípeta.Centripetal é uma palavra que ele próprio cunhou e de iniucomo “o que busca o centro”, em contraposição à palavra centrifugal deChristianHuygens,quedesignavaoquefogedocentro.ApartirdaterceiraleideNewton,pode-severqueaforçagravitacional

é mútua. As atrações que dois corpos exercem um sobre o outro sãosempre iguais,emboraseexerçamemdireçõesopostas.Amaçãéatraídapelasuper íciedaTerra,masaTerratambéméatraídapelamaçã.ATerraexerceumaforçagravitacionalsobreaLuae,aomesmotempo,estásujeitaa uma força gravitacional desta. A quantidade de força gravitacionalexercida por cada corpo— a maçã, a Lua ou a Terra— é diretamenteproporcionalàmassadessecorpo.O exame do movimento circular com base nessas leis forneceu uma

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fórmula para a medida quantitativa da força centrípeta necessária paradesviar um corpo em movimento de seu caminho reto para umdeterminadocírculo.Quandosubstituiuporessa fórmulaa terceira leideKepler,Newtondescobriuqueaforçacentrípetaqueretémosplanetasemsuas órbitas em tornodo Sol devediminuir comoquadradodadistânciaque separa o planeta do Sol. Newton batizou a força em questão degravitas (literalmente, “peso”). A lei da gravitação universal, que Newtontambém con irmou a partir de outros fenômenos como as marés e asórbitas dos cometas, declara que cada partícula de matéria no universoatrai todas as outras com uma força proporcional ao produto de suasmassase inversamenteproporcionalaoquadradodadistânciaentreseuscentros.Amecânicanewtoniana tornou-seo alicerceda estrutura sobre a qual

se erguem todas as camadas das ciências ísicas e da tecnologia. A ísicanewtoniana foi, acima de tudo, um triunfo doreducionismo — o ato detomarumfenômenocomplexo,nestecasoocosmo,eexplicá-lomedianteaanálise dos mecanismos ísicos mais simples, mais básicos que estão emoperação durante o fenômeno. Ademais, representou uma mudança naperspectiva do pensamento humano, uma transição de uma sociedadeestática que espera que alguma coisa aconteça para uma sociedadedinâmicaquebuscacompreender,poisquecompreensãoimplicacontrole.O sPrincipia tiveram um impacto estrondoso no mundo pensante.

Voltaire os explicou numa obra popular, John Locke admirou a obraimensamente e até críticos célebres como Christian Huygens e GottfriedLeibniz participaram do louvor àmagnitude e extensão da obra. Em sua“Ode a Newton”, anexada como introdução ao documento, Halley dissenumapassagem:“Maispertodosdeusesnenhummortalpodechegar.”Outros, no entanto, tiveram um pouquinho mais de di iculdade em

apreciar a obra. Ao receber seu exemplar, o dr. Humphrey Babington,padrinho de Newton em Cambridge, queixou-se de que levaria uns seteanos para entender alguma coisa ali. O próprio Newton contou que aocruzar com ele na rua, emCambridge, um estudante teria dito: “Lá vai ohomemqueescreveuumlivroquenemelenemmaisninguémentende.”PorqueaIgrejaestabelecidanãoatacouNewtoncomoo izeracomseus

predecessores Copérnico e Galileu? Não foi porque sua lógica e suamatemática eram inatacáveis, pois as de Copérnico e Galileu também oeram. Os tempos haviam mudado, sem dúvida, e a Igreja estava maisreceptivaaideiasnovas.E,oquefoiaindamaisimportante,elanãovianohomem profundamente religioso que era Newton qualquer ameaça à

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ortodoxia.Newtonconstruiuseusistemacosmológicosobreopressupostoda existência de Deus. Amatéria não podia ser explicada por si mesma,necessitando de um primeiro organizador, um criador, um arquitetosupremo. Se o universo era um imenso e belo relógio, era preciso quetivessehavidoumrelojoeiro.Deusestabeleceraomundo ísicoesuasleis,e descobrir que leis eram essas era um empreendimento tanto cientí icoquantoreligioso.Defato,Newtonviaaciênciacomoumaformadeculto.ONewton público não teve nenhuma di iculdade com a Igreja estabelecida.Secretamente,comohojesesabeapartirdeseusescritosnãopublicados,eledefatoquestionavaosensinamentosortodoxos,masteveocuidadodenãodeixarumsinal sequerdesuasdúvidas transpareceremseus textospublicados.O sPrincipia foram o feito monumental de Newton. Só se venderam

algumas centenas de exemplares, mas a maioria dos historiadores oquali ica como um dos mais importantes livros jamais escritos. ApublicaçãodagrandeobranãomudouapersonalidadedeNewton,masamagnitude de sua realização fez do ex-recluso o objeto da atenção dopúblicopelorestodesuavida.Naqualidadede igurapúblicadeprojeçãointernacional, chegara para ele a hora de semudar para um palcomaisamplo.

PARLAMENTO,LONDRES,FAMAECONTROVÉRSIA

Quase simultaneamente à publicação dosPrincipia, Newton ajudou acomandar a resistência à tentativa do novo rei Jaime II de catolicizarCambridge. Essa controvérsia levou Newton a frequentes viagens aLondres, onde travou conhecimento com um círculo mais amplo e maisurbanodepessoas.Eleincluíao ilósofoJohnLockeeumjovemadmiradorchamado Nicolas Fatio de Duillier, um brilhante matemático de origemsuíça e residente em Londres, que iria estabelecer uma estreita relaçãocomofísicorecém-envolvidopelafama.Fatio de Duillier tinha apenas 25 anos quando conheceu Newton. Os

dois tornaram-se amigos de maneira quase instantânea — uma estreitaamizade instantânea não era algo que se teria podido esperar do ex-recluso. De fato, uma vez, ao voltar a Londres para uma sessão doParlamento, Newton escreveu para Fatio perguntando se haveria umquartoparaeleondeFatiosealojava.ÉsabidoqueFatioeIsaacpassavam

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bastante tempo juntos quando das viagens deNewton a Londres, que setornarammaislongasemaisfrequentes.Aintensidadedarelaçãodosdoispodeserpercebidaapartirdoqueescreviamumparaooutroe,emcartaspara terceiros, um sobre o outro. Por volta de 1693, ocorreu uma crise:Fatioadoeceugravementee,mais tarde,problemas inanceiros familiaresameaçaram chamá-lo de volta à Suíça. Newton icou extremamenteperturbado. Sugeriu a Fatio mudar-se para Cambridge, onde ele osustentaria. A sugestão deu em nada e mais tarde nesse ano a íntimarelaçãoeacorrespondência terminaram.Aruptura foi súbitaenenhumaexplicaçãochegouaténós.NãohádúvidadequeaseparaçãoteveumprofundoefeitosobreIsaac

Newton.Foinessaépocaqueelesofreuseusegundocolapsonervoso.Seusamigos John Locke e Samuel Pepys temeram ambos por sua sanidade. OdoishaviamrecebidocartasacusatóriasenfurecidasdeNewton.Pepysfoiinformado de que Newton nunca mais o receberia nem lhe escreveria.Lockerecebeuumacartaaindamaisestranha:

Sr.

SendodaopiniãodequeoSr.procuroumeenvolvercommulhereseporoutrosmeios, iqueiatalpontoafetadoquequandomedisseramque o senhor estava doente e não iria viver respondi que melhorseriaqueestivessemorto.

Pepys e Locke lidaram com a situação com muito tato e comiseração.Locke foi aCambridgepara falarpessoalmente comNewtoneassegurar-lhesuaamizade.NaalturaemqueesteveláopiordoataquedeparanoiadeNewtonhaviasidosuperado.Newtonexplicouquesuascartasfuriosasse deviam a indisposição e falta de sono. Nunca se poderá saber comcerteza a verdadeira causa do colapso de Newton. Ele sofreu outraspressões e estressesnesseperíodode sua vida,mas amalfadada ligaçãocomFatioparececertamenteumfatorprovável.A carreira política de Newton teve lugar numa fase de signi icativa

mudançanarelaçãoentreaCoroaeoParlamento,masopróprioNewtondesempenhou apenas um pequeno papel de apoio. Ele fora eleito para oParlamento pela primeira vez em 1689 como resultado de sua corajosaresistência à autoridade estabelecida na questão entre Jaime II eCambridge. Antes desse período na história inglesa, os reis governavampor “direito divino”. A partir da ascensão de Guilherme de Orange e sua

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mulher Maria, porém, os reis passaram a ser proclamados peloParlamento. Dizer que Newton desempenhou um papel menor natransformação da forma de governo inglesa numa monarquiaconstitucionaltalvezsejaumexagero.OsregistrosdaCâmaradosComunsrelativosaesseperíodonãocontêmumaúnicareferênciaaNewton.Diz-seque falou apenas uma vez em todo o tempo que passou no Parlamento.IsaacAsimov,o falecidoautorde livrossobreciência, imaginouacenaemqueamentereputadaamaisbrilhantedetodaaEuropaselevantoupelaprimeira vez: um silêncio deve ter baixado sobre a assembleia quando ograndehomemestavaprestesa falar.Ficariamdesapontados.Tudooqueelefezfoipediraumporteiroquefechasseumajanelanosfundosdasalaporcausadeumafriacorrentedear.Por menor que tenha sido o seu papel em importantes mudanças

políticas, esse foi um período de expectativas crescentes para Newton.Estava com46anos e foi nessa épocaque encomendouaomais afamadopintordomomento, SirGodfreyKneller,umretrato seu.Foioprimeiro, epossivelmenteomelhor,dosmuitosretratosquesepintariamdeNewtoneéumamostradesuaautoestimanessaocasião.Tambémnessa época, o arcebispodeCanterbury ofereceu-lhe o cargo

de reitor doTrinity.Newton foi forçado a recusar essa honra porque elaexigiria que ele se submetesse ao sacramento da ordenação e, como sesabeapartirdeseusescritossecretos,eleacalentavadúvidasemrelaçãoao protestantismo ortodoxo. Em particular, não aceitava a concepção daTrindade.Poressasrazões,pôdeperceberquesuacarreiraemCambridgechegaraaumimpasse.Foiobrigadoasevoltarparaoutroscampos.Sugeriu-se que Newton encontrasse um cargo em Londres e ele

concordou prontamente. Por im,mediante a ajuda do seu amigo CharlesMontague(mais tardeLordHalifax),Newton foidesignadoAdministradordaCasadaMoeda.Issoocorreuem1696e,emboranãotenhadeixadoseucargo em Cambridge até 1701, Newton não perdeu tempo em semudarparaLondres,ali centrandosuavidaa partirdeentão.NewtonchegaraaCambridgeaos18anosepassaraquase35anosali.Deixouacidadesemolharpara trás, voltou compouca frequênciaenão se correspondeucomquaseninguém.ComoadministradoremaistardepresidentedaCasadaMoeda,Newton

obtinhaumarendaelevadaque,somadaaopatrimôniopessoalherdadodamãe, izeramdeleumhomemricoquandode suamorte.Emborao cargofosse encarado como uma sinecura e uma recompensa por serviçospassadosàCoroa,Newtono levouasério.Umnovosistemadecunhagem

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estava por ser implantado e ele se ocupou ativamente desse projeto.Passouase interessarpela falsi icaçãoe,comotempo, tornou-seoterrordos falsi icadores de dinheiro de Londres. Enviou muitos deles para opatíbuloeassistiapessoalmenteaosenforcamentos.Embora seus dias criativos na ciência estivessem terminados havia

muito,NewtonreinavaemLondrescomoopatriarcadaciênciainglesa.Em1703foieleitopresidentedaRoyalSociety,quecomandoumagistralmente,senãotiranicamente.UmdosquesentiramachibatadeSir IsaacNewtonemsuainteiraimplacabilidadefoiJohnFlamsteed,oastrônomoreal.A contenda Newton/Framsteed centrou-se no controle dos dados que

Flamsteed colhera nos anos que passara no Real Observatório deGreenwich.NewtonhaviaprecisadodeinformaçõesdeFlamsteeddurantea preparação dosPrincipia e reconhecera essa dívida na primeira ediçãodo livro. Na década de 1690, contudo, estava tendo di iculdade em obterdados de que precisava para um artigo sobre a teoria lunar. Newtonaborreceu-se quando não conseguiu toda a informação que queria tãorapidamente quanto queria. Usando sua in luência junto ao governo darainha Ana, conseguiu ser nomeado dirigente de um novo órgãocontrolador (chamado “visitantes”) responsável pelo Observatório Real.Instalado nessa posição, o dominador Newton tentou forçar a publicaçãoimediatadocatálogodeastrosdeFlamsteed.Abatalhacontinuoupordezanos,tempoemqueNewtonusoudetodososardissujosconcebíveisparalevaramelhorsobreseurival.No imdascontas,conseguiufazercomqueFlamsteedfosseexpulsodaRoyalSociety.AsobservaçõesdeFlamsteed,otrabalhodesuavida,lheforamtomadaseentreguesaoseurivaldelongadata,EdmundHalley,parapublicação.Flamsteedreagiueacabouobtendoganhodecausanostribunais.Conseguiuqueocatálogoimpressolhefossedevolvidoequeimadoantesdeseramplamentedistribuído—melhorvê-lo destruído que nas mãos deNewton e Halley. Só depois da morte deFlamsteedseuassistentepublicouumaversãoautorizadadodocumento.Omero fato da morte de Flamsteed não deteve Newton. Ele eliminousistematicamentetodasasreferênciasàajudadelenasediçõesposterioresdosPrincipia. No seu todo, esse foi um episódio vergonhoso na vida dograndecientista.Pior ainda foi a infame batalha que Newton moveu contra Gottfried

Leibniz em torno de qual dos dois inventara o cálculo. Leibniz era umopositorquaseàalturadeNewton.HojeéuniversalmentereconhecidoqueNewtondesenvolveuocálculoantesqueLeibnizcomeçasseaseinteressarpormatemática.Noentanto, elemanteve seu feitode1665emsegredoe

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nãopublicouseumétodo.Maistarde,Leibnizchegouaocálculodemaneiraindependente e publicou seu trabalho em 1684. A acerbada rixa que seseguiuemtornodequemforaoprimeiroadesenvolverocálculoassumiuproporções internacionais, com a comunidade cientí ica inglesa apoiandoseulídereoscientistasdocontinentetomandoopartidodeLeibniz.Logoacontrovérsia se intensi icou, com acusações de plágio de parte a parte.NemLeibniznemNewton tiveramamenordignidadena conduçãodessabatalha.AcusaçõesdedesonestidadesemprehaviamenfurecidoNewtoneessa não foi exceção. Ele escreveu vários artigos para revistas cientí icasem sua defesa, publicando-os sob os nomes de alguns de seus jovensseguidores. Como presidente da Royal Society, nomeou um comitê, quechamou de “imparcial”, para examinar a matéria. Em seguida,secretamente,Newton escreveu ele próprio o relatório inal emais tarderesenhou esse documento para a revista cientí ica publicada pela RoyalSociety.Não é preciso dizer que, como baralho assim arranjado,Newtonganhouamão.OódiodeNewtonporLeibnizperduroumesmoapósamortedo ilósofo

alemão. Nos 20 anos seguintes, quase todos os artigos que Newtonescreveu sobre não importa que assunto continham pelo menos umparágrafo raivoso de ataque a Leibniz. “Segundos inventores”, dissedesdenhosamenteacercadeLeibniz,“nãovalemnada”.Nesse meio tempo, as disputas perpétuas com Robert Hooke

continuavam.Newton era tão sensível às críticas deHookeque sódepoisqueestemorreu,em1703,publicouÓptica,suaobrade initivasobreluzecores,emboraelarepresentasseumtrabalhofeito20anosantes.Newtonfoisimplesmenteincapazdeenfrentarcríticasaolongodetodaasuavida.Os historiadores descobriram um outro aspecto um tanto

desconcertante da personalidade de Newton. Hoje se tem praticamentecertezadeque,emalgunsartigosimportantes,elemanipulouosnúmeros,comoosdaaceleraçãodagravidadeedaprecessãodosequinócios.Alémdisso, na segunda edição dosPrincipia, por exemplo, escolheu para avelocidade do som uma cifra que era a média de várias medidas quehaviamsidorealizadas.Emseguidatrabalhouapartirdestesnúmeroseosarranjoudemodoadar a impressãodeque sua resposta fora alcançadamediante métodos matemáticos precisos. Convém observar que ele nãofalsi icou dados experimentais; o que fez foi antes usar matemáticadesonesta para fazer suas conclusões parecerem mais precisas do querealmenteeram.AlémdoNewtonpúblico,haviaumNewtonsecreto.Estefoidescoberto,

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entreoutros,pelocélebreeconomistaJohnMaynardKeynes.Àmargemdeseu trabalho acadêmico, Keynes interessava-se em investigar comotrabalhavamosgrandescérebros.Noexercíciodesse hobby, comprouporapenas 35 libras mais de 50 lotes de escritos de Newton num leilãorealizado nas galerias da Sotheby and Company em Londres em 1936.Keynes dedicou entãomuitas horas a um exame atento dos documentos.Paraseupasmo,descobriuqueNewtondedicarapelomenos tanto tempoaometa ísico, ao oculto, à alquimia e a minúcias bíblicas quanto à ísica.Constatouqueamaiorpartedaquelesescritoseram“inteiramentemágicose inteiramentedesprovidosdevalor cientí ico”. ConcluiuqueNewtonnãoforarealmenteoprimeirodoscientistasmodernos,massim“oúltimodosmagos”.Amaiorpartedessematerialencontra-sehojenoMuseuHebraicoemJerusalém,nãopublicadoenãolido.Talvez caiba aqui uma palavra em defesa de Newton. A alquimia era

uma ciência legítimano séculoXVII.Nessa época, todo investigador sério,natentativadepenetrarasleisdiabolicamentecomplicadasdoselementosquímicos, tinha necessariamente de compreender a teoria dominante daépoca, que era a alquimia. Muitos historiadores da ciência recentelançaramumnovoolhar sobreos alquimistas e sobreosúltimos anosdeNewton e perceberam que, como muitos alquimistas sérios, ele estavausandoumanotaçãoarcanaque,aumexamemaisrigoroso,representavaobservaçõescientíficastotalmenteválidas.Os defensores de Newton dizem que se muitos dos cadernos dos

alquimistas fossem transcritos na linguagem cientí ica moderna, correta,muitasreaçõesquímicasválidasseriamreveladas.Épossívelque,emseusúltimos anos, Newton fosse não ummago, como Keynessugeriu,mas umalquimista,comooeranecessariamentetodocientistasériodaépoca.Quanto ao trabalho de Newton em teologia e estudos bíblicos,

praticamentenadadeleé lidoatualmente.Voltaire,que foiopatrocinadoreodefensordeNewtonnaFrança,resumiuotrabalhodeNewtonemseusúltimosanosnumaespirituosaobservação:“SirIsaacNewtonescreveuseucomentário sobre a Revelação para consolar a humanidade da imensasuperioridadequetinhasobreelaemoutrosaspectos.”Sejacomofor,éoNewtonpúblicoenãoosecretoquenosinteressaaqui

e o homem público tornou-se um sucesso. Em 1705 a rainha Ana, apopular sucessora ao trono britânico, fez uma visita a Cambridgeacompanhadapor toda a sua corte, inclusive seupríncipe consorte, Jorgeda Dinamarca (sobre quem Carlos II izera certa vez um indelicadocomentário: “Euoexperimenteibêbadoeoexperimentei sóbrioenãohá

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coisa alguma nele”). A comitiva real estava a caminho de atividadesmaisimportantesnohipódromodeNewmarket,masumaparadaprotocolaremCambridge estava prevista. Ali a rainha conferiu títulos de doutorhonorárioenomeoucavaleirostrêsnotáveiscidadãos,entreosquaisIsaacNewton, presidente da Casa da Moeda, presidente da Royal Society eilósofonatural extraordinário.A investidura foi seguidapor umelegantejantar. Ele se realizou no Trinity Hall, onde o recém-nomeado cavaleiro,agorasentadoàmesadehonra,haviaservidocomogarçomemseusdiasdeestudantepobre.Agoraeleeraoprimeirohomemdeciênciaaserfeitocavaleiro pela Coroa. O “sujeito esquisito que mora perto do portão”retornaraaCambridgeemtriunfo.ComofoiavidadeNewtonnoslongosanosquepassouemLondres?Ele

era um viciado em trabalho. Fosse na investigação secreta de matériasocultas, na experimentação com várias abordagens à alquimia, ou noexamedetalhadodoslivrosdaBíbliaedateologiaesotérica,eletrabalhava.Não tinha nenhum gosto pelas tentações estéticas de Londres. Ao queparecenãotinhanenhumouvidoparamúsica,referia-seaesculturascomo“bonecosdepedra” e encarava apoesia comouma “espéciededisparateinábil”.Peloquesesabe,foiàóperaapenasumavez.Maistarde,dissequeouviraoprimeiroatocomprazer,suportaraosegundoefugiranoterceiro.Embora fosseum leitorprodigiosonos camposda teologia eda ciência, aliteratura nada signi icava para ele. A biblioteca deNewton não continhaumasóobradeChaucer,ShakespeareouMilton.Newton, que ajudara a tornar a ciência e os cientistas respeitáveis e

bem-vindosnaaltasrodasdeLondres,adotouoestilodevidadessaclassemais elevada. Mantinha uma carruagem e empregava seis criados. Suafamatornara-setalquetodososvisitantesilustresaLondrestentavamumencontro com o grande intelecto. Membros da família real eram semprebemacolhidosporele,masoutrostentavamumaaudiênciaemvão.Entreos que foram repelidos estavam Benjamin Franklin e o ilósofo francêsVoltaire.O perspicaz intelecto de Sir Isaac, contudo, não o protegeu da loucura

inanceira coletiva da chamada “Bolha do Mar do Sul” (Great South SeaBubble), em 1720. Esse investimento insano custou ao grande cientista afabulosaquantiade20.000 libras,possivelmenteumterçodesua fortunalíquida na época. Evidentemente o forte de Newton era a ciência, não agestão inanceira.Nãomuitoantesdesuamorte,Newtonreconsiderousuavidacientíficaeresumiu-adaseguintemaneira:

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Nãoseioquepossoparecerparaomundo,paramimmesmo,porém,pareçotersidosomentecomoummeninoquebrincaàbeiradomar,tendomedistraídoemencontrarvezporoutraumseixomaislisooumaisbonitoqueocomum,enquantoo imensooceanodeverdadeseestendeàminhafrente,inteiramentedesconhecido.

A história do empreendimento cientí ico encerra episódios deimportânciamonumental. A demonstração por Newton domodo como asforças gravitacionais podiam ser calculadas e de que as mesmas leis seaplicamaomovimentono céu e naTerra deve ser reconhecida comoumdeles. Newton ensinou ao mundo que todas as coisas atraem todas asdemais com uma força inversamente proporcional ao quadrado dadistânciaqueassepara,equeosobjetosreagemàsforçascomaceleraçõesproporcionais a essa forças—estas são as leis da gravitaçãouniversal edo movimento de Newton. Elas explicam os movimentos de balas decanhão, foguetes, planetas, satélites, galáxias e objetos. Em essência, eleintroduziuordemnouniverso.DeixamosaúltimapalavraaAldousHuxley.FalandosobreNewton,ele

disse:“Comohomemfoiumfracasso;comomonstrofoiesplêndido.”NewtonmorreuemLondres,em20demarçode1727,aos84anosefoi

enterradocomgrandeshonrasnaabadiadeWestminster.Eraa primeiravezqueseconcediatalprivilégioaumhomemdeciência,conhecimentoouartenaInglaterra.A ísicanãoveriaalguémdasuaestaturaintelectualporquase duzentos anos, até 1905, quando um então desconhecidofuncionáriode26 anosdodepartamentodepatentesdeBerna, na Suíça,publicousuasreflexõessobretempo,espaço,massaeenergia.

aAexpressãoconsagradaatribuídaaDescarteséCogitoergosum(Penso,logoexisto).(N.R.T.)bOautorfazreferênciaàdeterminaçãodaaceleraçãodagravidade.(N.R.T.)

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CAPÍTULODOIS

ALBERTEINSTEIN

TherewasagirlnamedMissBright,Whocouldtravelmuchfasterthanlight.Shedepartedoneday,InanEinsteinianway,Andcamebackonthepreviousnight.a

Anônimo

Ao longo dos quatro últimos séculos, uma série de observações eexperimentos astronômicos alterou radicalmente o modo como ahumanidade vê o universo. Assim como o universo geocêntrico deAristótelesfoisubstituídopelouniversoheliocêntricodeCopérnico,KeplereGalileu,assimtambémessaconcepçãofoimodi icadaequanti icadapelouniverso mecânico de Newton. E no início do século XX o universo deNewton foi substituído pelo de Einstein. Vivemos atualmente no universode Einstein, quer o entendamos bem ou não. Não é preciso dizer queAlbertEinstein iguracomoumdosgêniossupremosdenossotempo.Suacontribuição para nossa compreensão do tempo e seus esforços paraconciliara ísicadaspartículascoma ísicadoespaçoasseguramseulugarnahistóriadacivilização.Masquetipodehomemfoielee,especificamente,oquenosensinou?As teorias da relatividade de Einstein (há duas, a teoria especial e a

teoriageral)tornaram-seosprimeirosassuntoscientí icosqueamídiademassa, que começava a emergir na década de 1930, tentou popularizar.Mascomoatéasmaissimplesexplicaçõesdasteoriaspareciamàimprensacontráriasaobomsensoededi ícilentendimento,aatençãosevoltouparao próprio homem. Os re letores da mídia criaram uma espécie decaricatura, que se transformou na imagem popular de um cientistamoderno.Einsteintinhaumhumorbrincalhãoqueotornavaimensamenteagradável. Uma vez, quando tinha mais de 70 anos, um repórter deSeleções perguntou-lhe qual a sua fórmula para o sucesso. “SuponhamosqueX representa trabalho, Y representa divertimento eA representa

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sucesso”, respondeu Einstein, o criador da mais famosa equaçãomatemáticadetodosostempos.“NessecasoAéaigualaXmaisYmaisZ.”“MasoqueéZ?”perguntouorepórter.“Zsigni icamanterabocafechada”,brincouEinstein.Ele se tornou um mito sem similar — o Einstein das roupas

amarrotadas, da cabeça grande, do cabelo desgrenhado; o Einsteiningênuo e distraído, e no entanto obviamente dotado de uma mentesuperior.Umobstáculoparaumamelhor compreensãodeEinstein é quepensamosquejáoconhecemos,quandotudoquerealmenteconhecemoséaimagemcriadapelaimprensa.CertavezumEinsteinperplexocomentouquenãoentendiaporqueeratãoestimadoetãopoucocompreendido.Paracompreender Einstein verdadeiramente temos de fazer uma tentativa decompreendersuaciência.A ciência,maisquequalqueroutra coisa, foi a vidadeEinstein; epara

compreenderohomeménecessárioacompanharsuamaneiracientí icadepensar. É possível para o leigo compreender as teorias da relatividadeusando apenas um mínimo de matemática? Penso que sim, e pensotambémqueessasteoriassãodetalimportânciaquedevemfazerpartedaeducaçãode todomundo.Masestejacertodequea relatividade,nonívelem que vamos discuti-la, pode ser também extremamente divertida.Distorção do tempo, espaço curvo, o controverso “paradoxo dos gêmeos”—sãotodosexercíciosinteressantesparaamente.

OJOVEMEINSTEIN

AlbertEinsteinnasceuemUlm,naAlemanha,nodia14demarçode1879,oprimeirodosdois ilhosdeHermannEinsteinedePauline,nascidaKoch.No ano seguinte, a família semudouparaMunique, ondeHermann e umtio,JakobEinstein,criaramumapequenao icinaeletromecânica.Uma ilha,Maria,nasceuumanodepois.SemprechamadaMaja,seriaamaispróximade Albert ao longo de suas vidas. A família Einstein tinha recursosmodestos; os negócios do pai nunca tiverammuito sucesso. Era, contudo,uma família culta — os Einstein gostavam de livros e de música e seorgulhavam de suas atitudes liberais, não dogmáticas. A aversão deHermannpelaautoridade,quesemanifestarianaformadeumaaversãoàreligião, talvez tenha contribuído para moldar o desprezo que seu ilhomais tarde manifestaria pelas convenções sociais, suas ideias

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independentes sobre a religião e até sua falta de reverência pela ísicainstituída.Aprincipal fontederecordaçõesda famíliasobreosprimeirosanosde

Einsteinéumensaiobiográ icoescritoporsua irmãem1924,depoisqueele alcançara a fama. Ela contou a reação da avó ao ver o bebê Einsteinpela primeira vez: “Pesado demais”, exclamou. Omesmo ensaio relata ostemores despertados na mãe de Einstein pela parte posteriorexcepcionalmente grande e angular da cabeça do seu bebê (a formaincomum do crânio de Einstein tornou-se permanente). A família temeutambém que Albert sofresse de alguma de iciência mental por causa desualentidãoemaprenderafalar.Elenãofalouatéostrêsanose,segundoMaja escreveu, só adquiriu plena luência em alemão aos dez anos deidade.Antes que Einstein iniciasse sua vida escolar, teve lugar um evento

transformador de que ele se lembraria a vida inteira. “Quando tinhaquatrooucincoanos”,disseele,“experimenteiummilagrequandomeupaimemostrouumabússola. Tinhadehaver algoprofundamenteocultoportrásdeobjetos—odesenvolvimentodenossomundodepensamentosé,emcertosentido,umafugadomilagroso.”Aosseisanos,Einsteinentrounaescolapública.Emboranemsemprese

desse bem com seus professores noprimário, teve umbomdesempenhoacadêmico. Segundoummitopopular,Einstein foiumalunomedíocreemseusprimeirosanos.Narealidade,suasnotaseramexcelenteseeleestavasistematicamenteentreosprimeirosdaclasse,emboraadisciplinarígidaeas técnicas de memorização o aborrecessem. Fora da classe, era umacriança quieta que não gostava de brincar com os colegas, preferindobrinquedos solitários que exigiam paciência e persistência. Uma de suasdistraçõesfavoritaseraconstruircastelosdecartas.Aosdezanos,Einsteinfoitransferidoparaumaescolasecundáriaalemã

típica, o Luitpold Gymnasium, onde foi submetido à disciplinasevera eformalista usual na época. Reagiu a esse sistema coercivo de ensinoduvidando da autoridade, em particular da autoridade educacional. Équase certoquea atitude independenteequestionadoraqueexibiumaistarde em relação à ciência foi cultivada ali. Muitos anos depois, numaentrevista a seu biógrafo Banesh Hoffmann, Einstein brincou: “para mepunir por meu desprezo pela autoridade, o Destino fez de mim umaautoridade.”Einstein permaneceu no Luitpold Gymnasium até os 15 anos e

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continuou recebendo notas altas em matemática e latim. Tinha umaaversãonaturalporesportesouginástica,a irmandoqueaatividade ísicavigorosa o deixava atordoado e cansado. Essa atitude foi em parteresponsável pelo fato de ter feito poucos amigos na escola e se sentirisolado e sozinho. Também junto a seus instrutores, nem sempre erabenquisto. O professor de grego de Albert disse certa vez a HermannEinsteinqueocampopro issionalqueAlbertescolhessenãotinhaamenorimportância—elefracassariaemqualquerum.Doisacontecimentosespecialmentedignosdenotaocorreramduranteo

tempo em que Einstein frequentou a escola secundária. Aos 12 anos,Einstein decidiu se dedicar à solução do enigma do “imenso mundo”.Emboraaindanãoosoubesse,haviasetornadoumaprendizdefísico.Foraestimulado nesses interesses não só por seus professores mas por seustios Jakob Einstein e Casar Koch, que encorajaram seu interesse pelamatemáticaepelaciência.Nomesmoanoemqueembarcounoestudodo“imensomundo”,que tomaria suavida inteira,Einstein comprouum livrosobreageometriaeuclidiana,aoqualmaistardeserefeririacomoo“santolivro de geometria”. Fascinado pela precisão e a clareza da geometria,Einstein aprendeu-a sozinho antes que ela fosse ensinada em aula.Prosseguiuestudandocálculodiferencialeintegralporcontaprópria.Outrain luênciaqueseexerceusobreEinsteinnessaépocafoiadeMax

Talmud, um amigo íntimo da família. Estudante de medicina com poucodinheiro,Talmud jantavaumavezpor semana comosEinstein.EledeuaAlbert livros sobre ciência, e mais tarde iloso ia, que os dois discutiamdurante muitas horas. Talmud, que anos mais tarde escreveu suasrecordaçõesdessetempo,dissenuncatervistoAlbertlendoqualquerobradeliteraturaleve,nãoselembrandotampoucodetê-lovistonacompanhiadecolegasdeescoladasuaidade.ArecreaçãoquedespertavamaiorinteresseemEinstein,tantonaqueles

primeiros anos de escola quantomais tarde, era amúsica. Suamãe, umapianista bem-dotada, incentivava a música em casa. Maja estudou pianoenquanto Albert escolheu o violino. Aprendeu também piano sozinho etocouambososinstrumentosavidatoda.Em1894onegócioda família faliuemudaram-separaMilão,na Itália.

AlbertcontinuouemMunique,aoscuidadosdeparentes,para terminarosecundário.Agora aindamais infeliz na escola e sentindo falta da família,Einstein tornou-se indiferente ao trabalho acadêmico e suas notascomeçaramadeclinar.Finalmente,umdeseusprofessorespediu-lhequedeixasse a escola. Albert aceitou a sugestão de bomgrado e, sem sequer

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comunicaradecisãoaospais,abandonouoGymnasiumsemodiploma.Em seguida, muito feliz, juntou-se à família em Milão, onde foi

estimuladoporseussurpresospaisapensarumpouconofuturo.Estandoa família em di iculdades inanceiras, ele sabia que se esperava que eleabrisseoprópriocaminho.Seacarreiradesuaescolhaeraaciência,haviaevidentenecessidadedemaisestudos.Seumaiorproblemaeraa faltadeum diploma, sem o que não podia ingressar em nenhuma dasuniversidadesitalianas.

NAFACULDADE

Depois de algum tempo, Einstein teve notícia do Instituto Politécnico deZurique, emquenão era necessário diplomapara ingressar. Era preciso,contudo,passarporexamesdeadmissão.Em1895,EinsteinfoiaZuriquepara as provas. Embora tenha se saído bem nas partes dematemática eciência, não foi aprovado nos exames. Foi um sério revés, mas ele osuperou matriculando-se numa escola preparatória suíça em Aarau porumano.Ali,pelaprimeiravezparece tergostadodaescola, apreciandooespírito liberal do lugar e a consideração dos professores. Submeteu-senovamente aos exames de ingresso na universidade em 1896 e foidevidamenteadmitidoparaumprogramadeestudosdequatroanosqueoquali icaria como professor. Numa composição escrita nessa época,Einstein disse: “Imagino-me tornando-me professor naqueles ramos daciência natural, escolhendo a parte teórica deles.” Já então conhecia seuspontosfortes.No mesmo ano em que ingressou no renomado Instituto Politécnico,

Einstein renunciou à sua cidadania alemã. Mediante o pagamento dealgunsmarcos,enviaram-lhedeUlmumdocumentoquedeclaravanãoserelemais um cidadão da Alemanha. Provavelmente teria pagomuitomaisdebomgrado.AgoraeraumestudantesemnacionalidadeemZurique.Noentanto,desdeosprimeirosdiasnauniversidadehaviaeconomizadoumaparcela signi icativade suamodestamesada comoobjetivodepagarporseus documentos de naturalização suíça, o que teve condições de fazerpoucodepois.Em seu primeiro ano na faculdade, Einstein aproximou-se dos colegas

Marcel Grossman e Mileva Maric, uma moça bonita a quem chamavamMarity. Com esses amigos, ia por vezes à noite a um concerto ou a um

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espetáculo teatral.Era atraído tambémporum KaffeehausdeZuriqueemqueosestudantescostumavampassarhorasresolvendoosproblemasdomundo.Nogeral,porém,eraumestudantesério,etrabalhava.Numacartaaumamigo, escreveu: “O esforçodiligente e a contemplaçãodanaturezade Deus são os anjos que, aplacadores, fortalecedores, e contudoimplacavelmente severos, haverão de me guiar em meio ao tumulto davida.”Embora em geral tivesse uma atitude madura para com o trabalho,

Einstein tendia a se dedicar apenas aos projetos que lhe pareciam deinteresse. Isaac Newton comportara-se de maneira semelhante emCambridge mais de dois séculos antes. Mas o orientador de Newtonmostrara pouco interesse por suas atividades. A situação de Einstein eradiferente:eraalunodeumainstituiçãoqueadotavaastécnicasformaisdeaula e sua frequência (ou, o mais das vezes, ausência) em classe eranotada.Constaqueseuprofessorde ísica,HeinrichWeber, lheteriadito:“Você é um rapaz inteligente, Einstein, muito inteligente. Mas tem umgrandedefeito,nãopermitequelheensinemcoisaalguma.”AindependênciadeespíritoeposturadeEinsteintornaram-noemgeral

pouco apreciado entre os professores. HermanMinkowski, seu professorde matemática na Politécnica, lembrou-se dele como “um sujeitopreguiçoso”queraramenteaparecianasaladeaula.Einsteinvalia-sedosapontamentos de aula que lhe fornecia seu grande amigo MarcelGrossman,quemantinhaumdiáriometiculosamenteorganizado.Estudavaessesapontamentossónasvésperasdospoucosexamesesesaíabastantebem.Empelomenosumaocasião, recebeuumaadvertência formalsobreseu descaso pelo trabalho de laboratório. Em outra ocasião, um de seusexperimentosprovocouumaexplosãoquequasedestruiuo laboratório eferiu-lhegravementeamão.Einstein, comoNewton, iava-se não nos professores,mas nos estudos

que fazia por conta própria. Mais uma vez, como no caso de Newton, aísicaclássicaensinadanasaladeaulaestavaobsoleta.Parasemanteremdia com uma ciência em rápida transformação, era preciso lerindependentemente, o que Einstein fazia comum entusiasmo sem limitespornovasideias.Em 1900, Einstein graduou-se pela Politécnica suíça e começou a

procurar emprego.Recebera seudiplomaem ísica aomesmo tempoquetrêsoutrosestudantes,osquaisobtiveramimediatamenteumcargocomoprofessores assistentes na universidade. Einstein também esperara sercontratadocomoprofessorassistente,masnãofoi.Adecepçãofoigrandee

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elenuncaperdoouseuorientadoracadêmico,professorWeber,porlheteracenadocomumcargodeassistenteedepoisrecuado.Ficousemtrabalhoporalgumtempo,opreçoapagarporsuafaltadereverênciaparacomosprofessores.Desuaparte,elesdevemterraciocinadoque,seEinsteinnãoera capaz demostrar entusiasmopelo trabalho de classe, provavelmentenãoomostrariapelotrabalhoprofissional.Einsteinnãogostavadeserumfardoparaa família, sobretudoporque

ela ainda experimentava di iculdades inanceiras. Por im conseguiutrabalho como professor em meio expediente, mas era somente umempregotemporário.Durante esse período di ícil de sua vida, Einstein icou separado por

longosintervalosdesuacompanheiraecolegadapolitécnicasuíça,MilevaMaric, com quem encetara uma relação romântica logo no início de seustemposdeestudantes.Em1902,tiveramum ilhoilegítimoqueparecetersidoentregueparaadoção.Finalmente,emjunhode1902,comaajudadoamigoMarcelGrossman,

Einstein conseguiu ser nomeado “perito técnico de terceira classe” doDepartamento de Patentes da Suíça, emBerna. Agora podia planejar seucasamento comMileva. Os pais dele opunham-se a essa união, talvez porcausa da procedência católica deMileva, ou simplesmente porque amãede Einstein jamais gostou dela. Foi somente no seu leito de morte queHermann Einstein inalmente consentiu no casamento. Os jovens secasaramemjaneirode1903eEinsteinseestabeleceunonovoempregonodepartamentodepatentes.Einsteintinhadefazermuitasleituraseanálisesparasemanteremdia

com a ísica moderna. Quando estudante, lera Kirchoff e Hertz sobre ocomportamento das correntes elétricas e das ondas eletromagnéticas.Estudara também as teorias da eletricidade de James Clerk Maxwell, asideiasdeErnstMachsobreosconceitosbásicosda ísicaeasdeHendrikLorentzsobreateoriaeletrônicadamatéria.Esses e outros in luentes pioneiros da época, em particular Michael

Faraday, tornaram-se os “gigantes” de Einstein. Como Newton, Einsteinprecisou de ombros sobre os quais se erguer. E ele iria reconhecer essadívida. Numa conferência que deu em Londres em 1921, disse que arelatividade era “o resultado direto e, em certo sentido, a culminaçãonaturaldotrabalhodeFaraday,MaxwelleLorentz”.

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OSGIGANTESDEEINSTEIN

Embora desempenhem papéis secundários nesta narrativa, cada um dosgigantes de Einstein poderia ser uma estrela em sua própria galáxia.Michael Faraday (1791-1867) foi o primeiro herói. Faraday era ilho deumferreiroe,emborativessepoucaeducaçãoformal,foioThomasEdisonde sua época. Aprendeu sozinho ciência su iciente para se tornar o ísicoexperimental mais destacado de seus dias. Quando jovem, conseguira ocargo de assistente de laboratório no Instituto Real da Grã-Bretanha. Alipermaneceupor46anos, terminandoporse tornarodiretordo instituto.Sua fama se deve sobretudo à descoberta do fenômeno da induçãoeletromagnética. Essa descoberta foi inspirada por um experimentoanterior (de Hans Christian Oersted) que mostrou que uma correnteelétrica de lete uma agulhamagnética. Faraday teve a engenhosidade deplanejar umexperimentoque exploraria a possibilidadedo efeito oposto,isto é, o efeito que a força magnética poderia ter sobre uma correnteelétrica. Por causa da limitação de seus conhecimentos matemáticos,Faraday não compreendia nem con iava em modelos matemáticos comodescrições apropriadas de fenômenos ísicos. Por isso, desenvolveumodelosfísicosparaexplicarresultadosexperimentais.Faraday descobriu que a eletricidade e o magnetismo eram ambos

transmitidos por meio de linhas de força, chamadas camposb. Com essadescoberta foi inaugurada a teoria de campo, na época um importanteavanço. (Hoje, quandoalunosdo secundário salpicam limalhade ferro aoacaso sobre um pedaço de papel que repousa num magneto, estãoilustrando como a limalha é atraída pelo campo magnético e estãorepetindoumexperimentodeFaraday.)Amaior contribuiçãodeFaradayparaa ísica foi centrar a atençãoda

comunidade cientí ica nos campos de força invisíveis, hoje o principalobjetodepesquisaemtodaparte,donívelsubatômicoaointergaláctico.Osestudos eletroquímicos de Faraday o convenceram também de que amatéria consistedediferentes tiposdeátomos, cadaumdosquaiséumaestrutura eletricamente equilibrada com números iguais de unidadespositivas e negativas de carga elétrica. Ele foi, de certomodo, o primeirofísicoatômicodomundo.James Clerk Maxwell (1831-1879) começara a estudar eletricidade e

magnetismo lendoos artigos de Faraday sobre esses assuntos.Aplicandoseus prodigiosos talentos matemáticos, Maxwell obteve as equações que

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hoje levam o seu nome. Por meio dessas equações, demonstrou queeletricidade e magnetismo são aspectos de uma única força, oeletromagnetismo,equeapróprialuzéumavariedadedessaforça.Nessemomento, as áreas até então separadasda eletricidade, domagnetismoedaópticaforamunidas.AdescobertadeMaxwelldequeavelocidadedapropagaçãodasondas

eletromagnéticas era exatamente igual à velocidade da luz levou-o àconclusão de que a luz nada mais é que um exemplo de radiaçãoeletromagnética. Concluiu ainda que a eletricidade não precisa icarcon inadaa ios, podendo serdisseminadana formadeondas atravésdoespaço,talcomoaluz.Comessasconclusões,Maxwellabriucaminhoparaacomunicaçãoporrádio(inicialmenteditasemfio).Omundo cientí icomanteve-se cético diante dessas ideias radicais até

queHeinrichHertz(1857-1894)efetuouumasériedeexperimentos,hojefamosos, que con irmaram todas as previsões teóricas da teoria deMaxwell.Oeletromagnetismosemanifestaemondase todaselas têmumcomprimento de onda, a distância entre suas respectivas cristas. Se asondas eletromagnéticas fossem como ondas oceânicas, poderíamosvisualizar as cristas a cerca de seis ou nove metros uma da outra c. Adiferença entre várias ondas eletromagnéticas — infravermelho, micro-onda,raiosX,ondasderádio—residenosseuscomprimentosdeondaenas suas frequências. A luz visível, que está no meio do espectroeletromagnético, consiste de ondas eletromagnéticas cujos comprimentoscorrespondem,cadaum,adiferentescores,comooazul,overde,olaranjaeovermelho.Heinrich Hertz desenvolveu um método para gerar ondas

eletromagnéticas e ao mesmo tempomedir sua velocidade. Mostrou queessas ondas tinham as mesmas propriedades de re lexão, refração epolarização que as ondas de luz e que podiam ser modi icadas oufocalizadas.HertztomouasideiasdeMaxwell,submeteu-asaumasériedeexperimentosrigorososduranteumperíododedezanosecomprovou-as.Einstein se inteirou desses avanços graças às suas leituras

independentes.Herr Professor Weber, do Instituto Politécnico, nãoreconhecia Faraday ou Maxwell e muito menos dissertava sobre eles.Muitos anos mais tarde, Einstein expressou o valor que atribuía àsequações deMaxwell, dizendo: “Maxwell deu a contribuição isoladamaisimportantedoséculoXIX.”Restadescrevero trabalhodemaisdois atores coadjuvantes eopalco

estará pronto para a entrada de Einstein. Comecemos pelo ísico teórico

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holandêsHendrikLorentz(1853-1928),oprimeiroasugeriroconceitodoelétron. Ele havia estudado as equações de Maxwell relativas ao campoeletromagnético e procurara meios de estender esses achadosmatemáticos a outras áreas da ísica.Na décadade 1880, considerava-sequeosdoispilaresda ísicaeramamecânicanewtonianaeasequaçõesdaeletrodinâmica de Maxwell porque as duas únicas forças básicas danaturezaconhecidasnaépocaeramagravitacionaleaeletromagnética.Oselétrons,comoLorentzmostrou,sãoessenciaisparaaestruturados

átomosneutros(nãocarregados).Contribuempoucoparaamassatotaldeumátomo,massãonecessáriosparafornecerascargaselétricasnegativas,compensando assim as cargas positivas dos prótons e tornando o átomoeletricamenteneutro.Lorentzfoioprimeiroasugerirqueamassadeumapartícula carregada cresceria com a velocidade, um conceitorevolucionário.EinsteinpercebeuqueotrabalhodeLorentzaoincorporaroelétronà ísicanewtoniana-maxwellianadaépocaerafundamentalparaseu próprio trabalho. Os únicos ísicos cujos nomes elemenciona em seuprimeiroartigosobrearelatividadesãoMaxwell,HertzeLorentz.

OEXPERIMENTOMICHELSON-MORLEY

O último papel coadjuvante decisivo é desempenhado pelo famosoexperimento Michelson-Morley. Embora não tenha contribuídodiretamenteparaasideiasdeEinstein,foiesseexperimentoquepreparouacomunidadecientíficaparaaceitarsuasteorias.Albert Michelson era um professor de ísica no que é hoje o Case

Institute, em Cleveland, Ohio, e Edward Morley lecionava química pertodali, naWesternReserveUniversity.Osdois se juntaramparaplanejar econduzir um experimento destinado a medir a força do vento doéter. Aciência convencionaldaépocaa irmavaqueo espaçoerapreenchidoporumasubstânciainvisívelchamadaéter.Supunha-seaexistênciadesseéterhipotético para explicar a propagação da radiação eletromagnética peloespaço.Os ísicospensavamqueumobjetoquesemovesseatravésdesseéter certamente encontrava um “vento do éter” soprando na direçãooposta.MichelsoneMorleysabiamqueaTerra,emsuaórbitaemtornodoSol, semovia numa velocidade de cerca de 30 quilômetros por segundo;consequentemente, era preciso criar um vento de éter com velocidadeaproximadamenteigual.

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Em 1887, no laboratório de Morley, instalado num porão, os doismontaramumexperimentoquepretendiadetectaremedircomprecisãoaforçadoventodoéter:Um feixede luz foiopticamenteseparadoemdoisfeixes perpendiculares entre si. Os dois feixes de luz foram re letidos edepois recombinados e postos em foco numa ocular. Um feixe de luzorienta-separalelamenteaosupostomovimentodaTerraatravésdoéter.A teoria que estava sendoposta à prova era a de que o feixe de luz quetivesse de semover contra a força do vento do éter teria sua velocidadereduzidaemrelaçãoàdooutrofeixe.AanalogiausadaporMichelsonparaexplicaresseprincípiocomparavaosdoisfeixesdeluzcomdoisnadadoresnuma disputa de velocidade — um nadador teria de nadar contra acorrente e voltar, ao passo que o outro cobriria a mesma distância mascruzando a corrente e voltando. Se não houver corrente, a disputaterminará empatada. Se houver alguma corrente, o segundo nadadorvencerá sempre. (Caso o leitor se interesse, este raciocínio pode serconfirmadoalgebricamente.)Para o pasmo dos dois experimentadores, não houve nenhuma

diferença no tempo que os dois feixes levaram para percorrer asdistânciasespeci icadas.OuoéterestavasemovendocomaTerra,oqueeraabsurdo,ousimplesmentenãoexistia.(UmaterceiraconclusãoqueosresultadospermitiameraqueaTerranãosemove,masGalileueoutrososhaviam convencido de que ela o faz.) Michelson e Morley repetiram oexperimento várias vezes, sempre obtendo os mesmos resultados. Se oéter simplesmente não existisse, seria precisorepensar alguns conceitosde Newton, uma perspectiva assustadora. Isaac Asimov quali ica aobservaçãoMichelson-Morleyde“omaisimportanteexperimentoquenãodeu certo de toda a história da ciência”. Ela tornou possível, no entanto,pensar que a ísica newtoniana poderia estar incompleta. Einstein nãosabia do experimento Michelson-Morley na ocasião em que formulou asideias subjacentes às suas teorias da relatividade. Por si só, através deexperimentosmentais,concluiuqueoéternãoexistia;e,quandochegouahora, os resultadosMichelson-Morleyajudarama comunidade cientí ica aaceitarateoriadeEinstein.

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EXPERIMENTOMICHELSON-MORLEYAluzprovenientedafonteédivididapeloespelhosemirre letoresedeslocaaolongodedoisbraçosperpendiculares.Espelhosemcadaextremidadere letemosfeixesdeluz.Osresultadosnegativosdesseexperimentoindicamqueoventodoéternãoexiste.

EmseusEssaysinScience,publicadosem1934,Einsteindisse:“Ateoriada relatividade se assemelha a um prédio composto de dois pavimentosdistintos,ateoriaespecialeateoriageral.Ateoriaespecial,sobreaqualateoriageralrepousa,aplica-seatodososfenômenos ísicoscomexceçãodagravidade;a teoriageral fornecea leidagravitaçãoe sua relaçãocomasoutras forças da natureza.” Vamos começar pelo primeiro pavimento e irgalgandoaospoucos.

ATEORIAESPECIALDARELATIVIDADE

Ao que se conta, Einstein gostava de seu trabalho no Departamento dePatentes da Suíça. Ele proporcionava segurança, muitas vezes erainteressante e lhe deixava tempo e energia para desenvolver algumare lexão séria e escrever sobre ísica. Em particular, Einstein estavapensandosobremuitosproblemasenigmáticosquetinhamavercomluzemovimento.Em1905eletinha26anoseeraextremamenterespeitadoporseu trabalho no departamento de patentes. Embora seu salário fosse

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pequeno e seu casamento longe de ser perfeito, mais tarde ele selembrariade seu tempoemBernacomoumdosmais felizesde suavida.Nessaépoca,acimadetudo,elefoiprodutivo.Em maio de 1905, Einstein concluiu um artigo que iria lhe valer o

Prêmio Nobel 17 anos mais tarde. No mês seguinte, terminou um outroartigoque lheassegurariaodoutoradopelaUniversidadedeZurique.Emseguida,publicoumaisquatroartigosnaprestigiosarevistaalemãde ísicaAnnalen der Physik, o terceiro dos quais, hoje conhecido como teoriaespecial da relatividade, iria mudar para sempre a concepção que ahumanidade temdouniverso. Ele realizou todo esse trabalho sozinho, noquarto dos fundos de seu pequeno apartamento em Berna. O únicoperíodonahistóriada ísica comparável a esseé a estadadeNewtonemWoolsthorpe,de1665a1666.DiferentementedosPrincipiadeNewton,documentoreconhecidoquase

instantaneamente como revolucionário, apublicaçãoda teoria especialdarelatividade de Einstein não assombrou de imediato a comunidadecientí ica. Para o dissabor de Einstein, o artigo foi em geral ignorado. Alionde ele esperara controvérsia, houve silêncio. Em vez de centenas decartasquestionandoouaplaudindosuasideias,recebeuuma—umbilhetedo professor Max Planck, de Berlim, pedindo mais informação sobrealgumas de suas ideiasd. Os poucos especialistas que compreenderamEinstein icaram céticos e até eles se opuseram às suas chocantesconclusões, até que foi possível obter experimentalmente provas de suasteorias.Quanto àmaiorpartedoestablishment cientí ico, seus integrantesestavamcomprometidoscomamecânicanewtonianaeoeletromagnetismomaxwelliano e não abrirammão facilmente de suas posições forti icadas.A inal de contas, se amatemática de Einstein se sustentasse,muita coisateriadeserrepensada.

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O FAMOSO EXPERIMENTO “GEDANKEN” DE EINSTEIN Aos 16 anos, Einstein se perguntara o que veria sepudesse correr atrás de um feixe de luz na velocidade da luz. Será que se veria a luz “imóvel”?Retornandoaessaideiaem1905,raciocinouque,comoasequaçõesdeMaxwellmostravamqueavelocidadeerainerenteàluz,nãoseriapossívelacelerar-seàvelocidadedaluz.Concluiuaindaquea velocidade da luz era constante — a mesma para todos os observadores, fosse qual fosse omovimento relativo destes. Einstein chamou essa ideia de sua “teoria da invariância”. SegundoMurrayGell-Mann,umavezqueEinsteinchegouaessaconclusão,orestantedateoriaespecialdarelatividadeseencaixoulogicamente.

Grande parte da teoria especial da relatividade surgiu de umaexperiência de pensamento que ocorrera a Einstein quando ele tinha 16anos.Naocasião,eleperguntaraasimesmooqueveriasecorresse atrásdeumfeixede luznavelocidadeda luz.A ísicanewtonianaclássicadiziaqueverialuzemrepouso.Pensandosobreissoem1905,Einsteinconcluiuque essa resposta não podia ser correta. Ele sabia pelas equações deMaxwell que a luz era movimento, que a velocidade lhe era inerente.Percebeu que o conceito de espaço e tempo absolutos de Newton e asequações de Maxwell não podiam estar todos corretos. Resolveu esseparadoxoconcluindoquenãosepodeaceleraravelocidadedaluzequeavelocidade da luz era constante para todos os observadores, fosse qualfosse seu movimento relativo. Uma vez que chegou a essa conclusão, orestante da teoria especial da relatividade começou a ganhar forma. Porexemplo, amecânica newtoniana presume que umobjeto pode semoverem velocidade ilimitada desde que uma força su iciente seja usada para

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acelerá-lo. Einstein disse que nada pode se mover em velocidade maiorqueadaluze.Mostrouquehaverianecessidadedeumaquantidadein initadeenergiaparaacelerarumobjetoatéavelocidadeda luzeque issoeraimpossívelporqueaquantidadedeenergiadisponívelnouniversoéfinita.Einstein percebia que, para questionar os princípios newtonianos de

espaçoetempoabsolutos,impunham-semudançasfundamentaisnomodocomooespaçoeotempoeramentendidos.Omelhormeiodecompreendera relatividade especial é o uso de experiências de pensamento, algunsdelesdesenvolvidospelopróprioEinstein.Essatécnicaseráutilizadaaquipara ilustraroscincoefeitosrelativísticosconsideradosmais importantes:(1) a relatividade da simultaneidade, (2) a dilatação do tempo, (3) acontração do comprimento em velocidades próximas à da luz, (4) oaumento de massa de um corpo em movimento rápido, e (5) a relaçãoentremassaeenergia.Se eu tivesse de fazer uma síntese da teoria especial da relatividade

paraocadernodeumestudantedefísica,eladiria:

Avelocidadedaluzésempreconstante.Àvelocidadedaluzotempopara.Àvelocidadedaluz,amassaéinfinita.E=mc2

A propósito, a teoria especial da relatividade não a irma que tudo érelativo. A irma apenas que algumas coisas que o mundo haviaconsiderado absolutas, comoo tempo e o espaço, são relativas e algumascoisasqueomundohaviaconsideradorelativas,comoavelocidadedaluz,são absolutas. A teoria de fato sustenta que, para todos os sistemas dereferência, a velocidade da luz é constante e, se todas as leis naturaisforem as mesmas, tempo e movimento se revelarão ambos relativos aoobservador. É fácil dizer isto, mas as implicações são profundas e ostermosrelativo,absolutoesistemadereferênciarequeremalgunsexemplosqueesclareçamosconceitos.

RELATIVIDADE

É fácil entendertamanho comoum termorelativo. Uma coisa só é grandeoupequenaemreferênciaaalgumaoutra.Umaboladebasqueteégrande

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comparadacomumaervilha,maspequenacomparadacomaLua.Nãohácomo medir um objeto e dizer que ele éabsolutamente grande ouabsolutamentepequeno.

Velocidade é outro exemplo de termo relativo. Não se pode dizer quecoisa alguma é rápida ou lenta sem compará-la com outra. Meu carro érápido comparado com a minha bicicleta, mas lento quando comparadocomumaespaçonave.

Para cima epara baixo são ambas expressões obviamente relativas.AquinaTerra,paracimaéadireçãorumoaocéu,enquantoparabaixoéadireção rumo ao centro da Terra. Mas, como as imagens de televisão deastronautas a bordo de um ônibus espacial mostraram, não há nenhumpara cima epara baixo no espaço porque não há nenhum sistema dereferência.E quanto ao movimento? Será um termo relativo? Podemos ver de

imediato que sim. Imagine um trem que segue para o leste a 160quilômetrosporhora.Abordodele,umhomemcaminhanadireçãooesteaseis quilômetros por hora. Com que rapidez o homem está semovendo?Não podemos responder a essa questão a menos que escolhamos umsistemadereferência.Comrelaçãoaosolo,ohomemestásemovendoparaolestea154quilômetrosporhora;relativamenteaotrem,contudo,estásemovendoparaooesteaseisquilômetrosporhora.

ARELATIVIDADEDASIMULTANEIDADE

Arelatividadedotempoéumconceitodeapreensãomaisdi ícil.Ouniversode Newton pressupunha que um tempo absoluto era marcado por umrelógio universal invisível. Se fosse 1:02 na Terra, seria 1:02 em Vênus,Marteouemqualqueroutro lugardouniverso.Einsteinnosmostrouqueisso não é verdade. Um dos exemplos que usou para ilustrar suas novasideias envolve eventos simultâneos. No universo de Newton, era possívela irmar que dois eventos ocorriam simultaneamente porque o tempoabsolutoestavasendomedidopelorelógiouniversal.Einsteinnosrevelouque essa ideia de tempo absoluto e de eventos simultâneos produz umparadoxo. Se a velocidade da luz for absoluta (constante) sob todas ascondições,háalgodeerradocomoconceitonewtoniano.Einstein chamou atenção para o fato de que a luz leva tempo para se

moverdeumpontoaoutroecitouocasodedoisraiosquecaempertode

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umaviaférrea.Paraumapessoapostadajuntodalinhaeameiocaminhoentre os dois raios, os dois clarões pareceriam ocorrer exatamente aomesmotempo.Umobservadorqueviajassenumtremrápido,porém,veriao raio à sua frente — aquele em cuja direção estava correndo — luzirantes daquele de que estava se afastando rapidamente. Para esseobservador os dois raios cairiam em momentos diferentes. Considereagora um trem que avance na direção oposta. Um observador nessesegundo tremveriaosdois raioscaíremnumaordemopostaàquelavistapelo observador no primeiro trem. Einstein prosseguiu declarando quenão há entre os três nenhum observador privilegiado — em outraspalavras, todos estão certos. Assim, dois eventos são simultâneos em umsistemadereferênciamasnãoemoutrosdois.Nãoexistetempoabsoluto,enãohánenhumrelógiouniversalmarcandootempoemalgumlugardoespaço.Comoesteconceitoéumpouquinhocomplicado,consideremosumoutro

exemplo. Imagine que um vagão de passageiros de um trem tem umacúpuladeobservação.Nossocon iávelobservadorestásentadonomeiodovagão, num assento voltado para o lado. Duas grandes lâmpadas estãoixadas,umanafrenteeoutranatraseiradotrem.Naposiçãoemqueestá,nossopassageiropodevertantoafrentequantoatraseiradotrem.Seforacionadoumcomutadorqueconecteaslâmpadasaumafontedeenergia,esse passageiro verá as duas se acenderem simultaneamente. Não faznenhumadiferençaqueotremestejaparadoousemovendopelotrilhoa300quilômetrosporhora,porquerelativamenteaopassageirootremnãoestásemovendo.Suponhamosagoraumobservador imóvelf queobservao trempassar.

Admitindo que o passageiro e o observador imóvel estão face a facequando o comutador é acionado, nosso observador imóvel não verá asluzes se acenderem ao mesmo tempo. Mais precisamente, verá a luztraseiraseacenderprimeiroedepoisadianteira.Lembre-se,aluztraseiraestásemovendoemdireçãoaelea300km/h,aopassoquealuzdianteiraestá se afastando dele na mesma velocidade. Por estar se movendo emdireçãoaele,a luz traseira terádepercorrerumadistânciamenorquealuzdianteira,queseafasta.Seadistânciaémenoreavelocidadedaluzéconstanteemquaisquercircunstâncias,eleveráa luz traseiraseacenderantesquealuzdianteira.Portanto,doiseventosqueparecemsimultâneosdo ponto de vista do passageiro do trem não o são aos olhos de umobservador imóvel. E, omaisimportante, ambos os observadores estarãocertos.Asimultaneidadeéumfenômenorelativo.

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ARELATIVIDADEDASIMULTANEIDADEDEEINSTEIN Paraumobservadornumtrememmovimento,ambasasluzesparecemseacenderaomesmo tempo.Paraumobservadorno solo, a luz traseiraparece seacenderligeiramenteantesdadianteira.

Paramaisumexemplodesseprincípio,considereosônibusespaciaisdailustração.Dopontodevistadoobservadorqueestánanavedecomando,ossinais luminososchegamàsoutrasnavessimultaneamente.Noentanto,dopontodevistadeumobservadorqueestánaestaçãoespacial,osinaisluminososchegamànaveAbemantesdechegarànaveC.Evidentemente, essas conclusões se baseiam na constância da

velocidadeda luz.Nesse caso, seráa luzaúnica invariantepara todasascoisas no universo? Aqui, o termo luz designa a porção visível de umespectroderadiaçãoeletromagnética.Essaradiaçãoincluiondasderádio,radar, luz infravermelha e ultravioleta e raios gama. Todos eles sepropagam através do espaço na mesma velocidade e essa velocidade,pouco menos que 300.000 quilômetros por segundo, é constante, nãoimporta qual seja omovimento da fonte da radiação. Imagine umprojétildisparadoparaa frente,dadianteiradeumaviãoa jato.Avelocidadedoprojétilemrelaçãoaosoloéobtidasomando-sesuavelocidadeàdoavião.Nocasodaluz,contudo,avelocidadedofeixedeluz(oudequalqueroutraradiação eletromagnética) não é afetada pela velocidade do objeto queemiteofeixe.Se,emvezdedispararumprojétil,oaviãodenossoexemploacenderumfaroldianteirovoltadoexatamenteparaafrente,avelocidadedaluznãoseacrescentaàvelocidadedoavião.Essaconcepçãofoitestadamuitas vezes de vários modos diferentes e os resultados são sempre osmesmos—avelocidadedaluzéconstante.

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Quãovelozéveloz?

Velocidadedaluznovácuo=3X108metrosporsegundo,ou300.000quilômetrosporsegundo,ou1,075bilhãodequilômetrosporhora

1% da velocidade da luz = 10,7 milhões de quilômetros por horaVelocidadedosomnoar=330metrosporsegundo(Mach1)Velocidadedabalaaodeixarabocadeumrifle=660metrosporsegundo(Mach2)Velocidade de escape da Terra = 40.000 quilômetros por hora, ou 11quilômetrosporsegundo

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ARELATIVIDADEDA SIMULTANEIDADEDEEINSTEIN Imagine três ônibus espaciais (A, B e C) ultrapassandouma estação espacial nas profundezas do espaço. Essa lotilha está se movendo em linha reta evelocidadeconstante.Anavedomeio(B)éoveículodecomando.Anavedafrenteeadetrásestãoa igual distância da nave de comando. Num certo instante, B emite um sinal luminososimultaneamenteparatrás,nadireçãodeA,eparafrente,nadireçãodeC.DopontodevistadeumobservadornanaveB,ossinaischegamaAeaCaomesmotempo.Noentanto,dopontodevistadeumobservadornaestaçãoespacial,osinalluminosochegaaAbemantesdechegaraC.

