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GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO: A REGIÃO AINDA VIVE Thais Samara de Castro Bezerra¹ Lemuel Dourado Guerra² RESUMO: A globalização, com seus objetivos de padronizar e homogeneizar quase tudo, como objetos e ideias, eliminando ou enfraquecendo fronteiras diversas, continua forte atualmente. Assim, qual a posição da região frente aos processos de globalização e desenvolvimento? Na tentativa de reafirmar a sobrevivência da região diante desses processos, o presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas considerações sobre o uso e a ação da região atualmente. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, análise de alguns projetos políticos regionais e artigos em que a questão regional se faz presente. Percebe-se que existe uma outra face da globalização, que é a regionalização antes mesmo de iniciar a homogeneização, em que a região termina assumindo três posições básicas: de condição, de ação e de passividade; posições estas que perpassam a questão do desenvolvimento. Palavras-chave: desenvolvimento, região, globalização. INTRODUÇÃO O discurso mais comum da atualidade em relação à globalização diz respeito à sua principal característica: destruir fronteiras e unir o mundo a partir da padronização de técnicas, pensamentos, valores e ambições. No entanto, esse é um discurso muito superficial e que já caiu no senso comum há muito tempo, sendo válida uma análise por um outro viés: aquele em que utilizamos a região como uma categoria de análise e como condição para a espacialização das relações entre globalização e desenvolvimento. Assim, entendemos a região como um instrumento a mais para melhor compreender não apenas espacialmente, como também socialmente, os fenômenos do desenvolvimento e da globalização, este último enquanto processo que influencia as ações desenvolvimentistas na e para a região. Compreende-se também que o ____________________________

GLOBALIZAÇÃO DESENVOLVIMENTO E REGIÃO · elementos da natureza; a região geográfica, desenvolvida pelo possibilismo, considera a evolução das relações entre o homem e a natureza,

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GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO: A REGIÃO AINDA VIVE

Thais Samara de Castro Bezerra¹

Lemuel Dourado Guerra²

RESUMO:

A globalização, com seus objetivos de padronizar e homogeneizar quase tudo, como objetos e ideias, eliminando ou enfraquecendo fronteiras diversas, continua forte atualmente. Assim, qual a posição da região frente aos processos de globalização e desenvolvimento? Na tentativa de reafirmar a sobrevivência da região diante desses processos, o presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas considerações sobre o uso e a ação da região atualmente. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, análise de alguns projetos políticos regionais e artigos em que a questão regional se faz presente. Percebe-se que existe uma outra face da globalização, que é a regionalização antes mesmo de iniciar a homogeneização, em que a região termina assumindo três posições básicas: de condição, de ação e de passividade; posições estas que perpassam a questão do desenvolvimento. Palavras-chave: desenvolvimento, região, globalização.

INTRODUÇÃO

O discurso mais comum da atualidade em relação à globalização diz respeito à

sua principal característica: destruir fronteiras e unir o mundo a partir da padronização

de técnicas, pensamentos, valores e ambições. No entanto, esse é um discurso muito

superficial e que já caiu no senso comum há muito tempo, sendo válida uma análise por

um outro viés: aquele em que utilizamos a região como uma categoria de análise e como

condição para a espacialização das relações entre globalização e desenvolvimento.

Assim, entendemos a região como um instrumento a mais para melhor

compreender não apenas espacialmente, como também socialmente, os fenômenos do

desenvolvimento e da globalização, este último enquanto processo que influencia as

ações desenvolvimentistas na e para a região. Compreende-se também que o

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1 Aluna do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual da Paraíba.

1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual da Paraíba.

desenvolvimento é um processo amplo em um país, e que analisá-lo a partir da região

significa que esta é apenas uma de suas dimensões.

Assim, o objetivo desse trabalho é realizar algumas breves análises sobre a

posição da região frente ao processo de globalização, tentando identificar algumas das

suas dinâmicas espaciais e sociais que influenciam a conformação do desenvolvimento

nela e por ela realizado. Antes, uma apresentação sobre algumas concepções do termo

região é necessária para a compreensão de sua abrangência. A metodologia utilizada

para este trabalho restringiu-se à pesquisa bibliográfica, à análise de alguns projetos

políticos de caráter regional e também à análise de alguns artigos em que a questão

regional está presente.

