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GLOBALIZAÇÃO, FEDERALISMO E TRIBUTAÇÃO Fernando Rezende * Resumo A globalização financeira, a ampliação crescente das trocas internacionais e a formação de blocos econômicos regionais apontam para novos desa- fios à consolidação de regimes federativos. No cerne dessa questão está o problema da autono- mia fiscal. A imposição de controles e limites ao gasto, ao endividamento e à competência dos go- vernos subnacionais para instituir e regular tributos enfatizam a necessidade de reforçarmos os laços que podem aumentar a cooperação na Federação. Este artigo aborda a relação entre globalização, federa- lismo e tributação e aponta para o risco de desinte- gração nacional, propiciado por novas oportunida- des de relacionamento econômico com regiões de países vizinhos, na ausência de reformas que refor- cem o caminho do federalismo cooperativo e pro- movam a coesão nacional. * Assessor especial do ministro Alcides Tápias – Ministério do Desenvolvimen- to, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e professor da Fundação Getúlio Vargas.

GLOBALIZAÇÃO, FEDERALISMO E TRIBUTAÇÃO · As pressões por harmonização fiscal oriundas da globalização dos mercados manifestam-se, inicialmente, e com mais intensidade, no

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GLOBALIZAÇÃO, FEDERALISMO ETRIBUTAÇÃO

Fernando Rezende*

Resumo

A globalização financeira, a ampliação crescentedas trocas internacionais e a formação de blocoseconômicos regionais apontam para novos desa-fios à consolidação de regimes federativos. Nocerne dessa questão está o problema da autono-mia fiscal. A imposição de controles e limites aogasto, ao endividamento e à competência dos go-vernos subnacionais para instituir e regular tributosenfatizam a necessidade de reforçarmos os laços quepodem aumentar a cooperação na Federação. Esteartigo aborda a relação entre globalização, federa-lismo e tributação e aponta para o risco de desinte-gração nacional, propiciado por novas oportunida-des de relacionamento econômico com regiões depaíses vizinhos, na ausência de reformas que refor-cem o caminho do federalismo cooperativo e pro-movam a coesão nacional.

* Assessor especial do ministro Alcides Tápias – Ministério do Desenvolvimen-to, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e professor da Fundação Getúlio Vargas.

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1 Introdução: Autonomia Federativa e PrincípiosTributários

ma das preocupações importantes no desenho de siste-mas tributários em regimes federativos é assegurar o ne-cessário equilíbrio entre a repartição de competências

impositivas e a autonomia financeira dos entes federados. Em tese,a repartição das competências deveria guardar uma estreita relaçãocom o alcance territorial das principais bases tributárias, de modo aestabelecer laços mais sólidos de responsabilidade entre o governoe o cidadão-eleitor e a limitar as possibilidades de deslocamentodo contribuinte para evitar o pagamento do imposto. Na prática, oproblema é mais complexo, pois nem sempre o modelo ideal écapaz de assegurar o equilíbrio mencionado.

No modelo ideal, as três principais bases tributárias conhecidas –renda, consumo e propriedade − seriam repartidas de acordo com oprincípio de mobilidade dessas bases e de modo a estabelecer umarelação mais estreita entre o contribuinte e o poder público encarre-gado da sua administração. Assim, a propriedade imobiliária, fisica-mente imutável, ficaria no campo das competências municipais, en-quanto o consumo, que se concentra em um espaço mais amplo,deveria ser objeto de tributação pelos governos estaduais ou provin-ciais. Ao governo nacional seria reservada a competência para importributos sobre a renda originada em qualquer parte do país.

Claro está que a aderência a uma recomendação dessa natureza éimpossível de ser encontrada. Por um lado, as diversidades regio-nais, com respeito ao tamanho da população, renda ‘per capita’,padrões culturais, capacidade administrativa e carências sociais, nãopermitem acomodar as necessidades financeiras de cada entefederado com base numa rigorosa repartição das três bases tributá-rias mencionadas. Por outro lado, as flutuações cíclicas da economiarecomendam opções mais diversificadas para evitar uma indesejá-vel instabilidade nas receitas orçamentárias que comprometem aadministração eficiente dos orçamentos públicos.

Na realidade, cada federação adota a solução mais compatível comsuas especificidades, não sendo possível falar da existência de um

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padrão. Se as desigualdades regionais são grandes, o equilíbrio en-tre a repartição de competências e a autonomia federativa dependede um eficiente sistema de transferências compensatórias, capaz deequilibrar os interesses dos estados mais desenvolvidos, que prefe-rem mais autonomia para tributar, e os dos estados mais atrasados,que necessitam complementar suas fracas possibilidades de arreca-dação com transferências promovidas pelo poder central.

Outro elemento que afeta as decisões sobre o grau dedescentralização fiscal e sobre a natureza dos tributos atribuídos àcompetência de estados e municípios é a capacidade administrati-va. Com freqüência, alega-se que uma baixa capacidade adminis-trativa não permite maiores avanços com respeito ao aumento dascompetências dos governos subnacionais para instituir e arrecadaros impostos modernos, o que acaba por conduzir a soluções maiscentralizadas para evitar a perda de qualidade do sistema.

De qualquer modo, a busca do equilíbrio federativo implica maiordiversidade de opções tributárias, quase sempre centradas na exis-tência de múltiplas incidências indiretas sobre o consumo de mer-cadorias e serviços. Tributos cumulativos, de mais fácil cobrança efiscalização, convivem com formas mais modernas de tributação doconsumo, a exemplo do imposto sobre o valor agregado, gerandodistorções e ineficiências que prejudicam o contribuinte e acompetitividade da economia. Em conseqüência, fica mais difícilconciliar as necessidades próprias de uma federação com a rigorosaobservância dos princípios clássicos de eficiência e eqüidade natributação.

A globalização e a formação de mercados comuns e uniõeseconômicas alteram a situação vigente e introduzem novos desafi-os para o equilíbrio fiscal em federações. Com a remoção das bar-reiras à livre circulação de mercadorias e serviços em toda a regiãoabrangida pela união econômica, as diferenças de tratamento tribu-tário também precisam ser removidas, sob pena de prejuízo paraos membros do bloco que mantiverem impostos que penalizam aprodução, os investimentos e a exportação. Por seu turno, as pres-sões por harmonização fiscal produzem um efeito positivo com res-peito à necessidade de maior atenção aos princípios tributários que

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asseguram a integração competitiva ao mercado comum e à eco-nomia global.

O objetivo deste ‘paper’ é , portanto, o de examinar as conseqüên-cias tributárias da integração econômica para o caso específico depaíses que adotam a forma federativa de organização. Para tanto, umbreve comentário sobre o processo de harmonização fiscal em uni-ões econômicas precede a análise das conseqüências da globalizaçãopara a autonomia federativa e o equilíbrio regional. Esta, por sua vez,constitui o pano de fundo sobre o qual se assenta a proposta de umnovo federalismo fiscal capaz de conciliar as necessidades daharmonização tributária com as exigências da eficiência econômica eda cooperação intergovernamental. Algumas reflexões sobre o futu-ro são apresentadas ao final, a título de conclusão.

2 O Processo de Harmonização Fiscal em UniõesEconômicas

Ultrapassado o estágio inicial de formação de uma união econômica,com a unificação da política tarifária, a harmonização dos sistemastributários passa a ser uma imperiosa necessidade. Não por acaso, aComunidade Européia trilhou, desde o início, o caminho daharmonização tributária. O ritmo e a velocidade com que esse ca-minho pode ser percorrido dependem da magnitude das diferen-ças preexistentes e das pressões externas que interferem no seudesenrolar. Com o avanço da globalização, a influência das pres-sões externas é agora mais forte do que no passado, implicando anecessidade de se avançar bem mais rapidamente hoje, em com-paração com o ritmo observado na experiência européia, ao longodas últimas quatro décadas.

As pressões por harmonização fiscal oriundas da globalização dosmercados manifestam-se, inicialmente, e com mais intensidade, nomercado financeiro. Como o dinheiro é a mercadoria que circulacom maior facilidade e rapidez, práticas tributárias muito diferenci-adas nesse mercado, em economias maduras, penalizam os paísesque fugirem ao padrão aceitável internacionalmente, exigindo umarápida necessidade de ajustamento (o rebaixamento das alíquotas

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do Imposto de Renda de pessoas e de empresas, promovido pelosEstados Unidos, em 1986, provocou uma rodada semelhante nospaíses europeus). Países em desenvolvimento, cujas margens derentabilidade do capital investido forem mais favoráveis do que opadrão vigente, teriam um espaço extra para manter uma diferen-ça de tratamento, mas, à medida que se integrarem mais ao mer-cado internacional, esse espaço tornar-se-á mais estreito.

Tomados em conjunto, as pressões externas e os interesses coletivosda união econômica apontam para um desfecho rápido com res-peito à harmonização tributária do mercado financeiro. Na conclu-são desse percurso, a tributação dos fluxos financeiros deve serabolida e o imposto incidente sobre o resultado das aplicações re-alizadas (lucros, dividendos, juros, etc.) deve ser ajustado ao pa-drão internacional, em curto espaço de tempo. Para a tributação darenda, Vito Tanzi (1995) aventa a possibilidade de o avanço daintegração econômica internacional forçar o retorno de um impostocedular sobre a renda familiar, para que a renda do capital ( juros edividendos, por exemplo) adapte-se mais facilmente à globalizaçãodo mercado financeiro, eliminando as vantagens hoje concedidaspor paraísos fiscais.

No mercado de produtos, as mudanças são mais lentas. Distâncias,hábitos de consumo, barreiras não tributárias ao comércio oferecemuma razoável margem de manobra para a tributação. Nesse caso, aspressões externas podem ser sentidas com menos intensidade, masas exigências da união econômica são onipresentes. Eliminadas to-das e quaisquer restrições à livre circulação de mercadorias e servi-ços no interior do bloco, a abolição das assimetrias tributárias assu-me total prioridade.

Conforme se mencionou, o caminho trilhado pela Comunidade Eu-ropéia nesse particular precisa, agora, ser percorrido com maiorvelocidade. A substituição de múltiplas incidências sobre o proces-so produtivo por um imposto de base ampla sobre o consumo demercadorias e serviços, segundo o método do valor agregado, talcomo o adotado na Comunidade Européia, já foi feita, ainda queparcialmente, por quase todas as economias ocidentais. Isso per-mite avançar mais rapidamente na harmonização tributária, com

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base na adoção de regras uniformes para o Imposto sobre o ValorAgregado (IVA) para atender aos apertados calendários deimplementação de novas propostas de formação de uniõeseconômicas em outras partes do mundo.

A menor mobilidade encontrada no mercado de trabalho sugereque aí são encontradas as maiores resistências à harmonização. Cres-centes barreiras à imigração, principalmente de mão-de-obra me-nos qualificada, decorrentes dos elevados índices de desemprego,fazem que as pressões internacionais, nesse caso, sejam menos re-levantes. Em uniões econômicas, diferenças culturais e lingüísticastambém amortecem a pressão por maior harmonia nos tributos inci-dentes sobre a mão-de-obra.

No mercado de trabalho, a preocupação com a harmonização ésubstituída pela exigência de desoneração. Nesse caso, o que pro-voca mudanças é a necessidade de reduzir os custos de produçãodecorrentes de pesados encargos trabalhistas, para ganhar melho-res condições de competir no mercado internacional.

Conciliar as necessidades de harmonização tributária para a forma-ção de uniões econômicas com os problemas fiscais de uma federa-ção é uma tarefa que ainda carece de maiores estudos e reflexões.O ponto focal, na busca dessa conciliação, deve estar na reavaliaçãodo princípio da autonomia federativa. Quanto mais se avança norumo da harmonização tributária, menor fica o espaço para o exer-cício da capacidade impositiva dos governos subnacionais. De ou-tra parte, quanto mais se avança na formação de uma uniãoeconômica, maiores são as restrições impostas à gestão orçamentá-ria de todos os entes federados. As próximas seções buscam reuniralguns argumentos a esse respeito.

3 Globalização e Autonomia

Juntamente com a globalização dos mercados, a consolidação deblocos econômicos regionais vem impondo crescentes limites à au-tonomia dos Estados nacionais. O fortalecimento das instituições en-carregadas de exercer o controle e a fiscalização do comércio e arbi-trar os conflitos decorrentes do não-cumprimento dos acordos esta-

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belecidos é uma manifestação importante da submissão a normassupranacionais, que é ainda mais severa quanto mais avançado for oestágio das distintas experiências de integração econômica regional.

A esse respeito, a experiência da Comunidade Econômica Euro-péia é exemplar. Na seqüência da liberação das barreiras tarifáriasao livre fluxo de mercadorias e serviços nos limites do MercadoComum Europeu, crescentes avanços foram alcançados no rumo daplena harmonização das políticas econômicas, indispensável ao pro-jeto da unificação européia. Da harmonização da tributação inci-dente sobre a produção e a circulação de mercadorias e serviços,passou-se à etapa mais ambiciosa da unificação monetária, já emfase inicial de implantação. Com a unificação monetária, novos avan-ços são exigidos no campo da harmonização tributária, especial-mente na tributação da renda, o que vem sendo agora objeto deatenção. As queixas recorrentes ao crescente poder da burocraciainstalada em Bruxelas revelam a insatisfação de alguns com a perdade autonomia que acompanha os estágios mais avançados dos pro-cessos de integração.

Regimes federativos são duplamente afetados. A harmonização dapolítica tributária afeta um dos pilares centrais da autonomia dosentes federados, centrada na repartição das competências impositivase nos mecanismos de repartição de receitas constitucionalmentedefinidos. Além disso, o livre acesso ao crédito é também cercea-do, à medida que um rígido controle sobre o déficit público écondição ‘sine qua non’ para a harmonização das políticasmacroeconômicas que deve acompanhar o avanço no sentido deestágios mais avançados de integração.

Nesse contexto, o conceito de autonomia federativa precisa serreavaliado. Em parte, as rígidas limitações à mobilização de recur-sos podem ser compensadas por maior liberdade no tocante à suautilização, desde que as exigências do equilíbrio fiscal sejam res-peitadas. Além disso, é possível explorar os espaços que perma-necem para a geração de receitas próprias vinculadas à prestaçãode serviços de âmbito local, em benefício, principalmente, da au-tonomia municipal.

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Uma evidência interessante que acompanha a perda de autonomiados Estados nacionais é o fortalecimento dos governos locais e adisseminação, por toda a parte, de experiências de municipalização.Com o abandono das posições estatizantes, a revisão do papel doEstado na economia volta-se para o fortalecimento de sua capaci-dade de regulação, em nível nacional, e a transferência das respon-sabilidades públicas, no campo da provisão de serviços coletivos esociais, para os governos locais. À medida que a assunção dessasresponsabilidades for financiada com recursos oriundos dos própri-os beneficiários dos serviços prestados, o reforço do poder deatuação e da autonomia municipal não compromete a harmonizaçãoexigida pela globalização. Claro que em situações de acentuadasdesigualdades sociais e elevada pobreza, como é o caso do Brasil,o financiamento das atividades transferidas aos municípios requer acooperação dos demais entes federados, para evitar o crescimentoda exclusão social.

A questão da autonomia não se restringe às relações entre gover-nos, tanto no plano internacional quanto no doméstico. Aumenta, acada dia, o controle das grandes empresas multinacionais sobre osfluxos de comércio. Em 1993, a UNCTAD apurou que 44% das ex-portações norte-americanas correspondiam a trocas de componen-tes, produtos finais e serviços entre empresas transnacionais, por-centagem essa que já é certamente maior hoje em dia. No Brasil, ocenso do capital estrangeiro realizado pelo Banco Central, em 1995,indica que 17% dos fluxos do comércio internacional já ocorrementre empresas multinacionais.

Essas porcentagens tendem a crescer à medida que o processo defusões e aquisições que vem ocorrendo em todo o mundo consoli-de uma estratégia de investimentos na escala planetária, sustenta-da em uma política de divisão de mercados e estabelecida combase em um planejamento estratégico de longo prazo.

Estudo recente [Dupas, 1998] mostra que as cem maiorescorporações mundiais detêm 35% do estoque de investimentosdiretos no mundo e 80% do fluxo de pagamentos internacionais de‘royalties’ e ‘fees’. Também aponta que os líderes da produçãoglobal estão reduzidos a algumas dezenas, mesmo em setores

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menos concentrados, como o automobilístico, em que os cincomaiores fabricantes já detêm mais de 40% da produção mundial.

No campo financeiro, a virulência das crises provocadas pela açãodos capitais especulativos nas distintas regiões do globo tem força-do a necessidade crescente de adaptação a padrões internacional-mente reconhecidos como representativos de economias saudá-veis: equilíbrio fiscal e externo, resultante de sólidas políticas mo-netária e tributária, tal como o contemplado no Tratado de Mäastrich.Independentemente do resultado das sucessivas conversas que ochamado G-7 vem tendo sobre a necessidade de controle sobre amovimentação internacional de capitais, é pouco provável que issoaltere significativamente a crescente necessidade de submissão apadrões internacionalmente aceitos como representativos de boacondução da política macroeconômica para a inserção competitivano mundo moderno.

4 Globalização e Regionalismo

Um aspecto importante das conseqüências de um aprofundamentoda globalização e da integração regional, de especial relevânciapara a questão federativa, é seu impacto regional. Não por acaso, aComunidade Européia instituiu, desde o início, uma abrangenteproposta de política regional sustentada em fundos orientados paraa modernização das economias mais atrasadas do bloco. Tal pro-posta sustenta-se na percepção de que o bloco europeu será tãoforte quanto a capacidade de resistência dos elos mais fracos de suacadeia. Assim, os países mais avançados disponibilizam recursosque são prioritariamente aplicados em programas de infra-estrutu-ra, melhoria de recursos humanos e modernização tecnológica naseconomias menos desenvolvidas da região, de modo a prepará-laspara participarem em melhores condições do mercado unificadoeuropeu e do mercado global.

Outro aspecto que conduz a uma especial atenção com a questãoregional é o já mencionado controle das multinacionais sobre osinvestimentos que estão sendo realizados com vistas aoposicionamento estratégico nos mercados regionais e o aumentode sua participação no mercado mundial. Pesquisa da CEPAL sobre

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investimentos no Brasil no período 1995-97, comentada na revistaRumos do Desenvolvimento, de outubro de 1998, mostra que dosseis setores que mais expandiram os investimentos nesse período− automotivo, eletroeletrônico, farmacêutico, alimentos, siderúrgi-co e plásticos −, os quatro primeiros apresentam presença intensivade empresas multinacionais e foram também aqueles que mais in-vestiram na expansão da capacidade produtiva. No caso brasileiro,o tamanho do mercado interno e as oportunidades que a localiza-ção de novas plantas industriais oferece para acesso privilegiado aomercado regional – MERCOSUL e outros blocos econômicos – têmsido apontados, nessa e em outras pesquisas recentes, como umdos fatores determinantes da intenção de grandes empresas, tantoas controladas por capital estrangeiro quanto as nacionais, em au-mentar os seus investimentos no Brasil, apesar das dificuldadesexistentes. Não por acaso, a nova rodada de ampliação das plantasautomobilísticas no Brasil assistiu a uma forte presença de investi-mentos nos estados do extremo sul – Paraná e Rio Grande do Sul −,em parte explicada por sua maior proximidade do MERCOSUL.

Nesse contexto, a capacidade de os Estados atuarem para evitar oagravamento das disparidades regionais depende cada vez maisda cooperação. Os fatores que tradicionalmente influenciavam nadecisão de localização de atividades produtivas – mão-de-obrabarata, proximidade das fontes de matéria-prima e dos principaismercados consumidores, e baixo índice de organização sindical –perdem força de atração à medida que a ênfase na produtividade,as novas facilidades para o deslocamento de mercadorias e serviçosa longas distâncias e baixos custos, o crescimento do comércioeletrônico e o abandono das antigas crenças de antagonismo entreo capital e o trabalho tornam esses fatores obsoletos.

Junto à obsolescência das antigas vantagens locacionais vai o poderde indução dos incentivos fiscais. Não só as exigências daharmonização fiscal reduzem progressivamente o grau de liberda-de para a concessão unilateral de vantagens fiscais, que no passadoconstituíam forte incentivo ao deslocamento de plantas industriaispara regiões menos desenvolvidas, como também a sustentaçãode situações artificiais torna-se inviável em um mundo cada vezmais competitivo. Incentivos fiscais transformam-se em subsídios,

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que retiram do governo recursos essenciais para o pleno exercíciode suas responsabilidade sociais, enquanto engordam os lucrosdaqueles que deles se beneficiam.

A importância que a questão regional tem para a discussão de umnovo equilíbrio federativo exige que essa nova realidade seja ampla-mente percebida. Ao mesmo tempo em que a abertura e a globalizaçãolevantam suspeitas de que poderiam vir a ser acompanhadas de umanova rodada de ampliação das desigualdades regionais no Brasil, elascriam oportunidades para maior estreitamento das relações econômicasde regiões menos desenvolvidas com o exterior, com o conseqüenterisco de enfraquecimento dos interesses que até agora serviram debase para a sustentação da coesão nacional.

A Amazônia fornece um bom exemplo dessa possibilidade. A cres-cente vinculação da economia amazônica ao mercado internacionaljá é uma realidade, que tende a se acentuar pelas novas possibili-dades de acesso dos produtos de sua base natural de recursos –mineral, agropecuária e madeireiro –, para não falar da exploraçãoda biodiversidade, aos mercados do norte, cada vez mais ávidosdo consumo da natureza, e pela perspectiva de acesso dos produ-tos da Zona Franca de Manaus aos mercados do Caribe e dos paísesque integram o Pacto Andino. Idênticas possibilidades podem seraventadas para o Nordeste, para onde boa parte da indústria tradi-cional – calçados, tecidos e confecções – já está indo atraída pormenores custos salariais e maior proximidade dos mercados mun-diais. Na economia global, a industrialização do Nordeste deixa deser caudatária do que acontece no sul do País, uma vez que passaa ter acesso a máquinas, equipamentos e insumos importados apreços às vezes inferiores aos domésticos e de qualidade superiorno tocante à incorporação de modernas tecnologias.

Na porção meridional do País, o MERCOSUL também é objeto degrandes expectativas quanto aos ganhos esperados da integração,levantando preocupações nas demais regiões com respeito às con-seqüências do aprofundamento da integração deste bloco para asdemais regiões do país.

Trata-se, portanto, de evitar que a integração regional acarrete adesintegração nacional e, para isso, é fundamental promover a

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harmonização tributária interna e externa e substituir o antagonis-mo pela cooperação. No redesenho do federalismo brasileiro, essessão aspectos centrais a serem considerados.

5 Harmonização Tributária e Federalismo Fiscal

No caminho da harmonização tributária, a substituição de um variadonúmero de impostos que incidem sobre bases estreitas por um redu-zido número de tributos de base ampla veda a possibilidade de oequilíbrio federativo ser alcançado mediante atribuição de compe-tências tributárias exclusivas a cada um dos entes de uma federação.O recurso a competências concorrentes também não é compatívelcom as exigências de normas e de práticas administrativas uniformesem todo o território nacional. Dessa forma, é necessário adotar umregime de competências partilhadas, no qual uma mesma baseimpositiva − o consumo, principalmente − passa a ser objeto de tri-butação simultânea pelas entidades que compõem a federação.

Partilhar competências é distinto de partilhar as receitas dos tributos.Na partilha de receitas, o tributo pertence a uma das partes, quasesempre o governo central, que se encarrega da sua administração ecobrança e reparte o produto da arrecadação com os estados-mem-bros de acordo com regras estipuladas na legislação. Na partilha decompetências, o tributo pertence a ambos, União e estados, quenegociam conjuntamente, no Congresso Nacional, a legislação apli-cável e as alíquotas que correspondem à parcela de cada um notributo em questão. Ambos submetem, portanto, sua autonomia paralegislar em matéria tributária ao Poder Legislativo nacional.

A partilha de competências tributárias é um instrumento podero-so de incentivo à cooperação. Uma base impositiva comum e umalegislação nacional uniforme conduzem à cooperação intergover-namental no campo da administração tributária, com benefíciosnão desprezíveis para o contribuinte e para o fisco. Do ponto devista do contribuinte, a simplificação decorrente da adoção deuma base única para cálculo dos débitos fiscais reduz o custo dasobrigações acessórias e dispensa a necessidade de recurso a dife-rentes instâncias para a solução de conflitos de interpretação. Doponto de vista do fisco, a integração de cadastros e a fiscalização

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conjunta aumentam a eficiência do combate à fraude e à sonega-ção, ao mesmo tempo em que permitem obter substanciais econo-mias administrativas.

O antagonismo que freqüentemente se manifesta sob a forma deconcessão de incentivos fiscais para a atração de indústrias cedeespaço para a adoção de políticas ativas de atração de atividadeseconômicas modernas por meio de programas de investimento namelhoria da infra-estrutura, dos serviços urbanos e dos programassociais, notadamente os de melhoria do ensino básico e da assis-tência médico-hospitalar.

Na implementação dessas políticas, a co-participação no financia-mento é a contrapartida da partilha de competências. Por meio dela,fica mais fácil avançar na direção de maior descentralização das res-ponsabilidades públicas, sem que seja necessário incorrer em uma‘overdose’ de transferências. Com a repartição das receitas tributáriasna Federação, guardando uma relação mais estreita com a renda e oconsumo local, a co-participação no financiamento poderia ser defi-nida em função das necessidades de complementação, pela União,dos recursos necessários para assegurar um padrão mínimo de aten-dimento em todos os estados federados, mantida a regra de que aresponsabilidade principal deve estar na esfera local.

Outra vantagem importante da partilha de competências é a con-tribuição que ela traz para a estabilidade normativa. A partilha deuma ampla base tributária entre os componentes de uma federaçãotorna mais difícil a ocorrência de freqüentes mudanças na legisla-ção, pois para isso seria necessário conciliar distintos interesses quenem sempre estariam de acordo com a necessidade e a naturezada mudança pretendida. Mais estabilidade também é importante,juntamente com o reforço das regras de anterioridade e anualidade,para dar mais segurança ao contribuinte e estabelecer um ambientepropício a decisões de investimento e à atração de capitais, defundamental importância para a ampliação das perspectivas de con-solidação da união econômica e de crescimento do bloco.

Assim, embora a harmonização tributária implique perda de autono-mia dos estados federados nos processos de formação de uniõeseconômicas, a harmonização é vantajosa do ponto de vista dos prin-

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cípios de tributação. O foco na competitividade, exigência daglobalização dos mercados, reforçada pela necessidade da integração,repõe a preocupação com a neutralidade dos impostos no centrodos debates sobre as reformas tributárias que estão sendo objeto deatenção em vários países. Ao lado disso, a proteção do contribuintetambém ressurge com maior força, tendo em vista a necessidade depreservar um ambiente favorável aos negócios e de estabelecer umarelação mais madura entre os contribuintes e o fisco.

Outro princípio tributário que também é recuperado é o princípiodo benefício. Conforme já foi antecipado, a contrapartida da perdade autonomia tributária dos estados federados é o maior espaçopara a atuação do poder público local. No mercado global, os mu-nicípios, principalmente aqueles onde se situam as grandes metró-poles nacionais e regionais, são chamados a assumir maiores res-ponsabilidades com respeito ao atendimento das demandas de seuscidadãos e podem, para tanto, recorrer mais intensamente a contri-buições cobradas diretamente dos usuários/beneficiários dos servi-ços públicos indispensáveis ao funcionamento das cidades e à qua-lidade da vida urbana.

Por seu turno, a ênfase na microeconomia põe de lado os princípiostributários que se relacionam com as questões de eqüidade. De umlado, a progressividade da tributação da renda é afetada pela cres-cente mobilidade dos capitais e dos profissionais liberais mais qua-lificados. De outro, a seletividade na tributação do consumo tam-bém é limitada pela competição no mercado regional e global. Issofaz que as preocupações com a justiça fiscal desloquem-se para olado do gasto, mediante prioridade na aplicação de recursos públi-cos em programas voltados para a eliminação dos fatores que im-pedem a mobilidade social.

A suficiência dos tributos, sob a ótica da geração dos recursos neces-sários para o atendimento das responsabilidades do Estado, tambémé afetada pelas limitações macroeconômicas associadas à sustentaçãodo equilíbrio fiscal, exigindo esforços crescentes para aumentar aeficiência da administração pública de modo a manter a carga tribu-tária global nos limites impostos pela competição internacional.

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6 Comentários Finais

As conseqüências da globalização financeira, da ampliação crescentedas trocas internacionais e da formação de blocos econômicos regio-nais apontam para novos desafios à consolidação de regimes federa-tivos, e estimulam a reflexão sobre o desenho de mecanismos decooperação que possam, de fato, manter coesa a Federação.

A Federação reforça a descentralização e a descentralização ampliaos espaços da democracia. Também é certo que a descentralização,ao mesmo tempo em que lubrifica o funcionamento dos regimesdemocráticos, suscita algumas preocupações importantes como, porexemplo, as relativas à redução das desigualdades sociais e à sus-tentação do equilíbrio macroeconômico.

Por um lado, a descentralização dos recursos e do poder paraadministrá-los afeta a capacidade de o Estado atuar com a finalida-de de evitar a concentração regional da renda, aumentando asperspectivas de ampliação das desigualdades. Por outro, ela au-menta as dificuldades de coordenação da política fiscal, com riscospara o atingimento das metas de equilíbrio macroeconômico. Daí aimposição crescente de limites ao exercício do poder dos estadosfederados, em função das exigências macroeconômicas e das ne-cessidades de harmonização fiscal.

No cerne dessa questão está o problema da autonomia. Que nívele que espécie de autonomia dos governos subnacionais será possí-vel preservar, para que uma das vantagens da federação, que é ade poder lidar com as diversidades regionais sem perder de vista aunidade nacional, possa ser de fato sustentada?

No plano fiscal, todas as recomendações convergem para a imposi-ção de controles sobre as unidades subnacionais. Limitações ao gastode estados e municípios e o estabelecimento de novas regras decontrole sobre o endividamento estadual e municipal cerceiam aautonomia na gestão orçamentária. Do lado dos recursos, propostasde reforma tributária, centradas na necessidade de uma legislaçãotributária nacional para o Imposto sobre o Valor Agregado, a serpartilhado entre o governo federal e os estados, também signifi-

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cam retirar destes últimos competência para regular os impostosque constituem sua principal base de financiamento.

As limitações à autonomia fiscal enfatizam a necessidade de refor-çarmos os laços que podem aumentar a cooperação na federação.O federalismo cooperativo é certamente o caminho. A questão écomo esse federalismo cooperativo poderá ser implantado, tendoem vista as manifestações recorrentes de antagonismo e a ausênciade novos estímulos à cooperação.

No Brasil, e creio que em outras federações, assistimos a demons-trações crescentes de antagonismo entre os estados federados. Umexemplo marcante desse antagonismo é o ressurgimento de umaguerra fiscal predatória, na qual os estados concedem favores cadavez mais generosos para atrair indústrias para seus territórios. Tam-bém é revivido o velho sentimento do cidadão de renda médiados estados mais ricos, que se sentem penalizados por mais impos-tos, cuja receita é posteriormente transferida em benefício de pes-soas mais ricas das regiões mais pobres.

Assim, embora a cooperação seja o caminho recomendado, o am-biente não a estimula. Ao contrário, o que se observa é maiorquestionamento, inclusive porque vários estados podem estarantevendo maiores oportunidades de promover o seu bem-estar, obem-estar dos seus cidadãos, por meio de maior estreitamento derelações com outras regiões de países vizinhos, ao invés de fazê-locom outras regiões do próprio país. É possível, portanto, que naesteira da integração internacional, que deve ser estimulada, e daconsolidação dos blocos econômicos regionais ocorra uma desinte-gração nacional que pode causar problemas futuros para a forma-ção de uniões econômicas no continente sul-americano.

Referências Bibliográficas

TANZI, Vito. Taxation in an Integrating World. Washington: TheBrookings Institution, 1995.

DUPAS, Gilberto. A Lógica da Economia Global e a Exclusão Social.Estudos Avançados, Universidade de São Paulo. 1998.

FINANCIAMENTO DAS POLÍTICASSOCIAIS E COMBATE À POBREZA:UMA PROPOSTA PARA A CPMF

Fábio Giambiagi*

Resumo

A CPMF, aprovada em 1999 com uma alíquota de 0,38%,caiu para 0,30% posteriormente e deverá ser extinta em2002 (junho). Isso, porém, implicaria uma contençãode despesa expressiva em 2002 e 2003, necessária parapoder viabilizar o cumprimento das metas fiscais. Poroutro lado, discute-se no Congresso Nacional a adoçãode um Fundo de Combate à Pobreza, com despesasanuais da ordem de R$4 bilhões a preços constantesde 2000. Este artigo contém uma proposta de prorro-gação da CPMF com alíquotas declinantes a partir de2002, visando (i) evitar ter que fazer novos cortes signi-ficativos de gastos; e (ii) viabilizar um aumento do salá-rio-mínimo, de modo a direcionar os recursos fiscaisadicionais para a população de menor renda.

* Economista, professor da PUC/RJ.

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Abstract

The CPMF was approved in 1999 with a rate of0,38 %. It has been reduced lately to 0,30 % andthe tax should be eliminated in 2002 (June).In this case, important cuts of expenditureswould be needed in 2002 and 2003 to makefeasible the achievement of the fiscal targets. Onthe other hand, the Congress is debating theadoption of a Poverty Fund, with yearlyexpenditures of around R$ 4 billion at constantprices of 2000. The paper includes a proposal ofextension of CPMF with declining rates after2002. This would (i) avoid the necessity of newexpressive cuts of expenditures; and (ii) allow anincrease of minimum wage, in order to benefitthe population of low income.

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FINANCIAMENTO DASPOLÍTICAS SOCIAIS ECOMBATE À POBREZA:UMA PROPOSTA PARAA CPMFA

1 Introdução

Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras(CPMF) é um imposto considerado tecnicamente perversopela maioria dos especialistas em questões tributárias. Apre-

senta vários problemas, dos quais dois são os mais notórios e serelacionam com o seu caráter de imposto “em cascata” – emcontraposição às vantagens da tributação sobre o valor adicionado.Em primeiro lugar, distorce a alocação de recursos, pois penalizaaqueles setores com uma quantidade maior de instâncias na cadeiaprodutiva, obrigados a pagar mais vezes o mesmo imposto. E, emsegundo lugar, prejudica as exportações, pois é impossível identi-ficar, na ponta final do processo produtivo, qual é a proporção detributos representada pela CPMF acumulada ao longo desse proces-so e que forma parte do preço. Isso significa que, na prática, aoserem colocadas as mercadorias nos portos, o Brasil está exportan-do impostos, o que obviamente prejudica a competitividade dosprodutos nacionais, em um mundo em que a competição é a cadadia mais acirrada.

Entretanto, por mais relevantes que sejam os problemas que o tributocausa ao sistema econômico, sua cobrança tem sido justificada, nastrês vezes em que foi votada – e aprovada – como proposta deemenda constitucional (PEC), em função do potencial de arrecada-ção que representava e do qual o governo, nas diferentes ocasi-ões, não podia abrir mão. De fato, mesmo após a redução da suaalíquota para 0,30%, a CPMF representa uma arrecadação da ordemde grandeza de R$1 bilhão/mês, quantia expressiva à luz das difi-culdades fiscais pelas quais ainda passa o país.