MOVIMENTOUNIFORME

Movimentouniformeémovimentoquenãoestámudando,nemacelerando

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nem desacelerando. A ísica clássica ou newtoniana deixou claro que sevocêestánumveículoquesemoveuniformemente,digamosumvagãodetrem, fechado em ambos os lados, não lhe permitindo ver a paisagempassar, não há nenhum experimento mecânico pelo qual você poderiaprovar que está se movendo. (Claro que estamos supondo uma viagemsemcurvas,g sonsououtros indíciosdemovimento).Sevocêatirasseumabola no ar exatamente para cima dentro do trem, ela voltaria a cair emlinha reta — quer o trem estivesse em movimento ou parado. Einsteindesenvolveuessaideia.Mostrouquenãosósomosincapazesdedetectaromovimentodotrempormeiosmecânicos,comonoséimpossíveldetectá-loporqualqueroutroexperimento.A teoriaespecialdarelatividadenosdizque não é possível medir o movimento uniforme de nenhuma maneiraabsoluta.Tome,porexemplo,ocasodeduasnavesespaciaismovendo-seumaem

direção à outra em velocidade uniforme. Nenhum meio permitiria aosastronautas em qualquer das naves determinar: (1) se sua nave estáimóvelcomaoutrainvestindocontraeles,(2)sesuanaveestáavançandovelozmenteenquantoaoutraestáimóvel,ou(3)seasduasnavesestãosemovendo. Nenhum experimento com a luz ou com qualquer fenômenoelétrico ou magnético seria capaz de provar que qualquer dessas trêsopçõesémelhorqueasoutrasduas.Consideremosagoraoquearelatividadedomovimentopodenosdizer

sobrearelatividadedotempo.Vimoscomoobservadoresdiferememsuasestimativasdomomentodeocorrênciadeumevento(comoosraiosouasluzes de nossos exemplos anteriores), e que cada observação é tão“verdadeira”quantoasoutras.O tempo,emoutraspalavras,é relativoaosistemadereferênciadoobservador.

DILATAÇÃODOTEMPO

Tendodemonstradoarelatividadedotempo,Einsteinfoiaindamaislongeedesa iounossaimaginaçãocomaideiadedilataçãodotempo.Previuqueo tempo tal comomarcado pelos relógios seria afetado pelomovimento epelagravidade.Segundooefeitodedilataçãodotempo,osponteirosdeumrelógio emmovimento avançarão mais lentamente que os de um relógioimóvel.hHoje,osguardiãesmundiaisdo tempoo icialutilizamrelógiosatômicos

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dealtaprecisãobaseadosnasemissõesdemicro-ondasdecésio133.Essesaparelhosmedem o tempo com precisão de ummilionésimo de segundopor dia. Dispondo de instrumentos precisos, o mundo deveria ter umpadrãoabsolutopeloqualmedirotempo,certo?Errado.Mesmocomessasmedidas tão so isticadas, nenhum tempo absoluto pode ser determinado.Einsteinnãotinhaconhecimentoderelógiosatômicosquandopostulousuateoriaespecialdarelatividade,mascompreenderaquehánamarcaçãodotempovariaçõesinerentesligadasaomovimento.AsideiasdeEinsteinsobreamarcaçãodotempoforamconfirmadaspor

umexperimento realizadoem1971.Relógiosde césio foramembarcadosemdoisaviõesajatoquedariamavoltaàTerra,umrumandoparalesteeo outro para oeste. No início e no im das viagens, os relógios foramcomparadoscomumrelógiodereferênciadoObservatórioNavaldosEUAem Washington. No término do experimento, os relógios não coincidiammais quanto à hora do dia. O relógio enviado para o leste perdera umamédia de 59 nanossegundos (bilionésimos de segundos) em relação aorelógiodereferência,eoenviadoparaoesteganhara273nanossegundos.Esses resultados se aproximavam muito dos números previstos pelocientista que conduziu o experimento. Posteriormente, outros exemplosconfirmaramessefenômenocomprecisãoaindamaior.Segundo Einstein, a relatividade permite que eventos ocorram mais

lentamenteparaumobservadorqueparaoutro,atémesmooseventosdavida, como o envelhecimento. O efeito do movimento de alta velocidadesobreotempoconduziuaofamoso“paradoxodosgêmeos”.Nesseexemploteórico, um astronauta deixa seu irmão gêmeo na Terra e parte em altavelocidadeparauma longa jornadarumoaastrosdistantes.Quandovoltapara casa, vê que o irmão é umancião, ao passoque ele próprio está nalor da idade. Os relógios do astronauta — o atômico e o biológico —haviamregistradomenoshoraseanosqueosrelógiosdaTerra.Outroexemplodomesmofenômenoéo“paradoxodorelógio”.Imagina-

se que uma espaçonave tripulada está fazendo uma viageminterestelarparaArcturo, uma estrela de primeira grandeza a 33 anos-luz i da Terra.Casosedesloquenumavelocidadepróximaàda luz(coisasópossívelemicçãocientí ica),anavechegaráàsvizinhançasdeArcturopoucomaisde33 anos após ter sido lançada, pelo tempo da Terra. Se voltarimediatamente, terão se passado cerca de 66 anos, pelo tempo da Terra.Comoanave sedeslocouemaltavelocidade relativamenteàTerra, todososprocessosabordotornaram-semaislentos.Paraatripulação,aviagemde idaevoltaaArcturonãopareceria ter levado66anos.Paraeles,essa

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jornadateriaduradosomenteumdia.Quandoatripulaçãosaíssedanave,devoltaàTerra,descobririaquesuasesposas,queeramjovensquandodapartida, estavam agora 66 anos mais velhas ou haviam morrido. Algunsmembrosda tripulaçãoveriam seus ilhos e ilhas cercade66 anosmaisvelhos, com mais idade que eles. Não espanta que os paradoxos dosgêmeos e o do relógio tenham gerado mais perplexidade e controvérsiaquequaisqueroutrasideiasdateoriadarelatividade.Por mais absurdas que essas ideias possam parecer, o tempo

relativísticodeEinstein foi comprovado experimentalmente. Para testar oparadoxo dos gêmeos, os cientistas precisavam de um objeto com umperíodo de vida curto, que pudesse ser medido com precisão. Oexperimento tentaria então prolongar esse período de vida por meio deumaviagememaltavelocidade.Omundosubatômicodaspartículas ísicasforneceu o objeto. Muitas partículas subatômicas são instáveis, têm umaobsolescênciaincorporadaesedesintegramapósumtempodevida ixadopela natureza. Os múons, primos mais pesados do elétron, revelaram-seum exemplo conveniente. Eles se desintegram em elétrons j após umperíodo de vida de dois milionésimos de segundo. Um experimentoenvolvendo a longevidade do múon foi conduzido no CERN, o imensoacelerador de alta energia próximo de Genebra, na Suíça. Nesseexperimento, múons foram acelerados a 99,4% da velocidade da luz,enquanto se deslocavam numa órbita de 14 metros de diâmetro. Se osmúonsnão fossemafetadospela alta velocidade, ummúon típico fariade14 a 15 viagens em torno do anel antes que sua vida de doismicrossegundosexpirasse.NoexperimentodoCERN,umapartícula típicadeslocando-se em velocidadespróximas à da luz sobreviveu por temposu iciente para fazer mais do que 400 órbitas. Sua vida fora ampliadaquase30vezes,confirmandoateoriadeEinstein.

CONTRAÇÃODOCOMPRIMENTOEMALTASVELOCIDADES

EssapartedateoriadeEinsteindeclaraquecasoumobjetosedeslocassenumavelocidadepróximaàdaluz,elepareceriaparaumobservador ixo k

estar encurtando na direção do movimento. Em outras palavras, umarégua de um metro que se movesse numa velocidade próxima à da luzpareceria termenosde100 centímetrosde comprimento.A contração docomprimentoémaisumfenômenorelativísticoquepodeserdemonstrado

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porumaexperiênciadepensamentoecomprovadonolaboratório.

AUMENTODAMASSACOMAVELOCIDADE

Einstein propôs uma outra teoria de di ícil compreensão. Em velocidadespróximas à da luz, não só o tempo se torna mais lento como a massaaumenta—umcorpoemmovimentotemsuamassaaumentadaàmedidaque sua velocidade aumenta até que, na velocidade da luz, a massa setorna in inita. A concepção demassa que aumenta com a velocidade foiigualmente bem demonstrada em aceleradores de partículas. À medidaque as partículas se movem mais rapidamente, sua massa aumenta. Defato, a teoria é con irmada toda vez que um acelerador propulsionapartículas a altíssimas velocidades. No acelerador linear de Stanford emPalo Alto, Califórnia, aceleram-se partículas a velocidades próximas à daluz nos primeiros centímetros da trajetória de 3,2 quilômetros. Duranteesseprocesso,elasganhamenergiaemassadetectáveismas,éclaro,nãotêmsuavelocidademaisaumentada.Setudoissoéverdade,vocêpodeseperguntar,porqueamassadeum

automóvelnãoaumentaquandopisamosnoacelerador?Arespostaéqueo efeito damassa aumentada só é relevante para objetos que semovamem velocidades próximas à da luz. A 90 quilômetros por hora (1,5quilômetros por minuto), seu carro está andando, comparativamente àvelocidadedaluz,comoumalesma,eamudançanamassaéindetectável.Em baixas velocidades, as leis do movimento permanecem quase

exatamente como IsaacNewton as especi icou.No que diz respeito à altavelocidade, porém, o universo pertence a Einstein. Nas palavras domatemáticoHermanMinkowski, “Doravante,oespaçoporsi sóeo tempoporsisóestãocondenadosadesvanecergradualmenteatésereduziremameras sombras, e apenas alguma espécie de união dos dois preservaráumarealidadeindependente”.

“E=MC2”

Em seu artigode1905 sobre a relatividade, Einstein incluiuuma espéciede nota de rodapé matemática à teoria especial. Nesse texto, Einsteinestabeleceuarelaçãoentremassaeenergiaeforneceuumafórmulaparaa quanti icação dessa relação — a energia (E) de uma quantidade de

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matéria com determinada massa (m) é igual ao produto da massa peloquadrado da velocidade da luz (c). Essa fórmula é geralmente expressacomoE=mc2.Quandoessa ideia foi inalmente compreendida, icou claroque uma pequena quantidade demassa continha enorme quantidade deenergia.Emessência,massaéenergia imobilizada.OscontemporâneosdeEinstein questionaram essa teoria. “Você quer dizer”, perguntaram-lhe,“quehámaisenergianumpequenoblocodechumbo,porexemplo,doquenuma grandemina de carvão?” “Sim”, ele respondeu, “mas isso é apenasteoria,jáquenãohánenhummeiodeutilizaressaenergia,amenosqueseconseguissedividiroátomoeisso,comotodossabemos,éimpossível.”Einsteinsabiaquesefossepossívelliberaressaenergialentamente,de

umamaneiracontrolada,omundoteriaumanova fontedeenergia.Sabiatambémquesefossepossívelliberaraenergiasubitamente,omundoteriauma nova arma de potencial aterrador. Mas estava-se em 1905 e ospotenciais,tantoobenignoquantoomortífero,implicadospelaequaçãodeEinstein, embora teoricamente possíveis, estavam muito longe de sertecnicamenterealizáveis.Hoje,pensa-senafórmulaE=mc2sobretudoemligação com a bomba atômica. De fato, com isso deixa-se escapar oprincipalimpactodessafamosaequação.Elaéumaexplicaçãomatemáticapara o brilho do Sol e de outras estrelas. É a fórmula para a fonte deenergia da maior parte douniverso.E = mc2 foi uma notável re lexãoposterioraseranexadaàteoriaespecialdarelatividade.Hoje,éclaro,oartigoqueEinsteinpublicouem1905éaceitocomouma

enunciaçãodofatodeserarelatividadeumarealidade,enãoapenasumateoria. A relatividade especial é tão fundamental para a ciênciacontemporâneaquantoaexistênciadeátomos.

APÓSAPUBLICAÇÃODATEORIAESPECIALDARELATIVIDADE

Asnotícias sobre o trabalhodeEinstein se espalharammuito lentamentepelas universidades do mundo. Einstein continuou trabalhando nodepartamentodepatentesaté1909.Receberaváriosaumentossalariaiseagora sua posição era segura. Seu interesse, contudo, estava no mundoacadêmicoda ísicateóricaequandolheofereceramocargodeprofessorassociadodefísicanaUniversidadedeZurique,aceitouprontamente.De Zurique, Einstein transferiu-se para a Universidade de Praga onde

lhefoioferecidoocargodeprofessortitularepoucodepois,noinvernode

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1912,retornouaZurique,paraocuparumcargonaPolitécnica.Oscolegasse lembram dele nessa época como um homem feliz, encantado com osilhos, Hans Albert e Eduard. Em 1914, Einstein foi convidado para umcargonaAcademiaPrussiana, emBerlim,umaposiçãoque lhepermitiriacontinuar suas investigações, exigindo apenas que izesse preleçõesocasionais na Universidade de Berlim. Aceitou e, apesar da guerraiminente, a família semudou para Berlim.Mileva, contudo, não suportoumorar ali. Como vinha experimentando di iculdades no casamento haviaalgumtempo,eladeixouEinstein,pegouos ilhosevoltoucomelesparaaSuíça.Algunsanosdepois,essaseparaçãoforçadalevouaodivórcio.Comade lagraçãodaPrimeiraGuerraMundial, Einstein tornou-seum

crítico franco do militarismo alemão. Nessa época era um paci ista epensava que nenhuma guerra se justi icava. (Modi icou essas ideias em1930,quandoconcluiu,comrelutância,queeraprecisodeterAdolfHitler.)Em1916,emBerlim, juntou-seamovimentoscontraaguerraedistribuiupan letos nas esquinas. Sua nacionalidade suíça o protegia da retaliaçãoo icialporessasações.Duranteessetempo,ocupou-sefundamentalmenteem aperfeiçoar sua teoria geral da relatividade, que publicou inalmenteem1916,emAnnalenderPhysik,sobotítulo“Ofundamentodateoriageralda relatividade”. Ela foi denominada geral por ser uma generalização (ouextensão) da teoria especial. Ateoria geral é considerada peloshistoriadores da ciência um feito muito maior que a teoria especial, pormonumental que esta fosse. No curto documento de 60 páginas, Einsteinpostulouqueagravidadenãoéumaforça,comoNewtondissera,esimumcampo curvo no contínuo espaço-tempo, criado pela presença de massa.Compreender o que exatamente ele quis dizer com isso pode ser umdesafio,masépossível.

ATEORIAGERALDARELATIVIDADE

Durante muitos anos, a teoria geral da relatividade foi vista comoexcessivamente opaca e di ícil mesmo para a maior parte dos cientistas,quediráparanósoutros.Noentanto,nonívelnãomatemáticoemquevoudiscuti-la aqui, sugiro que essa atitude é injusti icada. Sugiro ainda quealguns episódios na história do empreendimento cientí ico são de sumaimportância para nossa herança cultural. Em vez de objetos de arte,pinturas, escultura ou música, Einstein nos deixou ideias e conceitos

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cientí icos. Esses foram o legado que nos transmitiu e ignorá-los porquenos parecem complexos seria o mesmo que ignorar uma pintura deMichelangeloouumconcertodeMozart.Einsteindemonstrousuasteoriasmatematicamente,mas,sequisermos,

podemosnos concentrarnas ideias que formamabaseda teoria, iando-nos no que elemesmo disse sobre as provasmatemáticas (e, é claro, noquedisserammuitosdos ísicosque,aolongodosanos,con irmaramseusnúmeros).OqueEinsteinestavatentandofazereragerarumateoriadagravitação

que se harmonizasse com a teoria especial da relatividade que eledesenvolvera em 1905. Nesse esforço, concebeu a ideia de que quandoalgo está em queda livre, tudo em seu interior parece sem peso. Porexemplo, quando o ônibus espacial em órbita está em queda livre nagravidade da Terra, os astronautas dentro dele se sentem sem peso. Naverdade,osastronautaspesamoque semprepesaram,mas, comoas leisque governam sua queda e a do ônibus espacial são as mesmas, elesparecem estar lutuando de um lado para outro dentro da cabine. Nãoestãocaindoemrelaçãoaoônibusespacial.Queaconteceemumaespaçonavequeestáseacelerando?Osmotores

estãoligadosegerandoumempuxo,detalmodoqueanavenãoestámaisdespencandoemquedalivre.Seanaveestiverseacelerandoàtaxade1g(umavezaaceleraçãodagravidade),umastronautaserácapazde icardepénopisodanavee sentirá seupesonormal.Alémdisso,umobjetoqueele solte vai cair em direçãoao piso. Isso ocorre porque a nave está emaceleraçãoparacimae,naverdade,oobjetoestásendodeixadoparatrás.Tudoistoé lógicoe fácildeentender.MasemseguidaEinsteindeuum

salto intelectual criativo. Comparou a situação da espaçonave emaceleraçãocomadeoutrasemelhanteemrepousonasuper íciedaTerra.Mostrouentãoquetudosepassadamesmamaneira.Ospésdoastronautaestariamcalcadossobreopiso,umobjetolargadocairiaemdireçãoaopisocomumaaceleraçãode1g.De fato, se o astronautanão tivessemeiosdeolhar para fora, não teria como distinguir uma espaçonave pousada naTerra de uma em aceleração no espaço livre. Segundo Einstein, não sepoderia realizar nenhum experimento nem fazer nenhuma mediçãocapazes de revelar a diferença (pelo menos se esses experimentos oumedições fossem con inados ao interior da espaçonave). Expressa comprecisãomatemática,comooénateoriageraldarelatividade,essaideiaéoprincípiodaequivalênciadeEinstein.

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Einstein concluiuque a razãoporquegravidadee inércia (aquiusadono sentido deestado de repouso ) parecem a mesma coisa é quesão amesmacoisa.VamosretornaraoelevadordeEinstein,acelerando-separacima no espaço numa taxa constante. Que faria um feixe de luz nesseelevador?Paraumobservadorexterno,elecruzariaacabinedoelevadornuma linha reta. Dentro dessa mesma cabine, porém, o feixe de luzpareceriacurvar-separabaixo,porqueoelevadorestáseacelerandoparacima, afastando-se dele. Einstein concluiu que se as coisas em nossoelevador em aceleração se passam como num elevador em repouso numcampo gravitacional, também a luz deve se curvar num campogravitacional. Prosseguindo a partir dessa equivalência, Einstein concluiuqueoespaço-tempodevesercurvo.

ESPAÇOCURVO

O espaço curvo não é de fato um conceito tão di ícil quanto a princípioparece. A inal de contas, a Terra é um globo esférico, em que a menordistânciaentredoispontosnãoéumalinharetacomonavelhageometriaeuclidiana de ummundo plano. Num globo, duas linhas paralelas (linhaslongitudinais, por exemplo) podem se reunir e se encontrar (nos polos).SabemosqueaTerrapareceplanaempequenaescala,masédefatocurvaemgrandeescala.Nasuper íciedeumglobo,amenordistânciaentredoispontoséoarcodeumcírculomáximo.Se,usandoumglobo,esticarmosumcordão, retesando-o tanto quanto possível, de São Francisco até Londres,eledescreveráoarcodeumcírculomáximo.

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COMPORTAMENTODEUMFEIXEDELUZNUMELEVADOREMACELERAÇÃONOESPAÇO Paraumobservadorexterno,ofeixe de luz aparece como uma linha reta. Para um observador que está dentro do elevador emaceleração,ofeixeparececurvar-separabaixo.

Paranosajudarapensarsobreoespaçocurvo,podemosimaginarumamembranadeborracha esticada e irmemente seguranasbordas. Seumobjeto pesado, como um bola de boliche, for posto sobre a membrana,formaráumadepressãonaáreadopeso.Seimaginarmosagorarolarumaboladegudesobreamembrana,veremosqueatrajetóriadelatendeasecurvaremdireçãoàdepressão.Podemospensarnagrandemembranadeborrachacomoumarededeacrobatase suporqueospesosqueusamossão estrelas, planetas ou buracos negros. Esta não é umamá imagem doespaçocurvo,masnãomostraareduçãodamarchadotempo.A curvatura do espaço é tão pequena que seus efeitos são

imperceptíveis exceto emdistâncias relativamente longas.Aopercorrer adistância de Nova York a Los Angeles, um feixe de luz se curva apenascerca de um milímetro por causa da curvatura do espaço induzida pelamassa da Terra. Numa distânciamuitomaior, porém, a curvatura émaismensurável. Quando a supernova de 1987 foi detectada, cientistascalcularamqueapequenacurvaturasofridapela supernovaenquantosedeslocavaatravésdaViaLácteaparaalcançaraTerraerasu icientepararetardar sua chegada em cercadenove meses.Não fosse a curvaturadoespaço,asupernovade1987teriasidovisívelapartirdaTerraem1986.

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OESPAÇO CURVODE EINSTEIN Imagine umamembrana de borracha com as bordas bem esticadas. Seobjetoscomoumaboladebeiseboloudebolicheforempostossobreela,formarãoumadepressãorelativaaseupeso.

SUMÁRIODATEORIAGERALDARELATIVIDADE

AessênciadoqueEinsteinmostrounateoriageralé:primeiro, gravidadeeinércia são duas palavras diferentes para a mesma coisa (o princípio daequivalência). Segundo, quando se pensa sobre o espaço, é precisoconsiderar quatro dimensões: comprimento, largura, altura e tempo. Otempoéaquartadimensãoetodoeventoquetemlugarnouniversoéum

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evento que ocorre num mundo quadridimensional de espaço-tempo.Terceiro, o espaço-tempo é curvado pela presença de massas grandescomo o Sol. Essa curvatura é o campo gravitacional. Um planeta, como aTerra, que semove em torno do Sol desloca-se numa órbita elíptica nãoporqueé “puxado”peloSol,masporqueo campo (adepressão criadanoespaço pela massa do Sol) é tal que uma elipse é o caminho mais curtopossívelqueelepodetomarnoespaço-tempo.

EINSTEIN“VERSUS”NEWTON

De maneira geral, as equações formuladas por Einstein para de inir agravidadederamresultadosconcordantescomamecânicadeNewton.Noentanto, houve diferenças. Três discrepâncias assinaladas primeiro porEinstein foramexperimentalmente con irmadas: (1)AórbitadeMercúrionãoéumaelipse ixa.(2)AluzestelarquepassanasproximidadesdoSoléde letidaduasvezesmaisqueoprevistopelamecânicanewtoniana.l (3)As marchas dos relógios dependem de sua localização num campogravitacional. Como Richard Feynman gostava de ressaltar em suaspalestras sobre ísica no Caltech.m: “Sempre que se constatou que asprevisões de Einstein diferiam das ideias da mecânica newtoniana, aNaturezaescolheuEinstein.”

UNIVERSOEMEXPANSÃO,BIG-BANGEBURACOSNEGROS

Quase imediatamente após completar as equações de campo quecon irmavam seus conceitos, Einstein percebeu que seus cálculosmostravam que o universo devia estar se expandindo. Como nãoacreditava totalmente nos próprios números — cabe lembrar que issoocorreu cerca de 12 anos antes que o astrônomo americano Edwin P.Hubble e outros provassem o fato da expansão do universo— Einsteinacrescentouumarredondamentomonumental,suaconstantecosmológica,para forçar os números a se conformarem a um universo estático. Maistardelamentouessamanipulaçãomatemática—“foiamaiorestupidezdaminhavida”,disse.Em 1922 o matemático russo Alexander Friedmann, ao resolver as

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equaçõescosmológicasdeEinstein,percebeuqueaexpansãoindicadapelafórmuladesteimplicavanecessariamenteumaexplosãonoiníciodotempo.A solução de Friedmann foi redescoberta em 1929 pelo padre GeorgesLemaîtreeporGeorgeGamow.Elespostularamateoriadequeouniversocomeçou como um grumo superdenso de matéria que, por razõesdesconhecidas, explodiu, arremessando pelo espaço o material que setransformounasestrelasegaláxias.MaistardeGamowbatizouateoriadeo“Big-Bang”.Outrateoriaqueemergiudiretamentedasconsequênciasdasequações

cosmológicasdeEinsteinfoiaconcepçãodeburacosnegros.Malsepassaraum ano da publicação da teoria geral, o astrônomo alemão KarlSchwarzschildpropôsumaexplicaçãodasequaçõesdeEinsteinquelevouao que hoje é conhecido como a solução do buraco negro. Outrosre inamentos foram feitos ao longodosanos (por J.RobertOppenheimer,HartlandSnydereJohnWheeler),masaideiadoburaconegroremontaaEinsteineSchwarzschild.

COLAPSONERVOSO

Alémdateoriageral,Einsteinpublicoudoisoutrosimportantesartigosem1917.Umdelestratavadaemissãoestimuladadeluz,umaconcepçãoqueno devido tempo iria fornecer a base para os lasers. O segundo artigotratava da estrutura do universo e é geralmente considerado a base dacosmologiamoderna.Oexercíciode todoesseesforço intelectualao longode um curto tempo teve um preço. Como Newton e Maxwell antes dele,Einsteinsofreuumcolapsonervosoemdecorrênciadoseuárduotrabalhointelectual. Sua saúde ísica também estava precária e essa fase seprolongou por vários anos. Seus males ísicos incluíam uma úlcera deestômagoque foiumproblemapelorestodesuavida.Noplanomental,ocolapso foi breve e enquanto sua debilidade ísica perdurava Einstein foinotavelmenteprodutivo.

SEGUNDOCASAMENTO

Com a ajuda de Elsa Einstein Lowenthal, sua prima em segundo grau,

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Einstein recobrou lentamente a saúde. Ele se mudara para umapartamento ao lado do dela em Berlim e a prima cuidava de sua casa,preparando todasas suas refeiçõese cuidandodeledemaneirageral.Osdois primos, que sempre haviam gostado um do outro, uniram-se muito.Em 1919, Albert, com seus 40 anos, e Elsa, com 43, se casaram. Emborafosse durar até 1936, quando Elsa morreu, esse casamento não foi nemparticularmente afetuoso, nem especialmente feliz. Já se disse que aprincipal razão que levou Einstein a se casar com a prima foi aconveniência de ter suas camisas lavadas em casa. Elsa, de sua parte,gostava de ser a esposa de um grande homem. Cuidar de Albert e sedeliciarcomafamadeleeramseusprazeres.Albert,desuaparte,gostavaque cuidassem dele e adorava as muitas festas realizadas em seuapartamento.Aoqueparece, porém,Einsteinnãoeraumhomemde fácilconvívioenem tudoeraharmonioso.Muitosanosmais tarde, escrevendoparaafamíliadeMicheleBesso,umamigodavidainteiraqueacabarademorrer, Einstein disse: “O que eumais admirava nele como ser humanoeraofatodeconseguirviverpormuitosanosnãosóempazmastambémem permanente harmonia com uma mulher — um esforço em quefracasseiduasvezesdemaneirabastantevergonhosa.”Provavelmente a principal razão porque era di ícil viver com Einstein

erasuapaixãopelotrabalho.Possuíanotávelcapacidadedeconcentraçãoe era capazde trabalhar continuamentepor várias horas oumesmodiassobre o mesmo problema. Alguns dos tópicos que o interessavampermaneciam na sua mente durante décadas. Para relaxar, voltava-sefrequentemente para amúsica e a navegação à vela,masmesmo nessesmomentos suamente estava trabalhando. Sempre levava uma cadernetano bolso para anotar qualquer ideia que lhe ocorresse. Segundo Elsacontou, Einstein costumava descer para a sala, tocaralgumas notas nopiano, parar para fazer alguma anotação e em seguida retornar ao seugabinete. Sua reputaçãodedistraídonãoépuromito. Suamulher contouquemuitasvezesoagasalhavacomseusobretudoeodeixavanovestíbulo,sóparaencontrá-loláparadomeiahoradepois,perdidoempensamentos.Discutindoseusprocessosdepensamentoaodesenvolverosprincípios

da relatividade, Einstein disse: “Por que cargas d’água fui eu quedesenvolvi a teoria da relatividade? A razão, eu acho, é que um adultonormalnuncaparaparapensarsobreproblemasdeespaçoetempo.Essassão coisas em que pensou quando criança. Mas meu desenvolvimentointelectualfoiretardadoe,emconsequência,sócomeceiaespecularsobre

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espaço e tempo depois de grande. Naturalmente, vou mais fundo noproblemaqueumacriançacomcapacidadesnormais.”

PROVAEXPERIMENTALEFAMA

Embora a teoria geral da relatividade tenha sido publicada em 1916,despertandoaatençãoeorespeitodomundodos ísicos,Einsteinsóveioaconquistar o aplauso internacional em 1919, quando a Royal Society deLondres anunciou que organizaria uma expedição cientí ica para testarumadasteoriasdeEinsteinsobcondiçõesdeeclipse.Einsteinpreviraquea luz estelar que roçasse o Sol seria desviada pela gravidade do Sol emgraumaiorqueoprevistopela ísicanewtoniana.Umeclipsesolartotaliriaocorrernodia29demaiode1919,edurantesuaocorrênciaoSolestariaposicionado contra as estrelas brilhantes do aglomerado das Híadas. Oastrônomo inglês Arthur Stanley Eddington liderou uma expedição à ilhado Príncipe, ao largo da África ocidental, para observar o eclipse. Umsegundo conjunto de observações foi feito a partir de Sobral, Brasil. Osresultados da expedição de Eddington con irmariam ou refutariam umaideiafundamentaldateoriadeEinsteinecientistasespalhadospelomundointeiroesperavamosresultadoscomconsiderávelexpectativa.Houvera uma con irmação prévia da teoria geral quando Einstein

observara um fenômeno em relação ao qual a relatividade em geralfuncionavamelhor que a teoria de Newton. Físicos e astrônomoshaviamicado intrigados pelo movimento de Mercúrio em torno do Sol. A ísicanewtonianapreviaqueopontodemáximaaproximaçãoentreMercúrioeo Sol (seuperiélio) mudaria a cada ano de Mercúrio.n Observaçõesconstataram que a atração da gravidade exercida por outros planetasestava movendo o periélio de Mercúrio, mas num grau intrigantementemaiordoqueoprevistopelateorianewtoniana.Nocursodeseutrabalhosobre a teoria geral, Einstein havia calculado o quanto o periélio deMercúriomudariaseoespaço-tempofossecurvo.ArespostacorrespondiaexatamenteàsobservaçõeseEinsteinveri icouqueestavanatrilhacerta.Masesse foraumcasoemqueprimeirovieramasobservações,depois acon irmaçãomatemática. O verdadeiro teste da teoria de Einstein seriamasobservaçõesfeitaspelosastrônomosdeEddington.É interessante comparar os comportamentos de Max Planck, o pai da

ísicaquântica,edeAlbertEinsteinnavésperadoexperimentodoeclipse.

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Planck passou a noite toda em claro para saber se os resultados daexpedição con irmariam as previsões de Einstein sobre o grau em que aluzsedesviariaaopassarpeloSol.Einstein,poroutrolado,foiparaacama.Elesabiaqueestavacerto.SobreseugrandeamigoMaxPlanck,eledisse:“Se ele tivesse realmente compreendido como a teoria geral darelatividadeexplicaaequivalênciademassa inercial e gravitacional, teriaidosedeitarcomoeufui.”Nocaso,aequipebritânicaconstatouqueograudecurvaturadaluzfoi

exatamente o previsto por Einstein. Quando Einstein recebeu umtelegrama anunciando o resultado positivo da expedição Eddington, umestudanteparaquemeleomostrou lheperguntou: “Oquevocê teriaditosenadativessesidocon irmado?”“EuteriasidoobrigadoameapiedardonossoamadoSenhor”,respondeuEinstein.“Ateoriaestácorreta.”o

FAMAMUNDIALECONTROVÉRSIA

Em1920, os sinaisdeperigoparaEinsteinnaAlemanhaeramevidentes.OcorreuumdistúrbioduranteumadesuaspreleçõesnaUniversidadedeBerlim, quando um grupo de estudantes nazistas interrompeu sua fala.Einstein tentou minimizar isso, dizendo que não houvera expressões deantissemitismo. Esse foi apenas o primeiro episódio de uma campanhaanti-Einstein cadavezmais intensamovidapelo crescentepartidonazistana Alemanha. Seu trabalho acabaria sendo condenado pelo partido como“ ísicajudia”equalquercientistaalemãoquemostrassequalquerníveldecompreensãoouaceitaçãodas teoriasda relatividadepunhaemrisco,nomínimo, sua carreira acadêmica.Nessa altura, foi publicadonaAlemanhaum livro com o títuloCem cientistas contra Einstein . O sempre con ianteEinsteinreagiurindoedizendo:“Seeuestivesseerrado,bastariaum.”Agora mundialmente famoso, Einstein era muito solicitado para

apariçõespúblicas,conferênciaseartigossobrequalquerassuntosobreoqual se dispusesse a escrever. Viajou por toda a Europa durante esseperíodoparafalarsobrerelatividade,geralmentechegandonumvagãodetrem de terceira classe, um violino debaixo do braço. Recusava muitosdesses convites porque continuava interessado em fazer novos trabalhosem ísica. No entanto, não deixou de se envolver no movimento sionista,destinadoafundarumanaçãojudaicanaPalestinaeemprestouseunomepara atividades de levantamento de fundos para o pretendido estado

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judeu. Como parte desse esforço, visitou os Estados Unidos em 1921juntamente com Chaim Weizmann, um colega cientista que mais tardeseria oprimeiropresidentede Israel.Nessa viagem, todos os políticos oucelebridades nos Estados Unidos queriam ser fotografados ao lado deEinstein. Ao desembarcar na Europa após atravessar o Atlântico comEinstein, Chaim Weizmann disse aos repórteres: “Durante a viagem,Einstein icou explicando sua teoria da relatividade paramim, vezes semconta,eagoraacreditoqueeleacompreendeucompletamente.”

PRÊMIONOBEL

Logoapósacon irmaçãoda teoriageralveiooPrêmioNobeldeFísicade1921.De fatooprêmio só foi concedidoaEinsteinem1922e, então,nãopelas teorias da relatividade mas por suas contribuiçõesà ísicamatemática e especialmente por sua descoberta da lei do efeitofotoelétrico. Pensou-se na época que o comitê do Nobel não conseguiuperceber como a teoria da relatividade havia melhorado a condição dahumanidade, algo especi icado por Alfred Nobel como condição para oprêmio. A reação de Einstein a essa honra é digna de interesse. Ele nemsequer a mencionou em seu diário ou em qualquer carta aos amigos.Algunsanosmaistarde,chegouaseesquecerdeincluí-loemumalistadashonrarias que recebera.Não é que não tivesse esperado o prêmio. Sabiaque acabaria por ganhá-lo. Na verdade, ao se divorciar da primeiramulher,Mileva,prometera-lheodinheirodoPrêmioNobelcomopensão.

OGRANDEDEBATE

No início da década de 1920, Einstein conheceu Niels Bohr, o destacadoísico dinamarquês. Nessa ocasião, deram início ao seu grande debatesobre as implicações da teoria quântica — uma controvérsia que iriaperdurarpelastrêsdécadasseguintes.Elaseriaumdosmaisimportantesdiálogos cientí icos do século XX, embora a questão fosse mais ilosó icaque cientí ica. Bohr acreditava num universo “probabilístico”, em que oacaso desempenha um papel na ocorrência dos eventos. Isso ofendia osenso de ordem de Einstein e contrariava suas crenças num universo

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“determinístico”,evidenciadasporsuastãoprofusamentecitadaspalavras:“Deusnão jogadados comouniverso.”Hoje amaioriados ísicos estádeacordocomBohr,masEinsteinnuncaseconvenceu.Em1927,duranteumavisitaaosEstadosUnidos,Einsteincompareceua

uma conferência no Observatório de Mount Wilson na Califórnia. Ali, oísico belga Abbé George Lemaître apresentou, pela primeira vez a umaprestigiosa audiência cientí ica, sua teoria de um universo em expansãoqueseiniciaranaexplosãodeumátomoprimordial(hojeconhecidacomoteoriadoBig-Bang).Einsteinlevantou-sedeumpulo,aplaudindo.Declarouqueaquelaforaamaisbelaesatisfatóriaexplanaçãodacriaçãoquejamaisouviraeapressou-seemirapertaramãodeLemaître.Comoseassinalouanteriormente,ateoriadeLemaîtreeraumresultadodiretodasequaçõesdocampocosmológico,formuladasporEinsteinem1917.O ano do cinquentenário de Einstein, 1929,marcou o início de alguns

reveses para o grande cientista. O primeiro artigo que publicara sobreumateoriaunificadadecamponãoforabemrecebido.Issonãooaborreciaexcessivamente porque o considerava um trabalho preliminar e estavaprontopara “voltaràprancheta”.Oque realmenteaborreciaEinsteinerauma tendência ameaçadora nas questões mundiais. Ataques árabes acolonosjudeusnaPalestina,acrescenteforçadosnazistasnaAlemanha,oenfraquecimentodaLigadasNações(quelevouEinsteinaabandonarseuComitê para a Cooperação Intelectual em protesto contra sua timidez), aquebra da bolsa de valores nos Estados Unidos— tudo isso pressagiavauma crise de amplitudemundial. Mais importante no plano pessoal foi ocolapso mental do ilho mais novo, Eduard. O ilho de Einstein estavasofrendo de uma esquizofrenia paranoide que duraria pela vida inteira.Milevateveasúltimasdécadasdesuavidamoldadasemgrandeparteporessefatotrágico,cuidandodo ilhoetomandoprovidênciasespeciaisparaele.EduardEinsteinadoraraopaiadistância,masagoraoacusavaportê-lo abandonado quando menino. O sofrimento de Einstein diante dessetristeeventofoiamenizado,aindaquesóligeiramente,porsuaboarelaçãocomofilhomaisvelho,HansAlbert.

ACHEGADADOSNAZISTAS

Tendo permanecido na Alemanha até 1933, quando Hitler chegou aopoder, Einstein recebeu muitas ameaças de morte e foi frequentemente

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difamadoemencontrosencenadosdecientistas“arianos”querivalizavam-se na denúncia das “falhas fundamentais da teoria da relatividade”.Einsteinconsiderouessesdesvariosantissemitas lamentáveisdopontodevistadaciência,masreconheceuquesetornaraumfocodoódionazistaequechegaraahoradedeixaraAlemanhaparasempre.Poucodepoisquepartiu,oscamisas-pardanazistasinvadiramacasadeveraneiodeEinstein,anunciando estar à procura de armas. Quando lhe contaram isso depois,Einstein,quenuncativeraumaarmanavida,achougraça.Comoelesabiamuitobem,eosnazistasnão,suasideiasnãoestavamescondidasdebaixoda cama. Mais tarde os nazistas declararam Einstein inimigo público,oferecendo um prêmio de 20.000 marcos por sua cabeça; sua casa epertencesforamconfiscados.EinsteinnãoseenganavaquantoaoperigoqueHitlerrepresentavaea

ascensão do nazismo na Alemanha o fez mudar suas ideias políticasdopaci ismoabsolutoparaumaaprovaçãocondicionaldeguerrasdefensivas.Essa mudança ilosó ica pôs em di iculdades seus defensores paci istas,queoacusaramdeviolarseusideais.

MUDANÇAPARAOSESTADOSUNIDOS

Pertodo inalde1933,Einsteinaceitouumcargono InstitutodeEstudosAvançadosemPrinceton,NovaJersey.ComElsaeumaassistentechamadaHelenDukas,quecomeçaraatrabalharparaeleem1928,mudou-separaos Estados Unidos. À época em que chegou a Princeton, era um homemvisivelmenteenvelhecido.Eracomosealgumacoisativessemorridodentrodele.Nãoriamais.Osproblemas,pessoaisemundiais,haviamcobradoseupreço.Afora algumas viagens pelos Estados Unidos, Einstein permaneceu em

Princetonatésuamorteem1955.Seus22anosdetrabalhoemPrincetonenvolveram a busca de uma estrutura matemática capaz de unir oeletromagnetismo e a gravitação — a chamada “teoria uni icada decampo”. Einstein recebeu algumas críticas por ter passado 22 anostrabalhando numproblema para o qual nunca encontrou uma solução. Ameu ver, essa crítica revela falta de compreensão do esforço cientí ico. Aessência da ciência não é simplesmente encontrar respostas, mas fazerperguntas. Hoje, uma grande escola de pensamento está reavaliando agrandeinvestigaçãodeEinstein.Épossívelqueeleestivesseenvolvidoem

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algoimportante,talvezamaiorinvestigaçãofilosóficadetodosostempos.OconsensoatualentreoscientistaséqueEinsteinestavanocaminhocerto,masteriacometidoerroscapitaiscombasenoquesesabiaentãosobreaforçanuclear.A vida de Einstein em Princeton foi tranquila e em sua maior parte

rotineira. Morava com a mulher (e, depois que ela morreu, com a irmãMaja) numa casa simples, de dois andares. Quase todas as manhãs,caminhavaatéoinstituto.Nuncateveumcarro.(Tambémnuncateveumatelevisão,oquepodelheterdadoumavantageminjustasobrenósoutrosem se tratando de re lexão constante acerca de árduos problemasteóricos.) No instituto, trabalhava em sua teoria uni icada de campo,conversava com os colegas e mantinha uma correspondência de âmbitomundial sobrequestões tanto cientí icasquantopolíticas.Desdeque suasnecessidades imediatas estivessem atendidas, não parecia se importarmuito com dinheiro. Seu salário no instituto era modesto e ele nuncaescreveu um best-seller explicandosuas teorias. Em suma, nuncacapitalizouaprópriacelebridade.Parasedivertir,tocavaviolinoevelejavaemseubarquinhonumlagolocal.Embora não envolvido ativamente em religião, Einstein possuía um

sensogenuínodoespiritual.“Aciênciasemareligiãoémanca”,disseumavez,“aopassoqueareligiãosemaciênciaécega”.Referiu-semuitasvezesa Deus em seus escritos, aludindo por vezes a ele como “o Velho”. Certavez, discutindo a relação entre ciência e religião, disse: “Sutil é o Senhor,mas não malicioso.” Parece-me que queria dizer que a natureza podeparecer ocultar segredosdos cientistas curiosos,mas esses segredosnãosão impenetráveis nem incompreensíveis. Ou seja, é di ícil mas nãoimpossívelparaahumanidadedescobrirasleisdanatureza.Einstein acabou adquirindo a cidadania americana, mas sempre se

considerouumcidadãodomundo.Levouadiantecalmamentesuapróprialinha de pesquisa teórica, fora da corrente dominante da ísica, quepassaraao seu lado.Ganhouumarde inalterável serenidadeediziaqueentre seus amigos europeus era conhecido como o “Grande Rosto dePedra”. Nem a morte da mulher em 1936 pareceu perturbar sua calmaaparente.

FISSÃODOÁTOMO

Em1939,NielsBohr levouaEinsteinanotíciadequeo ísicoalemãoOtto

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Hahnhaviadivididooátomodeurânio.LiseMeitnerhaviatrabalhadoemestreitaligaçãocomHahnantesdeserobrigadaafugirdosnazistas,eforaela,quenaquelemomentomoravanaSuécia,quemdivulgaraainformaçãode que era possível dividir o átomo. Bohr sugeriu que se fosse possívelrealizaruma issãocontroladadeátomosdeurânioporreaçãoemcadeia,isso poderia produzir uma explosão colossal. Einstein não se convenceu,masoutros ísicosjácomeçavamapensarnaviabilidadeda issãoatômicaeatemê-la.No verão de 1939, o excêntrico ísico húngaro Leo Szilard— outrora

assistente deEinstein no InstitutoKaiserWilhelm, naAlemanha—e seucolega Eugen Wigner foram à procura de Einstein em seu chalé deveraneio emLong Island,NovaYork, e lhe transmitiram seus temoresdeque cientistas nazistas pudessem estar trabalhando no desenvolvimentodeumabombaatômica.Convencidodoperigo,Einsteinassinouacartaaopresidente FranklinD.Roosevelt queeleshaviamtrazidoconsigo.AcartaforaescritaporLeoSzilard,maseleeWignersabiamqueserianecessáriooprestígiodeEinsteinparaproduzir alguma reaçãode altonível. Szilardandoucomacartanobolsodurantemesesantesdecon iá-laao inancistaAlexanderSachs,quedeveriaentregá-laemmãosaopresidente.Atéhojeos historiadores se referem a esse documento como a cartaEinstein/Roosevelt, mas o próprio Einstein declarou: “Na verdade atueiapenascomoumacaixapostal”.Diziaacarta:“AlgunstrabalhosrecentesdeE.FermieL.Szilardlevam-

me a antecipar que o elemento urânio pode ser convertido numa nova eimportante fonte de energia no futuro imediato…. Esse fenômenoconduziria também à construção de bombas….” Esta foi a recomendaçãoque levaria ao início do Projeto Manhattan. Einstein não teve nenhumaparticipaçãonoprojetodeconstruçãodabombadeLosAlamos,tampoucosoube, antes de Hiroshima, que uma bomba de issão nuclear havia sidoconstruída.

ÚLTIMOSANOS

Depois da Segunda Guerra Mundial, Einstein se uniu aos cientistas quebuscavammaneirasde impedirqualqueruso futurodabomba.Estimuloua formaçãode umgovernomundial sobuma constituição esboçadapelosEstados Unidos, a Grã-Bretanha e a União Soviética. Mais uma vez, o ex-

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recluso estava no palco mundial, mas suas ideias foram consideradasingênuas por muitos e ele foi visto como um velhinho bem-intencionadoquedevotavaseusúltimosanosàtentativadelevarharmoniaaummundoquenãoestavaprontoparaapaz.Em1952,ofereceram-lheapresidênciadeIsrael,umcargobasicamente

formal. Einstein declinou o convite, alegando estar velho e fraco demaispara se mudar para Israel. Houve no Knesset quem se inquietasse comesseoferecimento.TalvezaessaalturaEinsteinestivessedesiludidocomapolítica. “Equações são mais importantes para mim”, disse ele uma vez,“porque a política é para o presente, mas a equação é algo para aeternidade.”Suasaúdeestavaagoradeterioradaatalpontoqueelenãopodiamais

tocarviolinoouvelejaremseuqueridobarco.Em19deabrilde1955,aos76 anos, Einstein faleceu durante o sono no Hospital Princeton. O últimodocumentoqueassinouantesdemorrerfoiumaproclamaçãocontraousodearmasnucleares.Einstein foimaisqueumcientista,maisqueum ilósofoemaisqueum

estadista mundial. Ele havia admitido sua própria posição na história dafísicaereconhecidoseueminentepredecessorem1949,quandoescreveu:“Newton, perdoe-me; você encontrou o que na sua época era

praticamente o único caminho possível para um homem com os maiselevados poderes de pensamento e criatividade. Os conceitos que vocêcriouestãoguiandonossopensamentoemfísicaatéhoje,emborasaibamosagora que terão de ser substituídos por outros ainda mais afastados daesfera da experiência imediata, se pretendermos uma compreensãomaisprofundadasrelações.”Talvezalgumdia,umjovemeatrevido ísicovenhaaescrever:“Einstein,

perdoe-me, você encontrouo quena sua época erapraticamente o únicocaminho possível para um homem com os mais elevados poderes depensamento e criatividade.” Ainda não aconteceu. Desde que nossa eraespacial se iniciou, dezenas de experimentos testaram a relatividade,principalmente veri icando previsões nela baseadas, e a teoria nuncafalhou. Tampouco foi substituída por uma teoria mais poderosa daarquiteturadouniverso.TransmissõesderádiofeitasapartirdenavesenviadasaMarte,Vênus

eMercúriore inaramasmedidasdacurvaturadaluzpeloSol, levando-asa um grau de precisão de 0,1%, a partir de cerca de 20% em 1919. Adescoberta dos pulsares em 1974 proporcionou aos cientistas uma nova

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referência demedida. (Pulsares são duas estrelas extremamente densasquegiramrapidamenteumaemtornodaoutra,emitindoumsinalderádioa intervalos de 59milésimos de segundo.) Usando os pulsares como umrelógio celeste, os cientistas con irmaram a distorção do tempo, previstopelateoriaespecial,eadistençãogravitacionaldasondasluminosasrumoàcorvermelha,previstopelateoriageral.Num experimento ainda não realizado, a Universidade de Stanford

planeja pôr em 1999 quatro giroscópios extremamente precisos numsatélitequeteriaumaórbitapolar.Seateoriageralestivercorreta,comoamaioria dos cientistas acredita, os giroscópios vãomudar seu ângulo emrelaçãoaestrelasdistantesporumaminúscula fraçãodeumgrauacadaano.Issotudonãosigni icaquea ísicacomociênciaestejaencerrada.Como

vimos,a teoriageraldiz respeitoauma forçadanatureza—agravidade—,masnão incorporaasoutras forçasnaturaiscomooeletromagnetismoe as forças que mantêm os átomos coesos. A buscade uma teoria maiscompleta, que vincule a relatividade geral aoquantum de relatividade,prossegue.Mesmoquesomenteosmatemáticose ísicosquedominaramasteorias

darelatividadeestejamemcondiçõesdecompreendê-lasplenamente,nósainda podemos apreciar o sucesso monumental de Einstein — eletransformouparasempreomodocomocontemplamosouniverso.

Perfilbiográfico

1879 NasceuemUlm,Alemanha

1902 Nãoconseguindoumcargoacadêmico,foitrabalharcomotécniconoDepartamentodePatentesdaSuíça,emBerna.

1905

Publicoucincoartigoscientíficos,entreosquaisodateoriaespecialdarelatividadeeumadendoquediziaqueenergiacontidaporumcorpoéigualàsuamassavezesavelocidadedaluzaoquadrado(E=mc2).

1911Formulouoprincípiodaequivalência,queequiparagravidadeeaceleração,umapedraangularnateoriageraldarelatividade.

1914Mudou-separaBerlimparaassumirumcargonaAcademiaPrussianadeCiências.

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1916 Publicouseumaisfamosoartigo,“Ofundamentodateoriadarelatividadegeral”.

1919

Eclipsesolarforneceaastrônomosbritânicosaprimeiraconfirmaçãodequeoespaçoécurvadopelagravidadeequealuzsecurvanapresençadeumagrandemassa,comoEinsteinprevira.

1922Recebeu,umanomaistarde,oPrêmioNobeldeFísica,nãopelasteoriasdarelatividade,masporseutrabalhosobreoefeitofotoelétrico.

1933

Apósrepetidosataquesdenazistas,deixouaAlemanhaefoiparaosEstadosUnidos.AssumiuumcargonoInstitutodeEstudosAvançadosemPrinceton,NovaJersey,ondepassouaresidir.

1939AssinouumacartaaopresidenteRoosevelt,chamando-lheaatençãoparaopotencialdeumbombaatômica,noquefoiseuúnicoenvolvimentonoProjetoManhattan.

1955 FaleceuduranteosononoHospitalPrinceton.

aHaviaumajovemgarotachamadaMissBright,Queconseguiaviajarmuitomaisrápidoquealuz.Umdiaelapartiu,Deumjeitoeinsteiniano,Echegoudevoltanavéspera.bOautorrefere-seaoconjuntodelinhasdeforças.(N.R.T.)cO autorbusca aqui, atravésdeumaanalogia, levaro leitor a imaginar comoas cristasdeondaseletromagnéticas seriam visualizadas. Ao contrário das ondas oceânicas, as cristas das ondaseletromagnéticas podem se distanciar uma das outras por distâncias diversas, varrendopraticamentetodososvaloresimagináveis.(N.R.T.)dEstaúnicacarta,umbilhetecomodizoautor, foientretantomuitosigni icativa,poisMaxPlanckeraumdosmaiores ísicosdeseutempoeoiniciadordateoriaquântica,tãooumaisrevolucionáriaqueaprópriateoriadarelatividade.MaxPlanckéestudadonocapítulo3(N.R.T.)e Esta restrição, na verdade, aplica-se à velocidade da luz no vácuo. Em outrosmeios, onde a luzviaja a velocidades menores, podemos ter objetos movendo-se mais rapidamente do que a luz.(N.R.T.)fEmrelaçãoàTerra.(N.R.T.)gTodacurvaenvolveumaforça.(N.R.T.)hRelativoaumdadoobservador.(N.R.T.)iUmano-luzéadistânciaquealuzpercorreem1ano.Seuvaloré9,461X1012km.(N.R.T.)jOmúondesintegra-seemumelétron,umneutrinoeumantineutrino.(N.R.T.)kOuseja,umobservadoremrelaçãoaoqualoobjetoestásemovendonumavelocidadepróximaadaluz.(N.R.T.)lEm1803oastrônomoJohannGeorgvonSoldnerpublicouumartigoondecalculavaquealuzde

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umaestrelaquepassavaraspandoosolsofreriaumdesviodesuatrajetóriaiguala0,875segundosde arco (3.600 segundos correspondem a um grau). Soldner utilizou amecânica newtoniana e ateoriaquesupunhasera luzconstituídadecorpúsculos.Em1911Einsteinutilizouoprincípiodaequivalência e determinou que um raio de luz que passasse raspando o sol deveria sofrer umdesvio de sua trajetória igual a 0,875 segundos de arco (omesmo valor encontrado por Soldnercerca de cem anos antes). Somente em 1915 Einstein empregou a teoria da relatividade geral ecalculouqueodesviodeveriaserde1,75segundosdearco(odobrodocalculadoanteriormente).É importante notar que Einstein desconhecia o trabalho de Soldner e que qualquer teoria dagravitação que seja compatível com o princípio de equivalência deve prever o desvio da luz aopassar perto do sol (ou de outro corpo que possua massa). A teoria da relatividade geral,entretanto,prevêumespaçocurvo,queéoresponsávelpelomaiorvalordodesviodaluz.(N.R.T.)mInstitutodeTecnologiadaCalifórnia.(N.R.T.)nMercúrioleva88diasterrestresparacompletarumarevoluçãocompletaemtornodoSol.EsteéovalordoanodeMercúrio,significativamentemenordoqueoanoterrestrede365dias.(N.R.T.)o EinsteinestevenoBrasil, de regressodaArgentina, em1925.Durante suaestadavisitouváriasinstituições, inclusiveoObservatórioNacional,quandoencontroumembrosdaexpediçãoaSobral,CE,paraaobservaçãodoeclipsesolarde1919.NoBrasil,Einsteinescreveu:“Aquestãoqueminhamenteformulou,foirespondidapeloradiantecéudoBrasil.”(N.R.T.)

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CAPÍTULOTRÊS

MAXKARLERNSTLUDWIGPLANCK

Écomoseumapessoapudessetomarouumagarrafadecervejaoucervejanenhuma,masfosseimpedidaporumaleidanaturezadetomarqualquerquantidadedecervejaentrezeroeumagarrafa.

GeorgeGamowsobrefísicaquântica

A expressão ísica quântica parece um pouquinho assustadora a muitosnão cientistas. Não precisa ser assim. Embora as implicações da teoriasejamcomplicadas,oconceitopropriamenteditoédeentendimentoquasetãofácilquantoaanalogiadeGeorgeGamow.Poroutrolado,pode-sedizerque o impacto dessa teoria na ísica é comparável ao da relatividade.Emboramuitos cientistas tenhamse tornado famosospor aplicar a teoriaquântica a diferentes fenômenos, um único homem foi responsável pelaorigem dessa doutrina radical, um homem que só foi um revolucionáriomuitoacontragosto.A ísica quântica começou no dia 14 de dezembro de 1900, quando o

Herr Professor Max Karl Ernst Ludwig Planck, ísico então com 42 anos,apresentou um novo e estranho conceito à imponente assembleia daSociedadeAlemãdeFísica.Essedia seria consideradomais tarde comoadatadenascimentodoquantum.Na preleção que fez esse dia, Planck, com sua falamansa, apresentou

um exercício matemático que elucidava um fenômeno que vinhaatormentando os estudiosos da termodinâmica havia anos. Explicou porque a energia térmica nem sempre é convertida em luz ultravioletainvisível. Em si mesmo, isso não parece um feito revolucionário mas, noprocessoda investigaçãodesse fenômeno, Planckhavia descoberto que amatéria absorve energia térmica e emite energia luminosa de maneiradescontínua—emoutras palavras emquantidades discretas.Mais tardeelechamouessesfragmentosdequanta,dapalavralatinapara“quanto”.Apartirdessadescoberta,arevoluçãoquânticanafísicaestavaemmarcha.

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OCIENTISTADOCIENTISTA

Sobmuitosaspectos,avidadeMaxPlanckapresentaumnotávelcontrastecom as de Newton e Einstein. Enquanto Newton e Einstein foramconsideradosgêniosporquasetodos,Planckfoiumcientistaconscienciosoediligente.Não foinenhummeteoronocéunoturnoda ísica.Alémdisso,enquantoNewtoneEinstein forammisantropos,Planck foiumestimadoerespeitado administrador acadêmico. E, em que pese a ideia corrente dequea ísica exige tantodo intelectoqueosquedela seocupamprecisamfazersuascontribuiçõesaosvinteepoucosanos,Plancksóveioaimprimirsuamarcamaisnotávelnahistóriadafísicaaos42anos.Planck nasceu em 1858 em Kiel, Alemanha, o sexto ilho de Wilhelm

Planck,umprofessorde jurisprudêncianauniversidade local. Suamãe, asegunda mulher de Wilhelm, vinha de uma longa linhagem de pastores.MaxPlanckpoderiaterherdadoalgunsdostalentosdopai,entreosquaisacapacidadedeexaminargrandenúmerodeindíciosedistinguirosfatosrelevantes dos irrelevantes. Se essa in luência foi signi icativa ou não, ain luênciadeumasólidaeinstruídafamíliadeclassemédiaaltapodesemdúvida ser percebida em sua carreira. Os Planck tinham a educação, aculturaeosvaloresfamiliaresemaltoapreçoelegaramtudoissoao ilho.As cartas de Planck nos permitem vislumbrar o estilo de vida da família.Elas falam de férias passadas na estação de veraneio de Eldena, nomarBáltico, jogando croqué na relva, de noites dedicadas à leitura deromancistas como SirWalter Scott, e de peças teatrais e sarausmusicaispromovidospelosmembrosdafamília.

TEMPODEESTUDANTE

PlanckcursouosecundárionoMaximilianGymnasium,emMunique,ondeseu interesse pela ciência foi despertado. Ele atribuía a seu professor dematemática, HermannMuller, omérito de ter sido o primeiro a lhe fazerentenderosigni icadodasleisda ísica.Aointroduziraleidaconservaçãoda energia, por exemplo, Muller usava a imagem de um pedreiro queempregagrandequantidadedeenergiaparaerguerumpesadoblocodepedra. Explicava que a energia assim usada não é perdida e simarmazenada na pedra até que ela seja removida e caia na Terra. Esse

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princípio impressionou Planck por representar um absoluto — uma leifundamental da natureza. Desse momento em diante, relata Planck emsuasmemórias, a busca de leis fundamentais da natureza pareceu-lhe amaisnobreinvestigaçãoqueumcientistapodiaempreender.Como foi mencionado antes, Planck não era um prodígio. Seus

professores no Maximilian Gymnasium o classi icavam como um dosmelhores alunos, nunca como o primeiro da classe. Não percebiam nelenenhumbrilhantismooucapacidadeespeciais,excetosuaatitudepessoaleextrema diligência. Seus dotes sociais, por outro lado, deviam ser deprimeira ordem, pois era o preferido tanto dos colegas quanto dosprofessores.Apósse formarnoGymnasiumem1874,Planckaindanãodecidiraem

que área queria continuar seus estudos. A essa altura, manifestaraconsideráveltalentoemmúsica,comexcelentedesempenhonopianoenoórgão. Vinha considerando seriamente uma carreira musical até queprocurouosconselhosdeummúsicopro issionalsobreaescolha.“Sevocêprecisaperguntar”, respondeu-lhe o músico, “é melhor estudar algumaoutracoisa!”Finalmente Planck resolveu fazer um curso de graduação na

UniversidadedeMunique, ingressandodepoisnaUniversidadedeBerlim.Estudou ísicaexperimentalematemáticaeapóssetransferirparaBerlimteveaoportunidadedeassistiràsaulasdedois ísicosderenomemundial,Herman von Helmholtz e Gustav Kirchhoff. Planck atribuía a esses doiscientistasodespertardeseu interessepelatermodinâmica.Nãodiziaquehaviamlheensinadograndecoisa,mas,assombradocomareputaçãoquetinham, queria ser como eles, iguras respeitadas da comunidadeacadêmica. Helmholtz e Kirchhoff não davam aulas particularmentebrilhantes e Planck via seu interesse pelaciência oscilar durante suasenfadonhas preleções. Como Newton e Einstein antes dele, Planckentregou-seaoestudoindependentedosassuntosqueointeressavam.Foiassim que veio a descobrir os tratados de termodinâmica de RudolfClausius.Ficouimpressionadotantocomoestilopuroquantocomaclarezade raciocínionaobradeClausius epassou a sededicar à termodinâmicacomo seu campo principal. O estudo da segunda lei da termodinâmicatornou-se o tema da dissertação de doutorado que apresentou emMuniqueem1879.ElesedecidiupelatermodinâmicaadespeitodofatodePhilipp von Jolly, seu professor na Universidade de Munique, o teraconselhado a não tentar uma carreira em ísica, alegando que a

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descoberta da termodinâmica havia completado a estrutura da ísicateórica. Planck respondeu a Jolly que não tinha omenor desejo de fazerdescobertas, tudo que queria era compreender e talvez aprofundar osfundamentosexistentesdafísica.

OPROBLEMADAENTROPIA

A dissertação de Planck examinou os dois princípios da termodinâmicaclássica. O primeiro enuncia a conservação da energia; o segundoestabeleceumadireçãonotempomedianteade iniçãodeumaquantidadechamadaentropia, que aumenta em todos os processos ísicos reais. Aentropia pode ser de inida como uma medida do grau de desordem oucomo a tendência ao colapso existente em todo sistema ísico. O efeito daentropia crescente é que as coisas evolvem de um estado de ordemrelativaparaumdedesordem, e essadesordemé acompanhadadeumacrescentecomplexidade.AsideiasdePlancksobreaentropiaesuaspropostasdeexperimentos

a realizar nesse campo não impressionou os eminentes orientadoresacadêmicos. Planck a irmava que o professorHelmholtz nem sequer lerasuadissertaçãoesugeriatambémqueKirchhoff,emboraativesselido,nãoaapreciara.NemmesmoRudolfClausius,ainspiraçãodePlanck,mostraraomenor interesse e uma cópia da dissertação que lhe fora enviada paracomentários icou sem resposta. Em suma, uma estreia pouco auspiciosaparaumhomemqueiriatransformarfundamentalmenteafísica.Planckacolheuareaçãoàsuadissertaçãocomaserenidadequelheera

peculiareretomouseutrabalhocomzeloaindamaior.É verdadequesuacarreira acadêmica sofreuumatrasodedois anospormotivodedoença,masem1879foi-lheconcedidoodoutoradosummacumlaude.Em1880ele ingressouno corpodocentedaUniversidadedeMunique

comoprofessorassociadoecincoanosmaistardefoidesignadoprofessortitularnaUniversidadedeKiel.Maisoumenosnamesmaépoca,conheceuumjovemestudantede ísicachamadoWilhelmWienqueseriaseuamigoe colaboradorpormaisde40 anos.O trabalho experimental e teóricodeWien é que iria fornecer mais tarde o ponto de partida para a maisimportantecontribuiçãodePlanckàciência.Em1889,oex-orientadordePlanck,GustavKirchhoff,faleceu,deixando

vagaa suacátedranaUniversidadedeBerlim.Nessaaltura,Hermanvon

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Helmholtz, ooutroorientadordePlanck,haviapassadoaadmirar tantoatenacidade do jovem quanto o trabalho que ele estava produzindo.HelmholtzcontribuiuparaquePlanckobtivesseacátedradeKirchhoff.AliPlanck icaria, granjeando pouco a pouco reconhecimento, honras efinalmenteafamamundial,atéseaposentarem1926.Foi naUniversidade deBerlim que certo dia, tendo esquecido emque

saladeveriadaraula,Planckdeuumpuloàsecretariadodepartamentoeperguntou: “Por favor, podemedizer emque sala oprofessorPlanck vaidar aula hoje?” “Melhor não ir lá, rapaz”, respondeu-lhe um funcionáriocom irmeza. “Você é jovemdemais para compreender as aulas de nossodoutoprofessorPlanck.”

