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GOMES, Roberto - Critica Da Razao Tupiniquim

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CRÍTICADA RAZÃOTÜPINIQÜIM

Roberto Gomes

lOt EDIÇÃO

i l i FTD

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i l i FTD 

Copyright ( c ) Roberto Gomes, 1990

Todos os direitos de edição reservados à

EDITORA FTD S.A.MATRIZ Rua Rui Barbosa 156 (Bela Vista) São Paulo

CEP 01326-010 Tel. 253.5011FAX (011)288 0132

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gomes, Roberto, 1944-

Crítica da razão tupiniquim / Roberto Gomes. — 11. ed. — São Paulo : FTD, 1994. — (Coleção prazer em conhecer)

ISBN 85-322-0333-7

1. Filosofia - Brasil 2. Filosofia brasileira I. Título. II.Série.

94-0590 CDD-199.81

índices para catálogo sistemático:1. Brasil : Filosofia 199.812. Filosofia brasileira 199.81

E d i t o r : J o r g e Cláudio R i b e i r o

Co o r d en a d o r   d e r e v i s ã o : A d o l f o José F a c c h i n i

Ed i to r   d e a r t e : Cláudio C u e l l a r

C a p a : Criação - R o b e r t o S o e i r o

E x e c u ç ã o - C h r o m o D i g i t a l , D e s i g n Gráfico

 I lu s t r ad or: L u i z C a r n e i r o

P r od u çã o e D ia g r a m a ç ã o : R e g i n a e C r e m a

  E d i t o ra ç ã o e l e t rô n i c a : P a u l o L o p e s d a S i l v a

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índice

Capitulo 1 - Um título 4

Capitulo 2 - A sério: a seriedade

Capitulo 3 - Uma Razão que se expressa 17

Capitulo 4 - Filosofia e negação 26

Capitulo 5 - O mito da imparcialidade: o ecletismo 32

Capitulo 6 - O mito da concórdia: o jeito 4

Capitulo 7- Originalidade e jeito 48

Capitulo 8 - A Filosofia entre-nós 55

Capitulo 9 - A Razão Ornamental 69

Capitulo 10- A Razão Afirmativa 82

Capitulo 11 - Razão Dependente e negação 95

Sugestões de atividades didáticas 111

O autor 117

Bibliografia 117

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Capí t ulo 1

Um título

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Um título 5

POESIA COM LAMENTAÇÃODO LOCAL DE NASCIMENTO

Tudo o qu e eu digo, acreditem,teria mais solidezse em vez de carioquinha

eu fosse um velho chinês.

MUXÔR  FERNANDES(Papáverum 

Oque pode significar isso: Razão Tupiniquim? Tratando-se de título de um livro, supõe-se que denuncie um tema. Ocorre que este tema jamais foi explicitado, nãoexistindo. Fácil constatar que entr e nós esta Razão estará adormecida ou pulverizada em mil manifestações que

seria problemático reunir num único nó com a vir tude da síntes

Talvez seja impossível o tema deste livro, embora seu títul  possa ser até sugestivo. Não é fácil escrever sobre algo que só existirá caso seja inventado. Uma Razão Brasileira, não existindo atualmente, precisaria antes do mais ser providenciada, vindo à tona.Então, das duas uma: ou este livro não pode ser escrito ou seráuma tentativa de "inventar" esta Razão, seguindo vestígios espar 

sos no romance, na poesia, na música popular e até - pois é ca  paz de que mesmo aí transpareça - nalguns livros de Filosofia.

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p q p ç g 

6 Um títul

Mas estas alternativas devem ser rejeitadas. Primeiro, me éimpossível não escrever este livro. Segundo, é absurda a pretensãde "inventar", aqui, seu tema. Outra será sua pretensão.

Partamos de algo pacífico: mal sabemos o que seja uma Razão Tupiniquim. Um a piada, talvez. Hipótese que nos causaria grande pr azer. Gostamos muito de piadas. Há todo um espírito brasileiro que se delicia com a própria agilidade mental, esta capacidade de ver o avesso das coisas revelado numa palavra, frase, fato.Somos, os brasileiros, muito bem-humorados. Conseguimos rir detudo. Do governo que cai e do governo que sobe. Das instituições

que deveriam estar a nosso serviço, dos dirigentes que deveriamrepr esentar nossos interesses. E não é só. Chegamos a fazer piadas sobre nossa capacidade de fazer piadas. Nada mais ilustrativodo que a série de piadas onde representantes de outros países sãridicularizados pelo desconcertante "jeitinho" de um brasileiro.

  Neste plano, seja dito, nos movemos com facilidade gritante.

Desta atitude seria útil extrair o avesso. Embora tenhamosuma imensa mitologia construída em cima de nosso jeito piadístico, no momento de pensar não admitimos piada. Queremos a coisa séria. Frases na ordem inversa, palavras raras, citações latinae é impossível qualquer piada em latim, creio. Isto criou situaçõeconstrangedoras, como as fúteis críticas sérias a Oswald de A

de, acusado de mero piadista. Estranha gente, esta. Gaba seu inimitável jeito piadístico, mas na hora das coisas "culturais" mergulha num escafandro greco-romano.

j Cr eio que a existência de uma piada tipicamente brasileiradever ia ser objeto de estudo mais aprofundado. Possuirá características específicas? Que atitudes básicas revela? Uma saudáv

maneira de suportar um existir humilhado? Um modo de estar acima daquilo que amesquinha nosso dia a dia? Talvez sim. Certamente sim. Uns reagem com dramaticidade, tragédia e muito sangue - ocor r eu-nos reagir com o r iso.

Talvez uma posição existencial muito nossa. O r iso - um certo tipo de riso, o nosso - nos salva, tiraniza o tirano, amesquinhaquem nos tortura, exorciza nossas angústias. Não creio, aqui de

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Um título 7

meu ponto de vista brasileiro - e que outr o ponto de vista poder iame importar? - que pudéssemos ter feito melhor.

Há um perigo, porém. Sempre há um perigo. A mesma piada que salva pode mascarar-se em alienação. Como qualquer cria

ção humana, também a piada deve ser essencialmente crítica, jáque é de sua pretensão ser  isso: uma forma de conhecimento. Ora,quando o riso se perde em pura facilidade, em distração, morre aatitude crítica. E o "jeito piadístico" estará a serviço de nossa intenticidade. Há indícios, entr e nós, de tal coisa: deixar como est

  pra ver como é que fica; não esquentar a cabeça; analisa não; dá

se um jeito.O conformismo brasileiro encontra aí seu terreno de eleição.

Justificar, por exemplo, sua própria condição - dependência, insolvência política, jogos de privilégios - através de um simples "o br sileiro é assim mesmo" , eis o que impede seja criada entr e nósuma atitude tipicamente brasileira ao nível da reflexão crítica, pr o

posta e assumida como nossa. Desconhecendo-se, mal sabendode uma Razão Tupiniquim, o brasileiro aliena-se de dois modos:rindo de sua sem-importância ou delirando em torno do "país dfuturo", em variados "anauês". Na verdade, conformismo e ausência de poder  crítico, pois nos dois casos há um abandono - " deixa como está par a ver como é que fica" - e uma esperança

 

máca - "dá-se um jeito" .

Mergulhado num escafandro greco-romano - embora não seja nem grego nem romano -, o brasileiro foge de sua identidade.Tem sido na Filosofia que o espírito humano tem buscado sua au-

to-revelação. Porém, autocomplacente e conformista, sujeito sér o brasileiro ainda não produziu Filosofia. Assim, é necessário advertir que um pensamento brasileiro jamais esteve lá onde tem sido procurado: teses universitárias, cursos de graduação e pós-gra

duação, revistas especializadas - e logo se verá por quê. No bolor de nosso "pensamento oficial" não se encontra qualquer sinal deuma atitude que assuma o Brasil e pretenda pensá-lo em nossostermos. Além do palavrório aridamente técnico e estéril, das id

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8 Um títul

gerais, das teses que antecipadamente sabemos como vão concluir,das idéias bem pensantes, nada encontramos que possa denunciaa presença de um pensamento brasileiro entre nossos "filósofooficiais", vítimas de um discurso que não pensa, delira.

Este livro inviável começa, pois, com uma série de advertêcias. A questão de um pensamento brasileiro deverá brotar duma realidade brasileira - não do " pensamento" e da " r ealidade"oficiais. Deve inventar seus temas, ritmo, linguagem. E inventar seus pontos de vista. Obras como as de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Machado de Assis, Lima Barreto, Sérgio Buar 

que de Holanda, Noel, Chico Buarque, além daquilo que se temfeito no campo das ciências humanas nos últimos anos, têm maia nos dizer do que as maçantes teses universitárias nas quais a Filsofia se mascara no Brasil. O mesmo se diga do torcedor de futebol, da porta-estandarte e do homem da rua em geral

Mas não será apenas isso que irá tornar  viável este livro.

Uma Razão não se faz com um livro. Provisoriamente, permaneçamos em nossos limites. Não se trata de "inventar" uma Razão Tu-piniquim, mas de propor um projeto, um certo tipo de pretensãocertamente quixotesca e evidentemente absurda: pensar o que seé, como se é.

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Capítulo 2

 A sério: a seried 

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10 A séno: a seried

Aliás muito difícil nesta prosa saber on de termina blague onde principia a seriedade.

  Nem eu sei.

MÁRIO DE ANDRADE(Prefácio Interessa

No capítulo anterior levantou-se um tema para um títul

É necessário não desperdiçar  título tão sugestivo. Caagora perguntar: trata-se de tema "sério"?

Pelo que ficou dito, propõe-se ser  sério, não uma piada. Quero que me entendam: não uma piada em seu

sentido alienante. É tema que deverá ser "seriamente" considerado. Mas: conseguiremos pensar "a sério"? Razão Tupiniquim?

  Não é coisa no que se pense - e sobr etudo nestes termos. Só pode ser brincadeira, jamais um tema "sério". Quer dizer: não consta de nenhuma tese defendida na Sorbonne ou em Freiberg.

Prestando atenção, vemos que há vários empregos possívei  para a palavra "sério" e, conseqüentemente, vários sentidos paa "seriedade". Creio que isso fique claro se considerarmos estas

duas ocorrências: "Fulano de Tal é um homem sério" e "Fude Tal leva a sério seu trabalho".Entr e os dois empr egos não há apenas o acréscimo de uma

letra, mas uma mudança de perspectiva e de acentuação. Mudoo caráter  da seriedade em questão. No primeiro caso queremosdizer que Fulano de Tal é um homem que zela pela seriedade das

  japarências. É respeitador das normas e convenções sociais. Seriaincapaz de "sair da linha". Dele não se esperam coisas que fujam

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p p q j 

A séno: a seriedade 11

ao normal estatístico. Isto vale dizer: Fulano de Tal é um homerespeitador e respeitável.

  Na segunda ocorrência, a seriedade em questão remete-se aoutra gama de significações. Levar a sério, seja um trabalho,

lugar ou um amor, não consiste no zelo pela vigência de normassociais. Ao contrário. O acento faz com que toda carga significativa recaia sobre o aspecto interno e virtualmente negador do socialmente admitido. Se levo a sério, isto é algo que sai de mim emreção ao objeto da seriedade. Se sou sério, me coisifico como objeto de seriedade. Aí está a diferença entre o que é dinâmico - ete

namente em questão -, encontrado no a sério, e o caráter  desa acabada e estéril da seriedade do sujeito objetificado. A sér revigoro o mundo com uma quantidade imensa de significações.Sério, reduzo-me a objeto morto, caricato, de existir centradoexterno.

Ao levar a sério, estou profundamente interessado em a

ma coisa, a ponto de voltar todas as minhas energias no sentidode sua realização - outr o não sendo o princípio de erotização dagir. Mesm o quando isso exige " sair da linha" . Só aqui poder emosencontrar o germe revolucionário indispensável à criatividade.

Fixemos, por exemplo, o caso do artista. O protótipo do artista, se quiserem. E óbvio que aí encontramos uma figura muito dis

tante daquilo que se considera sério. Valores não convencion  palavras e frases talvez extravagantes, um modo de vida que torce o nariz aos bem pensantes. O artista - e o filósofo, quando fielà sua vocação igualmente marginal - tem r ecebido ao longo dahistória o rótulo de louco. E sua "loucura" consiste nisto: nãoum homem sério.

Por oposição, nada parece ser levado tão a sério quanto o t balho artístico. Atividade desinteressada - não no sentido de alienação das questões de sua época, mas em oposição à seriedad daquilo que é vigente. Não é sem motivo que hoje se busca no artista um modelo de ação não repressiva e de reerotização do agir.O critério segundo o qual se orienta não é o lucro ou a dominaçãdo outro, sendo flagrante que o artista realiza um conjunto de valores que se chocam frontalmente com aqueles que são vigentes.

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12 A séno: a seried

  No homem sério, ao contrário, encontramos a perfeita enação do " interessado" - palavra agora utilizada em sua conotação menor: eu como objeto da seriedade. É ambicioso, calculista,visa lucro, poder, organiza suas relações em termos de futuro pro

veito etc. Curioso notar que nada poderia estar tão distante dosvalores idealmente apregoados pela tradição do pensamento ocidental do que o homem sério. No entanto, é o artista que, aocretizar estes valores, acaba recebendo toda a carga de agressãosob o rótulo de "louco".

O artista, este marginal, é objeto de tabu, suportando a mes

ma agressiva ambivalência por par te do homem sério: amor e Aliás, duas são as coisas que o homem sério faz ao chegar aoder: instaura a censura e constrói suntuosos museus e teatros. Edistr ibui pr êmios literários. Isso só parecerá contraditório se deixamos de considerar que existem duas maneiras de aniquilar com oartista: censur ando-o ou pr omovendo-o a uma espécie de ornamen

to social. E é assim que o homem sério exorciza aquilo que teme.I Algumas conclusões são possíveis. Antes de mais nada, é óbvio que o sério está a serviço de uma máscara social - é umaisona que assumo. Ou: que me assume. Casca normativa que nosvem do exterior e que nos dita o que convém, esta a essência dtal seriedade. A partir disso, pouco ou nada importam as intuições

que procedam do interior, ficando nossa expressão mais pessoal ecrítica eliminada. Eis como existem coisas que um professor faze outras que não faz. Usar  óculos, ser carrancudo e empertigado.

Afogar-se e suar desesperadamente num terno e gravata. Falar num jar gão convencional e altamente " erudito" - coisas que cabem,que convêm. Outras, nem tanto.

O mesmo se dá com aqueles que praticam a Filosofia entrenós, a imensa maioria composta por pr ofessores. Existem coisassérias, consagradas pelo uso acadêmico, de bom tom e alta ilução. São coisas que vêm sendo discutidas na Sorbonne, em Oxford, publicadas em Paris ou Berlim, apresentadas em congressos. Constituiu a Filosofia, desta forma, seus próprios temas e maneiras detratá-los - aqueles que convêm. Quer dizer, seus sufocantes ternose gravatas. E o triunfo do homem sério é atingido quando se c

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A sério: a seriedade 13

ga à completa ritualização. Quando já não importa o dito, mas amaneira de dizer dentro de padrões previamente consagrados. Assim, uma comunicação a um congresso pode ser absolutamentevazia e soberbamente tola - mas, cumprido o ritual, o aspecto "sa

crossanto" da cultura é preservado. Eis aí coisas convenientes, perfeitamente sérias.

Quer o com isto dizer - não pr incipalmente e não só - queo tema providenciado para este título exigiria sair do sério. Pce evidente que Filosofia brasileira só existirá a partir do momento que vier a ser, como a piada, uma investigação do avesso da se

riedade vigente. Obras sérias são feitas com arquivos, notas ada página e num jargão que me aborrece. É esta máscara sé que vem sufocando o pensamento brasileiro, onde ela mais profundamente aderiu ao rosto. A ritualização, triunfo do sério, consexatamente nisto: fala-se agora sobre temas adequados, pouco importando se importam. Vale dizer: mesmo que se trate de especu

lações sem qualquer raiz na realidade que nos circunda. Assim,perdeu-se a ligação e a referência crítica à realidade, que semprefoi a pretensão básica da Filosofia quando soube ser fiel à sua missão marginal.

Faz algum tempo. l i uma entr evista de Nelson Rodr igues -exemplo de típica inteligência br asileira cujos descaminhos só nosresta lamentar - em que dizia que o mais grave defeito dos personagens de romance brasileiro é serem incapazes de cobrar um escanteio. Por  detrás do efeito de espírito, uma intuição radical: entre-nós perdeu-se o contato com a realidade em torno.

Isso tudo vem a ser ainda mais espantoso se observarmosque nossa at itude corr iqueira - a do br asileiro, vale dizer - é deprofunda aversão ao formal. Temos horror à pompa. Um traço

básico do humor brasileiro, e, portanto, da sabedoria do brasileiro, é desestruturar qualquer pomposidade, desarmando as tentati-

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14 A sério-, a serie

vas de empostação. Já as expressões da língua revelam isto. Umfrancês qualquer pode dizer: "Je vous en prie" ou " Je suis enchan-té de faire votr e connaissance" . Isto, ao pé da letr a, é ridículo em

 português. Um escritor alemão pode, por exemplo, semear genero

sos pontos de exclamação ao longo do que escreve. Em termos  brasileiros, nada mais chocante do que uma exclamação. Não confere com nosso natural ceticismo, nossa oblíqua maneira de olhar.Em nós é espontânea a tendência a ver o avesso das coisas. Se dique qualquer personalidade mundial, com dois dias de Brasil, jánão seria mais levada a sério.

Entretanto, é no Brasil onde o falar, o escrever e o pensar vieram a ser as coisas mais formalizadas e rígidas que se conhece.Todo sujeito que sobe numa tribuna julga essencial, antes do mais,colocar -se na ponta dos pés e no alto de seus tamancos. Essencialtrocar todas as palavras usuais por palavras que estranham nossomodo. Construir frases numa ordem que jamais usaria para pedir 

um cafezinho. E falar sobre coisas para as quais nos custa encontrar referência na realidade em volta. No intelectual brasileiro quediscursa, triunfa o sério - expressão de uma classe privilegiada dite da multidão analfabeta. No homem sério, triunfa a Razão Or mental.

O melhor exemplo disto talvez seja o terno e gravata. Este

uso revela entre-nós muito mais do que se poderia supor. Aléda natural aversão ao formalismo, as razões de clima: este é umpaís onde, na maior extensão, o calor é brutal. Apesar disto, sem

 pr e que se trata de realizar uma atividade "cultural" - apr esentar uma aula, discursar, escrever um livro ou pensar -, o brasileiro sério mergulha num terno e gravata.

Este triunfo do externo não significa apenas a submissão aovigente. Significa mais. A bem dizer, determina que o discurso,em terno e gravata, fuja da realidade brasileira. E óbvio que ninguém saberá cobrar um escanteio nestes trajes. Pelo mesmo motivo, nada poderá dizer de importante, que importe. A roupa determina, no caso, um ato de seletividade que procede do vigente: a

  partir do momento em que a assumo, uma série de coisas deixamde ser urgentes. Não as vejo. Não são suficientemente sérias. 

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A séno.- a seriedade 15

tão, a fuga para um universo adequado ao traje: a fria Europa.Assim, o filósofo brasileiro, capaz de vôos tão mirabolantes

no tempo e no espaço, capaz de pensar o século XIII ou as cosmovisões européias, não é capaz, pela armadura na qual se encontra,

de enxergar um palmo diante do nariz. Este mesmo "pensador"não é capaz de cobrar um escanteio ou dançar  um samba. O quelevanta a questão fundamental sobre as condições de possibilidade de um juízo filosófico   brasileiro: a Filosofia, de terno e gravata, pensa?

Eis o que desejaria mostrar: nossa aversão à pompa acaba

conver tendo-se em seu oposto - o tr iunfo da cultur a formalistica.E, pois, urgente que assumamos a capacidade a séno do humcomo forma d e conhecimento. Só no momento em que, abandonada a tirania do sério, percebermos que nossa atitude mais profunda encontra-se em ver o avesso das coisas é que poderemos retirar de nossas costas o peso de séculos de academismo. E só então

  pensar por conta própria. Se deslocarmos a acentuação do externo para o interno, encontraremos condições de pensar o que estádiante de nosso nariz. E o que é Filosofia? É a tentativa, penso,de enxergar um palmo diante do nariz - o que não é tão fácil nemtão inútil quanto muitos pensam. Afinal, o peixe é quem menossabe da água.

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16 A séno: a seriedad

Creio ser isto suficiente para denunciar nossa inautenticida-de intelectual. Quando, com um mínimo de consciência crítica, investimos contra nossos deuses e fantasmas, nossos sagrados preconceitos? Sempre damos um jeito? E o que quer dizer isto? Uma vir

tude, uma maleabilidade maior? Este é o país das "revoluções semsangue"? De fato e historicamente? E o que significa isto? Umhumanismo superior? Falta de caráter? Um deixar como está para ver como é que fica? Mito da conciliação? Fuga do a sério

Vejamos bem: se este é o país do futebol, por que nossospersonagens de romance não sabem cobrar um escanteio? Ou se

rá o país do eterno carnaval, da praia, do cafezinho, do papo descontraído, do funcionário público, do herói sem nenhum carátdo chope gelado, ou, antes e acima de tudo, o país do jogo do bicho e da loteria esportiva, revivência dos mitos do bandeirante?Mas qual a Razão - se há - implícita nisto? Qual o pensar quedaí decor r e? Qual o pr ojeto existencial que a tudo isso informa?

Em suma: o que significa isto?  Não sabemos. Estes temas ainda não adquiriram o status deassunto sério, pois o intelectual br asileiro só leva a sério osério, óbvia inversão. Onde o hábito faz o monge.

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Capítub 3

Uma Razãoque se expressa

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18 Uma Sazão que se expressa

For m uitos anos procur ei-me amim m esmo. Achei.Agora nâo me digam qu e ando à pr ocur a da or iginalidade, por que já descobri onde estava,

  pertence-me, é minha.

MARIO DE ANDRADE(Prefácio Interessa

S

empre que uma Razão se expressa, inventa Filosofia.O que chamamos de Filosofia grega nada mais é do queo síreap-íease cultural que a Razão grega realizou de si

mesma. É deste ato - mais simples do que gostar iamde supor os pensadores tupiniquins -, no qual uma Razão se descobre em sua originalidade e conhece seus mais íntimos

  projetos, que emerge a possibilidade de Filosofia.Mas no que consiste descobrir-se em sua originalidade? Te

mos aqui duas questões: sobre o que seja descobrir-se e sobre a

natureza da originalidade. E algo anterior: as condições desta descoberta.Se par to do suposto que descobr ir-se é, de algum modo, des

cobrir alguma coisa, desde logo me coloco em oposição a isto quedeverei descobrir. No momento em que encontrasse tal objeto, teria concluído minha tarefa. Mas não existe de fato nada com

que, ou com quem, eu deva me encontrar para descobrir-me. Osencontros com são externos e superficiais.

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q q p 

Uma Sazão que se expressa 19

De fato, descobrir-se é encontrar-se em, pelo simples fatode não haver um " outr o" que eu deva descobr ir - desde o início

sou eu quem está em questão. A descoberta é, pois, fenômeno pr mário: um re-conhecimento.

Se nos despimos de todas as artificialidades que providenciamos para nossa instalação no real, verificamos que a questão so

 br e o esíar  permanece além de todas. Assim, desde o início a quetão a respeito do que eu sou remete-se à pergunta: "Onde estou?" E onde estou? Num tempo, num lugar, entre coisas qu<me rodeiam, pessoas com quem falo. A consciência é primariamen

te este contato com a proximidade, com os contornos que imediatamente me chocam, exigem e perturbam. Estou em determinado lugar e, a partir dele, principio a ser. Antes estou, depois sou.

A Filosofia, onde uma Razão se expressa, sempre se reveloupela fidelidade a este dado. Súbito, uma Razão descobre-se emEm Mileto, por exemplo. Por mais abstrato que possa parecer 

um pensamento, sempre traz em si a marca de seu tempo e lugar.Ao inverso do comumente suposto, não é a desvinculação

do lugar e do tempo que confere profundidade a um pensamento,como, por exemplo, o de Platão. Seu grande mérito é ser a expressão realizada do espírito grego num dado momento - pois este homem foi, sem dúvida, um grego. Compreendemos mal o que dis

se se quisermos conservar de sua obra aquilo que não se "mistura" impuramente com as atribulações de sua época. A consciênciaaguda, altamente diferenciada da Razão grega naquele momento,eis a raiz de sua profundidade e a natureza de sua lição. Seu pensamento torna-se incompreensível se não levarmos em conta a íntima conexão que aí existe entre Política e Filosofia, sendo esta es

clarecida por aquela, na medida em que reflete a seu respeito. Ofracasso político na Sicília, as condições políticas perturbadoras,mor te de Sócrates o levar am ao postulado fundamenta l de seu idealismo: o mundo mater ial deve ser modificado - quer dizer : negado - a partir das ver dades obtidas na intuição das idéias. Assim,ao postular a reforma da cidade, o "mundo das idéias" mostra-se

como o não-ser negador do vigente, a síntese de sua crítica a setempo. E só assim, visto em sua essência inegavelmente política,

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20 Uma Sazão que se expressa

faz pleno sentido. Fora disso, parecerá construção vazia e "platnica" - o que de fato nunca foi.

