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Robert ilpin O DESAFIO DO CAPITALISM GlOBAl ) Tradução de CLÓVIS MARQUES Revisão técnica MARTA SKINNER EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO SÃO PAULO 2004

GILPIN, Robert - A Seguda Grande Era Do Capitalismo (1)

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Robert ilpin

O DESAFIO DO CAPITALISM GlOBAl

) Tradução de CLÓVIS MARQUES

Revisão técnica MARTA SKINNER

EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO ~ SÃO PAULO

2004

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CAPÍTULO UM

A segunda grande era do capitalismo

Os americanos, o\.1tros cidadãos do mundo industrializado e mui­

tas pessoas em outros segmentos da economia internacional vivem

hoje na "segunda grande era do capitalismo global", para usar a

e)Cpressão do especialista financeiro e comentarista econômico

David D. Hale<O sistema econômico e político mundial passa por

sua mais profunda transformação desde o surgimento da econo­mia internacional nos séculos XVII e XVIII:,::o fim da Guerra Fria,

o colapso da União Soviética, a estagnação de um Japão no entanto

extremamente rico, a reunificação da Alemanha e seu conseq üente

ressurgimento como potência dominante da Europa Ocidental e a

ascensão da China e da Ásia do Pacífico influenciam praticamente

todos os aspectos das relações internacionais. Certas mudanças ini­

ciadas em décadas anteriores também se tornaram mais proeminen­

tes; entre estas tendências estão a revolução tecnológica associada

ao computador e à economia da informação e a redistribuição do

poder econômico do Ocidente ind ustrialízado para as economias

em rápida industrialização mas vulneráveis a críses da Ásia do Pací­

fico. A tendência mundial para maior dependência do mercado na

gestão dos negócios econômicos, assim como o chamado "recuo

do Estado", estão integrando as economias nacionais de todo o

mundo numa economia global de comércio e fluxos financeiros em

expansão. É entretanto a revolução demográfica que exercerá a longo

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30 ROBERT GILPiN

prazo a principal influência. O extraordinário declínio populacional

do mundo industrializado e o explosivo crescimento demográfico na China, na Índia, em outras regiões da Ásia e do mundo em de­senvolvimento continuarão a alterar significativamente a distribui­ção global do poder econômico e, naturalmente, militar.

Estas tendências têm importantes conseqüências nas vidas de todos nós. Haverá muitos vitoriosos à medida que o capitalismo

global remodela praticamente todos os aspectos das questões eco­nômicas internas e internacionais. E haverá também muitos derro­tados, pelo menos a curto prazo, à medida que a competição internacional se intensifica e as empresas e os trabalhadores per­dem nichos de segurança de que desfrutavam no passado. A globalização econômica apresenta ameaças e desafios ao bem-estar

dos povos de todo o mundo. Se os indivíduos e as sociedades qui­serem adaptar-se de maneira inteligente ao desafio do capitalismo

global, terão de entender as_ principais forças de tra:nsformação das relações econômicas e polítl'casinternacionais.

0 TRIUNFO DO LIBERALISMO ECONÔMICO

O fim da G1:1~~ra Fria em 1989 e o colapso da União Soviética em 1991 desencadearaffi··um debate internacional sobre a natureza da

"nova ordem mundial".'Após a desintegração do império soviético

na Europa Oriental e a subseqüente fragmentação da própria União Soviética, desencadearam-se as especulações sobre a transformação

do sistema internacional e a natureza dos equilíbrios mundiais após a Guerra Fria. Quando o desaparecimento da ameaça comunista deixou ós Estados Unidos como única verdadeira superpotência, muitos comentaristas acreditaram que os valores liberais america­nos de democracia, individualismo e livre mercado haviam triun­fado, e que o mundo estava no limiar de uma era de prosperidade, democracia e paz sem precedentes. Observadores mais pondera-

·-

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 31

dos argumentaram que a estabilidade bipolar do mundo no pós­

guerra estava sendo suplantada por um mundo caótico e multipolar de cinco ou mais potências principais, um mundo caracterizado por

novas formas de intensos conflitos étnicos, políticos e econômicos;

alguns chegavam inclusive a prever que o mundo poderia um dia

sentir saudades do~ tempos mais simples e previsíveis da bipolari­dade da Guerra Fria, aos quais o historiador John Lewis Gaddis

referiu-se como "a longa paz".3

Durante a maior parte da segunda metade do século XX, a

Guerra Fria e suas estruturas de alianças constituíam o arcabouço

no qual evoluía a economia mundial; agora esse arcabouço via-se

.... debilitado. Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e seus alia------,:>dos em geral subordinavam os conflitos potenciais dentro de sua

aliança aos interesses da cooperação política e de segurança. A ên­

fase nos interesses de segurança e na coesão da aliança criava/os la­

ços capazes de manter_Ja economia mundial em funcionam~;to e facTiit~~ ~cordas em tomo de divergências econômicas importan­

tes. Embora os Estados Unidos com efeito recorressem eventual­

mente, como acusavam muitos europeus e japoneses, a seu poderio

político para Qgter concessões econômicas dos diferentes parceiros de aliança, êi'es ___ com toda evidência também davam mais ênfase~,' seus interesses de segurança e à cooperação aliada do que a seus1

interesses econômicos imediatos. ,/

Com o fim da Guerra Fria, as prioridades nacionais mudaram

e os aliados ocidentais passaram a dar mais importância a seus pró­

prios interesses econômicos nacionais (e não raro paroquiais). A

mudança na política americana já se tornara evidente durante os

governos Reagan e Bush. A nova ênfase em preocupações mais

nacionalistas foi levada ainda mais longe no governo Clinton, que

deixou patente a mudança ao declarar que a seguranfa económica to­

mava agora o lugar da preocupação anterior com a seguranfa militar. 4

Os defensores da "geoeconomia" argumentavam que o conflito econômico tomara o lugar dos tradicionais interesses políticos e de

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32 ROBERT GILPIN

segurança. 5 A mudança nas atitudes e prioridades americanas ma­nifestou-se num crescente unilateralismo econômico e na ratifica­ção do Acordo de Livre Comércio da América do Norte. Outra manifestação significativa dessa mudança foi a adoção no início da década de 1990 de uma agressiva política comercial controlada ou

de "busca de resultados" em relação ao Japão. As prioridades da Europa Ocidental e do Japão também muda­

ram nos anos 90. Uma e outro passaram a mostrar-se menos dis­postos a seguir a liderança ameriçana, muito menos tolerantes com o desprezo americano por seus interesses econômicos e políticos e mais inclinados a enfatizar suas próprias prioridades nacionais. A Alemanha reunificada passou a dar mais importância a questões regionais européias e menos a sua aliança com os Estados Unidos,

começando a tomar a frente do processo de criação de uma Europa política e economicamente unida. O Japão redescobriu sua "asiati­cidade", passando a dar ênfase cada vez maior ao desenvolvimento de uma economia integrada na Ásia do Pacífico sob sua própria li­derança. Ao longo dos anos 90,L~~ precJCupações regioi:iai~ começa­ram a ganhar precedência sobre as questões norte-americanas, transatlânticas e transpacíficas.

Essas mudanças nas prioridades nacionais e nas políticas exter­

nas têm ramificações extraordinariamente importantes para o fu-1 turo da economia mundial. Desde a Segunda Guerra Mundial, as"\

1

l bases fundamentais da economia internacional, com seus merca- J

dos livres e a liberalização do comércio, vinham sendo a liderança \

" internacional americana e a disposição da Europa Ocidental e do} \.Japão de segui-la. Na década de 1990, no entanto, a era mais prós­

pera e economicamente bem-sucedida da história mundial via-se ameaçada por mudanças. A estreita cooperação das décadas anterio­res afrouxara, e podiam ser graves as conseqüências negativas para

a paz e a prosperidade mundiais. A turbulência econômica mundial dos últimos anos do século deixa claro que existem sérias ameaças à saúde e à estabilidade de· uma economia global liberal.

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 33

_ ...... ;)> O calcanhar-de-aquiles da ordem mundial liberal posterior à · Guerra Fria é a incompreensão em relação ao liberalismo econô".".

mico, ao funcion·a·rnento. do ~istema de merc~do e à maneira como

o capitàhsmO eria riquez~O áspero debate em torno do Acordo de rivrê.Coméré::io da América do Norte (Nafta), por exemplo, reve­

lou que muitos cidadãos americanos e mesmo certos executivos de

negócios muito bem-sucedidos não entenderam os fundamentos

da liberalização do comércio. Os argumentos dos economistas de

que os mercados abertos são extremamente benéficos e de que a

proteção comercial pode ser altamente onerosa são freqüentemente sobrepujados pqr êq~Í~~·~~~-pbpularmente aceitas e exigências

egoístas de proteÇãcrcontrã importações "baratas" e parceiros co­

merciais "injustos".

Os próprios economistas têm de assumir em parte a responsa­

bilidade por esses equívocos. São muitos os economistas america­

nos que se limitam a continuar escrevendo suas teses não raro

incompreensíveis, indiferentes ao debate público em tomo de ques­

tões cruciais de política econômica. Uma notável exceção a esta

atitude de distanciamento é encontrada em Globaphobia (1998), no

qual Gaty Burtless e seus colegas recorrem à análise econômica

convencional de maneira compreensível para rebater críticas estri­

dentes e infundadas à globalização. 6 Se os cidadãos comuns não

forem capazes de compreender melhor o funcionamento da eco­

nomia de mercado, assim como suas vantagens e fraquezas, a or­

dem econômica liberal continuará ameaçada.

A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA

Desde o início da década de 1980, as questões econômicas e a eco­

nomia global tornaram-se mais decisivas para as relações econômi­

cas e políticas internacionais do que em qualquer outro período desde o fim do século XIX Muitos obs~rvadores têm assinalado a

·'

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34 ROBERT GILPIN

profundidade da mudança de um mundo dominado pelo Estado

para um mundo dominado pelo mercado. A maior importância do

mercado, refletida no aumento do fluxo internacional de bens, ca­

pitais e serviços, tem sido estimulada pela diminuição dos custos

dos transportes e das comunicações, o colapso das economias de

gestão centralizada e a crescente influência de uma ideologia con­

servadora baseada na adoção dé orie~tações gerais de política eco_;­

nômica. 1Este ressurgimento do mercado resulta na realidade num

retorno à' era de crescente globalização dos mercados, da produção

e das finanças anterior à Primeira Guerra Mundial.

Na virada do século, as questões decorrentes da globalização eco­

nômica desafiam as sociedades nacionais e a comunidade internacio­

nal. Imediatamente após o fim da Guerra Fria, praticamente todos os

economistas, empresários e dirigentes políticos dos países industriali­

zados ou em processo de industrialização esperavam que a globalização

econômica levasse a um mundo caracterizado por economias abertas

e prósperas, democracia política e cooperação internacional. À medida

que avançava a década de 1990, entretanto, e especialmente em reação

à turbulência econômica global posterior a 1997, surgiu uma forte re­

ação negativa à globalização, tanto nos países desenvolvidos quando

nos menos desenvolvidos. A rejeição da globalização e de suas alegadas

conseqüências negativas tomou-se particularmente.ruidosa nos Esta-

//dos Unidos, na Europa Ocidental e em certas economias em processo 'I

\ de industrialização. A globalização tem sido culpada por tudo e mais

\ alguma coisa, da crescente desigualdade das rendas aos níveis cronica­

\ mente altos de desemprego e até à opressão das m;ulheres, levando seus

críticos a defenderem de panacéias como o protecionismo comercial,

os acordos regionais fechados e seve.ras restrições à migração. Pode­

mos ter como certo que o sistema econômico e político internacional

será fortemente afetado pelo maior êxito ou fracasso dos defensores e

opositores da globalização.

