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Gisele Franzini Dias Rodrigues Ré O atendimento às gestantes vivendo com HIV/Aids, seu processo de gestação e a adesão ao tratamento Monografia apresentada no curso de Especialização em Prevenção ao HIV/Aids no Quadro da Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos da Faculdade de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo. São Paulo 2011

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Gisele Franzini Dias Rodrigues Ré

O atendimento às gestantes vivendo com HIV/Aids, seu processo de gestação e

a adesão ao tratamento

Monografia apresentada no curso de Especialização em Prevenção ao HIV/Aids no Quadro da Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos da Faculdade de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo.

São Paulo

2011

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Gisele Franzini Dias Rodrigues Ré

O atendimento às gestantes vivendo com HIV/Aids, seu processo de gestação e a

adesão ao tratamento

Monografia apresentada no curso de Especialização em Prevenção ao HIV/Aids no Quadro da Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos da Faculdade de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo.

Programa de: Medicina Preventiva

Orientadora: Maria Altenfelder Santos

São Paulo

2011

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“O desejo de ir em direção ao outro, de se comunicar com ele, ajudá-lo de forma

eficiente, faz nascer em nós uma imensa energia e uma grande alegria, sem nenhuma

sensação de cansaço. Fale a verdade, seja ela qual for, clara e objetivamente, usando

um toque de voz tranquilo e agradável, liberto de qualquer preconceito ou hostilidade.

Seja a mudança que você quer ver no mundo. A opressão nunca conseguiu suprimir nas

pessoas o desejo de viver em liberdade. Nós todos temos o direito de levar uma vida

feliz.” (Dalai Lama)

“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um

pode começar agora e fazer um novo fim.” (Chico Xavier)

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus pais Manoel e Iolanda que me fizeram acreditar que

tudo é possível, desde que tenhamos caráter e honestidade. Fizeram-me acreditar que

podemos ser responsáveis pela mudança do ser humano e que os nossos sonhos só

dependem da nossa vontade e perseverança.

Aos meus filhos: Marcelle, Victória e Giulia que pacientemente abdicaram

minha presença nas atividades escolares e nos nossos finais de semana em família.

Principalmente à minha filha menor Giulia que tanto solicitou a minha presença e que

muitas vezes foram negadas. Muito obrigada a vocês pelo amor, carinho e pela

compreensão. Prometo que recompensarei cada minuto da minha ausência.

Ao meu marido Domingos que sempre confiou na minha capacidade, apoiando-

me a todo o momento diante das minhas dificuldades, dando-me a credibilidade de que

venceria mais esta etapa da minha vida. Obrigada mais uma vez por me fazer acreditar

que os meus sonhos são possíveis.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade e por mais essa etapa vencida.

Aos professores que me ensinaram a ser uma pessoa melhor para o cuidado com

as pessoas vivendo com o HIV.

As monitoras que tão gentilmente me acolheram nesta jornada.

A minha orientadora Maria Altenfelder Santos pelo cuidado e paciência nesses

meses de trabalho árduo, mas feliz.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 1

1.1. A escolha do tema de pesquisa.......................................................................................... 1

1.2. O atendimento à gestante vivendo com HIV/AIDS e a adesão ao tratamento ................. 2

1.3. O problema de pesquisa .................................................................................................... 4

2. OBJETIVOS ................................................................................................................................. 6

2.1. Objetivo geral ..................................................................................................................... 6

2.2. Objetivos específicos.......................................................................................................... 6

3. METODOLOGIA.......................................................................................................................... 7

4. RESULTADOS ............................................................................................................................. 9

5. DISCUSSÃO .............................................................................................................................. 21

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................... 25

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 28

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RESUMO

Entendemos a adesão ao tratamento antirretroviral como um fenômeno dinâmico, que depende do momento e do contexto de vida de cada pessoa. Em se tratando da gestante vivendo com HIV/Aids, a decisão de tomar ou não os medicamentos envolve não somente a saúde da mãe mas também da criança.

Neste trabalho buscamos compreender melhor as vivências das gestantes vivendo com HIV/Aids, sua relação com o seu tratamento e de que forma o profissional pode auxiliá-las para que se apropriem de suas decisões em relação ao seu tratamento.

Realizamos uma revisão de literatura sobre artigos científicos que abordaram o tema das gestantes vivendo com HIV/Aids. Foram selecionados estudos que descreveram relatos das próprias gestantes sobre como elas vivenciaram seu processo de gestação e o seu tratamento. Encontramos quatro estudos qualitativos que coletaram depoimentos de gestantes atendidas em Serviços de Atendimento Especializado em HIV/Aids.

Nos resultados, descrevemos os principais conteúdos relatados pelas gestantes em cada um dos artigos. Parte das gestantes entrevistadas considerou que o fato de viverem com HIV não influenciou no desejo e na decisão de serem mães. Outras relataram grande receio em relação à transmissão do HIV ao bebê e à estigmatização do filho. Muitas falaram do medo da própria morte e da possibilidade de deixarem seus filhos. Algumas mulheres consideraram a não amamentação como uma das etapas mais difíceis. A religião foi citada como uma importante fonte de apoio na busca de superação das dificuldades.

A partir dos depoimentos levantados, observamos a importância do papel do profissional da saúde em acolher e informar as gestantes, refletindo com elas sobre seu processo de gestação e seu tratamento. Nesses estudos, a informação transmitida e o diálogo estabelecido com o profissional permitiram que muitas das gestantes passassem a enxergar a situação de outra forma e a acreditar na eficácia do tratamento, motivando-se para o auto-cuidado. A maioria das gestantes afirmou aderir ao tratamento durante a profilaxia e houve também relatos de não adesão, relacionados à crença na cura pela religião, aos efeitos colaterais dos antirretrovirais e à não aceitação do diagnóstico.