Quanto a Tomás de Aquino - um dos autores, aliás, pelqual devemos ter o máximo de piedade, pois foi vítima do pidos preconceitos, o preconceito a favor -, devemos notar que, " historicamente, o tomismo não surgiu como o sistema intemporal e'sabe-tudo' que nos apresentam (...) era a resposta patente a um

 problema inadiável do momento".1 Encontrava-se em dada posição e dela buscava a resposta àquilo que era urgente questionar.Assim, tentar  eternizá-lo, colocando-o acima do tempo, é desservi

lo - donde se conclui que, em matéria de desserviços, os tomistconseguiram mais do que os mais severos críticos de Tomás dAquino. "Isolada do contexto histórico que a viu nascer, a síntetomista aparece como anacrônica."2

Os exemplos poderiam continuar e toda uma história da Filosofia poder ia ser escrita a par tir daí. Fiquemos apenas com o es

sencial. Como entender Hegel sem a Revolução Francesa, sem referência à necessidade de reorganização do Estado e da sociedade em bases racionais? "Os esforços históricos concretos paraestabelecimento de um tipo de sociedade racional haviam sidotranspostos, na Alemanha, para o plano filosófico e transpareciamnos esforços para elaborar o conceito de Razão. Tal conceito es

tá no cerne da Filosofia de Hegel. Este sustenta que o pensamento filosófico nada pressupõe além da Razão, que a história tratda Razão, e somente da Razão, e que o Estado é a realização daRazão. Estas afirmações não são compreensíveis, porém, se a R zão for tomada como um puro conceito metafísico, pois a idéia

que Hegel fazia da Razão preservava, ainda que sob forma idealís

tica, os esforços materiais no sentido de uma vida livre e racional(...) A não ser que se apreenda com clareza o sentido de tais conceitos, e sua intrínseca correlação, o sistema de Hegel aparecer 

1. SCHOOYANS, Michel. Tarefas e vocação da filosofia no BrasiL Revista Brasüde FúosoBa, São Paulo, 21(41):61-69, jan./fev./mar., 1961, p. 65.

2 Idem ibidem

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2 Idem ibidem 

Uma Sazio que se expressa 21

como a obscura metafísica que de fato nunca foi." 3

Fora, portanto, das urgências de seu tempo, os pensadoresnão chegam a fazer pleno sentido. Mas não basta ressaltar que todo pensamento tr az a mar ca de seu lugar e tempo - isto, de um

modo ou de outro, muitos aceitam. O vital é reconhecermos queum pensamento é original não por superar sua posição - o que éimpossível -, mas precisamente por dar forma e consistência a este tempo e apresentar uma revisão crítica das questões de sua época, aí tendo origem. O pensamento é superior não a despeito deser situado, mas justamente por situar-se.

Desta forma, embora entre as pretensões da Filosofia - e também da ciência, no caso - encontr emos a de querer ultr apassar oespaço e o tempo, esta mesma possibilidade de superação radicase no ato de assumir sua posição específica. Isto equivale a dizer 

que é justo esta pretensão que se encontra em jogo. Entre-nós,por exemplo, encontramos o apego extremo ao pensamento deoutr os por julgar mos que só os outr os poder ão nos dar qualquer chave do saber. Assim, queremos nos descobrir num encontro comum pensamento qualquer, seja medieval ou grego, de hoje ou deontem. Aguardamos uma solução estrangeta sem nos darmos con

ta de que, sendo estrangeta, será precisamente isto: estranha. o pensamento, antes da pretensão de ser atemporal, deve ter apretensão primária de não ser jamais estranho, o saber de um outr o.

Se exigirmos da Filosofia não ser apenas algo entre-nós, masFilosofia brasileira, é claro que estamos supondo uma originalidade, a nossa. Um erro seria, portanto, apegar-se a uma resposta es

tranha, que aqui não tenha nascido. Outro, confundir originalidade com novidade. O novo é apenas um acidente do original. Quero dizer: dele decorre em alguns casos. Uma formulação qualquer é original não pelo fato acidental de ser nova ou inédita, mas pelo fato de esíar  vinculada a determinadas origens. Produto de um

3. MARCUSE, Herbert Razão e Revolução. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,1969, p : 17.

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22 Uma Razão que se expressa

ato do espírito que se enraíza em. Criar um automóvel sem motodireção e lugares e - suprema novidade - que não transporte, seria algo absolutamente novo, rigorosamente inédito. Creio, no entanto, que sem nenhuma originalidade. O delírio novidadeiro e for-

malístico na arte, por exemplo, tem produzido resultados deste tipo - uma arte que se recusa a qualquer compromisso para bastar-se num auto-envolvimento aos limites do narcisismo. De fato istorevela tão-somente o vazio existencial, a ausência de qualquer projeto criador. Surge, de resto, num momento em que a arte perdeua noção de qualquer papel histórico.

O original, em suma, é o avesso do estranho e do novo: temraízes aqui e de longa data.

Coisas simples decorr em daí. Se não assumo minha posição,carecerei de um ponto de vista e, conseqüentemente, nada verei.

E condição de visão estar em dada posição e dela vislumbrar osobjetos. Ver é, ou envolve, um ato de seletividade. E só vejo deminha posição. Qualquer ver dade é minha verdade - e só o seráse vier a ser minha. Não pretendo, como uma acusação ligeira esuperficial poderia supor, qualquer inexistência da verdade. Visoinsistir em que é preciso ver, ou estar-vendo, da única maneira

possível: histor icamente. O suposto da ver dade, de r esto, é postulado intencionalmente na própria natureza do ato de pensar. Ocorre que a verdade não se encontra onde muitos julgam que esteja.Se quisermos ser  fiéis à verdade, devemos supor que resida nãoem nossos juízos (históricos, situados, mutáveis, refutáveis), mno limite projetivo destes juízos. A verdade, sendo criação histórica, encontra-se no limite da direção para o qual apontam os juízos.Daí a refutabilidade indefinida do conhecimento, seja científico,seja filosófico. Daí a ilusão de esgotá-lo no juízo, uma vez que, hitoricamente - quer dizer: de fato e efetivamente -, a verdade nãoreside no juízo, mas em sua projeção.

A originalidade da Filosofia consiste em descobrir-se em determinada posição, assumindo-a reflexivamente. Além disso: se suapretensão básica é a verdade, vale lembrar que esta só faz senti-

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Vaia Sazão que se expressa 23

do quando é minha. Mesmo a ver dade de um outr o só poderá severdade para mim se dela me apropriar, antropofagicamente. Enão se poderia objetar, do ponto de vista de um pensamento rudimentar, que a verdade em si já se encontrava lá. Por um motivo

simples: verdade em si não faz sentido algum.

Eis por que uma Filosofia br asileira só terá condições de originalidade e existência quando se descobrir  no Brasil. Estar no Bra

sil para poder ser brasileira. E isto não tem ocorrido. Desde sem pre nosso pensar tem sido estranho, providenciado no estrangeiro.É imprescindível, portanto, a clara consciência de que um pro

  blema para um alemão do século XX ou um grego do século a.C. pode, perfeitamente, não ser um problema para mim. Ou:só o será se eu o fizer meu. E só poder ei legitimamente fazê-l

meu se corresponder às importâncias e urgências diante das quaime encontro. Esta, a condição de possibilidade anterior a toda equalquer Filosofia. Não há aqui um elenco de coisas anter ior mente fixadas - " estr anhamente" - que eu possa utilizar como um roteiro ou espécie de índice, de tal maneira que, ao tratar de cadum destes assuntos, eu esteja inevitavelmente fazendo Filosofia.

Fazer Filosofia é fazer a Filosofia. O que envolve: seus temas eseu modo de abordagem. Jamais posso dá-la como pressuposta,como se bastasse manuseá-la à maneira de um arquivo.

Urge, pois, com relação aos temas e instrumentos "estranhamente" providenciados, que eu verifique se me-importam. Só então terei condições de aproximar-me deles a sério, fazendoque sejam efetivamente

meus.Condição para que meu conheci

mento seja um estar -vendo de minha posição - e não um abstr ato ver fora do tempo e do espaço.

Motivo pelo qual uma Razão só se expr essa ao pr ovidenciar seus temas, sua linguagem, decorrência de encontrar-se em sua

  posição. A grande dificuldade, no sentido de fazer explodir todauma construção

sériada Filosofia que entre-nós se instalou, é

lizar a consciência de que o pensamento e seus objetos são pura

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24 Uma Sazão que se expressa

invenção. Com efeito, não havia um "problema" para a Filosofiagrega antes que os gregos o inventassem, assim como a IX? Sinfonia não estava em parte alguma antes que Beethoven a criasse.

 Nã o havia um " problema hegeliano" esper ando por Hegel anterior

ment e a Hegel. Assim, não há um " pr oblema" para a Razão Brasileira que nos esteja esperando. Urge, isto sim, inventá-lo no pr 

 pr io ato de inventar um Filosofia brasileira. Nosso streap-tease cultural.

Invenção, porém, que não se dá no vazio. Hegel, Tales oMarcuse não injetaram um problema na consciência de seu tem po, assim como um médico implanta - " estr anhamente" - um ó

gão ou tecido no corpo do paciente. Ao contrário, de Tales a Mar cuse a Filosofia fez vir à consciência reflexiva da época coisas quurgiam ser providenciadas. Não que, ao modo do em si acima referido, tais elementos lá estivessem em estado latente à espera deuma espécie de sucção reflexiva. Insista-se que os filósofos, ao inventarem Filosofia, inventaram igualmente o que importava e des

tacaram o que era urgente, o que se veio a perceber  depois de ter sido inventado. Daí a intuição or iginal que ger ou dado conjuntode idéias. A noção de que o pensamento é uma espécie de ápireflexivo da consciência de seu tempo pode ser excessivamente romântica - mas é inevitável. E uma história da Filosofia que se r cuse a ser um amontoado de dados terá por tarefa recuperar aque

las intuições que, ao longo da história, geraram pensamento.Assim, Filosofia é uma Razão que se expressa - fórmula on

de a palavra Razão comparece carregada de historicidade. E umaFilosofia brasileira precisaria ser o desnudamento desta Razão queviemos a ser. Seja por excesso de pudor, por medo, o fato é queaté hoje não nos despimos. Talvez temendo nada encontr ar por debaixo de nossos trajes europeus, nosso infatigável terno e gravata. Ou talvez fosse para nós excessivamente doloroso descobr ir -seem, enfrentando a radical solidão da nudez. Tiraríamos as roupa

  para descobrir, absurdamente, que estamos nus. Semmáscaras

de aplausos ou punições, sem nossa imagem de homens séricheios de certezas. O que, afinal, fazer de uma nudez que não aceitamos como nossa?

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Uma Sazão que se expressa 25

A questão se r eduz a algo simples: não existe uma "problemá-tica" brasileira à nossa espera. Urge ser inventada. Inventada e posta em questão - este, o esforço da Filosofia, desde sempre. Cabe

 perguntar se entre-nós encontramos sinais de tal esforço. Em resu

mo e didaticamente: há uma Filosofia brasileira?

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Capítulo 4

Filosofia e negação

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Filosofia e negação 27

O passado é lição para se meditar, não para reproduzir.

MARIO DE ANDRADE(Prefácio Interessa

AFilosofia goza de um destino certamente trágico: dev

  justificar-se. Não no sentido em que as ciências devem  justificar-se. Quanto à ciência, urge saber de sua validade, das condições de construção de seus objetos e determinar, no conjunto da cultura, o lugar do conhecimen

to que propõe. Não é o que ocorre com a Filosofia.A ciência e seu saber procedem de um movimento do espíri

to em direção ao real que nos circunda, real suposto independente de mim. Em nossos dias isto assumiu um caráter  pragmáticseu valor é o de seus resultados em termos de técnica. Antes mesmo de determinado o lugar e a validade da ciência, já damos por suposta sua importância. A ciência nos importa, sendo seus resultados. Antes mesmo de questionarmos a respeito de seus

supostos e conseqüências, damos por admitido que os resultadosdo saber  científico sã o desejáveis, gerando progresso. É claro qumal sabemos o que seja progresso, mas não importa: o cientista é,do ponto de vista do vigente, dispensado de defender a cidadaniada ciência. Ela já a tem, admitida.

As coisas mudam quando tratamos da Filosofia. Torna-se ago

ra urgente justificar e assumir a Filosofia. Justificá-la não é aindaa defesa de sua cidadania, mas algo anterior. Antes do mais, impli-

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, g , p 

28 Filosofia e negação

ca cer ta a titude geral diante do Universo - atitude muito diversadaquela adotada pela ciência. Nesta lidamos com determinadosobjetos munidos de determinados instrumentos, sendo que antesconvencionamos os limites e o valor de sua utilização. Na Filosofia,

deparamos com um modo de colocar a existência em questão. Sendo que este modo gera seus próprios objetos. Não há, já foi vistoobjetos que aí estejam - "filosoficamente" - à espera de um tratamento adequado. Tais objetos são criados pelo espírito, isoladosnum ato de intuição. Não ocorre a simples seleção de um objeto,mas sua invenção. Por Sm, sua projeção existencial no plano de

nossas importâncias e urgências.Estes momentos - atitude, invenção, pr ojeção e deter mina

ção das ur gências - descrevem um único processo. No entantonão é tudo. Ocorre um momento paralelo: urge assumir a Filosofia. Talvez isto signifique algo simples: per gunta-se aqui se a Filosofia é, para nós, impor tante. Será que, além do bolor acadêmic

do qual se reveste e da busca de sucesso intelectual, a Filosofia realmente nos importa? Responder a tal questão implica determinar a distância que vai da justificação da atitude filosófica (crítica) auso da Filosofia para justificar atitudes (ideologia).

  Não basta estabelecermos os vícios de nossa costumeira posição intelectual, ainda que isso seja decisivo. E preciso perguntar 

além, na origem. Ou seja: precisamos mesmo de Filosofia? Propor esta questão não é um mero perguntar-se acadêmico - e "brilhante", num jogo de palavras. É levar o questionamento a seu limite:o limite de sua importância.

É verdade que qualquer executivo esbarra ao longo da vidacom questões que constam entre aquelas problematizadas pelos

filósofos. Mas só isto não concede importância a tais ques  preciso que eu esteja envolvido num processo no qual tais questões emerjam como decisivas, vindo a ser urgentes, quando as levo a sério.

Descobrimos para lá da importância da Filosofia dada pelohomem sério - erudição, brilho, status, justificação ideológica  vigente - a importância da Filosofia quando levada a

sério 

emergência da consciência negadora.

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Filosofia e negação 29

As questões decorrentes são as seguintes. Onde, entre-nós,

esta importância a sério do filosofar? Onde, o objeto  preocupações referido ao que nos rodeia e inventado por ato deuma consciência crítica brasileira? Onde, a autenticidade e a cida

dania de uma Filosofia nossa?Estas, as questões que entre-nós foram extraviadas. Isto por 

que a gr ande tentação da Filosofia - algo que compar tilha com aarte - é apresentar-se como "respeitável", quer dizer, com pretensões sérias.

O conceito de responsabilidade é, assim visto, essencialmen

te acrítico; e já sabemos que o homem respeitável é o homem srio. Tal homem está definitivamente comprometido com dado sistema, molde e fim de seus atos. A partir do momento em que a Filosofia adquire respeitabilidade, pode conseguir tudo - verbas, diplomas, honrarias, imortalidades acadêmicas -, menos o essencial: espírito crítico.

Em livro de introdução à Filosofia, por exemplo, é comumencontrarmos a insistência com relação à "utilidade" da Filosofia- versão séria da importância. É apresentada como coto desinteressado (o que, de resto, ou é equívoco ou não existesendo todo conhecimento interessado, já que é assumido como urgente), embora fosse melhor dizer inofensivo. E assim busca-se

mostrar os benefícios informativos e formativos - " espir ituais" -da Filosofia. Esta atitude dos manuais equivale a pedir um lugar ao sol para um pobre mendigo, o filósofo. Jura que é inofensivo,sério, e que cuida apenas das coisas do espírito - e pede um pouco de sol. Desconfio que tal sujeito mendiga errado, já que não sabe do que precisa.

Ao se ressaltar a utilidade da Filosofia - e é uma importânciaséria que lhe será dada - estar emos de imediato liquidandoesta Filosofia. Poderá a partir de então reproduzir ideologicamente o que é vigente, só. " Pense" o que quiser, será sempre ideológic

Tal Filosofia ficará impossibilitada de, antes de mais nada,criar um mundo - o que equivale a dizer: destruir um mundo, aque

le que impede o próximo. Visará manter o mundo dado com toda a sua seriedade. Assim, as duas características anteriormente

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30Filosofia e negação

exigidas, autenticidade e cidadania, ficam prejudicadas. E a Filosofia permanecerá entre-nós como aquele agregado de Machadde Assis, o José Dias, que aplaude e concede para sobreviver.

A Filosofia não pode prescindir de sua missão primeira: des

truir um mundo. Efetivamente, o que é Filosofia? A mim pareceser isto: dizer o contrário.

Esta, a lição primária que uma história do pensamento dever ia sempr e ressaltar . Os grandes momentos do pensamento sur gemno auge de uma curva, dando consistência e definição a um momento do processo histórico. E condensam isto numa intuição po

tencialmente criadora. Imediatamente após o período de criaçãsurge a cristalização e a esterilidade - e aí encontramos os pretensos seguidores. É quando aquela intuição originária se perde nalguma escolástica. Só mais tarde surgirá o verdadeiro sucessor: aquelque disser o contrário, respondendo à intuição envelhecida em conceito com uma nova intuição. E o processo segue.

Antes de mais nada, Sócrates diz não a tudo que o precede,como Tales havia dito não às cosmogonias e como Platão dirá nãoa Sócrates - encontrando em Aristóteles aquele que lhe diz o contrário. Os verdadeiros seguidores de Platão não são os neoplatôni

cos, pois estes festejam um cadáver. Poderíamos construir toduma história da Filosofia, que se recusasse a ser mero arsenal ilus

trativo de dados históricos, mostrando que qualquer momento criador foi, na origem, uma negação. Isto não envolve, advirto, a idéia

de uma necessária sucessão linear que conduzisse a um "progresso" contínuo para algo melhor - apenas envolve momentos legítimos de um processo que, embora produto humano, nos escapaem seu sentido globaL

Oswald de Andrade, que entre-nós representou um momento de devastadora destruição e, por tanto, de máxima criação, fezbem em notar com relação à arte: "Essa necessidade de modernizar é de todos os tempos (...) Giorgio Vasari, o grande crítico doRenascimento, fala sempre e insistindo em exaltar, na 'maneiramoderna' de Leonardo da Vinci, de Rafaelo Sanzio de Urbino,

esses que são hoje os clarins supremos do classicismo. E o são justamente porque foram 'modernistas'. Se não o fossem, aguavam

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Filosofia e negação 31

repetindo Giotto e Cimabue, em vez de produzir a Língua novda Renascença."4

Qualquer conhecimento inicia sendo negação, ou seja, comoessencialmente crítico. O que não é, está visto, exclusividade d

Filosofia. Das artes plásticas à ciência, assistimos à sucessão de intu ições cr iadoras degradando-se em estereótipos até serem recuperados por nova intuição.

Há, no entanto, uma condição par a este não. A crítica é algo a ser assumido, é uma posição do espírito. E não a assumo d

  ponto de vista da eternidade. Por um motivo simples: não estou

na eternidade. Estou no tempo, num lugar. Ao assumir a posturacrítica a partir deste tempo e lugar, deixa de haver  distância entr o que digo e o que sou - inexistindo qualquer  diferença entre estar e ser. Digo o que sou. Isto é Filosofia. Meu streap-tease cultural.

Entre-nós, porém, encontramos atitude oposta, que chamar de "mito da imparcialidade". Queremos estar acima das oposições.

  Não no sentido de assumi-las e então resolvê-las. Mas no sentidode evitá-las e então dissolvê-las. Aguando, como diria Oswald dAndrade.

E fato constante nossa tendência a evitar o choque de idéiae as tomadas de posição. Encontramos sempre um meio-termo entre, digamos, idealismo e realismo, subjetivismo e objetivismo, ehouve mesmo quem entre-nós encontrasse um meio-termo entr 

  positivismo e marxismo, disparate que me intriga. Tudo isto poderia consistir em empresa louvável, mas não do modo como a conduzimos: dissolvendo oposições. Cabe, a propósito, alertar que nmeio não está a virtude, como muitos pensam. No meio está  medíocre.

Eis por que, não assumindo uma posição nossa, um pensar   brasileiro torna-se impossível - impossibilitado de criar por nãaceitar destruir o passado que nos impuseram -, recusando assumir sua condição básica: que seja nosso, negador do alheio.

4. ANDRADE, Oswald de. Ponta de Lança. 3? ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasra, 1972, p. 12.

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CapüubS

O mito da impar-cialidade: o ecletism

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O mito da imparcialidade: o ecletismo

Trazendo em seu espírito o reflexo das faces mercantil e

feudal do domínio, ceve a intel-Ugentsia nacional que conciliar  também o liberalismo econômico e o instituto da escravatura, procurando ajustá-lo àrealidade do país. Ademais, tudoa levava a uma ideologia da mediação.

PAULO MERCADANTE(A Consciência Conservadora no Brasil)

Brasil aconteceu ser o paraíso de algumas outras coisas

além do futebol e do jogo do bicho. Entre elas, o ecletismo e o jeito.

"A corrente eclética representa o primeiro movimento filosófico plenamente estruturado no Brasil (...).

  No meio século transcorrido entre as décadas de 30 e 70 inserese a formação, o apogeu e o declínio do ecletismo no BrasiL A

sementes lançadas sob o manto da autoridade de Cousin, filósof oficial na França de Luís Filipe (1831/1848), encontraram terrenfértil Se não chega a estruturar-se numa autêntica corrente filosófica, a doutrina configura plenamente o espírito da elite dirigenteconstituída durante este período. Sinônimo de simples justaposiçde idéias, perde, no Brasü, toda e qualquer conotação negativa

é adotado, quase universalmente, com a denominação de esclarecido, qualificativo que visa sem dúvida enobrecê-lo. Mais que isto,a própria vitória da conciliação no plano político, durante o Segudo Reinado, é atribuída ao estado de espírito que se identificavcom o ecletismo." 5

5. PAIM, Antônio. História das IdéiasFilosóficas no Brasil 1? ed., São P1967, pp. 75 e 104.

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, pp 

34 O mito da imparcialidade: o ecletismo

As idéias deste filósofo menor, Cousin, espécie de hegelianimo dissolvido aos limites da inconsistência, vieram a ser não apenas aquilo em que o espírito das elites dominantes se viram r etr atadas, mas, sobretudo, as frouxas bases sobre as quais se fundou

uma autêntica ideologia da conciliação. Seus traços mais marcantes ser iam: 1? - a desconfiança com os "sistemas", que seriam camisas-de-força do espírito; 2? - a crença de que a " verdade" podria ser o resultado de um mosaico montado a partir de inúmeros

  pensadores, o que, além de livrar-nos dos perigos dos sistemas,  permitiria um enriquecimento indefinido, aproveitando-se de ca

da sistema o " melhor" - daí a qualificação de " esclar ecido" ; diziaCousin: "O que recomendo é um ecletismo ilustrado que, julgando com eqüidade e inclusive com benevolência todas as escolas,peça-lhes por  empréstimo o que têm de verdadeiro e elimineque têm de falso" ; 3? - finalmente, a crença tipicamente narcisista e imatura de que, assim agindo, estaríamos dando mostras de

"espírito aber to" , " esclar ecido" , não-dogmát ico - mito que ser ianotável relacionar com aquele da natural "bondade" do brasileiro,ou com os mitos da " cordialidade" , da " democracia racial" , das " revoluções sem sangue".