De acordo com a "tese da globalização", uma mudança quantita­

tiva verificou-se nas questões humanas à medida que o fluxo de gran-

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 35

des quantidades de comércio, investimento e tecnologias através das

fronteiras nacionais adquiriu proporções inéditas. As atividades po­líticas, econômicas e sociais adquiriram alcance mundial, e as inte­rações entre os Estados e sociedades intensificaram-se em muitas

frentes. À medida que se ampliam e aprofundam os processos integradores, alguns observadores acreditam que os mercados foram­se tomando ou estão em processo de tomar-se o mais importante

mecanismo de determinação das questões tanto internas quanto in­ternacionais. Numa economia global altamente integrada, o Estado­

nação tomou-se para alguns anacrônico, estando em posição de recuo. Uma economia capitalista global caracterizada por comércio irrestrito,

fluxos de investimento e atividades internacionais de empresas multinacionais beneficiará igualmente a ricos e pobres.

Outros no entanto enfatizam os aspectos alegadamente negati­vos da globalização econômica, entre eles o aumento das desigualda­des de renda no interior das nações e entre elas, níveis cronicamente elevados de desemprego na Europa Ocidental e em outras regiões e sobretudo as conseqüências devastadoras dos fluxos financeiros desregulados. Segundo esses críticos, as sociedades nacionais estão sendo integradas a um sistema econômico global e fustigadas por forças econômicas e tecnológicas sobre as quais têm muito pouco controle. Para eles, os problemas econômicos globais do fim dos anos 90 demonstram que os custos da globalização são muito maio­res que suas vantagens.

Embora a palavra "globalização" seja hoje empregada ampla­mente, a globalização econômica acarretou poucas mudanças-cha­ve no comércio, nas finanças e nos investimentos diretos estrangeiros por parte das corporações multinacionais. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o comércio internacional expandiu­se muito, tornando-se um fator muito mais importante tanto nas questões econômicas internas quanto nas internacionais. Enquan­to o volume do comércio internacional aumentou apenas 0,5% por ano entre 1913 e 1948, no período de 1948 a 1973 cresceu a um

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ritmo anual de 7%.7 Como evidenéia o gráfico 1.1, o comércio in­ternacional cresceu muito mais rapidamente que a produção eco­nómica global. No período pós-guerra, o comércio aumentou de 7% para 21 % da renda mundial total. O valor do comércio mundial aumentou de US$ 57 bilhões em 1947 para US$ 6 trilhões na dé­cada de 1990. Além da grande expansão do comércio de mercado­rias (bens), o comércio de serviços (bancários, de informação etc.)

J i 1 E

l 1

l ampliou-se significativamente nas décadas recentes. Com esta imen- i sa expansão do comércio mundial, a competição internacional tam- l bém aumentou muito. Embora os consumidores e os setores de l exportação em cada país se beneficiem com a maior abertura, mui- ~ tos empreendimentos se vêem competindo com empresas estran- ~· geiras que aumentaram grandemente sua eficiência. Na década de J 1990, a competição comercial tomou-se ainda mais intensa por ter ~

E

um número crescente de economias em processo de industriali- t: f

zação passado de uma estratégia de crescimento baseada na substi- Í tuição de importações para outra calcada nas exportações. Seja como\. [ for, os principais concorrentes da maioria das empresas totalmente) ~

I

americanas são outras empresas americanas. /

Existem certas tendências subjacentes à expansão do comércio global. Desde a Segunda Guerra Mundial, as barreiras comerciais têm recuado consideravelmente em virtude de sucessivas rodadas de negociações internacionais. 8 Ao longo do último meio século, por exemplo, os níveis médios de tarifas sobre produtos importa­

dos nos Estados Unidos e em outros países industrializados caiu de cerca de 40% para apenas 6%, e as barreiras ao comércio de ser­viços também diminuíram. Além disso, desde o fim da década de 1970 a desregulamentação e a privatização abriram ainda mais as economias nacionais às import.ações. Os avanços tecnológicos nas comunicações e no transporte reduziram custos, estimulando con­sideravelmente a expansão do comércio. Valendo-se dessas mudan­ças econômicas e tecnológicas, é cada vez maior o número de empresas que expandem seus horizontes para os mercados

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 37

internacionais. Apesar dessas tendênGias,~ maior parte das trocas . "

comerciais é efetuada entre as:,~rês principais)~conomias industriais avançadas - Estados Unidos,-.Eürop;f-Ocidental e Japão - e al­

guns mercados emergentes no Leste Asiático, na América Latina e em outras regiões. A maior parte do mundo menos desenvolvido yê-se excluída, à exceção de exportadores de alimentos e matérias­primas. Estima-se por exemplo que os países africanos ao sul do Saara tenham respondido por apenas cerca de 1 % do comércio mundial na década de 1990.

lndice: 1960=100 700

600

500

400

300

200

100

... -··

Comércio

;/ ,.,,........ _ .....

Produção

1960 1964 1968 1972 1976 1980 1984 1988 1992

Gr4fico 1.1 Crescimento da produção e do comércio mundiais.

O comércio expandiu-se com muito maior rapidez que a produção,

sobretudo a partir do início da década de 1970.

Fonte: U.S. Council of Economic Advisors.

' ,

Desde meados dos anos 70, a suspensão de controles de capi­tal, a criação de novos instrumentos financeiros e os avanços tec­nológicos nas comunicações têm contribuído para um sistemafi-

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nanceiro internacional muito mais intensivamente integrado. O volume

de trocas de divisas (compra e venda de moedas nacionais) no fim dos

anos 90 foi de aproximadamente US$ 1,5 trilhão por dia, aumento

de oito vezes em relação a 1986; em contrapartida, o volume global de

exportações (bens e serviços) em todo o ano de 1997 foi de US$ 6,6

trilhões, ou US$ 25 bilhões por dia! Além disso, o total de capitais para

investimento em busca de remuneração mais alta aumentou enorme­

mente; em meados dos anos 90, os fundos mútuos, os fundos de pensão

e similares totalizaram US$ 20 trilhões, dez vezes mais que em·1980.

Por outro lado, a importância desses investimentos gigantescos é em

muito ampliada pelo fato de que os investimentos estrangeiros são cada vez mais feitos com fundos emprestados. Finalmente, os derivativos

ou valores mobiliários lastreados em outros valores mobiliários desem­

penham um papel decisivo nas finanças internacionais. Avaliados em

US$ 360 trilhões (mais que o valor de toda a economia global), eles

contribuíram para a complexidade e a instabilidade das finanças inter­

nacionais. É evidente que as finanças internacionais exercem um pro­

fundo impacto na economia global.

Esta revolução financeira vem ligando estreitamente as econo­

mias nacionais, aumentando significativamente a quantidade de

capital disponível para os países em desenvolvimento e, no caso dos

mercados emergentes do Leste Asiático, acelerando o desenvolvi­

mento econômico. Como, entretanto, grande parte desses fluxos

financeiros é de curto prazo, altamente volátil e especulativo, as fi­

nanças internacionais tornaram-se o aspecto mais vulnerável e ins­

tável da economia capitalista global. A gigantesca escala, velocidade

e natureza especulativa dos movimentos financeiros através das

fronteiras nacionais tornou os governos mais vulneráveis às mu­

danças bruscas nesses movimentos. Os governos podem assim tor­

nar-se facilmente presas de especuladores com divisas, como

aconteceu na crise financeira européia de 1992 (que levou a Grã­

Bretanha a se retirar do Mecanismo de Indexação Cambial), no

arrasador colapso do peso mexicano em 1994-1995 e na devastado-

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------ IDE ---- Exportações

3.500~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

3.000~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~-1-

I I

3.500

3.000

2.500 ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~+-~2.500 I

/

2.000 " ..... r / 'I I

2.000

I /

1.500 ------------------------r.:_ ____ ..:::_ ___ -..J.~ 1.500

1.000 ,

,.. - -.. / ' 500

o 1970 1975 1980 1985 1990

Gr4fico 1.2 Tendências da globalização: fluxos de comércio e investimento (1970 = 100).

Fonte: Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

1.000

500

o 1995

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40 ROBERT GILPIN

ra crise financeira dó fim da década de 1990 no Leste Asiático. En­quanto para alguns a globalização financeira exemplifica o saudável e benéfico triunfo do capitalismo global, para outros o sistema fi­nanceiro internacional parece "fora de controle" e carente de maior regulamentação.

A palavra "globalização" passou a ser usada popularmente na se­gunda metade dos anos 80, concomitantemente ao gigantesco au­mento dos investimentos diretos estrangeiros (IDEs) por parte das corporações multinacionais (CMNs). Como demonstra o gráfico 1.2, o IDE expandiu-se significativamente no fim da década de 1980, aumentando com muito maior rapidez que o comércio e a produção econômica mundiais. Na maior parte dos anos 90, os fluxos de IDE dos principais países industrializados para os países em processo de industrialização aumentaram cerca de 15% ao ano; os fluxos de IDE entre os próprios países industrializados aumentaram aproximada­mente no mesmo percentual. No fim dos anos 90, o valor cumulati­vo dos IDEs chega a centenas de bilhões de dólares. A maior parte desses investimentos foi carreada para setores de alta tecnologia, como · o automobilístico e o da tecnologia da informação.

Estas observações gerais ocultam no entanto aspectos rele­vantes das atividades relacionadas aos IDEs e às CMN s. Não obstante as insistentes referências à globalização corporativa, os IDEs estão na realidade altamente concentrados e distribuídos muito desigualmente pelo mundo. A maior parte dos IDEs é direcionada para os Estados Unidos, a China e a Europa Ociden­tal porque as empresas são atraídas para mercados grandes ou potencialmente grandes. Com algumas poucas exceções, os IDEs têm sido modestos nos países menos desenvolvidos. À parte os /

-· direcionados a alguns poucos países latino-americanos, especial­mente nos setores automobilísticos do Brasil e do México, a maio­ria dos IDEs que os países em desenvolvimento demandam voltam-se para os mercados emergentes do Leste e do Sudeste Asiáticos, particularmente a China. Quando se fala de globalização corporativa, são poucos os países efetivamente envolvidos.

