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Josep Mª Pascual Esteve GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA: CONSTRUÇÃO COLETIVA DO DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES

Governança Democrática

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Construção Coletiva do Desenvolvimento das Cidades

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Josep Mª Pascual Esteve

GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA: CONSTRUÇÃO COLETIVA DO

DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES

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Belo Horizonte, 2009

Josep Mª Pascual Esteve

Tradução: João Carlos Vitor Garcia

GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA: CONSTRUÇÃO COLETIVA DO

DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES

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Copyright © 2009 by Josep Mª Pascual Esteve

Tradução: João Carlos Vitor Garcia

Projeto gráfico e Capa: Espaço Nove Ltda.

Editoração: Espaço Nove Ltda.

Fotos capa: Jacqueline Nicácio Silveira

Revisão: Adriana Benoni

Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do autor.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Esteve, Josep Mª Pascual. Governança democrática: construção coletiva do desenvolvimento das cidades / Josep Mª Pascual Esteve; tradução: João Carlos Vitor Garcia. – Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009. 200 p.: il.

ISBN: 978-85-7672-027-0

1. Democracia. 2. Política social. 3. Cidadania. 4. Desenvolvimento social. I. Garcia, João Carlos Vitor. II. Título. CDU 321.7

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À minha esposa, Àngels Guiteras, pelo seu apoio, confiança e sugestivas observa-ções quanto ao conteúdo do texto.

Esteve, Josep Mª Pascual. Governança democrática: construção coletiva do desenvolvimento das cidades / Josep Mª Pascual Esteve; tradução: João Carlos Vitor Garcia. – Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009. 200 p.: il.

ISBN: 978-85-7672-027-0

1. Democracia. 2. Política social. 3. Cidadania. 4. Desenvolvimento social. I. Garcia, João Carlos Vitor. II. Título. CDU 321.7

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Ricardo Cravo AlbinRicardo Maranhão

Roberto Mangabeira UngerRose Marie Muraro

Sérgio Augusto de MoraesSérgio Bessermann

Sinclair Mallet Guy GuerraUlrich Hoffmann

Washington BonfimWillame Jansen

Willis Santiago Guerra FilhoZander Navarro

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Agradeço às pessoas e entidades que promoveram a edição brasileira, em espe-cial à Fundação Astrojildo Pereira e a João Carlos Vitor Garcia, pela tradução e adap-tação do texto. E minha especial gratidão pelos comentários e correções do texto ori-ginal feitos por Júlia Pascual.

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Sumário

Prefácio .................................................................................11Apresentação .........................................................................15Introdução à edição brasileira .................................................19Introdução .............................................................................23

1. Governança: Uma nova arte de governar ...........................27Ideias Principais .....................................................................27Governança: descentralização, participação e colaboração com a sociedade civil .............................................................28A governança democrática é mais do que uma dimensão da ação de governo ...............................................................32Os modos de governar na democracia: Burocrático, Gerencial e Governança ..........................................................37A governança é a arte de governar própria do governo relacional emergente ..............................................................43A governança é o modo de governar da sociedade do conhecimento ........................................................................55

2. Governança Democrática: Construção coletiva do desenvolvimento humano .................................................59

Ideias Principais ....................................................................59A finalidade da governança democrática é o desenvolvimento humano .................................................................................60A governança exige e precisa de democracia ...........................62A coesão social é o motor do desenvolvimento econômico e social .....................................................................................63A coesão social é o principal objetivo da governança ...............66A gestão relacional é a modalidade de gestão característica da governança .......................................................................70A gestão relacional se assenta em um conjunto de técnicas e instrumentos ..........................................................................73Para desenvolver-se, a governança precisa ter êxitos eleitorais visíveis ...................................................................................78

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3. O Governo Relacional e a Governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede .................................................................81

Ideias Principais .....................................................................81Nova desigualdade social e nova visão da pobreza ..................84A individualização das relações sociais e a geração de capital social ..........................................................................86Risco e vulnerabilidade social .................................................90Imigração: identidade e multiculturalidade .............................92Mudanças na família ..............................................................94A cidade à medida das mulheres ............................................96Uma nova visão do tempo e do espaço ...................................99A centralidade dos valores na organização social ...................100A globalização do social .......................................................102Mudanças nas formas de prestação e gestão dos serviços de bem-estar social ...................................................................107Conclusão: da gerência à governança ....................................108

4. A revalorização da política no Governo Relacional ...........111Ideias Principais ...................................................................111O governo provedor e a crise da política local .......................112A democracia é básica para o desenvolvimento econômico na sociedade-rede ................................................................114O governo relacional necessita de qualidade democrática ......117A política democrática como capacidade de representação ....118Um novo papel para o eleito local ........................................119

5. A liderança do político eleito na governança ...................121Ideias principais ...................................................................121Capacidade de visualizar os interesses e habilidades da cidadania .............................................................................122Uma nova visão do poder ....................................................125A liderança representativa é relacional ..................................126A liderança representativa é capacitadora .............................128A distinção entre política e gerência ......................................129A liderança estabelecida através da direção política e moral ..................................................................................132

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O representante político é o principal agente de mudança .....134A nova tarefa: tornar visível o apoio social às políticas ...........135

6. Fundamentos para liderar a coesão social a partir do governo local .............................................................137

Ideias Principais ...................................................................137Os 7 pilares para a liderança política.....................................139O envolvimento do governo local .........................................142Antecipar-se e canalizar situações de conflito ........................146O apoio necessário à liderança relacional .............................149

7. Perfil político para a liderança representativa na governança: Valores, habilidades e atributos ...................151

Ideias Principais ...................................................................151Os valores que sustentam a liderança representativa ..............152Habilidades ou aptidões do perfil político para a prática da governança ..........................................................................155Principais atributos para a prática da governança ..................158

8. Os Governos Locais: Protagonistas na era da governança .161Ideias Principais ...................................................................161As condições de êxito do nível local ......................................162A prefeitura como organizador coletivo ................................163O Poder Local: riqueza dos países e regiões ...........................165Os municípios autoinsuficientes ............................................166A crescente importância dos governos intermunicipais ..........167

9. A Governança do Bem-Estar Social...................................169Ideias Principais ...................................................................169O Bem-Estar Social: vanguarda da governança ......................170A reestruturação da gestão dos serviços públicos do bem-estar social ...................................................................173A visão do conjunto da oferta de serviços do território ..........177A qualidade das redes: as marcas de garantia ........................180A contratação externa para a gestão de serviços com base no desenvolvimento comunitário ..........................................182

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A gestão de redes e a participação cidadã .............................185A participação como envolvimento da cidadania na construção da cidade ...........................................................188O apoio social às estratégias e políticas .................................192A organização municipal necessária para a governança democrática .........................................................................194

Referências selecionadas .....................................................1971. Bibliografia ......................................................................1982. Links eletrônicos ..............................................................199

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11prEfácio

Prefácio

Qual é o lugar da cidade nas sociedades globalizadas? Como produzir cidades democráticas e como democratizar a convivência nas cidades? Buscando responder estas e outras perguntas, este livro, de autoria do celebrado intelectual Josep Ma Pascual Esteve, aborda um tema, e um problema, da maior relevância para a po-lítica contemporânea: o da governança democrática das cidades.

O autor parte de um referencial analítico que explicita e distin-gue os conceitos de governabilidade, governança e bom governo (p. 25); ainda discute os temas: governança burocrática, gerencial e relacional. Apresenta três modelos de governação: burocrático, gerencial e governança (p. 36). Pascual afirma que: a governança é o modo de governar próprio do governo-rede ou relacional, que é adequado à nova sociedade em rede, também denominada sociedade do conhecimento (p. 37). A partir daí, o autor propõe-se o desafio de pensar as conexões e disjunções entre as cidades e os espaços político-administrativos cada vez mais ampliados, que deságuam, hoje, em instituições supranacionais cujo exemplo mais acabado é o da União Europeia.

Há algumas décadas, em trabalho magistral, Norberto Bobbio referiu-se à demanda crescente por democracia em um contex-to cada vez mais adverso para a sua efetivação: sociedades com-plexas, de grandes números, atravessadas por clivagens as mais diversas – étnicas, religiosas, linguísticas, socioeconômicas, etc. Essas reflexões ganham corpo com o avanço da globalização e a multiplicação de organizações multilaterais, instituições suprana-cionais e a superação das barreiras nacionais para o livre trânsito de pessoas, ideias e mercadorias.

O livro Governança Democrática: Construção Coletiva do Desen-volvimento das Cidades refere-se à importância das cidades para a construção de uma globalização mais integradora, em que as cidades

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formam uma rede de nós urbanos, a partir da qual se tecem intera-ções entre os diferentes atores nos diversos patamares em que se organiza a convivência democrática como as cidades, os países, as organizações multilaterais, as instituições supranacionais. … “as cidades são a riqueza das nações e (…) a era infoglobal se assenta em um sistema mundial de cidades” (p. 165).

Pascual Esteve afirma que a finalidade da governança demo-crática é o desenvolvimento humano, traduzido como democra-cia, equidade social e desenvolvimento econômico. E ressalta a importância da coesão social, considerada pele estudioso como o principal objetivo da governança democrática.

Enfrenta, para isso, o espinhoso tema relativo ao como fazer, o autor apresenta um conjunto extenso de ferramentas já disponí-veis para a operacionalização da governança democrática: os pla-nos estratégicos; a negociação relacional dos conflitos públicos; as técnicas de mediação; as técnicas de participação cidadã e apoio social às políticas públicas; os métodos e as técnicas de gestão de projetos em rede; a gestão da cultura empreendedora e cívica da cidadania; o coaching para a liderança relacional; as técnicas de construção de consensos; o enfoque abrangente nas ciências so-ciais e a direção sistêmica por objetivos (p. 78).

Vale, no entanto, mencionar que Pascual enfatiza que não se trata de uma questão apenas ou eminentemente técnica: a dimen-são política da governança democrática emerge com o tratamento dos temas da participação cidadã, da representação política, ainda com a necessidade de estabelecimento de sinergia entre ambas. A respeito, afirma o autor:

Uma sociedade educadora dificilmente é compatível com a visão de uma gestão pública distante das preocupações e demandas dos cidadãos (…). A democracia na nova cidade significa descentralização de competências e recursos para os governos locais, para que eles pos-sam (…) inaugurar uma nova forma de governar baseada na gestão de redes cidadãs (p. 90).

prEfácio

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13prEfácio

Crítico do modo gerencial de governar, Pascual propõe sua substituição pela gestão relacional ou das interdependências próprias da governança (p. 108), na qual a liderança representativa deve ser relacional e capacitadora, e não dominadora, e na qual fica clara a distinção entre os papéis do político e do gerente. Em suas palavras:

Hoje a governança se encontra em uma etapa ascendente, deslo-cando o caduco modo gerencial de governar que (…), comportou – e, sobretudo, sua permanência ainda comporta – grandes déficits nas duas grandes dimensões da democracia: a qualidade da representação do eleito e a participação e colaboração cidadã na gestão da cidade (p. 170).

Por contraste, na governança democrática, o gerente deveria preocupar-se com uma gestão eficiente, isto é, com a produtividade; porém uma produtividade posta a serviço do cumprimento de obje-tivos sociais, cuja identificação tenha sido liderada pelo representante eleito (p. 131).

Em instigante coincidência, o nosso atual modelo de gestão em Minas Gerais já antecipa esta metodologia, vez que nossa maior obsessão é, exatamente, pela eficiência e pelos resultados, em favor da sociedade e dos cidadãos, por meio de políticas pú-blicas urdidas em comum com os setores representativos das for-ças sociais. Poderíamos, assim, ousar afirmar que, em certas cir-cunstâncias, a prática preconizada por Pascual Esteve encontra-se já vigente em nossas Minas Gerais.

Boa leitura!

Antonio Augusto Junho AnastasiaVice-Governador de Minas Gerais

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15AprEsEntAção

Apresentação

O leitor atento poderá chegar ao final deste livro com a sen-sação de que suas teses e propostas estão a uma distância imen-surável da realidade brasileira. Um sentimento semelhante ao de um amigo meu, ao ler os originais, cuja identidade não cabe aqui revelar: “Aproveitei a parada de carnaval para finalizar a leitura do livro... Muito avançado para nós, pobres brasileiros encalacrados com os... [partidos] da vida... Deu um certo desalento, confesso. Na fase da vida em que estou, muito pouca esperança me resta de que algo venha a mudar aqui, no meu tempo. Sou mais pessi-mista que você, ou talvez menos idealista. Não enxerguei, em ne-nhuma linha, a mais tênue característica ou valores que os nossos políticos possam [ter para], um dia que eu possa ver, agir com tal grandeza ou compromisso.”

Tamanha descrença, certamente resultado de uma leitura cui-dadosa, não é de todo exagerada à primeira vista. Seja pelas ins-tigantes reflexões a respeito das transformações hoje em curso no mundo e seus desdobramentos na cultura política ou pelas cate-góricas afirmações que faz sobre a necessidade de mudanças de posicionamento dos governos perante a sociedade, o trabalho de Josep Ma Pascual Esteve não deixa o leitor indiferente. Ele tem cla-reza e força suficientes para fustigar as práticas de governo esta-belecidas – segundo Pascual, já corroídas pelo tempo – e mostrar o árduo caminho a percorrer se quisermos ajustá-las às exigências da chamada sociedade do conhecimento. Vem daí, pois, o natural abatimento inicial, que pode ser atribuído mais propriamente à enormidade da tarefa a ser conduzida do que a qualquer outra impossibilidade estrutural ou moral da sociedade brasileira.

Sim, porque o livro é um contundente chamamento à ação e traz o entusiasmo e a autoconfiança de quem sabe aonde quer chegar. Sua energia se concentra na proposta de fortalecimento

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dos governos das cidades, para que possam enfrentar as dificul-dades mais importantes e os obstáculos mais comuns encontrados na gestão das demandas cidadãs. Examina em detalhes como os desafios, que dificultam a conquista dos resultados esperados, po-dem arranhar a sua legitimidade democrática e fragilizar o apoio da cidadania às políticas públicas. A tese que defende localiza tais dificuldades no tipo de relação estabelecida entre governo local e cidadania, em que o primeiro aparece quase que exclusivamente como provedor de serviços e gestor dos recursos públicos.

Pascual desenvolve o argumento de que esse modo de gover-nar – identificado na sua forma mais avançada com a introdução de práticas gerenciais do setor privado na esfera pública – precisa ser superado. Não apenas porque os recursos públicos são e serão cada vez mais insuficientes para atender as crescentes e comple-xas demandas da população, mas também porque as transforma-ções que ocorrem hoje na sociedade – em suas bases econômicas, sociais, políticas e tecnológicas – criam as condições necessárias para o surgimento de um novo tipo de governo, denominado pelo autor de governo relacional. Neste, as funções burocráticas e, principalmente, as gerenciais não desaparecem, mas perdem importância relativa diante da concepção de que na sociedade-rede cabe aos governos reposicionarem-se para gerir interdepen-dências – assim como as principais redes sociais – e melhorar a capacidade de organização e ação da sociedade a fim de alcançar o desenvolvimento humano.

Nessa perspectiva, o gerente perde posição para o político. Ganha relevância o capital político local, formado pela equipe de governo, para articular socialmente o município e influir po-sitivamente no desenvolvimento da cidade. Em outras palavras, impõe-se a revalorização da política ante a gestão e a importância da liderança representativa para organizar a ação do conjunto da sociedade com base em objetivos democraticamente comparti-lhados.

AprEsEntAção

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Não é preciso muito esforço ou conhecimento especializado para reconhecer que em nosso país há enormes dificuldades para implantação, com sucesso, até mesmo do modo gerencial de go-verno, ou que os nossos governos locais muito raramente têm sido dinamizadores do desenvolvimento das cidades. Daí a relevância da reflexão sobre os caminhos alternativos a serem percorridos, um enfrentamento que se traduz na necessária construção de uma nova cultura política diante das grandes transformações em curso no mundo e seus impactos no país.

Esse percurso passa, indiscutivelmente, não apenas pelo for-talecimento da capacidade institucional dos municípios, mas tam-bém pelo aumento da capacidade pessoal dos políticos eleitos com a responsabilidade de governar. Deles será cada vez mais demandado o domínio dos principais instrumentos técnicos e pessoais do trabalho político necessários à gestão estratégica e ao exercício da liderança. Afinal, a política democrática ocupará crescente importância na sociedade-rede como pré-requisito para a conquista de patamares de qualidade de vida mais elevados para todos.

Nesse sentido, o livro é bastante instigante e útil, especialmen-te para os políticos e técnicos que atuam na administração dos municípios. Desenvolve de maneira concreta e detalhada uma nova perspectiva da atuação dos governos locais, em que a ci-dade é considerada uma construção coletiva e o governo local o dinamizador e organizador da capacidade de ação da sociedade. Examina em profundidade temas relevantes como a participação e envolvimento cidadão, o planejamento estratégico urbano, a gestão de projetos em rede e a gestão para uma cultura empre-endedora. E, sobretudo, apresenta com firmeza a opção pela qualidade do meio ambiente, pelos valores que devem presidir o desenvolvimento e pela radical melhoria da qualidade da demo-cracia local.

AprEsEntAção

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Governança Democrática: construção coletiva do desenvolvimento das cidades traz à reflexão, portanto, referências teóricas e propo-sições práticas inovadoras em um campo da política democrática brasileira cujo acúmulo é ainda muito pequeno. A expectativa é que sua circulação possa contribuir para uma pauta de discussão tão importante quanto a necessidade de revalorização da política e da sua centralidade para o desenvolvimento do país e das nos-sas cidades. Enfim, apresenta uma contribuição abrangente que perpassa, desde a renovação da nossa velha arquitetura gover-namental e dos mecanismos de participação da sociedade civil nas políticas públicas, até a mais apaixonada defesa de valores democráticos fundamentais como liberdade, coesão social e res-peito aos direitos humanos, em uma sociedade sempre mais in-terdependente.

João Carlos Vitor GarciaFundação Astrojildo Pereira

AprEsEntAção

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19introdução à Edição brAsilEirA

Introdução à edição brasileira

Os conceitos nas ciências sociais e políticas nem sempre têm o mesmo significado para todas as escolas e autores: poder, classe social, sociedade civil, capital social, etc. Isto também ocorre nas ciências físicas, como no caso da incerteza quântica ou mesmo do conceito de relatividade, o que pode dificultar tanto a compre-ensão dos fenômenos como a organização da ação que tenham tais conceitos em conta. Esta é uma dificuldade que não se pode evitar, dados os distintos contextos socioculturais em que são usa-dos ou seus significados em idiomas diversos. Portanto, é preciso explicitar os conceitos que se utilizam e diferenciá-los de outros usos, em especial dos que têm um significante ou significado con-trário. Este é o caso do conceito de governança, que é utilizado em alguns meios intelectuais e políticos como modo de governar corporativo, que diminui a importância da democracia e do papel da política, ou seja, em sentido completamente antagônico do utilizado neste livro. Por esta razão, é importante explicitar o con-ceito de governança neste prólogo.

O que se entende por governança? Como assinala Renate Mayntz em um trabalho que reúne os distintos significados do conceito, por governança se entende, desde os anos 90, uma nova maneira de governar, diferente do modelo hierárquico, um modo mais cor-porativo em que os atores estatais e não estatais – e, em geral, a sociedade civil – participam em redes públicas e privadas.1 Desde aquela década, tem aumentado o consenso no sentido de que a eficácia e legitimidade da atuação do governo fundamentam-se na qualidade da interação entre os distintos níveis de governos e entre os governos e as organizações empresariais, sociais e a cidadania em geral. Governança é, portanto, uma nova forma de

1 Ver “New challenges to governance theory”, European University Institute, The Robert Schuman Centre Florence – Jean Monnet Chair Papers nº 50 (1998).

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20 introdução à Edição brAsilEirA

governar própria da sociedade-rede, é o modo de governar para fazer frente à crescente complexidade e diversidade das socieda-des contemporâneas, que se caracterizam pela interação de uma pluralidade de atores, relações horizontais, pela participação da sociedade no governo e sua responsabilidade de fazer frente aos desafios socialmente colocados.

Este conceito foi intencionalmente mal interpretado por alguns setores, que consideraram que a governança permite um certo “relaxamento” das funções do governo democrático e prioriza as relações entre o governo e as grandes corporações empresariais e institucionais em detrimento das relações com a cidadania em ge-ral, produzindo, deste modo, o aviltamento dos valores públicos e da própria política. Esta concepção é própria tanto dos neocon-servadores, que buscam a dominação da sociedade através dos grandes interesses corporativos, como dos críticos que vão a seu reboque e tão somente invertem seus argumentos, sem, contudo, serem capazes de encontrar uma estratégia própria. Seja como for, é preciso diferenciar-se desta concepção e, para isso, é necessário entender o uso do conceito de governança que se faz neste livro como governança democrática.

O que é governança democrática? O movimento de cidades e re-giões denominado AERYC (América-Europa de Regiões e Cidades), que promove a governança democrática como sendo o modo de governar cidades mais adequado à sociedade contemporânea, a define como “uma nova arte de governar os territórios (o modo de governar próprio do governo relacional), cujo objeto é a ca-pacidade de organização e ação da sociedade, através da gestão relacional ou de redes, tendo como finalidade o desenvolvimento humano”.2 Em outras palavras, não se trata apenas de gerir as re-lações e interdependências dos atores e setores da cidadania que interagem em determinada situação ou diante de desafios sociais

2 Ver www.aeryc.org

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21introdução à Edição brAsilEirA

que nos propomos a enfrentar, mas de fazer isso em função dos valores do desenvolvimento humano.3 Governança democrática favorece a condução do desenvolvimento econômico e tecnoló-gico em função dos valores de equidade social, coesão territorial, sustentabilidade, ética e ampliação e aprofundamento da demo-cracia e da participação política.

A governança democrática, de acordo com o conceito que adotamos, caracteriza-se por:

O envolvimento da cidadania na solução dos desafios sociais.• Uma boa governança necessita de uma cidadania ativa e comprometida com a coisa pública, isto é, a de todos e de todas. Por isso, é preciso que existam canais de parti-cipação e de responsabilidade de todos, porque a cidade é uma construção coletiva cujo resultado depende das ações e interações de todos os cidadãos. O fortalecimento dos valores cívicos e públicos.• O progresso e a capacidade de inovação de uma cidade dependem da densidade e diversidade das interações de toda a po-pulação. Os valores de respeito, convivência, confiança, solidariedade e colaboração são essenciais para construir a cidade de todos e de todas. Governança democrática é uma opção por valores cívicos e democráticos. A revalorização da política democrática e do papel do go-• verno representativo. A governança representa uma mu-dança no papel do governo em relação à sociedade. O governo não aparece simplesmente como provedor de recursos ou de serviços, mas fundamentalmente como representante da cidade, de suas necessidades e desa-fios. O governo não apenas dispõe de competências, mas também de incumbências. A ele cabe tudo o que preocupa a cidadania e por isso, ele assume o papel de

3 Como definidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

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22 introdução à Edição brAsilEirA

estruturador da capacidade de organização e ação da cidade, além das relações entre os distintos níveis de go-verno. Portanto, na governança democrática o papel do governo como representante da cidadania adquire maior importância do que nas etapas de governos anteriores. A construção compartilhada do fortalecimento do interesse • geral. Na governança, o interesse geral não é atribuído a um grupo de funcionários ou de políticos. O interesse geral é uma construção coletiva que deve ser liderada pelos políticos eleitos como representantes da cidadania, a partir das necessidades e interesses legítimos de todos os setores cidadãos. Governança democrática significa uma ação de governo específica para que todas as neces-sidades e desafios dos cidadãos estejam presentes tanto na deliberação, como no desdobramento das políticas e, muito especialmente, dos setores mais vulneráveis. A transparência e a prestação de contas• são também con-dições essenciais da governança democrática. Sem elas dificilmente o governo da cidade poderá articular os dis-tintos atores em uma ação comum com apoio e envolvi-mento da cidadania.

Consequentemente, a governança democrática exige e neces-sita de democracia. Seu desdobramento significa não só o apro-fundamento nos aspectos da representação da cidadania como da participação cidadã na construção de uma cidade voltada para o desenvolvimento humano.

Josep Mª Pascual Esteve

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Introdução

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24 introdução

Este livro discute a importância da política para promover a coesão social nas cidades e nos municípios. Em especial, pretende mostrar o valor que a liderança política representa para a constru-ção coletiva de cidades com maior inclusão social.

A política democrática está sofrendo uma crise de legitimida-de, não por ser incapaz de resolver os seus problemas, mas porque a maioria dos políticos não pode enxergá-los.4 Neste sentido, para contribuir com o entendimento de aspectos desta questão através da reavaliação da política e da figura do político como elementos essenciais para o desenvolvimento humano, o livro trata de um novo enfoque da relação entre o governo local e a cidadania; de uma nova arte de governar denominada governança democrática, em cuja base se acha a gestão relacional ou a gestão das interde-pendências nas interações sociais.

O trabalho examina uma nova arte de governar e gerir os terri-tórios, que se assenta nas mudanças em curso na nossa sociedade e nas transformações que levaram à superação das formas de go-vernar centradas na prestação e na gestão de recursos e serviços. Tais transformações são analisadas, principalmente, nos seus as-pectos sociais e em relação com o modo de governar e de enten-der a política, como são os casos das políticas de bem-estar social e da liderança política necessária para articular iniciativas cidadãs de coesão e inclusão social.

Além de analítico, o livro é fundamentalmente propositivo e destinado aos políticos e técnicos que atuam na administração dos municípios, assim como àqueles que prestam serviços aos gover-nos locais. Sua leitura, entretanto, pode ser útil a todos os que se interessam pelo conjunto dos temas de âmbito local. As propostas

4 A. Einstein já havia observado que “os problemas importantes que enfrentamos não po-dem ser resolvidos com o mesmo enfoque do pensamento que tínhamos quando os cria-mos.” O especialista em grandes organizações J. Gardner observou, nos anos 60 do século XX, que “a maioria das organizações doentes desenvolveram uma cegueira funcional em relação aos seus próprios defeitos. Não sofrem por não poder resolver seus próprios proble-mas, mas por não poder vê-los.”

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25introdução

apresentadas têm por base a análise da evolução da sociedade e da crise da maneira de governar e de entender a política e, espe-cialmente, do papel do político. Por isso, descreve as característi-cas da nova liderança política e dos apoios e suportes técnicos e organizacionais que a liderança relacional requer.

Uma vez que um dos seus objetivos é servir como ferramenta para os políticos com responsabilidades de governo, e como es-tes, geralmente, são pessoas muito envolvidas e empenhadas nas tarefas do dia a dia e com pouco tempo para a leitura, concebe-mos os capítulos de tal modo que a sua leitura seja inteligível em si mesma, não sendo necessária, embora desejável, a leitura dos capítulos antecedentes ou posteriores. Pela mesma razão, além de elaborarmos um índice detalhado, enfatizamos no início de cada capítulo as ideias-chave.

O primeiro capítulo, intitulado “Governança: Uma nova arte de governar”, introduz e explicita as diferenças entre os conceitos de governabilidade, governança e bom governo. É um capítulo ana-lítico e conceitual, cujo objetivo é distinguir os principais tipos de governo e modos de governar observados nos regimes democrá-ticos. A conclusão é que o governo relacional, através do modo de governar denominado governança democrática, em cuja base está a gestão relacional ou a gestão das interdependências entre agentes e setores da cidadania, é o governo que corresponde à sociedade do conhecimento ou sociedade-rede.

O segundo capítulo, “Governança Democrática: Construção coletiva do desenvolvimento humano”, discute a finalidade e as características distintivas da governança e da gestão relacional como arte de governar. O terceiro capítulo identifica e descreve as grandes mudanças sociais em curso nas nossas cidades e municí-pios e que hoje estão moldando as novas agendas políticas.

O capítulo seguinte descreve a crise política que as mudanças sociais têm provocado no modo de governar denominado “ge-rencialismo”, que esteve em voga até o final da década de 90.

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26 introdução

Por outro lado, é reforçado o papel da democracia – entendida, sobretudo, como eleição e representação –, tanto como valor e fim quanto como meio para o desenvolvimento social contempo-râneo. Também é analisado o novo papel do político eleito como uma das chaves para a qualidade democrática.

O quinto capítulo identifica as principais características da lide-rança relacional ou representativa, que aparece como o principal agente da mudança direcionada para o desenvolvimento humano. No sexto capítulo, com base em uma definição de coesão social, em consonância com os programas URBAL da União Europeia, são tratados os pontos-chave para que o governo local possa liderar a coesão social de seu território e o apoio técnico de que precisa.

O capítulo seguinte descreve o perfil do político necessário para poder liderar as cidades inclusivas, bem como as principais habilidades e capacidades requeridas.

No oitavo capítulo são identificadas as razões por que os go-vernos locais assumem um papel mais importante na sociedade-rede, assim como a importância dos governos intermunicipais. No nono e último capítulo, intitulado “A Governança do Bem-Estar Social”, é examinada a reestruturação da gestão dos serviços pú-blicos do bem-estar social na era da governança. Em particular, são identificados os desafios da provisão de recursos e da gestão dos serviços por parte das prefeituras e como eles devem ser abor-dados.

O livro é complementado por uma bibliografia e alguns links eletrônicos para quem quiser se aprofundar no tema.

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1. Governança:Uma nova arte de governar

idEiAs principAis

Governança Democrática é: Descentralização, participação e 1. colaboração com a socieDaDe civil.a Governança Democrática é mais Do que uma Dimensão De 2. cooperação ou participação na ação De Governo: é uma nova arte De Governar.os moDos De Governar na Democracia são: burocrático, Ge-3. rencial e Governança.

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Governança: descentralização, participação e colaboração com a sociedade civil

A governança é um conceito que está se estendendo ampla-mente na Europa, especialmente após a publicação pela União Europeia, em 2001, do Livro Branco sobre Governança Europeia, elaborado pela Comissão Europeia e dirigido por J. Vignon.5

O fato de que tenha sido a Comissão Europeia, que promoveu o conceito de governança como uma forma de governar baseada na horizontalidade e no acordo, está relacionado, precisamente, com a prática deste governo supranacional, que tem que articular os interesses dos diferentes governos dos Estados-nação. Mas o que o relatório trata é da incorporação dos governos regionais e governos locais, além da sociedade civil, na construção da Europa.

R. Mayntz, J. Prats e o próprio Vignon, em textos posteriores ao relatório europeu, têm definido a governança como uma nova arte de governar na democracia. J. Prats6 assinala que, apesar dos diferentes significados do conceito de governança, nos últimos anos está ocorrendo na Europa um amplo acordo para considerar a governança como um novo modo de governar. Isto porque vem se constatando, gradualmente, que a eficácia e a legitimidade dos governos democráticos baseiam-se cada vez mais na qualidade da interação entre eles e as organizações empresariais e sociais, bem como em uma boa gestão das relações entre os diferentes níveis de governo.

5 No citado Livro Branco, o conceito de governança está associado a cinco princípios fun-damentais: abertura, participação, responsabilidade, eficácia e coerência. Princípios que visam a reforçar as relações da UE com a sociedade civil e uma maior utilização das capa-cidades dos agentes locais e regionais para lançar as bases para uma definição clara dos objetivos políticos da UE e estabelecer os papéis e as responsabilidades de cada instituição. Governança está diretamente associada a uma aposta do governo na descentralização, par-ticipação cidadã e colaboração com a sociedade civil.

6 J. Prats, “Gobernabilidad democrática para el desarrollo humano: Marco conceptual y analítico” em Instituciones y Desarrollo nº 10, 2001, pp. 103 a 148.

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A palavra governança7 é frequentemente utilizada, de modo pouco preciso, como sinônimo de governabilidade ou de bom governo. Governança é uma nova arte de governar que tem na gestão das interdependências entre os atores seu principal instru-mento de governo. A governança gera as relações entre os atores para tomar decisões sobre a cidade e desenvolver projetos com-plexos com a colaboração interinstitucional, público-privada ou envolvimento dos cidadãos. É, portanto, um termo não qualifica-tivo no sentido de que se refere a um mecanismo de gestão go-vernamental. Bom governo, sim, é como se pode classificar a ação de um governo através de sua forma de governar. Esta forma de governar pode ser a governança, de modo que poderíamos falar de “boa governança” (como também de “má governança”), mas também pode ser o modo de classificar qualquer outra forma de governar diferente da governança, como a gerencial ou a burocrá-tica. Por governança se entende, em sentido restrito, a aceitação e o cumprimento de regulamentos, processos institucionais e de resolução de conflitos, bem como de políticas do setor público por parte da sociedade civil e, em particular, dos seus principais atores. Ingovernabilidade é, por outro lado, a desobediência ci-vil, incapacidade dos mecanismos institucionais para resolver os conflitos sociais, não aceitação das regras do jogo institucional. A governabilidade é um atributo ou classificação de uma situa-ção social e, em qualquer caso, pode ser um resultado das ações de governo, de um bom governo, de uma boa governança, ou de outro modo de governo bem exercido em uma determinada situação. Mas é importante não confundir um atributo ou um re-sultado com o modo objetivo de governar.

7 O vocábulo governança ainda não está inserido no dicionário do Instituto de Estudos Ca-talães, mas seu uso foi autorizado como uma tradução de “governance”, em 2001. Ele foi, entretanto, incluído, em 2001, no Dicionário da Real Academia da Língua Espanhola com uma definição muito genérica, mas de forma correta. Governança é definida como “a arte ou o modo de governar que se propõe como objetivo alcançar o desenvolvimento econô-mico, social e institucional sustentável, promovendo um equilíbrio saudável entre Estado, sociedade civil e economia de mercado.”

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Em algumas ocasiões, governança também tem sido equipa-rada a uma concepção anterior do termo político inglês “gover-nance”, que se referia ao impacto da gestão das políticas e dos recursos do setor público no desenvolvimento de uma sociedade ou território. Por exemplo, a Comunidade Autônoma da Cantábria tem um excelente sistema de indicadores para medir o impacto da ação governamental em sua comunidade.

Também não podemos confundir governança democrática com a dimensão relacional, ou seja, com a colaboração e a parti-cipação da sociedade civil no modelo de governo atualmente do-minante, o denominado governo provedor ou gestor de recursos e serviços. Ela é uma nova maneira de governar que implica uma nova forma de compreensão da política e do papel do político.

R. Gomà e I. Blanco assinalam que entender a governança como uma arte de governar que se baseia em um sistema de par-ticipação e colaboração e atores significa também reconhecer a complexidade como elemento intrínseco do processo político, o que situa os poderes públicos em uma nova posição nos processos de governo. E para assumir esse novo posicionamento a adminis-tração precisa exercer novos papéis e dispor de novos instrumen-tos.8

Para J. Subirats, a importância da governança tem tamanho e peso que as diferenças entre as comunidades derivam de sua capacidade de avançar na governança e, concretamente, da capa-cidade de suas instituições representativas disporem de um proje-to de futuro compartilhado e das cumplicidades que este projeto possa gerar no conjunto da cidadania.9

8 I. Blanco e R. Gomà, “Gobiernos locales y redes: retos e innovaciones”. Instituto de Gobier-no y Políticas Públicas, 2002.

9 Ver J. Subirats, “¿Qué Gestión Pública para qué Sociedad? Una mirada prospectiva sobre el ejercicio de la gestión pública en las sociedades europeas actuales”. Instituto de Gobierno y Políticas Públicas. UAB, 2003.

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Enfim, é muito frequente confundir, na ação de um governo, a governança com a dimensão relacional de participação cidadã ou de cooperação, seja esta público-privada ou interinstitucional, e não percebê-la como um novo modo de governar. Por esta razão, é preciso que vejamos o tema com um pouco mais de cuidado neste capítulo e, especialmente, no seguinte.

Argumenta-se, de modo cada vez mais frequente por parte dos especialistas em ciências sociais e políticas, particularmente, que o envolvimento da cidadania é fundamental para que um governo atue e realize serviços em função das necessidades e desafios dos cidadãos e, desse modo, desenvolva uma gestão de qualidade. Também se aponta, de modo perfeitamente compatível com a afirmação anterior, que a participação cidadã é uma garantia para a melhoria da qualidade democrática de uma administração.

Por outro lado, dada a insuficiência de recursos públicos para fazer frente às necessidades sociais, bem como o fato de que a sociedade atual é cada vez mais interdependente, considera-se que são gerados mais espaços de interação, como é o caso de de-senvolvimento de projetos, em que são necessárias a colaboração institucional e a cooperação pública e privada. Portanto, concluísse que esta dimensão da gestão das interdependências será um tema de grande desenvolvimento por parte dos governos, especialmen-te dos governos locais. Ou seja, tanto do ponto de vista partici-pativo como da colaboração entre atores, a governança será a dimensão da gestão governamental à qual teremos que dar mais atenção a partir de agora.