É fundamental que o profissional da saúde compreenda a vulnerabilidade ao adoecimento na perspectiva dos direitos humanos, respeitando o direito da gestante vivendo com HIV/Aids de desejar e de decidir ter filhos. Precisamos assumir que os sujeitos são protagonistas das suas ações e que não temos a capacidade de impor mudanças no comportamento das pessoas. A melhor forma de prevenção e cuidado é oferecer a informação com a possibilidade de reflexão, a partir do contexto de vida de cada um.

Palavras chave: Gestante, HIV, Profilaxia, Adesão.

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1. INTRODUÇÃO

1.1. A escolha do tema de pesquisa

Na minha trajetória de 16 anos de trabalho como terapeuta ocupacional em um

ambulatório de assistência especializada em HIV/AIDS no município de São Paulo,

venho acompanhando muitas gestantes vivendo com HIV. Observo que a maioria delas

adere ao tratamento antirretroviral durante a gestação, o que é compatível com os dados

encontrados na literatura (Paiva et al., 2002).

Por outro lado, enfrento uma grande dificuldade quando me deparo com

gestantes sabidamente HIV que se recusam a iniciar a terapia antirretroviral como

profilaxia, mesmo sabendo da possibilidade da transmissão vertical (transmissão do

vírus do HIV da mãe para o bebê durante a gestação, o parto e a amamentação).

Algumas dessas mães relatam dificuldades de tomar os remédios e geralmente estas

dificuldades estão relacionadas ao uso de drogas, a não revelação do diagnóstico para a

família, etc. Outras mães nunca foram aderentes ao tratamento. E há também casos de

mães que já têm outros filhos, que nas gestações anteriores fizeram a profilaxia onde

seus filhos soroconverteram (nasceram com os anticorpos da mãe e negativaram após a

profilaxia), mas nesta gestação recusam-se a iniciar o uso da terapia antirretroviral como

profilaxia. Noto que lidar com esta situação muitas vezes provoca no profissional uma

sensação de impotência perante a dificuldade de auxiliar a gestante a refletir sobre seu

tratamento.

A partir dessas questões levantadas na minha prática, interessei-me em pesquisar

nesta monografia o tema das gestantes vivendo com HIV/Aids e sua relação com o

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tratamento, em busca de compreender melhor as vivências dessas gestantes e de que

forma o profissional pode auxiliá-las nessas diversas situações, contribuindo

efetivamente para que se apropriem de suas decisões em relação ao seu tratamento.

1.2. O atendimento à gestante vivendo com HIV/AIDS e a adesão ao tratamento

Sabe-se que para a gestante vivendo com HIV que inicia a terapia antirretroviral

com até 14 semanas de gestação, que tenha uma boa adesão medicamentosa combinada

com a suspensão da amamentação e que tenha realizado a profilaxia durante o parto, o

risco da transmissão vertical chega até 0,8% (Paiva et al., 2002). Segundo Gonçalves e

Piccinini (2007), esses procedimentos levam a uma redução da transmissão vertical para

níveis entre zero e 2%.

Nemes et al. (2010) consideram que “as pessoas não ‘são’ aderentes, ou ‘não-

aderentes’ ao tratamento, mas ‘estão’, em um determinado momento, mais ou menos

aderentes” (p. 5). Os autores entendem que o tratamento é uma parte do cotidiano das

pessoas, envolvendo suas relações sociais, econômicas e culturais. O modo como as

pessoas enfrentam seu sofrimento físico ou mental está baseado em um saber prático

decorrente das experiências e do conhecimento construído e vivido na vida social de

cada um.

Nemes et. al. (2010) apontam também que a qualidade do serviço como um todo

é um dos determinantes da adesão, e que o bom desempenho do atendimento individual

para a melhoria da adesão e segmento ao tratamento depende fundamentalmente do

modo de pensar e de atuar do profissional. Com base nesses autores, podemos levantar

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um questionamento quanto à qualidade dos serviços de referência para tratamento e

acompanhamento de gestantes vivendo com HIV e sobre como o atendimento dos

profissionais da saúde interfere na adesão ao tratamento dessas mulheres.

No cotidiano dos serviços, observa-se que ainda persiste muitas vezes a falta de

acolhimento para a mulher vivendo com HIV quando toma a decisão de ter um filho.

Segundo Paiva et al. (2002), muitos profissionais de saúde ainda mantém o preconceito

de achar que a gestante vivendo com HIV não tem o direito de engravidar e acreditam

que a sua função como profissional é desestimulá-la de tal escolha.

Alguns dos argumentos utilizados pelos profissionais são que essas mulheres

estariam em um “estado de negação” da doença, tentando “reparar a própria ameaça de

morte”. Alguns profissionais consideram a opção da mulher vivendo com HIV de ter

um filho como “egoísmo” da parte dela, deixando de pensar na possibilidade dessa

criança nascer com o vírus (Paiva et al., 2002).

Ao partirem dessas idéias, os profissionais ignoram um valor ético que deve

fundamentar a prática em HIV/AIDS: o respeito ao direito dessa mulher de desejar ter

um filho (Paiva et al., 2002). É fundamental compreender a saúde como parte dos

direitos de todo cidadão. Esses direitos envolvem o direito à não discriminação, à

disponibilidade, acessibilidade e qualidade dos serviços (Ayres, Paiva, França-Junior,

2010).