CORPOSNEGROS,CATÁSTROFEULTRAVIOLETAEQUANTA

Instaladoemsuacátedra,Plancksevoltouparaoproblema ísicoclássico,suscitadopelaprimeiravezporKirchhoff,daradiaçãodocorponegro.Umcorponegro éumobjeto teóricoqueabsorve todasas frequênciasda luz;por isso, quando aquecido, deveria irradiar todas as frequências da luz.Havia, contudo, um problema com a teoria do corpo negro. O número dediferentesfrequênciasnafaixadealtafrequênciaémaiorquenafaixadebaixa frequência. Se um corpo negro irradiasse igualmente todas asfrequências de radiação eletromagnética, praticamente toda a energiaseria irradiada na faixa de alta frequência. Essa situação teórica foichamada de acatástrofe ultravioleta porque a mais alta frequência deirradiação no espectro da luz visível é violeta e por consequência,teoricamente,umcorponegroaquecidodeveriairradiarunicamenteondasluminosasultravioleta.Eudisse “situação teórica”porquena realidade ascoisas não se passavam dessa maneira (essa era a “catástrofe” daexpressão)eateoriadafísicadaépocanãoeracapazdeexplicarporquê.Lancemos um rápido olhar sobre o contexto do problema. Embora

soubessem que as coisas quentes irradiam e que o fazem em diferentescoresàmedidaquesãoaquecidas,osfísicosnãoconheciamaexatarelaçãoentre calor e luz irradiada. A luz do sol produz um espectro de coresequilibrado, e quantidades iguais de todas as cores fazem com que elapareçabranca,ousemcor.Quandoaluzsolarpassaatravésdeminúsculosprismasfeitosdegotículasdeágua(pingosdechuva),adispersãodecores

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resultanteéchamadadeespectroluminoso.Estudosmostraramqueacorcaracterística de todo os objetos muda de uma maneira previsível àmedidaqueeleélentamenteaquecido.Umferreteaquecido,porexemplo,brilha inicialmente vermelho. Em temperaturas mais elevadas, começa airradiar laranja-amareloeemtemperaturasaindamaisaltas, irradiaazul.Quanto mais quente ica um objeto, mais branca é a sua cor e maisequilibradooseuespectro.Os ísicos concluíram que a conexão entre a temperatura de um

materialeacorqueeleemitedeviaserdenaturezamecânica.Sabiamquetemperaturas mais elevadas produzem maior energia cinética oumovimentosmais rápidos.Numnívelmais fundamental, isso signi icaqueos átomos estão se movendo ou oscilando de um lado para outro maisrapidamente.Destesfatos,resultavaqueasdiferençasdecoremmateriaisemdiferentestemperaturaseramdeterminadasdealgumamaneirapelosmovimentos dos átomos que compunham o material aquecido. Os ísicosconcluíram tambémque a frequência da luz em diferentes temperaturasdeviaser igualà frequênciadasvibraçõesdosátomosnomaterial.A inal,Maxwell mostrara que uma onda luminosa é na realidade oscilaçãoeletromagnética. Assim, parecia plausível que as diferentes cores da luzemitida por um objeto aquecido fossem causadas por diferentesfrequências de vibração. Pensava-se, por exemplo, que a luz vermelhatinhaumataxaoufrequênciadevibraçãomaisbaixaquealuzazul.Como icaclaroporestaexplanação,ateoriadominantenaépocaparaa

compreensão dos objetos aquecidos radiantes e as cores que emitiamfundava-senade iniçãoondulatóriadaluz. Segundoessateoria,aenergialuminosa emitida por um corpo radiante teria maior tendência a serirradiadanumafrequênciamaisaltaquenumamaisbaixa.Arazãodissoéa relação direta existente entre a frequência de uma onda e seucomprimento. Quanto mais alta a frequência de onda, mais curto seucomprimento. Pensava-se que as ondas luminosas com comprimentos deonda muito curtos (frequências muito altas) prevaleceriam. Isso porqueondas curtasdisporiamdemaismeiosde se inserir emqualquer volumede espaço do que ondas longas. O signi icado disso era que um ferreteaquecidoaorubronãodeveriaemabsolutoservermelho,masazul.Alémdisso, um ferro que irradiasse azul não deveria ser azul, devendo antesestar irradiandona faixaultravioleta,de frequênciarealmentealta,sendooultravioleta,éclaro,umacorquevibranumafrequênciamaisaltaqueovioleta e é invisível ao olho humano. Em outras palavras, todo objetoaquecido deveria emitir sua energia eletromagnética acima das

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frequênciasultravioleta.Ofatodequenarealidadeobjetosaquecidosnãoemitiam suas energias exclusivamente nas frequências mais altasconstituía a chamada “catástrofe ultravioleta”. Era uma catástrofe porqueLord Rayleigh, a maior autoridade da época nos campos docomportamentodo someda luz, haviaprevistoque todoobjeto aquecidologo emitiria toda a sua energia em frequências acima do visível, e osdadosexperimentaisnãocorrespondiamàsteoriascorrentes—coisaqueé sempre um problema em ciência. Hoje em dia, os cientistas tendem achamar esse fenômeno de “a anomalia ultravioleta”. Encontrar a soluçãopara esse enigma foi o desa io queMaxPlanck aceitou, sem suspeitar naocasião de que encontraria uma solução que haveria de revolucionar osconceitosdafísicaclássica.Muitos desenvolvimentos modernos em ísica têm sido ligados a

investigaçõesdaspropriedadesdaradiaçãoquesedeslocaatravésdeumespaçovazioe,emparticular,comasrelaçõesdessaspropriedadescomamatéria.A radiação édescrita em termosde seu comprimentodeonda efrequência, isto é, a distância entre duas cristas de onda sucessivas e onúmero de cristas que chegam por segundo. Quando o comprimento deonda é curto, a frequência é alta, e vice-versa.Várias formasde radiaçãocompõem o espectro eletromagnético, de ondas de rádio comcomprimentos de onda muito longos (frequências muito baixas) a raiosgamacomcomprimentosdeondamuitocurtos(frequênciasmuitoaltas).Todos os objetos irradiam energia. Quantomais quentes,mais energia

irradiam.Vocêeeu,porexemplo,emitimoscercade200 wattsderadiaçãona região infravermelha invisíveldoespectro.Todososobjetosabsorvemenergiadeseuambiente.Seatemperaturadoobjetoémaisaltaqueadoambiente, ele se esfria, porque irradia mais energia do que absorve. Otermo técnicocorpo negro signi ica um absorvedor ideal, aquele queabsorve 100% da radiação que sobre ele incide. Ademais, esse corponegro ideal deve, quando aquecido, irradiar todo tipo de radiação tantoquanto possível, mais do que o faria qualquer outro tipo de objeto namesmatemperatura.

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ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO Energia irradiada em termos de comprimento de onda e frequência.Quandoocomprimentodeondaécurto,a frequênciaéalta,evice-versa.Quantoaocomprimentodeonda, as formasde radiação variamdemenosqueumbilionésimodeummícronno casodosraiosgamaamuitosquilômetrosdecomprimentonocasodasondasderádio.

Quandofrio,umcorponegroparecenegroporquenãore letenenhumaluz. Por isso os ísicos gostam de usar esse corpo ideal como um padrãoparamedirradiaçãoemitida.Departicularinteressenotocanteàradiaçãodeumcorponegroéoespectrodecoresdaluz,istoé,quequantidadedeluz ele emite nos vários comprimentos de onda. À medida que égradualmente aquecido, um objeto emite primeiro uma foscaincandescência vermelha, depois, à medida que vai se aquecendo, umvermelho luminoso, depois amarelo, depois branco azulado e por imbrancobrilhante.Essedeslocamentoao longodoespectro signi icaque, àmedidaque a temperatura se eleva, a intensidademáximada luz está semovendodoinfravermelhoparaovermelho,paraoamarelo,paraoazul.

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Em 1893, o ísico Wilhelm Wein, amigo de Planck, desenvolvera umateoria que produzira uma expressão matemática para a distribuição deenergia da radiação do corpo negro, isto é, a quantidade de energiairradiada em cada comprimento de onda particular. Essa teoria forneciauma fórmula que descrevia com precisão a distribuição da radiação daenergia na extremidade violeta do espectro, mas, muito estranhamente,nãonaextremidadevermelha.EssaeraasituaçãoquandoPlanckcomeçoua examinar a questão da catástrofe ultravioleta. As melhores teoriasdisponíveiseramcapazesdeexplicarumametadedaradiaçãoouaoutra,nãoasduasaomesmotempo.A essa altura Planck havia aceitado, embora com relutância, a teoria

atômica. Sabiaque todamatéria era compostadeátomos individuais, quenaquele tempo se supunha serem os tijolos básicos da edi icação danatureza. A energia, por outro lado, era concebida como contínua,irradiada em ondas; assim, por exemplo, os ísicos falavam de ondas decalor,desomoudeluz.Em 1900, Planck constatou que, para explicar a radiação do corpo

negro, tinha de introduzir uma ideia completamente nova. Sugeriu que aenergia, como a matéria, existia em pequenas unidades ou pacotes.Chamouaunidadederadiaçãodeenergiadequantum(apartirdapalavralatinapara“quanto”)ou,noplural,quanta.Poranalogia,podemosconsiderarqueoquantumdamoedanosEstados

Unidos é a moeda de um centavo, openny. Não temos nenhumadenominação menor para dinheiro. Uma compra pode envolver várioscentavos e poderia até incluir apenas um, mas seria inteiramenteimpossível comprar alguma coisa por uma fração de centavo. Planckmostrou que a energia só se manifesta em unidades fundamentais,indivisíveis, e que essas unidades só são ajustáveis em degraussequenciais. Quando a energia de qualquer tipo de radiaçãoeletromagnéticamudadeumvalorparaoutro,elaofazemsaltosdiscretos(saltosquânticos),nãohavendonenhumvalorpossívelentreeles.Planck soube o quanto sua ideia era revolucionária assim que a

concebeu. No mesmo dia, levou o ilho pequeno para um passeio e lhedisse:“TivehojeumaideiatãomagníficaquantoaquelasdoNewton.”Planck postulou que a radiação só pode ser absorvida em números

inteiros dequanta. A partir disso, demonstrou que a quantidade deenergia numquantum depende do comprimento de onda da radiação.Quantomais curto o comprimento de onda,mais energia tem oquantum.Em outras palavras, o conteúdo de energia doquantum é inversamente

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proporcionalaocomprimentodeonda.O trabalho de Planck mostrou que umquantum de luz violeta

(comprimento de onda curto, frequência alta) teria de conter duas vezesmais energia que umquantum de luz vermelha (comprimento de ondalongo, frequência baixa). Consequentemente, quando um corpo negroirradia,elenãotendeaemitirigualmentetodososcomprimentosdeonda.Frequências baixas são facilmente irradiadas porque só é preciso juntaruma pequena quantidade de energia para formar umquantum deradiação de baixa frequência. A emissão de radiação de frequênciamaisaltaexigemaisenergia,eémenosprovávelqueaenergiaadicionalpossaseracumulada.Emoutraspalavras,quantomaisaltaéafrequência,menosprovável é a irradiação. Embora as frequências altas sejammuitas, suasexigências de energia quântica tornam sua radiação improvável e aconclusãoéqueacatástrofeultravioletasimplesmentenãoexiste.

ACONSTANTEDEPLANCK

Equações formuladas com base na teoria quântica de Planck explicaramprecisamente a radiação de um corpo negro em ambos os extremos doespectro.O feitodePlanck foi relacionarmatematicamenteo conteúdodeenergia de umquantum à frequência da radiação. Se tanto a frequênciaquanto o conteúdo de energia doquantum fossem inversamenteproporcionais ao comprimento de onda, os dois seriam diretamenteproporcionaisumaooutro.Planckexpressouessarelaçãopormeiodesuahojefamosaequação:

E=hf

Umquantum de energia,E, é igual à frequência, f, da radiação vezes aconstantedePlanck,h.Essaconstante,h,queéumnúmeroextremamentepequeno, é reconhecida atualmente como uma das constantesfundamentaisdouniverso.Repetindo,oscomprimentosdeondapequenos(altas frequências) requerem mais energia. Em qualquer temperaturadada, somente determinada quantidade de energia está disponível. Porisso,asaltasfrequênciastêmmenorprobabilidadedeseremitidas.NãoésóaconstantedePlanckqueépequena,oquantumtambémé.As

unidades de radiação são tão pequenas que a luz, por exemplo, é

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percebidacomocontínua, tal comoamatéria comumnosparececontínuaaindaque saibamosque ela é composta de unidades discretas chamadasátomos.Seaquestãodaradiaçãodocorponegro,quelevouàteoriadosquanta,

fosse a única que esta pudesse resolver, a teoria quântica não teriapassado de uma curiosidade. Foi a utilidade que a teoria quânticaapresenta em muitas diferentes áreas da ísica que a tornou tãoimportante.A despeito de sua importância, a teoria quântica causou pouca

impressão nos ísicos quando anunciada pela primeira vez em 1900. Opróprio Planck não acreditava realmente nela, suspeitando de que osresultados que obtivera podiam ser o produto de arti ícios matemáticossemnenhumarelaçãoverdadeiracomanatureza.Naverdade,suaprópriateoriaoperturbava.Nãoqueriavera ísicaclássicadestruída.Finalmenteeleadmitiu:“Temosdevivercomateoriaquântica.E,acreditem-me,elavaise expandir. Não será somente na óptica. Ela penetrará em todos oscampos.”Em 1918, a importância da teoria quântica já fora percebida e, em

reconhecimento por seu trabalho, Max Planck foi contemplado com oPrêmioNobeldefísica.

AFRONTEIRA

A teoria quântica da radiação de Planck, base da ísica quântica, foipublicada pela primeira vez, como indicamos, em 1900, tendo portantoprecedidoateoriaespecialdarelatividadedeEinstein.Essafoiumaépocade convulsão e transformaçãonomundoda ísica.Não apenas Einstein ePlanckcomoRutherford,BohreHeisenbergestavamlevantandoquestõese sugerindo novas respostas. Para pôr toda essa atividade em algumaperspectiva, cabe observar que a ísica anterior à teoria quântica échamadafísicaclássicaeaposterioréchamadafísicamoderna.MaxPlanck,portanto,marcaefetivamenteatransição.

PLANCKEEINSTEIN

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Contemporâneo de Einstein, Max Planck foi o primeiro membro doestablishment ísico acadêmico a reconhecer a importância das suasoriginaisteorias.Comorelateinocapítuloanterior,Einsteinhaviaesperadouma reação generalizada, ainda que polêmica, à publicação, em 1905, deseu artigo que propunha a teoria especial da relatividade. Em vez disso,recebeuumaúnicacarta.OremetenteeraMaxPlanck,daUniversidadedeBerlim, que pedia mais detalhes da matemática de Einstein e algumasexplicações adicionais a respeito. Einstein icou encantado por receber aatenção de Planck que, com sua proposta dosquanta feita apenas algunsanos antes, havia se tornado um dos ísicos mais renomados do mundo.Mais tarde, Planck usou o princípio da relatividade de Einstein em seupróprio trabalho. E, já em 1909, numa carta para recomendar Einstein àUniversidadedePraga,escreveu: “Casosua teoriaseprovecorreta,comoacreditoqueofará,EinsteinseráconsideradooCopérnicodoséculoXX.”A aprovação de Planck, que levou à gradual aprovação de outros

expoentes da ísica, foi da máxima importância para a autocon iança deEinstein. Os dois homens iniciaram uma correspondência que perduroupelo resto de suas vidas e conduziu a uma importante colaboração emtornodateoriadaluz.

ACONFIRMAÇÃODATEORIADEPLANCKPOREINSTEIN

Assim como Planck percebera o valor de Einstein, este foi um dosprimeiros a reconhecer as implicações da teoria quântica. Em 1905, eleaplicouateoriaquânticaaumfenômenoobservávelquevinha intrigandoos ísicos havia algum tempo, o efeito fotoelétrico. Os cientistas haviamdescoberto que, ao atingir certosmetais, a luz faziacom que a super íciedeles emitisse elétrons, exatamente como se a forçada luz arrancasse oselétrons dos átomos. O que deixava os experimentadores perplexos eraqueoaumentodaintensidadenãoproduzianenhumefeito.Parasurpresa,descobriram que, embora o aumento da intensidade da luz não dessenenhuma energia a mais aos elétrons arrancados, a mudança docomprimentodeonda(oudacor)osafetava.Aluzazul,porexemplo,faziacom que os elétrons fossem emitidos em velocidades maiores que a luzamarela. A luz vermelha, qualquer que fosse sua luminosidade, não eracapaz de arrancar absolutamente nenhum elétron de algunsmetais. Porque a cor da luzteria um efeito tãomaior que a intensidade? Não havia

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respostaparaesseenigmanafísicaclássica.

LUZVISÍVELAporçãodoespectroeletromagnéticoqueévisívelaoolhohumanoéchamadaluz.Cadacor— violeta, azul, verde, amarelo, laranja, vermelho— tem um comprimento de onda discretomedidoemmícrons.Omaiscurtoévioleta,0,4mícrons;omaislongoévermelho,0,7mícrons.

UsandoateoriaquânticadePlanck,Einsteinencontrouaresposta.Searadiaçãoassumea formadepacotesdeenergia, comoPlanck teorizara, eessa energia é gasta na expulsão de elétrons, então a radiação de altafrequênciadeveriaarremessarelétronscommaisenergiaquea radiaçãodebaixa frequência.Einsteinpostulouquequantomaior foraenergiadoquantum,maisvelocidadeeleimprimeaoelétroncujaemissãoprovocou.Aluz vermelha, cujosquanta são muito pequenos, não tem nenhum efeito,

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porque só para arrancar um elétron de um átomo já é necessária certaenergia mínima. Para a maioria dos metais, a energia dosquantavermelhos é menor que esse mínimo. A luz violeta expulsa elétrons embaixa velocidade, a ultravioleta gera uma velocidade maior e raios Xproduzem elétrons muito rápidos. Interessante é que foi por essaexplanaçãoquânticadoefeito fotoelétrico,nãopela teoriada relatividade,queEinsteinfoiagraciadocomoPrêmioNobeldeFísicaem1921.Outro que cedo se converteu à teoria dosquanta foi Niels Bohr. Em

1913 ele a incorporou à sua teoria da estrutura do átomo e elucidoumuitas questões que a ísica pré-quântica não era capaz de resolver. Emtrêsartigospublicadosem1913,Bohrexpôssuateoriaquânticadoátomodehidrogênio.Poresse trabalho,ganhariaoPrêmioNobelem1922.TrêsNobel dados num período de cinco anos por trabalhos em camposquânticosmarcaramaaceitaçãodafísicaquânticapelomundodaciência.

IRONIAETRAGÉDIA

A ironia, diz-se, é uma companheira constante da história, e assim foi narelação entre Planck e Einstein. Eles eram unidos pela ísica eprofundamenteseparadosporquestõespolíticasemorais.QuandoPlanckfoi eleito reitor da Universidade de Berlim em 1915, Einstein felicitoupublicamenteocorpodocenteporsuaescolha.Maistarde,PlanckajudouafundaroInstitutoKaiserWilhelmparaaFísicaemBerlimenomeouAlbertEinstein seu primeiro diretor. A função do instituto era realizar pesquisapura, mas para receber recursos do governo era preciso ressaltar osbenefíciosmilitarespotenciais.Oano,éclaro,era1914,eogovernoalemãotinha a guerra em mente. Era di ícil convencer que um instituto depesquisaem ísicapuradirigidoporumpaci istadeclaradocomoEinsteinpodiaajudaresforçodeguerraalemão,masPlanckconseguiu.aNessa fase, as famílias de Einstein e Planck icaram muito próximas.

Frequentementejantavamjuntas.Alémdisso,tantoPlanckquantoEinsteingostavam de música e tocavam nas mesmas orquestras de câmara. AocontráriodeEinstein,Plancksedeixoutomarpelafebrepatrióticadaqueletempoeapoiouintegralmenteaposiçãoalemãnoqueacreditavaserumaguerra defensiva e inevitável contra opositores perversos. Planck era paide dois garotos em idade de servir ao exército e reitor de umauniversidade que logo se despovoaria com a convocação tanto de

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estudantes quanto de professores jovens. Logo todos os ilhos de Planckestavam envolvidos na guerra. As ilhas gêmeas, Greta e Emma, haviamfeito o curso de enfermagem da Cruz Vermelha e estavam esperandodesignação para hospitais militares. O ilho mais velho, Karl, estava naescoladeartilharia eomaisnovo,Erwin, já estavanofront. “Que temposgloriosos estamos vivendo”, escreveu Planck à irmã. “É uma grandeemoção para alguém poder se dizer um alemão.” Como os PlanckconseguiamtolerarverseuamigoEinsteindistribuindopropagandacontraa guerra nas esquinas é um mistério. Talvez o considerassem umexcêntricoincorrigível.Em 1915, Planck experimentou pessoalmente os horrores da Primeira

Guerra Mundial. Seu sobrinho, um ísico, único ilho de seu irmão, foimorto.Seupróprio ilhoErwinforafeitoprisioneiroeKarlfoiferidoeveioamorreremconsequência.No inalde1917aderrotaestavanoareogovernoalemãopróximodo

colapso. Mas, mesmo diante de toda a tragédia que recaíra sobre suafamília e da derrota iminente, Planck se recusou a assinar umaproclamaçãoquepediaaabdicaçãodoKaiser,comoEinstein izera.Foilealaté o im. Apesar das divergências políticas, a relação entre Planck eEinsteincontinuoucordial.TragédiasfamiliarespersistentescausaramgrandesofrimentoaPlanck.

Em1917,sua ilhaGreta,quesecasaracomumprofessoremHeidelberg,morreu subitamente ummês após dar à luz. Sua irmãgêmea, Emma, foiparaHeidelbergparacuidardobebêe,emjaneirode1919,casou-secomoviúvo.No inaldesseanotambémelamorreriapoucodepoisdelaràluz.Essa dupla tragédia quase destruiu Max Planck. “Há momentos agora”,escreveu ele ao amigo Hendrick Lorentz, “em que duvido do valor daprópriavida.”Planckencontrouconsoloparaa tragédiapúblicaedoméstica tantono

trabalho quanto junto aos netos, que ajudou a criar. Seus princípiosquânticosestavamganhandocadavezmaisaceitaçãonomundodaciênciae haviam se expandido para praticamente todas as áreas da ísica. Aconstanteh que ele teorizara passou a ser considerada uma constantefundamental da natureza, o equivalente doc de Einstein, a velocidade daluz.

OSNAZISTASEA“FÍSICAALEMÔ

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Umnovoperíododeespecial importâncianavidadePlanckteve inícionaaurora da era nazista. Em1930, Planck tornou-se presidente do InstitutoKaiser Wilhelm, de Berlim, que passou então a ser chamada SociedadeMaxPlanck. Jánacasados70aessaaltura,PlanckgozavadeumrenomenomundodaciênciaquesóficavaaquémdodeEinstein.O período da dominação nazista na Alemanha foi di ícil tanto para a

ciência quanto paraMax Planck pessoalmente. Estavam em jogo Einstein,por ser judeu, e as teorias da relatividade e a ísica quântica. Osantissemitasidenti icavamarelatividadeeasteoriasquânticascomoobradecadente de judeus. Em contraposição, essa ala direitista exaltava asvirtudes da ísica aplicada, chamada “ ísica alemã”, opondo-a àcontaminada ísicateóricaoujudaica.Muitoscientistasalemãesaderiramàfacção nazista, e Planck se viu arrastado para essa luta vil. Tomou umaposiçãoambivalente.Porumlado,asimportanteseprestigiosassociedadescientí icas de que era um membro in luente permaneceram em silêncio,não saindo em defesa de Einstein. Na intimidade, Planck condenava osataques nazistas a Einstein como “imundície quase inacreditável”. Empúblico, tentava se manter fora do que chamava de “questões políticas”.Por outro lado, defendia vigorosamente as teorias da relatividade. Comopresidente da Sociedade dos Cientistas e Médicos Alemães, propôs queEinstein fosse convidado para discursar durante a assembleia anual.PlancktinhaaesperançadequealógicairrefutáveldaciênciadeEinsteinpudesseter sucesso. A princípio Einstein aceitou o desa io, mas foiobrigado a voltar atrás depois de receber ameaças de morte. Ao tentarsepararaciênciadapolíticadasruasPlanckestavatravandoumabatalhaperdida.Em janeiro de 1933, Adolf Hitler tornou-se o chanceler do Reich e os

nazistas assumirampleno poder.Max Planck era secretário daAcademiade Ciência e presidente do Instituto Kaiser Wilhelm, posições-chave noestablishment cientí ico emduas organizaçõesquedependiamdas verbasdoReichparasubsistir.Planckviu-seobrigadoaescolherentrerenunciaraseuscargosedeixaropaísoupermaneceretentarmoderaraspolíticasnazistas. Escolheu a segunda alternativa. Sua esperança era promover ointeressedaciência,masnãohaveriasoluçõesconciliatórias.A essa altura Einstein havia decidido emigrar para os Estados Unidos.

Cartas trocadas pelos dois ísicos revelam suas diferentes atitudes comrelação à conveniência de contemporizar com os nazistas, e elesterminariam por se dividir quanto a essa questão. Planck lutou longa e

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arduamente para proteger seus alunos e colegas judeus, mas a inal nãoconseguiu mais que adiar sua perseguição. Embora nunca tenhaemprestado sua voz e prestígio ao regime nazista de maneira alguma,nunca se ergueu irmemente ou publicamente contra ele. Quando osnazistas expulsaram das universidades todos os professores e alunosjudeusePlanckpermaneceuemsilêncio,Einsteinrompeua longarelaçãoqueosuniaenuncamaisvoltouafalarcomele.EmboraPlancknuncalhetivessefeitooposiçãopública,oregimenazista

alimentava sentimentos ambíguos em relação a ele. Por um lado, era umcientistade renomemundialeelee sua famaeramusadosnoesforçodepropagandanazista.Poroutro,continuavaadefenderarelatividade(aindaque tivesse cessado de usar o nome de Einstein em conexão com asteorias). Essa foi uma típica concessão de Planck, que prejudicou suareputaçãonoexterior.QuandoPlanckcompletou80anos,Hitlerenviou-lheseus votos de felicidade, sendo que, ao mesmo tempo, Joseph Goebbelsestavatentandoprovarqueeletinhaumsextodesanguejudeu,nãosendoportantoaptoaconduziraciênciaalemã.Apesar da idade, Planck manteve sua pesada carga horária de aulas

durante os anos da guerra. Em 1943, já falava mais sobre iloso ia ereligião que sobre ísica. O ilho e neto de pastores havia retornado àteologia.Ehaveriadeprecisardegrandesdoses tantode iloso iaquantodereligiãoparaconsolá-lonoanoseguinte.Noiníciode1944,umgrandebombardeioaéreosobreBerlimresultou

na destruição do subúrbio de Grünewald, onde a família Planck moravahavia muitos anos. Nada se salvou da casa de Planck. Ele perdeu suabiblioteca,seusarquivos,seusdiáriosetodososmementosdeumalongaeprodutiva vida na ciência. Ainda estava em boas condições ísicas ementais. Apenas umano antes, escalara umamontanhade 3.000metros.Permaneceuotimistamesmodepoisdeobombardeiolhetercustadotodosos seus bens terrenos e, aos 86 anos, começou a trabalhar numa novasériedeaulas.No inalde1944,oúltimo ilhovivodeMaxPlanck,seuamadoErwin,foi

presoemassociaçãocomoconluioparamatarHitler.Umtribunalnazistarapidamenteoconsiderouculpadoeocondenouàmorte.TalvezErwinnãoestivesse realmente envolvido na tentativa de assassinato, mas era fatoque conhecia muitos dos conspiradores e não há dúvida de quesimpatizava coma causadeles. É possível queopróprioPlanck soubessedatentativadegolpe.Eleeo ilhoerammuitoligadoseambospertenciamaoclubeondeosconspiradoressereuniam.

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Planck usou todos osmeios políticos a seu alcance para salvar o ilho.Segundo um relato do que se seguiu, um o icial nazista de alta patenteentrou em contato com Planck e propôs o seguinte arranjo: Planckingressaria inalmente no partido nazista, somando à sua causa o aindaconsiderável prestígio internacional de que gozava. Em sinal dereconhecimento, tentariamcomutar a sentençadeErwinnumperíododeprisão.Oanciãorecusou.Em23defevereirode1945Erwinfoiexecutado.Planck icouarrasadocomessaperda.Aumasobrinhaeumsobrinho,

escreveu: “Ele era uma parte preciosa de meu ser. Era a minha alegria,meuorgulho,minhaesperança.Nãohápalavrasquepossamdescreveroqueperdicomele.”OúltimoanodaguerranaEuropafoiextraordinariamentedi ícilparao

velho cientista. Ele e sua segundamulher foramnovamente expulsosporum bombardeio da casa em que se haviam refugiado e tiveram de seescondernamataedormir emmontesde feno. Finalmente, o idoso casalfoisalvoportropasamericanasqueavançavampelaárea.Depois da guerra, Planck tentou reconstituir a ciência alemã. Em

primeiro lugar, aceitou um convite da Royal Society de Londres paraparticipar da comemoração, adiada pela guerra, do tricentésimoaniversáriodeIsaacNewton.Únicoalemãoconvidado,Plancksentiu-senodeverdecomparecer.Estavatambémintensamenteenvolvidonatentativade reconstituir o Instituto KaiserWilhelm como um centro de pesquisasísicas.Nesseesforçoelefoibem-sucedido,dotandoocentrodeumquadrode ísicosemsuamaiorianãonazistas,emdesgraçahaviamuito tempo,emudandoonomedaorganizaçãopara InstitutoMaxPlanck. Foinomeadopresidente, exercendo o cargo até que Werner Heisenberg o sucedeu.PlanckretornouentãoparaGöttingen,ondepassouosúltimosdoisanosdesuavida,honradoerespeitado.Poderia Planck ter feitomais em oposição ao regime nazista? Einstein,

por exemplo, teve di iculdade emperdoá-lo pelo silêncio e a transigênciaque manifestou, ainda que com relutância, em face da destruição doprofessorado judaico. Ali onde Einstein vira a resistência como umimperativomoral,Plancktentaraencontrarumasoluçãodecompromissoetrabalhar no seio do sistema. Em retrospecto, a escolha de Planck foi umtrágicofracasso,masnaépocaeletalvezpensasseestarfazendoomelhorquepodiatantoparaseupaísquantoparaaciência.Emúltimaanálise,elefoi um homem bem-intencionado imprensado entre boa ciência e mápolítica. Até Einstein reconheceu a importância de Planck como cientista.Em 1948, escreveu a seguinte tocante homenagem, intitulada “Tributo a

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MaxPlanck”.

Muitos tipos de homens se devotam à ciência, e nem todos nointeresse da própria ciência. Há homens que ingressam em seutemplo porque ele permite a exibição de talentos particulares. Paraessa classe de homens a ciência é uma espécie de esporte em cujaprática exultam, tal como um atleta exulta no exercício de suashabilidadesmusculares.Háumaoutraclassedehomensqueentramno templo para fazer a oferenda de sua massa encefálica naesperança de um retorno lucrativo. Esses homens só são cientistasgraçasaalgumacircunstânciacasualqueseofereceuquandofaziamsuaescolhadecarreira.Seascircunstânciaspresentestivessemsidooutras,poderiamtersetornadopolíticosouempresários.Seumanjode Deus descesse e expulsasse do templo da ciência todos os quepertencem às categorias quemencionei, temo que ele icaria quasevazio. Mas alguns adoradores ainda permaneceriam — alguns deoutras épocas e alguns da nossa. A estes últimos pertence o nossoPlanck.Eéporissoqueoamamos.

AcontribuiçãodeMaxPlanckparaa ciência fezdeleum“cientistadoscientistas”, respeitado por colegas de todos os campos e de todas asnacionalidades. Em 1918, quando lhe foi conferido o Prêmio Nobel deFísica, a ocasião foi marcada pelo unânime endosso de Albert Einstein,Niels Bohr, Ernest Rutherford e Werner Heisenberg — que poderiamtodostermerecidoahonra,masqueconcordaramincondicionalmenteemqueelapertenciaacimadetudoaPlanck.No dia 4 de outubro de 1947, aos 90 anos, Planck faleceu de um

derrame. A história se lembrará dele por suas duas mais importantesdescobertas:afísicaquânticaeAlbertEinstein.

OLEGADODEPLANCK

Planck certamente não previu as implicações a longo prazo de suadescobertaconceitual.NoscapítulossobreNewtoneEinstein,faleideseuspredecessores, os gigantes em cujos ombros se ergueram. No caso dePlanck, seusdescendentes intelectuaiséque são importantes.Noperíodoentre 1900 e 1930, cientistas como Louis de Broglie, Erwin Schrödinger,

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NielsBohreWernerHeisenbergtomaramoconceitooriginaldePlanckeodesenvolveram, transformando-o no que hoje chamamosmecânicaquântica. Nem Planck nem Einstein foram entusiásticos na aceitação dosdesdobramentos lógicos de suas ideias originais, em particular os trêsprincípiosfundadoresdamecânicaquântica:adualidadeonda-partícula,anatureza probabilística da realidade ísica e as resultantes incertezasinerentes a todas as medições ísicas. Todos os três são importantessinalizadores que guiam nosso caminho através do reino do muitopequeno. Como é através dessa terra estranha que iremos viajar pelorestantedenossajornada,aintroduçãogeralaessesfundamentosquesesegueservirácomonossopassaporteparao“paísdoquantum”.

FUNDAMENTOSDAMECÂNICAQUÂNTICA

Estranhosfenômenosocorremnomundodomuitopequeno.Umdosmaisdi íceisdeentenderéadualidadeonda-partícula.A ísicaclássicafazumadistinção clara entre uma onda e uma partícula. No reino do muitopequeno, porém, essas distinções se toldam. Numerosos experimentosmostraram que, no estranho mundo dos átomos, uma entidade físicaconseguedealgummodopossuirumacaracterísticadual,aparecendoporvezes como uma partícula e comportando-se por vezes como uma onda.Uma minúscula e precisa partícula e uma onda espalhada parecem serdois conceitos inteiramente diversos, mas no mundo subatômico os doisparecemsefundir.Planck e Einstein descobriram a dualidade onda-partícula da luz, mas

nãosederamcontadequeessaconcepçãopodiaserampliadaatodasaspartículassubatômicas.OfrancêsLouisdeBrogliefoioprimeiroasugeriressa singular ideia em 1920. Ele fez essa sugestão especulativa e“absurda” em sua dissertação de doutorado e de início ela não foi bemrecebida. De Broglie especulou que, se uma onda de energia luminosapodia se comportar como um punhado de partículas (fótons), então, se anatureza fosseverdadeiramentesimétrica,comodiziamalguns,elétronseprótons talvezpossuíssempropriedadesondulatórias.De inícioa ideia foirejeitadapelosorientadoresacadêmicosdedeBrogliee,nãotivessesidoareaçãofavoráveldopróprioEinstein,eletalveznuncativesserecebidoseugraudedoutor.Comohojesabemos,deBroglieestavacertoesuahipótesefoi con irmada por experimentos apenas três anos depois que a

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apresentou.A ísicaquânticanosimpeleparaomundoda iloso ia.Umaárvoreque

cai na loresta faz algum som se não houver ninguém lá para ouvi-lo? Sede inimossom como a sensação produzida pela estimulação dos órgãosauditivosporvibrações transmitidasatravésdoar, então semapresençadeumouvidonãohásom.Outroexemplo:quandoobservamosumaestrelanocéunoturnonãoestamosolhandorealmenteparaaestrela,masparaasua luz, a qual pode ter levado um milhão de anos para atingir nossosolhos(aestrelapodeaténãoestarmaislá).Sedefinimosluzcomoradiaçãoeletromagnéticaaqueosórgãosdavisãoreagem,nãohánenhuma luz(enenhumaestrela)semapresençadosolhos.Oobjetivodestaincursãopelailoso ia é demonstrar que o observador desempenha um papel noobservado,eéprecisamenteissoqueafísicaquânticarevela.Se esse primeiro princípio da ísica quântica pode ser compreendido

bemrapidamente,osegundo,quedizrespeitoànaturezaprobabilísticadarealidade ísica, é uma outra história. Ele a irma que as característicasondulatórias de um objeto fornecem informação matemática sobre aprobabilidade que ele tem de ser observado, detectado oumedido numaposição particular. Esse conceito implica que o acaso desempenha umimportante papel na realidade ísica. Durante 300 anos, a ísica clássicapresumira a precisão rigorosa e o determinismo.Agora esse pressupostobásicoestavaemquestão.Que entendemos por determinismo? A ísica newtoniana descreve um

mundo determinístico. Se você disparasse um projétil de um canhão,lançasseumfoguetenoespaçooudescobrisseumnovocometanosistemasolar, poderia prever as trajetórias desses objetos com total certeza. Emteoria,sevocêconhecesseasforçaseascondições iniciais, tudoissoseriaprevisível.A teoriaquânticapõe essa certeza emquestão.Ela a irmaqueascondiçõesiniciaissãoinerentementeincertas.Emsetratandodeprevera localização, a energia ou a velocidade de uma partícula, seria precisocontentar-secomprobabilidades.Para Einstein, essa teoria da realidade parecia completamente

intolerável. Em carta ao amigo Max Born disse que, se era assim que omundo funcionava, “preferiria ser um sapateiro, ou até um empregadonumacasade jogoaserum ísico”.Paraosdoisantigosdefensoresda fé,ascoisaslogoficaramaindapiores.Mas a teoria quântica ica ainda mais esdrúxula. A dualidade onda-

partículaesuainterpretaçãoprobabilísticalevouaopassológicoseguinte:a incertezainerenteàmedidadaposiçãodeumapartícula.Oprincípioda

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incerteza, postulado por Werner Heisenberg em 1927, declara quepartículas não podem ter sua posição e sua velocidade bem de inidas.Quantomaisprecisamentevocêmediraposiçãodeumapartícula,menosprecisamente poderá medir sua velocidade, e vice-versa. No mundoquântico, a irmou Heisenberg, uma partícula — não perturbada porqualquer tentativa de observá-la— pode estar em diferentes lugares aomesmotempo.Os ísicosnosdizemqueumúnicofótonquesedeslocaporumcristalseguesimultaneamentetodasasrotasópticaspossíveisatravésdomaterial. Em outras palavras, o fóton se comporta com uma hoste deondas, e o modo como ele emerge do cristal depende do modo como asondassereforçame/ousecancelamaolongodessesdiferentescaminhos.Seistolheparecemisterioso,vocêestáemboacompanhia.Umalunode

Niels Bohr em Copenhague queixou-se a ele de que a ísica quântica odeixava tonto. Bohr respondeu que quando alguém diz que conseguepensarsobre ísicaquânticasem icar tonto, sómostraquenãoentendeucoisaalgumasobreela.Vimos que a revolução queMax Planck desencadeou com sua original

concepçãodequeaenergiasemanifestaempequenospacotesconduziuaprincípiosqueelenãoconcebeunemaceitoutotalmentedurantesuavida:dualidade,probabilidadee incerteza.Noentanto,essesprincípios formamo fundamento atualmente aceito damecânica quântica.Nos capítulos queseseguem,veremosqueésobreessefundamentoqueaestruturadafísicamodernaseergue.Amecânicaquânticaémaismalucaqueateoriadarelatividade,enem

os que a praticam, os próprios ísicos, entendem plenamente o que sepassadentrodomundodoincrivelmentepequeno.Assimcomotivemosdeexpandir nossas imaginações até o limite para compreender a imensidãodo universo, assim também temos agora de exercitar nossa faculdade deimaginar na direção oposta para compreender o vertiginosamentepequeno. Nosso primeiro passo será voltar nossa atenção para o átomo,para seus núcleos, e para os homens que determinaram sua estruturaparanós.

a De acordo com o biógrafo de Einstein, A. Pais, em dezembro de 1916 o imperador autoriza adesignaçãodeEinsteinparaadireçãodoPhysikalischeTechnischeReichsanstalt.Em1 odeoutubrode 1917 o Instituto KaiserWilhelm inicia suas atividades sob a direção de Einstein. Cf.Sutil é oSenhor, a ciência e a vida de Albert Einstein. Abraham Pais, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995.(N.R.T.)

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CAPÍTULOQUATRO

ERNESTRUTHERFORD

Todaciênciaéfísicaoucoleçãodeselos.

ErnestRutherford

Franco e desinibido, pisando calos sem ver a quem, Ernest Rutherfordirrompeu no cenário da ísica na virada do século XX e se manteve nocentrodopalcopor30 anos. Seu trabalhomarca o início da erada ísicanuclear, mas, ironicamente, uma de suas mais importantes contribuiçõespara a ciência foi em geologia, campo sobre o qual pouco conhecia. Aquestão especí ica em pauta era a idade da Terra. SegundoA.S. Eve, seubiógrafo, Rutherford caminhava um dia pelo campus de Cambridgecarregando uma pequena pedra preta quando encontrou um geólogoconhecido. “Diga-me”, perguntou ao colega, “que idade se supõe que aTerra tem?”A resposta foiqueváriosmétodos levavamaumaestimativade100milhõesde anos. “Adams”, eledisse aoprofessor, “tenhoabsolutacertezadequeestepedaçodepechblendaanaminhamãotem700milhõesdeanosdeidade.”Pode-seimaginarasurpresadogeólogo.A razãoporqueRutherfordpodia fazer sua sensacionala irmaçãoera

queem1905eleajudaraafundaraciênciadadataçãodemateriais.Esseprocedimento transformara enormemente o campoda geologia. E não foiapenas a geologia que mudou, mas a paleontologia, a antropologia, aarqueologia, na verdade todas as disciplinas cientí icas envolvidas nadeterminaçãodadatadeorigemdeumarocha,espécimeoufóssil.AidadedaTerra é um exemplo ilustrativo.Na década de 1920, graças à dataçãoradiométrica, geólogos, ísicos e astrônomos em geral já admitiam que aTerra tinha bilhões de anos de idade (a estimativa atual é 4,5 bilhões deanos).Impõem-se aqui uma ou duas palavras sobre os termos radiação e

radioatividade. Radiação é o termo mais amplo e signi ica tudo que éemitido de uma fonte. Na ísica atômica,radiação refere-se à radiação

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eletromagnética (raios X, radiação ultravioleta, luz visível, radiaçãoinfravermelha, micro-ondas, ondas de rádio). Na ísica nuclear, além dasondaseletromagnéticas(raiosgama),elaincluiraiosalfa(núcleosdehélio)e raios beta (elétrons).Radioatividade refere-se ao fenômeno de emissãoespontânea de várias radiações (raios alfa, beta e gama) por núcleosinstáveis.OfeitocrucialdeRutherfordfoiconceberaideiadedeterminarameia-

vidadesubstâncias,eassimsua idadeprecisa.Meia-vidadesignao temponecessárioparametadededadaquantidadedematerialradioativodecair,isto é, liberar energia. Um átomo decai quando se desintegra, em outraspalavras, quando passa da instabilidade para a estabilidade. Todas assubstâncias radioativas tendem a formar substâncias estáveis com otempo,enesseprocessoemitemradiação.Asmeias-vidaspodemvariardemenosdeummilionésimode segundoamilhõesde anos.Ameia-vidadequalquer substância particular é constante, não sendo afetada porcondições ísicas como pressão ou temperatura. Por isso, pode-se usar oprocesso de radioatividade no cálculo da passagemdo tempo,medindo afração dos núcleos que já decaíram. Como ocorre frequentemente naciência, Rutherford havia feito essa descoberta quase por acidente, aotrabalharsobreofenômenomaisgeraldaradiação.Ernest Rutherford faz um contraste muito interessante com Albert

Einstein. Enquanto Einstein foi o teórico-modelo, trabalhando sozinho eiando-se em experimentos mentais, Rutherford foi o maior dosexperimentalistas.Sobesseaspecto,eleéfrequentementecomparadocomMichael Faraday, que não aceitava uma ideia enquanto não a pudessedemonstrar em condições de laboratório. Se por um lado Einsteinpermaneciana solidãoe re letiaprofundamente sobrequestõesda ísica,Rutherford liderava equipes de colegas, a quem chamava de seus“garotos”, na realização de experimentos complexos no reino da ísicasubatômica. Um neozelandês grandalhão e abrutalhado, com um bastobigode de pontas caídas e uma voz alta e estrepitosa, Rutherford icoufamoso por sua crença profundamente arraigada de que praguejardurante um experimento fazia-o funcionar melhor e, em vista dosresultados que alcançou, é possível que estivesse certo. Sob esse aspectoRutherforderaumdiscípulodeMarkTwain,quedisse:“Emmomentosdeaflição,praguejarproporcionaumalívionegadoatéàprece.”A ciência recruta seus heróis nos mais variados meios e às vezes de

sítios geográ icos remotos. O caso de Rutherford, o homem que foichamadoopaidaenergianuclear,demonstrabemisso.

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OSRUTHERFORDDENELSON

ErnestRutherfordnasceuemBrightwater,pertodeNelson,nacostanortedeSouthIsland,NovaZelândia,nodia30deagostode1871.Foioquartodos 12 ilhos de James e Martha Rutherford, neozelandeses de primeirageração, que haviam sido levados da Escócia para lá quando crianças.Naquela época Nelson era um burgo pioneiro, com construções demadeira. Muitos anos mais tarde, quando, em reconhecimento por suasrealizaçõescientí icas,recebeuumtítulodenobreza,Rutherfordtornou-se“barão Rutherford de Nelson”, certamente o primeiro peerb daquelapequenacomunidade.Noiníciodadécadade1870,Nelsoneraumacomunidaderuralisolada,

habitada sobretudo por trabalhadores imigrantes escoceses embusca defazer uma vida nova num mundo novo. Sua sociedade, contudo, eramoldada segundo as linhas das comunidades vitorianas que haviamabandonado. A educação era extremamente respeitada nessa sociedade.Alémdefabricareconsertarrodas,opaideErnest, James,eraconstrutorautodidataelavrador.Suamãe,Martha,eraprofessora.Ocasalfezmuitossacrifíciosparaqueosfilhospudessemreceberumaboaeducação.A família Rutherford era grande — com 12 crianças — e todos

participavam dos afazeres domésticos. Segundo o quadro da família queirmãos e irmãs de Rutherford traçaram mais tarde, já idosos, elesformavam uma família séria, devota e feliz. Eram cultos também. O bemque a Sra. Rutherford mais prezava era seu piano, e o marido, James,tocava violino. Todos liam, e ouvir alguém ler em voz alta à noite era umentretenimento muito apreciado. Ernest desenvolveu um gosto porDickens, bem como por histórias de revistas sensacionalistas e romancespoliciais,quecontinuoualerpelorestodavida.O interesse de Rutherford cedo se estendeu à ciência. Aos dez anos,

possuía um exemplar de um livro muito difundido, intituladoManual defísica, da autoria de um professor chamado Balfour Stewart. O livro deStewart assemelhava-se aos livros ísica sem mestre de nossos dias aorequererousodemateriaissimplescomomoedas,pesos,velaseutensíliosdomésticos para demonstrar as ações dos princípios básicos da ísica.Evidentemente, o pequeno Rutherford achou esse livro fascinante, e eledeve ter contribuído signi icativamente para seu interesse pela ísicaexperimental. Sabemos tambémque, quandomenino,Rutherford se fazianotar por sua habilidade manual. Mexia com relógios e fazia miniaturas

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dasrodasd’águaqueseupaiusavaemmoinhos.Em1887,aos16anos,Ernestganhouaprimeiradesuasmuitasbolsas

de estudo, dessa vez para o Nelson College, uma escola secundária“pública” particular, similar às equivalentes da Inglaterra. Ali, foi umbolsistadestacado,umalunoestimadoeumentusiásticojogadorderúgbi.Ganhouprêmiosemhistória,línguasematemática.Uma segunda bolsa de estudo permitiu a Rutherfordmatricular-se no

CanterburyCollege, emChristchurch, uma instituição fundadano ano emque ele nascera. Ali ele se concentrou em ciência e matemática e teve asorte de icar sob a autoridade de professoresmuito bons em ambas asmatérias.Aoconcluirseucursodetrêsanos,Rutherfordrecebeuograudebacharel e uma bolsa de estudo para matemática, o que lhe permitiucontinuar no Canterbury por mais um ano, estudando em nível de pós-graduação.Recebeuseugraudemestreem1893,comhonrasdeprimeiraclasseemmatemática,físicamatemáticaeciênciafísica.Dando aulas em tempo parcial para prover o próprio sustento,

RutherfordpermaneceuaindaoutroanonoCanterbury fazendopesquisaem ísica e estudando as propriedades das ondas eletromagnéticas —ondas de rádio—, recém-descobertas pelo ísico alemão Heinrich Hertz.Rutherford descobriu que, com um aparelho que ele mesmo projetara,podia detectar essas ondas mesmo depois que haviamatravessadoparedes de alvenaria. É interessante notar que isso foi antes deMarconicomeçarseusexperimentossobreacomunicaçãosemfio.Por vezes é fascinante voltar os olhos para as previsões de cientistas

acerca de suas próprias descobertas e ver o quanto eles se enganavam.NemMarconinemRutherfordanteviramanotávelextensãodeusosaqueessas ondas seriam aplicadas. Marconi previa que os usuários do rádioseriam companhias de navios a vapor, jornais e serviços navais queprecisavam de comunicações direcionais, ponto-a-ponto. Rutherfordpensavaqueaspossibilidadescomerciaisdeseuaparelhodecomunicaçãosem io icariam limitadas à comunicação entre faróis, na costa, e naviosque passassem ao largo. Nem mesmo o pioneiro da recente indústriaradiofônica foi capaz de imaginar uma inalidade para a radiodifusão,exceto talvez ajudar os pregadores a fazer seus sermões. De todomodo,Rutherford concentrou seu trabalho não na comunicação sem io masantes no fenômeno da radioatividade. Esse seria seu campo de trabalhopelos40anosseguintes.Quanto à sua vida pessoal, na época em que morou em Christchurch

RutherfordconheceuMaryNewton,a ilhadesuasenhoria,eseapaixonou

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por ela. É digno de nota que, durante esse tempo, seu primeiro longoperíodo longedecasa, eleadquiriuohábitodeescreverparaamãepelomenos duas vezes por semana. Praticou essa correspondência durantetodaavidadamãe,queviveuatéos92anos.Amãe foi semdúvidaumain luência dominante na vida de Rutherford, e ter suas realizações naciênciaenavidaaprovadasporelaparecetersidooquemaisvalorizava.Em 1895, como fruto de dois notáveis artigos sobre radioatividade,

Rutherfordganhouumaimportantebolsadeestudo,emborativessesidoosegundocolocado.Oprimeirolugarcouberaaoutroprotegidoneozelandêschamado J.C. Maclaurin. O prêmio só foi oferecido a Rutherford porqueMaclaurinretirousuacandidatura,tendodecidido icarnaNovaZelândiaesecasar.AbolsaforainstituídacomoslucrosdafamosaGrandeExposiçãodeLondres, de1851, e seus termospermitiamao agraciado inscrever-senainstituiçãodesuaescolha.RutherfordescolheuoLaboratórioCavendishdaUniversidadedeCambridge,dirigidonaépocaporJ.J.Thomson,amaiorautoridade mundial em fenômenos eletromagnéticos. Fazia pouco tempoque Cambridge alterara suas normas para admitir graduados de outrasescolas e Ernest Rutherford tornou-se o primeiro assistente de pesquisadolaboratório.Segundo uma história muito repetida, Rutherford estava em casa

desencavandobatatasquandosuamãelhelevouanotíciadequeganharaa bolsa para Cambridge. Enquanto ela lhe falava, Rutherford continuoucavando até desenterrar um tubérculo. Então, jogando a pá de lado eerguendo a batata no ar, gritou: “Pronto! Esta é a última batata que voudesencavar!”Eestavacerto.Naquele momento — inal do século XIX — inaugurava-se um novo

capítulo na compreensão humana da estrutura da matéria e Rutherfordestavadestinadoadesempenharumimportantepapelemsuaescrita.Masnaverdadefoicomduasdescobertasacidentais,umanaAlemanhaeoutranaFrança,queonovocapítulocomeçou.

RADIOATIVIDADE

Talvez você se lembre da história dos príncipes de Serendip, que nuncaconseguiam realizar o que pretendiam, mas sempre descobriam algumacoisamaisinteressantepelocaminho.Ahistóriadaciênciaestárepletadeexemplos de descobertas felizes por acidente, um caso notável sendo a

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descobertadosraiosXem1895.Num laboratóriodaUniversidadedeWürzburg,no suldaAlemanha,o

ísicoWilhelmConradRoentgen faziaexperimentoscomeletricidadenumtubo de vácuo parcial. Seu interesse era estudar a luminescênciaproduzidapelos raios catódicos.O laboratório estava escuro e, por acaso,Roentgennotouqueuma telaqueatravessavaa sala, eque ele sabia serrevestidadebário,platinaecianeto,brilhavanaescuridãotodavezqueeleacendiaotubo,comosealuzdotuboaestivesseatingindo.Sabiaqueissonão era possível porque o tubo estava fechado numa caixa preta depapelão de onde a luz não podia escapar. Fosse como fosse, quandoRoentgen desligava o tubo de raios catódicos o brilho cessava. Quando oligavadenovo,obrilhoreaparecia.Levouopapelrevestidoparaasalaaoladoeelecontinuouabrilharquandootuboderaioscatódicoseraligado.Roentgen concluiu que o tubo estava produzindo alguma forma deradiação que conseguia penetrar o papelão e até as paredes dolaboratório. Ao pôr amão entre o tubo e a tela, viu, para seu espanto, aimagemdosossosdesuamãoexpostos,comoseacarnetivessesetornadotranslúcida.Com esse experimento acidental, Roentgen havia descoberto o que

chamouderaiosX.Essesraiossãoumaradiaçãodecomprimentodeondamuitopequeno(dealtafrequência),defatoaradiaçãodecomprimentodeondamais curtoconhecidaatéentão.Poucosanosdepois,Rutherford iriaadiante, mostrando que os raios gama, associados com a radioatividade,têmcomprimentosdeondaaindamaiscurtos.Roentgen comunicou inalmente sua descoberta aomundo num artigo

publicadoemdezembrode1895.Os raiosX foramrecebidosnão só comsurpresa mas com escândalo. Lord Kelvin, na época o mais importantecientistadaInglaterra,quali icou-os,aprincípio,defraudebemelaborada.Durante algum tempo os recém-descobertos raios X foram chamados deraios Roentgen, mas como a maioria das pessoas que não falava alemãoachavadi ícilpronunciaronome,raiosX tornou-seo termomaispopular.A despeito das dúvidas de Lord Kelvin, o uso médico dos raios X nãotardouasedesenvolver.De fato,apenasquatrodiasdepoisqueanotíciade sua descoberta chegou aos Estados Unidos, os raios X foram usadosparalocalizarumabalaalojadanapernadeumpaciente.Elessetornaramum meio maravilhoso de explorar o interior do corpo humano porqueatravessamfacilmenteostecidosmolesetendemaserdetidospelosossos,que se compõemde cálcio ede átomosde fósforo,maispesados.Quando

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umachapafotográ icaépostaatrásdocorpo,osossosaparecembrancos,em contraste com as imagens mais escuras dos tecidos mais moles.Repentinamente tornou-se fácil detectar fraturas ósseas, assim comoobjetos estranhos nos corpos e cáries nos dentes. Os cientistasdescobriramtambémqueosraiosXpodiamserusadosparamatarcélulascancerosas além do alcance do bisturi de um cirurgião. Infelizmente,descobriram também que radiação de alta energia podia causar câncer.Tragicamente,comoselevoualgumtempoparaconheceraspropriedadesnocivas dos raios X, pelo menos cem das primeiras pessoas quetrabalharam com eles e com materiais radioativos morreram de câncerantesqueessesefeitosfossemcompreendidos.Assimqueforamdescobertos,osraiosXparecerammisteriososamuita

gente. Várias empresas ganharam muito dinheiro explorando essaperplexidade e vendendo “roupas de baixo à prova de raios X” paramulheres. Em Nova Jersey, chegou a ser apresentado na assembleialegislativaumprojetode leiqueproibiaousodebinóculosde raiosXnoteatro. Aqueles misteriosos raios X foram vistos por muitos como umaameaça àmoralidade pública. A comunidade cientí ica, é claro, teve umavisãodiferente.Em1901,WilhelmK.RoentgenrecebeuoprimeiroPrêmioNobelquecontemplouocampodafísica.

OSELEMENTOSRADIOATIVOS

AoutraimportantedescobertaqueconduziuaotrabalhodeRutherfordfoifeita na França, em 1898, por Henri Becquerel. Mais uma vez, o acasodesempenhou um papel. Henri Becquerel descobriu que, de algumamaneira, umminério de óxidodeurânio, chamadopechblenda, escureciauma chapa fotográ ica embrulhada e não exposta em seu laboratório. OsraiosBecquerel,comovieramaserchamados,penetravamobjetosopacosàluz. Eles atraíram a atenção da jovem Marie Sklodowska Curie e seumaridoPierre,eosCurie izeramdelesofocodeseutrabalho.MarieCurieacreditavaquea radioatividadedebaixoníveldeminériosportadoresdeurânio resultava de quantidades muito pequenas de certas substânciasaltamente radioativas. Seu marido, Pierre, deixou de lado sua própriapesquisa para ajudá-la no imenso trabalho de distinguir um vestígioelusivoemmeioaumaenormequantidadedematéria-prima.Apesquisaexigia que cada umdos elementos radioativos fosse isolado e tivesse seu

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peso atômico determinado, tarefa que só pôde ser cumpridamediante oprocessamentodetoneladasdeminériodepechblenda.Comolhes faltavaespaço no laboratório, os Curie tiveram de improvisar um laboratóriomaiornumbarracãodemadeira.Ali,sobumcalorsufocantenoverãoeumfrio de congelar no inverno, os Curie levaram persistentemente a caboseus esforços capitais para isolar os elementos radioativos e determinarseuspesosatômicos.Oresultadofoiadescobertadedoisnovoselementos,ambos altamente radioativos, a que deram os nomes de polônio e rádio.Poressetrabalhonocampodaradioatividade,osCurieganharamjuntosoPrêmioNobeldeFísicaem1903.Emvezdeexplorarcomercialmentesuadescoberta, os Curie puseram a fórmula do rádio à disposição dacomunidade cientí ica gratuitamente, de tal modo que a natureza daradioatividadepudessesermaisestudada.DepoisquePierreCuriemorreunumacidentedetrânsito,atingidopor

uma carroça puxada a cavalo, Marie Curie levou sua pesquisa adiantesozinha. (O Congresso de Radiologia realizado na Bélgica em 1910homenageouamemóriadePierreCuriedandoonomedecurieàunidadede medida da radioatividade.) Apesar do difundido preconceito contramulheres na ciência ísica, Marie Curie foi eleita por unanimidade peloConselhoDocenteda Sorbonnepara suceder aPierre em sua cátedranafaculdade.ElasetornouassimaprimeiramulheralecionarnaSorbonnee,em 1911, foi agraciada com o Prêmio Nobel de Química, tornando-se aprimeirapessoaaganhardoisprêmiosNobel.Embora Marie não o compreendesse na época, os persistentes

problemasdesaúdeeexaustão ísicaqueaa ligiamdeviam-seemgrandeparte à sua constante exposição aos efeitos debilitantes da radiação, queacabariamporlevá-laàmorteem1934.

CAMBRIDGE

Logo que chegou a Cambridge, em 1895, Rutherford trabalhou sob adireçãodeJosephJohn(J.J.)Thomson,umprofessorde ísicaexperimentalque se empenhara muito em recrutá-lo. Como Rutherford, o renomadoThomson era um viciado no trabalho, tão devotado à sua pesquisa quedeixava pouco tempo para qualquer outra coisa. Conta-se que um dia, acaminhodecasaparaoalmoço,Thomsoncomprouumacalçanova, tendosedeixadoconvencerporumcolegadequesuacalçavelhaestavafrouxa

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epuídademais.Emcasa,elevestiuacalçanovaevoltouparaolaboratório.Suamulher,queestiverafazendocompras,achouacalçavelhaemcimadacama.Assustada,telefonouimediatamenteparaolaboratório,certadequeomarido,algodistraído,voltaraparaotrabalhosemvestircalçanenhuma.EmpoucotempoRutherfordadquiriurenomeemCambridge.Elelevara

consigo seu detector de ondas de rádio e o montara rapidamente parareceber sinais de fontes situadas a até 800 metros de distância. EssetrabalhocausouimediataimpressãonosprofessoresdeCambridge.Thomsoneamulher izeram todoopossívelparaajudarRutherforda

se adaptar à vida social e acadêmica um tanto peculiar, rigorosa, deCambridge.Deinício,umpoucoconstrangidoenadefensivacomrelaçãoaseus antecedentes “coloniais”, Rutherford havia despertado umciumezinhoentreosmembrosdaconfrariado laboratórioCavendishcomsuasexibiçõesdebrilhantismo.SuarelaçãocomThomsonfoiimportanteeascartasdeambosdeixamclaroquehaviagrandeconsideraçãodeparteaparte.ThomsonpediuaRutherfordqueoauxiliassenoestudodosefeitosque

a passagem de um feixe de raios X por um gás produziria. Teria sidorazoável que Rutherford hesitasse em participar desse trabalho, já queassumir essa responsabilidade o obrigaria a pôr de lado seu própriotrabalho sobre o receptor sem io. (Cabe ressaltar que nessa épocaRutherford estava ansioso para ganhar dinheiro su iciente para se casarcomMaryNewton,cujamãopediradoisanosantes,eeleviapossibilidadescomerciais limitadas para seu receptor.) Seu respeito por Thomson,somado ao desejo de trabalhar na vanguarda da ciência, porém, falarammais alto. Cerca de dez anos mais tarde, a fama e a fortuna que teriamacompanhadoademonstraçãodopotencialcomercialdatelegra iasem iocouberam a Guglielmo Marconi. Mas a decisão de Rutherford foicompensadora a seu próprio modo. Thomson e Rutherford descobriramqueosraiosXproduziamgrandesquantidadesdepartículaseletricamentecarregadas, ou portadoras de átomos ionizados, que se recombinavampara formar moléculas neutras. Saber mais sobre os átomos havia setornadoomaiordesa io cientí icodaépocae adescobertadeThomsoneRutherfordfoioprimeirograndeavanço.OgrandepassoseguintecoubeaThomson.Acreditava-seatéentãoque

os átomos eram corpos elementares simples com várias formasgeométricas. Thomson conseguiu mostrar que, ao contrário, os átomoseram mecanismos complexos, com grande número de partes em

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movimento. Especi icamente, conseguiu demonstrar que os átomos dosvários elementos químicos consistem de partes positiva e negativamentecarregadas, unidas pelas forças de atração elétrica. Thomson conjeturouqueumátomoteriaacargaelétricadistribuídademaneiramaisoumenosuniforme, com grande número de partículas negativamente carregadaslutuando em seu interior. A carga elétrica combinada das partículasnegativas— elétrons, como ele os chamou— era igual à carga positivatotal,de talmodoqueoátomoemseu todoeraeletricamenteneutro.Porseutrabalhonaidenti icaçãodoelétron,ThomsonganhouoPrêmioNobeldeFísicaem1906.

ACONTRIBUIÇÃODERUTHERFORD

Logonoiníciodesuapesquisa,Rutherfordimaginouumexperimentoquepermitiria identi icar dois tipos distintos de radiação. O experimentoenvolvia o estudo domodo como radiações radioativas penetram lâminasdealumínio.Eledescobriuquepartedaradiaçãopodiaserdetidaporumalâminadealumíniocom1/500decentímetrodeespessura,aopassoqueorestante só podia ser detido por uma lâmina consideravelmente maisgrossa. Chamou a primeira radiação, positivamente carregada, de raiosalfa, raios extremamente poderosos na produção de ionização masfacilmente absorvidos. À segunda radiação, negativamente carregada,chamou deraios beta , os quais produziam menos radiação mas tinhammaiorcapacidadedepenetração.(Alfa,claro,éaprimeiraletradoalfabetogregoebetaéasegunda.)Umterceirotipoderadiaçãofoidescobertoem1900 pelo ísico francês Paul Urich Villard. Ela tinha frequênciaextremamente alta e comprimento de onda curto, sendo portanto amaispenetrantedetodas.Essaradiaçãofoichamadade raiosgama (daterceiraletradoalfabetogrego).Emborachamasseofenômenoquedescobrirade“raios”, Rutherford pensava que eles deviam se compor de partículasextremamente diminutas de matéria. Estava certo, e embora por vezesainda se use o termoraios, sabe-se que as radiações alfa, beta e gamaconsistemdepartículasvelozes.c

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RADIAÇÃO Papel é su iciente para deter radiação alfa; alumínio deterá a radiação beta, é precisochumboparadeteraradiaçãogama.