Em minha opinião, essas afirmações estão corretas, mas são insuficientes porque tratam a governança simplesmente como mais uma dimensão de governo, e não como uma nova arte de governar ou modo de governar que tem na dimensão relacional (isto é, na colaboração interinstitucional e público-privada e no envolvimento da cidadania) a sua principal prioridade e o eixo estruturante da ação de governo.

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A governança democrática é mais do que uma dimensão da ação de governo

Para melhor caracterizar a governança como uma nova arte (modo) de governar e para diferenciá-la de outras maneiras, creio ser adequado distinguir, por um lado, os governos-tipo ou modelos de governo que se salientam pela relação principal que estabelecem com a cidadania; e esta relação do governo com a cidadania leva a uma articulação específica das diversas funções de governo.

Por outro lado, fazemos distinção entre os modos de governar ou modelos de governação,10 que constituem a maneira pela qual o governo exerce sua ação. Eles se definem fundamentalmente pelas finalidades que buscam alcançar, os valores e princípios em que baseiam suas funções, o tipo de gestão específico que de-senvolvem para atingir seus objetivos, bem como a “função” que atribuem aos políticos, aos profissionais da administração e à ci-dadania na forma de governar.

Com frequência se confundem os modelos de governo com os mo-dos de governar ou modelos de governação11 porque, como parece razoável, a cada governo deveria corresponder um jeito de gover-nar específico. Mas, como teremos oportunidade de aprofundar, isto nem sempre foi assim, o que tem causado muitos problemas. Em particular, no modelo ou paradigma de governo provedor e

10 Governação é usado no mesmo sentido como definido pelo Dicionário da Real Academia da Língua Espanhola: “Ação e efeito de governar/exercício do governo.” Compreendemos, naturalmente, por governo um “conjunto de organizações e indivíduos que dirigem um território e as funções que eles desempenham”. Assim, modelos de governação ou formas de governar são modelos de exercer a ação governamental.

11 Quando se fala tanto de modelos de governação ou de governos-tipo se utiliza a metodo-logia do tipo ideal de Max Weber, que a define como: “Construção mental para analisar um fenômeno histórico ou social em que se elegem e enfatizam determinados aspectos do fenômeno. O objetivo da construção de tipos ideais é o de servir como base de comparação na análise dos fenômenos históricos e sociais concretos, uma vez que torna possível mostrar a proximidade ou afastamento deles em relação ao tipo ideal (puro). Ver M. Weber, Concei-tos sociológicos fundamentais, edição de J. Abellán. Madri: Alianza Ed., 2006, p.180.

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gestor, ao qual corresponderam dois modos de governar ou mo-delos de governação: o burocrático e o gerencial. O modelo de governação pode ser implementado tanto por governos suprana-cionais, quanto por nacionais, regionais ou locais.

Para entender melhor esta tríplice diferenciação começaremos pelo mais simples ou básico, isto é, pelas funções e dimensões de toda ação de governo territorial em relação à sociedade.

Existem três grandes funções ou dimensões básicas da ação de qualquer governo territorial em relação à sociedade: a função legal ou normativa para regular a atividade da sociedade civil, mas também política; a função provedora e gestora (direta ou indireta) de serviços à comunidade; e uma terceira, que podemos chamar relacional – que inclui todas as atividades relacionadas à participação cidadã, aos acordos e cooperação com a sociedade civil e também com outras administrações.

A função legal e normativa (L) é, por exemplo, dar cumprimen-to a uma norma urbanística, de ordenamento do uso do solo, de vigilância sanitária, de mobilidade, etc. O cumprimento dessas normas necessita, além dos órgãos jurídico, administrativo e de fiscalização, de alguns serviços de polícia municipal, limpeza e coleta de lixo, etc.

Portanto, encontramos uma segunda dimensão ou função de gestão de serviços (G), que foi ampliada na Espanha, sobretudo a partir dos anos 80, com os serviços sociais, desportivos, culturais, educacionais, de saúde, promoção do emprego, desenvolvimento econômico, etc., ou seja, com recursos e serviços não apenas asso-ciados ao desempenho da sua competência e função reguladora, mas também destinados a gerar proteção ou bem-estar público.

A terceira função, que temos denominado relacional (R), abrange as questões de consulta, diálogo, participação, parceria e coopera-ção com a sociedade civil, principalmente, e também com outras instituições, sejam elas nacionais ou internacionais.

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Os modelos de governo ou governo-tipo – ou, ainda, se preferi-rem, paradigmas de governo12 – são definidos pelo tipo de relacio-namento que se estabelece entre governo e cidadania. Ou seja, pela principal finalidade (e não só) que se atribui à ação de um governo para proporcionar à sociedade, tanto a garantia da ordem legal, o bem-estar a partir da provisão de recursos quanto a melhoria da capacidade de organização e ação de uma sociedade.

Todos os tipos de governo desenvolvem as três dimensões ou funções de governo, mas em cada tipologia ou modelo de gover-no existe uma função principal ou prioritária distinta, que desem-penha um papel estruturante em relação às outras duas.

Assim, identificamos três governos-tipo na democracia ou mo-delos de governo territorial: governo racional ou jurídico, governo provedor e gestor, também chamado protetor, e governo relacional.

O governo racional-legal tem por finalidade velar ou garantir o funcionamento do mercado e a sociedade sob ideologia liberal; a função predominante é normativa e legal. As outras funções ou dimensões têm um papel secundário. O esquema básico de articu-lação das funções do governo racional-legal é o seguinte:

Esquema I: Articulação das funções básicas do governo racional-legal

12 Deve-se o uso do termo paradigma no âmbito científico ao historiador e filósofo da ciência Thomas Khun, que o introduziu no seu livro clássico A estrutura das revoluções científicas. Nele, paradigma é definido como “uma constelação de realizações – conceitos, valores, técnicas etc.” – compartilhadas por uma comunidade científica e usadas por ela para definir problemas e soluções legítimas.

LLegal

GProvedor e Gestor

RRelacional

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O governo protetor ou provedor e gestor tem como finalidade principal a proteção social e o bem-estar; sua função predominan-te é a prestação e gestão de serviços, a qual pode ser realizada di-retamente pelo governo ou organismo público, ou ser contratada externamente. O esquema é o seguinte:

Esquema II: Articulação das funções do governo provedor e gestor

O governo relacional ou promotor é o governo próprio da sociedade-rede ou sociedade do conhecimento. Sua finalidade é melhorar a capacidade de organização de uma sociedade e gerir as principais redes sociais para o desenvolvimento humano. Sua principal função estruturante é a relacional. O esquema é o se-guinte:

Esquema III: Articulação das funções básicas do governo relacional

Para exercer a ação governamental baseada na relação princi-pal que se estabelece entre o governo e a cidadania, isto é, com

RRelacional

GProvedor e Gestor

LLegal

GProvedor e Gestor

LLegal

RRelacional

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base na função que tem o papel principal ou estruturador das de-mais, os governos desenvolvem maneiras diferentes ou modelos de governação ou modos de governar. Isto é, um governo-tipo atua através de um modelo de governação.

Por modelo de governação ou modo de governar, entenderei propriamente o enfoque com que um governo assume e exerce seu papel em relação à sociedade civil ou, o que quer dizer o mesmo, o tipo de atuação através da qual um governo torna efetiva a articula-ção e coordenação das três funções e dimensões do governo.

O modelo de governação inclui a finalidade e os valores que presidem a ação, o tipo de gestão característica da maneira de governar e os perfis do político e do profissional da administração. Identificaremos, seguindo a classificação feita por J. Prats, em um recente e excelente trabalho, três modelos de governação: buro-crático, gerencial e governança.13

Esquema IV: Articulação das funções, modelos de governo e de governação

13 J. Prats, “La Construcción Social de la Gobernanza” em Vidal J. M. Beltrán e J. Prats, Gober-nanza. Diálogo Euro-Iberoamericano. Madri: INAP, 2005, pp. 21-78.

Legal, Provisão e Gestão, Relacional

Articulação funções básicas (Relação do Governo

com a cidadania)

Funções básicas

Modelos de governoou

Governo-Tipo

Modelos de Governação(modos de governar)

- Valores- Gestão: técnicas

- “Papéis”: político, cidadania, administrador

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Portanto, a governança não é a dimensão ou a função rela-cional da atuação de um governo, mas o modo de governar es-pecífico do governo relacional, que assim se caracteriza porque a função relacional assume o papel principal e estruturador das ações de governo.

A governança, portanto, vai implicar, de uma forma concreta, na reestruturação global da maneira de governar de um governo local. Na governança existem as dimensões da gestão de recursos e da função normativo-legal, mas estas se reestruturam a partir da priorização da função relacional do governo, isto é, da participa-ção cidadã, da cooperação com a sociedade civil e da colaboração intergovernamental.

É por isso que dizemos que a governança é o modo de go-vernar próprio do governo-rede ou relacional, que é o adequado à nova sociedade em rede, também denominada sociedade do conhecimento.

Os modos de governar na democracia: Burocrático, Gerencial e Governança

Iremos começar por uma breve descrição dos vários modos de governar, ou modelos de governação, para depois descrever, na seção seguinte, os governos-tipo que põem em prática tais mo-delos.

O modo burocrático. Tem por objetivo garantir o cumprimento da lei e a igualdade jurídica de oportunidades dos cidadãos, com a finalidade de contribuir com a regulação das condições de es-tabilidade econômica e social, o desenvolvimento do Estado de Direito e do livre mercado.

Este modo se desenvolve a partir dos Estados liberais e demo-cráticos da metade dos anos 50 do século XIX e predomina até os anos 80 do século XX. Os valores do governo são: respeito e sujei-

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ção à lei, igualdade de todos os cidadãos perante a lei, autonomia da sociedade civil para identificar o interesse geral e racionalidade (adequação dos meios aos fins).

Para exercer a função de regulação e de segurança jurídica, a administração se vale de uma categoria profissional: a burocra-cia ou funcionalismo. Esses profissionais, para poder realizar seu trabalho, requerem independência política, objetividade e impes-soalidade do seu próprio trabalho, que deve ajustar-se à legisla-ção em um contexto de racionalidade (adequação dos meios aos fins). Para que possam cumprir sua missão, os funcionários são protegidos legalmente e os postos de trabalho regulamentados. Os valores que presidem a burocracia são os que acabamos de apontar e que se diferenciam plenamente dos valores relaciona-dos à economia, produtividade e eficiência que predominam no modo gerencial. Entre os profissionais da burocracia predominam as especialidades vinculadas ao Direito.

O político eleito com a responsabilidade de governar é o re-presentante dos cidadãos para dar cumprimento às normas da so-ciedade com a ajuda da burocracia que, por ter proteção especial, impede o governante eleito de usar o poder para fins pessoais ou partidários. Os políticos, com o apoio da burocracia, identificam e gerenciam o interesse geral.

A cidadania, neste modo de governar, tem um papel inativo, limitado praticamente à consulta. Tanto a cidadania como a ini-ciativa privada e social são os que devem, através do mercado e da livre iniciativa, alcançar o maior bem-estar possível através do marco legal-regulador e garantidor da liberdade do mercado e da ação social. O governo é o representante eleito da sociedade e em seu nome exerce sua ação normativa e reguladora.

O tipo de gestão que se desenvolve neste modo de governar é a gestão de procedimentos. Trata-se de estabelecer cuidadosamen-te os processos e regulamentá-los. A tarefa do burocrata é seguir os procedimentos e não assegurar resultados. Estes, se supõe, re-

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sultarão do cumprimento da regulamentação estabelecida. Nisto, não difere dos processos próprios do maquinismo industrial, dos métodos tayloristas. A diferença com a produção de bens e ser-viços reside em que seu posto de trabalho não é flexível e que os processos da administração não estão organizados em função da produtividade. Os serviços, para garantir a conformidade com os regulamentos, são organizados por estes mesmos processos.

O modo gerencial de prestação e gestão de recursos públicos. Co-meça nos anos 80, tem seu esplendor nos 90 e na atualidade ainda é o modo dominante.

Os objetivos são a economia, a eficácia e a eficiência (os três “E”) na prestação e gestão de serviços. Sua preocupação principal é a produtividade na produção dos serviços e, em geral, do con-junto da administração.

A gestão específica deste modo de governar é a gestão empre-sarial dos serviços. Ou seja, realiza-se a prestação e gestão dos servi-ços a partir da introdução (ou tentativa de introdução) do conjun-to de técnicas, instrumentos e processos oriundos do mundo em-presarial, e os principais profissionais dirigentes da administração são buscados no mundo empresarial e, mais concretamente, no mundo dos negócios. Assim, fala-se da terceirização de serviços, gestão da qualidade orientada ao cliente-usuário, reengenharia de processos, marketing de serviços, etc. Pretende-se orientar a gestão para os resultados econômicos e de produtividade.

Acredita-se que a produtividade e os três “E”, acima mencio-nados, devam ser os valores dominantes não apenas em função dos serviços públicos, mas também do conjunto da administração; e não poucas vezes se quis aplicar a reengenharia de processos, própria da gestão de serviços, às funções governamentais destina-das a assegurar os direitos da cidadania e às funções relacionais, gerando não só colapsos de governabilidade, mas também impor-tantes colapsos no funcionamento da democracia.

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Entre os profissionais do governo há uma demanda de forma-ção em economia, mas é dada prioridade, em especial, à forma-ção nas escolas empresariais e de administração.

Dada a importância da gestão empresarial dos serviços neste modo de governar, o papel do político eleito fica desfocado e se confunde com o de gerente. Desponta e valoriza-se, especialmen-te, o papel dos administradores ou gerentes, que assumem papéis de maior relevância à custa dos políticos eleitos, saídos das fileiras dos partidos políticos – ou acabam predominando os extratos ge-renciais dos altos escalões da direção política.

A governança democrática. É um modo de governar que está emergindo na atualidade como consequência da crise do governo provedor e gestor de recursos e, em especial, pela obsolescência e anomalias provocadas pelo modo gerencial.

Nas palavras de D. Inneraty, sua finalidade é “a colaboração entre o governo e a sociedade civil para a regulação dos assuntos coletivos com critérios de interesse público”.14

O que caracteriza a governança como modo de governar é a gestão das interdependências, gestão relacional (ou de redes). É um tipo de gestão específico que se baseia em um conjunto de técnicas, instrumentos e processos para alcançar a construção compartilhada do desenvolvimento humano em um território.

Os valores próprios da governança que a faz avançar como modo de governar são: respeito, tolerância, participação, racio-nalidade, confiança, compromisso e colaboração. Ou seja, a go-vernança se baseia na gestão das interdependências, mas não é igual à gestão relacional, sendo, na verdade, muito mais ampla. Governança é uma ação de governo que tem múltiplas dimensões: normativo-legal, provedora e de gestão de serviços; porém, ao ter como seu principal objetivo a colaboração entre a sociedade civil

14 Ver D. Inneraty, El nuevo espacio público. Madri: Ed. Espasa – Calpe, 2006, p. 209.

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e o governo para responder aos desafios sociais, é a gestão rela-cional que assume a relevância e o papel estruturante de todas as funções de governar. As funções legal e de gestão de serviços são reestruturadas pela governança, de tal modo que as características exigidas das mesmas serão diferentes das que adquiriram nos mo-dos burocrático e gerencial.

A governança coincide com o modo gerencial em sua rejei-ção ao governo hierárquico, mas, ao contrário dele, não vê no mercado nem nas técnicas empresariais aplicadas à gestão gover-namental a alternativa para os problemas e desafios sociais, iden-tificando na própria sociedade a solução dos problemas. A tarefa do governo é a de envolver os cidadãos na resolução dos seus próprios problemas, cooperando com eles e melhorando a capa-cidade coletiva de atuação. A governança também partilha com o modo burocrático a ideia de legalidade, de controle público e da necessidade de procedimentos administrativos, mas atribui gran-de prioridade aos procedimentos informais de interação cidadã, na qual intervém para mediar e facilitar a cooperação entre os atores e setores da cidadania envolvidos.

Na governança, o político tem um papel de representante eleito, mas diferentemente do modo burocrático, este papel é muito relevante na sociedade devido ao fato de que atua como aglutinador e organizador do interesse geral, a partir dos legítimos interesses e desafios dos diferentes atores e setores da cidadania.

A cidadania e a iniciativa social e privada têm um papel mui-to ativo. A tarefa do governo consiste em articular uma ampla cooperação pública e privada, e uma intensa colaboração cidadã no desenvolvimento humano. Ou seja, fortalecer e coordenar as principais redes sociais em uma determinada direção.

Por sua vez, passa a ter mais valor um tipo de profissional polivalente, que tem como funções a mediação e a negociação re-lacional, em apoio aos políticos eleitos, dotado de amplos conhe-cimentos na elaboração de estratégias e possuidor de um enfoque

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abrangente das ciências sociais. Esta área das ciências sociais é a que apresenta maior desenvolvimento na era da governança. Prevê-se que, dada a complexidade e variedade das situações so-ciais na governança, bem como a necessidade de amplos conheci-mentos e novas técnicas, será necessária uma ampla terceirização da assistência técnica e, mais particularmente, com entidades que correspondem à classificação de “think tanks”.

No quadro I, são apresentadas de maneira resumida as ca-racterísticas diferenciadoras dos distintos modos de governar, em relação às suas principais variáveis.

QUADRO I: MODOS DE GOVERNAR NA DEMOCRACIAPrincipais características

Modo deGovernar

Variáveis

Burocrático Gerencial Governança

Função ou dimensão estruturante da atividade do governo

Normativa / LegalPrestação e GestãoInfraestruturas e

serviçosRelacional

Tipo de gestãopredominante

Gestão por procedimentos

Gestão Empresarial por produtividade

ou resultados

Gestão de redes sociais ou relacional (construção coletiva do

desenvolvimento humano)

Principais valores

Legalidade, autonomia

sociedade civil.Neutralidade

EconomiaEficácia

Eficiência

ConfiançaCompromissoColaboração

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Visão da qualidade no exercício do governo

Credibilidade e confiabilidade dos

procedimentos

Satisfação do cliente e usuário

Credibilidade e confiabilidade da organização das

interdependências

Papel do cidadão Peticionário Administrado

Demandante-passivo: cliente ou

usuário

Demandante-ativo: cooperador e

corresponsável

Papel das associações e empresas

Reivindicativo Reivindicativo contratado externo

Reivindicativo contratado externo

corresponsável

Papel do político Representante do eleitorado Eleito/gerente

Líder da construção social

(organizador coletivo)

Fonte: Elaboração própria, inspirado em J. Alguacil (2006), R. Gomà (2003), J. Prats (2005).

A governança é a arte de governar própria do governo relacional emergente

Já vimos que existem três funções ou dimensões-chave da ação de governo. A organização assimétrica destas funções-chave e o seu desenvolvimento pela ação do governo deram lugar a dis-tintos modos de governar. Nesta seção veremos os governos-tipo ou modelos de governo que se configuraram nos distintos modos específicos de governar.

A classificação dos tipos de governo que se configuraram de maneira singular nos modos ou artes de governar, que proponho, é a que tem como critério a relação principal que se estabelece ou pretende estabelecer-se entre o governo territorial e a cidadania. O resultado são três governos-tipo: o governo racional-legal, o governo provedor e gestor, também denominado “protetor” ou

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do “bem-estar”15 e o governo relacional ou governo em rede, que também foi denominado “promotor” (J. Prats), “cooperador” ou “capacitador” (D. Innerarity).

O governo racional-legal

O governo racional-legal corresponde à visão de governar an-terior ao do Estado protetor ou do bem-estar. Nesta concepção a função principal de um governo em relação à cidadania é garantir as condições gerais para o bom funcionamento da economia de mercado e do Estado de Direito. O governo tem um papel clara-mente regulador.

A função principal e estruturante do governo é o cumprimento das normas. Seu modo de governar específico é o que já se assinalou como burocrático, que foi descrito magistralmente por Max Weber.16

O governo racional-legal, especialmente em seu nível local, ge-rencia e presta diretamente serviços como segurança, limpeza, aten-ção à população de rua (pessoas sem teto etc.). Mas esta é uma fun-ção menor ou mesmo marginal, e sempre se justifica em relação ao apoio destes serviços ao papel regulador ou como forma de estabe-lecer garantias ao livre desenvolvimento das iniciativas das empresas e cidadãos. A função do governo não é atuar de maneira ativa com recursos públicos na economia, nem no apoio à igualdade de opor-tunidades sociais ou redução da pobreza e da exclusão social.

Neste modelo existe a função relacional, que consiste em de-senvolver a participação e o acordo da cidadania na elaboração das normas legais, que o governo deverá fazer cumprir, e na apro-vação prévia pelas câmaras municipais. Não se trata da partici-pação na definição dos serviços e dos sistemas de qualidade na

15 Pretendo objetivar ao máximo a descrição e por isso não uso as palavras proteção e bem-estar, por estarem envolvidas em disputas políticas e gerarem reações imediatas e pouco críticas de apoio ou rejeição.

16 Max Weber o definiu como tipo de dominação racional-legal, descrito em seu famoso Economía y Sociedad. Madri: F.C.E., 1929, pp. 170-217.

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prestação de serviços próprias do governo gestor, muito menos da participação cidadã e da colaboração público-privada para transformar a cidade ou o território, em geral, na perspectiva do desenvolvimento humano.

No governo racional-legal, a função relacional é muito redu-zida; a cooperação cidadã, em não poucos casos concretos de go-verno, fica circunscrita ao diálogo para alcançar a manutenção da ordem pública.

As funções estruturadas deste governo, como a prestação de serviços e a função relacional, são administradas pelo tipo de ges-tão que já assinalamos como própria do modo burocrático: a ges-tão por procedimentos.

Neste modelo racional-legal o papel do governo é subordina-do sempre aos governos nacionais e regionais. A principal função é normativa e reguladora e, neste aspecto, os governos locais são necessariamente subordinados à legislação cujo cumprimento cor-responde ao nível nacional ou federal ou similar, a qual, logica-mente, não podem transgredir.

As alterações nesta forma de governo se originaram nos de-sequilíbrios que o próprio mercado gera. A não intervenção dos fundos públicos na economia e na coesão social levou ao agrava-mento das desigualdades, à ampliação da pobreza e à instalação de uma situação de conflito social permanente. O papel de garan-tidor do cumprimento de uma legislação e de manutenção das condições do mercado levou à percepção de que o governo é um obstáculo e se opõe às reivindicações sociais dos mais desfavoreci-dos (ainda que, em não poucos casos, esta atitude governamental fosse uma vontade manifesta).

O governo provedor e gestor

O governo provedor e gestor – nascido nos anos 50 do século XX e ainda hoje modelo de governo dominante – corresponde à visão do que se denominou Estado do Bem-Estar Social.

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O papel do governo provedor e gestor de recursos e serviços se desenvolveu na Europa. Foi assumido no contexto da Guerra Fria e da ameaça do denominado “bloco socialista dos países do leste”, pela aplicação das teses de Keynes sobre a intervenção do governo na economia, através do gasto público, e as propostas de Beveridge sobre a ampliação da cobertura da seguridade social para todos os cidadãos.

Os desafios do desenvolvimento econômico e as necessidades sociais ou de bem-estar tornaram-se matéria de intervenção gover-namental e os cidadãos se voltaram para todos os níveis de governo na busca da satisfação de suas demandas e reivindicações sociais.

Neste paradigma, encontramos duas etapas definidas pelo modo de governar que prevaleceu em cada período: o burocráti-co e o gerencial.

A etapa burocrática

O modo burocrático, próprio do governo racional-legal, foi o que se aplicou ao novo paradigma de governo a partir dos anos 50, e que se tornou hegemônico até os anos 80. Ele foi aplicado com os mesmos valores e com a proteção jurídica dos funcioná-rios públicos, porém agora já não era somente gerenciar algumas poucas prestações e serviços ligados às funções de regulação, mas também a prestação de serviços orientados à satisfação de neces-sidades sociais, que estavam se convertendo na função principal e prioritária dos governos.

Os políticos e profissionais da gestão pública não entenderam que se encontravam ante um novo paradigma de governo, ou seja, ante uma reestruturação da organização e funções do gover-no, e agiram como se fosse tão somente uma ampliação da sua atuação. Não tiveram a consciência de que era preciso governar de um modo diferente.

Efetivamente, Max Weber, (que sem dúvida foi quem melhor caracterizou o modelo racional-legal, ou modo burocrático de do-

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minação) considerava que a burocracia era também um modo de gerir os serviços e não apenas de garantir a legalidade, a indepen-dência e a estabilidade do governo. Porém, era bastante conscien-te das limitações de uma gerência ampla dos serviços por este tipo de gestão. Neste sentido, Giddens17 nos recorda que o principal argumento de Weber – contrário ao socialismo – era que este significaria uma grande burocratização do Estado e, em particular, do governo, que acabaria levando à ineficiência na gestão e à au-tonomia da burocracia como grupo de poder, que faria o governo funcionar em função de seus interesses e de grupos particulares, como efetivamente ocorreu.

De fato, a gestão de recursos e serviços públicos exige econo-mia, eficácia e eficiência (os denominados três “E”), que, como já observado, não são valores próprios da burocracia, nem garan-tidores de sua proteção como grupo profissional. A gestão buro-crática aplicada à gestão de serviços foi e é altamente ineficiente, provocou e ainda provoca significativas deseconomias que devem ser sustentadas com mais carga fiscal para os cidadãos e, pior ain-da, limita o alcance dos serviços públicos.

O paradigma do governo gestor, ao desenvolver-se com o modo burocrático, trouxe com ele a necessidade de reforma per-manente, desde o seu começo, para torná-lo mais eficiente. En-tretanto, os distintos instrumentos de reforma – descentralização, centros de controle, orçamentos-programas, etc. – inscreveram-se no modo burocrático e no tipo de gestão que o caracteriza – a gestão de procedimentos.

A etapa gerencial

O modo gerencial baseado na imitação da gestão das empre-sas privadas recebe o nome de sua principal escola, o new mana-

17 A. Giddens, Política y Sociología en Max Weber. Madri: Ed. Alianza, 1976, pp. 76-82.

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gement ou “nova gestão pública”.18 Pretende não apenas substi-tuir o modo burocrático nos serviços voltados para satisfazer uma necessidade social (serviços sociais, assistência médica, centros culturais, equipamentos desportivos, etc.), como os que apoiam diretamente o cumprimento de uma norma governamental (cole-ta de lixo, serviços de limpeza, estacionamento e, inclusive, alguns tão problemáticos como polícia, gestão urbana e segurança), pela aposta na terceirização dos serviços públicos, pela criação de um “mercado” ou “quase-mercado” de serviços públicos, pela gestão orientada ao cliente ou usuário etc.

Considera-se que a produtividade e os três “E” antes mencio-nados devem ser os valores dominantes, não apenas da função da prestação e gestão de serviços, mas do conjunto da adminis-tração.

Nesta etapa, a função relacional e participativa se desenvolve mais que no modelo racional-legal, mas de forma sempre vincu-lada e subordinada ao papel de provedor de recursos desempe-nhado pelo governo. De fato, o modelo provedor e gestor teve por base um acordo social através do qual o setor público propor-cionou serviços e benefícios econômicos que constituem salário indireto. Isso possibilitou a estabilidade dos rendimentos e dos salários nas empresas privadas. A participação cidadã, por sua vez, fica restrita ao âmbito das necessidades e no desenho das políti-cas e serviços, não se traduzindo em compromisso de cooperação para dar uma resposta coletiva aos desafios sociais.

Por outro lado, a concepção gerencial passa a incorporar não apenas a gestão dos serviços financiados com recursos públicos, mas também a prestação de serviços pelas empresas privadas e iniciativas sociais. A justificativa desta incorporação se deu a partir do argumento de que o governo teve seu peso relativo diminuído,

18 Os autores mais conhecidos desta escola, assim como seu principal livro, são D. Osborne e T. Gaebler, La Reinvención del Gobierno. Barcelona: Ed. Paidós, 1995.

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dadas as limitações do crescimento do gasto público para atender as necessidades sociais. Na etapa gerencial, não apenas se consi-dera a necessidade de incorporar novos atores sociais, e em espe-cial as empresas, mas também prospera a ideia de que o governo deve imitar o modelo de gestão empresarial. Em última instância, o objetivo era dar maior destaque aos empresários e às empresas, tanto na gestão e prestação de serviços como na iniciativa social, como forma de suplementar a ação de governo, que somente se entendia como prestador de serviços.

A adoção do modo gerencial no paradigma de governo prove-dor e gestor, no entanto, tinha igualmente uma justificativa ética baseada na necessidade de se evitar o desperdício do dinheiro público e, sobretudo, de criar mais infraestrutura e serviços com uma despesa pública que se constatava não poder crescer inde-finidamente. A extensão dos três “E” para toda e qualquer ação governamental, como uma cópia dos métodos empresariais das multinacionais, aliada ao fato de se enxergar o cidadão como um mero cliente ou usuário, em muitos casos, levou à desconside-ração do conceito de serviço público e ao questionamento das garantias legais e do respeito pelos direitos que a ação do governo deve proporcionar, o que tem acontecido em muitos governos, e não apenas na América Latina.

Neste caso, não apenas a prestação e gestão de benefícios e serviços eram considerados dominantes, mas toda a ação de governo. Considerava-se que o modo de governar deveria corres-ponder aos valores empresariais da gestão de serviços. Desta ma-neira foi favorecida a consolidação de uma concepção clientelista da ação governamental e da política em geral, sobretudo onde os valores democráticos estavam pouco consolidados.

Em suma, o enfoque que estamos expondo, de definir o mo-delo de governo como uma maneira de abordar a articulação das suas funções, leva a dizer que o lema do governo gestor poderia ter sido burocracia o quanto for necessário, gestão eficiente o quanto

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for possível e, certamente, teria tido menos efeitos perversos do ponto de vista democrático.

No esquema gestor, as prefeituras têm um papel mais relevan-te como prestadoras de serviços do que no modelo racional-legal, porém secundário em relação aos governos nacionais e federais ou similares; na maioria dos casos, os governos locais dependem das competências e transferências de recursos dos outros níveis de governo.

O governo-rede ou relacional

O governo relacional é aquele que tem por finalidade a cons-trução do desenvolvimento humano de forma compartilhada com a sociedade civil e cujo modo específico de governar é o que de-nominamos governança democrática.

Como já assinalamos reiteradamente, sempre existiu a gover-nança entendida, simplesmente, como gestão das interdependên-cias ou das relações entre o governo e os atores e setores da cida-dania. Isto, porém, de maneira altamente residual e condicionada por outras funções e dimensões que serviram de eixo estruturador da ação de governo.

A novidade, a mudança de paradigma, está no fato de que a governança torna-se o modo próprio do governo relacional. E este modo de governar, que se baseia e se estrutura a partir da gestão relacional ou das interdependências, deixa de ser residual para ser o modo principal ou estruturante do governo.

Hoje em dia, a cooperação entre atores, a participação e a co-laboração da cidadania não são consideradas apenas uma dimen-são emergente, mas uma função estrututurante da ação de governo na sociedade do conhecimento ou sociedade-rede. Isto se deve, fundamentalmente, à constatação de que existem cada vez mais desafios e necessidades sociais que não podem ter resposta em uma ação baseada no gasto público, por mais eficiente que seja a sua gestão. O governo se vê, assim, diante da necessidade de propor a

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melhoria da capacidade de organização e ação para que o conjunto da sociedade enfrente os desafios e as necessidades crescentes que condicionam o progresso humano.

Tal como na última fase do governo provedor, considera-se necessário incorporar novos atores para a obtenção da melhoria da qualidade de vida; porém, ao contrário da etapa gerencial, não se trata de reduzir a relevância do governo democrático, mas lhe atribuir um novo papel como organizador coletivo de uma ampla ação social.

Neste contexto, a gestão relacional ou gestão das interdepen-dências (ou de redes) passa a ser a base da nova ação de governo. Portanto, o governo relacional deve realizar uma reestruturação das funções de proteção legal de direitos, da gestão eficiente da qualidade dos recursos e serviços para colocá-los em função da construção coletiva do território, que tem na gestão relacional seu principal, embora não único, instrumento.

Reestruturação significa mudança de orientação. A função re-lacional se converte em estruturante (porque agora o objetivo do governo relacional é a melhoria da capacidade de organização e ação dos territórios) e aumenta sua complexidade e a magnitude de seus objetivos, assim como os âmbitos em que se aplica. A participação cidadã (elemento essencial da função relacional) é agora, fundamentalmente, corresponsabilização e compromisso.

Por sua vez, a gestão de serviços na governança deve ser eficaz e eficiente, mas não apenas do ponto de vista da redução dos custos e da produtividade, sobretudo porque esta mesma gestão deve incorporar uma melhoria no compromisso de ação comu-nitária dos usuários e familiares envolvidos e contribuir para o fortalecimento do tecido associativo do lugar em que se situa. Os benefícios e serviços se integram e apoiam os processos de desen-volvimento comunitário.

A função normativa e legal que, sem dúvida, deve ser exer-cida por funcionários, deve adequar os procedimentos de con-

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tratação externa de serviços às novas finalidades de eficácia e contribuição ao desenvolvimento comunitário, assim como ao fortalecimento e ampliação dos novos espaços da cidadania; ou seja, frente aos espaços de deliberação e acordos entre go-verno, atores, iniciativa social e movimentos sociais em geral, o papel singular da função legal ou normativa em um governo relacional será o de conceber os marcos institucionais regula-dores, assim como os incentivos e restrições da atuação dos atores e setores da cidadania para estimular, fortalecer e dar estabilidade à ação coletiva em que os participantes procuram maximizar suas expectativas no âmbito do interesse geral. Isto é, ter em conta que o interesse geral é uma construção coletiva da qual participam.

A seguir, veremos com mais detalhe, aplicada ao setor de bem-estar social, a reestruturação das diferentes funções no governo relacional e, especialmente, a orientação que recebem através do seu modo de governar: a governança.

Neste modelo de governo é fundamental a proximidade às interdependências dos atores para construir projetos coletivos e promover uma cultura empreendedora e cívica na cidadania. Por isso, o papel dos governos locais no sistema do conjunto dos Estados-nação é claramente emergente e relevante. Também o são os governos regionais, porém estes entendidos, cada vez mais, como gestores das interdependências entre os distintos municípios.

Como conclusão desta seção, é fundamental reter:O governo relacional assume um papel renovado e uma centrali-

dade social na sociedade-rede, ao considerar-se a articulação social, a melhoria da capacidade de organização e ação das sociedades, uma responsabilidade pública democrática, com grande impacto no desenvolvimento humano das cidades e regiões.

No quadro II é apresentado um resumo dos governos-tipo a partir dos seus principais elementos distintivos.

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QUADRO II: GOVERNOS-TIPO NA DEMOCRACIA (relação entre governo e sociedade)

Governo-Tipo

Elementos distintivos

Racional-legal Provedor e Gestor Relacional

Relação estruturante com a sociedade civil

Regulador/ normativo

Provedor de infraestruturas

e serviços

Organizador coletivo do

desenvolvimento

Modo de governar Burocrático

Burocrático (1ª etapa) Gerencial

(2ª etapa)

Governança (expectativa

racional)

Papel do município no modelo de administração nacional

Subordinado SecundárioProtagonista (expectativa

razoável)

Fonte: Elaboração própria, inspirado em J. Alguacil (2006), R. Gomà (2003), J. Prats (2005)

As vantagens ou desvantagens de se usar uma concepção ou outra, desde que sejam rigorosas e se adaptem às regras da lógica, dependerão da capacidade de previsão das mesmas.

A concepção que é apresentada acima, ao destacar como go-verno-tipo o provedor, registrou um modo de governar adequado a outro modelo de governo (racional-legal), porém totalmente inadequado à nova relação estabelecida com a sociedade civil. Isso nos serve de alerta para que, ao surgir o governo relacional, não continuemos utilizando o modelo de governação gerencial ou que a governança seja considerada, de maneira incorreta, sim-plesmente como uma dimensão a mais deste modo de governar, o que, sem dúvida, dificulta alcançar os objetivos do desenvolvi-mento humano.