Percebe-se que a questão regional tem marcado presença nas políticas públicas e

nos discursos acadêmicos mais recentes. A região, cada vez mais, não tem sido vista

como autônoma, mas sim como espaço complementar de outro, em interdependência

com outras regiões. Antes de ser utilizada como instrumento de especulação por uma

empresa, ou mesmo para implantação de política pública, a região é um instrumento

para a reafirmação de identidades, para a construção ou fortalecimento do sentimento de

pertencimento a uma cultura singular, mesmo estando interligada com elementos mais

globais. E o reconhecimento disso é fundamental no tipo de desenvolvimento que nela

se realiza ou deseja realizar.

REGIÃO: UMA CATEGORIA DE ANÁLISE TRADICIONAL E ATUAL

Região não é uma categoria de análise de uso exclusivo da Geografia como

muitos pensam, outras ciências utilizam essa categoria, e até mesmo no senso comum a

região possui uma variedade de significados. Além disso, empresas utilizam a categoria

região como instrumento de estratégia para as suas ações. Também muitas instituições

nacionais e internacionais organizam e distribuem suas ações espacialmente a partir das

regiões.

 

A palavra região deriva do latim regere, onde o radical reg significa regente,

regência. Já a palavra regione remete aos tempos do Império Romano, e era utilizada

para referir-se a áreas que mesmo tendo administração local, estavam submetidas às

normas hegemônicas. Com a queda do Império Romano, essas divisões regionais deram

origem à formação do poder autônomo dos feudos, como explica Gomes [1995, p.50-

51]. Ou seja, vê-se a região romana passando por duas fases: uma em que está

submetida a um poder centralizador e hegemônico; e outra em que ela mesma adquire

seu próprio poder (autonomia significativa).

Embora atualmente seja mais comum as pessoas afirmarem que o objeto de

estudo da geografia é o espaço geográfico, na Geografia Tradicional (1870-1950), as

principais categorias de análise eram a região e a paisagem. Sendo assim, a região é

uma categoria de análise que coincide com a história epistemológica e institucional da

Geografia.

Emmanuel Kant, um dos idealizadores da ciência geográfica, é o principal

responsável por associar a região à idéia de espaço geográfico. Esse filósofo afirma que

o espaço geográfico é diferente do espaço matemático, isso porque aquele se divide em

regiões que se constituem no substrato da história dos homens [SANTOS, 2009, p.185].

Ou seja, Kant havia percebido que o espaço não podia ser analisado, muito menos

interferido, de forma padronizada, porque as diferenças sociais, ambientais, econômicas

e políticas eram muitas.

Acompanhando a história das correntes do pensamento geográfico, a categoria

região sofreu as conseqüências desse fato. Duas correntes de pensamento dividiam a

geografia: o determinismo e o possibilismo. Assim, a região sofreu duas grandes

divisões: região natural e região geográfica. A região natural, desenvolvida pelo

determinismo, era caracterizada pela uniformidade resultante da integração dos

elementos da natureza; a região geográfica, desenvolvida pelo possibilismo, considera a

evolução das relações entre o homem e a natureza, que ao longo da história passa de

uma adaptação humana a uma ação modeladora, onde o homem, a partir de sua cultura,

cria uma paisagem e um gênero de vida, gênero este muito bem explicado por Vidal de

La Blache. [CORRÊA, 1987, p.23-28].

 

Saindo da Geografia Tradicional, e entrando no que chamamos de Nova

Geografia (1950-1970), a região se apresenta fundamentada no positivismo lógico, em

que as similaridades e diferenças entre lugares são definidas através de técnicas

estatísticas descritivas [idem, 1987, p.32]. Já na Geografia Crítica (1970), o conceito de

região será repensado, questionado e passível de novas dimensões analíticas, como a

dimensão política, por exemplo. É aqui que o conceito de região terá uma maior

abrangência: para Duarte apud Corrêa [ibden, p.41] região é “uma dimensão espacial

das especificidades sociais em uma totalidade espaço-social, capaz de opor resistência à

homogeneização da sociedade do espaço pelo capital monopolístico e hegemônico”.

