Globalização, Neoliberalismo e Direito- Os Fundamentos Históricos Da Ordem Jurídica Atual Na Percepção Destas Esferas

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Globalizao, Neoliberalismo e Direito: os fundamentos histricos da ordem jurdica atual na percepo destas esferas

Globalizao, Neoliberalismo e Direito: os fundamentos histricos da ordem jurdica atual na percepo destas esferas

Francisco Quintanilha Vras Neto, Mrcia Regina da Silva Quintanilha Vras, Bruno Cozza Saraiva

Resumo: O presente trabalho visa estabelecer a conceituao do termo globalizao apreciado por meio de uma leitura da origem histrica e, necessariamente, sob um prisma cronolgico da atual fase de internacionalizao capitalista. Num segundo momento, o texto se concentrar na anlise crtica dos processos histricos que conduziram a tal cenrio de globalizao econmica e de suas outras dimenses, possibilitando um olhar sobre a influncia da globalizao neoliberal a partir da ordem jurdica atual e sobre os possveis projetos de emancipao social surgidos em detrimento da globalizao neoliberal.

Palavras-chave: Globalizao, Neoliberalismo, Direito.

Abstract: The present work aims to establish the definition of the term globalization appreciated by a reading of the historical origin and necessarily in a chronological perspective of the current phase of capitalist internationalization. Secondly, the text will focus on critical analysis of historical processes that led to such a scenario of economic globalization and its other dimensions, allowing a glimpse into the influence of neoliberal globalization from the current legal system and about the possible projects of emancipation social detriment arising from neoliberal globalization.

Keywords: Globalisation, Neoliberalism, Law.Sumrio: 1. Introduo. 2. Globalizao x mundializao x cticos. 3. Uma viso cronolgica dos processos de constituio da globalizao/mundializao. 4. O direito e as transformaes do capitalismo por etapas at o neoliberalismo. O capitalismo concorrencial e a formatao do direito burgus da modernidade colonial. 5. A fase monopolista imperialista do capitalismo e a constituio de um paradigma jurdico mundial. 6. O contexto dos anos 70, a crise do keynesianismo e as mutaes da ordem social e jurdica. 7. O neoliberalismo e a mudana da formatao jurdica do capitalismo ocidental com o advento da globalizao econmica neoliberal. 8. Globalizao, ps-modernidade celebratria e direito. 9. Um novo lugar para a emancipao e para as formas jurdicas fora do padro regulatrio da razo instrumental (luta pelos direitos fundamentais em suas vrias dimenses e pluralismo jurdico comunitrio participativo). 10. Consideraes finais. Referncias bibliogrficas.

Introduo Este texto visa estabelecer a conceituao do termo globalizao, buscando a origem histrica da atual fase da globalizao sob um prisma cronolgico. Para isso, se esboar uma relao que contextualize a afinidade entre sociedade capitalista e esfera jurdica, especialmente na formao e conquista das vrias geraes/dimenses de direitos humanos. Tambm, sero evidenciadas algumas caractersticas do direito no perodo da internacionalizao capitalista imperialista. De imprescindvel necessidade, o trabalho far uma construo por meio da mutao do capitalismo em crise nos anos 70, com a crise do Keynesianismo e do Welfare State, evidenciando a formao global da ordem discursiva neoliberal/neoconservadora.

No obstante, se remontar aos processos histricos decisivos que conduzem diretamente a fase da globalizao econmica neoliberal e a sua influncia sobre a ordem jurdica. Os dois ltimos itens deste texto se encarregaro da questo da relao entre globalizao, ps-modernidade e neoliberalismo, finalizando com os possveis caminhos de emancipao e regulao que se relacionam com o direito forjado nas ltimas dcadas pela globalizao neoliberal e por sua antpoda, a Altermundializao, com a idia de que outra globalizao possvel.

2. Globalizao x mundializao x cticosEm primeiro lugar necessrio conceituar os termos globalizao e mundializao, relatando a existncia de correntes que negam novidade ao atual processo conceituado como globalizao. A Globalizao - a origem deste termo massificado pela mdia internacional estaria nas escolas de negcios dos EUA. A palavra decorreria de uma ideologia essencialmente propagandeada pelos EUA que, depois da queda do muro de Berlim, visa promover o livre comrcio, a livre circulao de mercadorias e de pessoas (vide o problema do controle migratrio e xenofobia). (JNIOR, 1996).

O termo Mundializao um termo alternativo moldado especialmente por intelectuais crticos da Frana que, colocam a mundializao, como um processo de mutao tecnolgica do capitalismo, de hipertrofia dos mercados financeiros e da crise do Keynesianismo (CHESNAYS, 1996), que promovem um neocolonialismo ligado a expanso dos pases capitalistas centrais sob gide dos EUA e de rgos multilaterais e de organizaes internacionais, como: FMI, OMC, Banco Mundial, OCDE, ONU.

Os Cticos negam qualquer novidade ao processo de globalizao, pois a internacionalizao econmica da economia mundial e a mutao tecnolgica tambm caracterizaram etapas anteriores do sistema capitalista (HELD & MCGREW, 2001). Esta seria apenas uma continuao no linear dos processos anteriores. A seguir, se oferece um breve esboo de algumas fases histricas sob a perspectiva cronolgica dos processos que conduzem a globalizao.

3. Uma viso cronolgica dos processos de constituio da globalizao/mundializaoa- Expanso ultramarina Europia levada a cabo pelas potncias ibricas, inicialmente Portugal, que caracteriza o imprio salvacionista mercantil portugus (RIBEIRO, 2006)[1] e depois a Espanha com a data oficial da descoberta da Amrica em 1492 (O extremo ocidente);

b- A Europa deixa de ser periferia do mundo mulumano que domina o mediterrneo, se inicia o declnio das cidades italianas que monopolizavam o comrcio com o Oriente e se encontra uma rota alternativa pelo Atlntico para a sia contornando a frica e suplantando o bloqueio do Imprio Mulumano que domina Constantinopla em 1453;

c- O incio da aventura martima Ibrica permite a edificao do Mercado Mundial capitalista, o que dar incio as polticas econmicas que se especializaram inicialmente nas mercadorias apreciadas pelos europeus, principalmente especiarias trazidas da sia e, posteriormente, a explorao mineral e das plantations, visando a exportao de tais produtos que daro ensejo a expanso da economia capitalista ampliada no momento seguinte, pela burguesia edificada, como classe mundial, depois da Revoluo Industrial iniciada na Inglaterra. No momento anterior, este processo se inicia com a formao dos Estados Absolutistas com as suas vrias matizes na Europa. Neste momento se define a criao de critrios polticos, como nao, territorialidade, unificao poltica e jurdica e a busca do controle da economia por monoplios exclusivos da Coroa, que daro origem a poltica econmica mercantilista metalista dos Estados Europeus, que iniciaro a conquista do Mundo. Agora, incluindo outras potncias dominantes, como a Holanda, Frana e Inglaterra. Isto d ensejo ao processo de revoluo comercial e expansionista que ditar a moderna colonialidade europia (GONALVES, 2006);

d- O capitalismo fossilista (GONALVES, 2006) se inicia com a Revoluo Industrial, um processo que propicia a formao da economia capitalista partindo do processo de acumulao primitiva. Este processo esteve ligado ida do ouro e da prata latino-americana que, dada por Espanhis e Portugueses para os Ingleses em troca de dvidas, criou as condies financeiras e comerciais para o clima de grande inventividade e inovao tecnolgica que, culmina, paralelamente, com a mquina a vapor. Para se ter uma idia da importncia da Amrica para o capitalismo ingls, do capital usado na Revoluo Industrial era oriundo da acumulao primitiva do capital que veio desta evaso de metais para as metrpoles ibricas, e que so captadas pelos ingleses (MANDEL apud GALEANO, 1990). Esta revoluo tecnolgica que, j se iniciar com o ltimo perodo da Idade Mdia, revoluciona a agricultura a partir da obteno de matrias-primas como fertilizantes para a agricultura extrados de outras reas do planeta. O uso do carvo, uma matriz de combustvel fssil armazenado (GONALVES, 2006) permite uma maior interdependncia da economia mundial com navios e ferrovias interligando o planeta, inclusive com a destruio de populaes nativas americanas nos EUA e em outros recantos da Amrica, em um processo de guerras, doenas, fome e escravido que resultou na morte de mais de 70 milhes de amerndios;