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A confusão é real. Recentemente um conhecido autor, M. Sha-piro19, chamou a atenção para o fato de que a perspectiva da governança se desenvolve no âmbito da gestão pública através da sua conexão com a escola da “nova gestão pública” e os perigos que esta acarreta para a legitimidade democrática. Outro impor-tante autor, Guy B. Peters, embora reposicione o tema e identifi-que a governança como uma nova arte de governar distante do modo gerencial, que proporciona um renovado papel ao governo democrático, também aponta para o perigo de se associar a go-vernança com a corrente que atribui ao governo um papel menor, para dar mais importância a outros agentes, em especial aos eco-nômicos.

Entender a governança como uma dimensão a mais do gover-no provedor, e/ou geri-la através do modo gerencial, significaria retardar o novo papel do governo como um organizador coletivo e a valorização do governante eleito como representante da cida-dania.

Por esta razão é que no quadro anterior foi colocado como expectativa razoável que a governança seja o modo de governar próprio do governo relacional na sociedade-rede ou sociedade do conhecimento, por ser o mais adequado. Porém, mesmo que seja o mais apropriado, isso não quer dizer que o seu desenvolvimento esteja assegurado. Ainda mais quando temos o exemplo de que o governo provedor se desenvolveu, numa primeira etapa, através do modelo de governação próprio do governo racional-legal: o modo burocrático.

Ainda que a governança comece a ser um paradigma com pro-gressiva importância nas ciências sociais como arte de governar, é incipiente e, em não poucos casos, se desenvolve no interior do

19 M. Shapiro “Un derecho administrativo sin límites: reflexiones sobre el gobierno y la gober-nanza”. Em A. Cerrillo (coord); La Gobernanza hoy: 10 textos de referencia. Madri: Ministerio de Administración Pública, Instituto Nacional de la Administración Pública, 2005, pp 203-212.

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modo gerencial de governar, confundindo-se com uma nova fór-mula para dar maior relevância ao papel dos agentes econômicos. O aparecimento da governança como prática de governo precisa de êxitos bem conhecidos e de vitórias eleitorais para aqueles que a implementarem. Para isto, são necessários métodos e técnicas específicas e um novo tipo de liderança política, que é preciso sistematizar e difundir.20 O predomínio do modo gerencial atrasa e dificulta a inovação do modo de governar.

O governo local, por sua proximidade com as relações que se estabelecem entre os atores no território, pode gerir melhor a complexidade social. Mas isso tampouco significa que venha a ocorrer, mas simplesmente que, de um ponto de vista racio-nal, existem condições para que haja um incremento do papel dos governos locais. Se vão conseguir ou não, vai depender, fun-damentalmente, de sua ação prévia, de que sejam capazes de abrir espaços como organizadores da coletividade, e dos êxitos que alcancem no desenvolvimento humano nos territórios em que abram os espaços mencionados.

A governança é o modo de governar da sociedade do conhecimento

A denominada globalização, tal como a define o Fundo Mo-netário Internacional, consiste em fluxos de informações, merca-dorias, serviços e pessoas que cruzam os territórios e os fazem in-terdependentes. Os fluxos são produzidos, distribuídos, recebidos e consumidos fundamentalmente nas cidades e áreas metropolita-nas. A economia e a sociedade globais se assentam no sistema de

20 Para isso, foi criado o movimento de governantes eleitos e profissionais, em 2003, voltado para o desenvolvimento da governança, denominado América Europa de Regiões e Cida-des, AERYC. Ver a página web www.aeryc.org

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cidades. Os territórios se tornam mais interdependentes econômi-ca, social e culturalmente.

A sociedade do conhecimento ou sociedade informacional, na expressão conceitual de Castells, ao basear-se na inovação perma-nente, favorece a especialização flexível nas empresas e entidades sociais. Estas, para inovar, não podem fazê-lo em todos os aspec-tos, necessitando fazê-lo naquilo que mais conhecem, em suas melhores habilidades e capacidades. Este processo de inovação requer a organização em rede das diferentes empresas, entida-des e instituições para produzir bens e serviços. A capacidade de articular as funções de pesquisa, formação, produção, comercia-lização e distribuição é a chave para o desenvolvimento. A or-ganização em rede e o uso das tecnologias de informação são, segundo Castells,21 fatores centrais tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o social.

A sociedade do conhecimento se baseia em redes, na gestão dos conhecimentos das pessoas nos departamentos, empresas, entidades e organismos públicos. Ela posiciona os profissionais e as equipes no topo dos processos produtivos. Na sociedade indus-trial, o trabalhador era um apêndice da máquina; o importante era o processo no qual se inseriam as pessoas. Contrariamente, na sociedade do conhecimento, as tecnologias da informação e os processos produtivos são desenhados para servirem de suporte para que as pessoas e equipes possam gerar valor através da pro-dução de conhecimentos. A densidade e qualidade das interações entre departamentos e empresas são os principais fatores críticos para a criatividade e inovação.

A principal vantagem econômica de um território é cada vez mais a vantagem colaborativa. Neste sentido, a economia depen-de da coesão social ou, para ser mais preciso, do capital social, que foi definido por Putnam de uma maneira muito semelhante

21 Ver M. Castells, Observatorio Global. Barcelona: Ed. La Vanguardia, 2006, pp.151-193.

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à capacidade de organização e ação: “O capital social refere-se ao conjunto formado pela confiança social. Às normas e redes para resolver os problemas comuns. As redes de compromisso cívico, tais como associações de bairros, as federações desportivas e as cooperativas, constituem uma forma essencial de capital social. Quanto mais densas forem estas redes, mais possibilidades exis-tirão de que os membros de uma comunidade cooperem para obter um benefício comum.”22

Os indivíduos são cada vez menos autossuficientes. Por um lado, aumentam sua autonomia em relação à família e às insti-tuições sociais e políticas; por outro, suas necessidades são cada vez mais crescentes e complexas e, para satisfazê-las, precisam de uma grande amplitude de redes sociais.

A sociedade e a economia aparecem como uma construção coletiva assentada em redes. Gerir a sociedade-rede é gerir as re-lações, é desenvolver a governança.

A tarefa principal de um governo democrático consistirá em promover o desenvolvimento humano no território a partir da criação, fortalecimento e coordenação das redes econômicas, so-ciais e culturais. Por isso é que, sem dúvida, a governança é o modo mais adequado de governar.

22 R. D. Putnam, Making Democracy work: Civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993, p.125.

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2. Governança Democrática: Construção coletiva do

desenvolvimento humano

idEiAs principAis a finaliDaDe Da Governança Democrática é o Desenvolvimento 1. humano: Democracia, equiDaDe social, Desenvolvimento eco-nômico.a Governança como moDo De Governar exiGe e precisa De De-2. mocracia.a coesão social é o motor e não o resultaDo Do Desenvolvi-3. mento.a coesão social entenDiDa como capaciDaDe De orGanização e 4. ação é o principal objetivo Da Governança Democrática.

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Ao longo do presente livro serão tratadas mais detalhadamen-te as características da governança e, em especial, sua aplicação na área do bem-estar social. Ao chegar até este ponto, porém, me atrevo a propor uma definição de governança democrática:

A governança democrática é a arte de governar os terri-• tórios do novo governo relacional, próprio da sociedade do conhecimento, cujo objeto é a capacidade de organi-zação e ação de uma sociedade; seu principal meio é a gestão relacional ou gestão das interdependências e sua finalidade é o desenvolvimento humano.

Neste capítulo, comentarei os distintos aspectos desta defini-ção, para uma maior compreensão.

A finalidade da governança democrática é o desenvolvimento humano

Utilizo aqui o conceito de desenvolvimento humano adota-do pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ou seja, o desenvolvimento humano compreende não somente o desenvolvimento econômico, mas também a redução das desigualdades sociais, a sustentabilidade ambiental e o forta-lecimento da democracia.

O desenvolvimento humano inclui os temas do chamado ca-pital ético, isto é, os valores dos atores e da cidadania em espe-cial – o capital social ou a capacidade de gerar tecido organizati-vo empresarial e social para finalidades relacionadas com o bem comum. Inclui objetivos de bom governo democrático, isto é, relacionados ao aprofundamento da democracia, à participação e deliberação cidadã, à reforma da administração pública, à co-laboração intermunicipal e regional. Trata-se de um conceito de desenvolvimento integral que inclui, naturalmente, critérios de atuação e objetivos que serão referência para os diversos planos

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setoriais e políticas públicas, em especial planos de ordenamen-to territorial e, particularmente, urbanístico. O desenvolvimento humano se apoia em um quadrilátero virtuoso: econômico, so-cial, territorial-sustentável e democrático.

A opção pelo desenvolvimento humano é uma opção plu-ralista. Não significa que todas as opções políticas coincidem com as propostas eleitorais apresentadas à população. Claro que o desenvolvimento humano implica que se leve em conta os quatro fatores do desenvolvimento, mas as prioridades ou pesos atribuídos a cada um deles nas políticas concretas é o que irá distinguir as opções eleitorais.

Este conceito de desenvolvimento humano está relacionado com a mudança de visão do desenvolvimento e do papel das pes-soas nele, que a sociedade do conhecimento ou a sociedade-rede incorpora. De fato, durante o pleno desenvolvimento da socieda-de industrial, o homem (entendido como genérico de mulher e homem) era considerado um apêndice da máquina. Sua produti-vidade, multiplicada pela divisão do trabalho e pelas máquinas, era o elemento-chave do desenvolvimento. Este, por sua vez, era entendido em sua vertente mais restrita como crescimento econô-mico, em cuja origem estavam os investimentos em infraestrutura e grandes equipamentos. Já na sociedade do conhecimento, ao ser este a principal fonte de valor agregado, as pessoas, as equipes profissionais e a organização em rede das empresas atingem a sua máxima relevância. A tecnologia – e, principalmente, as tecnolo-gias da informação – se converte no suporte necessário para que as pessoas e equipes produzam conhecimentos. Ao centrar-se nas pessoas, o desenvolvimento e a visão que se tem dele se aproxi-mam mais das múltiplas dimensões de suas necessidades e, por-tanto, se tornam mais amplos. Por outro lado, o bem-estar já não se encontra no governo (em sua oferta de serviços), mas está nas pessoas. São elas que produzem bem-estar a partir de sua capaci-dade de usar os serviços colocados à sua disposição.

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A governança exige e precisa de democracia

É possível entender a governança sem que a sua finalidade seja o desenvolvimento humano, ou, ainda, pensar em uma go-vernança não democrática?

Se entendermos a governança em sentido estrito, como uma atividade especial do governo que busca a colaboração de atores em um tema concreto, e não como uma forma habitual de go-vernar, é possível entendê-la como não democrática, sempre que os acordos entre o governo e os atores sejam realizados de costas para os cidadãos e motivados por uma política clientelista. Ao contrário, como modo de governar habitual, de um governo local que busca melhorar a capacidade de organização e ação de uma sociedade, se exige democracia, uma vez que se tornam necessá-rias a liberdade de circulação das ideias e interesses, assim como organizações abertas e flexíveis com as quais seja possível chegar a acordos sobre interesses legítimos. Por outro lado, a governança exige participação e envolvimento cidadãos. Dificilmente uma po-lítica que não se baseie em valores democráticos e de desenvolvi-mento humano poderá desenvolver-se através de amplos proces-sos de compromisso social. Para outro tipo de objetivos prefere-se que não haja luz nem taquígrafos.

De fato, e para evitar qualquer tipo de confusão ao denominar o modo de governar próprio do governo relacional, utilizamos a expressão governança democrática, conscientes de que se pode usar a gestão de interdependências em um sentido contrário ao desenvolvimento humano e aos próprios direitos humanos, ainda que seja sempre como atividade isolada e não como modo habi-tual de governar.

Na governança democrática, infelizmente, também podem acontecer espaços de encontro clientelista, mas de maneira isola-da, como em qualquer modo de governar. Porém, neste modo de

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governar, por seu caráter aberto e participativo, é muito mais fácil conhecer estas práticas clientelistas e, por isso mesmo, torna-se mais difícil que aconteçam.

A coesão social é o motor do desenvolvimento econômico e social

A coesão social foi tradicionalmente entendida como o de-senvolvimento de políticas públicas e mecanismos de solidarie-dade para o acesso da cidadania aos benefícios e serviços de bem-estar financiados com fundos públicos. A coesão social, portanto, era considerada como um resultado do desenvolvi-mento econômico, entendido fundamentalmente como cresci-mento da renda. Esta é básica para poder aumentar os impos-tos e financiar os serviços públicos de saúde, serviços sociais, educação, cultura, etc., que geram bem-estar social e educa-ção. Neste esquema próprio do modelo de crescimento da sociedade industrial, ao situar o desenvolvimento econômico como principal prioridade, justificou-se a sua busca por qual-quer meio, não somente suspendendo os direitos sociais, mas também os direitos democráticos. O importante e fundamental era que houvesse investimento, especialmente em infraestrutu-ra, tecnologia e grandes equipamentos que incrementassem a produtividade.

Na atualidade, o tema está passando por grandes transforma-ções. O conceito de coesão social foi ampliado e, paralelamente com o surgimento da sociedade-rede ou do conhecimento, a coe-são social começa a ser entendida como um fator prévio ao desen-volvimento econômico e social sustentado e sustentável. Vejamos ambos os aspectos.

O escritório de coordenação do programa Eurosocial observa: “De uma perspectiva individual, a coesão social supõe a existên-cia de pessoas que se sentem parte de uma comunidade, partici-

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pam ativamente em diversos âmbitos de decisão e são capazes de exercer uma cidadania ativa.” 23 Acrescenta três novos elementos à coesão social: sentimento de enraizamento, cidadania ativa e participação social.

No mesmo sentido do programa mencionado, a organização do governo britânico I&DEA24 define uma comunidade socialmen-te coesa através de quatro características:

Tem uma visão e um sentimento de enraizamento com-1. partilhado.

A diferença de circunstâncias, ambiente e culturas é va-2. lorizada como um fato positivo.

Independentemente3. do seu ambiente, as pessoas têm oportunidades de vida semelhantes.

Desenvolve relações fortes e positivas entre pessoas de 4. ambientes muito diversos, quer seja no trabalho, na es-cola ou no bairro.

Neste ponto, e considerando que o programa Eurosocial e, em especial, o I&DEA definem a coesão social pela qualidade, com-plexidade e diversidade das relações entre os cidadãos e vizinhos, antecipo uma tese: a coesão social, entendida como atributo de relações sociais, deve ser considerada como fator-chave e desen-cadeante do desenvolvimento humano. Isto é, mais do que resul-tado da distribuição de renda ou acesso a equipamentos e servi-ços financiados pelo desenvolvimento econômico anteriormente ocorrido no território, defendo que é preciso existir coesão social prévia, concebida como condição para que ocorra um desenvol-vimento territorial endógeno, sustentável e sustentado no tempo.

23 Ver Fundación Internacional y para Iberoamérica de Administración y Políticas Públicas – FIIAPP, Documento de discussão da Jornada “A coesão social: um desafio para a Europa e América Latina”, 2007, p. 1.

24 Ver <http://www.idea-knowledge.gov.uk/>

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De fato, como consequência do aparecimento da sociedade-rede ou sociedade do conhecimento, que transformou tanto a concepção do desenvolvimento econômico como a do desenvol-vimento social, constatou-se que não são as infraestruturas que geram o crescimento econômico e a renda. Estas impactam a so-ciedade gerando produtividade e alto valor agregado apenas se inseridas na organização de redes sociais e empresariais. Este novo enfoque serviu para demonstrar a caducidade do ponto de vista anterior, e pode-se mostrar que o fundamental e prioritário é con-seguir o avanço da coesão social, entendida como capacidade de organização e ação. Ao propiciar a utilização dos recursos físicos e humanos disponíveis, ela é que é capaz de gerar atualmente, por si mesma, não apenas um maior desenvolvimento da produtivi-dade, e consequentemente da renda e dos serviços públicos, mas do desenvolvimento humano em geral, uma vez que promover a coesão de uma sociedade exige democracia e, naturalmente, sustentabilidade, isto é, capacidade de regeneração dos recursos do entorno territorial.

A melhoria da capacidade de organização é um valor intangí-vel, com maior impacto no desenvolvimento humano.

Por desenvolvimento humano (econômico, social, cultural, sustentável e democrático) de um território, na atualidade, se en-tende, sobretudo, alcançar um diferencial entre o que uma so-ciedade faz e o que é capaz de fazer em relação ao seu entorno econômico e social. Pode-se objetar que esta definição é também válida para outros períodos históricos, o que é absolutamente certo. Entretanto, o predomínio do enfoque do pensamento da sociedade industrial e dos governos gestores e provedores, que atribuía o desenvolvimento econômico às infraestruturas e equi-pamentos, dificultava visualizar outros fatores que atualmente podemos identificar. Com as lentes da antiga concepção, não se podia observar a amplitude dos fatores que geram o desenvolvi-mento e, em especial, a importância da capacidade de transfor-mação da própria sociedade. Como explicaria Einstein, é preciso

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um novo enfoque para conseguir um avanço nas ciências, neste caso, na teoria do desenvolvimento.

As infraestruturas, podemos afirmar claramente, são impor-tantes para o desenvolvimento econômico, mas não são estrita-mente necessárias e em absoluto suficientes. O desenvolvimento depende da capacidade de organização e ação de uma sociedade. Em outras palavras, da capacidade de articular seu potencial hu-mano e o capital físico com a finalidade e objetivo de promover o progresso de modo amplamente compartilhado. Do mesmo modo que existe uma capacidade de organização adequada, é possível identificar projetos de capital físico adequados para melhorar sua competência e a geração de valor. O esquema é o seguinte:25

A coesão social é o principal objetivo da governança

As razões anteriores justificam que a capacidade de organi-zação e ação de um território seja o objetivo principal do novo modo de governar.

Pois bem. Quais são os fatores estruturantes da capacidade de organização e ação ou, o que é o mesmo, da construção coletiva do

25 J. M. Pascual Esteve em La Gestión Estratégica de las Ciudades: Un Instrumento para Gobernar las Ciudades en la Era Infoglobal. Sevilha: Junta de Andalucía, 2002.

Capital físico e humano

Capacidade de organização

Desenvolvimento territorial

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desenvolvimento humano? No meu entendimento, hoje já pode-mos identificar os seguintes fatores:26

Existência de uma estratégia compartilhada• entre os prin-cipais atores. Uma estratégia integral e integradora com claros compromissos de ação em permanente atualiza-ção, centrada no bem-estar das pessoas e baseada nos interesses dos principais atores. Um modelo de interação social entre os principais atores• , adequado:

Aos desafios e exigências do desenvolvimento con-✦✦

temporâneo, que permita enfrentar os conflitos ine-vitáveis com flexibilidade e confiança de chegar a acordos com benefícios recíprocos.Às correlações de força ou equilíbrio de poder entre ✦✦

eles.Às configurações mentais ou culturais que promovam ✦✦

o respeito e o conhecimento recíproco e se orientem à ação a partir de compromissos igualmente recípro-cos.

O modelo de interação entre os agentes econômicos, so-ciais e políticos é fundamental para a determinação da estrutura produtiva de qualquer região ou país. A falta de flexibilidade do modelo e a cooperação entre pou-cos, através do qual se “submete” a maioria, produzem insegurança e, com ela, a ausência de visão de médio e longo prazos, assim como o uso de tecnologias que utilizam pouco capital fixo. Um modelo aberto e flexível favorece a confiança e a aposta empresarial e social, que se traduz em um importante desenvolvimento econômi-co e social.

26 Para uma explicação mais detalhada, ver J. M. Pascual Esteve, Estrategia Urbana y Gobernan-za. Barcelona: Ed. Diputación de Barcelona (Área de Promoción Económica), 2007.

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A presença de redes de atores para o desenvolvimento de pro-• jetos-chave e complexos. Os projetos em rede permitem ar-ticular os esforços de distintos atores públicos e privados, ao serem capazes de combinar os diferentes interesses e desafios de objetivos comuns e socialmente úteis.

A estratégia territorial exige o compromisso de ação por parte dos principais atores do território para desenvolvê-la. Porém, a partir de uma posição de atores entendidos como organizações coerentes em si mesmas, com rela-ções entre elas frequentemente conflitantes, é necessário um processo de construção de redes até que os compro-missos concretos de ação sejam alcançados. Isto a partir de uma situação inicial distinta em cada território, até que as relações entre os âmbitos público e privado, entre administração e sociedade sejam situadas no terreno da corresponsabilidade.

Este processo de melhoramento relacional27 deve ter um tratamento coordenado, mas, logicamente, diferenciado do processo de definição da estratégia territorial. O re-sultado do processo é conseguir a identificação de uma estratégia concreta com um compromisso claro de ação. Uma cultura de ação e compromisso cívico• distanciada tanto da cultura da satisfação quanto da queixa, do burocratis-mo e do niilismo. A cultura de ação deve proporcionar:

Um sentimento de enraizamento e identificação com ✦✦

a cidade ou região. Dispor de um sentido coletivo aberto, não fechado.Atitude aberta, tanto à inovação como à integração ✦✦

social e cultural de novas pessoas e à inserção em

27 Ver a respeito X. Mendoza, “Las transformaciones del sector público en las sociedades avanzadas: Del Estado del Bienestar al Estado Relacional”, Papeles de Formación de la Di-putación de Barcelona (1996) e A. Vernis, “La relación público-privada en la provisión de servicios sociales”, Papeles de Formación de la Diputación de Barcelona (1995).

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estratégias territoriais mais amplas que o próprio mu-nicípio, a própria região e nação. Esperança realista no futuro, que permita ver além da ✦✦

realidade, se esta é sombria (“Queremos promessas, não mais a realidade”, diziam os argentinos duran-te uma de suas crises econômico-financeiras), e que gere expectativas racionais nas inversões de capitais e nos esforços humanos.Legitimação e reconhecimento social da figura da ✦✦

pessoa e instituição promotora.Respeito e confiança na atuação dos outros atores, ✦✦

que é a base para a geração do capital social. O apoio social e a participação cidadã• . As estratégias e os principais projetos estruturantes devem dispor de um importante apoio social, e este será mais efetivo se a participação cidadã for estimulada e garantida, enten-dida em dois sentidos: como garantia de que seus prin-cipais desafios e expectativas serão considerados nas es-tratégias, e como condição para sua responsabilização e envolvimento social gerador de capital social.A existência de lideranças formais e informais entre os atores • institucionais-chave, com capacidade de aglutinar e repre-sentar a maioria dos interesses, pactuar e respeitar insti-tucionalmente suas decisões. A liderança principal deve corresponder, como já assinalamos, à instituição mais democrática, isto é, a escolhida por toda a cidadania. Do contrário, nos encontraríamos com uma liderança corporativa a partir da qual não é possível construir o interesse geral, uma vez que se reduz ao corporativo. Como assinala J. Subirats, “o grau de liderança das ins-tituições representativas no processo de governança das comunidades vai derivar de sua capacidade para envol-ver o restante dos atores, agentes e pessoas presentes

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na sociedade na construção de um modelo de futuro compartilhado”.28

A articulação de políticas regionais e locais.• Trata-se de con-ceber a região como sistema de cidades e municípios, com capacidade de:

Combinar as políticas regionais e locais com objetivos ✦✦

e instrumentos no conjunto do território, com as es-tratégias locais com capacidade de dar especificidade e integridade ao conjunto de ações, fortalecendo a cooperação pública e a colaboração cidadã. Articular os municípios não a partir de uma organi-✦✦

zação territorial fixa, mas de uma maneira flexível e adaptável em função do projeto-rede. Quer dizer, dos territórios que abarcam o desenvolvimento do proje-to. Dispor de regras de jogos formais e informais que ✦✦

pautem a interação entre administração regional e as municipais, assim como as intermunicipais.

A habilidade de uma cidade para posicionar-se frente ao futu-• ro. Isto é, a capacidade de antecipar-se a novos desafios, renovando permanentemente a estratégia, gerando novos projetos e dando novos enfoques aos temas sociais.

A gestão relacional é a modalidade de gestão característica da governança

O fato de serem as cidades os principais centros de inovação e desenvolvimento econômico e social dos países deve-se, fun-damentalmente, à densidade das interações entre seus distintos

28 J. Subirats, “¿Qué gestión pública para qué sociedad?. Una mirada retrospectiva sobre el ejercicio de la gestión pública, en las sociedades europeas actuales” em Instituto de Gobier-no y Políticas Públicas. UAB.

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membros e organizações. Da complexidade, diversidade, inten-sidade e qualidade dessas interações dependerão as vantagens comparativas do desenvolvimento humano que uma cidade ou região metropolitana terá.

A gestão relacional é o tipo de gestão pública que, no nosso caso, é levada a cabo pelos governos territoriais para incrementar a intensidade, qualidade e diversidade das interdependências e interações dos atores econômicos, sociais e institucionais e os dis-tintos setores da cidadania. Seu objetivo é melhorar a criatividade, a confiança, a colaboração e a cultura empreendedora e de ação cívica do conjunto da cidadania para conseguir, coletivamente e de maneira compartilhada e cooperativa, um maior desenvolvi-mento humano.

A gestão relacional é própria do que se denominou socieda-des inteligentes, ou seja, aquelas que, segundo as palavras de A. Marina, incrementam a capacidade de criação e de solidariedade dos cidadãos.29

Logicamente, a pretensão não é gerenciar todas as relações sociais, mas tão somente aquelas que têm relação com a cons-trução compartilhada do desenvolvimento humano. Os âmbitos privilegiados da gestão relacional entre os governos territoriais e a sociedade civil são:

Por um lado, as relações com os agentes com maior capacida-de de transformação do território, via recursos e competências ou sua legitimação social pelo conhecimento e estatura moral. Neste grupo encontramos:

As relações intergovernamentais: tanto entre diferentes • níveis de governo em distintos âmbitos territoriais, como relações multilaterais entre governos do mesmo nível territorial, sejam intermunicipais ou inter-regionais.

29 J. A. Marina, La inteligencia fracasada. Barcelona: Editorial Anagrama, 2004.

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As relações com grandes instituições: universidades, centros • de pesquisa e desenvolvimento, câmeras de comércio, fun-dações culturais e educacionais de prestígio, igrejas, etc.As relações com o setor econômico privado: setores eco-• nômicos produtivos e financeiros, empresas de capital de risco, confederações e associações empresariais, etc.As relações com agentes sociais e profissionais: sindica-• tos, agremiações profissionais, associações de morado-res, importantes movimentos sociais, etc.

Por outro lado, relações destinadas a articular o tecido social e fortalecer o capital social do território:

As relações com entidades sociais que têm também um • papel de intermediação.Uma tarefa de mediação para alcançar um espaço de • inter-relação entre entidades sociais.

Por último, sem que neste caso signifique em absoluto baixa prioridade:

Relações diretas com os cidadãos entre os períodos elei-• torais. É importante dispor de múltiplos mecanismos de informação, comunicação e deliberação tanto para co-nhecer diretamente opiniões, desafios e necessidades, e conseguir, efetivamente, que as políticas respondam aos interesses do conjunto da cidadania, como para fortale-cer uma cidadania ativa.Participação eleitoral. Deve ser considerado que são as • eleições democráticas o principal e mais decisivo modo de assegurar que as políticas governamentais tenham em conta as preocupações dos cidadãos. A qualidade da representação é o que há de essencial numa democra-cia e a liderança baseada na representação é o principal fator de êxito na governança democrática.

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A gestão relacional se assenta em um conjunto de técnicas e instrumentos

A gestão relacional como instrumento de governança não é somente um enfoque da realidade social e, em especial, do modo de governar. Ela necessita também de técnicas e instrumentos que façam dela um mecanismo eficaz do desenvolvimento humano. Precisamente, este novo enfoque é o que permite transformar no-vos métodos em instrumentos de gestão ou identificar e adaptar antigas técnicas, propiciando-lhes um papel renovado na gestão das relações sociais.

Sem dúvida, o avanço da gestão relacional e as próprias trans-formações que sua aplicação propicia condicionarão o surgimento de novas técnicas e o aperfeiçoamento das existentes.

Em uma publicação da Área de Promoção Econômica da Pro-víncia30de Barcelona, expliquei em detalhes as características de uma série de técnicas que já demonstraram sua eficácia na gestão relacional, e que enumero a seguir para que o leitor tome conhe-cimento do amplo leque de ferramentas já existente:31

Os planos estratégicos• , desenvolvidos nos territórios a par-tir da cooperação público-pública e público-privada e a participação cidadã, constituem um bom início da ges-tão relacional própria da governança ao dotar os territó-rios de uma estratégia compartilhada entre os principais atores e com um amplo apoio social. O planejamento estratégico, assim entendido, constitui a fase inicial ou

30 No original, Diputación (Província). Trata-se de um governo supramunicipal de âmbito territorial denominado Província. Na Espanha, a organização territorial é a seguinte: os municípios se agrupam em Províncias e estas se agrupam em Comunidades Autônomas (equivalentes aos estados no Brasil). Os órgãos de governo da Província são eleitos pelas prefeituras em função do número de vereadores, que, por sua vez, depende do tamanho da população do seu município. (Nota do tradutor)

31 J. M. Pascual Esteve, Estrategia Urbana y Gobernanza, op. cit.

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fase de planejamento propriamente dito da gestão das interdependências ou gestão estratégica.32 A metodolo-gia dos planos estratégicos é um bom instrumento para o início da governança territorial.33 A negociação relacional dos conflitos públicos• . As técnicas de negociação relacional constituem um bom instrumen-to para o desenvolvimento da gestão de interdependên-cias ou gestão relacional. A negociação relacional é um tipo de negociação com características próprias, porque o resultado buscado por parte de um dos negociadores é consolidar e melhorar a relação entre os protagonistas para obter maior confiança mútua e poder desenvolver projetos com base na cooperação. Técnicas de mediação• . No paradigma do governo geren-cial, era costume o governo ser uma das partes. Em con-flitos entre grupos sociais no território, é difícil encontrar o governo fazendo o papel de mediador entre os atores. Na perspectiva da governança, em que os governos lo-cais e regionais assumem a liderança na construção cole-tiva do território, a mediação é, sem dúvida, um dos re-cursos dos políticos e profissionais da administração. Na mediação, o papel da administração é intervir para que uma situação conflituosa entre atores sociais possa en-contrar uma solução e, no processo, melhore a imagem das partes e a confiança entre elas. A ação do governo é a de ser catalisador de um acordo sem converter-se em parte do mesmo.

32 Para o desenvolvimento desta tese, ver J. M. Pascual Esteve, De la planificación a la gestión estratégica. Barcelona: Ed. Diputación de Barcelona, 2001.

33 J. M. Pascual Esteve, La estrategia de las ciudades. Los planes estratégicos como instrumento: métodos, técnicas y buenas prácticas. Barcelona: Ed. Diputación de Barcelona, 1990. Neste li-vro exponho um conjunto de métodos e técnicas que são úteis para a elaboração de planos estratégicos territoriais que servem como início da governança.

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Técnicas de participação cidadã e apoio social às políticas • públicas. Das estratégias de participação deve-se passar à participação como estratégia para fortalecer a capaci-dade de organização e ação. Das inúmeras técnicas de participação, na área da gestão relacional, são especial-mente úteis as que: (1) se baseiam em procedimentos claros e simples, com finalidades precisas que facilitam a expressão de ideias e desafios sobre um tema ou as-sunto e, naturalmente, impedem que se prolonguem eternamente os debates. Participação é método e orga-nização. Do contrário, a participação se reduz a poucos participantes, pouco reflexivos, dado que seu interesse é menos convencer do que se impor pelo cansaço; (2) aju-dam a gerar confiança, colaboração e responsabilidade cidadã nos acordos realizados; (3) permitam legitimar objetivos e projetos da cidade e obter um importante apoio da cidadania aos mesmos.Métodos e técnicas de gestão de projetos em rede.• As téc-nicas para a gestão de redes são fundamentalmente de dois tipos: a gestão da dinâmica da rede, que abarca desde a inclusão dos atores-chave ao fomento de pro-jetos que consolidem os interesses comuns. As técnicas de gestão de estruturas para adequá-las aos objetivos para os quais foram criadas e permitam fortalecer uma cultura ou uma perspectiva comum. É particularmente útil para a gestão de redes o uso das matrizes de atores no marco da gestão sistêmica por objetivos.34

Gestão da cultura empreendedora e cívica da cidadania.• A tecnologia para fortalecer as características de uma cul-tura empreendedora e de ação entre a cidadania é muito

34 Ver J. M. Pascual Esteve, La estrategia de las ciudades: métodos, técnicas y buenas prácticas. Barcelona: Ed. Diputación de Barcelona, 1999, pp. 157-162.

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recente e tive a oportunidade de sistematizar os indi-cadores para o monitoramento de sua evolução através de pesquisas aleatórias e por amostragem para o Cen-tro de Estratégias e Desenvolvimento de Valência (Ceyd, na sigla em espanhol). O processo de gestão da cultura empreendedora exige, na perspectiva da governança de-mocrática, uma grande transparência e um acordo de-mocrático entre os principais setores da cidadania para desenvolvê-la.

Não obstante, dispomos de instrumentos cujos efeitos podem ser observados em curto prazo, muito embora sejam poucos os resultados conjunturais. Referimo-nos às técnicas de “city ou regional marketing” interno, ou seja, o marketing voltado para a identificação dos pró-prios cidadãos com o seu território.

A respeito do marketing interno, do ponto de vista da governança, é recomendável o enfoque e as metodo-logias propostas por T. Puig, relacionadas à criação de uma marca do território construída de maneira coletiva e com capacidade de convencer e comover.35 É aconse-lhável adotar o posicionamento do Ceyd relativamente à gestão da memória, cujo direcionamento deve estar vol-tado para a geração de uma consciência coletiva capaz de unir tradição e modernidade e aproveitar o passa-do para fundamentar aspirações e valores democráticos e solidários para o presente e o futuro, isto é, olhar o passado com os olhos do futuro, tal como observava H. Arendt.36

35 Ver T. Puig, La Comunicación cómplice con los ciudadanos. Madri: Siglo XXI, 2003.

36 Ver J. M. Pascual Esteve, “La gestión de la memoria en la estrategia de las ciudades”. Revista del CEYD, Valência, 2005.(www.ceyd.org)

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“Coaching” para a liderança relacional.• Na governança, o que se fortalece é o valor da representação do políti-co, e dele se requer capacidade para escutar, dialogar, compreender, convencer, comover e motivar para a ação coletiva e para a responsabilização e compromisso social da cidadania. Por outro lado, na governança os resultados da sua ação • já não são tanto os serviços, e sim o nível geral do desen-volvimento econômico e social alcançado no território durante seu mandato e o grau de coesão social alcança-do com a cidadania. É preciso apresentar o balanço da sua gestão relacional, e para isso são necessárias novas formas, novas atitudes e novas habilidades. As técnicas de construção de consensos.• Não é necessário insistir na importância destas técnicas na governança. De fato, as técnicas anteriormente citadas sobre nego-ciação relacional e participação cidadã incluem neces-sariamente o consenso. Mas existe uma grande plurali-dade de metodologias e técnicas amplamente testadas, além das citadas, que devidamente adaptadas podem ser utilizadas nos diferentes âmbitos em que se desen-volve esta nova arte de governar.O enfoque abrangente nas ciências sociais.• Na governança é necessário compreender o que diz cada ator em seu contexto social e poder entender não apenas o que ex-pressa, mas como e porque o diz. A compreensão dos atores e a análise dos conflitos, a partir das distintas perspectivas das partes, são condições absolutamente necessárias, embora naturalmente insuficientes para o bom desenvolvimento da governança. Trata-se de fazer inteligível a base subjetiva em que repousam os fenô-menos sociais; a análise objetiva desses fenômenos é perfeitamente possível e compatível com o fato de que

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as ações humanas têm um caráter subjetivo. Este enfo-que, também denominado interpretativo da ação so-cial, tem em Max Weber seu autor mais clássico, e está voltado para a compreensão do sentido de uma ação para um ator, dando a conhecer os motivos entre a ati-vidade objetivamente observada e seu sentido para o mencionado ator.37

A direção sistêmica por objetivos.• 38 As técnicas de admi-nistração por objetivos são um bom instrumento para a gestão relacional. Não é este o caso da direção baseada em procedimentos protocolizados para se chegar a um resultado, uma vez que se trata de estabelecer objeti-vos comuns a um conjunto de atores que constituem um sistema social e, de acordo com eles, concretizar de ma-neira inovadora seus objetivos através de projetos cujo gerenciamento deve ser feito em rede.