Observamos que em cada fase da ciência geográfica, a região ganha significados

e definições diferentes. Atualmente, uma característica fundamental para se entender a

região corresponde ao fato de que ela não é autônoma, mas sim, interdependente com

outras regiões. E Corrêa [ibden, p.47] ainda propõe uma análise mista, em que as

influências dos diversos conceitos para o termo região estejam presentes.

Ou seja, não existe um único conceito certo para o termo região. O que vai

importar mais, na verdade, é a adequação do conceito ao tipo de análise que se deseja e

ao tipo de exigência da pesquisa. Além disso, também é importante levar em

consideração a escala regional, já que região pressupõe um espaço delimitado. Dessa

forma, a categoria região se mostra como ampla e passiva de análises múltiplas, não

apenas dentro da ciência geográfica, mas como em tantas outras.

PENSANDO A PARTIR DA REGIÃO

Apesar de não se referir exatamente à região, alguns pensamentos de alguns

autores, estudiosos e filósofos contribuem para se pensar elementos considerados

embrionários para o termo, já que a característica do “singular” é perceptível nestes

pensamentos. Assim, fazer alguns levantamentos sobre esses pensamentos embrionários

da categoria região é relevante por mostrar as bases, deixando aí a possibilidade para

compará-las com as noções mais atuais e relacioná-las com as questões de

desenvolvimento.

O filósofo e matemático Pascal, construiu um raciocínio muito próximo ao da

ciência geográfica: “O universo é uma esfera infinita e o centro está em toda parte...”

 

[PASCAL apud SANTOS, 2006, p.212]. Apesar de ser uma enunciação de cunho

matemático, pode ser vista como uma metáfora para a condição de “ser” da região no

mundo atual, onde cada região pode ser vista como um dos centros do mundo. Ainda

que não fosse a intenção de Pascal, ele terminou por valorizar e afirmar a diversidade

espacial e sócio-cultural, diversidade esta que pode ser concretizada na região, ou

mesmo no lugar.

Tolstoi, um famoso autor da literatura russa, afirmou: “Se queres ser universal,

começa por pintar a sua aldeia.” [TOLSTOI apud OLIVEIRA, 2010, p.61]. Com essa

assertiva, Tolstoi alcança a região através da palavra “aldeia”. Antes, revela o desejo do

indivíduo ou da sociedade de “ser universal”, desejo este nunca antes tão mais sentido

do que nos dias atuais. Mas logo em seguida alerta para essa universalidade ser

alcançada a partir do espaço de identidade, que seja a região ou o lugar que está na

região.

Milton Santos, um famoso geógrafo brasileiro, construiu algumas assertivas que,

apesar de não estarem voltadas especificamente para a região, podem causar tal efeito.

Entre elas, algumas principais são: “Cada lugar é, à sua maneira, o mundo”. [SANTOS,

2006, p.213]; “Não existe um espaço global, mas, apenas, espaços da globalização”.

(ibden, p.229); “O conhecimento da totalidade pressupõe, assim, sua divisão”.

[SANTOS, 1997, p.95]. As palavras “lugar”, “espaços da globalização” e “divisão”, são

capazes de traduzir ou retratar o que é uma região. Certo que “lugar” é outra categoria

de análise, no entanto, a região contém o lugar, e estando o lugar em relação íntima com

a questão da identidade, a região também está.

Essas noções embrionárias sobre o termo região contribuem para pensarmos a

questão do desenvolvimento. Não estaremos aqui fazendo uma longa explanação sobre

a teoria propriamente dita do desenvolvimento regional. Estaremos incitando uma

reflexão mais geral sobre a posição da região dentro do processo de desenvolvimento,

viabilizado ou não por um processo maior: a globalização. Assim, essas noções

remetem muito à literatura que tem sido produzida sobre a relação entre

desenvolvimento e região, em que se deve pensá-lo a partir de suas especificidades

locais, sejam elas sociais, políticas, culturais e ambientais. Também proporcionam uma

reflexão sobre os motivos para se pensar e fazer dessa forma, a partir de uma divisão

regional:

 