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 41

Apesar da natureza limitada da globalização corporativa, as corporações multinacionais (CMNs) e o IDE são fatores muito importantes da economia global. A crescente importância das CMNs alterou profundame?te a estrutura e o funcionamento da economia global. Estas empresas gigantescas e suas estratégias glo­bais tornaram-se vetores determinantes dos fluxos comerciais e da

1localização das indústrias e de outras atividades em todo o mundo.· /A maior parte dos investimentos é em setores intensiyos de capital \ e de tecnologia. Essas empresas tornaram-se\pecisiva~-·,ha expansão.· · \dos fluxos tecnológicos tanto para as economias erii!ndustrializa­

ção quanto para as industrializadas. Em co~seqüência, as empresas multinacionais tornaram-se extremamente importantes na deter­minação do bem-estar econômico, político e social de muitos paí­ses. Controlando a maior parte dos capitais de investimento, da tecnologia e do acesso aos mercados globais em todo o mundo, essas empresas tornaram-se atores centrais não apenas nas questões eco­nômicas internacionais quanto nas políticas, o que em muítos paí­ses levou a uma reação.

--;>: A globalização econômica tem sido estimulada por acontecimen­tos políticos, econômicos e tecnológicos. A contração do tempo e do espaço pelos avanços nas comunicações e nos transportes reduziu muito os custos do comércio, ao passo que tanto as economias em processo de industrialização quanto as industrializadas, em grande parte sob liderança americana, tomaram certas iniciativas para dimi­nuir as barreiras comerciais e de investimentos. Oito rodadas de ne­

gociações comerciais multilaterais no contexto do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATI), o principal fórum da liberalização do comércio, contribuíram para diminuir significativamente as barrei­ras comerciais. Desde meados dos anos 80, os países em desenvolvi­mento da América Latina, da Ásia do Pacífico e de outras regiões empreenderam importantes reformas para reduzir suas barreiras comerciais, financeiras e outras no terreno econômico. É cada vez maior o número de empresas que adotam estratégias econômicas globais para tirar vantagem dessas tendências.

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A eliminação dos controles de capital e o movimento em direção \

a um sistema financeiro global, paralelamente à remoção das barrei- f ras aos investimentos estrangeiros, também contribuíram para ace- f lerar o movimento rumo à integração tanto global quanto regional 1 dos serviços e da manufatura. Tanto nas economias em industriali- \

zação quanto nas industrializadas, a disseminação das idéias pró- t

mercado influenciou fortemente as políticas econômicas, no sentido ! de reduzir o papel do Estado na economia. O colapso da economia l soviética centralizada, o fracasso da estratégia de substituição de im- 1 portações do Terceiro Mundo e a convicção cada vez maior nos Es- f tados Unidos e nas demais economias industrializadas de que o Estado J previdenciário tornou-se um sério obstáculo ao crescimento econô­

mico e à competitividade internacional estimularam a aceitação dos

mercados sem restrições como solução para os problemas econômi­

cos da sociedade moderna. Reformas generalizadas levaram à desregulamentação, à privatização e à abertura das economias nacio­

nais. Na última parte da década de 1990, o debate sobre os custos e beneficias da globalização econômica tomou-se dos mais ásperos. /

Enquanto isto, a maior abertura das economias nacionais, o cres­

cente número de exportadores· de bens manufaturados, o aumento

mais rápido do comércio do que do crescimento do produto econô­

mico global e a internacionalização dos serviços intensificaram mui­

to a competição econômica internacional. O aumento da proporção

da produção mundial comercializada nos mercados internacionais

veio acompanhado de uma significativa mudança nos padrões do co­

mércio mundial. Muitos países menos desenvolvidos (PMDs) pas­

saram da exportação de alimentos e commodities para a exportação de

bens manufaturados e até mesmo serviços. Como demonstra o grá­fico 1.3, desde 1965 a participação das economias em desenvolvimento

no comércio mundial aumentou consideravelmente. Os bens ma­

nufaturados começaram a responder por uma proporção cada vez maior do comércio desses PMDs, ao mesmo tempo em que os Esta­dos Unidos e outras economias industriais avançadas passavam das

";,

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 43

exportações de manufaturados para a exportação de serviços. Esta reestruturação de toda a economia global é economicamente onero­sa e politicamente difícil, produzindo não só muitos vencedores como

muitos perdedores.

1965

África Asia em desenvol­vimento

Europa Oriental

1980

Europa Oriental

América Latina

Europa Oriental

Gráfico 1.3 Divisão do comércio mundial. A participação de países

asiáticos em desenvolvimento no comércio internacional aumentou muito

desde 1980, dando maior peso global aos países em desenvolvimento no

comércio mundial. Europa Oriental inclui a (antiga) URSS.

Fonte: U. S. Council ofEconomic Advisors.

A intensificação da competição global em produção, especial­

mente produtos de alta tecnologia, resultou em maior preocupa­

ção nas economias avançadas com a competitividade internacional,

especialmente no que diz respeito a manufaturas dos países em

processo de industrialização onde são baixos os salários. O presti­gioso Fórum Econômico Mundial refletiu tais preocupações ao

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44 ROBERT GILPIN

proclamar em meados dos anos 90 que a competição dos países em processo de industrialização estava causando a desindustrialização

das economias avançadas. Tais preocupações foram agravadas à medida que aumentava o número de países da Ásia do Pacífico

empenhados em exportar para superar seus problemas econômi­cos; em conseqüência, aumentou também o número de grupos e líderes das economias avançadas preocupados com esta competi­ção e declarando-a injusta. Alguns chegam a expressar o temor de que seus próprios padrões de vida possam ser reduzidos ao nível do da China. Muitos acreditam que a maior competição por parte

dos países em industrialização no mínimo aumentou a inseguran­ça trabalhista, o desemprego e a desigualdade de rendas; o aumen­

to dessas preocupações intensificou por sua vez as pressões em favor do protecionismo comercial e do regionalismo econômico.

A maior abertura da economia mundial, a emergência de no­vas potências industriais e o desaquecimento econômico global têm contribuído para uma substancial capacidade produtiva ex­cedente em certos setores industriais. Um exemplo digno de nota

é a fabricação de automóveis, que há muito era considerada, ao

lado das linhas aéreas nacionais, um atributo necessário de qual­

quer nação soberana, além de fonte de salários altos para os traba­

lhadores. Os Estados Unidos, o Japão, muitos países europeus e alguns países em processo de industrialização contam com im­portantes indústrias automotivas. É evidente que muitas dessas

empresas precisam fundir-se ou até mesmo acabar por fechar as portas, pois o fornecimento global de automóveis supera a deman­

da real; dentre as cerca de dezoito grandes empresas automotivas

do mundo, é provável que apenas umas sete mais ou menos ve­nham a sobreviver.

A sobrecapacidade global em alguns setores econômicos le­

vou certos observadores a afirmar que a economia mundial está sofrendo de indigestão de bens manufaturados, ou o que os mar­xistas denominam "subconsumo"; muitos sustentam, por isto, que

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 45

o capitalismo global encontra-se numa crise sistêmica que exige reformas estruturais profundas. 9 É verdade que a globalização

tornou necessárias a racionalização e a eliminação da capacidade · excedente no setor automobilístico e em muitos outros setores

econômicos. Os ajustes serão dolorosos e conduzirão a um gran­de número de trabalhadores demitidos, especialmente os de bai­

xa ou média especialização, que podem ter dificuldades para encontrar empregos de igual remuneração. Como argumentou

Paul Krugman, no entanto, grande parte do problema dos "exce­dentes" deve-se ao medo exagerado da inflação em países como o

Japão e a Alemanha, onde os bancos centrais dão mais prioridade à estabilidade de preços do que ao crescimento econômico. 10

Novas políticas econômicas expansionistas reduziriam significa­tivamente os excedentes. Além disso, como aconteceu no passa­

do, o problema da capacidade excedente em determinados setores se resolverá por si mesmo à medida que a oferta seja reduzida para

equilibrar-se com a demanda. Mas até que o problema seja re­

solvido, apresentará graves problemas políticos adicionais para os governos nacionais e a economia mundial.

Embora haja consenso quanto à maior importância do merca­

do e da globalização, é intensa a controvérsia sobre o papel dos fa­tores econômicos na determinação das questões econômicas

internacionais e a probabilidade de que a cooperação leve a melhor

;::'>sobre o conflito. Simplificando um pouco, duas escolas de pensa­

mento a este respeito podem ser distinguidas nas obras publicadas

nos Estados Unidos e em outros países. Referir-me-ei a uma delas

como a escola "voltada para o mercado", por sua ênfase nos merca­

dos livres e seu compromisso com o comércio e sobretudo com uma diminuição significativa do papel do Ehado na economia. A outra tendência é mais diversifiçada, mas à falta de melhor deno­

minação chamá-la-ei,"revisionista''i por sua ênfase no conflito eco­nômico, na proteção comercial e no papel fundamental do Estado na economia. 11

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46 ROBERT GILPIN

A posição voltada para o mercado baseia-se nas teorias e nas propostas da economia política, sustentando que, enquanto no pas­sado recente as políticas dos Estados mais poderosos e das institui­ções internacionais desempenharam o papel dominante na organização e no funcionamento da economia internacional, no

século XXI os mercados livres e as forças econômicas determina­rão cada vez mais as relações econômicas internacionais. A derro­

cada do comunismo, a crescente integração dos mercados nacionais e o fracasso das políticas econômicas voltadas sobre si mesmas nos países menos desenvolvidos resultaram numa mudança global para políticas voltadas para o mercado, como o livre comércio e o cres­cimento da matriz exportadora, assim como numa drástica redu­

ção do P.apel do Estado na economia. Como observou a revista londrina Economist, desde o colapso do comunismo é universal o consenso de que não existe uma alternativa séria ao capitalismo de livre mercado como maneira de organizar as relações econômicas.

>·- Muitos àrgumentam também que o mundo move-se na dire­ção de uma economia global sem fronteiras políticas e altamente interdependente, a qual fomentará a prosperidade, a cooperação internacional e a paz mundial. Segundo este ponto de vista, com o retorno triunfal do livre mercado e dos ideais do laissez-faire do sé­culo XIX as corporações globais assumirão a liderança na organi-

. zação da produção internacional e na maximização da riqueza global. Um corolário desta posição é que o sistema econômico e político americano tornou-se o modelo para o mundo. Além disso, os Es­tados Unidos, como única verdadeira superpotência, liderarão o resto do mundo. A política econômica global haverá de centrar-se no multilateralismo econômico e no fortalecimento das regras e instituições internacionais criadas no sistema de Bretton Woods. A liderança americana e um sistema de Bretton Woods reformado facilitarão a continuidade da cooperação entre as potências econô­micas dominantes, assegurando o bom funcionamento da econo­mia global.

1 t i l

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 47

(os ~rÍÚcos-re~isionístas da ~lobaliz~çã~ prevêem u1?'1 m.undo carattenzado por intenso conflito econom1co tanto a mvel inter­

no quanto internacionalJAcreditando que uma economia mun-L

afaf aberta inevitavelmente produzirá mais perdedores que

ganhadores, os revisionistas argumentam que a liberação das for­

ças de mercado e outras forças econômicas pode resultar numa

imensa luta entre nações, classes econômicas e grupos poderosos.