A CPMF, nos termos da emenda constitucional atualmente vigente,foi estabelecida para vigorar a partir de meados de junho de 1999,com uma alíquota de 0,38% nos primeiros 12 meses e de 0,30%por um período de 24 meses adicionais, que se conclui em mea-dos de junho de 2002, quando, se nada mudar na Constituição, aalíquota deverá ser subitamente zerada.

Há, portanto, um problema fiscal a ser ainda equacionado. A meta desuperávit primário do governo central para 2001 foi definida em 2,25%

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do PIB, incluindo mais de 2% do PIB de receitas extraordinárias, que seextinguem até dezembro de 2002. Parte dessa queda da receitapoderá ser acomodada mediante uma redução da própria meta fiscalentre os anos 2001 e 2003. Por outro lado, se o PIB crescer a um ritmoda ordem de 4% ou 5% a.a. nos próximos anos, haverá condições dediminuir a relação gasto/PIB, sem que isso requeira novos sacrifíciosem termos de corte de gastos. Como disse – corretamente – emartigo recente o ex-secretário de Política Econômica, José RobertoMendonça de Barros, “nenhum ajuste fiscal consegue sobreviver sema retomada da economia” [Barros, 2000]. O problema é que – a nãoser que ocorra um verdadeiro ‘boom’ no crescimento econômico acurto prazo a taxas de 7 ou 8% a.a., o que a princípio não está nohorizonte previsível – a retomada do crescimento, por si só, não ga-rante o cumprimento da meta fiscal definida para o início do próximogoverno. Conseqüentemente, o atual governo deverá tomar algumainiciativa no sentido de viabilizar a obtenção do superávit primáriofixado para 2003 e, nesse sentido, a completa eliminação da CPMF emjunho de 2002 pode se revelar um problema.

Ao mesmo tempo, aprofunda-se no país o debate sobre o tema dapobreza, relegado a um segundo plano nos anos de alta inflação eque ressurgiu naturalmente com o avanço da estabilização. Nessecontexto, o Congresso Nacional está discutindo uma PEC que esta-belece um adicional de 0,08 ponto percentual da CPMF – na práti-ca, repondo a alíquota original de 0,38% – e cria um compromissode gasto futuro com o fim de ajudar a atenuar a pobreza no país.

O presente trabalho representa uma tentativa de contribuir simulta-neamente para a viabilização de duas iniciativas: (a) o cumprimentodas metas fiscais de 2002 e 2003, sem que seja necessário incorrerem cortes adicionais expressivos de despesa; e (b) a redução dosníveis de pobreza, sem que isso venha a prejudicar os outros progra-mas de governo nem comprometer as metas fiscais futuras. Nos doiscasos, a saída encontra-se na prorrogação da CPMF. Entretanto, a pro-posta a ser feita procura viabilizar um terceiro objetivo, que é o dereduzir gradualmente a alíquota dessa contribuição, de formaeqüidistante, tanto da eliminação súbita do tributo – o que poderiaimplicar prejuízos fiscais consideráveis –, quanto da sua prorrogaçãopor tempo indefinido, com uma alíquota elevada como a atual.

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O artigo parte da premissa de que a reforma tributária, caso apro-vada, implicaria conservar, como proporção do PIB, as receitas ordi-nárias existentes atualmente, excluídas as receitas extraordinárias –entre as quais a CPMF.

O trabalho encontra-se dividido em sete seções. Após esta introdu-ção, comenta-se a importância que a CPMF tem tido e deverá terpara a viabilização das metas fiscais. Posteriormente, descrevem-seas características do Fundo de Combate à Pobreza (FCP) previsto emPEC específica, atualmente em discussão no Congresso Nacional. Naquarta seção, discute-se a relação existente entre o salário-mínimo(SM) e as finanças públicas, ligadas especificamente à situação doINSS. Depois disso, é feita uma proposta de prorrogação da CPMF,com alíquotas declinantes, que visa simultaneamente os objetivos derespeitar as metas fiscais e contribuir para o combate à pobreza, pro-posta essa cujos resultados são apresentados na capítulo seguinte.Por último, apresentam-se as principais conclusões do artigo.

2. A CPMF e as Metas Fiscais

A CPMF foi estabelecida inicialmente para vigorar em 1994, entãosob a denominação de Imposto Provisório sobre MovimentaçõesFinanceiras (IPMF). A lógica era de servir como uma espécie de“ponte” que atenuasse a dimensão do desequilíbrio fiscal, à esperade que as chamadas “reformas estruturais”, até então não muitobem definidas, fossem aprovadas e permitissem compensar a per-da dessa fonte de receita por meio de mecanismos mais apropria-dos e da redução de algumas despesas.

Ao mesmo tempo, como se sabe, o INSS, que tradicionalmentetinha sido superavitário em termos de caixa, foi perdendo essacaracterística, em um quadro em que, conservando, ‘grosso modo’,a sua receita, viu comprometer uma sua fração cada vez maior coma despesa relativa a benefícios previdenciários, tornando-secrescentemente deficitário a partir de 1995. O organismo deixouassim de ser uma fonte de financiamento para o sistema de saúde,cujos recursos foram minguando, com o setor ingressando em umagrave crise de financiamento já em 1993.

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Tendo como pano de fundo essa situação, com o precedente –bem-sucedido, em termos de geração de caixa – do IPMF e com opeso da sua reputação, o então ministro da Saúde, Adib Jatene, fezum trabalho de convencimento junto ao Congresso Nacional e con-seguiu restabelecer aquele tributo, agora na qualidade de contri-buição – isto é, não sujeita ao princípio da anualidade –, com umaalíquota de 0,20% de todas as transações financeiras realizadas nopaís, para vigorar por um período de dois anos, em 1997 e 1998,com os recursos sendo vinculados à saúde.

Partindo-se do pressuposto que, uma vez restabelecido certo ‘statusquo’ em matéria de despesas com saúde, o nível de gasto com osetor não poderia cair, era claro que, com o fim da CPMF, a partir dejaneiro de 1999, algum substituto teria que ser encontrado comofonte de financiamento para a área. Isso não quer dizer que essetributo deva ser necessariamente permanente. De fato, em umquadro de recuperação da economia, podem-se trocar receitas tem-porárias por outras permanentes, na base de um aumento destas,associado ao dinamismo da economia. Em 1998/1999, porém, esseclaramente não era o caso, haja vista o fato de que a renda ‘percapita’ caiu ao longo dos dois anos. Não haveria, portanto, comorealizar esse tipo de substituição. A situação foi agravada pelo fatode que, na conjuntura crítica de final de 1998/início de 1999 ediante da flagrante necessidade de se promover um substancialajuste fiscal, o governo tinha que encontrar meios de aumentar areceita e, portanto, não se encontrava em situação de renunciar auma fonte importante de arrecadação como era a CPMF.

O resultado foi que, após um intervalo de alguns meses para apro-var a reinclusão do tributo na Constituição e respeitado o prazo decarência das novas contribuições, não apenas a CPMF foi restabelecida,como também, nas duras circunstâncias do ajuste implementadono contexto do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI),a alíquota foi aumentada, em 1999, de 0,20 para 0,38%, antes decair para o nível de 0,30% em junho de 2000.

A receita do IPMF/CPMF tem sido expressiva. Em 1994, o IPMF ge-rou uma receita de 1,0% do PIB, no ano em que vigorou. Quando oimposto “voltou”, agora como CPMF, sua receita foi, em média, de0,9% do PIB em 1998/1999 e, em 1999, mesmo vigorando por

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apenas sete meses – porém com uma alíquota maior –, arrecadou0,8% do PIB.

Para o ano 2000, prevê-se uma receita do imposto de 1,3% do PIB,que cairá para 1,1% do PIB em 2001, já sem a alíquota de 0,38%.Como para 2001 as despesas com saúde do governo federal com arubrica denominada “Outras Despesas de Custeio e Capital” (OCC),que exclui o pagamento de pessoal, foram estabelecidas em R$18bilhões na proposta de Orçamento Geral da União (OGU) encami-nhado ao Congresso Nacional, ou 1,4% do PIB, percebe-se a impor-tância que o tributo tem como instrumento de financiamento dosetor. Em 2002, com a alíquota vigorando por apenas cinco mesese meio, a receita de CPMF cairia para apenas 0,5% do PIB, e serianula em 2003.

A importância de tais números é ressaltada pela dimensão relativadas metas fiscais perseguidas pelo governo central nesse período.Em 1999, a receita de CPMF representou pouco mais de 35% dosuperávit primário de 2,24% do PIB observado nessa esfera do setorpúblico, enquanto em 2001 prevê-se que represente em torno de50% da meta primária de 2,25% do PIB.1

Como já foi dito, é razoável imaginar que, em um quadro de reto-mada do crescimento econômico, como o que se espera que ocor-ra ao longo da década, em torno de 4,5% a 5,0% a.a., o pesorelativo do gasto público diminua, em um processo que combinecrescimento real do gasto – que é o que se espera como tendên-cia, em circunstâncias normais – com queda – pelo menos, durantecerto período – da relação gasto público/PIB. Considere-se, porexemplo, a previsão do OGU de 2001 – retiradas as fontes de recei-ta não aprovadas e de validade incerta – de uma despesa primáriado governo federal, líquida de transferências a estados e municípi-

1 A meta de superávit primário já definida para o governo central em 2001 é de

2,25% do PIB. Para 2002 e 2003, as metas são de 2,20% e 1,80% do PIB, respec-tivamente. Entretanto, como inicialmente a meta para 2001 era de 2,60% do PIB

e ela diminuiu em 0,35% do PIB, é válido esperar que a mesma revisão possa serfeita para os anos posteriores. Nesse caso, as metas do governo central para2002 e 2003 seriam de 1,85% e 1,45% do PIB, respectivamente, que são aspremissas adotadas no trabalho.

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os, de aproximadamente 16% do PIB. Para efeitos de raciocínio, seessa despesa crescer 3,0% a.a., em média, nos quatro anos, entre2001 e 2005, em um quadro de crescimento da economia a umritmo anual de 4,5%, até meados da década teria havido um ajus-tamento do gasto público da ordem de 1 ponto percentual do PIB.Em dois anos, porém, entre 2001 e 2003 – período no qual seprevê que a CPMF seja extinta –, não haveria tempo suficiente parauma queda relativa do gasto dessa magnitude. Isso posto, há basi-camente duas possibilidades a serem consideradas: ou o gasto pú-blico continua sendo sujeito ao mesmo grau de aperto de 1999 e2000 – o que tende a ser crescentemente difícil com o passar dotempo – ou, alternativamente, será necessário identificar fontes dereceita que compensem a eliminação da CPMF. A prorrogação daprópria CPMF, com uma alíquota declinante, em um contexto dedificuldades para o avanço de uma reforma tributária mais ambicio-sa, é uma das possibilidades. As contas referentes a essa hipóteseserão feitas em outro capítulo do trabalho.

3 O Fundo de Combate à Pobreza

A controvérsia que envolve o valor “justo” do SM definido no ano2000 intensificou o debate acerca dos mecanismos mais adequadosde combate à pobreza no Brasil. Tendo essa controvérsia comopano de fundo e independentemente da definição do valor acercado novo SM, foi aprovada no Senado, com o fim de pagar parte daassim chamada “dívida social”, proposta que cria o Fundo de Com-bate à Pobreza. O projeto, que envolve a necessidade de uma PEC,deve passar ainda pelo processo de debate e votação na Câmarados Deputados, podendo voltar ao Senado se sofrer emendas.

Os pontos destacados do substitutivo aprovado em primeira ins-tância são:

(a) a instituição do FCP, para vigorar até 2010, “com o objetivo deviabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistên-cia, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nu-trição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e ou-tros programas de relevante interesse social voltados para a melhoriada qualidade de vida”;

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(b) o financiamento do fundo, mediante um conjunto de disposi-ções tributárias, que serão definidas no restante do texto;

(c) a criação de Fundos de Combate à Pobreza no Distrito Federal enos estados e municípios, “com os recursos de que trata este artigoe outros que vierem a destinar”;

(d) a regulação do funcionamento do fundo por meio de lei com-plementar;

(e) a criação de um fundo específico “constituído pelos recursosrecebidos pela União em decorrência da desestatização de socie-dades de economia mista ou empresas públicas por ela controla-das, ..., cujos rendimentos ... reverterão ao Fundo de Combate eErradicação da Pobreza”;2 e

(f) a explicitação de que, no que diz respeito ao item anterior,“caso o montante anual previsto dos rendimentos transferidos aoFundo de Combate e Erradicação da Pobreza ... não alcance o valorde quatro bilhões de reais, far-se-á complementação” de recursos,para atingir esse valor, devidamente corrigido.

Em relação ao item (b) acima, além dos recursos específicos, com omencionado piso de R$4 bilhões, citados no item (e), a PEC definecomo fontes de receita:3

(i) “a parcela da arrecadação correspondente a um adicional de oitocentésimos por cento” (aplicável até 17 de junho de 2002, quandose extingue o tributo) na alíquota da CPMF;

(ii) “a parcela do produto da arrecadação correspondente a umadicional de cinco pontos percentuais na alíquota do Imposto sobreProdutos Industrializados (IPI)”;

(iii) o produto da arrecadação do imposto sobre grandes fortunas,ainda não regulamentado;

2 Chamado neste artigo simplesmente de Fundo de Combate à Pobreza.

3 É importante frisar que o piso de R$4 bilhões refere-se apenas aos recursos

mencionados no item (e). A existência de outras fontes de receita implica queo gasto seria maior do que esse valor.

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(iv) dotações orçamentárias;

(v) doações de qualquer natureza;

(vi) outras receitas, a serem definidas.

É claro, portanto, que os itens (iii) a (vi) tendem a ser, a princípio,inócuos, seja por não envolverem obrigatoriedade – caso das dota-ções orçamentárias –; por serem incertas ou economicamenteirrelevantes – caso das doações –; ou por não serem definidas ouestarem associadas a impostos não existentes – caso do último itemou das receitas associadas ao impostos sobre grandes fortunas. Con-seqüentemente, as duas fontes de receita serão o adicional de 0,08ponto percentual da CPMF – que na prática repõe o percentualoriginal da alíquota de 0,38% –, até junho de 2002; e a receitaextra de IPI, até 2010.

É crucial destacar quatro elementos. Em primeiro lugar, a fórmulaencontrada para o item (e) permite que a dívida líquida do setorpúblico diminua em caso de privatização, mas destina os rendi-mentos associados a essa redução da dívida para o FCP. Em outraspalavras, consegue-se o objetivo da política econômica de utilizar aprivatização para o abatimento da dívida líquida do setor público –já que o estoque de recursos do fundo seria contabilizado como umativo – mas não o objetivo complementar de, mediante isso, con-tribuir para a redução do déficit público. Isso porque a criação deum fundo com os recursos específicos da privatização diminuiria adívida líquida, mas o citado ativo financeiro gerará uma receita fi-nanceira que terá uma contrapartida de despesa com o FCP, demodo que a diminuição da dívida seria inócua em termos de redu-ção das Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP).

Em segundo lugar, a lógica da emenda constitucional, se aprova-da, é a de garantir um fluxo mínimo de recursos anuais para o FCP,composto, conforme já foi dito, da receita extra de IPI; dos recursosdo adicional da CPMF até junho de 2002; e da receita financeira dofundo a ser criado com as novas privatizações, a partir de então.

Em terceiro, em relação a esse último dispositivo, prevê-se que oFCP receberá um piso – devidamente corrigido – correspondente a

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R$4 bilhões a preços de 2000. O importante, nesse aspecto, é queeste fator representará uma fonte adicional de despesa, se aprivatização não conseguir arrecadar recursos cujos rendimentosatinjam esse valor até junho de 2002.

Por último, o FCP não afeta diretamente a renda mínima das pessoasmais pobres, o que significa que, além do FCP, o governo poderáter que arcar com as despesas extras decorrentes dos efeitos deeventuais aumentos do SM sobre as despesas do INSS, caso, nofuturo, o SM venha a aumentar, como um dos ingredientes de umapolítica de combate à pobreza. A combinação dessa possibilidadecom o que foi dito no parágrafo anterior implica portanto o risco deque no futuro as contas públicas venham a sofrer uma dupla pres-são de despesas, associada ao combate à pobreza e também anovas pressões por aumentos do SM. É justamente essa questãoque o nosso artigo pretende discutir, associando o combate à po-breza ao aumento do SM, sem ferir o equilíbrio orçamentário.

4. O INSS e o Salário-Mínimo

O risco de agravar o déficit previdenciário representa um obstáculopara a implementação de uma política social baseada no aumentodo SM [Neri, 1998; Giambiagi e Neri, 2000]. A tabela 1 é útil parailustrar esse fato.

TABELA 1

Número de Ocupados por Faixa de Renda no TrabalhoPrincipal (1998)

(Em milhares)

Múltiplos de SM Com carteira Empregado Outros Totaldoméstico

Abaixo de 1 223 1.643 7.860 9.726Exatamente 1 1.279 1.268 2.360 4.907Múltiplos exatos/a 1.324 184 1.166 2.674Acima de 1 até 2 4.368 1.261 7.270 12.899Demais 12.456 585 16.073 29.114Total 19.650 4.941 34.729 59.320

/a 2, 3, 4 e 5 SM.Fonte: LCA(2000), página 17, com base em dados da PNAD/IBGE/1998.

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A tabela mostra que, conforme os dados da Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (PNAD), em 1998 um universo da ordem de4,9 milhões de pessoas ocupadas recebiam rendimentos de 1 SM eque outros 2,7 milhões recebiam múltiplos exatos correspondentesa 2, 3, 4 e 5 SM, compondo um total de pessoas diretamente afetadaspela política de SM de 7,6 milhões, ou 12,8% da população totalocupada.4 A necessidade de respeitar a austeridade fiscal, que li-mita a possibilidade de elevar o valor do SM, pelo impacto que issopoderia ter nas contas do INSS, afeta portanto diretamente essecontingente da população.

Ao mesmo tempo, essa informação deve ser complementada pe-los dados da tabela 2, que mostram que, conforme o Ministério daPrevidência Social, em dezembro de 1998, havia um universo de11,7 milhões de aposentados e pensionistas – além de outras cate-gorias específicas menos representativas – do INSS que recebiamum benefício correspondente a exatamente 1 SM.

4 Além disso, havia um contingente de 12,9 milhões de pessoas que ganhavam,

na época, entre 1 e 2 SM. Admitindo-se que parte dessas pessoas ganhasseligeiramente acima do mínimo e que se este aumentasse essas pessoas nãoficariam com remunerações inferiores ao novo valor, o universo de pessoasafetadas pela política do SM seria maior do que os 7,6 milhões mencionados.

TABELA 2

Benefícios Emitidos pelo INSS, segundo as Faixas deValor, em SM (1998)

Múltiplos de SM Número de benefícios Composição (%)

(1000) Quantidade Valor

Abaixo de 1 434 2,4 0,6

Exatamente 1 11.738 64,6 35,1

Acima de 1 até 2 1.906 10,5 8,3

Acima de 2 4.105 22,5 56,0

Total 18.183 100,0 100,0

Fonte: AEPS (1998), tabela B.14. Dado referente a dezembro.

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A conclusão da leitura conjunta das tabelas 1 e 2 é clara: no Brasil,a maioria dos indivíduos que recebem exatamente 1 SM é compos-ta de aposentados e pensionistas do INSS.

Isso coloca o governo diante de um dilema. Por um lado, em fun-ção dos números expostos, uma política destinada a aumentar abase das remunerações deveria contemplar prioritariamente o au-mento do SM, como forma de elevar as remunerações básicas. Poroutro, os benefícios do INSS já representam o maior item da despe-sa pública, individualmente considerada – em torno de 6% do PIB –, de modo que um aumento do SM, sem contrapartida de receita,poderia ter efeitos perversos sobre o equilíbrio fiscal. Como iremosver, um aumento de 15% do SM implicaria um “delta” de despesada ordem de grandeza de 0,5% do PIB. Isso significa dizer que oaumento do gasto corresponderia a algo em torno de 1/3 do gastode OCC do Ministério da Saúde. Esse tipo de conta indica clara-mente as limitações com as quais se defrontam as autoridades nomomento de definir o valor do aumento do SM.

5. Uma Proposta para a CPMF

A seguir, faz-se uma proposta que visa, por meio de emenda cons-titucional:

(i) reduzir gradual, mas não subitamente, a atual alíquota da CPMF

de 0,30% destinada ao financiamento do setor de saúde, de modoa dar mais tempo ao Governo para compensar essa queda median-te o aumento igualmente gradual das receitas ordinárias, em umcontexto de crescimento gradual da economia; e

(ii) mudar o enfoque da PEC que cria o FCP, modificando a origemdos recursos e utilizando-os para aumentar a renda dos aposenta-dos e pensionistas mais pobres.

No primeiro caso, ao contrário da queda prevista de 0,30% para zeroda alíquota da CPMF em junho de 2002, postula-se uma redução daparcela destinada ao financiamento da saúde para 0,20% por umperíodo de 12 meses entre junho de 2002 e junho de 2003 e para0,10% por outros 12 meses adicionais, entre junho de 2003 e junho

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de 2004, após o que a parcela da alíquota da CPMF destinada aofinanciamento dos gastos com o setor de saúde seria eliminada.

No segundo caso, propõe-se que a lógica do FCP seja mudada emfavor do princípio de conceder os recursos diretamente a quem delesmais precisa. Isso significa aumentar a base das remunerações, coisaque é potencialmente possível no caso dos trabalhadores da ativa enão tem sido possível em maior medida até agora, na prática, peloaumento dos gastos previdenciários associados à definição do SM. Afórmula proposta visa substituir o conceito de Fundo pela alternativade um financiamento puro e simples de um aumento da despesa,representado pelo incremento do SM, financiado por uma alíquotaespecífica da CPMF e por um adicional do IPI. Isso garantiria que osrecursos adicionais chegassem diretamente aos mais pobres, o quesignificaria que as “ações suplementares de nutrição, habitação, edu-cação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de rele-vante interesse social”, que constam da PEC atualmente em discussão,se concentrariam especificamente no item “reforço de renda familiar”.Pela proposta, as alíquotas extras de IPI seriam “calibradas” para geraruma receita adicional de 0,05% do PIB, que não seria sujeita à partilhacom os estados e municípios.5 Por sua vez, seria cobrada uma alíquotaespecífica da CPMF, correspondente a 0,08% sobre as movimentaçõesfinanceiras, que passaria a ser cobrada quando a CPMF de financia-mento da saúde caísse 0,10 ponto percentual, em junho de 2002.

Os recursos arrecadados serviriam para financiar o impacto sobre ascontas do governo federal de um aumento do SM da ordem de15%, a partir da data de reajuste do SM em abril de 2002, após aaprovação das medidas aqui propostas, durante 2001. Os cálculosdo presente trabalho foram feitos com base no SM atual, de R$151,admitindo-se que este viesse a aumentar para R$175, com um acrés-cimo de R$24. Admitindo-se que todos os contribuintes recebes-sem o mesmo acréscimo nominal, para não haver mudanças nahierarquia de remunerações, isso corresponderia, ‘grosso modo’,no ano 2000, a uma despesa adicional do INSS de R$ 24 x 13pagamentos x 19,5 milhões de contribuintes = R$6,1 bilhões, ou0,52% de um PIB de R$1.170 bilhões.

5 Em 1999, a receita total de IPI foi da ordem de 1,6% do PIB.

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FINANCIAMENTO DASPOLÍTICAS SOCIAIS ECOMBATE À POBREZA:UMA PROPOSTA PARAA CPMF

A alíquota extra proposta para a CPMF, de 0,08%, vigoraria até de-zembro de 2006, após o que haveria uma redução gradual da alíquota,de 0,02 ponto percentual a cada ano, até 0,02% em 2010. Isso mi-noraria gradualmente as distorções derivadas do referido tributo edaria tempo ao governo para se acomodar diante da queda da suareceita temporária, de modo a substituir esta por receitas ordinárias.Em 2011, a parcela extra remanescente de 0,02% poderia ser extin-ta ou transformada em uma alíquota simbólica e fixa de 0,01%, queserviria para propósitos de fiscalização – para permitir à Receita Fe-deral checar a movimentação financeira com a renda declarada daspessoas. As alíquotas e a receita esperadas até 2006 – compreen-dendo o resto do atual e a totalidade do próximo período de gover-no – encontram-se nas tabelas 3 e 4. Na tabela 3, consideram-se asalíquotas por semestre, embora o “aniversário” de vigência da CPMF

seja em meados de junho. As contas com a previsão de arrecadação,porém, foram feitas levando em consideração esse detalhe.

TABELA 3

CPMF: Alíquotas Existente e Proposta

2001 2002/I 2002/II 2003/I 2003/II 2004/I 2004/II 2005 2006

Legisl. atual 0,30 0,30

Proposta 0,30 0,30 0,28 0,28 0,18 0,18 0,08 0,08 0,08

Saúde 0,30 0,30 0,20 0,20 0,10 0,10

AumentoSM 0,08 0,08 0,08 0,08 0,08 0,08 0,08

TABELA 4

CPMF: Receita Prevista (Em porcentagem do PIB)

2001 2002 2003 2004 2005 2006

Legislação atual 1,10 0,50

Proposta 1,10 1,06 0,82 0,46 0,29 0,29

Saúde 1,10 0,90 0,53 0,17

Aumento SM 0,16 0,29 0,29 0,29 0,29

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

Na tabela 3, observa-se que a alíquota total da CPMF cairia de 0,30%para 0,28% no segundo semestre de 2002; e para uma média de0,23% em 2003; 0,13% em 2004; e 0,08% em 2005/2006. Emresumo, o objetivo, a curto prazo, seria preservar parcialmente areceita da CPMF. Entretanto, a médio prazo, constata-se que:

• a alíquota da CPMF seria declinante; e

• no final da projeção, em 2006, a alíquota seria inferior a 0,1%, queé o que se tem cogitado manter como alíquota permanente, emalguns dos vários desenhos de reforma tributária discutidos no Con-gresso ao longo dos últimos meses.

A tabela 4 mostra o impacto das medidas propostas sobre a receita.Pela emenda constitucional vigente, a CPMF, com receita previstade 1,1% do PIB em 2001, vai implicar apenas 0,5% de receita em2002 e nada a partir de então. Já pela nossa proposta, a parceladestinada ao financiamento da saúde ainda se manteria em 0,9%do PIB em 2002 e permitiria arrecadar 0,5% do PIB em 2003 e 0,2%do PIB em 2004. A parcela referente à cobertura dos gastos adicio-nais do INSS corresponderia a 0,2% do PIB em 2002 e 0,4% do PIB

nos anos seguintes. Em todos os cenários, adota-se a já citada pre-missa de cumprimento das metas fiscais do governo central de2,25% do PIB em 2001; 1,85% do PIB em 2002; e 1,45% do PIB em2003, e admite-se um superávit primário dessa esfera de governode 1,5% do PIB nos anos posteriores.

6. Resultados

A tabela 5 mostra as hipóteses que foram adotadas para os cálculosa serem expostos no restante da seção e cujos resultados aparecemnas tabelas 6 a 8. O ano-base das projeções é 2001, à luz dosresultados esperados com base na hipótese de cumprimento dasmetas estabelecidas no acordo com o FMI. Na tabela 5, considera-se um crescimento anual do PIB de 4,5% a 5,0%; um crescimentoautomático – ou “vegetativo” – do gasto real com pessoal, de 2,5%a.a.; uma expansão do número de benefícios do INSS de 4,0% a.a.;um aumento do número de beneficiados de LOAS a taxasdeclinantes, inicialmente de 5%; e um piso correspondente aos

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FINANCIAMENTO DASPOLÍTICAS SOCIAIS ECOMBATE À POBREZA:UMA PROPOSTA PARAA CPMF

R$4 bilhões atualizados monetariamente, do FCP, de 0,30 % do PIB

em 2002, com uma participação declinante nos anos posteriores,em função do próprio crescimento do PIB.6

6 As despesas de LOAS referem-se à Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº

8.742/93), sendo os benefícios – de 1 SM – concedidos a partir de 1996 a idosos– adicionalmente aos benefícios do INSS – e portadores de deficiência física.

TABELA 5

Parâmetros (Em porcentagem)

2002 2003 2004 2005 2006

PIB 4,5 5,0 5,0 5,0 5,0

Crescimento real gasto c/pessoal 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5

Crescimento no. apos.e pension. INSS 4,0 4,0 4,0 4,0 4,0

Crescimento no. LOAS 5,0 4,0 3,0 2,0 1,0

Fundo de Combate à Pobreza (% PIB) 0,30 0,29 0,27 0,26 0,25

Na tabela 6, mostra-se o que cabe esperar que ocorra com as finançasdo governo central, dadas as regras estabelecidas atualmente, pelasquais a CPMF caduca em meados de 2002. Observe-se que a combi-nação disso com o fim da receita de concessões – ainda de 0,7% doPIB em 2001 – e de outras receitas extraordinárias – como o IR extra,por exemplo –, que atingem atualmente 0,4% do PIB, gera umaqueda acumulada de 13 % das “Outras Despesas de Custeio e Capi-tal” (OCC) exclusive LOAS entre 2001 e 2003, única forma de, medi-ante o “achatamento” das despesas, viabilizar o cumprimento dasmetas fiscais, em um contexto de perda de receita de 2,2% do PIB

entre 2001 e 2003. Note-se que essa perda de OCC ocorreria após acontenção já verificada no biênio 1999/2000. Assim, a perda de re-ceita seria em parte acomodada por meio de uma redução da metade superávit primário, de 0,8% do PIB, entre 2001 e 2003, mas tam-bém pela queda de OCC de 1,1% do PIB no período.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

TABELA 6

Superávit primário do Governo Central, com CPMF atual

(Em porcentagem do PIB)

2001 2002 2003 2004 2005 2006

Receita total 21,25 20,15 19,10 19,10 19,10 19,10Ordinária 19,10 19,10 19,10 19,10 19,10 19,10Tesouro 14,10 14,10 14,10 14,10 14,10 14,10INSS 5,00 5,00 5,00 5,00 5,00 5,00Extraordinária 2,15 1,05 0,00 0,00 0,00 0,00CPMF 1,10 0,50 0,00 0,00 0,00 0,00Concessões 0,70 0,20 0,00 0,00 0,00 0,00Outras 0,35 0,35 0,00 0,00 0,00 0,00(-)Transferências E&M /a 3,20 3,20 3,20 3,20 3,20 3,20Receita líquida 18,05 16,95 15,90 15,90 15,90 15,90Despesa excl.transfer.E&M 15,80 15,10 14,45 14,40 14,40 14,40Pessoal 4,75 4,66 4,55 4,44 4,33 4,23Benefíc. previdenciários 5,80 5,77 5,72 5,66 5,61 5,56OCC 5,25 4,67 4,18 4,30 4,46 4,61LOAS 0,20 0,20 0,20 0,20 0,19 0,18Outras 5,05 4,47 3,99 4,10 4,27 4,43Superávit primário 2,25 1,85 1,45 1,50 1,50 1,50Índice real OCC exc.LOAS 100,0 92,5 86,6 93,6 102,2 111,5Cresc.real OCC (excl.LOAS,%) n.c. -7,5 -6,3 8,1 9,2 9,0

Obs.: n.c. = não considerado.

Na tabela 7, fazem-se as contas com a proposta original de FCP,supondo-se que o IPI extra seja de 0,05% do PIB. A alíquota extrade 0,08% da CPMF eleva a sua arrecadação em 2001 e 2002 emrelação à tabela 5, enquanto a linha FCP capta a soma de: (a) o IPI

extra; e (b) a receita de 0,08 ponto da CPMF até 2002, combinadacom o piso de R$4 bilhões a partir de então.7 Observe-se que apartir de 2002 a perda de receita devido ao fim da parcela de 0,08ponto percentual da CPMF não tem como contrapartida uma quedade similar magnitude da importância relativa das despesas do Fun-do de Combate à Pobreza, devido ao fato de essas terem um pisorelativamente elevado. Em conseqüência, com uma receita igual àda tabela 6 e um aumento da despesa – pelo piso dos gastos doFCP –, a despesa de OCC exclusive LOAS fica ainda mais espremida,em apenas 3,7% do PIB em 2003 – contra 4,0% do PIB na tabela 6.8

7 O exercício não considera os efeitos da utilização de eventuais recursos da

privatização, previstos no substitutivo que foi votado.

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FINANCIAMENTO DASPOLÍTICAS SOCIAIS ECOMBATE À POBREZA:UMA PROPOSTA PARAA CPMF

8 Utiliza-se o ano de 2003 como referência, pois é nele que o fim da CPMF incidirá

em cheio, se a CPMF acabar em meados de 2002.

Isso significa que o Fundo de Combate à Pobreza poderia reduzir,potencialmente, o espaço para as demais despesas, comprome-tendo o nível do gasto público em outras áreas que não o combatedireto à pobreza.

TABELA 7

Superávit Primário do Governo Central,com Proposta Original de FCP

(Em porcentagem do PIB)

2001 2002 2003 2004 2005 2006

Receita total 21,59 20,33 19,15 19,15 19,15 19,15

Ordinária 19,10 19,10 19,10 19,10 19,10 19,10Tesouro 14,10 14,10 14,10 14,10 14,10 14,10

INSS 5,00 5,00 5,00 5,00 5,00 5,00

Extraordinária 2,49 1,23 0,05 0,05 0,05 0,05CPMF 1,39 0,63 0,00 0,00 0,00 0,00

Concessões 0,70 0,20 0,00 0,00 0,00 0,00

IPI extra 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05Outras 0,35 0,35 0,00 0,00 0,00 0,00

(-)Transferências E&M /a 3,20 3,20 3,20 3,20 3,20 3,20

Receita líquida 18,39 17,13 15,95 15,95 15,95 15,95Despesa excl.transfer.E&M 16,14 15,28 14,50 14,45 14,45 14,45

Pessoal 4,75 4,66 4,55 4,44 4,33 4,23

Benefíc. previdenciários 5,80 5,77 5,72 5,66 5,61 5,56FCP 0,34 0,35 0,34 0,32 0,31 0,30

OCC 5,25 4,50 3,89 4,03 4,20 4,36

LOAS 0,20 0,20 0,20 0,20 0,19 0,18Outras 5,05 4,30 3,70 3,83 4,01 4,18

Superávit primário 2,25 1,85 1,45 1,50 1,50 1,50

Índice real OCC exc.LOAS 100,0 88,9 80,3 87,4 96,0 105,2

Cresc.real OCC(excl.LOAS,%) n.c. -11,1 -9,7 8,9 9,8 9,6

Obs.: n.c. = não considerado.

A tabela 8 corresponde ao cenário em que se implementa a nossaproposta, defendida na seção anterior. Nela, a receita de IPI é similarà da tabela 7, a partir do momento em que se implementa o aumen-to do SM, com vigência sobre 9/13 do ano em 2002, dado que é a

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

partir de maio – conceito caixa – e afeta a remuneração do 13o. Esseaumento gera um acréscimo marginal na receita do INSS – vinculadoao aumento das contribuições – e maior desembolso de LOAS. Oimpacto principal, porém, se dá sobre as despesas do INSS, queaumentam substancialmente. A combinação de: (i) ‘phasing-out’ daCPMF, que evita o seu desaparecimento súbito em junho de 2002; e(ii) cuidados com o financiamento da despesa adicional do INSS me-diante a alíquota extra da CPMF permite um certo crescimento dasdespesas de OCC e possibilita aumentar o SM, sem impactar o déficitda Previdência Social. O OCC exclusive LOAS seria então de 4,4% doPIB em 2003, acima dos 4,0% do PIB do “cenário ‘status-quo’” databela e dos 3,7% do PIB do “cenário FCP” da tabela 7.9

A tabela 9 mostra qual seria o impacto extra da nossa proposta, noque se refere especificamente aos efeitos do aumento do SM, emrelação ao quadro de preservação do seu valor real. Há um aumen-to da despesa do INSS de 0,52% do PIB e da LOAS de 0,03% do PIB,em boa parte contrabalançado pela maior receita do INSS, de IPI eprincipalmente pelo adicional de 0,08 ponto percentual da CPMF,que gera uma receita extra de 0,29% do PIB, sem considerar aparcela restante da alíquota – de 0,20% ou 0,10% – que é utilizadapara financiar a saúde.10 Os números sugerem que o “delta” fiscallíquido associado à proposta de aumento do SM feita no artigoimplica uma piora das contas do governo central – em face do queteriam que ser adotadas medidas compensatórias – de apenas 0,1%do PIB em relação ao cenário básico da tabela 6.