 Não é minha pretensão desenvolver aqui as peripécias históricas descritas pelo ecletismo entre-nós.6 Quero outra coisa. Me pa

rece que o ecletismo não foi entre-nós apenas um movimento, o  primeiro a se estruturar, ou o simples reflexo de uma determinada situação política e social. Produto direto da indiferenciação intelectual brasileira, que por sua vez é produto da dependência cultural que até hoje perdura, creio que no ecletismo tenhamos revelado muito mais do que normalmente se supõe. É manifestação de

alguns traços básicos de nosso caráter  intelectual e de nossa conção política, e continua vivo, ainda encontradiço, prezado e vigente entre-nós. Saber como se manifesta, porque optamos por ele,

6. Sobre o tema, além da obra de Antônio Paim acima referida, o livro de José Honrio Rodrigues: Conciliação e Reforma no Brasil, um desafio histórico-cultural. CivilizaçãoBrasileira, Rio de Janeiro, 1965, onde se faz uma análise de nossa característica "politica

de conciliação" e a obra A Consciência Conservadora no Brasil, de Paulo Mercadante, Riode Janeiro, Civilização Brasileira, 2? ed., 1972

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O mito da imparcialidade: o ecletismo 35

onde se encontra, eis algumas coisas que urgiriam ser respondidas.Compõe o que chamo de um mito brasileiro: o espírito da impar cialidade.

Fica claro neste mito que, se ainda não criamos qualquer po

sição filosófica nossa, demos variadas mostras de imaturidade intelectual, e, no ecletismo, retratamos nossa hesitação em assumir um ponto de vista que nos permitisse uma síntese original De resto, reflexo da dependência cultural que desde sempr e nos acompanha.

Gostaria de começar  por uma afirmação óbvia e altament"ingênua": a de que o Brasil é um "país jovem". Esta expressãoque circulou com sucesso durante anos, ressalta nossa pujança vir tual e grandeza ainda não realizada. Com a transformação histórica operada pela consciência da dependência, caiu em desuso. E

a noção de "país subdesenvolvido" ganhou cidadania.7Mas peço licença par a usar a expr essão num sentido mais si

ples e elementar, prescindindo por ora das implicações da dependência para a devida compreensão da despersonalização em quenos encontramos. Viso ressaltar tão-somente que este país foi descober to em 1500 - há 476 anos - mas que apenas em 1808, vin

do a Corte para o Brasil, ganhou alguns favores mínimos, sem oquais um país não pode (sequer ) pr etender existir . E só em 182tornamo-nos formalmente independentes. Estes dados poderiamser complicados para ganhar em consistência, mas pretendo me limitar a isto: de.país colonizado passamos a fazer parte dos satéli

tes dos impérios que emergiam e, de fato e materialmente, nossa

dependência prolongou-se, assumindo diferentes formas, às vezestão sutis que chegamos a pensar, sem brincadeiras, que éramos livres. Resta, portanto, a constatação de que este país tem uns cento e poucos anos, num critério fraco e condescendente - e que teria ainda menos, caso o critério viesse a ser mais severo.

7. CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. Reviste Argumento, São Paulo, 1:6-24, out, 1973.

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36 O mito da imparcialidade: o ecletismo

O jovem leva uma vantagem: ainda não se cristalizou em posições rígidas e defensivas. Há, no jovem, a disponibilidade indispensável ao trabalho criador: o gosto pelo novo, o risco do incer to. Em oposição, o passar do tempo se acumula sob forma de rigi

dez e fracasso na criação. Mas cuidemos da conclusão apressada:a de que o jovem seja por si mais criador do que o idoso. E cuidemos da facilidade oposta : a de que só o homem " exper iente" se

 ja capaz de criar . Não. O tempo não é exper iência. Pode ser esclerose.  Numa visão ligeira, envelhecer seria um caminhar no senti

do do futuro - o que não cor r esponde à ver dade. Caminhar em

direção ao futuro é a característica do jovem, ocorrendo envelhecimento quando se inicia o processo inverso: a volta ao passado, sua pr eservação, dele se fazendo sempr e mais dependente. No qu e envelhece, o risco é o hábito - a infindável repetição daquilo que f antes uma resposta criadora. O perigo é a tensão, inerente ao passado, de buscar perpetuar-se, oferecendo as mesmas respostas a

questões que agora são outras.Esta, a ameaça do passado. Mas há outro ângulo. O pass

do não se acumula somente sob a forma de hábito, mas, virtualmente, introduz a possibilidade da memória. E se o hábito faz coque se repitam mecanicamente respostas caducas, a memória é

 potencial cr iador sempr e disponível com o qual a história pode contar

O jovem está, num cer to limite, livre de um passado que ameace escravizá-lo - simplesmente por não existir ou por nã o ter atingido a intensidade necessária. Na apar ência - como se isso nãdependesse de uma posição do espírito -, sendo o Brasil um pa

 jovem, estaríamos menos próximos dos perigos da esclerose. Mcom o que podemos contar? Já foi dito, de resto, ser o Brasil um

país sem memória. Nosso ceticismo destruiria esta consideraçãono sent ido de levar em conta - com r elação ao passado. Pa r eceque estamos condenados a sempre partir do zero.

Desta forma, um país jovem pode ser apenas infantil. Se nãcorre o risco da esclerose, não conta com o potencial criador damemória.

É neste contexto contraditório - na ver dade apenas vital -que se dá (ou não) o ato de assumir-se uma personalidade defini-

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O mito da imparcialidade: o ecletismo 37

da, propondo uma Filosofia. Foi concretizando esta personalidade assumida que ao longo da história o espírito criou a si mesmPor isso, a questão de uma Filosofia brasileira encontra-se com aurgência de ter que assumir uma Razão Brasileira.

Para que isso ocorra, precisamos atinar que o passado, o presente e o futuro não são coisas dadas, mas criadas - primeira condição de pensamento or iginal. O passado, na apar ência, é dado -do ponto de vista em que nos encontramos. Mas ele mesmo éuma questão em aberto: foi feito e poderá ser recriado em inúmros sentidos se encarado como memória. Só na medida em qu

assumirmos a essencial temporalidade e contingência inerente ao  processo de criação de um espírito brasileiro, assumindo ao mesmo tempo nossas contradições e alienações, tomaremos posse deuma das condições do pensar brasileiro: nossa posição.

Algumas constatações de fato. Nã o há, em Filosofia, algo queseja uma posição br asileira. Há uma ilusão: a de que possamos, im

  parcialmente, usufruir benefícios das mais diversas reflexões estrangeiras, delas retirando o "melhor". Desde sempre visamos extrair 

do pensado por outros aquilo que poderá nos ser  útil - e isto contitui o mito da imparcialidade. Entre-nós, é atitude freqüente bucar dissolver oposições, justapondo subjetivismo e objetivismo, materialismo e idealismo, racionalismo e empirismo - como se tal atitude pudesse, impunemente, ser adotada. Sem nos cobrar o preço daquilo que poderíamos ser. Assim, nos falseamos, nada sendo

E nada assimilamos. A condição mínima de assimilação é a existência prévia de uma estrutura que assimile. Não existe assimilaçãneutr a, na qual só a objetividade bruta do conhecido impor te. Exige-se a presença do fator originante do conhecimento: a posiçãdo sujeito.

E pretensão ingênua querer tudo assimilar, dissolvendo oposi

ções, extraindo de cada um o "melhor". Para extrair o "melhor",é necessário seletividade - e esta envolve um critério. Logo, um

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g , 

38 O mito da imparcialidade: o ecletismo

  posição. O vazio nada assimila. E o que determinaria o "melhor"?Fator originante do conhecimento, a posição do sujeito é

quem organiza a seletividade. A distinção entre um conhecimentocrítico e um conhecimento ingênuo como o praticado no Brasil

esta: a consciência clara dos critérios adotados. Só a partir da consciência de um critério é que deixo de me encontrar diante de umuniverso neutro, fazendo surgir um universo cognoscíveL Só assihaverá assimilação, não havendo apenas coisas a serem assimiladas, mas uma atividade criadora do sujeito que assimila.

Se no ecletismo se fizer presente algum critério, deixa de ser

ecletismo, passando a ser uma posição caracterizada pelo critériexistente. Além de ingênuo, o ecletismo é impossível. Como se pre haverá, por mais obscuro, algum critério, o ecletismo determna um tipo de Filosofia enlouquecida, que não sabe de si. Pois fazer Filosofia é colocar em questão os critérios, os pressupostos comos quais trabalho. Uma Filosofia não filosofada, eis a estranha coi

sa - numa estr anha expr essão - que se tem praticado no Brasil.  Nosso sono dogmático consiste em assumirmos uma posição qué, ao mesmo tempo, ingênua e contraditória.

Ausência de critérios críticos, além de absurda e caótica, n  pode ser confundida com abertura intelectual e menos ainda com"esclarecimento". E despersonalização intelectual e produz o mais

baixo dos produtos culturais: o ecletismo e seu pragmatismo cego.Essa indiferenciação intelectual gerou um monstrengo em termosde atitude filosófica: evitar oposições e dissolvê-las, ao invés de enfrentá-las e resolvê-las. Sérgio Buarque de Holanda deu expressãa este fenômeno: " E freqüente, entre os brasileiros que se presmem intelectuais, a facilidade com que se alimentam, ao mesmo

tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que sustentam, simultaneamente, as convicções mais díspares. Basta que taidoutrinas e convicções se possam impor à imaginação por uma rou

  pagem vistosa: palavras bonitas ou argumentos sedutores. A contradição que porventura possa existir entre elas parece-lhes tão

 pouco chocante, que alguns se alarmariam e se revoltariam sincera

mente quando não achássemos legítima sua capacidade de aceitlas com o mesmo entusiasmo. Não há, talvez, nenhum exager o

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O mito da imparcialidade: o ecletismo 39

em dizer-se que quase todos os nossos homens de grande talentosão um pouco dessa espécie".8

O que não quer dizer, sendo impossível, que não tenhamocritérios seletivos. Mas são da pior  espécie, sem consciência de s

sem reflexão ao nível crítico. Não usamos nossos critérios, somsuas vítimas. São formados por algo próximo do meio-termo (ode, já foi visto, não está a virtude, mas o medíocre), qualquer cosa que gostamos de chamar de bom senso, ponderação, sensatez,e que eu prefiro chamar de "senso impensado".

Um país sem memória não pode ficar esperando que um pasado caia do céu: pr ecisa construí-lo, pois mesmo um passado sconstrói - quando o faço para mim. E o paradoxo se dissolve: constniímos um passado voltando-nos para o futuro, escolhendo um

  projeto, um ponto de vista. Nossa posição.

Este gesto nos faltou: apostar. Lembremos que assumir uma  posição não é fechar-se ao real, mas condição de realidade. Assumir uma posição não significa embotamento. É, ao contrário, condição de existência, o momento em que passamos a conviver coma dúvida. O contrário é a despersonalização na qual nos encontr mos, atados a nosso dogma peculiar: a ingênua imparcialidade.

Todo pensamento é parciaL A partir do momento em quese põe. É delírio pretender um conhecimento absoluto, imutáveE aqui emerge outra de nossas contradições: de célicos, nos revelamos dogmáticos. Nosso ecletismo surgiu por não admitirmos limitações - querendo de tudo o "melhor", o saber completo -, pelo fato de sonharmos com a ilimitação. Ora, Platão é o ponto de vista

de Platão - nem poderia ser de modo diverso. Esta , a tragédia ea força de todo pensamento criador.

O dilema não é assumirmos ou não uma posição, mas àssu-mi-la com espírito crítico. O espírito da dúvida, que semprequando a Filosofia soube ser fiel a si mesma, a essência do pensa-

8. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do BrasíL 7? ed., Rio de JaneOlympio, 1973, p. 113.

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Olympio, 1973, p. 113. 

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mento. Daí o " mito da impar cialidade" revelar , por detrás da mácara de isenção e objetividade, uma fraqueza primária: a ausêncide risco. A incapacidade de ver no conhecimento um empreendimento a mais, uma invenção a ser levada a termo. A tentativa de

dissolver oposições. Dar um jeito. Não radicalizar.Isso revela um dos elementos de nosso ceticismo: a autocríti

ca impiedosa e castradora de um personagem que ainda não se libertou do imprímatur europeu. Nosso folclore cultural estána música e no romance, no esporte e no teatro, de momentoem que, aplaudidos na Europa, nos sentimos altamente satisfeitos,

pois a Europa novamente se curva diante do Brasil Na verdadeisso não r evela, na cifração do inconsciente - ou da má-fé, se quiserem -, a submissão da Europa ao Brasil, mas nossa imatura alegria por termos sido reconhecidos e aceitos pela Grande Mãe.No fundo, medo de assumir nossa posição. Medo de desligar-seda cultura européia, dela suplicando reconhecimento.

Entre-nós, portanto, a pobreza filosófica de um país não apnas jovem, mas sobretudo imaturo. Que ainda não conseguiu levar-se a sério, preso a modelos de seriedade providenciados estran

mente. No "mito da imparcialidade", recusamos estar no Brasil.E só deste estar poderíamos extrair um critério seletivo nosso, revindicando nosso ser.

Se nada fizermos, corremos o risco de continuar sendo apenas um país jovem que não sabe a que veio, nem o que tem a dizer. Por medo, omissão, covardia. E jamais inventaremos nossa

posição, nada vindo a ser. Sem termos providenciado nossa exclusiva problematicidade.E Filosofia, entre-nós, não será feita.

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Capítulo 6

O mito daconcóojeito

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42 O mito da concórdia: o

A gen te dá um jeito.

(Do povo)

0

ufanismo brasileiro privilegia um objeto: o jeito. É vozcorrente que damos um jeito em tudo, do existencialao político, do físico ao metafísico. E não paramos

ficamos muito satisfeitos em ser, pelo que nos parece,o único povo capaz de tão saudável atitude.Creio que o elemento constitutivo do jeito seja a não-radicali-

zação Um distanciamento das posições a ser em tomadas, o quecombina com nosso modo oblíquo de olhar as coisas e nosso peculiar ceticismo. Um homem que se exalta perde a capacidade de

"dar um jeito". Um país que entra num processo revolucionárinão soube descobrir o "jeito" de evitar coisa tão desagradável Ésaber ver: par a o br asileiro - futebol posto de lado - , o máximoridículo é ser apanhado "crendo". Seja em política, Filosofialigião. Nunca nos sentimos mais estúpidos do que no momentoem que alguém aponta a nossa radicalização, nosso empenho num

  projeto. Envolver-se determina a perda daquilo que confundimoscom espírito crítico: a imparcialidade da Razão Tupiniquim. Numa atitude dissolvente que sempre nos acompanha, ao modo demanter um pé atrás, nos afastamos das posições a assumir. Daí, ojeito.

  Nasce o espírito conciliador. Afinal, as coisas da existência,seja pessoal ou social, não estão aí para serem levadas tão a séri

Conciliador e obediente, cordial, o brasileiro jamais conduz as tensões àquele nível em que geram um limite sem retorno.

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q q g 

O mito da concórdia.' o jeito 45

O que fazer diante de uma condição, a existência, que continuamente se apresenta como urgente, exigindo que se assumauma posição? Existir é radicalizar . Radicalização que será posteriormente negada, num processo indefinido. Posição é estar e preten

der. Necessariamente uma escolha e uma radicalização. Não posso ver a vida como espetáculo, como não a posso ver do "pontode vista da eternidade".

Resta saber: a gente dá um jeito?

Justificamos nosso abandono ao ecletismo como antídoto aofanat ismo, já que abominamos soluções radicais. Louvável intenção,se supusermos que soluções possam ser não-radicais. Jeitosamente buscamos a conciliação, esquecendo e dissolvendo oposições.

Um exemplo: a burocracia. Esta lamentável coisa, exigida pe

la máquina que hoje nos utiliza, exerce uma tirania quase completa. O princípio da burocracia, no entanto, não é apenas a mecanização - fator iner ente a seu pr ocesso - , mas algo ainda anter ior :a desconfiança. Ou: a falência do humano diante do mecânico. Ofator alienado na burocracia é minha veracidade, mesmo a maispr imitiva, quando digo: eu sou eu. Bur ocr at icamente, só sou est e

"eu" que afirmo se o nego através de uma identidade. O reconhecimento da burocracia r ecai sobre o eu que não sou. Aquele 3 por 4.

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44 O mito da concórdia: o

Diante disso, o jeito. O extremo formalismo, que encontramos no social, r ecebe com o r esposta o jeito. O ascensor ista dáum jeito e não vê o cigarro que acendi O guarda rodoviário dáum jeito se meu exame de vista está vencido. Faço matrículas co

dicionais, a própria institucionalização burocrática do jeito.  Nosso ceticismo guarda a noção essencial de que por detrá

das formalidades se encontram valores mais respeitáveis do quum " eu" 3 por 4. O jeito é, portanto, uma maneir a mar ota d e desrespeitar a extrema formalidade em respeito a valores maiores.

Associado, porém, ao muito nosso "deixa como está para ve

como é que fica", o jeito nos tem conduzido a um vazio existencial dos mais estéreis. À custa de sempr e dissolvermos oposiçõesacabamos sem qualquer posição, vítimas disto que já identificamos:o senso impensado. Esta indiferenciação existencial na qual nosencontramos talvez explique o tipo de vítimas dóceis que nos habtuamos a ser dos colonizadores, dos senhores de engenho, dos co

ronéis, das potências estrangeiras, dos politiqueiros e dos regimeditatoriais.

A indiferenciação do senso impensado é tanto intelectual quan

to política. Afinal, coisas indissociáveis. Sérgio Buarque de Holada mostrou, citando Holanda Cavalcânti - "Nada há mais parecido com um saquarema do que um luzia no poder" -, que nadadistinguia realmente os dois grandes partidos do tempo da Monarquia, salvo rótulos. "Na tão malsinada primazia das conveniências  particulares sobre os interesses de ordem coletiva revela-se nitidamente o predomínio do elemento emotivo sobre o racional" 9

Embora a observação seja precisa, não me parece suficiente. Embora a constatação esteja correta, o fundamento desta crítica parece fraco. Analisar a partir do pressuposto de que "somosum povo pouco especulativo" é coisa perigosa e, de resto, falsa.Representa, em última análise, introjetar a dependência. Todos sa

9 BUARQUE DE HOLANDA Sérgio Op ciL p 137

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9. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Op. ciL, p. 137. 

O mito da concórdia: o jeito 45

  bemos que não é o povo o encarregado da direção política, assimcomo não é o povo que, por consenso, escreve obras de Filosofia.São elites. As elites políticas.e intelectuais. O que precisaria ser ressaltado é o estado de alienação destas mesmas elites - do que,

seja dito, Sérgio Buarque de Holanda não esquece. O desapegda realidade em volta, a falta de identidade com o povo e a preocupação incestuosa com uma distinta e idealizada Europa fizeramcom que as elites políticas, através de seus representantes inteletuais e cuidando de seus interesses, ficassem inteiramente alheiasa uma realidade brasileira. Pois a elite brasileira sempre teve hor

ror ao que a circundava. Preferiram esquecer isso, que era feio echocante, e voltaram-se para as questiúnculas metafísicas, refugiando-se "nó mundo ideal de onde lhes acenavam os doutr inadoresdo tempo. Criaram asas para não ver o espetáculo detestável quo país lhes oferecia".10

O resultado concreto foi a importação, pelas elites dominan

tes, de modelos políticos, econômicos e educacionais inteiramentestranhos às nossas condições e àquilo que somos e viemos a ser.Não tão estranhos, porém, aos interesses destas elites.

Envolvidas em lutar por interesses internos e/ou externos, aselites mostram uma desvinculação tão mais sensível quanto maiora teorização "ornamental" utilizada para justificar sua ação e po

der . Daí a enxur rada verbalística que sempre envolveu, entre-nóa discussão política e de idéias. O discurso brasileiro não apresentou nunca aquela característica de buscar um desvelamento denossas urgências e importâncias, antes pelo contrário.

Se um saquarema é idêntico a um luzia, a indiferenciação denuncia a inconsistência de nosso ecletismo, produto de senso impensado. Os partidos políticos têm apresentado entre-nós a oposção mais estranha: nenhuma. Somemos a isso a "jeitosidade", ahábil conciliação de uma teoria grandiloqüente com uma realidade simplesmente esquecida. Nesta alienação, as origens da RazãoOrnamental, da teorização barroca e sem compromisso com oreal - exceto quando se tr ata de legitimar o vigente.

10. Idem, p. 140.

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10. Idem, p. 140. 

46 O mito da concórdia: o

Obra de uma elite desvinculada das urgências históricas d pais, os partidos políticos em nada se diferenciam, exceto pelos interesses dos grupos que representam. "No Império de D. Pedro Ifoi o ecletismo recebido com aplausos gerais, graças à inércia po

tica daquela sociedade escravocrata e semipatriarcal, onde a luta  pelo poder não passava de intrigas palacianas, onde os partidosnão representavam nada de substancial, sendo manejados displicentemente por um monarca bocejante e onde, finalmente, por essaépoca, o Marquês do Paraná formava o mais heterogêneo e amorfo dos governos, a que a história batizou precisamente com o pre

dicado próprio da Filosofia eclética, como o Gabinete da Conciliação." 11

Inconsistente e indiferenciada, nossa posição política gerariaum novo fanatismo: o da concórdia. Não comportando em si ochoque de idéias, buscando antes dissolvê-lo, as divergências devem

ser  excluídas. Oliveira Viana acerta ao dizer que entre-nós "o adversário político é considerado pelo vencedor um verdadeiro outlaw" . Não estando prevista a oposição real - posto que o ecletismo suprime a noção de oposição -, os que se atrevem a radicalizar passam a ser olhados com hostilidade. Se por um lado o brasileiro atura de tudo - chegando, no carnaval, a aturar o próprio

avesso da realidade séria -, por outro lado hostiliza, de modo pmário, aquilo que questiona seus comodismos de instalação. E nós,  pretensamente tolerantes e esclarecidos, os ecléticos de espírito

aberto, mostr amos nossa verdadeir a face: a intolerância. Uma intolerância séria. Aquela que constitui, por indiferenciação intelectas igrejinhas de políticos, artistas, filósofos de academia, grupos rivais, com suas trocas de favores, elogios, influências e idéias inevitavelmente vazias. Isso casa perfeitamente com a intolerância política. As igrejinhas de intelectuais são os PSDs lítero-musicais.

Esta, a expressão máxima de nosso pretenso espírito eclét

co e conciliador: o fanatismo do mesmo. Os grupos são lugaresde privilégio das elites na partilha do poder. Nesta prisão primári

11. VITA,LuísWashington.Escorço de Filosofia no Brasil Coimbra, Atlântida, 1964, p. 5

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O mito da concórdia: o jeito 47

que é o grupo fanatizado, a visão mágica emerge. Divergir é crime. Discordar é subversão. Perguntar já é um ato de desobediência. Isso no país do jeitinho, do homem cordial, do carnaval eter no. Com efeito, o real não apresenta a linearidade das distinçõeslógicas. Nele, o indiferenciado, o inconsciente, é o que mais atuae sob a forma mais arcaica.

Urgente, pois, que se faça a leitura além das aparências domitos com os quais gostamos de nos revestir de modo narcisista.Além da cordialidade, do espírito aberto e conciliador; são mitoe apresentam algo comum aos mitos: estruturam uma visão de

mundo e pretendem ser  inquestionáveis. Gerados pela ausênciade uma posição crítica, são produto da indiferenciação intelectualEis por que, ausente a crítica, seu contrário emerge sob a formde intolerância, sectarismo, partidarismo estéril, repressão, censura - um campo fértil para a atuação da autoridade irracional e para os regimes que dela façam uso.

Quanto à Filosofia, é grave que entre-nós tenha se recusadoa cumprir a missão que lhe seria própria: ser o centro da consciência crítica, da negação de nossas falsificações existenciais. A inex-pressividade da Filosofia no Brasil se deve ao fato de ocorrer, sem

revolta, ao nível de repressão difusa no todo social. E esta despersonalização, ainda não pensada entre-nós, que destrói a possibilidade de um pensamento nosso. Se esse pensamento quiser existir,deverá traçar  para si um caminho marginal, ousar, sair do sér coisas que vão contra predisposições assumidas ao longo de tan

to tempo que, hábito arraigado, nos aprisionam. Assim, não umpaís jovem, mas apenas infantil - e isso não se r efer e ao povo,mas àqueles que dizem falar em seu nome. E país ameaçado denvelhecimento precoce, já que vítima de uma história dependente, devedor do passado.

Se quiser sair do bolor  universitário e acadêmico, a Filosofia precisa realizar entre-nós a conquista de cidadania crítica, radicalizando nossa posição.

Quanto a isso, não há como dar jeito.

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Captiub 7

Originalidade ejeito

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Originalidade e jeito 49

Sempre enfezei ser eu mesmo. Mau mas eu.

OSWALD DE ANDRADE(Ponta de lança

S

e nos limitarmos à superfície, o jeito é promotor de uma

atitude de tolerância e de abertura intelectual Comoexpressão da Razão Conciliadora, um dos produtos maislamentáveis, de potencial despótico e conservador.