Os adeptqs geoeconomicistas·desta posição acreditam (para­

fraseando ~-e-strategista alemão Karl von Clausewitz) que a com­

petição econômica internacional, particularmente no setor

manufatureiro, é a continuação da política externa por outros

meios. Muitos sustentam que esta luta global pela participação de

mercado e a supremacia tecnológica será encarnada em blocos

econômicos em competição e dominados por alguma das três prin­

cipais potências econômicas, e que a União Européia sob liderança

alemã, o bloco norte-americano liderado pelos EUA e o bloco da

Ásia do Pacífico sob liderança japonesa disputarão a ascendência

econômica e política.

Esta posição tendentô ao pessimismo afirma que o choque en­

tre o comunismo e o capitalismo foi substituído pelo conflito entre

formas rivais de capitalismo e de sistemas sociais representadas em

blocos econômicos regionais. Num provocativo artigo publicado

em 1991, por exemplo, Samuel P. Huntíngton argumentava que,

com o fim da Guerra Fria, o Japão tornara-se uma "ameaça de se­

gurança" aos Estados Unidos. 12 Posteriormente, em escritos ainda

mais provocativas, Huntington asseverou que os conflitos

intracivilizatórios dominarão a política mundial através do século

XXI. 13 Certos observadores, refletindo sobre os trágicos aconteci­

mentos na antiga Iugoslávia e na antiga União Soviética na década

de 1990, sustentam que uma era de intensos conflitos étnicos e

nacionalistas foi desencadeada no mundo. Num mundo ainda di­

vidido por ambições nacionais rivais, no qual os fatores econômi­cos determinam na realidade o destino das nações, muitos são

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48 ROBERT GILPIN

levados à conclusão de que as relações econômicas internacionais tornar-se-ão cada vez mais conflituosas.

TECNOLOGIA, ECONOMIA DA INFORMAÇÃO E SERVIÇOS

O fim da Guerra Fria e ~ globalização econômica coincidiram com uma nova revolução ind.ustrial. O computador e o advento da eco­

nomia da informação, da Internet ou do conhecimento estão trans­formando quase todos os aspectos das relações econômicas, políticas e sociais. Alguns analistas chegam a sustentar que o reconhecimento

pelos dirigentes soviéticos de que a União Soviética estava sendo

deixada para trás pelo Japão e o Ocidente nessas tecnologias foi uma

causa indireta de sua malfadada decisão de reformar a atrasada eco-- nomia soviética. Reconhecendo a importância da economia da in-

. formação, certos acadêmicos criaram ambiciosas teorias voltadas para a previsão da trajetória das relações sociais no século que co­

meça.14 Embora essas teorias contenham conclusões interessantes,

as conseqüências a longo prazo do computador e da economia da informação não poderão ficar claras ainda por muitas décadas.

A maioria dos observadores acredita que a economia da infor­

mação e a força da informática vêm dando à economia mundial um

ímpeto semelhante ao produzido pela energia a vapor, a energia

elétrica e a energia petrolífera no passado. Desde meados do século

XVIII, sempre que o estímulo proporcionado por uma transforma­ção industrial se esgota, outra revolução tecnológica passa a impul­sionar a economia mundial rumo a um novo patamar. Quando a

revolução industrial baseada na energia a vapor começou a perder impulso nas últimas décadas do século XIX, o vapor foi substituí­do pelo petróleo e a energia elétrica. O ímpeto proporcionado pela

era do petróleo desapareceu nas últimas décadas do século XX, e o índice de crescimento econômico e de produtividade declinou, es­pecialmente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Com a

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 49

transição das economias da era do petróleo para a era da informa-

. ção, sustentam alguns que esta recente mudança criou um novo

modelo econômico baseado no computador, na globalização eco­

nômica e na reestruturação das corporações, e que é este o substrato

do notável sucesso da economia americana na década de 1990.

/ Os economistas estão pr.ofunda~ente divididos quanto à que_s-

/

tão de saber se o poder da mformat1ca representa uma revoluçao

tecnológica da mesma escala que o vapor, o petróleo e a energia

\elétrica. Alguns argumentam que é difícil obter provas convincen-

tes de que os computadores aceleraram significativamente os índi­

ces de crescimento econômico e de produtividade. Sustentam

também que o poder da informática não transformou o conjunto

da economia na mesma escala que a energia a vapor ou elétrica trans­

formou cada aspecto das relações econômicas e sociais. Apesar do

investimento pesado em computadores e tecnologias correlatas, os

computadores e seus elementos periféricos ainda representam um

percentual muito pequeno do estoque líquido de capital fixo não­

residencial. Um número cada vez maior de economistas acredita

entretanto que os investimentos em computadores e tecnologias da

informação começam a ter um impacto importante na produtivi­

dade e nas relações econômicas em geral. Corroborando esta posi­

ção, o historiador econômico Paul David observou que o impacto

a longo prazo da informática e da economia da informação não

poderá ser avaliado com precisão antes de bem avançado o século

XXI. Afinal, como lembra David, foram necessários quase quaren­

ta anos, do início da década de 1880 até a de 1920, para que a

comercialização da eletricidade afetasse o crescimento econômico

e a mudança social em grau apreciável. A solução desta questão tam­

bém é extremamente árdua, pois é muito dificil mensurar o cresci­

mento da produtividade, especialmente no setor de serviços, que

hoje abarca 70% da economia americana.

Se a economia da informação não resultar em aumentos signi­

ficativos de produtividade, é improvável que haja aumentos regu-

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50 ROBERT GILPIN

lares e sustentados nos índices de desenvolvimento econôm1co nos países industriais avançados. Nos Estados Unidos, os aumentos relativamente baixos de produtividade depois do início da década de 1970 levaram à estagnação dos salários. Tem sido intenso o de­

bate sobre a possibilidade ou não de que um aumento significativo do índice geral de crescimento da produtividade americana tenha t efetivamente ocorrido na década de 1990. Na Europa Ocidental, a 1

,-diminuição do índice de produtividade contribuiu para o desaque- l:•.

, :r cimento das economias. A prevalência dessas condições de ambos l : os lados do Atlântico alimentou as forças do protecionismo comer- (

cial e levou muitos a acreditar que a economia da informática e da informação é antés a causa que a solução de seus problemas econô­micos. Este medo tem sido agravado pelas crescentes preocupações com a concorrência das economias da Ásia do Pacífico, com suas gigantescas forças de trabalho disciplinadas e sustentadas com salá­rios baixos. Muitos trabalhadores ocidentais, tanto os de produção quanto os administrativos, acreditam que se viram apanhados en­tre uma demanda comprimida de seu trabalho, por causa do uso generalizado do computador, e uma oferta ampliada de trabalha­dores em todo o mundo, devida à entrada da China e de outras economias do Leste Asiático para a economia mundial.

Tenha ou não havido uma verdadeira revolução tecnológica decorrente do poder da informática, as mudanças tecnológicas vêm tendo um impacto significativo na economia mundial; são particu­larmente importantes as seguintes mudanças: 15

1. Maior índice de inovafão tecnológica. Tem-se verificado uma avalanche de inovações científicas e tecnológicas em uma ampla gama de campos, como a biotecnologia, a microeletrônica, as telecomu­nicações e novos materiais. Produziu-se mais conhecimento novo nos últimos trinta anos do que nos cinco mil anteriores. Deter­minados fatores parecem especialmente responsáveis pela ace­leração do desenvolvimento tecnoló~co. Os progressos signifi-

1 t t t

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 51

cativos obtidos na ciência básica ·e o custo muito reduzido da manipulação do conhecimento devido ao uso de computadores são fatores importantes. O custo do armazenamento e transmis­são do conhecimento caiu a um índice de cerca de 20% ao ano durante quarenta anos; o declínio dos custos energéticos associa­do à Revolução Industrial foi de apenas 50% durante um período de trinta anos. A maior competição internacional entre as gran­des potências estimulou a inovação científica e tecnológica, e a aceleração no índice de mudança tecnológica transformou a tecnologia no fator mais crucial do crescimento econômico e da competitividade internacional.

2. Ampla possibilidade de aplicação de novas tecnologias. As tecnologias inovadoras, especialmente em computação e eletrônica, são im­portantes para toda uma série de processos económicos e outras atividades em muitos setores da economia. O controle de pro­cessos, a automação e o processamento automático de dados es­tão revolucionando tanto a manufatura quanto os serviços em todas as economias industriais; e em todas essas áreas a deman­da de trabalho de baixa ou nenhuma qualificação diminuiu.

3. Ciclos mais curtos de vida dos processos e produtos. Os ciclos de vida tecnológicos tanto dos produtos quanto dos processos de pro­dução foram drasticamente reduzidos; ou seja, decorre menos tempo entre a inovação representada por um novo processo ou produto, a comercialização desse produto e a difusão da tecnologia para concorrentes tanto internos quanto no exterior. Esta condensação do tempo levou por sua vez à maiôr internacionalização das inovações tecnológicas e a novas estraté­gias de competição, como as alianças estratégicas e tecnológicas expandidas entre as corporações multinacionais de muitos países.

Embora o avanço tecnológico tenha naturalmente implicações para as relações econômicas internas e internacionais, a natureza e a importância de tais implicações são extremamente controver-

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52 ROBERT GILPIN i: Í'

tidas. Alguns críticos da tecnologia afirmam que o avanço i tecnológico rápido vem exercendo um impacto devastador nos i países altamente industrializados. Alguns neoluditas sustentam .1:·.·.:.·:·:·•

que a velocidade dos progressos tecnológicos contemporâneos levará ao desemprego tecnológico em massa e ao "fim do traba­lho''. Em resposta a esses receios, por outro lado, a maioria dos l economistas americanos argumenta que eles se baseiam na idéia i

i equivocada de que se os empregos de uma economia são assumi- i·

~ dos por máquinas, haverá menos empregos para os homens. Os w

economistas sustentam, pelo contrário, que o progresso tecno- ' lógico tem significado e continuará significando novos e melho- ~

res empregos para todos. l: Estreitamente relacionada à ascensão da economia da informa- 1·:··.

ção, a drástica e cada vez mais rápida mudança da produção para os ~.·

serviços (finanças, programas de computação, varejo etc.) provoca l.

o receio de desemprego tecnológico em massa. Esta fundamental l transformação vem ocorrendo paralelamente à queda dos níveis de i emprego no setor de produção e ao rápido aumento da participa- t ção dos serviços na economia; mudança semelhante no emprego 1.·.·.·

verificou-se no fim do século XIX, com a mudança de uma econo~ t ~~

mia baseada na agricultura para uma economia baseada na indús- r i

tria. Enquanto o setor manufatureiro representava 27% do PNB f;

americano em 1960, em 1998 seu percentual caíra para 15%. Esta J. r.

mudança não significa necessariamente "desindustrialização" da ~.

economia, e sim que o mesmo volume de bens manufaturados pode 1 ~

ser produzido com uma força de trabalho menor e mais produtiva. f r Os Estados Unidos e o Canadá assumiram a liderança nesta passa- f

gem de uma economia man ufatureira para uma economia de ser­viços, com quase três quartos de suas forças de trabalho nos serviços no fim do século; o Japão e a Alemanha ficam bem atrás. Nos Esta­dos Unidos, o "downsizing " e a "reengenharia" das corporações iniciados na década de 1980 foi pelo menos parcialmente uma con­seqüência dessa decisiva mudança.