9 Na tabela 8, de qualquer forma, há uma pequena queda real do OCC nos

primeiros anos da projeção, devido à diminuição das despesas extraordinárias,em face do desaparecimento da maior parte dos recursos das concessões detelefonia em 2002 e à própria redução da receita da CPMF – mesmo com prorro-gação – em 2003 em relação a 2002, e em 2004 em relação a 2003. Umaalternativa a considerar seria estender a cobrança da alíquota até dezembro de2004, o que evitaria a queda real do OCC em 2004 na tabela 8 e diminuirialigeiramente o crescimento real dessa variável de 2005 em relação a 2004,suavizando a trajetória da penúltima linha da tabela 8.10

A despesa do INSS como proporção do PIB não aumenta na mesma proporçãode 0,52% do PIB, por ser também afetada pela diferença entre as taxas decrescimento do número de benefícios e do PIB.

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FINANCIAMENTO DASPOLÍTICAS SOCIAIS ECOMBATE À POBREZA:UMA PROPOSTA PARAA CPMF

TABELA 8

Superávit Primário do Governo Central,com Nova Proposta de CPMF/FCP

(Em porcentagem do PIB)

2001 2002 2003 2004 2005 2006

Receita total 21,25 20,81 20,08 19,72 19,55 19,55Ordinária 19,10 19,18 19,21 19,21 19,21 19,21

Tesouro 14,10 14,10 14,10 14,10 14,10 14,10

INSS 5,00 5,08 5,11 5,11 5,11 5,11Extraordinária 2,15 1,63 0,87 0,51 0,34 0,34

CPMF 1,10 1,06 0,82 0,46 0,29 0,29

Concessões 0,70 0,20 0,00 0,00 0,00 0,00IPI extra 0,00 0,02 0,05 0,05 0,05 0,05

Outras 0,35 0,35 0,00 0,00 0,00 0,00

(-)Transferências E&M /a 3,20 3,20 3,20 3,20 3,20 3,20Receita líquida 18,05 17,61 16,88 16,52 16,35 16,35

Despesa excl.transfer.E&M 15,80 15,76 15,43 15,02 14,85 14,85

Pessoal 4,75 4,66 4,55 4,44 4,33 4,23Benefíc. previdenciários 5,80 6,13 6,24 6,18 6,13 6,08

OCC 5,25 4,97 4,64 4,40 4,39 4,54

LOAS 0,20 0,22 0,23 0,23 0,22 0,21

Outras 5,05 4,75 4,42 4,17 4,17 4,33Superávit primário 2,25 1,85 1,45 1,50 1,50 1,50

Índice real OCC exc.LOAS 100,0 98,2 95,9 95,2 99,8 108,9

Cresc.real OCC(excl.LOAS,%) n.c. -1,8 -2,3 -0,8 4,9 9,1

Obs.: n.c. = não considerado.

TABELA 9

Impacto Fiscal Extra da Proposta

(Em porcentagem do PIB)

Gasto % PIB Receita % PIB

INSS 0,52 INSS 0,11LOAS 0,03 CPMF 0,29

IPI 0,05Total 0,55 Total 0,45

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

7. Conclusões

A reforma tributária é um tema cuja complexidade técnica e políticaexplica, em parte, o fato de até agora, após tantos anos de debate,ela ainda não ter sido aprovada.1 Virou um “lugar-comum” do deba-te se afirmar que uma das premissas básicas da reforma deve ser apreservação da carga tributária, devidamente “engordada” por re-ceitas extraordinárias que se situaram em torno de 2% a 3% do PIB nofinal da década de 90. Por outro lado, as classes empresariais, preju-dicadas por um sistema tributário com forte incidência de impostoscumulativos, têm, compreensivelmente, defendido a sua elimina-ção. No caso da CPMF, inclusive, se nada for feito, é exatamente issoque deve ocorrer, a partir de junho de 2002, quando a alíquota de0,30% deverá ser “zerada” subitamente.

Este artigo adota uma posição intermediária entre ambos os extre-mos. Por um lado, reconhece-se que a carga tributária atual é one-rosa e que as contas da reforma tributária deveriam ser feitas procu-rando preservar a carga tributária atual, excluídas as receitas extra-ordinárias. Por outro, argumenta-se que seria inconveniente elimi-nar subitamente uma importante fonte de receitas, como tem reve-lado ser a CPMF. A lógica que está por trás da análise é que, com opassar do tempo e no contexto de um crescimento econômico ataxas maiores que as dos últimos anos, “é possível em poucos anossubstituir (por receitas ordinárias) o que se chama de receitas extra-ordinárias ... (para) ... tornar permanente o ajuste fiscal”, comodisse corretamente, há pouco tempo, o chefe da AssessoriaEconômica do Ministério do Planejamento, José Guilherme dos Reis.2

A questão-chave, nesse ponto, é como dosar, ao longo do tempo,esse processo de substituição.

Da postura intermediária por nós defendida resulta a proposta dedefinir uma estratégia gradualista de abandono da CPMF que, ao invésde eliminá-la em junho de 2002, comporte sua redução até um valorpróximo de zero, porém com alíquotas declinantes e ainda relativa-

11 Sobre esse tema, ver Werneck (2000).

12 Reportagem da Gazeta Mercantil, 30 de maio de 2000, página A-7.

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FINANCIAMENTO DASPOLÍTICAS SOCIAIS ECOMBATE À POBREZA:UMA PROPOSTA PARAA CPMF

mente expressivas – acima de 0,10% – até o primeiro semestre de2004, inclusive. Isso evitaria que o necessário cumprimento das me-tas fiscais do governo central, já definidas para 2002 e 2003, de 1,85%do PIB em 2002 e 1,45% do PIB em 2003, se desse às custas de umaqueda expressiva dos gastos de OCC, já bastante comprimidos emrelação aos níveis observados em 1998.

Por outro lado, seria criada uma alíquota extra de 0,08 pontopercentual – sem prejuízo do objetivo de diminuir gradualmente aCPMF total – para financiar um aumento da ordem de 15% do salá-rio-mínimo, a partir do primeiro ano após a aprovação de emendaconstitucional nesse sentido, o que significaria provavelmente queisso deveria ocorrer em 2002. Tal aumento teria que ser entendidocomo uma iniciativa pluripartidária, destinada a pagar parte da cha-mada “dívida social”, mas ao mesmo tempo preservando os se-guintes objetivos: (i) conservar o ajuste fiscal, pelo fato de criarsimultaneamente fontes de receita e de despesa; e (ii) diminuirgradativamente a alíquota da CPMF.

Os recursos arrecadados dessa forma substituiriam o Fundo de Com-bate à Pobreza, objeto de PEC aprovada recentemente no SenadoFederal. Da forma como a proposta foi aprovada, há o risco de quese crie uma nova fonte de despesa a partir de 2002, associada àexistência de um piso de gastos adicionais de R$4 bilhões/ano. Afórmula alternativa que foi apresentada no texto procura ao mesmotempo eliminar esse risco e garantir que a pobreza diminua, medi-ante o aumento das remunerações, aposentadorias e pensões debase. O aumento das aposentadorias e do SM permitiria assim queos recursos fossem focalizados, uma vez que se dirigiriamdiretamente às pessoas mais pobres.

Desse modo, pela nossa proposta, a CPMF, atualmente de 0,30%,ao invés de ser subitamente eliminada em junho de 2002, cairiapara 0,28% na referida data, por um período de 12 meses, após oque cairia para 0,18% em junho de 2003, e para uma média de0,13% em 2004 e 0,08% nos dois anos seguintes. Assim, na tabela8, a despesa de OCC exclusive LOAS em 2003 – primeiro ano dopróximo governo e no qual, mantida a Constituição atual, não ha-veria mais CPMF – seria 11% superior à da tabela 6, que indica o

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

que deverá acontecer se as metas fiscais para 2003 forem cumpri-das e a CPMF for completamente eliminada. É exatamente por issoque a prorrogação da CPMF com uma alíquota menor deveria serassunto de interesse geral. Isso porque dificilmente o próximo go-verno – seja ele qual for – vai ter interesse em assumir tendo comosua primeira tarefa fazer um novo ajuste ou, alternativamente, co-municar a impossibilidade de cumprimento da meta de superávitprimário de 1,45% do PIB já anunciada para 2003.

Referências Bibliográficas

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WERNECK, Rogério. A Nova Proposta de Reforma Tributária doGoverno: limites do possível e incertezas envolvidas. Revistade Economia Política, v. 20, n. 1, jan./mar. 2000.

A VALORAÇÃO ECONÔMICACOMO INSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTAL − −O CASO DA DESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

Carolina Burle Schmidt Dubeux*

Resumo

A Baía de Guanabara é um ecossistema de impor-tância inquestionável e gerador de benefícioseconômicos que justificam sua recuperaçãoambiental. A fase I do Programa de Despoluição daBaía de Guanabara − PDBG, iniciada em 1994 pelogoverno do Estado do Rio de Janeiro, com recur-sos de aproximadamente US$ 800 milhões, nãoserá suficiente para garantir a limpeza total da baía.Para tal objetivo ambiental, as fases posteriores teri-am que investir no mínimo mais US$ 600 milhões.

O presente estudo efetua, primeiro, uma análisecrítica dos procedimentos metodológicos utiliza-dos na análise de viabilidade econômica do Pro-grama de Despoluição da Baía de Guanabara −PDBG, especificamente em relação à utilização de

* Pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente − LIMA/COPPE/UFRJ.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

técnicas de valoração econômica dos benefíciosambientais, e indica outros procedimentos tendoem vista os investimentos adicionais a serem rea-lizados na recuperação desse patrimônio natural.

Para tanto, essa avaliação metodológica identificouque, apesar de a análise econômica ter adotadoprocedimentos-padrão da literatura, algumas ques-tões eram merecedoras de uma abordagem distin-ta, ou adicional, no sentido de se avaliar a sensibili-dade dos resultados. As questões principaisreanalisadas neste trabalho foram: (i) as implicaçõesda avaliação conjunta de todo o sistema de esgo-tamento sanitário, que influenciou a viabilidade deestações de tratamento de esgotos, inviáveis seavaliadas em separado, e reduziu os recursos paraa expansão de outros componentes do projeto; e(ii) a importância da inclusão de valores econômicosde não-uso, associados a funções ecológicas da Baíade Guanabara, e sua pertinência para a viabilidadedas fases posteriores de investimentos com baseem algumas estimativas desses valores de não-usoem diferentes cenários e taxas de desconto.

O estudo das questões acima, contudo, veio aconfirmar que a análise de custo/ benefício, em-bora não seja uma forma exclusiva e única de ava-liação de projetos públicos, pode gerar indicado-res de viabilidade econômica que justificamprojetos tipicamente ecológicos, demonstrandoque eficiência econômica não está dissociada dequalidade ambiental.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

Abstract

The Guanabara Bay is a singular natural site withunquestionable ecological importance generatingbenefits which justify an ambitious clean-upprogramme. The Phase I of its clean-upprogramme started, in fact, in 1994 with a totalinvestment of almost US$ 800 million. However,total water quality and ecological functionsrecovery will require at least an additionalinvestment of about US$ 600 million.

Firstly, this study analyses the methodologicalprocedures adopted in the cost-benefit analysisundertaken for the Phase I. This analyses pointedout some issues deserving a distinct or broaderapproach, although it recognizes that theassessment process as a whole followed closelythe conventional procedures suggested in theliterature. The issues re-assessed in this thesiswere: (i) the implications of undertaking theviability analysis for the project as a wholeinstead of analysing the feasibility of eachcomponent separately; and (ii) the changes inresults with the inclusion of non-use values,which were excluded in the official analysis,based on estimates and their relevance for thenext investment phases at distinct scenarios anddiscount rates.

Our findings, however, have assured that cost-benefit analysis, although not the only option to

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scrutinise public investments, can offer soundeconomic indicator to justify environmentalprojects, indicating that economic efficiency canbe associated with environmental quality.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARAO

1 Introdução

presente estudo faz uma análise crítica dos procedimentosmetodológicos utilizados na análise de viabilidadeeconômica do Programa de Despoluição da Baía de

Guanabara − PDBG, especificamente da utilização de técnicas devaloração econômica do meio ambiente para a elaboração das aná-lises de custo/benefício. O objetivo é demonstrar como um investi-mento público ambiental pode ser melhor configurado se precedi-do de uma avaliação econômica que evidencie os ganhos e asperdas sociais decorrentes da execução dos projetos.

A Baía de Guanabara é um ecossistema de importânciainquestionável. Tem área de 381 km2, dos quais 44 km2 são ilhas;perímetro de 131 km; e volume de 2 bilhões de m3 de água. Abacia hidrográfica, com aproximadamente 35 rios, é um ecossistemacomplexo, cobrindo uma área de 4.234 km2, que abriga aproxima-damente 7,3 milhões de habitantes, em 15 municípios, parte signi-ficativa vivendo em condições precárias de saneamento básico. Osrios apresentam diferentes níveis de qualidade de água, especial-mente os que cortam áreas densamente povoadas, que se transfor-maram em canais de escoamento de esgotos sanitários e lixo.

Os investimentos totais necessários à plena recuperação da Baía deGuanabara ainda estão sendo definidos e a fase II do PDBG encontra-se em negociação. A fase I do PDBG, no entanto, foi iniciada em1994 pelo governo do Estado do Rio de Janeiro com recursos doBanco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Fundo Ultra-marino de Cooperação Econômica do Japão (OECF). Constitui-se emum investimento de aproximadamente US$ 800 milhões, que trarábenefícios a 5 milhões de habitantes, apresentando, portanto, am-pla magnitude em termos de impactos socioeconômicos.

Recuperar a Baía de Guanabara, no entanto, não é tarefa simples.Requer enorme esforço de pesquisa científica, de apropriação deconhecimentos técnicos e, principalmente, de capacidade institucionalde gestão. É irrefutável a capacidade técnica e científica local paraformular um programa de investimentos potencialmente apto a re-cuperar os valores ambientais da baía. No entanto, a capacidade

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institucional de gestão ambiental é algo que, a cada dia, se tornamais complexa em face da multiplicidade de interesses dos inúme-ros agentes econômicos que usufruem dos recursos naturais e danotória escassez de recursos financeiros para investimento.

Sendo assim, não há mais como conceber qualquer mecanismo degestão que prescinda de um conhecimento profundo da dinâmicados processos econômicos em que o recurso ambiental se insere,nem como utilizar os recursos financeiros disponíveis da forma maiseficiente possível sem identificar que conjunto de intervenções re-sultará em maior bem-estar social.

O conhecimento das preferências sociais expressas no valor atribuídoao patrimônio ambiental pelos indivíduos é condição para a melhoreficiência de políticas, planos e projetos. Da mesma forma, é con-dição para que o estabelecimento de padrões ambientais possa sermais facilmente respeitado e para que o cômputo dos danosambientais resulte em ressarcimentos que efetivamente cumpramo seu objetivo de compensar prejuízos.

Assim, dimensionar custos e benefícios de manter, recuperar oudestruir determinado patrimônio ambiental ou, mais especificamente,encontrar o ponto em que se maximizam os benefícios da utilizaçãodos recursos e minimizam-se seus malefícios − o ponto ótimo −exige o exercício de valoração desse patrimônio.

Dessa forma, o capítulo 2 faz uma descrição da fase I do PDBG emtermos de investimentos previstos nos contratos de empréstimo, comênfase nos métodos utilizados para avaliação econômica, o que per-mite visualização bastante abrangente da aplicação de várias técnicasde valoração em análises de custo/benefício de projetos dessa natu-reza. Identifica os procedimentos adotados e demonstra a importân-cia da utilização do sistema de preços como referencial para decidir acomposição dos investimentos a serem realizados.

O capítulo 3 questiona alguns procedimentos como, por exemplo,a ausência de um modelo geral de simulação ambiental que per-mitisse a realização de uma análise de custo/eficiência para definiros níveis de investimento em cada um dos componentes do pro-grama (saneamento, drenagem e resíduos sólidos). Questiona par-

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ticularmente a avaliação conjunta de todo o sistema de esgota-mento sanitário, o que tornou viável a maioria da estações de trata-mento de esgotos que, se avaliadas em separado dos demaisprojetos do sistema sanitário, não apresentariam rentabilidade sufi-ciente para garantir eficiência econômica aos investimentos.

Considerando-se que a justificativa adotada para tal procedimentoé o fato de que a legislação fluminense não permite a construçãode sistemas sanitários sem estações de tratamento, também no ca-pítulo 3 é questionada a falta de critérios de eficiência econômicada legislação, que poderá contribuir para o retardamento dos in-vestimentos em saneamento básico nas áreas de maior carênciasocial no estado.

Tendo o presente estudo identificado como uma limitação à efici-ência das estações de tratamento de esgotos (ETE) a não-considera-ção dos valores de existência (valores de não-uso) da baía, o capí-tulo 3 questiona tal desconsideração nos estudos de viabilidadeeconômica da fase I do PDBG e sugere a inclusão desse novoparâmetro por ocasião do planejamento da fase II do PDBG.

Ainda com relação aos valores de não-uso, procura estimar, mesmoque de forma simplificada, os valores mínimos que a sociedadeteria que atribuir à recuperação da qualidade ambiental da Baía deGuanabara para que os planos de investimentos (ou estudos), iden-tificados junto à agência ambiental do governo do estado e quepoderão balizar o detalhamento da fase II do PDBG, pudessem apre-sentar eficiência econômica.

Em síntese, esse estudo procura confirmar que a análise custo/bene-fício (ACB), embora não seja uma forma exclusiva de avaliação, podegerar indicadores de viabilidade econômica que justificam projetostipicamente ecológicos, ao contrário de alguns juízos que acreditamque eficiência econômica está dissociada de qualidade ambiental.

2 Avaliação Econômica do Programa de Despoluiçãoda Baía de Guanabara

Este capítulo apresenta os investimentos previstos na fase I do PDBG eos procedimentos adotados com os respectivos resultados do estu-

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do da viabilidade econômica do programa, tendo a utilização detécnicas de valoração do meio ambiente como enfoque principal.

Os dados foram extraídos do Programa de Saneamento Básico daBacia da Baía de Guanabara − Relatório de Referência para Solicita-ção de Empréstimo ao Banco Interamericano de Desenvolvimento(1993), preparado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro esubmetido à instituição financiadora, e do Programa de Saneamen-to Básico da Bacia da Baía de Guanabara − BR 0072, Relatório deProjeto 1950 − Banco Interamericano de Desenvolvimento (1993),a seguir denominados Relatório do Governo/RJ (1993) e Relatóriodo BID (1993), respectivamente.

O programa, à época de sua contratação, previu beneficiar mais de5 milhões de pessoas com investimentos de US$ 793 milhões, comouma primeira fase, objeto desse estudo.1 Os componentes dessasinversões e os respectivos percentuais aproximados de custos são:

(1) coleta e tratamento de esgotos sanitários: 64% dos recursos;

(2) aumento da distribuição, racionalização e regularização da ofertade água, com diminuição de perdas no sistema: 24% dos recursos;

(3) drenagem dos rios − dragagem, construção de muros de con-tenção e canalização em distintos trechos de rios: 2% dos recursos;

(4) coleta e disposição adequada de resíduos sólidos: 4% dos recursos;

(5) controle de poluição industrial − fortalecimento institucional daagência de controle ambiental do Estado, com definição de proce-dimentos metodológicos, treinamento de pessoal e aquisição deequipamentos: 3% dos recursos; e

1 A etapa I do PDBG apresenta em setembro de 1997 um custo total de US$ 1

bilhão, portanto um acréscimo de 26%, segundo o Documento-Base para For-mulação da Fase II,(1997), da Secretaria de Obras e Serviços Públicos (SOSP).Esse acréscimo seria devido a: (i) variação cambial da relação entre dólar e iene(em torno de 21%); (ii) contabilização de impostos e taxas como contrapartida(em torno de 17% da participação do governo do estado); e (iii) ampliação dosempreendimentos de contrapartida da empresa de saneamento(em torno de48% da participação da empresa).

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(6) mapeamento digitalizado − aerofotogrametria, reconstituiçãodigitalizada das áreas mais densamente povoadas da bacia hidrográficae constituição de cadastro para aumento da arrecadação dos municí-pios e melhoria dos processos de planejamento: 3% dos recursos.

A avaliação econômica foi desenvolvida para saneamento básico,drenagem e resíduos sólidos com duas finalidades: (i) desenhar amelhor configuração dos projetos e (ii) garantir a viabilidadeeconômica dos investimentos.

Apenas os componentes saneamento e drenagem desenvolveramestudos de custo/benefício que incorporaram métodos de valoraçãoambiental. Para o componente resíduos sólidos, verificou-se somentequal a alternativa de implementação dos projetos que apresentamenor custo, o que não é, portanto, aqui abordado.

Os métodos de investigação utilizados revelaram apenas valoresde uso, estando, assim, o valor econômico total da despoluição daBG subdimensionado por não considerar outros benefícios relacio-nados com o valor de existência como, por exemplo, a preserva-ção de espécies.

Um resumo das investigações efetuadas para o cálculo do valor deuso pode ser observado a seguir no quadro 1 (p. 52).

Uma análise custo/eficiência complementou a avaliação custo/be-nefício do tratamento de esgotos para investigar as soluções detratamento com a maior eficiência de descontaminação da BG emface do montante disponível de recursos.

A metodologia de cálculo e os resultados obtidos estão apresenta-dos nos subitens a seguir. A tabela 1 (p. 67) apresenta uma síntesedos resultados encontrados.

2.1 Setorização dos Sistemas

O programa de setorização objetiva regularizar o abastecimento deágua de 706.337 habitantes na Baixada Fluminense e 296.987 ha-bitantes em São Gonçalo e, ainda, conectar 15.297 novas residên-cias na Baixada e 9.000 em São Gonçalo.

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Bem ou Serviço Ambiental Método Procedimentos Metodológicos

Aumento da oferta e Custos evitados Cálculo do excedente doregularização do consumidor com dados deabastecimento de água pesquisa sobre hábitos de

consumo de água

Diminuição do desperdício Produtividade Cálculo do excedente docom a racionalização marginal consumidor com dados

do consumo de água sobreconsumo médio de populaçãocom e sem hidrômetro

Saneamento de residências Valoração Máxima disposição a pagarcontingente com por rede coletora de esgototransferência de doméstico com dadosfunções de pesquisa de outro projeto

Recuperação ambiental de Valoração Disposição a pagar por retiradarios e valões contingente de esgotos dos

rios e valões com dados depesquisa de campo

Recuperação ambiental Valoração Disposição a pagar pordas águas da baía contingente descontaminação das praias

com dados de pesquisade campo

Custo de viagem Disposição a pagar pordescontaminação das praiascom dados de pesquisade campo

Valoração Disposição a pagar por melhoriacontingente estética, pesca desportista e

navegação recreativa comdados de pesquisa de campo

Recuperação do setor Produtividade Aumento de oferta de pescadopesqueiro marginal com dados sobre produção

anterior à contaminação da BG

Aumento da demanda do Produtividade Aumento da oferta de passeiossetor turístico marginal turísticos na BG com dados

sobre demanda turística no Riode Janeiro e existência deprojetos turísticos na BG

Diminuição de cheias Custos evitados Pesquisa sobre valor dosdanos provocados porenchentes

QUADRO 1

Resumo dos Métodos Utilizados para oCálculo dos Valores de Uso

Fonte: Elaboração própria.

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Os benefícios da expansão da oferta de água foram calculados combase nos gastos com abastecimento incorridos pelas famílias da po-pulação a ser beneficiada pelo projeto, antes de o projeto serimplementado. Esses gastos representam uma estimativa da dispo-sição a pagar pelo consumo marginal de água de cada usuário e,com base nestes, estima-se a variação do excedente do consumidor.

Para tanto foi realizada uma pesquisa de campo similar às devaloração contingente e o excedente do consumidor foi calculadopor simulação de uma curva de demanda2 que incorporou todas asvariáveis de hábitos de consumo e respectivos gastos, resultandoem um benefício total de US$ 109.

Os resultados da análise custo/benefício indicam que o valor líquidodos investimentos (benefício menos custo) totaliza US$ 31,3 milhões,com taxas internas de retorno de 20,7% para o projeto da região daBaixada Fluminense e de 14,6% para o projeto de São Gonçalo.

2.2 Micromedição

Ainda com relação a abastecimento, o projeto de micromediçãoobjetiva racionalizar o consumo a partir da instalação de 525.000medidores (hidrômetros) tendo em vista que a cobrança da águacom base em estimativas não induz à racionalidade do consumidor,resultando em desperdício e iniqüidade social.

O benefício do projeto calculado pela técnica da produtividademarginal considera o aumento da oferta com a racionalização doconsumo, uma vez que essa racionalização poupará os recursos deinvestimentos, manutenção e operação que seriam necessários parauma expansão equivalente ao consumo poupado. Para os cálculos,foram utilizados os valores dos custos da empresa de saneamentorelativos à produção e distribuição de água e coleta e tratamentodo respectivo esgoto doméstico.

2 Segundo o Relatório do Governo/RJ, o modelo utilizado denomina-se SIMOP.

Não há, no entanto, maiores referências ao modelo.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

O valor total do benefício monta a US$ 23,5 milhões por ano ouUS$ 158,5 milhões e sua estimativa baseou-se na diferença entre oconsumo médio para situação com hidrômetro, extraído de relató-rio mensal da empresa de saneamento, que é de 249,06 l/hab./dia, e o consumo médio para situação sem hidrômetro, que é de408,98 l/hab./dia, extraído do projeto de setorização de água.

Com base nos resultados sobre consumo de água da pesquisa rea-lizada para setorização e uma tarifa média de US$ 0,454/m3 paracada um dos serviços de água e esgoto, foi estimada uma diminui-ção no consumo da ordem de 24%.

Os resultados das estimativas da análise custo/benefício dos projetosde micromedição indicam um benefício líquido de US$ 82,0 mi-lhões com taxa interna de retorno de 52,0%.

2.3 Redes Coletoras

As redes coletoras irão beneficiar aproximadamente 1.800.000 pes-soas e seus benefícios foram calculados pelo método da valoraçãocontingente com base em funções estimadas em outras localidadesnas quais foi calculada a disposição a pagar (DAP) de cada famíliapelo serviço de coleta de esgoto domiciliar.

Foram utilizados os resultados de duas pesquisas realizadas na Re-gião Metropolitana de São Paulo, a primeira, em 1990, para o pro-grama PROSEGE − Osasco, e a segunda, em 1991, para o Programade Saneamento Ambiental da Bacia de Guarapiranga, além de da-dos de uma pesquisa realizada em Fortaleza, Estado do Ceará.

Aplicando-se, então, o percentual DAP/renda mais conservador àrenda média da população a ser beneficiada, obtém-se uma DAP

de US$ 12,73 por família/mês para a Baía de Guanabara.

O benefício total para as redes alcança o montante de US$ 187,40milhões e o custo total, US$ 92,10.

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2.4 Coletores-Tronco

O principal benefício da construção de coletores-tronco ocorre coma coleta do esgoto advindo das redes, o que reduz a contaminaçãodos rios, canais e valões. Os projetos beneficiarão aproximadamen-te 2.550.000 pessoas e o valor de seus benefícios foi estimado poruma pesquisa de valoração contingente.

Utilizou-se o método referendo com acompanhamento (dois valo-res) para se aferir o valor da perda, por meio de questões sobre adisponibilidade a pagar pela construção do coletor-tronco da áreade interesse do entrevistado. O resultado indicou uma DAP pararecuperar os rios estimada em US$ 7,30 por família/mês.

Tendo em vista que os projetos propostos reduzem a contamina-ção somente de forma parcial, os valores da DAP foram ajustadosproporcionalmente à redução a ser alcançada pelo sistema de es-gotamento previsto no projeto.

O benefício total para os coletores-tronco alcança o montante deUS$ 215,6 milhões e o custo, US$ 110,2 milhões.

2.5 Estações de Tratamento de Esgoto

Este componente foi o de maior sofisticação metodológica e osresultados obtidos foram importantes para o desenho final do pro-jeto, que prevê investimentos em tratamento de cerca de 8,0 m3/s de esgotos domésticos, correpondentes a 40% do volume total.

Foi realizada uma análise custo/benefício e, para o estabelecimentode prioridade nos investimentos em tratamento, foi feita uma aná-lise custo/eficiência (ACE),3 conforme se mencionou, quecomplementa a análise custo/benefício no que diz respeito à co-bertura e ao nível de tratamento nas diversas bacias de esgotamen-to sanitário.

3 A ACE é utilizada para definir a melhor alternativa de projeto dada uma restri-

ção orçamentária.

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Análise Custo/Benefício

(a) Balneabilidade, esportes náuticos e estética

Utilizou-se uma pesquisa de valoração contingente, realizada juntoa 1.674 famílias de diferentes bairros da Região Metropolitana doRio de Janeiro, com o objetivo de aferir a DAP para três diferentesusos, quais sejam, banho de mar, esportes náuticos e estética.

Os resultados da análise de valoração contingente indicam que paratodos os bairros, independentemente do seu nível de renda, a DAP

por investimentos que recuperem as praias é muito superior aosinvestimentos que somente melhorem as condições ambientais eestéticas gerais da BG.

No caso de Niterói, estimou-se uma DAP de US$ 7,2 por família/mêspara a recuperação da balneabilidade das praias, enquanto que sóUS$ 0,15 por família/mês para investimentos que permitem apenasmelhorar as condições de pesca esportiva, navegação e estética.4

Para confirmar a validade dessas estimativas, foi também utilizado ométodo do custo de viagem para calcular os benefícios dabalneabilidade.

Os dados da pesquisa indicaram que o número de visitas que a po-pulação desejaria realizar às praias da BG excede os níveis de satura-ção para as praias de maior importância. A capacidade das praias daBG foi estimada com base na área disponível, flutuações de estações ede fim de semana e um nível de saturação de 8m2 por família.

Verificou-se, também, um excesso de demanda ao substituírem-seos custos de viagem para visitas às praias da BG em curvas de de-manda para praias oceânicas. Para corrigir essas distorções, os be-nefícios foram estimados de acordo com o excedente do consumi-dor considerando-se a capacidade máxima das praias.

4 Somente os valores para Niterói foram identificados nos relatórios oficiais.

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Os valores situaram-se entre US$ 6,0 e US$ 7,0. Adotou-se, por-tanto, o valor de US$ 6,5 como o benefício por família/mês nocálculo do benefício das ETE.

(b) Turismo

Pesquisas realizadas junto a companhias de turismo revelaram apossibilidade de realização de vários projetos de passeio turísticona BG que ainda não puderam ser viabilizados devido à contamina-ção das águas, concluindo-se que a poluição hídrica afasta o turistae conseqüentemente a receita respectiva.

Os benefícios de turismo foram calculados a partir das perdas dosetor com base nos seguintes dados:

• gasto médio ‘per capita’/dia na cidade do Rio por turistas estran-geiros: US$ 86,88

• número de turistas estrangeiros/ano que visitam o Pão de Açúcar:385.083

Para o cálculo dos benefícios do turismo, supôs-se que os investi-mentos em tratamento de esgoto poderiam aumentar a perma-nência média na cidade do Rio de Janeiro de 50% dos turistas emmais um dia. Estimou-se, então, que os ganhos com o turismo se-riam de US$ 16,728,049.00/ano.

Entretanto, considerando-se que o valor agregado a ser repassadoaos setores econômicos nessa atividade representa 40% da receitabruta, estimou-se o valor incremental de US$ 6,691,220.00/ano.

(c) Pescado

Uma pesquisa junto às colônias de pesca revelou que algumas es-pécies de importância comercial não mais são encontradas no inte-rior da BG e que o volume hoje pescado equivale a 33% do volumede peixe e 17% do volume de camarão de há 10 anos.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

O benefício dos investimentos foi calculado como o incremento dovolume pescado nas situações com e sem projeto multiplicado pelovalor de mercado de cada espécie. Do valor encontrado, reduzi-ram-se 50% correspondentes ao custo de produção para se estimaro valor agregado da atividade.

Para se calcular a quantidade incremental de peixe e de camarãono cenário com o projeto, considerou-se um crescimento gradualem 10 anos, a partir do ano seguinte à conclusão das obras, resul-tando em um valor total líquido de US$ 30,6 milhões para o setor.

Agregação da Viabilidade Econômica

A viabilidade econômica para tratamento foi calculada por sistemasde esgotamento (rede e/ou coletores e/ou ETE e/ou aterro de lodose/ou emissário submarino, dependendo dos itens de projeto paracada sistema). A justificativa para se agregarem os diferentes projetosem sistemas reside no fato de que a legislação não permite lança-mentos de esgoto sem, no mínimo, tratamento primário. Portanto,a construção de ETE seria condição ‘sine qua non’ à construção dasredes coletoras.

A avaliação foi realizada para cada sistema em separado, quandopossível distinguir os impactos (benefícios) na qualidade da águaresultantes dos investimentos em cada um dos sistemas, e realiza-da por grupos de sistemas quando os benefícios se misturam.

Assim, os sistemas de esgotamento sanitários de Alegria, Pavuna eIlha do Governador (setor sul) obtiveram um benefício global deUS$ 326,1 milhões e custos de US$ 204,5 milhões, o que resultaem uma TIR de 19,4%.

Para os sistemas de Sarapuí e Ilha do Governador (setor norte) osvalores encontrados foram de US$ 103,3 milhões para os benefícios eUS$ 64,3 milhões para os custos, o que resulta em uma TIR de 20,3%.

Os valores para Niterói sul (emissário submarino) são US$ 81,1 mi-lhões em benefícios, US$ 20,8 milhões em custos e TIR de 43,9%;para São Gonçalo, US$ 62,4 milhões em benefícios, US$ 55,2 mi-lhões em custos e TIR de 14%; para Ilha de Paquetá, US$ 9,5 milhões

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

em benefícios e US$ 2,7 milhões em custos, com TIR de 37,8%; e,por fim, para o escoamento das favelas no centro do Rio, US$ 0,8milhão em benefícios e 0,5 milhão em custos, com TIR de 21,1%.

Além dos valores correspondentes a praias, foram incluídos os valo-res do turismo no sistema de Alegria, Pavuna e Ilha do Governador(sul) e no sistema de Paquetá, respectivamente 75% e 25% do valortotal desse setor. Com relação aos valores de pesca, a análise dosrelatórios oficiais não revela como foram incorporados à avaliação (ape-sar de demonstrado como calculado, como foi visto).

Em termos globais, os sistemas de esgotamento sanitários propostospelo programa de despoluição apresentam benefício de US$ 582,40milhões e custo de US$ 347,50 milhões.