Há um retrato possível, cruel mas verdadeiro, do  praticante de Filosofia no Brasil - a imensa maior ia composta de professores, tipos entre os quais predomina, a despeito das alegóri

cas pretensões reformistas (idealizadas, de resto), o espírito maisretrógrado e legitimador do vigente. Neste retrato vemos algué

sempre disposto a encontrar analogias - as quais pretende brilhantes - entr e as teor ias mais opostas e irreconciliáveis, fazendo suatradicional salada filosofante, onde, em proporções idênticas ounão, entra algo de tomismo e de Comte, de Comte e de Marx,de Marx e de estruturalismo, de estruturalismo e Marcuse.

Ocorre, porém, uma coisa estr anha: o mesmo homem que r ealiza a mais dissolvente conciliação, urra de ódio contra os opositores. A maldosa crítica fora de propósito, dirigida contra pessoasnão contra idéias, passa a ser então a arma de que se vale este curioso arrivista, o intelectual tupiniquim. Somos incapazes de convi

ver e dialogar com alguém que discorde de nosso modo de ver -embora sejamos capazes de conviver com autores e obras mutua-

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50 Originalidade e jeito

mente excludentes, adotando a todas com igual entusiasmo. Noque se percebe pouca razão.

Há razão, porém. Mesmo o irracional tem uma Razão através da qual podemos dele nos dar conta. A at itude conciliadora é

ausente de critérios, de intuições geradoras de pensamento. Pensar é unificar. O esforço secular da Filosofia tem sido a tentativa,continuamente renovada, de apreender o real num único ato dsaber . Comumente - e isto é ostensivo entre-nós - confundimoo filósofo com aquele sujeito que sabe muitas coisas e que discursa sobre tudo. Em suma: o filósofo é tido como o homem de mui

tas idéias. Equívoco total. O filósofo é o homem de uma idéia  Idéia que, por sua virtualidade criadora, é capaz de desenvolver no espírito uma visão unificada do mundo.

A razão desse nosso despotismo intelectual tavez seja esta:

se um objeto qualquer é submetido à Razão Conciliadora apresentando contradições, a única coisa a fazer é suprimir a oposição.Explica-se: se a Razão Conciliadora não dispõe de critérios explíci

j tos para pôr em questão situações que lhe escapam, se não sabedar r azões de suas alternativas, só lhe resta se dirigir ao por tador da idéia e não à idéia ela mesma. Impossível enfrentá-la.

Daí a ocorrência de var iados modismos entre-nós. Indiferen-I ciada e personalista, nossa " Razão" saltita d e galho em galho, r e-

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Originalidade e jeito 51

  produzindo posições que, como na recente moda estruturalista,nada têm a ver com qualquer urgência brasileira. Há muitos anoscalada, a "inteligência" brasileira voltou-se para um formalismodelirante, novidadeiro e pernóstico, e "esqueceu" o que a fazia ca

lar. Esquecimento que ocorre diretamente ligado ao fato de que,não dispondo de critérios assumidos criticamente, a problemáticfilosófica no Brasil não se gera por uma problematização internae vinculada às urgências do país, tese já defendida por Sylvio Romero em 1878. "Na história do desenvolvimento espiritual no Brasil há uma lacuna a considerar : a falta de ser iação nas idéias, a au

sência de uma genética. Por outros ter mos: entr e nós um autornão procede de outro; um sistema não é uma conseqüência de algum que o precedeu. (...) A leitura de um escritor estrangeiro, a  predileção por um livro de fora vem decidir a natureza das opiniões de um autor entr e nós. As idéias dos filósofos, que vou estudando, não descendem umas das outras pela força lógica dos acon

tecimentos. (...) É que a fonte onde nutriam suas idéias é extrana-cionaL" 12

É bem verdade que, desastradamente, após fazer esta constatação de grande valia, Sylvio Romer o acr escenta: " Não é um prejuízo; antes equivale a uma vantagem".13 E passa a fantasiar em torno de um " cosmopolitismo" que o impediu de determinar , já em

1878, a origem real da constatação que fizera. Mas seria pedir demais, talvez.Estas observações - conciliação ou supr essão do pensamen

to alheio - nos conduzem à seguinte característica da Ra zão Ornamental: a vigência entre-nós de coisas que, em dados momentos,são de bom tom ler, comentar ou pensar. Tendo se furtado a res  ponder a urgências históricas nossas, a grande crise do intelectualtupiniquim é viver mendigando consideração e reconhecimento.Mas busca este reconhecimento numa possível identificação com

  pensadores de nações "mais cultas", equívoco através do qual bu

12. ROMERO, Sylvio. A Filosofia no Brasil: ensaio crítico. In: Obra Filosófica. RJaneiro, José Otympio, 1969, p. 32

13. Idem, ibidem.

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ca aceitação. Quer ser aceito sem perceber que ser aceito é morrer para a Razão. Querendo ser sério - para então ser levadsério -, policia-se: o que pensar, o que ler, o que escrever. Seuquecimento consiste nisto: esqueceu-se de que pretende ser reconhecido pelo que não-é. Seu pensamento, portanto, será puro or namento.

Duas são as possibilidades de defesa desta Razão alienada:

ou conciliar  ou suprimir. Expressões de seu abandono do real, aconciliação e a supressão não se realizam com relação às coisascircundantes, mas com as teorias que versam sobre o real. A Razão Conciliadora lida com razões anteriormente dadas do real -não com o real enquanto taL O pólo que centraliza nossa Razãosão teorias enquanto verbalizações, posto que o real sobre o qual

versam é o estrangeiro.Esta, a razão pela qual, em matéria de Filosofia, viríamos ser fazedores de misturas ideológicas. Por exemplo: "A tarefa deconciliar Marx e Comte seria daquelas a que Leônidas de Rezende se entregaria de modo permanente e persistente".14 Desprezada a desagradável r ealidade que nos circunda, r estou ao intelectual brasileiro fazer Filosofia como quem, monta um quebra-cabeça: buscando o melhor ajuste (conciliação) possível e rejeitando(supressão) as peças mais rebeldes. Dando um jeito. Considerando tão-somente os "verbos" e suas possíveis ajeitações. Tomadasem lugar da realidade, as idéias filosóficas no Brasil passaram aviver, dentro da pirotecnia carnavalesca daquilo que chamo deRazão Ornamental, como seres em si. Ou, como teria dito José

Maria Alkmim - aliás, concretização quase perfeita da Razão Ornamental - " importam as ver sões, não os fatos" .

Havendo conclusão, esta é simples. Se não assumo com clareza posições vinculadas à situação em que me encontr o, só me r esta reagir primitivamente diante do que escapa à minha possibilida-

14. PAIM, Antônio. Op. cit, p. 22R 

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, p , p 

Originalidade e jeito 53

de de conciliação: supr imindo. Só levando isso em conta poder emos utilizar a oposição entre o "emocional" e o "racional" paracompreendermos o caráter  brasileiro. A supressão é carregada deemoção na medida em que representa o retorno de um conflito

que foi esquecido pela Razão Ornamental.Reconheço que seja ir r itante aceitar o jeito - objeto de

nosso deslumbr ado ufanismo - como retrato de uma alienação intelectual e política. Mas, para além de qualquer envolvimento emocional, devemos reconhecer que o jeito, se pode dar origem a umtipo de humanismo tipicamente brasileiro - ainda não pr ecisado,

de resto -, é também responsável pela rudimentaridade de nossaposições. O que se revela em nossa busca de semelhanças, na tentativa de ver em tudo o "mesmo", quando é da essência do espírito apreender em tudo as oposições no interior de um processo.Ou seja: o diverso. Nesta paixão pela "mesmidade", a falta de consistência do pensar  entre-nós. Eis por que qualquer Razão, para

vir a ser expressão brasileira, precisará dar-se conta desta ingenuidade: ver em tudo o "mesmo". Deixada no esquecimento, esta atitude nos impede de chegar ao irredutível das coisas. Aquilo queelas têm delas próprias.

Por aí se percebe que não será com o acúmulo de dados, teses, argumentos que se chegará à Filosofia. Urge buscarmos suas

raízes noutra parte. De fato, chegamos à Filosofia através de algmais simples e primitivo, uma originalidade anterior a qualquer  erudição: a tragédia. É através da tragédia que chegamos às urgêcias de nossa posição.

Se as origens da Filosofia se encontram na tragédia, é fácilperceber por que tantas pessoas fogem dela. Fuga que procedepela supressão. Existindo duas formas de supressão, uma delas pela simples afirmação. Me explico. Ou abandono a Filosofia comoalgo metafísico e me dispenso de fazê-la, ou a afirmo sem mais,como se seu existir fosse óbvio, o que também me dispensa de fazê-la, pois já a encontro feita. Estas duas posições têm isto em comum: ambas exigem da Filosofia uma importância em si.

Ora, filosofar é dar-se conta da Filosofia. Dando razões de

sua existência e assumindo os riscos seguintes. Ela não tem qual-

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54 Originalidade e jeito

quer  importância que possa se impor a mim antes do mem que eu me importe. Ao darmos a existência da Filosofia como óbvia, ela se vê transformada em sistema acabado, ao modde um arquivo de primeiros socorros existenciais. Se dou sua im

portância por suposta, a tarefa do pensamento se empobrece, re-duzindo-se à busca de um bom ajuste entre fórmulas e modelos,estruturas e conceitos, mais ou menos como me comporto dianteda necessidade de cumprir à risca uma receita de bolo. Irei julgar que ao menos vir tualmente - como o bolo da receita - ela já seencontr a lá, acabada. Mas não se esgota aí a falência desta atitu

de. Se a pressuponho feita, jamais a faço minha. E seria justamente nisso que consistiria dar-lhe existência.A supressão da questão a respeito da Filosofia ou a supres

são da própria Filosofia, como, por exemplo, encontramos no to-mismo e no neopositivismo, explicariam por que, conciliando, jamais tenhamos chegado à originalidade.

Conciliação é sempre do prévio, jamais do or iginal - nãovendo sentido na aplicação da palavra conciliação no último caso.Conciliar exige admitir algo como pressuposto; por exemplo: umaimportância em si, que existirá ou não. Daí a incompatibilital entre uma originação da Filosofia brasileira e a atitude de conciliação. Tida como prévia, jamais será original.

Uma Filosofia condenada a não ser original está condenada

a não ir às origens, pois é isso que a palavra originalidade significa. Não o novo, mas aquilo que lida com as origens. Nada, portanto, poderá ser dado como prévio. Tudo deve estar em questãoEsta, a tragédia.

E inteiramente estranha à Filosofia uma atitude de conciliação que tome idéias como coisas dadas em si mesmas. Sem a críti

ca desta questão, qualquer  esforço de pensamento estará, entrenós, a serviço da Razão Ornamental. Mais simplesmente: enquanto a Filosofia no Brasil não encontrar suas condições de originalidade, não poderá, está visto, ter origem.

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Caputilo 8 

 A Filosofiaentre

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56 A FUosoãa entre-nos

 Babei 'Filosofia latinoamericana' en el momento y en lamedida en que el pensar  laánoamerícano logre articular su

 pr opio discur so de lo universal situado, encontr ar d lengua jeinhérente a su propia situation histórica.

MARIO CASALLA

(Razón y liberati

Creio que possamos admitir pacificamente a existênciade Filosofia no Brasil, clarificado o sentido deste termo.Há Filosofia no Brasil porque ela aqui se encontr a entr enós, manifestando sua presença. Talvez um corpo estranho, mas pr esente. Não só contamos com documentos

a respeito, documentos com data marcada, como encontramos revistas e livros que versam sobre seus temas. Aqui realizam-se congressos, encontros, debates, e nos currículos universitários a Filosofia consta obviamente - cada vez menos, mas consta. Tudo isso indica que a Filosofia está entre-nós. Como um parente distanteuma tia talvez, que chega e vai ficando -mas, seja como for, entre-nós.

Esta presença e seu caráter  se evidenciam se procurarmoextrair o negativo das seguintes palavras de Luís Washington Vita:" De fato, cumpr indo seu destino e sua vocação, o pensamento br asileiro, mais do que criativo, é assimilativo das idéias alheias, e,ao invés de abrir rumos novos, limita-se a assimilar e a incorporar o que vem de fora. Daí a história da Filosofia no Brasil ser, em

geral, uma história da penetração do pensamento alheio nos recessos de nossa vida especulativa, ser, em suma, a narrativa do grau

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A Filosofia entre-nós 57

de compreensão, da nossa capacidade de assimilação nas diferentes épocas e do nosso quociente de sensibilidade espiritual".15

Em termos de retrato, perfeito. Mas creio que Luís Washington Vita não conseguiu extrair do negativo que tinha nas mãos a

revelação verdadeiramente significativa. Afirma que "cumprindoseu destino e sua vocação" - o que equivale a dizer que existe inscrito em algum céu tr anscendental algo que seja o " destino" e a" vocação" do pensamento brasileiro. Ao contrário, vejo aí a confir mação de que, manifestação de um país dependente, nossos intelectuais assumiram ao limite o papel que lhes reservou a condição

de colonizados: serem assimflativos. Introjetou-se aqui a funçãodo dependente: compreender as idéias alheias e, curiosamente, reduzir a história da Filosofia no Brasil à narrativa de nossa "capacidade de assimilação" e de nosso "quociente de sensibilidade espiritual", quando, numa adequada compreensão histórica, caberia, isto sim, extrair desta constatação o significado mais profundo: os

modos de falsificação dos quais temos sido vítimas e co-autores. "Osimples fato da questão (como ser original) - nota Antonio Candido - nunca ter sido pr oposta r evela que, nas camadas pr ofundasda criação (as que envolvem a escolha dos instrumentos expressivos) sempre reconhecemos como natural a nossa inevitável dependência." 16

Com a naturalidade com que esquecemos de ser originais,deixamos de observar que um pensamento alheio se enraíza e temem mira uma situação histórica diversa daquela na qual nos encontramos. O que se envidencia pela preocupação de Luís W. Vitacom nosso "grau de compreensão" do pensamento alheio. Esquecemos igualmente que idéias vitais para um eur opeu ou nor te-americano poderão ser aqui meros ornamentos intelectuais, desfibra

dos e mambembes.Seja como for, há Filosofia entre-nós. Lembro, no entanto,

que isso não esgota a problemática a respeito de uma Filosofia  brasileira, propondo, no mais das vezes, seu avesso: os sinais de

15. VITA, Luís Washington. Op. à t , p. 9.

16 CANDIDO Antonio Op cit p 8

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16 CANDIDO Antonio Op cit p 8 

58 A Filosofia entren

seu esquecimento. Carentes de melhor distinção entre estas duasquestões - Filosofìa entre-nós e Filosofìa nossa -, encontem nossos historiadores de idéias uma marca constante: a quastotalidade do que se escreveu sobre o tema baseia-se num equívo

co primário. Este: confundir o valor ou existência de livros de Filosofia escritos por brasileiros com o valor ou existência de uma Filosofia brasileira. Eis o que permitiu a Lufe W. Vita a estarrecedo-ra afirmação: "Há Filosofia num pafe quando existem nele filósofos".17 O autor obscurece e embaralha a questão, confundindo osdois problemas. Assim, chega a concluir que "por isso podemos

afirmar que há Filosofìa brasileira"16 sem o menor sobressalto.Este, o equívoco básico sobre o qual elaborou toda espéc

de ufanismo embandeirado ou pessimismo diluidor - confor me sejulgue estarem as obras entre-nós produzidas à altura ou não dasestrangeiras. Pretendeu-se que a constatação de uma Filosofia entre-nós fosse critério suficiente para a inferência de que existe um

Filosofia brasileira. Que existam autores de obras filosóficas entrenós não pode ser objeto de dúvida. Basta consultar alguns catálogos. Que tais autores sejam, em alguns casos, do melhor nível, também não pode ser contestado. Ocorr e que isso não diz r espeito àessência da questão aqui levantada. Na verdade nunca se perguntou, a sério, quais as condições de uma Filosofia brasileira, limitando-se a sondar, de modo vicioso, o valor de autores que aqui escrevem ou escreveram.

Elaborando em cima de equívocos desta ordem, ocorreu naspáginas da Revista Brasileira de Filosofìa19 um curioso debate en

tr e Vilém Flusser e Nelson Nogueira Saldanha que tem o valor 

17. VITA, Lufe Washington. Op. cit, p. 14.

18. Idem, ibidem.

19. FLUSSER, Vilém. Há filosofia no Brasil? Demonstração em três pensadores expressivos. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, í7(65):5-9, jan./fev./mar., 1967 e Há Filoso

fia no Brasil? Diálogo de Nelson Nogueira Saldanha e Vilém Flusser. Revista Brasileira deFÉosofia, São Paulo, 27(67):3004, juL/ago./set, 1967.

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A Filosofia entre-nos 59

de sintoma. É significativo do plano em que se costuma colocar aquestão de um pensamento brasileiro. Vilém Flusser publicou umar tigo intitulado "Há Filosofia no Brasil? - Demonstr ação em tr ês

  pensadores expressivos". Começa emitindo conceitos que, no mínmo, exigiriam longas justificativas - "é absurdo falar na Filosofiade um país", por exemplo - e chega ao disparate total: "é isto qudistingue a Filosofia da maioria das outras disciplinas: essencialmente, ela não possui geografia nem história". Absurdo, é claro.Mas deixemos passar. Me importam coisas mais próximas.

O sr. Flusser levanta em seguida alguns traços que poderia

caracterizar o esforço filosófico entre-nós. Diz ser a Filosofia umrebelião "independente do tempo e do espaço". O que complicas coisas: se independente do tempo e do espaço, rebelar-se contra o quê? Bom. Há Filosofia entre-nós, voltando ao autor, porquesendo seres humanos, filosofamos. E haveria entre-nós a presença de um duvidar  e um distanciar-se "indisciplinados", o que seria

"uma herança de Por tugal e é, talvez, um caráter  latino em geral"Isso teria conduzido nossos trabalhos num sentido "desordenadamente eclético".

Mas, ao invés de tentar a revelação do negativo que tinhem mãos, já de si impreciso, preferiu apresentar o que seriam "três

  pensadores expressivos". E nos sumaria a obra de Vicente Ferrei

ra da Silva, Leônidas Hegenberg e Miguel Reale. Sequer pretendo me ocupar em saber se estes são ou deixam de ser pensadores  brasileiros. Nem me importa o valor do que escreveram. Por ummotivo simples: colocada nestes termos, a questão está viciada.

  Nada do que possa ser caracterizado como brasileiro foi precisado pelo autor, o que não permite a conclusão de que estejamos

diante de representantes, respectivamente, da estética, da teoriado conhecimento e da ética brasileira. De resto, juntar um possvel existencialista com um neopositivista e um culturalista, comorepresentantes de uma mesma coisa, me parece bastante problemático. Se na obra de Vicente Ferreira da Silva podemos encontrar uns lampejos de preocupação brasileira, um mínimo de esfor ço de memória nos mostra que pelo menos um destes autores,sr. Leônidas Hegenberg, houvesse escrito em inglês, ninguém not

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6 0A Filosoãa entre-nos

r ia diferença. Ficar ia até mais adequado.  Na resposta de Flusser, o sr. Nelson Nogueira Saldanha mos

tra-se desastrosamente provinciano. Julga uma ofensa não constar do rol dos "expressivos" nenhum representante de outros Estados,

onde, segundo diz, "há também grandes pensadores; o país teoutros metafísicos. A estética brasileira tem outr os lados, sr . pr ofessor!" É o equívoco no auge do delírio.

O que salva - no que é possível - é Vilém Flusser perguntaem sua réplica: "Bastam filósofos exemplares para que se possaresponder afirmativamente à pergunta? Ou não seria necessário,

  para tanto, um determinado clima filosófico que nos falta?Eis uma observação que importava levar adiante. No entan

to, no at r opelo geral, o sr . Flusser acaba jogando tudo por terra -no fundo numa atitude de conciliação - ao afirmar: " Não nos pr eocupemos demais com a brasilidade desse pensamento. Preocupe-mo-nos com o pensamento". Quer dizer: continuemos assimilado-

res e ornamentais, acima do tempo e do espaço, no sétimo cémetafísico.

E o desastre se consuma no desfecho, quando percebemosque, indiferenciada, a questão não poderia conduzir senão a um

 br ilhareco palavroso: " Portanto: há Filosofia no Brasil? Há, e haverá, se quisermos e se pudermos".

Mas precisamente sobre isso esperávamos que houvesse escrito, sendo estas as questões que urgiam ser esclarecidas: ondehá Filosofia? por que haverá Filosofia entre-nós? será que quer mos, sendo a Filosofia importante para nós? sob quais condiçõe

  poderemos fazer Filosofia?Extraviadas as questões que. eram urgentes, estes senhores

conseguiram apenas nos dar uma amostr a de que não há Filosofia

  brasileira, em cinco pensadores expressivos.

Desta questão fogem nossos filósofos oficiais: saber se a Filosofia é para nós importante. Fogem igualmente das questões seguintes: quais os objetos, a metodologia, a linguagem de uma Filosofianossa?; quais as condições desta Filosofia e as condições de nossoquerer? Englobadas, formam o elenco a ser respondido se quiser-

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A Filosofia entre-nos 61

mos realizar não apenas uma Filosofia entre-nós. Só saber emoquestionar uma Filosofia brasileira se formos capazes de saber como, por que, de que modo tal coisa nos impor ta. O que só se tor nará possível a partir de uma posição de dentro da qual, ou a par 

tir da qual, isto se ponha para nós. E vem o dr ama: fugimos deuma personalidade que seja nossa. Mal sabemos dela.

Precisamos remontar a algo mais primitivo e elementar queos sinais de uma presença da Filosofia entre-nós. Só a partir duma reflexão crítica a respeito de nosso modo de existir, de nossalinguagem, de nossas falsificações existenciais e históricas é que

  poderemos chegar aos limites de uma Filosofia nossa. Para tanto,colocar em questão nosso particular modo de estar e ser, os valores que constituem nosso horizonte intelectual. E traçar  as peripécias do trajeto histórico que nos levou a ser o que somos. Em suma: descobrir nossa alienação específica.

Diante dessas exigências, o ufanismo isolacionista ou a mórbi

da dependência com relação ao passado se mostram mais cômodos. Nos permitem dissolver oposições e realizar a concórdia. Nega-se, por exemplo, qualquer significado e importância ao passado europeu e delira-se num verde-amarelismo de bananeiras e jacas. Como um feto, nos apegamos à Mãe-Eur opa - o que nos livra de nossas angústias, servindo-nos um prato feito, os talheres

postos, as regras do jogo previamente determinadas. A vantagemdessas atitudes que temos preferido ao longo da história são óbvias: dispensam-nos de pensar. Pensar é incômodo. Chato. Descobrir nossas alienações dói e mutila. E a tragédia. Súbito, somos filhos abandonados, obrigados a vencer por conta própria. Uma significação que venha do exterior para conferir dignidade a nossas

tarefas é como uma r eceita - impede-nos todos os r iscos e nosconcede a paz reconfortante de uma mãe onipresente. Ou, noutroextremo, somos bugres. Pelados e verde-amarelos a correr pelomato. "Tupi or not tupi", já notou Oswald de Andrade.

O que poderiam parecer duas opções são dois modos de alienação. Tanto é infantil o filho que necessita da asa protetora damãe quanto aquele que a hostiliza - possuem em comum a patologia de um mesmo traço: a dependência.

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62 A Filosofia entre-nos

Além do ufanismo e da submissão, há um outro equívocque cabe analisar. Me refiro à afirmação de que não é próprioao espírito brasileiro o filosofar. Esta questão pode ser desdobrada em duas outras. A primeira nega ao brasileiro espírito capaz

de Filosofia. A segunda afirma não ser a língua portuguesa capazde adequada expressão filosófica. Careceríamos, no primeiro casode melhor aptidão intelectual, talvez comum aos latinos, e, no segundo, de uma língua adequada, herança especificamente portugues

A primeira destas atitudes creio encontrar, se bem que velada, em Álvaro Lins.20 Julga esse autor que "nunca se explicará co

suficiente exatidão o que determina a ausência de um verdadeirofilósofo no Brasil".21 Isso já é discutível. No mínimo, um tema. Nentanto, ao invés de se propor esse tema, Álvaro Lins prefere su

  por a impossibilidade de uma explicação. Me parece que assim  procedendo perde a chance de ressaltar o único que interessavainvestigar: o sentido de nossa fuga à Filosofia.

Faz, em seguida, uma afirmação ainda mais grave: "Talvezque se possa encontrar assim, na herança portuguesa, a causa daausência de um filósofo no Brasil. As faculdades especulativas ecríticas, a capacidade de tratar os problemas abstratos, o dom doestudo paciente, desinteressado e introspectivo - não par ecemmuito habituais nos homens luso-brasileiros".22

Creio ser coisa errônea supor o conhecimento filosófico como "desinteressado". Todo conhecer é interessado, versando sobreo que importa. Caberia apenas distinguir, como já foi feito aqui,entre um interesse sério e um interesse a sério. Por outro laintrospectivo não me parece ser condição para a reflexão - Aristóteles e Marx, por exemplo, são extrovertidos quase em estado puro. Quanto ao que seja um estudo paciente, o mesmo: o que é paciência, ordem, para mim, pode ser um aborrecimento para umalemão - e vice-versa.