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 53

A mudança da economia manufatureira par~ a de serviços tem

sido uma experiência traumatizante para os Estados·Unidos; e de­

verá sê-lo ainda mais para o Japão e a Europa Ocidental, tendo em

vista os elementos de rigidez de suas economias e instituições.

Embora no fim dos anos 80 muitos críticos denunciassem a eco­nomia de serviços como uma economia de "supérfluos", estaca-

;racterização constitui uma distorção. Seja como for, a atual mudança

/ para os serviços aumentou muito a insegurança trabalhista de mui­

"\ tos americanos, muitos dos quais estarão perdendo posições bem

remuneradas de linha de montagem ou gerência de nível médio.

Essas tendências vêm fragmentando a força de trabalho americana

e farão o mesmo em outras economias industrializadas. Por outro

lado, a ascensão da economia de serviços, em grande parte impul­

sionada pela revolução da informação, aumentou a demanda por

educação e capacitação, elevando os salários oferecidos, ao mesmo

tempo em que diminuía a demanda e os salários de trabalhadores

de baixa ou nenhuma qualificação. Trabalhar ou não com compu­

tador tornou-se o mais importante fator determinante do salário.

Um corolário disto é que os Estados Unidos e as demais economias

industrializadas estão importando e continuarão a importar cada vez

mais bens manufaturados das economias em processo de industria­lização e funcionando com salários baixos no Leste Asiático e em

outras partes do mundo. E muito embora os Estados Unidos dis­

ponham de um gigantesco superávit comercial em serviços, o cres­

cente recurso à importação de manufaturados deu origem a uma

polêmica altamente emocional quanto ao impacto da globalização

no bem-estar do trabalhador americano.

-,. 0 DESLOCAMENTO GLOBAL DO PODER ECONÔMICO ---·-··-/"''

Também importante na transformação da economia mundial tem

sido a redistribuição da indústria das economias industrializadas

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54 ROBERT GILPIN

mais antigas - Estados Unidos, Europa Ocidental e em menor medida o Japão - para o Ásia do Pacífico, a América Latina e ou-tras economias em processo de industrialização. Embora esses mer­

cados emergentes venham enfrentando problemas econômicos

graves desde 1997, seus "fundamentos" econômicos, especialmen­

te no Leste Asiático, são sólidos; eles dispõem de índices elevados

de poupança e investimentos, assim como de excelentes forças de

trabalho, e um dia se haverão de recuperar. Embora os Estados Uni­dos e as demais economias industrializadas ainda detenham uma parte preponderante da riqueza e da indústria globais, o fato é que têm declinado em termos relativos (não absolutos), enquanto as eco­nomias em processo de industrialização, especialmente a China,

vêm ganhando importância econômica ao longo do período do pós­guerra. O impacto da crise econômica da Ásia do Pacífico sobre a

economia global como um todo evidencia claramente a magnitude

da mudança que ocorreu.

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i Nas décadas imediatamente posteriores à Segunda Guerra

Mundial, os dirigentes políticos e os intelectuais dos países menos f '" desenvolvidos (PMDs) acusaram os países capitalistas desenvolvi- f

dos de "imperialistas" e "exploradores". A teoria da dependência _, responsabilizava pela pobreza e o subdesenvolvimento dos PMDs

as políticas das economias capitalistas dominantes e as corporações multinacionais. Na tentativa de acabar com a dependência dos paí­ses desenvolvidos, muitos PMDs, especialmente na América Lati­

na, fecharam seus mercados ao mundo exterior e encetaram estratégias nacionalistas de substituição de importações para setor­narem auto-suficientes. Seus esforços para acabar com o controle

_,.da economia mundial por parte dos países desenvolvidos chegaram

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ao auge no meado da década de 1970, com a malograda tentativa de uma coalizão de PMDs de criar uma Nova Ordem Econômica In­ternacional (NOEI). Pela altura da década de 1980, a tentativa ha­via fracassado; um número significativo de PMDs vergava ao peso de enormes dívidas, seus governos tentavam administrar déficits t ,,

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 55

orçamentários impossíveis de administrar e suas economias eram corroídas por índices altos de inflação que desestimulavam as ativi­dades econômicas produtivas e o investimento estrangeiro.

Pelo início dos anos 90, entretanto, a situação de certo número de PMDs havia mais uma vez mudado drasticamente. A crise da

dívida da maioria desses países cedera. Muitos haviam desistido de

dar prioridade à estratégia de substituição de importações, ao mes­

mo tempo aplicando ·amplas políticas de ajuste estrutural para re­formar e fortalecer suas economias. Entre as reformas voltadas para o mercado estavam a adoção de políticas fiscais sadias, a desregu­

lamentação e uma drástica redução do papel do Estado na econo­mia. Seguindo o exemplo de mercados emergentes da Ásia do

Pacífico, outros países começaram a abrir suas economias ao mun­do exterior e a adotar estratégias de crescimento baseadas na expor­

tação. A mudança então verificada em sua situação econômica fez a

unidade política dos PMDs desintegrar-se em agrupamentos regio­nais como a Associação dos Países do Sudeste Asiático (Asean) e alianças baseadas em interesses econômicos, como a dos exporta­dores agrícolas do grupo de Cairns. 16 A maioria dos PMDs, entretanto, não conseguiu reformar-se e adaptar-se às mudanças da economia global.

A partir do início da década de 1960;\ como podemos ver no gráfico 1.4, os Quatro Tigres do-Leste Asiático (Hong Kong, Cingapura, Coréia do Sul e Formosa), crescendo a um índice anual

de 6%, superaram o resto do mundo. Outros países do Leste e do Sudeste Asiáticos, como a Malásia, a Tailândia e a Indonésia, tam­

bém têm crescido rapidamente. A mudança mais significativa no equilíbrio internacional do poder econômico tem sido a industria­

lização da Ásia do Pacífico e especialmente da China, que, depen­

dendo do mecanismo de avaliação empregado, tomou-se a segunda

ou a terceira maior economia do mundo. Algumas economias em processo de industrialização na Ásia do Pacífico desenvolveram ou estão desenvolvendo indústrias automobilísticas, eletrônicas e em

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56 ROBERT GILPIN

outros setores avançados (em áreas como aço e química) que se estão

tornando altamente competitivas nos mercados mundiais.

2~.~ m.-il-ha_r_es_d_e_dó-la-re_s_11_9_87_(_es_c_a1_a _de_p_rº_P_ºr-çã_o_) -------------1 Hong.~,: . .-< :·········I··'·····:.· 10,0

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1960 1964 1968 1972 1976 1980 1984 1988 1992

Gr4fuc 1.4 PNB per capita nos "Quatro Tigres". Desde 1960, o PNB real em cada um dos "quatro tigres" aumentou mais de 6% ao ano.

Fonte: U. S. Council ofEconomic Advisors.

Embora haja divergências quanto aos limites geográficos da re­

gião, é evidente que uma economia própria da Ásia do Pacífico,

englobando o Nordeste Asiático, o Sudeste Asiático e o Sul da

China, começou a tomar forma no fim da década de 1980, quando

esta vasta região tornou-se a área economicamente mais dinâmica

do mundo e importante exportadora de produtos industriais_:~-~e alta tecnologia. Até a crise financeira de 1997, o\sucesso econômidp

da Ásia do Pacífico foi, com efeito, impressionante. Durante os trin'ta

anos anteriores à crise financeira do Leste Asiático, os níveis de renda

per capita se haviam multiplicado por dez na Coréia do Sul, por cin­

co na Tailândia e por quatro na Malásia. A renda per capita em Hong

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 57

Kong e Cingapura ultrapassou a de certos países industrializados

do Ocidente. No anos 80 e no início dos 90, a China experimentou um índice

de crescimento econômico e industrialização acelerados, tornando-se

o mais importante membro do grupo de economias em rápido pro­

cesso de industrialização. As economias cada vez mais.imbricada~A?-. China, de Hong Kong e de Formosa (vale dizer, a "Graµ~e China") tornaram-se uma forç!l econômica importante na região. Antes de

/ 1850, a:.Çhina e a Índiâ'!eram as maiores economias do mundo, e com ·Tu_:;ãt~~Eridice de crescimento econômico a China muito provavel­

mente voltará a ocupar esta posição de destaque em algum momen­

to do século XXI. Se esta previsão se concretizar, outros países da

região e do resto do mundo terão de proceder a gigantescos reajustes

para se adaptar a semelhante mudança no poder econômico. É igual~ mente significativo, ou ainda mais, que a capacidade militar chinesa

venha aumentando, e que, com o declínio da importância militar da

Rússia no Leste Asiático, a China tenha surgido como uma potência

econômica e militar forte e imprevisível. A possibilidade de que a

China possa ou não dar continuidade a seu rápido crescimento e as escolhas que fará à medida que expande seu poderio econômico e

militar são fatores de importância crucial para o Leste Asiático em

particular, mas também para o mundo em geral.

,.,~ ... ~ A relação entre a Ásia do Pacífico e o Ocidente, principalmente · , os Estados Unidos e a Europa Ocidental, é uma questão importan­

te e polêmica a ser enfrentada pela comunidade internacional. Para

muitos líderes políticos e empresariais ocidentais, a ascensão eco­

nômica e a crescente afluência do Leste Asiático representam uma

oportunidade econômica inédita. No momento em que os negócios

ocidentais contemplam este gigantesco mercado em crescimento,

vem-nos à lembrança o ditado do fim do século XIX segundo o qual

se cada chinês tornasse sua vestimenta uma polegada mais longa, as fiações de Manchester, na Inglaterra, viveriam em eterna bonança. Para os críticos da crescente globalização do mundo, a industriali-

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58 ROBERT GILPIN

zação da Ásia do Pacífico e de outras economias em desenvolvimen-

to ameaça redundar numa "chinesação" dos padrões de vida oci­

dentais. Muitos americanos e europeus acreditam que a competição

de centenas de milhões de trabalhadores chineses, indianos e me­

xicanos mal remunerados é que vem forçando a queda dos salários 1

americanos e provocando desemprego na Europa Ocidental. É algo i~ que lembra o "Perigo Amarelo" invocado pelo kaiser Guilherme. f

l Entretanto, não é inevitável que as hipóteses otimistas nem que as

previsões funestas se concretizem.