Levando adiante esse trabalho inicial, Rutherford veio a se tornar omaior expoente do campo rapidamente mutável da radioatividade. Ele eseus colegas descobriram que a radioatividade que ocorre naturalmentenourânioconsistenaemissão,porumátomodeurânio,deumapartículaquese transformanumátomodoelementohélio,equeoquerestanãoémais um átomo de urânio mas um átomo ligeiramente mais leve de umelemento diferente. Novas pesquisas mostraram que essa transmutaçãoeraumanumasériequeterminavacomoisótopoestáveldechumbo.Essadescobertaconduziuàconclusãodequeorádioeraapenasumelementoda série radioativa. O termo isótopo (da palavra grega que signi ica“mesma posição”) refere-se aosmembros de uma família de substânciasquepartilhamdamesmaposiçãonatabelaperiódicamasdiferementresino número de nêutrons que contêm. Essencialmente, os isótopos sãovariedades de um elemento especí ico — substâncias idênticas umas àsoutrasemsuaspropriedadesquímicasmasdiferentesnaradioatividade.Embora sua carreira pro issional estivesse nessa altura muito bem

encaminhada, Rutherford sentia que o esnobismo que imperava emCambridgecomrelaçãoaosquehaviamsegraduadoemoutrasfaculdades,especialmente nas colônias, tolhia seuprogresso. E era de progresso queprecisava, se quisesse se casar com Mary Newton. Procurou um cargoacadêmico em outro lugar e, armado de uma convincente carta deapresentação fornecidapor J.J. Thomson, foi designadopara a cadeira deísicanaUniversidadeMcGillemMontreal,Canadá.Noverãode1900,foiàNovaZelândiavisitarospaisesecasou.Ojovemcasal ixouresidênciaemMontreal, onde Rutherford ingressou no que era sem dúvida o melhor

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laboratório de ísica no Ocidente e retomou suas pesquisas sobre aradioatividade.Trabalhando com um jovem químico chamado Frederick Soddy,

Rutherford entregou-se à investigação de três grupos de elementosradioativos: rádio, tório e actínio. Logo descobriu que o tório ou seuscomponentessedesintegravamnumgásque,porsuavez,sedesintegravanum depósito desconhecido, também radioativo. Concluiu que aradioatividade era um processo em que átomos de um elemento sedesintegravamespontaneamenteemátomosdeumelementointeiramentediferente, o qual permanecia igualmente radioativo. O artigo queRutherford escreveu com Soddy sobre esse assunto foi criticado pormuitos químicos que acreditavam na indestrutibilidade da matéria. Paraalguns,ateoriapostuladadequeosátomospodiamsecindirparaformartipos de matéria inteiramente diferentes se assemelhava à alquimiamedieval. Não demoroumuito, porém, para que a qualidade do trabalhofosse reconhecida e a teoria alcançasse aceitação geral. Essa descobertarevolucionou a química por alterar a concepção básica da matéria comoalgo imutável, mostrando que todos os elementos radioativos sofremtransformação espontânea em outros elementos, até formar inalmentesubstânciasestáveis.RapidamenteRutherford, sempreumtrabalhador infatigável,deumais

um passo. Em seus experimentos, descobriu que a radiação de umasubstância ativa decrescia com o tempo e pôs-se a tentar compreenderesse fenômeno e, se possível, a delinear uma fórmula capaz de prever oprocesso. Trabalhando com tório, Rutherford descobriu que a radiaçãodecrescia com o tempo em progressão geométrica. No caso do tório, aradioatividade é reduzida àmetade de seu valor original em umminuto.No minuto seguinte, decrescia em metade desse valor, de tal modo queapósdoisminutosrestavaapenasumquartodovalororiginale,apóstrêsminutos, apenas um oitavo. Essa taxa de mudança (aumento oudecréscimo)é chamadaexponencial porqueasequaçõesmatemáticasquedescrevem o processo envolvem a “função exponencial”. Para descreveresse processo, Rutherford introduziu o termomeia-vida. Assim, porexemplo,ameia-vidadorádio226(o isótopoisoladodapechblendapelosCurie)é1.620anos.Ameia-vidadourânio238é4,51bilhõesdeanos.Oprocedimentodadataçãoporcarbonoincorporaofenômenodameia-

vidadeumamaneiramuitoproveitosa.ComotodasascoisasvivassobreaTerracontêmcarbono,ecomoameia-vidadocarbono14,porexemplo,é5.570 anos, essa substância é particularmente útil na determinação da

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idade de artefatos e amostras de muitos outros tipos. Após 5.570 anos,metadedosátomosdecarbono14emqualqueramostradadaterádecaídoemátomosdenitrogênio14.Comparando-seaquantidadedecarbono14com a de nitrogênio 14 numa amostra, é possível datar a amostra. Porexemplo,setrêsquartosdocarbono14tiveremdecaídoemnitrogênio14,pode-se concluir que o material em exame tem 11.140 anos de idade(5.570parametadedocarbonodecaire5.570paraoquartoseguinte—metadedametaderestante—ofazer:5.570+5.570=11.140).Adataçãoradiométrica tem uma ampla gama de aplicações em campos que seestendem da arqueologia e a paleontologia à astro ísica e a cosmologia,passandopelageologiaeageofísica.Embora fazendo descobertas notáveis em seu laboratório, Rutherford

tinha menos sucesso em sua função de professor. Lecionar estava entresuas obrigações naMcGill e alguns estudantes o achavamenfadonho. Elemurmurava e gaguejava, perdendo-se em suas próprias fórmulasmatemáticasnoquadro-negro,ecommuitafrequênciadirigiasuafalaparaum ponto acima das cabeças dos alunos. Alguns estudantes chegaram aprepararumapetição,solicitandoqueRutherfordbaixasseoníveldesuasaulasdetalmodoqueelespudessemcompreender.Poroutrolado,saíramda McGill (e mais tarde de Cambridge) vários ísicos eminentes quedeclararam depois que suas vidas e carreiras haviam mudado graças ànatureza inspiradoradasaulasdeRutherford.Aoqueparece,asopiniõessobreaqualidadedeseuensinodependiamdaqualidadedosseusalunos.Durante seus nove anos na McGill, Rutherford escreveu 80 artigos

cientí icos e fezmuitas apresentaçõespúblicas. Em1903 foi eleitopara aRoyal Society de Londres e em 1904 publicou seu primeiro livro, Rádio-atividade, que é reconhecido como o clássico nesse campo. Também em1904, Rutherford sugeriu o uso da quantidade de hélio produzida pelodecaimentoradioativodeminériosemrochasparamediraidadedaTerra,oqueeraumaquestãodeconsiderávelimportâncianaépoca.A então controversa obra de Darwin,A origem das espécies, publicada

em 1859, exigia uma Terra com vários bilhões de anos de idade — sóassim as várias espécies teriam podido se desenvolver como o izeram.LordKelvin, um dosmaiores cientistas da Inglaterra na segundametadedoséculoXIX,haviaestimadoaidadedaTerraemapenas500milhõesdeanos.Evidentemente,umououtroestavaerrado.AespecialidadedeKelvinera termodinâmica, cujas primeira e segunda leis ele formulara: (1) aenergiaéconservada;istoé,aenergianãoécriadanemdestruída,apenasmuda de forma; e (2) alguma energia utilizável é sempre perdida nesse

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processo.Aescaladetemperaturaabsolutaquedesenvolveurecebeuseunome, escala Kelvin. Ele havia calculado a idade aproximada da Terra apartirdaidadedoSol,estimadacombasenaliberaçãodecalor.Kelvinteveomérito, porém, de admitir que em seus cálculos poderia estar faltandoalgumfatordesconhecido.Apartirdesuasdescobertassobreodecaimentoradioativo,Rutherford

haviaencontradosuaprópriarespostaparaoenigmadaidadedaTerraefalou sobreo temaduranteuma reuniãodaRoyal Society.A irmouqueaTerra permanecia tépida por ser aquecida por elementos radioativospresentes nas rochas e em seu núcleo liquefeito e que a taxa dedecaimento desses elementos comprovava a antiguidade da Terra efornecia um meio para sua medição precisa. Rutherford encarava suaaudiênciacomalgumaapreensão,notandoqueLordKelvinestavanasala.Paraseualívio,Kelvinlogoadormeceu,perdendoamaiorpartedesuafala.Exatamente quando chegava ao imde sua apresentação, porém, viu queKelvin acordara e estava olhando furibundo para ele. Num átimo deinspiração, Rutherford pensou numa maneira de louvar Kelvin por suacontribuição para o problema. Lembrou que ele havia assinalado que aTerra poderia ter apenas 500 milhões de anos,a menos que uma novafonte de energia fosse descoberta . “Essas palavras proféticas”, prosseguiuRutherford,“referem-seaoqueestamosconsiderandoestanoite,orádio”.Comessegolpedediplomacia,RutherfordconquistouodecanodaciênciainglesaeinclinouospratosdabalançaemfavordeumaTerramuitomaisvelhaeparaasideiasdeCharlesDarwin.OcrescenterenomedeRutherfordnacomunidadecientí icadeulugarà

oferta de cátedras em outras universidades. Embora estivesse feliz naMcGill, Rutherford desejava retornar à Inglaterra, onde pensava queestariamaispróximodosprincipaiscentroscientí icosdomundo.Quandoodiretordocentrodepesquisas ísicasdeManchesterdemitiu-sedocargocomacondiçãodesersucedidoporRutherford,esteconsiderouaposiçãoe o laboratório atraentes demais para serem recusados. Em 1907 elevoltou para a Inglaterra para assumir seu posto na Universidade deManchester,onderealizariaseumaisimportantetrabalho.

MANCHESTER

Se o Cavendish de Cambridge sob J.J. Thomson era o laboratório mais

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conceituado do mundo, Manchester sob Rutherford era sem dúvida osegundo.AfamacadavezmaiordeRutherfordatraiuparaManchesterumgrupo de estudantes de pesquisa extraordinariamente talentoso que deucontribuiçõessignificativasparaafísicaeaquímica.A família Rutherford encontrou uma casa que lhe convinha, a apenas

poucos minutos de bonde da universidade, e logo se assentou no que obiógrafo de Rutherford, DavidWilson, chama de o período mais feliz davida do ísico. Gostando de Manchester e de seu povo, ele se lançou notrabalhocomovigorquelheeracaracterístico.Em Manchester, Rutherford dirigiu um grupo que rapidamente

desenvolveu novas ideias sobre a estrutura atômica. Foi a fase maisprodutiva de sua vida acadêmica. Nessa época, a própria cidade era umcentro cultural e intelectual e a universidade se ufanava de um corpodocente particularmente brilhante. Rutherford gostava da atmosfera dedesa io acadêmico e se integrava bem com os historiadores, ilósofos eescritores do campus. Se o tivessem quali icado de intelectual, teriazombado, mas seu caráter afetuoso e seu entusiasmo sem limitesconquistaram-lheamigosentrehomensdemuitasprocedênciasdiferentes.ChaimWeizmann,quenaépocalecionavanodepartamentodequímica

em Manchester mas já estava intensamente envolvido na causa sionista,tornou-se um amigo para toda a vida. Weizmann descreveu Rutherfordnos seguintes termos: “Entusiástico, vigoroso, turbulento, parecia tudomenos um cientista. Falava de bom grado e veementemente sobrequalquer assunto sob o Sol, muitas vezes sem saber coisa alguma arespeito. Ao descer para o refeitório na hora do almoço, eu costumavaouvir a voz alta, cordial, rolando pelo corredor. Era completamentedesprovido de qualquer conhecimento ou sentimento político, estandointeiramente tomado por seu notável trabalho cientí ico. Era uma pessoaafável,masnãosuportavatolosdemuitobomgrado.”Weizmann, que foi também um grande amigo de Albert Einstein,

escreveu sobre os dois cientistas: “Guardei a nítida ideia de queRutherford não se impressionava muito com o trabalho de Einstein,enquantoeste,poroutrolado,sempremefalavadeRutherfordnostermosmais elevados, chamando-o de um segundo Newton.” Como cientistas, osdois homens eram tipos marcadamente contrastantes — Einstein, todoraciocínio; Rutherford, todo experimento. Nunca reverenciando ninguém,muitomenosos teóricos,Rutherfordpronunciouuma frase célebre: “Elesiludemcomseussímbolos,enquantonósproduzimososverdadeirosfatos

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da Natureza.” Consta também que teria dito: “Oh, essa bobagem derelatividade. Nunca nos incomodamos com isso em nosso trabalho.” Defato, existe a história de que, numa conferência internacional que reuniuem Bruxelas os expoentes da ciência mundial, um colega europeu deRutherford, Wilhelm Wien, tentou lhe explicar a teoria da relatividade.Rutherford resistiu e Wien, frustrado, exclamou: “Mas nenhum anglo-saxãoécapazdeentendera relatividade!”AoqueRutherfordrespondeugritando:“Não!Elestêmdiscernimentodemaisparaisso.”Mas, a despeitode tudoquepudessedizerdebrincadeira,Rutherford

tratava a obra de Albert Einstein e de Max Planck com respeitopro issional. Parecia-lhe que, enquanto a teoria quântica de Planck tinhaumimpactosobreseuprópriotrabalho,arelatividadeaparentementenãotinhaumarelevânciadiretaparaafísicaatômica.AciênciadeRutherfordeaciênciadeEinsteineramtãodiferentesemestiloquepoucacompreensãorealerapossívelentreeles.Einsteinsimplesmentenãose interessavaporpartículas alfa e Rutherford não se interessava pela dilatação do tempo,nempeloespaçocurvo.Rutherford recebeu muitos prêmios por suas realizações em

Manchester, culminando em 1908 com o Prêmio Nobel de Química. Essahonra foi de fato concedida em reconhecimento a seu trabalho sobreradioatividade desenvolvido quando estava no Canadá. Por se considerarum ísicoenãoterumaatitudereverenteparacomosquímicos,oNobelodeixou um tanto embaraçado. De fato, brincava acerca de sua“transmutação instantânea” de ísico em químico. O prêmio envolveu, noentanto,umadeliciosaironia.Aodescobriratransmutaçãodoselementos,Rutherford rompera o limite entre a química e a ísica e prosseguira,guiando a ísica no domínio intelectual e acadêmico da química. SeusmaioresopositoresnomundoacadêmicoeramquímicosesuaescolhaparaoPrêmioNobeldeQuímicadevetê-lodivertidomuito.ReceberoPrêmioNobelfoiimportanteparaRutherford,queaindanão

tinha 40 anos, sob vários aspectos. Além de situá-lo entre os gigantes daciência na época, trouxe consigo 7.000 libras. Naquele tempo, era umasoma considerável, equivalente para Rutherford amais de cinco anos desalário.Pelaprimeiraveznavida,ele icourazoavelmenterico.Presenteouosirmãos,as irmãseospaisnaNovaZelândia,remetendo-lhespresentesem dinheiro e comprou seu primeiro automóvel, tendo passado um bomtempoaprendendoadirigi-lo.Daliemdiante,eleeMarypassaramafazerfrequentesviagensdefériaspelointeriordaInglaterra.Em1914Rutherford foi sagradocavaleiroe escreveuaumamigoque

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“estava satisfeito por seu trabalho ter sido reconhecido pelos poderesconstituídos, mas a forma desse reconhecimento lhe parecia um poucoembaraçosaparaumprofessor relativamente jovem (aindanão izera45anos) e sem dinheiro.” O interessante é que, o que a maioria doshistoriadores da ciência considera a mais importante contribuição deRutherfordparaafísica,aindaestavaporvir.

DENTRODOÁTOMO

A noção de que toda matéria consistia de agregados de fragmentos tãominúsculos que seriam indivisíveis sempre foi controversa. Foi o ilósofogregoDemócrito (460-370a.C.)quemprimeirochamouesses fragmentosd eatomos (palavra grega para “indivisível”). Durante séculos a ideiaencontrou oposição, tanto por razões intelectuais quanto, por vezes, pordecreto.NaFrançadoséculoXVII,porexemplo,acrençanaexistênciadeátomos era punida comamorte. Aindaquepor vezes isso leve um longotempo, a ciência em geral sobrepuja a ignorância, e a teoria atômicapreponderou, tornando-seamaneira aceitadeexplicarvários fenômenosexperimentais. Que aparência tinham esses misteriosos átomos, quãopequenos eram, e seriammesmo os tijolos indivisíveis na construção danatureza?Essaseramasperguntascapitaisnaciênciano iníciodoséculoXX.Rutherford fora um atomista desde os primeiros dias do debate

cientí icoeodesenvolvimentodeumarepresentaçãoprecisadaaparênciado átomo tornou-se o foco de sua pesquisa. Seu mentor, J.J. Thomson,descobriu que o átomo comporta partes distintas. Mostrou que elesconsistiam de duas partes, positiva e negativamentecarregadas, unidaspelas forças de atração elétrica. Como foi discutido antes, Thomsonconcebeuoátomocomoumacargaelétricapositivadistribuídademaneiramaisoumenosuniformecomgrandenúmerodepartículasnegativamentecarregadas lutuando por todo o seu interior. Esse era o que Thomsonchamoudeseumodelo“pudimdeameixas”ddaestruturaatômica.Eraummodelobastanterazoávelparaaépoca,masnãoconseguiaexplicarmuitacoisanotocanteadadosexperimentais.Eranecessárioummodelomelhor,eRutherfordmostrariaocaminho.

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ÁTOMOPUDIMDEAMEIXAS J.J. Thomson sugeriu que os átomos consistiam de um número de elétronsnegativamentecarregadosincrustadosnumaatmosferapositivamentecarregada,comopassasnumpudimdeameixas.

EXPERIMENTO DE RUTHERFORD PARA PROVAR A EXISTÊNCIA DO NÚCLEO ATÔMICO Algumas partículas alfadisparadas contra uma ina lâmina de ouro são de letidas para a tela em vez de atravessar a

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lâmina.

Rutherford não estava de todo insatisfeito com omodelo de Thomson.Sabia que ele tinha suas de iciências,mas julgava-o basicamente correto.Ao longo dos anos, começando em Montreal eprosseguindo emManchester, ele havia desenvolvido várias técnicas e ferramentasexperimentais. Entre elas estava o que se poderia chamar de o primeiroacelerador de partículas. Usando esse aparelho, foi capaz de dirigir umfeixedepartículasalfa (núcleosdehélio)deuma fonte radioativaatéumalvo,emgeralumalâminametálica.Em Montreal, Rutherford observara que, ao passar através de inas

folhas de metal, partículas alfa velozes produziam imagens difusas emchapasfotográ icas,aopassoque,quandonãohavianenhumaobstruçãoàsuapassagem,produziamumaimagembemde inida.Haviaconcluídoqueaspartículas alfa talvez fossemde letidasporpassarpertode átomosdalâminametálica,masnãohaviaprovadissoecálculosposterioreslançaramdúvida sobrea conjetura.O fenômenodas imagensdifusas tornou-sepormuitotempooobjetodeexperimentosplanejadosporRutherford.EntreosprofessoresquetrabalhavamsobadireçãodeRutherfordem

Manchester em 1909 estava Hans Geiger (que desenvolveu o contador“Geiger”). Ele contou a Rutherford que um estudante chamado ErnestMarsden estava à procura de tema para um projeto de tese. Rutherfordsugeriu que Geiger eMarsden trabalhassem juntos num experimento deespalhamento. Queria que bombardeassem inas folhas de ouro compartículas alfa e procurassem de lexões de vulto. Estava bastanteconvencido de que não ocorreria de lexão considerável alguma porque(admitindoqueomodelodoátomodeThomsonestavacorreto)oselétronsdos átomos de ouro seriam a única coisa capaz de de letir as partículasalfa.Mas,sendováriosmilharesdevezesmaislevesqueaspartículasalfa,oselétronsteriamtantadi iculdadeparade leti-lasquantoumabolinhadegude para de letir uma veloz bala de canhão. Era extremamenteimprovável,pensavaRutherford.O alvo de lâmina de ouro no aparelho de Rutherford era cercado de

todos os lados por telas de sulfeto de zinco. Quando atingida por umapartículaalfa,umamoléculadesulfetodezincoemiteumlampejo.Torna-seassimpossívelmediroângulodede lexão,sehouveralgum.Tratava-se,porém, de um experimento de di ícil execução, que obrigava Marsden eGeiger a passar várias horas num quarto escuro para adaptar a vista epoder perceber os lampejos depois. Em seguida tinham de detectar e

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registrar o número e as posições dos lampejos. Rutherford, na qualidadede planejador do experimento e diretor do laboratório, delegou essetrabalho minucioso aos dois cientistas mais jovens, mas vez por outraaparecia, para examinar o trabalho e sugerir variações a seremexperimentadas.UmadassugestõesdeRutherfordfoiqueobservassemsehaviapartículassendoespalhadasparatrás,emoutraspalavras,defletidasatravés de um ângulo de mais de 90 graus. Queria veri icar se algumapartícula alfa atingia a lâmina de ouro e saltava para trás, em direção àfonte.É possível que Geiger e Marsden tenham pensado que Rutherford

estava icando maluco com esse pedido, mas como ele era o chefe,cumpriram suas ordens. Para espanto geral, numerosas partículas alfaeram de fato re letidas para trás a partir da lâmina de ouro. Marsdentransmitiu a notícia a Rutherford, cuja reação, hoje famosa, foi: “É semdúvidaomaisincríveleventoquejamaismesucedeunavida.Écomoseosujeitodisparasseumprojétilde40centímetrosnumpedaçodepapeldesedae ele voltasse eo atingisse.”Tinhadehaver alguma coisadentrodoátomo para explicar esse incrível espalhamento para trás, alguma coisamaiorqueaspartículasalfaqueoestavamatingindo.Nesse ponto, é interessante acompanhar o modo de pensar de

Rutherford.Osresultadosdoexperimentoeramincompatíveiscomateoriavigentesobreoaspectodo interiordeumátomo.Ouoexperimento tinhauma falha, ou a teoria do átomo precisava ser revista. Os experimentosforam efetuados em 1909 e somente no início de 1911 Rutherford sedispôs a propor uma explicação. Chegou por im à conclusão de queobviamente tinhadehaverdentrodoátomoalgocomparávelemmassaàpartícula alfa, algo milhares de vezes mais pesado que o elétron.Rutherfordreferiu-seaesse“algo”comoonúcleo.Emmaiodesseano,foipublicadoseuartigoqueanunciavaaexistência

doátomonuclear, oque signi icouo imdomodelodopudimdeameixasdeThomsoneoiníciodaeradafísicanuclear.O passo seguinte de Rutherford foi postular que o núcleo atômico

continha partículas positivamente carregadas, a que chamou deprótons(do gregoprotons, “primeiras coisas”). Em1919, demonstrou a existênciadessaspartículasarrancando-asforadenúcleosdenitrogêniopormeiodepartículas alfa. Mais tarde, sugeriu que os núcleos mais pesados tinhamprovavelmenteumoutroconstituinte,asaber,umapartículaeletricamenteneutra de massa quase tão grande quanto a do próton. Deu a essapartículahipotéticaonomenêutron.Chegouaessaconclusãoaoobservar

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queamaioriadosátomospareciapesarcercadeduasvezesoqueseriadeesperar a partir da soma das massas dos prótons e dos elétrons nelescontidos. Além disso, alguma coisadevia manter os prótons positivosunidos no núcleo. O nêutron que Rutherford postulou foi inalmentedescoberto em 1932. Ele era um teórico muito melhor do que admitia.Quando dados experimentais não correspondiam à teoria vigente, erainventivoeoriginalnaproduçãodenovasteoriascompatíveiscomeles.Quãominúsculos eram os átomos? Usando o trabalho de Maxwell e a

fórmula matemática concebida por Albert Einstein, o ísico francês JeanBaptiste Perrin (1870-1942) estimou o tamanho de moléculas de água,bemcomootamanhodosátomosqueascompunham.Perrinpublicouseusresultados em 1913. Os átomos, ele calculou, tinhamgrosso modo umcentésimo de milionésimo de centímetro de um lado a outro. Em outraspalavras,100milhõesdeátomospostosladoaladoseestenderiamporumcentímetro,250milhõesdeátomospostos ladoa ladoseestenderiamporuma polegada. Se era possível medir os átomos, e ver o efeito de suascolisões, eles certamente existiam. A teoria atômica havia se tornado umfato atômico. Hoje, graças a um aparelho chamado microscópio devarredura por nivelamento, é realmente possível ver os átomos com osolhosefotografá-los.

ÁTOMOSDISPOSTOSPORCIENTISTASDAIBMPARAFORMAROLOGOTIPODACOMPANHIAPormeiodeummicroscópiode varredura por nivelamento, átomos individuais foram usados para desenhar as letras. Naverdade,elassãocercade500.000vezesmenoresdoqueaparecemnestapágina.

Omaior feito de Rutherford emManchester— de fato, de toda a suacarreira—foiadescobertadaestruturanucleardoátomo.Comela,elese

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tornouoCopérnicodosistemaatômico.Éinteressantequesuasprincipaisrealizaçõescientí icastenhamocorridodepoisquerecebeuoprêmioNobelequefoisagradocavaleiro.Ahistóriadaciêncianãocontémmuitosoutrosexemplos dessa diligência e criatividade persistentes na carreira de umcientista.ERutherfordnãoparouporaí.Durante a Primeira Guerra Mundial ele trabalhou nos problemas da

detecçãosubmarinaporacústicasubaquática.Evidentemente,entregou-seaessetrabalhoàsuamaneirapeculiar.Emapenasalgunsmesesproduziutrês relatórios secretos que traçaram o mapa das operações militaressubaquáticasnaquelemomento.Foinecessáriaasuain luênciaparalevara Marinha Real a trabalhar seriamente sobre os problemas da detecçãosubaquática e para orientar esses esforços quando eles se iniciaram.Embora o próprio Rutherford nunca tenha reivindicado esse crédito,algunshistoriadoresdaciênciadeclaramque,paratodosospropósitos,elefoiocoinventordosonar.

CAMBRIDGEII

Em1919,J.J.Thomsonfoipromovido,passandoareitordoTrinityCollege,e Rutherford tomou seu lugar no Laboratório Cavendish. Embora ascontribuiçõesexperimentaisdeRutherforddaliemdiantenãotenhamsidotão copiosas quanto em anos anteriores, sua in luência sobre estudantesde pesquisa continuou importante. Na palestra feita na Royal Society em1920, ele especulou sobre a existência do nêutron e de isótopos dehidrogênioedehélio;essastrêsespeculaçõesvieramtodasaserprovadasporpesquisadoresintegrantesdoLaboratórioCavendish.Entre 1925 e 1930 Rutherford foi presidente da Royal Society e, em

seguida tornou-se presidente do conselho consultivo para o governobritânico em ciência e tecnologia. Esses dois postos envolviam ambosmuitas aparições públicas e cerimônias protocolares, de que ele pareciagostar. Em geral permanecia fora da política, embora tenha sentido quenão podia permanecer inativo quando a Alemanha nazista expulsavacentenas de intelectuais judeus. Durante esse período, encabeçou oConselhoAcadêmicodeAssistência,queprocuravaobterauxílio inanceiroeempregosparaessesrefugiados.Maisquequalqueroutrohomem,Rutherfordformouasconcepçõesque

hoje prevalecem no tocante à natureza damatéria. Ele foi sem dúvida o

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maior ísicoexperimentaldeseutempoeomaiordesdeMichaelFaraday.Dúzias de sociedades cientí icas e universidades izeram dele seu sóciohonorário ou lhe conferiram graus honorários. Em 1925, o rei Jorge V odistinguiu pessoalmente com aOrdemdoMérito, graça limitada a algunsdosmaiseminentes inglesesvivos.Porhonraraciênciabritânica, foi feitonobre (barão Rutherford de Nelson) em 1931, passando a ocupar umassentonaCâmaradosLordes.Rutherfordgostavaimensamentedafama,doacessoaos líderesmundiais,ede todooaparatodosucessomundano.Numdiscurso,elecontouaseguintehistória:“EuestavadepénosalãoemTrinity quando entrouum clérigo. Eu lhe disse, ‘Sou LordRutherford’; ‘Eeu sou o arcebispo de York’, ele respondeu. E tenho a impressão de quenenhumdenósdoisacreditounooutro.”Poroutro lado,Rutherford insistiana informalidadeentreseuscolegas

cientistas. Num jantar da Royal Society, pouco depois de ter se tornadonobre,ouviusemsernotadoNielsBohrreferir-seaelenaterceirapessoacomo Lord Rutherford. Segundo o relato de Bohr, Rutherford investiufurioso contra ele, gritando: “Você me chamou de Lord?” Assimrepreendido,Bohrdissequenuncamais fezaquilodenovo.De fato, suasmuitasfunçõespúblicasnãoomantinhamafastadodeseulaboratórioeelefaziafrequentesrondaspara“animar”suaequipe,comoeledizia.Em1937,Rutherfordmorreusubitamentedeumahérniaestrangulada

nãodetectada.Tinha66anoseaindaeraumhomemvigoroso.Oescritorecientista inglês C.P. Snow lembra que, numa tranquilamanhã de outubroemCambridge,quandoeleealgunsoutrospesquisadorestrabalhavamnovelho Laboratório Cavendish, alguém en iou a cabeça no vão da porta edisse: “O professor morreu.” Eles icaram aturdidos e ninguém sentiunenhumanecessidadedeperguntaraoportadordanotíciaaquemelesereferia.AntesdeRutherford,oátomoera,parausarsuaspalavras,“umsujeito

simpático e resistente, vermelho ou cinza, segundo o gosto do freguês”.Agora era um sistema solar em miniatura que envolvia incontáveispartículas e, suspeitava-se, continha aindamaismistérios por desvendar.Rutherfordhaviadadoaomundoumnovomodelodeátomo.Planckhaviaintroduzido a ideia dosquanta. Agora, era preciso alguém para juntaressas ideias. E, de fato, elas logo seriam reunidas pelo brilhante ísicodinamarquêseomaisfamosoalunodeRutherford,NielsBohr.

aOprincipalminériodeurânio.(N.R.T.)bPeer:umnobreinglês.(N.R.T.)

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cOsraiosgamasãoemissõeseletromagnéticasquepodemserdescritasporfótons.(N.R.T.)dOtermooriginaleminglêséPlumPuddimg(pudimdeameixas)queéumareceitatípicadenatalquelevaváriosingredientescomofarinha,passas,cidra,laranja,groselhaeamêndoasentreoutrosmas não leva ameixas. É um pudim de realização trabalhosa e demorada, dando como resultadoinalumamassanaqualaspassasaparecemincrustradasedistribuídasportodaamassa.EmboraPlum também signi ique passas quando usada em um bolo, o termo consagrado em português épudimdeameixas.(N.R.T.)

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CAPÍTULOCINCO

NIELSHENRIKDAVIDBOHR

Esquecendo o uso ocasional de um par de esquis, a bicicleta era o meio de locomoçãofavoritodeNielsBohr.Amarcharelativamente lentadoveículo,baseadanumequilíbriodevariáveis dinâmicas que não se consegue explicar adequadamente em poucas palavras é,pensoeu,umaboaintroduçãoaocaráterdeNielsBohr.

EdwardTeller,“NielsBohreaideiadecomplementaridade”,1969

Certodiaem1962,doisamigoscientistas,AbrahamPaiseumcoleganãoidenti icado, estavam discutindo sobre Niels Bohr, pouco depois da suamorte. O companheiro de Pais confessou que na verdade não entendia aessênciadotrabalhodo ísicodinamarquês.“Vocêoconheceubem”,dissea Pais. “Que fez ele exatamente?” Se um cientista estava confuso com otrabalhodeBohr,vocêpodecertamenteperguntaroquesepodeesperarde um leigo. Na verdade, porém, as realizações de Bohr podem serdescritascombastantefacilidade.Um dos feitos mais importantes de Bohr foi mostrar que não era

possível descrever a estrutura do átomo unicamente segundo a ísicaclássica; era preciso lançarmão da teoria quântica. Em poucas palavras,Bohr tomou a imagem do átomo de Rutherford de um lado e a teoriaquânticadePlanckdeoutroe,em1913,aos27anos,uniu-asparaformara imagemcontemporâneadeumátomo.Por isso recebeuoPrêmioNobeldeFísicaem1922.

OHOMEM

AeducaçãodeBohrfoiquaseboademaisparaserverdade,semnenhumahistóriadenegligênciaoudequalquertipodesofrimentonainfância.BohrnasceuemCopenhagueem1885.SeupaifoiChristianBohr,umprofessorde isiologia naUniversidade de Copenhague. Suamãe, Ellen Adler Bohr,

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provinha de uma família judaica opulenta, proeminente nos círculosinanceiroseparlamentaresdaDinamarca.AfamíliaBohrincluíaJenny,airmãmaisvelha,NielseocaçulaHarald.Segundotodososrelatos,olardosBohr era intelectualmente estimulante e proporcionava uma atmosferafamiliaraconcheganteeamorosa.Os Bohr recebiamum grande rol de visitantes, alguns dos quais eram

colegas de Christian Bohr na universidade. Ainda menino, Niels ouviamuitosdebatesanimadossobreassuntosqueiamda iloso iaea ísicaatéa teologia e a política. Essa livre troca de ideias deve certamente terestimuladoNiels e os irmãos e os encorajado a aprender a expressar osprópriospensamentos.Os Bohr não frequentavam a igreja. Embora viesse de uma família

judaica, Ellen concordara em que os ilhos fossem criados como cristãos.Em consequência, Niels, a irmã Jenny e o irmão Harald foram batizadoslogoapósonascimento,masafamíliasóiaà igrejanavésperadoNatal,emesmoissosóporquetodososseusconhecidosofaziam.Niels e Harald sempre foram extraordinariamente ligados. Brincavam

juntos, lutavam juntos e estudavam juntos nos tempos de escola e maistarde na vida mantiveram assídua correspondência. Em 1891, Niels foimatriculadonaGammelholmsLatin-ogRealskoleemCopenhague,ondeelee Harald icariam até que estivessem preparados para se submeter aosexames para ingresso na faculdade. Os colegas de escola lembram-se deNielscomoummeninoalto,umtantoturbulentoefortecomoumurso.Elefoilembradotambémcomoumacriançaumpoucorebeldeeirritadiça,quevez por outra se envolvia em brigas no pátio da escola. Mas Niels eratambém um aluno consciencioso. Tinha bom desempenho na escola e,emboranuncaalcançasseoprimeirolugar, icavanoterceiroouquartonaturmade20alunos.Interessava-seportodasasmatérias,masmatemáticae ísica eram as preferidas. Os esportes constituíam também umimportanteinteresseeNielseHaraldintegravamambosotimedefutebolda escola. Tanto Niels quanto Harald foram aprovados com honras noStudenterexamen, o exame inal que permitia aos alunos ingressar nauniversidade.Em 1903, Bohr se matriculou na Universidade de Copenhague, onde

estudou ísica, além de se destacar como exímio jogador defutebol. (Seuirmão caçula era aindamelhor e, em1908, fezpartedo timeolímpicodefuteboldaDinamarca.)TambémnoplanoacadêmicoNielssedistinguiunauniversidade,ganhandoumamedalhadeourodaRealAcademiaSuecade

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Ciências e Letras por análises teóricas e experimentos ligados àdeterminação da tensão de super ície da água. Em 1911 ele se doutoroucom uma tese sobre a teoria eletrônica dos metais que enfatizava asinadequaçõesda ísicaclássicaparatratarocomportamentodamatérianonível atômico. (Nesse texto, começava a focalizar sua atenção no que iriaserotrabalhodesuavida.)Em seguida Bohr viajou para a Inglaterra para trabalhar, como pós-

graduado, sob a direção do célebre J.J. Thomson em Cambridge. SabiapoucoinglêsquandochegouaCambridgeeparasuprirade iciêncialeuAsaventuras de Pickwick de Charles Dickens com um dicionário na mão.Dickens tornou-se um dos seus autores favoritos. A língua, porém, foiapenasumdosproblemasdeBohr emCambridge.Nem tudoandoubemparaelenoLaboratórioCavendish.Thomsonmostroupoucointeressepeloseutrabalho.Bohrlhederaumacópiadesuatesededoutoradoassimquechegara, na esperança de receber algum comentário ou incentivo; masThomson deixou-a sobre a mesa, sem a ler. Talvez tenha sido melhorassim,porqueelacontinhavárioscomentárioscríticosàteoriadoátomodeThomson. Fosse como fosse, Bohr icou desiludido com a indiferença deThomson. Intrigado coma teoriadoátomodeRutherford, resolveu tratarde conseguir uma transferência para Manchester. Ali as coisas sepassaramdemaneiramuitodiferente.ArelaçãodeBohrcomRutherfordestabeleceuumpadrãopara todaa

suavidacientí icaposterior.Osdoishomens tornaram-seamigosdesdeoprimeiro encontro e permaneceram ligados pelo resto de suas vidas.Quando se considera que Rutherford era o mais rematadoexperimentalista, com pouca consideração por teóricos, e Bohr o maisrematado teórico intelectual, com pouca necessidade de qualquerinstrumento além de um quadro-negro, parece estranho que esses doistenhamseentendidoassimtãobem.Paraseugrandemérito,RutherfordreconheceuobrilhantismodeBohr

deimediatoedesdeoinícioencorajou-odetodasasmaneirasquepodia.AprimeiraestadadeBohremManchesterfoirelativamentecurta,demarçoajulhode1912,masfoicrucialnamoldagemdesuaabordagemàfísicaeàcondução de projetos de pesquisa em ísica. Ométodo de Rutherford decombinar seu próprio programa de pesquisa em andamento com aorientação de ísicos mais jovenscausou forte impressão em Bohr ein luenciou seu próprio estilo. (Quando, nameia-idade, dirigiu um centrodepesquisas ísicasemCopenhague,Bohrmodelouseumétodocolegiadode gestão pela experiência que tivera em Manchester.) Em suma, foi

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RutherfordqueelevouBohraonívelmáximodafísicamundial.Em 1912 Bohr retornou à Dinamarca, onde foi nomeado professor

assistente na Universidade de Copenhague. Com a carreira começando aganhar forma, casou-se com Margrethe Norlund. Os dois haviam seconhecido, segundo ela se lembrou, num jantar— ele se sentara ao seuladomasnãodisseraumapalavra.DepoisBohrfezumavisitaaMargretheeaoirmão,dequemeraamigo,nacasadecampodosNorlund.MaistardeelaestevenacasadeBohremCopenhagueeem1910jáestavamnoivos.Ain luência que ela exerceu sobre Niels e a ajuda que lhe deu é evidentedesdeo iníciodarelaçãodosdois.Omanuscritoparaadefesada tesededoutoradodeNiels,porexemplo,trazaletradela.Ocasamentoprovou-seumauniãosólidae feliz,umafontepermanentedeharmoniae forçaparaNiels, que era a quintessência do homem devotado à família. Os Bohrtiveramseisfilhos,quatrodosquaischegaramàidadeadulta.

OÁTOMODEBOHR

UmavezestabelecidoemCopenhague,Bohr continuouapensar sobreasimplicaçõesradicaisdomodelonucleardoátomopropostoporRutherford.Tratava-se da ideia do átomo nuclear, uma espécie de sistema solar emminiatura,comoselétronsgirandoemtornodeumnúcleosemelhanteaoSol. Era um modelo engenhoso, que respondia a muitas questões, eencontrava aceitação geral entre os ísicos. Ele envolvia, contudo, umgrande problema, o que os cientistas chamamde uma anomalia. O pontoanômaloera:oquemantinhaoselétronsemseu lugarnoátomonuclear?Se os elétrons são negativamente carregados e o núcleo é positivamentecarregado, e se cargas opostas se atraem, os elétrons deveriam cair nointeriordonúcleo.A teoria eletromagnética mostra que um objeto eletricamente

carregado, quando gira à maneira do elétron em torno do núcleo, emiteradiação eletromagnética, perdendo energia nesse processo. Segundo ateoria,àmedidaqueperdeenergiaoelétroniriaespiralarparao interioraté inalmentecairdentrodonúcleo.Mastalnãoacontece.Aocontráriodoque reza a teoria, os elétrons não caem dentro do núcleo. Os átomospermanecemestáveisporperíodosindefinidos,enissoresideaanomalia.

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O ÁTOMO DE BOHR Os elétrons mais afastados do núcleo têm energia mais elevada que os maispróximosepodemsemoverdeumaórbitaparaoutra.

Umdosmuitos ísicosdequemesseproblematiravaosono,NielsBohradotouumaabordagemoriginalparabuscarumaexplicação.Concluiuque,com ou sem teoria, o elétron não irradiava energia enquanto estava emórbita. Por outro lado, tanto a teoria quanto os indícios experimentaismostravam que o hidrogênio, por exemplo, de fato irradiava energiaquando aquecido — energia que muitos ísicos acreditavam serprovenientedoselétrons.Deondeessaenergiarealmentevinha?Essa foiaquestãoqueBohrdecidiuquedeviaresolver.Segundo os colegas de Bohr, seu maior trunfo era a capacidade de

identi icar, eexplorar, falhasna teoria.Desenvolvendoessaaptidão, eleatransformou numa metodologia cientí ica rigorosa. Costumava colecionarcasos de falha, examinar cada um minuciosamente e identi icar aqueles

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que pareciam incorporar o mesmo defeito. Em seguida, concebia umahipóteseparacorrigirodefeito,conservandotantoquantopodiadateoriaoriginal defeituosa. Empurrando e puxandocontinuamente teoria eresultados experimentais até que uma nova teoria emergisse, Bohrgeralmente tinha êxito. Era ummétodo intricado que exigia não só gêniocriativo como a capacidade de suportar a ambiguidade, a incerteza e aaparentecontradição.Em1913,usandoessemétodo,Bohrconcebeuummodelodoátomoque

era uma variaçãododeRutherford,mas explicava amisteriosa anomaliados elétrons. Perguntou a simesmo comoumátomode hidrogênio podiairradiar energia quando aquecido e absorvê-la quando esfriado, semcontudo colapsar. Concluiu que, enquanto permanecia na mesma órbitadentro do átomo de hidrogênio, o elétron não irradiava energia. Comoalternativa, sugeriu que o elétron podia assumir uma posição estável emqualquer das diferentes órbitas das diferentes distâncias do núcleo.Semprequeestivessenumaórbitaparticular,oelétronnãoganhavanemperdia energia. Quandomudasse de órbita, contudo, iria ou absorver ouemitir energia. Elétrons que estão mais afastados do núcleo têm maiorenergia e um elétron pode saltar para um nível mais alto absorvendoenergia. Isso ocorreria em altas temperaturas ou quando fótons comenergia su iciente atingissem o átomo. Inversamente, um elétron emitiriaenergia na forma de radiação quando caísse num nívelmais próximo donúcleo.Issoocorreriaquandohouvesseumalacunanumnívelmaisbaixo.Porque Bohr pensou em “degraus” de órbitas? Por que um elétron

nunca está numa órbita a meio caminho entre um nível e outro? Bohrestava se valendoda teoria quântica dePlanck. Propôs queumátomo sópode absorver ou emitir quanta— energia de quantidade ixa— e queessas quantidades de energia são exatamente su icientes para enviarelétronsparaaórbitaseguinte.Bohrpropôs-seentãoaexplicarporqueumelétronsecomportadessa

maneira, estabelecendo uma nova conexão entre matéria e luz. Sugeriuque, quando se movem de um nível de energia para outro, os elétronsdesprendem ou absorvem “pacotes” de radiação na forma de luz. Essespacotes são chamadosfótons, ouquanta. Quanto mais curto é ocomprimento de onda da radiação, mais alta é a energia do fóton. Elecalculou então as energias precisas envolvidas no salto de um elétron deumaórbitapermissívelparaoutra.ÉmaisfácilcompreenderateoriadeBohrconsiderandoosfascinantes

indíciosqueeleusavaemsuadefesa.Essesindíciosvêmdeumcampode

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estudos conhecido comoespectroscopia, o estudo dos espectros de luzemitidos por átomos de diferentes elementos. Ointerior do átomo éinvisívelaoolhohumano,masaespectroscopiaforneceumajanela(algunsautoresacompararamaumajaneladevitral),queécompostadoespectroluminoso. Todo objeto de temperatura superior ao zero absoluto emiteradiação; quantomais quente ele estiver,mais elevada será a frequênciadessa radiação. O atributo importante dessa radiação, que permite aanálise química, é que a radiação emitida por diferentes átomos emoléculas é uma marca distintiva, como uma impressão digital. Cadaimpressão,ouespectro,sedistingueporpicosevalesemposiçõesquesãocaracterísticasdassubstânciasquímicasqueemitemaradiação.

OMOVIMENTODOELÉTRONNOÁTOMODE BOHROselétronsqueabsorvemenergiasaltamparaumaórbitamaisalta.Quandosaltamparaumaórbitamaisbaixaoselétronsemitemenergia.

Em 1859, o ísico alemão Gustav Kirchhoff encontrou uma conexãoentre linhas espectrais e elementos químicos. Descobriu que, quandovárioselementoseramaquecidos,cadaumdelesemitiaumespectrodeluzdiferente. Kirchhoff e seu colega Robert Bunsen (o inventor do bico deBunsen) conseguiram assim identi icar elementos por suas linhasespectrais. Agora a ciência tinha uma ferramenta para examinar acomposição química de qualquer objeto que emitisse luz. De fato, é poresse meio que os astrônomos analisam atualmente, no tocante aoselementosqueasconstituem,acomposiçãodeestrelasdistantes.Masquetemtudoistoavercomadeterminaçãodaestruturadoátomo?

Emsuaanálisedoproblemadoelétron,Bohrhaviaselecionadooátomodehidrogênio para um estudo detalhado em razão de sua simplicidade (umelétron em órbita em torno de um próton). Considerando as linhasespectrais do hidrogênio, Bohr postulou que ocorre radiação quando umelétronsaltadeumníveldeenergiaparaoutromaisbaixoequeaenergiado fótonemitidoéadiferençaentreos doisníveisdeenergia.Umelétronsaltariadeumaórbitaparaoutraquandoabsorvesseouemitisseenergia.

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Supondo que essa energia era convertida em luz, ele calculou oscomprimentos de onda correspondentes. Comparou estes últimos aoconhecido, mas não compreendido, espectro do hidrogênio, e acorrespondênciafoiexata.O hidrogênio tem três linhas bastante vívidas em seu espectro visível:

umavermelha,umaazul-verdeeumaazul.Bohrexplicouqueasemissõesdos átomos são aquilo que aparece na forma das linhas espectraiscaracterísticasdohidrogênio.A linhavermelhaaparecequandooelétronsaltadaterceiraórbitaparaasegunda;alinhaazul-verdequandoelesaltadaquartaórbitaparaasegunda.O século XIX vira o acúmulo de espectros belamente observados de

muitos elementos, mas, até Bohr, pouco se compreendera deles. Quandosoubeemquegrauateoriacorrespondiaaosdadosdaslinhasespectrais,Albert Einstein quali icou o achado de Bohr como uma das grandesdescobertasdafísica.AteoriadeBohrrepresentouaprimeiraaplicaçãodateoriaquânticaa

umcampoquea ísicaclássicasempreconsideraraexclusividadesua—aísicadamatéria.Dessepontoemdiante,os ísicos icaramconhecendooslimitesdafísicaclássicanaescaladomuitopequeno—Einstein já lhesensinaraos limitesda ísica clássicanodomíniodas

velocidades ultra-altas. O esquema de Bohr foi também a primeiratentativabem-sucedidadeexplicaraespectroscopiaapartirdaestruturainterna do átomo e de usar dados espectroscópicos para explicar aestruturainternadoátomo.

OÁTOMODEBOHR

De início, muitos ísicos da velha guarda, entre os quais J.J. Thomson,icaram céticos diante da teoria de Bohr; Rutherford, porém, defendeu-avigorosamenteeporfimateoriafoiaceita.Em 1913, Bohr publicou três artigos sobre a ísica dos átomos, sendo

que um deles,Sobre a constituição de átomos e moléculas , tornou-se umclássico em pouco tempo. Ele passou os anos de 1914 a 1916 emManchester, novamente trabalhando sob os auspícios de seu mentor,Rutherford.Então, em1916, foi-lheoferecidaumacátedraemsuacidadenataldeCopenhague,naUniversidadedaDinamarca.Naquele tempo, era costumeosnovosprofessores seapresentaremao

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rei ou à rainha, numa audiência pública, pouco depois de seremdesignados. Trajes formais — fraque e luvas brancas — eram exigidos.Assim, lá foi Bohr visitar o rei Cristiano X. Quando Bohr foi levado à suapresença, o rei disse que era um prazer conhecer o famoso jogador defutebol, o que deixou Bohr numa posição incômoda. Sabia que o rei oestava confundindo com o irmão mais moço, Harald. Por outro lado, oprotocoloproibiacorrigiromonarcaduranteumaaudiênciapública.Bohrconseguiumurmuraralgumacoisasobreofatodequejogavafutebol,masseuirmão(membrodotimeolímpicodefuteboldaDinamarca)équeeraofamosojogador.Aborrecido,oreideuaaudiênciaporencerradaeBohrseretirou,andandoparatrás,comopediaocostume.Mas, seencontroudi iculdade juntoaomonarca,nauniversidadeBohr

foi muito valorizado. A universidade criou para ele um novo Instituto deFísicaTeórica,queabriusuasportasem1921.NielsBohrocupouocargodediretorpelorestodesuavida.

OPRÊMIONOBEL

Emnovembrode1922,aRealAcademiadeCiênciasdaSuéciaconcedeuaNiels Bohr o Prêmio Nobel de Física. Ele foi o sexto dinamarquês e oprimeiro ísico dinamarquês a receber essa honraria. Em nossos temposde comunicação de massa, a concessão de Prêmio Nobel é manchete nomundo inteiro. Não era o que acontecia em 1922. Foi uma nota de umparágrafo na página quatro do New York Times que levou a notícia doprêmiodeBohraosEstadosUnidos,eagra iadonomedeleestavaerrada.Alémdisso,onomeque iguravanotítulodanotaeraodeEinstein,nãoode Bohr — Einstein fora contemplado com o prêmio de ísica no anoanterior,oqueestavasendoanunciadocomatraso,aomesmotempoqueapremiaçãodeBohr.

“KOPENHGAGENERGEIST”

Bohr atraiu para o Instituto de Física Teórica de Copenhaguemuitos dosmais respeitados ísicos teóricos do mundo. Sob sua direção, elesdesenvolveramsubstancialmenteas ideiasdamecânicaquântica.Ogrupo

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internacional de Bohr incluiu Oskar Klein,Werner Heisenberg,WolfgangPauli, George Gamow, Lev Landau e Hendrik Kramers. O centro deequilíbrioparaoestudodossegredosdanaturezadeslocara-seclaramenteparaCopenhague, ondeosmais famosos cientistasdomundo se reuniampara consultar, debater, argumentar e simplesmente conversar sobreísica. Para teóricos domundo inteiro, visitar o instituto para ouvir Bohrfalar e trocar ideias com ele era ao mesmo tempo uma obrigação e umprazer. Bohr usava uma técnica socrática, respondendo a perguntas comperguntasnumalentaeperscrutadora,maspaciente,buscadaverdade.Já se comparou uma palestra de Bohr sobre ísica a uma partida de

tênis jogadaporumhomemsó.Bohr,aoquesediz, lançavaaboladeumlado da quadra e corria para o outro rápido o bastante para devolvê-la.Quantomaioronúmerodevezesemqueotemaemquestãopulavadeumladoparaoutro comoumabolade tênis,maiso jogo icavadivertido.Vezpor outra, para tornar a atmosfera mais leve, Bohr contava uma piada.Tinha um repertório ixo de piadas, a maioria delas muito conhecidas eapreciadasporseusalunos.Umadassuasfavoritaseraade iniçãodeuma“grandeverdade”:aquelacujocontrárioétambémumagrandeverdade.Comooradorpúblico,porém,Bohreraumfracasso.Suavozbaixatinha

poucoalcanceeseusotaqueeraumproblemaadicional.Frequentementepassava de uma língua para outra sem nenhum aviso. Além dodinamarquês,falavainglêsealemãoe,naspalavrasdeumcolegaseu,poralguma razão achava que falava também francês. Certa feita, saudou umperplexoembaixadorfrancêscomumcordial“ Aujourd’hui” (Hoje).Omaisdesconcertante, porém, eram suas frases intricadamente desdobradas,retorcidas, que frequentementeomitiamexpressõesporqueBohr, imersoem pensamento, se esquecia de articulá-las. Segundo a voz geral, ouvirBohr não era diferente de lerUlysses de James Joyce. Se sua atençãovacilasseporuminstante,vocêestavaperdido.Cada novo grupo de estudantes de pesquisa que chegava ao instituto,

comseuscônjuges,erasaudadoporBohrcomumdiscursodeboas-vindas.A mulher de um desses entusiásticos recém-chegados contou que ouviutodaafaladeboas-vindasdeBohr,notouoaplausoentusiásticodopúblicoe, virando-se para seu vizinho de assento, lhe disse o quanto estavaansiosa por ouvir a tradução inglesa.Depois deolhá-la por ummomento,elelhedeuamánotícia:“Essafoiatraduçãoinglesa.”Os colegas de Bohr relevavam sua di iculdade para se comunicar

porque reconheciam a profundidade e a originalidade de seus

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pensamentos. Provavelmente perdoariam suas de iciências de qualquermodoporcausadesuaagradabilíssimapersonalidade.Emcontrastecomamaioria dos demais grandes cientistas de seu tempo, ele não possuía umego in lado, nunca era sarcástico ou indelicado no debate cientí ico e emgeraldavaumaimpressãodeserenaemeditativasabedoria.

BOHREEINSTEIN

AlbertEinsteindesempenhouumpapelsingularmenteimportantenavidadeBohr.Eles se encontrarampelaprimeiravezem1920,porocasiãodaprimeira visita de Bohr a Berlim. Einstein, nessa época o mais famosocientista domundo, icoumuito impressionado com o colegamais jovem.Eles conheciam bem, é claro, o trabalho um do outro e seu primeiroencontrofoiumsucesso.Tiveramlongasconversasenquantocaminhavampelos subúrbios de Berlim próximos à casa de Einstein e deram início aumatrocadecartasqueseprolongoupelorestodesuasvidas.Maistarde,ainda em1920, Einstein visitou a famíliaBohrquando retornavadeumaviagem à Noruega. Escrevendo a um amigo, Einstein disse que as horasque passara com Bohr em Copenhague haviam sido o ponto alto de suaviagemàEscandinávia.Ambososcientistaseramfamosos,oumesmonotórios,pelacapacidade

de se concentrar em um problema particular, furtando-se a toda equalquerdistraçãoexterior, e ahistóriaque se seguedemonstra atéqueponto essa concentraçãopodia ser intensa.Aoque se conta, em1923, aovoltar para casa após uma viagem à Suécia, Einstein fez uma parada emCopenhague. Não podendo dispor de seu automóvel naquela tarde, Bohrpegou o bonde para ir à estação ferroviária receber Einstein. Os doiscientistas entraramnumbonde para voltar à casa de Bohr e icaram tãoabsortos em sua conversa que deixaram passar seu ponto de parada.Saltaram, pegaram um bonde em sentido contrário e de novomergulharam tão imediatamente no debate em andamento que pelasegundavezdeixaramdesaltarnopontocerto.SegundoBohr, issovoltoua acontecer tantas vezesque aspessoas começaramaolharparaosdoisísicosdemaneiraestranha.BohreEinsteintinhamideiasopostassobreailoso ia da ísica quântica e o famoso debate que mantiveram sobre oassuntoseprolongoupormaisde35anos.

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PRINCÍPIODACOMPLEMENTARIDADE

UmpontoparticulardacontrovérsiaentreBohreEinsteineraoprincípiode complementaridade de Bohr, que se tornou parte essencial do modocomo os ísicos pensam a natureza atualmente. Pode-se de inircomplementaridade comoa coexistência, paraummesmo fenômeno ísico,de duas descrições diferentes, aparentemente incompatíveis, mas ambasnecessárias para uma representação completa do sistema. Um bomexemploilustrativoéadualidadeonda-partícula—ofenômenopeloqual,no domínio atômico, os objetos exibem propriedades tanto de partículasquanto de ondas. Na ísica clássica,macroscópica, partículas e ondas sãoconsideradas categorias mutuamente exclusivas. Na visão de Bohr, osconceitosdepartículaedeondaeramduasdescriçõescomplementaresdamesma realidade, cada uma sendo apenas parcialmente correta e tendoumâmbitolimitadodeaplicações.Osdoisconceitoseramnecessáriosparapermitirumadescriçãocompletadarealidadeatômica.Bohr ressaltou que em muitos experimentos é mais conveniente

conceberaradiaçãocomoondas.Frequênciaseintensidadesdeondas,porexemplo, fornecem informação sobre o átomo. Bohr pensava que nessecaso a representação em termos de onda se aproximava muito mais daverdadequeadescriçãofundadaempartículas.Assim,defendeuousodeambasasdescrições,quediziaserem“complementares”umaàoutra.As duas descrições são mutuamente exclusivas, é claro, porque uma

determinada coisa não pode ser ao mesmo tempo uma partícula e umaonda,masosdoisconceitospodemsecomplementarumaooutroa. Jogandocom as duas descrições, passando de uma para outra e retornando,mostrou Bohr, pode-se inalmente alcançar a impressão correta doestranhotipoderealidadesubjacenteaosexperimentosatômicos.Eleusouesse conceito de complementaridade em sua interpretação da teoriaquântica.Bohr a irmava: “Os dados obtidos sob diferentes condições

experimentaisnãopodemserincluídosemumúnicoquadro,devendoservistos como complementares no sentido de que somente a totalidade dosfenômenosesgotaa informaçãopossívelsobreosobjetos.”Estassão,caberessaltar,palavrasdeBohr—aexplicaçãodacomplementaridadequeelepróprio deu. O que ele queria dizer exatamente com isso foi sempre umobjeto de animada discussão entre seus colegas e alunos. De fato,interpretarBohrtornou-seumaatividade lorescente.Umdosquetiveram

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problema com o conceito de Bohr foi seu célebre discípulo e protegido,WernerHeisenberg.Em1927,HeisenbergestavamorandonumsótãodoinstitutodeBohre

estesempreiaatéoquartodorapazànoiteparadiscutirnovasideiasnocampo da teoria atômica. Os dois cientistas pensavam de maneira muitodiferenteesuasdiscussões icavaminevitavelmenteacaloradas.Segundoorelato que Heisenberg fez desses eventos, foi durante uma caminhada ànoite atrás do instituto que lhe ocorreu que a di iculdade central nasmedições quânticas residia na impossibilidade de se estabelecer, emqualquer dado instante, tanto o momentob quanto a localização de umapartícula.BohrviajaraparaesquiarnaNoruegae,duranteasuaausência,Heisenberg rascunhou um artigo para demonstrar o que veio a serconhecidocomoseuprincípiodaincerteza.(Asimplicaçõesdessebrilhanteachadoserãodiscutidasnopróximocapítulo.)Quando Bohr chegou das férias, considerou que seu princípio da

complementaridade explicava melhor a realidade que o princípio daincerteza, e os dois homens começaram a se desentender a propósito desuas diferentes abordagens. Depois de várias altercações iradas,resolveram se afastar por alguns dias. Por im, ambos cederam econseguiramencontrarumasaídaparao impasse.Resolveramconcordarque a complementaridade e as relações de incerteza de Heisenbergequivaliam à mesma coisa, e seus conceitos combinados icaramconhecidoscomoainterpretaçãodeCopenhague.A interpretação de Copenhague implica a divisão do mundo ísico em

umsistemaobservado(aqueBohreHeisenbergsereferiamamboscomoo “objeto”) e um sistema observador. O objeto pode ser um átomo, umapartícula subatômica ou um processo atômico. O sistema observadorconsistedoaparelhoexperimental (ummicroscópioouumtelescópio,porexemplo) e de um ou vários observadores humanos. Bohr e Heisenberga irmaram que os dois sistemas funcionam segundo diferentes conjuntosdeleis ísicas.Osistemaobservadorsegueasleisda ísicaclássica,masossistemas observados (os “objetos”) seguem as da teoria quântica. Issosigni ica que nunca se poderá antecipar com certeza onde uma partículaatômica vai estar em um determinado instante ou como um processoatômicovai seproduzir, porquenonívelquânticoaposiçãoeomomentodeumapartículanãopodemserdeterminadoscomcerteza.Podemapenasser calculados em termos de probabilidades. Tudo que se pode fazer épreverasprobabilidades.As partículas subatômicas conhecidas hoje são em sua maior parte

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instáveis;istoé,decaemousedesintegramemoutraspartículasapóscertotempo.AinterpretaçãodeCopenhaguedizquenãoépossívelpreveressetempo com precisão. Ao contrário, tudo que se pode prever é aprobabilidadededecaimentoapósumcerto tempo.Damesmamaneira,oprocesso especí ico de decaimento não pode ser previsto com precisãoabsoluta. Uma partícula instável pode se desintegrar em váriascombinações de outras partículas, mas tudo que se pode prever sãomédiasestatísticas.Porexemplo,dentreumgrandenúmerodepartículas,xporcentovãodecairdeumamaneira,yporcentovãodecairdeoutraezpor cento de uma terceira maneira. Essas previsões estatísticas exigemquemuitasmedidassejamveri icadas.Defato,atualmente,na ísicadealtaenergia, registram-se e analisam-se dezenas de milhares de colisões departículas para determinar a probabilidade de qualquer processoparticular.A teoriaquântica requero reconhecimentodaprobabilidade comoum

traço fundamental da realidade atômica que governa todos os processosdamatéria e até sua existência. Nela, as partículas atômicas não existemcom certeza em lugares de inidos e mostram apenas “probabilidades deexistir”.Eeventosatômicosnãoocorremcomcerteza,emtemposde inidosedemaneirasdefinidas,mostramapenas“probabilidadesdeocorrer”.A interpretação Bohr/Heisenberg do signi icado doquantum, que

implicou uma visão modi icada do signi icado deexplicação ísica, foigradualmente aceitapelamaiorpartedos ísicos.Omais famosoe francodissidente, contudo, foi Albert Einstein. (Mencionei o temadesseprolongadodebatenoCapítuloDois.)OcernedadiscordânciadeEinsteineraaideia,sustentadaporBohr,deumuniverso“probabilístico”,emqueoacaso desempenha importante papel na ocorrência dos eventos. Issoofendia profundamente o senso de ordem de Einstein e contrariava suacrença num universo “determinístico”, tal como o revela seu comentário,tantasvezescitado,deque“Deusnãojogadadoscomouniverso”.Embora,comodisse,amaioriados ísicoshojeconcordecomBohr,Einsteinmorreusemseconvencer.Duranteadécadade1930,Bohrcontinuouatrabalharcomproblemas

suscitadospela teoriaquântica, alémdecontribuirparaonovocampodaísicanuclear.Suaconcepçãodonúcleoatômico,queelecomparavaaumagotinha,foiumpassoimportanteparaacompreensãodemuitosprocessosnucleares. Em particular, desempenhou um papel-chave em 1939 nacompreensãodafissãonuclear.

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ADIVISÃODOÁTOMO

Em1939, OttoHahn e LiseMeitner haviam estudado a desintegração denúcleos de urânio por nêutrons. Trabalhando juntos, haviam descobertoque bombardeando-se certos átomos com partículas de materiaisradioativos podia-se partir o núcleo daqueles átomos, liberando energia.Deinícionãocompreenderamplenamenteoquehaviamfeito.EmEstocolmo,Meitnereseusobrinho,ofísicoOttoFrisch,analisaramos

dados e concluíram que o que ocorrera fora a issão (cisão) do urânio.Juntos, Meitner e Frisch redigiram um artigo sobre esse feito e osubmeteramàrevista inglesaNature.Frisch,queestava trabalhandocomBohr em seu laboratório em Copenhague, falou-lhe sobre o artigo antesque ele fosse publicado. Bohr percebeu de imediato as implicações daissãonucleare,numaviagemaosEstadosUnidos,divulgouanotíciaentreosparticipantesdeumaconferênciadefísicaemWashington.As implicações da descoberta Meitner/Hahn/Frisch eram

estarrecedoras.Em1905Einsteinhaviademonstradoquemassaeenergiaeram conversíveis, mas aquilo era teoria e essa notícia era fato. Se umnêutron que cinde um núcleo de urânio pudesse iniciar uma reação emcadeia pela qual nêutrons liberados pudessem por sua vez desintegraroutros núcleos, liberando assim cada vez mais energia de modo quaseinstantâneo, esse processo poderia resultar numa explosão de forçaassombrosa.Maso laboratóriodeHahnemBerlimnãoexplodira,nemasinstalaçõesdeMeitnernaSuécia.Bohr e um jovem colega de Princeton chamado John Wheeler

começaram imediatamente a trabalhar, na tentativa de resolver oparadoxo.OartigoBohr/Wheelerpublicadoem1939explicouoprocessode issãonucleareporqueolaboratóriodeHahncontinuavadepé.BohreWheeler mostraram que a maior parte dos núcleos de urânio não eradividida, apenas uma pequena parcela. Esta, explicaram, devia sercomposta por núcleos pertencentes a um isótopo de urânioparticularmente suscetível. A issão nuclear acontecia não no núcleo deurânio comum, estável (urânio 238), mas no núcleo do urânio 235, umisótopo muito mais raro. (Lembre-se que o termo isótopos designa osmembrosdeumafamíliadeelementosquepartilhamamesmaposiçãonaescala periódica, mas diferem entre si no número de nêutrons quecontêm.) No caso em questão aqui, tanto U-235 quanto U-238 têm 92prótons,mas seus nêutrons somam 143 e 146, respectivamente. Em seu

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hoje célebre artigo, Bohr eWheeler explicaram como e por que o núcleodeU-235émenosestável,oufíssil.