Análise Custo/Eficiência

Os resultados da análise custo/eficiência (ACE) conferem prioridadeao aumento da vazão tratada em nível primário em diversos pontoslocalizados em torno da BG, antes da implementação de tratamentosecundário nas principais bacias. Somente quando o nível de recur-sos disponíveis para tratamento supera US$ 325 milhões, mais queo dobro da quantidade de recursos disponíveis para esse fim, sejustificaria tratar a maior parte do esgoto em nível secundário. As-sim, o programa contemplará tratamento primário em aproximada-mente 95% da vazão resultante dos investimentos.5

O nível de agregação do modelo de qualidade de água utilizado,no entanto, não simula a contaminação de praias proveniente depequenas descargas. Assim, tendo a análise custo/benefício identifi-cado um alto benefício para praias e sendo relativamente pequeno ocusto das obras em redes de favelas que são as fontes de contamina-ção das principais praias, estas foram incluídas no programa.

5 As estações de tratamento primário serão modulares, podendo ser transfor-

madas posteriormente em estações de tratamento secundário. Pela mesmarazão, têm custo constante para diferentes vazões.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

2.6 Drenagem

A drenagem urbana foi avaliada pelo método dos custos evitados.Foram considerados os prejuízos ocorridos durante enchentes ante-riores como um benefício do projeto a ser executado.

Para a identificação dos prejuízos à população e, portanto, o cálculodos benefícios, foram inseridas questões específicas no questionáriodo método de valoração contingente para coletores-tronco, dada acoincidência da área de pesquisa, considerada a mancha de inun-dação da taxa de recorrência (TR) para 20 anos.

A população a ser beneficiada para TR de 20 anos foi dividida emdiretamente beneficiada (16.000 habitantes), ou seja, aquela que tevesua residência invadida pelas águas e, conseqüentemente, perda debens, e em indiretamente beneficiada (207.533 habitantes), aquelaimpossibilitada de sair para o trabalho por ter sua rua alagada.

O custo evitado está calculado com a seguinte fórmula, conside-rando-se um prejuízo médio por família diretamente atingida deUS$ 153,5 e indiretamente atingida de US$ 40,6:

DE = D * FR * Pr

em que:

DE = total de danos evitados (custos evitados)

D = dano por família

Fr = número de famílias atingidas pela enchente

Pr = probabilidade de ocorrência da enchente

Os resultados para o componente drenagem indicam um benefíciode US$ 10,3 milhões e um custo de US$ 9,5 milhões calculadoscom base nos gastos de investimentos e manutenção dos projetos,por trecho de rio.6

6 Outros estudos foram realizados também para a Bacia do Rio Faria Timbó.

Nesse caso, além da metodologia utilizada para a Bacia do Rio Acari, identifi-cou-se também como benefício a redução do custo operacional dos veículos

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3 Análise Crítica da Fase I do PDBG

Este capítulo faz uma apreciação sobre os procedimentos utilizadosna fase I do PDBG, com especial atenção ao estudo de viabilidadeeconômica das estações de tratamento de esgotos à medida queesse aspecto se apresenta, como será visto no capítulo 4, como ode maior implicação na qualidade dos recursos ambientais da baía.

O estudo é bastante representativo de como os investimentos públi-cos podem ser moldados com eficiência a partir da realização deanálises de viabilidade econômica. Um exemplo claro dessa afirma-ção é a decisão tomada com base nas conclusões dos estudos deque as ETE em nível primário de tratamento teriam melhor eficiênciaeconômica do que em nível secundário, conforme foi mencionado.

No caso de programas como o PDBG, que têm por objetivo a melhoriadas condições de vida das classes de menor poder aquisitivo, a in-clusão desses parâmetros ambientais na avaliação de cada um dosprojetos permite que sejam efetivamente escolhidos aqueles queresultarão em maximização do bem-estar dessas classes sociais. As-sim, a questão que a análise econômica se propõe é a seguinte:dada uma restrição orçamentária, qual o melhor conjunto de projetosque levará ao aumento máximo possível do bem-estar social?

O PDBG procurou de certa forma promover estudos nesse sentido.No entanto, analisou somente alternativas entre projetos substitu-tos, como no caso do nível de tratamento para esgoto, ou verificouse os projetos eram viáveis, no caso das redes coletoras, coletores-tronco e drenagem. Com relação a resíduos sólidos, limitou-se aidentificar a alternativa de projeto que representasse menor custo,o que não implicou quantificar benefício, como já se mencionou.Dessa forma, não houve um procedimento de otimização no qual obenefício econômico marginal de cada componente do programa

que trafegam nas vias da área do projeto sujeitas a congestionamentos perió-dicos em épocas de enchentes. Perdas de produção industrial e comercialdevido às enchentes foram consideradas também como benefício. No entanto,esta bacia passou à gestão da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, deixandode ser objeto de financiamento do programa.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

fosse comparado com a melhoria ambiental marginal resultante dosinvestimentos em cada um.

Várias explicações podem ser aventadas para tal procedimento.Primeiro, não havia à época um modelo geral de simulação ambientaldisponível que permitisse tal sofisticação técnica.

Segundo, os diferentes componentes são de responsabilidade dedistintas instâncias governamentais. Enquanto o componente abas-tecimento de água e coleta de esgotos é atribuição da companhiaestadual de saneamento, tomadora do empréstimo, a drenagem éafeta a outra instituição do próprio estado e os resíduos sólidosestão a cargo dos municípios da bacia hidrográfica, cujos recursossão repassados a fundo perdido. Tal distribuição de atribuições podeter influenciado decisões sobre a alocação dos recursos entre oscomponentes de investimento. Nesse caso, os limites das compe-tências de governo poderiam estar reduzindo a rentabilidade dosinvestimentos públicos.

Com relação às avaliações feitas, alguns pontos merecem conside-rações. A questão mais controversa refere-se à agregação na análi-se custo/benefício dos componentes de esgotamento sanitário (re-des coletoras, coletores-tronco e estações de tratamento) para ocálculo de viabilidade econômica das ETE.

A justificativa se deve às restrições legais que obrigam à realizaçãode tratamento para os efluentes dos novos investimentos em redecoletora. Diz a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, promulga-da em 5 de outubro de 1989, no artigo 277 (antigo 274), que “oslançamentos finais dos sistemas públicos e particulares de coleta deesgotos sanitários deverão ser precedidos, no mínimo, de trata-mento primário completo, na forma da lei”.

Para regulamentar esse dispositivo constitucional, a Lei no 2 661, de27 de dezembro de 1996, estabelece em seu artigo 1o que “define-se como tratamento primário completo de esgotos sanitários a sepa-ração e a remoção de sólidos em suspensão, tanto sedimentáveisquanto flutuantes, seguida de processamento e disposição adequa-da”. Esses preceitos legais merecem alguns comentários.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

A qualidade ambiental de um corpo hídrico é dependente de suacapacidade de depuração. Assim, ao se estabelecer uma tecnologiade tratamento mínimo para as municipalidades, não se considera acapacidade de suporte do corpo receptor, o que pode gerardeseconomias em alguns sistemas sanitários.

Nesse aspecto, a tendência global que se tem verificado tanto nospaíses desenvolvidos como no próprio Brasil, com a Lei no 9 433,de 8 de janeiro de 1997, de Recursos Hídricos, mesmo em nívelestadual como é o caso de São Paulo e Ceará, é de se estabelece-rem mecanismos que contemplem a bacia hidrográfica como umaunidade de gestão integrada, para a qual são estabelecidas metasde padrão ambiental e não níveis de tratamento para fontes depoluição separadamente, caso em que o padrão resultante podeacabar por ficar absolutamente fora do padrão ambiental desejado(ou, em outros termos, fora do nível ótimo de poluição).

Por exemplo, nada garante que uma grande estação de tratamentode esgotos em nível primário (já que a lei é vaga, e permite, assim,essa concentração) seja ecologicamente mais salutar do que várioslançamentos pontuais de esgoto sem tratamento primário (por exem-plo, somente com peneiramento) em diferentes trechos de um rio.Ou, ainda, que o tratamento de esgotos seja mais eficiente que seulançamento ao mar, por meio de emissários.

Além disso, o impedimento de se construirem redes de coleta deesgoto sem tratamento primário também não contribui para a dimi-nuição das desigualdades sociais, já que parte dos recursos dispo-níveis deverá ser direcionada para ETE.

De acordo com Seroa da Motta (1995), 75,8% da população brasi-leira com renda mensal de até dois salários-mínimos não têm aces-so à rede de coleta de esgotos (dados de 1989), enquanto, para apopulação com renda mensal acima de cinco salários-mínimos, essepercentual cai para 38,8%.

Há, ainda, a hipótese da ocorrência de situações de extremadeseconomia em que poderão ser construídas ETE com capacidadeociosa fora dos padrões desejáveis, tendo em vista que o nível de

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

tratamento de um sistema sanitário tem variações discretas e nãocontínuas. Dadas as limitações orçamentárias, recursos que deveri-am ser utilizados em extensão de redes coletoras serão carreadospara a construção de estações de tratamento que apresentarão ca-pacidade ociosa, conforme o exemplo hipotético abaixo em que Tcorresponde a investimentos e DW a variações de bem-estar, sen-do que DW

1 pode ser bem maior que DW

2:

QUADRO 2

Correlação entre Alternativas de Investimentos emSaneamento e Variações de Bem-Estar

Alternativas de Projeto Dimensão da Coleta Dimensão do(em volume) Tratamento

(em volume)1. Hipótese economicamente Y X eficiente2. Hipótese com ETE ociosa em função Y − T X + T de escala de construção e da em que T = ∆W

1em que T = ∆W

2

Lei no 2 661/96

Esse “engessamento” dos sistemas sanitários promovido pela Leino 2 661/96 poderá inviabilizar a expansão das redes às classesmais desfavorecidas e resultar, eventualmente, em perdas de bem-estar maiores do que as perdas provocadas pelo lançamento deesgotos ‘in natura’ em corpos hídricos fluminenses.

Em síntese, a questão está longe de ser resolvida com aimplementação da Lei no 2 661/96 que pode, inclusive, agravar asituação em algumas localidades.

Se há, assim, essa dissociação entre os preceitos legais e a eficiênciaeconômica, o PDBG deveria ter estudado a viabilidade de suas ETE deforma independente dos demais projetos de esgotamento sanitário.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

A análise de viabilidade das ETE não deveria, em princípio, serrealizada em conjunto com redes e coletores, à medida que, dadauma restrição orçamentária, os investimentos adicionais em um ououtro projeto geram benefícios de natureza e magnitude distintas.Em teoria, o nível de investimento ótimo em cada um deles deve-ria se igualar na margem em termos de rentabilidade econômica.Por exemplo, um real a mais em investimentos em rede e coletorespoderia gerar um benefício líquido marginal maior que o aplicadoem ETE (ou vice-versa).

Examinando-se as tabelas com os dados desagregados para cadasistema de ETE extraídos do anexo V-1 do Relatório BID (1993) efazendo-se os cálculos de viabilidade para ETE em separado (ouseja, excluindo-se os dados de redes e coletores), verifica-se quenem todas as ETE apresentam eficiência econômica.

Os sistemas que compreendem as ETE de Alegria, Pavuna e Ilha doGovernador Sul; Sarapuí e Ilha do Governador norte; São Gonçalo;e Niterói norte apresentam um valor líquido presente (benefíciosmenos custos) negativo.7 Somente as ETE de Icaraí e Ilha de Paquetáapresentam um valor líquido presente positivo.

Ordenando-se, portanto, a totalidade dos projetos por ordem de-crescente de eficiência econômica, pode-se observar na tabela 1que a micromedição apresenta a maior taxa interna de retorno,seguida das ETE de Icaraí e Paquetá e de redes coletoras e coletores-tronco de esgoto, de setorização de água e de drenagem. As ETE

de Alegria, Pavuna, Ilha sul, Sarapuí, Ilha norte, São Gonçalo e Niteróinorte apresentam benefício líquido negativo.

Assim, um procedimento metodológico adequado seria ampliar oescopo dos estudos de modo que fossem investigados os valoresde não-uso da BG, para se verificar se os benefícios daí advindosjustificariam a execução das ETE ineficientes sob o ponto de vistados valores de uso, conforme será visto no capítulo 4.

7 Esses conjuntos de ETE apresentam taxa interna de retorno negativa quando

seus cálculos são efetuados separadamente de redes e coletores.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

4 Programa de Despoluição da Baía de Guanabara− Valor de Existência, Por Que Não?

Este capítulo examina uma hipótese, qual seja, a inclusão do valorde existência (não-uso) nos cálculos da análise de custo/benefíciodo Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, considerandoser esta uma discussão que vem ocorrendo há muito tempo naliteratura especializada e de grande importância para as decisõesde investimento.8

O Método de Valoração Contingente (MVC) é o único método dis-ponível capaz de captar valor de não-uso. No caso do PDBG, foiconsiderado capaz de dimensionar valores dos bens e serviçosambientais externos ao sistema de preços e utilizado paradimensionar os benefícios da construção de redes de coleta deesgoto e de coletores-tronco.

Nesse contexto, cabe um questionamento: por que não foram in-cluídos valores de não-uso na análise custo/benefício do Programade Despoluição da Baía de Guanabara ao invés de terem sido agru-pados, equivocadamente, os diferentes projetos do componentesaneamento na busca da viabilização das estações de tratamento

8 Ver, entre outros, Hanemann, W. M. “Contingent Valuation and Economics”,

in Willis, K.G. e Corkindale, J.T. (editores), Environmental Valuation, 1. ed.,capítulo 7, Wallingford, Cab International, 1995.Kahneman D. e Knetsch, J.L. “Valuing Public Goods: The Purchase of MoralSatisfaction”, Journal of Environmental Economics and Management, v. 22 n. 1,pp. 57-70, 1992.Koop, Raymond J. “Why Existence Value Should Be Used In Cost-Benefit Analysis”,Journal of Policy Analysis and Management, v. 11, n. 1, pp. 123-130, 1992.Krutilla, J. V. “Conservation Reconsidered”, in Markandya, A. e Richard, J. (edi-tores). The Earthscan Reader in Environmental Economics, 2. ed., capítulo 5,Londres, Earthscan Publications Ltd., 1992.McConell, K.E. “Existence and Bequest Value”, in Rowe e Chestnut (editores),Managing Air Quality and Scenic Resources at National Parks and WildernessAreas, Colorado, Westview Press, 1983Pearce, D. Cost-Benefit Analysis, 2 ed., Londres, MacMillan, 1983.Pearce, D. e Warford, J.J. World Without End. 1. edição, Nova York, OxfordUniversity Press, 1993.Seroa da Motta, R. Manual de Valoração Econômica do Meio Ambiente, InstitutoBrasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), 1998.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

TABELA 1

Relação Custo/Benefício dos Projetos do PDBG

Projeto Benefício Custo Benef. Líq. TIR

(US$1x106) (US$1x106) (US$1x106) %

Micromedição 158,5 76,8 82,0 52,0

ETE Icaraí 81,1 20,8 60,2 43,2

ETE Paquetá 9,5 2,6 6,9 37,8Rede Ilha Gov. (norte) 7,8 3,7 4,1 35,5

Rede Pavuna 66,9 27 39,9 34,2

Rede Ilha Gov.(sul) 19,2 13,6 5,6 29,8Coletor Pavuna 34,2 13,6 20,6 28,1

Redes São Gonçalo 37,1 17,9 19,2 28,0

Rede Sarapuí 55,6 29,4 26,2 25,2Coletor Alegria 124,4 62,6 61,8 24,0

Coletor Sarapuí 36,2 19,5 16,7 21,9

Redes Favelas Centro 0,8 0,5 0,3 21,1Setorização da Baixada 79,1 52,2 26,9 20,7

Coletor São Gonçalo 20,8 14,5 6,3 17,4

Setorização de São Gonçalo 30,6 26,2 4,4 14,6

Pedras 2,5 2,2 0,3 14,2Piraquara 4,9 4,6 0,3 13,0

Timbó Superior 2,8 2,7 0,1 12,7

ETE Alegria +Pavuna+Ilha Sul 91,1 92,6 -1,5 -ETE Sarapuí+Ilha Norte 3,7 15,6 -11,9 -

ETE São Gonçalo 4,6 22,7 -18,1 -

ETE Niterói Norte 1,9 15 -13,1 -

Total 873,3 536,3 337,0

Fonte: Relatório do BID (1993).

esgotos? A proteção de fauna e flora marinhas, por exemplo, poderiaintroduzir outra dimensão aos resultados de esgotamento sanitário.

Cabe ainda uma segunda questão: qual seria o valor de não-usomínimo que a sociedade deve atribuir à Baía de Guanabara paraque a recuperação desses valores possa ser economicamente efici-ente, ou, em outros termos, para que os benefícios sociais dos in-vestimentos superem seus custos sociais?

Essas questões serão abordadas a seguir.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

4.1 O Valor de Existência e a Fase I do PDBG

É quase sempre recomendável que se avaliem projetos ambientaisincluindo todos os bens e serviços por eles gerados, apesar deainda persistir uma certa controvérsia nos meios acadêmicos sobrea percepção do valor de não-uso pela sociedade e sobre a possibi-lidade de sua mensuração por MVC. De qualquer modo, umavaloração criteriosa e cuidadosa permite a geração de indicadoreseconômicos que possibilitam uma incorporação mais abrangentedas condições de sustentabilidade dos investimentos públicos. Porque, então, não foram considerados os valores de não-uso na fase Ido PDBG para a investigação da viabilidade econômica das ETE?

É certo que essa fase em si mesma não gera esses valores. Masestariam os ecossistemas muito degradados sempre condenados aassim se perpetuarem ante a hipótese de que nunca apresentemvalores de uso suficientes para viabilizar fases intermediárias de re-cuperação? Como proceder no caso de não haver disponibilidadefinanceira ou mesmo capacidade institucional de realização de gran-des investimentos em uma só etapa?

No caso particular da baía, a fase I do PDBG de fato gera somentevalores de uso. Mas, sendo parte de um conjunto mais amplo deinvestimentos futuros que irão gerar valores de não-uso, por quenão dimensionar esses valores globais e atribuir a essa fase valoresproporcionais à reabilitação parcial dos ecossistemas? Ou seja, dadauma previsão de investimentos adicionais necessários à geração devalores de não-uso, poderia ser concebida uma pesquisa para me-dir a disposição a pagar da população da região hidrográfica (eoutros potenciais beneficiários, por exemplo, turistas) por essa fasedo processo de recuperação ambiental da baía.

Teoricamente, não há impossibilidades metodológicas para que essaalternativa fosse implementada. No entanto, uma das principais exi-gências para a utilização dos mercados hipotéticos na aferição dovalor do bem ou serviço ambiental consiste na informação precisa dobem ou serviço a ser oferecido ao entrevistado. No caso específicoda fase I do PDBG, conforme já se mencionou no capítulo 3, não haviaconhecimento científico/tecnológico disponível nas instituições doestado suficiente − à época em que foram configurados os projetos −

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

que permitisse dimensionar com certa precisão o nível dos proble-mas ambientais causadores de perdas de valores de não-uso.

Portanto, ante a incerteza sobre o grau do problema e, conseqüen-temente, sobre o volume de recursos adicionais necessários à res-tauração dos valores de não-uso, não havia como investigar a dis-posição a pagar por parte da recuperação dos valores de não-uso.Em outros termos, o desconhecimento sobre o custo total do pro-grama abrangente não permitiria que se tentasse aferir qual seria ovalor de não-uso proporcional aos investimentos da fase I.

Permanece, no entanto, a crítica: na incerteza, ao invés de investirem ETE cujos valores de uso são insuficientes para gerar ganhos debem-estar, poder-se-ia investigar a viabilidade de outros projetos.

Essas questões, mesmo que extemporaneamente, merecem aten-ção à medida que suscitam hipóteses de planejamento que po-dem influenciar novas decisões de investimentos na própria baía eem outras situações similares.

4.2 O Valor de Existência da Baía de Guanabara eFuturos Investimentos

Não é objetivo deste trabalho calcular o valor de não-uso da BG massim realizar uma simulação para estimar uma aproximação da dis-posição a pagar (DAP) mínima total e individual necessária paraviabilizar investimentos que oferecem um conjunto de serviçosambientais de não-uso a uma população específica.

A simulação é simples: (i) identificação do valor dos investimentosnecessários para gerar o fluxo desses serviços de não-uso, o quecorresponde à DAP mínima total necessária; e (ii) divisão desse totalpela população de beneficiados para se estimar a DAP média individual.

A maior dificuldade não provém da teoria econômica. Pelo contrá-rio, reside na complexidade de se identificar a dimensão do pro-blema ambiental e as alternativas técnicas para sua solução.9

9 Britto, Evandro R. (1997). Informe Técnico Preliminar ao Banco Interamericano

de Desenvolvimento − Alternativas de Tratamento descreve 17 tipos de trata-

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

Assim, o exercício de simulação será realizado considerados os custosde recuperação apontados pelos dois principais documentos identifi-cados no âmbito do governo do estado relativos à descontaminaçãoda BG, quais sejam:

(i) Estudo para Recuperação do Ecossistema da Baía de Guanabara(1994) desenvolvido pela Kokusai Kogyoko LTD., Tokyo, no âmbitode um projeto de cooperação técnica internacional firmado porintermédio da FEEMA10 e da Japan International Cooperation Agency(JICA), a seguir denominado JICA (1994); e

(ii) Modelo de Política de Qualidade da Água para a Baía deGuanabara e suas Aplicações (1997), da FEEMA, a seguir denomina-do Modelo da FEEMA (1997).11

4.2.1 Estudo para a Recuperação do Ecossistema da Baíade Guanabara da JICA

De acordo com a JICA (1994), a recuperação da BG em termos dequalidade dos recursos hídricos e, conseqüentemente, biológicosdepende fundamentalmente da redução do nível de lançamentode carga orgânica e sais nutrientes dada “a grande influência daeutroficação12 na qualidade da água na Baía” (cap. 16, pág. 1),além de uma série de outras medidas de menor impacto.

Para fazer prognósticos sobre as condições ambientais da baía fren-te a diferentes cenários de desenvolvimento socioeconômico e deinvestimentos públicos em saneamento, a JICA (1994) desenvolveu

mento de esgotos somente até o nível secundário para a Cidade de Lavalleja,no Uruguai. Cada alternativa técnica tem eficiência ambiental e custos respec-tivos diferenciados.10

Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, agência ambiental dogoverno do Estado do Rio de Janeiro.11

Versão preliminar.12

Processo de ação vagarosa pelo qual um lago evolui para um charco ou brejo e,ao final, assume condição terrestre e desaparece. Durante a eutroficação, o lagofica tão rico em compostos nutritivos, especialmente nitrogênio e fósforo, que asalgas e outros microvegetais tornam-se abundantes, deste modo “sufocando” olago e causando sua eventual secagem” − Banco Mundial, 1978, in FEEMA, Vocabu-lário Básico de Meio Ambiente, 1990, Rio de Janeiro, 1. ed., pág. 96.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

os seguintes modelos matemáticos de simulação, apresentados nocapítulo 10 do volume 2:

1. Modelo Hidrodinâmico: simula a circulação hídrica causada pelofenômeno das marés a partir do qual fundaram-se os outros mode-los a seguir. Foram calculados os componentes da velocidade hori-zontal em duas camadas distintas de profundidade.

2. Modelo de Difusão: utilizado para avaliar substâncias conservantes,tais como salinidade, e útil principalmente para determinar o coe-ficiente de difusão de substâncias.

3. Modelo de Eutroficação (considerada outra forma de modelo dedifusão): avalia o nível de eutroficação e é utilizado para estimar aqualidade da água no futuro e para avaliar as medidas corretivas aserem empreendidas. Utiliza índices de DBO (demanda bioquímicade oxigênio) e COD (demanda química de oxigênio) para estimar aconcentração de matéria orgânica, OD (oxigênio dissolvido) e PO

4P

(fosfato de fósforo) e PO (fósforo orgânico) como sais nutrientes.13

Rodados os modelos, o estudo da JICA (1994) conclui que desdeque “o ecossistema que envolve a BG é delicadamente balancea-do, será extremamente difícil restaurá-lo, uma vez que tenha en-trado em colapso...os problemas ambientais na bacia hidrográficada BG, infelizmente, já se apresentam sob vários aspectos, sendodifícil negar que muito tempo será necessário para recuperar oecossistema” (cap.16, pág. 28).

Conclui, também, “que mesmo que o PDBG fosse implementado comsistema de tratamento secundário de esgotos (o que não é o caso, jáque o tratamento previsto é fundamentalmente primário), vastas áreasnão alcançarão as metas de qualidade de águas” (cap.16, pág.40)necessárias para “restaurar a qualidade das águas ao equivalente àprimeira metade da década de 60” (cap.16, pág.28).

As simulações dos modelos da JICA (1994) permitiram verificar asalterações de qualidade da água em razão de alternativas de in-

13 De acordo com a JICA (1994), fósforo é o fator limitante do ciclo de nutrientes

em uma baía eutroficada.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

vestimento. Com relação à fase I do PDBG, as simulações resultaramem uma redução de 14,2 t/d de carga orgânica e um aumento de0,97 t/d de fósforo, conforme a tabela 2, o que demonstra que oprincipal problema ambiental da BG irá se agravar.

TABELA 2

Redução de Cargas pelo PDBG*

(Em tonelada/dia)

Parâmetro Carga Atual PDBG Diferença

Carga orgânica (medida em DBO) 354,8 340,6 -14,2

(100%) (96%) (-4%)

Nutriente (fósforo) 8,14 9,11 + 0,97

(100%) (111,9%) (+11,9)

* Nos cálculos estão incluídas as ETE que representam 95% da vazão total a ser tratadapelo PDBG.

Fonte: Elaboração própria a partir do relatório técnico da JICA.

A partir das simulações e do estabelecimento das metas de quali-dade ambiental, o estudo propõe, então, a implementação de umconjunto de medidas complementares (plano de investimento) àfase I do PDBG que melhor atende às metas ambientais, entre váriasalternativas estudadas, conforme apresentado no quadro 3.

QUADRO 3

Medidas Complementares ao PDBG para a Preservaçãodos Ecossistemas

Bacia 1a Fase do PDBG Medidas Complementares

Oeste ETE Primárias Emissário submarino

Leste ETE Primárias Tratamento terciário

Noroeste ETE Primárias Lagoas de estabilização

Nordeste − Lagoas de estabilização

Ilhas ETE Primária Tratamento terciário na Ilha do Governador

Fonte: Relatório Técnico da JICA.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

Considerando-se um custo para tratamento de esgotos do PDBG

calculado em US$ 169,1 milhões, um custo para as medidas com-plementares propostas pela JICA (1994) de US$ 945,0 milhões eminvestimentos e calculando-se um custo de manutenção e opera-ção no valor de US$ 296,7 milhões (aplicando-se o percentual médiode 31,4% obtido no PDBG).14 estima-se o custo total para a recupe-ração ambiental da BG da ordem de US$ 1,4 bilhão, o quecorresponde a um acréscimo de aproximadamente 630% da fase Ido PDBG, conforme a tabela 3 abaixo.

TABELA 3

Custo Total de Redução de Carga Orgânica e Nutrientes15

(Em US$ 1 x 106)

Fase I do PDBG Medidas Complementares Total

(investimento + (investimento +

operação e manutenção) operação e manutenção)

169,1 1.241,7 1.410,8

(11,98%) (88,02%)

Fonte: Elaboração própria a partir do relatório técnico da JICA.

Há que se ressalvar que os custos do estudo são apenas estimativasbaseadas em custos médios das diversas alternativas de investi-mento e são úteis na ausência de outros valores mais exatos.

14 A JICA não apresenta custos de manutenção e operação, apenas relaciona-os

com os investimentos propostos em termos de “altos, médios e baixos”.15

Outras medidas complementares são sugeridas como, por exemplo, controlede uso do solo e controle de efluentes pelas indústrias, entre outras. Essasmedidas, no entanto, não têm seus custos incluídos no estudo. Também nãoapresenta custos a proposição de alargamento e aprofundamento do canal emtorno da Ilha do Fundão para solução do problema de qualidade ambientalespecífico daquela área da BG.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

4.2.2 Modelo de Política de Qualidade da Água para aBaía de Guanabara e suas Aplicações da FEEMA

O Modelo da FEEMA (1997) tem por objetivo preparar um “sistemade suporte à decisão” (Decision Support System − DSS) que possi-bilite a definição de estratégias para o desenvolvimento da infra-estrutura de esgotamento sanitário da região hidrográfica e para amelhoria da qualidade da água da Baía de Guanabara. De acordocom o Modelo da FEEMA (1997), o sistema poderá ser utilizado napreparação de várias estratégias com ênfase em eficiência.

Foi construído um modelo de simulação de qualidade de água a par-tir da diminuição da grade e alguns outros ajustes no modelo da JICA

(1994) bem como no modelo utilizado pela fase I do PDBG. O novomodelo considera os ciclos do fósforo, do nitrogênio e do carbonocomo variáveis para a simulação dos seguintes parâmetros principais:coliformes, DBO (demanda bioquímica de oxigênio), OD (oxigêniodissolvido), N (nitrogênio), P (fósforo), algas e transparência.

Foi realizado, também, um inventário sobre as diferentes alternativastécnicas de tratamento para a redução de grande variável depoluentes, analisando-se os respectivos custos e eficiência de remo-ção, incluindo: tratamento primário (P); tratamento mecânico quimi-camente assistido (CEPT); tratamento biológico de lodos ativados −(B); tratamento biológico com pré-precipitação (BC); tratamento bio-lógico com pré-precipitação e remoção parcial de nitrogênio (BCDNp);e tratamento avançado com denitrificação − (BCDN)

A tabela 4 apresenta os níveis de eficiência alcançados para cadauma das tecnologias consideradas no Modelo da FEEMA (1997) erespectivos custos totais (investimento, operação e manutenção).

Algumas das conclusões do Modelo da FEEMA (1997) são apresen-tadas a seguir:

(1) A construção de redes de coleta de esgoto sem tratamentoresultará na melhoria das condições de saúde da população e nadeterioração da qualidade da água da baía pelo aumento de carga.O emprego de sistemas simples e tecnologias baratas não resultará

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

em melhoria da qualidade da água (embora possa compensar oimpacto incremental da expansão do sistema de esgoto).

TABELA 4

Eficiência de Remoção e Custos de DiferentesAlternativas de Tratamento

Tecnologia Eficiência de Remoção (%) Custos US/m316

SS DBO Fósforo Nitrogênio (Investimentos(sólidos em Total Total +Operaçãosuspensão) +Manutenção)

P 60 30 15 15 0,964CEPT 80 55 75 25 1,083B 90 90 30 30 1,756BC 90 90 90 35 1,683BCDNP 90 95 90 60 2,088BCDN 90 97 95 85 2.580

Fonte: Modelo de Política de Qualidade da Água para a Baía de Guanabara e suasAplicações da FEEMA.

(2) O tratamento biológico convencional não é recomendável pararecuperar a Baía de Guanabara, pois mesmo com a redução de DBO

proveniente de lançamento de carga, a produção interna de maté-ria orgânica (biomassa de alga) iria anular o impacto dessa reduçãode carga externa.17

(3) Uma redução sistemática e significativa da carga de esgotoslevaria a uma qualidade de água compatível com boa qualidadeecológica nas regiões norte e leste e minimizaria os problemas deodor característicos da região oeste.

16 Por se tratar de documento em versão preliminar, não se deixa claro se estão

incluídos os custos de disposição final do lodo resultante do tratamento doesgoto.17

Essa remoção de DBO proveniente de esgotos domésticos resultaria em au-mento do OD e nos segmentos do lado oeste da Baía haveria uma redução defósforo interno devido à mudança do meio de anaeróbio para aeróbio. Noentanto, a maior penetração de luminosidade aliada à carga remanescente de Plevariam a um aumento da eutroficação.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

(4) A baía apresenta alta denitrificação que é efetiva sob condições debaixa oxigenação. Assim, um tratamento intermediário que aumenteos níveis de oxigênio dissolvido (OD) até certo limite seria mais eficazdo que um tratamento que aumentasse em muito os níveis de OD.Recomenda o uso do tratamento mecânico quimicamente assistido(CEPT) relativamente de baixo custo por um certo período e, posteri-ormente, a adoção do tratamento químico/biológico (BC).

(5) Somente o controle dos lançamentos ao norte e nordeste dabaía não é suficiente para o alcance de metas ecológicas na baía. Ocontrole da contaminação do lado oeste da baía é um pré-requisitopara sua recuperação.

(6) O controle de lançamentos de esgotos é relativamente fácil.Atenção especial deveria ser dada à redução de contaminantesindustriais e ao ‘runoff ‘ urbano.

As recomendações (plano de investimento) do Modelo da FEEMA

(1997) de adoção de tratamento do tipo BC para o lado oeste etratamento do tipo CEPT para o restante representam um custo totalde recuperação da BG de US$ 671 milhões. O estudo apresentaapenas custos totais, pressupondo-se, portanto, que a fase I doPDBG é parte dessa previsão de custos. Os recursos adicionais à faseI do PDBG seriam, portanto, de US$ 502 milhões, ou um acréscimode aproximadamente 200%.

4.3 O Valor de Existência Mínimo Necessário àEficiência Econômica da Recuperação do Valorde Existência (não-uso)

Conforme pode ser observado, inexiste uma estimativa precisa so-bre os custos que recuperam os valores de não-uso da baía, o queequivaleria a não se saber, até o momento, qual o valor mínimoque a sociedade precisa atribuir à recuperação ambiental da BG

para que os investimentos sejam eficientes. Isso porque, para queos planos de investimento sejam considerados viáveis (tenham efi-ciência econômica), os benefícios devem ser, no mínimo, iguais aoscustos, conforme foi visto no capítulo 3.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

Sob diferentes hipóteses de custos, pode-se, no entanto, simular adisposição a pagar (DAP) mínima média individual necessária àviabilização de cada um dos planos de investimento propostos atéo momento. Considera-se a DAP mínima média individual como aDAP total dividida pela população beneficiada.

Nesse exercício de simulação, será utilizada a população da RegiãoMetropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) como a população a serbeneficiada pela recuperação ambiental (relativa aos valores de não-uso) da BG, dada a dificuldade de se definirem outros potenciaisbeneficiários. Essa hipótese é conservadora na medida em que in-divíduos de outras regiões no país e no exterior podem conferirvalores de existência à baía.

Também nessas estimativas serão utilizadas as pessoas economica-mente ativas da RMRJ, ou seja, a população economicamente ativa(PEA), dado que esta seguramente percebe renda cuja alocaçãopoderia ser dirigida a esses valores de não-uso. A identificação deindivíduos fora da PEA que tenham renda que não seja de atividadede trabalho seria um exercício de difícil delimitação.

Assim, considerando-se que o custo total de cada plano de inves-timento corresponde ao valor total mínimo, ou DAP total, que asociedade deve atribuir à recuperação dos valores de não-uso dabaía para que os investimentos apresentem benefício líquido nãonegativo, a DAP mínima individual corresponderá à razão dessevalor pelo número de indivíduos da PEA.

Os custos, no entanto, conforme visto no capítulo 3, devem ser apreços de eficiência. Como os planos de investimento em questãotrazem seus respectivos custos a preços de mercado, esses devemser convertidos para que possam corresponder ao valor mínimo denão-uso da baía a ser atribuído pelos beneficiários para viabilizá-loseconomicamente.