e- No final do sculo XIX, a economia fossilista se expande sob a forma do imperialismo. O cientificismo, o darwinismo social justificam a dominao europia at ento sustentada por dogmas religiosos, ligados a f, a coroa e a espada que deviam ser impostas aos povos nativos pagos e inferiores. O eurocentrismo e o etnocentrismo europeus que, contriburam para o genocdio dos ndios e para o uso da mo-de-obra africana nas monoculturas exportadoras do tempo colonial, so ideologias que asseguram o controle sobre as populaes marginalizadas das colnias, consolidando uma gigante instituio de seqestro colonial do tempo destas massas humanas marginalizadas (ZAFFARONI apud QUINTANILHA, 2007) que agora determinam a abertura dos mercados coloniais realizando guerras por guano, salitre e por outras matrias-primas indispensveis a nova agricultura criada pelo capitalismo industrial. A ideologia central do perodo capitalista concorrencial o liberalismo econmico, que prega a liberdade contratual, a autonomia da vontade e que se funda no dogma da mo invisvel do mercado paralelamente s vantagens comparativas especialmente fundadas em Adam Smith e David Ricardo, respectivamente. A livre concorrncia e a livre competio, sem a interveno estatal, se transformam em dogmas quase religiosos instaurados pela nova cincia econmica. Estes dogmas cristalizam a viso de que o Estado deve se limitar ao gerenciamento da justia, a segurana interna e externa e a garantia das liberdades civis e polticas, cujo gozo ficava praticamente restrito as classes proprietrias dos meios de produo. Estes so os princpios fundamentais desta ideologia que acredita na economia de mercado capitalista regida por leis imutveis similares as da natureza. Esta era a ideologia da Inglaterra industrial triunfante, que inundava o mundo com os produtos de sua indstria, a mais produtiva do mundo e, que abria os mercados dos pases com a sua imensa marinha que expressava o poderio blico do perodo vitoriano. Em detrimento de tal imposio imperialista, acaba conformando a fase da pax britnica, que ser questionada por pases como os EUA de Alexander Hamilton e a Alemanha de Von Liszt, com medidas protecionistas e quebra da propriedade intelectual dos ingleses (RICUPERO, 2003).

4. O direito e as transformaes do capitalismo por etapas at o neoliberalismo. O capitalismo concorrencial e a formatao do direito burgus da modernidade colonialDepois da Revoluo Francesa e do Congresso de Restaurao ocorrido na cidade de Viena no ano de 1815 ocorre a consolidao das foras da restaurao conservadora monrquica europia, foras estas conformadas para suprimir as idias da Revoluo Francesa de 1789 e do ciclo napolenico. Entretanto, as foras liberais que explodem na primavera dos povos de 1848 moldaro com o influxo da Revoluo Industrial o liberalismo e sua doutrina do Estado Mnimo. Este Estado liberal mnimo, tambm chamado de Estado Policial, Gendarme, Carabinieri organizado por uma Constituio Poltica Enxuta com Clusulas Ptreas que se limitavam a alguns direitos civis e polticos surgidos em sua maioria nas Declaraes Inglesas semi-feudais (Bill of Petitions e o Bill of Rights de 1615 e 1689) e ampliadas nas declaraes da Virgnia, na Independncia dos EUA em 1776 e na Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1789.

O Estado Mnimo um Estado que zela apenas pela segurana jurdica, para os interesses das classes proprietrias, para a proteo dos seus negcios jurdicos/contratos e que apelar para a defesa intransigente do sacro santo direito de propriedade privada disposto no art. 17 da Declarao dos Direitos do Homem de 1789 e que renova sua presena no Cdigo Napolenico de 1804, que edifica a segurana jurdica como valor supremo da ordem jurdica legitimada pela burguesia, ou seja, apenas uma minoria passa a ter direito a propriedade, pois esta ficar cada vez mais concentrada pela elite econmica detentora dos meios de produo, fbricas, bancos, terras (MARX, 1998).

A declarao da Virgnia e a Declarao da Independncia de 1776 trazem o universalismo do direito natural utilizado pela Burguesia como justificativa revolucionria contra o ancient-regimen. Outra soluo, foi o compromisso do constitucionalismo ingls que, com o parlamentarismo burgus aristocrtico, pde limitar o poder do rei transformando-o em um Chefe de Estado representante apenas da tradio medieval pregressa.

Este direito se expressava pela defesa da liberdade que geraria o direito a propriedade, o direito vida, a igualdade formal sem distines de classe, religio, apesar da persistncia da escravido e da pobreza estrutural gerada pelos processos de acumulao/pauperizao capitalistas. As garantias processuais como o devido processo legal, a presuno de inocncia, a igualdade do acesso aos cargos pblicos, apesar da existncia de nomeao dos cargos pblicos. Este era o sistema vigente ao longo do sculo XIX, a desapropriao mediante indenizao so exemplos de novos direitos trazidos pelas declaraes burguesas dos direitos do homem e do cidado. O direito a outras liberdades de cunho religioso, poltico relativa a liberdade de associao e reunio tambm faziam parte deste iderio. Os direitos sociais eram vistos como impossveis, o direito greve e a livre associao dos trabalhadores eram proibidos e combatidos pela polcia.

A democracia era censitria, a famosa liberal democracia, o nome da democracia no sufragista do sculo XIX que era fundada no voto qualificado pela renda. Este modelo de democracia representativa exclua os pobres, as mulheres, os jovens e no caso de sociedades coloniais os escravos africanos e os indgenas. O direito penal e o civil do ensejo ao patrimonialismo expresso pelo formalismo do positivismo legal emanado da escola da exegese, pois o juiz apenas a boca da lei de acordo com Montesquieu. Isto abre espao para o movimento da codificao jurdica, expresso do nacionalismo jurdico (DAVID, 1998) que exprimem, por sua vez, a vitria do individualismo jurdico, com a proteo dos bens jurdicos relevantes para a sociedade capitalista central e perifrica.

A seguir nos dirigimos para uma etapa fundamental do capitalismo que fundamenta processos posteriores que conduziro ao capitalismo globalizado contemporneo.

5. A fase monopolista imperialista do capitalismo e a constituio de um paradigma jurdico mundialEsta fase resultara na formao de grandes monoplios privados gerados pela Segunda Revoluo Industrial, devido ao aparecimento do ao, da indstria qumica, eltrica, do petrleo, das ferrovias principalmente inglesa. Neste perodo se desenvolvem grandes conglomerados industriais e financeiros, que daro origem ao capitalismo monopolista da fase imperialista.

Este capitalismo imperialista foi descrito por autores como Lnin, Hilferding, Hobson e Rosa Luxemburgo, com o controle dos grandes capitais por cartis, pela ampliao do contencioso blico internacional em busca da abertura de mercados e de novas fontes de matrias primas para os imperialismos emergentes.

Estas potncias imperialistas daro expresso ao genocdio da Primeira e Segunda guerras mundiais que, resultaro conjuntamente, na carnificina resultante na morte de mais de 70 milhes de pessoas, com a separao das burguesias imperialistas dos vrios Estados Nacionais que se industrializaram como EUA, Alemanha, Japo, Itlia, Frana, Inglaterra, Blgica, que entram em choque, processo hoje amortecido pela formao de blocos comerciais regionais que distribuem provisoriamente o poder entre as grandes potncias econmicas.

Esta geopoltica de atritos imperialistas tambm se formatou como estopim da Segunda Grande Guerra, com o revide do imperialismo alemo humilhado pelo Tratado de Versalhes e como reao do empresariado alemo e dos setores reacionrios daquela sociedade, contra a crise econmica e contra a expanso dos movimentos comunistas insuflados pelo endividamento daquele pas, com inflao, desemprego e fome ampliados, o cenrio de crise ideal para o surgimento dos Estados Totalitrios e de bodes expiatrios para a crise, que foi vista como oportunidade essencial para a ascenso dos regimes fascistas. A disputa por mercados consumidores para seus produtos e de matrias-primas levam ao expansionismo territorial e, as novas idias de segregao, como o modelo racista com financiamento de estamentos sociais militares e civis por grandes empresas como foi o caso do corporativismo italiano de Mussolini ou do Nazismo de Hitler na Alemanha.