FISSÃOEFUSÃO

Se, como na analogia de Bohr, concebemos os núcleos atômicos comogotinhas de luido nuclear, devemos supor que essas gotinhas sãoeletricamente carregadas porque cerca da metade das partículas queformam o núcleo são prótons. As forças de repulsão elétrica entreconstituintesnuclearesquetentampartironúcleoemduasoumaispartessão neutralizadas pelas forças de tensão de super ície que tendem amanteronúcleoíntegro.Essaéabasedaestabilidadenuclear.Seasforçaselétricasderepulsãosetornaremmaisfortes,onúcleotenderáarebentaremaltavelocidade;esseprocessodefragmentaçãoédesignadopelotermofissão.Bohr e Wheeler calcularam o equilíbrio matemático entre a chamada

tensão de super ície e as forças repulsivas elétricas nos núcleos dediferentes elementos emostraram que, enquanto as forças de tensão desuper ície eram dominantes nos núcleos de todos os elementos daprimeirametadedo sistemaperiódico (aproximadamente até aprata), asforças repulsivas elétricas preponderavam em todos os núcleos maispesados. Em outras palavras, os núcleos de todos os elementos maispesados que a prata tendem a ser instáveis e, sob um bombardeio departículas su icientemente forte, se romperiam em duas ou mais partes,com a consequente liberação de considerável quantidade de energianuclearinterna.Poroutrolado,umprocessoespontâneodefusãodeveriaseresperadosemprequedoisnúcleosleves,compesoatômicocombinadomenor que o da prata, fossem reunidos. O artigo Bohr/Wheelerrepresentou um avanço seminal na compreensão do núcleo atômico e dopotencial da liberação de energia a partir de átomos, demaneira lenta econtroladano caso de umausina termonuclear, e rápida e descontroladanocasodeumaarmaatômica.

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FISSÃOEFUSÃONUCLEAR A issãoéoprocessoemqueosnúcleossãobombardeadospornêutronsesedividem em duas partes, liberando energia e vários nêutrons adicionais. A fusão ocorre quandonúcleos leves se combinam (sob condições de alta temperatura) para formar um núcleo maispesado,liberandoenergiaenêutronsadicionais.

Quandoumnêutron atingeumnúcleodeurânio, o núcleo é issionado(oucindido)emdoisnúcleosmenoresdeaproximadamentemetadedoseutamanho.Váriosnêutronssãotambémemitidos, juntamente com radiaçãode alta energia. Esses nêutrons livres podem ir adiante, causando outrasissões numa reação em cadeia. Mas nêutrons podem ser desaceleradospor gra ite ou água pesadamisturados com urânio, e assim a reação emcadeiapodesercontrolada.

ABOMBAATÔMICA

Maisoumenosnamesmaépoca,oexcêntrico ísicohúngaroLeoSzilard—

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que, como Meitner, fugira da Alemanha nazista por ser judeu— estavatambém pensando na possibilidade de uma bomba atômica. H.G. Wellshaviasidooprimeiroausaro termobombaatômica numaobrade icçãocientí ica que Szilard lera e não esquecera. Szilard sabia que a issãonuclear por si só não produziria uma arma; caso se conseguisse, porém,inventar algum disparador capaz de produzir uma reação em cadeia, abombapoderiaserpossível.Szilardsabiatambémque ísicosalemães,emparticular Werner Heisenberg, deviam estar tão cientes desse potencialquantoelepróprio.Profundamentepreocupado,Szilardtornoupúblicasuaansiedade. Primeiro, trabalhou arduamente para convencer os ísicosamericanosaestabelecerumaautocensurasobresuasinvestigaçõessobrea issão nuclear. Segundo, com a ajuda de Eugene Wigner, convenceuAlbert Einstein a assinar uma carta ao presidente Roosevelt, que viria aresultar no Projeto Manhattan. O que houve de irônico nos esforços deSzilard foiquemais tardeas forçasarmadasdosEUApassaramacon iartãopouconelequeomantinhamsobavigilânciaquasecontínuadoFBI.Como explicado anteriormente, foramBohr eWheeler quemostraram

que,embasesteóricas,ourânio235équedeveriaocasionarumareaçãoem cadeia. O urânio 235 é menos estável que o urânio 238, e até umnêutron lento pode provocar sua issão. Uma das principais tarefastecnológicasnodesenvolvimentodabombade issão foi separarourânio235dourânio238, porqueourânio comumencontradonanaturezanãocontém urânio 235 su iciente para suportar uma reação em cadeianuclear.Eraprecisoextrairquantidadesconcentradas.Anos antes, Rutherford brincara sobre o que naquela altura não

passavaderemotateoria:“Algumidiotanumlaboratóriopoderiaexplodirouniversosemquerer.”Agoraaideiadeixaradeserumapiada.

ANOSDAGUERRA

Em 1940 a Alemanha ocupou a Dinamarca e iniciou-se para osdinamarqueses um período de extrema provação. Apesar de muitasoportunidades de escapar, Niels Bohr optou por permanecer naDinamarca. A essa altura ele tinha uma posição elevada no establishmentdinamarquês. O rei decidira icar com seu povo e Bohr achou que deviafazer o mesmo. Durante os dois primeiros anos, a ocupação nazista foirelativamente inofensiva. O alemães permitiam aos dinamarqueses uma

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aparência de autogoverno através do parlamento do país e do rei. Ointerventor alemão, Werner Best, chegava a ser mencionado como umembaixador. Bohr esperava poder levar adiante seu trabalho em ísicateóricanoinstitutocompoucainterferêncianazista.Pensavatambémque,continuando à frente do instituto, teria melhores condições de protegerseuscolegas.Issonãoseconfirmou.A situação incômoda de Bohr e a frágil icção de uma Dinamarca

independentetiveram imemagostode1943,quandoogovernodeHitlerdecidiurecolhere“deportarparaoleste”,istoé,enviarparaoscamposdamorte, 8.000 judeus da Dinamarca. O governo dinamarquês preferiurenunciaralevaracaboasdiretrizesnazistaseosalemãesdeclararamleimarcial.AvidadeBohr,comoadetodososdemaisjudeusdinamarqueses,estava agora em perigo imediato. A família Bohr não era religiosa, mas,tendoumamãejudia,Bohrerajudeupordecretonazista.Foientãoqueocorreuumdoseventosmaisheroicoseextraordinários

da SegundaGuerraMundial. Ao longodeumaspoucas semanas, a quasetotalidadedapopulaçãojudaicadaDinamarcadesapareceu.Valendo-sedebarcosdetodotamanhoequalidade,deesquifesatraineiras,começaramacruzaroestreitodeKattegatparabuscarrefúgionaSuécia.Esseasiloforaassegurado em parte por Niels Bohr, que articulara pessoalmente umencontro com o rei Gustavo da Suécia e garantira um porto seguro paratodoopovojudeudaDinamarcaqueconseguissechegaràSuécia.Nanoiteem que esperavam arrebanhar a população judaica dinamarquesa, osnazistasnãoconseguiramdeternem300.Esteseramemgrandeparteosvelhosouenfermos,oualgunsqueviviamemaldeiasmuitoremotasparareceberumavisoouquetinhamlevadotempodemaisparaagirquandooreceberam.No total, cercade450 judeusdinamarqueses foramenviadospara os campos da morte nazistas. O mérito pelo ato de bravuradinamarquêscabeà resistênciadinamarquesa,que, como corajosoapoiode seu rei e de funcionários-chavedo governo, conseguiu salvar as vidasdemaisde7.000homens,mulheresecrianças.O governo britânico e, emparticular, a comunidade cientí ica britânica

haviam estado em contato secreto com Bohr durante algum tempo einsistido para que fugisse para a Inglaterra. Depois de declarada a leimarcialnaDinamarca,oconselheiroparaassuntoscientí icosdeWinstonChurchill, Lord Cherwell, enviou mais um convite a Bohr, e ele aceitou.CherwellqueriaBohrparaoprojetodabombaatômicadaGrã-Bretanha,nessa época chamado Tube Alloys. Com igual interesse, desejavamanter

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BohràdistânciadoprojetoalemãodabombaatômicaquesabiaestaremandamentosobadireçãodeWernerHeisenberg.Enquanto os refugiados dinamarqueses, entre os quais a família Bohr,

encontravam segurança na Suécia, Bohr aceitou a proposta da Inglaterrano tocanteaeleea seu ilhoAage,entãocom21anose recém-graduadoemfísica.Asra.BohreorestodafamíliaforamdeixadosnaSuécia.Os inglesesconcluíramque,mesmocomBohrnaneutraSuécia, tinham

de trabalhar depressa paramantê-lo fora dasmãos dos nazistas. Apenasum ou dois dias após chegar ao país, Bohr recebeu instruções para seapresentarnoaeroportodeEstocolmo,deondevoariaparaforadopaísnocompartimento de bombas vazio de um bombardeiroMosquito britânico.Foi um voo perigoso sobre o Mar do Norte que passou também sobrevários campos de pouso inimigos na Noruega. Bohr foi en iado em umpesado traje de aviador, teve um paraquedas preso às costas e recebeuum capacete equipado com fones de ouvido para se comunicar com opiloto. Este disse a Bohr que, para evitar os interceptores da Luftwaffe,teria que voar a altitudes muito altas durante parte da viagem e queavisaria a Bohr quando ligar seu oxigênio. No entanto, o capacete deaviadordadoaBohr icavatãonoaltodesuagrandecabeçaqueosfonesdeouvidonãochegavama lhecobrirasorelhas.OresultadofoiqueBohrnãoouviuasinstruçõesdopilotoenuncaligouseuoxigênio.Porcausadafaltadeoxigênio,eledesmaiouefezgrandepartedaviagematéaEscóciadesacordado. Alarmado com a ausência de resposta do seu passageiro, opiloto reduziu a altitude do avião assim que pôde e, ao aterrissar, foicorrendoláatrásveroquetinhaacontecido.Bohrrecobraraaconsciênciae, nada afetado pela experiência, seguiu em novo voo até Londres, ondeumgrupodeeminentescientistasinglesesoacolheucalorosamente.Embora suspeitasse de que o trabalho com armas atômicas estava em

andamento, Bohr icara praticamente sem contato com omundo exteriorpor mais de dois anos em razão da guerra. Surpreso com o grandeprogresso feito em direção ao desenvolvimento de uma arma nuclear,integrou-se imediatamente à equipe britânica que participava do enormeProjetoManhattannosEstadosUnidos.Como ilhoAage,NielsviajouparaLosAlamos, onde encontroumuitos de seus ex-alunos trabalhando sob adireção de Robert Oppenheimer, a quem Bohr tinha em alta conta comofísicoecomolíder.EmLosAlamos,Bohratuoucomoumaespéciede conselheiro sêniore

ajudou a elucidar várias questões não respondidas. Em particular,contribuiu para o projeto da montagem da bomba e do dispositivo

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iniciador. Mais tarde ele recordou o quanto o vasto ProjetoManhattan ofascinara.Puderaperceberque,sobadireçãodeOppenheimer,otrabalhoestava caminhando bem e que uma bomba nuclear seria certamentedesenvolvidano futuropróximo.Aosedarcontadisso,Bohrpassoua termaior interesse pelas implicações políticas da bomba em âmbitomundialquepelosdetalhestécnicosdesuaconstruçãoededicavagrandepartedeseutempoare letirsobreasimplicaçõespós-guerradaarmaeaescrevermemorandospolíticos.Bohr temia o início de uma corrida armamentista entre as potências

ocidentais e a União Soviética e propôs que os soviéticos fosseminformados sobre a bomba antes de seu uso. Ao contrário dos políticos edosmilitares, sabiaquede todomodoseria impossívelmantera ísicadabomba em segredo e que os soviéticos tinham capacidade técnica eindustrialparaconstruirsuaprópriaarmanuclearempoucosanos.Oqueele não sabia era que a rede de espionagem de Klaus Fuchs/DavidGreenglass estava, de fato, partilhando segredos com os soviéticos.TampoucosabianessaalturaqueStalindecidiraadotarapósaguerraumadurapolíticadeconfrontaçãocontraoOcidente.Porisso,o“mundonuclearaberto” propostoporBohrnão teria de todomodo impedidoumaguerrafria.Emmaio de 1944, Bohr conseguiu marcar um encontro comWinston

Churchill para discutir sua proposta. O encontro foi um desastre. Paracomeçar, o primeiro-ministro não estava desejoso de ver Bohr, e asdivagações ilosó icas que este lhe sussurrou caíram emouvidosmoucos.MaistardeChurchilldisseaLordCherwell,seuconselheiroparaassuntoscientí icos: “Não gostei do homem assim que você o trouxe, com aquelecabelopelacabeçatoda.”Semsedeixardesencorajarporesserevés,Bohrcontinuouadefender

ocontroleinternacionaldabombaatômica.VoltouparaosEstadosUnidos,onde o juiz Frankfurter (da suprema corte) e os conselheiros paraassuntoscientí icosdapresidência,VannevarBushe J.B.Connant, todosafavor de sua posição, conseguiram articular um encontro seu com opresidente Franklin Roosevelt. Na Casa Branca, Bohr teve uma acolhidainteiramente diferente da que recebera de Churchill. Roosevelt icouimpressionado com ele e ouviu tudo o que tinha a dizer com simpatia ecompreensão. Por outro lado, quando Roosevelt e Churchill seencontraramemsuasegundaconferênciadeQuebec,Churchillmostrou-sein lexível em sua oposição ao controle internacional das armas atômicas.Nada relacionado ao Projeto Manhattan deveria ser partilhado com os

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russos e nemmesmo comos franceses. Churchill icou tão furioso ao verqueBohrconseguirain luenciarRooseveltque,emdadomomento,chegouapediraprisãodeBohr.Irritado,tevedesecontentarcomamanutençãodeBohr,edetodasaspessoassobsuainfluência,sobvigilância.A campanha de Niels Bohr por uma sociedade cienti icamente aberta,

contudo,nãoterminoucomaSegundaGuerraMundial.Emjunhode1950,ele divulgou uma declaração pública intitulada “Carta aberta às NaçõesUnidas”. Nesse documento, fez uma longa defesa de uma “sociedadeaberta”.Àquelaaltura,porém,comaGuerraFriajáemcurso,haviapoucasimpatiaportaisideiasliberaisnacomunidadeinternacional.

ÚLTIMOSANOS

Emseusúltimosanos,Bohrfoimaisumespectadorqueumparticipantenomundoda ísica,mas aindamantinhauma vigorosa postura ética. Tentouapontar caminhos pelos quais a ideia de complementaridade poderialançar luz sobremuitos aspectos da vida e do pensamento humanos. Aolongo de toda a sua carreira, exerceu importante in luência sobre duasgerações de ísicos, não só moldando sua abordagem à ciência comofornecendo-lhes um modelo de como um cientista deveria conduzir suavida.BohrmorreuemCopenhaguenodia18denovembrode1962.Tinha77 anos de idade. Havia sido um homem de ciênciamuito querido e suamortefoipranteadaemtodoomundocivilizado.Na época em que a carreira de Bohr começou, a estrutura do átomo

aindaeradesconhecida.Quandoelaterminou,a ísicaatômicaalcançaraamaturidade. A energia contida no núcleo atômico estava tendo aplicaçãoindustrialnaproduçãodeforça,aplicaçãomédicanotratamentodocânceretambém,lamentavelmente,aplicaçãomilitarepolíticanamaisdestrutivaarmajamaisconcebida.Em toda a sua extraordinária carreira pública, Bohr sempre manteve

umespíritoprofundamenteinternacionalehumanitário.Devetersidoumapílula amarga para ele aceitar que seu brilhante aluno e muito amadoaprendiz tivesse inalmente escolhido servir a uma causa desonrosa. AcarreirasombriadeWernerHeisenbergfazummarcantecontrastecomadeBohre,considerando-seotipodehomemqueBohrfoi,representaumatraiçãoquaseincomensurável.

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a Experiência recentemostrou que as características de onda e de partícula podem, na verdade,estarpresentessimultaneamente.(N.R.T.)bOmomento,oumomentumlinear,éoprodutodamassapelavelocidade.(N.R.T.)

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CAPÍTULOSEIS

WERNERKARLHEISENBERG

Todasasminhastentativasdeadaptaro fundamentoteóricoda ísicaaesseconhecimentofracassaram por completo. Era como se tivessem arrancado o chão sob os pés de umapessoa,semnenhumabasefirmesobreaqualsepudesseterconstruído.

AlbertEinstein,comrelaçãoàsimplicaçõesdoprincípiodaincerteza

A ironiadaalegaçãodeEinsteinéque,naépocaemquea fez, sópoucosanos haviam se passado desde que ele próprio desa iara tãoprofundamente os pressupostos cientí icos estabelecidos. Graças aEinstein, o espaço tridimensional e o tempo unidimensional haviam setornado aspectos relativos de um contínuo espaço-tempoquadridimensional.Otempo luíaemritmosdiferentesparaobservadoresque se movessem em velocidades diferentes. O tempo passava maislentamente nas proximidades de objetos pesados e, sob certascircunstâncias, poderia parar completamente. Os planetas semoviam emsuasórbitasnãoporqueerampuxadosemdireçãoaoSolporumaforçadeatração que atuava a distância, como Newton ensinara, mas porque opróprio espaço em que semoviam era curvo. Ninguém havia sacudido omundodaciênciamaisdoqueofezEinstein,eagoracáestavaessejovemconvencidodaAlemanhacommaisumataqueàfísicaclássica.Quem foi esse homem que solapou tão radicalmente as certezas

cientí icas estabelecidas há tanto tempo — e, por implicação, todas astentativas humanas para compreender o mundo natural com algumasegurança? Foi um homemmultidimensional e um fenômeno emmatériade contradições. E suscitoumuitas perguntas desconcertantes. Teria sidoum “herói reticente que talvez tenha salvo a humanidade de umacatástrofe inimaginável”, como a irma Thomas Powers em Heisenberg’sWar? Ou foi um mentiroso e um hipócrita que estragou por inépcia atentativadaAlemanhadeconstruirumabombaatômicaedepoisinventouoqueC.P.Snowchamoude“lindahistóriaromântica”segundoaqualhavia

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obstruído deliberadamente o desenvolvimento de uma arma nuclearnazistapor razõesmorais?Aoqueparece,há somentedois adjetivosqueosadmiradoreseosdetratoresdeHeisenbergpodemestardeacordoemlheatribuir:brilhanteecontroverso.WernerHeisenberg foiumdospioneirosnaaberturadocaminhopara

oestranhomundodoquantum.Seráestranhoumapalavraadequadaparadescrever oquantum? Considere dois dos principais problemasconceituaisda ísicaquântica: (1)o efeitodenão localidade, que signi icaquediferentespartesdosistemaquânticoparecemsein luenciarumasàsoutrasmesmo quando separadas por uma grande distância e ainda quenão haja conexão evidente entre elas; (2) e o chamado problema damedição, que surge da ideia que os sistemas quânticos têm de possuirpropriedadesmensuráveisaindaquepareçanãohavernadaforada ísicaquânticacapazde fazeressasmedições.A ísicaquânticapõeemquestãoas noções convencionais sobre o mundo ísico e suas implicações sãoprofundas. Heisenberg é um dosmais importantes guias na tentativa decompreenderessasimplicações.

PRIMEIROSANOS

Heisenberg nasceu no dia 5 de dezembro de 1901 em Würzburg,Alemanha, ilho caçula de August e Anna Heisenberg. Seu pai era umprofessorespecializadoemhistóriabizantinaeomeninoWernerfoicriadonaatmosferadeumarefinadacomunidadeacadêmicadeclassemédiaalta.Heisenberg frequentou a escola primária primeiro emWürzburg e maistardeemMunique,quandoafamíliasemudouparalá.Aindanoprimário,começou a ter aulas de piano e aos 13 anos já tocava composições dosgrandesmestres.Foiavidatodaumexcelentepianista.Em1911HeisenbergingressounoMaximilians-Gymnasium,cujodiretor

era seu avô materno. Ali seus extraordinários talentos no campo damatemática foram reconhecidos pela primeira vez. À época dos examesinais, ele havia aprendido cálculo sozinho, trabalhado nas propriedadesdas funções elípticas, e, aos 18 anos, havia tentado publicar um artigosobreateoriadosnúmeros.Mas a vida de Heisenberg não era toda acadêmica. A época que se

seguiu à Primeira Guerra Mundial foi um período de sublevação naAlemanhaeasruasdeMuniqueeramopalcodemuitaagitaçãopolítica.A

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derrota da Alemanha na guerra e a abdicação do Kaiser provocaraminquietação em todo o país. Na Bavária, uma república socialista seimplantou em 1918, seguida em 1919 por uma república de orientaçãobolcheviquequefoiderrubadaportropasdeBerlim.OjovemHeisenberg,que apoiava o movimento nacionalista representado pelo exército,participoudeváriaslutasderuacontragruposcomunistas.Muitos rapazes alemães pertenciam a organizações de jovens como os

DesbravadoresAlemães,que fora fundadapara inspiraronacionalismoea prontidão para a guerra, ou a Liga Bávara Jovem, patrocinada peloEstado,contraaqualalgunsdosadolescentesdoMaximilians-Gymnasiumse rebelaram, criando uma nova organização. Na busca de um líder,encontraramWernerHeisenberg,entãocom17anos.Eleeraidealparaopapel:umalunomaisvelho,desiludidocomaordemestabelecida,queridona escola e dotado de autocon iança intelectual e de boa aparência. OGruppe Heisenberg, como a nova organização icou conhecida,desvinculou-se da Liga Bávara Jovem, embora tenha continuado apertencer aos Desbravadores, e durante algum tempo se reuniu na casade Heisenberg. Ele, no entanto, estava mais voltado para atividadesatléticas que para questões políticas. Seus principais interesses eramescalarmontanhas, esquiar e acampar. Durante suas excursões à regiãodas montanhas, Heisenberg e seus seguidores engajavam-sefrequentementeemdebates ilosó icosoujogavamxadrez.Heisenbergeraum exímio jogador de xadrez. Foi famoso por isso desdemuitomenino eera conhecido por realizar partidas de xadrez durante aulas na escola,debaixo da carteira. Muitas vezes jogava sem sua rainha para dar aoadversário uma chance de ganhar. Diz-se que ele e o irmão mais velho,Kurt,devezemquandochegavama jogarxadrezmentalmenteenquantocaminhavam.Longe de abraçar a política extremista incentivada pelo movimento

juvenil, Heisenberg tornou-se cada vez mais apolítico e academicamenteelitista.Acreditavaqueciênciaepolíticanãosedevemmisturar,eaciênciaestavasetornandosuaobsessão.Heisenberg entrou na Universidade de Munique em 1920. Pretendia

estudarmatemáticapura,mas,poralgumarazão,oeminenteprofessordematemática Ferdinand von Lindemann recusou-se a admiti-lo em seuseminário para estudantes avançados. Segundo o relato que o próprioHeisenbergfezdesuaentrevistacomvonLindemann,oprofessortinhanocolo um cachorro que latiu o tempo todo e mal ouviu uma palavra docandidato. O pai de Heisenberg conseguiu então uma entrevista para ele

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comoprofessorde ísicaArnoldSommerfeld,quenãosóaceitouo jovemestudantecomosetornouseumentoreguianosmistériosda ísicateórica.Foi uma sequência fortuita de acontecimentos: o instituto de Sommerfeldera então o único na Alemanha a enfatizar a teoria quântica da ísicaatômica.Alémda ísica,Heisenbergestudouosclássicos,emparticularasobras

cientí icas dos ilósofos da Grécia antiga, de Platão e Aristóteles aDemócrito e Tales. Seu interesse pela relação entre iloso ia e ciênciaperdurou por toda a sua vida. Durante seus anos de graduação comSommerfeld,eletravouconhecimentocomumnotávelcolegaestudantedeísicachamadoWolfgangPauli,quesetornouseumelhoramigo,porvezescolaborador,efrequentementeseucríticomaissevero.Enquanto ainda estudante, Heisenberg deu provas de sua extrema

autocon iança, até audácia. Um problema estava importunando ospesquisadores em ísica atômica. Era conhecido como o efeito Zeeman ediziarespeitoàsreaçõesinexplicáveisdeumátomoquandoemumcampomagnético. Especi icamente, quando o átomo estava em um campomagnético, suas linhas espectrais dividiam-se em mais do que os trêscomponentes esperados. Em seu primeiro artigo publicado, Heisenbergpropôsummodelopara o efeito Zeemanque explicava o fenômeno. Essemodelo tinha suas falhas e mais tarde foi suplantado por outras teorias.Aindaassim,oartigodeHeisenbergserviudebaseparaamaiorpartedostrabalhos posteriores sobre o efeito Zeeman e, é claro, atraiu para oestudanteaatençãodeteóricosreconhecidos.Em1922oprofessorSommerfeldlevouseuprotegidoaGöttingenpara

umasériedepalestrasqueNielsBohr fariasobre ísicaatômicaquântica.Naprimeirasessão,o jovemHeisenbergteveotopetedecriticarumadasa irmaçõesdeBohr.Odebatesubsequenteentreoatrevidoestudanteeomaior expoente mundial inconteste da ísica atômica resultou em mútuaadmiraçãoemarcouoiníciodesua duradouracolaboração,queseriaparaHeisenberg tão importante quanto a parceria que teve a vida toda comWolfgangPauli.Heisenberg tinhaapenas20anosquandodesseprimeiroencontro comBohr, sempre atento a estudantes argutos que não tinhammedo de discutir com ele. Ao término da palestra, Bohr foi à procura deHeisenbergeoconvidouparaumacaminhadaapósoalmoço.Muitosanosdepois, em sua biogra ia, Heisenberg disse: “Minha verdadeira carreiracientí icacomeçousomentenaquelatarde.”Bohrsugeriuque,depoisdesegraduar, Heisenberg se transferisse para Copenhague para poderemtrabalharjuntos.

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Nem tudo foi tranquilo paraHeisenberg naUniversidade deMunique.Em primeiro lugar, Sommerfeld mandou que abandonasse o xadrez,alegando que o jogo estava lhe tomando tempo demais. Pauli, um ano àfrentedeHeisenbergnocurso,estavasempreláparalhede lacionaroegocomacríticapenetrantedeseusartigos.Por im,houveumproblemacomsua tese de doutorado. Durante sua arguição oral, Heisenberg caiu nodesagrado de um dos examinadores, o eminente professor de ísicaexperimental Wilhelm Wein, por sua incapacidade de explicar comofunciona uma bateria ou como um telescópio amplia imagens. A ísicaexperimentalpráticanuncaforaofortedeHeisenberge,comoumdeseuscríticosa irmariamaistarde,elenãosabianemsoldardois ios.Wein icouhorrorizado com a falta de conhecimento do rapaz sobre tópicos tãosimples e só um arrazoado especial de Sommerfeld pôde convencê-lo aaprová-lo. Heisenberg acabou passando com a menor nota que lhepermitia sair dali com o grau de doutor. Em seguida, foi ao encontro dePauli na Universidade de Göttingen, Alemanha, onde estudou sob aorientaçãodomatemáticoMaxBorn.Como resultado de seu encontro em 1922, Heisenberg e Niels Bohr

iniciaram uma colaboração por meio de correspondência. Heisenbergcomeçou por colocar em questão a representação do interior do átomoproposta por Bohr. Ela lhe parecia fantasiosa e imprecisa e ele concluíraque,apesardeseuapelopictórico,nãohaviaprovarealdequeretratassearealidade.A inal,ninguémjamaisobservaraumelétroncirculandonumaórbitaatômica.Bohracabaradefazeraasserçãoteóricadequeoselétronsorbitam. Heisenberg decidiu seguir seu próprio caminho na descobertadasregrasdesconhecidasquegovernavamafísicadoátomo.Em1925,acometidodefebredofeno,Heisenbergtirouumalicençade

duas semanas e viajou para a ilha de Helgoland, ao largo da costadaAlemanha. Ali, lembrou mais tarde, a natação no mar frio e longascaminhadasnapraia limparam-lheamenteparaumataquerevigoradoàmatemáticadoátomo.Apenasalgunsdiasdepoisdeiniciadoopasseio,fezuma importantedescoberta.Comumaestranhamatemáticaque inventouparaesse im,Heisenbergcomeçouaperceberummeiodeconstruirumaestrutura para a descrição do comportamento dos átomos. Essaabordagem matemática exigia uma estranha álgebra em que númerosmultiplicadosnumadireçãoforneciamcomfrequênciaprodutosdiferentesdos obtidos multiplicando-se os mesmos números na direção oposta.Heisenberg voltou para Göttingen eufórico com suas descobertasnascenteseansiosoparafalarsobreelascomMaxBorn.Esteidenti icoua

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estranha matemática de Heisenberg como álgebra matricial, um sistemaque havia sido inventado na década de 1850mas nunca fora ensinado aHeisenberg.Umamatriz é uma tabela bidimensional de números. Na álgebra

matricial, foramconcebidasnormaspelasquaisduasmatrizespodemsermultiplicadas uma pela outra para dar uma outramatriz e, ao fazê-lo, asmatrizes obedecem a leis demultiplicação não convencionais. Na álgebramatricial, o produtodeB eA não é igual aoprodutodeA eB, quando namultiplicação comum de números, o produto de, por exemplo, 5 e 4 é omesmoqueoprodutode4e5—ambossãoiguaisa20.NaconcepçãodeHeisenberg,cadaátomoseriarepresentadoporumamatrizeomovimentodos elétrons no interior do átomo poderia ser representado por outramatriz.Emtrêsmesesdetrabalhointensivo,Born,HeisenbergeseucolegaPascual Jordan usaram a ideia de Heisenberg para arquitetar umaestruturamatemática coerente que parecesse abarcar todos osmúltiplosaspectos da ísica atômica. A prestidigitação matemática deBorn/Heisenberg/Jordan permitiu a previsão extremamente precisa deresultadosexperimentaisrelativosàradiaçãoatômica.

COPENHAGUE

Em1926,HeisenbergaceitouumconvitedeNielsBohrparasetransferirpara o Instituto de Física Teórica, em Copenhague, e trabalhar como seuassistente. Foi uma decisão crucial, quemarcou o início do períodomaiscriativodavidadeHeisenbergnocampodaciência,bemcomoo iníciodeuma longa e estreita colaboração com Bohr. Heisenberg, então com 24anos, era16anosmaismoçoqueseumundialmenterenomadomentor.Arelaçãopro issionaldosdois logosetransformoutambémnumaprofundarelação pessoal. Heisenberg não só se tornou o favorito de Bohr noinstitutocomofoiconvidadoafrequentarocírculoíntimodacasadeBohr.Ele brincava com os ilhos de Bohr, unia-se à família à noite para sarausmusicais emque tocava piano e frequentemente era hóspede da casa deverão de Bohr na costa dinamarquesa. Só amulher de Bohr,Margrethe,não se deixava levar pelo charme de Heisenberg. Considerava-o di ícil,defensivoefechado.De sua parte, Heisenberg icou impressionado com a atmosfera

intelectualmente desa iadora do instituto e com a simpatia da família de

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Bohr.Deinício,sentiu-seintimidadodiantedosoutrosrapazesreunidosnoinstituto.Pareciam-lhemais cosmopolitas e commuitomais conhecimentode ísicaqueele.Morandosozinhonumapensão,passavaseutempolivreaprendendodinamarquêse inglês.Tinhafacilidadepara línguase logofoicapazdelereescreveremambas.Quanto à ísica, a colaboração entre Heisenberg e Bohr tinha por

objetivo determinar uma representação mais completa do átomo: umateoriaquefossematematicamentedemonstrávelequepudesseresponderatodasasquestõeslevantadassobreasqualidadesobserváveisdoátomo.OartigoBorn/Heisenberg/Jordanrepresentaraumimportanteavançoemdireçãoaessametae,porumcurtoperíodo,amecânicamatricialdominoua cena da ísica atômica. Físicos do mundo inteiro lutavam com aquelamatemática arcana ao mesmo tempo em que aclamavam seus criadores.Nãodemoroumuito,porém,paraqueopríncipeLouisdeBroglieeErwinSchrödinger ameaçassem seriamente o predomínio de Heisenberg,propondoumateoriacompletamentenova.

DUALIDADEONDA/PARTÍCULA

Opríncipe Louis deBroglie descendia de um família nobre francesa. Seutetravô fora executado na guilhotina durante a Revolução Francesa. Opríncipecomeçarasegraduandoemhistória,massevoltouparaaciênciaenquantoserviaoexércitofrancêsduranteaPrimeiraGuerraMundial.Em1924, ainda comoestudante depós-graduação, envolveu-se no estudodanaturezadaluz.Nessaépoca,oconceitotradicionaldeluzcomomovimentoondulatóriojáhaviasidocontestadoporMaxPlanckeAlbertEinstein.Eleshaviam proposto que a luz podia ser mais facilmente compreendida sepensada como um luxo de partículas individuais chamadas fótons. Nemtodos os ísicos concordavam com essa concepção e por vezes as duasteorias, adaspartículaseadasondas, eramensinadasaomesmo tempo.Numa original intuição, de Broglie sugeriu que toda matéria, inclusiveobjetosgeralmenteconcebidoscomopartículas(comooselétrons),deviamexibir comportamento ondulatório. De Broglie fez dessa ideiarevolucionária parte de sua tese de doutorado e de início sua bancaexaminadora em Paris não soube ao certo como avaliar essa enigmáticaconcepção. Não podiam julgá-la porque na verdade não a entendiam.Pareciamestarprestesarejeitaratesequando,porumacarta,souberam

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o que Einstein tinha a dizer sobre o assunto. Umdosmembros da bancaexaminadorahaviaenviadoaEinsteinumacópiadotrabalho,pedindosuaopinião. A resposta foi entusiástica; a tese eramais do que aceitável, erabrilhante. Com tão calorosa aprovação do grande homem, de Broglierecebeurapidamenteseutítulodedoutor.Nessetrabalho,deBrogliehaviausadoumacombinaçãoda fórmulade

Einstein, que relacionava massa e energia, e da fórmula de Planck, querelacionavafrequênciaeenergia,emostradoqueparatodapartículadeviahaverumaondaassociada.Alémdisso,mostrouqueocomprimentodetaisondas está inversamente relacionado ao momento da partícula e que omomento, por sua vez, depende da massa e da velocidade da partícula.Quanto maiores forem a massa e a velocidade da partícula, maior omomentoemaiscurtoocomprimentodeonda.Aa irmaçãooriginaldeEinsteindequeamatérianãopassavadeuma

forma de energia e que uma e outra eram interconversíveis ( E = mc2)icavamaisplausívelquandosepercebiaqueaspartículastinhamsempreo caráter de ondas e as ondas tinham sempre o caráter de partículas. OtextoproduzidopordeBroglieem1924foiumfeitodetalimportânciaqueoPrêmioNobeldeFísicade1929lhefoiconcedidoporessetrabalhoeporsuaconcepçãocentraldodualismoonda/partícula.O ísico austríaco Erwin Schrödinger, nessa época professor na

UniversidadedeStuttgart,leusobreasondas/partículasdedeBrogliepelaprimeiraveznumanotaderodapédeumartigodeEinsteinelheocorreuquearepresentaçãodoátomotalcomoconstruídaporBohrprecisavasermodi icadaparalevarasondasemconta.Consequentemente,dedicou-searefinareaperfeiçoaroátomodeBohresurgiucomsuaprópriaconcepção.

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EXPERIMENTODEDUPLARANHURAAradiaçãoeletromagnéticasecomportatantocomopartículasquantocomo ondas. Só é possível explicar padrões de interferência, como osmostrados aqui, admitindoquealuzsepropaganaformadeondas.

Schrödingerconcluiuqueoelétronnãocirculaemtornodonúcleocomoum planeta circula em torno do Sol, constituindo antes uma onda que securvaàvoltadetodoonúcleo,detalmodoqueestáemtodasaspartesdesuaórbita aomesmo tempo. Combaseno comprimentode ondaprevistopordeBroglieparaumelétron,umnúmerointeirodeondasdeelétronseencaixaria exatamente nas órbitas esboçadas por Bohr. Como narepresentação de Bohr, enquanto permanecesse em sua órbita o elétronnão irradiaria luz. Além disso, qualquer órbita entre duas órbitaspermissíveis para a qual fosse requerido um número fracionário decomprimentosdeondanãoseriapermissível.AconcepçãodeSchrödingerexplica a existência deórbitas discretas, entre as quais nada é possível,como uma consequência necessária das propriedades do elétron,

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especi icamente as propriedades ondulatórias propostas por de Broglie.Antes dessa sugestão, a existência de órbitas discretas fora provada porBohr, com base nas linhas espectrais — mas não realmente explicada.Trabalhando com os colegas P.A.M. Dirac e Max Born, Schrödingerelaborou a matemática envolvida nessa concepção. As relações queinferiram, hoje conhecidas comomecânica quântica, assentaram a teoriaquântica de Planck numa sólida basematemática 25 anos depois de suapromulgaçãooriginal.

EXPERIMENTO DE DUPLA RANHURA COM DETECTOR DE PARTÍCULAS Um fotodetector posto em frente às duasfendas vai atestar que fótons individuais batem contra a tela, mostrando que a irradiaçãoeletromagnéticasecomportatantocomopartículasquantocomoondas.

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Publicado em 1926, o trabalho de Schrödinger foi imediatamentecriticado por Bohr e Heisenberg, que viram naquela explicação umaameaça à mecânica matricial de Heisenberg. Bohr convidou Schrödingerpara ir a Copenhague discutir a questão e, já na estação ferroviária,iniciou-seentreosdoisumdebate in lamadoqueseprolongouporváriosdias, de manhã à noite. Logo, porém, Schrödinger caiu de cama com umresfriadoe,paraseuazar,estavahospedadonacasadeBohr.ASra.Bohrtratoudelecomcháesimpatia,mas,aoqueseconta,NielsBohrinstalou-senabeiradacamaecontinuouaarengá-losobresuasteorias.Desesperado,Schrödinger exclamou que se arrependia da hora em que se envolveracom ísica atômica. “Mas nós outros icamos muito felizes por você o terfeito”, respondeu Bohr, “porque graças a isso a ísica atômica deu umdecisivopassoàfrente”.Por im, foi demonstrado que a mecânica matricial e a mecânica

ondulatória de Schrödinger eram equivalentes, já que tudo que umaexplicava a outra também o fazia. Sob certos aspectos, a mecânicaondulatóriaeramaisatraenteparaos ísicosporqueofereciaàmenteumarepresentação do átomo mais fácil de se visualizar que a versão deHeisenberg.

OPRINCÍPIODAINCERTEZA

Na primavera de 1927,Werner Heisenberg, então com apenas 26 anos,propôsaZeitschriftfürPhysikumcurtoartigointitulado“Sobreoconteúdoperceptivodacinemáticaedamecânicaquânticateórica”.Essetextode27páginas, enviado da Dinamarca para a revista, continha a formulação dofamoso“princípioda incerteza”namecânicaquântica (tambémconhecidocomoprincípiodaindeterminação)eassegurouaHeisenbergumlugarnahistória da ciência. Isso porque o princípio da incerteza tem amplasimplicações não só para a ísica subatômica como para todo oconhecimentohumano.A compreensão que está no cerne do princípio da incerteza surgiu de

tentativasteóricasparadeterminaraórbitaexatadoselétronsnumátomo.Para detectar a posição de um elétron em circulação num átomo, énecessário iluminá-lo de alguma maneira; isto é, um feixe de algumaradiação eletromagnética de comprimento de onda curto deve serconcentrado no elétron. Essa radiação iluminante, contudo, comporta-se

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comoumgrupodepartículas,eestas—ouatéumasódelas—,aocolidircom o elétron, alteram-lhe a posição. Mais ou menos como uma bola debilharqueatingeemoveumaoutra.Portanto,opróprioatodeiluminaroelétron para observá-lo e medir sua posição altera-lhe o movimento e,consequentemente,deixadeserpossívelmedirsuaposiçãocomcerteza.Pode-se fazer uma analogia simples, que ajuda a explicar o princípio,

com uma sala de aula cheia de estudantes. O diretor da escola não temcomo descobrir por observação direta como os alunos se comportamnormalmenteporqueomerofatodesuaentradanasaladeaulaosfazsecomportaremdeumamaneiraatípica.Paradarumoutroexemplo,quandose tenta medir a temperatura da água quente de uma chaleira sobre ofogão, o própria inserção de um termômetro na água muda suatemperatura—nãomuito,éclaro,masosu icienteparatornaraexatidãoimpossível. O mesmo se aplica a todas as quantidades ísicas. O ato daobservação sempre altera o observado de maneira tal a impedir umamedidaindiscutível.O princípio da incerteza pode ser compreendido mais facilmente no

nível microscópico, porque não é di ícil imaginar o quanto partículasextremamente pequenas, como os elétrons, podem ser afetadas por algotão débil quanto um feixe de luz. É da máxima importância, porém,compreender que Heisenberg e seus colegas revelaram que a incertezanãoestácon inadaaomicrocosmo.Heisenbergmostrouque,naverdade,aincerteza impregna toda a natureza; não é um mero efeito colateralanômalo do trabalho com variáveis experimentais muito diminutas. Aincerteza está sempre presente, inescapável. A matemática desenvolvidapor Heisenberg mostra que o produto — isto é, o efeito inal — dasincertezasde,porexemplo,posiçãoevelocidade,ouposiçãoemomento,outempoefrequência,muitasvezesestálongedeserinsigni icanteesempreémaiorqueumaquantidadefísicamuitopequena.A posição e o momento de uma partícula elementar não podem ser

ambosconhecidossimultaneamente.Arazãodissoéquese fossepossívelmanter um elétron imóvel tempo su iciente para que sua posição fossedeterminada, já não seria possível determinar seu momento. Uma ideiaespecial é que o produto das duas incertezas (ou dispersões de valorespossíveis) é sempre pelo menos igual a um certo número mínimo. Opesquisadorfrustradoàprocuradecertezaésempreobrigadoatransigir;o conhecimento ganho no tocante ao tempo, por exemplo, é pago emincertezanotocanteàfrequência,evice-versa.Quediferençafazessainexatidãoparanósquevivemosnomundomais

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amplo, o macrocosmo? A resposta é que, embora todas as medidasenvolvam algum grau de incerteza, na escala macroscópica ele não ésigni icativo.PodemoscontinuarvoandodeSãoFranciscoparaNovaYorkcomacertezadealcançarnossodestino inal.Nãoatingiremosexatamenteo alvo, mas estaremos su icientemente próximos. Podemos até lançarsatélites nas profundezas do espaço com a segurança de que, ainda quenossos cálculos tenham sido um pouquinho inexatos, o erro será tãopequenoquenenhuminstrumentodemedidapoderádetectá-lo.Aindaassim,podeser iloso icamenteperturbadorcompreenderquehá

uma inexatidão inerente em tudo o que fazemos, em cada medição quefazemos. Alguns matemáticos, por exemplo, gostariam de acreditar quequando fazemtodososseuscálculosdamaneiramaisacuradapossível,oresultadoé inteiramenteprevisível.Masnãoéoqueacontece, segundooprincípio de Heisenberg. A própria tentativa de conhecer com absolutaprecisão qualquer fato ísico é fundamentalmente invasiva. Devemos porisso desistir da investigação cientí ica? Obviamente não. A pesquisacientíficaprossegue,mastemosnovacompreensãodesuaslimitações.Com o tempo, as plenas implicações do princípio da incerteza de

Heisenbergcomeçaramaemergir.Primeiroos ísicosquânticosaceitaramas ideiasdeHeisenberg,depoisoutroscientistas,e inalmenteunspoucosdo público esclarecido em geral. Com essa aceitação veio a compreensãoperturbadoradequeaincertezanãoestáconfinadaaolaboratório.Logo se descobriram analogias com a mecânica quântica em muitos

outros campos, e começou-se a fazer perguntas inquietantes sobre opróprio conhecimento. Haveria alguma área da investigação humana emque o conhecimento poderia ser pensado como absolutamente certo ecorreto?Mesmonocampodamatemática,pormuitotempoconsideradoacidadeladacerteza,surgiramdúvidas.OmatemáticoaustríacoKurtGödelmostrounoiníciodadécadade1930quenointeriordequalquersistemalógico,pormaisrigidamenteestruturadoqueseja,sempreháquestõesquenão são possíveis resolver com certeza, sempre se pode descobrircontradiçõeseimprecisõesqueneleseesgueiraram.Outra implicação importante e dignade comentário da incerteza é seu

efeito sobre a causalidade— a relação entre causa e efeito. Uma causaproduz um efeito. Na ísica clássica, se compreendemos plenamente anaturezadeumacausaparticular,podemospreveroefeito.Causaeefeitoe previsibilidade, pedras angulares da ísica clássica, agora estavam emquestão.Seéimpossívelmedircomprecisão,aomesmotempo,aposiçãoea velocidade de um elétron (ou de qualquer outra partícula), então é

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também impossível prever exatamente onde esse elétron estará emqualquerinstantedadoposterior.Umexperimentadorpoderiaenviardoiselétronsnamesmadireção,eelesnãoiriamterminarnecessariamentenomesmo lugar. Na linguagem da ísica, a mesma causa poderia produzirdiferentesefeitos.VimosnoCapítuloUmcomoNewton inventouumanovamatemática, o

cálculo, para substituir a geometria plana de Euclides, que lhe pareciainadequada para descrever o sistema do universo.Mesmo com a técnicaaperfeiçoada de Newton, porém, nossa capacidade de descrever essesistemaeralimitada.Nenhumaequaçãodiferencialdocálculopodejamaisser resolvida com perfeita exatidão. Muito antes de Heisenberg, oscientistashaviam tidode se resignar em fazer asmelhores aproximaçõespossíveis, em vez de esperar uma precisão perfeita. Mas a teoria deHeisenberg a irmou o que havia muito se suspeitava ser inegavelmenteóbvio:oconhecimentoqueahumanidadepossuidomundonaturalnãoé,enuncafoi,perfeitamentepreciso.Ain luênciadeHeisenbergfoitãodifusaquepodeserdetectadaaténo

mundo da icção. Num artigo publicado noNew York Times Book Review ,um crítico disse a propósito de uma romancista: “Ela conhece o bastantesobreHeisenbergparacompreenderqueoatodeobservaralteraoobjetoqueestásendoobservado;ou,emtermos literários,queoatodecontarahistóriaalteraahistóriaqueestásendocontada.”

“HERRPROFESSOR”EOPRÊMIONOBEL

Em 1927, enquanto Heisenberg, Bohr e outros estavam apresentando ediscutindo a interpretação de Copenhague, Heisenberg aceitou umadesignaçãoparaprofessordefísicateóricanaUniversidadedeLeipzig.Aos25 anos, foi o mais jovem professor titular da Alemanha. Em Leipzig,Heisenberg ajudou a transformar o Instituto de Física num centro depesquisa em ísica atômica e quântica de primeira linha. Entre seusprimeirosalunosestiveramRudolfPeierls,EdwardTeller eCarl FriedrichvonWeizsäcker,quesetornariamtodosfamososnomundodafísica.Em 1933, Heisenberg foi contemplado com o Prêmio Nobel em

reconhecimento por suas muitas contribuições à mecânica quântica (naverdadeoprêmiocorrespondiaa1932,masporvezesoscomitêsdoNobelse atrasavam na designação dos premiados, como acontecera com

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Einstein). Na companhia da mãe, Heisenberg seguiu de trem paraEstocolmoparareceberoprêmiodoreidaSuécia.Acaminho,pararamemCopenhagueondeHeisenbergqueriaagradecerpessoalmenteaNielsBohrsua colaboração, que desempenhara papel tão importante em suasdescobertas. Na estação ferroviária de Estocolmo, Heisenberg e a mãeforamrecebidospordoisoutros ísicos,P.A.M.DiraceErwinSchrödinger,que lá estavam para partilhar o Prêmio Nobel de Física de 1933. Pelaprimeira vez, três ísicos haviam sido escolhidos fundamentalmente porsuascontribuiçõesàfísicateórica.Aconteceu mais uma coisa em 1933 que teria, sobre a vida de

Heisenberg, um impacto maior até que o Prêmio Nobel: Adolf Hitler foidesignado chanceler do Reich e os nazistas conquistaram o poder.Heisenberg e outros membros da comunidade acadêmica deviam estarprevendoisso,porqueodomíniodasorganizaçõesestudantisalemãs,comoadeLeipzig,porestudantesnazistasprecedeuo controlenazista sobreasociedade alemã. Durante o período nazista, a ciência na Alemanha setornariasubservienteaoEstado.Embora horrorizado com a violências nas ruas, a brutalidade e o

antissemitismodos nazistas, os excessos de seu novo regime,Heisenbergsimpatizava comameta de restauração do partido. “Muita coisa boa estátambémsendotentadaagora”,eleescreveu,“eéprecisoreconhecerboasintenções.” Nunca ingressou no partido nazista,mas, em 1935, assinou ojuramentosolenede idelidadepessoalaHitlerquefoiexigidodetodososfuncionáriospúblicosedosmilitares.Também em 1935, houve várias contestações à interpretação de

Copenhague da ísica quântica. Essas contestações deram lugar a intensodebate nos círculos da ísica— debate que, para os não cientistas, deviasoarcomoasdiscussõesdos teólogosmedievaissobreonúmerodeanjosque podiam dançar na cabeça de um al inete. Ainda assim, os ataques àinterpretaçãodeCopenhagueforamlevadosasério.Umabrevediscussãodos problemas mais famosos, o do aparente paradoxo EPR e o do gatovivo/mortodeSchrödinger,vai,acreditoeu,ajudarnossoentendimentodarealidadequântica.

PARADOXOEPR

Apesar da aceitação geral da teoria quântica, diversos aspectos da

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mecânica quântica tal como descrita por Bohr e Heisenberg deixavam,como vimos, muitos ísicos incomodados, e nenhum mais que AlbertEinstein.UmadiscordânciaespecialdeEinsteinincidiasobreumadasmaisestranhas asserções da teoria quântica: a de que o caminho que umapartícula seguiráao semoverdeumpontoparaoutro—de A paraB—não pode ser conhecido. O caminho não pode ser determinado comprecisão.Enãoapenasisto,mastodososcaminhossãopossíveis,eacadaumdelesestáassociadaumaprobabilidade.Omáximoquepodemosfazer,segundoateoria,écalcularessasprobabilidadesecombasenissopreverarota.Einstein,aocontrário,a irmavaqueseumelétronpartedoponto Ae o vemos chegar ao pontoB, obomsensomandaadmitirqueele tomouumcaminhoespecíficodeAparaB.Além disso, Einstein não aceitava as a irmações da teoria quântica no

tocante ao problema damedição. Paramostrar o que a seu ver eram asincoerências da mecânica quântica, trabalhou com seus dois jovensassistentes em Princeton, Boris Podolsky e Nathan Rosen, e propôs umexperimentomentalhoje conhecido comoo experimentoEPR,das iniciaisdos sobrenomes de seus inventores. Antes de passar à explicação desseexperimento hipotético, porém, consideremos dois exemplos precursorespropostospelofísicoirlandêsJohnBell.O dr. Bell introduziu um de seus exemplos num ensaio intitulado “As

meias de Bertlmann e a natureza da realidade” incluído em seu livroSpeakableandUnspeakableinQuantumMechanics.Bellfaladeumcertodr.Bertlmann, que gostava de usar pares de meias de cores diferentes, oumelhor,paresdemeiasdecoresdesencontradas.Dequecoresseriamasmeias que o dr. Bertlmann usaria num determinado dia era coisaimprevisível. No entanto, quando alguém o via andando a passos largospelaruaenotavaquesuameiaesquerdaeracor-de-rosa,sabianoatoquea outra não era cor-de-rosa. A observação do primeiro pé e oconhecimento do hábito invariável de Bertlmann forneciam informaçãoimediatasobreosegundopé.Istoparecebastantesimples.O segundo exemplo deBell era igualmente simples. Suponhaqueuma

moeda foi fatiada ao meio, de tal modo que cara e coroa icaramcompletamente separadas. Sem que ninguém olhe para eles, os doispedaços são enviadosparadiferentespartesdomundonobolsodeduasdiferentespessoas.Aprimeirapessoaqueolharamoedaquelevanobolsovaiencontrarouumacaraouumacoroaevai saberde imediatooqueaoutrapessoavaiencontrarquandoolharasua.

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Einstein, Podolsky e Rosen usaram amesma lógica em seu ataque aospreceitos fundamentaisdamecânicaquântica.A ideiabásicasubjacenteaseu experimento hipotético foi usar informação experimental sobre umapartícula para deduzir as propriedades, como a posição e omomento, deuma segunda partícula. Einstein, Podolsky e Rosen imaginaram duaspartículasqueinteragemumacomaoutraedepoisseafastamvelozmente,não interagindo com mais coisa alguma até que o experimentadorinvestigueumadelas.Cadapartículatemseuprópriomomentoecadaumaestá localizada em alguma posição no espaço. Segundo as regrasestabelecidaspelotrioEPR,oexperimentadorhipotéticotemcondiçõesdemedir precisamente omomento total (isto é, osmomentos somados) dasduas partículas, bem como a distância entre elas quando estão muitopróximas. Quando, num instante posterior, o experimentador medir omomentodeumadaspartículas,eledeverásaber,automaticamente,qualéo momento da outra porque o total não foi alterado. O experimentadorpoderia termedido igualmente a posiçãoprecisa da primeira partícula e,da mesma maneira, deduzido a posição da segunda. Por outro lado, oprincípiodaincertezaafirmaqueamediçãofísicadomomentodapartículaA impede o conhecimento preciso de sua posição. O que incomodavaEinstein e seus colegas era a ideia, inerente à interpretaçãoBohr/Heisenberg da ísica quântica, de que o estado da partículaBdependia de qual das duas medições o experimentador havia escolhidofazer na partículaA. Como pode a partículaB “saber” se deve ter ummomento precisamente de inido ou uma posição precisamente de inida?PareciaaosautoresdoartigoEPRque,nomundoquântico,mediçõesfeitasnumapartículaemumpontodoespaçoafetamdealgummodoaparceiradessapartículaemalgumpontodistantedoespaço.AaceitaçãodainterpretaçãodeCopenhague,ressaltouoartigoEPR,faz

com que a realidade da posição e do momento no segundo sistemadependadoprocessodemedidaefetuadonoprimeirosistema,oqualnãoperturbouosegundosistemaemabsoluto.AequipeEPRconcluiuque“nãosepoderiaesperarquenenhumade iniçãosensatadarealidadeadmitisseisso”. O artigo EPR sustentava que a interpretação de Copenhague erafalha.Essencialmente, a divergência entre a equipe EPR e a equipe

Bohr/Heisenbergdizrespeitoaoqueconstituiumade inição“sensata”derealidade.Segundoa interpretaçãoderealidadedeCopenhague,aposiçãoe o momento da segunda partícula não têm nenhum signi icado objetivoaté serem medidos, seja o que for que se tenha feito com a primeira

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partícula. Cabe lembrar que, segundo regras estritas da mecânicaquântica,nãohánenhumarealidadeclaramentede inidaatéqueela sejaobservada.No devido tempo, Bohr e companhia assinalaram uma discrepância

lógicanoartigoEPR:mesmoqueoaparelhodemedida izesseexatamenteoqueseustrêsinventoresdisseramquefaria—primeiromediraposiçãoexatadeumapartículadistanteedepois,apósalgumamodificação,mediromomento exato dessa partícula distante —, a necessidade de duasmedições isoladas e distintas continuaria sendo uma verdade. Numamediçãoúnicanuncasepoderiamedir tantoaposiçãoquantoomomentocom precisão. Portanto, os preceitos centrais da mecânica quânticapermaneciaminviolados.Nemassim,porém,Einsteinsedeixouconvencer.Essascontrovérsias foramapresentadasaqui, é claro,numa linguagem

muito simpli icada. Na realidade elas se deram na linguagem maispoderosadamatemáticaavançada.Umacontribuição importantesobesseaspecto foidadaem1964por JohnBell (odasmeiasdeBartlmannedasmoedas partidas). Num artigo intitulado “Sobre o paradoxo EPR”, Bellexplicouoexperimentoemtermosmatemáticos.Emseguidasedescobriuque, usando o na época chamado teorema de Bell, podia-se realmenteefetuar o experimento EPR, o que desde então os ísicos izerammuitasvezes. Em todos os casos testados, provou-se que Einstein, Podolsky eRosenestavamerrados.Bem antes que esses resultados experimentais esmagadoramente

positivoscon irmassemateoria,a ísicaquânticavinhaobtendocrescentesucessonaprática.Nadécadade1930,LinusPaulingeoutrosexplicarama ligação química usando a mecânica quântica. Também nessa época,Heisenberg,EnricoFermieoutrosdemostraramexperimentalmentequeateoria era válida no nível subatômico. Como o expressou P.A.M. Dirac, ateoriaquânticaexplicou“amaiorpartedafísicaeatotalidadedaquímica”.

OGATODESCHRÖDINGER

Com a aceitação geral da ísica quântica, porém, surgiu uma nova eimportante questão: onde termina omundo quântico e começa omundoclássico? A experiência humana diária tem lugar no macrocosmo, enenhumdosefeitosbizarrosdescritospela“estranha”teoriaquânticaédefatoexperimentado.Quetamanhoumobjetodeveatingirparaqueateoria

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quânticapareçajánãoseaplicar?Em1935,ErwinSchrödingerpropôsumexperimento mental que se tornaria famoso e que mostra que a teoriaquânticatalveznãoseapliqueforadomicrocosmo.Todos que tenham lido um dos muitos livros de divulgação cientí ica

sobre mecânica quântica já terão certamente encontrado o pobre,maltratado, felinodeSchrödinger.Aindaassim,essepobrebichanogeroutanta especulação e controvérsia que as paradoxais implicações de seudestinomerecemumbreveexame.

O GATO QUÂNTICO VIVO/MORTO DE SCHRÖDINGER Segundo os teóricos que aceitam a versão cabal damecânicaquântica,ogatoexisteemalgumestado intermitente,nemvivonemmorto,atéqueumobservadorolhedentrodacaixa.

Schrödingerpropõequese fecheumgatohermeticamentenumacaixade aço, junto comuma fonte radioativa fraca e umdetector departículasradioativas. A caixa deve conter ainda um frasquinho de gás venenoso eummartelo suspenso sobre ummecanismo disparador. Se omartelo forsolto, quebrará o frasco, liberando o gás. O detector que está na caixa éligadoumaúnicaveze apenasduranteumminuto.Omaterial radioativo,por sua vez, tem 50% de chance de emitir uma partícula durante esseminuto, portanto 50% de chance de não o fazer. Se uma partícula fordetectada,oesquemaletalserádesencadeado,ogásseráliberadoeogato,morto.Éimportanteobservarqueninguémpodeverointeriordacaixa.Segundo a interpretação de Copenhague estrita da ísica quântica,

passadoominutoeantesdeacaixaseraberta,nãopodemosfalardogato

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comoou vivooumorto,poisnãopodemosobservarentãoseeleestávivoou morto. Para os que acreditam que a mecânica quântica se aplicatambém ao macrocosmo, o gato está num estado indeterminado, umaespécie de vida suspensa,nem vivonemmorto. Sódepoisque a caixa forabertapode-seconferiraoanimalacondiçãodevivente.Acredito que a intenção de Schrödinger com esse experimento

hipotético foi mostrar as limitações da interpretação de Copenhague damecânica quântica— que a teoria quântica simplesmente não pode seraplicada a toda a realidade.No entanto, ela foimuitas vezes interpretadadeoutramaneira.Paramuitosobservadores,éóbvioqueogatonãopodeestarvivoemortoaomesmo tempo.Paraosqueaderemà interpretaçãode Copenhague estrita, porém, o gato vivo/morto não difere do elétron,quepodeserumaondaeumapartículaaomesmotempo.O debate, que prossegue até hoje, gira em grande parte em torno da

semântica,especi icamenteemtornodade iniçãode“observar”edolimiteentreoobservadoreofenômenoemobservação.AanálisedoparadoxodeSchrödinger centra-se nesse limite e seu cerne, nomeu entender, é que,desde que esteja no macrocosmo, a informação obtida (por observação)sobre o mundo quântico se torna objetiva e irreversível — em outraspalavras,nãopoderecuarparaoestranhomundodafísicaquântica.O gato de Schrödinger vem à baila com tanta frequência nos livros de

popularização da ciência que leva alguns ísicos ao desespero. “Quandoouço falar do gato de Schrödinger”, StephenHawking declarou certa vez,“eusacoorevólver.”

OATAQUEÀ“FÍSICAJUDAICA”

Enquanto Bohr e outros estavam envolvidos nos debates sobre váriosaspectosdateoriaquânticaemcursonacomunidadecientí ica,Heisenbergestava mais empenhado em defender a teoria de um ataque de tipodiferente. Com a ascensão deHitler, a ísica e os ísicos teóricos estavamcaindoemcrescentedesfavornaAlemanhae amissãodeHeisenbergnaqualidade de principal porta-voz da ísica teórica alemã tornou-se suapreocupaçãomáxima.No iníciode1936, JohannesStark,PrêmioNobeldeFísicade1919,eseguidoresdesencadearamnaAlemanhaumacampanhapelosjornaiscontraa“físicajudaica”,comoqueStarkqueriadesignartodaa ísica teórica, que contrapunha à ísica “alemã”, ou experimental.

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Heisenberg encabeçou a oposição a essa investida, embora sua oposiçãotenhatidopoucoefeitonocursodaspolíticasdoregimenazista.OpróprioHeisenberg foi acusado de ser um “judeu branco” e seu patriotismo foipostoemdúvida.SomenteporqueamãedeleeraamigapessoaldamãedeHeinrichHimmler,chefedaSS,foipossívelconvenceressaunidadenazistaa reexaminar a questão da lealdade de Heisenberg. Não fosse isso, suatraição teria podido ser simplesmente presumida. Após uma arrastadainvestigação,osnazistas inalmentederamaHeisenbergautorizaçãoparatrabalharemprojetosmilitaresalemães.AvidadeHeisenbergemLeipzigduranteessesanosqueprecederama

guerra foi di ícil também sob outros aspectos. Ele era bem-sucedidopro issionalmente, mas tinha poucos amigos. Teve, é verdade, um breveromance com a irmã de seu conhecidomais próximo, Carl Friedrich vonWeizsäcker;masaencantadoraAdelaidenãopassavadeumaadolescentee a reprovação do pai dela logo provocou um im abrupto dorelacionamento.Foientãoque,noiníciode1937,Heisenbergparticipoudeumanoite demúsica de câmara na casa de um amigo. Ali conheceu umamoçaqueatraiuseuolhar.Erauma livreiraaltaeesguia,comumsorrisocordial.Percebendoumaatraçãoentreosdois,aan itriãdosaraupediuaojovem professor que por gentileza acompanhasse a srta. ElisabethSchumacher até sua casa. O professor acedeu com muito gosto. Umasemana depois, convidou a jovem para sua cabana de esqui na Bavária(com uma acompanhante) e apenas duas semanas mais tarde os doisestavamnoivos.Menos de trêsmeses depois eles se casaram emBerlim.Heisenbergtinha35anos,suanoiva22.No iníciode1938, anova sra.Heisenbergdeu à luz gêmeos fraternos,

WolfgangeMaria,oprimeiroassimchamadoemhomenagemaocolegadeestudo e trabalho Wolfgang Pauli. Heisenberg, segundo a maioria dosrelatos, teve um casamento feliz. A sra.Heisenberg tevemais cinco ilhosao longo dos dez anos seguintes e proporcionou uma vida de famíliaestável para seu compulsivo e ambiciosomarido.Heisenberg, no entanto,semprepôsacarreiraemprimeirolugareavidafamiliaremsegundo.

AFISSÃONUCLEARAPLICADA

A de lagração da Segunda Guerra Mundial e o interesse da Divisão deMaterialBélicodoexércitoalemãonaspotencialidadesmilitaresda issão

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nuclear ofereceram a Heisenberg e outros ísicos atômicos alemães aoportunidade,comoelesaviam,deserviraoseupaísepromoveraciênciaao mesmo tempo. De início Heisenberg dividiu seu tempo entre Leipzig,onde exercia sua função acadêmica, e Berlim, onde as pesquisas sobre aissãonuclearestavamserealizando.Logosetornouoprincipalconsultortécnico na pesquisa da issão. Fora dispensado do serviço militar porrazõesmédicas(sofriadeanemia).O envolvimento de Heisenberg no esforço alemão para construir uma

armaatômicaéoaspectomaiscontroversodesuavida.Depoisdaguerraeleafirmouquetentarafrustrarastentativasalemãs,masoutroscontaramuma história diferente. Um desses relatos veio de ninguém menos queNielsBohr,omaispróximoparceiroprofissionaldeHeisenberg.Em 1941, Heisenberg visitou o Instituto de Física Teórica de

Copenhague numa Dinamarca então sob ocupação alemã. Em váriasconversas durante o almoço no instituto, Heisenberg sublinhou aimportância da vitória alemã na guerra e a ajuda que a ciênciadinamarquesa poderia dar. A acolhida que recebeu dos cientistasdinamarqueses oscilou emgeral de fria a gélida.Adespeitodas objeçõesdeMargrethe,suamulher,BohrconvidouHeisenbergpara jantaremsuacasa, onde no passado ele fora tantas vezes um convidado bem-vindo.Depois do jantar, os dois ísicos saíram para dar uma caminhada econversar.Todososfatossobreesseencontro,inclusiveoslocaisporonderealmenteandaram,sãocontroversos.AsversõesqueHeisenbergeBohrapresentaram da conversa só coincidem no tocante ao assunto: asaplicaçõesmilitaresdaenergiaatômica.Depois da guerra, Heisenberg a irmou que havia proposto a Bohr um

acordo secreto entre os ísicos alemães e os americanospelo qual ambosos ladosusariamsua in luênciaparadissuadir seus respectivosgovernosde levar adiante o projeto da bomba. Argumentava que, se pudessemchegaraummútuoentendimento, cercadedozedessescientistasseriamcapazes de impedir a construção de uma bomba atômica. Como parte desua argumentação, Heisenberg deixou claro que sabia de um meio deconstruirumabombaecomoprovadeuaBohrumaespéciedeesquema.AssegurouqueproporaqueleacordoforaaprincipalrazãodesuavisitaaBohr.A versão da conversa apresentada por Bohr foi completamente

diferente. Segundo ele, Heisenberg tentara arrancar dele o que sabiasobre issão e estava tentando usá-lo numa tentativa de impedir o

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prosseguimento do projeto da bomba dos aliados. A irritação e adescon iança contra Heisenberg que esse encontro provocou em Bohrforam evidentes em tudo que ele disse e fez em relação a Heisenbergdessanoiteemdiante.Apósacaminhada,Bohrvoltouparacasaedisseàfamília que ou Heisenberg não estava sendo sincero, ou estava sendousado pelo governo nazista. No dia seguinte, no instituto, disse a mesmacoisa a seus colegas cientistas. Em primeiro lugar, estava convencido dequeaAlemanhaestavatrabalhandonaquelemomentonodesenvolvimentodeumaarmaatômicaequeHeisenbergeraummembro-chavedoprojeto.Bohrnãoperdeu tempoemcomunicar suaspreocupações aosbritânicos,pormeiodaresistênciadinamarquesa.BohreHeisenberghaviamsidoamigos íntimosecolegasporquase20

anos, mas sua caminhada no bosque marcou o im de sua parceriaintelectual.Sóvoltariamaseverdenovodepoisde terminadaaguerraeBohrseesquivoudeHeisenbergpelorestodesuavida.