Para desenvolver-se, a governança precisa ter êxitos eleitorais visíveis

Como já observado, o governo relacional, com a governança como seu modo específico de governar, é um novo paradigma que está avançando nas ciências sociais, embora não constitua o modo de governar habitual nem na América nem na Europa. Para desenvolver-se, além das técnicas, a governança precisa de conte-údos nas políticas públicas e, especialmente, de êxitos eleitorais visíveis.

37 Podemos encontrar a exposição metodológica da sociologia compreensiva em Sobre la Teo-ría de las Ciencias Sociales (Barcelona, Península, 1971) e também em Economía y Sociedad, op. cit., no qual mantém a importância da subjetividade para a análise sociológica.

38 Para conhecer o enfoque sistêmico, recomenda-se a leitura de L. Bertalanffy, La Teoría Ge-neral de Sistemas. Madri: F.C.E, 1981.

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Atualmente, e apesar da sua crise, é o governo gestor com o seu modo gerencial de governar que constitui a forma dominante de fazer política. Sem dúvida, uma das razões que explica a per-manência do “gerencialismo” como modo habitual de governar é que se acha amplamente na consciência das pessoas o modo ge-rencial como a forma correta de fazer “política” (confundindo-se a prática dominante e o hábito com a postura correta e adequada). Considera-se que a política demanda o cidadão (sem ter em conta que, neste caso, se observa a lei de Say, que nos diz que a oferta, no caso a política, condiciona a demanda) e que qualquer posi-cionamento transgressor do modo de governar citado tende a ser rechaçado. A governança deve superar estes grandes obstáculos para se constituir como modo comum de governar os territórios.

Por isso, como qualquer paradigma social em fase inicial, a governança só avança em experiências pontuais. Alguns poucos dirigentes políticos inovadores, em circunstâncias determinadas, colocaram em prática processos de governança, muitas vezes sem conceituá-los como tal.

Essas experiências devem ser objeto privilegiado de análise e divulgação para melhorar o entendimento e possibilitar a concre-tização deste modo de governar, sobretudo se com a implantação da governança for constatado um importante progresso econô-mico e social através da colaboração entre governo e sociedade civil. Em especial, são importantes para a superação dos velhos modelos políticos a análise e divulgação dos êxitos eleitorais obti-dos depois da aplicação das políticas baseadas no novo modo de governar. Estes são os principais caminhos para gerar um “caldo de cultura” idôneo para o surgimento de novas experiências de governança, para romper o obscurantismo na cultura política re-presentado pelo gerencialismo.

A governança como modo de governar tem uma grande au-tonomia em relação aos conteúdos das políticas, mas esta auto-

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nomia não é total. Existem as condições especiais, econômicas e sociais, que favorecem esta nova arte de governar.

Os conteúdos concretos das políticas dos governos territoriais condicionam o bom desenvolvimento da governança. Sem dúvida, uma opção por uma cidade compacta, não segregada, baseada na complexidade e diversidade das relações humanas no espaço pú-blico, favorece a gestão relacional de qualidade. O envolvimento dos usuários e familiares nos programas voltados para o bem-estar social e para a educação, a difusão dos valores relacionados ao sentimento de “pertencer”, o comprometimento e a atribuição de um valor simbólico aos espaços coletivos, para convertê-los em lugares de encontro e convivência, são também condicionantes que favorecem o desenvolvimento do governo relacional e da go-vernança como modo de governar as cidades.

Os objetivos do Movimento AERYC (América-Europa de Re-giões e Cidades) para a governança territorial têm esta tríplice finalidade: análise e divulgação das técnicas e instrumentos de gestão relacional e governança; boas práticas de desenvolvimento humano e êxito eleitoral baseado na governança; e identificação de conteúdos para a promoção da governança. Esta última, a par-tir da perspectiva dos grandes desafios confrontados pelos territó-rios: cidades, regiões, imigração, gestão do tempo, etc.

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3. O Governo Relacional e a Governança se assentam nas mudanças sociais e na

emergência da sociedade-rede

idEiAs principAis nova DesiGualDaDe social e nova visão Da pobreza.1. a inDiviDualização Das relações sociais e a Geração De capital 2. social.risco e vulnerabiliDaDe social.3. imiGração: iDentiDaDe e multiculturaliDaDe.4. muDanças na família: socialização com base na DiversiDaDe 5. De famílias.a ciDaDe à meDiDa Das mulheres: uma exiGência.6. uma nova visão Do tempo e espaço na socieDaDe-reDe.7. a centraliDaDe Dos valores na orGanização social.8. a Globalização Do social.9. muDanças nas formas De prestação e Gestão Dos serviços De 10. bem-estar social

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o GovErno rElAcionAl E A GovErnAnçA sE AssEntAm nAs mudAnçAs sociAis E nA EmErGênciA dA sociEdAdE-rEdE82

A mudança nas formas de governar os territórios não se justifica apenas pela necessidade de governar aprofundando a democracia e para alcançar maior eficácia e eficiência das políticas públicas, mas pelo fato de que está ocorrendo uma grande transformação em nossa sociedade que afeta a economia, a estrutura social, a organização do espaço, a educação, a cultura e, naturalmente, a estrutura do governo e o modo de governar.

Estamos vivendo o processo de transição da sociedade indus-trial para a sociedade-rede ou sociedade do conhecimento. Isto significa uma mudança social tão importante como foi a passagem da sociedade agrícola e artesanal à sociedade industrial.39

A sociedade-rede assentada nas tecnologias da informação e comunicação tem na geração do conhecimento e na inovação, a partir da interação de diferentes agentes (pessoas, empresas, atores, setores produtivos, etc.), a principal fonte de valor agre-gado. A principal fonte de produtividade é o capital cultural ou intelectual, que é gerado e fortalecido a partir da qualidade e intensidade das interações humanas e empresariais, ou seja, da qualidade da organização das redes. Nas últimas etapas da socie-dade industrial, predominava a organização fordista, e uma de suas principais características era a absorção pela empresa, na sua própria estrutura, da maioria das funções relacionadas com a pro-dução (marketing, assistência jurídica, comercialização, etc.). Na atualidade, e dada a necessidade de inovar permanentemente, as empresas se especializam de maneira flexível naquilo que é a sua atividade central e terceirizam a maior parte das atividades de apoio à sua produção específica. Os conceitos de inovação, flexibilidade e adaptabilidade substituíram a especialização, con-tinuidade e reprodução de atividades e produtos.

Neste capítulo não vamos descrever todas as mudanças que afetam a transformação das nossas cidades. Trataremos tão so-

39 Ver M. Castells, La Era de la Información. Madri: Ed. Alianza, 2000. Vol.I.

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mente daquelas que atingem mais diretamente a situação social das pessoas e grupos sociais, particularmente dos que se relacio-nam mais diretamente com as políticas de bem-estar social e sua gestão por parte dos governos locais.

No quadro seguinte, observamos as interdependências das mudanças tecnológicas, econômicas e sociais e, muito especial-mente, das transformações sociais. Identificamos os principais de-safios sociais que a gestão estratégica das cidades deve se propor enfrentar, isto é, aquela gestão cujo objetivo seja conduzir a cida-de a patamares de maior qualidade de vida na sociedade global da informação e do conhecimento.

Para simplificar, só assinalamos no quadro a influência da tec-nologia nos desafios sociais, e omitimos o impacto destes desa-fios na tecnologia. Não obstante, devemos ter presente que existe uma interdependência dos distintos âmbitos estruturais e variáveis que o conformam.

Tecnologia Economia Estrutura Social Desafios Sociais

Informação a comunicação

Genética

EconomiaInformacionalou doconhecimento

EconomiaGlobal

NovosSetoresEconômicos

Os Desafios SociaisAnálise de tendências

Estrutura ocupacional

Mercado de trabalho

Sociedade risco

Imigração terceiros países

Sociedade-rede

Importância capital social

Reestruturação do Estado do Bem-Estar

Novo papel dos territórios

Centralidade ética e valores

Nova desigualdade

Individualização das relações sociais

Nova pobreza

Risco e vulnerabilidade

Identidade / Multiculturalidade

Mudanças na famíliaIgualdade de gêneros

Crise fórmulas de intervenção

Crise na organização dos benefícios

Globalização do social

Cultura dos valores

Desa

fios S

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tura

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Econ

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A seguir, descrevemos os desafios sociais a partir das mudan-ças que estão ocorrendo na estrutura social das cidades.

Nova desigualdade social e nova visão da pobreza

O fundamental para entender os novos processos de dualida-de e polarização social nas cidades, anteriormente mencionados, é compreender que existe uma mudança no principal fator de geração das desigualdades de renda e poder em relação às ci-dades industriais. Nestas, era o acesso à propriedade do capital o fator fundamental para organizar os processos de produção e distribuição social dos bens e serviços na cidade, e, em especial, para alcançar um maior retorno econômico. Da renda dependia em boa medida o acesso à melhor educação, saúde, cultura e la-zer. Daí resulta terem os benefícios do Estado do Bem-Estar Social sido direcionados tanto para assegurar a universalização dos ser-viços sociais, educacionais e de saúde básicos como para garantir determinados níveis de renda para setores vulneráveis da popula-ção – aposentados, desempregados, portadores de necessidades especiais –, como melhor forma de lutar contra a pobreza e a desigualdade social.

Na atualidade, a União Europeia considera a pobreza em ter-mos relativos de desigualdade. No II Programa de Luta contra a Pobreza, esta foi definida como aquela situação em que se encon-tram as famílias que recebem menos da metade da renda média da sociedade de referência. Esta definição continua hoje vigente no âmbito europeu.

Na cidade da informação, o acesso ao capital cultural está se constituindo o principal fator gerador da desigualdade social, ainda que não o único. Nela, o fundamental é a capacidade de transformar a informação em conhecimento. Este é o principal gerador de valor agregado. O capital cultural não é conhecimen-

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tos concretos sobre arte e ciências. Capital cultural é a capacida-de socialmente adquirida de produzir conhecimento partindo do acesso universal à informação. Capital cultural é proporcionado pelo domínio da linguagem, do conhecimento de conceitos, das técnicas de raciocínio, da faculdade de criar e imaginar; é conheci-mento e atitude positiva em relação à inovação e à aprendizagem constante durante toda a vida.40

O capital cultural é fruto de uma educação em sentido amplo, que acontece na família, na escola, nas interações sociais. Depen-de da intencionalidade educativa que se atribua aos processos de socialização primária e secundária que acontecem na cidade.

Nem a igualdade de oportunidades, nem a redução da po-breza podem ser alcançadas através da garantia de acesso aos serviços básicos e níveis de renda mínima. Isto será uma condição necessária, mas não suficiente. Para garantir habilidades sociais, educacionais e culturais básicas, será preciso desenvolver uma ação social global. Só assim poderão ser dadas oportunidades à equidade na sociedade do conhecimento.

A criação de conhecimento vem sendo o primeiro fator gera-dor de renda, e o domínio social e empresarial se consolidam por esta via, como já observado por sociólogos e economistas como J. K. Galbraith, A. Gouldner, N. Bentham e A. Touraine. São os novos intelectuais, a inteligência, ou uma nova classe dirigente, cujos instrumentos de poder são a capacidade de criar e gerir co-nhecimentos.

Junto a este novo fator diferencial dos processos de desigual-dade contemporâneos, encontramos outras singularidades espe-cíficas. Em primeiro lugar, a dualização da estrutura ocupacional urbana. A terceirização nas cidades se desenvolve em dois polos muitos diferentes, o crescimento dos serviços avançados que re-quer uma força de trabalho muito qualificada e, também, o in-

40 B. Bernstein, Clases, Códigos y Control. Vols. I e II. Madri: Ed. Akal, 1988 e 1989.

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cremento do terciário de baixa qualificação, muito relacionado com os empregos pouco qualificados no setor de lazer e hotelaria. Porém, também empregos relacionados com o que se denomina bolsa de empregos intensivos em mão-de-obra. Este é o caso dos serviços de ajuda a domicílio, assistência doméstica, lavanderia, mensagens e etc. Os empregos intermediários diminuem seu peso relativo, correlacionados com a redução do tamanho da indús-tria, do impacto das tecnologias da informação e das técnicas de gestão baseadas na reengenharia de processos, que reduzem os postos de trabalhos intermediários.

A oferta de postos de trabalho de baixa qualificação nas cida-des europeias e norte-americanas constitui um atrativo para imi-grantes de países do Terceiro Mundo, e um incentivo para empre-gadores abrirem o mercado de trabalho aos estrangeiros.

A individualização das relações sociais e a geração de capital social

A inovação constante em processos e produtos exige flexibi-lidade na estrutura ocupacional, para o que se requer uma força de trabalho com uma ampla formação de base polivalente que a permita adaptar-se às mudanças no sistema produtivo.

A individualização das relações trabalhistas é outra caracterís-tica da era da informação e do conhecimento. A especialização flexível e a tendência já assinalada de as empresas formarem re-des locais e internacionais reduzem o tamanho de cada uma das unidades produtivas tomadas individualmente. Do mesmo modo, o trabalho com tecnologias da informação, da comunicação e também da robótica, individualiza os processos de trabalho e, ao contrário do trabalho mecânico da sociedade industrial, os traba-lhadores na era do conhecimento não se submetem às maquinas e controlam o processo produtivo de maneira individual e não coletiva.

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Isto faz com que as organizações trabalhistas e, principalmen-te os sindicatos, cujas estruturas e objetivos surgiram na era in-dustrial, estejam atravessando um processo de crise de adaptação para preservar a dignidade das condições de trabalho dos novos tipos de trabalhadores – com a tipologia mais ampla e diversifi-cada de postos de trabalho, mais fragmentados em um maior nú-mero de empresas, com maior autonomia no processo produtivo e formação, e inseridos em um ambiente que está mudando o processo de formação das classes sociais.

Isto não quer dizer que não existam desigualdades sociais, inclusive desigualdades crescentes. Porém, as desigualdades ba-seadas na organização em classes sociais e, em especial, na cons-ciência de classe, perderam sua posição principal ou centralidade na sociedade.

A individualização nas relações trabalhistas se articula com a maior individualização das relações familiares, resultantes da revo-lução social nas práticas sociais e nos valores que as legitimavam, representada pelo processo de autonomia da mulher através de sua plena incorporação à educação superior, ao mercado de tra-balho e à atividade política. Uma sociedade mais individualizada não significa, necessariamente, uma sociedade mais egoísta e com maiores níveis de isolamento, mas simplesmente uma sociedade menos determinada pelas ações coletivas e mais sujeita às ações de cada uma das pessoas que formam a sociedade concreta.

Individualização significa, por um lado, um processo de des-vinculação das instituições e grandes organizações sociais e, por outro, um processo de nova vinculação a outras formas de vida social em que os indivíduos adquirem uma maior importância no desenvolvimento de suas próprias biografias.

O florescimento das ONGs nas cidades pode ser relacionado com o trabalho de intermediação que elas exercem entre as pes-soas e a sociedade. Quer dizer, uma intermediação mais flexível e atenta às particularidades ou singularidades pessoais, de cará-

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ter mais voluntário e menos coercitivo do que as grandes orga-nizações tradicionais – partidos, sindicatos e igrejas. A cidade é cada vez menos um sistema baseado nas grandes organizações, estruturando-se mais através do conjunto de redes de atores insti-tucionais e pessoais que se formam nos âmbitos da economia, da cultura, da política e da ação comunitária.

As transformações sociais urbanas situam o indivíduo, enquan-to tal, no centro das interações e relações sociais, e isto representa a crise dos modos de vida urbana tradicionais.

Em algumas cidades que se definem mais por sua constante transformação do que por sua ordem social, não existe, como observou A. Touraine,41 nenhum outro lugar fora do próprio in-divíduo em que seja possível conjugar estratégias econômicas e identidades culturais. Um novo direito específico emerge em nossas sociedades caracterizadas pela globalização econômica e pelo encontro de culturas, o direito à individualização, que se-gundo o citado sociólogo tem que fortalecer a capacidade de cada ator individual ou coletivo alcançar a individualização, isto é, dar um sentido geral e próprio ao conjunto de condições das interações e comportamentos que formam sua existência e, por-tanto, a transformam em uma experiência.

Neste sentido, as sociedades contemporâneas, ao se ba-searem mais nos indivíduos do que nas grandes organizações (igrejas, sindicatos, partidos...) e grupos sociais (classes, coo-perativas profissionais, grupos com status social elevado...), fa-cilitam as relações horizontais entre a cidadania e, com isso, a criação de capital social.

Por capital social se entende “as expectativas de cooperação alimentadas por redes institucionais – as associações – que se ma-terializam em pautas de cooperação continuadas”.42

41 Ver A. Touraine, Igualdad y Diversidad. México: F.C.E., 2001.

42 Ver C. Boix, Introdução ao livro Para que la democracia funcione. Barcelona: Ed. Proa, 2000.

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A geração de capital social, segundo o estudo de Putnam,43 é o que explica o maior avanço econômico e social e a qualidade da vida política democrática. A vantagem colaborativa é uma das principais forças motoras do desenvolvimento social, econômico e político, com um valor superior à disponibilidade de capital eco-nômico e à oferta de infraestruturas e serviços.

Gerar capital social nas cidades do conhecimento significa, hoje, em primeiro lugar, capacidade para criar os espaços nos quais cristaliza o movimento associativo. Porém, o florescimento de associações e seu fortalecimento é uma condição necessária, mas não suficiente. Para gerar capital social em uma cidade é pre-ciso que exista ajuda mútua entre associados e, muito especial-mente, que as finalidades associativas facilitem a cooperação para a produção de bens públicos. Uma cidade cheia de associações com finalidades singulares ou exclusivas para si mesmas será uma cidade com uma denominada sociedade civil organizada, porém incapaz de cooperar e promover confiança.44

A ampliação e o fortalecimento do tecido associativo para a geração de capital social são um desafio inevitável para os go-vernos locais que pretendem desenvolver sua cidade na era do conhecimento.

Dizer cidades da informação e do conhecimento é o mesmo que dizer cidades da educação, em que a educação geral aumenta notadamente e, sobretudo, um grupo social cada vez mais nume-roso dispõe de educação superior que se recicla, necessariamente, em períodos temporais cada vez mais curtos. Isto significa um au-mento do que Giddens denominou reflexividade social da cida-dania. Nestas condições a política democrática mais adequada é sem dúvida a que se baseia na autonomia dos cidadãos, na sua li-berdade, não apenas de eleger, mas também de produzir a opção

43 Op. cit.

44 Ver Boix, op. cit., pp. 20-29.

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mais interessante. A chave consiste na educação e na cultura de valores e solidariedade que permitam articular a autonomia como base de uma interdependência geradora de confiança, colabora-ção e sentido comunitário, potencializando de forma equilibrada o reconhecimento de direitos com os deveres ou responsabilida-des cidadãs.

Uma sociedade educadora dificilmente é compatível com a vi-são de uma gestão pública distante das preocupações e demandas dos cidadãos, como tampouco é compatível com um sistema de garantias de Direitos e Responsabilidades organizado com base no Estado-nação e concebido de cima para baixo. A democracia não apenas não corre perigo em um mundo global na era do conhe-cimento, como pode ser fortalecida e aprofundada se o governo democrático for concebido como um governo de proximidade, capaz de articular interesses e gerar colaboração e corresponsabi-lização. Ou seja, a democracia na nova cidade significa descentra-lização de competências e recursos para os governos locais, para que eles possam, como veremos, inaugurar uma nova forma de governar baseada na gestão de redes cidadãs.

Risco e vulnerabilidade social

O desenvolvimento da sociedade-risco impacta a nova estrutu-ração das relações sociais. Por um lado, a vulnerabilidade é conse-quência da individualização das relações sociais em um tempo de flexibilização da estrutura ocupacional, no qual as transformações econômicas e tecnológicas são constantes. Por outro, entretanto, a vulnerabilidade cria uma nova cultura de provisoriedade que está favorecendo tanto as respostas do tipo intimista, que buscam a segurança no próprio “eu” – seja do tipo espiritual, como o bu-dismo, as interpretações subjetivas do cristianismo, as psicológico-terapêuticas do tipo autoajuda, ou o apoio emocional. Ou, ainda, respostas do tipo social, criando culturas positivas para a mudança e inovação de natureza pessoal e, em especial, criando ou parti-

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cipando nas organizações sociais de caráter setorial ou territorial que estão na origem do aparecimento das teorias sobre o capital social e do novo impulso comunitário tão em voga na sociologia atual. Esta, sem dúvida, é uma perspectiva a ser incorporada nas políticas sociais urbanas que tenham como objetivo fortalecer a sociedade civil, e que são as que podem ser mais eficazes na cida-de contemporânea.

A vulnerabilidade social se associa diretamente a outra carac-terística da vida urbana atual, que é o risco. O fato de entender-mos nossas sociedades como sociedades de risco deve-se, funda-mentalmente, às pesquisas e reflexões de U. Beck.45 Este professor da Universidade de Munique considera o risco como uma carac-terística própria da cidade que se volta em direção ao futuro e que rompe efetivamente com o passado, com suas tradições e costumes. Não se trata de um risco externo à cidade, mas de riscos produzidos pela própria cidade em transformação, como a mu-dança nas relações familiares, na produção, na nossa intervenção no meio ambiente, nos sistemas de proteção e segurança social, na ruptura com as tradições. Trata-se de um risco produzido pela própria cidade (desenvolvimento da indústria genética, insusten-tabilidade, nova pobreza...).

Sociedade-risco significa que os conflitos sociais deixam de ser tratados como problemas de ordem e segurança e começam a ser considerados como problemas de risco. O que significa que não têm soluções preestabelecidas e inequívocas, mas que se distin-guem por sua ambivalência e podem ter suas “soluções” expressas em termos de probabilidade.

Assumir socialmente o risco significa optar por inovação46 e criação, e buscar a segurança assumindo os riscos e abandonando

45 U. Beck. La sociedad del riesgo. Madri: Ed. Paidós, 1992.

46 As respostas aos novos desafios e riscos a partir das visões e certezas das políticas próprias da sociedade industrial e do Estado do Bem-Estar Social contribuem para o colapso social.

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as certezas da sociedade industrial, afrontando e tentando dirigir as transformações.

Em outras palavras, trata-se de construir um projeto coletivo para dar intencionalidade às ações dos atores urbanos que são as geradoras de risco. Não optar por um projeto de futuro integral e integrador significa dar mais possibilidades ao desenvolvimento, em nossas cidades, das opções negativas de enfrentamento do risco, como o fundamentalismo – entendido como defesa de tra-dições inadequadas, por não serem mais funcionais para a garan-tia da qualidade de vida na cidade –, ou o racismo, como forma de culpar terceiros pelos riscos de perda dos costumes e tradições supostamente autóctones.

Imigração: identidade e multiculturalidade

O baixo crescimento vegetativo da população nas cidades eu-ropeias, conjugado ao incremento da oferta de postos de trabalho pouco qualificados e ao forte incremento da população ativa sem possibilidades de ocupação nos países pouco desenvolvidos, ex-plica o importante fenômeno imigratório que está ocorrendo em direção às principais cidades europeias.

Para entender este fenômeno e adotar uma perspectiva ade-quada ao seu tratamento é preciso perceber quatro questões im-portantes:

Mais do que um problema, a imigração será uma solu-• ção sempre que coincida com a existência de postos de trabalhos suficientes para serem oferecidos à população imigrante, e desde que não exista concorrência entre imi-grantes e a população local. A disputa por postos de tra-balho é a principal fonte de conflitos e segregação, que se expressa não poucas vezes em termos racistas por parte da população local com menor nível de qualificação. A correlação que os estudos sociológicos têm demonstrado

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no sentido de que um maior nível de escolaridade corres-ponde a atitudes menos xenófobas encontra explicação no fato de que a população qualificada não entra em dis-puta com os imigrantes, já que esta em sua grande maio-ria é uma força de trabalho de baixa qualificação. Em segundo lugar, os baixos níveis de renda e a necessi-• dade de encontrar grupos com a maior afinidade possível para relacionar-se fazem com que em todas as cidades existam sempre determinados bairros que funcionam, efetivamente, como receptores de imigrantes. Se a situa-ção de uma boa parte dos imigrantes é de pobreza ou de extrema pobreza e os governos locais não dispõem de recursos para investir na renovação urbana, serviços e equipamentos, tais bairros se degradam e a população local passa a atribuir à imigração tanto a degradação de suas condições de vida e de valor dos seus imóveis como a segregação social dos mesmos, particularmente se existe a presença de atividades ilícitas e o bairro é rotulado como perigoso. Em muitas ocasiões, os conflitos nesses bairros são rotulados como racistas, o que leva à segregação de seus moradores em dois grupos antagônicos, à intensifica-ção e ampliação dos mesmos e, o que é mais importante, a uma concepção inadequada de sua natureza, o que difi-culta encontrar uma solução baseada em acordo. A imigração estrangeira (e, em especial, a que vem de • lugares com idioma e religião significativamente diferen-tes aos do país receptor) se relaciona a setores da socie-dade receptora como fator de perda de identidade, de tradições e costumes. À parte a debilidade histórica e sociológica desta argumentação, posto que as configura-ções culturais e idiomáticas de um país em um momento dado costumam ser produto da interação de realidades culturais plurais ao longo de sua história, é certo que hoje (como consequência da globalização e do encontro

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cultural ao nível planetário, assim como da individuali-zação das relações sociais) nos encontramos diante de uma reafirmação da identidade ou singularidade terri-torial e cultural. Esta identidade entendida como sentimento de pertencer, • como uma expressão de singularidade cultural que intera-ge no interior da cultura universal em constante mudan-ça, conduz à modernidade e à convivência e criatividade cultural, e à globalização da diversidade, segundo os es-pecialistas.47 Porém, sem uma política ativa de respeito ao pluralismo e de tolerância cultural, facilmente podem unir-se, numa mesma visão segregacionista, a reafirmação da identidade com a defesa fundamentalista das tradi-ções, costumes, e uma intolerância às expressões culturais respeitosas dos direitos humanos dos novos cidadãos.48

Em resumo, a verdadeira globalização cultural acontece nos municípios, nas cidades, que são o espaço de relacionamento, de encontro, de formação de amizades e inimizades entre pessoas de diferentes origens culturais. As cidades se encontram ante um fenômeno com novas dimensões, e não somente o seu futuro de-penderá do tipo de ação coletiva que triunfe em cada uma delas e das possibilidades de atuação dos governos locais, como depen-derá também a convivência do planeta, que cada vez mais é um sistema de articulação de cidades.

Mudanças na família

A família formada por dois cônjuges e seus descendentes é, cada vez mais, apenas um dos diferentes modelos de família que

47 Ver, por exemplo, U. Beck, La democracia y sus enemigos. Madri: Ed. Paidós, 2000, e M. Castells, La era de la información. Vol. II. El poder de la Identidad. Madri: Ed. Alianza, 2001.

48 Ver G. Sartori. La sociedad multicultural. Madri: Ed. Taurus, 2001.

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encontramos na cidade atual. Sobressai o aumento das famílias monoparentais por diferentes razões:

O envelhecimento da população faz com que existam • cada vez mais famílias monoparentais pelo falecimen-to de um dos cônjuges, geralmente o homem, devido à maior expectativa de vida da mulher. Este fato se vincula à separação física dos pais e filhos no território metropo-litano. Isto dificulta a ajuda mútua no seio da família e, portanto, gera maior dependência dos serviços sociais. Por outro lado, há também o aumento das famílias mo-• noparentais chefiadas por jovens, principalmente de mu-lheres com filhos, devido ao rompimento do casamento. Este tipo de família é consequência direta do processo de emancipação das mulheres.

Em um patamar inferior ao das famílias monoparentais, po-rém em ascensão, encontramos famílias polinucleares, nas quais convivem chefes de família de diferentes núcleos familiares. Esta é uma das consequências da pobreza em que vivem muitos imi-grantes, que se veem obrigados a reagrupar distintas famílias ou membros de distintos núcleos familiares em uma só família.

A existência de casais de fato, ainda em que muitas cidades te-nha pouca relevância estatística, é sem dúvida um fenômeno com tendência a crescer, particularmente se tomamos como referência o que ocorreu nos países do norte da Europa.

Este crescimento da tipologia familiar tem consequências muito importantes, que superam as evidentes implicações para o mercado imobiliário e se vinculam à programação de novos serviços de assis-tência e, muito especialmente, ao estímulo dos processos de ajuda mútua extrafamiliares, em particular nos bairros e setores sociais.

Por outro lado, em uma perspectiva de apoio social que consi-dere a grande maioria da cidadania, o pluralismo no convívio em nossas cidades faz com que se tenha que falar mais de políticas de família do que de política de apoio à família.

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A cidade à medida das mulheres

Observamos a importância da emancipação das mulheres, ao referirmo-nos ao processo de individualização das relações sociais e às mudanças na tipologia das famílias na cidade contemporânea.

Porém, é necessário dedicar uma seção específica ao que, sem dúvida, é o processo de mudança mais importante nas relações sociais que atualmente está acontecendo nas cidades do Ocidente: a chamada revolução das mulheres.

Trata-se de uma revolução pacífica, profunda e perseverante que está revolvendo as relações de autoridade e poder que se as-sentam e se reproduzem nos espaços da vida cotidiana em nossas cidades.

O aparecimento da cidade está intrinsecamente ligado ao pa-pel da mulher. As cidades surgiram por volta do ano 7000 a.C., sendo consideradas as primeiras Catal Huyuk, que se situava perto do Irã e Iraque, e Jericó, atualmente na Palestina. Na cidade, zona de intercâmbio de objetos entre nômades e caçadores, como pon-tas de lança e peles, nasceu a agricultura, que fixou a população e cujos produtos também passaram a ser objeto de comércio. A cidade cria a agricultura e, portanto, a civilização. Entretanto, a origem da agricultura e da cidade como promotora da civilização é a mulher.

Eram as mulheres que se dedicavam à colheita e conservação de alimentos, que começaram a plantar e inventaram a agricul-tura, permitindo assim sustentar o crescimento demográfico das primeiras cidades. Nestas não houve patriarcado e a principal pro-tagonista foi a mulher.49

A mulher deixou de ter um papel relevante quando a agricul-tura se estendeu para fora das cidades e se converteu na atividade

49 Ver E.W. Soja. “La mujer dominó las primeras ciudades”. Entrevista em La Vanguardia, 8/8/2001.

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dominante. Foi quando então apareceu o patriarcado, contempo-râneo em muitas sociedades primitivas do aparecimento da ex-ploração. Desde então, a história do autoritarismo, da repressão e exploração se relaciona à dominação da mulher pelo homem. As sociedades, ou etapas sociais de uma mesma sociedade, mais repressivas e exploradoras coincidem com uma maior intensidade dessa domínio, sendo difícil saber se foi a opressão generalizada que o gerou ou se ele é a chave para entender o aparecimento do autoritarismo.

O certo é que no Ocidente, nos países do Primeiro Mundo inseridos na era infoglobal, o processo de emancipação da mulher significa a quebra das relações de autoridade e dominação estabe-lecidas na sociedade industrial, muda a estrutura do mercado de trabalho e dá sustentação ao surgimento de novas relações sociais e familiares.

A cidade infoglobal pressupõe a entrada massiva da mulher no mercado de trabalho. Na maioria dos países do Primeiro Mun-do, o número de mulheres nas universidades é superior ao dos homens, há muito tempo. A população feminina tem maior êxito escolar que a população masculina. Isto, evidentemente, não signi-fica que, na maioria das cidades, as desigualdades de gênero e o domínio masculino nos postos de direção das empresas e institui-ções públicas ainda não sejam notórios, mas o que nenhum ana-lista pode deixar de ressaltar é o processo de mudança em curso.

As transformações urbanas anteriormente apontadas, como a individualização das relações sociais, o aparecimento de novos tipos de família, a criação de capital social, etc. estão intrinseca-mente ligadas ao processo de emancipação da mulher.

Entretanto, o mais interessante é que o movimento de mulhe-res tenha se voltado recentemente para a análise da cidade – da sua morfologia até seus conteúdos, das infraestruturas à cultura, do seu passado ao seu futuro – e desenvolva suas perspectivas de ação a partir do ponto de vista da mulher.

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A visão da mulher perpassa a cidade em sua totalidade.50 Os espaços públicos, a moradia, a mobilidade, a assistência social e a saúde, a educação e a cultura, o turismo... tudo é repensado a partir do seu ponto de vista. Estamos diante do posicionamento mais amplo e integrador que um movimento social jamais fez so-bre a cidade, justamente pela ampla diversidade de “papéis” que as mulheres assumem na cidade: estudante, trabalhadora, mãe...

Por outro lado, a visão da cidade a partir da perspectiva das mulheres integra outros pontos de vista sobre a mesma. Este é o caso da cidade das crianças formulada pela pedagogia ativa; em sua condição de mãe e educadora, a mulher assume a postura de forjar a cidade a partir da condição dos meninos e meninas. Ela também assume as posições sobre a acessibilidade defendidas pelo movimento urbano protagonizado por pessoas portadoras de necessidades especiais, ao coincidir no tempo as necessidades de mobilidade de todas as mulheres no período de gestação e maternidade com as das pessoas com problemas físicos. Assume, igualmente, as políticas por mais bem-estar e autonomia dos ido-sos, em razão da sensibilidade derivada do seu papel de guardiã da família, que a divisão social do trabalho lhe impôs.

A emancipação das mulheres e, em especial, os avanços na igualdade de gênero em que o homem também assume novos papéis e perspectivas, contribuirão sem dúvida para o fato de que tanto mulheres como homens assumam um projeto de cidade mais equilibrada, acessível, sustentável e equitativa, isto é, um projeto de cidade de todos.

A Cidade do Conhecimento pode encerrar o ciclo que se ini-ciou logo depois que as mulheres inauguraram as civilizações, o fim da era patriarcal, mas o mais certo é que hoje as mulheres já estão reestruturando as relações sociais e os modos de conceber a vida cotidiana.

50 Ver as conclusões do I Congresso das Mulheres de Barcelona. Prefeitura de Barcelona.

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Para isso, no entanto a política de igualdade de gênero deve contemplar hoje, mais do que nunca, ações positivas para os co-letivos de mulheres em posição mais desfavorável do ponto de vista da emancipação da mulher. Em especial, o impacto na desi-gualdade das imigrantes, que vivem em maior nível de pobreza econômica e relacional associado a uma maior relação de depen-dência aos homens.

Uma nova visão do tempo e do espaço

O progressivo avanço na direção da cidade da informação e do conhecimento significa a ruptura dos modelos referenciais de espaço e tempo próprios da cidade industrial.

Entre tais mudanças, podem ser destacadas as seguintes:Rompe-se a separação, ao longo da vida, do tempo de • aprendizagem, tempo de trabalhar e tempo de aposen-tar. A aprendizagem ocorrerá ao longo de toda a vida, e será combinada com o tempo de trabalhar e também com o tempo de aposentadoria. Por sua vez, o tempo de trabalhar se combina com o lazer e a qualidade de vida. A aposentadoria rompe os rígidos condicionantes da ida-de e se estende ou se reduz, atendendo, cada vez mais, a situações concretas e, inclusive, individuais. Todos os tempos da vida se fazem presentes em um mo-• mento dado e se tornam interdependentes. Aparece uma nova relação tempo/distância. As tecnolo-• gias da informação permitem o funcionamento em tem-po real da economia, das relações sociais. A comunicação é feita de modo imediato e as distâncias se aproximam através da comunicação escrita, sonora e visual.O trabalho tem uma continuidade permanente ao longo • do espaço. As diferenças de horário entre os continentes permitem a continuidade nos trabalhos, nas empresas

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de conhecimento que trabalham em rede, uma vez que um mesmo projeto pode ser continuado ao finalizar a jornada de trabalho em outro país com diferença horá-ria. O fim da divisão entre espaço de trabalho e o espaço • doméstico, devido ao fato de que as Tecnologias da In-formação e da Comunicação (TIC) permitem às equipes trabalhar em rede em espaços diferentes e conectar-se a partir de qualquer lugar e em qualquer momento.As TICs permitem em boa medida criar um ambiente • do “lá” no “aqui”, acompanhando as notícias, criando um ambiente de música e de comunicação, de tradição; permitem a vivência de culturas diferentes num mesmo espaço.

Estas rupturas espaço-temporais apenas começaram e ainda é cedo para identificar com clareza as mudanças em profundidade que serão capazes de introduzir nas relações sociais e na dinâmica das cidades. Mas qualquer estratégia urbana deve estar atenta para tais transformações e seu impacto social para que a cidade possa ser direcionada a metas de autonomia dos cidadãos e pro-gresso social.

A centralidade dos valores na organização social

A emergência da ética dos valores, inclusive acima da ética das normas, é mais uma característica da sociedade contemporânea.