Não cabe, certamente, redividir o território para atender mais depressa à vontade de lucro de empresas hegemônicas, ou à fome de votos de um político. Também não há por que mantê-lo indiviso por essas mesmas razões... A descentralização não apenas formal ou funcional, mas estrutural, pode e deve ser um instrumento de democracia política e social. [SANTOS, 2002, p.33]

A REGIÃO NA GLOBALIZAÇÃO

Partindo do atual contexto da globalização, alguns questionamentos sobre a

região podem ser feitos: Quais os principais conflitos existentes entre a região e a

globalização? Por que e para que a região ainda vive? Quais os mecanismos que

viabilizam a sobrevivência da região mediante o processo de globalização?

Globalização e regionalização são processos antagônicos ou complementares [cf.

LIMA, 2011; SÁ, 2007]? Os questionamentos são muitos e complexos, não podendo ser

contemplados em sua totalidade neste trabalho de reflexão. Mas algumas análises gerais

serão iniciadas, deixando abertura para questionamentos diversos.

Diante da principal característica da globalização, que é padronizar, existe outra

característica a qual muitos não conseguem visualizar com clareza, mas que não deixa

de ser importante, que é a característica de, antes, buscar o que é peculiar, diferente e

inédito. Ou seja, são duas características antagônicas, mas que ao mesmo tempo

convivem de maneira justaposta.

A globalização é produto, meio e condição do capitalismo, e um dos princípios

deste é a inovação. O princípio torna-se a necessidade da globalização. Essa inovação,

pode ser melhor observada nas diversidades regionais. As regiões são dotadas de

singularidades diversas, e a globalização, antes de padronizar pensamentos e objetos,

precisa identificá-las e assimilá-las. Assim, a globalização “não conduz necessariamente

a um impulso gerador de um incremento uniforme do progresso e do desenvolvimento

regional” [LIMA, 2001, p.130].

Ou seja, a singularidade é o elemento essencial para o “desejado” processo de

padronização: “Na realidade, a globalização agrava a heterogeneidade, dando-lhe

mesmo um caráter ainda mais estrutural”. [SANTOS, 2008, p.143]. Essa é a primeira

forma que permite observar a posição da região: uma posição de condição para um

processo. Assim, a região continua a sobreviver, quebrando o ponto de vista (de cunho

marxista) em que no sistema capitalista haveria tendência para a completa

 

homogeneização das formas de reprodução do capital, fazendo com que as regiões

desaparecessem (LIMA, 2011, p.124).

As regiões são vítimas de um processo chamado “seletividade espacial” que,

conseqüentemente e simultaneamente gera outro processo: a marginalidade espacial.

Enquanto uma região é selecionada para se investir determinada atividade, outras são

excluídas: Antigas regiões industriais perdem importância em detrimento de outros lugares criando uma desintegração espacial porque o capital migra constantemente em função das suas necessidades de reprodução, o que se traduz pela busca de novas vantagens locacionais. [CARLOS, 1996, p.41]

No entanto, vale salientar que, ao ser excluída da ação direta do investimento de

determinada atividade, a região não sofre uma exclusão completa e total, pois ela atua

enquanto espaço de consumo dessa atividade, portanto, é pensada juntamente com a

região selecionada. Hirschman apud Lima, um dos estudiosos da questão regional

relacionada às teorias do desenvolvimento/subdesenvolvimento, construiu uma

abordagem sobre polarização, entendendo que as regiões mais desenvolvidas atrairiam

capital e trabalho qualificado das mais atrasadas, o que realimentava a desigualdade; e

por outro lado, com o conceito de gotejamento das regiões desenvolvidas sobre as

consideradas atrasadas, diminuía a não convergência de investimento em uma região

apenas, por exemplo [2011, p.126].

Celso Furtado, ao falar do desenvolvimento da região Nordeste, por exemplo,

afirmava que seu atraso se dava justamente pela má distribuição ou transferência de

renda vinda de outras regiões. Ou seja, a prática do gotejamento, para Celso, não

resolvia o problema do Nordeste, ao contrário, agravava. [2006, p.388]. Teria que se

investir diretamente na região, e não ela somente se alimentar dos “restos” de outras

regiões, ficando apenas com a fatia menor do “bolo”.