A expanso do socialismo sovitico depois de 1917 tambm representava ameaa no ignorada pelo modelo capitalista destes pases, conduzindo ao extermnio brutal de 11 milhes de pessoas em campos de concentrao, 6 milhes de judeus, muitos comunistas, ciganos, eslavos, portadores de deficincias, testemunhas de Jeov, etc. O positivismo jurdico referenda este Estado de Exceo atravs de doutrinas jurdicas como o decisionismo poltico do jurista alemo Karl Schmitt que garante a ascenso democrtica de Hitler. O reflexo do totalitarismo de direita e dos expurgos de Stalin da URSS, assim como dos massacres aliados em Dresden com fsforo branco jogado sobre civis, com mais de 200 mil mortes e das bombas atmicas de Hiroshima e Nagasaki, surge, a partir desta brutalidade internacional, a Declarao dos Direitos Humanos de 1948, que configura o crime de genocdio devido classe, a raa e religio. O crime de genocdio, promovido por motivos polticos, eliminado sobre presso de Stalin e serve para dificultar a condenao das ditaduras do Cone Sul por seus crimes polticos cometidos nos anos 60, 70 e 80 no Brasil, Chile, Uruguai e Argentina (KLEIN, 2008). O novo paradigma jurdico permite a consolidao das geraes de direitos humanos que na leitura atual devem ser lidas como dimenses de direitos humanos (SARLET, 2008), pois os mesmos so complementares, interdependentes e indivisveis, com adaptaes regionais e uso, muitas vezes distorcidos, por potncias ocidentais imperialistas.

Os direitos sociais so essenciais para o desenvolvimento da temtica da globalizao. Estes direitos foram reivindicados, principalmente, a partir da metade do sculo XIX, o direito ao trabalho, a limitao das jornadas de trabalho, o descanso semanal remunerado, especialmente aos domingos, so produtos das reivindicaes conduzidas por grupos socialistas e comunistas. A reivindicao de um salrio mnimo, de frias, a proibio do trabalho de crianas, idosos e mulheres surge do combate de setores do operariado, da pequena burguesia e at de filantropos apregoadores do socialismo pr-marxista, tambm chamado de utpicos pelos marxistas.

O capital nesta conjuntura histrica cede sob presso intensiva das lutas sociais em alguns campos, com a conquista das primeiras legislaes sociais deste perodo devido a presso de organizaes socialistas, comunistas e anarquistas que lutam contra a acumulao e misria geradas pela Revoluo Industrial, necessariamente, se utilizando da solidariedade e igualdade material. A igualdade material conceituada hoje, como igualdade de resultados, a efetividade e eficcia social de um direito, que hoje correlacionamos ao exerccio e gozo concreto, real dos direitos e no apenas a sua declarao e uso discursivo ideolgico por declaraes de direitos e pelas constituies.

Hoje, no apenas declarada conforme a tradio da liberal democracia excludente do sculo XIX, mas garantida pela luta em prol da efetividade dos direitos sociais que, ao menos, reduzem a desvantagem econmica dos trabalhadores e de grupos que so vtimas da pauperizao capitalista que reduz seus efetivos com inovao tecnolgica (mais valia relativa) em perodos de recesso prolongados, que ampliam o exrcito industrial de reserva, hoje conhecido como desemprego estrutural, ou seja, os trabalhadores rechaados do mercado de trabalho tm salrios reduzidos e, os sindicatos, principalmente se ocorrer uma presso poltica intensa como a empreendida hoje pelos setores neoliberais, perdem a capacidade de organizao.

A idia dos hiposuficientes que, pode ser analogamente colocada como ao afirmativa, no sentido de aes dirigidas para a proteo destes grupos em desvantagem (GOLDSHIMT, 2008), encara estes grupos como indivduos ou grupos mais fracos nas relaes sociais, devendo ser mediados por iniciativas jurdicas que reduzam esta desigualdade, promovendo a incluso e tratando desigualmente os desiguais. Por meio de mecanismos seletivos que visam igualdade material para mulheres, negros, consumidores, homossexuais, amerndios, portadores de necessidades especiais, crianas, adolescentes, idosos, obesos, por meio de legislaes protetivas como a CLT, Cdigo de Defesa do Consumidor, Estatuto da Igualdade Racial. Assim como os incisos do artigo 7 da Constituio da Repblica de 1988, como proteo contra automao do mercado de trabalho, proteo do mercado de trabalho para as mulheres. Esta luta pelos direitos sociais encontra expresso fundamental no passado, em resultados jurdicos das lutas de movimentos sociais expressos na Constituio da Repblica Mexicana de 1917, demonstrao direta da luta dos camponeses e indgenas liderados por Pancho Villa e Emiliano Zapata e, tambm, da Revoluo Russa de 1917 conduzida pelos bolcheviques e do constitucionalismo social da Repblica de Weimar em 1918, apesar do retrocesso posterior aqui j frisado.

Esta ltima Carta Constitucional oriunda da imposio do Tratado de Versalhes mediada pela social-democracia alem que, infelizmente, anteriormente havia se rendido ao imperialismo nacionalista votando pelos crditos de guerra que posicionam a Alemanha na primeira guerra-mundial sob a crtica de setores da esquerda revolucionria, como a liga espartaquista de Rosa Luxemburgo assassinada pelos frei corps criados anteriormente pela prpria social-democracia alem em 1918 no Putch de Munique.

6. O contexto dos anos 70, a crise do keynesianismo e as mutaes da ordem social e jurdica No contexto dos anos 70 o modelo Keynesiano, inaugurado aps a crise de 1929, funde-se ao fordismo. O fordismo aceitava o paradigma social de salrios mais elevados para criar demanda. O Estado, por meio de obras pblicas e do fomento financeiro das atividades produtivas, garantia o fortalecimento do mercado interno e induzia o crescimento econmico acelerado, gerando a expectativa do pleno emprego previsto hoje no art. 170, inciso VIII- a busca do pleno emprego da Constituio Brasileira de 1988, situado no Ttulo VII da Ordem Econmica e Financeira, no Captulo I Dos Princpios Gerais da Atividade Econmica.

Na dcada de 70 do sculo XX se inaugura um novo perodo de crise do capitalismo. Porm, o mesmo apresenta ciclos de aprofundamento das crises e de recuperao econmica, induzida pelo fim de guerras, recuperao de quebras de bolsas financeiras e pelo surgimento de novos setores competitivos induzidos pela inovao tecnolgica. O primeiro e segundo choques do petrleo, respectivamente, ocorridos em 1973 e 1979 criam um mercado de petrodlares conseguidos pela supervalorizao das commodities do material fssil, que so captados pela OPEP e utilizados como emprstimos por bancos dos EUA e da Europa, os petrodlares (ARRIGH, 1996).

Neste cenrio de endividamento provocado pela crise do petrleo, os pases no conseguem fechar suas balanas comerciais devido ao desequilbrio de importaes de petrleo e de exportaes que, principalmente no terceiro mundo, se combinam com o efeito desastroso da queda do preo das commodities agrcolas e extrativas dos pases subdesenvolvidos (BATISTA, 1994). Os emprstimos feitos pelos bancos credores para estes devedores so marcados pelos juros flutuantes. Logo as dvidas dos pases pobres tm um crescimento exponencial. A sistemtica dos emprstimos privados efetuados para o Estado ocasiona uma exploso da dvida interna pblica. O Estado endividado, externa e internamente, se sujeita ao novo paradigma econmico que comeara a se formar organicamente como poltica do multilateralismo dos pases centrais nos anos 80, j testada no laboratrio macroeconmico do Chile de Pinochet nos anos 70.

7. O neoliberalismo e a mudana da formatao jurdica do capitalismo ocidental com o advento da globalizao econmica neoliberalO neoliberalismo uma doutrina econmica criada principalmente por Friedrich Hayek, um austraco que repudiava o Estado de Bem Estar Social (Welfare State) Europeu, para ele, o Estado intervencionista conduzia ao Caminho da Servido. Uma sociedade que acabaria com o esprito da liberdade econmica, livre iniciativa e concorrncia privadas, modelos naturais que estariam sendo arruinados pelas polticas intervencionistas estatais, criando uma sociedade burocratiza e sem liberdade econmica. Para outros autores como Polanyi (1980), o Keynesianismo tinha feito o contrrio, acabado com o moinho satnico do liberalismo econmico desenfreado do final do sculo XIX e do incio do sculo XX. A justia e a igualdade social para eles seriam antinaturais, pois levariam a seleo de indivduos mais fracos. A lei da evoluo e adaptao dos mais fortes de acordo com o darwnismo social seria abalada. Hayek, juntamente com Ludwig Von Mises e Milton Friedman, formou um pequeno grupo que se reuniu inicialmente em Mont Pelerin, Sua nos anos 50. Estes economistas eram desacreditados no plano acadmico e nas polticas estatais dos anos 50 e 60 compostas, hegemonicamente, pelo Keynesianismo Rooseveltiano dos EUA, pela Social Democracia Alem e pelo Eurocomunista da Itlia.