A questão ética na gestão pública e privada e, em geral, sua revalorização social não são consequência de uma reação social à sua ausência nos comportamentos econômicos, sociais e políticos – que é, de fato, um tema muito discutível –, mas se deve, funda-mentalmente, a dois temas estruturais:

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A inovação social• O desenvolvimento da indústria genética•

O intenso e extenso processo de inovação econômica e social rompe os hábitos e normas de comportamento estáveis para gerar um ativo, ou, inclusive, proativo processo de adaptação perma-nente a mudanças e a novos desafios sociais. A mudança, ainda que possa parecer uma contradição em termos, é a constante das novas cidades. Por isso, suas regras e normas são um instrumento inadequado para os comportamentos sociais, econômicos e políti-cos. Vem daí a necessidade de se enfatizar os valores que inspiram e são marcos de referência para a constante geração e readapta-ção dos sistemas e normas de comportamento social e de gestão empresarial e institucional.

No âmbito empresarial surgiu um novo tipo de gestão:51 a gestão por valores, que visa a dar um novo quadro de referência para os empregados, diretores, acionistas, fornecedores e clientes em um ambiente de mudanças tecnológicas, culturais e pessoais. Mudanças que, sem dispor de referências, provocam insegurança e ansiedade em todos os grupos que formam a empresa.

A formação baseada em valores é o que melhor pode orientar os cidadãos – cada vez menos incorporados às grandes organiza-ções sociais – a renovar seus processos de socialização.

A educação aparece outra vez como o novo fator crítico para a nova sociedade, mas desta vez a educação orientada para valores. A pergunta que segue é óbvia: quais valores promover? Como promover valores e evitar os conflitos éticos e culturais em países cada vez mais multiculturais? A resposta ainda é mais óbvia que a pergunta: tolerância e respeito ao pluralismo, solidariedade, conhecimento e racionalidade, liberdade e equidade. Em outras palavras, fortalecer os direitos humanos e os valores que os funda-

51 K. Blanchard e M. O’Connor, Dirección por valores. Barcelona: Gestión 2000, 1998.

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mentam, pois são, como demonstrou A. Sen, entre muitos outros, uma aspiração verdadeiramente universal.52 Uma só proibição: proibido proibir. Uma só intolerância: não tolerar a violação dos direitos humanos.53 Tudo o mais – línguas, religiões, artes, vesti-mentas – são fatores de conhecimento e enriquecimento cultural. A educação, ou melhor dito, a socialização através de valores es-truturados a partir da tolerância entre diferentes grupos sociais e culturais, deve ser objeto de um grande pacto social entre todos aqueles que atuam no espaço das interações sociais cotidianas: a cidade.

A reafirmação de valores vem, por sua vez, motivada pelo de-senvolvimento da investigação genética humana e, em especial, de suas aplicações, do desenvolvimento de uma nova indústria e, com ele, de um novo mercado global: o dos produtos genéticos aplicados aos homens. Este novo setor econômico provoca, neste caso em escala global, o estabelecimento dos valores que fun-damentam um comportamento ético e códigos de conduta que permitem diferenciar, nas áreas da saúde e da agricultura, as apli-cações benéficas das perversas – como a criação de subespécies humanas. O desenvolvimento desta indústria condiciona a cen-tralidade dos valores como guia consciente da ação humana nos âmbitos local e global.

A globalização do social

Sem dúvida, um dos principais desafios relativos ao futuro apontados pelos governos urbanos é a mundialização das políticas sociais, das políticas urbanas de impacto integrador.

52 A. Sen, Desarrollo y Libertad. Barcelona: Ed. Destino, 1998.

53 W. Kymlicka explica como coexistem os direitos das minorias com os direitos humanos e também como os direitos das minorias estão limitados pelos princípios de liberdade, demo-cracia e justiça social. Ver seu livro La ciudadanía multicultural. Madri: Ed. Paidós, 1995.

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Como já assinalamos, a globalização é econômica, mas tam-bém tecnológica, informativa e cultural. As transformações que nos afetam não se reduzem a uma zona do planeta, mas se es-tendem a todas as partes, ainda que sua influência nas estruturas econômicas, sociais, culturais e familiares seja diferente em função das coordenadas geográficas e culturais dos países.

A globalização tem, naturalmente, aspectos positivos como o crescimento da riqueza, a inovação e o desenvolvimento tecno-lógico, a superação das fronteiras e as novas possibilidades de encontro entre culturas. Entretanto, é verdade que os efeitos da mundialização são muito desiguais, e a globalização significa no-vas formas de exclusão e pobreza para muitos países. A globaliza-ção significou maior marginalização para a África Subsaariana – consumo abaixo do equivalente a um dólar americano – e alcança 215 milhões de pessoas, na Ásia atinge 550 milhões e na América Latina, 150 milhões de pessoas.54

A globalização em seus aspectos econômicos e tecnológicos está transformando o próprio conceito de pobreza. Esta já não se entende como associada ao desemprego, mas à estrutura da ren-da. Assim, estima-se que, de cada dez famílias urbanas pobres na América Latina, sete são pobres devido ao baixo rendimento do trabalho, duas são pelo desemprego de alguns de seus membros, e uma, por ser formada por um número elevado de crianças. Os níveis de pobreza relativos à América Latina são superiores aos dos 25 membros da União Europeia, tomando por base o limiar de 60% da mediana da renda. A comparação das médias simples de cada região mostra valores de 28% da população na América Latina e 15% para a União Europeia.55

É um equívoco considerar a existência apenas de uma via ou de um só caminho predeterminado no desenvolvimento da glo-

54 Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

55 Dados da Cepal, 1998 e 2006.

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balização, e que esta, inevitavelmente, gera mais desigualdade e exclusão. Há uma pluralidade de vias para organizar a crescente interdependência das distintas partes do mundo. As estratégias de ação são hoje possíveis e devem ser dirigidas para a transfor-mação necessária e eficaz da organização social do mundo. Um dos principais atores desta transformação são as cidades, e, muito especialmente, as políticas e estratégias urbanas.

Já afirmamos que o global emerge do urbano. Por isto, com a organização da cidade e com o modelo de desenvolvimento que nossas cidades escolherem, é possível contribuir de maneira decisiva à organização da sociedade futura em nível mundial. As cidades formam uma rede de nós urbanos, com distintos níveis, com distintas funções, que se estendem por todo o planeta e que funcionam como centro nevrálgico da nova sociedade mundial.

Deste ponto de vista, é um erro de graves consequências so-ciais fixar-se apenas nos aspectos da concorrência entre as cidades, como tantas vezes se faz, e deixar de contemplar e fortalecer as relações de complementaridade e colaboração entre elas.

As cidades, e em especial os governos urbanos responsáveis, devem assumir de maneira progressiva a gestão dos processos de suas próprias mudanças e, de maneira coordenada entre elas, o avanço na direção de uma maior coesão social em nível continen-tal e intercontinental. Os governos das cidades devem articular a ação local com a global.

Neste sentido, na primavera do ano 2000, as principais fede-rações e associações internacionais de cidades se reuniram em Va-lência a convite do governo da cidade, no contexto do seu Plano Estratégico. Ali criaram as bases de um movimento internacional de cidades, que inclui as associações mencionadas ou redes mun-diais de cidades existentes, com o objetivo comum de assumir como prioridade sua ação de globalização do social, para que as cidades assumam uma posição relevante na construção da solida-riedade mundial.

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Construir uma globalização mais integradora a partir das ci-dades significa que cada cidade adote uma visão ampla do de-senvolvimento urbano, tecnológico, econômico, social, cultural e educativo, guiado por valores de sustentabilidade, equidade e pluralismo, e baseado na colaboração e confiança entre os atores urbanos e no envolvimento da cidadania.

Os desafios sociais urbanos que um movimento internacional e pluralista de cidades deveria priorizar, por serem os mais co-muns, são os seguintes:

A política de moradia e, em especial, a reabilitação e • revitalização dos bairros urbanos.

A segurança cidadã que contemple aspectos de preven-• ção e promoção social.

A geração de oportunidades de emprego.•

A convivência na diversidade cultural. •

Segundo a área de Análise e Previsão da Unesco, dar um teto digno a todos significaria construir nos próximos 40 anos o equi-valente a mil cidades de três milhões de habitantes, ou reconstruir boa parte das cidades existentes.

É necessário desenvolver políticas de moradia a preços reduzi-dos e para todos, e fazer isto do modo mais sustentável do ponto de vista ambiental. É preciso criar espaços públicos de qualidade que atuem como lugar de encontro, convivência e colaboração entre os cidadãos, e nos quais se pratiquem a democracia e o res-peito à diversidade como forma de enriquecimento cultural.

Os governos locais devem contribuir para reduzir e superar o apartheid urbano. A polarização social de muitas cidades e a segre-gação social do espaço urbano estão na base do surgimento dos “enclaves privados” protegidos por forças de segurança próprias. Estes enclaves são social e culturalmente homogêneos, como o são os subúrbios pobres, e a ampliação de uns e outros significa

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o desaparecimento dos espaços públicos que são a base da cida-dania.56

Superar estes enclaves de exclusão significa proporcionar segu-rança cidadã. A segurança urbana tem três componentes – os três “P” da segurança: Proteção aos cidadãos, porém num sentido am-plo. Que os cidadãos se sintam seguros ante o delito e a violência, mas também frente a catástrofes, enfermidades, envelhecimento, etc. Para isto é necessária a prevenção, no sentido da antecipação, mas também a promoção social dos socialmente segregados. De-vemos ter sempre claro que são os processos de marginalização e exclusão social que explicam, em grande medida, a delinquência urbana.

Reduzir as condições de exclusão significa, além disso, gerar novas oportunidades de ocupação e de coesão no tecido social para inserir as pessoas na comunidade. Para o primeiro, é neces-sário gerar investimentos produtivos e desenvolver a educação. Educação permanente ao longo de toda a vida para todos os cida-dãos e cidadãs, baseada nas quatro aprendizagens que o Informe Delors para as Nações Unidas aponta: aprender a fazer, aprender a conhecer, aprender a ser e aprender a conviver.

Esta última aprendizagem é a que permite que o agrupamento de pessoas de diferentes procedências geográficas e origens cultu-rais construa a nova cultura urbana, transformando com criativi-dade e pluralismo cultural, e em convivência com a diversidade, o que poderia se tornar um choque entre culturas.

Os desafios sociais urbanos são interdependentes, condicio-nam-se, razão pela qual é preciso, como dito anteriormente, dar-lhes uma solução integral em um projeto de desenvolvimento urbano. Este projeto deve aglutinar e coordenar os esforços de todas as administrações envolvidas, de todos os atores privados e de toda iniciativa social que interfira na transformação da cida-

56 F. Mayor, Un mundo nuevo. Unesco, 2000.

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de. Logicamente, a direção deste projeto deve ser exercida pelo governo democrático mais próximo dos cidadãos, que é o que melhor pode organizar a rede de atores envolvidos.

Mudanças nas formas de prestação e gestão dos serviços de bem-estar social

Foram introduzidas importantes modificações na gestão públi-ca dos serviços na área do bem-estar social na década de 90 do século XX. Do predomínio da gestão pública direta dos serviços, passou-se, paulatinamente, à gestão indireta ou contratação ex-terna para a gestão de serviços financiados com fundos públicos. Esta contratação fez com que surgisse o setor privado, tanto com finalidades lucrativas quanto não lucrativas, como opção para a gestão de serviços públicos terceirizados.

Por outro lado, a ampliação de determinados benefícios so-ciais a vários setores da população também favoreceu os serviços de bem-estar social financiados pelo setor privado por sua renta-bilidade. O setor privado foi também favorecido pela extensão da responsabilidade social corporativa das empresas, através da qual estas decidem de maneira voluntária integrar a realização de uma série de objetivos sociais em suas operações comerciais e produti-vas, e nas relações com seus interlocutores.

Por último, os processos de individualização, não de individua-lismo social, e a crise das grandes organizações sociais – partidos, sindicatos, igrejas – fez surgir uma nutrida oferta de associações e movimentos sociais que têm como finalidade contribuir para a resposta aos desafios sociais que as cidades apresentam.

Tudo isto faz com que estejam sendo produzidas mudanças nas respostas da sociedade aos desafios sociais. Na atualidade, nenhum setor, seja público ou privado, dispõe de toda a informa-ção e, muito menos, da capacidade de atuação para fazer frente às demandas da sociedade.

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Conclusão: da gerência à governança

Hoje é preciso trocar o modo gerencial de governar pela ges-tão relacional ou das interdependências próprias da governança. As principais razões são:

Estamos diante de novas formas de desigualdade e po-• breza, distintas do não acesso a determinado nível de benefícios econômicos e serviços que justificaram o apa-recimento do governo provedor. Ante as novas formas de desigualdade relativas aos capitais cultural e social e à dualização digital, etc., a prestação pública continua sendo necessária, mas é absolutamente insuficiente. O surgimento de desafios e necessidades intangíveis tor-• na ineficaz uma ação baseada nos recursos econômicos e na prestação de serviços. O gasto público, que supera 50% do PIB, pode cres-• cer, mas de maneira lenta. Já as necessidades e desa-fios sociais disparam. Isto é, as necessidades crescem em proporção geométrica enquanto os recursos públicos crescem em proporção aritmética. O crescimento das ne-cessidades sociais e a busca de novos caminhos para sua satisfação são sinônimo de progresso.A multiplicação de agentes no âmbito do bem-estar so-• cial implica o reposicionamento do papel do governo para assegurar a qualidade e a coordenação da oferta para que esta possa chegar a todos e, especialmente, aos cidadãos mais necessitados e vulneráveis.

Tudo isso exige um novo posicionamento do governo local. Este deve priorizar seu papel de organizador de uma resposta coletiva. O novo papel do governo é o de promover e articular a construção coletiva da cidade, especialmente do bem-estar social.

Assumir esta posição exige, como veremos, atuar em muitas direções e dimensões. Uma delas é a dimensão política. A neces-

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sária qualidade da representação política e da cidadania, o novo papel que deve ter o político eleito com responsabilidades de go-vernar e o tipo de liderança que deve exercer são exigências das quais não se pode escapar para alcançar o desenvolvimento da governança, embora em muitas ocasiões se tenha evitado o tema e privilegiado as abordagens técnicas, metodológicas ou da orga-nização da participação social. Por isso vamos tratar em detalhes estes temas nos próximos capítulos.

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4. A revalorização da política no Governo Relacional

idEiAs principAis

crise Da política em razão Da permanência Do Governo prove-1. Dor e Gestor.a Democracia é básica para o Desenvolvimento econômico na 2. socieDaDe-reDe.o Governo relacional é uma oportuniDaDe para fortalecer a 3. qualiDaDe Democrática.a política Democrática é entenDiDa, prioritariamente, como 4. capaciDaDe De representação.a participação é básica para asseGurar a boa representação.5. um novo papel para o político local é chave para a qualiDaDe 6. Democrática.

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A governança democrática requer a revalorização da política e do político eleito, ao situar as relações entre o governo e a política de um modo muito diferente do governo provedor e gestor e, muito especialmente, do modo gerencial de governar.

O governo provedor e a crise da política local

A crise do governo que estabelece a relação principal com a cidadania através da oferta de recursos financiados com fundos pú-blicos e da gestão de serviços públicos, como já observado, deve-se ao fato de que o gasto público sobre o PIB atinge cifras próxi-mas ou superiores a 50%. Os governos já não podem confiar que seus gastos sejam suficientes para satisfazer as necessidades sociais, cada vez mais amplas e complexas. Por outro lado, a perspectiva da sociedade-rede ou interdependente mostra que a resposta aos desafios sociais é coletiva, uma pluralidade de atores intervém, e o envolvimento de amplos setores da cidadania se torna necessário.

A continuidade do governo provedor e do modo gerencial de governar, em especial, uma vez quebradas as bases que o susten-tam, provoca, em boa medida, a desvalorização da política e do político vivida pelas sociedades democráticas. Hoje, quanto mais se estende a democracia no planeta, menos valorizada ela se encontra em muitos países.

A substituição do governo provedor faz-se necessária para a revi-talização da democracia entre a cidadania pelos seguintes motivos:

A política parece ser menos relevante no modo como as pes-• soas veem os seus destinos individuais e coletivos. A restrição da oferta de novos recursos sem visualizar um novo para-digma de governo significa que os governos democráticos não respondem às novas necessidades sociais, o que acaba produzindo uma desvalorização e descrédito da política e do político.

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O não cumprimento dos programas eleitorais: a desconfian-• ça na oferta política. A continuação de programas políticos baseados na oferta de serviços para os quais não há recur-sos provoca uma primeira reação de engodo, passa para a desconfiança e pode chegar à indiferença e ao mais alto absenteísmo dos cidadãos em relação à política. A diferenciação política pela desqualificação• . Este é outro dos efeitos da persistência do governo provedor. A ausên-cia de políticas inovadoras e não centradas em serviços e benefícios para os que têm poucos recursos leva à não diferenciação entre os programas eleitorais. A semelhança programática é acompanhada, em não poucas ocasiões, pela diferenciação pessoal, pelo insulto. As acusações constantes e não comprovadas de corrupção ou desper-dício entre os próprios políticos produzem um grave re-trocesso democrático e a descrença nos valores da repre-sentação dos eleitos, que são, nem mais nem menos, os valores da democracia. Os políticos são a principal causa do seu próprio desprestígio. O comportamento político de “soma zero” ou “todos per-• dem”. O sistema democrático é um sistema de ganhar-perder. O número de vereadores, deputados e senadores é fixado por lei; se um partido ganha deputados, ou-tros perdem. Em matéria eleitoral não se pode aplicar o ganha-ganha, o que leva à dureza da luta política.57 Esta

57 Outra razão da crise da política, porém desvinculada do governo provedor, é a existência de instrumentos políticos dos partidos, sem dúvida necessários à democracia, que não levam em consideração a cidadania. O fato de que as cadeiras sejam em número fixo e, portanto, a abstenção seja desconsiderada, leva a que a luta frontal entre os partidos não tenha muito em conta a participação eleitoral e a opinião dos cidadãos. Chega-se, inclusive, a desenhar estratégias eleitorais para aumentar a abstenção, o que é sem dúvida uma perversão. Para uma estreita relação entre partidos e cidadania, assim como para limitar a luta virulenta pela vitória ou a derrota apenas para o outro, talvez fosse conveniente vincular, em alguma medi-da, o número de eleitos ao nível de participação eleitoral. Desse modo, havendo incremento do número de eleitos pelo aumento da participação, existiria um motivo para os partidos colaborarem entre si e uma maior sensibilidade em relação às preocupações cidadãs.

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dureza, em um contexto de modelo de governo inade-quado e na ausência de inovação política, se estende ao terreno da desqualificação mútua dos contendores, e esta, por sua vez, leva ao descrédito generalizado da política.

A democracia é básica para o desenvolvimento econômico na sociedade-rede

Sen, Prêmio Nobel de Economia, sem dúvida é o economis-ta que estudou com maior profundidade a relação entre liberda-de, desenvolvimento e equidade.58 Para este autor, a democracia constitui o principal meio para conseguir o desenvolvimento eco-nômico e social. Seus principais argumentos sobre o impacto da democracia no desenvolvimento econômico são:

Em primeiro lugar, assinala que o desenvolvimento não • pode ser entendido apenas como incremento da renda, mas também como maiores oportunidades para a equida-de e bem-estar. Para Sen, o exercício dos direitos e liberda-des também tem um valor em si mesmo para a vida e o bem-estar social.A democracia propicia que maior atenção seja dada às • necessidades das pessoas, entre elas a educação, a saú-de e os serviços sociais. Estes são fatores-chave para a geração de capital humano que, juntamente com o ca-pital social, são as principais bases do desenvolvimento econômico. A democracia permite o livre intercâmbio de valores e • ideias, a partir dos quais podem ser criadas prioridades compartilhadas de grande alcance social e de grande mobilização dos recursos humanos.

58 Ver especialmente o livro Desarrollo y Libertad. Barcelona: Ed. Destino, 1998.

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Aos argumentos de Sen podemos acrescentar outros que os complementam:

Castells observou, como principal fator da evolução dos • países da antiga URSS59 para a democracia, que os regi-mes autoritários não podiam fazer frente ao novo desa-fio da economia informacional, que exigia liberdade de informação para poder produzir conhecimentos e ino-vação.No mesmo sentido, Prats• 60 mostra como as relações ins-titucionais entre os atores ou, o que é o mesmo, o mo-delo de interação deles incide diretamente no desen-volvimento econômico. O modelo de interação revela a capacidade de inovação, a flexibilidade para a incorpo-ração de novos atores e a reforma das estratégias dos atores tradicionais. O marco de interação determina a classe de conhecimentos e habilidades necessárias para nos adaptarmos à era infoglobal. As características do modelo de interação hoje necessárias são: abertura, flexibilidade e integração. Estas, como é óbvio, se ba-seiam nos mesmos valores da democracia política. Putnam demonstrou que a maior capacidade de cola-• boração entre os atores – o capital social – nas cidades do Norte da Itália, é o fator que explica o desenvolvi-mento diferenciado em relação às cidades do Sul.61 A democracia não só facilita a geração destas vantagens colaborativas, mas também o capital social, ao significar participação e colaboração cidadã, que é condição para que a democracia funcione.

59 M. Castells, La Era de la Información. Vol. 3. Madri: Alianza Ed., 2000.

60 J. Prats, Bolivia: El desarrollo posible, las instituciones necesarias. Barcelona: Instituto de Gober-nabilidad, 2003.

61 D. Putnam. Making Democracy Work. Princeton: Princeton University Press, 1990.

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O bom funcionamento das instituições facilita o desenvol-• vimento econômico, como bem registrou o BID em seu informe: “Mais além da política”, de 2000. Concluindo, são justamente as instituições democráticas as que me-lhor facilitam o desenvolvimento, ao possibilitar uma re-presentação efetiva e permitir o controle dos políticos e governantes.Em um importante estudo empírico em 90 países, entre • 1960 e 1989, Rodrik62 mostrou que os sistemas democrá-ticos contribuíam com quatro vantagens econômicas frente aos autoritários: a variação do crescimento a longo prazo era menor, a estabilidade a curto e médio prazos era maior, as crises exógenas eram melhor controladas e o nível de salários era mais elevado. Ainda que Rodrik não aponte, estas vantagens sem dúvida podem ser consequência das razões antes enunciadas.

As razões pelas quais as democracias permitem articular o desen-volvimento econômico com equidade e sustentabilidade são ainda mais evidentes:

As democracias, por respeito aos direitos civis e políticos • de toda a população, permitem levar em consideração os interesses e necessidades dos grupos sociais mais des-favorecidos. De fato, com as mobilizações dos trabalha-dores na Europa, foram incorporados os direitos sociais aos direitos políticos e civis democráticos. Na busca da estabilidade política, os governos democráti-• cos tentam estabelecer amplos acordos e alianças sociais, para o que devem articular diferentes interesses sociais. Dotados de um maior poder político, os movimentos • sociais pressionaram para uma maior equidade na distri-

62 D. Rodrik, Democracy and Economic Performance. 1997.

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buição da renda, no acesso igualitário aos serviços e no respeito à sustentabilidade. As oportunidades observadas nas democracias para im-• pulsionar o desenvolvimento econômico e social estão diretamente relacionadas às possibilidades que oferecem para articular formas de interação flexíveis e estáveis, ba-seadas na confiança e na cooperação, nas possibilidades de articular diferentes interesses em amplos projetos, na capacidade de mobilização e responsabilização da cida-dania a partir de valores compartilhados. Em conclusão, o aproveitamento das potencialidades e • oportunidades do desenvolvimento econômico e da coe-são social depende da capacidade de gestão das interde-pendências dos atores sociais e institucionais. Esta gestão das interdependências é precisamente, como vimos, o que caracteriza a nova arte de governar: governança ou governo-rede, tal como indicou Mayntz, entre outros.63

O governo relacional necessita de qualidade democrática

O governo assume um novo e singular papel, com o que ad-quire uma nova importância política em sua qualidade de repre-sentante eleito: assume o papel de articulador do interesse geral, a partir dos interesses legítimos dos diferentes atores e setores da cidadania. O governo já não deve imitar as empresas, mas inovar na sua relação com a cidadania.

O governo já não vê a sua atuação limitada pela relação entre gasto público e PIB, mas, sim, que pode assumir novas e comple-xas necessidades a partir do envolvimento de todos os atores e

63 R. Mayntz, “Nuevos Desafíos a la Teoría de la Governance” em Instituciones y Desarrollo. Nº 7. Instituto Internacional de Gobernabilidad, 2000.

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setores que influem favorável ou desfavoravelmente nas respostas às mesmas.

Os programas econômicos e sociais, pelas razões anteriores, podem aumentar substancialmente o escopo dos objetivos de de-senvolvimento a serem considerados, podendo, portanto, se dife-renciar das propostas eleitorais.

As ações de governo sustentadas na definição de objetivos de desenvolvimento humano, e não na prestação de serviços no terri-tório, permitem uma maior e melhor colaboração em vários níveis de multilateralismo entre governos. Isto é, entre governos locais, regionais ou estaduais ou, ainda, entre governos do mesmo nível. Dá um significado mais amplo e profundo à participação cidadã, entendida como corresponsabilização da cidadania, e não sim-plesmente como reivindicativa ou auxiliar das políticas públicas.

A política democrática como capacidade de representação

A governança democrática exige o fortalecimento organizativo e da representação da sociedade civil. A tarefa de construir o interesse geral a partir dos interesses dos distintos atores e setores sociais é mais efetiva se os diferentes interesses estiverem bem definidos e os interlocutores representarem os diversos coletivos. Governança democrática e capacidade de representação são conceitos que se condicionam mutuamente. Maior representatividade, melhor go-vernança e vice-versa. De todos os modos, o papel determinante é o da governança, pois, uma prática decidida do governo baseada na gestão das interdependências tem, sem dúvida, efeitos organiza-tivos e de melhoria da representação da sociedade civil.

Porém, sem dúvida, o fator crítico para uma boa governança democrática é a qualidade de representação do governante eleito. Se a liderança na gestão das interdependências em um território pertence a uma universidade, ao empresariado ou à igreja e etc.,

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estamos diante de uma liderança corporativa, pois mesmo que ela se origine de uma instituição democrática, seu representante foi eleito por empresários, universitários, comunidade religiosa, etc. Na verdade, o único representante votado por todos os cidadãos e apenas enquanto cidadãos é o político eleito. Apenas se este assumir a liderança, existirão as condições para que a governança seja realmente integradora.

Sem dúvida, um dos déficits democráticos que pode envolver a governança é a exclusão dos setores que não dispõem de capacida-des organizativas ou de interlocução na defesa de seus interesses. O político-governante caracterizará sua aposta na democracia através de ações positivas que desenvolva para conseguir a melhoria da ca-pacidade de representação dos interesses de todos os setores e, em especial, dos mais vulneráveis. Esta tarefa, ainda que se refira a todos os âmbitos do governo local, corresponde muito frequentemente de modo específico aos políticos com responsabilidades de governo nas áreas de bem-estar social.

A democracia, como afirma com veemência Zafra,64 é repre-sentação. Se esta falha, o que falha é a democracia. As denomi-nadas democracias participativas e deliberativas são, sem dúvida, aspectos que contribuem para assegurar que se produza uma boa representação ao longo dos mandatos entre as eleições, mas é muito pouco razoável pensar que um complemento possa substi-tuir o essencial, que é a eleição do representante e a qualidade da representação como ingredientes básicos da democracia.

Um novo papel para o eleito local

Em um governo relacional, cujo principal papel é organizar a capacidade coletiva para promover o desenvolvimento humano,

64 M, Zafra, El Ayuntamiento como Gobierno Facilitador de Consensos. Barcelona: F. Pi i Sunyer, 2003.

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o papel do eleito é justamente o de gestor65 dos processos das interdependências dos distintos atores e setores da cidadania.

Para reger a articulação das interdependências, para encami-nhá-las na direção do desenvolvimento humano, o gestor muni-cipal dispõe de sua capacidade como produtor de legislação (que em um governo local é pouco significativa, com exceção da área de urbanismo), de algum recurso econômico que pode aplicar (cujo crescimento, como foi apontado, tende a zero, ainda que a descentralização seja um tema pendente na maioria dos países da UE e, particularmente, na Espanha) e da legitimidade e reconhe-cimento como eleito (que na atualidade está em crise, mas que pode ser recuperada).

Sem dúvida, é a legitimidade política que valoriza o papel nos processos de negociação relacional, mediação e busca de acordo. A valorização da política importa para que o eleito possa influir na coordenação e mediação das relações entre os distintos atores.

Podemos agora dizer: a legitimidade importa para que o ges-tor possa ser o organizador coletivo; porém, assumir o novo papel também é fonte de legitimidade. O que, então, é mais importante ou tem um papel determinante, se não quisermos cair numa tau-tologia?

Sem dúvida, ambos os processos interagem, mas o papel de-terminante hoje, por parte dos políticos, é assumir a mudança do papel de eleito local para o de gestor de recursos para a cons-trução coletiva do desenvolvimento humano e do interesse geral do conjunto do território, ou de um setor de atividade. E fazê-lo dispondo das habilidades específicas e das técnicas necessárias, o que propiciará a revalorização e o reconhecimento da repre-sentação política, à qual a perspectiva do governo relacional e a governança dão novas e renovadas oportunidades.

65 Vereador, que na Espanha tem função executiva. No original, consejal, quer dizer o que rege ou governa. Dicionário da Língua Espanhola. (Nota do Tradutor.)

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5. A liderança do político eleito na governança

idEiAs principAis

liDerança representativa: capaciDaDe De visualizar os interesses 1. e habiliDaDes Da ciDaDania.a liDerança representativa é relacional e não DominaDora ou 2. substituta Da ciDaDania.a liDerança representativa é capacitaDora e não DominaDora.3. saber a Distinção entre os papéis Do político e Do Gerente é 4. básico na Governança.a liDerança pela Direção política e moral.5. o representante político é o principal aGente De muDança.6. uma nova tarefa política: tornar visível o apoio social, para 7. que a participação possa fluir.

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Capacidade de visualizar os interesses e habilidades da cidadania

Existe uma infinidade de definições de liderança. Covey66 sele-ciona 15, mas elas se referem, em sua grande maioria, a lideran-ças em empresas e grandes organizações. Para encontrar uma de-finição adequada a um líder democrático é preciso recorrer ao que há de mais elementar. Líder é aquele que conta com seguidores. Para um líder democrático, os seguidores são os eleitores. Portan-to, a liderança política representativa será aquela que dispõe de eleitores que consideram que seus interesses estão representados pela política da pessoa a quem denominamos líder.

Isto significa que um líder político representativo não é tanto o que conhece e oferece programas atraentes para ter um eleitorado, mas uma pessoa capaz de fazer com que os atores sociais e o conjunto da cidadania compreendam seus verdadeiros interesses, assim como suas capacidades, de tal modo que sejam assumidas como próprias.

Para isto devemos saber fazer a distinção entre posicionamen-to e interesse. Posicionamento é a reivindicação que um ator ou um grupo social formula para defender seus interesses. O interesse é o que o ator social realmente busca e deseja. Frequentemen-te, posicionamento e interesse se confundem. O interesse poucas vezes é claramente identificado em um conflito social. Nele, cos-tumam entrar em contradição os posicionamentos, mais do que os interesses. Apenas em relação aos posicionamentos, a luta é inevitável; com os interesses, o acordo é possível.

Vejamos um exemplo. Um grupo de cidadãos de um bairro popu-lar se opõe à abertura de um centro de tratamento para dependentes químicos. E a Prefeitura, apoiada pelas associações de familiares de pessoas dependentes e outras associações civis, não quer desistir de

66 S.R. Covey, El 8º hábito. Barcelona: Ed. Paidós, 2005, pp. 391 a 400.

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implantar o centro em um dos poucos espaços adequados existentes na cidade. A partir daí aparecem as acusações de que uns querem prejudicar o bairro e de que a outros faltam compreensão e solidarie-dade, e o conflito acaba tomando corpo. Na verdade, os interesses dos dois grupos são mais complexos e diversos e poucas vezes apa-recem expressos em conflitos. Os moradores do bairro estão preocu-pados com a possível desvalorização de sua região e das suas casas, o que é muito compreensível dado o preço da moradia e os esforços necessários para pagá-la. Também estarão preocupados pelo possí-vel aumento da insegurança, devido a ser frequentemente associado, no imaginário coletivo, o consumo de drogas com a delinquência. Possivelmente também estarão preocupados com a sujeira, pela de-terioração dos padrões de comportamento atribuída a essas pessoas e, obviamente, pelo aumento do tráfico de drogas no bairro e que o consumo acabe chegando a seus filhos. Por outro lado, a Prefeitura e as associações de familiares e outras organizações sociais consideram que é necessário que a cidade disponha deste tipo de equipamento e canalize suas esperanças de reabilitação, e que são poucos os locais adequados e disponíveis na cidade para tal prática.

Estes interesses podem ser compatibilizados em um projeto in-tegral que dê segurança e contrapartida aos moradores do bairro para que seus interesses sejam assegurados. Como, por exemplo, através da construção de elementos simbólicos, espaços públicos, subvenções para reabilitação de construções, medidas para me-lhoria do trânsito, enfim, medidas que repercutam na manutenção ou melhoria do valor do patrimônio imobiliário dos moradores. Além disso, podem ser tomadas medidas que assegurem a imple-mentação de políticas que melhorem a segurança e desestimulem o consumo de drogas e, também, de políticas que melhorem a limpeza no bairro.

Esta tarefa de identificar, através de espaços de deliberação e mediação, projetos que compatibilizem interesses é, sem dúvida, uma das principais responsabilidades da liderança representativa na governança. Esta tarefa de identificação de interesses e mediação

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deve ser uma função regular do governo local, sem circunscrevê-la ao fato de que na situação conflituosa estejam envolvidas compe-tências legais ou recursos municipais. Ao contrário, é necessário que este tipo de intervenção se torne referência para a criação de espaços de intermediação sempre que as contradições entre atores tenham impacto na configuração física ou cultural da cidade, ou ainda na convivência entre grupos e setores da cidadania.

A tarefa de representação cidadã com base em interesses im-plica, obviamente, na criação de espaços de cidadania, de partici-pação, nos quais haja deliberação e construção de conhecimento mútuo, confiança e compromisso de ação. Neste sentido, a partici-pação é um espaço necessário e que torna possível a representação. Nunca pode ser concebido, na democracia, como substituto da re-presentação cidadã.

Podemos sintetizar a liderança representativa no seguinte es-quema:

Para uma tarefa de representação cidadã que tenha por ob-jetivo o envolvimento da cidadania no “fazer a cidade”, o eleito precisa de métodos de participação que o ajudem a identificar

Conhecer desafios, demandas, expectativas, interesses...

Transmitir a potencialidade e capacidade de ação (possibilitar

a ação da sociedade)

ELEITO CIDADANIA

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os interesses que se escondem por trás dos posicionamentos, e que os próprios interessados possam reconhecê-los. Por sua vez, precisa ter capacidade de análise e conhecimento dos conteúdos, para poder desenhar os projetos de futuro que integrem de ma-neira complementar e sinérgica os distintos interesses em jogo. O importante destas técnicas não é que o político eleito tenha um conhecimento direto das mesmas, mas que lhe sejam proporcio-nadas por profissionais da gestão relacional que, sem dúvida, nos governos relacionais terão maior relevância que os gestores de serviços, para poder dar apoio ao trabalho de liderança, que é a tarefa própria e insubstituível do político eleito.

Entretanto, em uma tarefa de gestão relacional, e em circuns-tâncias em que não há prestação de serviços públicos, é essencial a legitimidade do político eleito, que repousa na revalorização da política e dos políticos, no comportamento como expressão de valores éticos e na eficácia baseada no uso de novas metodologias e técnicas.

Uma nova visão do poder

A governança dá ao governo democrático uma nova relevân-cia. Em um governo cuja atuação tenha por base a provisão de recursos, a limitação destes em relação ao PIB leva necessaria-mente à perda de peso do governo democrático na sociedade. Contrariamente, a perspectiva da construção do interesse geral em cada setor, em cada projeto, envolvendo os atores e buscando o apoio da cidadania, dá sem dúvida um novo e renovado pa-pel ao governo e à política democrática, de maior alcance que o modo gerencial, e permite superar a visão do público como um setor diferenciado, inclusive, em oposição ao setor privado ou à iniciativa não lucrativa.