20. LINS, Álvaro. Os Mortos de Sobrecasaca. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,1963, [Cap. 25].

21. Idem, ibidem, p. 355.

22. Idem, ibidem.

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A Filosofia entre-nos 63

De fato, a "herança filosófica" que nos deixou Portugal nãfoi das mais ricas. Acontece que "herança filosófica" é coisa qunão existe. Não se herda uma Filosofia, cumpre apropriar-se dela,fazendo-a nossa. O pensamento alemão , por exemplo, não "herdou" passado algum; apropriou-se de um passado filosófico. Assim,ou muito me engano, ou Álvaro Lins é vítima aqui de uma anáse abstrata, meramente conceituai e idealista, desconhecendo averdadeira dinâmica da história. É problemático " reduzir" a his

ria. Nem sempre se encontra, mesmo porque nem sempre existe,aquele elemento externo, alheio, que possa explicar as criações

de um povo. Ainda mais se notarmos que a criação não é jamaisdo "prévio", mas do or iginal - aquilo que cada um tem de si. Sabemos das dificuldades de se encontrar, anteriormente ao adventoda Filosofia na Grécia, algo que pudesse explicar por que aí sedeu tal acontecimento. Nada par ece poder explicar r etr oativamente esta "invenção" do espírito grego. Creio que o simples reconhe

cimento de tal fato nos livraria de uma multidão de equívocos efalsos problemas que vimos acumulando. Trata-se de reconhecer,

 para além de qualquer recurso ao que é prévio, que na Grécia  Filosofia é um fenômeno original, pois aí encontra suas origens.

Pretender sempre encontrar no passado a razão de atos do pr esente me par ece mau modelo: esquecemos o que há de ato cr ia

dor em cada nova situação histórica. Não se trata de propor umesquecimento do passado, mas de evitar um abandono no passado. A história é o fenômeno da originalidade e a ciência correspondente deverá lhe ser fiel. Isso quer dizer que não podemos, mecanicamente, justificar a ausência de Filosofia no Brasil pelo fato denão termos contado com uma boa influência de Portugal. Antes

do mais, porque esta influência deve ser entendida em termos der elação de dependência. Dependência que foi menos de Portugaldo que de outros países europeus, os centros efetivos do projetoexpansionista dos impérios ibéricos - e, desses centros, influênciaexemplos, modelos, foi o que não faltou. Fosse a história coisa mecânica, fora de relações determinadas, tais influências teriam conduzido a uma Filosofia brasileira - mas isso não se deu. Por quê?Porque nos foi negada, nas relações de dependência, a originalida-

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64 A Filosofia entre-nos

de: fazer desse passado uma diferença nossa. Não chegamos a nosapropriar desse passado - e as condições, externas e internas, quenos impediram a realização dessa apropriação, eis o tema esquecido da Filosofia brasileira.

A mais pobr e das ar gumentações é esquecer -se num fatalismoqualquer : o brasileiro não possuir ia pendor para a Filosofia, por exem plo.23 Como se isso fosse uma pesada e gorducha "coisa em si". Como se isso não fosse algo a ser inventado, a ser feito historicamente.Investigar o que nos levou às comodidades de tal esquecimento, eiso que ta lvez possa r esponder à questão que Álvaro Lins crê irrespon

dível: o que determina a ausência de um verdadeiro filósofo no BrasilÉ inevitável que o autor - que aqui tomo aleatoriamente, sem

  pr etender que sua escolha signifique mais do que outr a - venhaa se contradizer continuamente. Diz mais adiante que Filosofia e

  poesia são afins, e que no caso da poesia contamos com grandesrepresentantes e dom de originalidade. À vista disso, creio proble

mática'a afirmação de que carecemos de espírito especulativo, dinvestigação do sentido do mundo, se poesia e Filosofia têm raízescomuns. Aconteceu não nos apropriarmos de uma "forma" de es

  peculação, a filosófica. Por quê? Que fique sugerido: talvez porque a poesia sempre guardou seu potencial de rebeldia, seu caráter marginal, enquanto a Filosofia concedeu em servir de apoio

ideológico ao estabelecido. O que fez com que entre-nós a RazãDependente e a Ornamental se tenham transformado em RazãoAfirmativa do vigente. Ideólogos na colônia, nossos pensadoresnão puderam ir  além "das chinelas", como diria Machado deAssis.

23. Encontramos esta forma equívoca de colocar a questão em autores de orientaçõesas mais diversas: João Ribeiro, Tobias Barreto, Luís W. Vita. O dito de Tobias Barreto temsido repetido à exaustão. "O Brasil não tem cabeça filosófica". A Lufe W. Vita já fizemosreferência no início deste capítulo. João Ribeiro (A Filosofia no Brasil Revista Brasileirade Filosofia, ed. Instituto Brasileiro de Filosofia, São Paulo 4(3):413-6), numa crítica arrasadora a Farias Brito e Tobias Barreto, chega aos limites da convulsão emocional ao escrever. "Não está no temperamento nem nas virtudes de nossa raça o culto da filosofia (...)Seja curteza de vista ou repugnância natural, não há raça mais retrataria à metafísica quea nossa." (p. 413) A análise de todos fracassa na medida em que, não dispondo de instru

mentos para a compreensão do que viam, coisificavam para além do espaço e do tempo oque deveria ser analisado no ceme de um processo histórico.

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A Filosofia entre-nos 65

E diria mais: "Decida o leitor entre o militar e o cónego; evolto ao emplasto".

A questão da língua. O português que praticamos seria umentrave a nos afastar dos temas "elevados" que são objeto da reflexão. Haveria uma debilidade inerente ao português - língua adequada no máximo às piadas de botequim - que explicaria por qunão chegamos ainda (e talvez não cheguemos jamais) à Filosofia.

Tal argumento, cristalização perfeita do esquecimento em que nosencontramos, é mais uma das manifestações de nosso tipo particular de alienação.

Me explico. O grande drama de nossos professores de Filosofia - e nisso Álvaro Lins acer ta: contamos com pr ofessor es de Filosofia e não com filósofos - é conseguir traduzir para o português

expr essões alemãs, francesas ou latinas. Daí a avalanche de citações e de notas ao pé da página que dão a certos livros aquele clima de her meticidade imbecil O esquecido por nossos filósofos  profissionais é que as expressões alemãs ou latinas são justamente isto: originais. Nasceram lá, lá foram criadas, e trazem a marca deum momento, suas importâncias e urgências. De fato jamais serã

traduzidas - cumprir ia transplantar situações de lugar e tempo,coisa impossível.

• Diante disso, nossa atitude é lamentar a insuficiência da língua. Como o português não traduz uma expressão de Hegel, Kantou Aristóteles - mais recentemente, ao delírio, Heidegger - o por tuguês seria língua inferior quanto às possibilidades de filosofar.Ocorre aí um imenso equívoco: o de que o único filosofar  possíconsista em ser "assimilativo" e ter "sensibilidade espiritual" paracom os problemas dos outros. Esquecemos que a situação dos outros é isto: deles. Se nossa língua não é capaz de exprimir o alheio,isso em nada a desmerece, uma vez que uma língua tem por função exprimir o próprio, não o alheio. Se as inteligências que lidamcom a Filosofia entre-nós pudessem se alçar  a este modesto gra

de flexibilidade, encontrariam uma multidão de coisas que, ditas

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66 A Filosoãa entre-nos

em português, não poderão ser traduzidas para inúmeras língua

O que, de resto, não as desmerece.Trata-se de questão mal colocada. Mário de Andrade já a

respondeu de modo definitivo: ao invés de imaginarmos que nã

temos pensamento por falta de linguagem, por que não supomosque não temos linguagem por falta de pensamento?

É alienada a busca obsessiva de termos que pudessem traduzir coisas estrangeiras. Seria como transplantar o termo sem trans

  plantar a intuição - e na intuição está a realidade, sua importâncie urgência. Precisamos entender que os termos alemães, por exem

 plo, designam realidades que passaram a existir para os alemãesem determinado momento, sendo para eles importantes numa posição. Cabe a nós descobr ir o que nos impor ta. Descober to isso,teremos a palavra adequada. Adequada ao que é nosso. Dita ànossa maneira, com nossa preocupação específica. E perceberemos, então, que serão coisas talvez intraduzíveis para o alemão,

grego, o francês. O que, novamente, não debilita tais línguas e aimportâncias e urgências de seus falantes. Apenas mostra que o  problemas dos usuários dessas línguas são outros. São outras acoisas que importam.

O problema de uma linguagem filosófica nossa não se dáem abstrato nem se reduz a uma simples questão de técnica de tra

dução. Na palavra isolamos, concretizando, um conceito. A totalidade dos conceitos possíveis, bem como a totalidade das coisasnão são indiferentemente iguais par a mim. Há conceitos que meimportam mais que outros e há os que são absolutamente urgentes, ou seja: aqueles que urge isolar e concretizar numa palavra  para que me permita o domínio do reaL O ato de pensar é estmovimento em direção à ordenação dos conceitos e das coisas, ordenação exigida pela posição em que estou.

Me explico. Ao existir, preciso providenciar esta existência oque envolve: dar conta de acontecimentos inúmeros, mais ou menos significativos. O que vier a ser para mim de alta significaçãoé algo importante. O que me exigir, devido à sua alta importância, uma prontidão imediata é urgente. Para tais situações se vol

tam nossos atos de intelecção. Busco apreender o importante e,

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A Filosofia entre-nós 67

mais imediatamente, o urgente.Eis como a questão da linguagem filosófica entre-nós envol

ve uma revisão crítica de nossas importâncias e urgências. As palvras não estão aí desde sempr e a "significar" - e nenhuma língua possui desde sempre uma estrutura "filosófica", coisa que não existe. É historicamente que as palavras adquirem significados e umalíngua reflete em sua organização a atitude existencial de seus falantes. A cada língua pertencerá um determinado tipo de ordenação que lhe vem da visão de mundo para a qual foi historicamente providenciada. Assim, na língua, ocorre a materialização das im

portâncias e urgências de seus portadores.Podemos agora precisar como não deveria ser colocada a

questão da linguagem filosófica. Não se trata de opor, confrontando, o que existe agora em português e o que existe em qualquer outra língua. Por motivos simples: 1? - o critério seria externo2? - em nada acrescentar ia o saber  próprio de nossa língua. Sen

do externo o critério, o metro estará errado. Se meço o portugu  pelo inglês, estou fazendo algo como operar com centímetros r ecorrendo a polegadas. Já estarei dando como suposto o valor daquilo que é usado como metro. Pode ser importante para uma tri

  bo qualquer distinguir "árvore grossa" de "árvore fina", sem quisso seja igualmente impor tante par a nós, não r epr esentando qual

quer deficiência. Apenas mostra que aquilo que ali se encontraem questão não nos importa.Uma coisa talvez seja certa: poderemos enriquecer nosso ins

trumental lingüístico desde que partamos de nossas importância

e urgências para as palavras e a língua - e não o contrário. Squestiono da urgência de se dar existência a um conceito, isolan-

do-o numa palavra, estou transformando o sistema de dentro para fora, fazendo-o criador. Se me limito a transplantar palavras,nada acrescento, nada crio. Veja-se, por exemplo, a que conduziram as infindáveis citações: a infindáveis itálicos.

É necessário levar em conta que cada língua realiza um mdo de existência, uma determinada criação do humano. Supor queuma seja superior à outra é supor um critério que paire acima delas e que as ju lgue - o que pa r ece absurdo.

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6 8 A Filosofia entre-

Toda investigação neste sent ido deveria ser interna, de dentr o para fora, das importâncias e urgências para as palavras e a línguCaso contrário, condena-se à esterilidade, à erudição dos itálico

  bem pensantes, mas que não nos pensam - e através dos quai

não podemos pensar. E a tarefa mínima da Filosofia é pensar que somos, como somos. Consiste na descoberta a ser realizadadaquilo que temos a dizer , que só nós poder emos dizer e que, senão o dissermos, ninguém o dirá. Teríamos então a condição

 

bca da apropriação de uma forma, a filosófica: nossa originalidade.

Aí se encontra o esquecimento do pensar brasileiro. Não ter

mos percebido que estamos sempre partindo de teorias alheias,  palavras alheias, problemas alheios, buscando aprisionar nossa ex  pressão dentro desses moldes. Com efeito, parecemos ter pavor do que nos circunda, pois não se ajusta aos moldes europeus quetransplantamos. É urgente, ao contrário, partir de importâncias

que evidenciarmos e de nosso particular esquecimento. E a pala

vra adequada surgirá irredutível.

Esse, em suma, o apanhado de alguns problemas gerados pela falsa perspectiva em que nos colocamos quanto a uma Filosofia

 brasileira. Confundir autores entre-nós com Filosofia nossa; buscardissolver a oposição entre o isolamento e o alheamento; negar quetenhamos capacidade de pensar por conta própria; projetar nossafalta de pensamento numa possível insuficiência da língua portuguesa. Nada disso diz respeito à essência possível de um pensar 

  brasileiro: são, ao contrário, tantos outros sinais de nosso esqueci

mento. Destruir esses equívocos é a condição indispensável da posibilidade de um juízo filosófico brasileiro.

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Caputilo 9 

 A Razão Ornamental

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70 A Razão Ornamenta/

Para bem corresponder ao papel que, mesmo sem o saber,lhe conferimos, inteligência há de ser ornamento e prenda,não instrumento de ação e conhecimento.

SÉRGIO BUARQUE" DE HOLAND(Raízes do B

á algo de que gostamos: do homem brilhante. Ser algumdia chamado de brilhante é a glória à qual aspira o intelectual tupiniquim. Não nos causa admiração alguém

que seja organizado no trabalho intelectual, constante,dedicado. Costumamos empregar , nestas ocasiões, frases

assim: "Fulano não é muito inteligente, mas é esforçado". Quer dizer: falta-lhe o brilho, a rapidez mental, o dito charmoso e desconcertante, o jogo de palavras - mas é esforçado. O esforçado éentre-nós, uma das figuras mais depreciadas; por mais que produza, por melhores que sejam suas contribuições, se não chega ao

  brilho, não merecerá mais do que uma morna aceitação. Comse permitíssemos que continuasse existindo, embora, coitado, sejaapenas um esforçado.

O tipo de inteligência que nos agrada é aquele que sabe brilhar  através das palavras. Nunca ter feito uma frase de efeito, eia falta que intelectual brasileiro jamais cometerá. Agrada-nos, so

 bretudo, a rapidez mental e o uso desenvolto da linguagem. Quemde nós suporta um orador que se plante com não sei quantas laudas à nossa frente? Se é pra ler, leio em casa. Do orador quere-

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A Sazão Ornamental 71

mos algo distinto da importânica ou da consistência do que tem adizer. Queremos o improviso. Esta fascinação pelo cidadão bemfalante conduziu à desgraça (e à graça) algumas carreiras de polítcos e pr ofessor es - e ger ou o triunfo do bachar el. Ah, as delícias

da Razão Ornamental! Jamais em parte alguma o bacharel contoucom uma platéia tão entusiasticamente dominada.

Mas o brilhantismo da Razão Ornamental não envolve apenas aquelas ocorrências em que alguém é capaz de manipular palavras com especial esmero. Na verdade, mais nos deliciamos quando esta capacidade é dosada com pitadas de sábia malandragem.

O herói brasileiro é o esperto. E o esperto ludibria de maneira es  pecial. Quase leva o ludibriado a agradecer ter sido vítima. E nada faz que choque moralmente. Ao contrário, sustenta uma açãinocente. Um brinquedo. O dito bem bolado, a artimanha esperta, a frase marota, eis o que nos fascina - e que a tudo pode perdoar. Alguém que reunisse todas estas qualidades ser ia estr ondosa

mente eleito presidente desta República - e, sei não, chego a pensar que isso já aconteceu.

Poderíamos ilustrar estas observações com dois mortos ilustres: José Maria Alkmim e Eurico Gaspar Dutra. Do segundo sdiz que não sabia falar e corre a anedota segundo a qual se elegeu

 por que jamais abr iu a boca. Do pr imeiro ficou uma magnífica cole

ção de frases que apresentam, na máxima realização, os ideais dhomem brilhante. O fenômeno analisado sob o nome de populismo mereceria entre-nós uma abordagem a partir deste ângulo:

um povo fascinado pela Razão Ornamental e em busca de seusmais prezados arquétipos.

Outra nota da Razão Ornamental é a adesão aos "ismos".

Intelectual brasileiro que se preze adere a um "ismo" qualquer, oque lhe concede cidadania no universo do pensamento, sobretudo se for o último "ismo" aparecido. Tanto é assim que vários atores, da maneira mais disparatada, passam em certos momentosa conferir  status entre-nós. Num passado recente, tivemos a seguinte sucessão de modas: Sartre, Mounier, Teilhard de Chardin, Levi Strauss, Marcuse, McLuhan, Althusser, entr e outr os menos votados.

Isso revela uma de nossas alienações básicas: o deslumbris

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72 A Bazão Ornamental

mo dos colonizados. Enquanto não se alcança uma linguagem her mética, acessível só a iniciados, algo cifrado e mister ioso, não sacredita ter atingido um nível de pensamento aceitável. Trata-sde uma radical imaturidade. A adesão frenética a uma corrente,

a um rótulo ou chavão constitui a morte do pensamento. Na origem, todo pensamento é crítica e negação, e o limite de sua vitalidade encontra-se identificado com o limite de sua sistematizaçãoe vigência. Eis no que é preciso cuidar: um pensamento deve ter validade, não necessariamente vigência, pois esta costuma lhe ser conferida a partir do momento em que começa a morrer.

Confundimos, por outr o lado, pensamento or iginal com pensamento novidadeiro. E preciso insistir: ser novo é um acidente dooriginal. Original é o que lida com as origens, não o último no tem po. Eis por que o rótulo de "ultrapassado" é puro equívoco. Fatando-nos originalidade verdadeira, agarramo-nos à novidade nailusão de que nela se encontre a verdade. Mas não é nada disso.

O que constrói uma verdade é sua perspectiva. O dito por  últim  pode ser perfeitamente repetitivo. Este equívoco assume entre-num caráter  particularmente grave. A uma estrutura mental e social fechada e conservadora, superpomos uma ornamentalidadede novidadeiros, como se a verdade fosse, num leilão, algo a ser arrebatado por quem desse o último lance.

Álvaro Lins fez um diagnóstico exato desta condição do intlectual br asileiro num capítulo chamado "Ah, logrados indígenas!".

Que cito e vou comentando.Inicia dizendo ser espantoso que "tantas pessoas ainda prati

quem a literatura neste país como se fôssemos um subúrbio Litrio da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos da AméricDesejamos ser cultos, sobretudo em cultura estrangeira; somos elites lidas e corridas, em literatura francesa, inglesa, norte-americana... Apurando bem, no entanto, eis o resultado: não somos real-

24. LINS, Álvaro. Op. ciL, pp. 431 e segs.

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A Razão Ornamental73

mente cultos em nossa literatura porque a desdenhamos, estudan-do-a aos pedaços, em restos de tempo; e não somos cultos em literaturas estrangeiras, porque um francês, ou um inglês, ou um norte-americano, de média cultura na respectiva língua, sabe muit

mais do que nós destas literaturas, para as quais, ent r etanto, vivemos tão ansiosamente, tão parvamente voltados. E às vezes paraelas voltados por  intermédio de escritores e livros que são apenasprodutos de exportação, sem valor e significado na opinião literária dos seus próprios países, sem nada que corresponda ao tratamento de autores incomuns ou singulares que recebem nos países

de tolo colonialismo, vivendo de 'transplantes literários' e 'enxertias culturais' ... Com efeito, nã o há autorzinho estr angeiro de segunda or dem com algum sucesso, não há movimentozinho de Saint-Germain-des-Prés ou do Boulevar d Saint-Michel, não há pequeno ensaio de crítico inglês ou insignificante exercício para estudantes de qualquer  crítico universitário norte-americano -, não há na

da, de tudo isso, que deixe de receber aqui amplo noticiário, emnossas revistas e jornais, enquanto tantos trabalhos de autores nacionais, às vezes de valor equivalente ou mesmo de melhor categoria, ficam na sombra, sem publicidade e sem repercussão".

Comentando. Primeiro: a posição de colonizado não se esgota em mera dependência econômica, generalizando-se para todas

as áreas; e o brasileiro é o colonizado por excelência, aquele quevive fazendo o europeu como o personagem de Machado fazia oAlferes.

Segundo: ser culto, no Brasil, é avolumar erudição sobre umoutro, o não-brasileiro. Julgamos apenas exótico, ou até de maugosto, quem se dedique a coisas nossas - mas julgamos de alta eru

dição saber alemão ou latim. Temos uma visão tipicamente arrivista da cultura: é chegar aonde outros estão. As delícias de citar Proust ou Goethe! " Ah - diz Álvaro Lins - a fascinação dessesbrasileiros letrados pelas últimas 'novidades' estrangeiras!"

Terceiro: a Razão Ornamental pressupõe uma supressão. Epreciso esquecer o que está à nossa volta, voltando-nos para "a"cultura: aquilo que ocorre em Paris, Berlim ou Nova Iorque. Assim,não somos conhecedor es de nós mesmos e nem dos outr os, pois

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74 A Razão Ornamental

é cer to que os outros levam sobr e nós uma vantagem decisiva: sãoeles próprios.

Quarto: Álvaro Lins refere-se à prática da literatura. Mas  panorama quanto à prática da Filosofia é, de longe, muito mais

alienado. Basta que se pr ocure ler - que seja o índice - de alguma revista brasileira dedicada à Filosofia.

A Razão Ornamental nos leva a abandonar tudo, esquecer aqui e fora daqui obras que importam, para correr  atrás das últimas novidades. Nos conduz a querer aplicar aqui "escolas" estrangeiras - por tanto estr anhas - como se isso fosse possível sem nos

cobrar um preço: o esquecimento do que somos."Por outro lado - voltando a Álvaro Lins - afigura-se um fe

nômeno diferente ou oposto, mas, de fato, é tão-só a segunda face do mesmo 'complexo' de inferioridade, colonialismo e provincianismo - isto que se pode observar a olho nu: a r evolta, a mágoa,

a lamentação por não sermos bastante lidos, conhecidos, traduzi

dos no estrangeiro. Um estado de alma, aliás, freqüentemente expresso em livro, artigos, entrevistas, em toda sorte de pronunciamento de autores brasileiros."

Desejamos ser reconhecidos pela Mãe-Europa, em nossa edi-piana e mórbida dependência afetiva e intelectual. Com isso perdemos a oportunidade de ser alguma coisa qualquer, não necessaria

mente melhor ou pior do que a Europa, mas apenas isto: nossa.Em conseqüência, o intelectual tupiniquim vive num estado de dissociação: voltado para fora e de fora esperando reconhecimento.Fechando os olhos à realidade que o circunda. Descentrados, jamais encontraremos o núcleo em torno do qual possamos dar coerência a nós mesmos, condição de originalidade. Evidente que o

pensamento brasileiro não poderia apresentar senão duas marcasdas mais pobr es: o ecletismo - que não é, entre-nós, um simplesmovimento do passado, mas um clima geral que a tudo envolve,conseqüência de nossa incapacidade de romper o cordão umbilical e "ser gaúche na vida"; e o positivismo, o pensamento afir vo, legitimador do vigente, que vai do tomismo ao estruturalismo,  passando pelo neopositivismo.

"E natural que desejemos ser projetados e valorizados para

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A Razão Ornamental 75

além das nossas fronteiras; não obstante, essa ânsia pelo brilhno estrangeiro, tamanha lamentação por não nos conhecerem eadmirarem bastante pelo mundo afora - isto significa, afinal, algo

  pueril; e revela carência de segurança e estabilidade, ausência dconfiança em si mesmo, deficiência de amor-próprio."

"Bem, devemos ser o que somos, devemos procurar fazer asnossas obras o melhor  possível, e o resto (...) já não é problemanosso. Atingiremos a universalidade quando chegar, ou se chegar,o momento próprio, isto é: quando estivermos para isto madurose acabados, não tanto em qualidades formais ou habilidades técni

cas, mas em força interior, genuína e dominadora."A primeira tarefa na existência é chegarmos a ser o que so

mos, fazendo de si o que se visa ser, partindo de nossa posição.Depois, ser emos r econhecidos - se formos r econhecidos. Sem isso, a interiorização necessária ao surgir da Filosofia jamais ocorrerá entre-nós e a Filosofia continuará sendo apenas aquela tia dis

tante que veio e foi ficando. E a possível Filosofia brasileira permanecerá vítima da Razão Ornamental.