Milton Friedman, professor e apresentador de programas de rdio e aluno de Hayek, logo se tornar o lder deste movimento, principalmente com sua obra mais popular, Capitalismo e Liberdade. Sendo premiado aps a sua experincia como doutrinador econmico na ditadura Chilena com o prmio Nobel de economia de 1976 em detrimento de seus trabalhos sobre o papel do dinheiro na inflao e o uso da poltica monetria, uma premiao poltica, pois o saber promovido pelo renomado monetarista se encaixava como uma luva para as empresas transnacionais no perodo da guerra fria, vide que o prprio golpe chileno foi promovido com apoio da International Telephone and Telegraph e permitiu o laboratrio totalitrio vital para a experincia de choque dos monetaristas neoliberais/neoconservadores (KLEIN, 2008). Friedman afirma aquilo que os capitalistas corporativos dos EUA e do mundo queriam ouvir e no podiam falar, pois seriam taxados de Bares ladres, em aluso ao empresariado explorador e especulador que tinham conduzido a quebradeira mundial em 1929 (KLEIN, 2008).

Friedman falecido em 2006 era amigo de grandes empresrios como o presidente do Citigroup. (KLEIN, 2008) A sua ideologia fundamentalista de mercado caracterizada pela simplificidade das argumentaes e pela completude lgica, um precioso carter de difuso, pois a mesma possibilitava a sua divulgao, para um grande pblico, da mesma forma que o marxismo, este ltimo, sendo a ideologia de luta dos trabalhadores. Friedman cria um corpo doutrinrio, que uma ideologia de defesa das classes proprietrias capitalistas. (KLEIN, 2008) O seu discurso defende a supresso das vantagens salariais trabalhistas, o fim do poder dos sindicatos, a reduo dos impostos para o setor empresarial, caracterizado pela taxao progressiva, onde os mais ricos deviam pagar mais. Para Friedman estes devem ser desonerados, a tese do imposto nico implementado no Iraque com efeitos desastrosos sobre a economia do pas faz parte desta premissa irrealista de uma economia de mercado, sem distores, ou seja, sem interveno governamental. (KLEIN, 2008)

A demisso de funcionrios pblicos, o fechamento ou a privatizao dos servios pblicos lucrativos, que existem sobre a forma de monoplios naturais, como o setor eltrico, so empurrados para a iniciativa privada, que se despreocupa com o interesse pblico, buscando lucros para serem remetidos ao exterior e no reinvestidos internamente que, segundo a antiga marchinha de carnaval que levou a nacionalizao destes servios na era Vargas, de dia falta gua, de noite falta luz, este era o caso da Eletric Bond and Share do Canad, que controlava o servio de energia eltrica na antiga capital federal, Rio de Janeiro.

Os salrios baixos, a expanso do desemprego e a inovao tecnolgica renovando a produtividade, conjuntamente com terceirizao e reduo do direito de greve, so ferramentas para reerguer a acumulao capitalista que, para os membros do neoliberalismo nos EUA, designados como neoconservadores a receita para a verdadeira liberdade, especialmente para os empresrios que se tornaram bilionrios, podendo ter a vida livre de fronteiras nacionais e dos limites da acumulao abusiva e egosta aos custos das vidas de milhes. Renem-se, a, elementos para a formao de estados de insatisfao, frustrao e violncia e a reproduo de uma caracterstica da modernidade (que a mesma caracterstica de espcies sob estresse ecossistmico): todos contra todos. (DIAS, 2004, p. 93) O que se reflete inclusive na impunidade destes agentes pelo sistema judicirio, especialmente quando envolvidos com prticas como a dos crimes do colarinho branco. Os grandes obstculos dos neoliberais ou neoconservadores era o de encontrar um lugar para implementar suas polticas. A grande chance lhes era sonegada nos EUA e na Europa, l eles preferiam os economistas formados em Harvard, Yale que eram Keynesianos ou de ideologia social-democrata distributiva e no comunista.

A grande chance destes idelogos do neoliberalismo surgiu no Chile, com a ditadura de Pinochet, a partir da queda manipulada do socialista Salvador Allende, com a participao da CIA e da ITT. O modelo de Allende era apoiado na expectativa de um socialismo democrtico, em que as polticas socialistas seriam feitas atravs de uma plataforma democrtica, sem a violncia aplicada na primeira onda revolucionria Russa. Ral Prebisch, um pesquisador da Cepal com sede em Santiago do Chile, preconizava a valorizao das experincias de substituio de importaes, que estavam levando ao desenvolvimento dos pases do Cone Sul, como Argentina, Uruguai, Chile e Brasil (KLEIN, 2008) especialmente evidente no perodo nacional desenvolvimentista do segundo governo Vargas (1951-1954), em que ocorre a aliana com setores da esquerda, inclusive a comunista, e, posteriormente, no momento de nacionalismo econmico expresso pelo presidente deposto pelo golpe civil-militar Joo Goulart que avana com as reformas de base: agrria, educacional, aumento do salrio mnimo e controle da remessa dos lucros das multinacionais (KLEIN, 2008). As polticas de industrializao autnoma da regio, a proposio de investimentos massivos em educao, sade, previdncia social e reforma agrria fortaleciam as economias e sociedades da regio, com a reduo do analfabetismo e das desigualdades econmicas. A organizao sindical ampliava os salrios dos trabalhadores e a produo de Know How tecnolgico local avanava, possibilitando um avano da regio rompendo com a dependncia imperialista at ento hegemnica (KLEIN, 2008).

Esta mudana era essencialmente rpida e ameaadora para os pases capitalistas centrais e para os economistas da escola de Chicago. A supresso destas experincias e a imposio do capitalismo selvagem que, funcionaria segundo o modelo natural, embora o capitalismo fosse um sistema com apenas 200 anos, e o ser humano surge na terra a 2 milhes de anos e assume a forma atual a 100 mil anos, com diferentes culturas e arranjos econmicos que no deviam ser naturais anteriormente, pois no eram capitalistas, embora as leis de Darwin tenham sido respeitadas, pois seno teramos sido extintos por contrariar a natureza, sem o esprito da livre iniciativa dos homens das cavernas ou das sociedades da antiguidade, teocrticas, escravagistas, ajustadas a explorao, mais sem o modelo representado pela sociedade de mercado monetria capitalista contempornea.

A Escola de Chicago assume uma importante parceria com a Universidade Catlica do Chile j antes da queda de Allende, coloca homens de confiana nos ministrios econmicos de Pinochet, Luis Pinedo e Jorge Castro que iniciam os movimentos de privatizao, abertura para o capital estrangeiro e combinam isto com a teoria do choque, a aplicao do modelo maquiaveliano de destruio rpida e distribuio de compensaes em conta-gotas, preconizado por economistas como Friedman e Arnold Harberger. O golpe nos inimigos, nos setores de oposio, imediato. Com o extermnio da oposio por assassinato e por tortura, vide a situao do Estdio Nacional do Chile. Os membros da oposio eram variados: nacionalistas, militares legalistas, comunistas, estudantes, sindicalista urbanos, religiosos progressistas e sindicalistas rurais, a poltica externa dos EUA desenhada por Kissinger avana na violao sistemtica dos direitos fundamentais do ser humano (KLEIN, 2008).

Na Argentina e Uruguai, os mtodos de extermnio das ditaduras do cone sul que iniciam a difuso de parte do receiturio liberal, abrangem vos de avio sobre o mar e os arremessos dos corpos com o abdmen cortado, para os corpos afundarem. Na argentina, os bebs das vtimas so doados para os prprios militares integrantes do sistema totalitrio. A herana ditatorial vista at hoje, nas mes da praa de maio. Os relatrios, como no Brasil, Nunca Mais tambm apontam esta lembrana macabra do totalitarismo econmico. Nos pases do Cone Sul as sedes de empresas multinacionais eram utilizadas pelos rgos de represso e eram oportunas para estas empresas que eliminavam os lderes sindicais (KLEIN, 2008).