Este novo papel muda, naturalmente, a concepção que se tem do poder. Se por poder se entende a imposição da própria vonta-

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de aos demais, seja através da lei e da força ou de condicionantes produzidas pelos recursos públicos, a governança significará, sem dúvida, uma perda de poder. Em troca, se o poder é entendido como a capacidade de fazer valer ou realizar os próprios inte-resses, o poder dos atores sociais e do governo fica reforçado.67 O do governo, em especial, por sua liderança na construção do interesse geral a partir dos interesses legítimos e pela renovada relevância social dos políticos eleitos, que melhora e legitima o “papel” do político na sociedade.

A liderança representativa é relacional

Vimos que a liderança representativa necessária à governan-ça é relacional; ela busca fortalecer as densidades de interação dos distintos atores. Não procura substituir a sociedade com a sua liderança e torná-la dependente de suas propostas e planos de ação.

O interesse do líder relacional será influir nas pessoas para que estas enfrentem seus problemas. Em lugar de oferecer soluções, levantam questões e, mais que solucionar conflitos, sua principal missão é propor desafios coletivos.

Já foi dito que a liderança relacional constrói propostas com-partilhadas a partir da identificação de interesses, e não aspira a proporcionar programas eleitorais para agradar a um eleitorado passivo, que elege entre produtos em um mercado no qual não intervém como produtor. Uma oferta de produtos que não se ba-seie no conhecimento profundo dos interesses, necessidades e de-sejos da cidadania, converte a dinâmica política em crescimento desmesurado e impossível de propostas que não “satisfazem” a ninguém, e que em uma época de poucos recursos deslegitimam a política eleitoral. O crescimento pelo crescimento, como assinala

67 Ver J. K. Galbraith, La Anatomia del Poder. Barcelona: Ed. Plaza y Janés, 1984, pp. 45-61.

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Capra, é crescimento cancerígeno (também em termos de pro-postas eleitorais), que mata a própria classe política, e com ela, a democracia.68

Uma analogia com o esporte pode servir para ilustrar. A lide-rança capacitadora é o jogador que arma o jogo de sua equipe para que todos os jogadores obtenham o máximo rendimento de si mesmos. Ao contrário, o dominador é aquele jogador que toda a equipe joga para ele, para que seja decisivo. Por isto, a liderança dominadora crê que os membros da sua equipe têm pouco valor e necessita que todos se ponham a seu serviço, ainda que seja para o fim coletivo de vencer.

Frequentemente se entendeu a liderança como aquela situa-ção na qual uma pessoa tem a capacidade de expressar as neces-sidades e sentimentos da coletividade, fazer propostas, desenhar o futuro da coletividade e assumir todo o risco da sua realização, fazendo com que, deste modo, a cidadania siga confiando nela. É a figura do líder “caudilhista”. Em situações de crise aguda, esta liderança pode ser possível, porém em absoluto é desejável, por suas conotações autoritárias, e porque implica uma situação de desorganização social ou comunitária. Por outra parte, em uma sociedade que avança na era das redes e do conhecimen-to, este tipo de liderança é de todo inadequado, produz graves fraturas no sistema de relações sociais e dificulta a constituição de redes. O líder representativo também necessita expressar os desafios, emoções e sentimentos da cidade, porém o faz a partir da consulta, isto é, da construção coletiva. Entenda-se bem. Em outras palavras, na busca do diálogo, da consulta, da participa-ção, sem deixar de dispor de ideias e de gerar emoções e senti-mentos. Sua liderança consistirá em saber identificar a visão de futuro e saber convencer e comover a cidadania; porém, estas características próprias da liderança, ao contrário do líder cau-

68 F. Capra, La trama de la vida. Barcelona: Ed. Anagrama, 1998.

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dilhista, serão obtidas através do diálogo e da consulta. Serão uma construção coletiva na qual teve um papel facilitador, sem contudo perder a capacidade de representar esta visão de futuro e gerar sentimentos e ações coletivas. Do contrário, não poderá liderar a coletividade.

A liderança representativa é capacitadora

A boa atuação de um líder representativo se mede em função de que, uma vez finalizada a ação, houve aumento do nível de organização e envolvimento da cidadania. Ao contrário, uma li-derança dominadora avaliará sua ação em função do aumento de sua influência e domínio entre a cidadania.

Para o líder eleito, nada do que acontece em sua cidade lhe é estranho. Está claro que, na maioria dos casos, o que preocupa a cidadania não será obrigatoriamente uma competência munici-pal, nem o município necessariamente disporá de recursos para enfrentá-los, mas o líder atuará como interlocutor de sua cidade frente a outras administrações, facilitará o envolvimento de atores privados e amplos setores da cidadania interessados para organi-zar a resposta e obter os resultados esperados.

O líder representativo constrói consensos e forja pactos e alianças, obtém o apoio e envolvimento cidadão ao expressar as suas necessidades e desafios e os assume como seu representante eleito.

A liderança política na governança pede uma cidadania ativa. Sua principal finalidade é melhorar sua capacidade de atuação. Fixará os objetivos políticos de tal modo que seus resultados en-volvam o conjunto da cidade, concentrando-se não só nas compe-tências legais ou na disponibilidade de recursos municipais, mas em objetivos de desenvolvimento humano no qual todos os seto-res da cidadania tenham responsabilidades.

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Seu êxito consistirá em apresentar os avanços conseguidos no município, mais do que o cumprimento de algumas propostas eleitorais que ninguém controla.

Continuando a analogia com a área esportiva feita ante-riormente, o líder representativo avaliará o êxito pela posição que sua equipe conquistou na tabela de classificação. Já o dominador só se fixará em seus resultados pessoais: gols, ces-tas, tempos conseguidos e etc. Para ele, o resultado da equipe é menos importante porque ela depende de seus resultados pessoais.

A liderança representativa, isto é, relacional e capacitadora, tem em conta que o cidadão atribui ao prefeito ou prefeita tudo o que acontece na cidade. Seja positivo ou negativo, seja de compe-tência municipal ou não, as responsabilidades por ação ou omis-são são atribuídas pela cidadania ao prefeito ou prefeita. Para a cidadania é difícil identificar o responsável por um equipamento ou serviço público no emaranhado de competências existentes. É mais fácil que demonstre sua satisfação em função de temáticas gerais da cidade: mobilidade, meio ambiente, espaços públicos, emprego, prática esportiva e oferta cultural. Isto é, aspectos im-portantes da vida cotidiana com grande capacidade de produzir bem-estar; porém, esta é uma produção que envolve muitos ato-res, e a tarefa do governo local é justamente gerir suas interdepen-dências para organizar coletivamente a produção do bem-estar mencionado.

A distinção entre política e gerência

No modo gerencial de governar, próprio do governo provedor e gestor de recursos, se confunde o papel do político e o do gerente ou, de modo geral, do gestor. De fato, foi produzida uma subordinação da política à gerência, valorizando-se muito mais o papel gerencial e

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simplesmente de gestão do que o do político eleito com funções de governo.

Esta subordinação da política à gerência assumiu formas dife-rentes. A mais lamentável é o desprestígio do político eleito e sua desautorização por parte dos profissionais da gestão. Outra tem sido o fato de que os gerentes ganharam relevância sobre os políti-cos, criando-se a figura do prefeito-gerente, ou do vereador-gestor. Este enfoque tem sido acompanhado da tentativa de converter a prefeitura numa empresa, em alguns casos, inclusive, como a maior empresa do município.

O grande problema deste posicionamento, isto é, do modo gerencial de governar, é que a prefeitura, e menos ainda os serviços de bem-estar social, não são uma empresa, e querer torná-los semelhantes, levou em muitos casos a desconsiderar sua responsabilidade pela aplicação da lei, própria de qualquer administração democrática, e o papel do cidadão passou do pa-pel de súdito, próprio do modelo burocrático, ao de cliente ou consumidor, e não como cidadão propriamente dito. Ou seja, como sujeito ativo de direitos, a quem o governo deve ser capaz de representar.

Na governança democrática, o papel do político não ape-nas é revalorizado em relação ao gestor ou gerente. Ele tam-bém deve ser capaz de gerir os serviços com eficácia e, como veremos, em função do seu impacto no desenvolvimento co-munitário.

Porém, sem dúvida, o mais importante é a nítida separação das funções de gerência ou gestão das funções e “papéis políticos” que a governança proporciona. No quadro seguinte são destaca-das as diferenças citadas:

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GERENTES ELEITOS NA GOVERNANÇA

Organizam e proporcionam recursos1. Fazem corretamente as coisas2. Centram-se nos processos de trabalho3. Perguntam-se como e onde4. Preocupam-se em fazer as coisas5. Dão prioridade aos procedimentos, 6. estruturas, controle e qualidade da gestãoConfiam nos procedimentos e 7. controlesInteressam-se pela produtividade8. A participação como cliente e usuário 9. de serviços

Constroem o interesse geral1. Fazem as coisas corretas2. Centram-se na criação de uma visão 3. comumPerguntam-se o quê e quando4. Preocupam-se com o significado das 5. coisas para as pessoasDão prioridade aos objetivos sociais, 6. aos valores e “posicionam” as pessoas numa direçãoConfiam nas pessoas e sua capacidade 7. de mudança e compromissoInteressam-se pela eficácia (cumprir 8. objetivos)A participação como construção e 9. envolvimento da cidadania

É importante o equilíbrio entre a administração e a representação, mas a prioridade é a liderança representativa para fortalecer a capacidade de organização e ação. A liderança é chave em tempos de mudança.

É óbvio que estas diferenças são plenamente compatíveis. Mais ainda, sua compatibilidade permite dar um caráter sinér-gico à atuação do governo local. Neste sentido, cabe destacar que a prestação e gestão dos recursos do profissional não só está subordinada à construção do interesse geral como deve ser um dos suportes nos quais esta construção deve basear-se. Porém, em caso algum pode se entender que o interesse geral consiste no desenvolvimento de uma prestação de serviços e sua gestão eficiente.

O papel do gerente é, precisamente, preocupar-se com uma gestão eficiente, isto é, com a produtividade, porém está colocada a serviço do cumprimento de objetivos sociais, cuja identificação tenha sido liderada pelo representante eleito.

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Em seu papel de líder capacitador, o que o preocupa, fun-damentalmente, é o significado que as coisas e projetos têm para as pessoas. Procura que elas sejam identificadas como um direito e um dever. Quer dizer, evitará que seja vista como favor e, muito menos, como uma ação clientelista ou, ainda, como uma ação que provoque dependência ou subordinação. Deve ser uma ação realizada pelo governo que corresponda à satis-fação de direitos sociais, que reverta em maior compromisso com a autonomia pessoal e coletiva dos cidadãos, e que esta autonomia se expresse em compromisso ativo e solidário com o conjunto da sociedade. Já a preocupação do gerente é fazer bem as coisas, mas no marco político estratégico e com signifi-cado para a cidadania estabelecido politicamente.

Em última análise, a tarefa do governante eleito é articular coletivamente a estratégia. Ou seja, “o quê” e o “quando”. E, ao considerar na estratégia as competências e os recursos mu-nicipais, o profissional da gestão ou o gerente estabelecerá o “como”, isto é, os procedimentos e metodologias; e o “onde”, o lugar mais adequado entre os possíveis.

A liderança estabelecida através da direção política e moral

Gramsci, filósofo humanista e político, fundador do Partido Co-munista Italiano, se distanciou muito da política leninista de sua época. Entendia a tarefa do partido comunista como a construção de um grande bloco social e popular que abarcaria a maioria da sociedade. A aglutinação desta maioria social se daria através da hegemonia política. Ou seja, pela capacidade de direção cultural e moral de um grupo social – no seu caso, o partido comunista –, que atuaria como um intelectual coletivo e estruturaria o bloco social.

Hoje estamos em outro momento histórico, embora a propos-ta de Gramsci de aglutinar um grande conjunto social, através da

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direção cultural e moral, deva ser levada em conta.69 É importan-te entender, contudo, que não se trata mais de gerar um grande bloco contra alguém ou classe social, mas de construir o interesse geral a partir dos interesses legítimos dos diferentes setores sociais. É claro que, em não poucas ocasiões, setores sociais minoritários ficam à margem deste acordo, mas esta minoria não se transfor-ma em inimigo a ser abatido. Tampouco aqui afirmamos que se trata de construir o socialismo ou o comunismo, mas de avançar em condições dadas na direção do desenvolvimento humano. Nem mesmo se trata de priorizar um “ismo”, seja liberalismo, socialismo ou nacionalismo, mas de enfatizar e priorizar os valores e atitudes democráticas de fortalecimento dos direitos humanos e as atitudes de respeito, tolerância, abertura e criatividade. O mais importante é que hoje a democracia não pode ser entendida simplesmente como um meio, mas como meio e fim. Por último, já não se vê o partido como o grande organizador desse amplo acordo social, mas sim os líderes eleitos no exercício das funções de governo, a pessoa eleita como representante pela maioria dos cidadãos, seja para governar o conjunto da população que vive em um território, seja para assumir a responsabilidade de uma política setorial, como é o caso da política de bem-estar social. Entretanto, para isto, é imprescindível que o governante eleito não realize sua tarefa tendo em conta apenas seus eleitores, mas todo o conjunto de habitantes do território ou cidade, ainda que possa partir dos interesses (não dos posicionamentos) de seus eleitores aos quais, sem dúvida, deve corresponder à confiança nele depositada.

Estamos, pois, em sintonia com Gramsci no sentido de que, na governança democrática, a construção coletiva do desenvolvi-mento humano deve ser realizada através de valores, atitudes e responsabilidade. A estratégia compartilhada e os projetos basea-

69 Ver N. Bobbio, “Gramsci y la Concepción de la Sociedad Civil” em Gramsci y las Ciencias Sociales. Mexico: Ed. Pasado y Presente, 1997, pp. 65-94.

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dos em um compromisso coletivo de ação estão fundamentados no conhecimento e guiados por valores.

A direção política se refere, na governança democrática, ao go-verno da pólis, isto é, ao conjunto da cidade, ao estabelecimento de alguns objetivos para a sociedade e ao desenvolvimento de políticas ou projetos para alcançá-los coletivamente. Assim como no estabe-lecimento de metodologias precisas para distinguir entre interesses e posicionamentos, e do conhecimento dos conteúdos das políticas para poder desenhar os cenários de futuro e os projetos que permi-tam articular os interesses e compromissos de ação. Para isso, o po-lítico eleito necessita ampliar e fortalecer sua capacidade estratégica e relacional. Não lhe bastam suas qualidades pessoais; ele necessita de apoio e assistência técnica especializada em gestão de serviços, procedimentos legais e administrativos. Necessita de assessoramento específico em gestão relacional. Este tipo de assessoria, dado que se desenvolve em um ambiente de mudança permanente, e de grande complexidade e diversidade, precisa de serviços contratados exter-namente (ainda que coordenados internamente), de think tanks, isto é, de serviços de alta inovação política e social, que possam dar ao dirigente apoio à sua tarefa de construir o interesse geral através da confiança, do acordo, da colaboração e do compromisso.

O representante político é o principal agente de mudança

A necessidade de profissionais externos e internos para fortale-cer a capacidade da liderança relacional do representante político, através do suporte e assistência técnica, faz lembrar, no âmbito do bem-estar social, a ideologia do trabalhador social como agente de mudança, que teve força nos anos 70 e até o princípio dos 80 na Catalunha.

É certo que o papel do trabalhador social, como os educa-dores, psicólogos e sociólogos, contribui para o desenvolvimento

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comunitário ao fortalecer a capacidade de uma comunidade. De fato, como já observado anteriormente, uma das tarefas prioritá-rias para a governança democrática é o fortalecimento da organi-zação dos grupos e comunidades vulneráveis, para que participem de pleno direito na construção do interesse geral em seu território. Daí decorre a importância do trabalho social comunitário como prioridade crescente na perspectiva do futuro imediato.

Porém, como no caso do gestor ou gerente, a tarefa se inscre-ve no marco das políticas de construção coletiva do bem-estar, que deve, sem dúvida, ter como protagonista o político, o representante da pólis ou cidade.

Podemos dizer, com toda clareza, que o agente principal de mudança, já que não existe um agente único na democracia con-solidada, é o político eleito. É desejável que ele seja o principal líder da capacidade de organização e ação de um território. Qual-quer enfoque que coloque em um profissional o papel de agente de mudança em uma democracia só pode ser entendido como uma relíquia do pensamento tecnocrático e autoritário.

A nova tarefa: tornar visível o apoio social às políticas

Um dos temas mais preocupantes do trabalho político é, sem dú-vida, a oposição de setores da cidadania à tomada de decisões de ca-ráter transcendente sobre assuntos de interesse coletivo. Maquiavel, em O príncipe, já alertava o mandatário sobre este aspecto, na intro-dução de reformas e novas leis: “Aquele que queira introduzi-las (as novas leis ou reformas), terá como inimigos todos os que se benefi-ciavam das antigas. E aqueles que as novas leis favoreçam serão ape-nas apáticos defensores das mesmas.”70 As razões da tibieza, segundo Maquiavel, são o medo em relação aos adversários que tinham uma

70 N. Maquiavel, El Príncipe. Barcelona: Ed. Veron, 1974, p. 24.

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situação de privilégio anterior, e o fato de que a confiança na inova-ção, nos novos projetos, só se adquire realmente ao ser comprovado que funciona. No século XXI, em uma democracia consolidada, a segunda explicação é, sem dúvida, a mais relevante.

O certo é que, ante novas políticas e projetos, o que se visualiza por parte do cidadão (através dos meios de comunicação interes-sados, alguns, em ressaltar as más notícias, ou por ocupação de espaços públicos por meio de manifestações e outros atos) são os setores que se opõem, os que estão em desacordo com a imple-mentação dos projetos. Os que estão de acordo, na melhor hipó-tese, desaparecem no meio da maioria silenciosa.

Por outro lado, em muitas propostas de participação, estas aparecem como “a plenária dos não eleitos”, isto é, o lugar de expressão das demandas e das queixas daqueles que não têm re-presentação eleitoral, que têm pouca influência nas decisões po-líticas. Este espaço, sem dúvida de grande interesse do ponto de vista democrático, não pode ser considerado o espaço de parti-cipação do conjunto da cidadania, porque simplesmente não é. No mesmo sentido, muitas vezes a participação cidadã é apenas o espaço em que se manifestam os setores descontentes.

A construção do interesse geral em cada política setorial, em cada projeto, significa que é preciso entender os espaços de partici-pação e de deliberação cidadã de maneira ampla e muito flexível, tal como vamos expor nos capítulos seguintes. De modo que, efeti-vamente, sejam visíveis os acordos sociais, que se visualizem de ma-neira clara os setores que deles se beneficiam e, muito especialmen-te, aqueles setores vulneráveis cuja situação possa ser melhorada.

A liderança do representante eleito em espaços de ampla deli-beração e colaboração é, sem dúvida, uma das tarefas básicas em um governo que se defina como relacional.

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6. Fundamentos para liderar a coesão social a partir do

governo local

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a coesão social é um conceito amplo que preceDe o Desenvolvi-1. mento e não é somente sua consequência.a coesão social equivale à capaciDaDe De um território De fazer 2. frente a seus próprios Desafios.é preciso uma liDerança política assentaDa em novos pilares De 3. Gestão para promover a coesão social Das ciDaDes.liDerar a coesão social é antecipar-se e canalizar os conflitos 4. entre os ciDaDãos.a liDerança relacional precisa De apoio técnico renovaDo.5.

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Já mencionamos que a coesão social não pode ser entendida apenas como um resultado do desenvolvimento de um território. Pelo contrário, é preciso partir de alguns níveis necessários de coesão para que se alcance um desenvolvimento endógeno sus-tentado e sustentável. Neste sentido, ela deve ser entendida como capacidade de organização e ação de um território para enfrentar seus próprios desafios econômicos, sociais, político-democráticos e de sustentabilidade. Quer dizer, de uma maneira muito seme-lhante a como se tem entendido historicamente o trabalho de desenvolvimento comunitário por parte dos trabalhadores da área social.

Uma cidade ou município, em geral, estará mais integrado socialmente, ou disporá de maior capacidade de organização e ação sempre que:

Disponha de uma grande e ampla visão compartilhada • do território, assim como das bases e eixos sobre os quais deve se assentar uma estratégia que envolva a grande maioria dos atores sociais e cidadãos.Exista um profundo e amplo sentimento de identidade • com a cidade por parte de todas as distintas comunida-des e setores que a compõem, e que se distinguem por sua procedência geográfica, cultural ou social.Seja desenvolvido um processo de maior valorização das • diferenças entre as pessoas, frente a sua procedência geográfica e cultural. Sejam desenvolvidas relações diversas e intensas entre • as pessoas nos distintos âmbitos sociais: trabalho, escola, lazer, bairro e etc.Exista um processo mais intenso e extenso de redução • das desigualdades sociais e geração de novas e maiores oportunidades vitais para o desenvolvimento de projetos de autonomia individual ou grupal ao alcance da cida-

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dania, independentemente de sua procedência, origem e ambiente cultural.

Nesta perspectiva, e tendo em conta que no território se • produzem processos complexos de coesão-desintegração social, o governo local que tenha como objetivo o desen-volvimento de um território socialmente mais integrado deverá exercer seu trabalho em uma dimensão dupla. Por um lado, uma tarefa de dar impulso aos fatores que geram coesão, e, por outro, um trabalho de prevenção e canalização de situações conflituosas, que sempre são geradas em uma cidade ou município.

Os 7 pilares para a liderança política

Um político eleito com a vocação de liderar a construção de uma cidade mais inclusiva deve elaborar uma política que se fun-damente nos seguintes pilares ou bases.

Criar uma visão social do município e seu futuro1. . Trata-se de dirigir, como representante do seu município, a elabo-ração e o desenvolvimento de uma estratégia compar-tilhada entre todos os atores e setores da cidadania. O mais importante desta estratégia é a visão ou modelo de futuro do município. É básico para a coesão social que esteja claramente refletida a dimensão social do modelo de cidade, uma vez que em muitas cidades existe so-mente um modelo urbanístico e/ou econômico. Uma visão que, além de ser entendida e aceita pela grande maioria dos cidadãos, gere adesão e compromisso cida-dão para levá-la a cabo. Para isto é imprescindível uma elaboração participativa, que todos os setores sociais e cidadãos se sintam parte da mesma e, deste modo, pos-

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sam orientar sua atuação na mesma direção.71 O funda-mental é o compromisso cidadão com a cidade, isto é, com os demais cidadãos.Atrair e envolver todos os setores da cidadania2. . A elabora-ção de uma estratégia compartilhada que seja inclusi-va, isto é, que não exclua a presença das necessidades e desafios de nenhum grupo social, exige o desenvolvi-mento de ações positivas para conseguir que os grupos mais desfavorecidos socialmente estejam claramente re-presentados na política de coesão social. É preciso estar sempre vigilante para que a participação não se restrinja aos setores mais organizados e com maior capacidade propositiva. Se isto ocorrer, existe o perigo de fortalecer a segregação social entre o grupo social mais amplo e os excluídos.Gerar capital social3. . Trata-se de integrar as diferentes pes-soas e grupos sociais no desenvolvimento de projetos comuns ou em redes. Para isto deve desenvolver-se toda uma programação para que os setores da cidadania pos-sam reconhecer seus interesses comuns ou complemen-tares e se desfaçam as falsas percepções que uns têm sobre os outros. Promover as suas interações para que obtenham maior confiança mútua e possam chegar a compromissos de ações conjuntas ou complementares.Mediar conflitos entre atores e setores da cidadania4. . O gover-no local deve atuar com enfoque e técnicas de negocia-ção relacional de conflitos, cuja finalidade seja fortalecer as relações entre as entidades que negociam, nos temas em que tenha sua competência envolvida. Também deve

71 Recomenda-se a elaboração de um plano estratégico, cuja finalidade seja alcançar uma cidade inclusiva. Ver a este respeito os trabalhos do Marco Estratégico de Barcelona, pro-movido pela associação público-privada ABAS (Asociación Barcelona para la Acción Social). www.abas.org

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ser facilitador e mediador de conflitos entre atores e enti-dades cidadãs. A coesão social de um território depende de sua capacidade de enfrentar e resolver positivamente conflitos. Um município que progride não é aquele onde inexistam conflitos, mas aquele que os confronta buscan-do novos cenários, novas situações em que os diferentes interesses possam se complementar. Por isto, é importan-te dispor de espaços de intermediação facilitadores do encontro de interesses legítimos entre os grupos, setores e entidades da cidadania.Conseguir vitórias rápidas e visualizar a realização de pro-5. jetos. É importante, para promover a coesão, que a ci-dadania experimente uma realização visível de projetos tangíveis para o bem-estar da comunidade. A partir de uma perspectiva de mobilização e participação nos as-suntos coletivos, o mais importante não é tanto o proje-to tangível que afeta um número reduzido de cidadãos, mas os efeitos intangíveis na consciência cidadã do saber fazer e gerenciar com eficácia e honradez. Por isto, a realização de projetos deve enquadrar-se em um projeto de geração de cultura cívica e empreendedora da cida-dania. Dar intencionalidade educativa a tudo o que se faça, para que a comunidade compreenda, confie e se envolva.O desenvolvimento de uma comunicação efetiva baseada 6. nos valores do humanismo ou do republicanismo cívico. A comunicação deve basear-se na realidade dos projetos e de suas circunstâncias. A comunicação efetiva não tenta substituir a realidade, mas tomá-la como base para as mensagens e os significados que se deseja transmitir a partir de uma situação objetiva. A comunicação tem que se apoiar em uma informação clara, transparente, docu-mentada e na qual se possa acreditar.

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Envolver o conjunto do governo local na temática da coesão 7. social. Este pilar não é o último por ordem de importância. Muito pelo contrário, pois, se a coesão social não for um objetivo assumido por toda a administração, são criados obstáculos dificilmente superáveis para liderar os proces-sos de coesão social por parte dos governos locais. Por seu papel importante, dedicamos-lhe uma seção específica.

O envolvimento do governo local

A coesão social, ou mesmo a realização de objetivos sociais em um município, não é tarefa exclusiva de um departamento ou secretaria. Assim, por exemplo, para garantir as necessidades básicas de uma população ou reduzir a pobreza em um território – embora a responsabilidade para alcançar este objetivo costume ser da secretaria de assistência social, por ter mais competências e recursos específicos – devem ser envolvidas as áreas de saúde, obras públicas (saneamento básico, espaços públicos, iluminação, etc.), transporte, moradia, educação e esporte (que se converteu em necessidade básica de saúde), uma vez que as tais necessida-des são mais amplas que o acesso a equipamentos e prestação dos serviços sociais.

O fundamental para integrar socialmente um município é que a atuação do conjunto do governo se oriente por objetivos so-ciais. Que a atuação de todas as áreas ou departamentos tenha por referência os mesmos objetivos de coesão social, redução das desigualdades e desequilíbrios territoriais.

É muito importante que o responsável pela assistência social, que vai liderar as ações para a integração social, tenha muito claro o que deve demandar das outras áreas do governo para que o con-junto do município avance no sentido de alcançar o maior grau de coesão possível.

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A este respeito, o primeiro fórum de responsáveis pela área de bem-estar social da Província de Barcelona72 dedicou um grupo de trabalho destinado à identificação dos critérios sociais para a produção de espaço público, que é um dos temas de maior envol-vimento na geração de capital social, e na prevenção de conflitos sociais.73 As principais constatações foram:

A configuração do espaço público ou, inclusive, a carên-• cia do mesmo, foi considerada como uma das expres-sões mais claras do que é a sociedade: “... é a sociedade inscrita na terra” (Lefebvre). Porém, o espaço público, en-quanto construção coletiva de uma cidade dirigida por uma prefeitura democrática, também é a expressão do que se quer ser, uma antecipação da sociedade do futuro e, por sua vez, um instrumento de transformação da cidade ou do município atual na perspectiva do município que se deseja no futuro.Na visão democrática da nova sociedade-rede, ou tam-• bém denominada sociedade do conhecimento, o espaço público é considerado fundamentalmente como gerador de capital social. Na avaliação do impacto de um espaço pú-blico, têm que ser levado em conta, sobretudo, a intensi-dade e qualidade das relações sociais que favorece.

Um espaço público, desenhado a partir de uma clara definição de objetivos sociais a serem alcançados pela cidadania, pode ter os seguintes impactos positivos:

Dar centralidade e, em consequência, iniciar a recuperação • de periferias, sempre que se recuperem espaços margi-

72 No original, “I Forum de Regidors i Regidoras de Benestar Social”, organizado pela Diputa-ción de Barcelona. Os “Regidors” e “Regidoras”, também denominados Concejales e Con-cejalas (vereadores e vereadoras), são pessoas eleitas em pleitos locais e, na Espanha, têm responsabilidades executivas na equipe de Governo. (Nota do tradutor)

73 O grupo foi presidido por Josep Mª Lahosa. Diretor de Serviços de Prevenção da Prefeitura de Barcelona, e Consejal (vereador) responsável pela área de Bem-Estar Social da Prefeitura de Villanova.

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nais, segregados e inacessíveis, de encontro, onde pos-sam emergir atividades econômicas, sejam casas comer-ciais ou escritórios. Tem como consequência incrementar o preço do solo nos arredores, fato que significa um cres-cimento da renda da vizinhança.Gerar identidade• , por converter os espaços em lugares, isto é, espaços significativos para a cidadania. Espaços dignos, bonitos, com valor simbólico, que permitam que as pessoas se sintam como sendo do lugar, do bairro. O sentimento de “pertencer” é chave para a autoestima e a geração de envolvimento e responsabilização dos mora-dores em relação ao bairro e a se mesmos; e inicia e for-talece o processo de progresso do conjunto do bairro.Gerar capital social• . Constituir um espaço de encontro e convivência gera conhecimento mútuo, identifica e di-funde, através das relações de vizinhança, os desafios do bairro e permite a colaboração entre vizinhos. Constituir um equipamento aberto• para a prática de espor-tes e atividades de lazer para todo mundo, mas muito especialmente para a vizinhança com menos possibilida-des de renda e com moradias mais deterioradas, que são os que mais usam o espaço público. Fortalecer a cultura popular e de bairro• , para a realização de festas populares e atividades culturais e solidárias de rua.Promover a integração cultural da diversidade de origens• – geográficas, de línguas e idades – como consequência dos impactos anteriormente apontados.

A partir destas considerações, foram estabelecidos critérios que o responsável pela área de bem-estar social deve demandar da equipe de governo, para conseguir maior coesão social nos projetos de es-paço público:

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Acessibilidade para todas as pessoas em todos os espaços• , cumprir os critérios da LISMI (idosos, crianças, pessoas com mobilidade reduzida...)74

Multifuncionalidade• . Dispor de espaços para crianças, jo-vens e idosos, assim como para diferentes usos – esporti-vo, lazer, comercial, etc. – é básico para conseguir ser um lugar de encontro e convivência entre as gerações. Participação dos moradores e dos profissionais de assistência • social para que se identifiquem com clareza os diferentes desafios e expectativas dos diversos segmentos da popu-lação no desenho e realização do projeto.Que melhore a imagem do bairro ou do município, pela sua • beleza (não quer dizer que seja mais caro) e por sua uti-lidade. Simbolismo• . Que haja elementos que recuperem a me-mória do bairro ou do município. Assim como símbolos que favoreçam a identificação do bairro e a autoestima dos moradores. “Monumentalizar as periferias.”Prevenção• . O espaço aberto permite identificar situações de risco que possibilitam um tratamento social. É impor-tante tratar os temas com sentido de antecipação para a melhora da convivência. Por exemplo, o tratamento de grupos de jovens “desajustados”, o aparecimento de “bêbados”, etc. Segurança• . Conseguir espaços públicos seguros não sig-nifica cercá-los nem privatizar o seu uso. Têm que ser levadas em conta a iluminação e a visibilidade em todos os lugares, para que gerem ambientes seguros. É preciso assegurar que os moradores possam facilmente chamar a polícia caso necessário.

74 Trata-se de uma lei espanhola que garante os direitos das pessoas com necessidades espe-ciais. A sigla significa Ley de Integración Social del Minusválido. (Nota do tradutor)

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Integração• . Conseguir que as pessoas de origens diversas participem do uso do espaço público.

De modo semelhante, estes critérios devem ser aplicados ao conjunto dos departamentos municipais e, assim, contando com os mesmos recursos, mas orientados por critérios sociais, sejam alcançados avanços importantes na coesão social dos municípios.

Antecipar-se e canalizar situações de conflito

Foi dito antes que, para liderar a coesão social, era preciso de-senvolver um trabalho em duas dimensões. Uma, desenvolver os pilares sobre os quais repousa a coesão; e outra, prevenir e canalizar as situações conflituosas entre diferentes grupos sociais ou setores da cidadania.

Os processos de coesão social podem ser obstaculizados ao aparecerem conflitos que, se forem indevidamente canalizados, levam à segregação mútua entre setores comunitários.

A exclusão social é definida por dois componentes: uma situação social diferenciada em função de uma ou mais variáveis (proce-dência geográfica, cultural ou social, valores e crenças, opções e atitudes sexuais, gênero, nível de renda etc.) em relação ao grupo social mais amplo (definido em função das variáveis sociais con-sideradas), e uma reação de rejeição ou segregação do grupo social mais amplo com respeito ao minoritário em todos ou alguns dos níveis ou âmbitos de uma sociedade (econômicos, sociais, territo-riais ou políticos).

A diferença social, a desigualdade ou mesmo o desvio em relação a atitudes e condutas predominantes e suportadas pelos costumes ou normas geram exclusão social se não for criada uma reação social segregacionista ou excludente. Determinadas situa-ções sociais condicionam, sem dúvida, o aparecimento da reação de exclusão: elevados níveis de desemprego, a insegurança cida-

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dã, situações de miséria econômica e de habitação, a ocupação exclusivista do espaço público etc. Porém, a reação excludente tem seus mecanismos próprios de geração: desconhecimento do outro, incompreensão de atitudes e reações, medo do diferente,75 cultura não pluralista76 e etc. Em geral, a reação social excludente é antecedida pela sistematização de preconceitos sociais ou eti-quetas que um grupo social elabora em relação aos “outros”.

Uma ou um político que lidere processos de coesão ou in-clusão social deverá atuar, com apoio do governo municipal, de modo a antecipar situações para reduzir as desigualdades sociais e os desequilíbrios territoriais entre os bairros, mas também, e sobretudo, na prevenção e redução dos obstáculos intangíveis à coesão social e dos mecanismos que geram a exclusão social.

Pela importância deste segundo aspecto, assim como pela sua novidade e por esta tarefa inscrever-se plenamente na gestão rela-cional, são identificadas, a seguir, as tarefas a serem empreendidas pelo político com responsabilidades de governo para prevenir e canalizar os conflitos enfrentados por grupos e setores do muni-cípio.

Uma das principais tarefas é, sem dúvida, facilitar a • informação clara, documentada e confiável sobre os diferentes grupos sociais que, por procedência geográ-fica e cultural, se localizam no território. Em especial, proporcionar informação sobre as principais contribui-ções positivas que o grupo em questão (e em perigo de sofrer reação excludente) faz à sociedade e ao municí-

75 Neste sentido, recomenda-se o livro de Z. Baugman, Confianza y Temor en la Ciudad. Barce-lona: Ed. Arcadia, 2006.

76 É comum os meios de comunicação difundirem a opinião de políticos e profissionais euro-peus demandando que os imigrantes de terceiros países aceitem os valores e atitudes das sociedades receptoras, do mesmo modo que os europeus deveriam assumi-las no caso de emigrarem para seus países de origem, esquecendo que as sociedades europeias se definem como pluralistas.

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pio em particular, e difundi-las de maneira massiva e permanente.Dispor de espaços de encontro entre os principais agen-• tes responsáveis por processos de socialização: igrejas, universidades, escolas, associações de moradores e de imigrantes, sindicatos de trabalhadores e empresários, que realcem os valores e as características comuns que podem favorecer a interação e relação estável entre se-tores da comunidade. Fazendo declarações conjuntas na celebração das diferentes festividades, perante eventos locais e externos que podem inibir a segregação mútua e mediando conflitos locais.Assegurar que todos os moradores e moradoras partici-• pem das políticas cidadãs e municipais sobre o território, para que acumulem o conhecimento de todo o municí-pio e articulem as respostas às necessidades e desafios de todos os setores da cidadania. Promover e fortalecer redes associativas que integrem • pessoas de diferentes procedências geográficas, culturais e sociais, com a prefeitura atuando como liderança co-munitária.Dispor de amplos, flexíveis e fortes vínculos entre a pre-• feitura e as entidades do terceiro setor em todos os bair-ros do município.Fazer, sempre que possível, pactos para a inclusão so-• cial com todas as forças sociais e políticas democráticas do município e, em especial, nos temas relativos à imi-gração.