É dito e repetido que à Filosofia importa a verdade. Aliás, a

Verdade. Aí a Filosofia já começa a ser  problemática, pois serinecessário antes do mais determinar o que se ent ende por ver dade - o que não é imediatamente claro ou evidente. A solução prévia desta questão envolve a possibilidade de seu desenvolvimentoposter ior . No entanto, por mais importante que possa ser essa questão, ela aqui não se encontra em jogo; aqui não é urgente. Num

questionamento da Razão Tupiniquim com o aqui se realiza, importa saber se, entre as pretensões de uma Razão Ornamental, encontramos a preocupação prioritária com a verdade, condição de Filosofia.

Me explico. A Razão Brasileira já foi aqui caracterizada comalgumas notas: o ecletismo, o jeito, o deslumbrismo dos colonizados, a fascinação pelo brilho. A essência da Razão Ornamental

consiste numa espécie de véu super posto ao real. O discur so intelectual brasileiro se dá num nível de manifestação clara: o de uma

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76 A Vazio Ornamental

Razão comprometida. Não com a verdade. Com efeito, quem aexerce? O pretendido intelectual Entre-nós, porém, encontramoalguns fenômenos que devem ser levados em conta. Se o brasileiro comum apresenta uma certa "saudade" e um pavor/temor totê-

mico com relação à Europa, o intelectual brasileiro leva tal condição a seu extremo. Atemorizado com a realidade em volta, o tecido de sonoridade palavrosa que nosso intelectual cria envolve aRazão Nacional - seja na literatura, na cr itica literária, na críticde arte, na Filosofia, na política, no direito e na economia - comum véu suposto em si mesm o significativo. Em outros termos, po

deríamos dizer q ue a Razão Or namental se caracter iza pela supr essão da intencionalidade. Os objetos aos quais se refere estão enco

  bertos e esquecidos, não mais se encontrando em questão, deixando de importar. Sabemos que uma das pretensões da Filosofia,quando inter essada na ver dade, é erguer o véu que encobr e o r eal - e concluímos que entre a Razão Ornamental e a Filosofia nã

há possibilidade de conciliação.

Penso que a raiz da alienação da Razão Brasileira numa Razão Ornamental se encontra na recusa, desde sempre manifesta

da pelo intelectual brasileiro, em assumir sua própria identidade.E claro que isso envolve uma longa história, a do mazombo quem nós habita. Mazombo infeliz, o br asileiro colonizado jamais selibertou de sua fascinação pela "estranja". "Flutuavam (os intelectuais brasileiros) - diz Antonio Candido - com ou sem consciênciade culpa, acima da incultura e do atraso, certos de que estes não

os poderiam contaminar nem afetar a qualidade do que faziam.Como o ambiente não os podia acolher intelectualmente, senãoem proporções reduzidas, e como seus valores radicavam na Euro  pa, para lá se projetavam, tomando-a inconscientemente como ponto de referência a escala de valores, considerando-se equivalentes ao que havia lá de melhor. (...) A penúria cultural fazia o escri

tor voltar-se necessariamente para os padrões metropolitanos eeuropeus em geral, formando um agrupamento de certo modo aris-

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A Razão Ornamental 77

tocrático em relação ao homem inculto. Com efeito, na medidaem que não existia público local suficiente, ele escrevia como sna Europa estivesse o seu público ideal, e assim se dissociava muitas vezes de sua terra. Isto dava nascimento a obras que os auto

res e leitores consideravam requintadas, porque assimilavam as formas e valores da moda européia. Mas, pela falta de pontos locaisde referência, podiam não passar de exercícios de mera alienaçãcultural." 25

Essa dependência conduziu ao aparecimento, ao nível da reflexão, de uma atrofia escandalosa. Passou-se a discursar sobre

uma realidade querida, a européia, sobre problemas europeus, utilizando termos e linguagem adequados àqueles problemas que estranham inteiramente nossa circunstância. A realidade queridacoisa diversa daquela na qual nos encontramos. Coisas problemáticas par a um eur opeu podem ser, par a nós, falsos pr oblemas quesomente à custa de verdadeira violência mental e grande alienação

conseguimos revestir de "importância". Se outra é a realidade, outros são os problemas virtualmente existentes, outros devendo ser os termos e métodos. No entanto, nada disso foi providenciado.

 Nossa realidade desde sempre foi suprimida. O intelectual brasileiro refugia-se numa constelação de conceitos esvaziados e de sonoras palavras que visam exorcizar isto de que tem tanto pavor eque julga de tão pouca classe: nossa brasilidade.

Eis como, consagrados métodos e termos europeus, muitoequívocos se tornam possíveis. Entre eles, o que desabou sobr Oswald de Andrade. Não há filosofante brasileiro que não se coloque superiormente diante de Oswald. Por quê? Fácil: não passariade um fazedor de piadas, sujeito pouco séno. Que brincava ccoisas sérias. O próprio Oswald, que não era de deixar bobage

sem respostas, escrevia em 1943: "Segundo o sr. Antonio Candido eu seria o inventor do sarcasmo pelo sarcasmo. Meio séculode sarcasmo! Contra quê? (Olavo Büac e Coelho Neto no augda glória; Graça Aranha; o verbalismo de Rui Barbosa, a 'italiantà' de Carlos Gomes; o apogeu do verdismo e o sr. Plínio Salga-

25. CANDIDO, Antonio. Op. ciL, pp. 13 e 14.

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, p , pp 

78 A Razão Ornamenta/

do.) Tudo isso não passou de sar casmo e pilhéria! Por que a vigilante construção de minha crítica revisora nunca usou a maquilagemda sisudez nem o guarda-roupa da profundidade. O sr. AntonioCandido e com ele muita gente simples confunde 'sério' com 'cace

te'. Basta propedeuticamente chatear, alinhar coisas que ninguémsuporta, utilizar uma terminologia de 'in-folio' para nesta terra, onde o bacharel de Cananéia é um símbolo fecundo, abrir-se em tono do novo Sumé a bocarra primitiva do homem da caverna ecaminho florido das posições".26

A questão vem a ser esta: e se Oswald estivesse tentando inau

gurar outra Razão, como é fácil confirmar pela leitura de A criseda filosofia messiânica? Necessariamente diversa da eurovez que, propondo outra posição, exigiria outros termos e novoscritérios. Esta nova Razão - não-linear, não-silogística, não-sériaseria talvez uma tentativa de construir um discurso adequado aoque somos.

Embora estivesse apontando alguma realidade brasileira, Oswald o fazia de forma "desrespeitosa" do ponto de vista da RazãoOrnamental, contra os clássicos padrões acadêmicos - as coisas sé rias. Em função disso, a piada de Oswald foi " esquecida" e se tr ansformou uma inteligência claramente brasileira em mera fazedorade anedotas. Ninguém se perguntou: um filósofo que fosse verda

deira e viscer almente brasileiro - não sugiro que Oswald tenha sido; tinha o estofo e a intuição, apenas isso - poder ia deixar deser, ao mesmo tempo, um humorista? E mais: por que, ao chamar de humorista, pretendemos sempre diminuir  alguém? Onde estdito que o filósofo é "superior" ou "mais profundo" do que o humorista? Não representaria o humor, ao contrário, a visão do avesso das coisas, aquela consciência desperta, crítica, que o filósofo

com freqüência teme assumir, esquecendo-se nalguma ideologia?E desde quando o humor é antagônico ao filosofar? Não será, contrariamente, a mais alta expressão do espírito crítico?

  No homem sério ver ificamos o tr iunfo da cer teza - do vigte, da ordem, dos sistemas. Em termos brasileiros, é no humor que

26 ANDRADE Oswald de Op cit p 43

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26. ANDRADE, Oswald de. Op. cit, p. 43. 

A Bazão Ornamental 79

temos encontrado a forma mais genuína de assumirmos nossas incertezas, fonte de qualquer pensamento a sério e criador.

A Ra zão Or namental não só cr ia uma realidade à par te eque lhe convém como enaltece ao delírio seu universo palavrosDaí a freqüência de r essentimento nos intelectuais. Julgam-se infelizes, adorando posar, numa anacrônica mística romântica, de sres etéreos e destinados, não a uma morte prematura, que os anti

bióticos fizeram cair de moda, mas ao sofrimento de não seremcompreendidos. O que lhes permite assumir ares de superioridade face à massa inculta. Num país onde o analfabetismo sempr ganhou de goleada, não me parece grande vantagem.

Esta pose de vítima não significa mais do que um lamentos pedido de aceitação ao sistema vigente. Ao invés de crítico, o int

lectual br asileiro é apenas um cidadão sensível a seus próprios calo- embandeir a-se em rebeldia até onde ela pode ser um instr umento de afirmação. A crítica que move ao sistema atua apenas enquanto este o rejeita, não lhe parecendo estranho que o sistema excluade seus beneficiários um imenso contingente de brasileiros que seencontram a quilômetros da "intelectualidade". O intelectual é

entre-nós, um individualista - a ver são palavrosa de Pedr o Malasarte. Do ponto de vista de uma Razão Ornamental, dada a importância do "caminho florido das posições", tudo pode ser colocado em questão, menos o principal e o que importaria: o vigente,os comodismos de nossa instalação. A não-criticidade da RazãoOr namental não é, por tanto, algo que uma dada circunstância lhtenha acrescentado, mas algo que lhe é inerente.

"O trabalho mental - diz Sérgio Buar que de Holanda - qunão suja as mãos e não fatiga o corpo, pode constituir, com efeito, ocupação em todos os sentidos digna de antigos senhores deescravos e dos seus herdeiros. Não significa forçosamente, nestecaso, amor ao pensamento especulativo - a verdade é que, embora presumindo o contrário, dedicamos, de modo geral, pouca estima às especulações intelectuais -, mas amor à frase sonora, ao

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80 A Sazão Ornamentai

verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressãrara. É que para bem corresponder ao papel que, mesmo sem osaber, lhe conferimos, inteligência há de ser ornamento e prenda,não instrumento de conhecimento e de ação." 27

I Na medida de sua positividade, o pensamento pr oduzido pela Razão Or namental é essencialmente ser vil Cur ioso que isso ocor ra precisamente num pais que tem no humor satírico uma de suamaior es manifestações - o que, de r esto, evidencia a alienaçãoda elite intelectual. Transformada em instrumento de afirmaçãosocial - como, em outros momentos, um título de nobreza, a pos

se das terras, um diploma universitário -, era preciso que toda aênfase fosse transportada para o brilho, a erudição balofa, os estéreis malabarismos estilísticos. Sem o que dizer, só restava br ilhar .

Ser conciliador, cordial, jeitoso, servil, tudo isso não passa dereflexo de uma doença maior , o esquecimento da Razão entre-nóO que Sérgio Buarque de Holanda diz dos políticos cabe perfeit

mente para descrever o clima em que se viu envolvido o pensamento brasileiro: "Preferiram esquecer a realidade, feia e desconcertante, para se refugiarem num mundo ideal de onde lhes acenavam os doutr inadores do tempo. Criaram asas para não ver o espetáculo detestável que o país lhes oferecia".28

Cumpr indo seu pr ocesso ao limite, só poder ia acontecer o

acontecido: o ecletismo como jeitosidade geral a contaminar umaautêntica posição intelectual; a predominância do positivismo e der ivados; o apego obsessivo ao tomismo - tr ês das mais flagrantesderrotas da Filosofia, pois ausentes de criticidade. "A persistênciado positivismo e a hegemonia neotomista sobre o ensino da disci

  plina constituem a nota dominante de nosso acanhado universo fi

losófico."29 Paralelamente à constituição da mitologia brasileira: ojeito, a conciliação, a concórdia, o homem cordial, as revoluçõessem sangue.

27. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Op. cit, pp. 50 e 51.

28. Idem, p. 140.

29. PAIM, Antônio. Op. cit, p. 253.

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A Razão Ornamental 81

Incapaz de pensar , exigindo brilhar , a Ra zão Or namental conduz à fuga nos modismos, no último gr ito cultural, o leilão de idéiaCompreende-se assim o recente suicídio que foi representado pela moda estruturalista, refúgio de uma intelectualidade que buscaum lugar qualquer no mundo da tecnoburocracia. E compreendemos também o sucesso absurdo e fora de propósito do neopositvismo e de seus cursos obtusos de estudos de lógica e teoria doconhecimento a contaminar em as universidades brasileiras - diante dos quais, de resto, todos se deslumbram. Ah, logrados indígenas!

Além de cômodas - afinal, estas coloca ções simplistas e fo

malizantes nos oferecem um arsenal de certezas -, tais atitudessão perfeitamente inofensivas e servis. A ninguém incomodam.Representam o aspecto sério e útil da Filosofia - e ê imensosucesso. Seria impossível, portanto, compreender o sentido destasmodas se as isolássemos do contexto político onde ocorrem. Deta forma, ou a Filosofia se reduziu a um arquivo de respostas fei

tas, pr onto-socor r o para qualquer dúvida, ou se fez estudo preliminar, suntuosa propedêutica à ciência - onde, de resto, somos igualmente dependentes.

Atado à camisa-de-força que vem a ser o espírito afirmativoo pensamento pode exercer-se entre-nós desde que se comprometa a nada dizer, a não negar. Que seja apenas afirmativo. Ou seja:o pensamento pode existir  entre-nós sob a condição de não pensar. Ou: de não existir.

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Capítulo 10

 A Razão Afirmativa

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A Bazio Afirmativa

 Nem por isto compr a a br igaolha bem para mim.Vence na vida q uem d iz sim.Vence na vida q uem d iz sim.

CHICO BUARQUE/ RUY GUERRA.

(Calabar)

Na aparência, o ecletismo é o oposto do positivismo. Em

  bora superficialmente tal oposição possa ser justificada,a ver dade é que o apar ecimento - e o tr iunfo - do positivismo nada mais fez do que desdobrar um componente já implícito no ecletismo anterior: a Razão Afirmati

va. A Razão que diz sim.Indiferenciada e dependente, precisando legitimar  idéias e

modelos pr ovidenciados estr anhamente, a Razão Afirmativa encontrou em nosso ambiente intelectual um campo de fácil penetração." Nas condições peculiar es do pais - ausência de tr adição filos

ca, fragmentação e dispersão do único grupo, a Escola de Recife,que reivindicava a metafísica ao mesmo tempo em que recusavaa volta à antiga Filosofia já superada etc. -, a ação antífilosófica

dos positivistas estava fadada a alcançar  resultados desproporcionais não só à sua força efetiva como à consistência mesma da doutrina." 30 Com efeito, olhando criticamente e face às ur gências histó

r icas que se apresentavam ao Brasil, o positivismo só poder ia ter sido aceito em função dos interesses vigentes e da reprodução dahegemonia das classes dominantes.

30. Idem, p. 195.

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30. Idem, p. 195. 

84 A Razão Afirmativa

Aliás, a resenha das idéias filosóficas no Brasil marcaria a ifluência de duas correntes - o ecletismo e o positivismo - que poderíamos tranqüilamente considerar como o que de pior se produziu em termos de alternativa filosófica no Ocidente. Apesar dessadebilidade intrínseca, sua influência foi tão decisiva - envolvendocondições de dependência sócio-econômica - que formaram nãoapenas correntes mas visões de mundo. Plasmaram modos de ver.De sorte que outras manifestações de pensamento que aqui chegaram foram, mais cedo ou mais tarde, absorvidas e deturpadas por esse clima. Ninguém poderia negar, em aparentes extremos, a afir 

matividade dos neotomistas e neopositivistas, o quê chegou a envolver mesmo o marxismo caboclo. Sempre com a marca do ortodoxo, do modelo estrangeiro a seguir, constituindo-se em modosde retenção histórica. De resto, esse clima afirmativo casa bemcom o caráter  tirânico e impositivo do ecletismo - que, na ausência de critérios ou posições criticamente assumidas, deve optar pe

la simples afirmação. Está igualmente ligado ao vício conciliadoda Razão Eclética: ao invés de gerar um confronto criador, geroentre-nós o pensar  anestésico. Dissolvendo oposições, antagonismos ou choques. Reconciliando ao nível verbal as mais desencontradas alternativas, gerou o pensamento esterilizado, muito útil  porque não contamina ninguém.

Acerta Antônio Paim ao dizer que esta "forma mentis", o positivismo - que aqui, ampliando seu significado e extensão, chamo de Razão Afirmativa -, "acabou impondo-se entre-nós maisem função do vazio cultural aqui havido do que por qualquer virtude específica desta atitude. Quem fosse uma organização, conseqüente e forte, acabaria fatalmente por atuar neste meio sem con

sistência, nem resistência. Foi o que sucedeu ao positivismo aqui".31

Talvez a melhor explicação do sucesso do positivismo entrenós, em função de sua consciência política, ainda pertença a SylviRomero. Pelo simples fato de não dissociar, em momento algum,o pensamento positivista do contexto político no qual ocorre. Esta Filosofia dos pobres ou este neojesuitismo, como Sylvio Rome-

31 Idem p 196

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31 Idem p 196 

A Razão Afirmativa 85

ro se refere ao positivismo, jamais teria condições de continuidade e vigência se não viesse, no processo histórico nacional, a seunir a grupos que passaram a exercer o poder a partir da décadade noventa do século passado. Na verdade, o papel desempenha

do pelo positivismo no estabelecimento da República tem sido exaltado em demasia e talvez deva ser consider ado mais modesto.Quando se tramava o 15 de novembro, diz Sylvio Romero, os chefes do Centro Positivista, segundo informações correntes na época, foram avisados e, no entanto, se recusaram a participar do plano de derrubada da Monarquia por meio de revolta. Tão logo po

rém o movimento saiu vitor ioso, os positivistas aproximar am-sede Benjamim Constant, com o qual tinham tantas divergências, eacercaram-se do poder.

Tenha ou não participado imediatamente do movimento repu  blicano em seus momentos decisivos, a verdade é que o positivismo serviu de apoio ideológico ao gr upo de militar es que tr ama

va a queda da Monarquia e foi o positivismo, afinal, quem se beneficiou com esta queda. "Graças à influência militar no primeiro governo da República e principalmente do governo Benjamim Constant, que com razão ou sem ela passava por decidido sectário deAugusto Comte, o positivismo foi quase uma religião do Estado, aqual não era porventur a desvantajoso praticar" - diz José Verís

simo.32Essa associação entre positivismo e militarismo já havia sido

estabelecida por Sylvio Romero em 1894 nas páginas de Doutrina contra doutrina: "Um estudo perfeito da ação do positivismo,em nossa malsinada República, para ser perfeito, deveria associar aos feitos desse partido (os positivistas não negam que constituem

um partido político), os feitos do partido militar."33

Esses dois" par tidos" ter iam exer cido a maior influência no início da Repú  blica como dois braços de um mesmo organismo: os militares passaram a deter o poder, enquanto os positivistas providenciaram o

32 PAIM, Antônio. Op. cit., p. 208.

33. ROMERO, Sylvio. Doutrina contra doutrina: o evolucionismo e o positivismo noBrasil In: Obra Filosófica Rio de Janeiro José Olympio 1969 p 291

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Brasil In: Obra Filosófica Rio de Janeiro José Olympio 1969 p 291 

86 A Razão Afirmativa

arcabouço ideológico de justificação desse poder. "Qualquer qu  pudesse ser a influência do militarismo em nossa política - continuemos com Sylvio Romero - nos dias que correm, essa influência,esse valor não teria chegado par a fazer, entr e nós, dos militar esum verdadeiro partido preponderante, se ao militarismo, por umasingular aberr ação, por uma esquisitice de nossa educação desor ientada, não se tivesse vindo juntar , em íntima aliança, o positivimo. E, por outro lado, os positivistas, a despeito de suas preten-,soes e ousadias, não passar iam, não ter iam passado até hoje deum grupo insignificantíssimo, sem a mínima preponderância, se

não contassem entre seus adeptos os moços estudantes e os mocos oficiais, há pouco saídos da Escola Militar e da Escola Superior de Guerra." 34

Sylvio Romero lamenta ter havido esta associação entre-nós,  porque "essa hibridação extravagante tem feito mal ao Exército evai fazendo dano a este país".35 Tais malefícios seriam devidos a

fato de o positivismo ter revestido o movimento republicano comidéias conservadoras, retrógradas, transplantando para terras tupiniquins os modelos da sociocracia imaginada por Augusto Comte,sob a forma de uma "ditadura republicana". "Note-se - diz SylvioRomero - esta diferença: até 15 de novembr o a força armada aparecia a propósito, intervinha em prol do mundo civil e retirava-se

da cena política, dando as mais inequívocas provas de abnegação." 3* Nas concepções que trouxeram prejuízo ao país, e que pode

ser  atribuídas "à má or ientação positivista" 37, encontramos o regime totalitário de inspiração comtiana, cujo melhor exemplo, omais direto, seria o de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul,onde governou autocraticamente de 1893 a 1898, sob a inspiraçãodo Sistema de Política Positiva de Comte. Sistema totalmentetralizado, esse regime ditatorial trazia ainda outras marcas. A des-

34. Idem, ibidem.

35. Idem, p. 292.

36. Idem, ibidem.

37 Idem ibidem

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37 Idem ibidem 

A Razão Afirmativa 87

confiança com relação ao voto - " o voto não é nem pod e ser overdadeiro instrumento capaz de determinar precisamente o profundo trabalho de formação das opiniões", dizia Júlio de CastUho- e a personalização do poder, pois era suposto que o governo ca

 beria a um "ditador institucional", enquanto o poder Executivo absorveria o Legislativo, podendo o chefe de governo demitir os ocu

 pantes dos executivos municipais. Todos estes poderes acumuladosnas mãos de um só homem marcavam desde já o caráter  antiparla-mentar e antipartidário que, mais tarde, estaria presente em outros movimentos militares como, por exemplo, o tenentismo. Essas

concepções totalitárias eram de todo coerentes com o que diziaAugusto Comte no Catecismo a respeito dos direitos humanos: "Anoção de direito deve desaparecer do domínio político, comonoção de causa do domínio filosófico. Todo direito humano é tãabsurdo quanto imoraL"

É fácil perceber, e os exemplos não faltariam, que esta visão

política se perpetuou no país a par tir da República, assumindo fomas as mais variadas, mas trazendo sempre a marca de uma Razão Afirmativa que se impunha sem admitir contestação. A isso o  positivismo desde sempre esteve ligado, uma vez que, mesmo hoje, como diz Antônio Paim, "é difícil supor que exista na atual sociedade brasileira um grupo social onde a mentalidade positivista

esteja mais arraigada que naquele constituído pela oficialidade".38

O caminho descrito pelas idéias totalitárias do positivismo,"ditadura republicana", vem de Júlio de Castilhos, no Rio Grande, passando por Borges de Medeir os que, por sua vez, cedeu o posto a Getúlio Var gas, " ao qual incumbir ia transplantar o castilhismo para o plano nacional".39 Eis como um pensamento retrógra

do e débü, de uma insuficiência crítica total, na medida em qu poderia servir de instrumento nas mãos de gr upos dominantes, conseguiu se impor ao país, vindo a ser o traço mais marcante enossa formação política e filosófica, constituindo-se no fenômen

38. PAIM, Antônia Op. cit, p. 186.

39 Idem p 183

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39 Idem p 183 

8 8A Razão Afirmativa

onde mais significativamente podemos encontrar as raízes de nossas alienações atuais.

Procuremos agora encarar a Razão Afirmativa de um outroângulo, ou seja, a par tir das ilusões com que nos acena sua positividade.