Para que essa perspectiva seja efetivamente exercida no cotidiano dos serviços, é

preciso investir em uma educação continuada, onde os profissionais da saúde possam

expandir seus conhecimentos, refletir sobre suas ações, interligando a saúde e os direitos

humanos (Meyer, Felix, 2010).

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Com base em Paiva et al. (2002), é possível acreditar que se o profissional da

saúde, educador ou cuidador, desvincular-se da idéia pré-existente do que seja certo ou

errado, aprender a acolher e a cuidar do outro com empatia, sem estigmas ou

preconceitos, poderá atender as demandas dos usuários como elas são e não como o

profissional acha que deveriam ser.

1.3. O problema de pesquisa

É possível contribuir para a melhoria da adesão dos usuários ao tratamento

oferecendo-lhes um trabalho interdisciplinar e transetorial, onde o indivíduo possa ser

visto e entendido como um todo. O diálogo entre usuário e profissional, e o

aprofundamento das questões não apenas ligadas à adesão, mas ligadas também ao seu

contexto de vida são também fatores fundamentais que interferem em uma boa adesão.

Assim, juntos, profissionais e usuários poderão construir novas possibilidades de

tratamento e projetos de felicidade. Ressaltando que esse diálogo só pode acontecer a

partir de uma troca, de um encontro entre sujeitos, da construção de uma relação de

confiança entre usuário e profissional (Nemes et al., 2010).

Em relação às gestantes vivendo com HIV, a adesão ao tratamento envolve

algumas questões específicas. Nos serviços especializados em HIV/Aids observa-se

que, no caso das gestantes que não fazem o uso dos ARV por serem assintomáticas

(possuem o vírus do HIV mas não têm sintomas da Aids), a decisão em tomar os

remédios restringe-se apenas ao momento da gestação e do parto. Ressaltando, ainda,

que os medicamentos podem trazer alguns efeitos colaterais desagradáveis, que até o

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momento eram desconhecidos para a gestante. Cabe ao profissional oferecer-lhe uma

orientação adequada, que auxilie sua decisão nesse momento.

Para as gestantes que já fazem uso dos antirretrovirais, dependendo da

medicação utilizada, podem ser necessárias algumas mudanças no esquema terapêutico,

exigindo também uma readaptação ao tratamento, possivelmente envolvendo novos

efeitos colaterais.

Diante dessas questões, procuramos neste trabalho conhecer mais a fundo de que

maneira as gestantes vivenciam esse processo e lidam com estas e/ou outras

dificuldades percebidas em seu tratamento. Para isto, procuramos levantar estudos que

trazem relatos das próprias gestantes abordando aspectos tais como: quais os

sentimentos e reflexões que aparecem durante este período; como os aspectos sócio-

econômicos e as suas relações familiares interferem neste processo; quais são as suas

expectativas; como as suas ações e decisões interferem na profilaxia e o que motiva a

gestante a aderir ou não aos medicamentos.

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2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo geral

Fazer uma revisão de estudos que descrevem o ponto de vista das gestantes

vivendo com HIV/Aids em relação ao seu processo de gestação e à adesão ao

tratamento.

2.2. Objetivos específicos

Fazer um levantamento de pesquisas que apresentam relatos de gestantes

vivendo com HIV sobre suas vivências durante a gestação.

Descrever a população estudada, os métodos utilizados e os principais temas

abordados nos estudos levantados.

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3. METODOLOGIA

Realizamos uma revisão de literatura sobre artigos científicos que abordam o

tema das gestantes vivendo com HIV e Aids. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, na

qual foram selecionados estudos que descrevem relatos das próprias gestantes sobre

como elas vivenciam seu processo de gestação e o seu tratamento.

Como base de dados, utilizamos o LILACS. Optamos pela inclusão somente de

artigos escritos em língua portuguesa e espanhola, publicados em periódicos indexados

e sem restrição em relação ao período de publicação.

Para a busca dos artigos, foram testados separadamente três conjuntos de

palavras chave: “gestante” e “HIV”; “gestante”, “HIV” e “profilaxia”; e “gestante” e

“Aids”. Encontramos cinquenta e quatro títulos com as palavras chave: “gestante” e

“HIV”. Na busca com os termos “gestante”, “HIV” e “profilaxia”, encontramos apenas

sete artigos. Por fim, na pesquisa com as palavras chave “gestante” e “Aids”,

encontramos quarenta e sete artigos. A partir desta exploração inicial, optamos pela

primeira estratégia de busca utilizada, com as palavras chave “gestante” e “HIV”, visto

que resultou em um maior número de estudos encontrados.

A seleção dos artigos foi realizada em três fases: busca por palavras chave (fase

1), leitura dos títulos e resumos (fase 2) e leitura dos artigos na íntegra (fase 3).

Para cada um dos artigos selecionados, descrevemos o ano e local em que foi

realizado o estudo, qual foi a metodologia utilizada para a coleta e análise dos dados, o

número de participantes da pesquisa e as características da população estudada. Nos

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resultados e discussão, descrevemos os principais conteúdos abordados nos

depoimentos das gestantes.

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4. RESULTADOS

Dos cinquenta e quatro artigos encontrados na busca por palavras chave (fase 1

da revisão), apenas sete foram selecionados a partir da leitura dos títulos e resumos (fase

2), uma vez que os demais não corresponderam aos critérios de inclusão estabelecidos.