Embora a maioria dos economistas descarte tais temores, fri­sando que mudanças semelhantes ocorreram no passado sempre-

judicar sobremaneira as economias mais desenvolvidas, os críticos

da globalização temem que várias características ímpares e bastante

inquietantes das ascensão industrial da Ásia do Pacífico e de outras

economias em desenvolvimento tenham tornado esta situação par­

ticularmente ameaçadora: (1) Pelos padrões históricos, a difusão da

indústria das economias industrializadas para as economias em pro­

cesso de industrialização ocorreu com extrema rapidez. Além dis-

so, não apenas as indústrias tradicionais vêm migrando para as

economias em processo de industrialização como muitas das

tecnologias avançadas (como a eletrônica e outras indústrias de so­

fisticação tecnológica) das quais se tornou dependente a pujança

econômica do Ocidente passaram a se transferir para o Sul, inten­

sificando a concorrência. (2) Os avanços tecnológicos em transpor­

tes e comunicação facilitaram a transferência de técnicas de

manufatura das economias industrializadas para as economias em

processo de industrialização. O papel desempenhado pelas empre­

sas multinacionais ocidentais e japonesas tem sido um sério objeto

de polêmica nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e mesmo

no Japão; os críticos sustentam que as estratégias globais dessas

empresas aceleraram a difusão de tecnologias sofisticadas, pois elas

tentavam aumentar sua competitividade internacional mediante a

associação de mão-de-obra barata no Sul e as mais avançadas técni-

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 59

cas de manufatura do Norte. (3) O desafio lançado às economias industrializadas mais antigas por esta mudança nos processos de manufatura foi agravado pelo alcance do problema. Com o fim da Guerra Fria e a crescente integração da economia mundial, bilhões de trabalhadores de baixos salários entraram repentinamente para a rede mundial do trabalho. Nunca antes se havia verificado algo de magnitude equivalente. Esses trabalhadores dispõem-se inclu­sive a renunciar aos onerosos benefícios previdenciários e padrões de saúde exigidos pelos trabalhadores ocidentais.

Em vez de aceitar o pessimismo do "declínio do Ocidente" e do "choque de civilizações", a maioria dos economistas america­nos rejeita a tese rediviva do "perigo amarelo". Num artigo polê­mico, Paul Krugman chegou a descartar a idéia de que a ascensão industrial da Ásia do Pacífico constitua uma ameaça ao Ocidente. 17

O êxito dessas economias deveu-se à rápida mobilização de capital e trabalho, não representando um aumento significativo dos níveis nacionais de produtividade. A incapacidade dessas economias de elevar significativamente seus níveis de produtividade, escreveu ele, significa que seu êxito econômico é localizado no tempo (como o da União Soviética após a Segunda Guerra Mundial). À medida que essas economias esgotam o trabalho e o capital disponíveis, seu cres­cimento econômico cede. Por outro lado, Krugman reconhece que o gigantesco contingente de trabalho da China deve produzir um alto índice de crescimento econômico por muitas décadas.

A industrialização extraordinariamente rápida da Ásia do Pací­fico e a repentina emergência de muitos países como exportadores de peso forçou a moderna economia mundial a enfrentar, pela quinta vez, problemas causados por uma considerável redistribuição na balança internacional de poderio e competitividade econômicos. Os casos anteriores foram a súbita emergência da Grã-Bretanha no início do século X.IX, após a Revolução Industrial e as Guerras Napoleônicas; a não menos súbita emergência da Alemanha unificada, e subseqüentemente dos Estados Unidos, como gran-

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60 ROBERT GILPIN

des economias exportadoras industriais no fim do século XIX e no início do século XX; e a inédita expansão exportadora do Japão nas

décadas de 1970 e 1980. Com alterações tão profundas no poderio ,._:··.:· ... : .. econômico e na competitividade internacional, as tensões econô-micas e políticas aumentam consideravelmente; buscam-se bodes f expiatórios e vêm à tona acusações de "práticas comerciais injus- f tas". No fim do século XX, a ascensão econômica da China e de outras economias da Ásia do Pacífico veio repetir esse padrão já conhecido.

A.REVOLUÇÃO DEMOGRÁFICA

A longo prazo, o acontecimento mais importante no sentido da transformação da economia mundial pode ser considerado a revo­lução demográfica na.qual dois fatos distintos vêm alterando a distri­buição populacional no mundo. Por um lado, todo país industria­lizado vem experimentando um recuo de seu crescimento po­pulacional e envelhecendo com rapidez. Nem um só país da Europa Ocidental produz crianças suficientemente para manter índices aúteriores de crescimento populacional; e embora os Estados Uni­dos, com seu grande influxo de imigrantes, tenha ostentado um índice favorável de crescimento populacional, também este tem diminuído. O Japão prepara-se inclusive para sofrer um declínio populacional em termos absolutos no início do século XXI. Por outro lado, a população da maior parte do resto do mundo conti­

nua a explodir. As economias em processo de industrialização, por exemplo, experimentam uma expansão demográfica maciça. Entre 1~50 e 1998, a população do mundo em desenvolvimento aumen­tou 3 bilhões (de 1,7 bilhão para 4,7 bilhões); esta população deve­rá chegar a 6,8 bilhões até 2025! A esta altura, a Cliina deverá ter uma população de cerca de 1,5 bilhão, e a população da Índia pode­rá ter chegado a 2 bilhões de pessoas em algum momento do sécu-

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 61

lo XXI. Um crescimento populacional menos dramático mas não menos impressionante caracterizará outras economias em desen­volvimento. Esta mudança demográfica necessariamente terá um profundo impacto nas relações econômicas e políticas globais.

O crescimento populacional inédito em economias empo­

brecidas e menos desenvolvidas constitui um desafio gigantesco. Problemas de saúde, degradação ambiental e instabilidade política devastarão muitas sociedades, e se não virem possibilidades de

melhorar sua situação numa economia global orientada para o mercado elas certamente desenvolverão armas para destruí-la. A comunidade internacional deve ajudar esses países a se tornarem parte integrante da economia global e fazer o que estiver a seu al­

cance para elevar o padrão de vida de bilhões de destituídos. O desenvolvimento econômico dos países desfavorecidos exigirá gi­gantescas transferências de capital e tecnologia, além da manuten­ção de mercados globais para suas exportações. Entretanto, o êxito do desenvolvimento de economi~s até então atrasadas também criará novos desafios para as próprias economias industrializadas.

· O crescimento populacional leva à urbanização, e a urbaniza­ção tem estado associada ao longo da história a grandes aumentos na produtividade total dos fatores de uma economia. Isto sign] fica que, não obstante os custos elevados da urbanização, a produtivi­dade de uma economia geralmente aumenta substancialmente à medida que crescem os centros urbanos. O declínio populacional, por sua vez, está associado a índices mais lentos de crescimento da produtividade; e, naturalmente, o envelhecimento de uma popula- 1

ção acarreta um fardo cada vez maior em termos de custos médicos · i e de aposentadoria. Como o índice de crescimento da produtivida-de determina a riqueza e o poderio de uma sociedade, podemos prever que ao longo do século XXI ocorrerá uma profunda mu-dança dá distribuição global da riqueza e do poder, das potências industriais mais antigas para as mais novas. A preocupação com esta mudança já parece influenciar as políticas do Japão, da Europa

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62 ROBERT GILPIN

Ocidental e em menor grau dos Estados Unidos. Um exemplo:

reforçar a posição dos povos europeus numa economia global cada

vez mais competitiva é um objetivo não declarado do movimento

rumo a uma Europa unida.

0 DESAFIO DO REGIONALISMO ECONÔMICO

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Desde meados da década de 1980, o movimento em direção ao re- 1.,.

gionalismo econômico tornou-se uma característica essencial da i:

economia global, exercendoull1 grande impacto em sua modela- 1.··:·· ..

gem. Este "n;oyo regionalismo,, '(para usar a expressão de Jagdish f

Bhagvvati) difere sob asp-ectos fundamentais do movimento regio­

nal anterior das décadas de 1950 e 1960, tendo um significado muito

maior para a economia global; o único sobrevivente do movimen-

to regional anterior é a Comunidade Econômica Européia, ou, como

é atualmente chamada, a União Européi~. O novo movimento pela

integração regional tem sido q:iase universal, em geral bem-suce­dido, e aumentou consideravelmente a integração das atividades

econômicas no contexto de acordos regionais específicos. Uma parte

considerável do comércio mundial ocorre no interior desses agru­

pamentos regionais. Todas as grandes economias, com algumas

exceções como a China, o Japão e a Rússia, são membros de um

bloco econômico regional. Este novo regionalismo tem implicações

importantes para a economia global.

O novo regionalismo foi iniciado pelo Ato Único Europeu

(1986); este Ato estimulou outros esforços regionais através do mundo, especialmente nos Estados Unidos. Em resposta à relutân­

cia européia a aderir à Rodada Uruguai de negociações comerciais

patrocinada pelos Estados Unidos, à crescente preocupação ameri­

cana com uma auto-suficiência européia e à impaciência com a len­

tidão das negociações do GATT, os Estados Unidos decidiram promover um Acordo de Livre Comércio da América do Norte

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 63

(Nafta). Por sua vez a própria Rodada Uruguai (1986-1993), lenta e arrastada, também terá contribuído para a disseminação dos acor­dos comerciais regionais. Muitos países, temendo que a Rodada não chegasse a bom termo, aderiram a acertos regionais, e os acordos comerciais regionais (ARCs) proliferaram na década de 1980. Pelo fim dos anos 90, estavam em vigor cerca de uma centena de acor­

dos regionais, muitos dos quais negociados naquela mesma década.

Todos os países-membros da Organização Mundial do Comércio,

com as exceções do Japão, de Hong Kong e da Coréia, participa­vam de um ou mais acertos regionais formais.

Cada passo em direção à integração européia elevará barreiras alfandegárias para os não-membros e suscitará uma reação ameri­

cana em forma de novas negociações comerciais multilaterais no contexto do GATT. As Rodadas Dillon (1960-1961) e Kennedy

(1963-1967) diminuíram consideravelmente barreiras criadas pelo surgimento da Comunidade Econômica Européia (Mercado Co­

mum), e a Rodada Tóquio (1973-1979) foi uma resposta à primei­ra ampliação da CEE. Quando ficou evidente que o Ato Único

/Europeu de 1986 criaria um mercado europeu ocidental unificado 1\ e possivelmente fechado e os europeus resistiram, a uma nova ro-l dada de negociações comerciais, os Estados Unidos começaram a

! apoiar o desenvolvimento de um Acordo de Livre Comércio da

\ { América do Norte (Nafta). E na Ásia do Pacífico, em grande parte \ em resposta a desdobramentos regionais na Europa e na América "

\ do Norte, o Japão intensificou seus próprios esforços para criar uma : economia regional sob sua liderança. Na América Latina, a Argen­tina e o Brasil deram início em 1991 a um bloco regional sul-ame­ricano (Mercosul).

À medida que aumentava o número de países em desenvolvi­mento que liberalizavam suas economias para alcançar maior eficiência e abandonavam as estratégias de substituição de impor­tações, também eles começaram a se dar conta das vantagens de acordos regionais capazes de promover economias de escala para

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64 ROBERT GILPIN

suas indústrias e de proporcionar algum equilíbrio à regionalização

na Europa e naAmérica do Norte. O movimento em constante ex­

pansão para um regionalismo econômico pode ser considerado uma

resposta ao que os cientistas políticos chamam de "dilema de segu­

rança", no qual cada movimento regional tenta valorizar sua pró-

'. pria posição competitiva face às outras regiões. O novo regionalismo tem promovido a integração regional tanto

dos serviços (finanças, empresas baseadas na informação etc.) quanto

da produção. Enquanto anteriormente o regionalismo ocorria ba­

sicamente na forma de liberalização do comércio através de uniões alfandegárias ou zona·s de livre comércio, a regionalização da déca­

da de 1990 veio acompanhada de integração financeira, manufa­

tureira e outras formas de integração econômica. Agrupamentos

corporativos e outras redes de produção regional lideradas por

empresas multinacionais foram criados na Europa, na América do

Norte e na Ásia do Pacífico. Desse modo, o regionalismo teve um

impacto cada vez maior em questões econômicas nacionais, regio­

nais e internacionais. Tanto as forças de mercado quanto as políticas

governamentais têm levado à regionalização da economia mundial,

fazendo com que certos observadores temam que a economia mun­

dial venha a se fragmentar em blocos rivais centrados nas três eco­nomias dominantes.