O modelo econmico neoliberal sobrevive custa do fascismo social ampliado que, depois da imposio dos planos de ajustamento estrutural por Gefrey Sachs na Bolvia, permite a adoo da idia, de que no apenas a ditadura, mas a democracia capitalista formal, tambm podia adotar projetos de ajustamento estrutural. No havia uma dissociao absoluta entre democracia e mercados (KLEIN, 2008), os dois podiam at mesmo conviver e, as instituies de governanas multilateral global criadas pelos Keynesianos nos anos 40, mais especificamente em Breton Woods em 1944 agora se convertiam a aplicao impiedosa e acrtica destes preceitos de teoria econmica dura, somente nmeros, as vtimas eram apenas efeitos colaterais, meras cobaias do ajustamento estrutural. O paradigma econmico convencional Keynesiano descartado por estas instituies nos anos 80. Os economistas da escola de Chicago passam a dominar estas instituies, o inimigo comunista substitudo pelo inimigo inflacionrio e pelo combate as dvidas externas e internas criadas nos anos 70 e 80. O projeto neoliberal tambm avana nos anos 80, com as demisses de 11 mil controladores de vo nos EUA, em 1981 por Ronald Reagan e pela poltica privatista de Margareth Tatcher que vence os mineiros britnicos em 1985, aps ter sua popularidade salva pela guerra das Malvinas em 1982 (KLEIN, 2008).

Os pases deviam abdicar de sua soberania poltica e econmica e adotar as medidas sugeridas pelo FMI e Banco Mundial em troca de emprstimos que fechariam as suas contas. A soberania economia agora seria compartilhada. A situao destas economias torna-se cada vez mais problemtica sob a aplicao de remdios amargos, que levam o paciente ao bito. As privatizaes atingem a infra-estrutura especialmente dos setores lucrativos, no caso do Brasil, energia, telecomunicaes e minerao. A privatizao dos prprios recursos naturais, cada vez mais escassos, como gua, abundante em fontes como o aqfero guarani so assediadas por grandes empresas como Coca-Cola e Nestl e se estendendo para sade, educao, presdios. No h limites, basta colocar os economistas certos, nos locais certos e eles faro o servio sem remorso.

Para estes idelogos fundamentalistas de mercado, alimentados pela idia de que esto fazendo cincia, o governo essencialmente ruim e quem compra as empresas e terceiriza as atividades e os ativos estatais como a Vale do Rio Doce e a Embraer, as duas maiores exportadoras brasileiras so as grandes transnacionais como a Telefnica da Espanha (Espanha), Grupo Stet (Itlia), AES (EUA), Eletricit de France (uma estatal francesa) que garantem a boa governana da economia pelo mercado e o respeito de futuros investidores internacionais. No importando se isto resultar na desnacionalizao econmica como a do setor de autopeas e txtil de nosso pas, resultando em grandes implicaes no sul e sudeste do pas. Um dos problemas que toda a rede de incubao tecnolgica de novas empresas pelo setor estatal, as pesquisas e os empregos so perdidos para o pas, alm disto, as importaes das empresas compradas so ampliadas desestabilizando a balana comercial. Para cada dlar investido, 4 so remetidos para o exterior (BENAYON, 2003).

A adoo destas medidas facilitada pelo apoio da mdia geralmente favorvel as decises econmicas tidas como cientficas, tcnicas, neutras e necessrias. Agncias como o SEBRAE, dentre outras, afirmavam nos anos 90 as virtudes da livre iniciativa que, realmente existem, mais no falavam de seus riscos. Sendo que grande parte das pequenas empresas sem apoio governamental por via dos emprstimos ou de uma incubao tcnica acabam falindo, pois no tem escala e dependem do crescimento econmico para sobreviverem s agruras das conjunturas econmicas incertas. Assim, muitos trabalhadores de estatais aplicavam seus recursos dos Planos de Demisses Voluntrias e se afundavam em iniciativas mal sucedidas, crendo nos poderes miraculosos do livre mercado. O futuro ser promissor se fizermos corretamente o nosso dever de casa, este o slogan permanente divulgado na mdia escrita e falada, especialmente a do Sudeste do pas, com ramificaes em outras regies, explicitando que as benesses do choque econmico viro num futuro radiante, futuro esse, sempre distante. Os setores dissidentes so rotulados e estigmatizados como baderneiros, dinossauros, verdadeiros idiotas coletivos a servio do atraso, do isolamento, nostlgicos do comunismo fracassado.

Estas pessoas so associadas ao atraso, ao anacronismo. As minorias, mfias realmente existentes so utilizadas para justificar estas polticas, como no caso da previdncia social ao invs de se lutar pelo controle social e transparncia da atividade estatal, as mfias de uma minoria de servidores corruptos so usadas como ttica para proposta de privatizao que geraro megalucros para setores monopolistas privados, sendo reflexo o sucateamento da sade, que leva ao crescimento da medicina privada criando demandas da justia pela ineficcia destas prestadoras privadas da rea da sada. Dando origem a uma grande litigiosidade judicial para conseguir remdios e o cumprimento das clusulas dos planos de sade, geralmente abusivas ao usurio. A vida vale bem menos que os lucros, um problema que, tambm, atinge os EUA, dominado por mega seguradoras que deixam seus usurios em situaes precrias, sem atendimento quando realmente precisam.

As estatsticas muitas vezes anedticas e artificialmente fabricadas para justificar os planos de ajustamento estrutural so divulgadas pela mdia, com total descaso a estatsticas e pesquisas que dizem exatamente o contrrio, por exemplo, estatsticas do Banco Mundial, reduzem a pobreza, colocando nesta condio apenas quem ganha menos de 1 dlar por dia (CHOSSUDOVISKY, 2001). Talvez George Orwel tivesse razo, o Big Brother e a revoluo dos bichos so responsveis pela fabricao das subjetividades (GUATARI apud GONALVES, 2006), pela manufatura do consenso. (CHOMSKY, 2001)

O senso comum conservador, criado pela mdia, favorece a alienao e a aceitao passiva das polticas do totalitarismo de mercado sem maiores resistncias ou contestaes, pois inevitvel um caminho de mo nica, inexorvel, determinista como as leis da natureza tpicas da cincia do sculo XIX. As leis do mercado so como as da gravidade para estes autores, no podem ser abolidas, ao menos enquanto a terra tiver um ncleo magntico. Os frutos destas polticas como desemprego, fome, crescimento da economia informal (subterrnea para alguns), da violncia, das drogas, do abuso e da prostituio infantil so associadas s causas, pois a febre est associada a uma infeco, a crise social contempornea aos planos de ajustamento estrutural que, felizmente, tm sido revistos por experincias satanizadas pela mdia tupiniquim e internacional, como as do Equador, Bolvia, Venezuela e de forma mais leve pela do Uruguai, Argentina e at mesmo pela do Brasil.

A infeco gerada por polticas de austeridade que fortalecem o status quo so ignoradas pela literatura normativa convencionada por economistas que criam uma cincia que no mais existe no mundo real, pois baseada em verdades absolutas do tipo matemticas, que podem existir no pas de Alice, de Lewis Carrol, por sinal, um matemtico. Estas so leis naturais precisas guiadas por um determinismo histrico, como aquele apologizado pelas teorias do fim da histria de Francis Fukuyama (ANDERSON, 1999). A escatologia, o messianismo to criticado quando adotados pela esquerda, mais vistos como virtudes das teorias laicas apregoadoras do mercado. Os fracos, os vulnerveis so culpados pelo seu prprio fracasso. Os indivduos, ou seja, aqueles que trabalham e produzem a riqueza atravs da mais-valia que so culpados, pois no se qualificaram no se educaram no se esforaram o bastante para achar um nicho no mercado concorrencial.