Dos sete artigos selecionados na fase 2, optamos pela inclusão de cinco artigos após a

leitura dos textos na íntegra (fase 3).

Quadro 1: Artigos selecionados na revisão

Os dois artigos excluídos na fase 3 referiam-se à testagem para o HIV em

gestantes que desconheciam a sua sorologia e, portanto, não correspondiam a um dos

Fase 2: 7 artigos

Fase 1: 54 artigos

Fase 3: 5 artigos (4 estudos)

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critérios de inclusão, que seria abordar especificamente o tema da gestante vivendo com

HIV.

Os principais conteúdos dos artigos selecionados foram descritos resumidamente

no Quadro 2. Nota-se que os dois primeiros textos apresentados (Moura, Praça, 2006;

Moura, Kimura, Praça, 2010) referem-se ao mesmo estudo. Ambos foram mantidos por

terem se aprofundado em aspectos diferentes e verificamos que um texto

complementava o outro, pois cada um deles trazia informações de uma forma mais

abrangente sobre determinado assunto.

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Quadro 2 : Características dos artigos selecionados

Autores e ano de publicação

Ano em que foi realizado o estudo

Local em que foi realizado estudo

Metodologia de coleta de dados utilizada

Número de participantes

População do estudo

Moura e Praça (2006); Moura, Kimura e Praça (2009)

2001/2002 São Paulo-SP

Entrevista em duas partes: questões fechadas (Parte I) e questões abertas (Parte II)

14 Gestantes cadastradas no SAE, assintomáticas, que estavam no terceiro trimestre de gestação e conheciam sua soropositividade antes da gestação atual

Coelho e Motta (2005)

2003 Porto Alegre-RS

Entrevista semi-estruturada

8 Gestantes que faziam o acompanhamento do pré-natal no SAE e que participavam das atividades realizadas na ONG em que foi realizada a pesquisa

Ribeiro e Santos (2000)

1999 Juiz de Fora-MG

Entrevista aberta

10 Gestantes realizando pré-natal no SAE

Costa e Silva (2005)

não consta a informação

Juiz de Fora-MG

Entrevista semi-estruturada

8 Gestantes (ou mulheres que já tinham passado pelo parto), cadastradas no SAE e que descobriram sua situação de soropositividade para o HIV ao realizarem o teste durante a gravidez

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Todos os textos selecionados foram de estudos qualitativos. Os dois primeiros

textos, “Transmissão Vertical do HIV: Expectativas e Ações da Gestante Soropositiva”

(Moura, Praça, 2006) e “Ser Gestante soropositivo para o Vírus da Imunodeficiência

Humana: uma leitura à luz do Interacionismo Simbólico” (Moura, Kimura, Praça,

2010), tratam de um estudo realizado junto a gestantes atendidas no Ambulatório de

Pré-Natal especializado em HIV/Aids de um Hospital e Maternidade Escola localizado

no bairro de Vila Nova Cachoeirinha, no município de São Paulo.

O estudo tinha como objetivo descrever o contexto do cotidiano das gestantes

vivendo com HIV, enfocando suas experiências em tornar-se grávida e assumir a

gravidez. Participaram da pesquisa 14 gestantes. Os critérios para inclusão das

participantes na pesquisa foram: ser soropositiva para o HIV antes da gravidez atual,

estar assintomática e estar no terceiro trimestre de gestação. Utilizou-se de entrevistas

para a coleta de dados, que ocorreu em 2001 e 2002. Em relação ao perfil das

entrevistadas, a maioria era do lar, não vivia em união estável, não havia completado o

ensino fundamental, possuía renda familiar entre um e quatro salários mínimos, referia

ter outros filhos saudáveis e seguia o pré-natal regularmente.

No primeiro texto, “Transmissão vertical do HIV: Expectativas e Ações da

Gestante Soropositiva” (Moura, Praça, 2006), a metodologia de análise utilizada foi a

análise de discurso. No segundo texto, “Ser Gestante soropositivo para o Vírus da

Imunodeficiência Humana: uma leitura à luz do Interacionismo Simbólico” (Moura,

Kimura, Praça, 2010), foi feita uma releitura dos mesmos dados a partir do referencial

teórico do Interacionismo Simbólico.

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Moura e Praça (2006) destacaram a relevância deste tipo de estudo, uma vez que

existe um número reduzido de trabalhos que abordam a percepção da gestante vivendo

com HIV.

Nos depoimentos apresentados no estudo, as gestantes resgataram o momento da

descoberta de sua soropositividade. No início, a infecção pelo HIV foi considerada por

elas como um fator de morte, levando-as a reverem seus planos pessoais e familiares.

Manifestaram um sentimento de inconformismo e indignação, principalmente aquelas

que não se consideravam como vulneráveis à infecção pelo vírus da Aids.

Após essa reação inicial, logo passaram a acreditar que em breve a ciência

descobriria terapêuticas que interromperiam a evolução e a manifestação da Aids.

Mantiveram a fé em Deus, acreditando que dele estariam recebendo forças para

continuarem seu caminho e esperarem a cura. Relataram que, ao engravidarem, a crença

religiosa possibilitou o enfrentamento da situação de terem o seu bebê exposto ao risco

da transmissão e auxiliou-as a manterem a convivência com o seu meio social e

familiar.