AHISTÓRIAMORRISBERG

As preocupações de Bohr com o que Heisenberg estava fazendo naAlemanha e com o papel que os nazistas teriam no desenvolvimento deuma bomba atômica eram partilhadas por muitos cientistas nos EstadosUnidos,entreosquaisJ.RobertOppenheimer.QuandoadvertidodoperigorepresentadoporHeisenberg, o general LeslieGroves, diretor doProjetoManhattan,mostrou-sedispostoaconsideraralgumassugestõesumtantoabsurdas sobre o que fazer com relação ao cientista alemão. Em LosAlamos,os ísicosHansBetheeVictorWeisskopfpropuseramosequestroou o assassínio de Heisenberg, chegando até a se oferecer para levar amissão a cabo. É preciso lembrar que esses cientistas eram ambosrefugiados da Alemanha de Hitler. Como precisava dos dois teóricosnucleares onde eles estavam, o general Groves teve de declinar ooferecimento.Como alternativa, Groves recorreu à Agência de Serviços Estratégicos

(OSS) dos Estados Unidos, precursora da CIA. O agente escolhido paratratardaameaçaHeisenberg foiMorris (Moe)Berg,umex-apanhadordeterceira linha do Boston Red Sox. Essa missão, um dos episódios maiscuriosos da história da espionagem, está bem relatada emO catcher eraum espião: amisteriosa vida deMoeBerg , de Nicholas Dawidoff. Berg era

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umapersonalidadedemúltiplas facetas.Comseus1,83metrodealturae85,5quilos,Berg,alémdejogarnumadasduasprincipaisligasdebeisebolpro issional, formara-se em Princeton e era um polímata, linguista,conquistador demulheres, advogado, concorrente uma vez no programaderádio “Informação,por favor”eespião.Berg foiescolhidopelogeneralBillDonovan,chefedaOSSparaseintroduzirclandestinamentenaEuropa,avaliaraprobabilidadedeumabombaAnazistaeassassinarHeisenbergsejulgassenecessário.Dequemododeveriadeterminaressanecessidadeficaumtantovago.Afinaldecontas,elenãoeraumfísico.DopontodevistadeDonovaneGroves,ousodeBergcomoagenteapresentavaumagrandevantagem,apesardesuafaltadeconhecimentosobrefísica:secapturadoetorturado, não poderia revelar nada aos alemães sobre os detalhestécnicosdoProjetoManhattanamericano.Em5de junhode1944, oVExército americanopenetrou emRoma, a

primeira grande capital europeia libertada da ocupação nazista. Poucotempo depois, Moe Berg chegou à cidade para interrogar os cientistasnucleares italianos e veri icar o que lhe podiam revelar sobre o projetoalemão da bomba atômica. Os italianos puderam lhe dizer muito pouco,masBerg icousabendoqueWernerHeisenbergiriaàSuíçaparadarumaconferência numa escola técnica de Zurique. Falaria no dia 18 dedezembro de 1944, durante um colóquio de uma semana, a convite doísico suíço Paul Scheerer. Heisenberg conhecia Scheerer muito bemporque os dois haviam trabalhado juntos antes da guerra. O que ele nãosabia era que Scheerer era um antinazista convicto e amigo da causaaliada.Eleeranaverdadeaprincipal fontedeinformaçãodeAllenDullesno tocante à ciência alemã bem como ao paradeiro e às atividades decientistas alemães. Nessa época Dulles estava à frente das atividades daOSS numa Suíça neutra. Juntos, Dulles eScheerer providenciaram paraque Moe Berg comparecesse ao simpósio cientí ico de alto nível armadocomumapistolacalibre45.No dia da palestra, Berg e outro funcionário da OSS conseguiram

assentos na segunda ila do auditório. Mais tarde Berg calculou que sóhavia cerca de 20 pessoas na sala. Não houve qualquer revista nosparticipantes e, de fato, qualquer espéciede segurança.Berg esmerou-seemtomarnotasdurantetodaapalestra,quea inalnãoversouemabsolutosobre issão nuclear, tratando antes de algo chamado teoria damatriz S,umassuntodifícileabstrusoquenadatinhaavercomabomba.Encerradaaparte formalda faladeHeisenberg,Berg semisturouaos

cientistas e, sabe-se lá como, conseguiu ser convidado para o jantar

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privado oferecido a Heisenberg cerca de uma semanamais tarde. Nessejantar, ele não só se sentou ao lado de Heisenberg como o acompanhoudepoisemsuacaminhadaatéohotel.HeisenbergnãotinhaamenorideiadequemeraBerge,maistarde,disseao ilhoquepensousetratardeumsuíço. Fossem quais fossem seus outros predicados, Berg era um bomouvinte. Ouvira atentamente vários cientistas italianos, suíços e alemãesrefugiadosa irmaremqueHeisenbergnãorepresentavanenhumaameaçareal. A conferência sobre ísica em Zurique e o contato pessoal posteriorsemnenhumguarda-costasemevidênciareforçaramaimpressãodeBergde que os nazistas não encaravam Heisenberg como um trunfo nacionalimportante.Bergmanteveodedolongedogatilho.

OPROJETOALSOSEGOUDSMIT

O general Groves, contudo, ainda não estava convencido de que nenhumprojeto alemão de vulto para a construção da bomba atômica estava emcurso e, para estar pronto para essa possibilidade, ainda que remota,autorizou a formação de uma organização paramilitar que penetrou nasáreasdaEuropaqueas forças aliadas estavam libertandoemseu rápidoavanço. A unidade recebeu o codinome ALSOS (da palavra grega para“arvoredo”).Parache iaraALSOSGroveescolheuotenente-coronelBorisT. Pash. Como conselheiro cientí ico designou o ísico teórico de origemholandesaSamuelA.Goudsmit,emparteporque,nãotendotrabalhadonoProjeto Manhattan, se fosse feito prisioneiro não poderia revelar coisaalgumasobreoesforçoaliadoparaaconstruçãodabomba. Ironicamente,Goudsmit conhecia bemHeisenberg de antes da guerra. De fato,considerava-oumamigo.ForaemsuacasaqueHeisenbergsehospedaranumavisitaaosEstadosUnidosfeitapoucoantesdaguerra.Nosprimeirosdiasda SegundaGuerraMundial amãe e opai deGoudsmit viram-sederepente em uma Holanda ocupada. Temendo pela segurança deles,Goudsmit escreveu para Heisenberg pedindo ajuda. Por alguma razão,Heisenbergoptoupornãointervir.Emseguidaocasalfoienviadoparaumcampodemortealemãoeassassinado.ÉbempossívelqueHeisenbergnãotivesse poder para ajudar o casal Goudsmit, mas, de todomodo, ele nãotentou.AALSOSfoi incumbidadeumatríplicemissão:(1)descobrirasituação

do projeto nazista da bomba atômica; (2) apreender, abrigar e expedir

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paraosEstadosUnidostodoourânioquesesoubesseestarnapossedosalemães; e (3) assegurar que nenhum ísico nuclear atômico alemãoescapasse à captura ou caísse nas mãos da União Soviética. Avançandopouco atrás das unidades aliadas de ocupação, a unidade ALSOSdesempenhoutodasastrêspartesdesuatarefacompresteza.Apartirdedocumentos capturados no laboratório ísico alemão em Estrasburgo,concluíramque,emboraaAlemanhativesseumprojetodebombaatômica,ele era de escala relativamente pequena e izera poucos progressossigni icativos. Na visão do coronel Pash esse foi o mais importante feitoisolado da ALSOS. Osmembros da unidade capturaram também amaiorparte das 1.200 toneladas de minério de urânio que a Alemanhaconseguira do Congo Belga. Providenciaram o embarque desse materialpara os Estados Unidos, onde seria usado no Projeto Manhattan.Finalmente, conseguiram localizar os ísicos nucleares alemães deimportânciadecisiva.Documentos trazidos à luz pela ALSOS revelaram que Werner

Heisenberg, Otto Hahn, Carl von Weizsäcker, Max von Laue e outrosmembros de seu grupo dedicado à issão nuclear estavamna estação deveraneio de Haigerloch, na região da Floresta Negra, no sudoeste daAlemanha.Pashe suas forças correramparaessaárea,querendochegarantesdoexércitofrancêsqueseaproximava(osrussosestavamchegandoda outra direção). A caminho, trocaram tiros com o exército alemão emretirada. EmHaigerloch, descobriramque a “máquina de urânio” secretados alemães era na verdade uma pilha atômica algo parecida com a queEnrico Fermi havia desenvolvido dois anos antes em Chicago. Fermidirigira os trabalhos para a obtenção da primeira reação de issãoautossustentável num laboratório secreto debaixo do Stagg Field naUniversidade de Chicago. Em 1942 a pilha atômicade Fermi tornou-secrítica e sustentouuma reação emcadeia.Apilha atômicaque aunidadeALSOS encontrou em Haigerloch estava à beira da criticalidade; isto é,ainda não se iniciara uma reação em cadeia, mas para produzi-la nãofaltavamaisqueumcarregamentoadicionaldeurânio.Heisenberg não estava lá quando as forças da ALSOS chegaram, mas

Pash e Goudsmit o encontraram alguns dias depois com a família naBaviera,numchaléàbeiradeumlago.OqueGoudsmitdisseaHeisenbergenquantoo interrogavanãosesabe.Masoquepensousobreaa irmaçãoque Heisenberg faria mais tarde de que estava deliberadamenteempenhado em desencorajar o esforço alemão para a construção dabomba é sabido. No livro sobre o projeto ALSOS que publicou depois da

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guerra, Goudsmit quali ica Heisenberg de “mentiroso” e “hipócrita”.Heisenberg e Goudsmit iriam continuar essa batalha na imprensa, emparticular nas páginas doNew York Times , em que os defensores deHeisenberg foram asperamente censurados por Goudsmit, queevidentemente não embarcou no que ele e outros críticos deHeisenbergchamavamde“ocontodefadas”.Heisenberg e os demais ísicos nucleares alemães foram postos sob

custódia e enviados para uma detenção temporária na Inglaterra. Osistema de segurança inglês haviamaquinado um estratagema brilhante.Emvezdeinterrogaroscientistasalemãessobresuaspesquisasem issãoatômica durante a guerra, propuseram alojá-los todos numapropriedaderuralchamadaFarmHall.Alipoderiamteraulasde inglês,distrair-senashoras vagas na sala de música ou perambular pelos jardins dapropriedade.Evidentemente,nadaos impediriadefalarde ísica.Aliás,osingleses não esperavam outra coisa, tendo instalado aparelhos de escutaemtodososcômodosdacasa.

OVEREDITODEFARMHALL

Con inadosnapropriedadedeFarmHall,pertodeCambridge,estavamosdez ísicosalemãesquehaviamdirigidoatentativaalemãdedesenvolvereconstruirumaarmaatômica.Ali icaramporquaseseismeses—dejulhoa dezembro de 1945. Não era um con inamento particularmente penoso.Suas refeições vinham do rancho dos o iciais ingleses, jogavam tênis nasquadras da propriedade e conversavam sobre política e ísica, tudo quediziam sendo secretamente gravado durante todo o período. Astranscrições das gravações, classi icadas como ultrassecretas durantemuitos anos, foram inalmente liberadas pelo serviço secreto inglês em1992.AlémdeHeisenberg, os cativos de FarmHall incluíamWalter Gerlach,

Otto Hahn, Max von Laue, Carl Friederich vonWeizsäcker, Paul Harteck,KarlWirtz, ErnstBagge,HorstKarsching eKurtDiebner. As transcriçõesdeseusdebatesproporcionamomaisprecisoquadrodisponíveldopontoexato em que estava a Alemanha em seu caminho rumo a uma armanuclear; e, na prática, ditaram o veredito inal sobre a questão: estavamHeisenbergecompanhia“deliberadamente”empenhadosemseafastardoprojetodepesquisadearmasnuclearespeloquemaistardechamaramde

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razõeshumanitárias?Após um mês de gentil cativeiro em Farm Hall veio a notícia de

Hiroshimae,algunsdiasdepois,deNagasaki.Essasinformaçõesforamumchoqueparaosalemães,queaprincípionãolhesderamcrédito.Pensaramtratar-sedeumardilparafazê-losrevelarinformaçõessecretas.Quandoaverdade se tornou evidente, brigaram entre si, tentando de inir osculpadospelofracassodaAlemanhaemdesenvolverabombaprimeiro.Aque distância estavam os cientistas alemães de conseguir uma bombanuclear para seus amos nazistas? Em termos gerais eles estavam, aotérminodaguerraeuropeia,maisoumenosnopontoemqueEnricoFermiestivera dois anos antes, em Chicago (Fermi e sua equipe haviamdesenvolvidooprimeiroreatornucleardomundoemdezembrode1942).Como hoje se sabe, a pesquisa alemã culminou num reator que teria setornado crítico com apenas um pequeno carregamento de urânio amais.Não tivesse sido o intenso bombardeio de Berlim, que forçou odeslocamento do projeto e a remoção do reator para Haigerloch, e ainterrupção do abastecimento de seu moderador de água pesada pelaNoruega, os alemães teriam certamente podido ter um reator emfuncionamentoem1943ou1944.Desenvolver um reator e desenvolver uma arma nuclear, porém, não

são amesma coisa. Enquanto Fermi trabalhava em Chicago, o esforço depesquisa e planejamento em Los Alamos já estava em pleno curso, combase na certeza de que Fermi iria conseguir uma reação nuclear. OutroselementosdogigantescoProjetoManhattanestavamtambémemoperação,especi icamenteasusinasparaseparaçãodeurânioeplutônio.Osalemãesnãohaviamempreendidoessesoutrosesforçosdecisivos.AsfitasgravadasemFarmHall revelaramaindaque, comumaouduas exceções, entre asquais Heisenberg nãose incluía, os cientistas aprisionados icaramobviamentedesoladoscomaperdadaguerrapelaAlemanha.A situação do esforço alemão está hoje bastante clara: no período de

1941e1942,quandoosEstadosUnidoseaGrã-Bretanha iniciaramseusesforçosparadesenvolverabombade issão,osalemãesconcluíramqueaseparação de isótopos na escala exigida era simplesmente inviável,impondo-seumamplodesenvolvimentodereatoresantesqueoesperadoisótopo íssil de elemento 94 pudesse ser produzido em quantidadesadequadas. O que os levou a essa conclusão errônea foi uma estimativagrosseiraepessimistadotamanhoqueumamassacríticadeveriater.Os cientistas alemães, e em particular Werner Heisenberg, avaliaram

queamassa críticanecessáriaparaumabomba teria várias toneladas.A

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equipe americana e inglesa, usando uma abordagem diferente aoproblema,chegouaumaestimativasigni icativamentemenorparaamassacrítica. De fato, a verdadeira quantidade não passa de alguns quilos e aarmaatômicaquecaiusobreHiroshimaconsistiade15quilosdeurânio.Apartir das conversas dos cientistas alemães, inclusive Heisenberg,gravadasemFarmHall, icaevidenteque,setivessemumaestimativamaisrealista da massa crítica e tivessem sabido com que fervor os cientistasamericanosestavamtrabalhandonoprojeto,amaioriadeles teria sentidopouco ou nenhum remorso em construir a bomba para Hitler. A “lindahistória”deHeisenbergeraexatamenteoqueGoudsmitdisse:umcontodefadas.

OPÓS-GUERRAEA“FÓRMULADOMUNDO”

Sejamquais tenhamsido seusatosduranteaSegundaGuerraMundial, ain luênciadeHeisenbergnaAlemanhadopós-guerrafoiexpressiva.Elesetornou o principal porta-voz da ciência alemã na arena internacional.Participou da decisão de estabelecer o Centro Europeu de Pesquisa emFísica de Altas Energias (CERN) em Genebra e mais tarde presidiu seucomitêdeplanejamentocientí ico.NaáreadapolíticanucleardaAlemanhaOcidental,Heisenbergusousua in luêncianadefesadaenergianuclearenaoposição aodesenvolvimentode armasnucleares. Em1955os aliadosocidentaisconcederamàRepúblicaFederaldaAlemanhaplenasoberaniaeaparticipaçãonaOTAN.TodasasrestriçõesquehaviampesadosobreapesquisanaAlemanhaOcidentalforamsuspensas.Heisenbergeumgrupodecolegas lançaram imediatamente uma campanha pública em favor deum intensoprogramadedesenvolvimentoda energia nuclear. Aomesmotempo, opuseram-se energicamente ao plano do chanceler Adenauer deequipar o exército alemão com as chamadas armas nucleares táticas. AcampanhapolíticadeHeisenbergcontraasarmasnuclearesculminouem1957numadeclaraçãopública formuladaporeleeWizsäckereassinadapor muitos cientistas nucleares contra a posse de armas nucleares pelaAlemanhaOcidental.Acampanhateveêxitoeoexércitodopaíscontinuousempossuirarmasnucleares.Além de seu envolvimento político, Heisenberg continuou a levar

adiante sua busca de uma teoria de campo quântica. Em 1958, publicoucom Wolfgang Pauli umpreprinta de sua teoria uni icada de campo das

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partículaselementares,maistarderepudiadaporPauli.Trêsdiasantesdadivulgação dopreprint, Heisenberg anunciou sua nova teoria numapalestranaUniversidadedeGöttingen.Umjornalistaqueestavanaplateia,àcatadeumamanchete,noticiouumanova“fórmuladomundo”,oquefoireproduzido por jornais domundo inteiro. Umamanchete proclamou: “Oprofessor Heisenberg e seu assistente, W. Pauli, descobriram a equaçãobásicadocosmo.”Oexagero tornou-seaindamais sensacionalquandoHeisenberg,numa

falapelorádiosobresuanova“teoriadotudo”,a irmouque,“aforaalgunsdetalhes a serem desenvolvidos mais tarde”, aquela era de fato a chavemestraparaouniverso.WolfgangPauli icoufurioso.EnviouaHeisenbergumtoscodesenhode

doisquadradosembranco,comosdizeres:“Aforaalgunsdetalhesaseremdesenvolvidosmais tarde, estas sãoobras-primasdearteequivalentesàsdeMichelangelo.”Alémdisso,divulgouumacartaaosprincipais ísicosdomundo renegando tal teoria. Isso não impediu Heisenberg de continuarproclamando sua fórmula para grandes audiências por toda a AlemanhaOcidentaleOriental.Oconflitoculminounumaconferênciasobrepartículaselementares no CERN, em Genebra, em que Pauli investiu contraHeisenberg, quali icando seu trabalho de matematicamente objetável esuas ideias de “mero substituto de ideias fundamentais”. Mais uma vez,Heisenberg havia transformado impiedosamente em inimigo um de seusmaispróximos parceiros, um homem com quem trabalhara em estreitaligação ao longo de toda a sua carreira e que in luenciara enormementesuas contribuições para a ísica. Os ísicos em geral, já extremamentedescon iadosdo trabalhodeHeisenberg, nãodedicarammaior re lexão à“teoriapara acabar com todas as teorias”. Esse casovergonhoso foi, paratodososefeitos,oúltimoshowdeHeisenberg.Em 1958, aos 56 anos, Heisenberg regressou a Munique e assumiu a

direção do InstitutoMax Planck. Continuou a fazer palestras pelomundoafora, mas o conteúdo de suas preleções tornou-se mais ilosó ico quecientífico.Emmeadosde1973,umcâncerdeixou-ogravementeenfermo.Adoença entrou em remissão e, por algum tempo, ele pareceuplenamenterestabelecido. Em julho de 1975, porém, sofreu uma grave recidiva emorreuseismesesdepois.

AMECÂNICAQUÂNTICAEMPOUCASPALAVRAS

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As ideias de de Broglie, Schrödinger e Heisenberg, outrora consideradas“absurdas”têmconduzidoatecnologiasinteiramentenovas,cujaexistênciase deve às descobertas desses pioneiros. A indústria eletrônica daatualidade, com sua tecnologia dochip de silício, funda-se em parte nateoria quântica dos materiais chamados semicondutores. As múltiplasaplicações dolaserhojeexistentessósãopossíveisgraçasàcompreensão,nonívelquânticofundamental,deummecanismoparaaradiaçãodaluzapartir de átomos. Além disso, a compreensão do modo como grandenúmero de objetos quânticos se comportam quando fortementecomprimidos leva a uma compreensão de muitos diferentes tipos dematéria, de supercondutores a estrelas de nêutrons. Embora em grandepartesejasemdúvidadedi ícilentendimento,amecânicaquânticaparecefuncionar muitíssimo bem. Com base nos dados experimentais e nasaplicaçõespráticas,anaturezaindeterminadadaspropriedades ísicasnãomedidasdeveseraceitapeloqueaparenta.Em seu livroO im da ísica, David Lindley sugeriu: “O meio de

compreenderamecânicaquântica,seéqueissoépossível,épreocupar-seunicamente com o que é medido num experimento especí ico e ignorarresolutamente tudo mais.” A mecânica quântica fornece muitas boasrespostasparamediçõesespecí icasetalvezsejamelhornãosepreocuparcomo como. Lembre-se da famosa observaçãodeNielsBohr: quemquerqueafirmequeateoriaquânticaéclaranaverdadenãoacompreendeu.E quanto ao veredicto sobre o próprio Heisenberg? Sua contribuição

paraa ísica,emparticularamecânicaquântica,foiexcepcional.Maspairaconsideráveldúvidasobreseucaráter.Háaquelesqueestudaramosfatosemdetalhe, comoThomas Powers em seu livroAguerra deHeisenberg , equeoconsideramumhomemmalcompreendidoeinocente.Outros,entreos quais C.P. Snow e Samuel A. Goudsmit, para citar apenas dois, sãoextremamentecríticosemrelaçãoaele.É supremamente irônico que a história da ísica vá agora nos

transportar cronologicamente de Heisenberg, o Inescrutável, ao homemquefoiseuopostoemquasetodososaspectosdiscerníveis,omultifacetadoe absolutamente charmoso ísico americano e herói popular RichardFeynman.

a Uma apresentação impressa de um trabalho que é feita antes de publicação em revistascientíficas.(N.R.T.)

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CAPÍTULOSETE

RICHARDPHILLIPSFEYNMAN

Você tem de estar preparado para a coisa— não porque ela seja di ícil de entender,masporque é absolutamente boba: tudo que fazemos é traçar umas setinhas num pedaço depapel—maisnada.

RichardFeynman,sobreaeletrodinâmicaquântica

Nodia21deoutubrode1965,quandofoiinformadodeseuPrêmioNobeldeFísica(divididocomSchwinger,deNovaYork,seurivaldelongadata,eShin’ichiro Tomonago, do Japão), Richard Feynman viu-se assediado porrepórteresemsuacasa,emPasadena,Califórnia, todos fazendovariaçõesdamesmapergunta:quefezdefatoparaganharesseprestigiosoprêmio?Segundo o telegrama que comunicava os contemplados, o prêmio foraconcedido“portrabalhobásicoemeletrodinâmicaquânticacomprofundasconsequências para a ísica das partículas elementares”. Mas o quesignificavaisso?Conta-se que um jornalista teria pedido a Feynman que por favor lhe

dissesse,emnãomaisdeduas frases,a razãoporque foraescolhido. “Seeu pudesse lhe dizer em duas frases”, Feynman respondeu, “não teriaganhooPrêmioNobel”.Aoquetudoindica,essahistóriaéapócrifa—umrepórter da revistaTime é que teria sugerido a Feynman essa resposta.Autêntica ou não, foi uma observação típica de Feynman: rápida,espirituosa e direta. Pela primeira vez em seus 48 anos de vida, oresolutamente despretensioso cientista de Far Rockaway, no Queens,subúrbio de Nova York, teria de envergar gravata branca e fraque eaprender como se curvar perante o rei da Suécia. Teria de andar àsavessas depois de receber o prêmio, preocupava-se, e como é que seaprendia a fazer isso? Ao ser inteirado dessas preocupações sociais, umamigolheenviou,debrincadeira,umespelhoretrovisordeautomóvel.Semsaberaocertoseeraounãoumabrincadeira,Feynmantreinou,subindoedescendo escadas movimentando-se para trás (para o caso de haver

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escadasenvolvidasnacerimôniadepremiação).Evidentemente, Feynman temia cometer uma gafe que poderia se

tornar tão famigerada quanto aquela que perpetrara em Princeton, noremotooutonode1939.Oestudantedepós-graduaçãode22anos, longede estar à vontade no ambiente formal do chá dominical na casa dodecano,ouviudasua intimidantemulher: “Gostariadecremeou limãonoseuchá?”Sempensar,Feynmanrespondeu:“Osdois,porfavor.”Elapôsobronco no seu lugar com um olhar frio e disse: “Certamente estábrincando,sr.Feynman.”Elenuncaesqueceuessaobservaçãoe,quarentaanosmaistarde,usou-acomotítulodeseuprimeirolivrodedivulgação.Note-se que foi o próprio Feynman quem contou essa história. Na

verdade, grande parte da lenda Feynman teve origem em históriasfornecidas por ele mesmo. Ele colaborou evidentemente para criar aimagem de que tantos de seus leitores e alunos se lembrariam tãoafetuosamente: “meio gênio, meio bufão”, para usar a descrição de seuamigoFreemanDyson.Jovemebrilhantematemáticoe ísicoinglês,DysonconheceuFeynmannaUniversidadedeCornellem1946equali icouassimseu novo amigo numa carta para os pais. Na carta seguinte, reti icou aprimeira impressão descrevendo o colega como “totalmente gênio etotalmente bufão”. Mais tarde ainda, arrependeu-se de ambas asdescrições,poispassaraaconhecerohomemverdadeirosobafachada.A imagempopular de Feynman comoum “tipo” procede sobretudo de

doisbest-sellers,maliciosamenteintituladosOsenhordeveestarbrincando,Mr. Feynman ePor que preocupar-se com o que os outros pensam?Alinhavados a partir de gravações de entrevistas feitas por seu amigoRalph Leighton, esses livros apresentam muitas das mais engraçadashistórias que Feynman contava sobre simesmo,mas são completamentedesprovidos de conteúdo cientí ico. São uma leitura divertida, masretratamFeynmanacelebridade,nãoFeynmanocientista,eaquiestamosinteressadosemambos.Feynman, o cientista, era considerado pelos colegas um teórico de

grande originalidade e competência. Ele inventou os diagramas deFeynman, um método grá ico para a descrição de interações entrepartículas que é empregado hoje em toda a ísica de altas energias.Desenvolveu a abordagem da integral de trajetória para a mecânicaquântica, um método de tratar probabilidades quânticas que lançou luzsobre questões que iam do microcosmo até a origem do universo.Contribuiu para a elegante e precisa teoria da eletrodinâmica quântica(chamadaQED),umamisturaderelatividadeespecialemecânicaquântica

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aplicável à ísica nuclear, à ísica dos estados sólidos e dos plasmas, àtecnologia dolaser e a muitos outros campos. Foi por esse trabalho queparticipoudoPrêmioNobeldeFísicaem1965.Àmedidaque formos explorando a vida e os feitos dessepersonagem

encantador, tentaremos vislumbrar o genuíno Richard Feynman por trásda imagem, semdeixar de nos deter sobre suas realizações signi icativasnomundodafísica.

SEFORMENINO,VAISERCIENTISTA

Melville Arthur Feynman a irmou isso para Lucille, sua jovem esposagrávida, em 1918. Estava certo, é claro, mas é interessante notar que osegundobebêFeynman,Joan,airmãdeRichard,tambémobteveumPh.D.emfísica.Imigrante da Bielorrússia, Melville Feynman tinha uma mente

inquisitivaeumfascíniopelaciênciaqueoacompanharampelavidatoda.Caixeiro-viajante, fabricante de camisas e gerente de tinturaria, haviaacumuladoumaprofusãodeconhecimentosadquiridosporcontaprópriae bombardeava regularmente o ilho com perguntas sobre o mundonatural à volta deles. Esse mundo tinha por centro Far Rockaway, umaagradável comunidade litorânea no Queens. Mais tarde na vida, RichardFeynman (que os pais chamavam de Richy ou Ritty, nunca de Dick)ressaltou em muitas entrevistas o quanto todas essas perguntas tinhamin luído em seu desenvolvimento em um cientista. Nas frequentescaminhadas que fazia com o ilho, Melville costumava lhe falar sobre anatureza: como os oceanos se comportam, por que e como os pássarosvoam, o que são as estrelas. Mais importante, Melville ensinava o ilho apensar sobre o “porquê” dos eventos naturais. Por exemplo, o garotopercebeu que quando puxava sua carroça de brinquedo para a frente, abola que estava dentro rolava para o fundo; e quando estava puxando acarroçaeparavaderepente,abolarolavaparaafrente.Perguntadosobreisso,Feynmanpaiexplicouao ilhoosprincípiosgeraisdainércia:ascoisasqueestãoemmovimentotentamsemanteremmovimentoeasqueestãoparadastendema icarparadas,amenosquevocêasempurrecomforça.Feynman jáestavaaprendendo ísicacomopaimuitoantesde jamais terouvidoessapalavra.Estavaaprendendotambématerrespeitopeloconhecimentoemgeral.

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A família Feynman tinha uma coleção daEnciclopédiaBritânica eMelvilletinhaohábitodesentaro ilhonocoloe ler trechosdaenciclopédiaparaele.Enãosecontentavaemapenaslersobreumdadoassunto;explicavaainformação em termos que o garotinho pudesse entender. Mais tarde,Melville passou a levar o ilho ao Museu de História Natural, emManhattan.EssesetornouopasseiofavoritodeRittye,comopaiatuandocomoumguiainformativoeinquisitivo,exploravaavidamenteomundodanaturezaedaciência.Feynman sempre teria orgulho em declarar que havia sido instruído

pelo pai. “Hoje, quando olho para trás”, disse uma vez a seu biógrafoJagdish Mehra, “percebo que ele era um homem extraordinário, porquedepois conheci muitos cientistas e pessoas instruídas, e só poucos, masmuitopoucos,compreendemprofundamenteoquevemaserciência,porassimdizer.”Muito cedo,Richard sedeu contadeque seupai talveznãoconhecesse os fatos assim tão bem — a inal, ele não tinha nenhumainstrução formal em ciência—,mas sem dúvida sabia como procurar osfundamentossubjacentes,eissoseufilhonuncaesqueceu.A religião desempenhou apenas um minguado papel na infância e

adolescência de Feynman. A família era judia, masMelville era ateu. Emconsideração à mulher, continuava enviando Richard à sinagoga aossábadoseàauladereligiãoparaaprenderumpoucodehebraicoequemsabe alguma coisa do Antigo Testamento; mas os ensinamentos nãovingaram.NaspalavrasdopróprioFeynman,“Abandoneiareligiãoaos13anos.Tornei-meateuporquenãoacreditavanaquilo.”Feynman, que gostava de mexer com rádios, relógios e estojos de

química,montou seupróprio aparelhode rádio, umgalena emquepodiaouvirThe Shadow e outras novelas de aventura. Chegou a icar perito obastantenoconcertoderádiosparaganharumdinheiroextracomisso,eganhar dinheiro não era coisa fácil naqueles dias da Grande Depressão.Regulouorelógiodeseuquartoparaandaraocontrário,aprendeualerashoras corretamentenele e adoravamostrar isso aos amigos.Duranteumperíodo leu icção cientí ica, mas na época emque foi para a escolasecundáriajáhaviaabandonadoogênero,paranuncamaisretornaraele.Averdadeiraciência,pensava,erasuficientementeempolgante.

AESCOLASECUNDÁRIADEFARROCKAWAY

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Feynman ingressou na escola secundária em 1931, aos 13 anos. Jáconhecia alguns dos professores porque andara frequentando olaboratório de ciência do estabelecimento. Teve bom desempenho emtodasasmatérias,emborasólevassemuitoasériomatemáticaeciência.Nessasduasdisciplinas,estavamuitoàfrentedosoutrosalunos,jáque,

aindanaescola elementar, chegaraa aprenderaté álgebraavançadaporcontaprópria.LogosetornouoásdoClubedeMatemática(bemcomoummembroentusiásticodoClubedeQuímica,doClubedeFísicaedoClubedeXadrez).Os esportes, em contrapartida, não o interessavam em absoluto. Seu

jogoeraamatemática—umjogoemqueeraexcelenteequelhepermitiase exibir um pouco. O gosto por se exibir era uma característica queFeynman conservaria a vida toda. Várias outras características que omarcariamavidatodajásehaviamreveladoquandoeleentroudaescolasecundária. Entre elas estavam uma postura racionalista rigidamentedisciplinada, a falta de reverência pela autoridade, o desdém pelaformalidade e a cerimônia, o respeito pela realização intelectual e umadisposiçãoemgeralalegre.Lendo a enciclopédia, icara sabendo que o cálculo era importante e

quisaprendê-looquantoantes.Diantedisso,seupaicomprou-lheumlivrochamadoCalculus Made Easy (O Cálculo de Maneira Fácil), em quemergulhoudeimediato.Foiencorajadonaempreitadaporumacitação(deumantigoprovérbio)naguardadolivro:“Oqueumtolopodefazer,outrotambém pode.” De várias maneiras, Richard Feynman fez disso umaespéciedemotoparaavidatoda.Sob muitos aspectos, Feynman era o que os estudantes de hoje

chamariam de “CDF”, mas, como todo adolescente, eraextraordinariamente preocupado com a própria imagem e não poupavaesforços na tentativa de ser comoos outrosmeninos—não ummaricas,como ele dizia. Pôs essa determinação em prática no colégio e na suacarreiraprofissional.Semprequisserumgarotocomoosoutros.No último ano do colegial, Feynman teve a boa sorte demerecer uma

atenção especial de Abram Bader, seu professor de ísica. Bader estavalonge de ser um professor de ciência de curso secundário comum. Porrazões econômicas, fora obrigado a abandonar sua própria carreira emísica e passara a lecionar,mas estudara sob a orientaçãode I.I. Rabi emColumbia e tinha excelente formação em ísica. Ele ouvira falar que umgaroto de inteligência invulgar viria para a sua classe, que era um curso

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para estudantes de desempenho excepcional. Esperava-se que todos osalunos dessa classe fossem brilhantes, mas Feynman se destacouimediatamente. Era, recordou Bader, o melhor aluno numa classe dealunosexcelentes.Eratambémumproblema.Umdia,Baderdisse a Feynmanque icassena sala após o términoda

aula. “Feynman”,disse-lhe, “você falademaise fazbarulhodemais.Euseiporquê.Está entediado.Por isso estou lhedandoum livro.”Eraum livrosobre cálculo avançado. “Estude este livro”, continuou Bader, “e quandosouber tudo que está nele, pode voltar a conversar.” Todos os dias,Feynman se sentava no fundo da sala e estudava cálculo em níveluniversitárioenquantoorestodaturmasepunhaemdiacomoqueelejásabia.Certavez,alunoeprofessorestavamnolaboratórioquandoBaderlevou

Feynmanatéoquadro-negroeexplicou-lheumprincípiode ísicaqueteveprofundoimpactosobreele;tratava-sedo princípiodamínimaação.Baderexplicou que há um número — a energia cinética menos a energiapotencial—cujaação,quandosecalculaasuamédiaaolongodotrajeto,éamenorparao verdadeiro trajeto. Frequentemente se ilustra essa lei danaturezacomumproblemahipotético.Umsalva-vidas,postadonapraiaacerta distância do mar, vê um banhista se afogando à sua frente, nadiagonal,aalgumadistânciadapraiaeumpoucoparaumlado.Comopodeosalva-vidasencontrarocaminhomaisrápidoemdireçãoaobanhista?Elesemovemais rapidamente em terra irme que na água. Se tomasse umareta rumo ao banhista, gastaria tempo demais na água. Se corresse pelapraiaaté icardiretamenteemfrenteaobanhista,gastariaomenortempopossívelnaágua,masteriaperdidotempocorrendopelapraia.Ao imeaocabo,veri ica-sequeamelhor soluçãoé fazero trajetodo tempomínimo,atravessando a praia emdiagonal e em seguida virando-se de novoparafazerumângulo fechadoatravésdaágua.Oqueo salva-vidasdeve fazerinstintivamente, um estudante de cálculo pode fazer matematicamente.Badermostrouque omesmoprincípio se aplica quando a luz é desviadaemseupercursoatravésdaágua oudeumprismadevidro—elasempresegue o trajeto do tempo mínimo. Feynman icou encantado com esseprincípio que, de certo modo, in luenciou toda a sua iloso ia da ciência.Muitosanosdepois,quandoprofessornaCaltech, icariaconhecidoporsuainsistência na simplicidade em seu trabalho. Certa vez observou: “Tenhoum princípio com relação às teorias da interação forte: se a teoria forcomplicada, está errada.” Nas famosas Preleções Feynman sobre Física,que fez para calouros e segundanistas do Caltech no início da década de

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1960, dedicou uma preleção especial ao princípio da mínima ação erecordou o que aprendera com Bader nos velhos tempos da escolasecundáriadeFarRockaway.Naqueles anos de formação, Feynman encetou uma outra importante

relação que teria efeitos prolongados em sua vida: apaixonou-se pelabonita e popular Arline Greenbaum. Esse romance de escola secundáriaque durou por mais de 14 anos é uma história trágica de sofrimento edevoçãoquerevelaumaoutraimagemdeRichardFeynman,emcontrastecomado rapazinhopetulante,despreocupado.Antesdeentrarmosnessahistória, porém, há os anos muito felizes que Feynman passou nafaculdade.

NAUNIVERSIDADE

Em 1935, quando se formou no curso secundário, Feynman pretendiaespecializar-seemmatemáticanafaculdade,poisnessamatériaéqueforamais forte. Em seu último ano em Far Rockaway, solicitara ingresso naUniversidadedeColumbia,noMIT(MassachusettsInstituteofTechnology)e no CCNY (City College of New York). Embora aprovado nos exames deadmissão de Columbia com as notas máximas, foi recusado porque naépoca havia uma quota de judeus para a turma de calouros. Feynmanpagara 15 dólares para fazes os exames e, como contou mais tarde aentrevistadores, ressentiu-se enormemente tanto com a rejeição quantocomaperdados15dólares.OMIT,porém,aceitouFeynmaneconcedeu-lhe umapequenabolsa de estudos, cerca de 100dólares por ano.OMITera o lugar perfeito para ele, pois proporcionava ao mesmo tempo umaexcelente formação e uma intensa vida social. Para Feynman, esta giravaemtornodesuafraternidade,aPhiBetaDelta.Segundoele,afraternidadeexigiaqueosmelhoresalunosdessemaulasparticularesaqualquerirmãoqueestivessecomproblemasacadêmicoseosmembrosmaiscompetentesnoplanosocialajudavamosmenossegurosdesi,ensinando-osadançareaté conseguindo encontros para eles, se necessário. É fácil adivinhar emquemetadedafraternidadeFeynmansesituava.Todasemanahaviaumbaileemalgumlugardocampusecorreratrás

degarotastornou-seaatividadeextracurricularnúmeroumdeFeynman.A única mulher realmente importante em sua vida, contudo, continuavasendo Arline Greenbaum. Nos ins de semana em que havia bailes mais

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importantes, ele a levava para o MIT e os dois mantinham uma copiosacorrespondência.Rapidamente,Feynmanganhavanafraternidadeafamadeumtipopitorescoecompletamenteimprevisível.CertavezumconfradelhedissequetomandoaspirinaeCoca-Colaaomesmotempo,apessoacaíadesmaiada como um morto. Feynman respondeu que aquilo era umabobageme,parademonstrarseupontodevista,emborcouseisaspirinasetrês Cocas de uma vez, enquanto um confrade permanecia atrás dele,pronto para segurar seu corpo inerte. Afora uma noite não muito bemdormida, não se lembrava de ter tido nenhumoutro problema. Em outraocasião, ele e seus confrades começaram a discutir se a urina luía docorpo apenas pela ação da gravidade. Feynman, a essa altura mais umexperimentador que o teórico que viria a ser, demonstrou que esse nãoeraocasoplantandoumabananeiraeurinando.Comrelaçãoaosestudos,continuouadotandoomesmoprocedimentoque lhederabonsresultadosna escola secundária: trabalhar com a inco nos cursos de ciência ematemáticaefingirquefaziaomesmonashumanidades—ou,comoeleoschamava, os “cursos de tolice”. A aversão de Feynman às artes não seoriginounoMIT,masfoisemdúvidacultivadaali.Nasmatérias que levava a sério, ele se saía extraordinariamente bem.

Ainda no segundo ano, fez um curso de ísica teórica destinado a alunosdos últimos anos ou pós-graduados. Nessa época, o ano acadêmico de1936-1937,nenhumcursosobremecânicaquânticaeraoferecidonoMIT,masFeynmanedoisoutrosestudantesconvenceramseuprofessor,PhilipMorse, a lhes dar aulas sobre o assunto. Os quatro se encontravam umavez por semana na sala de Morse durante cerca de uma hora, e Morseensinavaepassavatrabalhossobremecânicaquântica.Mesmoemmeioaum grupo tão pequeno, Morse deu a Feynman uma atenção especial. Ostalentos excepcionais do rapaz foramdemonstrados tambémpelo fato deque,aindanagraduação,elepublicoudoisartigosnaPhysicalReview.ApóssegraduarnoMIT,Feynmanmudou-separaPrinceton,ondefaria

sua pós-graduação. Escolhera Princeton porque se impressionara com onúmero de artigos que seus alunos e professores publicavamna PhysicalReview e porque seu orientador acadêmico recomendara a universidade.FoinoseuprimeirodiaemPrincetonqueFeynmancompareceuaochádafaculdadeemquecometeusuanotóriagafedolimão/creme.Feynman fora informado de que trabalharia como assistente de

pesquisa do famoso ísico Eugene Wigner. Ao chegar em Princeton, noentanto, icou sabendo que, em vez disso, fora designado para trabalharjuntoaJohnArchibaldWheeler,quetinha27anoseacabaradeingressar

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no departamento de ísica. No im das contas,Wheeler e Feynman eramperfeitamente talhados para trabalhar juntos. Em seu primeiro encontro,Feynman icousurpresocomapoucaidadedeWheeler,massabiaqueelepassaraumanocomNielsBohremCopenhaguee jácomeçavaaadquirirrenome no campo da ísica quântica. Feynman icou também um tantoespantadocoma formalidadedeWheelernesseencontro.Ele lhedeuumhorário ixoparaosdiasemquetrabalhariamjuntos,comtemposestritosparasuassessõese,tendopuxadoumgranderelógiodebolso,depositou-osobre amesa que os separava para observar um tempo rigorosomesmonaqueleprimeiroencontro.Feynman gostou deWheeler de imediato,mas não se sentia bem com

tanta formalidade. No segundo encontro que tiveram, quando Wheelerchegou e pôs seu relógio sobre a mesa, Feynman sacou do bolso umcebolãobaratoquecomprarae, isionomiaimpassível,odepositoutambémsobre a mesa. Foi um gesto arriscado — Wheeler poderia ter icadoofendido —, mas funcionou. Wheeler caiu na gargalhada e os doisacabaram por se tornar colegas muito próximos e amigos para a vidainteira.Wheeler desenvolveu uma carreira notável como uma das principais

autoridades em ísica nuclear, dando contribuições teóricas ao estudo donúcleo atômico e dos buracos negros. Era sobmuitos aspectos omentorperfeito para Feynman, que estava interessado em eletrodinâmica e noproblemafundamentaldainteraçãoentrepartículascarregadaseseestaémelhortratadacomo“açãoadistância”oucomoaaçãodeumcampo.Logonoiníciodeseutrabalhoemcolaboração,Wheelerdecidiuqueera

horadeFeynmanaprendera fazerumapreleçãoeescolheuseutemadeum artigo em que os dois tinham estado trabalhando.Feynman icouapavorado ante a perspectiva de dar essa palestra, mas Wheeler lhegarantiu que o programa regular de seminários forneceria uma boaaudiência e que estaria ao lado dele para responder a quaisquerperguntas.Algunsdiasantesdapalestra,FeynmantopoucomoprofessorEugene

Wignernocorredor.“Feynman”,disseWigner,“seutrabalhocomWheelermeparecetãointeressantequeconvideiRussellparaoseminário.”HenryRussell era umastrônomo famosoda época.Wigner continuou, commaisnotíciasdesconcertantes,“PensandoqueoprofessorvonNeumannestariainteressado, eu o convidei.” John von Neumann era o mais famosomatemáticodaépoca.“Alémdisso,oprofessorPauliveiodaSuíçaparanosvisitar e assim eu o convidei também.” Feynman recordou que já estava

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prestes a desmaiar a essa altura, quando Wigner acrescentou: “OprofessorEinsteinraramentecompareceaonossosemináriosemanal,maseu o convidei especialmente, demodo que também ele virá.” E foi assimque o pós-graduando Richard Feynman fez a primeira preleção de suavida perante um grupo que incluía o que ele chamava de “cérebroscolossais”. A palestra transcorreu bem, embora Feynman se lembre quesuasmãostremiamquandotiravasuas ichasdoenvelopeeque icoutãoaliviado por poder se sentar no inal que depois não teve nenhumalembrançadasperguntasfeitasapósasuafala.Quando Feynman estava trabalhando no projeto inal de sua tese de

doutorado,eventosmundiaislheatropelaramacarreira.Emnovembrode1941, apenasummês antes do ataque a PearlHarbor, ele icou sabendodaspreocupaçõescomaconstruçãodeumaarmaatômicapelaAlemanha.LogoestariaacaminhodeLosAlamos,umlugarnasmontanhasSangredeCristo,noNovoMéxico,dequenuncaouvirafalar.Depoisdeumbrilhantecursouniversitário, forarecrutadoparaomais

notávelgrupodecientistasjamaisreunido.Seufuturopro issionalpareciabrilhante,mas nem tudo correria bem na sua vida. Havia quase 11 anosque ele e Arline Greenbaum formavam um casal. Antes de sua partidaparaPrinceton,osdoishaviam icadonoivos.Exatamentequandopor imeleestavaterminandoafaculdadeeeraomomentocertoparasecasarem,Arline icou gravemente doente. De início sua doença foi incorretamentediagnosticada como febre tifoide e depois como doença de Hodgkin, masfinalmentefoiidentificadacomotuberculosedosistemalinfático,malquasesempre fatal. A família e os amigos de Feynman tentaram demovê-lo daintenção dese casar, jáqueArline certamentemorreriadentrodepoucotempo. Mas ele não a abandonaria. “Já estávamos casados em nossasmentes”, disse ele aos amigos. “Deixá-la agora seria como divorciar-medela.” Imediatamentedepoisde receber seuPh.D., nodia29de junhode1942, Richard apanhou Arline, que deixara o hospital havia pouco, e osdois seguiram até Staten Island, onde um juiz de paz os casou. Arlineestavatãodoentenessaocasiãoquedenovofoiobrigadaasehospitalizar.Antes de se transferir para Los Alamos, Feynman fez um acordo comRobert Oppenheimer pelo qual Arline teria uma vaga num hospital deAlbuquerque. Não tendo carro, ele costumava pegar carona atéAlbuquerqueparapassarosfinsdesemanacomela.

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LOSALAMOSEABOMBA

No laboratório no alto do cerro, Feynman conheceumuitos homens cujosnomes já lhe eram conhecidos por seus artigos naPhysical Review. Essegrupo incluía, é claro, a elite dos ísicos de todo o mundo e Feynmanencontrouváriosmentoresnotáveisnotempoquepassounolaboratório.Nafaseinicialdoprojeto,certodiaemqueamaiorpartedos ísicosde

primeiro escalão estava fora, Hans Bethe quis discutir uma ideia quetivera. EncontrandoFeynman sozinho em sua sala, resolveuusar o rapazcomo caixade ressonância.O resultado foi umdebate franco e acaloradoem meio ao qual Feynman, que nunca fora de se impressionar com aautoridade, tachou as ideias de Bethe de malucas. Bethe respondeu nomesmodiapasão,masacabouporacharqueadiscussãoforaestimulanteepoucodepoissolicitouadesignaçãodeFeynmanparaasuadivisão.Desuaparte,FeynmanestavaimpressionadocomacapacidadeanalíticadeBethe,sua erudição, sua integridade e, quase o mais importante, seu senso dehumor. Após o primeiro encontro, Bethe e Feynman se entenderamextremamentebem.Ambosgostavamde jogosmatemáticosesemprequetinham de calcular alguma coisa juntos travavam uma competição — enessasdisputas,Feynmannosconta,Betheerageralmenteovencedor.Durante amaior parte de sua permanência em Los Alamos, Feynman

trabalhousobadireçãodeBethe,masOppenheimertambémprecisavadeum assistente arguto, a quem pudesse con iar missões especiais. LogoFeynman se tornou o mediador o icioso do diretor para a solução decontendas, sendo frequentemente incumbido demissões de apuração deinformações ou de investigação, quando algum aspecto do projeto nãoestava avançando segundo o cronograma. Feynman deu também muitascontribuiçõesimportantesparaoprojeto.Ministrouumasériedepalestrassobre as questões centrais do plano e da montagem da bomba;supervisionouoscálculosdamassacríticaeajudouacalcularosefeitosdeváriosmateriais na re lexão de nêutrons de volta às reações. Contribuiuainda para o projeto dos dois métodos de ignição, por detonação e porimplosão.AlémdissofoienviadoporOppenheimeraOakRidge,Tennessee,para implantar procedimentos de segurança quando se revelou que amanipulação desavisada do urânio ali podia resultar numa explosão nãoplanejada.Feynmanera,emsuma,otrunfotecnológicodeLosAlamos.Mas, ao mesmo tempo em que fazia todo esse importante trabalho,

Feynman estava também irmando sua fama de “trapalhão” da divisão

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teórica de Los Alamos — a qual seria descrita mais tarde como osortimentomaisexcêntrico, temperamentalevolátildepensadoreseasesdamatemática jamais reunido em um lugar. Feynman, que desenvolverauma perícia espantosa na abertura de fechaduras, deixava a segurançaaturdidaabrindoarquivossecretosedeixandobilhetesmisteriososdentro.Gostava de festas e bailes, ocasiões em que por vezes tocava bateria,lertava com todas asmulheres atraentes e dançava como o pé de valsaqueera.Sempreexibido,adoravafazerprestidigitaçõesmatemáticasparaqualquerpúblicocativoqueconseguisseencontrar.Umavezapostoucomoscompanheirosdealmoçoqueeracapazdecalcularem60segundos,ecomprecisãodepelomenos90%,qualquerproblemaqueelespudessemformularemdezsegundos.Costumavaganharessasdisputas,atéqueumdiaoscolegasapareceramcomumproblemaqueexigiaqueelesoubesseovalordepiatéacentésimacasadecimal.Notodo,Feynmancausouconsiderávelimpressão.Ninguémmenosque

RobertOppenheimerodescreveucomosendo“emtudoeportudo,omaisbrilhante jovem ísico daqui” e “um homem de caráter e personalidadeabsolutamenteencantadores”.QuandoNielsBohrvisitouLosAlamos,foiàprocura de Feynman para testar ideias novas com ele, pois era a únicapessoa ali que não icava embasbacada com sua reputação e lhe diria averdadesesuasideiasfossem“porcarias”.Enquanto desenvolvia toda essa atividade frenética no alto do cerro,

Feynman levava uma espécie de vida paralela. No trabalho raramentefalava de Arline e de suas inquietações com relação a ela. Sempre quepodiaseafastarporumoudoisdias,porém,iaaAlbuquerque paravê-laeanimá-la.AsaúdedamoçadeclinavarapidamenteeRichardsabiaqueelairia certamentemorrer logo. Sabia tambémquequalquerdiapoderia serchamadoparairimediatamenteaAlbuquerque,eseuhabitualexpedientedacaronanãoolevariaatélácomsuficienterapidez.Diantedisso,obteveaautorização prévia de seu colega de dormitório para tomar o carro deleemprestado quando a hora chegasse. Esse amigo era Klaus Fuchs, quemaistarde,paraescândalogeral,sedescobririaserumespiãosoviético.Quandoesse chamado realmenteveio, Feynman chegouaohospital de

Albuquerque poucas horas apenas antes de Arline morrer. Ela travarauma longa e corajosa batalha e ele a amparava todo o tempo com seuotimismo sincero. “Continue resistindo”, escrevera-lhe, “nada é certo.Levamosumavidaencantada.”Feynman fez o que podia para esconder sua dor com a morte da

mulher. De volta a Los Alamos, não falava sobre isso, e quando pessoas

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que não tinham recebido a notícia lhe perguntavam sobre Arline,respondia lacônico: “Ela morreu. E como anda o programa?” Pelo quelembrava depois, só chorou muitos meses mais tarde, quando, em OakRidge, passou por uma loja de departamentos com vestidos na vitrine epensou com seus botões que Arline teria gostado de ter um deles. HansBethe,contudo,percebeuqueFeynmanestavasofrendoeomandouparaFar Rockaway de licença. Só quando foi marcado o teste Trinity, emAlamogordo,équeochamaramdevolta.A primeira explosão nuclear provocada pelo homem ocorreu nas

primeirashorasdamanhãde16de julhode1945,num localdodesertoagourentamente chamado JornadadelMuerto.RobertOppenheimere suatremenda equipe de ísicos haviam feito seu trabalho e logo trocariam aisoladacomunidadenocerrodeLosAlamospelavidadopós-guerra,que,no caso de Feynman e de muitos outros, iria exigir consideráveisajustamentos.

AMUDANÇAPARACORNELL

Quando a equipe de Los Alamos se dispersou, Feynman optou poracompanharseumentor,HansBethe,eaceitouumcargonaUniversidadedeCornellemIthaca,NovaYork.OProjetoManhattanlheproporcionaraaoportunidadedesepôràprovajuntoaosmelhorescérebrosdomundodaísica, mas envolvera muito mais engenharia e tecnologia que ciênciateórica.Agoraerahoraderetornaràciência.Noiníciodadécadade1940,aindaumestudantedepós-graduaçãoem

Princeton,Feynmancomeçaraadesenvolverumaabordageminteiramentenovaparaamecânicaquântica.A expressãomecânicaquântica designaadescriçãodo comportamentodamatéria em todosos seusdetalhes e, emparticular,dosacontecimentosnumaescalaatômica.Nãoéfácildescrever,como não é fácil imaginar, esse comportamento da matéria nos níveisatômico e subatômico. O método de Feynman, em sua expressão maissimples, foi uma versão mecânico-quântica da ideia clássica de que umapartículatomao“trajetodemenorresistência”aoirdeumpontoaoutro.Em Cornell, Feynman retomou o desenvolvimento de suas ideias e

método anteriores. Explicou esse método em dois artigos publicados em1949, “A teoria dos pósitrons” e “Abordagem espaço-temporal àeletrodinâmica quântica”. Nesses artigos, introduziu diagramas simples

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queserviamsimultaneamentecomorepresentaçõesgrá icasdecolisõesdepartículas subatômicas e comoabreviaturados terríveis cálculos exigidosna previsão do resultado dessas colisões. É preciso entender que essesdiagramas,hojefamosos,nãoforamcriadosemlugardaárduamatemáticaenvolvida, tendo sido antes o produto dos cálculos detalhados. Elesrepresentaramuma importante contribuição ao campoda eletrodinâmicaquântica.

ELETRODINÂMICAQUÂNTICA

Omundoda ísicapode serdivididoem trêsdomíniosprincipais:omuitopequeno,omuitogrande,eointermediário—tudoquerecaientreosdoisprimeiros.Odomíniodomuitopequeno éomundodaspartículasefêmeras, vistas

nascolisõesdealtaenergiaproduzidasporaceleradoresenointeriordosnúcleos dos átomos. Nesse domínio, as chamadas forças nucleares fortessão dominantes. Ainda não há nenhuma teoria completa que expliquetodos os fenômenos nesse domínio. Aqui e ali, surgem e desaparecemfragmentos de teoria que descrevem de maneira mais ou menossatisfatória algumas das coisas que os experimentadores observam, masmuitosaspectosnãosãocompreendidos.Aexploraçãodessedomínioestáemcursoatualmente tantonoCERN,naSuíça,quantonoStanfordLinearAcceleratorCenter(SLAC),naCalifórnia.Odomíniodomuitogrande éomundo ísico:planetas,estrelas,galáxias,

ouniversoconsideradocomoumtodo.Nessedomínio,a forçadominanteéa gravidade, e a relatividade geral deEinstein é a teoria triunfante.Hoje,graças ao telescópio espacial Hubble e a outros so isticados sensoresbaseados em satélites, a exploração desse domínio cosmológico estáentrandoemnovafase.aEntreomuitopequenoeomuitogrande,háodomíniodointermediário,

o planomédioda ísica. Trata-sedeumcampoenorme, que inclui tudooque existe entre um núcleo atômico e um planeta. A teoria denominadaeletrodinâmica quântica, conhecida como QED, abrange esse terrenointermediário. Suametaé fornecerumaexplicaçãocompletaeprecisadetodososprocessos ísicosquetêmlugarnesseterceirodomínio,queexcluiapenasomuitograndeeomuitopequeno.Feynman não inventou ou descobriu a eletrodinâmica quântica. Essa

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honra cabe principalmente a Paul Adrien Maurice (geralmente chamadoP.A.M.)Diracem1928.OqueFeynman(juntamentecomJulianSchwingere Shin’ichiro Tomonago) fez foi reformular a compreensão daeletrodinâmica quântica e elucidar as anomalias que estavam inibindo ousopráticodaQED como teoria na explicaçãodos fenômenosdo terceirodomínio. Por uma notável coincidência, Feynman e Schwinger (e, comodescobriram mais tarde, Tomonago), trabalhando a partir de diferentespontosdevista,chegaramàsmesmassoluçõesparaosproblemasdaQEDmaisoumenosaomesmotempo.Ateoriadaeletrodinâmicaquânticaéumateoriamecânico-quânticado

elétron e do eletromagnetismo — em outras palavras, uma síntese dateoria da relatividade de Einstein e da mecânica quântica. Validada porexperimentos e observações, ela é hoje plenamente aceita pelacomunidadefísica.Em seu livro,QED: A estranha teoria da luz e da matéria , Feynman

descreve o conceito da seguinte forma: “A teoria da eletrodinâmicaquântica descreve a natureza como absurda do ponto vista do sensocomum.Enissoestádeplenoacordocomoexperimento.Por issoesperoquepossamaceitaraNaturezacomoElaé—absurda.”Naseçãoseguinteveremos como Feynman forjou alguns métodos engenhosos para acompreensãodamaneiraabsurdacomoomundonaturalfunciona.

DIAGRAMASDEFEYNMAN

Os“diagramasdeFeynman”,comosuasrepresentaçõesgrá icastornaram-se conhecidas, revelaram-se uma contribuição fundamental tanto parateóricosnuclearesquantoparaexperimentadores.Essencialmente,sãoumconjunto de ferramentas para o manejo das complexidades matemáticasda ísica das partículas e mostraram-se tão úteis para o ísico teóricoquanto os diagramas de circuito para um projetista eletrônico. Usandoesses diagramas, os ísicos podem calcular rapidamente qualquer tipodecolisão complexa de partículas e, ao mesmo tempo, produzir umarepresentaçãodessascolisõesquefuncionacomoumconvenientesumáriode páginas de cálculos. “Os diagramas”, declarou um cético Murray Gell-Mann,“dãoailusãodequeseestáentendendooquesepassa”.MasJulianSchwinger, Nobel de Física de 1965, observou em 1980, com maiorentusiasmo: “Foi pelo uso dos chamados diagramas de Feynman que

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Feynman levou os cálculos às massas.” Embora não tendo propriamente“apelo de massa”, aquelas “ igurinhas engraçadas” tornaram-se semdúvidaataquigrafiadafísicaquântica.OsdiagramasdeFeynmansãoumrefinamentodeumtipomaisgeralde

grá ico,oschamadosdiagramasdeespaço-tempo .Nestes,adireçãoverticalgeralmente representa o tempo e a direçãohorizontal representa espaçounidimensional.Assim,porexemplo, seumapartículaestiveremrepousono espaço, será representada por uma linha vertical, porque, ainda quenão se mova no espaço, ela o faz ao longo do tempo. Se a partícula semover também no espaço, sua linha será inclinada — quanto maior ainclinação da linha, mais rápido é o movimento da partícula. Observe-seque, no tempo, as partículas só se podem mover para a frente, mas noespaçopodemfazê-loparatrásouparaafrente.

DIAGRAMASDEESPAÇO-TEMPO

Basicamente, Feynman usou diagramas de espaço-tempo para ajudar avisualizar a interação que tem lugar quando dois elétrons semovem umemdireçãoaooutro.OsdiagramasdeFeynmanreinterpretamoprocessobásico da repulsão eletromagnética. Tendo cargas negativas, elétrons serepelem. Os diagramas de Feynman representam o modo como eles serepelem,especificamentepelatrocadeumfóton.Os diagramas espaço-tempo são usados na ísica para retratar

interaçõesentreváriaspartículas.Paracada interaçãopode-se traçarumdiagrama a que uma expressão matemática pode então ser associada. Aexpressão matemática fornece a probabilidade da ocorrência dessainteração.

PARTÍCULASVIRTUAIS

Odiagramamostrado na seção seguintemostra a interação, ou repulsão,dedoiselétronspelatransferênciadeumúnicofótonvirtual.Masoqueéumapartículavirtual? Como foimencionado no Capítulo Seis, Heisenbergmostrouquenãohácomocriarummétodoparadeterminaraposiçãodeumapartículasubatômica,amenosqueseestejadispostoa icaremtotal

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incertezaquantoaseumomentoexato.Calcularexatamenteaposiçãoeomomento, nomesmo instante, é impossível. Em 1930 Einstein levoumaislonge esse princípio da incerteza ao propor que, também namedição daenergia, é impossível reduzir o erro sem aumentar a incerteza do tempoduranteoqualamensuraçãopodeterlugar.

DIAGRAMAS DE ESPAÇO-TEMPO Usados na ísica relativística para retratar interações entre váriaspartículas.Observe-seque,no tempo,aspartículassópodemsemoverparaa frente (paracima),mas no espaço podem fazê-lo para trás ou para a frente. O grau em que a linha se inclina emdireçãoàhorizontalindicaavelocidadedomovimentodapartícula.

Emboranão fosse essa a intençãodeEinstein, suaversãoda incertezamostrou-seútilparaa ísicaquânticaporquesigni icavaque,emprocessossubatômicos, a lei da conservação da energia pode ser violada duranteintervalosdetempoextremamentebreves,desdequetudosejadevolvidoaoestadodeconservaçãono inaldessesperíodos.Quantomaiorodesvioem relação à conservação, mais breve é o intervalo de tempo permitido.Esse conceito torna possível explicar certos fenômenos subatômicos,presumindo-se que as partículas se produzem a partir do nada (emoposiçãoàsleisdaconservaçãodaenergia)mascessamdeexistirantesdotempodestinadoparasuadetecção:nãopassamde“partículasvirtuais”.Ateoria das partículas virtuais foi elaborada independentemente por JulesSchwinger,RichardFeynmaneo ísico japonês Shin’ichiroTomonago. FoiemparteporessacontribuiçãoqueoPrêmioNobeldeFísicafoiconcedidoconjuntamenteaostrês.