Aqueles que ficam parados, especulando, ou vivendo de ganhos da herana de milionrios so os que realmente merecem a remunerao plena do capital, pois fizeram por merecer. A naturalizao e banalizao da injustia social no so associadas s formas de genocdio econmico contemporneo que vem justamente ancorado no fundamentalismo de mercado, na ideologia da globalizao econmica neoliberal fortalecida pela queda do muro de Berlim e pela formulao do Consenso de Washington por John Willianson, o principal organizador do libelo neoliberal em 1989. A misria crescente e a violncia, a epidemia de AIDS na frica, no so associadas a estas polticas genocidas, conforme a obra, Confisses de um genocida econmico que evidencia o seu papel na desestabilizao da economia Boliviana (PERKINS, 2005). O Horror econmico (FORRESTER, 1997) torna-se a regra banalizada pela globalizao econmica neoliberal. Os produtos de luxo jorram para minorias prsperas entrincheiradas, o consumo narcisista ampliado, inclusive os seres humanos se tornam vtimas do crime organizado para nutrir perversas organizaes criminosas voltadas para a pedofilia, trfico de armas, drogas, animais, mulheres, escravos, inclusive em nosso pas.

Ningum nega os atrativos do livre mercado, para os que podem comprar mercadorias, mas os riscos sociais e a reflexividade so ampliadas (BECK apud GONALVES, 2006), no sentido do retorno imprevisto de nossas prprias aes de agresso da natureza e da sociedade. O retorno negativo proporcionado por aes irracionais em situaes complexas torna-se a regra geral. O problema no propriamente o mercado, mais o tipo de mercado monopolista descontrolado, voltado explorao e ao consumo insustentvel da natureza. As cadeias produtivas acabam contaminadas pelo crime. Nos processos de subcontratao, para obter ferro gusa, por exemplo, a indstria acaba comprando o carvo de olarias clandestinas, que consomem biomas como o cerrado brasileiro. Enquanto que a floresta amaznica consumida pela grilagem, com desmatamento que produz madeira ilegal, com a criao de gado e depois de soja resultando na destruio da floresta para que o rebanho suno europeu possa consumir soja transgnica barata, reforando os monoplios comerciais de empresas como Monsanto e Cargill, retroalimentando mudanas climticas, destruio massiva da biodiversidade, risco maior de pandemias com possibilidade terrveis e irreversveis desastres ambientais futuros.

Estes riscos so ampliados, principalmente quando so adiadas mudanas necessrias para a implementao de um projeto de sociedade mais sustentvel, democrtico e baseado na cooperao, que exerce um papel essencial para vida do planeta, desde o mutualismo, comensalismo, at a simbiose. Nem s de predatismo darwinista vive e se encerra o processo de adaptao e evoluo biolgica da vida no planeta. O paradigma simplificador e ideolgico banalizado, a complexidade e o princpio da incerteza so ignorados, o egosmo cego do mercado prefere se comportar de forma irresponsvel diante do choque iminente, no o civilizatrio (HUTINGTON, 2001), mas o apocalipse social e ambiental da barbrie que j se anuncia em nosso cotidiano, atravs de novos Holocaustos Coloniais. (DAVIS, 2002)

O comportamento supostamente racional dos atores do mercado provoca anarquia econmica e crises financeiras geradas por bolsas especulativas. O resultado a ampliao da xenofobia, do racismo, do sexismo, dos separatismos, do terrorismo e do reforo de identidades tribais atvicas, clnicas, desde o crime organizado aos cls de pases como Paquisto e Afeganisto, no que Alan Minc chamou de Nova Idade Mdia em que os ricos criam reas de segurana exclusivas, condomnio de luxo isolados com todo o conforto para fugir de seqestros e da violncia urbana que assola as classes mdias e camadas populares sitiadas. (SANTOS, 2006)

Estas por sua vez, guiadas pelo pnico, reivindicam legislaes penais mais severas, cada vez mais draconianas, com encarceramento em massa, no caso dos EUA, de quase 3% da populao total do pas, com a privatizao de presdios e da segurana privada nacional para atuar na guerra externa contra o terrorismo, alimentando uma indstria de 200 bilhes de dlares somente para os EUA. (KLEIN, 2008)

Este o Estado Paternalista Penal consumido pela ideologia de segurana nacional dos falces de Washington contra o terrorismo e dirigida contra imigrantes. A militarizao dos conflitos agrrios, a construo da noo de inimigo pela mdia gera as condies para a imposio do Estado de Exceo cujos modelos totalitrios de direita foram moldados especialmente pelo nazi-facismo, embora o fascismo contemporneo seja difuso, criado pela Lex mercatoria exponenciada, ainda que os regimes que os apliquem sejam repressivos como o Peru de Fujimori, a Argentina de Menen, a Venezuela do Caracazo de Carlos Andr Peres, o Mxico do PRI (Partido Revolucionrio Institucional) de Salinas de Gortari e seu irmo, que se beneficiaram da privatizao oligrquica favorecedora dos irmos.

O prprio Brasil de Collor e FHC experimentou momentos de interveno violenta em greves como a dos Petroleiros e contra movimentos como os sem-terra, vide o massacre de Eldorado dos Carajs ocorrido no Estado do Par, uma verdadeira violao dos direitos humanos, parte de um processo que j custou mais de 2 mil vidas no campo, com a vitimizao de agressores e demonizao de muitas vtimas e lideranas de movimentos sociais rurais, ambientais, indgenas, de excludos da moradia nas cidades. O sensacionalismo, a informao massificada triunfam subliminarmente em uma verdadeira lavagem cerebral da opinio publica (BORDIEU, 1998), poluda pelo excesso de imagens, pela narrativa manipuladora e, tambm, pela distoro das noes de justia e de bem comum decorrentes da fragmentao e da descontinuidade da ps-modernidade celebratria, contemplativa, aptica e alienada.

8. Globalizao, ps-modernidade celebratria e direitoA globalizao, que questionada pelos cticos que a equiparam a um momento diferenciado da internacionalizao capitalista iniciada nos sculos anteriores (HELD, 2001), pode ser vista como um processo de mutao do mundo do trabalho pelas tecnologias, que teria promovido inclusive a perda da centralidade do mundo do trabalho, que perde seu potencial de centralidade nas sociedades contemporneas.

Para autores como Antunes, a classe que vive do trabalho (ANTUNES, 2000), a liofidizao da produo, a descartabilidade dos produtos e a tecnocincia apenas exponenciam os processos de extrao da mais valia absoluta, pela extenso da jornada de trabalho e pela substituio do trabalho vivo pelo trabalho morto, do capital varivel pelo capital constante (MARX, 1983), ou seja, a substituio do homem pela mquina, para acelerar a produtividade e reduzir o poder de barganha, acentuando o controle sobre a classe trabalhadora. A produo toyotista, sem estoques, com a introduo da microeletrnica, de equipes de trabalho cooperativas, de sindicatos facilitadores, visando o consumidor e no mais o conflito de classes contra o capital, altera sensivelmente o horizonte psicolgico e da formatao da conscincia da classe trabalhadora. A produo reduz as crises cclicas de superproduo sobre oferta de produtos para uma demanda reduzida de trabalhadores e da classe mdia mais empobrecida pela recesso que espalha desemprego e reduo de salrios sobre a classe trabalhadora.

A ps-modernidade gera uma percepo maior dos processos de entropia, dos processos caticos. A fragmentao, o consumismo, a expanso da tecnologia informacional. A perspectiva passa a ser centrada na vida privada, no cotidiano, na acentuao de diferenas identitrias, ao lado de tendncias de homogeneizao imposta pela expanso comercial dos modelos consumistas do American Way of Life. A mesma lgica se baseia no relativismo absoluto e no no relativismo razovel oriundo do interculturalismo, dentro da busca de uma hermenutica diatpica ps-colonial. (SANTOS, 2006) A superao da colonialidade do saber e do pensar do sul, preso que est ao eurocntrismo. A capacidade de pensar o sul, a partir de outro paradigma diferenciado da razo indolente. (SANTOS, 2006)

A organizao da comunidade de vtimas, no que Dussel define como transmodernidade. (DUSSEL, 2000) A fuso de vrias identidades mestias de nossa regio. A criao de uma epistemologia do sul, o sulear de Paulo Freire, a inverso da idia de um norte ocidental, eurocntrismo logocentrismo, falocntrismo de acordo com Jacques Derrida que, ao lado de Franois Lyotard e Jean Braudillard so cones do pensamento ps-moderno europeu. A ps-modernidade gera reflexos para a ordem jurdica, a descentralizao, o policntrismo, a idia de complexidade do lugar da simplicidade. A fragmentao do direito em subsistemas jurdicos e principiolgicos fundados em valores ps-positivistas e transconstitucionais. A construo de novas hermenuticas situadas no campo da regulao e da emancipao situa este quadro multifacetrio da globalizao em sua vertente neoconservadora e das lutas dos movimentos sociais que visam super-la sob o prisma ecossocialista, por exemplo.