Para a maioria delas, a primeira experiência de estarem grávidas e vivendo com

HIV causou-lhes um sentimento muito doloroso. Nesse primeiro momento, muitas delas

acreditavam que seu filho seria soropositivo, desconheciam a possibilidade de tratá-lo e

imaginavam que o mesmo poderia chegar até a morte, o que lhes causava muito

sofrimento.

Muitas das participantes, quando se descobriram grávidas, tiveram como

primeira reação um sentimento de desespero e chegaram a pensar na alternativa do

aborto. Disseram que imaginar-se com um filho soropositivo era pensar que o mesmo

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iria sofrer preconceitos, além da discriminação que elas próprias já sofriam. Falaram

que muitas pessoas olhavam para elas com “olhar de piedade, dó” e discordaram dessas

atitudes, dizendo que deveriam ser tratadas como pessoas normais. Disseram que, ainda

que não se deixassem abater pelo fato de viverem com HIV, jamais desejariam colocar

uma pessoa no mundo “que poderia ser soropositiva também”. Por conta disso,

consideraram que a gravidez havia sido um erro, mas acreditavam ser moral e

espiritualmente incorreto abortarem para solucionar o problema.

Relataram que essa percepção mudou a partir do momento que receberam

informações sobre as possibilidades de prevenção da transmissão vertical. Muitas delas

passaram a sentir-se como qualquer outra mulher que poderia ter um filho e

incorporaram a idéia de que nada lhes diferenciava de outras gestantes, a não ser pelo

fato de terem que tomar os antirretrovirais. Tornaram-se mais confiantes, suas vidas

giraram em torno da gravidez e não da doença, sentiram-se mais tranquilas e a gestação

prosseguiu normalmente, como uma gravidez qualquer.

Algumas das gestantes afirmaram que o apoio familiar ajudou-as a superarem os

desafios, passando a se sentirem felizes por estarem grávidas e com saúde para

continuarem “lutando”.

Outras mães, ao saberem que estavam grávidas, aceitaram a gestação como um

“fato natural” e não cogitaram a possibilidade do aborto. Houve também casos de

gestantes que planejaram ter o filho, sendo que parte delas já trazia a experiência da

profilaxia nas gestações anteriores. O fato de já terem outros filhos soronegativos

motivava-lhes para a próxima gravidez e para a busca do acompanhamento do pré-natal.

Mostraram também como outras motivações possíveis o desejo do parceiro em ter um

filho ou o fato de não terem exercido o papel de mãe em outros momentos por algum

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motivo. Houve, ainda, casos de mulheres que já haviam vivenciado uma gravidez

inesperada anteriormente e passado pela experiência da profilaxia, mas que não

desejavam outra gravidez.

No momento das entrevistas, a maioria das gestantes disse acreditar que a

profilaxia aumentaria a chance de o bebê ser soronegativo para o HIV, mesmo que

nascesse com o vírus. Ainda assim, causava-lhes medo a possibilidade do filho ser

soropositivo e diziam que sentiriam muita culpa caso isso viesse a acontecer.

A idéia da soronegatividade do bebê era um grande incentivo para que as mães

seguissem a profilaxia e levassem a gravidez adiante. Saber que existia uma

possibilidade enorme de, mesmo elas sendo soropositivas, seus filhos não serem, dava-

lhes coragem de seguir com a gravidez e de lutar para permanecerem vivas e saudáveis

para criarem seus filhos. O pensamento mais forte entre todas as mães era “salvar” seu

filho, sempre procuravam manter pensamentos positivos, acreditavam que tudo iria dar

certo, e se propunham a fazer de tudo para que isso acontecesse.

Uma das etapas mais difíceis para a maioria dessas mães era a impossibilidade

de amamentarem. Percebiam que havia uma pressão social por não corresponderem ao

papel de mãe esperado pela sociedade naquele momento. Verbalizaram que não poder

amamentar seria um “sacrifício”.

O terceiro texto, “A compreensão do Mundo Vivido pelas Gestantes Portadoras

do Vírus Imunodeficiência Humana” (Coelho, Motta, 2005), busca compreender como

a gestante vivendo com HIV percebe seu corpo durante a gestação. Participaram deste

estudo oito gestantes soropositivas para o HIV, em acompanhamento pré-natal em

Serviço de Assistência Especializada em HIV/Aids. A coleta de dados do estudo foi

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realizada na sede da ONG “Mais Criança - Grupo de Apoio à Criança Soropositiva”, em

Porto Alegre-RS. No estudo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com as

gestantes, conduzidas no ano de 2003.

Este estudo partiu de um enfoque fenomenológico e adotou-se a abordagem

hermenêutica para interpretação das informações coletadas.

Nos depoimentos relatados, algumas das gestantes disseram que, quando

receberam o diagnóstico, sentiram-se culpadas, pois sabiam como se prevenir, mas não

o fizeram. Houve casos em que, ao revelarem o diagnóstico para a família, sentiram-se

abandonadas.

Atualmente, por estarem grávidas, as preocupações vão girando em torno do

bebê e sentem uma culpa relacionada à possibilidade do bebê nascer doente. Esse

sentimento de culpa causa-lhes sofrimento, levando-as a se darem conta de que suas

vidas estão “desorganizadas” e temem a possibilidade de não mais recuperarem sua vida

como era antes.

As gestantes verbalizaram que, ao saberem que vão nascer seus filhos e

descobrirem-se HIV positivas, percebem uma contradição, porque todos pensam no

HIV como morte, mas nesse caso haverá um nascimento. Acreditam que quando as

pessoas as vêem como grávidas percebem que elas têm uma vida a mais dentro de si,

mas se souberem que são HIV positivas vão passar a ver também a morte dentro delas.