Na ausência de preços de eficiência, bem como de sua composiçãoem termos de fatores de custo, adotar-se-á o fator de conversão de0,867, que corresponde à média dos fatores de conversão utiliza-dos na fase I do PDBG, quais sejam, 0,61 para mão-de-obra, 0,887

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

para consumo e 1,103 para energia elétrica, conforme a tabela 5.Os novos valores, então, passam a ser de US$ 1,21 bilhão para oPlano da JICA (1994) e de 0,58 bilhão para o Modelo da FEEMA

(1997).

TABELA 5

Valor Total dos Investimentos a Preços de Eficiência

Plano de Custo Total a Fator de Conversão Custo Total a

Investimento Preços de Mercado (média dos fatores Preços de Eficiência

(US$) da fase I do PDBG) (US$)

JICA 1,4 bilhão 0,867 1,21 bilhão

Modelo da FEEMA 0,67 bilhão 0,867 0,58 bilhão

Fonte: Elaboração própria.

Considerando-se, ainda, uma vida útil de 30 anos para os investi-mentos, obtida da vida útil dos investimentos da fase I do PDBG,dado que essa informação não consta dos planos de investimento,e uma taxa de desconto de 11% a.a. também utilizada na fase I doPDBG, pode-se calcular a DAP mínima média para viabilizar cada umdos planos de investimento.

A operação é efetuada multiplicando-se o custo total em valor pre-sente de cada plano por um fator de recuperação de capital, parase calcular o valor de cada anuidade de pagamentos postecipadosque seja equivalente ao custo total em valor presente. O fator deconversão é dado por:

frc = i (1+i)_ (1+i) n-1

em que:

frc = fator de recuperação de capital

i = taxa de desconto

n = número de períodos a que se refere i

n

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

Efetuando-se os cálculos, obtém-se um fator de conversão de0,115025. Multiplicando-se os custos totais dos planos de investi-mento da JICA (1994) e Modelo da FEEMA (1997) por este fator,chega-se aos valores anuais mínimos de DAP total que são US$139,18 milhões e US$ 66,714 milhões, respectivamente. Dividin-do-se esses valores por 12, obtém-se a DAP total mensal, que é deUS$ 11,598 milhões para o Plano da JICA (1994) e US$ 5,560 mi-lhões para o Modelo da FEEMA (1997), conforme a tabela 6.

Dividindo-se, como na tabela 7, a DAP total mensal pela PEA daregião metropolitana considerando-se as PEAs18 dos anos a que sereferem os custos dos planos de investimento de 4.235.085 habi-tantes para o Plano da JICA (1994) e de 4.347.275 habitantes para oModelo da FEEMA (1997), obtêm-se as DAP mensais individuais deUS$ 2,74 e US$ 1,28, respectivamente. Esses valores mensais teri-am que ser os limites mínimos do valor médio estimado em umapesquisa com o método de valoração contingente (MVC) desenha-da para medir a DAP mínima necessária à viabilização de cada planode investimento.

18 O Mercado de Trabalho do Rio de Janeiro − Tendências e Políticas 1991 a

1996, publicação única da Secretaria Especial do Trabalho da Prefeitura daCidade do Rio de Janeiro.

TABELA 6

Valores Mínimos Anuais de DAP Total Necessários àViabilização dos Planos de Investimento

Plano de Custo Total a Preços de Fator de DAP TotalInvestimento Eficiência Conversão (milhões de US$)

(bilhões de US$) Anual Mensal

JICA 1,21 0,115025 139,18 11,598Modelo da FEEMA 0,58 0,115025 66,714 5,560

Fonte: Elaboração própria.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

TABELA 7

Limite Mínimo da DAP Mensal Média da PopulaçãoBeneficiada para Capturar os Serviços Ambientais deNão-Uso da BG por Plano de Investimento

Plano de Investimento Custo Total Mensal (a preços de PEA DAP Individualeficiência) ou Valor da DAP Total Mensal (US$)Mínima Mensal (milhões de US$)

JICA 11,598 4.235.085 2,74(1994)

Modelo da FEEMA 5,560 4.347.275(1997) 1,28

Fonte: Elaboração própria.

Observa-se na tabela 8 que os benefícios mensais dos dois planosrepresentam um percentual muito baixo do salário-mínimo da épo-ca. No Plano da JICA (1994), esse valor corresponderia a 3,54%,enquanto no Modelo da FEEMA (1997) seria de somente 1,28%.

TABELA 8

Percentual do Salário-Mínimo Necessário para Viabilizara Recuperação Ambiental da Baía de Guanabara porPlano de Investimento

Planos de DAP Individual Salário-Mínimo* Percentual da DAP

Investimento Mensal (US$) Mensal em Relação ao(US$) Salário-Mínimo

JICA 2,74 77,44 (1994) 3,54%

Modelo da FEEMA 1,28 99,72 (1997) 1,28%

* Conjuntura Econômica (dez. 1997).

Fonte: Elaboração própria.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

Essas comparações apresentadas parecem indicar que o benefíciomensal de cada um dos dois planos de investimento propostos emdiferentes ocasiões poderia ser assimilado pela capacidade de pa-gamento da população da RMRJ. Dessa forma, seria plausível afir-mar que a consideração de valores de não-uso na análise econômicada recuperação ambiental da BG garantiria a viabilidade de investi-mentos de maior porte com impacto ambiental mais positivo.19

Por fim, deve-se considerar ainda a hipótese de que poder-se-iaidentificar outros beneficiários que não somente os da RMRJ, o quelevaria a uma DAP mínima média necessária à viabilização econômicados planos de investimento muito menor do que as aqui simuladas.

4.4 A Influência da Taxa de Desconto noDimensionamento dos Benefícios daRecuperação dos Valores de Não-Uso

A utilização de diferentes taxas de desconto leva a distintos valoresquando os pagamentos são distribuídos ao longo do tempo. A uti-lização de altas taxas de desconto indica que um maior aporte derecursos será necessário para viabilizar investimentos, enquanto ta-xas menores indicam o contrário.

Nesse sentido, ao simular-se a distribuição dos custos dos diferen-tes planos de investimento ao longo de sua vida útil, pode-se damesma forma utilizar diferentes taxas de desconto de modo a de-monstrar sua influência na recuperação dos valores de não-uso daBaía de Guanabara, conforme será verificado a seguir.

Assim, considerando-se uma taxa de desconto muito baixa de 1%a.a., uma taxa baixa de 6% a.a., uma taxa alta de 11% a.a. utilizadana fase I do PDBG e nas simulações do item anterior e, ainda, umataxa muito alta de 16% a.a., a diferença entre as DAP mínimas indi-viduais mensais nos casos extremos (1% a.a e 16% a.a) será de318%, conforme se vê na tabela 9 a seguir.

19 Deve-se observar que para essas simulações assume-se que a população da

Região Metropolitana do Rio de Janeiro perceberia a conexão entre os investi-mentos e os respectivos benefícios.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

TABELA 9

Valores Mínimos Mensais de DAP Individual para osPlanos de Investimento de Acordo comDiferentes Taxas de Desconto

Taxa Planos de Investimento

de Desconto JICA (1994) % do Modelo da % do

US$ Salário-Mínimo FEEMA (1997) Salário-Mínimo

Médio US$ Médio

1% 0,92 1,19 0,43 0,43

6% 1,73 2,23 0,81 0,81

11% 2,74 3,54 1,28 1,28

16% 3,85 4,97 1,80 1,81

Fonte: Elaboração própria.

Como pode ser observado, mesmo utilizando-se uma taxa de des-conto muito alta, os valores encontrados ainda são baixos em rela-ção ao salário-mínimo, parecendo indicar que qualquer um dosplanos de investimento em questão pode ser viável, pois para suaexecução não haveria um grande comprometimento da renda dosbeneficiários utilizados nessa simulação.

Em síntese, considerando a hipótese de que os investimentos emsaneamento podem garantir a recuperação da qualidade ambientalda Baía de Guanabara, a investigação dos valores de não-uso quepoderão ser atribuídos a esse ecossistema poderia, em princípio,dar viabilidade econômica ao componente de saneamento da faseII do PDBG.

É certo, porém, que para se pesquisar a disposição a pagar dapopulação pela recuperação ambiental da Baía de Guanabara, per-guntas como “qual o nível de ameaça dos ecossistemas” e “qual omontante efetivamente necessário para recuperá-los” devem estaracima de tudo respondidas pelo poder público.

83

A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

Conclusão

O presente estudo procurou demonstrar no capítulo 1 que a utiliza-ção dos procedimentos da análise custo/benefício em projetos deobjetivo ambiental pode oferecer importantes indicadores quemelhor qualificam a tomada de decisão na composição dos investi-mentos, utilizando a avaliação econômica do Programa deDespoluição da Baía de Guanabara como exemplo.

Todavia, a aplicação dos procedimentos da análise custo/benefício(ACB) não é trivial. Requer grande esforço de pesquisa de campo eampla capacitação técnica.

Independentemente de qualquer juízo a respeito dos fundamen-tos teóricos nos quais esses procedimentos se baseiam, também seprocurou confirmar que, no âmbito da teoria microeconômica con-vencional, a avaliação do PDBG é um exemplo de uma aplicaçãocriteriosa dos procedimentos da análise custo/benefício, concebidacorreta e adequadamente, com a metodologia sugerida e reco-mendada na literatura econômica.

Todavia, algumas questões não foram discutidas apropriadamentenos relatórios oficiais deste projeto. É o caso da avaliação das esta-ções de tratamento de esgotos (ETE), que agregou os valores dasredes de coleta de esgotos e coletores-tronco aos valores das ETE.A alta rentabilidade das redes e dos coletores acabou por viabilizartodo o sistema sanitário, incluídas as ETE.

Assim, no capítulo 2 o presente estudo avaliou separadamente asETE do PDBG concluindo que Alegria, Pavuna, Ilha do Governadorsul, Sarapuí, Ilha do Governador norte, São Gonçalo e Niterói norte,ao serem analisadas isoladamente dos demais projetos das respec-tivas bacias de esgotamento, deixam de ser economicamente viá-veis, o que não ocorre com as ETE de Icaraí e Paquetá que, mesmoem separado, apresentam benefícios superiores a seus custos.

Tal procedimento na fase I do PDBG encontrou justificativa na legis-lação fluminense que impede a construção de redes de esgota-mento sem a construção das respectivas ETE. Essa legislação poderá

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

impor custos sociais elevados às classes de menor poder aquisitivo,em situações em que a construção de redes apresentar maior ren-tabilidade do que a de ETE, já que a ausência de coleta de esgotoé muito maior nessas classes do que nas demais, conforme tambémfoi apontado no capítulo 3.

No capítulo 3 é questionada a não-consideração dos valores denão-uso (valor de existência) da Baía de Guanabara como alternati-va à agregação dos sistemas sanitários realizada na fase I do PDBG

com base exclusivamente em valores de uso. Sugere-se a inclusãode valores de não-uso na avaliação econômica da fase II do PDBG,ainda em concepção.

Para dar alguns parâmetros à discussão, é simulado o valor mínimoda disposição a pagar (DAP) da população da região metropolitananecessário à viabilização de um programa de investimentos pararecuperação desses valores. Nesse sentido, são utilizados os dadosdos estudos identificados junto ao governo do estado, cuja previ-são de investimentos permite a recuperação desses valores de não-uso, quais sejam:

(i) Estudo para Recuperação do Ecossistema da Baía de Guanabara(1994) desenvolvido pela Kokusai Kogyoko LTD., Tokyo, denomi-nado JICA (1994); e

(ii) Modelo de Política de Qualidade da Água para a Baía deGuanabara e suas Aplicações (1997), da FEEMA, denominado Mo-delo da FEEMA (1997).20

Os valores encontrados são 1,28% do salário-mínimo para os inves-timentos calculados pelo Modelo da FEEMA (1997) e 3,54% para oPlano da JICA (1994) se utilizada a mesma taxa de desconto da faseI do PDBG. Por serem baixos em relação ao salário-mínimo, pode-seassumir que a princípio são passíveis de serem considerados nafase II do PDBG. No entanto, somente uma pesquisa de campo po-derá afirmar que a população beneficiada reconhece valores denão-uso na Baía de Guanabara.

20 Versão preliminar.

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

Ainda quanto a esse aspecto, no capítulo 4 é analisada a influênciada taxa de desconto no dimensionamento da DAP, concluindo-seque a taxas entre 1% a.a. e 16% a.a., respectivamente a mais baixae a mais alta simuladas, os valores mensais variam em torno de300%. É também revelado que mesmo uma variação de tamanhamagnitude resulta em valores de DAP relativamente baixos.

Deve-se observar que as estimativas das simulações acima repre-sentam valores mínimos de DAP. Nada se pode inferir, entretanto,sobre as magnitudes dos valores de não-uso. O que se pode afir-mar é que esses teriam que ser no mínimo equivalentes a essasmedidas de DAP para viabilizar economicamente os custos utiliza-dos nas simulações. Esses valores de não-uso poderiam atingirmagnitudes muito superiores ou, até, apesar de isso ser pouco pro-vável, inferiores a esses valores mínimos.

É certo, no entanto, que esses valores encontrados dizem respeitosomente a investimentos em saneamento básico. É certo tambémque, de acordo com os estudos no âmbito dos planos de investi-mento aqui considerados, esse é o maior problema ambiental daBaía de Guanabara. Mesmo assim, os demais fatores causadores dedanos ambientais não podem ser desconsiderados em um amploprograma de investimentos que se pretenda definir a partir de cri-térios de eficiência econômica.

Somente um conjunto de investimentos planejados sob uma óticaglobal que contemple a recuperação de todos os valores ambientaisda Baía permitirá que resultem em maiores ganhos de eficiência emaior bem-estar social, ainda que tenham que ser implementadosgradativamente.

Concluindo, o presente estudo se propôs a evidenciar que, emuma sociedade na qual existem restrições significativas quanto àoferta de recursos, investimentos que visam puramente a benefíci-os de cunho ecológico (valores de não-uso) podem encontrar res-paldo de eficiência econômica. Essa talvez tenha sido a principallimitação da análise de viabilidade econômica da fase I do PDBG.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

Entretanto, vale ressaltar que esta análise econômica, mesmo com asrestrições assinaladas, ofereceu importantes insumos para decisão vi-sando a um melhor retorno dos investimentos para a sociedade.

A concepção da fase II do PDBG deveria, a princípio, definido omontante de recursos disponível, procurar identificar o conjunto deinvestimentos que apresenta maior rentabilidade econômica,adotando o conceito de gestão integrada de bacia hidrográfica.Caso contrário, os limites das competências de governo em relaçãoaos distintos componentes do programa poderiam reduzir a renta-bilidade dos investimentos. Para tanto, deve-se considerar o nívelde investimento ótimo em cada uma das medidas saneadoras dosfatores de dano ambiental à baía (esgotos sanitários, resíduos sóli-dos, assoreamento, poluição atmosférica, desmatamentos, etc.) jáque investimentos adicionais em um ou outro projeto geram bene-fícios de natureza e magnitude distintas.

A ACB, portanto, constitui-se em um mecanismo rigoroso para ava-liação das conseqüências de cada ação proposta, atuando comouma estrutura para a discussão, em que ficam claros os ganhos e asperdas decorrentes dessa ação para a sociedade. De acordo comLaslett (1995), a ACB funciona melhor para pequenas do que paragrandes mudanças e cumpre um importante papel na análise depolíticas e projetos porque:

• permite avaliar prós e contras das políticas e dos projetos em umaestrutura consistente;

• permite visualizar como seria o mundo sem o projeto;

• antecipa e explora perdas e ganhos através do tempo; e

• introduz na discussão o máximo de informações possíveis sobrepreferências e custos.

Reconhece-se que a ACB suscita uma série de críticas, a maioriacom algum grau de procedência. Assim, a decisão obviamente nãopode basear-se exclusivamente nos resultados da ACB, que maisapropriadamente devem ser considerados ‘inputs’ para uma deci-são de caráter gerencial e político. Por outro lado, qualquer decisão

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A VALORAÇÃOECONÔMICA COMOINSTRUMENTO DEGESTÃO AMBIENTALO CASO DADESPOLUIÇÃO DABAÍA DE GUANABARA

de investimentos que se proponha a ser eficiente não pode pres-cindir de sua realização.

Referências Bibliográficas

BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Programa deSaneamento Básico da Bacia da Baía de Guanabara − BR 0072,Relatório de Projeto 1950 -, 1993.

BRITTO, Evandro R. Alternativas de Tratamento − Relatório TécnicoPreliminar ao Banco Interamericano de Desenvolvimento. Riode Janeiro, 1997.

FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE −FEEMA. Guanabara Bay Water Quality Policy Model and ItsApplication. Versão Preliminar, 1997.

GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Programa de Sanea-mento Básico da Bacia da Baía de Guanabara − Relatório deReferência para Solicitação de Empréstimo ao BancoInteramericano de Desenvolvimento., Rio de Janeiro, 1993.

JAPAN INTERNATIONAL COOPERATION AGENCY − JICA. The Studyon the Recuperation of the Guanabara Bay Ecosystem, v. 2, 1994.

SEROA da MOTTA, R. Estimativas de Preços Econômicos no Brasil.In: Texto para Discussão Interna n. 143. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1988.

SEROA da MOTTA, R. Política e Qualidade da Água no Brasil. Esti-mativas de Custos Associados a Serviços Sanitários e Simula-ção de Taxas de Poluição Aplicadas a Bacias Hidrográficas. In:Seminários IPEA, n. 8, 1995.

INSUMOS PARA UMPLANEJAMENTO DEC&T ALTERNATIVO

Renato Dagnino (UNICAMP)*

Hernán Thomas (Universidad Nacional de Luján)**

Resumo

À medida que se amplie a capacidade dos seg-mentos marginalizados de veicularem seus interes-ses, novas demandas forçarão uma mudança doperfil produtivo e tecnológico de nosso país. Sejapara atender a necessidades sociais, seja para agre-gar valor aos recursos de que dispomos para servir

* Professor na UNICAMP e em outras universidades latino-americanas. É enge-nheiro, doutor em economia, livre docente pela UNICAMP e pós-doutorado pelaUniversidade de Sussex na área de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Suaatuação se concentra nos campos da política científica e tecnológica e univer-sitária, envolvendo análise de políticas, planejamento estratégico e prospectiva.

** Professor da Universidad Nacional de Luján e pesquisador no Programa deInvestigaciones y Prospectiva en Ciencia, Tecnología y Sociedad, UniversidadNacional de Luján, Argentina, e doutorando no Programa de Pós-Graduação doDepartamento de Política Científica e Tecnológica da UNICAMP. É formado emHistória, Literatura e Castelhano pelo Instituto Argentino de Enseñanza Supe-rior e licenciado em História pela Universidad Nacional de Luján. Sua atuaçãose concentra nos campos da sociologia e da história da ciência e da tecnologia,da política científica e tecnológica.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

à nossa população e alavancar nossacompetitividade, as demandas por conhecimentoemergentes serão distintas daquelas que movimen-tam a dinâmica inovativa mundial, orientada a aten-der a outras sociedades. A materialização futura deum cenário de maior eqüidade, sustentabilidade eautonomia demanda desde já um estilo alternativode planejamento de C&T. É ele que irá promover ageração de uma nova dinâmica de exploração dafronteira científica e tecnológica e a aplicação deseus frutos no espaço que a desconcentração dopoder político e, depois, econômico for gerando.Setores da comunidade de pesquisa, doempresariado e da tecnoburocracia, cuja capacida-de técnica, visão de futuro, discernimento políticoe consciência social levam à visualização de queesse cenário demanda a democratização e adescentralização do processo de tomada de deci-sões maior eficácia social na implementação da po-lítica de C&T, são os interlocutores buscados poreste trabalho.

Abstract

At a time when marginalized sectors of societyare increasing their capacity to manifest theirinterests, new demands will force a change inthe productive and technological profile of ourcountry. Whether it be to satisfy social needs orto add value to the natural and human resourceswe have at our disposal to serve our population

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INSUMOS PARA UMPLANEJAMENTO DEC&T ALTERNATIVO

and raise our competitiveness, the emergingdemands for knowledge will be different fromthose which fuel the innovative world dynamic,oriented towards satisfying other societies. Thefuture materialization of a scenario of greaterequity, sustainability and autonomy demands analternative style of S&T planning. This willpromote the generation of a new dynamic ofexploring the scientific and technological frontierand the application of its fruits in the spacegenerated by the decentralization of politicalpower, followed by economic power. This paperseeks interlocutors in the sectors of the researchcommunity, of the business and techno-bureaucratic world, whose technical capacity,vision of the future, political discernment andsocial conscience lead them to visualize that thisscenario demands the democratization anddecentralization of the decision-making process,and a greater social efficacy when implementingS&T policy.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

E1 Introdução

ste documento visa contribuir para a elaboração de umplanejamento alternativo para o desenvolvimento de C&T.Foi produzido na expectativa de que a circulação de docu-

mentos que expressem posições de grupos ou mesmo de indiví-duos, como é o caso deste, contribua para que se venha a elaborarde forma participativa e pluralista um novo estilo de planejamentoem C&T, no sentido de promover a democratização do país.

O documento não parte de grandes argumentos de consenso jáincorporados ao sentido comum, seja do pensamento de esquer-da, seja do repertório dos especialistas em C&T. Tomá-los comoponto de partida de um processo de discussão supõe o risco deincorrer em ambigüidades ou contradições, e impedir que se trans-cenda a superficialidade do óbvio.

Ele procura, ao contrário, dar conta de um primeiro momento doprocesso de elaboração de políticas públicas − denominado pelaliteratura de análise de política de pesquisa de assunto [Hogwoode Gunn, 1984; Ham e Hill, 1993; Kingdon, 1984] − em que pareceser conveniente explorar a possível dissensão acerca de um amploleque de questões polêmicas. Um segundo momento − denomina-do filtragem de assunto − reduz esse leque de questões, em funçãodo próprio processo de discussão entre os atores envolvidos com aformulação de políticas, selecionando-se as consideradas mais rele-vantes, que passam a compor a agenda do processo decisório.

O documento não deve ser, portanto, entendido como um esboçode um programa de algum partido político ou agremiação de qual-quer natureza. É, na realidade, apenas um insumo para a execuçãodo primeiro momento de um processo de formulação que deveabranger outros momentos até se chegar ao seu resultado, que é aconcepção de um novo estilo de planejamento em C&T, orientadoa promover a democratização do país.

Coerentemente com essa visão, esta publicação apresenta, nos pró-ximos cinco capítulos, questões agrupadas segundo as categoriasusuais do planejamento estratégico. Procurou-se traçar uma linha

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INSUMOS PARA UMPLANEJAMENTO DEC&T ALTERNATIVO

divisória − um tanto tênue, é verdade − no interior de cada grupo,entre as questões relacionadas ao extremo tecnoprodutivo, em-presarial e, de certa forma, estruturais do espectro, abrangido pelapolítica de C&T, daquelas relativas ao outro extremo científico, uni-versitário e, em certa medida, institucional e mais passível de seralterado. As questões estão mais ou menos hierarquizadas no inte-rior de cada subgrupo, segundo o critério dos autores. A forma deapresentação adotada, que pretende privilegiar a concisão e aobjetividade em detrimento da elegância, se deve à necessidadede tratar o tema nos limites de um artigo.

2. Como Obstáculos Historicamente ConsolidadosDestacam-se no Nível Interno:

1. A fragilidade do complexo de C&T, cujo caráter estrutural éinerente a nossa condição periférica, é determinada por um pro-cesso de desenvolvimento que não tem levado à inovaçãotecnoprodutiva. Nem o modelo primário exportador, ou o de subs-tituição de importações, e menos ainda o da abertura neoliberal eda globalização (todos determinados por fatores sociopolíticos in-ternos e externos conhecidos) demandaram de forma significativaprofissionais qualificados ou conhecimento localmente produzido[Thomas, 1995; 1996].

2. A disfuncionalidade do complexo de C&T, seja para viabilizar omodelo socialmente concentrador e injusto pela produção de be-nefícios econômicos para as elites, seja para servir aos interesses damaioria, mediante a geração de conhecimento relevante ou facul-tando mobilidade social, torna-se cada dia mais patente [Dagninoe Thomas,1998 a e b].

3. A correlação de forças políticas, que sanciona uma crescente ebrutal concentração de poder econômico, muito pouco espaço deixapara que o conhecimento original e os recursos humanos qualificados,que o complexo de C&T produz, possam ser aplicados para alterar asituação de miséria em que se encontra a maioria da população.

4. A diminuta participação da empresa local (inclusive as de capitalnacional) no cenário da C&T, se comparada com o padrão interna-

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

cional. Apesar da precariedade das cifras produzidas pelo gover-no, que apontam um espantoso e irrealista crescimento do investi-mento das empresas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) desdeo início da década, elas estariam investindo menos do que 30% dogasto total − de 1% do PIB. No Japão, por exemplo, as empresasgastam cerca de 70%; nos EUA, 60%; e, na Coréia do Sul, 80%[RICYT, 1998].

5. As empresas locais tendem a continuar funcionando segundo alógica da importação de tecnologia. Essa lógica, embora racional ecoerente com nosso perfil social e econômico-produtivo, ao nãoinduzir a criação de capacidade inovativa interna às empresas, nãopermite que elas se beneficiem do potencial de pesquisa e forma-ção de recursos humanos existente nas instituições públicas do país[Schuller Maciel, 1998; Dagnino, Thomas e Davyt,1997].

6. O papel por ‘default’ relativamente dominante, que desempe-nha a universidade pública no investimento total de C&T [RICYT,1998], termina fazendo que seu esforço de pesquisa e pós-gradu-ação tenda a não encontrar possibilidade de aplicação fora de seuslimites, criando uma falsa impressão de “excesso de oferta” [Dagninoe Thomas, 1998 c].

7. A manutenção de uma política “explícita” de C&T [Herrera, 1995],animada por uma concepção ofertista [Albornoz, 1990, Dagnino ‘etal.’, 1996], é inspirada no modelo da cadeia linear de inovação queemergiu nos países avançados no pós-guerra [Salomon, 1977;Elzinga e Jamison, 1996], baseada na expectativa de que os resul-tados da pesquisa acadêmica venham a ser ‘ex post’ utilizados porum setor produtivo que, além de avesso à inovação, ‘et pour cau-se’, não participa da sua elaboração.

8. Essa concepção inadequada, atuando num contexto marcadopelas condicionantes estruturais do capitalismo dependente, resul-tou num modelo institucional que manteve um padrão de alocaçãode recursos incoerente com prioridades sociais (e oportunidadeseconômicas) que atendessem a atores interessados num projetonacional de desenvolvimento equilibrado e sustentável. Esse pa-drão, viesado pelo poder de barganha das subcomunidades depesquisa (e, de forma às vezes pactada, pelos objetivos dos milita-

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res), se mantém até agora vigente [Dagnino e Thomas, 1998 c].Apesar das mudanças havidas na América Latina, que fizeram comque praticamente todas as políticas públicas variassem de caráter,acompanhando governos que iam da esquerda até a ultradireita, apolítica de C&T manteve seu contorno, orientada que esteve poraquele padrão.

9. A existência de uma política “implícita” de C&T [Herrera, 1995],determinada pelas políticas econômica, industrial, de comércioexterior, etc., tende a inviabilizar a utilização do potencial de P&Dexistente no país.

10. A pouca atenção dada aos objetivos sociais que caracterizou asiniciativas de articulação pesquisa-produção lideradas pelo Estado.Nelas se mostrou que, mais além dos limites das áreas agrícola e dasaúde, é possível a obtenção de altos níveis de capacitaçãotecnológica, ainda que, em geral, sem resultado econômico signi-ficativo. Essas iniciativas, fruto de coalizões de “guerrilheirostecnológicos”, burocratas e militares, estiveram marcadas pelovoluntarismo, pouca concatenação, planejamento e seletividade, eorientadas por objetivos de prestígio [Adler, 1987].

3 Como Obstáculos de Natureza Cognitiva, Deriva-dos de uma Insuficiente Reflexão acerca deNosso Padrão de Desenvolvimento de C&T, eque Podem Diminuir a Chance de Sucesso deum Planejamento Alternativo, Destacam-se:

11. A avaliação que há muito se mostrou equivocada de que amodernização tecnológica provocada pela internalização de capa-cidade produtiva via investimento transnacional é acompanhadade transferência de tecnologia e provoca por si só a capacitaçãotecnológica do país.

12. A insistência com que se aponta como causa de nosso escassodesenvolvimento científico e tecnológico o baixo percentual do PIB

− oficialmente 0,9%, sendo o gasto total de 1,2% − dedicado pelogoverno à C&T [Nicolsky, 1998]. Esse indicador, que mede o esfor-ço que faz a sociedade por intermédio do Estado para financiar a

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pesquisa, é consensualmente usado para comparações internacio-nais. No caso do Japão, onde o gasto em P&D atinge cerca de 2,7%do PIB, o governo é responsável por 30% do total; ou seja, osmesmos 0,9% brasileiros do PIB [UNESCO, 1996]. Tal comparação,embora superficial e não totalmente correta, mostra que o que nosdiferencia dos países avançados não é o baixo comprometimentodo governo, mas sim o baixíssimo investimento, pelas causas es-truturais já comentadas, do setor privado. De fato, o Brasil, dentreos países de economia de mercado, só é superado no que dizrespeito ao gasto público em C&T (em valor absoluto) pelos paísesdo G7 [UNESCO, 1996].

13. O discurso oficial de que a abertura econômica, ao expor aindústria local à competição, induzirá as empresas à inovação, paraassim se tornarem competitivas. Na realidade, além de a relaçãode causalidade implícita no argumento nunca ter sidoempiricamente comprovada, causas estruturais já comentadas ten-dem a produzir um efeito indesejado de desindustrialização, se-melhante ao que aconteceu no Chile e na Argentina [Nochteff, 1985;Katz, 1996; Kosakoff, 1995; Chudnovsky, 1997], caracterizado pelosucateamento de boa parte do tecido industrial, transferência deativos para empresas transnacionais, etc.

14. A freqüência com que se invoca a experiência dos países avan-çados para validar o argumento de que o aumento do investimen-to em C&T leva ao desenvolvimento econômico. A constatação deuma correlação positiva entre os indicadores de gasto em C&T noPIB e de PIB ‘per capita’ (que no caso de países como o nosso é umindicador sabidamente precário) [Dagnino e Thomas, 1997] ao lon-go do tempo, para países como os EUA, é o que, incorretamente,como sabem os estatísticos, leva a supor uma relação de causalida-de (no sentido do primeiro para o segundo indicador). A compara-ção entre países, num dado momento do tempo, tampouco a au-toriza. O PIB ‘per capita’ corrigido pela paridade de poder de com-pra (que é uma ‘proxy’ do nível de vida), de países como a Ale-manha e a Itália, por exemplo, é semelhante, enquanto o gasto emC&T no PIB da Alemanha é duas vezes o da Itália. A lição para o casobrasileiro parece ser a de que, mais importante do que o quanto segasta, é o como se gasta.

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15. O entendimento da dependência tecnológica como um con-ceito oposto ao de autarquia tecnológica. Para mostrar quão falaciosoele é, basta considerar o óbvio: nenhum país, principalmente osperiféricos, que gastam em C&T porcentagens baixas de PIB baixos,pode aspirar a gerar uma fração da inovação tecnológica produzidano mundo numa razão superior à da sua população no total dapopulação mundial. O primeiro conceito não pretende expressar oato de depender da tecnologia gerada externamente, mas simcaracterizar uma situação em que um país não possui autonomia − eeste sim é o conceito oposto ao de dependência − para decidir quetecnologia pode utilizar.

16. A assimilação da expansão do emprego informal nos paísesavançados, resultado das oportunidades de alta qualificação e re-muneração abertas pelas novas tecnologias, com o processo emcurso no país, de aumento do desemprego tecnológico causadopela introdução de novas tecnologias e métodos de gestão da mão-de-obra, terceirização, etc.

17. A idéia mecânica de que a redução do fluxo de tecnologia queentra no país, mediante mecanismos de fiscalização e controle, tenderiapor si só a induzir à produção de tecnologia local. Na verdade, paísescomo a Coréia do Sul, que recentemente aumentaram notavelmentesua capacitação tecnológica, foram os que mais importaram tecnologia.

18. A idéia de que os projetos de P&D militar tendem a ter umimpacto favorável na produtividade da indústria civil. Ainda quenos primeiros anos do pós-guerra importantes inovações tecnológicastenham nascido nos laboratórios militares, o chamado efeito ‘spinoff’ foi cabalmente negado pela experiência de países como osEUA, Inglaterra, a ponto de, nos últimos anos da guerra fria, o efeitocontrário − o ‘spin in’ − ter sido claramente detectado [Alic, 1992;Kaldor, 1981; Dagnino, 1994 b; Mellman, 1974; De Grasse, 1983].No caso brasileiro, além de não resistir ao argumento de que alógica da importação de tecnologia dominante no setor civil tornapara ela irrelevantes os resultados da P&D militar, o argumento do‘spin off’ foi empiricamente invalidado por vários estudos realiza-dos [Franko e Dagnino, 1992; Conca, 1992; Dagnino e Proença Jr.,1998; Proença Jr., 1990; Saraiva, 1993; Brigagão, 1986].

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19. A capacidade que ainda hoje demonstram os militares brasileirospara manter o apoio aos seus programas de P&D, estranhamentedenominados, inclusive no âmbito da sociedade civil, como projetosde “tecnologia de ponta” ou de “interesse estratégico”. Apesar de,passado o período da ditadura e da guerra fria, ter sido comprovadoque a produção de armamentos teve efeito econômico, tecnológicoe de política externa, se não negativo, pelo menos gravoso eproibitivo, de ter sido documentada a ineficiência, quando nãoimprobidade, da administração dos programas de P&D militar, o or-çamento de P&D militar, cuja participação no gasto total realizado nopaís teria alcançado a incrível porcentagem de 20% nos anos 80,permanece ainda injustificadamente alto [Dagnino, 1994 c].

20. A assimilação corrente entre satisfação de necessidades básicas etecnologias tradicionais atrasadas e ineficientes. Essa associação nãotem por que seguir sendo considerada como um dado inexorável,mas sim como uma situação conjuntural a ser revertida por paísescomo o Brasil, que dispõem de capacitação científica e tecnológicacapaz de ser mobilizada num cenário de democratização econômica.

21. A preocupação com o hiato tecnológico relativo ao exterior dossegmentos que atendem ao consumo de alta renda, como o deprodução de automóveis. Na verdade, mais do que esses segmen-tos, deliberadamente mantidos defasados pelas empresastransnacionais operando num regime protecionista às avessas, sãoos que produzem bens de consumo popular os tecnologicamentemais atrasados. Pesquisas capazes de gerar inovações tecnológicasnesses segmentos − responsáveis por parte substancial e que seráainda maior, do esforço produtivo e do emprego −, que aumentema eficiência produtiva, ou que produzam impacto positivo sobre otecido social ou sobre o meio ambiente, terão enorme efeitomultiplicador [Dagnino e Thomas, 1998 b, Herrera ‘et alii’, 1994].

22. A tendência em orientar prioritariamente nosso potencial de pes-quisa para atividades de investigação relacionadas aos segmentosque atendem ao consumo de alta renda. Neles, a provável rota deexpansão da fronteira tecnológica é conhecida, ou pode sê-lo a par-tir do monitoramento das tendências em curso nos países avança-dos; o que torna relativamente mais importante nesse caso a criação

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de capacitação em negociação ou reprojetamento de tecnologia doque de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico.

