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A Esposa Ideal (1890) Marco Praga Por quase todo o período realista, o teatro italiano manteve a obsessão do casamento e temas conexos. Aqui um outro monologo confessional do autor Marco Praga, antecessor direto da revolução Pirandelliana no teatro burguês italiano, conta a esposa vista por ela mesma, desta vez. Giulia (depois de longo silencio, sentada, sem olhar para Gustavo) Quando penso que já houve uma época em que você tinha ciúme de meu marido! Porque eu sempre tive essa virtude - ou sorte - não de odiá-lo, como quase todas as mulheres que teem um amante. Odeiam, tratam mal do marido. Bom, honesto, amoroso – ele me ama – è o pai do meu filho!.... Eu nunca o amei: por isso talvez me tenha sido fácil de gostar dele, porque nós, mulheres, só odiamos que o homem que já amamos um dia; isso, depois de parar de o termos amado. Mas, visto que eu também tive a necessidade irresistível de amar e, para a minha desgraça, fatalmente acabei apaixonada por outros homens bem diferentes dele, soube me conservar aos seus olhos como uma boa mulher, dedicada… Você tinha ciume dessa dedicação, desse afeto. E tinha até a coragem de não acreditar em meu amor; declarava isso, porque te parecia impossível que, amando você, eu pudesse suportar um outro homem perto de mim. (vira-se em direçao a ele, que se sentou, aproxima, afetuosa, a própria poltrona à sua.) Lembra das nossas brigas da época? Eu dizia: “Gustavo, eu te amo, eu te amo, e è esse amor que me deixa boa, paciente, segura… Sou cuidadosa com ele porque não quero te perder, porque quero ser tua pelo resto da vida. Se eu fizer besteira, se for me comprometer, se der a ele modo de ter suspeitas, se ele duvidar de mim e me espionar, a nossa paz estará perdida, e o perigo, talvez, afaste você de mim… E se ele souber de tudo um dia, o que vai acontecer? Você, bom, honesto, não vai me abandonar. Mas, dentro de você, vai ficar intacto o amor, grande, imenso, como eu quero, sem preocupações, sem aborrecimentos, sem ter desperdiçado toda a tua existência, ou ter comprometida a tua carreira? Não vou te cansar, um dia? Veja, Gustavo, essa ideia me assusta, ma aterroriza: e é dessa ideia de te perder por minha causa que tiro a força de simular, de me comportar como uma boa esposa diante dos olhos dele”. (circunda-o) Lembra?... Você se convencia, e as nossa discussões acabavam num beijo… (pausa). Não me ama mais? Será possível?... Não me ama mais?... è que te acostumei mal: te amei demais, e te

Giulia mais marco praga

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Marco Praga A Esposa Ideal (1890) Giulia (depois de longo silencio, sentada, sem olhar para Gustavo) amo ainda demais! Te cansei! Você está tão certo do meu amor! Não è mesmo? Gustavo?... Gustavo?... (Ouve-se a campainha. Giulia espia pela porta, aproxima-se em seguida a Gustavo, beija-lhe ardentemente a boa, recompõe-se. Entra Andrea.)

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A Esposa Ideal (1890)

Marco Praga

Por quase todo o período realista, o teatro italiano manteve a obsessão do

casamento e temas conexos. Aqui um outro monologo confessional do

autor Marco Praga, antecessor direto da revolução Pirandelliana no teatro

burguês italiano, conta a esposa vista por ela mesma, desta vez.

Giulia (depois de longo silencio, sentada, sem olhar para Gustavo)

Quando penso que já houve uma época em que você tinha ciúme de meu marido!

Porque eu sempre tive essa virtude - ou sorte - não de odiá-lo, como quase todas

as mulheres que teem um amante. Odeiam, tratam mal do marido. Bom,

honesto, amoroso – ele me ama – è o pai do meu filho!.... Eu nunca o amei: por

isso talvez me tenha sido fácil de gostar dele, porque nós, mulheres, só odiamos

que o homem que já amamos um dia; isso, depois de parar de o termos amado.

Mas, visto que eu também tive a necessidade irresistível de amar e, para a minha

desgraça, fatalmente acabei apaixonada por outros homens bem diferentes dele,

soube me conservar aos seus olhos como uma boa mulher, dedicada… Você tinha

ciume dessa dedicação, desse afeto. E tinha até a coragem de não acreditar em

meu amor; declarava isso, porque te parecia impossível que, amando você, eu

pudesse suportar um outro homem perto de mim. (vira-se em direçao a ele, que

se sentou, aproxima, afetuosa, a própria poltrona à sua.) Lembra das nossas

brigas da época? Eu dizia: “Gustavo, eu te amo, eu te amo, e è esse amor que me

deixa boa, paciente, segura… Sou cuidadosa com ele porque não quero te perder,

porque quero ser tua pelo resto da vida. Se eu fizer besteira, se for me

comprometer, se der a ele modo de ter suspeitas, se ele duvidar de mim e me

espionar, a nossa paz estará perdida, e o perigo, talvez, afaste você de mim… E

se ele souber de tudo um dia, o que vai acontecer? Você, bom, honesto, não vai

me abandonar. Mas, dentro de você, vai ficar intacto o amor, grande, imenso,

como eu quero, sem preocupações, sem aborrecimentos, sem ter desperdiçado

toda a tua existência, ou ter comprometida a tua carreira? Não vou te cansar, um

dia? Veja, Gustavo, essa ideia me assusta, ma aterroriza: e é dessa ideia de te

perder por minha causa que tiro a força de simular, de me comportar como uma

boa esposa diante dos olhos dele”.(circunda-o) Lembra?... Você se convencia, e as

nossa discussões acabavam num beijo… (pausa). Não me ama mais? Será

possível?... Não me ama mais?... è que te acostumei mal: te amei demais, e te

amo ainda demais! Te cansei! Você está tão certo do meu amor! Não è mesmo?

Gustavo?... Gustavo?...

(Ouve-se a campainha. Giulia espia pela porta, aproxima-se em seguida a Gustavo,

beija-lhe ardentemente a boa, recompõe-se. Entra Andrea.)

Tradução e adaptação de Maurício Paroni de Castro, para a SP Escola de

Teatro