OSDIAGRAMASDEFEYNMANEAINTERAÇÃOQUÂNTICA

CadalinhanumdiagramadeFeynmancorrespondetantoaumapartículaquantoaumtermoespecí icodacomplexaexpressãomatemáticaquedáa

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probabilidade dessa colisão. O avanço do tempo é mostrado em sentidoascendente.Pode-secobrirodiagramacomumafolhadepapelearrastaropapelparacimaparailustrarapassagemdotempo.Umpardeelétrons,cujoscaminhossão indicadospelas linhascheias,move-seumemdireçãoaooutro.Oselétronssãoindicadospor e–porcausadesuacarganegativa.No pontoA, um fóton virtual, cujo percurso é representado pela linhaondulada,éemitidopeloelétrondaesquerda,oqualéentãode letido.NopontoB,ofótonéabsorvidopeloelétrondadireita,queéentãodefletido.A ísicaclássicadiriaqueoselétronsexerceramumaforçarepulsivaum

sobre o outro. A ísica quântica encara a interação de outra maneira. Oconceito de força não é usado na ísica subatômica. No lugar da ideianewtoniana de uma força que se faz sentir a distância, há apenasinterações entre partículas, mediadas por campos, isto é, por outraspartículas. Uma característica-chave dessa teoria é a criação e destruiçãodepartículas.Nodiagrama,por exemplo, o fótoné criadonoprocessodeemissãonopontoAedestruídoaoserabsorvidonopontoB.

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DIAGRAMADEFEYNMANOdiagramamostradoiselétronsaproximando-se,umdelesemitindoumfótonno pontoA, o outro absorvendo-onopontoB. Ambos os elétronsmudamde velocidade e direçãocomoresultadodessatroca.

Essaconcepção,centralparaoentendimentodaQED,ajudaapercebera contribuição de Feynman em seu contexto histórico. Einstein, comonoslembramos, usouas leisdo eletromagnetismodeMaxwell para investigaras propriedades de um corpo em movimento. Descobriu assim (como émostradonoCapítuloDois) os hoje bemaceitosmas estranhos efeitos darelatividade: um corpo em movimento encurta; sua massa aumenta; seurelógio funciona mais devagar. Mas quais eram as forças envolvidas?Feynman estudou os detalhes da própria força eletromagnética. Postulouna QED que a repulsão elétrica não é causada por alguma “ação

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misteriosa” a distância como se supunha. Concluiu então que as forçaselétrica e magnética são o resultado da troca de entidades chamadasfótonsentrepartículascarregadas.Os fótonssãovistos,portanto,comoasunidadesdaradiação,osquantaquePlanckeEinsteinhaviamdescobertona virada do século. Nesse processo, contudo, os fótons atuam não comopartículasde radiação,mascomounidadesdeenergiaqueproduzemumefeito. São trocados tão rapidamenteque, comoo asseguraoprincípiodeincerteza de Heisenberg, os cientistas não conseguem detectá-los napassagemdeumcorpoparaoutro.Feynman desenvolveu essa concepção até que a teoria fosse capaz de

explicartodososfenômenosdaeletricidadeedomagnetismo.AQEDprevêcomprecisão,porexemplo,a intensidadedocampomagnéticodoelétron,fatornoqualasteoriasanterioresinvariavelmenteerravam.Na ísica quântica, toda interação de partículas pode ser descrita em

diagramas de espaço-tempo e cada diagrama está associado a umaexpressãomatemáticaquepermitecalcularaprobabilidadedeocorrênciado processo correspondente. Foi Feynman quem estabeleceu acorrespondênciaexataentreosdiagramaseasexpressõesmatemáticas.Épossível traçardiagramassimilaresparaoutroscasosemqueoselétronspermutamdoisoumaisfótonsvirtuais;asexpressõesmatemáticasparaaprobabilidadedesseseventosdecorremdodiagrama.Apontade lechanas linhasnãoéusada,comosepoderiasupor,para

indicaradireçãodomovimentodapartícula (queésempreparaa frenteno tempo). Ela serve na verdade para distinguir entre partículas eantipartículas: se aponta na direção do tempo (para cima, na ilustração),ela indicaumapartícula (por exemplo, umelétron); se apontanadireçãoopostaàdotempo(parabaixo,nailustração),indicaumaantipartícula.

MATÉRIAEANTIMATÉRIA

No início da década de 1930, o teórico britânico P.A.M.Dirac propôs ainteressante teoria segundo a qual para cada partícula deve existir umaantipartícula, de carga elétrica oposta mas de massa igual. Passadospoucosanos, suaprevisão foi con irmadapeladescoberta,porCarlDavidAnderson, da antipartícula do elétron, chamadapósitron, idêntica aoelétron sob todos os aspectos salvo por conduzir uma carga elétricapositiva. Desde então a conjetura de Dirac foi con irmada com relação a

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muitos outros tipos de partícula. O mundo da matéria, portanto, éespelhadoporummundodeantimatéria.Os diagramas de Feynman ilustram dois conceitos básicos da ísica

quântica:(1)quetodasasinteraçõesenvolvemacriaçãoeadestruiçãodepartículas, tal como a emissão e absorção do fóton virtual que vimos hápouco;(2)queháumasimetriabásicaentrepartículaseantipartículas—para cada partícula existe uma antipartícula com massa igual e cargaoposta. Nos diagramas de Feynman, o elétron, por exemplo, é em geraldenotado pore–, e sua antipartícula, o pósitron, pore+. O fóton é suaprópriaantipartícula.Foi demonstrado que umapartícula fundamental, como o elétron, só

podesercriadase,aomesmotempo, forcriadasuaprópriaantipartícula.Assim também, só pode ser destruída ao se encontrar com uma de suasprópriasantipartículas.Essas regras da ísica quântica criam um certo problema para os

cosmólogos. Por exemplo, caso elas se apliquem ao instante do Big-Bang,quandoouniverso foi criado,que foi feitode todaaantimatéria?Sabe-seque a Via Láctea consiste inteiramente de matéria, exceto por algumaantipartícula ocasional. Em nenhum lugar do universo se vê o tipo deexplosão gigantesca que ocorreria se grandes quantidades de matéria eantimatéria se chocassem. Até agora, os cosmólogos não conseguiramexplicar o desaparecimento da antimatéria que deve ter sido criadaduranteoBig-Bang.Apesar de incompleta, a interpretação da eletrodinâmica quântica

proposta por Feynman foi uma contribuição relevante para oentendimento das interações eletromagnéticas em termos quânticos. Areputação pro issional em alta, Feynman estava pronto para conquistarnovosmundos.

INSTITUTODETECNOLOGIADACALIFÓRNIA

Depois de cinco anos emCornell, Feynman concluiuquedeviapartir. EmCornell,Betheseriasempreonúmeroumeeleprecisavadenovoscamposedeumanovaplateia.Encontrouumaeoutracoisanaa luentecidadedePasadena,nosulda

Califórnia—a16quilômetrosdeCadillacconversíveldametropolitanaLosAngeles — onde uma universidade relativamente nova, o Instituto de

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Tecnologia da Califórnia (Caltech), estava conseguindo se projetarrapidamentenocampodasciências.A primeira coisa que Feynman fez depois de aceitar o novo cargo de

professor do Caltech foi tirar um ano sabático. Esse fora um item docontratoqueevidentementefortalecerasuadecisãodedeixarCornelleeleoaproveitouaomáximo.FoiparaoBrasil,participoudocarnavalnoRiodeJaneiro, bebeu demais, paquerou mulheres na praia de Copacabana eaprendeu a batucar bem o su iciente para integrar um grupo local.bDurante essa viagem, deu-se conta de que estava gostando demais debeberejuroudeixaroálcoolparasempre.Apesar de toda essa atividade social, não icou sem contato com a

ciência durante esse ano sabático, como o mostrou sua vastacorrespondência sobre a teoria do méson com Enrico Fermi, então naUniversidadedeChicago.(Osmésonssãoumadasduasclassesdehádrons—aoutrasendoosbárions—queconstituemaspartículasfundamentaisda matéria; são parte da teoria do quark, descrita no Capítulo Oito.)DuranteoanosabáticodeFeynman,umFermiobviamentecheiodeinvejaescreveu-lhe: “Quem me dera também poder arejar minhas ideiasnadandoemCopacabana.”

CASAMENTOCOMMARYLOU

Depoisdeuma temporadadedezmesesnoBrasil, Feynman retornouaoCaltech, onde decidira icar para sempre. Estava cansado da vida desolteiroealgunsdeseusamigosmaischegadosdizemque,detodomodo,ele nunca fora omulherengo que procurava aparentar. Pouco depois devoltar para Pasadena, em 1952, pediu em casamentoMary Lou Bell, suanamoradaplatinum blonde de Neodesha, Kansas, que conhecera emCornellenamoravahaviaalgumtempo.Essenãoseriaumcasamentofelizpara nenhum dos dois. Uma das fontes de tensão era que Mary LousempredesejouqueRichardsecomportasseesevestissedeumamaneiraformal,condizentecomaimagemquetinhadeumprofessoruniversitário.Ao que parece, ele tentou. Seus amigos disseram que sempre podiamsaber se Mary Lou estava por perto porque só nessa circunstância eleestariadegravata.Umproblemamaisgravementeperturbadoréque,demaneiraóbvia,MaryLounãogostavadecientistas,emespecialde ísicos.Murray Gell-Mann,colega de Feynman no Caltech, lembrou que uma vez

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em que ele e Margaret, sua mulher na época, convidaram os Feynmanpara jantar, eles não compareceram e mais tarde Mary Lou alegou quehaviaperdidoo convite.Emoutraocasião,quandoo casal se sentouparajantar,MaryLoudisse: “Esquecide lhedizer,mas telefonaramparavocêestatarde.Algumchatoestánacidadeequeriaquevocêfossejantarcomele.”Segundoas lembrançasdeFeynman,elanãoentenderabemacoisa.O“chato”aquesereferiaeraNielsBohr,emvisitaaPasadena,eFeynmanperdeuumaoportunidadedeconversarcomele,oquenãoodeixounadafeliz. Depois de exatos quatro anos, estava patente que o casamento nãodavacertoeelessedivorciaramem1956.

FEYNMAN,OPROFESSOR

Como professor no Caltech, Feynmanmereceu avaliações diferentes. Porum lado, havia aqueles alunos de graduação que faziam sua disciplinachamadaFísicaX, quenãovalia créditos, equemais tarde se lembraramdessessemináriosnãoestruturadoscomoamaisinesquecívelexperiênciaintelectual de sua formação. Por outro lado, Feynman claramente sefurtavaàstarefascomunsdoensino,evitavaalunosdepós-graduaçãoqueprocuravam sua ajuda no preparo de teses e tinha pouca paciência paraorientar estudantes em seus problemas de pesquisa. Nem mesmo suashoje famosasConferências de Feynman sobre ísica foram um sucessoabsoluto.Apartirde1961,epordoisanosseguintes,Feynmanministrouesse famoso curso introdutório de ísica no Caltech. Calouros,segundanistas, alunos da pós-graduação e até colegas professoresesforçavam-separaacompanharseupensamento.Algunsconsideraramocurso estimulante mas muitos calouros e segundanistas o abandonaram.Muitos colegas professores que adotaram os livros feitos a partir dessaspalestras (eram transcrições editadas delas) constataram que eramdi íceis demais para os leitores a que se destinavam. (Recentemente, foipublicadaumaseleçãodessaspalestrassobotítuloFísicaemseislições.Sãoumaleituraestimulanteeinspiradora,masnadatêmdefácil.)A maioria dos alunos considerava Feynman um professor/expositor

fascinante, ainda que fosse di ícil entendê-lo. Ninguém menos que C.P.Snow,oeminentehistoriadorda ísica,deuumanotaaltaaFeynmancomoprofessor,masnãodeixoudeacrescentarque,com seusotaquedechoferde táxi de Nova York, sua linguagem coloquial, sua gesticulação e seu

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costume de andar de um lado para outro diante do quadro-negro, vê-lonão era muito diferente de ver Groucho Marx imitando um grandecientista.

O FURGÃO DE FEYNMAN Repleto de diagramas do dono, o furgão anunciava a sua presença e eraconhecidoportodosnocampusdoCaltech.

Apesardeseutrabalhoporvezesnegligentecomosestudantesdapós-graduaçãoedesuasmomicesemsaladeaula,emcertosentidoFeynmanlevavabastanteasériosuasresponsabilidadescomoprofessordeciência.“Ensinar ciência”, disse uma vez, “é uma maneira de ensinar como algoveioaserconhecido,oquenãoéconhecido,emquemedidaascoisassãoconhecidas(poisnadaéconhecidodemaneiraabsoluta),comolidarcomadúvida e a incerteza, que são as regras da comprovação, como pensarsobre as coisas de modo a poder fazer julgamentos, como distinguirverdade de impostura, e de simulação.” Essa de inição revelou o quantoFeynman se preocupava em transmitir o que a ciência é e deveria ser, enãosepoderiadesejarsíntesemelhorsobreoqueéoensinodaciência.

GWENETHHOWARTH

Noverãode1958,FeynmanesteveemGenebra,naSuíça,paraapresentarumartigoqueescreveraemcoautoriacomMurrayGell-Mann.Tratava-sede um levantamento da situação da ísica das partículas elementaresnaquelemomento,que,decertomodo,foiabasedotrabalhode initivoqueGell-Mann publicou mais tarde nessaárea. Após apresentar o artigo,Feynman foi relaxar na praia do lago Genebra. Descobrindo ali umaatraentegarotadebiquínidebolinha,entabulouconversacomela.Ajovem

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chamava-seGwenethHowarth,eradeumaaldeiadaInglaterrae,emtrocade casa e comida, tomava conta dos ilhos de uma família inglesa quemorava em Genebra. De espírito aventureiro, empreendera o grandeprojeto de correr omundo trabalhando. A próxima parada deveria ser aAustrália,antesdevoltaràInglaterraelásefixar.Feynman falou-lhe sobre a Califórnia, o lugar magní ico que era, e

acabouconvencendo-aaaceitarsuaofertadeemprego—cuidardacasadele, emAltadena.Deuumpoucode trabalho,maspor imele conseguiuum visto para a jovem amante de aventuras e ela se instalou em seupróprio quarto, nos fundos da casa de Feynman. Os dois estavamromanticamente envolvidos, mas não vivendo juntos no sentido usual daexpressão— ambos saíam com outras pessoas. “Eu não tinha nenhumaintençãodemecasarcomele”,disseGwenethmaistarde.As intençõesdeRichard, porém, eramoutras. Já contara a pelomenos

um amigo que conhecera uma linda garota inglesa em Genebra e quepretendia se casar com ela. E casar foi o que acabaram fazendo, numacerimôniaepiscopalrealizadanoHuntingtonHotel,emPasadena,nodia24desetembrode1960—cercadedoisanosapósoprimeiroencontro.Esse veio a ser um casamento muito mais feliz. Gweneth sentia-se

contentíssimapor ser amulherdo “grande cientista” e era tolerante comseus mais extravagantes comportamentos em público. Segundo RichardDavies,grandeamigodeFeynman,opapeldeGwenethnãoélevadomuitoemcontanamaioriadosrelatosdavidadeFeynman—queelaeradefatoa verdadeira aventureira no casal, tendo convencido o marido a fazerváriasviagensalugaresexóticos.Daviesa irmouaindaqueemdiferentesocasiõesFeynmandisseàsua irmãJoaneaelepróprio:“Gwenethémaissagazqueeu.”

OPRÊMIONOBEL

Assim que soube que ganhara o Prêmio Nobel, Feynman pensou emrejeitá-lo — não gostava de prêmios e de formalidades —, acabou seconvencendo, porém, de que com isso iria atrair mais atenção do quesimplesmente aceitando a honraria. Essa atitude relutante em relação aoprêmionãosedeviaaumafaltadeorgulhopelotrabalhoque izera.Certavez, falandosobreo insightquederaorigemao trabalhoque lhevaleraoprêmio,eleobservou:“Foitãomaravilhoso,foifulgurante.”

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Umsinal encantador do quanto Feynman era queridopor seus alunospôde ser visto quando, depois de a notícia do prêmio se espalhar pelocampus,umgrupodeestudantescobriuoaltodoprédiodaadministraçãodafaculdadecomumaimensabandeiraqueproclamava:

“GRANDETENTO,RPF”

Apesardasreservasiniciais,FeynmanparecetergostadomuitodetodaacerimôniadeentregadoNobelnaSuécia,eGwenethtambém.Omelhor,paraFeynman,foiafestaqueosestudantespromoveramapósojantardorei. Foi menos formal, é claro, e houve dança, o que, como sempre, eleadorou.Findas as festividades de premiação em Estocolmo, Feynman seguiu

paraGenebra,ondedeveriafazerumapalestraaconvitedeseuex-colegade Los Alamos, Victor Weisskopf, então diretor do CERN. Na hora,apareceudeternonovo,sobmedida,egravata,dizendoparaaplateiaqueaprendera etiqueta na Suécia. Risada geral, entre gritos de reprovação.Encabeçandoumarevolta,Weisskopf,levantando-se,arrancandoopaletóegritando: “Não, não.” Segundo Feynman, essa reação o despertou e elerapidamentetirouoprópriopaletó,agravata,efezapreleçãoemmangasdecamisa,comosemprefizera:RichardFeynmandenovo.

ODESASTREDA“CHALLENGER”

Nos anosque se seguiramàpremiação, Feynmanvoltou sua atenção, emseu trabalho no Caltech, para a aplicação da eletrodinâmica quânticateórica às forças nucleares e para a ísica das partículas de alta energia.Trabalhando com Gell-Mann, reformulou a compreensão da interaçãoentre partículas elementares expressando-a nos termos de um tipo geralde interaçãouniversalmente aplicável.No inal de sua carreira, Feynmanrealizou também um trabalho amplo e pioneiro no campo da ísica debaixas temperaturas, com ênfase particular nas propriedades do héliolíquidoedasupercondutividade.Por importante que tenha sido seu trabalho no inal de sua carreira,

umaoutracontribuiçãodeFeynmansetornoumuitomaisconhecidaeelaé reveladora da força de seu caráter e da sua integridade. Feynman foidesignadoparaaComissãoPresidencialformadaparainvestigaratrágica

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explosão do ônibus espacialChallenger. Ocorrida no dia 28 de janeiro de1986, segundos apenas após o lançamento da nave, ela matou todos osseus sete tripulantes.Umanação chocada, de queboaparte tinha visto atragédiapelatelevisão,queriaumaexplicaçãoparaoqueacontecera.Essaera a tarefa da comissão, presidida porWilliamRogers, um ex-secretáriodeEstado.Em suamaioria, seusmembros tinham ligações comaNASAenão estavam propensos a ser críticos com relação à agência espacial.Feynman, por outro lado, não tinha vínculo algum com a NASA e levoumuitoasérioseupapeldeinvestigador.Estavadeterminadoadescobriroqueaconteceraenãosepreocupoucomnenhuma“linhapartidária”o icialqueorestantedacomissãopudessetraçar.Com a relutante aprovação do presidente da comissão, Feynman

conduziu sua própria investigação. Ao longo de uma semana, conseguiuumasériedeinformaçõescon idenciaisnasededaNASAemWashington.Concentrousuaatençãoemproblemasdomotore,emparticular,nalongahistória de di iculdades com os anéis de borracha usados na vedação dejuntas sob condições de baixa temperatura. O general Donald J. Kutyna,colega de Feynman na comissão, queria levar a público o problema daperdapotencialdeelasticidadedessesanéis,masdesejavafazê-losempôrem risco suas fontes de informação dentro da NASA. A saída queencontrou foi contribuir para concentrar a atenção de Feynman naquestão. Orientado por Kutyna, Feynman requisitou àNASA dados sobreostestesaqueosanéishaviamsidosubmetidos,masoquerecebeuforamdocumentos irrelevantes.Semsedarporvencido,Feynmanrealizouseusprópriosexperimentosemseuquartodehotel,ànoite,navésperadodiamarcado para a audiência da comissão, que seria transmitida pelatelevisão.No dia seguinte, durante a audiência, Feynman, usando água gelada e

uma amostra de anel de vedação de borracha, demonstrou comassombrosa simplicidade, para um público nacional de televisão demilhões, a ísica do desastre do ônibus espacial. Provou que baixastemperaturaspodiam—e,tragicamente,tudoindicavaqueohaviamfeitonaquele caso— prejudicar a elasticidade dos anéis de vedação da nave,causando um vazamento do combustível impulsionador que in lamou eproduziu a explosão. Com essa apresentação dramática, FeynmansolucionouconvincentementeomistériodaexplosãodaChallenger,abalouaburocraciadeWashingtonatéasbaseserompeuosilêncioo icialsobreumdosescândalosmaisperturbadoresdadécadade1980.O general Kutyna, hoje reformado, contou como foi o início da sua

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colaboração com o colega de comissão Feynman. Havia ocorrido umprimeiro encontro no escritório de William Rogers, no Departamento deEstado, ondeopresidenteda comissãohavia enfatizado a importânciadenão deixar que nenhuma informação vazasse, chegando à imprensa.“Naquelanoite,quandodescemosasescadasdoDepartamentodeEstado,o(ex-)secretárioRogerstinha,éclaro,umaenormelimusineàsuaespera;Neil Armstrong tinha uma enorme limusine à sua espera; até Sally Ridetinha uma limusine à sua espera. Feynman olhou paramim, comminhasduasestrelasnoombro,eperguntou: ‘Ondeestásualimusine?’Respondi:‘Duas estrelas não garantem uma limusine em Washington. Eu ando demetrô.’ Ele passou o braço pelomeu ombro e disse: ‘Kutyna, um generalque anda demetrô não pode ser de todomau!’ E assim teve início umaafetuosarelaçãoentrenós.”Kutyna resolveu instruir Feynman nas particularidades dos

procedimentos burocráticos de Washington. As audiências públicasseguiamquaseàriscaumroteirotraçadodeantemão;eraminsípidas,semnada de sensacional e não devia haver surpresas. As sessões executivaseram muito mais proveitosas, mas estavam sob o irme controle dopresidente da comissão. Feynman insistiu em falar diretamente com opessoal técnico e um relutante Rogers permitiu-lhe fazê-lo. Foi duranteesses contatos que Feynman soube da história das di iculdades quehaviamcercadoolançamentodoônibusespacial.Por sugestão de Kutyna, Feynman investigou o efeito do frio sobre os

anéis de vedação de borracha. Eles apuraram que a temperatura nomomento do lançamento da Challenger fora de –1,6oC e que o mais friolançamentoanteriorsederanumatemperaturade11,6 oC.Feynmansabia,é claro, que borracha enrijece e perde a elasticidade sob condições frias.No dia do experimento da água gelada, 11 de fevereiro, ouviu-se opresidente da comissão dizer a Neil Armstrong no banheiro: “EsseFeynmanestásetornandoumverdadeiropentelho.”Por im, Feynman se recusou a aprovar o edulcorado relatório inal a

menosqueele incluísseumapêndicequedocumentasseos resultadosdesuapesquisasobreosanéisdevedação.RogerstinhapoucaescolhasenãopermitirqueFeynmanjuntasseseuapêndiceaorelatório— emboratenhafeito o possível para impedir que ele fosse amplamente divulgado. Orelatório completo da comissão foi publicado em cinco volumes que nãotiveramamplacirculação.Aversãoresumidaemuitomaisacessívelquefoienviadaparaa imprensanãocontinhaoApêndiceFapostoporFeynman.Apesar dessa tentativa de censurar suas descobertas, a sensacional

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demonstraçãodeFeynmanexibidapela televisão tivera imenso impactoeo fato de que os anéis de vedação eram a causa provável do desastretornou-sedeconhecimentogeral.

OSÚLTIMOSDIAS

Feynman desenvolveu um câncer abdominal na década de 1970 e, apósanosdelutacontraadoença,morreuem1988aos69anos.Conta-seque,quando estava morrendo, perguntou ao seu médico quais eram as suaschances. A resposta foi: “É impossível falar sobre a probabilidade de umevento único.” Ao que Feynman respondeu: “Cá para nós, de professorparaprofessor:épossível,seforumeventofuturo.”OgrauderespeitoeafeiçãoemqueFeynmaneratidotantoporalunos

quanto por professores no Caltech fora atestado de maneiraimpressionante vários anos antes. No outono de 1981, durante umacirurgia, a aorta de Feynman se rompeu e ele precisou de maciçastransfusões de sangue. Foram necessários cerca de 35 litros e grandeparte foi doada por professores e alunos do Caltech. Essa afeição foinovamenteexpressacomvigorquandosesoubedesuamorte,ocasiãoemque os estudantes penduraramuma imensa faixa vertical numdos ladosdoprédiodaBibliotecaMillikan.Emletrasenormes,eledizia:

NósAmamosVocêDICK

A ciência icou consideravelmente mais rica com as contribuições deRichardFeynman.Eleerairreverente,mundano,insaciavelmentecuriosoeapaixonadopelavida.Certavez,resumiuseusesforçosparacompreendera natureza dizendo: “A natureza é um enorme jogo de xadrez disputadoporDeuseseque temosoprivilégiodeobservar.Asregrasdo jogosãooque chamamos de ísica fundamental e compreender essas regras é anossameta.”Masoquepoderiaserumepitá iomaisadequadoparaeleéumafrase

encontradaescritanoquadro-negrodesuasalaapósasuamorte:“Oquenãopossocriar,nãocompreendo.”

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Feynman o teria negado, mas a sua mente foi uma das maisextraordináriasdenossotempo.

aNovastecnologiasestãosendoutilizadasemtelescópiosterrestrescomresultadoscomparáveisousuperiores ao Hubble. O Brasil participa de dois desses projetos de telescópios: SOAR e Gemini.(N.R.T.)b Em 1947 o ísico brasileiro César Lattes— em colaboração com Powell e Ochialini, em Bristol,Inglaterra — descobriu, em análises de chapas expostas em Chacaltaya, Bolívia, evidências dosmésons propostos teoricamente por Yukawa. Em 1948 Lattes, em Berckley, descobriu osmésonsarti iciais.A ísicabrasileiraestavabastanteavançadacomimportantescontribuições.Feynmannãoveioparaapraiaouparaaprenderocomplexoritmodafrigideiradasbateriasdeescoladesamba.Veio participar das discussões com Lattes, José Leite Lopes, Jaime Tiomno, Marcelo Damy, MárioSchemberg, entre outros, que trabalhavam no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), naFaculdadedeFilosofiadaUFRJenaUSP.(N.R.T.)

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CAPÍTULOOITO

MURRAYGELL-MANN

Ouçam, ó monges, esta é a verdade nobre que conduz à cessação do sofrimento; este é oNobreCaminhoÓctuplo:asaber, ideiasretas, intençõesretas,falareta,açãoreta,vidareta,esforçoreto,atençãoreta,concentraçãoreta.

AforismoatribuídoaBudaacercadocaminhoapropriadoparaoNirvana

Quetemabuscadailuminaçãoebem-aventurançadosbudistasavercoma árida ciência da ísica? O ísico tem a formidável meta não só decompreender o cosmo — o comportamento dos maiores objetos douniverso,comoosplanetas,asestrelaseasgaláxias—comodebuscarosmenoresobjetos,aunidadeelementardeque todaamatériaé feita.Essainvestigação conduziu os cientistas à noção de átomo, proposta pelaprimeiravezem450a.C.peloscientistasgregosLeucipoeDemócrito.Durantemuitotempo,oátomofoiconsideradoaentidadeindivisívelda

matéria, até que, por volta da virada do século XX, se descobriu que elepróprio tinha uma estrutura interna, compondo-se de elétrons e umnúcleo. Examinando os elétrons e o núcleo, cientistas veri icaram que osprimeiros são de fato elementares — não podem ser fragmentados empartesconstituintesaindamenores.Suspeitavam,porém,queonúcleoeraoutra coisa, até que, inalmente, descobriramque ele é composto de doiselementos:nêutronseprótons.Então era isso? Elétrons, nêutrons e prótons eram as unidades

fundamentais da matéria? A busca dos tijolos básicos na construçãodanaturezaéoenredodestecapítulo,cujoprotagonistaseráobrilhante ísicoteóricoMurrayGell-Mann,hojetrabalhandonoInstitutoSantaFé,noNovoMéxico. Além de ísicos teóricos como Gell-Mann, Richard Feynman eGeorge Zweig, a história inclui um amplo elenco de ísicos experimentaiscoadjuvantesa.Estaéahistóriadocampoda ísicadaspartículas,oestudodasmenoresestruturasconhecidasdamatériaedaenergia.Assim como a exploração do cosmo requer instrumentos e

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equipamentos, especi icamente telescópios e sensores transportados porsatélites, assim a exploração da ísica das partículas requer o uso deequipamento especializado, em especial os aparelhos conhecidos comoaceleradores. Por vezes quali icados de os maiores e mais carosequipamentos de laboratório do mundo, os aceleradores (oudespedaçadores de átomos, como costumavam ser popularmentechamados) transformaram-se em máquinas gigantescas e potentes quedisparam prótons, elétrons e outras partículas subatômicas numavelocidade próxima à da luz através de túneis de vácuo com muitosquilômetros de comprimento. Ali, as partículas subatômicas acabam porcolidir umas com as outras, despedaçando-se em partículas constituintes.Asnovaseefêmeraspartículasquedissoresultamsão,éclaro,pequenasdemaisparaseremvistas,mas,usando instrumentaçãosensível,os ísicospodem registrar suas trajetórias. Os padrões, comprimentos e formasdessas trajetórias fornecem pistas quanto à natureza e às propriedadesdas partículas recém-descobertas, algumas das quais vivem apenas poralguns bilionésimos de segundo. Essencialmente, os aceleradoresreconstituem as colisões de alta energia que ocorreram nos primeirosinstantes após o Big-Bang, quando da criação original dos tijolosconstitutivosdamatéria.Em nossa viagem pelo estranhomundo da ísica das partículas vamos

encontrardiversas “estranhezas”, comoaclassi icaçãooctal b, os quarks e,por im,omodelopadrão,amelhorexplicaçãodomundoqueos ísicostêmhoje.NossoguiaéMurrayGell-Mann.

PRODÍGIO

Criança prodígio é aquela que manifesta talentos ou capacidadeextraordinários. Na infância,Murray Gell-Mann não só se encaixou comofoialémdade iniçãodecriançaprodígio.NascidoemNovaYorkem1929,tinha apenas três anos quando o irmão de 12, Ben, ensinou-lhe a ler(usandoumacaixadebolachasSunshine)enuncaafrouxouopassodepoisdessavelozarrancada.Gell-Mannatribuiaoirmãomaisvelhograndepartedesuaeducaçãoprecoce.AfamíliamoravanacidadedeNovaYork,quasesempreemManhattan,eosdoisjovensexploradoresperambulavampelosparques e museus da cidade. Ben introduziu Murray na observação deaves, na história natural, na colheita de plantas e insetos para estudo—

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que se tornaram todos tópicosde seu interessepela vida inteira.Quandonão estavam em suas caminhadas naturalistas, Ben e Murray visitavammuseusdearte,especialmenteosquecontinhammaterialarqueológico,eos dois meninos chegaram a aprender a ler algumas inscrições emhieróglifosegípcios.Estudaramtambémlatim,francêseespanhol,movidosaprincípiopelogostododesa io.Emparte,ofascínioqueGell-Mannsentiuavidatodaporidiomasremontaaessasexcursõesdainfância.BeneMurrayeramambos leitoresprodigiososeMurrayse lembrade

ter icado particularmente impressionado com as histórias de icçãocientí ica de H.G. Wells. A música também tinha o seu lugar e os doisirmãos chegaram a tentar aprender piano sozinhos. Frequentavamconcertosquandopodiam,mas, comoa famílianãoera rica,o rádioeraasuaprincipalfontedeaprendizadosobremúsicaclássica.AprecocidadedomeninoMurray foi logoreconhecidae, aosoitoanos,

ele foi transferidodeumaescolapública localpara aColumbiaGrammarSchool, uma instituição para crianças superdotadas que incluía séries docursosecundário.Formou-seem1944,aos15anos.Naescolasecundária,gostava sobretudo de jogar futebol mas, surpreendentemente, a ísicadessenível lhepareceu “terrivelmentemaçante”.De todomodo, eraparaasciências ísicaseamatemáticaqueopaideGell-Manntentavaimpeli-lo.Emigrado da Áustria, Arthur Gell-Mann era um linguista sério queaprendera sozinho a falar inglês sem vestígio de sotaque.Mais tarde elecriou um curso de línguas para ensinar outros imigrantes a falar inglêssem sotaque estrangeiro. A extraordinária precisão e correção com queMurray Gell-Mann fala inglês (ou qualquer outra das cinco línguas quedomina)foidestacadapormuitosjornalistasqueoentrevistaramaolongodosanos.Além das línguas, o pai de Gell-Mann se interessava pelas ciências e

aprendeu sozinho matemática, ísica e astronomia. Arthur Gell-Mannestimulava o interesse do ilho por matemática e o instigava a seguir acarreira de engenheiro. Murray resistia. Como ele conta em seu livroparcialmenteautobiográfico,Oquarkeojaguar ,preferiamorrerdefomease tornar um engenheiro. Em seu último ano na escola secundária, Gell-MannpreencheuoformuláriodepedidodeadmissãoemYale.Nele,tinhade citar o campo em que se especializaria. Por si, teria escolhidoarqueologiaoulinguística,masopai,vendopoucacompensação inanceiraem ambos, foi contra. Mediante concessões de parte a parte, decidirampela ísica, em parte porque Murray imaginava que teria sempre a

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possibilidade de mudar de campo de especialização mais tarde.Ironicamente, ísica era a únicamatéria em queMurray se saíramal nocursosecundário,masissofoiporqueelaoaborrecera.Como estudante de graduação em Yale, Gell-Mann achou a ísica

avançada muito mais interessante e, antes que tivesse tido tempo demudar sua área de especialização, estava isgado pelos aspectos teóricosda relatividade e da mecânica quântica. Nas palavras do próprio Gell-Mann,ele“viroufísicopormeroacaso”.

INSTITUTODETECNOLOGIADEMASSACHUSETTS

Depoisdereceberograudebacharel,em1948,Gell-Mannmatriculou-sena pós-graduação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).Assim como a ísica, o MIT não fora sua primeira escolha. Ele tentaraingressaremváriasescolasdepós-graduaçãoda IvyLeague,masYalesósedispôsaaceitá-loemmatemática,HarvardoadmitiriasepagassetodasastaxasePrincetonsimplesmenteorecusou.TalcomoGell-Manncontouahistória,pediuentãoingressonoMIT,commuitopoucoentusiasmo.Quaseimediatamenterecebeuumacartadoeminente ísicoVictorWeisskopf,dequem, muito estranhamente, nunca ouvira falar. Gell-Mann aceitou aproposta de Weisskopf de trabalhar como seu assistente, embora aindanãopropriamente cheiodeentusiasmo.A inal, oMITera conhecido comoumaescolaparatécnicosobcecadosenãoeraessaaimagemqueeletinhade si mesmo. A piada que contoumais tarde foi que as alternativas nãoadmitiam troca; isto é, iria tentar oMIT primeiro e depois se suicidar, aopasso que na ordem inversa a coisa não funcionaria. Em1948, nasvésperasdecompletar19anos,juntou-seaWeisskopfnoMIT.Naquele momento, o campo da eletrodinâmica quântica estava

conquistandoumlugarderelevona ísicaeoprofessorWeisskopfdisseaGell-MannqueestudasseosartigospublicadosdeRichardFeynman,JulesSchwingereFreemanDyson.Gell-Mannnãoseimpressionoucomnenhumdeles, mas naquela época, como agora, não era de se impressionar comfacilidade.Não deixou de reconhecer a originalidade e a importância dosartigos, mas nem a matemática nem, no caso de Feynman, o método deexpressão das ideias, correspondiam a seus exigentes padrões. É precisolembrarquenessaalturaGell-Mannnãopassavadeumcandidatoaotítulodedoutoreaindanãoestavaoficialmentenojogo.

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ESTRANHEZA

Em1952,apósconcluirodoutorado,Gell-ManndeixouoMITepassouumano fazendo um pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados dePrinceton.Emseguida foi trabalharcomEnricoFerminaUniversidadedeChicago. O fato de Gell-Mann ter sido aceito pelo grupo de pesquisa deFermiéumaindicaçãodapromessaquerepresentoucomoestudante.Seuprestígio cresceu muito em 1953, quando propôs que certas partículassubatômicas possuíam uma qualidade que chamou deestranheza, umconceito que atraiu a atenção domundo todo. A estranheza foi umpassocrucial na introdução de alguma ordem no cenário que era a ísica daspartículasnaquelaépoca.Aestranhezaéde inidacomoapropriedadedaspartículaselementares

que governa a velocidade em que elas decaem. Como o uso de umadesignação tão extravagante para um conceito de ísica se encaixa nanomenclatura da ísica das partículas? Tanto estranho quantograus deestranheza parecem expressões excessivamente coloquiais e obscuraspara serem termos usados na ísica, supostamente uma ciência rigorosa,não compatível com uma terminologia vaga ou não especí ica. Mas osprimeiros ísicos de partículas estavam explorando mundoscompletamente novos e foram obrigados a inventar uma nova linguagem— ou se apropriar de termos da linguagem cotidiana e usá-los de umamaneiraoriginal—demodoapoderemfalarunscomosoutrossobreseutrabalho. Seria igualmente fácil chamar novas partículas que secomportavam de uma maneira imprevisível de partículas indisciplinadas,masfoiestranhezaquesetornouotermoaceito.A ideia de estranheza ocorreu a Gell-Mann porque os ísicos de

partículashaviamdescobertoquealgumasdaspartículasgeradasemseusaceleradores não estavam se comportando segundo o previsto. Elashaviam sido criadas por forças chamadas interações fortes e pensava-seque deveriam ser desintegradas pelas mesmas forças e durante igualtempo.Emvezdisso,elaspermaneciamporaliporumtempomuitomaior.Essasduraçõesdetemposãofraçõesdebilionésimosdesegundo,masnomundo subatômico isso é uma diferença signi icativa. Como os ísicosconsideravam o comportamento dessas partículas estranho, Gell-Mannresolveuoficializarapalavraechamá-lasporessenome.Gell-Mann explicou as taxas inesperadas de decaimento dessas novas

partículas mostrando que seus estados de energia diferiam segundo o

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modocomocadaumadelasgirava,comoumminúsculoplaneta,emtornode seu eixo. As energias que descreveu e mediu pela primeira vezpermitiramumaexplicaçãodamaiorexpectativadevidaqueaspartículasestranhasapresentavam.Usando suas formulações da estranheza (também propostas, de

maneira independente,pelo ísico japonêsKazuhikoNishijima),Gell-Mannfoicapazdepreverdetalhadamentenumerososeventosdedecaimentodepartículas estranhas, bem como de profetizar a existência de partículasaindanãodescobertas.

ACLASSIFICAÇÃOOCTAL

Em 1955 Gell-Mann já chegara à posição de professor associado naUniversidadedeChicago.Tinhaapenas26anos,massentiuqueerahorade se mudar. Visitou o Caltech para conversar com o seu ísico maiseminente,RichardFeynman.Osdoisnova-iorquinosnativosderam-sebeme Gell-Mann logo aceitou a proposta de ingressar no instituto. Em 1956,com27anos,tornou-seprofessorpleno.IssomarcouoiníciodeumalongaeprodutivaassociaçãocomoCaltech, e foinesse tempoqueelepropôsabizarramentedesignada classi icação octal emais tarde a esdrúxula,masvitalmenteimportante,hipótesedoquark.Aplicada à ísica das partículas, a classi icação octal foi a resposta de

Gell-Mann à explosão populacional das partículas na década de1950. Nabusca de impor alguma ordem à proliferação de novas partículasdescobertas, a primeira tentativa foi a de classi icá-las segundo seupeso.Asmaispesadas,comooprótoneonêutron, foramchamadasde hádrons,e as leves, como o elétron, de léptons. Os hádrons foram divididos embárions emésons, osmésons tendopesomédio.De início esse sistemadeclassi icação foi útil, mas surgiram problemas. Quando a população debárions continuou a se expandir, foi preciso desenvolver algum novométododeorganização.Gell-Mann veri icou que podia agrupar as partículas conhecidas em

famíliasdeoitopartículascomcaracterísticassimilares.Todasaspartículasdentro de uma família tinham spin e número bariônico iguais, e todastinham aproximadamente a mesma massa. Esse método de classi icaçãodas partículas foi chamado declassi icação octal antes de mais nadaporque Gell-Mann houve por bem chamá-lo assim, mas também porque

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prevêquemuitoshádronspodem ser agrupados em conjuntosde oito.Onome é também uma homenagem, ditada pelo capricho, ao caminhobudista para o Nirvana e é o primeiro, mas não o último, exemplo danomenclaturafantasiosadequeGell-Manngosta.Infelizmente, a expressão reforçou a ideia, muito difundida na década

de 1960, de que havia uma relação entre a ísica das partículas e omisticismo oriental — de que se sentar no chão de pernas cruzadas eentoar um mantra era uma maneira de penetrar nas complexidades danatureza. Segundo Gell-Mann, que quali icou essa ideia de “tolice”, suaalusão ao budismo foi uma simples brincadeira que algumas pessoaslevaramdemasiadoasério.Dequalquermaneira,aclassi icaçãooctal foiaprimeiratentativabem-

sucedida de evidenciar a conexão básica existente entre partículas dediferentesfamíliasefoidesenvolvidaindependentementeporMurrayGell-Mann e Yuval Ne’eman, um ísico do Imperial College de Londres. Aclassi icação octal tem com as partículas elementares a mesma relaçãológica que a tão conhecida tabela periódica tem com os elementosquímicos.A analogia entre a classi icação octal e a tabela periódica ajudou a

tornaracontribuiçãodeNe’emaneGell-Mannmaiscompreensível,sendopor isso merecedora de um breve exame. No inal da década de 1890,graças anovasdescobertas, onúmerode elementosquímicos conhecidosestavaproliferandomuito,assimcomoonúmerodepartículasconhecidasiria proliferar na década de 1950. Tinha-se a impressão de que novoselementos eramdescobertos apoucosmesesde intervaloeo total estavapróximo da marca dos cem quando o químico russo Dmitri Mendeleev(1834-1907)concebeuumatabelaquedispunhaoselementosem ileirashorizontais(chamadasperíodos)segundoonúmeroatômicodoselementos(número de prótons no núcleo) e em colunas verticais segundo gruposrelacionados. Assim, a tabela periódica dos elementos exibe todos oselementos de modo tal a mostrar as similaridades existentes em certasfamíliasougruposdeelementos.Alémdeserumamaneiraconvenientedeexibiroselementos, a tabelaperiódica revelouaexistênciade lacunasnalista dos elementos, permitindo a previsão correta de elementos quevieramaserdescobertosmaistarde.No inaldadécadade1950descobriu-seque,quandoprótonseoutras

partículas subatômicas eram arremessados uns contra os outros emaceleradores, pareciam ser criadas novas partículas; não fragmentos deprótons,mas irmãos e irmãsdeprótons, cadaum tão complexoquanto o

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próprio próton. Esses primeiros experimentos estavam produzindo talprofusão de novas partículas que os ísicos tinham de carregar umcaderno consigo para todo lado para não se perderem. A busca departículas elementares estava em estado de confusão. Escrevendo noAmerican Scholar, Jeremy Bernstein, autor especializado em ciência, deuumaideiadafrustraçãoreinantenacomunidadecientí icaaorelatarqueJ.Robert Oppenheimer fora ouvido sugerindo a concessão de um PrêmioNobel ao primeiro ísico quenão descobrisse uma nova partícula numdeterminadoano.Gell-Mann, o cientista para todas as horas, tentou elucidar a relação

entre todas as partículas conhecidas. Ele e o dr. Yuval Ne’eman,trabalhandodemaneiraindependente,conseguiramagruparaspartículasem famílias chamadasmultipletos. Cadamultipleto consistia de partículascomcaracterísticascomportamentaiscomuns.Natentativadeexplicaressaabordagemsemrecorrer àmatemática, divulgadoresda ciênciada épocausaramporvezesaanalogiadosmuitosanimaisdeumjardimzoológico.OqueGell-Mannfezfoialgocomotransformarumaselvadepartículasnumzoológico de partículas; isto é, examinou todos os animais (partículas) edeterminou quais se relacionavam entre si. No im, descobriu que haviacinco categoriasmais amplas de “animais” e inseriu-as em cinco imensasjaulas—supermultipletos.Feitoisso,Gell-Mannpercebeuqueemalgumasjaulas, comparadas às outras, faltavam um ou dois animais. Isso, por suavez,tornoupossívelpreveraexistênciadecertaspartículasqueaindanãohaviamsidodescobertas.Essa esquematização foi bastante semelhante, ainda que

matematicamente muito mais complexa, à que Mendeleev operou com atabelaperiódicadoselementos.Tal comosedeucomnovoselementosnocaso deMendeleev, novas partículas passaram a ser descobertas porqueos ísicossupunham,combasenahipótesedeGell-Mann,queelastinhamdeexistir.Domesticarozoológicodaspartículasfoiumfeitoextraordináriona ísica e, ao ladode suas contribuições anteriorespara a elucidaçãodaestranheza,elevouGell-Mannàfileiradosmaioresfísicosdomundo.

OCONTRASTEFEYNMAN-GELL-MANN

OCaltechcontavaagoracomdois luminares:MurrayGell-ManneRichardFeynman.Umacomparaçãoentreosdoisastrosda ísicadoCaltechrevela

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bastante sobre suas personalidades. Enquanto Richard Feynman eraresolutamente informal, em geral dando aulas em mangas de camisa,usando inglês coloquial e evitando qualquer tipo de referência literária,Gell-Manneravistoquasesempredepaletóegravata,expressava-secomfrasesepronúnciasprecisasefrequentementeusavareferênciasculturaisesotéricas, chegando a correr o risco de perder suas audiências menoscultas.NoCaltech,Gell-MannalmoçavanoAtheneum,oclubedosprofessores,

onde uma mesa posta, especial, estava reservada para ele. Feynmancostumava preferir o chamado “Gordurento”, o bandejão da faculdade,onde podia trocar histórias com os alunos de pós-graduação e pós-doutoradoenquantoalmoçava.Podemosterumaboaideiadoquantoseusestiloscontrastavamapartir

dos seguintes comentários sobre o campo da psicanálise, pela qualnenhum dos dois mostrava grande respeito. Feynman expressou suaopinião de maneira sucinta e engraçada: “Qualquer pessoa que procureum psicanalista deveria fazer um exame da cabeça.” Gell-Mann, comosempre, expressou suas ideias commais elegância e mais exatidão, comigual ceticismo: “Acredito que há provavelmente uma considerável somadeverdadenocorpodesaberdesenvolvidopelapsicanálise,maselanãoconstitui uma ciência no presente momento precisamente por não serrefutável.”Os dois eram colegas, amigos e por vezes adversários cordiais. Na

décadade1960,FeynmaneGell-Mann trabalharam juntosnaelaboraçãode uma importante teoria sobre a chamada interação fraca , que explicapor que partículas nucleares por vezes decaem emitindo elétrons (oupósitrons) e neutrinos. Um episódio transmite com precisão o tom dopugilato amistoso dos dois: durante uma discussão sobre um aspecto dateoria da interação fraca, Feynman ameaçou começar a escrever o nomede Gell-Mann sem o hífen, ao que Gell-Mann contrapôs de imediato aameaçadeinserirumnodeFeynman(Feyn-man).c

QUARKS

Por fértil que fosse sua colaboração com Feynman, o trabalho de Gell-Mannoestavalevandoparanovasáreas,numcaminhoquelheeramuitopróprio.Natentativadere inarosistemadeclassi icaçãooctal,eleeseus

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colaboradores chegaram à conclusão de que algumas das partículasfundamentaisdoátomopodiamsermaisbemcompreendidasadmitindo-seque eram formadas por componentes ainda menores, uma ideia queconduziuaoconceitodequarks.Hoje osquarks são aceitos como o tijolo básico e fundamental da

construçãodetodamatéria—maisfundamentalqueoprótoneonêutron,antes consideradosas partículas elementares. (Os elétrons continuamsendo considerados fundamentais.) A hipótese original de quark foiproposta independentemente em 1963 por Murray Gell-Mann e GeorgeZweig. Eles postularam que todas as propriedades das várias partículaspoderiam ser mais bem compreendidas se essas partículas fossemcompostasdeoutraspartículas,aindamaiselementares.Gell-Mannbatizouessas novas entidades hipotéticas dequarks, ao passo que Zweig aschamoudeases.ComoosargumentosdeGell-Mannemfavordaexistênciade tais partículas eramemgeralmais convincentes, suanomenclatura sepopularizou.A história de comoGell-Mann foi atinar como inusitado nomequark é

uma interessante digressão. Ele recorda ter concluído que um som como“kwork” (pronunciado demodo a rimar comcork [kôrk])d seria um bomrótulopara a novapartícula.Depois, relendo Finnegan’sWake, o romancede James Joyce, deu com as palavras “three quarks for muster mark ”e edecidiu adotar a gra ia de Joyce para a palavra que os dois,separadamente, haviam cunhado. Tal comousado por Joyce, o termonãorimacomcork,mas,poroutrolado,onúmerotrêsajusta-seperfeitamenteaomodocomoosquarksocorremnanatureza.Gell-Mannresolveuusarapalavraadespeitodascontrovérsiasquantoàpronúncia.Nomomentoemquedeunomeàsuapartículaelementarhipotética,no

artigodeduaspáginasque introduziusua teoria,Gell-Mannestavapoucocon iante em sua proposta. Assim, por exemplo, não tentou publicar essetexto emPhysicsReview, o veículo usual para a troca de ideias no campo,porque pensou que não seria aceito. Preferiu publicar suas ideias naPhysicsLetters, revista publicadapelo CERN. Ele sabia que os editores daPhysics Letters estavam precisando de artigos e talvez não fossemdemasiadocríticos.Épossívelque,emparte, tivessedadoaseus tripletoshipotéticos esse nome um tanto extravagante por pensar que só umreduzidonúmerodecientistasestariaprestandoatenção.Numa digressão ainda mais longa, gostaria de propor uma derivação

possível do termo para explicar o que o próprio Joyce poderia estar

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querendodizercomapalavra.OversoemFinnegan’sWakeépronunciadopor gaivotas “shrillgleescreaming” — na linguagem de Joyce — sobreHowth Castle, e é bem possível que Joyce quisesse dizer que os quarksofertados aoMusterMark abaixo eram excremento de aves. ComomuitacoisadeJoyce,epraticamentetudodeFinnegan’sWake,estaderivaçãoestáabertaa interpretação,masameuvernãoé impossívelqueMurrayGell-Mann também tenha feito esta interpretação e estivesse zombando umbocadinho ao usar a palavra. Na versão do próprio Gell-Mann, ele vinhafolheandoo livrohaviaanosporprazer, tentandoentenderum trechinhoououtroe,emparticular,aspalavrasinventadasporJoyce.“Joycelevou17anosparaescrevê-lo”,observou,“entãoporquenãodeveríamosnóslevarpelomenos17anosparalê-lo?”Gell-Mann comentou também que teria podido facilmente seguir a

tradição e forjar “para as coisas nomes apropriados, pomposos, tomadosdogrego”.“Seifazerisso.Masemgeraleleserambaseadosemideiasquese revelaram erradas: próton, por exemplo, signi icando primeiro; á tomo,signi icando indivisível. Todas essas coisas se revelaram erradas! Penseientãoquemelhorseriaaparecercomalgumacoisadivertida.”Divertidaounão,aterminologiadeGell-Mannéaceitahojeemtodosos

livrosdefísica.Ahipóteseoriginaldoquarkrequeriatrêstipos,ousabores,dequarks:

o up, odown e oestranho (u, d es). Toda a matéria comum pode serconstruída a partir unicamente dos quarksu ed. O quarks foiacrescentado para explicar certas partículas criadas por eventos de altaenergiaquetêmaestranhapropriedadedeexistirporperíodosdetempomais longos que o previsto. Uma das caraterísticas dignas de nota dosquarks é que a carga elétrica que transportam é uma fração da cargatransportada pelo elétron (em geral designada por e), anteriormenteconsideradoaunidadebásicadecarga.Oquarkutransportaumacargade+2/3eoquarkdumacargade–1/3.A teoria do quark propôs que os prótons e nêutrons do núcleo dos

átomossãofeitosdequarks.Oprótonéfeitodedoisquarksueumquarkd; suacarga totaléportanto2/3+2/3–1/3,ou1.Demaneirasimilar,onêutron, que é desprovido de carga, compõe-se de um quarku e doisquarksd.

AESTRUTURAINTERNADOÁTOMO

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Comaintroduçãodosquarks,aestruturabásicadoátomofoireconcebidae logo outros re inamentos se izeram necessários, à medida que osexperimentalistas foram descobrindo outras novas partículas. Em 1974,Burton Richter e Samuel Ting descobriram simultaneamente a partículaJ/psi.Aspropriedadesexibidasporelaexigiramapostulaçãodeumquartoquark,querecebeuofantasiosonomedequarkcharmoso,ouc.Maistardefoi acrescentado o quarkbelo oub. Finalmente foi postulado o quarktop,out,paracriarumarepresentaçãohipotéticacompleta.Aexpressão quarkcharmosodeulugaramuitoscomentáriosnaépoca.

ESTRUTURASUBATÔMICAOsátomosconsistememumoumaiselétronsorbitandoumnúcleo.Onúcleoécompostodeprótonsenêutrons,osquaissão,porsuavez,compostosdequarks.

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Um leitor brincalhão doNew York Times enviou certa feita uma cartaperguntandoaofalecidoWalterSullivan,oeditorerepórterdeciênciadojornal, o que eramquarks charmosos e se eles davambonsbichinhosdeestimação.Segue-searespostadosr.Sullivan:“Sobre sua recente indagação quanto ao que torna os quarks

charmosos,éaimaginaçãodosfísicosteóricosqueostornacharmosos.“Osenhorperguntouquantoaocusto.Omelhornegócioéocruzamento

deumquarkcharmosocomumantiquarkcharmoso.Ocustoestánafaixadetrêsacincobilhõesdeelétrons-volt.“Ondeosenhorpodecomprarumdessesobjetos?OpessoaldeStanford

oudeBrookhavenpoderialhevenderum;mascomoelesvivemmenosdeum milionésimo de segundo, medidas especiais seriam necessárias paralevarumparacasaantesquedesapareça.”

PropriedadesdosQuarks

Quarks Massa(GeVa) CargaUp 0,378 +2/3Down 0,336 –1/3Estranho 0,540 –1/3Charme 1,500 +2/3Belo 4,720 –1/3Top 174,000 +2/3

aGeV=Gigaelétrons-volt—oubilhão(109)deelétrons-volt.Talvez pareça estranho que a massa seja medida em volts, a menos que você se lembre queEinstein mostrou que massa e energia são equivalentes e podem ser igualadas uma à outra ouconvertidasumanaoutrapelafórmulaE=mc2.

Aodesenvolverateoriaqueconduziuaumaexplicaçãosistemáticadasrelações entre as partículas, Gell-Mann estabeleceu algumas regras decomportamento para os quarks. Sendo pesados, os quarks podem seaglutinar de uma destas maneiras: em tríades de quarks ou em paresquark/antiquark.Astríadesproduzempartículasmaispesadas,chamadasbárions, que incluemonêutroneopróton, aspartículasmaispesadasdonúcleo atômico. Os pares quark/antiquark compõem as partículas hojechamadasmésons.

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CROMODINÂMICAQUÂNTICA(QCD)

Com o tempo, a teoria do quark tornou-se mais complexa e essacomplexidade exigiu ainda mais no plano da terminologia. Os teóricos,principalmente Gell-Mann, mostraram-se à altura do desa io. Primeiro,postularamquecadasabor,outipo,dequarkeranaverdadetrêsquarks.Chamaramessapropriedadede cor. Cadaumdos seisquarkspostuladospodeterqualquerumade trêscores,geralmentechamadasdevermelho,azul e verde.Apalavra cor, tal comoos ísicos autilizam,nadaguardadeseusigni icadousual.Osquarksnãosemostrariamvermelhosouazuissefossemvisíveis.Coréumapropriedadedeles,talcomoacargaelétrica,quelhes permite se unir para formar partículas como o próton. A teoriasubjacenteàforçadecoréchamadacromodinâmicaquântica (QCD).Paradar nome a essa teoria, Gell-Mann se valeu da raiz grega chrôma, quesignificacor.

PRÊMIONOBELDEFÍSICA

O reconhecimento pelas suas realizações na pesquisa das partículaselementares e a fama mundial chegaram a Murray Gell-Mann em 1969,quandooreiGustavoVIdaSuécia lheentregouoPrêmioNobeldeFísicanatradicionaleelegantecerimôniaemEstocolmo.Gell-Manntinha40anosdeidade.Em 1967 ele havia sido designado professor catedrático no Caltech e

agorachegavaaopicodesuacarreira.Estava casadonessaépoca com J.Margaret,Dowemsolteira, e tinham

dois ilhos, Lisa e Nicholas. Contou aos repórteres por ocasião dapremiaçãoquegostavadeesquiar,escalarmontanhaseestudaranimaiseplantas em seu hábitat natural. Perguntado sobre o que pretendia fazercomodinheirodoNobel,perguntaqueosrepórteressemprefazem(talvezpara evitar o terreno da ciência), disse que gostaria de comprar umpequenopedaçode terraagresteemalgumlugar,parapoderescapardavidadacidadegrande.Sob os holofotes da atenção da imprensa após o Prêmio Nobel, Gell-

Mann revelouumaspecto arrogante emordaz de sua personalidade quecontaminou sua imagem pública desde então. Solicitado a comentar o

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recebimento de umNobel, disse (fazendo eco às palavras de Newton deque,seviramaislongequeoutrosforaporestardepésobreosombrosdegigantes) que se ele, Gell-Mann, podia ver mais longe que outros eraporque estava cercado de anões. Essa assombrosa observação só não foisurpresa para seus colegas. Muito antes desse incidente, Gell-Mann foradiagnosticadopormuitoscientistascomoafetadodeseverade iciênciadecharme.Autoresespecializadosemciência,jornalistaserepórteresnãotêmsido

em geral lisonjeiros com Gell-Mann. Em parte, ele próprio provoca isso.Usualmente, não trata os que escrevem sobre ciência com particularrespeito e eles, por sua vez, muitas vezes foram levados a se desforrar.Numa entrevista com John Horgan, publicada emScienti ic American(março de 1992), consta que Gell-Mann teria dito que escritores ejornalistasespecializadosemciênciasãoemgeraluns“ignorantes”euma“raçaterrível”.Homem baixo, de constituição compacta, com um cabelo branco à

escovinhaeóculospretos,Gell-Mannrevelaseuespíritoimediatamente—alguns diriam talvez bruscamente. Sua maneira de falar, erudita ecultivada como é, ainda guarda um áspero resquício deNova York e seumodonaturaldecomunicaçãoémaisdidáticoquecoloquial.Gell-Mann é um homem de amplos interesses intelectuais e com

frequênciarevelaumconhecimentodeespecialistaemqualquercoisaquevádabotânicaàornitologia,daarqueologiaàhistórianatural,dosquarksaosjaguares.Jásedissequeelesesituaentreosmaiores ísicosdomundonãopor terumaaptidãoparticularparaa ísica,masporque sedignouaincluí-la entre suasmuitas especialidades. Quase acima de tudo está seuamor pela língua. É famoso por corrigir estrangeiros no modo depronunciarseusprópriosnomesouosnomesdecidadesdeseupaíses.Um per il de Gell-Mann publicado peloNew York Times , da autoria de

DavidBerreby, teveportítulo“Ohomemquesabetudo”.Talvezumtítulomelhor fosse “O homem que quer saber tudo”. Ele é um polímata comaspirações a “totímata”. Dá a impressão de que nunca esqueceu nada doqueleunavidaedequeteráprazeremlhecontartudoarespeito.Emsuadefesa, cabe observar que sua obsessão pelos mínimos detalhescombinadacomsuapaixãopor saber tudosãodoisdos traçosde caráterquefazemdeleumgrandecientista.Acimadetudo,Gell-Mannéumintelectual,nosentidoplenodessetermo

porvezesmalempregado.Naexplicaçãodelepróprio, suaextraordináriaamplitudedeinteressessedeveaofatodesereleumhomem“odisséico”.

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Enquanto as pessoas em geral, acrescenta, são “apolíneas” (distantes eanalíticas)ou“dionisíacas”(envolvidaseintuitivas),elecombinaambosostraços.Essararacombinaçãoéchamada“odisséico”emalusãoaOdisseu,oprotagonista daOdisseia de Homero, que navegou por toda parte eacumulougrandesabedoriaapartirdesuasamplasexperiências.Gell-Mann sem dúvida deu provas de possuir grande sabedoria, e é

notávelconstataroquantosua teoria foiexaustivamentecorroborada porexperimentosaolongodotempo.Porumperíodo,porém,discutiu-semuitose sua teoria seria ou não con irmada por experimentos. Nem o próprioGell-Mannpensavaquealgumdiaseriapossívelobservarquarks.

OBJETOSMISTERIOSOS

NaépocaemqueGell-MannganhouoPrêmioNobel,osquarksaindaeramapenas hipotéticos, não detectáveis por meios experimentais: suaexistência fora demonstrada, mas unicamente no mundo formal damatemática. Por convincente que fosse essamatemática, a insinuação deGell-ManneZweigdequeosquarksnãopodiamservistos, aindaque sedispusesse de melhores equipamentos experimentais, constituiu umconsiderável obstáculo à aceitação da teoria. Não era uma sugestão quecheiravamaisa teologiaquea ísica?De fato,a teologiageralmentepartedaafirmaçãodequeamatériasobconsideraçãonãoévisível,aopassoquea ísicasemprefoibasicamenteumaciênciaexperimental.HojeGell-Manna irmaquea indicaçãoquedeunumartigo inicialdequeosquarkseramentidadesantes“matemáticas”que“reais”foimalcompreendidaequenãoforasua intençãodizerqueosquarksnãoeramreais.Naépoca,pensavaqueosquarksestariamsempreaprisionadosdentrodehádronsequeporisso seria sempre impossível isolá-los e detectá-los individualmente.Mas,sendo a ísica a ciência que é, para ganhar aceitação geral a convincenteteoria do quark teria de acabar passando pelo teste da observação e doexperimento.

ABUSCADOELUSIVOQUARK

Os ísicos experimentais, em particular aqueles ligados a aceleradores,

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como os do Fermi National Accelerator Laboratory, perto de Chicago, doStanford Linear Accelerator Center (SLAC) na Califórnia e do grandeaceleradordoCERN,pertodeGenebra,Suíça,aceitaramcomentusiasmoodesa io de procurar as partículas que Gell-Mann teorizara. Puseram-se abuscarprovas experimentais concretasdoqueGell-Manneoutros ísicosteóricoslheshaviamditoqueencontrariam.Num experimento realizado em 1969 no SLAC, cientistas dispararam

elétrons de 20 bilhões de volts contra prótons encerrados num tubo dehidrogênio líquido emediram a energia perdida pelos elétrons enquantode letiamdosprótons. Supunhamque, se os elétronsperdessemenergia,issosigni icavaquehaviamcolididocompartesemmovimentodopróton,possivelmente os quarks previstos por Gell-Mann, que estariam ali. Osresultadosdessesexperimentosindicaramqueoselétronsdefatoperdiamquantidades consideráveis de energia e a conclusão foi que havia semdúvida alguma coisa no interior do próton. Outros experimentosmostraram que as partes contidas num próton têm uma propriedadechamadaspinexatamentenaquantidadequeosteóricoshaviamprevisto.O número real de componentes no interior do próton, contudo, ainda

estavapordeterminar.NoCERN,oscientistasdesenvolveramumesquemapara usar mais uma partícula, o neutrino, na procura dos quarks. Oneutrino é outra partícula esquisita — supõe-se que não tem nenhumamassa, ou pouca, e nenhuma carga elétrica. Eles foram postulados pelaprimeiravezem1930porWolfgangPauli, quedissenaépoca: “Cometi omais grave dos pecados. Previ a existência de uma partícula que talveznunca seja observada.” Enrico Fermi batizou a partícula misteriosa deneutrino,“neutronzinho”emitaliano.Oscientistasexperimentaisacabaramporaceitarodesafiodeencontrar

neutrinos e, em 1959, inalmente concluíram a di ícil tarefa. Umexperimento envolveu a instalação de detectores ópticos nas paredes degrandes tanques de água puríssima enterrados a grande profundidadeparadepoisregistraros lampejosproduzidosnararaocasiãoemqueumneutrino encontra um átomode água f. Em geral os neutrinos atravessammilhões de quilômetros dematéria sem interagir com átomo algum,maseles são tão numerosos que o encontro ocasional acontece. NumimportanteexperimentolevadoacabonoCERNeque exigiu grandepaciênciaporum longo tempo, os cientistas

izeram milhões de fotogra ias de neutrinos colidindo com prótons efragmentando-os em outras partículas. Medindo os percursos das

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partículas, os experimentais puderam calcular também o número líquidode partes no interior do próton. Numa margem razoável de erroexperimental, esse número era três, exatamente o previsto pela hipótesedo quark. Medições adicionais pareceram con irmar que cada parte seapresentava com uma carga fracionária, de novo exatamente como Gell-Mannprevira.Adécadade1970, chamada “a idadedeouroda ísicadaspartículas”,

viuoquark irmementeestabelecidocomumaunidadebásicadematériahadrônica. É assim que a ciência gosta que as coisas aconteçam. Um porum,os ísicosexperimentaispareciamcon irmarasexpectativasdos ísicosteóricos.Agoraerapossíveldizercomcrescentesegurançaqueosquarksrealmenteexistiamepareciamserumaunidadebásicadamatéria.O ísicoLeonLederman,emseudeliciosolivroApartículaDeus,diverte-

seenormementediscutindoarelaçãoentreosteóricoseosexperimentaisnocampoda ísicadaspartículas.Ressaltaquea ísicaemgeralavançaemdecorrênciadainteraçãoentreseusdoisramos.Istodito,Lederman,queéum experimental, passa a zombar dos teóricos. São eles que escrevemtodos os livros de divulgação cientí ica, escreve ele, porque são eles quepossuem todo o tempo livre. Compara os papéis do teórico e doexperimentalnadescobertaaospapéisdeumlavradoredeumporconacaça de trufas. O porco procura persistentemente as trufas. Por im,localizaumaenoinstanteexatoemquevaicomê-laolavradorasurrupia.Discutindoarelaçãoessencialentreoteóricoeoexperimentalna ísica,

Gell-Mann falouumavez sobreoque énecessário ter para ser um ísicoteórico:“Asferramentassãosimples.Tudoquevocêprecisaédeumlápis,papel, borracha e uma boa ideia.” O problema, continuou ele, é que emgeralas ideiasnãosãoboaseasequaçõeseos rabiscosqueresultamdeseu exame demasiado frequente acabam apropriadamente nas cestas delixo.