De fato, é muito mais cômodo - refira-se isto ao positivismoao tomismo ou ao mar xismo - acatar globalmente um conjuntode "verdades" resumidas em alguns poucos livros, manual ou cate

cismo do que se fazer capaz de enfrentar um longo e penoso processo de reconstrução histórica da Filosofia. Mais fácil, e até maifascinante pelo conjunto de certezas que nos oferece, embrenhar-se em piruetas verbaüsticas e conciliar o inconciliável do que, nu  processo de revisão crítica, reconsiderar integralmente o ato deespirito que gerou esta atitude que chamamos de filosófica. Não

se trata, porém, como erradamente muitos viriam a supor, de mera preguiça mental - do que temos sido acusados, às vezes na brincadeira, por amigos e inimigos. Pondo de lado a questão de sabermos se a preguiça não seria um dos valores com o qual poderíamos brindar uma humanidade desesperada (a Divina Pregude Mário de Andrade), gostaria de ressaltar que o afastamento, a

fuga de uma revisão crítica da Filosofia que a Europa nos enviava, não pode ser dissociada do processo paralelo que nos envolve:a circunstância de sermos um pais dependente. Sendo um prolongamento da cultura ocidental, a Filosofia entre-nós, ausente de criticidade, acabou por optar pela simples afirmação desse prolongamento. E o intelectual brasileiro - que tem conseguido ser o protótipo de nossos defeitos mais chocantes - assumiu, na fascinação

  pelo passado europeu, o papel de ser-dependente. Não deve revisar criticamente. Deve, como na ingênua posição de Luís W. Vita,ser um "assimilador", um continuador ou repetidor de idéias geradas em outras terras. Deve dizer  sim - reproduzindo - àquilo que

Uma Razão que dissesse não seria algo estranho ao papeique o país deveria desempenhar face ao passado europeu. Negar

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q p p p p g 

A Razão Afirmativa 89

coroistiria, no caso, colocar-se à margem, fora da visão (e da posição) de mundo européia que nos havia sido legada. Pois é isto qusignifica negação: para ser global e significativa - não apenas transformista como gostamos de ser, quando brincamos de revolucioná

rios -, deve descentrar integralmente as razões do pensamento anterior. Como isso seria realizável se o país, econômica, políticasocialmente, era um apêndice da Europa e tão bem se adaptaraao papel de filho edipianamente submisso? Como negar, se todoo conjunto tupiniquim era dependente e se às produções intelectuais, vítimas da Razão Ornamental, reservávamos o simples p

  pel de refletoras - não de reflexão - do que se passava em torno? No entanto, era exatamente isso que precisaria ter sido feito. Dessa maneira, todo pensamento entre-nós tem sido prisioneiro dmodelos e fins europeus, desligado de nosso contorno. Os caminhos de alienação da Razão Tupiniquim encaminham-se entãono sentido de uma dependência ainda mais acentuada. Agora ao

nfvel das justificações ideológicas providenciadas para a manutenção do vigente através da Razão Afirmativa.

Da indiferenciação do ecletismo ao espírito dogmático do psitivismo, a distância er a mínima e foi percorrida festivamente pe

la inteligência nacional. Fascinados por um modelo de pensamento e de ciência atado ao espírito oitocentista, caímos em algunmitos e novas falsificações. O mito da certeza em geral e da certeza científica em particular. Qualquer positivista elimina a criticida-de da Razão com quatro ou cinco argumentos, onde a fé na afir-matividade é tão presente quanto o fanatismo nos santos guerrei

ros. Ao invés de favorecer o verdadeiro desenvolvimento do espírito científico, a Razão Afirmativa só fez bloqueá-lo, atado à camisa-de-força sumariada por Comte e seguidores em mui fáceis lições. Apresentando-se como irrefutável, a Razão Afirmativa impediu o aparecimento da única coisa que poderia gerar pensamento:a dúvida.

Com a vitória da afirmatividade, o espírito da negação, seo qual não existe Filosofia, deixa de existir. A conseqüência é fu-

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90 A Razão Afirmativa

nesta: ausência de capacidade cr iadora, pois esa é an tes do maisdestruição e dúvida. A afirmatividade fez apenas acentuar quadromentais que se impuseram acima do direito e da urgência de providenciarmos nossos próprios modos de ver e viver. Uma Filosofia

 brasileira passou a ser impossível a partir do momento em que, como fenômeno geral, se deu entre-nós a opção pela certeza. Severdade é patrimônio de um outro, não nos resta senão ser "assimiladores". O que equivale a morrer para o pensamento.

Já no pensamento eclético encontrávamos a tendência a disolver oposições e a desconfiança com qualquer posição que contivesse traços de marginalidade: do ponto de vista eclético, aquelque discorda é um criminoso, pois o ecletismo gera o fanatismoda mesmidade. É essencialmente tirânico e antidemocrático, aves

so ao livre circuito de posições que se questionem radicalmente.Par a termos como definitivo que o positivismo só fez acentuar pr essupostos ecléticos, não sendo com relação ao ecletismo uma superação mas um desdobr amento, " basta indicar que é solidário dessa mentalidade positivista o pressuposto antidemocrático de quena sociedade não deve ter lugar o livre jogo dos grupos e das fac

ções, mas a tutela de agrupamentos que se atribuem semelhanteprivilégio a diversos pressupostos. Nisso talvez a particularidadedistintiva mais característica entr e a mentalidade positivista e o cien-tificismo contemporâneo, este último visceralmente ligado à tradção do liberalismo anglo-saxão, expresso na incapacidade de aceitar o diálogo e o debate em qualquer plano".40

  Não houve salto entre o ecletismo e o positivismo, mas puracontinuidade, desdobramento, uma afinidade que explica como osegundo - movimento filosoficamente inconsistente - foi capazde encontrar  entre-nós uma terra de promissão, arada e adubada

  pelo ecletismo. As duas atitudes prolongam a condição de dependência, ausentes de qualquer posição negadora.

40. Idem p 208

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40. Idem, p. 208. 

A Razão Afirmativa 91

Tudo parece preparar o que entre-nós aconteceria quandolevada a desconfiança com relação à democracia a seu limite, passou-se a uma declarada hostilidade contra qualquer coisa que pudesse representar debate político - onde, de r esto, nossas ur gên

cias terminar iam por surgir - e optou-se por uma franca tecnobu-rocracia, onde o que menos conta é esta caótica, vulgar e tropica" opinião do povo" . Sylvio Romer o já adver tira quanto ao positivismo: "tal é o sistema que se propõe enfaticamente a acabar comos males da opinião democrática e liberal, que domina no país!..."

Aliás, foi a Real Mesa Censória, criada por Pombal em 1776, qu

 proibiu a tradução e difusão de Descartes, "porquanto o povo português ainda não está acostumado a ler no seu próprio idioma este gênero de escritos". Simples, portanto: o povo sempre tem cul

 pa. Não é sem motivo que ainda se discute se estaremos "preparados" para a democracia. Um precursor, este Pombal

Que os poderes constituídos adotassem tal posição, nada a

estranhar, embora muito a lamentar. Mas que os pretensos intelectuais, fantasiados de inúmeras maneiras, inconscientemente ou porsimples má-fé, o fizessem, eis algo a estranhar e a lamentar. Nomomento em que desabou sobr e nós a afirmatividade, toda possível criação que questionasse nosso mundo estava condenada. E aconseqüência, estabelecida: entre-nós o pensamento haveria d

ser "ornamento e prenda".Essas, as questões que deverão ser abordadas numa introdução a uma possível Filosofia brasileira. Não apenas ao nível das teor izações abstratas - ao modo das infindáveis "introduções à Filosofia" que se publicam entre-nós -, mas investigando aquilo qua Filosofia veio a ser  entre-nós e as condições que circundam ta

acontecimento. Em suma, revivificar os modos de alienação do  pensamento brasileiro, sua incapacidade de maior compromissocom as urgências históricas que nos rodeiam e sua fuga par a a sétima nuvem à direita, onde se pensa "do ponto de vista da eternidade". E sobre isso exercer a consciência negadora.

41. ROMERO, Sylvio. Op. cit, p. 30&

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41. ROMERO, Sylvio. Op. cit, p. 30& 

92  A Ra z ã o Af i rma t i va

Com efeito, o que faz a Filosofia? Sua pretensão parece ser clara: desde sempre pretendeu ser um pensar ao limite. Ou: umlevar a sério que busca extrair de si as últimas conseqüências.

É justo aqui que encontramos o entrave básico a um pensar  brasileiro. Se o próprio homem é resultado de um ato de criaçãde si, o viver social pr ovidencia - e nós providenciamos - nossosmodos de instalação no real, modos de contornos bem definidose práticos, numa especialização de nossa existência, objetivandmanejar situações com a máxima segurança.

Uma condição talvez nos leve a isso: o homem é um animalenraizado na insegurança, o que faz com que nada nos fascinemais do que a certeza. As certezas dos limites de nossas instalações, as quais acabam plasmando nosso mundo. É de agarrar-sea tais limites que extraímos nossa débil segurança. A dinâmica  sica da existência oscila entre momentos de segurança e inseguran

ça, cer teza e dúvida - sendo o ato cr iador aquele momento quefaz romper algumas certezas, desequilibrando um sistema. Ao con-

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A Razão Afirmativa 93

trário, a vitória de uma dada visão de mundo tenderá a se tranformar em instituição, segura e sólida, vigente. Logo, morta.

Um pensar ao limite só poder ia nos atr apalhar . Se devo pensar, tudo está em jogo, sendo o pensar a sério um levar-se ao l

te. Equivale a expor nossas instalações ao perigo da dissolução, jáque pensar é o mesmo que duvidar. A face inquietante da Filosofia é a ameaça ao tranqüilo esquema de instalação que montár mos para enfrentar o real, aniquilando-o como coisa em sL O pensamento tenderá a explodir esta inércia do dado bruto ao quanos agarrávamos. Contávamos com comodismos de instalação qu

vemos, súbito, desabar. E o que pretende a Filosofia quando a sé rio? Salvar -nos? Não. A Filosofia não é salvação - é per dição.Ao menos antes de alienar-se nalgum sistema. Convida-nos a largar tudo, a encontrar soluções por conta própria. Em suma: pensar por si mesmo.

Eis o convite que nos aterroriza e que nos põe nos limites

de nossas certezas: pensar por conta própria. Me contaram ou li(ou inventei) que segundo os chineses " pensar dói". Dói. E um r isco a assumir. Exige colocar tudo em jogo. É conduzir-se aos limites a despeito da insegurança. É neste momento que o chão nosfalta - e preferimos a burra paz dos que não sabem. De fato, pensar dói. Mas é a única coisa que nos resta.

Uma Razão Afirmativa é o mesmo que uma sem-razão. Com  plemento desesperado do senso impensado da RazãoEclética.

Equivale a agarrar-se ao dado na pretensão de perpetuá-lo, quan

do a função radical do pensamento é destruir a positividade do dado. Se a Razão Eclética perdia-se numa indiferenciação amorfa edespersonalizada, a Razão Afirmativa tende a sacralizar o passado, fonte de todas as cer tezas - cer tezas que já não sabemos ver dades caducas. E ambas encontram na Razão Ornamental a forma adequada à sua expressão: o pensamento não pensado, alegórico. Que não incomoda nem arrisca. O pensar  anestésico e esterilizado.

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94 A Razão Afirmativa

Por exemplo, o estr uturalismo, o neopositivismo, a pr edominância da lógica, formal ou matemática, são os lugares onde se r elizam aquelas intuições filosóficas que se perderam. Verdadeirassalas de operação: esterilizadas e inofensivas. E úteis. Ou, pel

menos, consentindo. Isso se dá em função do estado de alienaçãono qual nos encontramos; preferimos jogos lógicos e epistemológcos àquilo que sabemos urgente.

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Captíub 11

Razão Dependentee negação

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96Razão Dependente e aegaç

...porque as estirpes condenadas acem anos d e solidão na o tinham umasegunda oportunidade sobr e a terr a.

GABRIEL GARCÍA MARQUEZ(Cem Anos de Solidão)

Se a função da consciência é explodir um mundo, podemos dizer que com a Semana de Arte Moderna, em1922, realizamos uma primeira tentativa de real independência cultural face ao passado europeu e aos modelosestr angeiros. Com exagero - este sim, bastante nosso -

efetuamos a constatação do óbvio: à nossa volta não havia fog, neve ou castelos medievais - mas bananeiras, coqueiros, casas de ca boclo e gente de nariz batatudo e lábios grossos. O parnaso super-refinado, os traços suaves das madonas, o bom gosto oficial vieramabaixo; nossos artistas retiraram de seus ombros a carga de um

  passado alheio e que lhes pesava. Tornava-se possível criar. O re

sultado foi uma revolução. De Mário e Oswald a Drummond eJoão Cabral de Mello Neto, súbito percorremos os caminhos deuma emancipação artística. Os imensos pés das figuras de Por tina-r i denunciam: encontr ou-se um chão sobr e o qual pisar .

É claro que análises detalhísticas encontrariam por detrá

do Manifesto Antropofágico o italianíssimo Marinetti. Mas um

coisa se ressalta: mudou o espírito, a atitude. A par tir daí uma r eação em cadeia será liberada, permitindo produzir uma arte cujo

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ç p p j 

Razão Dependente e negação 97

significado é flagrante: assumir nossa posição. "Confesso - diz Oswald de Andr ade - que a r evolução modernista eu a fiz mais contra mim mesmo (...) Pois eu temia escrever bonito demais. Temiafazer a carreira literária de Paulo Setúbal. Se eu não destroças

todo o velho material lingüístico que utilizava, amassasse-o de novo nas formas agrestes do modernismo, minha literatura aguava eeu ficava parecido com D'Annunzio (...) Não quero depreciar nenhuma destas altas expressões da mundial literatura. Mas sempreenfezei ser eu mesmo. Mau mas eu." 42

O modernismo brasileiro instalava-se sobre o signo da nega

ção. Havia que destruir, como diz Oswald, aquilo que falsamenteviéramos a ser: "A revolução modernista eu a fiz contra mim mesmo". Destruir as condições internas e subjetivas da dependência,

  pois esta não é simples fato exter no - se existem fatos pur amente internos ou exter nos - mas disposição internamente assumida:o escravo traz o senhor dentro de si. Lutando contra si mesmo,

contra seus próprios fantasmas, os modernistas sentiam a urgêncide se libertarem dos vínculos que os mantinham presos a uma Europa idealizada.

"A Alemanha racista - diz Oswald - purista e recordista precisa ser educada pelo nosso mulato, pelo chinês, pelo índio maiatrasado do Peru ou do México, pelo africano do Sudão. E preci

sa ser misturada de uma vez para sempre. Precisa ser desfeita nomelting-pot  do futuro. Precisa mulatizar-se." 43 Um mundo desabava. E a pr imeira coisa a fazer - assim como nas r evoluções - eraqueimar os r etratos e bustos dos tiranos. Nã o contr a os tiranos -mas contra nós mesmos. E o efeito de substituição: a tomada deconsciência do mulato, do índio, da América Latina. A consciênci

daquilo que nos constituía e sem o que nada poderíamos ser.Após a derrubada do ídolo - saudavelmente barulhenta

assistimos à aproximação de nossos valores, de nossos limites e  possibilidades. "Nada podemos esperar da Europa européia, para

4Z ANDRADE, Oswald de. Op. cit, p. 11.43 Idem, p. 62

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43. Idem, p. 62 

98 Razão Dependente e negação

onde vivemos por tanto tempo voltados, com a luz de Paris emnossos espíritos. Foi uma época que terminou. Tínhamos pelos lano-americanos um desprezo que participava do conhecimento denós mesmos, de nossos pobr es r ecur sos civilizados, perdidos no es

magamento de uma fiança tor pe ligada à fome dos imperialismos." 4

 Nas páginas de O Movimento Modernista*5 , Mário de Andr de deixou algumas lições que precisaríamos recuperar, já que a

possível Filosofia brasileira muito teria a aprender com nossa Literatura. Encontramos aí certos traços de desgosto e arrependimentocertas restrições a seu passado modernista.

 Não se revolta por ter sido modernista, mas por não ter ido alémde suas pretensões. Não propõe um retorno, mas a revisão crítica,na tentativa de recuperar a intuição revolucionária que se perdera.

O modernismo havia sido "uma ruptura, foi um abandonode princípios e de técnicas conseqüentes, foi uma revolta conto que era a Inteligência Nacional". Mário nota, porém, que o "epírito modernista e suas modas foram diretamente importados daEuropa" . Daí o apar ecimento subterrâneo, às vezes nem tanto,de uma postura nitidamente aristocrática, de um internacionalis

mo modernista e um nacionalismo embrabecido. "Era uma aristocracia do espírito." No entanto, o movimento, essencialmente destruidor e com possibilidades de criar, representava uma convulsãono panor ama artístico e intelectual brasileiro. O que ficaria expresso nos três princípios apontados por  Mário: "O direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasleira; e a estabilização de uma consciência criadora nacional."

Isso permitiria uma reviravolta aos artistas brasileiros, que tinham sempre jogado "colonialmente certo". Havia que dar contadas "numerosas Cataguases", o que, associado à pesquisa estética,

44. Idem, p. 63.

45. ANDRADE, Mário de. O Movimento Modernista In: Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo, Martins [s/d.], pp. 231-55.

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Razão Dependente e negação 99

 pudesse representar o primeiro movimento de independência, legítimo e indiscutível, da inteligência brasileira. "Essa normalizaçãdo espírito de pesquisa estética, antiacadêmica, porém não marevoltada e destruidora, a meu ver, é a maior manifestação de in

dependência e de estabilidade nacional."Mas onde o lamento e a lição maior? Aqui, creio: "Se tudo

mudávamos em nós, uma coisa nos esquecemos de mudar : a atitude interessada diante da vida contemporânea. E isto era o princi

 pal!" Vítima de seu próprio individualismo, Mário crê não encotrar em suas obras e nas obras de seus companheiros "uma paixão

mais contemporânea, uma dor mais viril da vida. Não tem. Temmais é uma antiquada ausência de r ealidade em muitos de nós".

Essa consciência dolorosa, aguda, denuncia o espírito nummomento decisivo: o da consciência que explode um mundo. Omomento da negação, -a crítica, que permitiria superar o próprimodernismo e vislumbrar o que deveria vir em seguida. Falta al

go. Este contato - fora de toda Razão Ornamental - com nossocontorno; talvez um levar-se a sério ainda mais compr ometido. "veríamos ter inundado a caducidade utilitária do nosso discursode maior angústia do tempo, de maior revolta contr a a vida como está.

Revisando tudo, Mário aponta onde fora efetivamente renovador e onde fracassara - e dá testemunho deste fracasso, supe-

rando-o. Esquecera-se de seu tempo, quando muito lhe fizera, "delonge, uma careta". Creio que isso possa explicar por que mesmoMário de Andrade não tenha ficado livre, ao final, do espírito conciliador; é fácil encontrar nele traços de uma Razão Eclética dqual não conseguiu se libertar inteiramente.

Mas estava, ao dar testemunho de si, virtualmente pronto areiniciar tudo, tendo sido capaz de negar mesmo seu passado, r ecu-

  perando-o criativamente. Seu lamento deve ser considerado como uma devastadora revisão crítica, legítima, porque dava testemunho de um mundo seguinte. "Eu creio que os modernistas da Semana de Arte Moderna não devemos servir de exemplo a ninguém.

Mas podemos servir de lição. O homem atravessa uma fase integralmente política da humanidade."

Registremos agora a ausência de repercussão do modernis-

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100 Razão Dependente e negação

mo na Filosofia praticada entre-nós. Mais uma vez vemos aí denunciado o estado de alienação, de apartamento, da Filosofia diantede uma realidade nossa. Foi, para os praticantes da Filosofia, como se a Semana não houvesse existido. "A partir da Semana de

Ar te Moder na e da Revolução de 30 - diz Roland Corbisier - ,ocorreu no país uma significativa renovação cultural, assinalad

  pelo aparecimento de romancistas, poetas, arquitetos, pintores,músicos, críticos literários, ensaístas etc. A essa eclosão de valono campo da arte e do ensaio não correspondeu, porém, no cam  po da Filosofia, ao surgimento de valores equivalentes."4*

A razão disso, creio, possa ser encontrada no fato de ter sido na Filosofia onde se enraizou mais fortemente - já pela primeira tentação alienante da Filosofia: pensar acima do tempo e doespaço - o caráter  afirmativo da dependência cultural, perdurado aí a atitude "assimüadora", de prolongamento do universo euro

 peu. Ao nível das justificações ideológicas, houve uma reação d

defesa por parte das idéias e ideais dominantes, não permitindque se questionassem mais r adicalmente as bases da visão de mundo vigente. Enquanto estas manifestações de libertação se davamao nível das propostas artísticas e ensaísticas, fazendo, de longcar etas para o tempo - coisas, de r esto, facilmente redutíveis aum estado de ornamento social -, era fácil manter o seu controle,

absorvendo os seus golpes. Mas pensemos no que ocorre sempreque se tenta ir, na Filosofia ou em qualquer outra forma de expressão e conhecimento, além de um mero questionamento ornamental das condições nacionais.

Vista a questão de dois ângulos, complementares e indissociáveis, podemos dizer que, por um lado, houve a retenção do espíri

to crítico aos limites permitidos pela ordem vigente e, por outro,os praticantes da Filosofia entre-nós, desde sempr e vítimas e benficiár ios da Razão Ornamental, preferiram manter-se a dis

de questões mais delicadas, permitindo-se flutuar no limbo das questões "metafísicas".

46. CORBISIER, Roland. Carência de Filosofia. Jornal Crítica, Rio de Janeiro, an37:7, 21 a 27 abr., 1975.

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Razão Dependente e negação 101

Razão pela qual a Filosofia preservou entre-nós uma atitudde desprezo face às questões efetivamente urgentes, delas se esquecendo, considerando-as coisas pouco sérias, não dignas das luzes de nossos pensadores. Sérias, só teses secas e desinteressa

montadas a partir de questões que foram vitais para homens queviveram há, no mínimo, sete séculos. Sérios são estudos mque cheiram a Europa. Assim, apesar dos traços de emancipaçãde uma inteligência nacional que podemos encontrar no modernismo, os praticantes da Filosofia continuaram, e continuam, comono verso de Manuel Bandeira, "macaqueando a sintaxe lusíada".

Podemos agora equacionar a questão de um pensamento brasileiro. A Filosofia r epr esenta, por si só, num desafio a nossas instalações, uma exigência de questionamento radical. Por outro lado,

 por comodismo, ligação incestuosa e pela violência do projeto colo

nizador, sempre delegamos à Europa nos dizer o que deveríamos  pensar. Deste irreconciliável choque - quanto a isso não há com odar um jeito - r esultou a impossibilidade de uma Filosofia br asileira.

Ou não?A questão é irrespondível se não fizermos referências às pecu

liaridades de nossa formação histórica.

Este país foi iniciado por pessoas que para cá vieram sem a  pr etensão de per manecer . Tanto que até o início do século XVU"o termo brasileiro, como expressão e afirmação de uma nacionalidade, era praticamente inexistente".47 Não só por oposição à formação dos E UA mas até mesmo com r elação ao que acontecer iana América Espanhola, o sonho de enriquecer depressa e voltar 

em seguida fez com que a ação dos portugueses se caracterizasseentre-nós por um mercantilismo selvagem.Os primeiros que se instalaram nestas terras mantiveram uma

ligação permanente com Portugal e, por seu intermédio, comresto da Europa. Desde o início existiam as condições externas e

47. MOOG, Vianna. Bandeirantes e Pioneiros, paralelo entre duas culturas. 8? ed., Riode Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 116.

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102 Razão Dependente e negação

internas da dependência: a força da metrópole e a mente do bandeirante - at ividade extr ativa, predatória e desinteressada do lugar - caracter izam a posição periférica do Brasil, com toda sua

 produção voltada para o centro europeu. Assim, os primeiros "bra

sileiros" - no sent ido que esta palavra tinha até meados do século XVII: aquele que explora o pau-brasil ou aquele que fez fortuna nestas ter ras - sempr e se mantiveram voltados com muitas saudades (já se pensou nas explorações dessa palavra entre-nós?) para as terras d'além-mar. De lá vinham as notícias significativas,o destino do mundo era decidido. Lá estavam o poder e o saber.

E para lá se voltaria algum dia.O primeiro traço a ser destacado na formação brasileira é a

origem colonial, com seu característico alheamento. Não possuindo uma geração interna, resultou de um transplante cultural Jamais sujeito da própria história, a dependência lhe reservava apenas o papel de objeto de exploração, exigindo que assumisse o pa

  pel de assimilador. "Numa produção transplantada, e montadaem grande escala, para atender exigências externas, surge naturalmente uma cultura também transplantada." 48

Condição que contaminaria séculos de Brasil De país colonzado, tor namo-nos formalmente livres - e sempr e saudosos. O pólo de nossa dependência econômico-cultural sofreu vários deslocamentos, mas sempre esteve nalguma parte fora de nossos limites.De um modo geral este centro sempre foi a "Europa", não a geográfica, mas a espiritual, no sentido da distinção feita por Hue analisada por Mario Casalla; neste sentido, os EUA também fazem parte da "Europa".49 Lá se encontra o centro do mundo. Éonde se fazem descobertas, se escrevem romances notáveis, se renovam os costumes, se é fino e inteligente. O brasileiro, assim, sem

 pre desejou ser europeu. Vale dizer: não-brasileiro. O que explicaria o incrível sucesso de uma viagem ou de estudos realizados na

48. SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de História da Cultura Brasileira. 2? ed., RiJaneiro, Civilização Brasileira, 1972, p. 5.

49. CASALLA, Mario. Husserl Europa y la justification ontológica dei imperialismo.

Revista de Filosofia Latinoamericana, Liberación y Cultura, Buenos Aires, l(l):16-50,  jun., 1975.

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Sazão Dependente e negação 103

Eur opa - para não falar do char me sempr e desejável das maneiras européias.