A respeito das conseqüências dessa seletividade, Sá [2007, p.133] nomeia as

regiões em: regiões letárgicas e regiões luminosas. As regiões letárgicas constituem

justamente nas regiões excluídas, e abrigam as atividades mais pesadas ou “hardware”;

e as regiões luminosas são as aquelas que abrigam as atividades mais leves ou

“software” [ibdem, p.134]. E é aí que passamos a notar parte do tipo de

desenvolvimento ainda em curso no Brasil, em que, aproveitando-se das disparidades

 

sociais do país, grandes corporações transnacionais terminam se beneficiando dessas

desigualdades regionais (LIMA, 2011, p.10).

A globalização é o agente principal desses processos apenas enquanto força

predominantemente ideológica. No entanto, o Estado, por exemplo, é outro agente que

deve ser levado em consideração, pois ele atua enquanto força facilitadora dos

processos, inclusive o processo da globalização:

Ao contrário do que se repete impunemente, o Estado continua forte e a prova disso é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais dispõem de força normativa para impor, sozinhas, dentro de cada território, sua vontade política ou econômica. [SANTOS, 2008, p.77]

O Estado redireciona mais suas políticas para a dimensão econômica, em que as

questões sociais das regiões são deixadas meio de lado, contribuindo assim, para que a

sua força social local seja fragilizada. Essa é a segunda posição que a região assume:

posição da passividade. A região, por vezes, vê-se sem muitos instrumentos para impor

suas vontades próprias, porque entende que o Estado e o contexto da globalização são as

maiores forças. Podem até se constituírem como forças principais, mas isso não quer

dizer que elas sejam determinantes.

Mas a região também é viva. Não é apenas um acúmulo de formas e funções do

passado como aparenta ser para muitos. Ela é uma mescla de elementos do passado, do

presente e de elementos julgados como condicionantes para o seu futuro. Portanto, ela

age considerando esses elementos. Essa é a terceira posição que a região assume:

posição da ação.

Em relação ao caráter ativo da região, percebe-se o quanto a mesma pode servir

para dificultar certo tipo de homogeneização não desejada. Mas dificilmente uma

região, visando seu desenvolvimento atualmente, negará todos os elementos da

globalização. Assim, a região se torna ativa a partir do momento em que ela tem a

oportunidade de decidir acolher, adaptar ou rejeitar as ações globalizantes.

Quando se trata de elementos técnicos, de instrumentos e atividades que

causarão um impacto mais prático, as regiões costumam aceitar mais facilmente. Isso

porque há um forte desejo de se inserir na lógica do mercado dominante, na lógica

material e imaterial da globalização. Mas esse desejo ocorre devido a todo um discurso

 

imposto pela globalização em que, quem não aceitar suas “regras”, estará fora da arena

de competição, esta julgada como necessária para a sobrevivência de um lugar, região

ou qualquer outro espaço:

A necessidade de competir é, aliás, legitimada por uma ideologia largamente aceita e difundida, na medida em que a desobediência às suas regras implica perder posições e, até mesmo, desaparecer do cenário econômico. Criam-se, desse modo, novos “valores” em todos os planos, uma nova “ética” pervasiva e operacional face aos mecanismos da globalização. [SANTOS, 2008, p.57]

A região pode até aceitar mudanças técnicas mais facilmente, mas as mudanças

nas práticas culturais e pensamentos de uma região, algumas destas precisam de mais

tempo para serem analisadas, repensadas e assimiladas, pois se trata das únicas forças

genuínas de uma região, e estão envolvidas de elementos históricos e identitários, algo

enraizado e difícil de ser arrancado em curto espaço de tempo. Difícil, mas não

impossível, pois as possibilidades de mudanças estarão sempre postas.