ACELERADORES/COLISORES

As ferramentas que os experimentais usam não são tão simples. A maiselaborada e impressionante das ferramentas experimentais usadas naísica das partículas é, como vimos, o acelerador. Nos aceleradores maisrecentes, as partículas são primeiro aceleradas, chegando a velocidadespróximasàda luz (299.792quilômetrospor segundo)edepois levadasa

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colidir de frente com outras partículas que viajam na direção oposta. Aexplosão resultante produz partículas exóticas que podem então seranalisadas.Osaceleradoressãomáquinasquepermitemaos ísicos“ver”oátomo por dentro. Já se disse que usar o acelerador como método paraefetuaressatarefaécomoestraçalharumrelógiosuíçocontraoutroparadescobrir o que têmdentro. Àmedida que procurampartículas cada vezmenores, os cientistas precisam de aceleradores cada vez maiores. Suameta, trabalhando com os teóricos, é responder às grandes questões daísica subatômica: De que é feito o universo? Quais são as forças queaglutinamaspartesdouniverso?

Os trêsmaiores aceleradoresdomundo sãooTevatron, doFermilab, umaparato na forma de um túnel circular com 6,4 km de circunferência; oacelerador linear de Stanford, uma máquina que dispara elétrons epósitronsporumaretadetrêsquilômetroseemseguidaosfazdarvoltasno curso de colisão através de duas seções semicirculares; e o grandeacelerador de elétrons e pósitrons do CERN, chamado LEP, um aparatocircular com 27 km de circunferência. Todos estavam destinados a sertransformados em anões pelo Supercolisor Supercondutor que iria serconstruído no Texas, até que o Congresso americano decidiu não gastaroitobilhõesdedólaresemalgoqueamaiorpartedopovoamericano,edoscongressistas,nãoentendiam.

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COLISORES Colisores sãomáquinasquepermitemaos ísicos ver o interiordo átomo.AcimaestãooGrandecolisorelétron-pósitrondoCERN,oTevatrondoFermilabeoaceleradorlineardeStanford.Partículassubatômicassãoaceleradasatéalcançarvelocidadespróximasàdaluzelevadasacolidircomoutraspartículasquesedeslocamnadireçãooposta.

O uso dessas gigantescas ferramentas produziu precisamente osresultadosesperados.Osexperimentaiscon irmaramexatamenteoqueosísicos teóricos haviam postulado. Na década de 1970, experimentais doSLACforamosprimeirosamostrarqueoprótoneonêutronpresentesnonúcleo atômico são eles próprios compostos de objetos menores, maisfundamentais—osquarks.Mais tardeessetrabalhomereceuumPrêmioNobeldeFísicacompartilhadoentreJeromeFriedmaneHenryKendalldoMITeRichardTaylordoSLAC.PesquisadoresnoSLACconcluíramqueatarefadeexaminaro interior

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do átomo poderia ser mais proveitosa se, em vez de fazer um feixeacelerado atingir uma partícula estacionária, fosse possível fazê-lo girarnumaneldeacumulaçãodealtaenergiaeemseguida fazê-lo colidir comumfeixequesedeslocassenadireçãooposta. Paratanto,construíramumanel de acumulação (SPEAR).O uso do SPEAR resultou na descoberta deuma partícula elementar subnuclear chamadapsi que é uma combinaçãodequarkeantiquarkdetipointeiramentenovo.Atéentão,sóseconheciamtrêstiposdequark,masadescobertadessequartotipo(chamadocharme)serviu como uma convincente prova adicional da ideia básica de que amatériaseestruturaemquarks.

OACELERADORLINEARDESTANFORDOAceleradorLinear(LINAC)usaocanhãodeelétronsparaliberarelétrons de uma fonte de metal aquecido na pista de 3,2 quilômetros em que as partículas sãoaceleradaseinjetadasnosanéisduais.

EssetrabalhopioneirorealizadonoSLACvaleuaBurtonRichter,chefeda equipe de pesquisa, o PrêmioNobel de Física de 1976, que partilhoucom Samuel C.C. Ting, doMIT, que descobriu simultaneamente essa novapartículanoBrookhavenNationalLaboratory.Outra descoberta revolucionária feita com o uso do SPEAR foi uma

partícula chamadatau, que sedescobriria ser a terceirana sequênciadepartículas eletricamente carregadas chamadas léptons. Martin Perl, doSLAC,foireconhecidocomoodescobridordoléptontau.OFermiNationalAcceleratorLaboratory(Fermilab)emBatavia,Illinois,

envolveu-setambémintensamentenoesforçocooperativodepesquisa.Em1977, pesquisadores seus anunciaram a descoberta do quark belo, oquinto e de longe o mais pesado dos quarks descobertos até aquelemomento. Passo a passo, a partir dos chuveiros e jatos de partículascriadas em colisões de alta velocidade nos seus aceleradores, os ísicos,tanto teóricos quanto experimentais, estavam moldando o que hoje é

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conhecidoeaceitocomomodelopadrãodafísicadaspartículas.

OMODELOPADRÃO

Dequeéfeitoouniversoequaissãoasforçasqueaglutinamsuaspartes?A resposta, conhecida como omodelo padrão, tenta descrever a naturezadamatériaedaenergiademodotãosimplesquantopossível.Essemodelopostulaquequase todaamatériaconhecida,do livroquevocêestá lendoàsgaláxiasdistantes,écompostadeapenasquatropartículas:doistiposdequark,que integramosprótonseosnêutronsno interiordosnúcleosdosátomos; elétrons, que envolvem os núcleos; e neutrinos, que são objetosvelozes, eletricamente neutros, praticamente sem massa e capazes deatravessar milhões de quilômetros de chumbo sólido com apenas umachance diminuta de ser envolvidos numa colisão. Quatro forças atuamsobreessas partículas damatéria: (1) a força nuclear forte, que aglutinaquarks em núcleos atômicos; (2) a força nuclear fraca, que desencadeiaalgumas formas de decaimento radioativo; (3) o eletromagnetismo, queincorpora átomos emmoléculas emoléculas emmatériamacroscópica; e(4) a gravidade. Partículas de uma classe completamente distinta, oschamadosbósons,sãoosagentesquetransmitemessasforçasdeumladoparaoutroentrepartículas.

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MODELO PADRÃO DE PARTÍCULAS FUNDAMENTAIS E INTERAÇÕES Acredita-se atualmente que toda matéria é

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compostadedozepartículasfundamentais(férmions)maisaspartículas(bósons)quetransmitemasquatroforçasdanatureza.Cadapartículapossuiumaantimatériaequivalente.

Mas será assim tão simples (se é que alguma coisa nisso pode serchamada de simples)? As famílias básicas de partícula que acabamos dedescrever são suplementadas por duas famílias exóticas, que têm umaestruturaparalela:doisquarks,umtipodeelétroneumtipodeneutrino.Essas duas famílias exóticas não existemno universo dos nossos tempos.Pensa-se que teriam existido nos primeirosmicrossegundos do Big-Bang— a bola de fogo inimaginavelmente quente e densa que, 15 bilhões deanosatrás,deuorigemaouniversoetudoqueelecontém.Sócomousodeaceleradores é possível recriar condições semelhantes às do Big-Bang edetectaraspartículasexóticas.Mais alguns termos são necessários para completar nosso quadro do

modelo padrão. Os ísicos agruparam as partículas em classes segundosuas funções.Férmions é o termousado para a classe das partículas queconstituem toda amatéria. Os férmions, por sua vez, consistem de suassubclasses:léptons equarks. Os léptons são a subclasse das partículaselementares que não têm tamanho mensurável e não são in luenciadaspela forçanuclear forte; istoé,nãoestãoencerradasdentrodepartículasmaioresepodemviajarporcontaprópria.Oselétrons,múonseneutrinossão léptons. Os quarks são um tipo de férmion e, como estão presos nointeriordepartículasmaiores,nuncasãovistossozinhos.Bósons,comoeudisse,éotermousadoparaaclassedepartículasque

transmitemas forçasdanatureza.Háquatrodelas: fótons, glúons, bósonsvetoriais intermediários egrávitons. Os fótons são as partículas queconstituem a luz e transportam a força eletromagnética. Os glúonscarregam a força forte entre quarks. Os bósons vetoriais intermediárioscarregam a força fraca, que é responsável por algumas formas dedecaimento radioativo. Os grávitons, ainda por descobrir, são ostransportadoresdaforçadagravidade.Agoraestamosquaselá,masprecisopôrsuapaciênciaàprovasómais

umpouquinho,introduzindooconceitodeantimatéria.Aantimatériaaindaé um tanto enigmática para os ísicos, mas não pode ser ignorada.Antimatériaématéria feitadepartículas commassae spins idênticosaosda matéria comum, mas com carga oposta. Cada partícula tem umacontrapartidadeantimatéria,quepodeserpensadacomoumaespéciedeimagemespecular.Jáseproduziuantimatériaexperimentalmente,maselaé raramente encontrada na natureza. Porque razão é raramente

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encontradananaturezaéumadasperguntasnãorespondidasdafísica.Na descrição precedente, bem como no quadro descritivo do modelo

padrão que a acompanha, dividi todas as partículas em suas categoriasprincipais:partículasdematéria(férmions)epartículasdeforça(bósons).Mas essa não é a únicamaneira de classi icar osmuitos constituintes domodelopadrãodaspartículaseinteraçõesfundamentais.Umaabordagemdiferente seria dispor as partículas segundo suas interações com a forçaeletromagnética; por exemplo, partículas que estão envolvidas apenas nainteração fraca— istoé,nodecaimentoradioativo lento—sãochamadasdeléptons(dapalavragregapara“pequeno”).Todasasdemaispartículas,comexceçãodosfótons,estãoenvolvidasdeumamaneiraoudeoutracomas interações fortes e são chamadas dehádrons (da palavra grega para“forte”). Nessa abordagem, em que as partículas são classi icadas porinteração,ofótonéemgeralpostosozinhonumaclasseporserapartículaquemedeiaainteraçãoeletromagnética.Duas outras abordagens à classi icação envolvem o processo de

decaimento,ouamudançadoinstávelparaoestável.Ofatordominantenaprimeira delas é o produto inal, a composição da partícula estávelresultante.Poderiahaverapenasléptonsefótonsnasérie inal,oupoderiahaverumprótontambém.Apresençaouausênciadeumprótontorna-seassim o critério para essemétodo de classi icação. As partículas em queum próton aparece no produto inal do processo de decaimento sãochamadas debárions (pesadas). Aquelas em que não aparece umpróton—odepósitofinaldepartículasdedecaimentoéinteiramentecompostadeléptons e fótons— são chamadas demésons. O fator dominante na outraabordagem ao decaimento é a velocidade em que ele se produz: issoconduzàspartículasestranhasenãoestranhas.Aspartículaselementarespodemtambémseragrupadascombaseem

suadinâmicainterna,istoé,seuspin.Omodelopadrãonãoconsisteemummétodoo icialdeclassi icaçãoúnico.Osváriosmétodosnadamaissãoquediferentes maneiras de impor ordem a um grande grupo de objetosaparentemente não relacionados entre si. Usam-se os vários sistemas declassi icação mais ou menos como o serviço de recenseamento usa osresultados de um censo. Todos os habitantes computados podem seragrupadosporsexo,poridade,poraltura,porrenda,poreducação,ouporqualquer outro critério que ajude a compreender a população global. Osistema de classi icação é, em última análise, um auxiliar para acomunicaçãoeéassimquedeveserencarado.

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QUARK“TOP”

O anúncio triunfante, em março de 1995, de que ísicos do Fermilabhaviam inalmente encontrado o quarktop encerrou um esforço de 18anosparaveri icaraexistênciarealdeumadasúltimaspeçasdomodelopadrão ainda por con irmar. A existência do quark top fora postuladahavia muito pelos ísicos, mas sem prova experimental. Agora, usando omais poderoso acelerador do mundo, o Tevatron, os cientistas haviamconseguido isolar aqueles evasivos, fugazes, pedacinhos de matéria,con irmando a teoria abrangente que a irma que o universo em suatotalidade foi construído a partir de um único punhado de partículas eforças fundamentais. Como assinalei antes neste capítulo, os quarksdesapareceramcomoentidadesindependentesnoiníciodotempo,quandooBig-Bang original que criou o universo começou a esfriar.Desde então,existiramapenaspresosdentrodosnúcleosdosátomos.A grande chance de encontrar o quark top surgiu para os cientistas

quando o Tevatron icou pronto no Fermilab. Ele colide prótons eantiprótons a 1,8 trilhão de elétrons-volt. Os ísicos experimentaissupunhamque,nesseníveldeenergia, seriamnecessáriosalgunsbilhõesde colisões para produzir um quark top. Esse projetomonumental exigiuos esforços combinados de 440 investigadores de 36 instituições,suscitandopiadassobreonúmerode ísicosnecessárioparainstalarumalâmpada.gO quarktop materializou-se por apenas um trilionésimo de um

trilionésimode segundonaexplosãodo choquedematéria e antimatéria.Aolongodosanos,osfísicoshaviamesquadrinhadodiligentementetrilhõesdecolisõesdefeixesparadetectarnairrupçãodepartículasmisteriosasas“assinaturas” que computadores analisavam em seguida para veri icar aexistência dos até então hipotéticos quarkstop. Essas partículasin initamente diminutas revelaram possuir uma massa incrivelmentegrande—pesam tantoquantoumátomode chumbo inteiro e 180 vezesmaisqueosprótons.A bem-sucedida busca do quarktop permitiu aos ísicos teóricos do

mundo inteiro dar um suspiro de alívio. “Havia uma enorme expectativateórica de que o quarktop estivesse lá”, disse Steven Weinberg, daUniversidade do Texas. “Muitos de nós teríamos icado embaraçados senãoestivesse.”Algum tempo antes, Murray Gell-Mann havia expressado isso de

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maneira um pouco diferente: “Se os experimentais não encontrarem oquarktopnointervalodeenergiaemqueeleestásendoprocuradoagora,nós, os teóricos, vamos ter de ‘atacar nossas canetas’, como costumavadizermeuex-colegaMarvinGoldberg.”AgoraquetodososseisquarkspostuladosporMurrayGell-Manneseus

colegas foram encontrados, a descrição detalhada de suas propriedadesajudará a compreender por que toda matéria tem massa; por que ouniversocontémmuitomaismatériaqueantimatéria;ecomoaenergiadoBig-Bang transformou todas as partículas e forças em estrelas, planetas,galáxiasefinalmentenaprópriavida.Burton Richter, o diretor do Acelerador Linear de Stanford, agraciado

com um Nobel, comentou: “Os ísicos do Fermilab estão plenamentejusti icados ao dizer que encontraram o elo perdido de nosso modeloteórico, que busca compreender como o universo se desenvolveu desdeseunascimento.”A conclusãoa serextraídada importantedescobertadoFermilab é que o modelo padrão está correto quando descreve aspartículas e forças fundamentais do universo e que Gell-Mann e seuscolegasteóricosestavamnapistacerta.Isso não signi ica, porém, que a pesquisa das partículas elementares

tenha chegado ao im. Este último feito não pode ser encarado como aconsumação do modelo padrão. Falta algo que é chamado o “bóson deHiggs”,omecanismohipotéticoqueiriaexplicarporqueaspartículastêma massa que têm. Supõe-se que ele reside muito além do alcance doTevatron. Uma das principais metas do cancelado SupercolisorSupercondutoreraencontrarobósondeHiggs.

OQUARKEOJAGUAR:AVENTURASNOSIMPLESENOCOMPLEXO

OtítulodolivrodeMurrayGell-Mann,Oquarkeojaguar,foitomadodeumpoemadeArthurSze,umamigodeGell-Mann.Szeenunciaholisticamente:“Omundodoquarktemtudoavercomumjaguarasemoveremcírculosna noite.” Gell-Mann icou impressionado com esse verso quando suasegundamulher,apoetaMarciaSoutwick,oleuparaele.Concluiuqueeraotítuloperfeitoparaolivroemquevinhatrabalhandohaviaalgumtempo.

OquarkeojaguarcontaahistóriavividaporGell-Manndeencontrarasconexõesentreoestudoda ísicadaspartículaseseufascíniopelaseleçãonatural, a diversidade das espécies e outros campos. Claramente ele

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acreditaque,nanatureza,osimples(oquarknointeriordonúcleodeumátomo)eocomplexo(umjaguarrondandoseuterritórionaselvaàbuscadapresa)estãoestreitamentevinculados.O argumento central de Gell-Mann é que as leis simples da natureza

podemconduzir,mediante aplicaçãoe interação repetidas, ao surgimentode fenômenos complexos cujas propriedades não teriam podido serprevistas a partir daquelas leis subjacentes. Usa o exemplo dacomplexidadeeda adaptação, que se estendemdabiologia eda ecologia,passandopelalinguísticaeasociologiaatéchegaràsteoriascientí icasqueelevêcomopossuidorasdeumavidaedeumaevoluçãopróprias.Olivrosedivideemquatropartes,cadaumadasquaisre leteumadas

áreas de interesse de Gell-Mann. A primeira parte descreve as bases deseu fascínio pela complexidade. A segunda seção trata de mecânicaquântica e énaverdadeo cerne intelectualdo livro.É evidentequeGell-Mann sabe do que está falando — em contraste com o que se passaquandodesenvolveo temamenosconvincente(pelomenosparamim)dacomplexidadecomoumanovaciência.Poralgumarazão,Gell-Manndizaosleitores que podem saltar as partes do livro que tratam de mecânicaquântica.Isso,ameuver,seriaumerroparaqualquerpessoainteressadanoassuntomatéria.Emboranemsempredefácilcompreensão,essaseçãooferece tanto ummanual de ísica quântica (embora Gell-Mann o negue)quantoumavisãodosmétodosdepensamentodoautor.A terceiraseção,quecontemplasistemasadaptativoscomplexos,nãoé

de todo bem-sucedida na minha opinião. Murray Gell-Mann, no entanto,merece a atenção do leitor, seja qual for o tópico sobre o qual desejediscorrer, quer seja relevante para a matéria em discussão ou não.Pessoalmente, as re lexões por vezes desconexas de Gell-Mann sobretemastãodísparesquantoaderivaçãodepalavrasdogregoeaderivadoscontinentesmeparecemasmelhorespartesdesselivrofascinante.A seção inal do livro é um apelo sincero pormaior racionalidade nas

questões humanas, em particular a necessidade da biodiversidade e daconservação do ambiente. Num momento em que a nação pareceempenhadaemreduzirosproblemasnacionaisaoníveldassimplicidadesbombásticas e aos adesivos de para-choque, a postura de Gell-Mann emfacedoproblemaglobaléestimulantementeinteligente.Sabe-se que escrever esse livro não foi uma tarefa fácil. “Foi a coisa

mais di ícil que já iz”, disse Gell-Mann. Ele passou por duas editoras eváriospretensoscolaboradores.No inal,escreveuelepróprioolivrotodo,apenas com a ajuda de um revisor. Quase esgotou a paciência de sua

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editora inal,W.H. Freeman&Company, com suasmudanças e correçõesdeúltimahora.Teráoex-papãoabrandadoumpouconamaturidade?Ajulgarporseus

desempenhosna turnêdepromoçãodo seu livro, é quase certo que sim.Em várias entrevistas na TV e no rádio que acompanhei, Gell-Mannmostrou-se amável, paciente, engraçado, fazendo pouco de suascapacidades — em suma, um porta-voz absolutamente charmoso daciência. Mostrou considerável tato ao lidar com perguntas de ouvintes,mesmoaquelasqueprovavelmenteteriamsuscitadoumarespostabruscaemordazdo“velho”MurrayGell-Mann.Numa ocasião, em São Francisco, ele estava respondendo a muitas

perguntas por telefone quando, sem nenhum aviso, um ouvinte ofeganteanunciouquehavia“formuladoaTeoriadeCampodaGrandeUni icação”e, ato contínuo, perguntou aGell-Mann se ele tinha caneta e papel àmãoparapoderpartilhá-lacomele.Apósamenordaspausas,Gell-Manndisse,secamente:“Euvoumelembrardela.”

OHOMEMDECIÊNCIADORENASCIMENTO

Hoje,MurrayGell-Mannéo cofundador ediretordo Instituto SantaFé. ÉtambémumdosdiretoresdaFundaçãoJohnD.eCatherineT.MacArthur,cujoComitêparaassuntosdeAmbienteeRecursosMundiaispreside.Porsua contribuição em prol do ambiente mundial, teve seu nome incluídoentre “Os 500 globais” pelo Programa Ambiental das Nações Unidas.Recebeu também prêmios do Instituto Franklin, da Comissão de EnergiaAtômicaedaAcademiaNacionaldeCiênciasdosEstadosUnidos.Quantoà ísica,oex-meninoprodígioéhojeumaespéciededecano.Ao

contrário de Einstein, que lutou energicamente contra as novas ideias econceitosda ísicaquântica,Gell-Mannéumdefensorentusiastadenovasideias,emparticularateoria ísicadassupercordas.Nessateoria,supõe-seque aspartículas elementares consistemdeminúsculas cordas vibrantes.(Quatro ísicosdePrincetonqueestãoatualmenteenvolvidosnessecamposão hoje coletivamente conhecidos como o “quarteto de cordas dePrinceton”.)Trata-se,contudo,deumahipóteseaindaporserdemonstradaem laboratório. Ainda assim, Gell-Mann acredita que a teoria dassupercordas poderá vir um dia a uni icar a ísica quântica com arelatividade de Einstein e, além disso, lançar luz sobre a origem do

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universo.Perguntadoemváriasocasiõesseosprópriosquarksacabariamporser

desintegradosemalgoaindamenor, foicautelosonaresposta:“Osquarkssãotãofundamentaisquantooselétrons.”Issonãosigni icaquealgumdiano futuro elétrons e quarks não possam vir ambos a ser subdivididos.Comocientista,elenãopodedescartarapossibilidade.Gell-MannpassaseusdiasatualmentenoNovoMéxico,trabalhandoem

tópicosquevãodamecânicaquântica ao sistema imunogênicohumano, àevolução das línguas humanas e à economia global como um sistemacomplexo em evolução. O ex-menino prodígio de Manhattan tornou-severdadeiramenteoHomemdeCiênciadoRenascimento.

aNapesquisacientí icateóricoseexperimentaistrabalhamcomomesmoobjetivo,utilizando-sedemétodosdiferentes.Seustrabalhossecomplementameumnão fariasentidosemooutro.Nãohácoadjuvantesnosentidopejorativooudiminuidordapalavra.(N.R.T.)bDesignaçãoinspiradano“caminhoóctuplo”,dobudismo.(N.R.T.)cPossíveltrocadilhocomgel-man(“homemgeleia”)efey-man(“homemestranho”).(N.R.T.)dEminglês,cortiça,rolha.(N.R.T.)e Intraduzível.Oromancede Joyceédedi ícil leituraeestácheiodepalavrascriadaspor Joyce.Afrase em questão seria algo como “três quarks paramustermark”, seja lá o que isto quer dizer.(N.R.T.)fOautorrefere-seaumdosátomosconstituintesdamoléculaágua.(N.R.T.)gOgrupobrasileirodoCentroBrasileirodePesquisasFísicas(CBPF/CNPq)teveparticipaçãoativanasexperiênciasrealizadasnoFermilab.(N.R.T.)

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EPÍLOGOOPORQUÊDAFÍSICA

Nossa jornadanos levoudo in inito (o cosmodeNewton) ao in initesimal(osquarksdeGell-Mann),eaprocuracontinua.Hojea ísicaingressanummundo inteiramente governado pela teorização matemática eextremamenteespeculativa,daqualpoucopôdeserveri icadoatéagora.Ateoriadascordas,umuniversodedezdimensões,buracosnegros,buracosbrancos, buracos de minhoca, universos paralelos, viagem no tempo, aorigemeodestinodouniverso—estessãoos temasque interessamaosjovensfísicos.Até agora, foram discutidos oquem,quando eo quê da ísica. Parece

apropriado encerrar com algumas palavras sobre o porquê da ísica: ailoso iada ísica.Quandofalamempúblico,cientistaseautoresdedicadosàciênciaouvemfrequentesperguntasquebeirammaisometa ísicoqueocientí ico. Há várias razões para isso. Primeiro, a ísica quântica temaspectosmisteriososepoucocompreendidos.Segundo,háumconsideráveldesejo natural de dar um sentido a toda essa ciência — relacionar asequaçõeseamatemáticaàvisãogeraldomundo.OtermoalemãoparaissoéWeltanschauung(visãodomundo),ouconcepçãoabrangentedouniversoedarelaçãodahumanidadecomele.Como vimos, a ciência da ísica percorreu um longo caminho desde os

dias de Tales e dos demais ilósofos gregos que começaram a fazerperguntas sobre o universo e o mundo natural. Hoje a ciência, e emparticular a ísica, podem explicarmuito sobre omundo natural à nossavolta. Houve tempo em que a natureza parecia ummistério inexplicável.Hoje, embora aindahaja alguns aspectosdomundonatural que a ciêncianão compreende totalmente, os princípios que governam o modo comooperamsãoconhecidos.Umproblema é que, àmedida que a ciência vai descobrindo cada vez

maisprincípiosfundamentaisda ísica,elesparecemtercadavezmenosaverconosco.Quasetodasaspartículasque iguramnomodelopadrãodaspartículas e interações decaem tão rapidamente que estão ausentes damatéria comum e não desempenham nenhum papel em toda a vidahumana. O múon e o tau, por exemplo, di icilmente têm alguma

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importância em nossa existência cotidiana. Por causa dessa aparenteirrelevância,afísicapuraestáperdendoseupúblico.Aquelesquesevoltamparaaciênciaembuscadeajudanadescoberta

derespostasparaasgrandesquestões ilosó icas,taiscomoa inalidadedouniverso ou o sentido da vida, continuam procurando em vão. Os ísicospodem explicar quase tudo no mundo objetivo, e no entantocompreendemos cada vez menos nossas próprias vidas. Em resposta aesse dilema, izeram-semuitas tentativas de combinar ísica emeta ísica.DoisexemplosrecentessãooprincípiocosmológicoantrópicoeahipóteseGaia,queimplicamambosqueavidasobreaTerraépartedeumdesígniomaisamplo.Oprincípio cosmológicoantrópico,postuladopelo ísico inglêsBrandon

Carter em 1974, é tão bombástico quanto soa. Em poucas palavras, elea irma que se os parâmetros ísicos do universo fossem minimamentediferentesdoquesão,avidanãoseriapossível;portanto,ouniversodevetersidoorganizadoporalgumsersupremoparapreservaravida.Trata-sedeumavariaçãodareaçãoinicialaouniversoreguladocomoumrelógiodeNewton. Se o universo fosse verdadeiramente tão mecanicamenteprevisívelquantoumimensorelógio,teriadeterhavidoumrelojoeiro.UmexemplodoprincípioantrópicoéqueaenergiaqueaTerrarecebe

do Sol estáprecisamente ajustadapara fomentar a vida. Em ciência, essaenergiaéchamadadeaconstantesolar,aqualédefinidacomo1,99caloriade energia por minuto por centímetro quadrado. Se a Terra recebessemuito mais ou menos do que duas calorias por minuto por centímetroquadrado,aáguadosoceanosseriavaporougelo,deixandooplanetasemnenhumaágualíquidadisponívelouumsubstitutoaceitávelemqueavidapudesse prosperar. É unicamente porque a Terra está a 150milhões dequilômetrosdedistânciadoSol, queproduz5.600milhõesdemilhõesdemilhõesdemilhõesdecaloriasporminuto,queavidaépossível.Paramais um exemplo, foi calculado que se a Terra estivesse apenas

oitomilhões de quilômetrosmais próximado Sol, a intensidade dos raiossolares teria desagregado as moléculas de água na atmosfera, atétransformaroplanetanumdesertosecoepoeirento.SeaTerraestivesseapenas1,6milhãodequilômetrosmaislongedoSol,ofrioteriacongeladoosoceanos.Os cientistas explicam que Vênus, a Terra e Marte tiveram de início

climasbastantesemelhantes.Vênus,porém,édemasiadopróximodoSol.Ocalorfezaáguaevaporar.Depoisaradiaçãosolarrompeuasmoléculasdeáguadaatmosferasuperiordoplanetaeohidrogênioescapounoespaço.

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Sem chuva para precipitá-lo, o dióxido de carbono se acumulou naatmosferadeVênus,causandoumefeitoestufadescontrolado.Oresultadosãotemperaturasdesuper íciede482grauscentígrados,osu icienteparaderreterchumbo.Marteéummistériomaior.Oscientistasnosdizemque3,5milhõesde

anos atrás Marte era tépido e úmido, com água líquida luindo por suasuper ície.Épossívelatéquehouvessevida.aAgoranãoháindíciosdevidaeaperguntaé:oqueaconteceu?MarteémuitomenordoqueaTerrae,não tendomuita gravidade, foi-lhemuito di ícil evitar que sua atmosferaevaporassenoespaço.FaltamtambémaMarteforçastectônicas.NaTerra,acolisãodeplacastectônicasécrucialparaavida.Ocarbononodióxidodecarbonoatmosféricodissolve-seemáguaeformacarbonatodecálcio,quese acumula no fundo dos oceanos e dos lagos. Parte da crosta da Terra,porém, é abruptamente enterrada sob placas tectônicas adjacentes, éaquecidaeécuspidadosvulcões,comoregressodocarbonovaporizadoàatmosfera.Nãopossuindoessetipodeinteraçãotectônica,Martenãopôdereciclar seu carbonoe, gradualmente, odióxidode carbonona atmosferase reduziu. O efeito estufa desapareceu, eMarte foi esfriando. Por im, aágua da super ície evaporou-se ou congelou. A maioria dos cientistasde ine umplaneta habitável como aquele capaz de ter água líquida. Épossível imaginar formas estranhasde vidaquenão exijamágua,mas ospesquisadoresemgeralconcluíramqueaáguaeaquímicacomplexaqueelamantémtornamapossibilidadedevidamuitomaior.Quentedemaisoufriodemaisparaavidasãoospadrõesvigentesnesteuniverso,exceto,atéondesesabe,nestesingularplanetaTerra.Atualmente a maioria dos cosmólogos concorda que o universo se

iniciou comumBig-Bang e vem se expandindodesde então.Os cientistasacreditamque,seavelocidadedeexpansãodouniversofosseligeiramentemenor, oBig-Bangpoderianão terocorrido. Se a velocidadedeexpansãofosse ligeiramente maior, não teria havido tempo para nenhum tipo dematéria se aglutinar e não haveria nenhum astro. Se algo chamado aconstantedeestrutura ina (oquadradodacargadoelétrondivididopelavelocidadedaluzmultiplicadapelaconstantedePlanck)fosseligeiramentediferente,nãoexistiriamátomos.Nossaprópriaexistência,asuaeaminha,pareceseroresultadooudeumextraordinárioebemarquitetadomilagreoudeumacidente.Mas o que precedeu o Big-Bang e por que o universo se expandiu

precisamentecomoofezparecemserperguntastantopara ísicosquantopara ilósofosouteólogos.Opróprio fatodenossaexistênciasigni icaque

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algum relojoeiro celestial projetou o maquinismo do universo e ixou osparâmetrosexatosparaaemergênciadavida?Oufoitudopuroacaso?EmO princípio antrópico cosmológico (1968), os autores John D. Barrow eFrank J. Tipler sustentam que a vida não é umamera ocorrência casualmasumaocorrêncianecessária,queumuniversoprecisadeobservadorespara poder existir. Muitos cientistas, contudo, consideram esse princípiocosmológico antrópico mais próximo da meta ísica que da ísica. Ocosmólogo Joseph Silk comparou o princípio antrópico com a satisfaçãosentidaporumacolôniadepulgasnopelodeumcachorro.Elasse iavamna certeza de que tudo em seu mundo fora perfeitamente estabelecidopara sua existência— até que o dono do cachorro comprou uma coleiramata-pulgas. Podemos também imaginar uma colônia de formigasnavegando corrente abaixo sobre um velho tronco. Tudo estava perfeitopara seu bem-estar, e poderia parecer que o tronco fora projetado paraelas—foientãoqueotroncochegouàqueda-d’água.AhipótesedeGaia,propostaem1972porJamesE.Lovelock,a irmaque

a Terra e suas criaturas vivas evoluíram juntas num sistemaautorregulatórioqueconservacondiçõesótimasparaavida.Odr.Lovelocka irmaqueessaautorregulaçãonadamaiséqueumapropriedadenaturaldo sistema e nega estar implicando um propósito ou projeto. Mas ahipótese de Gaia (o nome signi ica “deusa mãe da Terra”) tornou-serapidamentemísticaporquesugerefortementequearazãodeaTerrateruma benevolente atmosfera de estufa é haver um ser onisciente eonipotentenocomandodotermostato—nãohánenhumanecessidadedetemer quaisquer problemas ambientais porque eles irão todos seautocorrigirsoboolharvigilantedacomplacentemãedaTerra.Maisumavez, é confortador mas sem grande sustentação do ponto de vista daciência.OprincípioantrópicoeateoriadeGaiasãoideiasinteressantes,muitas

vezes expressas em linguagem cientí ica por cientistas que anseiam pelovislumbredealguma inalidadetranscendentenouniverso.Nenhumadasconcepções, porém, é testável ou comprovável.A ciência éumsistemadeinvestigação fundado no empírico. As teorias devem emergir de fatosveri icáveis e explicar as coisas como são, não como gostaríamos quefossem.EmOsprimeirostrêsminutos,umlivrodedivulgaçãosobreateoriado Big-Bang sobre a origem do universo, o ísico Steven Weinbergdescreveu a Terra como “uma minúscula parte de um universoesmagadoramentehostil”,condenadoelepróprioa indaremfrioetrevastotais ou numa bola de fogo derradeira. “Quanto mais compreensível

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pareceouniverso”,eleconcluiu,“maissemsentidoparecetambém.”Éumaideiaqueparecerácrueledi ícildeaceitaramuitos,entreosquaisalgunsísicos. Eles tentam empurrar algum sentido na concepção ísica douniverso.Nosúltimosanos, surgiramvários livros—Adança dosmestresWu Li de Gary Zukav eO tao da ísica de Fritjof Capra, para citar doisexemplos — que procuram explicar a ísica moderna em termos dareligiãoedomisticismoorientais.Amim,elesmelembramoreiPtolomeudoEgito,que,talvezassustadocomovolumededeverdecasaexigidodele,perguntou a Euclides se não havia um caminho mais fácil paracompreender a geometria. Você deve estar lembrado de que Euclidesdissuadiuomonarcadessaideiadizendo-lheque“nãoháviarégiaparaageometria”— receioque, damesmamaneira, não exista via régiapara aísica. Os dois livros recentes mencionados contêmmuita ísica boa, masambos dão imensos saltos de conceitos provados na ciência para ideiasmetafísicasbaseadasemfé,nãoemfato.Adesilusãocomaciênciacomoaresposta inalparaquestões ilosó icas

levougrandenúmerodeintelectuaisdomeioacadêmicoaumaatitudedeoposição à ciência. Desquali icam-na como uma visão de mundo branca,europeia, burguesa, e masculina. Assim,muitosmembros das faculdadesde humanidades e ciências sociais de nossas principais universidades (eintelectuais dos círculos literários em geral) consideram hoje oconhecimento produzido pela ciência não mais con iável que aqueleproduzidopeloquechamamde“outrasformasdeconhecimento”.Emseurecente livroA grande superstição: a esquerda acadêmica e suas querelascom a ciência (Johns HopkinsUniversity Press, 1994), Paul R. Gross eNorman Levitt contestam essa posição basicamente antagônica à ciência.NaspalavrasdeGross,umbiólogo,eLevitt,ummatemático:“Umavezquesetenhaa irmadoqueumacomunidadediscursivaétãoboaquantooutra,que a narrativa da ciência não detém nenhum privilégio em relação àsnarrativasdasuperstição,ocríticoculturalrecém-cunhadopodedefatosedeleitaremsuaignorânciadeideiascientíficasdensas.”O profundo abismo que separa os intelectuais literários e a cultura

cientí ica,descritoporC.P.Snowemseuhojefamosoensaiode1965,Duasculturas, alargou-se claramente ao longo dos anos seguintes. Osintelectuaisliteráriosqueensinamhoje,noscursosdegraduaçãodeartesliberais, que existem “outras formas de conhecimento” prestam aos seusnascentes advogados, jornalistas, sociólogos, homens de negócios e todosos demais um grave desserviço. A ciência devota-se ao esforço de ver ascoisas como elas são. A investigação dosmistérios da natureza exige um

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pensamento disciplinado, sistemático, rigoroso— cujos resultados devemser explicáveis em teoria, submetidos ao exame crítico dos pares evalidadoporexperimentopassíveldereprodução.Quandosefazisso,está-sefazendociência.Deveriam então os cientistas abandonar suas tentativas de encontrar

um signi icado mais profundo em sua compreensão da natureza? Pensoque não e não é minha intenção sugerir isso. Esforços para vincularteologia e ciência continuarão a ser feitos porque é da natureza humanabuscar oporquê da vida. Recentemente, o dr. Paul Davies, um ísicomatemáticoqueescreveuefezpalestrassobreasconexõesentreciênciaeteologia, recebeuoprêmioTempleton,deummilhãodedólares,por suascontribuições ao pensamento e à investigação religiosos. Davies, umprofessorde iloso ianaturalnaUniversidadedeAdelaide,naAustrália,éoautordemaisde20 livros, entreosquaisAmentedeDeus, quediscuteideiasacercadaorigemdouniverso,aordemnanaturezaeanaturezadaconsciênciahumana.O prêmio Templeton foi criado em 1973 pelo empresário Sir John

Templeton,umsúditobritâniconascidonosEstadosUnidosefundadordeváriosfundosmútuos.Eleexigiuqueoprêmiofosseconcedidoanualmentea uma pessoa que tivesse revelado singular criatividade na promoção doentendimento geral de Deus ou da espiritualidade. Mais tarde, estipulouqueovalordoprêmioemdinheirodeveriaexcederaodosprêmiosNobel,que a seu ver negligenciava a religião. O dr. Davies é o terceiro ísico areceber o prêmio.Numa entrevista dada por telefone aoNew York Timesporocasiãodesuapremiação,eledeclarou:“Aspessoasemgeralpensamque,àmedidaqueaciênciaavança,areligiãoretrocede.Masquantomaisdescobrimosacercadomundo,maispercebemosqueháumpropósitoouumdesígnioportrásdissotudo.”Podemos prever que a ísica prosseguirá, pois, por natureza, ela é

ilimitadaeexploratória,e,emseucerne,aciêncianadamaiséquepessoasfazendo perguntas— e ainda há perguntas a fazer. Damesmamaneira,podemos prever que as questões ilosó icas tangenciadas neste breveepílogo permanecerão conosco enquanto a espécie humana continuarcapazdeespecular.

aRecentemente,análisesrealizadasnometeoritomarcianoALH84001mostramapossibilidadedeter havido, há mais de 3 bilhões de anos, vida bacteriana semelhante a alguns organismosencontradosemsoloterrestre.(N.R.T.)

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CRONOLOGIADAFÍSICA

? Árabes,egípcioseoutrosdesenvolvemoatualsistemadenumeração,ageometriaprimitivaeamatemáticabásica.

525a.C.Pitágorasobtémumasíntesedomisticismoedamatemática,desviando-sedosmitosparaosnúmerosnabuscadafontedaverdade.

340 AristótelesafirmaqueaTerraéredondaenãoumaplacaplana.

295 EuclidespublicaosElementos,codificandoageometriaclássica.

260 AristarcodeSamospostulaqueaTerragiraemtornodoSolnumuniversogigantesco.

240 Arquimedesdesenvolveamecânicaclássicaeafísicaelementar.

200 EratóstenesdeterminaatécnicaparaamensuraçãodacircunferênciadaTerra.

100CláudioPtolomeuelaboracomplexomodelodouniversocentradonaTerraqueébasedaastronomiapormaisde1.400anos.

1515d.C. LeonardoDaVincifazobservaçõescruciaisnoscamposdamecânica,dahidráulicaedaaerodinâmica.

1543 NicolauCopérnicopublicaDerevolutionibus,postulandoumuniversocentradonoSol.

1572 TychoBraheobservaumanova(ouestrelanova),provadequeouniversoestáemmutação.

1610GalileuGalileiobservapelaprimeiravezocéunoturnoatravésdeumtelescópioeanunciadescobertasqueconfirmamaconcepçãocopernicanadouniverso.

1619JohannesKeplerdemonstraqueasórbitasdosplanetassãoelípticasedesenvolveleisdomovimentoplanetário.

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1687IsaacNewtonpublicaosPrincipiaedemonstraqueaforçagravitacional,queobedeceaumaleidoinversodoquadradodadistância,explicatantoaquedadoscorposnaTerraquantoomovimentodaLuaemsuaórbita.

1799Pierre-SimonLaplacelançaasbasesmatemáticasdahipótesedagravitaçãodeNewton;desenvolveateoriadaprobabilidadeeajudaafundarosistemamétrico.

1824

KarlFriedrichGausspostulaageometrianãoeuclidiana.1824ChristianDopplerdescobreque,paraumobservadorestacionário,emissões(luzousom)deumafonteemmovimentoparecerãoterfrequênciamaisaltaseoobjetoestiverseaproximando,masmaisbaixasseeleestiverseafastando—o“DesvioDoppler”.

1831 MichaelFaradaydescobreainduçãoeletromagnética.1848 WilliamKelvindeterminaozeroabsoluto.

1849

Jean-LeonFoucaultdesenvolvemétodosparamediravelocidadedaluznoaredescobreque,naáguaeemoutrosmeios,essavelocidadediminuiproporcionalmenteaoíndicederefração.

1860

RobertBunseneGustavKirchhoffdesenvolvemabasedaanáliseespectral,permitindoquemateriaisdelaboratóriosejamcomparadoscomosdoSoledosastros,alémdepermitiraoscientistasidentificaracomposiçãomaterialdecorposastronômicos.

1864JamesClerkMaxwellpublicaoTratadosobreeletricidadeemagnetismo,quetornapossívelumacompreensãomuitomaiordosfenômenosnessecampo.

1879AlbertMichelsonusaosprincípiosdeFoucaultparadeterminaravelocidadedaluz.

1887AlbertMichelsoneEdwardMorleyrealizamexperimentosprecisosquedemonstramqueoespaçonãopodeestarcheiodoéter,atéentãovistocomoomeioparaatransmissãodaluz.

1894HeinrichHertzdemonstraqueasondaseletromagnéticassedeslocamcomavelocidadedaluzepodemserrefletidas,refratadasepolarizadascomoaluz.

1895 WilliamK.RoentgendescobreosraiosX,oquelhevaleuo

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primeiroPrêmioNobeldeFísica.1898 MarieePierreCurieidentificamoselementosradioativos

rádioepolônio.

1900 MaxPlanckpostulaateoriaquânticadaradiação;desenvolveabasedafísicaquântica.

1904ErnestRutherfordpropõequeaquantidadedehélioproduzidapelodecaimentoradioativodemineraisemrochaspoderiaserusadanadeterminaçãodaidadedaTerra.

1905

AlbertEinsteinpublicaartigossobrearelatividadeespecial,oefeitofotoelétricoeomovimentobrowniano;ateoriaespecialdarelatividadepostulaqueasmedidasdeespaçoetemposãodistorcidasemaltavelocidadeequemassaeenergiasãoequivalentes.

1906 J.J.Thomsondemonstraaexistênciadeelétrons.

1911 ErnestRutherforddemonstraqueamaiorpartedamassadosátomosestácontidaemseusminúsculosnúcleos.

1913 NielsBohrformulaateoriadaestruturaatômica.

1916

AlbertEinsteindivulgaateoriageraldarelatividadeemqueagravitaçãoédescritacomoumefeitodoespaçocurvo;arelatividadegeraléumateoriafundamentaldanaturezadoespaço,dotempoedagravitação.

1924OpríncipeLouisdeBrogliesugerequetodaamatéria,mesmoobjetoscomumenteconcebidoscomopartículas(comooselétrons),deveriasecomportartambémcomoondas.

1925 WolfgangPaulipostulaoprincípiodaexclusão,essencialparaoentendimentodaslinhasespectraisdeastrosenebulosas.

1926

ErwinSchrödingerdesenvolveumaequaçãoquedescrevecomoasondaspostuladaspordeBrogliesemovemdeumlugarparaoutro;consideradaaequaçãocentraldafísicaquântica.

1927GeorgesLemaitrepropõeateoriaBig-BangdaorigemdouniversocomosoluçãoparaasequaçõesdecampodeEinstein.

1927WernerHeisenbergformulaoprincípiodaincerteza,umalimitaçãofundamentalparaaprecisãodasmensuraçõesexperimentais.

Page 264: Gigantes da Física

1927 JanOortdeterminaqueaViaLácteaestágirando;depoisusaradiotelescópioparamapearosbraçosespiraladosdaViaLáctea.

1928P.A.M.Diracpostulaaexistênciadeantimatéria—partículasquetêmcargaelétricaigualmasopostaàsdesuascorrelatasnamatériacomum(e.g.,pósitronouantielétron).

1929 EdwinHubbleconclui,pormeiodeanáliseespectral,queouniversoestáemexpansão,comoEinsteinprevira.

1931 WolfgangPauliprevêaexistênciadeneutrinos.

1932 JamesChadwickdescobreonêutron;recebeoPrêmioNobeldeFísicade1935.

1938

LiseMeitnereOttoHahndescobremafissãonuclear;HahnrecebeoPrêmioNobelpeladescoberta(MeitnertevedefugirdaAlemanhanazistaantesqueotrabalhodosdoisestivesseconcluído,masemgeralseuméritopelotrabalhocomuméreconhecido).

1939

LeoSzilardformulaoconceitodereaçõesemcadeianafísicaatômica;écoautordecartaaopresidenteF.D.Roosevelt(assinadaporEinstein)explicandoaspotencialidadesdafissãodourânioedabombaatômica.

1942 EnricoFermisupervisionaodesenvolvimentodoprimeiroreatornucleardomundonoâmbitodoProjetoManhattan.

1945 J.RobertOppenheimerdirigeaproduçãodasprimeirasbombasatômicascomopartedoProjetoManhattan.

1946 GeorgeGamowconjeturaqueoBig-Bangdeveterproduzidoradiaçãocósmicadefundo.

1960 AlanSandageeThomasMathewsdescobremosquasars,asgaláxiasmaisdistantesdaTerra.

1961MurrayGell-ManneYuvalNe’eman,independentemente,deduzemumplanoparaclassificarpartículassubatômicasqueGell-Mannchamade“classificaçãooctal”.

1963 E.N.Lorenzpublicaoprimeiroartigosobreateoriadocaos.

1964

MurrayGell-ManneGeorgeZweigpropõem,independentemente,queprótons,nêutronseoutroshádronssãocompostosdepartículasaindamenores,queGell-Mannrotuloude“quarks”.

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1965

RichardFeynmanpartilhaoPrêmioNobeldeFísicacomTomonagoeSchwingerpelateoriadaeletrodinâmicaquântica,consideradaumpassoimportantenabuscadeumacompreensãodanatureza.

1965 RobertWilsoneArnoPenziasdetectamradiaçãonasprofundezasdoespaço,emacordocomateoriadoBig-Bang.

1968 ExperimentosrealizadosnoAceleradorLineardeStanfordcorroboramateoriadoquark.

1981 AlanGuthpostulaqueouniversopassouemseuscomeçosporumperíodo“inflacionário”deexpansãoexponencial.

1995

CientistasnoFermiNationalAcceleratorLaboratoryencontramindíciosdo“quarktop”,oúltimomembronãodetectadodeumafamíliadepartículasquesesupõeconstituirostijolosbásicosdaconstruçãodetodaamatéria.

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GLOSSÁRIO

ACELERADORDEPARTÍCULASAparelho, comoumciclotronouacelerador linear,que acelera partículas carregadas ou núcleos, imprimindo-lhes altasvelocidadesealtasenergias,útilnapesquisadaspartículassubatômicas.ANTIMATÉRIAMatériacompostadepartículascommassaespinidênticosaosdaspartículasdamatériacomum,mascomcargaoposta.BÓSONS Partículas elementares, entre as quais os fótons, glúons, bósonsvetoriais intermediáriosegrávitons,que transportamasquatro forçasnanatureza.CHARME O quarto sabor do quark. (Previsto pela teoria, os quarkscharmosos foram descobertos em 1974. Os quarks existem em pares,sendoqueoquarks,ouestranho,fazparcomoquarkc,oucharme.)CLASSIFICAÇÃOOCTALEm ísica,ummétododeclassi icaçãodaspartículasemfamílias de oito, com base na teoria de grupo; desenvolvidoindependentementeporMurrayGell-ManneYuvalNe’emanem1961.CONFINAMENTOOaprisionamentodosquarksnointeriordoshádrons.CONSTANTE DE HUBBLE O número encontrado dividindo-se a velocidade derecessão de uma galáxia pela distância que a separa da Terra. (EssenúmeroéchamadoconstantedeHubbleemmemóriadeEdwinP.Hubble,odescobridordouniversoemexpansão.)CONSTANTEDEPLANCK Constantequerelacionaoconteúdodeenergiadeumquantum (ou unidade de energia) com a frequência da ondaeletromagnética correspondente. (Max Planck expressou essa relaçãonuma equação que utiliza um número muito pequeno (6,626 X 10 -27

ergs/s),quedáarelaçãoproporcionalexata.)CURVATURA DO ESPAÇO-TEMPO Segundo a teoria geral da relatividade deEinstein, o efeito causado no espaço pela presença de matéria. (Agravidade é vista como a consequência da curvatura do espaço induzidapelapresençadeobjetoscomgrandesmassas.)DECAIMENTO ALFA Processo de emissão nuclear em que um núcleo pesadoinstável emite uma partícula alfa e se converte ele próprio num núcleodiferente e mais leve; um dos três processos que compõem a

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radioatividade nuclear (os outros são o decaimento beta e o decaimentogama).DECAIMENTO RADIOATIVO A progressiva redução do número de átomosradioativosdeumasubstânciapordesintegraçãonuclearespontânea.(Umátomo decai quando passa da instabilidade para a estabilidade; odecaimento radioativo é um processo natural que se desenrola o tempotodo.)DESVIOPARAOVERMELHO Deslocamentorumoaoscomprimentosdeondamaislongos das linhas espectrais de luz vindas das estrelas de galáxiasdistantes; ocorre porque essas estrelas estão se afastando da Terra. VertambémefeitoDoppler.DUALIDADE Fenômeno pelo qual, no domínio atômico, objetos exibem aspropriedadestantodepartículasquantodeondas.DUALIDADE ONDA-PARTÍCULA Teoria segundo a qual tanto matéria quantoradiação,nasdimensõesreduzidasdomundoquântico,secomportamporvezes como uma onda e por vezes, de maneira igualmente convincente,como uma partícula; um dos mais desconcertantes mistérios da ísicaquântica.EFEITODEDILATAÇÃODO TEMPO Atraso de um relógio emmovimento tal comovistoporumobservadorestacionário;postuladoporEinsteinemsuateoriaespecialdarelatividade.(Nasvelocidadesrelativamentelentasdasviagensnormaisdehoje, esse efeito édesprezível; emvelocidadespróximas àdaluz,porém,o tempose tornaapreciavelmente “mais lento”.Navelocidadedaluz,otempoficariaparalisado.)EFEITO DOPPLER Mudança no comprimento de onda — seja som ou luz —emitidaporum corpo emmovimento, perceptível quando a fontede somouluzestáseaproximandoouseafastandodeumobservador.(Seafontedas ondas está se aproximando do observador, a frequência da ondaaumentaeocomprimentodeondaémaiscurto,produzindosonsagudoseluz azulada—o chamado desvio para o azul. Se a fonte da onda está seafastandodo observador, a frequência da ondadiminui e o comprimentodeondaémaior,produzindosonsgraveseluzavermelhada—ochamadodesvioparaovermelho.)ELÉTRON Partícula fundamental de carga negativa que é um dosconstituintesdetodososátomos.ENERGIA Em ísica, o potencial de realizar trabalho. (Energia e massa sãointercambiáveissegundoafórmuladeEinstein:E=mc2.)

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ENERGIA CINÉTICA A energia inerente aos corpos em movimento; igual àmetade do produto de sua massa pelo quadrado de sua velocidade.(Chamadacinéticaapartirdapalavragregapara“mover-se”.)ENTROPIA Umamedida do grau de desordem, ou tendência ao colapso, emqualquersistema.ESPAÇOABSOLUTOConcepçãonewtonianadoespaçotridimensionalemqueoscomprimentosdosobjetossãoindependentesdomovimentodosistemadereferênciaemquesãomedidos;refutadoporEinstein.ESPAÇO-TEMPO Segundoa teoriageraldarelatividadedeEinstein,o “tecido”quadridimensional que resulta quando espaço e tempo são uni icados; afusão das três dimensões espaciais comuns de comprimento, largura ealturacomotempocomoquartadimensão.ESPECTRO O conjunto de comprimentos de onda ou frequências em que aradiaçãoeletromagnéticapodeserpropagada.“ESTRANHO” Um dos seis tipos (ou sabores) de quarks. Os outros sãoup,down,charme,topebelo.FÉRMIONS Constituintes damatéria. (Léptons e quarks são férmions, comotambém o são prótons, nêutrons e elétrons. Por outro lado, as partículasquetransportamasforçasdanaturezasãochamadasbósons.)FÍSICAEstudocientí icodainteraçãodematériaeenergia.(A ísicaclássica,ou newtoniana, compreende os estudos cientí icos feitos antes daintroduçãodoprincípioquântico.A ísicamodernaconcebetantoamatériaquantoaenergiacomocompostasdeunidadesdiscretas,ouquanta.)FÍSICA DAS PARTÍCULAS Ramo da ciência que trata das menores estruturasconhecidasdamatéria.FÍSICAQUÂNTICATeoriada ísicabaseadanoprincípioquântico—aenergiaéemitidanãocomoumcontínuomasemunidadesdiscretas.FISSÃO NUCLEAR Processo em que o núcleo de um átomo se parte, sejaespontaneamenteousobestímuloexterno,emdoisfragmentosemaisumoudoisnêutronsexcedentes.FORÇA O agente responsável pela mudança em um sistema. (Segundo omodelo padrão, quatro forças no universo controlam os modos como osobjetos interagem: a eletromagnética, a gravitacional, a nuclear forte e anuclearfraca.)FORÇAFORTE Umadas quatro forças fundamentais conhecidas da natureza;aglutinaosprótonseosnêutronsnointeriordeumátomo.

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FÓTONS Unidades discretas de energia eletromagnética; a menor unidadeindivisíveldaradiaçãoeletromagnética.FREQUÊNCIA Número de ciclos por unidade de tempo de um fenômenoperiódico.FUSÃONUCLEAR Interaçãoatômicaemquenúcleossefundemunsaosoutroscriandonovosnúcleosatômicoseliberandoenergia.GLÚONS Partícula elementar que transporta a força nuclear forte, umadasquatroforçasdanatureza(verbósons.)GRÁVITONS A unidade fundamental (ouquanta) da natureza que se supõetransportarforçagravitacional.HIPÓTESEDE GAIA A teoria que sugere que a Terra é um superorganismo, asoma de todos os organismos, capaz de modi icar e manter seu próprioambienteemníveisótimos. (EssesuperorganismoéGaia,adeusamãedaTerra.)INTERAÇÃOFRACAInteraçãonuclearresponsávelpeloprocessodedecaimentobeta.(Assimchamadaemcontrastecomainteraçãoforte,queébilhõesdevezesmaisforte.)LEP Grande Colisor Elétron Pósitron (inicias de “Large Electron PositronCollider”; acelerador localizado em Genebra, Suíça, e operado pelaOrganização Europeia de Pesquisa Nuclear (CERN); considerado omaiorinstrumentocientíficojamaisconstruído.LÉPTON“TAU”Omaispesadoléptonconhecido.LÉPTONS A subclasse das partículas elementares que não têm tamanhomensurável e não são afetadas pela força nuclear forte; compreende oselétrons,osmúons,ostaus,eseusrespectivosneutrinos.LUZ ULTRAVIOLETA Radiação eletromagnética de um comprimento de ondaligeiramentemaiscurtoqueodaluzvisível.MASSA Geralmente de inida como uma quantidade de matéria tal comodeterminadapeloseupesooupelasegunda leidomovimentodeNewton,atravésde forçanecessáriaparaproduzirumadadaaceleração. (Einsteindemonstrouqueamassaédefatoumaformamuitocompactadeenergia.)MASSACRÍTICAEm ísica,aquantidadedeumdadomaterial íssilnecessáriaparasustentarumareaçãoemcadeia.MATÉRIAAsubstânciaoumaterialdequequalquerobjetofísicoécomposto.MECÂNICA CLÁSSICA (mecânica newtoniana) Concepção da dinâmica teóricabaseada na ideia de que as partículas se deslocam em trajetórias

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precisamentedefiníveissegundoasleisdomovimentodeNewton.MECÂNICA QUÂNTICA A mecânica dos átomos, moléculas e outros sistemasísicos que estão sujeitos ao princípio de incerteza de Heisenberg e aoprincípioquânticodePlanck.(Expressãoequivalenteafísicaquântica).MÉSON K Partícula subatômica cuja massa é aproximadamenteintermediária entre a de um elétron e a de um próton. (Os mésons sãopartículaselementaresquetêmspinzero.)MODELOPADRÃO Em ísica,asteoriasouconjuntosdeequaçõesquea irmamque toda matéria no universo é feita de férmions (constituintes damatéria),bósons(transportadoresdeforça)eanti-matéria.MOLÉCULA A menor unidade ísica de um elemento ou componenteparticular;compostadeátomos.MÚONPartículasubatômicaelementarefêmeracomcargaelétricanegativa.(Osmúonssãoléptons.)NEUTRINO Partícula supostamente sem massa, eletricamente neutra;experimentasomenteinteraçõesfracas.NÚCLEOATÔMICOAmassapositivamentecarregadanointeriordeumátomo,compostadenêutronseprótons; respondepelamaior partedamassadeumátomomasocupaapenasumapequenafraçãodeseuvolume.NÚCLEONSOsconstituintesdeumnúcleoatômico;entreelesestãoprótonsenêutrons.PARTÍCULAALFA(raiosalfa)Umdostrêstiposderadiação(osoutrossendoosraios beta e os raios gama) descobertos nos primeiros estudos daradioatividadeporvoltade1900.PARTÍCULA ELEMENTAR Uma partícula subatômica vista como um constituinteirredutíveldamatéria(porvezeschamadapartículafundamental).PARTÍCULAVIRTUAL Partícula que vive apenas por curto tempo (restrito peloprincípiodeincerteza).(Asquatroforçasnanaturezasãotransmitidasviapartículasvirtuais.)PARTÍCULASW+,W-EZºPartículassubatômicasrecentementedescobertasquetransportamaforçanuclearfraca,queéresponsávelpelaradioatividadeeéumadasquatroforçasbásicasdanatureza;bósonsefêmeroscomgrandemassa (sua massa é cem vezes maior que a dos prótons e quase tãogrande quanto a de um átomo de prata) que se supõe terem sidoabundantesnosprimórdiosdouniverso.PÓSITRON Em ísica, partícula elementar que possui massa igual à de um

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elétronecargapositivaigualemmagnitudeàcarganegativadoelétron;aantipartículadoelétron.PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA Princípio, desenvolvido por Einstein em 1911,segundooqualosefeitosdeseestarsobaaçãodagravitaçãoedeseestarem um referencial acelerado são indistinguíveis; base da teoria geral darelatividadedeEinstein.PRINCÍPIODEINCERTEZAPrincípioquedeclaraserimpossívelmediraposiçãoeomomentodeumapartículaaomesmotempo.PRINCÍPIODE INÉRCIA A primeira lei domovimento deNewton— todo corpo(oumassa)persisteemumestadode repousooudemovimento retilíneouniformeamenosquecompelidoporforçaexternaamudaresseestado.PROBABILÍSTICOReferenteàprobabilidadedeocorrênciadeumevento.PRÓTONPartículacomgrandemassaecargaelétricapositiva,encontradanonúcleodosátomos;compõe-sededoisquarksupeumquarkdown.“QUANTA”Unidadesfundamentaisdeenergia(singular,quantum).QUARKPartículaelementar;apresenta-seemseistipos(sabores):up,down,charme,estranho,topebelo.RADIAÇÃOTodososmodoscomoaenergiapodeseremitidaporumátomo;incluiraiosX,raiosalfa,raiosgamaepartículasbeta.RADIAÇÃO DO CORPO NEGRO O espectro contínuo de radiação emitido por umcorpo que, quando frio, é um absorvedor perfeito de todos oscomprimentos de onda. (A conciliação do espectro observado com umafórmula teórica, operada por Max Planck em 1900, marcou o início dateoriaquântica.)RAIOS CÓSMICOS Partículas carregadas, em sua maioria prótons, vindas doespaçoexterior.RAIOS X Uma forma de radiação penetrante; ondas eletromagnéticas,semelhantesàluzmascomcomprimentosdeondamilharesdevezesmaiscurtos.REAÇÃOEMCADEIAFenômenoautossustentávelemquea issãodenúcleosdeuma geração de núcleos produz partículas que causam a issão de umnúmeropelomenosigualdenúcleosdageraçãoseguinte.RELATIVIDADE GERAL Leis da ísica formuladas por Einstein em que agravidadeédescritapelacurvaturadoespaço-tempo.SABOR Em ísica, termo usado para designar tipos de quark:up, down,charme,estranho,topebelo.

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SIMULTANEIDADEABSOLUTAConcepçãonewtonianadequedoiseventospodemocorrer ao mesmo tempo, independentemente da posição ou movimentorelativo dos observadores; substituído pela concepção einsteiniana dasimultaneidaderelativa.SIMULTANEIDADE RELATIVA Concepção de Einstein de que o tempo deocorrência de um evento é relativo à posição e ao movimento dosobservadores.SINCROTRONAceleradoremqueoscamposmagnéticoseasaceleraçõessãosincronizadasparamanterapartículanumraioparticular.SINGULARIDADE Um ponto no espaço-tempo em que sua curvatura se tornain inita; termo usado por ísicos ematemáticos para designar o ponto nouniverso em que as equações da teoria geral darelatividade de Einsteindeixam de vigorar; o instante do Big-Bang, quando toda a matéria douniversoestavacontidanumúnicoponto.SPIN Propriedade de uma partícula elementar; semelhante ao giro de umpiãoemrotação.TEMPO ABSOLUTO Concepção newtoniana do tempo como universal com anoção consensual da simultaneidade dos eventos, bem como do intervalodetempouniversalmenteaceitoentredoiseventos;refutadaporEinstein.TEORIA DAS CORDAS Teoria segundo a qual as partículas elementaresconsistemdeminúsculascordas.TEORIAS DA GRANDE UNIFICAÇÃO (GUTS) Teorias que tentam provar que asinteraçõesfortes,asinteraçõesfracaseasinteraçõeseletromagnéticassãodiferentes aspectos de uma única força fundamental. (A meta inal éincorporar a interação gravitacional nessas mesmas teorias todo-abrangentes.)UNIVERSOABERTOTeoriaoumodelocosmológicoemqueouniversocontinuaaseexpandirparasempre.UNIVERSO EM EXPANSÃO A ideia, proposta pela primeira vez pelo astrônomoamericano EdwinHubble em1929, de que as galáxias distantes estão seafastandodaTerra,eumasdasoutras,numataxaconstante.UNIVERSOFECHADOTeoria cosmológicaqueconcebeouniversoemexpansãocomo “fechado”oudestinadoapararde se expandir emalgummomentofuturo,oqueseriaseguidopelocolapsodetodasasgaláxiasnumaespéciede Big-Bang às avessas para depois se restaurar numa nova fase deexpansão.

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