Estes mecanismos preventivos funcionam com grande eficácia nos casos de aparecimento de conflitos entre grupos de vizinhos. É muito importante que os eleitos tenham uma atitude aberta em relação ao conflito e uma consciência clara tanto frente aos riscos como às oportunidades. Esta é a melhor forma de prever e gerir os

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conflitos, incrementando a consciência das interdependências dos grupos. Líderes políticos sem capacidade para identificar, tanto as interdependências internas como as externas à Prefeitura e ao município, são um freio para as sociedades complexas e abertas em que vivemos.

Em qualquer caso, o líder político relacional nunca buscará o domínio dos valores e comportamentos de um grupo social sobre outros, tampouco o isolamento ou a segregação cultural dos gru-pos sociais. Ao contrário, buscará o máximo apoio e colaboração para o predomínio dos valores que favoreçam a maior interação possível, baseada na comunicação aberta, no conhecimento e compreensão mútuos, assim como no estabelecimento de rela-ções estáveis entre os distintos grupos sociais no território.

O apoio necessário à liderança relacional

A liderança política relacional necessária para articular a coe-são social é muito diferente da que se precisa para gerir os recursos e serviços municipais. É conveniente que o político representativo possa dispor, ao nível interno ou mediante a contratação externa, dos seguintes tipos de apoio:

Conhecimento especializado nas técnicas que assinala-• mos anteriormente de gestão relacional: planejamento estratégico, participação, gestão de redes, negociação relacional, etc.Um mapa de atores sociais do seu território, que lhe • proporcione uma informação sobre o conjunto de atores públicos, voluntários, organizações sociais sem fins lu-crativos, associações de moradores e comunitárias, assim como seus principais projetos relacionados com os temas da inclusão e coesão social. Assim como dispor de fortes vínculos com este conjunto e dos mecanismos para enla-çar atividades e projetos.

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Manutenção de um sistema de informação sobre as • variáveis que podem incidir na quebra da convivência entre setores comunitários: evolução do desemprego, dos índices de delinquência e vítimas, déficit de serviços básicos e moradias, programação de serviços e equipa-mentos que possam ser objeto de rejeição por grupos de moradores.Um registro atualizado para saber quem chega ao terri-• tório e as zonas ou bairros em que se assentam.Poder utilizar com rapidez e flexibilidade diferentes • meios de comunicação: boletins, imprensa, rádio e tele-visão local, assim como capacidade para pôr anúncios, editar folhetos etc.

Não se entende que seja necessário dispor de todos e cada um desses instrumentos para liderar politicamente a coesão social em um território; cabe assinalar, unicamente, que eles são conve-nientes para construir uma política de coesão social mais eficaz. Por outro lado, quanto menor for a população e a complexidade do território, menos sofisticação será preciso nos mecanismos de apoio técnico.

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7. Perfil político para a liderança representativa na governança: Valores, habilidades e atributos

idEiAs principAis os valores próprios Das socieDaDes abertas e Do republicanismo 1. ou humanismo cívico sustentam a liDerança representativa.habiliDaDes ou aptiDões específicas Do perfil político são neces-2. sárias para a prática Da Governança.principais atributos Do político para a prática política na Go-3. vernança.

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Entenderemos por perfil político a soma integral de habilida-des ou aptidões, atributos e valores mais importantes para que uma pessoa, ou um coletivo político eleito possa exercer de ma-neira mais adequada a liderança representativa em um governo relacional.

Os valores que sustentam a liderança representativa

Os valores próprios da liderança representativa na governança são aqueles da discussão relacional, dos valores e das atitudes que favorecem, segundo Popper, o desenvolvimento científico.77 Estes são a liberdade em todas as suas facetas e, muito especialmen-te, a liberdade de informação, a circulação e debate de ideias, a tolerância e o respeito ao outro, a suas opiniões e crenças, a humildade frente a suas próprias ideias, ou seja, os valores das sociedades abertas.

A governança democrática precisa dispor de técnicas para poder desenvolver-se. Porém, necessita mais ainda de valores e virtudes, ou de atitudes dos políticos para dar impulsão à sua po-tencialidade. Neste sentido, Ortega y Gasset mostrou como o sen-tido e a própria causa da técnica se encontra fora dela, a saber: no emprego que o homem dá a suas energias latentes e liberadas pela técnica; e observou para a sua época que as crises nos dese-jos, ideias e valores são a razão pela qual toda potencialidade da técnica não tenha servido para nada.78

Hoje há também uma crise de valores, como nas primeiras dé-cadas do século passado. Em especial, ressalta um questionamento generalizado dos políticos e dos valores éticos que devem presidir

77 K. Popper, La sociedad abierta y sus enemigos. Barcelona: Ed. Paidós, 2006.

78 Ver J. Ortega i Gasset, Meditación sobre la técnica y otros ensayos. Madri: Revista de Occidente, Alianza Ed., 2002, pp. 53-55.

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a atuação da denominada classe política democrática. Mas este la-mento generalizado de quebra moral e perda de valores não pode ser atribuído a casos concretos de corrupção política; como obser-vou D. Innerarity, essas crises de valores acompanharam sempre o processo de modernização social e política.79 Hoje, como já dito, estamos ante uma necessidade de mudança nas formas de go-vernar dado o esgotamento do modelo baseado na prestação e gestão de recursos, assim como em uma forma de fazer política própria de sociedades bem delimitadas territorialmente e integra-das politicamente no marco do Estado-nação.

As metodologias e técnicas da gestão relacional se inspiram e só podem desenvolver-se em um contexto de valores e virtudes próprios das sociedades abertas. De outro modo, é muito difícil identificar estratégias compartilhadas, estabelecer a negociação relacional, ou desenvolver o enfoque abrangente em ciências so-ciais etc.

A governança requer duas condições para ser considerada como um novo enfoque em ciências sociais, e como um modo apropriado de governar na sociedade-rede: que a verdade ou a falsidade de suas teses principais, das bases detalhadas e expli-cativas, seja demonstrável pela lógica e que suas explicações se adaptem aos fatos e sejam, portanto, suscetíveis de prova. Porém, o fato de que este novo enfoque de governar seja considera-do objetivo ou racional-científico não significa que esteja livre de valores, como lembra Hempel.80 Pelo contrário, como já obser-vamos, existem valores e condições sociais e econômicas que per-mitem um maior/menor desenvolvimento desta teoria, tanto em nível conceitual quanto prático.

79 D. Innerarity, El Nuevo Espacio Público. Madri: Ed. Espas Calpe, 2006, p. 188.

80 “A adequada solução para um problema não só exige o conhecimento dos meios técnicos, mas também de padrões para avaliar os meios alternativos à nossa disposição; e este se-gundo requisito coloca problemas reais.” Em La explicación científica. Barcelona: Paidós Ed., 2005, p. 118.

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Neste sentido, deve entender-se que as políticas estão condi-cionadas pelo ambiente econômico, social, tecnológico e institu-cional em que se inscrevem. Porém, condicionadas não quer dizer determinadas, posto que as decisões políticas são também fruto da liberdade e responsabilidade de quem decide.81

A governança democrática, como seu nome indica, necessi-ta das regras e procedimentos democráticos e se consolidará à medida que os valores e atitudes próprios da sociedade aberta e democrática sejam interiorizados pela sociedade e seus líderes políticos sejam sua expressão prática, e não apenas pelo respeito às regras do jogo democrático. A organização atual da sociedade-rede, baseada nas interdependências, requer um marco democrá-tico de responsabilidades que não pode ser assegurado de manei-ra centralizada nem hierárquica pelos governos; precisa, sim, de uma responsabilidade com cooperação entre os atores e setores da cidadania, definida e organizada de forma plural.82

A argumentação anterior também nos serve para destacar que a governança democrática é uma forma de governar própria de de-terminadas ideologias políticas ou partidos políticos. Com efeito, a partir da aceitação das regras do jogo democrático, qualquer opção política pode desenvolver as metodologias da gestão relacional ou das interdependências, uma vez que estas são objetivas. As opções políticas, portanto, não se distinguem pelo uso das técnicas de ges-tão nem pelo modo de governar adotado, mas pelos valores que perseguem com o modo de governar, e que se expressam pelos eleitos e representantes políticos.

No paradigma do governo como gestor do gasto público, a distinção não se devia ao tipo de gestão, mas, sobretudo, à fi-nalidade do gasto; se era prioritariamente militar ou social, e se

81 Ver J. Prats, “Ética del oficio político”, em Instituciones y desarrollo. Nº 14-15 Nov. 2003, pp. 205 a 209.

82 D. Innerarity, op.cit., p.199.

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a decisão do gasto correspondia a maior ou menor proximidade com o cidadão. Na governança, a distinção se fará de acordo cm a prioridade acerca das finalidades do progresso humano, seja o desenvolvimento econômico, a equidade ou a coesão social, a sustentabilidade ou o desenvolvimento da ética democrática ou republicana. Todos eles são valores compatíveis e interde-pendentes, mas também sujeitos à ordem de prioridade, em especial se consideramos conjunturas concretas nas quais é pre-ciso optar pelo que tem um valor predominante. Dito com toda clareza, a construção coletiva e consciente do progresso huma-no nos territórios será feita em função de alguns valores ou em função das pessoas e grupos políticos que tenham sido eleitos democraticamente.

Habilidades ou aptidões do perfil político para a prática da governança

As habilidades para o líder em governança não devem ser en-tendidas tanto como habilidades pessoais, fruto de uma persona-lidade ou formação, mas como habilidades e aptidões coletivas. Isto é, aptidões construídas pelo eleito e equipe ou equipes técni-cas que o assessoram na sua atividade política na prefeitura.

As principais habilidades ou aptidões para exercer este tipo de liderança são:

Visão de futuro para o território•

Iniciativa para a gestão da mudança: definição de obje-• tivos

Desenho de processos e organizações: capacidade de • adaptação

Comunicação e motivação: convencer e comover•

Construção de alianças: domínio das interdependências•

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A visão de futuro ou a capacidade de imaginar cenários é funda-mental para alcançar uma articulação de interesses. É comum que a confrontação entre atores se produza com base em uma situa-ção ou projeto dado. Buscar o maior acordo possível e necessário significa muito frequentemente articular os interesses e desafios em cenários futuros a serem construídos coletivamente, ou ima-ginar projetos factíveis em que todos possam ganhar de maneira correspondente ao esforço ou investimento.

A gestão das expectativas cidadãs é uma habilidade muito impor-tante. Gerar expectativas que não se realizam provoca frustração. Sua consequência é a desmobilização da cidadania e a geração de desconfiança política. Tão importante como a não realização efe-tiva das expectativas é a percepção de que estas não se cumprem; os resultados são os mesmos. Esta segunda modalidade é mais frequente na realização dos projetos estruturantes na cidade, uma vez que a sua realização não é imediata. Um projeto complexo percorre necessariamente diferentes etapas (formulação, estudo prévio, desenho do projeto executivo, orçamento, início de exe-cução) que se estendem por um tempo que pode ser excessivo e pode ter seus avanços não percebidos. É preciso não gerar expec-tativas irrealizáveis, mas também dispor de uma política de comu-nicação adequada para que os avanços sejam percebidos.

Existe uma fórmula que, se bem que não seja exata, é preciso ter sempre em conta como referência: satisfação é “igual” ou se-melhante à percepção das realizações menos as expectativas que a cidadania tenha criado. Ou seja, quanto maiores as expectativas em relação à percepção, menor será a satisfação ou maior será a frustração.

De todos os modos, para que uma cidade possa avançar, ne-cessita de expectativas razoáveis e críveis, pois do contrário não se avança. Vale lembrar o caso extremo do lema que apareceu pin-tado nas ruas de Buenos Aires quando se desvalorizou sua moe-da: “Queremos promessas, não mais realidades.” À realização de

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expectativas, cabe responder imediatamente com outras novas. Para gerir expectativas é aconselhável ter em conta, além da que acabamos de mencionar, o caso das corridas de cachorros galgos: quando a lebre se encontra muito longe, o galgo não corre, não avança, mas se a lebre fica mais perto, o galgo a agarra e também não corre; é preciso situá-la a uma distância adequada para que o galgo acredite “razoavelmente” que a agarrará, mas não consegue alcançá-la e continua correndo. A lebre é a expectativa e o galgo a cidade, e o que importa é que a cidade sempre corra, sempre avance.

Iniciativa para a gestão da mudança: gerir as expectativas significa tomar a iniciativa para começar e dar continuidade às mudanças. É evidente que não basta apenas vislumbrar, mas iniciar os pro-cessos de mudança para que, a partir da situação atual, se atinja a situação ou cenário futuro considerado possível e desejável. Para isto é preciso dotar-se de uma estratégia e colocá-la em prática. As forças de transformação devem ser identificadas e definidos os objetivos compartilhados de maneira clara e factível. Assim como deve ser iniciada, de maneira exemplar e com visibilidade, a ges-tão da mudança.

O desenho de processos para a participação cidadã e a realização de acordos é uma aptidão necessária para gerir a mudança corre-tamente. A participação deve assegurar o conhecimento perma-nente dos desafios e necessidades dos diferentes setores para con-seguir apoio da cidadania, se a estratégia e os projetos adotados assumirem os desafios e necessidades identificados. Os processos de mudança não seguem trajetórias fixas; os próprios avanços in-troduzem mudanças na situação de partida, o que significa que a estratégia ou projeto identificado aparece com maior clareza e riqueza de matizes que, sem dúvida, exige a reprogramação não só dos conteúdos estratégicos, mas também dos espaços organi-zacionais em que se canaliza a cooperação pública e privada e a participação.

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A comunicação e motivação cidadã83 para conseguir deslanchar com maior plenitude a capacidade de ação da coletividade. É convincente comunicar objetivos percebidos pela população como respostas a suas demandas desde que factíveis e necessárias. Po-rém, a razão não basta para a ação. É preciso também canalizar os sentimentos em uma mesma direção. Por isto, a possibilidade de comover é inseparável da de convencer. Uma sem a outra não consegue envolver a cidadania em seu conjunto.

A construção de alianças é condição necessária para a governan-ça. A identificação das interdependências dos atores é condição necessária, porém realmente crítico é passar desse reconhecimen-to à construção de alianças, isto é, à geração de compromissos de ação. A esta condução que vai da identificação de interdependên-cias ao compromisso, chamamos de gestão relacional. Ela deve partir do reconhecimento mútuo pelos atores de suas interdepen-dências, promover ou fortalecer a confiança recíproca para poder chegar a compromissos sólidos de ação.

Principais atributos para a prática da governança

Embora as aptidões possam ser, e é aconselhável que sejam, construções compartilhadas entre as pessoas eleitas e suas equipes, os atributos são fundamentalmente pessoais de quem se elegeu.

Os principais atributos, ou seja, atitudes permanentes ou instau-radas da liderança que facilitam o desenvolvimento das aptidões necessárias à governança, são:84

83 Para o desenvolvimento desta capacidade, recomenda-se o livro de T. Puig, La Comunicación Municipal Cómplice con los Ciudadanos. Barcelona: Ed. Paidós, 2003.

84 Os atributos foram especialmente selecionados pelo autor. Para um amplo leque dos atri-butos da liderança recomenda-se J. Boyett, Lo mejor de los gurus. Barcelona: Ed. Gestión. 2001. Também S.R Covey, El 8º Hábito. Barcelona: Ed. Paidós, 2005.

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pErfil político pArA A lidErAnçA rEprEsEntAtivA nA GovErnAnçA: vAlorEs, hAbilidAdEs E Atributos 159

Saber escutar: é básico para poder conhecer a fundo as • necessidades e interesses, mas também as contradições, dos quais surgem os posicionamentos ou reivindicações dos atores e setores da cidadania, assim como para po-der entender as sensibilidades. Empatia: a habilidade para entender os problemas, de-• safios, emoções e sentimentos, sabendo colocar-se no lugar do outro.Imaginação: atributo necessário para gerar visões de fu-• turo do território e projetos compartilhados – novos ou reformulados – que gozem de importante apoio social.Inovação: a atitude de fazer coisas novas ou as mesmas • coisas de maneira diferente facilita o início de uma nova gestão pública.Habilidade no trato: gerar confiança significa um trata-• mento respeitoso e compreensivo com os outros e saber incorporar todas as sensibilidades aos compromissos de ação. Curiosidade para conhecer todos os pontos de vista: • entendê-los a partir dos contextos e situações em que são produzidos é, sem dúvida, uma condição impor-tante para a sua modificação a partir da compreensão dos envolvidos e conseguir, assim, sua compatibiliza-ção. Aprender de maneira continuada: é uma atitude essen-• cial para dispor dos conhecimentos necessários para construir novos cenários ou projetos que incorporem a grande maioria dos interesses e pontos de vista dos atores e setores da cidadania envolvidos.

Encontramos, também, atributos pessoais necessários a toda e qualquer liderança, tais como integridade, serenidade, respon-sabilidade, proatividade, sentido de humor, preocupação com os

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pErfil político pArA A lidErAnçA rEprEsEntAtivA nA GovErnAnçA: vAlorEs, hAbilidAdEs E Atributos160

demais, etc. Sem dúvida, ajudam a liderança representativa como qualquer outra atividade na vida em que se aspire a ser feliz, porém não são específicos para a liderança própria da governan-ça democrática. Entretanto, é preciso levar em conta que, muito frequentemente, confundem-se, com pouco rigor profissional, os livros sobre liderança com receitas de autoajuda.

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8. Os Governos Locais: Protagonistas na era da

governança

idEiAs principAis

os Governos locais têm maior êxito na Gestão De serviços às 1. pessoas e na Gestão Das relações entre os setores Da ciDaDa-nia.a prefeitura, como orGanizaDora coletiva, é o Governo prota-2. Gonista na socieDaDe-reDe.os municípios autoinsuficientes.3. a crescente importância Dos Governos intermunicipais.4.

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A gestão relacional ou de redes própria da governança posi-ciona os governos locais em uma situação ímpar para ser o go-verno protagonista desta nova arte de governar. Dito de outro modo, o local pode ser o nível de governo característico e chave do modo relacional de governar. Porém, dispor de oportunidades não significa que elas sejam aproveitadas. A identificação deste novo papel e as condições para o seu aproveitamento são tratadas neste capítulo.

As condições de êxito do nível local

Há muitas décadas que são conhecidos na Europa os fatores de êxito de um governo local, ainda que os outros níveis de gover-no insistam em não reconhecê-los.

Em 1986, em plena emergência do modo gerencial de go-vernar, Margaret Tatcher encomendou um estudo sobre a eficá-cia dos governos locais na Inglaterra para a gestão dos serviços de assistência social. O objetivo da ilustre governante era poder demonstrar que a fragmentação municipal era um inconveniente a superar, e que uma maior eficácia na gestão justificaria a cen-tralização de tais serviços. Com estes propósitos, encarregou um reconhecido gestor de centros comerciais, Sir Roy Griffiths, para fazer o informe.

O Informe Griffiths, ao contrário do que se supunha, reco-mendou o reforço dos governos locais. Considerou-se, no Infor-me, que eles eram o nível mais adequado para gerir as políticas de assistência social. As razões que expôs não podiam ser mais emblemáticas:

Os governos locais, por estarem mais próximos do am-• biente onde vivem as pessoas, são os que melhor podem identificar suas necessidades. Note-se que não é uma proximidade física, mas das relações entre as pessoas e comunidades com seu entorno social e territorial.

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Também podem desenvolver uma ação mais integral, • coordenando diferentes tipos de serviços para satisfazer as demandas sociais.

A partir do nível local, pode-se organizar o voluntariado • e provocar uma resposta social mais ampla às necessida-des sociais.

A partir dos governos locais, é mais fácil coordenar a • assistência social financiada com recursos públicos e pri-vados.

As vantagens comparativas dos governos locais nos serviços assistenciais são facilmente estendidas ao conjunto dos serviços voltados para o bem-estar social. Todas as vantagens observadas têm um denominador comum: a proximidade. Porém, como já apontado, não se trata de uma proximidade física – a menor dis-tância da cidadania, que a torna mais acessível –, mas da proxi-midade que permite um maior conhecimento das relações entre as pessoas e as comunidades, com o seu ambiente social e terri-torial.

A prefeitura como organizador coletivo

A sociedade do conhecimento ou sociedade-rede torna irre-levante a proximidade física dos governos locais, uma vez que as tecnologias da informação tornam acessíveis qualquer administra-ção a partir de qualquer lugar do mundo. Em troca, reforça até o mais alto grau a proximidade relacional, porque o fundamental é a organização e gestão de redes de atores. As tecnologias da informação incidem na produção de valor, se existe uma organi-zação em rede que permita maximizar suas possibilidades. Neste sentido, entender a prefeitura como o principal organizador co-letivo das redes sociais é o que possibilita seu papel de governo protagonista na sociedade-rede.

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O Informe Griffiths é um exemplo de que, já no modo geren-cial, a prefeitura poderia ter tido um papel mais importante na administração do Estado. Para isso, necessitava da transferência de competências e recursos de outros níveis da administração. Somente com maiores competências e recursos as prefeituras poderiam ampliar a importância do seu papel no modelo de governo provedor e gestor de recursos. Por isso, na Espanha, e na Catalunha em particular, a ação conjunta dos municípios tem consistido em alcançar uma segunda descentralização, até hoje não conseguida, de competências e recursos, sem, de modo algum, negar a importância dessa descentralização para os go-vernos locais promoverem o desenvolvimento humano. Na so-ciedade-rede, o papel central das prefeituras é determinado por sua atuação como organizador coletivo, pelo seu impacto na me-lhoria da capacidade de organização e ação de todos os atores e pessoas em um território.

O papel das prefeituras consiste precisamente em ir além de suas competências, sejam elas quais forem, para assumir os desafios das suas cidades. Nada que aconteça, ou os seus cidadãos neces-sitem, é alheio a uma prefeitura que tenha adotado a governança como modo de governar. Sua tarefa não consiste em tentar achar solução para os recursos que não tem, nem qualquer administração terá, mas em desenvolver uma ampla ação multidimensional que implique recursos, geração de uma cultura de ação, organização comunitária, colaboração interinstitucional e público-privada para dar uma resposta coletiva, no sentido de que envolve toda a socie-dade para a solução dos seus desafios.

Em última análise, as competências e os recursos nas mãos dos governos locais não são importantes em si mesmos, mas enquanto instrumento para aumentar a capacidade das prefeituras convoca-rem os atores sociais e os cidadãos para organizarem os processos de responsabilização cidadã e parceria público-privada.

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O Poder Local: riqueza dos países e regiões

Hoje, depois dos estudos de Jacobs, Sassen, Castells e de tantos outros, inclusive dos informes do Banco Mundial, parece já estar estabelecido que as cidades são a riqueza das nações e que a era in-foglobal se assenta em um sistema mundial de cidades. Os fluxos de informação, bens e pessoas que se tornaram mais interdependentes são produzidos, organizados e distribuídos nas cidades e regiões metropolitanas.

O que hoje deve ser fixado é que o desenvolvimento dos ter-ritórios depende fundamentalmente dos governos locais – muni-cipais e intermunicipais. Seu papel de organizador coletivo das redes e interações sociais no território é, como já observado, sua dimensão mais singular e influente no desenvolvimento econômi-co, social e humano.

A modernização da Espanha é, sem dúvida, a modernização das suas cidades, e o mesmo poderíamos dizer da modernização da Cata-lunha.85 Os governos locais na Espanha são os principais responsáveis pela inovação urbana. É certo que a porcentagem dos recursos públi-cos nas mãos das prefeituras não chega a 13% do gasto público total, e é o mesmo desde o início da democracia, após o fim do franquis-mo. O desempenho das prefeituras na Espanha na transformação das cidades foi dado pelo seu papel relacional. De fato, os cidadãos fo-ram aos governos locais com suas reivindicações e demandas, estes, ao não disporem das competências e recursos, não puderam respon-der diretamente às mesmas. A falta de resposta poderia ter levado à sua deslegitimação, porém boa parte deles respondeu pondo em marcha o planejamento estratégico da cidade em conjunto com os principais atores econômicos, sociais e institucionais. Também foram feitos planos setoriais para promover o bem-estar social, educação,

85 G. Clark em La gobernanza territorial: un nuevo arte de gobernar. Sevilha: Junta de Andalucía, 2007.

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esporte, saúde e etc., as agendas 21, assim como foram desenvolvi-das múltiplas experiências de participação e envolvimento da cidada-nia, processos de cooperação público-privada que, sem conceituá-los deste modo, serviram para dar início à governança.

Esta tarefa inovadora de protagonizar e articular a construção co-letiva da cidade deve ser o principal objetivo dos governos locais, que desse modo passarão a ser o nível de governo fundamental na sociedade-rede.

Os municípios autoinsuficientes

Os municípios, como consequência da interdependência de fluxos de todos os territórios, aumentam o seu nível de autono-mia. Não dependem de um único município, seja este capital de estado ou centro de uma área metropolitana. A multiplicação das influências territoriais incrementa a autonomia dos municípios, que podem reestruturar suas relações com diferentes territórios. Isto, sem dúvida, explica o desenvolvimento de planos estratégi-cos em municípios de reduzido tamanho populacional.

Porém, ao definir sua estratégia, ainda que não a definam bem, eles se dão conta de que necessitam da colaboração de ou-tros municípios e regiões para melhorar a qualidade de vida de sua população. As redes não terminam no município e se estru-turam em territórios mais amplos, em função do tema tratado: bem-estar social, turismo, cultura, segurança, etc. Ou seja, o en-caminhamento de uma resposta aos desafios sociais requer a co-laboração intermunicipal. O município é, na grande maioria dos temas, insuficiente para dar sozinho uma resposta adequada.

Ele deve ser considerado a unidade básica de um sistema de redes – regional, macrorregional ou internacional – de cidades que interagem em uma temática concreta. Gerir a qualidade de vida da população de um município também é a gestão das relações externas intermunicipais.

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A crescente importância dos governos intermunicipais

Neste contexto das redes municipais, adquirem grande impor-tância os níveis de administração que têm a responsabilidade pela promoção e suporte à intermunicipalidade.

No conjunto do Estado espanhol existe uma grande fragmen-tação municipal e um importante “minifundismo” municipal. Os Conselhos Provinciais (Diputación), na qualidade de administrações locais, têm desempenhado historicamente o papel de governo su-pramunicipal. Os municípios pequenos delegaram aos Conselhos competências, provisão e gestão de recursos que, pelo seu tama-nho, não poderiam assumir. Desse modo, os Conselhos assumiram competências e serviços que gerenciam para âmbitos superiores a cada município, atuando como governos supramunicipais.

Os Conselhos Provinciais assumiram ao longo da sua história o financiamento e a gestão de serviços e equipamentos que na atua-lidade, na Espanha, são competência dos estados (Comunidades Autónomas ou Departamentos). Este fato, juntamente com as polí-ticas de investimento e subvenções dos Conselhos aos municípios, fez com que muitos estados queiram acabar com os Conselhos por considerá-los concorrentes. A este motivo se soma ainda o fato de que o território provincial representa uma divisão territo-rial adotada pelo Estado Nacional, e não corresponde à divisão que alguns estados lhes consideram adequadas. Não é finalidade deste trabalho entrar neste debate, afirmar a necessidade de um governo supramunicipal, seja lá que nome tenha. Porém, o que uma sociedade em rede precisa e, em particular, a governança territorial também, é sobretudo de um governo intermunicipal.

O governo supramunicipal é necessário para fornecer os equi-pamentos e serviços de competência exclusivamente municipal e que um segmento de prefeituras não pode proporcionar a seus municípios. O governo supramunicipal não é, portanto, uma no-

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vidade. É, simplesmente, uma maneira de dar continuidade à fun-ção de prestação e gestão de serviços das prefeituras.

Diferentemente, um governo intermunicipal constitui uma novidade e é uma dimensão com vocação para prosperar na so-ciedade-rede. As dimensões da atuação intermunicipal são funda-mentalmente as seguintes:

Estabelecer um marco de referência comum sobre desa-• fios e objetivos a serem desenvolvidos no território, para que facilite a colaboração entre municípios.Produzir espaços de intermediação para articular a coo-• peração entre prefeituras.Fortalecer as aptidões estratégicas, relacionais e organi-• zativas dos governos locais para o desenvolvimento da governança, tanto no interior de cada território como nas relações externas com outros atores e níveis de go-verno.Apoiar a liderança institucional das prefeituras e, em es-• pecial, de seus prefeitos e prefeitas, para fortalecer sua capacidade de representação e suas habilidades para construir o interesse geral em seu território, a partir dos interesses legítimos dos atores e setores cidadãos.

Os Conselhos, como governos supramunicipais, estabeleceram relações de hierarquia com as prefeituras. Se bem que sua tare-fa consista em apoiá-las no desenvolvimento de suas competên-cias, ao disporem de recursos escassos e terem que priorizar as ajudas, se estas não são feitas através de instrumentos objetivos, acabam por gerar relações de domínio e subordinação. Em troca, a dimensão intermunicipal exige horizontalidade, atuação lado a lado com as prefeituras, uma vez que se trata de gerar redes de municípios.

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9. A Governança do Bem-Estar Social

idEiAs principAis o bem-estar social: vanGuarDa Da Governança.1. é necessário reestruturar a Gestão Dos serviços públicos De 2. bem-estar social na Governança.a Gestão De reDes e a participação ciDaDã. eixos estruturantes 3. Do Governo relacional.a participação como envolvimento Da ciDaDania no 4. “fazer ci-DaDe”.o apoio social às estratéGias e políticas.5.

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O Bem-Estar Social: vanguarda da governança

A governança, como assinalamos anteriormente, é a arte de governar ou modo de governar específico do governo relacional. Este, por sua vez, é o que emerge com a sociedade-rede, também denominada sociedade do conhecimento. Hoje a governança se encontra em uma etapa ascendente, deslocando o caduco modo gerencial de governar que, além disso, comportou – e, sobretudo, sua permanência ainda comporta – grandes déficits nas duas gran-des dimensões da democracia: a qualidade da representação do eleito e a participação e colaboração cidadã na gestão da cidade.

O bem-estar social é um setor que está tendo um papel de vanguarda no desenvolvimento da governança local na Catalu-nha. Esta afirmação se sustenta na constatação empírica. A cidade de Barcelona conta com um plano estratégico setorial, o Plano Integral de Serviços Sociais, primeiro plano que evoluiu no senti-do de dar início aos processos de governança democrática. A as-sociação público-privada criada para impulsionar seus projetos foi definida em 2005, de maneira totalmente pioneira nas políticas de bem-estar da Catalunha e Espanha, ao passar a definir-se como associação promotora de governança no âmbito do bem-estar na cidade. O fórum dos gestores, do qual falaremos mais à frente, é uma experiência singular e inovadora no âmbito europeu, já que reúne as pessoas eleitas com responsabilidades de governo na área do bem-estar social com o objetivo de fortalecer projetos, conteúdos, técnicas e boas práticas na nova arte de governar.86

O fato de que as políticas de bem-estar social na Província de Barcelona se encontrem em uma situação avançada para assumir o desenvolvimento da governança democrática deve-se, entre ou-tras, às seguintes razões principais:

86 Vide nota anterior sobre o fórum. (Nota do tradutor)

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O impacto do enfoque do desenvolvimento social comunitá-• rio, que teve um importante desenvolvimento nos anos 70 e princípios dos anos 80. Ainda que, posteriormente, este enfoque tenha ficado subordinado à necessária or-denação e gestão de um importante fluxo de recursos e serviços que chegaram, a perspectiva do trabalho social comunitário não se perdeu, apesar de não ter sido favo-recida. A governança democrática não tem semelhança com o trabalho comunitário. A governança é um modo de governar e o trabalho comunitário é uma dimensão do trabalho social. Deve-se ter em conta, por exemplo, que os enfoques teóricos do trabalho comunitário não contemplam o papel do governo e do político eleito de uma maneira explícita. Mas, claro, têm em comum a fi-nalidade de que a própria sociedade, em um caso, e a comunidade, em outro, assuma a realização de seus próprios desafios.É um dos âmbitos do governo local em que • se constata com a maior crueza a impossibilidade de que o crescimen-to dos recursos públicos satisfaça as crescentes necessidades sociais. Nasce daí sua disposição para inovar em políticas públicas. A gestão próxima ao usuário e seu entorno social e territo-• rial permitiu o desenvolvimento do trabalho social como um trabalho relacional, destinado a estabelecer os vínculos entre os grupos sociais vulneráveis com a comunidade territorial e os usuários com seu entorno relacional, fami-liar e de trabalho. Estas atividades foram denominadas trabalho social comunitário e social sistêmico, respecti-vamente. A tradição de colaboração entre governos locais e ONGs• foi muito maior na Província do que no conjunto da Cata-lunha e Espanha, o que permitiu a rápida compreensão

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da necessidade de coordenar atores para gerir projetos sociais complexos. Por outro lado, permitiu que as organi-zações sem fins lucrativos fossem contratadas pela admi-nistração para gerir os serviços financiados com fundos públicos. Em muitos lugares do Estado espanhol a aber-tura de processos de terceirização dos serviços significou, desde o começo, a entrada de grandes empresas comer-ciais procedentes de setores sem experiência na área de prestação de serviços sociais.

Os serviços de bem-estar social, em especial a assistência • social, opuseram maior resistência à cultura empresarial, própria da última etapa do governo provedor. O traba-lho relacionado com as temáticas de alta necessidade social, pobreza e exclusão, próprias de muitos setores do bem-estar social, levou à recusa da apropriação lu-crativa dos recursos que poderiam ser revertidos a estes âmbitos de atuação. Esta resistência às empresas de fins lucrativos e a existência de um importante tecido social facilitaram a transição rápida do modelo burocrático ao modelo de governança com pouca influência do modo gerencial, que provoca uma rejeição na maioria dos profissionais do setor.

Uma tradição bem assentada na assistência social é a dife-• renciação entre demanda e necessidade na atenção à po-pulação usuária. Esta distinção que aparecia como con-flito no modo gerencial, que entendia a qualidade como satisfação aos pedidos dos clientes ou usuários, constitui um bom enfoque para um dos pilares do desenvolvi-mento da governança, uma vez que esta, como já apon-tado, distingue entre o que é interesse ou necessidade e o que é posicionamento ou demanda.

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A reestruturação da gestão dos serviços públicos do bem-estar social

A governança, como modo de governar próprio do gover-no relacional, incorpora, naturalmente, a função de prestação e gestão de serviços públicos no município. Esta função deve desenvolver-se, sem dúvida, através dos critérios de eficácia e eficiência. Entretanto, a gestão de serviços e, em especial, a sua eficácia e eficiência são reconfiguradas na governança relativa-mente ao modo gerencial de governar.

O modo gerencial tem como preocupação a improdutividade dos serviços financiados com fundos públicos geridos burocrati-camente, e busca na imitação das empresas privadas os métodos e instrumentos para melhorar a produtividade e, deste modo, alcançar um maior número de usuários ou clientes dos serviços públicos. A eficácia, definida na realização dos objetivos (ser efi-caz é cumprir objetivos), no modo gerencial de governar era e é entendida como a cobertura dos serviços, financiados com fundos públicos, sobre a população potencialmente ou manifestamente demandante. Eficiência, que se define pela relação entre eficácia e custos, consiste, no modo gerencial, em aumentar a cobertura com o mínimo custo possível.

A aplicação do modo gerencial na área do bem-estar social, em comparação com outros setores das políticas públicas, era e é delicada porque o incremento da cobertura não necessaria-mente significa a satisfação das necessidades dos usuários, que é o verdadeiro objetivo das políticas sociais. Assim, por exemplo, ainda que exista uma relação direta entre pessoas vacinadas e a prevenção de uma enfermidade, o aumento do número da cobertura dos serviços à infância não significa, que tenha sido reduzido o risco de exclusão ou sua dependência psíquica ou sua vulnerabilidade social. Isto depende de como se trabalha no serviço e, logicamente, de haverem sido definidos com clareza

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os objetivos do mesmo e feita a sua avaliação com sistemas de indicadores adequados.

Um dos principais problemas das políticas sociais é que se passou de um sistema de gestão burocrático, baseado em proce-dimentos administrativos e com funcionários públicos, à tercei-rização através de licitações, em que a produtividade é o critério dominante. A uma crítica injusta à gestão por procedimentos burocrático-administrativos (que ainda que não sirvam para ge-rir serviços, mantêm a função da garantia de direitos e de racio-nalidade legal) se juntou a exaltação de tudo que procede do mundo dos negócios.