Embora não exista uma explicação única para o regionalismo

econômico, cada movimento regional tem envolvido considerações

tanto políticas quanto econômicas, diferindo sua importância rela­tiva de região para região. Enquanto o movimento para a integração

européia tem sido motivado basicamente por considerações políti­

cas, a motivação do regionalismo norte-americano é de caráter mais

misto, e o regionalismo da Ásia do Pacífico vem sendo movido prin­

cipalmente, mas não exclusivamente, por considerações de merca­

do. A realização de objetivos políticos, entre eles o fim da rivalidade franco-alemã e a criação de uma entidade política para promover a posição internacional da Europa, tem sido de importância vital na

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 65

integração européia. A criação da ãrea norte-americana de livre co­mércio refletiu a integração natural das três economias pelas forças de mercado, mas motivações políticas como o fortalecimento da

América do Norte face à Europa Ocidental e a redução da migra­ção ilegal mexicana para os Estados Unidos também tiveram um

papel. E na Ásia do Pacífico, muito embora as forças de mercado

tenham sido o fator mais importante de integração das economias regionais, as considerações de ordem política e iniciativas japone­

sas específicas de política econômica também desempenharam um

papel importante.

Todo acerto regional representa a convergência de esforços de Estados individuais para promover tanto seus objetivos econômi-

- :?ºse políticos nacionais quanto os coletivos. O regionalismo econô­mico tem constituído uma resposta dos Estados-nação a problemas

políticos comuns e a uma economia global altamente inter­dependente. À medida que a economia internacional foi-se tornando

cada vez mais estreitamente integrada, os agrupamentos regionais

de Estados aumentaram sua cooperação para fortalecer sua auto­

nomia, melhorar seu poder de barganha e promover outros objeti­vos político-econômicos. Na realidade, a regionalização serve antes i para incorporar preocupações e ambições nacion~is·do que para\

1 proporcionar uma alternativa a um sistema internacional centrado t 1 ,/'// i...."nos Estados. -

As grandes potências incorporaram o regionalismo econômico

às estratégias de que se servem para aumentar seus próprios ganhos relativos e proteger-se de ameaças externas a seu bem-estar econô­

mico e a sua segurança nacional ao mesmo tempo em que compar­

tilham os benefícios de uma economia global em expansão.~ Isto

reflete a crença de dirigentes políticos e econômicos de que a c~m­petição econômica tomou-se um dosfocos centrais da política inter­

nacional. Além disso, a competição econômica internacional requer a disponibilidade de grandes mercados internos que permitam às empresas nacionais alcançar a esfera de uma economia de escala.

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66 ROBERT GILPIN

Para sobreviver e prosperar num mundo incerto e em rápida trans­

formação, os Estados e grupos de Estados tratam de adaptar-se ao

ambiente económico, tecnológico e político, exatamente c~mo fi-,_ .' .. zeram muitas vezes no passado. Os Estados reagiram a uma

' .~..-1'"

' globalização intensamente competitiva e ameaçadora formando ou

ampliando alianças e acertos econômicos regionais sob a liderança r, ..

de uma ou mais potências económicas. ,: O objetivo do Tratado da União Européia, ou Tratado de i

Maastricht (1991), foi criar urna União Européia política e econo- 1 micamente unificada que pudesse ombrear-se economicamente Í

l com o Japão e os Estados Unidos. Os Estados Unidos, o México e f

~ o Canadá ratificaram o Nafta para criar uma forte economia norte-

1

• americana integrada e talvez em algum momento a de todo o he- ..

misfério ocidental. Na Ásia do Pacífico, o Japão também tentou ~­fortalecer sua posição global criando uma economia reoional. Estes t três movimentos em direção à integração regional e as r:l&ações entre t·

eles terão um profundo impacto na natureza e na estrutura da eco- t ~

nomia global. f

No início d6 séculoX:XI, a solução das tensões entre a 1 globalização econômica e a regionalização econômica adquiriu

importância decisiva para a saúde da economia mundial. Os eco­

nomistas americanos costumam pensar que o globalismo econô­

mico acabará triunfando sobre o regionalismo, e argumentam que

desde a Segunda Guerra Mundial verifica-se um movimento linear irreversível em direção à interdependência global. Acredita-se que

forças econômicas e tecnológicas inexoráveis impulsionam as eco­

nomias do mundo para níveis cada vez mais elevados de integração,

sendo os movimentos de integração regional encarados como ele­

mentos constitutivos na construção de uma economia global maior

e sem fronteiras. Este processo geral de integração e globalização econômicas é eventualmente impedido por forças irracionais, quan­do interesses paroquiais ameaçados pelas forças da integração eco­nômica recorrem a paixões nacionalistas e recebem proteção.

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 67

Entretanto, há quem argumente que com o tempo a lógica ineren­te da eficiência econômica prevalecerá, e os países continuarão a mo­

ver-se na direção de uma crescente globalização. Como afirmou C. Fred Bergsten, embora quase todos os países tenham em algum

momento tentado resistir às pressões do mercado internacional, tais

movimentos só podem ter êxito parcial e por um breve período. 18

Desse modo, por mais que tentem, as nações e as regiões não po­

dem escapar às forças inexoráveis da unificação global.

,.--~--·.:=:; .• Contemplando um horizonte diferente, uma minoria de eco~ fiomistas e muitos outros observadores acreditam que o fim da

Guerra Fria e a intensificação da competição econômica global sig­

nificam que a economia internacional continuará a se fragmentar

em blocos econômicos regionais centrados nas potências econômi­

cas dominantes. Além disso, na medida em que têm motivações

tanto políticas quanto econômicas, os acertos regionais tendem

ser influenciados por pressões protecionistas. Há quem sustente,

por outro lado, que acordos regionais como o Nafta e a União

Européia têm a capacidade de explorar sua força de mercado e es­

tabelecer uma política comercial estratégica ou de tarifas ideais, desse

modo aumentando os benefícios do comércio para seus próprios

membros, em detrimento de não-membros. Além disso, os acordos políticos e distributivos que têm sido providenciados para tornar

politicamente possível um acordo regional não podem ser facilmen­

te desfeitos. No caso do Nafta, os benefícios obtidos pelos fabri­

cantes de automóveis e de autopeças americanos, mexicanos e

canadenses significam que o mercado norte-americano desses se­

tores dificilmenté será aberto ao livre comércio num futuro próxi­

mo. Com efeito, muitos observadores consideram um mundo

regionalizado a única alternativa realista aos riscos do nacionalis­

mo econômico e do protecionismo comercial. Num mundo em que prevalecem antes as rivalidades nacionais, a competição oligopolista e a intervenção estatal do que os mercados livres e abertos, a liberalização global do comércio não pode ir mais longe.

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68 ROBERT .GILPIN

Uma terceira posição, com a qual me identifico, sustenta que .- um processo dialético vem ocorrendo na economia mundial. Não

existe um processo linear, no qual as forças da integração econômi-

/\. ca global acabarão por triunfar sobre o nacionaliSJ1!()_ e_conômico e o regionalismo econômico, mas o mundo dificilment~ se fragmen­tará em blocos regionais. Os adeptos desta pos!çã~ esperam que o globalismo econômico e o regionalismo econômico venham a se revelar complementares. Estas tendências aparentemente contra­ditórias na realidade refletem, como afirmou um estudioso, um mundo em que os Estados se prevalecem de acertos regionais na tentativa de controlar o que não conseguiram controlar no nível nacional nem·-no. multilateral. 19 Tal como no passado, os Estados­nação adaptam-se novamente a um ambiente econômico, tecno­lógico e político em rápida transformação através de vários esforços para sobreviver e prospe~àr.

ADMINISTRANDO A ECONOM!A GLOBAL

A tarefa de gerir a economia internacional tornou-se mais impor­tante e mais difícil com a globalização e a turbulência econômica do fim da década de 1990. A crescente integração do mundo por poderosas forças econômicas e tecnológicas levou um número cada vez maior de observadores a considerar que a economia mundial l tornou-se instável e ficou mesmo fora de controle. Um exemplo l extremo mas representativo dessa preocupação pôde ser encontra- f do em artigo publicado no New York Tiines Magazine, em 1998, por J um ex-funcionário do Tesouro dos Estados Unidos, afirmando que E

os mercados se transformaram na principal autoridade internacio­nal; são ainda mais poderosos do que a força militar e a influência política, e podem, investindo contra um país, provocar mudanças outrora inconcebíveis.20 Embora acreditasse que a globalização pode estimular a disseminação da democracia, o autor deste artigo, Robert

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 69

C. Altman, advertia que um aspecto recente e assustador da globalização foi revelado na crise financeira do Leste Asiático. Embora possamos discordar da caracterização das boas e más con­seqüências da globalização feita por Altman, devemos concordar com sua afirmação contundente mas acertada de que a integração da economia mundial ocorreu muito mais rapidamente que o de­senvolvimento de uma capacidade de gerir as novas forças econô­micas e tecnológicas. Por outro lado, como afirmou Paul Krugman,

·muitos desses problemas, senão a maioria, decorrem do fato de que aeconomia mundial está apenas parcialmente integrada~ vale dizer,

do fato de a integração econômica ter tomado pronunciadamente a frente da integração política.