PLANEJANDO O DESENVOLVIMENTO “PARA” E “A PARTIR” DA

REGIÃO

A região tem permanecido e marcado presença no atual contexto da globalização

como tem-se visto no decorrer desse trabalho. Mas em termos práticos e concretos,

como tem sido essa permanência? Os exemplos e as formas de abordá-los são muitos e

não caberia neste artigo. Assim, faremos algumas pontuações. Desde já, seguimos com

a ideia de Corragio apud Lima, para quem a região surge ao evidenciar as formas

históricas de inserção específicas na matriz produtiva nacional [2011, p.125]. Ou seja, o

destaque se dá para o caráter histórico das formas específicas de uma região, destaque

esse que determinará o seu tipo de desenvolvimento.

Iniciemos com um exemplo de menor porte, que diz respeito às ações de

algumas empresas, lembrando que as mesmas estão dentro do processo de

desenvolvimento, sejam como promotoras ou receptoras, ou ainda como as duas coisas.

Muitas empresas utilizam a região como um instrumento para o planejamento e para a

ação. Esse é um conceito que tem se tornado cada vez mais necessário para os

 

investidores atingirem seus êxitos. É preciso conhecer o local onde se vai investir para

só então saber como se vai investir:

Nunca na história do capitalismo os dados particulares das regiões foram tão bem aproveitados pelos capitalistas como hoje, graças às próprias possibilidades oferecidas pelos dados centrais do período como a ciência, a técnica e a informação. Em seu movimento global frenético, os investidores estão sempre buscando regiões e lugares mais rentáveis... [SÁ, 2007, p.118]

Os investidores passam a especular os espaços ou suas regiões de abrangência

antes de iniciar suas ações. Isso permite aos investidores realizar uma projeção dos seus

possíveis resultados. Como consequência dessa especulação, tem-se a marginalização

de outras regiões, questão essa já abordada anteriormente nesse trabalho: “as empresas,

na busca da mais-valia desejada, valorizam diferentemente as localizações. Não é

qualquer lugar que interessa a tal ou qual firma” [SANTOS apud SÁ, 2007, p.121].

Muitos afirmam equivocadamente que os dados, elementos ou informações

espaciais não interessam tanto às empresas, mas esta é uma visão que vem sendo

descartada cada vez mais. Isso porque é difícil acreditar fielmente que se possa investir

capital em qualquer lugar, reproduzi-lo em qualquer lugar [SÁ, 2007, p.123]. O capital

pode até ser deslocado entre os espaços, de forma eletrônica, mas não é qualquer espaço

que tem as condições ideais para a sua reprodução. E isso vai quase que “determinando”

a localização do desenvolvimento. Ao menos é assim que essa questão é percebida e

sentida pelas sociedades regionais.

Um outro exemplo de prática regional, pensada a partir da região e voltada para

a região, são as políticas regionais. Em relação ao Brasil, o país percebendo a sua

dimensão territorial e repensando a sua história, logo partiu para as políticas de caráter

regional, no intuito de facilitar o governo do país. As políticas foram surgindo de acordo

com as necessidades de cada época. Algumas políticas regionais atuais podem ser

pontuadas. Com a criação do Ministério da Integração Nacional, vários planos,

programas e políticas regionais surgiram: Política Nacional de Desenvolvimento

Regional (PNDR), Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste, entre outros.

 

É interessante observar como a categoria região está sendo colocada ou

trabalhada pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional, pois isso implicará nas

implementações e nos resultados do desenvolvimento almejado. A Política em questão

expressa duas perspectivas de regiões: a região homogênea e a região funcional. A

região homogênea é aquela onde os intervalos das variáveis selecionadas definem

espaços mais ou menos homogêneos; já a região funcional, sua característica principal

está nas múltiplas relações que ela consegue manter e que a faz diferente das outras

[GOMES, 1995, p.63-64].

Ao longo dos cartogramas e das apresentações das estatísticas, nota-se a

utilização das macrorregiões brasileiras, consideradas então como regiões homogêneas

(Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), bem como as seguintes divisões: sub-

região e microrregião, onde algumas variáveis apresentam estas divisões enquanto

regiões funcionais, como, por exemplo, no cartograma do crescimento do PIB que, em

alguns casos a dinâmica econômica ultrapassa os limites das macrorregiões

(homogêneas). Sendo assim, a Política em questão está atenta para os territórios onde

ocorrem as dinâmicas, e voltada para onde elas estão ausentes.