9. Um novo lugar para a emancipao e para as formas jurdicas fora do padro regulatrio da razo instrumental (luta pelos direitos fundamentais em suas vrias dimenses e pluralismo jurdico comunitrio participativo)A leitura da barbrie visvel em alguns aspectos da sociedade contempornea, no pode ser unilateral. A emancipao, a busca da autonomia, faz parte dos desejos e da prxis humana. O direito um instrumento de gesto, controle e possivelmente no plano utpico, um espao de construo de uma maior liberdade e igualdade entre os homens. A fragmentao dos sistemas jurdicos gera, potencialmente, novos espaos para aes afirmativas que podem potencializar aspectos do universalismo dos direitos humanos. Os espaos de construo social, comunitria, expandindo os limites da democracia formal, podem resultar em novas formas de autogesto econmica ainda no conformadoras de um novo modo de produo, atualmente localizados apenas como novas formas de produzir e administrar a crise implementada pela sociabilizao negativa da globalizao econmica neoliberal (BARBOSA, 2007).

O Estatuto das Cidades, o Estatuto dos Idosos, o Estatuto da Igualdade Racial, anteriormente o Estatuto da Criana e Adolescente, o Cdigo do Consumidor, os Juizados Especiais, a arbitragem, embora pudessem estar ligados a projetos de fragmentao descentralizadora do Estado, podem ser efetivados sob o controle da sociedade civil mediada pelo, democratizando novos espaos de construo de uma cidadania material e de legitimao de mecanismos de controle informal de constitucionalidade das leis, por movimentos sociais de luta pela terra, pela moradia, por direitos de minorias negras, homossexuais, povos amerndios, portadores de necessidades especiais, consumidores, ambientalistas, ecologistas e grupos que buscam ampliar os espaos pblicos.

A sociedade civil, no no esquema eurocntrico triadico Habermasiano de um equilbrio lingstico e de um poder real e comunicacional entre Estado, Mercado e Sociedade Civil to adaptado aos projetos do terceiro setor constitudo por ONGs, e que cresceram com projetos da terceira via difundidos pelos socilogos Anthony Guiddens durante o governo do liberalismo social de Tony Blair na Inglaterra, aps o Tatcherismo extremo de Thatcher e Major. Este capitalismo anglo-saxo continua a flexibilizar o mercado de trabalho e a apoiar as investidas blicas ao Iraque em 2003. Os movimentos contra a globalizao, as lutas subparadigmticas, juntamente com a busca de uma nova direo poltica e cultural contra-hegemnica, tambm caracterizam a outra globalizao, ou outra mundializao concebida por Movimentos sociais, ONGS e outros atores libertrios e de esquerda.

O Frum Social Mundial manifesta novas experincias de construo de um novo mundo possvel, democrtico e plural, que vai contra as tendncias fundamentalistas da economia de mercado puro, na verdade um keynesianismo de mercado reacionrio, pois a demanda cativa verdadeira para monoplios blicos que lucram com compras governamentais certas. Esta viso est certamente consubstanciada na agenda de dependncia criada pela ALCA (rea de Livre Comrcio das Amricas), muito semelhante ao NAFTA (rea de Livre Comrcio da Amrica do Norte), que aprofundou o desemprego, o desrespeito a legislao ambiental, especialmente pelas maquiladoras dos EUA instaladas no Mxico devido aos salrios baixos, aos incentivos fiscais do Estado Mexicano, a debilidade sindical e a possibilidade de exportar o dano, a degradao ambiental, sem internacionalizao dos custos ambientais pelas empresas, socializando os prejuzos sociais e ambientais e privatizando os lucros na melhor lgica capitalista.

Os trabalhadores dos EUA e do Canad perderam empregos. O Canad abdicou de parte de sua soberania econmica subalternizando sua economia aos EUA, com ampliao da dependncia econmica e tecnolgica. O Zapatismo do Sul do Mxico surge como reao dos agricultores amerndios, empobrecidos pela importao da produo agrcola dos EUA subsidiada, mecanizada, transgnica, produzida com sementes patenteadas e controladas por multinacionais. Esta populao indgena descendentes dos Maias criou uma rea autnoma autogestionada por Conselhos Comunitrios, que surgem da omisso do aparelho estatal mexicano subverniente ao imperialismo e insuflador do poderio das oligarquias mexicanas, inclusive dos antimovimentos ligados as drogas que corrompem os aparatos estatais tradicionais. A idia de uma democracia comunitria, ampliada, da radicalizao democrtica faz parte do seu cotidiano e uma reinveno da emancipao social. (SANTOS, 2007)

No caso do Brasil, o MST, com alguns assentamentos, reproduz relaes coletivistas em cooperativas que produzem uma srie de produtos, com escala ampliada e padres agroecolgicos, apesar de ausncia de divulgao pela mdia nacional dos prmios internacionais conseguidos por este movimento. As lutas ecolgicas por uma agricultura familiar autnoma, reduzidora do xodo rural e de partes dos problemas urbanos que desafogam na seara penal repressiva, fazem parte destes experimentos de inovao das polticas pblicas estatais, por exemplo, ligadas a economia solidria, formada por cooperativas, associaes de pescadores, catadores de lixo, que so vtimas do modelo neoliberal que precarizou o emprego formal e conduziu as pessoas para a marginalidade da economia informal que, apesar da baixa proteo social, pode levar a uma renda maior que o salrio mnimo que, a despeito dos reajustes maiores nos ltimos anos de queda do neoliberalismo no Brasil, est muito abaixo daquele salrio mnimo surgido na era Vargas em 1943.

Hoje, um escravo seria mais caro do que pagar um salrio mnimo pela mo de obra de um escravo assalariado. Sendo assim, adequadamente melhor, falar em escravido assalariada. A escravido por dvidas, em barraces, talvez seja to precria e qui mais barata que a escravido da mo de obra africana. A flexibilizao do poder de polcia estatal na rea trabalhista, na higiene pblica e no trabalho comprovam a idia neoliberal de eliminar o Estado e deixar o mercado explorar ao mximo para que fortunas concentradas e produtos baratos possam emergir sem maiores controles e denncias como violaes aos direitos humanos. Apesar do recuo do perodo ureo de apregoao das reformas trabalhistas na era Collor e FHC, em que o mantra do custo do Brasil no deixava de ser alardeado pelos governos neoliberais e pela mdia tupiniquim, as organizaes sociais, como as naes amerndias, os quilombolas, descendentes da resistncia histrica dos escravos brasileiros, os povos extrativistas da floresta amaznica, como os seringueiros conduzidos pela liderana carismtica e emancipadora de lderes como Chico Mendes e Osmarindo Amncio, so provas da eficcia de lutas sociais mediadas pelas experincias de povos descendentes dos explorados dos seringais da Amaznia, levados do nordeste brasileiro durante o ciclo da borracha no final do sculo XIX. O contato intercultural fez com que absorvessem saberes milenares dos povos amerndios ali viventes e que criassem formas de manifestao pacfica como a tcnica do empate de Chico Mendes usadas contra as moto serras no Acre, resultando no seu assassinato em Xapuri.

Estes saberes tornados invisveis e resgatados apenas para patenteamento de propriedade intelectual pela indstria de biotecnologia, de frmacos advindos do bioma botnico amaznico e da fauna daquela regio, devem ser organizados por estas populaes com apoios de agncias de pesquisas que devem servir a populao ou fazer associaes no leoninas para o Estado e no visando patentear a natureza para corporaes estrangeiras.

O respeito s diferenas, o combate a tortura, a luta pelo resgate histrico da memria em prol da desmistificao da linguagem eufemista e perversa dos atos institucionais do passado que anularam os direitos humanos em nosso pas e que continuam se projetando sobre nossa sociedade, na violncia policial, no sistema prisional; a vigncia de um senso comum insuflado pelo controle social informal da mdia sensacionalista, dos direitos humanos vistos no jargo popular, construdos por setores conservadores que vieram do perodo militar durante o cenrio da democratizao, com crescimento da criminalidade, devido s crises internacionais e imposies multilaterais do FMI, obrigatoriamente, deve marcar o novo paradigma a ser seguido. A origem social substituda pela percepo de que o aumento da represso penal ir resolver os problemas estruturais gerados pelo modelo econmico que retrai os direitos sociais e o emprego, o efeito vira causa nas argumentaes demaggicas dos setores reacionrios, a expresso de direitos humanos, como direitos de bandidos (LOCHE, 1999) tpica deste iderio popular neoconservador, ampliado com a difuso das drogas que se expande com a piora de indicadores sociais gerados, principalmente, no curso dos anos 90 e que vem sendo contestados de forma tmida, sendo que a ingerncia multilateral tem sido reduzida em toda a Amrica Latina.