Na Conferência de Bretton Woods, foram estabelecidas regras internacionais (chamadas pelos especialistas de "regimes interna­cionais") para governar o comércio e as relações monetárias. Em­bora o sistema tenha funcionado eficazmente durante as primeiras décadas do pós-guerra, a gestão foi-se tornando cada vez mais di­ficil à medida que a globalização aumentava a integração das eco­nomias nacionais e o regionalismo econômico começava a fragmentar a economia mundial na década de 1980. O governo

da economia global tornou-se ainda mais difícil com o recuo da ·liderança americana, a atrofia da aliança anti-soviética e a crescente

preocupação dos cidadãos dos países industrializados com as con­seqüências da intensificação da competição econômica para os empregos e salários.

d:1 Existiram na realidade apenas duas eras de governança eficaz da. economia mundial, que foram as duas eras de maior prosperi­

dade da história. Aprimeira ocorreu nas décadas imediatamente anteriores à Primeira Guerra Mundial; o início da guerra pôs fim a esta época notável. Após as desastrosas décadas de 1920 e 1930, a

~~egunda era de prosperidade econômica em expansão seguiu-se ; imediatamente à Segunda Guerra Mundial. Esta era de crescimen­

to econômico muito rápido (pelo menos para os Estados Unidos e

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70 ROBERT GILPIN

a Europa Ocidental) chegou ao fim com a estagflação dos anos 70 e nãopôàe ser retomada, não obstante os "bons tempos" vividos pelos Estados Unidos na década de 1990. Esses dois períodos de cresci­mento econôrnico ímpar acompanhado de estabilidade mterna­cional caracterizaram-se pela convergência entre os interesses da

potência dominante e as exigências de criação e manutenção de uma

economia mundi~l liberal. A Grã-Bretanha, na primeira dessas duas

eras, e os Estados Unidos na segunda quiseram e foram capazes de utilizar seu poderio e seu exemplo para proporcionar uma eficaz governança da economia mundial. Entretanto, as circunstâncias

envolvendo os reinados dessas duas potências econômicas domi- l nantes, ou hegemônicas, foram muito diferentes. t

A missão de governar a economia mundial nas décadas anterio- l res à Primeira Guerra Mundial era modesta porque o propósito da I atividade econômica era modesto. As notáveis décadas do início dos { anos 1880 até 1914 foram o ponto culminante do livre comércio e [ do laissez-faire econômico; o livre mercado e a globalização econô- ~

mica lograram realizações que não têm paralelo antes ou depois. ': Os britânicos optaram pela liberalização do comércio ao rechaçarem f

as Leis do Milho (1846) e promoverem posteriormente o livreco- f mércio através de uma série de tratados bilaterais. O sistema mone-tário internacional, baseado no clássico padrão ouro, proporcionava estabilidade monetária e de preços. Como a maioria dos outros países também se integrava ao padrão ouro, o Banco da Inglaterra pôde estimular a economia mundial mediante o rebaixamento ou o aumento das taxas de juros. O crescimento econômico, o empre­go e os investimentos em todo o mundo aumentavam ou dimi­nuíam em reação a decisões tomadas pela "Velha Senhora de Threadneedle Street" (o Banco da Inglaterra), e enormes expor­tações de capital britânico contribuíram muito para o desen­volvimento e a unificação da economia mundial. Acreditava-se que leis econômicas objetivas além do alcance dos governos re­giam o mercado, mas este ponto de vista mudou drasticamente

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 71

após a Grande Depressão da década de 1930 e o desenvolvimento da economia política keynesiana.

Na década de 1930, Estados poderosos e grupos de interesses nacionais (grandes empresas e a força de trabalho sindicalizada), refratários à idéia de entregar as questões econômicas ao mercado, abandonaram o laissez-faire, e os governos nacionais começaram a desempenhar um papel mais central na determinação do comércio

internacional. Embora o surgimento de poderosos protagonistas estatais e nacionais exigisse uma gestão mais positiva e afirmativa da economia mundial, não foi o que aconteceu. A Grande Depres­são dos anos 30, a fragmentação da economia mundial em blocos político-econômicos rivais e o início da Segunda Guerra Mundial impediram o desenvolvimento de qualquer solução até que os Es­tados Unidos afirmassem sua liderança após a Segunda Guerra Mundial.

~ Com os Estados Unidos na liderança, o sistema de Bretton /

Woods foi estabelecido, promoveu-se a liberalização do comércio através do GATT e o dólar passou a desempenhar um papel inter­nacional, tornando-se uma importante fonte de estabilidade mo­netária internacional. Nos anos 60 e depois deles, entretanto, a qualidade da liderança americana diminuiu. O abandono do siste­ma de taxas de câmbio fixas pelo governo Nixon em 1971, o movi­mento em direção a um Novo Protecionismo liderado pelos Estados Unidos no meado da década de 1970, o decisivo deslocamento do governo Reagan, no meado dos anos 80, do multilateralismo para

uma política econômica externa multidirecionada com agressiva busca de políticas geoeconômicas e de uma política comercial es­tratégica pelo governo Clinton minaram seriamente os princípios fundamentais do sistema de Bretton Woods. Após o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados começaram a promover po­líticas mais paroquiais e a enfatizar antes soluções regionais que globais para os problemas econômicos. Na realidade, desde mea­dos dos anos 80 os europeus ocidentais têm-se concentrado no

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72 ROBERT GILPIN

processo da unificação econômica e monetária da Europa. Interna­

mente, é cada vez maior o número de americanos, europeus oci­

dentais e outros povos que questionam os custos do livre comércio,

dos movimentos financeiros desregulamentados e das atividades

sem controle das corporações multinacionais. Essas tendências voltaram a levantar a questão do governo ou

gestão da economia global, o que levanta uma outra questão, ainda

mais fundamental: qual o objetivo da govemança? Durante a Guerra

Fria, o propósito fundamental da economia mundial era fortalecer

as economias da aliança anti-soviética e solidificar a unidade políti­

ca dos Estados Unidos com seus aliados. Embora a economia glo­

bal, ou pelo menos as economias fora do bloco soviético, se baseasse

em princípios econômicos como o livre comércio e (após meados

da década de 1970) a liberdade de movimentação dos capitais, tais

princípios eram descartados sempre que necessário para atender aos propósitos políticos de crescente fortalecimento das economias alia­

das e da coesão da aliança anti-soviética. Um exemplo digno de nota

foi a formação da Comunidade Econômica Européia pelo Tratado

de Roma (1957), uma violação do princípio da não-discriminação

e no mínimo do espírito do Artigo XXIV do GATT, sobre acor~os

econômicos regionais. Agora que .õs acertôs econômicos regionais

tornaram-se a norma e não mais a exceçãó, torna-se mais impor­

tante do que nunca estabelecer um novo objetivo para a economia

global do século XXI e os princípios em que deveria basear-se.

Nos Estados Unidos, muitas autoridades do governo, líderes

empresariais, economistas profissionais e comentaristas, senão a

maioria, acreditam que as questões de.gestão e propósito econômi­

co já foram decididas. Segundo esta posiçãq, a economia global deve

ser orientada pelas determinações da economia política e basear-se

em princípios de mercado. O livre comércio, a liberdade de movi­

mentos do capital e o acesso irrestrito aos mercados de todo o

mundo por parte das empresas multinacionais devem portanto

governar as relações econômicas internacionais. Com o triunfo do

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 73

mercado, a lógica econômica e as eficiências relativas das economias

nãêlõnais determinarão a distribuição das atividades e da riqueza

econômicas (e, naturalmente, do poder) em todo o mundo. Além

disso, acredita-se que o êxito dos Estados Unidos na década de 1990

e os sérios problemas econômicos do Japão e do Leste Asiático no

mesmo período demonstraram a superioridade do modelo econô­

mico americano orientado para o mercado.

A realidade do "mercado triunfante" é contestada por muitos

dirigentes políticos, poderosos grupos de interesses e comentaris­

tas em todo o mundo. Nas economias industriais, esta discordância

costuma assumir a forma de oposição à globalização, vista como uma

ameaça ao emprego, aos salários e à segurança trabalhista. Alguns

indivíduos e grupos consideram que o livre comércio e as ativida­

des das empresas multinacionais ameaçam modos de vida e

comunidades; o livre comércio e o investimento estrangeiro, argu­

mentam, não são o caminho para a prosperidade de trabalhadores e

outros em desvantagem por causa da globalização. Em muitos paí­

ses menos desenvolvidos ou em processo de industrialização, como

proclamavam os críticos novecentistas do capitalismo internacio­

na~, ''o livre comércio é a política dos fortes", assim como os movi­

mentos financeiros internacionais e os investimentos estrangeiros

por parte de empresas multinacionais. Embora os opositores de uma

economia internacional governada para o mercado sejam menos

influentes do que seus defensores, seu número vem aumentando

proporcionalmente à crescente globalização e ao papel cada vez mais

importante dos mercados internacionais na determinação do bem­estar econômico dos povos.

Se quisermos contemplar as perspectivas de uma economia

mundial governada para o mercado, é importante lembrar que os

próprios economistas mostram-se profundamente divididos quanto

aos princípios que devem reger a economia internacional de mer­

cado após a Guerra Fria. Os economistas são quase unânimes quanto às virtudes do livre comércio; com efeito, como disse Paul Sa-

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74 ROBERT GILPIN

muelson, a lei da vantagem comparativa (na qual se baseia a doutri­

na do livre comércio) é "a mais bela idéia da economia política".

Entretanto, para além da questão do comércio, a concordância ra­

pidamente se esvai na fraternidade da economia política. Um exem­

plo: embora a maioria dos economistas pareça inclinar-se pela

existência de mercados de capital sem peias, alguns economistas de

grande relevo-entre eles os prêmios Nobel James Tobin eJagdish

Bhagvvati, um dos mais destacados economistas internacionais -

contestam a conveniência de permitir a existência de flux:os finan­

ceiros internacionais desregulamentados; a finança, sustentam, é importante demais para ser entregue à mão invisível do mercado.

Existem igualmente sérias divergências entre os economistas a res­

peito do sistema monetário internacional, do regionalismo econô­

mico e do desenvolvimento econômico, além de outras questões

importantes. Desse modo, para além da crença no livre CO!J1ércio, são poucos os princípios fundamentais consensuais sobre os quais

basear uma economia global determinad~ para o mercado.

CONCLUSÃO

Este livro sustenta que, embora já não exista a ordem econômica

internacional posterior à Segunda Guerra Mundial, ainda não se

estabeleceu um acordo quanto a uma nova ordem econômica mun­

dial ou suas regras e princípios básicos. O objetivo das atividades

econômicas é determinado não apenas pelas recomendações técni­

cas da economia política mas também (seja explícita ou implicita­

mente) pelas normas, valores e interesses dos sistemas sociais e

políticos nacionais em que se apóiam as atividades econômicas. Mui to embora os fatores económicos desempenhem um papel

importante na determinação das características da economia glo­

bal, os fatores mais importantes são e continuarão sendo políticos. Essas características são e continuarão sendo determinadas em gran-

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O DESAFIO DO CAPITALISMO GLOBAL 75

de medida pela segurança e as relações políticas entre as principais potências, entre elas os Estados Unidos, a Europa Ocidental, o Ja­

pão, a China e a Rússia.

Por si próprios, os mercados não são moral nem politicamente

neutros; encarnam os valores da sociedade e os interesses de prota­

gonistas poderosos. Ao passo que a economia do último pós-guer­

ra refletia em grande medida os interesses políticos, econômicos e

de segurança dos Estados Unidos e de seus aliados, a natureza e o

funcionamento da economia global do século XXI serão em última

instância determinados pelo poderio e os interesses de seus inte­

grantes dominantes. Embora seja impossível prever o resultado fi­nal das atuais e futuras interações entre questões econômicas e

políticas, é altamente improvável que Estados poderosos entreguem totalmente questões vitais como a distribuição da riqueza, a indús­

tria e o crescimento ao jogo descontrolado das forças de mercado.

Nem é provável que as nações sacrifiquem autonomia econômica,

independência política e preocupações de segurança no altar da

maximização do funcionamento eficiente da economia global. Tanto

a eficiência econômica quanto as ambições nacionais, especialmente

as das potências dominantes, constituirão as forças impulsionadoras da economia global no século XXI, determinando em última análi­se seus propósitos econômicos e políticos.