Dizem que isso para elas é confuso.

Mas acreditam que agora precisam pensar mais além, pois sentem que suas vidas

já foram “estragadas” e não podem estragar a do seu filho. Diante disso, percebem a

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necessidade de se responsabilizarem pelo “ato cometido” e se dizem comprometidas

com a manutenção de sua saúde e a do outro que estão gerando.

Os discursos das gestantes mostraram que, à medida que vão recebendo

informações sobre o seu diagnóstico e como será o seguimento do tratamento, seus

pensamentos vão “voltando ao lugar” e suas vidas vão se “reorganizando”.

No entanto, algumas delas relataram que de vez em quando se sentem

desanimadas, não têm vontade de fazer nada e acham que tudo isso vem da preocupação

por pensarem no futuro, no que pode acontecer em suas vidas. Ao mesmo tempo,

quando sentem o bebê dentro da barriga, sentem-se fortes e capazes.

Uma das gestantes descobriu que tinha o vírus do HIV na gestação anterior. Na

época, não percebia sintomas da doença e negou-se a fazer o tratamento por conta dos

efeitos colaterais dos remédios. Disse que sentia que seu corpo era capaz de tudo, que

podia fazer tudo com ele normalmente e que, se não fossem os médicos diagnosticarem

que tinha o vírus do HIV, nunca teria ficado sabendo. Hoje seu filho é doente de Aids.

Já na gestação atual, ao saber que estava grávida, teve a certeza de que seu filho não

seria doente, pois passou a se cuidar e diz que aprendeu a tomar os remédios “sem sentir

nada”.

O quarto texto, “O Método ‘História de Vida’ e seu Uso em Pesquisa de

Enfermagem com Gestante HIV Positivo” (Ribeiro, Santos, 2000), apresenta

considerações sobre o método de pesquisa qualitativa “História de Vida” e sua

aplicabilidade em pesquisas na área de Enfermagem, sendo seu objeto de estudo a

percepção da gestante vivendo com HIV acerca da sua soropositividade. Foram

realizadas entrevistas abertas com dez gestantes, sem perguntas predeterminadas e

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padronizadas. O estudo foi realizado em um Serviço de Assistência Especializada em

HIV/Aids localizado na cidade de Juiz de Fora-MG, no ano de 1999.

O estudo partiu do método de história de vida para coletas de dados e foi

realizada uma análise de conteúdo das informações colhidas.

Nos relatos apresentados, as gestantes demonstraram uma grande preocupação

com a possibilidade da transmissão vertical ao filho. Não só apresentaram um

sentimento de culpa, como também de preocupação com a possibilidade de seu filho ser

estigmatizado pela sociedade. Disseram que seus filhos são sua maior preocupação

nesse momento e que se sentem responsáveis pela sua saúde futura.

Verbalizaram também uma intensa preocupação com a possibilidade de virem a

falecer por conta da doença, deixando seus filhos órfãos, diante de limitados recursos

sociais. E caso não ocorresse a soroconversão, tinham a preocupação com o destino dos

filhos, pois pensavam que ninguém iria querer adotar uma criança vivendo com o vírus

HIV.

O quinto texto, “Gestante HIV Positivo: O Sentido da Descoberta da

Soropositividade Durante o Pré-Natal” (Costa, Silva, 2005), tem como objetivo

compreender os sentimentos da mulher ao descobrir-se portadora do vírus HIV durante

o processo de gestação. A pesquisa foi realizada em um Serviço de Atendimento

Especializado em HIV/Aids de Juiz de Fora-MG. Os sujeitos da pesquisa foram oito

mulheres que descobriram sua situação de soropositividade para o HIV durante a

gravidez, incluindo também mulheres que já tinham passado pelo parto. A coleta de

dados foi realizada utilizando-se o método de entrevista semi-estruturada.

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Este texto adotou como metodologia da análise dos dados a análise temática de

conteúdo.

Segundo as autoras, as entrevistadas contaram que o resultado positivo do exame

anti-HIV foi recebido por elas no início como uma sentença de morte e junto surgiu a

preocupação de não quererem deixar o seu filho doente para outra pessoa cuidar. À

medida que foram sendo informadas sobre a doença, foram aparecendo vários

sentimentos, entre eles: o medo da morte, a culpa, o desespero, a preocupação com a

aparência por conta do medo da desfiguração física, o medo do preconceito e da

discriminação.

Algumas gestantes atribuíram a responsabilidade do HIV a si próprias e outras,

aos seus companheiros. Para algumas delas, o diagnóstico promoveu uma aproximação

de seus familiares e, para outras, levou à separação conjugal e também ao

distanciamento dos filhos em um dos casos.

As entrevistadas demonstraram sentir uma grande responsabilidade em relação à

saúde do filho e expressaram um sentimento de medo diante da possibilidade da

transmissão vertical. Por esse motivo disseram que chegaram a considerar a

possibilidade de interromper a gestação como forma de proteger o filho das

consequências futuras da doença, mas desconsideraram essa possibilidade.

A busca pela religiosidade permitiu-lhes encontrar uma base de apoio para

continuarem a viver suas vidas, superando as possíveis dificuldades no enfrentamento

do diagnóstico. No entanto, em alguns casos a espiritualidade se tornou a única

referência de cura. Em um dos relatos, a gestante afirmou acreditar que alcançaria a cura

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unicamente pela fé e que não precisava mais continuar seu tratamento por se sentir

“curada por Deus”.