23. A consideração do protecionismo e da substituição de importa-ções como intrinsecamente danosos, esquecendo-se de que, quan-do no bojo de processos de crescimento econômico com distribui-ção de renda, eles foram determinantes do sucesso alcançado pormuitos países.

24. A excessiva importância dada à competitividade internacional,‘vis-à-vis’ a produtividade interna, num país como o nosso, combaixo e inelástico coeficiente de abertura e mercado interno enor-me e estagnado pela regressividade da renda [Petrella, 1996].

25. A excessiva ênfase dada ao capital transnacional como elemen-to constitutivo da poupança necessária para alavancar o crescimen-to econômico e o desenvolvimento tecnológico. Ela não parecejustificada dada a situação existente, em que a riqueza internamen-te acumulada pela classe proprietária é mais do que suficiente para,diretamente, convertendo-se em investimento produtivo, ou viacobrança e aplicação pelo Estado do enorme imposto por ela sone-gado − cerca de 50% do devido −, gerar as bases em que se assen-ta o desenvolvimento.

26. A consideração do aumento do indicador agregado da produ-tividade industrial, causado pela adoção de novas formas de ges-tão da mão-de-obra que levam à sua exploração mais intensiva eao desemprego, como reflexo da utilização de tecnologia mais efi-ciente incorporada a novos equipamentos, em condições em quepermanece baixo o coeficiente de investimento do país.

27. A consideração do desemprego como mero resultado dodesaquecimento da economia. Na verdade, o padrão tecnoprodutivodeterminado pelo perfil socioeconômico atual, o impacto negativoda introdução de tecnologia externa e a não-internalização do efeitopositivo que sua geração e a produção de bens de capital determi-nam tornam a simples retomada do crescimento incapaz de absorvera força de trabalho tecnologicamente redundante.

28. A inadequada comparação entre as implicações da atual terceira

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revolução industrial (baseada na automação e na telemática) com asduas anteriores (associadas à máquina a vapor, e aos motores elétricose a explosão) no nível de emprego. Deixando de lado a emigraçãoestimulada para a América, que abriu passo à industrialização euro-péia, os dois outros processos que minimizaram o desemprego sãohoje inviáveis. A criação de novos segmentos produtivos (em geralos de bens de capital) capazes de reabsorver a mão-de-obra exce-dente naqueles onde as inovações (em geral os bens produzidos poraqueles novos setores) ficou inviabilizado pela perversividade dasnovas tecnologias e a intensidade de informação ou “trabalho morto”que as caracterizam. O segundo, a redução da jornada de trabalhoimposta pelo movimento operário, esbarra na escassa mobilizaçãonos países avançados e na precarização das relações de trabalho (emque o desemprego de muitos é simultâneo a uma intensificação doritmo de trabalho de alguns que recebem menor salário ou que sãoempurrados para o mercado informal).

29. A afirmação de que teria sido o atraso científico e tecnológico,a falta de “qualidade” de suas instituições e da pesquisa que reali-za, e não a falta de consciência das suas elites de poder, odeterminante da grave situação social em que se encontra o país.E, simetricamente, que o maior apoio à C&T seria em si um instru-mento relevante para a melhoria dessa situação, mantida a atualcorrelação de forças políticas.

30. A idéia de que seria a existência de uma cultura elitista,meritocrática e fundamentada na busca desinteressada do saber ou,como querem os oportunistas de plantão, o preconceito da es-querda e a falta de responsabilidade, “culpas”, a serem imputadasà comunidade universitária, da escassa interação entre a universi-dade e o setor produtivo [Thomas ‘et al.’, 1997].

31. O argumento de que o compromisso da universidade com ademocratização da sociedade passa mais pela alteração do pesorelativo das categorias que a compõem na escolha de seus dirigen-tes do que na produção de conhecimento, realização de pesquisae formação de pessoal qualitativa e quantitativamente capaz depromover aquela democratização.

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32. A ênfase dada aos indicadores cienciométricos como os do‘science citation index’ para a comparação da “produtividade aca-dêmica” com padrões internacionais, que revelam a baixa “quali-dade” da ciência brasileira. Além do fato conhecido de que essetipo de avaliação contém um reducionismo qualitativo, ele não levaem conta uma questão quantitativa. Cada pesquisador dos paísesavançados tem acesso a recursos mais de cinco vezes superioresaos dos que dispõe um brasileiro. Tendo em vista que a produçãode ‘papers’ está cada vez mais correlacionada à quantidade derecursos (gastos em equipamentos, biblioteca, etc.) colocados àdisposição do pesquisador, parece mais justo, em se tratando deavaliar a qualidade do pesquisador, que cada citação de trabalhobrasileiro fosse computada com peso 5.

33. O argumento usado contra os que colocam a necessidade deque se utilizem critérios de relevância para a alocação de recursospara a C&T. Lançando mão do que se imagina ser a realidade dospaíses avançados, argumenta-se que deveríamos seguir o exem-plo e alocá-los segundo a aferição de qualidade baseada na revisãopor pares. Apesar das objeções pertinentes à “numerologia” dascomparações internacionais, é esclarecedor o caso do Japão, umavez que pode ser considerado “simétrico” ao do Brasil. Lá, cercade 70% dos recursos são alocados, pelo setor privado, para a pes-quisa tecnológica; e o gasto público − 30% do total − é destinado àpesquisa científica [UNESCO, 1996], em grande parte realizada eminstituições acadêmicas. O que significa que o critério ponderado“final” com que são alocados os recursos é viesado no sentido darelevância, isto é, da aplicabilidade imediata, enquanto no Brasilseria o inverso; o viés seria a favor da qualidade.

34. A freqüência com que se argumenta que, uma vez que asempresas locais possuem baixa capacidade de P&D, esta poderiaser substituída pela existente na universidade, ou até mesmo quenão seria conveniente “duplicar” no setor produtivo a infra-estrutu-ra e os recursos humanos de que dispõe a universidade. Na verda-de, a baixa capacidade das empresas é um obstáculo tão sério aponto de impossibilitar a adequada expressão de suas demandaspara os pesquisadores da universidade e aproveitar o potencial aliexistente. Além disso, o tipo de atividade que se desenvolve num

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centro de P&D empresarial é normalmente muito distinto do quetem lugar no laboratório universitário.

35. A freqüência com que se argumenta, lançando mão do que sesupõe ser a realidade dos países avançados, que as empresas lo-cais, que hoje operam num ambiente livre do protecionismo, ten-derão, maciçamente, a contratar projetos de pesquisa com a uni-versidade. No caso dos EUA − exemplo tão insuspeito a ponto deser tomado como modelo −, segundo dados da National ScienceFoundation (1996), apenas 2% do que a empresa privada gasta emP&D são contratados com a universidade. O que mostra que a pes-quisa universitária é maciçamente apoiada a fundo perdido pelosgovernos dos países avançados, e também por empresas [Ronayne,1984; Kash, 1991], não porque seus resultados sejam diretamenteaplicáveis à produção, mas sim porque ela é a única maneira efici-ente que se conhece para treinar pesquisadores capazes de conce-ber tecnologias que tornem as empresas competitivas.

36. O conteúdo falacioso das propostas do governo, lamentavel-mente aceitas por uma parcela crescente da opinião pública, que,desresponsabilizando-se do financiamento à universidade, sugereque esta busque recursos junto à iniciativa privada vendendo servi-ços e resultados de pesquisa. Novamente esse argumento podeser facilmente refutado tomando-se a situação norte-americana comoreferência. Os recursos aplicados pelas empresas privadas para apesquisa nas universidades (os 2% indicados acima) representamapenas 7% do orçamento de pesquisa destas; ou algo como 3% ou4% de seu orçamento total [National Science Foundation, 1996];porcentagem desprezível, ainda que pudesse ser igualada aqui,para resolver a crise orçamentária das universidades públicas.

37. A insistência com que se procura mostrar o ganho para a atividadede pesquisa desenvolvida na universidade, que decorreria de maiorinteração com a empresa privada. Na verdade, a demanda dessesegmento, ao contrário do que ocorria com o das empresas estataisem ritmo acelerado de privatização, que, por apresentar alto conteú-do tecnológico, permitia a realização de programas de pesquisa delongo prazo, envolvendo vários grupos e permitindo o equipamen-to de laboratórios e a formação de pós-graduação, não apresenta

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maiores desafios para universidade. As empresas privadas locais, ousão transnacionais e, salvo exceções, não realizam pesquisa no país,ou são nacionais, e apresentam tipicamente demandas tipo ‘troubleshooting’, correspondente às tecnologias ultrapassadas que utilizame cuja solução deixa pouco saldo, principalmente em termos deconhecimento, para a universidade.

38. A afirmação de que a universidade pública brasileira corre riscoiminente de transformar-se numa provedora de resultados de pes-quisa para o setor privado, e de que isso seria uma forma deprivatização. Mesmo que se duvide da plausibilidade dos váriosargumentos já apresentados acerca do complexo de C&T brasileiroe da experiência de outros países que tendem a negar essa afirma-ção, vale salientar que a evidência empírica proporcionada pelaanálise de casos como o da UNICAMP mostra que, comparados aosrecursos alocados pelas agências de fomento federais e de São Paulo,pelas empresas estatais, e pelos órgãos das diversas instâncias degoverno, os contratos com empresas privadas − no Estado maisindustrializado do país − constituem um valor praticamente des-prezível [Dagnino e Velho, 1998].

39. A maneira superficial e quase leviana com que a comunidadede pesquisa freqüentemente justifica seu pleito por recursos para aformação pessoal ou para a pesquisa pela necessidade de consecu-ção de uma meta econômica ou social quando, na verdade, elaprescinde de ações daquela natureza e requereria apenas amobilização mais racional do potencial disponível, a difusão detecnologia já existente, a absorção de tecnologia externa, ou sim-plesmente uma intervenção política.

40. O papel central da comunidade de pesquisa, e a pequena par-ticipação de outros atores, no processo decisório da C&T [Dagnino,1991]. Em situações de escassez crônica de recursos que inviabilizeas condições de trabalho e ameace o nível basal de reprodução dacomunidade de pesquisa, esta pode “apropriar-se” da política deC&T. Assim, tenderá a convertê-la numa mera reivindicação corporativapela recomposição daquelas condições, dificultando a adoção denovas práticas que venham a adequar sua prática a uma distinta cor-relação de forças políticas [Dagnino e Thomas, 1998 c].

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4 Como Obstáculos Pertencentes ao ÂmbitoExterno, que Escapam à Nossa Governabilidade,Destacam-se:

41. A dinâmica mundial de exploração da fronteira científica etecnológica ditada pelas elites políticas, econômicas e científicas dospaíses ricos, via o Estado e o mercado, colocam sucessivos desafios aum sistema de produção de conhecimento de C&T cada vez maisprivatizado, ávido por resultados econômicos e internacionalizados,visando ao atendimento de suas demandas específicas.

42. Essa dinâmica que, por estar baseada numa sinergia entre pes-quisa e produção em que as empresas ocupam posição central (asvinte maiores transnacionais gastam em pesquisa mais do que aFrança e a Grã-Bretanha) [Cantwell, 1993; Nelson, 1990], gera novoconhecimento cada vez mais rápida e intensivamente incorporadoa “novas tecnologias” − informática, química fina, biotecnologia,mecânica de precisão, etc. [Dosi, 1982; Dosi e Soete, 1988].

43. O desenvolvimento das novas tecnologias ocorre nos paísesavançados em paralelo à conformação (e no interior) de novos seg-mentos produtivos que passam a ser vistos como tendo capacida-de intrínseca de difundir inovação. Isto leva a que, por um lado, sepasse a esperar dos ‘innovation carriers’, independentemente docontexto socioeconômico onde se pretende implantá-los, cresci-mento econômico [Nelson, 1988]; por outro, a supor uma associa-ção estrita entre conhecimento e aplicação produtiva que obscure-ce a possibilidade de que este possa usado com finalidade distintadaquela para a qual foi concebido ou primeiramente utilizado.

44. Essa mesma dinâmica que, por ser determinada por países queproduzem conhecimento original e o transformam permanente eexemplarmente em inovações que alavancam seu desenvolvimento,tende a obscurecer o fato de que a ciência e a tecnologia são cons-truções sociais [Callon, 1992; Mackenzie, 1992; Pinch e Bijker, 1990;Bijker, 1995], historicamente determinadas, resultado de um pro-cesso em que intervêm múltiplos atores com distintos interesses.Que não é uma mítica busca do avanço do conhecimento universal,mas sim uma teia de relações sociais, que naqueles países sinaliza

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áreas de relevância − econômica, social, militar −, a responsável porum lento e sutil, mas poderoso e abrangente, mecanismo de induçãoda dinâmica tecnológica e científica.

45. A tendência que apresenta essa dinâmica, compatível, comoesperado, com a “dotação de fatores” dos países avançados, de pro-duzir tecnologias cada vez mais poupadoras das matérias-primas quenão possuem e intensivas em conhecimento por eles gerados.

46. A tendência dessa dinâmica de gerar inovações com escala ótimade produção cada vez mais elevada, inviabilizando assim as peque-nas empresas, condenadas a utilizar tecnologias menos eficientes eincapazes de competir com as cada vez maiores e transnacionalizadaspotências tecnoprodutivas dos países avançados.

47. As limitações impostas aos países periféricos pelos centros inter-nacionais de poder que tornam cada vez mais adverso o ambientenecessário para o seu desenvolvimento científico e tecnológico. Issose dá mediante relações de tipo econômico-financeiro − liberalizaçãodos mercados de bens e serviços e de capital, compra de ativospúblicos e privados, investimento acoplado à transferência detecnologia, etc. − e imposições de natureza política − código depropriedade intelectual, restrição ao fluxo de conhecimento científi-co, apropriação indébita de recursos genéticos, etc. [Correa, 1989].

48. Os bens e serviços resultantes dessa dinâmica mundial, queincorporam tecnologia potencialmente cada vez mais eficiente (des-contando aqui as distorções do consumismo), rapidamente se di-fundem no tecido social dos países avançados. Por se encontraremcada vez mais afastados das necessidades da população dos paísesperiféricos (cuja renda ‘per capita’ é mais de sete vezes menor e,em geral, mal distribuída), e por estarem cada vez mais monopoli-zados pelo capital transnacional, aqueles bens e serviços apenasparcial e seletivamente a beneficiam.

49. O fato de que, nos países avançados, os projetos de pesquisa eos próprios pesquisadores, quando competem por recursos, já pas-saram pelo teste − substantivo − da relevância, cabendo aos pares ocontrole − adjetivo − de qualidade, que seleciona os que merecemo dinheiro do contribuinte. E que, portanto, o critério de qualidade

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(mérito, excelência) acadêmica que se afirmou como hegemônico,a ponto de ser utilizado, e entendido como universal, de sentidocomum, e definido no âmbito interno à ciência [Chubin e Connolly,1982; Chubin e Hackett,1990; Davyt, 1997], é a “decodificação”no âmbito da comunidade de pesquisa de um sinal de relevânciagerado numa sociedade específica submetida a uma particular cor-relação de forças políticas.

50. A aceitação generalizada nos países avançados, e, por conse-qüência, nos países periféricos, da idéia ingênua e escapista deque “a ciência não pode ser planejada” [Bush, 1945], e que a adoçãode metodologias racionais para a identificação de prioridades depesquisa por meio de critérios socioeconômicos, por distorcer umapretensa lógica intrínseca, natural e endogenamente determinada,de expansão da fronteira do conhecimento, e por violentar a liber-dade acadêmica, tende a embotar a criatividade e a limitar seuimpacto positivo.

5. Como Pontos Fracos, Agravados pela EvoluçãoRecente, Destacam-se no Nível Interno:

51. A política do governo para a área, que não tem atendido se-quer à manutenção do complexo de C&T, e o retrocesso havidonos últimos anos nas suas condições de operação, que colocam emrisco sua capacidade para atender às demandas que o processo dedemocratização sobre ele tenderá a colocar.

52. O impacto negativo induzido por outras políticas públicas tam-bém elaboradas sob a égide do neoliberalismo, como a educacio-nal, industrial, de comércio exterior e econômica em geral, aumen-ta a disfuncionalidade e fragilidade do complexo.

53. O abandono da política de substituição de importações que, alongo prazo, apontava para o aumento do conteúdo local da tecnologiautilizada, mediante o apoio à pesquisa, agravou a disfuncionalidadee a debilidade de nosso complexo de C&T em relação à políticaeconômica. Levou também, e antes que o impacto das pressões doscentros internacionais de poder se fizesse sentir na esteira daglobalização, ao desmonte da estratégia de autonomia tecnológica

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antes perseguida. Estratégia que, apesar de incapaz de contrabalan-çar a política econômica e industrial de curto prazo que a inibia, foiresponsável pela implantação e expansão desse complexo. A mo-dernização conservadora que se seguiu − na medida em que pres-cinde, ainda mais que a política anterior, de insumo local de conhe-cimento científico e tecnológico − apressou sua deterioração.

54. A proposta do governo, de inserção “competitiva” na econo-mia mundial, em função da abertura que promove, tende a fazercom que muitas empresas nacionais ineficientes fechem as portasou se transformem em pontos de venda de suas antigas concorren-tes transnacionais situadas no exterior. Além do desemprego quegera, essa “destruição” não parece ser “criadora”. Empresários que,depois de um longo período de proteção e subsídios, com mão-de-obra, energia e insumos baratos, não se tornaram competitivos,parecem não reunir capacidade ou vontade de fazê-lo nas condi-ções menos propícias atuais.

55. É pouco provável que empresas criadas na fase da substituiçãode importações possam tornar-se competitivas e produzir ou de-mandar internamente conhecimento tecnológico ou científico. Dadoque são muito pequenos a flexibilidade tecnológica e o hiatoadministrável em relação ao exterior que apresentam os segmentosem que operam, para competir no exterior, as empresas teriam queter uma expectativa de ganhar mercados que justificassem o investi-mento no desenvolvimento de tecnologia, em geral de proprieda-de das empresas que dominam o mercado internacional. O custo deoportunidade do desenvolvimento de variantes tecnológicas própri-as que possam proporcionar-lhes um lucro diferencial do inovador éextremamente alto. Dificilmente lograriam eficiência semelhante àdas tecnologias mais modernas empregadas por aquelas empresaspara produzir bens adequados aos mercados que controlam.

56. A proposta de inserção na economia mundial demanda uma po-lítica de C&T que apenas promova a capacidade interna de operar atecnologia importada. Dadas as características das tecnologias e dossegmentos mobilizados, muito pouco se requer de desenvolvimentotecnológico, e muito menos científico, local. O resultado inevitável éo crescente desmantelamento do complexo de C&T e a manutenção

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num nível apenas basal − de reprodução dos quadros ligados a umensino cada vez mais voltado à mera operação de tecnologia impor-tada − da infra-estrutura de pesquisa científica. No melhor dos casos,isso poderia ocorrer simultaneamente a uma “retirada tática” − defen-siva e em geral corporativa − da comunidade de pesquisa na direçãodas ciências básicas [Dagnino e Thomas, 1998 a, c].

57. A baixa qualificação da força de trabalho para a operação dasnovas tecnologias baseadas na telemática e na automação faz que ooperário brasileiro que perde seu emprego numa cadeia de produ-ção fordista, desmantelada pela introdução dessas tecnologias e pe-los métodos de organização do trabalho a elas associados, dificilmen-te encontre outro. A probabilidade de que ele possa voltar a ter umposto de trabalho estável e com nível de remuneração semelhante,retreinado e “transmutado”, por exemplo, num programador doequipamento que o substituiu, ao contrário do que até certo pontoocorre nos países avançados, é muito baixa. Isso coloca um enormedesafio para a qualificação dos trabalhadores brasileiros.

58. A fetichização das “novas tecnologias”, que passam a ser aquientendidas como capazes de produzir em nosso ambientesocioeconômico, totalmente distinto daquele das sociedades emque se deu sua gestação a partir de conhecimento lá gerado e paraatender às suas demandas, o mesmo impacto positivo.

59. A crescente dificuldade que encontra a elite acadêmica emconvencer outras elites que detêm o poder da meia verdade deque a longo prazo toda pesquisa de boa qualidade é útil [Bastos eCooper, 1995].

60. O oportunismo do governo ao desqualificar o ator central naelaboração da política de C&T − a comunidade de pesquisa − fazque suas demandas sejam crescentemente interpretadas por setoresda sociedade e da burocracia como demonstrações decorporativismo egoísta que penaliza programas sociais; em especi-al, o de educação básica.

61. A defesa de seus interesses, que fazem os atores envolvidoscom o complexo de C&T, principalmente os que atuam na univer-

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INSUMOS PARA UMPLANEJAMENTO DEC&T ALTERNATIVO

sidade, lançando mão do argumento cada vez menos aceitável deque a manutenção de sua atividade é condição para a soberanianacional, o desenvolvimento econômico e o atendimento das ne-cessidades sociais [Dagnino e Thomas, 1998 a].

62. A racionalidade subjacente àquela defesa, derivada da dinâmi-ca mundial de exploração da fronteira científica e tecnológica eexacerbada pelo efeito de demonstração que crescentemente exer-ce sobre a comunidade de pesquisa local, não deixa que esta per-ceba que a democratização torna cada vez mais necessário gestaruma nova dinâmica coerente com os interesses da maioria da po-pulação [Dagnino e Thomas, 1998 a].

63. Diferentemente do que ocorre nos países avançados, é baixa adensidade da teia de relações sociais existente no país. Isto faz queseja muito fraco o sinal de relevância que emite para a comunidadede pesquisa, não permitindo a emergência de um conceito pró-prio de qualidade que potencialize uma nova dinâmica.

64. A pouca probabilidade de que novos atores possam a curtoprazo participar do processo decisório da C&T deixa como únicaalternativa a um partido de esquerda, para promover uma mudan-ça da política de C&T num sentido compatível com a democratiza-ção, a “ressignificação” da comunidade de pesquisa.

65. As propostas para que a universidade pública empreenda umadescida da “torre de marfim” via maior interação com o setor pro-dutivo por meio de iniciativas como os parques e pólos de tecnologia,incubadoras, etc. de escassa chance de sucesso e que servem maisà complementação dos salários aviltados dos professores, via pres-tação de serviços e consultoria, do que à realização de pesquisascompatíveis com o ambiente universitário e com seu caráter públi-co [Thomas ‘et al.’, 1997; Thomas e Dagnino, 1998].

66. A utilização alternada de um critério de relevância social, quedê conta da crescente ansiedade da opinião pública por ver mate-rializados os resultados da pesquisa e favoreça os centros emergen-tes e periféricos, e de um critério de qualidade exógeno, mais“sério” e academicamente correto, nas instituições do Sudeste.

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67. A crescente aceitação oficial das propostas de alguns líderes dacomunidade de pesquisa que entendem a concentração dos recur-sos para a pesquisa e a pós-graduação como um resultado inevitá-vel da “pujança econômica do eixo São Paulo-Rio”. Esses colegascondenam o desperdício que representa o montante pago a títulode adicional de pesquisa aos professores “improdutivos” em dedi-cação exclusiva, que estimam em R$ 1,2 bilhão por ano, e atacam“a ideologia de indissociabilidade entre ensino e pesquisa”minimizando a importância do “efeito Mateus” e propondo ainstitucionalização do ‘apartheid’ dos “escalões” de terceiro grau.

68. As propostas de outros líderes de “domesticação” dos gruposde pesquisa periféricos treinando seus integrantes nas universida-des do Sudeste, de maior prestígio internacional e mais conectadasao ‘main stream’. Ao potencializar um critério de qualidadepretensamente universal e neutro, mas sabidamente elitista e retró-grado, esses líderes da comunidade tendem a perpetuar uma pes-quisa imitativa e a sacrificar inutilmente a criatividade de seus cole-gas das “universidades periféricas”. Ao inibir ainda mais a detecçãodos sinais de relevância que nossa sociedade − culturalmentemimética, politicamente tutelada, economicamente dependente esocialmente injusta − timidamente emite, contribuem para aumen-tar a concentração regional da pesquisa brasileira (73% dos profes-sores doutores estão no Sudeste e a porcentagem dos alunos dedoutorado − cerca de 90% − que lá se encontram mostra como asituação tende a se retroalimentar [CNPq, 1996].

69. A ausência de um projeto do governo para a universidade públi-ca que tende a fazer que se adotem procedimentos para avaliaçãode sua “qualidade” inócuos − dado que não prevêem que a institui-ção seja avaliada em si mesma, em função da sua missãoautodeterminada, de suas metas, dos indicadores que ela mesmo secoloca ou até contraproducentes − à medida que se convertem emexpediente de exclusão de alguns e punição de outros.

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INSUMOS PARA UMPLANEJAMENTO DEC&T ALTERNATIVO

6. Como Oportunidades que a MudançaEconômica e Social Fará Emergir no Campo daC&T Destacam-se:

70. O processo de democratização política aumentará a capacida-de dos segmentos marginalizados de veicular seus interesses le-vando à expressão de uma demanda por direitos de cidadania;entre outros, o de acesso à universidade pública. Isto tenderá apressionar a abertura de vagas na universidade pública, hoje res-ponsável por apenas 25% das matrículas (na verdade, o Brasil ocu-pa o oitavo lugar no ‘ranking’ da privatização do ensino no mundo,enquanto os EUA estão em vigésimo). O aumento da porcentagematual de pessoas de 18 a 25 anos matriculadas em instituições deensino superior − 10% − para um nível semelhante ao de outrospaíses da América Latina − 20% − [RICYT, 1998], sobretudo se reali-zada num sentido compatível com a proporção de vagas na uni-versidade pública mais adequada, que eles possuem, demandaráuma brutal expansão de nosso complexo de C&T.

71. À medida que avançar a democratização econômica, aumenta-rá ainda mais a capacidade dos segmentos marginalizados de vei-cular seus interesses e necessidades não atendidos por bens e ser-viços − terra, alimentação, transporte, moradia, saúde, educação,comunicação, etc. − de enormes proporções.

72. O papel hegemônico que desempenha a comunidade de pes-quisa no processo decisório das políticas educacional e de C&T atorna o ator em melhores condições (se não o único) para iniciar umnecessário processo de sua reorientação dessas políticas que per-mita antecipar aquelas demandas [Dagnino e Thomas, 1998 b].

73. A insatisfação da comunidade de pesquisa com o fruto de seutrabalho e com as condições em que é realizado e a crescenteconsciência de que os frutos de sua atividade de docência e pes-quisa podem alavancar uma mudança social que venha ao encon-tro de seus interesses de crescimento profissional, legitimidade frenteà sociedade, prestígio acadêmico e remuneração adequada, têmlevado a uma radicalização política. Esta tende a abrir caminho a

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um processo de “ressignificação” da comunidade de pesquisa ca-paz de desencadear a mudança política da área de C&T num senti-do compatível com a democratização.

74. A comunidade de pesquisa brasileira, concentrada quase exclu-sivamente em instituições públicas, ainda visualiza o conhecimentoque produz como um bem público e não aceita que seja tratado comuma simples mercadoria. A proposta de aproveitar o resultado dasua atividade, que a comunidade entende como sua missão oferecerà sociedade, e de aprofundar do seu caráter público, tenderá a serpor ela amplamente respaldada. Em especial na situação atual, emque a alternativa proposta pelo neoliberalismo entende que é pelacomercialização desses resultados que as instituições que ela se em-penhou em construir devem superar as restrições orçamentárias co-locadas pelo governo. Essa oportunidade é conjuntural, uma vezque pode vir a ser eliminada pela internalização da racionalidadeneoliberal no meio acadêmico deve ser decididamente explorada.

75. A ampliação do espaço para utilização do conhecimento e dopessoal localmente produzido, hoje restringido pelo nosso padrão dedesenvolvimento socioeconômico imitativo e dependente, irá avan-çando à medida que a implementação de políticas social e econômicaforem potencializando a democratização e que a concentração derenda que hoje marca a sociedade brasileira for sendo alterada.

76. As demandas tecnológicas que emergirão da democratizaçãoeconômica, seja no campo das necessidades sociais, seja no daagregação de valor aos recursos naturais de que dispomos paraservir à nossa população e alavancar nosso comércio exterior, serãoconsideravelmente distintas daquelas que movimentam a dinâmi-ca científica e tecnológica mundial, orientada a atender a outrassociedades [Lundvall, 1985; 1988].

77. A originalidade daquelas demandas irá pressionar por tecnologiashoje inexistentes. Tecnologias capazes de solucionar com eficiênciaos problemas específicos que enfrentaremos não estarão disponíveis.Isso, aliado à premência política associada à satisfação daquelas ne-cessidades − dada sua importância para a sustentação do processode transformação social que queremos −, aumentará significativa-mente a importância da política de C&T e das atividades que enseja.

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INSUMOS PARA UMPLANEJAMENTO DEC&T ALTERNATIVO

78. As oportunidades abertas pela combinação do novo conheci-mento científico e tecnológico já desenvolvido, incorporado ou nãoa novas tecnologias, com a capacidade local permitirão atacar cam-pos de pesquisa e áreas de aplicação cuja priorização dificilmentepoderia ser feita ‘ex ante’.

79. O desafio que coloca a geração de inovações de alta eficáciaespecialmente concebidas irá estimular a rápida transformação denosso complexo de C&T, e levará à construção de nosso própriocritério de qualidade.

80. A “ressignificação” da comunidade de pesquisa e o avanço doprocesso de democratização irá dando lugar a uma abordagem nãoapenas coletiva mas multidisciplinar e eminentemente política − naacepção mais elevada do termo − à formulação da política de C&T eao aumento da viabilidade e governabilidade das ações empreendidas.

81. A alteração dos mecanismos discriminatórios de alocação derecursos que desestimulam grupos capazes de pesquisar temasestranhos ao ‘main stream’, mas local e nacionalmente relevantes,mediante uma nova dinâmica de exploração da fronteira de conhe-cimento, permitirá a construção de trajetórias virtuosas de crescen-te qualidade a partir da delimitação de espaços de relevânciaparticulares que os projetem no cenário científico internacional.

82. As mudanças de método de trabalho (pesquisa multidisciplinar,definição de objetos de pesquisa por áreas de problema e em funçãodo contexto socioeconômico local, e não em função dos limites dis-ciplinares, etc.) e os critérios que serão adotados para estimulá-lasirão viabilizar, mediante um novo padrão de alocação de recursos, apretendida inflexão da política de C&T no sentido de maior compro-metimento social das atividade de P&D [Zavislak e Dagnino, 1998].

83. As formas de avaliação que premiem a capacidade das institui-ções de tornarem-se social e economicamente relevantes para oseu contexto reforçarão o princípio, fundado numa combinação entrediversidade e unicidade, que justifica a existência de uma universi-dade pública de caráter nacional e garantirão o direito das universi-dades públicas das regiões mais atrasadas do país a encontraremseu caminho próprio de exploração da fronteira do conhecimento

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para servir à sociedade que as mantém [Dagnino e Davyt, 1995].

84. A universidade, à medida que desperte para a preocupaçãode viabilizar a satisfação das necessidades sociais emergentes, me-diante a antecipada mobilização de seu potencial e criando umadinâmica de pesquisa interdisciplinar, inovativa, endógena e auto-sustentada, será cada vez mais legitimada pela sociedade.

85. A nova dinâmica de exploração da fronteira científica etecnológica poderá reverter a tendência da dinâmica hoje domi-nante de gerar inovações com escala ótima de produção cada vezmaior e crescentemente poupadoras de matérias-primas que pos-suímos. Como resultado, seriam disponibilizadas tecnologias capa-zes de tornar eficientes e competitivas as pequenas empresas decapital nacional e de reduzir o custo de geração de novos postosde trabalho, expandindo assim o emprego.

86. Os segmentos voltados à satisfação de necessidades sociais comohabitação, educação, alimentação, energia, saneamento e transportesão os que possuem maior potencial de geração de emprego. Suaelasticidade emprego, produto aumentaria ainda mais caso fossepossível “engenheirizar” tecnologias distintas das convencionais,que maximizem a relação produto/capital e minimizem a relaçãocapital/trabalho.

87. Nesses segmentos é maior a proteção natural contra o impactonegativo do processo de globalização e introdução de novastecnologias sobre o emprego. Eles oferecem, por outro lado, me-nor resistência do ponto de vista político; é neles que o Estadopode cumprir um papel mais incisivo para levar a cabo uma estra-tégia de redução das desigualdades. Sua ação como viabilizadordo desenvolvimento de tecnologias nas áreas em que é diretamenteresponsável pela satisfação das necessidades da população podeser explorada visando ao aumento da produtividade justamente aí,onde pode ser maior o impacto positivo imediato, e onde é maisimportante garantir o apoio ao processo de democratização.

88. Integrar os 50% da população brasileira hoje marginalizados aomercado de consumo implicaria, metaforicamente falando, cons-truir um outro Brasil do tamanho do que já existe. Mas a fronteira

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INSUMOS PARA UMPLANEJAMENTO DEC&T ALTERNATIVO

de acumulação econômica para inovações tecnológicas que aten-dam a esse desafio com maior eficácia do que as atualmente dispo-níveis é ainda mais significativa se lembrarmos a quantidade depaíses com situação social semelhante à nossa mas sem capacidadeequivalente na área de C&T.

89. O segmento produtor de bens intermediários e matérias-pri-mas, para aumentar sua contribuição para a obtenção de divisasnecessárias ao financiamento de um projeto alternativo de desen-volvimento econômico e social, deverá ser alvo de uma estratégiatecnoprodutiva específica. À semelhança do que ocorre no seg-mento de consumo de massa, a produção e o emprego eficientede nossas matérias-primas naturais carecem de tecnologias capazesde potencializar nossas vantagens comparativas. Essas tecnologias,devido a sua especificidade, terão que ser obtidas internamentecom a mobilização da capacidade nacional de pesquisa. Seu de-senvolvimento pode cumprir um papel muito importante para aproteção e estímulo à atividade do capital nacional.

90. A substituição de matéria-prima importada para a fabricação deprodutos de massa é outro filão tecnológico que, caso explorado deforma adequada, pode ter implicações positivas para a exportação.Apoiado num acompanhamento das tendências mundiais, é possí-vel entrar no mercado externo “na frente da demanda” com insumosbaseados em matérias-primas locais competitivos que satisfaçam àsnecessidades dos segmentos dinâmicos das economias dos paísescentrais. Esse comportamento antecipatório é fundamental para apro-veitar − uma vez que seria ingênuo e nocivo querer nos antepormos− a atual tendência de substituição, economia e diversificação dosmateriais e as perspectivas da biotecnologia, presentes na nova divi-são internacional do trabalho. Seu potencial negativo, de perda devantagens comparativas e relocalização industrial, é suficientementeconhecido para merecer uma estratégia específica.

91. De forma semelhante ao que ocorreu nos campos de produçãode álcool, extração de petróleo em águas profundas, produção denióbio e de titânio, etc., em que se mostrou a viabilidade dessetipo de estratégia alternativa, campos como a exploração de recur-sos marinhos ou dos recursos da biomassa e genéticos parecem

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especialmente atrativos.

92. A capacidade do governo em sinalizar ao setor privado oportu-nidades de investimento nos dois campos acima apontados, queatraiam o capital aplicado em segmentos inviabilizados pela aber-tura econômica e que satisfaçam aos interesses do conjunto da so-ciedade, depende de uma estratégia como essa. A incorporaçãodo empresariado nacional a um novo ciclo de crescimentoeconômico, baseado na ocupação do mercado interno e na explo-ração de nossas vantagens comparativas para a exportação, irá ge-rar uma demanda realimentada por recursos humanos qualificadose resultados de pesquisa localmente produzidos e uma considerá-vel expansão do emprego.