As origens de nosso mazombismo têm data remota. Como a pretensão era a posse e a instalação provisória nestas terras - sen

do per manente o desejo de voltar - o própio padre Nóbrega jnotara: "Não querem bem à terra, pois têm afeição a Portugal".

Com a sucessão de outros pólos de dependência, essa atitude se viu reforçada e acabou generalizando-se. Em gerações recentes encontramos o irresistível desejo de ser norte-americano. Valeaqui um registro quanto ao verdadeiro perfeccionismo que empre

gamos ao falar uma língua estrangeira. É fácil observarmos queum norte-americano ou europeu costuma falar português com afluência de quem cospe cascalhos. E não dão a isso a menor importância. São o que são e querem ser o que são. Daí se concluir que falar mal uma língua estrangeira é sinal de amadurecimentocultural.

Executores e vítimas desta situação de colonialismo cultural,jamais nos conformamos e muito menos desejamos ser o que somos. Os norte-americanos, por exemplo, nasceram de uma pretensão assumida: um novo mundo. Gostemos deles ou não, foram ca

 pazes de assumir-se culturalmente. Enquanto isso, o mazombo quehabita em cada um de nós cont inua suspirando pela culta vida d'a-

lém-mar.

Estamos aqui em pleno domínio daquilo que Octávio Ianchamou de "cultura da dependência", referindo-se mais especifica

mente ao caso da Sociologia, que "também reflete as peculiaridades da dependência estrutural e histórica que caracteriza as sociedades da América Latina".50

Podemos dizer que tanto na Sociologia quanto na Filosofiaa problemática é externa, importada, e traz consigo as implicaçõe

50. IANNI, Octávio. Sociologia da Sociologia Latino-americana. Civilização Brasileira,Rio de Janeiro, 1971, p. 39.

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104 Razão Dependente e negação

teóricas que dela resultam. Daí a dificuldade de aplicação de taiconhecimentos à realidade que nos circunda, o que impede quevenhamos a conhecer criticamente a superfície ideológica que encobre nossas alienações.

"Da mesma maneira que no passado, na atualidade tambéma pr odução científica e filosófica dos países da América Latina cotinua a revelar influências acentuadas da produção intelectual norte-americana, francesa, alemã, inglesa etc. (...) Na Sociologia, assimcomo nas artes, nas outras ciências sociais e na Filosofia, ainda éfreqüente que o prestígio de alguns sociólogos latino-american

esteja relacionado com a informação sobre a última novidade sociológica norte-americana ou francesa." 51

O pensar latino-americano e particularmente o brasileiro seencontram presos a importâncias e urgências que não são nem im  portantes nem urgentes, senão para europeus e norte-americanos- motivo pelo qual a Razão entre-nós se perdeu nas alegorias da

or namentalidade. Ocor r e então à Filosofia optar por uma r epr odução do pensar alheio - que é, em última análise, a reproduçãdo pensar europeu, no âmbito do qual seremos mdefinidamentdependent es - sem se dar conta do que nos é próprio. Ou, emmomentos de exaltação patrioteira, a querer se refugiar no mato,como bugres. "A Filosofia no Brasil se acha, pois, muitas vezes en

tre duas tentações igualmente funestas: a de se entregar, abandonar-se cegamente ao passado, ou a de confiar nos filósofos estrangeiros. Enquanto nos contentarmos com estudar problemas do passado ou do estrangeiro; enquanto, de fato, manifestarmos menos

  pr ezo pelos verdadeiros pr oblemas do Brasil de hoje - a Filosofiamerecerá ser tachada com o artigo de luxo, que o país poderia even

tualmente dispensar." 52

O que Michel Schooyans não acrescenta, e do que pouca gente quer dar-se conta, é que justamente esta Filosofia alegórica interessa à manutenção de nosso estado de dependência. Com efeito,

51. Idem, pp. 41 e 42

52 SCHOOYANS Mi h l O iL 78

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52 SCHOOYANS Michel Op ciL p 78 

Razão Dependente e negação 105

urge libertar o Brasil de dois modos: externamente, das pressõeseconômico-culturais, e, internamente, da introjeção do papel ddependente e "assimilador". É vigente, no entanto, a crença deque o verdadeiro pensar encontra-se nesta incestuosa ligação com

os centros da Razão Européia, na repetição do dito, jamais no dizer . O pensamento, que poder ia e deveria ser essencialmente nega-dor e libertário se atendesse a urgências históricas nossas, tornase apenas mais um instrumento de domínio. E grave, posto quinstalado dentr o de nós.

Estamos aqui às voltas com a oposição entre o passado e ofuturo. Passado representado pelo que nos legou a cultura euro-péia-ocidental, sendo o futuro a possibilidade ainda existente deque possamos superar as amarras que nos atam a esse legado.

"De tal maneira que a 'nova cosmologia' e a 'nova história' nãosão nem mais nem menos que a super ação - no sent ido estr itode Aufheben - de um passado histórico em direção a um redefínidor."53

 Não se trata de julgar conveniente qualquer tipo de ilhamen-to cultural. O que se isola, morre; o futuro não se constrói a partir 

de um presente arbitrariamente fixado, mas do questionamentodo passado. É tão grave esquecer-se no passado quanto esquecer o passado. Nos dois casos desaparece a possibilidade de história.O contato continuado com o universo euro-ocidental é condiçãode nossa maturidade. Mas sob uma condição: o exercício de umaimpiedosa antr opofagia. É urgente devorar a " estranja" - como

gostava de dizer  Mário de Andrade. Devorar sem culpa ou sentimento de inferioridade.Com relação ao passado europeu, precisamos ter consciência

de que estamos diante de uma estrutura de vida e pensamento,de um horizonte de sentido que é preciso desvendar para compre

si CASALLA, Mario. Razón y Liberación, notas para una filosofia latinoa1? ed., Buenos Aires, Siglo XXI, Argentina. Ed. 1973, p. 71.

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106 Razão Dependente e negação

endermos o que nos ocorreu. A possibilidade de redefinirmos umfuturo existe na medida em que nos for possível estabelecer as contradições a que se viu conduzida esta Razão Européia. "O germdo novo mora na caducidade efetiva do velho. O futuro não éum simples desejo, nem um projeto demagógico a mais, nãoum novo produto para o mercado, é o levantamento definitivo dacontradição à qual um modelo de vida-pensamento chegou." 54

A Razão Euro-Ocidental é a Razão Metafísica que se geroua partir da Grécia, vindo culminar no século XIX, sendo a "civilizção euro-ocidental uma civilização metafísica".55 Esta metafísica

que nos foi legada hoje sofre as mesmas impossibilidades da civilização à qual deu forma e da qual é o reflexo. A Razão Dualistaque emerge desde as origens na Filosofia grega encontrou sua tragédia: a impossibilidade de conciliar uma consciência atemporal,universal, com uma história que é fluidez no tempo. Nesta dualidade, a bipartição do homem residente nesta civilização tornou-se

inevitável, e sua reconciliação, impossível. O século XIX expresa última busca desesperada da reconciliação, quando a Razão Euro-Ocidental atinge sua maior grandeza e miséria. Em tal contexto é compreensível o desvario final de Husserl: é preciso "salvar a humanidade da crise". Não nos iludamos. Não a humanidade,mas uma parcela da humanidade e seu modelo de vida e pensa

mento preocupava a Husserl. Defender a perpetuidade de seusvalores e a "missão civilizadora" da Europa face ao resto do mundo foi a tarefa à qual Husserl se dedicou. Batalha previamenteperdida. A Europa não precisou ser  destruída por  ninguém, chegando por seus próprios pés ao limite de exaustão do qual encon tramos os sinais por toda parte: guerras, dominação, exploração,marginalidade, violência, desespero. Expressão de uma civilização

que morre, "a metafísica - agrade ou não a Husserl - terminou".56

A nós cabe a conquista da consciência d e que só ser emos livres após devorarmos o legado de nossos pais. A solução do com-

54. Idem, p. 80.

55. Idem, p. 73.56 Idem p 7R

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56. Idem, p. 7R 

Razão Dependente e negação 107

 plexo de Édipo, que Freud propôs e milhões se recusaram a entender , consiste nisto: a vida explode par a fora - e morre quando sevolta para o passado. De uma condição de dependência e envolvimento com relação aos pais, urge chegar ao ponto de introjetá-los.Devorar nossos pais - o que ficou expr esso no assassinato do pai

  pr imordial - numa assimilação profunda e, ent ão, pr opor nossocaminho. Numa explosão para fora e para a liberdade. Inexplicável sem nossos pais, mas irredutível a eles.

  No todo da cultura as coisas se passam assim, pois é o todohistórico-social que determina o psicológico. Com grande aborreci

mento noto o excesso de escrúpulos de nossos praticantes de Filosofia, esmerando-se em permanecer  fiéis aos textos, questões e sistemas dos mestres europeus. A máxima fidelidade a um mestre éabandoná-lo. É jamais deixar que seu pensamento vire fórmula vazia. Não deixar que a originalidade de sua intuição morra na esterilidade de um conceito. Fazer o que um mestre fez não é fazer 

o que fez, mas o que faria se estivesse em nosso lugar.É preciso devorar o mestre e referir a lição restante a uma

situação nossa, aquilo que está diante de nós - sem o que nuncahaverá verdade par a nós, não havendo verdade nossa. A Filosofia,já foi visto, é negação do passado, é dizer o contrário. A tentativade enxergar um palmo diante do nariz. Enquanto a Razão Euro-

Ocidental, com seus fins, interesses, preocupações, esforços, continuar sendo para nós a pr isão intelectual que até aqui r epr esentou, aquelas pretensões radicais da Filosofia serão irrealizáveis en-tre-nós. "Tudo aquilo que não cheira o bom perfume de nossa intelectualidade faz mal a nosso nar iz. Nós estamos tão cheios deuma importância de sabidice e de teorismos inúteis que não quere

mos nos aproximar daquilo que está diante de nosso nariz, nasruas, nas conduções coletivas, nas gerais dos campos de futebol,nos suburbanos, porque tudo isto fede e fere o nosso chamado

  bom gosto, que eu não sei de onde veio: somos afinal uns mestiços luso-afro-tupiniquins com incríveis problemas de povo pobre,mas pensamos em termos de uma civilização cristalizada e que pode se dar ao luxo de pesquisar e divagar sobre problemas esotéri

cos antes de resolver os problemas da existência mais imediata:

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alimentação, habitação, saúde, educação etc. Somos uns deslum br ados daquilo que nem conhecemos: América do Norte e Europa." 5

O que impede o surgir de um pensar nosso é a recusa implícita de enfrentarmos algo brasileiro. Se os modelos de ver que assimilamos são os de um outro, não nos vemos a não ser de mododistorcido e sem chegarmos a nos assumir  teórica e praticamente.  Nossos temas são recusados por não serem de odor tão refinado

quanto as questões européias. Nosso modo específico de abordao real, tor nando-o importante, é esquecido. O mesmo se dá comos problemas que deveríamos efetivamente problematizar, poisnão se enquadram entre aqueles que possamos pensar com "isenção", "distanciamento", de modo "neutro". Quer dizer: não poderiam ser objeto de uma Filosofia esterilizada sem contaminá-la,

obrigando-a a assumir seu papel histórico entre-nós. Contaminada, esta Filosofia viria a ser muito incômoda, já não permitindo ainfindável conciliação. O que não é recomendável, quer do pontde vista do vigente - e o vigente entre-nós é a dependência -,quer do ponto de vista das instalações que providenciamos paranos proporcionar certezas.

Esta Filosofia esterilizada, asséptica, refinada, de bom gostoe ornamental é na verdade "a voz do dono". Não se compromete nem suja as mãos. Dedica-se de preferência ao puro jogo formal que a ninguém incomoda ou contamina.

As condições de possibilidade de um juízo filosófico brasileiro se encontrariam na missão de demolir as condições subjetivase objetivas da dependência, a consciência crítica voltada contra aintrojeção do papel de " assim Dadores" que a condição de coloniza-

57. FERREIRA FILHO, João Antônio. "Um Apanhador de Dados". Depoimento a Nelson Blecher sobre o papel do repórter no jornalismo. Jornal Ex-, São Paulo, 8:9, dez., 1974.

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Razão Dependente e negação 109

dos nos reservou. O crivo severo com relação ao passado: reler nossa história. Criar uma nova consciência com relação a nós mesmos e com relação à consciência que se veio gerando no Ocidente e da qual somos uma última expressão desfibrada e mambem

 be. Saber que somos outra realidade, o que de pronto exige outraconsciência, outros fins, interesses, preocupações. "Sendo a Filosofia uma atividade vital, inseparável da existência e dos problemasda vida, é necessário (para Cruz Costa) filosofar sobre o Brasilvestindo as idéias com os músculos, o sangue, os nervos da realidde presenciada e apreendida: explicar sua gênese, analisar a sua

natureza, prever as suas diretrizes. Em suma, é preciso ligar a nossa atividade mental aos destinos de nossa história, porquanto 'para que o pensamento não seja fantasia sem proveito - como diziael-rei D. Duar te - é mister que não perca contato com a história,com os problemas reais da vida'." 58

É preciso inventar as condições de nosso futuro: nossas im

portâncias e urgências. Mas fora de todo contexto dependentedeixando vir à tona as virtualidades efetivamente nossas para queestas mesmas importâncias e urgências não se vejam novamentvítimas da Razão Ornamental. Para tanto, dar adeus ao mazom  bo que habita em nós. Resolvido nosso complexo de dependentes- desveladas suas condições internas e externas - , superar a cul

  pa e a infer ior idade. Conceder a nós mesmos o dir eito de ser oque somos, a nosso modo. Afinal, não estamos fazendo um piquenique em Hampshire ou Saint-Germain. Aceitar que há uma dolorosa verdade no juízo segundo o qual somos "los macaquitos". E

 pior: macaquitos que julgam tão sem classe comer banana.

A condição prévia a qualquer Filosofia brasileira que não queira se ver reduzida, como tem acontecido até hoje, à mera assimilação ornamental e dependente - úteis tão só a br ithar ecos verbaidiante de um povo adormecido - é fazer desabar as instalaçõessérias nas quais vivemos. Negar  postiças importâncias e urg

 providenciadas estranhamente e que não nos expressam, encobrindo condições que poder iam liberar em nós um pensamento de fa-

58. VITA, Luís Washington. Op. cit, p. 81.

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110 Razão Dependente e negação

to criador. Jamais esquecer-se nalgum sistema cômodo de pensar em qualquer arquivo de primeiros socorros existenciais. Correr orisco de não saber coisa alguma, longe de qualquer certeza prévia.Pois o pensamento não é gerado pela certeza, mas pela dúvida.

Ur ge ser o que somos - descobr ir-se no Brasil, na América Latina . Sem um " outro" ao qual possamos nos agarrar . Só a solidãoger a pensamento - só na tragédia nasce Filosofia. Mas que sejaum pensamento comprometido, a sério, fora de toda Razão Or mental. Essencialmente negador.

Antes disso, qualquer Filosofia será, entre-nós, pura ingenuidad 

Aprendamos duas coisas. Que nesta altura dos acontecimentos um soco na mesa, violento e sonoro, é mais importante do quesabermos da validade dos juízos sintéticos a priori E que, do ponto de vista de um pensar brasileiro, Noel Rosa tem mais a nos ensinar do que o senhor Immanuel Kant, uma vez que a Filosofia,como o samba, não se aprende no colégio.

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Sugestões deatividadesdidáticas

Um título Cap. 1

1. Fazer uma sessão de apr esentação/r epresentação das melhores piadas que o grupoconhece. Em seguida analisar as relaçõesentre os personagens; apontar as piadas críticas e as alienantes.2. Pesquisar sobre o Movimento Modernis

ta, Oswald de Andrade e Mário de Andrade. Apresentar os resultados.3. Comentar a frase do texto: "Gaba seuinigualável jeito piadístico, mas na hora dacoisas 'culturais' mergulha num escafandrogreco-romano".

4. Apontar formas de conformismo nos vários campos da vida brasileira.5. Elencar algumas obras dos autores citados na página 12.6. Montar  painéis com reportagens e artigos sobre o caráter  brasileiro.

7. Analisar as ilustrações do capítulo (omesmo vale para os capítulos seguintes).

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112 Sugestões de atividades didátic

 A sério: a seriedade Cap. 2

1. Apontar pessoas ou atividades "sérias"e "a sério".

2. Entrevistar um artista, um filósofo sobresua atividade e sobre o poder demolidor do pensamento crítico.3. O que é erotizar o agir?4. Analisar o conto "A hora e a vez de Augusto Matraga", de Guimarães Rosa, sobre

a libertação da personalidade de uma pessoa.5. Criar uma comédia, "a sério". Sugestãde título: "Viagem de um barnabé, que saido sério e rodou a baiana, a sério".

6. Comentar a frase de Nelson Rodriguessobre o escanteio.

7. Ao dizer que "o Brasil não é um país sério", o general De Gaulle, sem querer, fezum elogio ou uma crítica?

8. Comentar: " afinal, o peixe é que menossabe da água".

Cap. 3

1. Responda, a partir do texto: " Onde estou? Quem sou?"2. Faça uma coleção de sambas-enredo, organize uma audição e aponte as imagens

que eles apresentam sobre o Brasil Ressaltar a visão oficial e a visão alternativa.3. Comentar a frase do poeta brasileiro:"Cansei de ser eterno, agora quero ser moderno".4. Procurar a relação entre a arte de um

conjunto de rock e a sua época. O que ésucesso e o que é impasse em arte?

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Sugestões de atividades didáticas Ili 

5. Dar exemplos de situações (equipamentos, métodos, idéias, modas) estrangeirasmal adaptadas, entre-nós (uma boa fontsão revistas ilustradas antigas).

6. Citar casos de soluções originais para alguns problemas brasileiros.

Filosofia e negação Cap. 4

1. Pesquisar artigos de jornal e revista sobrea Academia Brasileira de Letras e apontar as relações dessa instituição com o pensamento oficial.2. Localizar em Machado de Assis o personagem José Dias. Escrever um texto sobr 

a figura dos agregados na família patriarcal brasileira.3. Comentar: "O verdadeiro intelectual e overdadeiro artista são sempre negadores".4. O que é ser clássico? O que é ser moder no? Qual a r elação entr e as duas caracterís

ticas?

O mito da imparcialidade: o ecletismo Cap. 5

1. O que é ecletismo? Vantagens e desvan

tagens.2. O brasileiro é um ser cordial?3. Sinais da dependência cultural do brasileiro.4 . 0 Brasil é um país velho, jovem ou infantil5. Comentar: " O espírito da dúvida é o

 

icio e a essência do pensamento". Vantagens e desvantagens da dúvida como atitude mentaL

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114 Sugestões de atividades didáti

6. Fazer um cartaz (com colagens, desenhos) criticando a frase: "Mais uma vez, aEuropa se curva perante o Brasil".

O mito daconcórdia:o jeito Cap. 6

1. Fazer uma pesquisa sobre as revoltas sangrentas na História brasileira, passada e re

cente.2. Entrevistar um burocrata assumido, sobr eo que ele considera a importância da burocracia.3. Entrevistar uma vítima da burocracia.4. A partir dos depoimentos, montar uma

 pequena peça teatral.5. Apontar no cotidiano manifestações de  jeitinho e de intolerância. Ver como elaaparecem na musica popular.

Originalidade e jeito Cap. 7

1. Fazer o levantamento das modas intelectuais que assolam o Brasil e dos resíduosque deixam.

2. Pesquisar sobre as idéias de Sylvio Romero, Sérgio Buarque de Holanda.3. Com o que os brasileiros se importam, profundamente?

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Sugestões de atividades didáticas 113

 A Filosofiaentre-nósCap. 8

1. Diferença entre ser criativo e assimilativo.2 Quais as pr incipais cor r entes filosóficas

entre-nós?3. Entrevistar um filósofo brasileiro sobresuas influências e sua originalidade.4. O brasileiro tem "cabeça filosófica"?

5. Comentar a relação pensamento-lingua-gem, levantada por  Mário de Andrade na

 p. 65. Entrevistar um professor de Português sobre os preconceitos a respeito danossa língua.

  A Razão Ornamental Cap. 9

1. Aponte algumas pessoas "brilhantes" e

outras "esforçadas", que você conheça.

2. Analise nas campanhas eleitorais o par entesco entre "brilhantismo" e demagogia.

3. Comparar o bacharel bem-falante como sofista da Grécia Clássica.

4. Estudar os livros e artigos de Millôr  Fernandes. Responda se ele é um filósofo, umhumorista, ou ambos. Demonstrar sua conclusão com trechos das obras.

Cap. 10

1. Pesquisar sobre Comte e o positivismo.2. Comentar a opinião de Comte sobre o

voto e os direitos humanos.3. Comparar o positivismo e o ecletismo.

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116Sugestões de atividades didátic

  A Razão Afirmativa 4. Fazer um levantamento das idéias deBenjamim Constant5. Demonstrar a presença da afírmatividade e a dúvida na educação, religião, nas re

lações cotidianas, no sistema de trabalho, política e cultura.6. Comentar: "A Filosofia não é salvação,é perdição" e " Pensar dói".

 Razão Dependentee negação Cap. 11

1. Além da Semana de 22, que outros movimentos culturais provocaram rompimentono Brasil?

2. Comentar: " O escr avo tr az o senhor dentro de si".3. O que é "jogar colonialmente certo"?4. Apontar a presença do lucro imediato eo sucesso fácil e rápido na economia, polítca e cultura no Brasil

5. "O brasileiro sempr e desejou ser eur opeu(ou nor te-americano)" - levantar na músi

ca ou na poesia comentários a essa situação.6. Qual a tarefa atual da filosofia no Brasil?7. Produzir um texto (redação, peça, músi

ca, cartaz) que sintetize as principais idéias

que você teve a partir das discussões destelivro.

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O autor Igual a todo mundo, nasci Mas, em 8/10/1944, na cidade de Blume

nau, Maternidade Santa Isabel, num domingo às 15 horas, só eu e umamigo de infância, chamado Cacaes, com quem nunca mais cruzei na vida. Um ponto a menos para os horóscopos. Aos treze anos, por culpde Mark Twain, disparei a ler livros, revistas, jornais, folhetos, cartazes,

 bulas de remédios, receitas de bolo, regulamentos de hotéis (desses qficam pendurados atrás das portas). Desde então vivo com uma porçãde livros por perto e quase me transformo em personagem de Borges.Aos 16 anos, resolvi que ia ser escritor e gastei o primeiro salário de auxiliar de desenhista da prefeitura na compra de uma máquina de escrever usada. Nela e em mais três outras, até chegar ao micro que uso ho je, escrevi contos, romances, artigos, reportagens, crônicas, o que resultonuma imensa montanha de papel e em nove livros publicados, além duns três ou quatro inéditos. O livro Crítica da Razão Tupiniquim 

crito entre 1974 e 1977. Nele eu investi contra a hipocrisia intelectual,contra a falsa cultura, contra a filosofia desfibrada e mole qüe se praticada) no Brasil. Mas também investi contra mim mesmo, quer dizer, cotra aquilo que o ensino, a escola e a universidade haviam feito de mim.Foi uma libertação emocional e intelectual pela qual agradeço até hojeA minha esperança é que o mesmo aconteça com os leitores.

Roberto

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A Filor er vista e apr esentada comoalgo c* esquisit ices de gregos e alemães .o uma coleção de teor ias quese Tf  nas que, de tão pr ofundos, sãoin ' comum dos mor tais. A pr eocu-P mérito, destaCRÍTICADA RAZÃO

,razer estas questões par a o solo3 no dia-a-dia, fazendo da indaga-

m questionamento que par te do co-. 1 0 que nos é próximo, das formas que

.•a particular usa para nos construir 

, numanos. Darcy Ribeiro disse a propó-ablicação deste livro: "O Brasil volta, final- j, a filosofar ." Pr eocupado em reconstr uir o

modo como nós brasileiros nos apropr iamos da tradição européia, Roberto Gomes tem da Filosofiauma visão muito par ticular . Ela é uma crítica dosmecanismos por meio dos quais nos tornamos dig

nos ou indignos da Razão.

Livros desta coleção:PLATÃO - OUSAR A UTOPIA J or ge Cláudio Ribeiro

ARISTÓTELES - O EQUILÍBRIO DO SER Otaviano PereiraDESCARTES - A PAIXÃO PELA RAZÃO Mar io Sérgio Cortella

ROUSSEAU - O BOM SELVAGEM Luiz R. Salinas Fortes

MARX - TRANSFORMAR  O MUNDO Moacir GadottiSARTRE - É PR0D3ID0 PROIBIR Fernando José de AlmeidaGANDHI - POLÍTICA DOS GESTOS POÉTICOS Rubem AlvesCRÍTICA DA RAZÃO TUPINIQUTM Roberto Gomes