Expressaram o significado que seus filhos representavam para elas, colocando-

os como a razão para continuarem se cuidando. Manifestaram uma enorme preocupação

com o futuro dos filhos e com a possibilidade de orfandade dos mesmos. Disseram que

foram nos filhos que encontraram forças para sobreviver. Para essas mulheres, os filhos

se tornaram a principal razão para tomadas de decisões positivas em relação ao não

adoecimento. A possibilidade de criá-los e vê-los crescer passou a ser um fator

mobilizador para o auto-cuidado e a sobrevivência.

Segundo os autores, as entrevistadas demonstraram ter o conhecimento da

importância da terapia com os antirretrovirais, das consultas e exames periódicos para

avaliação da carga-viral e CD4, do uso do preservativo, das mudanças necessárias de

hábitos de vida para evitar o aparecimento de doenças oportunistas, como por exemplo

aumentar o número de horas de sono. Evidenciaram o abandono do uso de drogas e a

prática de hábitos de vida mais saudáveis durante a gestação. A adesão ao tratamento

apareceu em suas falas como o caminho a ser seguido para a prevenção do adoecimento

e a manutenção da saúde. Passaram a viver à procura da saúde física e mental e do

convívio com a família, percebendo um novo sentido para as coisas, para a vida.

Em algumas falas, o HIV foi citado como sendo apenas mais um problema que

veio somar a tantos outros já existentes. Disseram que às vezes sentem desânimo e

vontade de desistir, de parar de tomar os remédios, e de ir em busca de uma família que

tenha boa situação financeira e possa ficar com seus filhos. Mas ao mesmo tempo

nesses momentos também pensam em se cuidar por causa dos seus maridos e,

principalmente, dos seus filhos.

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5. DISCUSSÃO

Procuramos trazer na discussão o que achamos de mais relevante no material

selecionado na revisão, em busca de oferecer ao leitor uma visão geral do que foi

encontrado nos textos.

Um dos textos trouxe a dificuldade de encontrarmos estudos com abordagem

sobre a percepção da gestante vivendo com o HIV.

Os quatro estudos selecionados trabalharam com entrevistas, abertas ou semi-

estruturadas, junto a gestantes atendidas em Serviços de Atendimento Especializado em

HIV/Aids. Em um dos estudos, foram entrevistadas também mulheres vivendo com

HIV que já haviam passado pelo parto. Um dos estudos foi realizado na capital de São

Paulo, um em Porto Alegre-RS e dois em Juiz de Fora-MG. Chamou-nos a atenção o

fato de que grande parte das entrevistadas tinha baixa escolaridade e baixa renda

familiar.

Parte das gestantes entrevistadas considerou que o fato de viverem com HIV não

influenciou no desejo e na decisão de serem mães, inclusive porque muitas delas já

tinham outros filhos soronegativos, o que lhes dava estímulo para a próxima gestação.

Muitas relataram que se sentiam como qualquer outra mulher que estivesse esperando

um filho, só com uma diferença: tinham que tomar os antirretrovirais. Disseram que

suas vidas giravam em torno da gravidez e não da doença.

Para outras, descobrir-se grávida e vivendo com o HIV levou-as a um

sentimento de desespero por acharem que não iam conseguir enfrentar tal situação.

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Algumas mulheres que já haviam vivenciado a experiência da profilaxia não desejavam

outra gravidez, no entanto, os autores não exploraram mais detalhadamente esses casos.

Houve um caso em que a gestante se negou a fazer a profilaxia na gestação

anterior por conta dos efeitos colaterais dos antirretrovirais e assim não conseguiu evitar

a transmissão vertical. Na época, não se sentia doente e não apresentava sintomas do

HIV, indicando que talvez a não aceitação do diagnóstico tenha influenciado em sua

decisão de não seguir o tratamento, embora isto não tenha ficado claro no relato

apresentado no estudo. Atualmente, esta gestante aderiu ao tratamento, diz que não

sente mais os efeitos colaterais da medicação e acredita que seu filho irá soroconverter.

De modo geral, as entrevistadas ansiavam pelo resultado definitivo da sorologia

para o HIV e imaginavam a possibilidade de o filho tornar-se soropositivo e sofrer

discriminações, preconceitos e rejeição social. Disseram que se sentiriam muito

culpadas caso o bebê nascesse com o vírus. Mas acreditavam que, caso a criança

nascesse soronegativa para o HIV, se exonerariam do sentimento de culpa, o bebê lhes

daria força para viver, sentir-se-iam fortes e não se entregariam à Aids.

Parte das entrevistadas verbalizou o medo da própria morte e de deixarem seus

filhos. A perspectiva de não poderem amamentar apareceu também como uma das

questões mais difíceis para essas mulheres, pois se preocupavam em não

corresponderem à expectativa da sociedade em relação ao seu papel de mãe.

Algumas das gestantes disseram que chegaram a pensar na alternativa do aborto,

mas não seguiram em frente com essa idéia porque não estaria de acordo com suas

crenças religiosas. Consideraram que a religião ajudou-as a sentirem-se mais

fortalecidas durante a gestação e a manterem a convivência com seu meio social e

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familiar. Porém, não podemos desconsiderar o caso em que a fé foi citada pela gestante

como motivo para crer que não havia necessidade de continuar o tratamento, pois se

sentia “curada por Deus”.

O maior conhecimento sobre o HIV e a profilaxia para a transmissão vertical

levava as mães a acreditarem na eficácia do tratamento e na possibilidade da

soronegatividade do bebê. Todas as entrevistadas tinham o pensamento de “salvar” seus

filhos.