93. Tem sido em setores de instalação ainda pouco desenvolvidosno país (informática, telecomunicações, aeronáutica) que se temmostrado possível deter a penetração e evitar o predomínio dasempresas transnacionais e desenvolver tecnologia própria. Uma es-tratégia com esse objetivo, caso executada com anterioridade, comum esforço concentrado e viabilizado pelo Estado, poderia servircomo um “anteparo tecnológico” para atuação das empresas naci-onais nos segmentos privilegiados pelo novo modelo de desen-volvimento proposto.

94. A sensibilização da comunidade de pesquisa, do empresariadonacional e de técnicos do governo situados em porções do apare-lho de Estado mais próximas ao atendimento das necessidades so-ciais, a respeito da viabilidade de um projeto alternativo de desen-volvimento socioeconômico e da conveniência em apoiá-lo, ten-derá a multiplicar as ações de reforço de nossa capacidade científi-ca e tecnológica.

95. Uma infra-estrutura física instalada razoavelmente completa ediversificada e um considerável contingente de docentes e pes-quisadores altamente qualificados são a plataforma de lançamentode onde partiria a proposta de “ressignificação” da comunidade depesquisa. Essa condição tornaria suficiente o conjunto, até agoraintegrado apenas pela condição necessária, que é a existência derecursos humanos e materiais acumulados, que servirá de alicerce

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para o desenvolvimento científico e tecnológico que demanda oBrasil do futuro.

7. Considerações Suscitadas pelas QuestõesLevantadas

A consideração das questões levantadas permite explicitar o fatode que as transformações que irão desencadear um projeto alter-nativo de desenvolvimento no campo econômico e social deman-dam uma significativa inflexão da trajetória da política de C&T se-guida até agora pelo país. Essas transformações colocam essa polí-tica numa situação de ruptura e demandam, mais do que no casode outras políticas públicas, sua considerável reorientação. Premis-sas ideológico-políticas, modelos descritivos e normativos dasinterações entre ciência, tecnologia e sociedade, modelosinstitucionais para a organização do processo de desenvolvimentocientífico e tecnológico, interfaces com outras políticas públicas,processos decisórios, mecanismos de estabelecimento de priorida-des, fomento e avaliação das atividades de pesquisa e formação derecursos humanos, relação entre os organismos federais e estadu-ais, mecanismos de indução ao investimento privado, dinâmicasde comportamento e relacionamento entre os atores, entre outras,são questões que devem merecer atenção.

As questões colocadas nas seções anteriores indicam que ametodologia de planejamento a ser usada para o campo da C&T

deverá diferenciar-se da referente às outras áreas de políticas públi-cas que irão compor um projeto de desenvolvimento alternativo.O caráter necessariamente antecipador das demandas tecnológicascolocadas pelo setor produtivo e pelas iniciativas do Estado, o lon-go prazo de maturação das ações que a política de C&T contemplae as complexas relações entre distintas instituições na suaimplementação exigem metodologia específica.

Coerentemente com a magnitude da mudança que deve promo-ver na área da C&T, que decorre da satisfação das demandas colo-cadas pelo projeto de desenvolvimento alternativo nos camposeconômico e social, o estilo de planejamento aqui proposto deverádiferenciar-se, tanto em termos de conteúdo como de forma, do

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estilo que formula os planos tradicionais, que mascaram seu irrealismoe inexeqüibilidade, quando não sua orientação demagógica, como discurso tecnocrático, mas vazio, da direita.

Ele terá que ser menos normativo ou detalhado, no sentido de quenão irá propor uma prematura e ingênua priorização de áreas depesquisa científica ou de desenvolvimento tecnológico, ou de ins-tituições, ou uma simplista e perigosa recomposição de condiçõesde operação em processo de desmantelamento, ou mesmoquantificar a porcentagem do PIB que deverá ser investida em C&T.

Coerentemente com o princípio da democracia participativa abra-çado pelos que apostam na democratização, o programa deve apre-sentar grandes diretrizes políticas a serem discutidas e criticadaspela sociedade e, principalmente, pelos atores diretamente envol-vidos com a produção e utilização do conhecimento científico etecnológico. É importante que o programa dê elementos para balizaro processo decisório nos diferentes níveis e instâncias que a políticade C&T abrange mediante a clara explicitação dos objetivos a se-rem buscados e dos efeitos indesejáveis a serem evitados.

O programa deixaria, assim, entregue à capacidade e discernimentopolítico desses atores a materialização dessas diretrizes mediante aproposição e o detalhamento de planos de ação específicos comelas compatíveis. Dessa forma, lograr-se-ia a necessáriadescentralização do processo de tomada de decisões e maior eficá-cia na sua formulação e implementação.

8. À Guisa de Conclusão

Embora um documento como este não deva ter conclusão, sãosintetizadas a seguir, apenas com o objetivo de enfatizá-las, algu-mas das idéias antes apresentadas.

As necessidades sociais até agora não atendidas devido à enormeconcentração de poder econômico e político serão satisfeitas à medi-da que o processo de democratização política em que estamosengajados for dando lugar à democratização econômica. A crescentecapacidade dos segmentos marginalizados de veicularem seus inte-resses levará à expressão, inicialmente, de uma demanda por direi-

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tos inerentes à cidadania. Depois, por bens e serviços − terra, ali-mentação, transporte, moradia, saúde, educação, comunicação, etc.− de enormes proporções. A satisfação dessa demanda, inclusivepela importância que apresenta para a sustentação do processo detransformação social que queremos, terá que ser rápida e eficiente.

Por determinar uma considerável mudança do perfil produtivo, elaexigirá tecnologias que dependem do conhecimento e dos recur-sos humanos gerados em nosso complexo de C&T para suadisponibilização. Muitas vezes não haverá alternativa. Tecnologiascapazes de solucionar, com a eficiência que o novo conhecimentopermitiria, os problemas específicos que enfrentaremos não estarãodisponíveis. Seja no campo das necessidades sociais, seja no daincorporação de valor aos recursos naturais de que dispomos paraservir a nossa população e alavancar nosso comércio exterior, odesafio científico e tecnológico é imenso.

A democratização econômica exigirá que todas as alternativas quepermitam aumentar a produtividade dos segmentos que a susten-tam − melhor difusão da tecnologia existente no país, adequadaespecificação, negociação, importação e adaptação de tecnologiaestrangeira, cópia ou roubo de tecnologia, criação de capacidade deabsorção e adaptação, pesquisa local, até a formação de recursoshumanos − sejam contempladas na formulação da política de C&T.

Entretanto, pela especial sensibilidade às características do ambien-te físico, socioeconômico, forma de organização produtiva, e pelasua importância política, as tecnologias demandadas pelos segmentosde consumo de massa tenderão a ser específicas. É, portanto, aíonde devemos alocar prioritariamente nosso potencial de pesquisabásica e aplicada e de formação de recursos humanos de maneira achegar a gerar tecnologias eficientes e adequadas aoequacionamento de nossos problemas.

Ainda que em pequeno número, os nichos em que for possível ob-ter resultados tecnológicos inovadores permitirão a geração de umadinâmica tecnológica endógena e a criação de um núcleo de pro-moção de desenvolvimento econômico auto-sustentado. É a partirdesses resultados e da capacitação que sua utilização no mercadointerno propiciará que, tal como tem ocorrido com outros países,

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será possível lograr uma efetiva “inserção na economia mundial”.

Para que cumpram o papel viabilizador do desenvolvimento socialesperado, os segmentos que atendem ao consumo de massa de-vem alcançar patamares de eficiência e produtividade muito maio-res do que os atuais. Dado que uma série de políticas sociais de-pende do barateamento dos bens e serviços demandados pelamaioria da população, é necessário concentrar aí as ações visandoao aumento da produtividade. O papel de elemento dinâmico daeconomia que se espera venham a cumprir os segmentos que aten-dem ao mercado popular depende de políticas governamentais (ea de C&T é aqui crucial) que explorem o enorme efeito multiplicadoreconômico (derivado do grande peso relativo desses setores) queinvestimentos públicos visando a ganhos de produtividade podemdeterminar. A ação do Estado como viabilizador do desenvolvi-mento tecnológico deve dar-se prioritariamente nas áreas de me-nor resistência política; nas áreas em que é diretamente responsá-vel pelo desenvolvimento social. É aí onde pode ser maior o im-pacto positivo imediato das suas ações, e onde é importante ga-rantir o processo de desenvolvimento social [Dagnino, 1998].

Mas uma política de C&T não visa apenas a ações tendentes à ime-diata geração de novas tecnologias. A obtenção de capacitação emciência num espectro de abertura adequado é condição para quese possa acompanhar e utilizar criativamente o conhecimento cien-tífico e tecnológico em processo de mudança, e redirecionar suaaplicação quando for necessário. Especializações nesse campo, porrazões óbvias, devem ser analisadas com cuidado.

Além disso, é a criação da capacitação em ciência básica, aliada àmonitoração das tendências mundiais do conhecimento científico etecnológico, que permitirá, assegurada a democratizaçãoeconômica, o direcionamento dessa capacitação para aplicaçõestecnológicas mais relacionadas às demandas de segmentos produ-tivos que não os orientados para o consumo de massa. Nesse sen-tido, cabe lembrar que o próprio conceito de necessidades sociais,e, portanto, a caracterização do segmento de consumo de massa, émutante; o que confere à capacitação em ciência básica um papelimportante para o fortalecimento futuro de outros segmentos in-

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dustriais. À medida que as necessidades mais primárias forem sen-do satisfeitas, novos segmentos virão a servir como um núcleo depromoção do desenvolvimento econômico e da geração de umadinâmica tecnológica endógena.

Agradecimento

Muitas das idéias contidas neste documento se originaram no con-vívio quase diário que durante quinze anos mantive com o profes-sor e amigo Amilcar Herrera, falecido há três anos. Algumas delasseguramente se devem a ele. Mas ficaram tão misturadas com asque foram sendo produzidas que me parece mais adequado, aoinvés de tentar individualizá-las, dedicar a ele este trabalho. Comotantos outros que, na sua América Latina, procuramos seguir o ca-minho que ele ia traçando com a coerência e a dedicação dos ver-dadeiros intelectuais, lembro com saudade sua insubstituível e que-rida presença (Renato Dagnino).

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REFLEXÃO SOBRE TRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL1

Edilberto Carlos Pontes Lima *

Resumo

Este artigo discute alguns aspectos da teoria detributação, o sistema tributário brasileiro atual epropostas de reforma tributária à luz de alguns prin-cípios de tributação. Importa ressaltar que qual-quer reforma deve considerar restrições não so-mente econômicas, mas também políticas e deescassez de informações para avaliar quão bom éum novo sistema. Conclui-se que as falhas do sis-tema brasileiro são significativas, exigem reformas,e várias das propostas diminuem suas distorções,embora não as eliminem por completo.

1 Versão modificada e atualizada do Texto para Discussão do IPEA nº 666, de

agosto de 1999.

* Consultor de Orçamentos (Núcleo de Finanças Públicas) da Consultoria deOrçamentos da Câmara dos Deputados. Ex-técnico da Coordenação Geral deFinanças Públicas do IPEA. O autor agradece os comentários de César AugustoTibúrcio, Francisco Pereira e de um parecerista anônimo da revista. É grato,ainda, às discussões com Fernando Rezende e Raul Velloso. Naturalmente,todos estão isentos por eventuais erros do trabalho.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

M1 Introdução

uitos países reformaram sua maneira de tributar ao longodos últimos quinze anos, em razão, principalmente, dasprofundas transformações pelas quais a economia mun-

dial vem passando e que exigem capacidade de adaptação. Háexemplos de grandes modificações no Reino Unido, nos EstadosUnidos e no Chile, só para citar alguns casos. Nos Estados Unidos, oTax Reform Act de 1986 representou a maior alteração no impostode renda federal, a partir do momento em que se tornou um im-posto pago pela maior parte dos cidadãos (II Guerra Mundial)[Auerbach e Slemrod, 1997]. No Reino Unido, diminuíram-se asalíquotas do imposto de renda das pessoas físicas e das empresas,e alargou-se a base tributária. No Chile, também reduziram-se essasalíquotas e ampliou-se a participação dos impostos sobre consumona carga tributária global.

Sandford (1993) lista alguns elementos comuns nas experiênciasde reforma tributária em vários países: diminuição do número dealíquotas e do nível das alíquotas marginais máximas do impostode renda da pessoa física (IRPF) e jurídica (IRPJ); aumento da partici-pação de impostos sobre consumo em detrimento de impostossobre a renda. Leibfritz ‘et alii’ (1997) acrescentam, ainda, para ospaíses da Organização para a Cooperação e DesenvolvimentoEconômico (OCDE), aumentos nas contribuições para a seguridadesocial, ampliação das alíquotas e alargamento da base do impostosobre valor adicionado (IVA).

No Brasil, há um sentimento generalizado de que a reforma tributá-ria tornou-se necessária. O diagnóstico mais freqüente é que o sis-tema tributário atrapalha a eficiência econômica e é socialmenteinjusto e caro para o Estado e para os contribuintes. O sistema tribu-tário atrapalha a eficiência econômica em razão do grande peso detributos cumulativos (que tornam o produto nacional mais caro queo estrangeiro e incentivam a integração vertical) e do grande nú-mero de alíquotas e hipóteses de isenção, principalmente no im-posto sobre produtos industrializados (IPI), que distorcem a alocaçãode recursos do mercado. Tal sistema é socialmente injusto porquehá muitas brechas na legislação fiscal que permitem a prática da

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

elisão tributária, mais acessível aos grandes contribuintes. Além dis-so, autoridades do próprio governo reconhecem a elevada sone-gação em alguns setores com elevada capacidade contributiva.2

Custa caro porque o sistema é complexo, com distintas espéciestributárias e três esferas de governo com competência impositiva.Adicionalmente, há intensa competição tributária entre os estadose municípios.

Grande parte das deficiências do sistema tributário nacional temorigem na Constituição de 1988, que reformou amplamente o pa-pel do Estado na economia, incluindo a tributação. A sensação nasociedade, compartilhada por diversos especialistas, é de que aConstituição criou um sistema de financiamento insuficiente para otamanho do Estado por ela definido. Como resultado, o governofederal teve de criar, posteriormente à promulgação da Carta Mag-na, uma série de tributos para completar o financiamento do Esta-do, sem maior preocupação com regras econômicas de tributação,apenas visando à arrecadação. Assim, criaram-se a contribuição so-cial sobre o lucro líquido (CSLL) em 1989, o imposto provisóriosobre movimentação financeira (IPMF) com vigência em 1993, pos-teriormente recriado como contribuição provisória sobre movimen-tação financeira (CPMF) em 1996, sucessivamente prorrogada, e au-mentou-se a alíquota da contribuição para o financiamento daseguridade social (COFINS) de 0,5% para 2% em 1990 [Varsano,1997], e para 3% em 1999.

Além do objetivo de potencializar a eficiência econômica, seja bus-cando a neutralidade – quando não há falhas de mercado significa-tivas −, seja corrigindo fontes de ineficiência, como externalidades,competição imperfeita, bens públicos, etc., o propósito de maioreqüidade também tem movido os governos. Mesmo os maioresdefensores do mercado admitem sua eficiência na produção, masnão na distribuição de recursos, o que justifica a intervenção dogoverno nesse campo, com uso, além de outros instrumentos, datributação. O problema é que, a despeito de todos (ou quase to-

2 O depoimento do secretário da Receita Federal na Comissão Parlamentar de

Inquérito (CPI) do sistema financeiro, em maio de 1999, mostrou claramenteessa visão.

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dos) os sistemas tributários serem formalmente progressivos, naprática, muito da eqüidade se perde pelas brechas que permitemo planejamento dos contribuintes, principalmente daqueles de maisalta renda, que têm maior possibilidade de contratar contadores eadvogados tributaristas para encontrar espaços na legislação e pa-gar menos tributos, tornando a progressividade formal menor quesua progressividade efetiva.

Além desta introdução, no capítulo 2 são discutidas as dificuldadesde qualquer reforma tributária; o capítulo 3 analisa as característicasde um sistema tributário ideal; o capítulo 4 trata das três basesclássicas de tributação (renda, consumo e propriedade); o capítulo5 analisa o sistema tributário nacional; e, no capítulo 6, são discuti-das diversas propostas de reforma tributária no Brasil.

2 Dificuldades de Qualquer Reforma Tributária

Antes de discutirem-se as diversas propostas de reforma tributária,é importante que se adote uma perspectiva teórica para a compre-ensão do problema. Esta deve considerar que o problema da refor-ma tributária é de ‘second best’. O fazedor de política (os parla-mentares que votam a proposta ou a própria formulação do Execu-tivo) procura atingir o melhor, mas está sujeito a restrições adicio-nais às que apareceriam em um problema de ‘first best’ (tecnologiae recursos). É o caso de restrições legais, institucionais e principal-mente de informação incompleta. Ao propor uma reforma tributá-ria (aplica-se a qualquer que seja a reforma), o governo se deparacom problemas de federalismo, de interesses de bancadas no Con-gresso, de não baixar a carga tributária e de uma série de restriçõesrelacionadas à informação imperfeita, como a incapacidade de pre-ver reações dos agentes econômicos e a ausência de dados ele-mentares para a análise. Assim, embora seja de grande utilidadeobservar as características de um sistema tributário ideal, há que seconsiderar as restrições adicionais que o processo político envolve.

Auerbach (1985) chama atenção, ainda, para as dificuldades ocasio-nadas pela simples existência de uma alocação inicial, prévia à re-forma. Um novo sistema tributário mais eficiente e eqüitativo que oanterior pode trazer problemas de eqüidade na transição do antigo

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

para o novo. Por exemplo, caso se removessem isenções de algu-mas empresas, os seus acionistas poderiam ter perda de capital àmedida que os preços das ações baixassem. Esses indivíduos seri-am, assim, prejudicados, pois suas ações estariam mais baratas. Asações de outros indivíduos com idêntica capacidade contributiva,mas que não tivessem ações de empresas com subsídios retirados,não seriam afetadas.

3 Sistema Tributário Ideal

É interessante observar que as famosas máximas para os tributosque Adam Smith enumera em seu célebre Riqueza das Nações,publicado em 1776, permanecem plenamente válidas. Smithmenciona quatro características que os sistemas tributários de-veriam respeitar:

(a) A capacidade contributiva dos cidadãos. “Os súditos de todoEstado deveriam contribuir para sustentar o governo, tanto quantopossível em proporção às suas respectivas capacidades” [Smith,1986, p. 366]. Esse princípio é largamente aceito no mundo mo-derno. Os tributaristas citam-no como o princípio da eqüidade.Stiglitz (1988) o inclui como a característica da justiça social quetodo sistema tributário deve buscar, dividindo-a em eqüidade ver-tical e eqüidade horizontal. A primeira diz respeito ao maior paga-mento por aqueles que estão em melhores condições de pagar e asegunda, ao tratamento igual aos que estão em idêntica situação.Em geral, esse princípio é obedecido formalmente (as leis tributári-as normalmente elencam essa característica), mas as provisões es-peciais3 (espaços na legislação) alteram a efetiva progressividadedo sistema. Atkinson e Stiglitz (1980) argumentam: “Desde que oacesso a várias formas de ativos, ou a atratividade relativa deles,pode depender criticamente da renda de uma pessoa, eles têmum efeito importante na eqüidade do sistema tributário e no seuverdadeiro grau de progressividade” (tradução do autor).

3 Atkinson e Stiglitz (1980, p. 64) enumeram diversas formas de provisão

existentes.

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(b) Regras na fixação dos impostos para evitar arbitrariedades . Oobjetivo é a proteção dos contribuintes contra arbitrariedades doEstado ou de seus representantes na coleta de impostos. Com asregras, os pagadores de impostos podem programar-se porquesaberão “o tempo de pagamento, a maneira, a quantidade a serpaga, tudo (...) claro e simples para o contribuinte, e a qualquerpessoa” (Smith, ‘op. cit.’, p. 366). Essa máxima é largamente cita-da pelos tributaristas modernos, enquadrando-se, por exemplo, naclassificação de Stiglitz (1988, p. 396), em responsabilidade políti-ca, que é a clareza sobre quem paga, quanto se paga e o uso quese faz dos recursos arrecadados. Também se encaixa, ainda de acor-do com a classificação de Stiglitz, na necessidade de o sistematributário ser simples. Note-se, todavia, que a máxima de se evita-rem arbitrariedades não pode ser confundida com ausência de fle-xibilidade do sistema tributário. Esta é fundamental para garantir aação de estabilizadores automáticos da economia e para garantirrápidas adaptações do sistema a mudanças no ambiente econômico.

(c) Facilidade para os contribuintes. Os tributos devem ser cobradosquando os contribuintes efetivamente dispõem de recursos paracumprir seus compromissos. Assim, o imposto sobre a renda dotrabalho deve ser cobrado quando do recebimento do salário e nãoem período anterior. Essa regra é de puro bom senso e é largamen-te utilizada pelas administrações tributárias.

(d) Baixo custo do sistema arrecadador. “Toda taxa deveria ser ela-borada de maneira a tirar e manter fora do bolso do povo o mínimopossível além do que traz ao tesouro público do Estado” [Smith,1986, p. 366]. Smith observa que os tributos não podem ter umcusto elevado de arrecadação, não podem desestimular a atividadeeconômica, não devem ser facilmente sonegáveis e não devemsubmeter os contribuintes a fiscalizações desnecessárias que impli-quem perda de tempo. Novamente as idéias de Smith coincidemcom as de numerosos tributaristas modernos. Stiglitz (1988) apontaa necessidade de baixo custo de arrecadação de impostos para asociedade quando enfatiza a simplicidade administrativa como umacaracterística desejável de qualquer sistema, chamando atenção paraos custos diretos, que envolvem o pagamento de funcionários e amanutenção da máquina arrecadadora, e também para os custos

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

indiretos, que se referem à organização das empresas para atendera todas as exigências tributárias do fisco, como as obrigações aces-sórias, e o pagamento de contadores e advogados.

A eficiência econômica é outra característica desejável já presenteem Smith na sua idéia de que a atividade econômica não deveriaser afetada negativamente pela tributacão, devendo-se evitar im-postos que desestimulassem o trabalho. Embora tenha refletido so-bre eficiência, Smith não mencionou outra importante fonte de ine-ficiência que é a interferência da tributação sobre a alocação derecursos do mercado, algo, modernamente, de larga aceitação geral.

Às máximas de Adam Smith, acrescente-se, no caso brasileiro, a ne-cessidade de harmonizar o federalismo fiscal, no qual as três esferasde governo, União, estados e municípios, têm capacidade de importributos aos cidadãos. A ausência de sintonia entre os vários entesfederativos pode gerar um sistema tributário desorganizado, induzin-do uma competição tributária excessiva, levando a uma erosão dabase de tributação dos estados e dos municípios, o que diminui afonte de financiamento dos bens ofertados pelo setor público.

Para reforçar a atualidade das máximas de Smith, o texto de Auerbache Slemrod (1997, p. 589) é emblemático: “No jargão econômico,deve-se dizer que a Reforma (Reforma Tributária dos EUA de 1986)tinha a intenção de aumentar a eqüidade do sistema e de reduzir ocusto social para o cumprimento das obrigações tributárias, assimcomo o excesso de carga representado pelas distorções de com-portamento induzidas pela tributação” (tradução e grifos do autor).

4 Discussão Teórica dos Impostos sobreConsumo, Renda e Propriedade

Atkinson e Stiglitz (1980) fazem uma interessante discussão sobre opapel normativo das finanças públicas. O exemplo é um impostoindireto sobre todas as mercadorias. A questão é se a alíquota de-veria ser a mesma para todos os bens ou se deveria ser diferenciadade acordo com o grau de essencialidade do produto. A respostadepende do objetivo. Se o objetivo é maximizar a eficiência dosistema econômico, então uma alíquota uniforme é a mais reco-

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mendada porque minimiza distorções. Contudo, se o objetivo dosistema tributário é distribuir renda, bens de luxo deveriam ser tri-butados mais pesadamente. A conclusão a que se chega é que odesenho do sistema tributário ótimo não indica a alíquota exatasobre cada mercadoria, mas procura relacionar os objetivos de po-lítica e as políticas propriamente ditas.

4.1 Imposto sobre a Renda do Trabalho

O imposto sobre a renda foi considerado, por muito tempo, supe-rior a outros impostos, principalmente sob o ponto de vista de res-peito à capacidade contributiva. Isso ocorre porque a renda de umindivíduo é uma medida facilmente observável. Esse imposto tor-nava possível desenhar um sistema tributário progressivo, comalíquotas maiores para as faixas de renda mais elevadas.4

Tal imposto passou a ser questionado nos últimos anos pelo argu-mento de que seria inferior a impostos sobre consumo, do pontode vista da eficiência, visto que gera dois efeitos: um efeito-substi-tuição e um efeito-renda.5 Ambos afetam a oferta de trabalho, masde forma diferente. Enquanto o primeiro faz as pessoas trabalharemmenos, o segundo faz o contrário. O efeito líquido é desconhecido,‘a priori’, e depende da magnitude das alíquotas marginais. Quan-to maiores estas, maior tende a ser o efeito-substituição. Isso acon-tece porque o lazer, após o imposto, torna-se mais barato. Umexemplo (ver tabela 1): um cidadão tem dois empregos (um téc-nico que dá aulas à noite, por exemplo), e recebe R$ 3 mil peloprimeiro e R$ 1 mil pelo segundo, supondo-se a não-existência deimpostos. Caso o governo estabelecesse uma alíquota de impostode renda de 20% sobre os rendimentos que excedessem R$ 1 milmensais e de 30% sobre os rendimentos que excedessem R$ 3 mil,o mesmo cidadão só receberia, pelos dois empregos, R$ 3 300,00,

4 Rezende (1993) comenta o trabalho de Harley Hinrichs, de 1966, que teorizava

as vantagens dos impostos diretos e afirmava que o desenvolvimento econômicodos países faria que substituíssem paulatinamente tributos indiretos por diretos.

5 Matematicamente, pode-se visualizar os dois efeitos pela equação de Slustky.Ver, por exemplo, Hausman (1985).

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

e apenas R$ 700,00 pelo segundo emprego. Digamos que essecidadão goste muito de jogar tênis. Na sociedade sem impostos,esse lazer lhe custaria muito caro, pois ele teria de abrir mão de R$1 mil de renda. Na sociedade com o imposto, o seu lazer custariamenos, porque a renda de que teria de abrir mão seria de apenasR$ 700,00. Assim, após o imposto, haveria um incentivo a trabalharmenos e adquirir mais lazer. Este é o efeito-substituição.

TABELA 1

Renda Disponível Com e Sem Imposto

(Em R$)

Especificação Renda sem Imposto Renda com Imposto

1o emprego 3 000 2 6002o.emprego 1 000 700Total 4 000 3 300

Obs.: Alíquota de 20% sobre a renda que exceder R$ 1 mil e de 30% sobre aque exceder R$ 3 mil.

O efeito-renda, por sua vez, induz as pessoas a trabalharem maisporque a redução de renda decorrente as leva a demandar menoslazer, anulando, pelo menos em parte, o efeito-substituição. Assim,no exemplo da tabela 1, o cidadão, ao querer manter sua rendadisponível próxima à anterior ao imposto, pode querer arrumar umterceiro emprego − dar aulas aos sábados, por exemplo. É claroque, na vida real, não são todas as pessoas que têm a opção dealterar suas horas de trabalho. Mas, muitos trabalhadores têm opçãode engajar-se em um emprego adicional nas horas que normal-mente seriam de lazer.

Como os dois efeitos têm direção contrária, saber qual o efeito maisforte tem sido motivo de investigação em vários países. Brown eSandford (1993) sumarizaram uma série de estudos realizados noReino Unido e nos Estados Unidos, cujos resultados apresentarambaixa evidência de alteração no número de horas trabalhadas emdecorrência de mudanças nas alíquotas de imposto de renda. Osestudos que se aplicaram a parcelas da população sujeitas a alíquotas

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

tributárias marginais mais elevadas e com possibilidade concreta dealterar o número de horas de trabalho ofertadas (como no exemplodo técnico que poderia ser professor), também mostraram peque-na alteração no número de horas trabalhadas após mudanças nasalíquotas de imposto de renda.

Mesmo sem evidências conclusivas, muitos países reduziram, nosúltimos quinze anos, as alíquotas marginais máximas de impostode renda. O argumento baseia-se no efeito-substituição: alíquotasmarginais muito elevadas desestimulariam o trabalho. O Brasil, porexemplo, reduziu a alíquota marginal máxima de imposto de ren-da de 55%, em 1988, para 25%, em 1991, ampliando-a para 27,5%,em 1998, por conta das pressões por ajuste fiscal em decorrênciada crise asiática. A tabela 2 mostra a diminuição nas alíquotas mar-ginais máximas em alguns países selecionados.

4.2 Imposto sobre o Capital

Há duas formas de tributar-se o capital. A primeira é tributar a ren-da que ele gera; a segunda é tributar a sua propriedade. Exemplodo primeiro tipo é o imposto de renda sobre rendimento de capitalcobrado sobre o ganho em aplicações financeiras e do segundo é oimposto sobre a propriedade urbana.

TABELA 2

Alíquota Marginal Máxima de Imposto sobrea Renda1 − Países Selecionados

(Em porcentagem)

País/Ano 1979 1997

Reino Unido 83 62

Japão 72 62

Estados Unidos 67 53

Fonte: Revista The Economist (18/01/98).Nota: 1 Imposto de renda da pessoa física.

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

Há muitas dificuldades em tributar-se a renda do capital em razãoda impossibilidade de sua quantificação precisa. Assim, questõesde como depreciar o estoque de capital, de quando tributar osganhos de capital e de que maneira tributar o capital que está naforma de propriedade representam entraves para uma tributaçãojusta e eficiente dessa base. A justiça fiscal é prejudicada porque háformas de capital mais facilmente identificáveis, mas, ao tributá-las,estaria-se sendo injusto porque formas mais difíceis deixariam desê-lo. Interfere-se na eficiência econômica quando, ao tributar capi-tais diferentemente, interfere-se na alocação de recursos do merca-do ao se criarem incentivos a que capitais sejam convertidos emformas com menor incidência tributária [Atkinson e Stiglitz, 1980].

Uma das formas mais comuns de tributação da renda do capital é pormeio do lucro das empresas.6 Há um intenso debate sobre se asempresas deveriam ser tributadas ou se apenas os seus proprietários(acionistas), ao receberem dividendos, é que deveriam sê-lo: ao tri-butar as empresas e também seus proprietários haveria bitributação[Kay e King, 1990]. O argumento contrário é o de que a evasão fiscalseria maior no IRPF do que no IRPJ. Assim, tributar-se a empresa seriauma forma de garantir que os rendimentos de capital dos acionistasnão escapariam da tributação, ou seja, seria uma espécie de impostosobre a renda do capital retido na fonte (no caso, a empresa). Nesseargumento, para evitar bitributação, deveria-se integrar o impostode renda das empresas ao das pessoas físicas, isto é, garantiria-se umcrédito tributário aos acionistas referente ao imposto pago pela em-presa. Myles (1995) coloca o imposto de renda das empresas emuma perspectiva da teoria do ‘second best’, ou seja, em condiçõesem que apenas as restrições de um problema de ‘first best’ (tecnologiae recursos) estivessem presentes, talvez este não devesse existir.Entretanto, as restrições da realidade concreta (problemas operacionais,custo elevado de arrecadação, sonegação, assimetria de informação,etc.) tornam-no justificável para atender a determinados objetivos,como se mencionou.

6 No Brasil, essa forma de tributação seria representada pelo imposto de renda

da pessoa jurídica (IRPJ) e pela contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL).

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

Tributar a renda do capital pode ter efeito sobre a poupança e oinvestimento. O impacto decompõe-se, também, em efeito-subs-tituição e efeito-renda. Pelo efeito-substituição, poupa-se menosporque o que se perde de juros ao consumir torna-se menor apóso imposto, ou seja, o consumo presente torna-se mais barato. Oefeito-renda, por sua vez, faz o poupador consumir menos porqueo imposto diminui o seu rendimento, incentivando-o a poupar maispara manter o mesmo nível de recebimento de juros após o impos-to. O efeito líquido é desconhecido ‘a priori’, ou seja, não se sabese esse imposto aumenta ou diminui a poupança. Leibfritz ‘et alii’(1997) mencionam estudos empíricos sobre o efeito líquido da tri-butação do capital realizados para países da OCDE, os quais nãoforam totalmente conclusivos: a tributação da renda do capital re-duziria a poupança, mas não em escala muito grande.

O efeito sobre o investimento seria a redução da taxa de retorno,fazendo que alguns investimentos que fossem viáveis antes da tri-butação deixassem de sê-lo após a sua introdução, reduzindo-se,assim, o nível de investimento.

A tabela 3 mostra a evolução das alíquotas de imposto de renda dasempresas em países selecionados. Note-se que, a exemplo do im-posto de renda da pessoa física, vários países reduziram suas alíquotasde imposto de renda de pessoa jurídica nas décadas de 80 e 90.

TABELA 3

Evolução das Alíquotas de Imposto de Renda dasEmpresas − Países Selecionados

(Em porcentagem)

Especificação 1986 1992 1997

Brasil 29 − 50 29 − 50 15-25Argentina 0 − 33 20 33Chile 10 -37 15 -35 15México 5 – 42 0 – 35 34Reino Unido 34 − 35 0-33 33Suécia 52 30 28Japão 42 28-37,5 28 – 37,5Estados Unidos 15 -34 15 -34 15 -35

Fonte: Shome, 1999.Nota: Exclui a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL).

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

A tributação direta da propriedade é outra forma de tributar-se ocapital. Alguns tributaristas têm defendido uma ampliação da tribu-tação da propriedade com o argumento de que, em tempos dealta mobilidade de capitais e de pessoas, esta seria uma base maisfacilmente tributável, por ser menos móvel.

É verdade que seja possível uma tributação de propriedades imó-veis sem efeitos sobre o estoque de capital no primeiro momento,visto que a oferta de propriedades é inelástica a curto prazo. O queocorrerá é a diminuição do preço do ativo após o imposto para man-ter-se a mesma taxa de retorno de antes do imposto. É o que Atkinsone Stiglitz (1980) chamam de efeito-capitalização. A longo prazo, en-tretanto, a oferta de imóveis cairá porque seu baixo preço não com-pensará o custo de construção. A menor quantidade de imóveis dis-poníveis fará que seu preço volte a subir até compensar novamentea construção, anulando, a longo prazo, o efeito-capitalização.

Um exemplo torna mais claro o ponto aqui abordado. Suponha-seque um determinado município não cobre imposto sobre a propri-edade e que os proprietários conseguem extrair um rendimentolíquido de 10% ao ano. Assim, um imóvel de R$ 100 mil alugadopor R$ 10 mil anuais tem a taxa de retorno aqui indicada. O gover-no estabelece um tributo sobre a propriedade de 2% ao ano (R$ 2mil no presente exemplo, o que propiciaria, se o preço não sealterasse, um retorno líquido de 8%). O efeito-capitalização aqui sedaria porque o mercado equalizaria a taxa de retorno, o que faria opreço do imóvel cair até o ponto em que a taxa de retorno fosse de10%. Com a nova rentabilidade, muitos investidores preferirão ad-quirir imóveis em municípios com menores alíquotas desse impos-to, o que fará, a longo prazo, diminuir a oferta de imóveis no muni-cípio com alíquota mais alta. Esse resultado indica que também nãoadianta tributar mais pesadamente a propriedade com o argumen-to de que, em tempos de grande mobilidade de capitais não imo-bilizados e de pessoas, aquela seria uma base mais facilmentetributável.