Ao falar do contexto atual, a Política de Desenvolvimento Regional esclarece as

razões pelas quais determinadas regiões conseguem ser dinâmicas e outras não:

primeiro porque “as grandes empresas internacionais e, em especial, o capital financeiro

desregulado ganharam autonomia para se localizar e relocalizar conforme condições

mais ou menos propícias à geração de lucros”; segundo, porque “os governos nacionais

e locais perderam controle sobre o próprio desenvolvimento”.

Confirma-se, portanto, o que vem sendo discutido ao longo desse artigo: valores

externos (empresas internacionais) sendo prevalecidos e vontades internas (governo

local) sendo enfraquecidas. Isso nos remete à ideia sobre desenvolvimento regional

construída por Celso Furtado, em que afirmava que seriam sempre dependentes as

sociedades que absorvessem valores externos, padrões de comportamento com origem

em outros contextos culturais e que não fazem correspondência com a realidade material

[1984, p.64]. O que Celso queria dizer era que o desenvolvimento teria de partir de

dentro da realidade da região Nordeste, devendo considerar sua história de dupla

dependência, o que contribuiu para a capacidade criativa do nordestino. O Nordeste

precisa de uma política de desenvolvimento própria, e Furtado afirma que um primeiro

 

passo é abandonar “a ideia de equiparar o nível da renda do nordestino ao do habitante

do Centro-Sul” [ibdem, p.75].

São três as teorias clássicas que tratam da questão do desenvolvimento regional:

a Teoria da Base de Exportação, a Teoria da Difusão e a Teoria dos Pólos de

Crescimento; e nessas teorias, uma força externa (exógena) é valorizada de

sobremaneira [LIMA & OLIVEIRA, 2003]. Assim, essas teorias contrariam o

pensamento de Celso Furtado exposto anteriormente, anulando a possibilidade de

promover um desenvolvimento a partir das forças endógenas de determinada sociedade.

Como afirmam Lima e Oliveira: “Pensar em desenvolvimento regional é, antes de

qualquer coisa, pensar na participação da sociedade local no planejamento contínuo da

ocupação do espaço e na distribuição dos frutos do processo de crescimento” [ibdem,

p.31].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão regional, ao contrário do que muitos pensam, está cada vez mais em

evidência nos mais diversos aspectos da sociedade, desde as especulações das pequenas

empresas até as políticas de nível internacional. A globalização ainda não conseguiu a

desejada homogeneização, ao contrário, acirrou ainda mais as diferenças locais. Assim,

a globalização e a regionalização são fenômenos distintos, conseqüentes e

complementares ao mesmo tempo.

A região passa a ser uma categoria fundamental para explicar o mundo, pois é

nela que se pode ver a materialização da relação entre sociedade e natureza com maiores

detalhes a partir do conhecimento de algumas dinâmicas, estruturas e processos. É

importante considerar essas dinâmicas, estruturas e processos enquanto modificadas no

tempo, originando novos arranjos regionais. Compreendendo as formas regionais do

passado, compreende-se o presente, o que permite um planejamento de

desenvolvimento de forma mais consciente para projetar o futuro de uma região, pois

será um desenvolvimento apoiado nas principais forças regionais: sua história, sua

cultura e seu ambiente.

O mais importante a ser levado em consideração em um estudo regional é não

ver a região como autônoma, mas sim enquanto espaço social em interdependência com

 

outros. A região tem as suas particularidades, suas formas específicas, seu pensamento

próprio, mas isso não significa que a mesma se volte apenas para si. Ao contrário, ela

também está em contato com outras regiões, porque entende que isso é necessário para a

sua sobrevivência nos mais diversos aspectos: econômico, político e social.

Portanto, os projetos ou programas de desenvolvimento a partir da região devem

estar atentos para estas questões (formas antigas e atuais, áreas de abrangência,

influência da globalização) desde a sua concepção, passando pela elaboração e

implementação. Mesmo depois de colocados em prática, os projetos de

desenvolvimento regional devem ser revisados e avaliados em função das dinâmicas das

sociedades. A região não é estática, algo dado, algo que sempre existiu daquela forma.

A região é dinâmica, e toda intervenção a ser feita deve considerar esse fato.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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