Na governança, ainda que admitindo que o aumento de co-bertura se relacione diretamente com a satisfação da necessidade do usuário, como no caso de alguns serviços em domicílio dedica-dos a pessoas com grandes dependências permanentes, o critério de eficácia não é o mesmo do modo gerencial. Não é simples-mente o incremento da cobertura, mas o impacto do serviço na capacidade de organização e ação do conjunto da cidadania para satisfazer ou dar respostas às necessidades e desafios sociais. Isto é, o que a governança exige como critério de eficácia ou, o que é o mesmo, como cumprimento de objetivos próprios do seu modo de governar, é que a prestação e gestão de serviços financiados com fundos públicos tenham uma dimensão comunitária. Que contribuam para melhorar a capacidade de resposta do conjunto da sociedade. Na governança é preciso exigir da gestão dos servi-ços a complementaridade com outros serviços do município, para formar redes de atuação público-privadas sob a responsabilidade pública, assim como o envolvimento comunitário de famílias e usuários em ações de melhoria do capital social, ou, em termos mais tradicionais, de desenvolvimento comunitário.

O esquema que diferencia o modo de governar gestor ou ge-rencial da governança aplicado à área do bem-estar social é o seguinte:

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Damo-nos conta de que a prestação de serviços públicos deve impactar o desenvolvimento comunitário, e, por isto, o envolvi-mento social é um critério essencial para abordar a eficácia dos serviços na perspectiva da governança.

A eficiência se relaciona diretamente, na governança, com o custo dos serviços que não são eficazes. Quer dizer, que incidem diretamente tanto na satisfação das necessidades dos usuários como no desenvolvimento da capacidade da comunidade no ter-ritório em que se situam.

Em qualquer política pública de um governo relacional, a go-vernança – e, naturalmente, a área de bem-estar social – respon-deria ao seguinte esquema:

Esquema gestor Esquema governança

Desenvolvimento social

Participação desenvolvimento

comunitário

Infraestruturas e serviços

Capacidade de organização

Políticas de Bem-Estar Social Políticas de Bem-Estar Social

Infraestruturas e serviços

Desenvolvimento social

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Assim, temos um âmbito de legalidade para garantir os di-reitos de todos os cidadãos, dirigido por funcionários, isto é, por trabalhadores especialmente protegidos das mudanças políticas e institucionais para garantir ao máximo a neutralidade e adequa-ção à lei dos procedimentos de contratação, participação e cola-boração interinstitucional e público-privada. É de se supor que a participação e colaboração serão as áreas de maior desenvolvi-mento normativo na governança.

Trata-se de uma prestação e gestão de serviços que não impac-tará somente na melhoria dos índices de cobertura, mas especial-mente na capacidade do desenvolvimento comunitário.

O âmbito relacional, que assume na governança o papel estru-tural de todas as funções de governo, é o que terá maior nível de

Governança Territorial: nova arte de governar

Gestão relacional ou estratégica

Capacidade de organização do território

Progresso econômico e social

Âmbito legal-burocrático

Provisão e gestão de recursos

(1)(3)

(2)

(1)

(1) A posição da função de âmbito legal ge-rida pela burocracia profissional e a provisão da gestão e recursos gerida por profissionais não burocráticos são suporte de gestão estra-tégica. A linha pontilhada (2) significa que a gestão relacional e de recursos têm que res-ponder à legalidade e normas democráticas.A seta (3) significa que os recursos próprios devem articular-se com os objetivos da ges-tão estratégica.

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desenvolvimento, uma vez que consiga apoiar-se em um conjunto de metodologias e técnicas específicas que constituem a gestão relacional.

No âmbito da função de prestação e gestão de serviços, a passagem do modo gerencial para a governança deve significar a promoção das seguintes mudanças mais importantes:

De perspectiva: será contemplado, por parte do gover-• no, o conjunto da oferta de serviços de bem-estar social no território.De concepção da qualidade: será priorizada a qualidade • das redes – a intensidade e qualidade das interações en-tre serviços para assegurar uma ação integral.De contratação de serviços: importância da gestão co-• munitária.

A visão do conjunto da oferta de serviços do território

Ao centrar-se em objetivos para o conjunto da população do território e, a partir daí, gerir as interdependências de todos os ato-res que atuam em uma situação social, o governo local, na gover-nança, não apenas se fixará na oferta de serviços específicos, mas no conjunto da oferta de serviços no município e em sua área de influência. E, no mínimo, tentará articular os atuais e futuros presta-dores para que, em conjunto, possibilitem que sejam alcançados os objetivos de cobertura para toda a população do município.

É próprio do modo gerencial de governar atender apenas o percentual da população que será coberto pelos recursos pú-blicos oriundos do município, sejam estes próprios ou obtidos por transferência de outros níveis da administração. Assim, por exemplo, um planejamento municipal pode indicar um objetivo de cobertura para os serviços de assistência em domicílio finan-

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ciados pelo município que alcance 4% da população-alvo e, na verdade, só atingir os 2%. A partir dessa defasagem definirá, com data precisa e possível – digamos, quatro anos –, o incre-mento de recursos próprios e das transferências de outras admi-nistrações para conseguir o aumento da cobertura.

Esta forma de atuar dos governos locais, tão centrada na ati-vidade setorial e no impacto populacional que pode obter, des-considera o nível de cobertura necessário para o conjunto da população que depende do município, esquecendo que foram escolhidos como representantes por todos os cidadãos para cuidar da satisfação de todos e não só daqueles aos quais pode chegar através de sua ação setorial.

Um governo relacional se fixará nos níveis de cobertura a se-rem alcançados no conjunto do município e buscará articular e coordenar com todos os atores as medidas necessárias para tal. É preciso um planejamento compartilhado e também uma ges-tão das interdependências dos atores para atingi-los. Assim, no mesmo município do exemplo anterior, detecta-se que o nível de cobertura necessário é de 6%, a oferta financiada é logicamente a mesma, 2%, mas na nova perspectiva identifica-se que outros 2% são cobertos pela iniciativa social e privada, e, além disso, 75% da população dependente está sob o cuidado de familiares. No novo modo de governar, o que procede é constituir um grande acordo estratégico entre a prefeitura, a iniciativa social e empresarial e os demais níveis de governo para desenvolver ações coordenadas destinadas a alcançar os 6% de cobertura necessários.

A aplicação da “Lei de Promoção da Autonomia Pessoal e Aten-ção a Pessoas em Situação de Dependência”, denominada colo-quialmente “Lei da Dependência”, está significando um aumento da oferta de serviços nos municípios. Dadas a procedência distinta dos fundos públicos, a terceirização da gestão dos serviços e o in-cremento da variedade dos mesmos, torna-se necessário assegurar a coordenação e a complementaridade da oferta de serviços. Não

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fazê-lo (a capacidade de conseguir maior bem-estar pelo aumento da oferta) diminuirá em função da muito provável fragmentação da oferta. A tarefa de liderar a constituição de um marco refe-rencial para a colaboração e complementaridade dos serviços no município é um novo tipo de ação que corresponde à prefeitura, para o que necessitará de nova capacidade de organização.

Um objetivo se destaca de maneira especial na governança: a oferta de serviços públicos deve contribuir para o fortalecimento da sociedade civil e, em particular, de sua capacidade para assu-mir maiores responsabilidades sociais. As políticas de oferta de serviços públicos devem contribuir para a melhora da qualidade de vida da população com necessidades e também dos familiares e vizinhos que assumam tarefas de solidariedade social.

Trata-se de evitar que o compromisso social da sociedade civil seja debilitado por uma configuração inadequada de políticas de bem-estar social. Um exemplo de má política se produziu em al-guns municípios da Província de Barcelona, ao contratarem exter-namente, sem analisar as redes sociais do território, e com fundos públicos, a figura dos profissionais de atividades recreativas para a infância nos bairros (monitores), cujo efeito foi o contrário do que se pretendia: destruíram a atividade profissional e também a voluntária, que se desenvolvia nas paróquias e entidades de mo-radores. O conjunto da oferta para a infância diminuiu. Em troca, a introdução dos serviços municipais que dão suporte às famílias acolhedoras, denominadas “respir”,87 está favorecendo a incor-poração de pessoas acolhedoras e a qualidade de sua atenção, ao disporem de diversas atividades para as pessoas assistidas. Deste modo, familiares e voluntários acolhedores podem combinar suas atividades cotidianas com a solidariedade familiar e de vizinhos.

87 Centros de descanso de curta permanência para idosos ou pessoas com problemas físicos ou psíquicos, para dar um tempo para "respirar" aos familiares que se encarregam do seu cuidado, para permitir-lhes tirar férias, alguns dias de descanso ou mesmo um dia para cuidar de algum assunto pessoal. (Nota do tradutor)

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A qualidade das redes: as marcas de garantia

O novo modo de governar implica integralidade na concepção das necessidades das pessoas e, portanto, precisa da articulação do conjunto de serviços para que representem uma oferta de qua-lidade. Em outras palavras, que o conjunto de serviços públicos e de iniciativa das organizações sociais possa cobrir todas as necessi-dades das pessoas, no caso em que elas sejam de natureza pública – objetivo das políticas sociais.

Uma pessoa com necessidade de assistência em um momento determinado pode precisar de ajuda domiciliar e teleassistência. Em outro momento, pode precisar do seu ingresso em um centro de descanso, ou em uma residência assistida e, outra vez, de uma assistência domiciliar, etc. A atenção integral, portanto, precisa de uma coordenação de serviços baseada na qualidade. Dado que a oferta de serviços para propiciar a atenção integral em um mu-nicípio se acha fragmentada em uma pluralidade de instituições, torna-se necessário o estabelecimento de uma marca que englobe o seu conjunto.

Na Espanha, as autoridades portuárias são exemplos do bom funcionamento de uma marca. Os portos precisam, para sua com-petitividade, assegurar objetivos, como garantir, por exemplo, que um carregamento de calçados chegue a seu destino no prazo de sete dias. Para conseguir isto, um porto precisa coordenar a ação de diferentes operadores e atores, tanto na cidade de ori-gem como no destino: consignatários, transportadores, agentes aduaneiros, empresas de contêineres, estivadores, rebocadores, operadores ferroviários, entre outros.

Para alcançar tal coordenação, organiza-se uma marca de qua-lidade. A marca tem um conselho de direção formado pela autori-dade portuária, o Estado e a prefeitura da cidade. Os operadores também integram a marca, desde que cumpram uma série de

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condições e compromissos operacionais. Por sua vez, os clientes que contratam os serviços da marca têm a garantia do cumpri-mento dos mesmos. Em caso de descumprimento por parte de algum operador, a marca impõe as sanções previamente estabele-cidas e, se reiterada a falha, cabe a sua expulsão.

Para a articulação de serviços, a qualidade é insuficiente – o procedimento das normas ISO e a metodologia EFQM se centram na qualidade, no interior de cada serviço. As marcas de qualidade podem exigir de cada operador tais normas, mas elas garantem a qualidade de cada serviço e, também, a sua coordenação.

Em uma oferta de serviços de bem-estar social, cada vez mais ampla e fragmentada, é preciso uma ação dos governos locais apoiados pelos demais níveis de poder para promover e dirigir uma marca de qualidade em um território.

Uma marca de qualidade em serviços de bem-estar social de-verá, no mínimo, dispor dos seguintes elementos:

Um serviço de recepção de novos sócios que solicitem • ingressar na marca de qualidade.

Exigências mínimas de funcionamento interno para cada • um dos serviços distintos incluídos na marca.

Uma identificação dos compromissos de coordenação • entre cada tipo de serviço.

Um serviço de queixas e reclamações próprio da marca • de qualidade para usuários, familiares e vizinhos.

Uma normativa de bonificações e sanções, inclusive ex-• pulsão, para os serviços que não cumpram as regras.

Uma política de comunicação e divulgação da marca de • qualidade para a cidadania e entidades sociais.

As marcas de qualidade são, sem dúvida, um claro instrumen-to de gestão relacional, de governança. Através deste instrumento, o governo local assume um papel de maior relevância social como

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fiador da qualidade e da atenção integral do que desempenhava como simples prestador ou gestor de determinados serviços.

Na governança, a responsabilidade pública não somente con-siste em responder pela qualidade dos serviços financiados com recursos públicos, mas, e fundamentalmente, em responsabilizar-se pela resposta coletiva aos desafios e necessidades sociais da população, e garantir a qualidade da atenção integral aos usuários dos serviços.

As marcas de qualidade começam a ter uma clara expansão quando são aplicadas no âmbito turístico, assistência sanitária, nas instalações esportivas, no transporte coletivo intermodal de passageiros, etc., e, em breve, seguramente, nos serviços de bem-estar social na Província de Barcelona.

É preciso que se vá preparando o futuro das marcas de quali-dade na área do bem-estar social, assim como também a organiza-ção da oferta de serviços com critérios de governança, isto é, para que tenham um impacto positivo na capacidade de organização e resposta comunitária. Deve-se iniciar, de imediato, a revisão dos critérios de adjudicação nas licitações públicas para a contratação externa dos serviços de bem-estar social.

A contratação externa para a gestão de serviços com base no desenvolvimento comunitário

A experiência da gestão burocrática de serviços, cuja crítica e superação deu origem ao modo gerencial, é suficiente para pensar que a gestão pública dos serviços de assistência social não seja direta, através de profissionais da administração, mas por terceiri-zados contratados externamente. Por outro lado, a complexidade de situações e necessidades sociais requer uma ampla gama de profissionais e uma grande capacidade de adaptação e, portanto, de flexibilidade, que fazem com que uma organização burocrática

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– no sentido de que sua finalidade é zelar pela legalidade, tem natureza necessariamente normativa e é protegida para garantir direitos – não possa assumir a gestão destes serviços.

A governança exige contratação externa dos serviços financia-dos com recursos públicos em igual ou maior proporção do que no modo gerencial, mas será preciso suprimir e introduzir critérios de prioridade nos processos de contratação externa. Em especial, os seguintes:

Um critério essencial para a terceirização, que já podia • ter sido estabelecido no modo gerencial, é definir os objetivos de impacto na população usuária. A identifi-cação destes objetivos permite a medição posterior de resultados nos serviços sociais, e levam a não pressupor que um incremento de produtividade seja suficiente para aferir a eficácia no cumprimento de objetivos de fortalecimento da autonomia pessoal ou de inserção so-cial. É muito importante recordar que se eficiência é um cociente em que o numerador é a eficácia e o denomi-nador é o custo, no caso em que a eficácia tenda a zero, por mais produtivos e de baixo custo que sejam os servi-ços, a eficiência será zero. Este resultado é com bastante frequência esquecido por aqueles que se consideram en-tusiastas da produtividade em serviços sociais, uma vez que, se não há resultados, de nada serve a produtividade ou o baixo custo das atividades ou serviços ineficientes.Parece óbvio que, na contratação externa de serviços • sociais, o fundamental seja a existência de cláusulas perfeitamente mensuráveis através de indicadores, tan-to para identificar as características das entidades a se-rem contratadas e garantir sua responsabilidade social como para regular e controlar a qualidade da atenção na atividade dos serviços e medir os resultados. Ao con-trário do que é hoje prática habitual, a variável custo

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na contratação de serviços na área de assistência social só deveria pontuar na adjudicação no caso de um hipo-tético empate na pontuação dos critérios de qualidade, na atenção e nos resultados sociais propostos a serem alcançados.

Só pela pequena capacidade de inovação, pode-se en-tender que na gestão dos serviços públicos, ainda hoje, persistam critérios econômicos próprios do industrialis-mo, que, entre outros, considera em sua contabilidade as pessoas como gasto e os equipamentos e máquinas como ativo.À parte deste critério de racionalidade própria de qual-• quer tipo de gestão dos recursos públicos, a gestão rela-cional – ou de interdependências, própria da governança – exige uma série de outros critérios para que a presta-ção dos serviços repercuta positivamente na geração de tecido social, ou no seu fortalecimento, e na adaptação à diversidade social própria do território. Só desse modo conseguirá os resultados essenciais e a articulação neces-sária com as políticas de desenvolvimento comunitário e as políticas públicas do território.A coordenação com os serviços sociais e pessoais do ter-• ritório para estabelecer uma cobertura na rede que per-mita uma resposta integral aos desafios sociais através da complementaridade dos serviços.A dimensão comunitária da gestão do serviço, de tal • modo que facilite a máxima inserção dos usuários e fa-miliares em associações e movimentos de interesse so-cial. São muito destacados na Província de Barcelona os serviços geridos por associações dedicadas à assistência a pessoas com dependência física e psíquica, assim como os dedicados à prevenção e assistência aos dependentes químicos, em que se canaliza a participação de pessoas

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usuárias e familiares para as tarefas de voluntariado para a prevenção de riscos e à ajuda mútua.A contribuição ao desenvolvimento da cultura cívica no • território e, deste modo, contribuir para a geração de capital social.

Dado que “o hábito não faz o monge”, não se pode concluir que as entidades sem fins lucrativos sejam as depositárias da con-tratação externa dos serviços em um governo relacional. Porém, parece razoável que não sejam empresas ou entidades sem fina-lidades nem práticas sociais, muito menos as que procedem de setores como construção civil, construção de estradas, canais e portos ou com especialidade na coleta e tratamento de resíduos sólidos, para citar alguns exemplos reais, as que consigam maior pontuação nos processos licitatórios de serviços sociais públicos. Esta é, no mínimo, uma prova da confusão de critérios a que se pode chegar na gestão pública. E, sem dúvida, constitui uma pro-va da permanência do modo gerencial baseado na denominada escola da “Nova Gestão Pública”, que optou pela imitação das empresas privadas, em vez de inovar na gestão pública, que é do que realmente se trata.

A gestão de redes e a participação cidadã

A gestão relacional – ou seja, das relações sociais que constro-em a sociedade propriamente dita, já que esta é uma configura-ção espaço-temporal de relações sociais que se localizam em um território – é o instrumento fundamental da governança democrá-tica, como observamos anteriormente.

A gestão relacional tem duas dimensões fundamentais: a ges-tão de redes ou das interdependências88 propriamente ditas e a

88 Ver M. Castells, La Galaxia Internet. Barcelona: Ed. Plaza y Janes, 2001, pp.15 a 29.

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participação cidadã, à qual podemos agregar uma terceira, que é o apoio social às estratégias e políticas públicas.

Por redes entendemos uma série de nós interconectados. Os nós não são em temas sociais homogêneos, pois têm uma impor-tância desigual ou assimétrica. Uma situação social tem a configu-ração de rede se esta depende da interação de um conjunto de atores e seu desenvolvimento ou evolução depende da dinâmica que estabeleçam de maneira consciente ou inconsciente entre si. Neste sentido, ainda que não se tenha atuado em consequência disso, toda questão social é uma questão de redes ou de interde-pendências de atores.

As redes sociais têm um sentido mais forte que as interações sociais. Tudo interage com tudo, mas a rede se distingue porque existe uma clara interdependência de um número reduzido de atores para enfrentar um desafio ou uma situação social.

De maneira semelhante, um projeto em rede significa que a realização do mesmo depende da ação de diferentes atores que contribuem com recursos econômicos ou humanos para a realiza-ção do mesmo, e sem eles a realização não seria possível.

As redes, portanto, implicam horizontalidade para poder iden-tificar os interesses e desafios dos distintos atores, articular estes interesses de maneira complementar em estratégias, projetos, e compromisso de ação para realizá-los.

O exercício da liderança na gestão de redes por parte do go-verno local significa a possibilidade de criar e programar redes em função de distintos objetivos sociais compartilhados, e, por outra parte, a capacidade e habilidade para conectar distintas redes de atores de tal modo que compartilhem objetivos e possam dispor de um maior volume de recursos para os seus objetivos.

Na opinião de Castells, a importância de um nó em uma rede depende de sua capacidade de contribuir para os objetivos da

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rede.89 Em nosso caso, em uma rede de atores, a liderança polí-tica é alcançada pela capacidade de representação dos distintos interesses e pelo desenvolvimento das habilidades para realizá-los através de políticas e projetos.

Na perspectiva da governança, enfrentar um desafio ou um projeto significa a necessidade de convocar todos os atores, mas não todos os setores ou organizações que têm a ver, quer dizer, que serão direta ou indiretamente beneficiados ou prejudicados pelo mencionado desafio ou projeto. As redes, como observado, agrupam atores interdependentes – organizações e pessoas que têm tanto a capacidade para desenvolver o projeto como para im-pedir que este atinja seu objetivo. Falamos de interdependências de rede ou, inclusive, de cooperação público-privada e institucio-nal só nestes casos.

A colaboração que a partir do governo local deve ser estabe-lecida considera, no mínimo, os seguintes âmbitos:

As relações intergovernamentais: tanto com governos de • distintos níveis territoriais como multilaterais com gover-nos do mesmo nível, sejam intermunicipais ou inter-re-gionais.As relações com grandes instituições: universidades, cen-• tros de pesquisa e desenvolvimento, câmaras de comér-cio, fundações culturais e educativas de prestígio, igrejas, etc. As relações com o setor econômico privado: setores eco-• nômicos produtivos e financeiros, empresas de capital de risco, confederações e associações empresariais, etc.As relações com agentes sociais e profissionais: sindica-• tos, associações profissionais, associações de moradores, movimentos sociais importantes, etc.

89 M. Castells, La Sociedad Red: una visión global. Madri: Ed. Alianza, 2006, p. 27.

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A gestão relacional não é apenas gestão de redes, pois incor-pora também a dimensão participativa. Do contrário, ela seria uma gestão excludente, uma vez que as organizações ou setores com pequeno poder de ação ou reação não seriam levados em conta. O que nos assegura de que estamos falando de governança democrática, de uma construção do interesse geral, é a dimensão participativa, o fato de contar com todos os setores envolvidos e interessados. A distinção entre gestão de redes, participação cida-dã e apoio social a políticas ou projetos é muito importante devi-do a suas consequências práticas. Uma indiferenciação dificulta a operacionalização da governança.

A participação como envolvimento da cidadania na construção da cidade

Em um sentido amplo, a gestão de redes e a política de apoio social podem ser entendidas como participação cidadã. Mas aqui, justamente para dar maior capacidade operacional à governança e seu principal instrumento, a gestão relacional, será preciso mais.

Entende-se por participação cidadã o processo de envolvi-mento do conjunto de setores da sociedade através de entidades e organizações sociais, que não são propriamente atores em um âmbito concreto. O objetivo principal é conhecer seus interesses, desafios e necessidades para poder diferenciá-los dos seus posi-cionamentos.

A participação cidadã implica necessariamente a criação de espaços de cidadania para a deliberação. Estes espaços devem ser, por sua vez, flexíveis e bem organizados, com metodologias rigo-rosas e bem orientadas para o objetivo de identificar, sistematizar e dar prioridade aos interesses e necessidades sociais.

A participação da cidadania tem um impacto básico na capa-cidade de organização e ação que a gestão relacional persegue

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– a articulação de uma ampla rede social e o fortalecimento do capital social.

Por capital social se entende o conjunto de redes que as pes-soas podem formar para resolver problemas comuns. São redes de compromisso cívico como entidades esportivas, associações de moradores e culturais, etc. Quanto mais densas são estas redes, maiores as possibilidades de que os cidadãos cooperem para ge-rar oportunidades comuns de bem-estar.90 Construir capital social requer conhecimento do “outro”, a geração e preservação da con-fiança e compromisso de atuar conjunta e coordenadamente.

A participação cidadã é entendida como um conjunto de pro-cessos que têm por finalidade o envolvimento da cidadania no desenvolvimento da cidade, isto é, que cidadãos se sintam parte da cidade. Participação não é, na governança, um simples pro-cesso para canalizar demandas, sugestões ou recomendações à administração municipal. Trata-se de que as pessoas reconheçam sua importância no passado, presente e futuro da cidade e se res-ponsabilizem pelo andamento da mesma. Participação é compro-misso e colaboração cidadã.

No modo gerencial de governar, também encontramos pro-cessos de participação, mas neste caso se dirigem à administração como clientes e usuários, para que esta melhore a prestação e gestão de recursos e serviços. Assim, encontramos processos parti-cipativos para fazer recomendações e sugestões em:

Análise das situações sociais.• Programas para a gestão pública.• Serviços que se adaptem às necessidades dos usuários.• Realização de serviços públicos.• Avaliação de resultados.•

90 Ver D. Putnam, Making Democracy Work: Civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press, 1993. p. 125.

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Na governança, estes processos são uma dimensão subordi-nada. O importante é criar espaços, como fizeram muitos planos estratégicos, em que o cidadão descortina o conjunto do território e não apenas a oferta municipal ou pública, e se coloca em uma situação de corresponsabilidade.

Para finalizar esta seção, é importante observar que muito frequentemente ocorrem erros na concepção dos processos parti-cipativos, que levam à inoperância dos mesmos e debilitam a im-portante contribuição da participação cidadã à democracia local e como dimensão que não só completa, mas qualifica a democra-cia, que é fundamentalmente representação. Entre os principais erros, encontramos:

Confunde-se participação com elaboração de estratégias • ou de projetos. A elaboração de estratégias e projetos é uma tarefa complexa e precisa, de rigor técnico e concei-tual, pelo que não se pode deixar esta tarefa aos proces-sos participativos. Tal como já observado, os processos participativos devem identificar desafios e interesses, e estes são o principal insumo para a elaboração de estra-tégias. O contrário significaria obter estratégias e proje-tos sem legitimação nem apoio social, e o processo de elaboração não teria impacto na melhoria da capacida-de de organização. Atribui-se erroneamente à participação cidadã a apro-• vação das estratégias e projetos. De fato, a participação irá referendar e dar consentimento majoritário à estra-tégia e, sobretudo, aos projetos. Mas a aprovação dos mesmos depende dos atores que têm capacidade para levá-los a termo. A aprovação participativa de projetos sem o compromisso prévio dos atores relevantes para a sua execução não traz a garantia de que estes serão con-cretizados, com o que se produz uma importante frus-tração de expectativas nas pessoas e uma desconfiança

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nos processos participativos. Desconfiança que surge de serem propostas aos participantes deliberações que não lhes dizem respeito. Dos processos participativos podem, sim, sair critérios de atuação que orientem a ação políti-ca e a gestão de redes.Juntamente com o ponto anterior, verificamos que os • processos participativos se colocam como o lugar ade-quado para a tomada de decisões que correspondem à atuação dos eleitos e, de fato, reivindicam substituir os órgãos de representação política. Este é um erro de gra-ves consequências democráticas, uma vez que qualquer processo participativo é setorial-corporativo. A convoca-ção para os processos participativos se subordina a te-mas predefinidos e os participantes, quando muito, re-presentam suas organizações, e não são escolhidos pelo conjunto da cidadania. Considerar estes processos como substitutos das instituições surgidas de votações gerais é, sem dúvida, uma atitude antidemocrática e só explicável em situações em que os processos eleitorais tenham sido corrompidos.Não se distingue com clareza duas dimensões da par-• ticipação. A participação cidadã na elaboração de po-líticas municipais financiadas com recursos públicos da participação cidadã no “fazer cidade”, em fazer parte de organizações sociais, desportivas, culturais, de mo-radores, etc.; de adotar comportamentos cívicos e, na-turalmente, da participação eleitoral. Ambas são im-portantes e se condicionam mutuamente, mas os mé-todos para o seu desenvolvimento são distintos e, sem dúvida, a segunda dimensão é determinante.

A participação cidadã na elaboração e monitoramentos das políticas, em condições de normalidade democrática, qualifica a democracia. Por isto, sua finalidade deve ser concebida de tal

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modo que favoreça a participação eleitoral e o interesse pelo mo-nitoramento da política. Um dos principais indicadores dos pro-cessos de participação cidadã (embora não dependa apenas da participação) deveria ser o aumento da participação eleitoral, o interesse pela política e o prestígio da figura do representante po-lítico.

O apoio social às estratégias e políticas

O apoio social frequentemente engloba a participação, mas tem finalidades próprias. Aqui não se trata de identificar os inte-resses dos distintos setores da sociedade, mas de buscar o apoio social às estratégias e projetos. Dito de outro modo, trata-se de promover e dar visibilidade ao apoio da cidadania.

Uma das regras principais da eficácia do marketing de cidades é que não se pode dar visibilidade ao que não se tem, isto é, o marketing urbano deve assentar-se nas qualidades que efetiva-mente existem no território. Da mesma maneira, os métodos para conseguir o apoio estão destinados ao fracasso se as estratégias ou projetos não correspondem aos interesses e necessidades expres-sadas ou sentidas pela população.

Sem a existência prévia da participação cidadã, no senti-do anteriormente dito, dificilmente se conseguirá um amplo apoio social. Muito embora sejam necessárias medidas que vão muito além dos processos participativos para se alcançar um amplo apoio social.

Ainda que existam eventos que combinam com êxito um am-plo processo de participação com a visualização do apoio social, como no caso das conferências de exploração estratégica, ambos os processos devem ser pensados de maneira diferenciada.91

91 Trata-se de uma metodologia criada pela equipe da “Estrategias de Calidad Urbana”; ver www.equ.es

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Conseguir um amplo apoio social é básico para uma estratégia de futuro, porque proporciona a coesão da base social que pode sustentar as mudanças sociais envolvidas.

A visibilidade do apoio social constitui, por sua vez, uma “de-monstração de força” para os promotores das estratégias, políticas e projetos e, ao mesmo tempo, serve para dar-lhes a coesão ne-cessária para empreender as ações.

Para conseguir um apoio social é necessária, sem dúvida, uma política de comunicação e difusão da estratégia ou dos pro-jetos estruturantes. Embora este não seja um livro de técnicas sobre políticas de comunicação urbana, é preciso dizer que a comunicação para a sociedade com o objetivo de conseguir um forte apoio deve enquadrar-se em uma cultura que promova o envolvimento da cidadania e não a simples aceitação. Para isto, a comunicação deve ter duas dimensões: comover e convencer. O convencimento virá dos conteúdos estratégicos e da facilidade com que possam ser explicados. Para comover é preciso comuni-car valores, muito especialmente os seguintes:

O sentimento de enraizamento e de identidade com a • cidade, que deve ser fortalecido como instrumento para gerar responsabilidade social e predispor para ações vo-luntárias e solidárias para com os outros.A autoestima cidadã para enfrentar os desafios do futuro • com esforço, porém com confiança.O sonho realista em relação ao futuro, se as ações indivi-• duais são inseridas na tarefa coletiva; trata-se de valori-zar a contribuição cidadã no trabalho coletivo. A união entre tradição e modernidade na cidade, para • articular todos os setores da cidadania em uma mesma perspectiva de futuro, que será aquela que olhe o passa-do com os olhos de futuro.

A gestão de rede de atores, combinada com um amplo processo de participação cidadã e de apoio social, inseridos

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todos os três em um marco estratégico, articula a coesão so-cial prévia e necessária para que se produza o desenvolvimen-to humano na cidade.

A organização municipal necessária para a governança democrática

Em uma organização municipal cujo foco principal seja a pres-tação de serviços e a gestão de recursos, o principal apoio para o político com responsabilidades de governo é um gerente ou uma gerente de serviços com especialidade em gestão. É comum que esta pessoa de apoio seja especializada em administração de em-presas – é o que já mencionamos como o modo gerencial.

Na governança democrática, em que a gestão municipal sofre uma importante transformação, também os organogramas pas-sam a ser modificados. O principal apoio ao prefeito será as pes-soas especializadas em gestão relacional. Isto porque se trata de direcionar a gestão dos recursos e serviços no sentido de apoiar a melhoria da capacidade de organização e ação da cidade ou município.

Nas prefeituras que optam pela governança, se produz uma mudança no peso específico dos profissionais e departamentos. As mudanças de organograma dependem do tamanho e complexida-de das prefeituras e áreas municipais. Porém, com a exceção do topo da estrutura executiva, que é assumido por uma pessoa com enfoque e capacidade nas técnicas de gestão relacional, nestes go-vernos locais já se observam tendências para a organização munici-pal da governança como:

O surgimento dos departamentos de participação e coo-• peração cidadã que dependem diretamente do prefeito ou secretário responsável por uma área de atuação. Lo-gicamente a participação não é entendida apenas como participação na elaboração e monitoramento das polí-

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ticas municipais, mas como participação na cidade, nos processos de melhoria da coesão social.

Uma concentração, em um só departamento subordina-• do ao líder político, de profissionais com responsabilida-de na definição e promoção de estratégias, participação e comunicação cidadã, assim como dos programas ou projetos interdepartamentais.

Uma importância maior para as políticas transversais e, • sobretudo, para a gestão das interdependências de de-partamentos para alcançar objetivos sociais.

Em geral, os departamentos e áreas são definidos por pres-tações de serviços: esportes, ensino, serviços sanitários e serviços sociais. O que ocorre é que alguns não se definem pelo tipo de benefícios e serviços que prestam, mas por objetivos de impacto na população, e se denominam, por exemplo, saúde em vez de serviço sanitário, educação em vez de ensino, ou inclusão social em vez de serviços sociais etc., que são objetivos compartilhados por outros sistemas de serviços e benefícios.

A gestão relacional vai além da transversalidade das políticas, como por exemplo a promoção da igualdade de gênero. Sua fina-lidade é que os departamentos, áreas, etc. – só as estruturas verti-cais – compartilhem a consecução de um objetivo comum sem que seja objetivo de nenhuma delas em particular. A transversalidade exclui a gestão operacional, os órgãos transversais não participam de projetos operacionais, apenas monitoram o impacto produzido na sua finalidade. Todavia os objetivos sociais de impacto, como “dar cobertura às necessidades básicas” ou “reduzir as desigual-dades em capital educacional ou cultural”, exigem a articulação de diferentes sistemas de benefícios: serviços sociais, serviços sa-nitários, ensino, moradia, etc., mas neste caso se necessita de uma gestão de tipo operativo interdepartamental e interinstitucional; por esta razão, fala-se de gestão das interdependências.

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Estas tendências irão se configurando de maneira progressiva na maioria dos governos locais e nos departamentos de bem-estar social ou serviços sociais, em especial, dada a falência do modo gerencial como consequência da mudança das condições econô-micas e sociais que o fizeram surgir.

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Referências selecionadas

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A seguir são indicadas as referências bibliográficas e páginas eletrônicas mais diretamente relacionadas à temática do livro e possivelmente úteis ao leitor que queira se aprofundar na mes-ma.

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www.abas.org ABAS (Asociación Barcelona para la Acción Social) é uma parceria público-privada dedicada à promoção da gover-

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200 rEfErênciAs sElEcionAdAs

nança na área do bem-estar social na cidade de Barcelona. É in-teressante pelos seus documentos e projetos que promovem esta nova forma de governar.

www.aeryc.org AERYC (América-Europa de Regiones y Ciudades), é um movimento internacional que tem como finalidade o desen-volvimento da governança territorial. A página eletrônica contém, entre outros temas de interesse, os livros com as principais confe-rências e apresentações de suas conferências anuais, assim como boas práticas em governança. São de especial interesse, por sua singularidade, os temas de gestão regional através dos sistemas de cidades e as conclusões de suas conferências anuais.

www.diba.es/servsocials É interessante para o conhecimento dos programas de apoio das políticas de bem-estar social às iniciativas locais na Província de Barcelona.

www.iigov.org É a página do Instituto Internacional de Governa-bilidade da Catalunha. Suas publicações eletrônicas têm grande interesse e, em especial, a revista do instituto especializada na temática da governança. Sua revista eletrônica Instituciones y De-sarrollo também merece atenção.

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GovErnAnçA: umA novA ArtE dE GovErnAr202

O trabalho de Josep Ma Pascual Esteve não deixa o leitor indiferente. Tem clareza e força suficientes para fustigar as

práticas de governo estabelecidas e mostrar o caminho para a sua necessária transformação, ajustando-as às exigências da sociedade

do conhecimento e da informação. Trata-se de um contundente chamamento à ação e traz o

entusiasmo e a autoconfiança de quem sabe aonde quer chegar. Sua energia se concentra no fortalecimento dos governos

das cidades, para que possam enfrentar as dificuldades mais importantes na gestão das demandas cidadãs.

Por pretender ser propositivo e útil aos políticos e técnicos que atuam na administração dos municípios, o livro é bastante

didático. Para Pascual, a cidade deve ser uma construção coletiva e o governo local o dinamizador e organizador da capacidade de ação da sociedade. Defende com firmeza a opção pela qualidade do meio ambiente e o radical aprofundamento dos instrumentos

democráticos de governo.