O multilateralismo impe seus planos de forma desastrosa na frica, no horizonte da crise asitica de 1999, desarticulou as experincias desenvolvimentistas dos tigres asiticos permitida pelo convite ao desenvolvimento da guerra fria visando conter a ameaa comunista. Os EUA favoreceram pases asiticos como Coria do Sul, Taiwan, Malsia, Singapura. (ARRIGHI, 1997) Mas, recentemente, o modelo neoliberal procura agir em catstrofes naturais que, provavelmente, sero acentuadas com o aquecimento global, como o furaco Mitch que se abateu sobre pases da Amrica Central em 1998, o furaco Catrina em 2005 que resultou na posterior privatizao da rede pblica de ensino da cidade de New Orleans, devido ausncia de resistncia da sociedade civil diante do pnico generalizado ocasionado pela catstrofe. As tsunamis tambm geraram uma grande oportunidade empreendedora com a expanso das redes hoteleiras expulsando os antigos moradores de reas atingidas pelos Tsunamis de 2004 criando zonas de amortecimento em pases como Sri Lanka e Ilhas Maldivas que retiraram as populaes locais que foram realocadas em verdadeiros campos de refugiados. O pnico, a catstrofe uma oportunidade para negociar a privatizao em troca de emprstimos e de roubar reas de populaes nativas para a especulao imobiliria. (KLEIN, 2008) O velho Friedman est mais vivo do que nunca nas instituies multilaterais que o usam como um guru, um lder infalvel para aplicar a teoria do choque, ou seja, os projetos de ajustamento estrutural desestruturantes dos direitos sociais e ambientais.

As sombras daquele cenrio de totalitarismo do golpe civil-militar, criado nos moldes da interveno da CIA, do treinamento dos militares na Escola das Amricas (GALEANO, 1990), da supresso das vozes dissidentes taxadas de terroristas e que foram aniquiladas da forma mais cruel possvel, mais do que o antropocentrismo utilitarista faz aos animais considerados inferiores, tornando possvel a interpretao de que a razo instrumental totalitria no tem limites com a sua tica da responsabilidade e suas razoes de Estado. Esta a mesma lgica dos campos de concentrao nazista ou dos expurgos stalinistas, os povos latino-americanos foram vtimas de barbrie semelhante que mal foi compensada historicamente.

A busca de formas pluralistas comunitrias participativas (WOLKMER, 2001) no contaminadas pelo neoliberalismo que tambm se utiliza do pluralismo mercatrio pulverizador e fragmentador do direito, rumo flexibilizao, se constituem em alternativas para mudar o nosso rumo em direo a outro mundo possvel, menos desigual, mais humano, em que a abundncia e no a escassez sejam a regra dominante. Como diria John Lenon, na sua msica Imagine, voc diria que eu sou um sonhador, mais no sou o nico, o sonhar coletivo o caminho concreto para a utopia, para o fim da retrica da intransigncia. Este sistema de pensamento conservador diz que qualquer mudana, no que tange a ampliao dos direitos sociais dos homens, uma mudana para o desastre, para a ineficcia, e para piorar os problemas j existentes. (HIRSHMAN, 1992) Esta a razo conivente e preguiosa das elites que temem perder seus privilgios confundidos com mrito.

Destarte o trabalho infantil e as jornadas de trabalho abusivas ainda estarem por a legitimadas pela omisso e falta de materializao das normas constitucionais, apesar da existncia ftica, no obstante a proibio constitucional destas realidades, infelizmente tornam a persistir conforme visualizado ao longo deste trabalho. A busca do no retrocesso social e ambiental, juntamente com a ampliao dos limites da emancipao por novas formas jurdicas materializadas pelo protagonismo de classe da sociedade civil e, tambm, das comunidades, de imprescindvel importncia para a construo de um espao de emancipao utpica, a dilatao do presente (SANTOS, 2006), para encontrar alternativas para qualquer projeto de libertao humana, ecolgica e planetria.

10. Consideraes finaisA globalizao a era de hegemonia do mercado sem alma, etreo, voltil, especulativo, mas tambm, pode ser o espao de uma nova primavera planetria dos povos. Os espaos do individualismo econmico total podem ser contornados por novas experincias nascidas do campo social que est sendo edificado no complexo presente pressionado pela crise social e ambiental gerada pela globalizao neoliberal. Em sntese, no h fatalismo histrico absoluto e no modificvel, salvo o espao do tanatos, da morte, do genocdio, no h limitao quando h vida, esperana, aprendizado criativo e democrtico.

O direito como parte do experimento cultural humano faz objeto deste processo dialtico de construo do novo, a partir de cima, do status quo, da revoluo passiva das elites globais e de seus scios menores nacionais, ou a dos elementos culpados pelo seu fracasso e descartados, salvo por algumas iniciativas de caridade, algumas realmente louvveis. Estes indivduos tem se posicionado no quadro da emancipao da globalizao dos povos em novas experincias articuladas por movimentos socais, pela economia solidria com busca novas formas sustentveis de produo.

A mobilizao permanente e a organizao so caminhos para superao da lgica reguladora, repressiva, de explorao e da perda da esperana por outra realidade possvel a partir dos limites do presente, do cotidiano e do universo macrosocial em direo a uma Altermundializao (outra mundializao com alteridade e alternativa ao padro economicista contemporneo). Esta outra globalizao, no pode ser restrita ao proposto pelos setores que lucram com a globalizao financeira. A mesma deve ser mais democrtica, plural, pacifista, com a produo e o consumo socializados em direo a sociedade sustentvel, no a globalizao do engodo, da linguagem falsa do progresso econmico, um mito da modernidade a servio de poucos, mas a da sociedade igualitria, com reconhecimento das diferenas socialmente teis para um multiculturalismo e interculturalismo enriquecedores da tradio humana, contra a xenofobia, racismo, sexismos que se manifestam no mundo entrpico criado pelo cassino global.

A incerteza pode resultar em entropia, mas pode propiciar novas formas de experimentao e de busca da harmonia e do equilbrio que nunca sero permanentes e perfeitos, pois fazem parte da experimentao humana convencionada e mediada pelo direito, que pode moldar as formas do novo como ferramenta e no como um fim instrumental em si, guiado por uma tecno-cincia totalmente dominada pelo capital, no a servio do homem, mas servio da objetivao humana e da natureza como mercadoria coisificada que ocasiona na reduo brutal do ser humano a seus instintos de sobrevivncia, a um objeto amorfo e esprio aprisionado pela misria e violncia.

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Notas:[1] Darcy Ribeiro define o papel fundamental de Portugal para a criao da modernidade europia, que se inicia com o imprio mercantil salvacionista portugus retira a Europa de seu isolamento e divulga o eurocentrismo catlico cristo para fora de suas fronteiras configuradas no Velho Mundo (RIBEIRO, 2006).

Informaes Sobre os Autores

Francisco Quintanilha Vras Neto

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paran. Professor de Histria do Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Rio Grande. Professor adjunto 3 da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande como titular da disciplina de Histria do Direito/FADIR

Mrcia Regina da Silva Quintanilha Vras

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Psicopedagogia na Unisul e graduanda em Letras Licenciatura, Portugus na Universidade Federal do Rio Grande.

Bruno Cozza Saraiva

Acadmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande. Bolsista de iniciao cientfica do CNPq. Monitor da disciplina de Histria do Direito. Pesquisador do Grupo Transdisciplinar de Pesquisa Jurdica para a Sustentabilidade (Grupo de Pesquisa do CNPq).

VRAS NETO, Francisco Quintanilha; VRAS, Mrcia Regina da Silva Quintanilha; SARAIVA, Bruno Cozza. Globalizao, Neoliberalismo e Direito: os fundamentos histricos da ordem jurdica atual na percepo destas esferas. In: mbito Jurdico, Rio Grande, XIV, n. 90, jul 2011. Disponvel em: . Acesso em jul 2014.