Além disso, a propriedade imóvel é substituta de outros ativos porinvestimentos. Assim tributá-la mais pesadamente pode ser social-mente injusto porque proprietários desses ativos (imóveis) terão uma

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

carga maior que proprietários de outros tipos de ativos. Para manter arentabilidade inalterada, o preço dos imóveis cairá, gerando uma perdade capital para os seus donos. Além disso pode haver distorçõesalocativas à medida que os indivíduos migrem para ativos menostributados, fazendo que a oferta de imóveis caia a longo prazo.

Se as alíquotas forem altas, um efeito negativo adicional aparece:os contribuintes podem ter patrimônio, mas efetivamente poderãonão estar extraindo renda deste, isto é, não têm capacidadecontributiva. O que farão? Venderão o patrimônio? O argumentovale também para o imposto sobre grandes fortunas, que é umaforma de imposto sobre propriedade. Aplicá-lo implica uma tribu-tação adicional sobre os proprietários de grandes fortunas. Entre-tanto a alíquota deve ser , baixa porque ter propriedade nem sem-pre significa ter efetiva capacidade de pagamento.

4.3 Imposto sobre Consumo

Do ponto de vista da oferta de trabalho, impostos sobre consumonão exercem muita influência e, quando o fazem, tendem a aumentá-la, porque indivíduos de baixa renda verão sua capacidade de con-sumo diminuída e, para mantê-la, terão de trabalhar mais. Indiví-duos cujas rendas superem o seu consumo poderão diminuí-lo paramanter a poupança inalterada, reduzirão esta ou trabalharão maispara mantê-la inalterada. Esse possível efeito redutor da poupançasó será negativo para o crescimento econômico se o setor públicoutilizar o imposto para despesas de consumo (custeio da máquina,por exemplo) em vez de utilizá-lo para investimento.

Impostos sobre consumo são considerados mais eficientes econo-micamente do que impostos sobre a renda, visto que isentam apoupança, estimulando o investimento e a acumulação de capital,o que contribui, em conseqüência, para o crescimento econômico.O apelo dos impostos sobre consumo fez surgir algumas propostaspara torná-lo a única base de tributação, eliminando a tributação darenda [Hubbard, 1997].

Pode-se estabelecer impostos sobre consumo com maior ou menoreficiência e maior ou menor eqüidade. Depende dos objetivos do

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

governo. As alíquotas decidem a questão. Do ponto de vista da efi-ciência, alíquotas uniformes não interferem nas decisões sobre o queconsumir; são, portanto, neutras. Por outro lado, pode-se analisar aquestão observando-se o peso morto do imposto. A idéia é que quantomaior a elasticidade da demanda, maior é o peso morto7 de umimposto. Com isso, a conclusão é que seria mais eficiente impor umimposto seletivo por produto com alíquota decrescente à proporçãoque a elasticidade da demanda por um produto específico aumen-tasse. Em outras palavras, a alíquota de imposto sobre um bem qual-quer seria inversa à elasticidade da demanda por aquele produto.Este é o famoso imposto de Ramsey [Atkinson e Stiglitz, 1980].

O problema é que o imposto de Ramsey, embora eficiente, pode seregressivo, uma vez que bens de primeira necessidade tendem a terelasticidade-preço menor, o que justificaria uma alíquota mais alta.Essa conclusão contraria o que se espera da diferenciação de alíquotas,que é o maior benefício para o consumo dos mais pobres. Adicional-mente, ainda do ponto de vista de eqüidade, a não-uniformidadepode implicar discriminação contra as pessoas que têm preferênciapelos bens tributados mais pesadamente [Atkinson e Stiglitz, 1980].

Até a década de 80, a preferência por impostos diretos vis-à-visimpostos indiretos era defendida pela maior parte dos especialistasem tributação. O reconhecimento do impacto negativo do impostode renda sobre o capital e sobre o trabalho para o nível de investi-mento e para a oferta de trabalho fizeram que esse tributo fossecompletamente revisto. A direção geral, como se comentou, foi nosentido de reformulá-lo para diminuir o número de alíquotas e asalíquotas marginais máximas, reduzir o seu papel como arrecada-dor de recursos para o Estado e aumentar a importância de impos-tos sobre consumo.

7 Peso morto do imposto é uma medida de sua ineficiência . Um exemplo ajuda

a esclarecer: suponha-se que cada indivíduo estaria disposto a pagar R$ 10,00/mês ao governo para não pagar mais imposto sobre a cerveja. No entanto,admita-se que, com o sistema de tributação sobre o consumo de cerveja, ogoverno arrecade R$ 8,00. O peso morto do imposto é R$ 2,00, ou seja, adiferença entre o que os indivíduos estariam dispostos a pagar e o que ogoverno de fato recolhe [Stiglitz, 1988].

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

Imposto sobre Valor Agregado (IVA)

Este é o tipo de imposto sobre consumo mais utilizado atualmenteno mundo. Cnossen (1993) lista 21 dos 24 países da OCDE que adotamo Imposto sobre valor agregado (IVA). Fora da OCDE, o autor contabilizapelo menos quarenta países na África, Ásia e América Latina que oadotam. No Brasil, é representado pelo imposto sobre circulação demercadorias e serviços (ICMS) e pelo imposto sobre produtos indus-trializados (IPI). A sua característica básica é a não-cumulatividade, ouseja, o contribuinte paga apenas pelo que agrega à economia. Se-gundo Cnossen (1993, p. 75), “O IVA usado na Comunidade Euro-péia e em quase todos os países é de multi-estágio, baseado noprincípio de destino e no consumo líquido”. Uma abordagemabrangente do IVA no Brasil é encontrada em Rezende (1993).

A tabela 4 traz a evolução das alíquotas de IVA em diversos países.Observa-se um aumento das alíquotas ao longo do tempo em quasetodos os países selecionados, mostrando que, ao mesmo tempo em

TABELA 4

Evolução das Alíquotas de IVA − Países Selecionados

(Em porcentagem)

País Ano de Introdução Alíquota Inicial Alíquota em 1997

Brasil 1967 15 171

Argentina 1975 16 21Chile 1975 8,2 18México 1980 10 15Japão 1989 3 5Alemanha 1968 10 15França 1964 20 20,6Itália 1973 12 19Reino Unido 1973 10 17,5Canadá 1991 7 7Áustria 1973 16 20Bélgica 1971 18 21Dinamarca 1967 10 25Portugal 1986 16 17Espanha 1986 12 16Suécia 1969 11,1 25

Fonte: OCDE e Shome (1999).

Nota: 1Nas transações intra-estaduais. Nas operações interestaduais, a alíquota varia deacordo com os estados.

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

8 Segundo autoridades do próprio governo brasileiro. Ver, por exemplo, depoi-

mento do então secretário-executivo do Ministério da Fazenda na ComissãoEspecial da Câmara dos Deputados que analisa a reforma tributária, realizadoem setembro de 1997. Palavras do secretário da Receita Federal: “O sistematributário brasileiro é socialmente injusto, pois favorece sempre os mais pode-rosos” [Revista Carta Capital, junho de 1999].

que estão se reduzindo as alíquotas do imposto sobre a renda daspessoas físicas e das empresas (ver tabelas 2 e 3), aumentam-se asalíquotas do IVA, o que amplia sua importância na estrutura tributária.

5 Sistema Tributário Nacional

O sistema tributário brasileiro é considerado caro, complexo e, emmuitos aspectos, regressivo e ineficiente.9 Contraria, assim, os prin-cípios de um sistema tributário ideal. Sua grande vantagem é quearrecada muito bem: a carga tributária brasileira é a maior da Amé-rica Latina, próxima de 30% do PIB.

Há várias espécies tributárias: impostos, contribuições sociais, con-tribuições econômicas, taxas e contribuições de melhoria. As trêsesferas de governo (União, estados e municípios) possuem com-petência impositiva para cobrar tributos, respondendo por cerca de70%, 26% e 4% da cobrança global, respectivamente. Os principaistributos são listados na tabela 5, a seguir, com a respectiva arreca-dação e participação na carga tributária total entre 1995 e 1998.

A tributação sobre bens e serviços representa a maior parcela datributação nacional, seguida pela tributação da renda. O maior tri-buto do país é de competência estadual − o ICMS (23% da arrecada-ção global em 1998) −, seguido pelo imposto de renda e pelacontribuição para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS),ambos de competência federal. O principal tributo municipal incidesobre serviços, o ISS, que arrecada 1,7% do total.

O ICMS e o IPI (federal) tributam bens e serviços pelo valor adiciona-do. Somando-se os dois, atinge-se quase 30% da arrecadação to-tal. COFINS, contribuição para o PIS-PASEP e imposto sobre serviços(ISS) tributam bens e serviços cumulativamente, representando 10,9%da arrecadação total das três esferas de governo em 1998.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

TABELA 5

Composição dos Tributos no Brasil por Base Tributária eEsfera de Governo − 1995-1998

(Em porcentagem)

Especificação 1995 1996 1997 1998

PIB Total PIB Total PIB Total PIB Total

Total dos Tributos (A+B+C+D+E) 29,74 100,0 28,96 100,0 29,00 100,0 29,84 100,0

A. Tributos sobre a Renda e o Lucro 5,69 19,1 5,45 18,8 5,29 18,3 6,02 20,2

Imposto de Renda 4,82 16,2 4,65 16,1 4,46 15,4 5,29 17,7

Pessoa Física 2,28 7,7 1,97 6,8 2,00 6,9 2,49 8,3

Pessoa Jurídica 2,54 8,5 2,68 9,3 2,46 8,5 2,80 9,4

Contribuição Social s/ o Lucro Líquido 0,87 2,9 0,80 2,8 0,83 2,9 0,73 2,4

B.Tributos p/ Previdência 5,72 19,2 5,52 19,0 5,39 18,6 5,45 18,3

B.1. Federais 5,30 17,8 5,52 19,0 5,39 18,6 5,45 18,3

Contribuição para o INSS 4,98 16,7 5,18 17,9 5,09 17,6 5,17 17,3

Contrib. p/ Pl. Segurid. Social Servid. Públicos (PSS) 0,33 1,1 0,33 1,1 0,30 1,0 0,28 0,9

B.2. Estaduais 0,42 1,4 0,43 1,5 0,39 1,3 0,40 1,4

Contribuição dos Servidores para Previdência 0,42 1,4 0,43 1,5 0,39 1,3 0,40 1,4

C. Tributos sobre Bens e Serviços 14,34 48,2 13,70 47,3 13,28 45,8 12,90 43,2

C.1. Federais 6,52 21,9 5,99 20,7 5,89 20,3 5,65 18,9

Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) 2,08 7,0 1,96 6,8 1,92 6,6 1,79 6,0

Imposto de Importação (II) 0,76 2,5 0,54 1,9 0,59 2,0 0,72 2,4

Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) 0,50 1,7 0,36 1,3 0,43 1,5 0,39 1,3

Contribuição p/ Financ. da Segur. Social (COFINS) 2,27 7,6 2,20 7,6 2,11 7,3 1,96 6,6

Contribuição p/ o PIS/PASEP 0,91 3,1 0,92 3,2 0,84 2,9 0,79 2,6

C.2. Estaduais 7,31 24,6 7,15 24,7 6,87 23,7 6,75 22,6

Imposto sobre Circul. de Mercad. e Serviços (ICMS) 7,31 24,6 7,15 24,7 6,87 23,7 6,75 22,6

C.3 Municipais 0,51 1,7 0,56 1,9 0,51 1,8 0,50 1,7

Imposto sobre Serviços (ISS) 0,51 1,7 0,56 1,9 0,51 1,8 0,50 1,7

D. Tributos sobre a Propriedade 0,95 3,2 0,87 3,0 0,95 3,3 1,03 3,5

D.1 Federais 0,02 0,1 0,03 0,1 0,03 0,1 0,02 0,1

Imposto Territorial Rural (ITR) 0,02 0,1 0,03 0,1 0,03 0,1 0,02 0,1

D.2. Estaduais 0,41 1,4 0,43 1,5 0,47 1,6 0,53 1,8

Imposto sobre Propriedade de Veíc. Automotores (IPVA) 0,38 1,3 0,40 1,4 0,44 1,5 0,49 1,7

Imp. sobre Transm. bens ‘Causa Mortis’ e Doação (ITCD) 0,03 0,1 0,03 0,1 0,03 0,1 0,04 0,1

D.3. Municipais 0,53 1,8 0,42 1,5 0,45 1,6 0,48 1,6

Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) 0,43 1,4 0,33 1,1 0,36 1,2 0,39 1,3

Imposto sobre a Transmissão de Bens Inter Vivos (ITBI) 0,10 0,3 0,09 0,3 0,09 0,3 0,09 0,3

E. Tributos sobre a Folha de Pagamentos1 0,68 2,3 0,63 2,2 0,62 2,2 0,54 1,8

Contrib. para Salário-Educação 0,37 1,2 0,35 1,2 0,32 1,1 0,27 0,9

Contrib. para Sistema S2 0,31 1,0 0,27 0,9 0,30 1,1 0,27 0,9

F. Outras Bases Tributárias 3,04 10,2 3,42 11,8 4,08 14,1 4,44 14,9

Contrib. para Fundo Gar.Tempo de Serviço(FGTS) 1,51 5,1 1,50 5,2 1,49 5,1 1,86 6,2

Contrib. Provis. sobre Movim. Financeira (CPMF) - - - - 0,80 2,7 0,90 3,0

Demais3 1,53 5,1 1,92 6,6 1,80 6,2 1,68 5,6

Memória de cálculo: PIB (R$ milhões) 646 192 778 820 866 827 901 649

Fonte: Secretaria da Receita Federal. Elaboração do autor.

Notas: 1Tributos que incidem sobre a folha de pagamentos e que não financiam a seguridade social.2Inclui SENAR, SESI, SENAI, SENAC, SESC, INCRA, SDR, SEST, SENAT, SEBRAE e ensino prof. marítimo.3 Inclui taxas, contrib. econômicas, contrib. de melhoria e outras contrib.sociais como a contrib. p/ custeio de

pensão de militares.

Obs.: 1Tributos sobre renda, lucro e sobre folha de pagamentos são arrecadados pelo governo federal.2Classificação do autor seguindo classificação da OCDE (Revenue Statistics -1998).

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

As principais críticas ao sistema tributário nacional são o seu altocusto, tanto direto (do fisco) quanto indireto (dos contribuintes);seu elevado grau de complexidade – que tem relação direta como alto custo; seus espaços, que permitem o planejamento tributárioe a sonegação, desfazendo, pelo menos parcialmente, a suaprogressividade formal. Além disso, o sistema atrapalha a eficiênciaeconômica, principalmente por ter um elevado número de alíquotasde IPI e de ICMS e pela existência de tributos cumulativos mencio-nados anteriormente. Analisemos mais detalhadamente as caracte-rísticas do sistema brasileiro atual vis-à-vis um sistema tributário ideal.

Respeito à Capacidade Contributiva dos Cidadãos

Formalmente, o sistema tributário brasileiro busca a eqüidade hori-zontal (os que estão na mesma situação pagam o mesmo) e vertical(os que estão em situação diferente pagam diferentemente). Deter-mina a Constituição Federal que o imposto de renda seja informadopelo critério da progressividade. A legislação tributária atual isenta orendimento retido na fonte da pessoa física para ganhos até R$ 900,00/mês, estabelece alíquota de 15% para ganhos entre R$ 900,00 e R$1 800,00/mês e alíquota de 27,5% para ganhos que excederem R$1800,00/mês. Os rendimentos não sujeitos a imposto retido na fontesão tributados com as mesmas alíquotas, mas em bases anuais. Osimpostos sobre consumo são orientados pelo critério da seletividade,o que é, em parte, responsável por mais de 200 alíquotas de IPI emais de 5 alíquotas de ICMS em cada estado.9

No imposto de renda das empresas também se procuraprogressividade ao estabelecer-se um pagamento de alíquota ge-ral de 15% sobre o lucro líquido e adicional de 10% sobre o lucromensal que exceder R$ 20 mil/mês. O problema é que a grandequantidade de hipóteses de exceção e de isenções fiscais abreespaços para a prática de planejamento tributário, isto é, formaslegais de se pagar menos imposto. Além disso, a sonegação é

9 Um interessante trabalho de Rodrigues (1998) mostra a regressividade do

imposto sobre consumo no Brasil e que a carga tributária total sobre o rendi-mento assalariado (tributos sobre a renda e sobre consumo) tem baixo nível deprogressividade, principalmente na hipótese de coeficiente de transmissãodos tributos diretos incidentes sobre o empregador igual a 100%.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

extremamente elevada, como mostram os resultados preliminaresde um estudo realizado pela Secretaria da Receita Federal que in-dica que 41,8% da renda tributável brasileira circula no país sempagar imposto de renda.10 O resultado é que os contribuintes quepagam todas as suas obrigações acabam prejudicados por uma car-ga tributária bem mais elevada, tornando injusta a tributação noBrasil. Assim, qualquer proposta de reforma tributária que busquemaior respeito à capacidade dos contribuintes de pagar tributosdeve necessariamente diminuir espaços para planejamento tributá-rio e dificultar a sonegação.

Regras para a Fixação dos Impostos, Evitando-se Arbitrariedades

Este é um ponto bem contemplado no ordenamento jurídico brasi-leiro. Há uma série de regras que se devem seguir para a criação detributos, a maior parte definida na própria Constituição Federal. Estadetermina, por exemplo, a obediência ao princípio da anterioridadede exercício (alínea b, inciso III do art. 150) para instituição ou au-mento de impostos. Por sua vez, as contribuições sociais obedecemao prazo de 90 dias entre a publicação e a efetiva cobrança (§ 6o doart. 195 da Constituição). Mesmo com essa proteção aos contribuin-tes, existem críticas pertinentes contra a prática, freqüente no país,de estabelecimento de tributos no dia 30 de dezembro e cobrançaem 1o de janeiro do ano seguinte. Contra isso, há propostas de fixar-se um número mínimo de dias entre a criação (ou aumento dealíquotas) e a efetiva cobrança, a exemplo das contribuições sociais.

Facilidade para os Contribuintes

É outra máxima de Adam Smith apenas parcialmente amparada nosistema tributário nacional. Por um lado, o imposto de renda retidona fonte, por exemplo, é cobrado quando do recebimento efetivodos rendimentos. Outro exemplo é a possibilidade aberta, nos últi-

10 Realizou-se o estudo comparando-se a arrecadação de CPMF e a renda tributável;

foi divulgado nos principais jornais do país em dezembro de 1998. Em maio de1999, na comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga irregularidadesno sistema financeiro, o secretário da Receita Federal mencionou tais números.

149

REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

mos três anos, pela Secretaria da Receita Federal, da entrega dedeclarações de imposto pela Internet. Por outro lado, a complexi-dade do sistema e a elevada carga tributária tornam difícil o cum-primento de todas as obrigações tributárias.

Baixo Custo do Sistema Arrecadador

A complexidade do sistema tributário nacional, no qual as três esfe-ras de governo gozam de competência impositiva, a grande quan-tidade de espécies tributárias distintas e as numerosas alíquotastornam o sistema caro tanto para o governo quanto para o contri-buinte. Administrar todas as obrigações tributárias, incluindo as aces-sórias como a manutenção de livros fiscais, exige a contratação deprofissionais dedicados exclusivamente a tal tarefa, como contado-res e advogados tributaristas. Assim, a simplificação deve ser umameta a ser perseguida por qualquer proposta de reforma tributáriaa fim de tornar o sistema mais barato.

Eficiência Econômica

Dois fatores principais vão de encontro à eficiência econômica dosistema brasileiro. O primeiro é a infinidade de alíquotas de impos-tos sobre produtos industrializados (IPI) e de circulação de merca-dorias e serviços (ICMS), estas últimas em menor quantidade que asprimeiras, mas ainda assim numerosas, que distorcem o empregoeficiente de recursos ao incentivar o investimento em setores ouprodutos beneficiados com alíquotas menores. Tal problema se ins-talou, em grande parte, devido a pressões de grupos por trata-mento tributário diferenciado, com pouca lógica econômica a nortearas decisões. O segundo fator são as contribuições sociais de inci-dência cumulativa, a COFINS e o PIS-PASEP. O problema de tais con-tribuições é que tornam o produto brasileiro menos competitivo doque o produto estrangeiro, que só as paga uma vez. Além disso epor isso, tais contribuições estimulam a integração vertical das em-presas, causando mais distorção alocativa. Mudanças nesses doiscampos são fundamentais.

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PLANEJAMENTO EPOLÍTICAS PÚBLICASNo 20 − DEZ DE 1999

6 Propostas de Reforma

Diante das imperfeições do sistema tributário brasileiro, várias pro-postas para reformá-lo estão em discussão na sociedade brasileira.As três que mais se destacaram serão aqui analisadas, a saber:substitutivo do relator à Proposta de Emenda Constitucional no 175A/95, encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional; Pro-posta de Emenda Constitucional no 46/95, de autoria do deputadoLuís Roberto Ponte e outros; e Proposta de Reforma Tributária doMinistério da Fazenda.11 Cada uma dessas propostas mereceria umaminuciosa análise, o que foge ao escopo deste trabalho, em face dolimite de espaço que se impõe a um artigo. O que se vai procurarfazer aqui é destacar os pontos que julgamos mais relevantes.

6.1 Proposta de Emenda Constitucional (PEC)no 175-A/9512

Os objetivos mencionados dessa proposta são os seguintes:

(a) simplificar o sistema tributário nacional;

(b) aumentar o seu grau de eqüidade;

(c) dificultar a sonegação; e

(d) tornar a economia brasileira mais eficiente.

Nota-se claramente que os objetivos do sistema são amplamentecoincidentes com as máximas tributárias de Adam Smith, comenta-das neste trabalho. A questão é investigar se, de fato, as propostasatendem a esses objetivos. As principais são:

(a) reformulação do ICMS, cuja arrecadação passaria a ser comparti-lhada entre a União, os estados e o Distrito Federal;

11 Note-se que há versões diferentes dessas propostas de reforma quase ‘on-line’,

tornando qualquer trabalho que analise suas minúcias rapidamente superado.12

Comenta-se aqui a redação final do projeto aprovado pela Comississão Espe-cial de Reforma Tributária, de fevereiro de 2000.

151

REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

(b) criação de imposto sobre circulação de combustíveis automotivos;

(c) transferência do imposto sobre propriedade rural para os esta-dos e o Distrito Federal;

(d) transformação do imposto sobre serviços municipal em um impos-to sobre varejo e serviços prestados a não-contribuintes do ICMS edos impostos sobre combustíveis; e

(e) retirada da cumulatividade das contribuições sociais incidentessobre o faturamento da pessoa jurídica.

6.2 Proposta de Emenda Constitucional no 175 e oSistema Tributário Ideal

Respeito à Capacidade Contributiva

Embora este seja um objetivo explícito da PEC no 75/95, suas pro-postas não mudam substantivamente o quadro atual. Ao impor res-trições à competição tributária entre os estados e entre os municípi-os, talvez esteja também impedindo que os contribuintes com maiorpossibilidade de contribuir possam barganhar favorecimento tribu-tário, algo que os contribuintes mais pobres têm dificuldades defazer. Outra medida que pode favorecer a progressividade do sis-tema tributário é a redução de incentivos fiscais, tendo em vistaque esta diminui a possibilidade de abrigos que permitam a elisãofiscal. Como são os contribuintes com maior capacidade de paga-mento que têm maior acesso a contadores e advogados que lhesmostram as brechas no sistema de forma a permitir menor paga-mento efetivo de tributos, a diminuição dos espaços pode favore-cer a eqüidade. Embora importantes, essas medidas são tímidasem relação ao objetivo de assegurar maior progressividade tributá-ria, não havendo, por exemplo, qualquer modificação na tributaçãoda renda e da propriedade.

Regras e Transparência Tributária

De um lado, ao constitucionalizarem-se muitos detalhes, possibili-ta-se maior permanência às regras. Todavia, pode-se estar criandorigidez excessiva ao se incluir, na Constituição, detalhes que pode-

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riam estar em legislação infraconstitucional, como, por exemplo,setores ou produtos que não sofrerão incidência tributária. Corre-seo risco de cometer o mesmo erro do atual texto constitucional eainda agravá-lo.

Eficiência Econômica

Ao aperfeiçoar-se a tributação sobre o valor adicionado e ao redu-zir-se o número de alíquotas possíveis (ainda que se as mantenhaem número considerável), diminui-se o efeito distorcivo do sistematributário brasileiro. Isso também possibilita a retirada decumulatividade das contribuições sociais incidentes sobre ofaturamento de pessoas jurídicas.

Simplicidade e Baixo Custo do Sistema Tributário

Por detalhar excessivamente o sistema tributário, por aumentar onúmero de impostos (de treze, no atual sistema, para quinze) e porexigir um complexo mecanismo de compensação entre o ICMS fe-deral e o ICMS estadual e implicar a acumulação de créditos, essaproposta pode tornar ainda mais complexo o sistema tributário.

Harmonização do Federalismo Fiscal

Alterar a atual divisão de competências impositivas e de reparti-ções de receitas é certamente uma das maiores dificuldades detodas as propostas de reforma. A PEC no 175/A modifica essa divi-são ao alterar o atual sistema de tributação do valor adicionado,introduzindo-se o ICMS compartilhado entre União, estados e Dis-trito Federal. Os municípios perdem o atual imposto sobre serviços,mas ganham o imposto sobre vendas a varejo e prestação de al-guns serviços (aparentemente com abrangência menor que o atualISS). O problema é que, para quebrar resistências de estados emunicípios, termina-se por admitir alguns mecanismos que possi-bilitam a manutenção da competição tributária exacerbada entre osestados. Era o caso da permissão de os estados aumentarem oureduzirem em até 20% as alíquotas de sua parcela do ICMS compar-tilhado (que seria fixada por resolução do Senado Federal) presentena versão do substitutivo do relator da proposta divulgada em ou-tubro de 1999. Felizmente, a versão que comentamos, de fevereiro

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de 2000, exclui a possibilidade de diminuição da alíquota, perma-necendo apenas a possibilidade de seu aumento em 20%.

Essa proposta concentrou-se principalmente na reformulação da tri-butação do consumo, particularmente do ICMS e das contribuiçõessociais cumulativas. Não se propõem alterações significativas sobrea tributação da renda e da propriedade.

6.3 Proposta de Reforma Tributária do Ministérioda Fazenda

Em novembro de 1999, o Ministério da Fazenda divulgou um pro-jeto de emenda à Constituição com a sua proposta de reforma tri-butária, cujos principais pontos são os seguintes:13

(a) criação do imposto da Federação, incidente sobre o valor adicio-nado pela circulação de bens, mercadorias e prestação de serviços.Este seria compartilhado entre União, estados e Distrito Federal,competindo exclusivamente à União a sua legislação; aos estados eDistrito Federal competiria a arrecadação e a fiscalização;

(b) criação de um imposto seletivo (‘excise tax’) incidente sobreoperações com alguns bens (derivados de petróleo, fumo, bebi-das, veículos automotores, etc.) e serviços de comunicação;

(c) criação de um imposto sobre movimentação e transmissão finan-ceira, que substituiria a CPMF, tornando essa base tributária perma-nente; e

(d) eliminação da incidência cumulativa da contribuição social inci-dente sobre o faturamento; esta passaria a incidir sobre o valor adi-cionado.

13 A primeira manifestação sistematizada do Ministério da Fazenda acerca da

reforma tributária foi a apresentação do seu secretário-executivo na Câmarados Deputados, em setembro de 1997. O projeto de 1999 modifica a idéiainicial em vários pontos.

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6.4 Proposta do Ministério da Fazenda e asMáximas de Tributação

Respeito à Capacidade Contributiva

Ao eliminar isenções e simplificar o sistema, diminui-se a possibili-dade de planejamento tributário, que freqüentemente favorece osde maior capacidade contributiva, que são os que podem pagar aprofIssionais especializados em descobrir espaços na legislação.

Regras e Transparência Tributária

Vale o mesmo argumento empregado na PEC no 175, só que demaneira ainda mais radical. Eliminar isenções e reduzir incentivosrepresenta um avanço significativo, visto que permite maior trans-parência ao uso dos recursos públicos e mostra à sociedade quemrealmente contribui para financiar o Estado.

Eficiência Econômica

Novamente essa proposta vai na mesma direção da PEC no 175, sóque de forma mais profunda. Ao eliminar o IPI, com sua multiplicidadede alíquotas (mais de trezentas) e reformular o ICMS, reduzindo dras-ticamente o número de alíquotas, essa proposta representa um avançoconsiderável em termos de eficiência econômica, porque a interfe-rência na alocação de recursos do mercado desaparece. Note-se queo aprofundamento em relação à PEC no 175 dá-se porque, naquelaproposta, o número de alíquotas admitidas seria maior. Além dIsso, aeliminação da cumulatividade na tributação do faturamento é umponto importante para a competitividade dos produtos brasileiros‘vis-à-vis’ os estrangeiros. Um ponto negativo é a manutenção deum tributo sobre movimentação financeira que pode constituir-seem um obstáculo adicional à queda das taxas de juros.

Harmonização do Federalismo Fiscal

Este é certamente um dos pontos críticos da proposta. De um lado,reduz drasticamente a guerra fiscal ao estabelecer que a competênciapara legislar sobre o novo ICMS (imposto da Federação) é exclusiva daUnião, mas, de outro lado, cria grandes resistências a sua

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REFLEXÃO SOBRETRIBUTAÇÃO EREFORMA TRIBUTÁRIANO BRASIL

implementação, visto que muitos governadores, que exercem gran-de influência sobre as bancadas estaduais no Congresso Nacional, nãoquerem perder competência de legislar sobre esse tributo, que lhesfacilita a atração de investimentos De forma geral, essa proposta ébem mais ambiciosa que a PEC no 175/95, ao propor mudanças maisprofundas no sistema tributário nacional. O problema é que, comocomentamos neste texto, qualquer política pública procura atingir omelhor, mas está sujeita a restrições adicionais que um problema tra-dicional de maximização enfrenta. Assim, a busca de harmonizar osistema tributário nacional (minimizando a guerra fiscal) e enfatizar osobjetivos de eficiência econômica do sistema esbarra em dificuldadescomo a resistência dos estados e municípios em perder competênciapara cobrar o ICMS e o ISS, respectivamente. Além disso, há os obstá-culos da sociedade à adoção de alíquotas uniformes e dos gruposbeneficiados com isenções, que tudo farão para manter o ‘status quo’.

Um ponto importante é que, a despeito de propor uma mudançaprofunda, a proposta do Ministério da Fazenda assenta-se em basestradicionais (renda, consumo e propriedade). Guarda papel apenasresidual para impostos sobre movimentação financeira, ao contráriode outras propostas em discussão na sociedade brasileira como aPEC no 46, que se analisará em seguida. Embora haja simplicidade ebaixo custo em impostos sobre transação financeira, estes não aten-dem à característica desejável de um tributo que é a clareza sobrequem paga e quanto se paga.

Um ponto crítico é que, por alterar profundamente o sistema tribu-tário nacional, essa proposta envolve riscos maiores. Em um mo-mento de consolidação de um plano de estabilização monetária,em que o aspecto fiscal é crucial, não se pode abrir mão de receitaspúblicas. Além dIsso, como é amplamente conhecido, as deman-das sociais por gastos públicos são imensas. Como essa proposta éde autoria do principal responsável pela manutenção da estabilida-de fiscal (Ministério da Fazenda), é de se esperar que esses riscosestejam bem calculados.

Assim como a PEC no 175, a proposta do Ministério da Fazenda seconcentra na tributação do consumo, sem modificações significati-vas na tributação da renda e da propriedade.

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6.5 Proposta de Emenda Constitucional no 46/95

Os objetivos dessa proposta são simplificar radicalmente e moder-nizar o sistema tributário nacional. Para tanto, as principais altera-ções são:

(1) Criação dos impostos sobre:

• movimentação financeira ou transmissão de valores e de créditose direitos de natureza financeira com alíquota máxima de 0,5%;

• produção, circulação, distribuição ou consumo de bebidas, veícu-los, energia, tabaco, petróleo e combustíveis, inclusive derivados;e sobre serviços de telecomunicações ou outros definidos em leicomplementar (podendo ser seletivo);

• comércio exterior;

• renda, com papel residual;

• propriedade imobiliária, com possível progressividade.

(2) Todos os impostos passam a ser instituídos pela União.

(3) Desaparecem as contribuições sobre folha de pagamentos, lucroe faturamento. A fonte de financiamento da seguridade social passaa ser as contribuições do segurado e a receita dos concursos deprognósticos.

(4) A carga tributária máxima fica limitada a 25% do PIB.

Essa é certamente a proposta de reforma mais drástica, principal-mente nos seguintes pontos: (i) atribui papel apenas residual ao im-posto de renda que, apesar de ser tema de discussão internacional(ver, por exemplo, Auerbach, 1997, sobre esse debate nos EstadosUnidos), não foi adotado, pelo que consta, em nenhum dos princi-pais países do mundo; (ii) concentra a tributação sobre o consumoem meia dúzia de produtos, provavelmente de baixa elasticidadede demanda. Nesse sentido, parece inspirar-se no famoso impostode Ramsey [Atkinson e Stiglitz, 1980]; (iii) institucionaliza o impostosobre movimentação financeira, que não encontra correspondência

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em outros países e é fortemente criticado por sua incidência cumula-tiva (o que talvez não seja grave, pois limita a alíquota a 0,5%) epode estimular a desintermediação bancária (o que também é poucoprovável, porque a alíquota é baixa); (iv) limita a carga tributária a umpatamar máximo, o que pode representar uma rigidez exageradado governo; e (v) dificilmente arrecadaria o que promete (25% doPIB) como é no caso do imposto sobre movimentação financeira (es-timado em 5% do PIB), mas com arrecadação da CPMF, que é seme-lhante, de apenas 1% do PIB para uma alíquota apenas um poucomenos da metade da presente na proposta (0,2%).

7 Conclusão

Este texto discutiu alguns aspectos da tributação e analisou o atualsistema tributário brasileiro e três propostas de reforma tributáriapara o Brasil. Assumiu a perspectiva teórica de que o sistema tribu-tário possível é diferente de um sistema tributário ideal em razãodas restrições políticas, econômicas e de informação a que o go-verno se submete ao implementar qualquer política. Por exemplo,a primeira e mais séria restrição é que a carga tributária global nãopode diminuir em razão das dificuldades fiscais do país. Outra grandedificuldade são as disputas das diferentes unidades da Federaçãopor competência impositiva e por recursos.

A proposta inicial do governo (PEC no 175) era muito tímida emrelação à proposta posteriormente apresentada pelo Ministério daFazenda em 1997, e suas novas versões em 1998 e 1999. A PEC no

46 é muito ousada e, talvez, a mais efetiva, por aumentar a eficiên-cia econômica do sistema tributário brasileiro, mas tem poucaschances políticas de aprovação. Este é outro exemplo que servepara ilustrar que a perspectiva teórica assumida neste trabalho − ade que a reforma tributária constitui um problema de ‘second best’− é a mais correta para a compreensão do processo.

Apesar das restrições a uma reforma tributária que atenda perfeita-mente às características ideais, segundo as regras de boa tributa-ção, tornou-se consensual a necessidade de alterar o atual sistematributário brasileiro. Embora não se atinja o melhor, é possível avan-çar em vários pontos.

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