O fato de saberem que o cuidado com a gravidez e a profilaxia trariam uma

grande possibilidade de seu filho tornar-se soronegativo fazia com que estas gestantes

mantivessem um cuidado maior com sua saúde, por vezes até melhor do que nos

períodos em que não estavam grávidas. À medida que percebiam a importância dos

antirretrovirais, procuravam manter seu tratamento em dia e criar hábitos mais

saudáveis, sempre pensando na saúde de seu bebê. Com esta atitude mantinham a

esperança de terem filhos saudáveis.

Observa-se nestes relatos que o serviço de saúde especializado em HIV/Aids e

os profissionais que ali atuam têm o papel de informar a gestante vivendo com

HIV/Aids sobre a importância da profilaxia e da adesão para que as mesmas possam

responsabilizar-se pela sua decisão de aderir ou não aos antirretrovirais. Ao mesmo

tempo, não se pode desconsiderar que cada mulher traz uma história de vida e uma

relação específica com sua própria doença, atribuindo significados particulares a cada

gestação. Portanto, a informação transmitida pelo profissional só poderá fazer sentido a

partir de um diálogo, em que o contexto de cada gestante possa ser levado em

consideração.

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Moura, Kimura e Praça (2010) ressaltaram que “o serviço de saúde e os

profissionais que as atendem (...) são elementos de apoio para estas mulheres” (p. 209).

Em geral, os autores dos textos destacaram a importância do desenvolvimento de novas

estratégias de cuidado voltadas para as gestantes vivendo com HIV. Dos cinco textos

analisados, três deles apontaram que a assistência prestada à mulher vivendo com HIV

deveria ser implantada com programas de educação para a saúde, incluindo o

planejamento familiar.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O problema que me levou a iniciar esta pesquisa foi o fato de encontrar nos

serviços algumas gestantes que se recusam a fazer a profilaxia, sendo que o profissional

muitas vezes tem dificuldade em aprofundar a conversa sobre esse assunto e em

compreender o que leva à usuária a tomar essa decisão.

Após a análise dos textos percebemos que a maioria das gestantes afirmam estar

aderindo aos ARV na profilaxia ao HIV. Algumas gestantes relataram a não adesão,

mas esses casos foram exceções. Nos casos apresentados nos estudos, a não adesão foi

justificada pela crença na cura pela religião e pelos efeitos colaterais dos

antirretrovirais. Foi possível levantar também, a partir dos relatos, a possibilidade de

não adesão por conta da não aceitação do diagnóstico. Entendemos que essas situações

devem ser consideradas e respeitadas pelo profissional da saúde para que ele possa

acolhê-la e auxiliá-la a refletir sobre novas possibilidades.

Vimos nesta revisão que a adesão ao tratamento muitas vezes é motivada pela

experiência da gestação anterior, seja porque a profilaxia foi bem-sucedida e a gestante

deseja repetir a experiência, seja porque foi mal sucedida e isto a fez perceber a

importância do tratamento. A motivação para a adesão vem também da expectativa de

haver uma maior aceitação social da criança no caso de ela soroconverter, o que

isentaria a mãe do sentimento de “culpa” pela transmissão do vírus ao seu filho. É

importante que o profissional explore com a gestante as motivações para sua adesão,

sem esquecer que a adesão é algo dinâmico, que pode mudar conforme o momento e o

contexto em que a pessoa se encontra.

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Nos textos lidos, conhecemos relatos de mulheres que planejaram sua gravidez e

encararam com tranquilidade a necessidade de tomarem os medicamentos, assim como

de outras que sentiram muita dificuldade em lidar com o fato de estarem esperando um

bebê. Estas diferentes vivências parecem estar relacionadas com a experiência de cada

uma em conviver com o HIV, a qual tantas vezes traz a marca do preconceito e da

discriminação.

Concluímos que é preciso combater o preconceito e o estigma, não reduzindo a

pessoa apenas a sua soropositividade. É fundamental para o profissional da saúde

compreender que os sujeitos têm o direito não apenas a receber informações.

Precisamos enxergar o significado dessa informação para o indivíduo e aprofundar

nossa compreensão sobre o modo de agir e de pensar das pessoas, compreendendo a

vulnerabilidade ao adoecimento na perspectiva dos direitos humanos.

Precisamos assumir que os sujeitos são protagonistas das suas ações e que não

temos capacidade de impor mudanças no comportamento das pessoas. Ao contrário de

tentarmos impor mudanças a partir do que o profissional entende que é certo ou errado,

devemos oferecer um roll de opções para essas pessoas, discutir com elas se essas

opções fazem sentido ou não em suas vidas e respeitar suas decisões. A melhor forma

de prevenção e cuidado é oferecer a informação com a possibilidade de reflexão, a partir

do contexto de vida de cada um.

A educação continuada para os profissionais deve existir como uma estratégia de

apropriação e aprofundamento das questões relacionadas à sua prática e aos direitos

humanos dos cidadãos em questão. Capacitar os profissionais da saúde nessa

perspectiva lhes proporcionará maior reflexão, agregando conhecimentos e

competências, e produzindo assim novas formas de atuação e novos sentidos para sua

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prática. Investir em reciclagens e capacitações, grupos de estudo, estudos de casos e

reuniões com equipes multiprofissionais são algumas das estratégias para a melhoria do

atendimento às gestantes vivendo com HIV.

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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