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Sem Opção Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Saúde - Seção: - Assunto: Saúde - Página: B1 - Publicação: 21/05/20 URL Original: Governo Bolsonaro anuncia adiamento do Enem após pressão do Congresso Governo Bolsonaro anuncia adiamento do Enem após pressão do Congresso A prova deve ocorrer em dezembro ou janeiro, segundo o Inep O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais) anunciou nesta quarta-feira (20) o adiamento do Enem 2020. As datas serão postergadas de 30 a 60 dias em relação ao previsto nos editais. Assim, a prova deve ocorrer em dezembro ou janeiro. As aplicações estavam marcadas para 1º e 8 de novembro (em papel) e 22 e 29 de novembro (no computador). O adiamento das provas tem sido defendido por secretários de Educação e especialistas por causa do risco de aumento de desigualdades com a interrupção de aulas provocada pela pandemia. O exame é a principal porta de entrada para o ensino superior público. Criado em 1998, o Enem foi reformulado em 2009 e passou a ser adotado como vestibular nacional. O exame tem 145 questões e é aplicado em dois dias. Com os resultados, os participantes podem acessar a vagas no ensino superior por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada). O sistema reúne as vagas de instituições que selecionam alunos a partir da nota do Enem. Praticamente todas as universidades federais estão no Sisu. A USP, que é estadual, preenche parte de suas vagas pelo mecanismo. No primeiro semestre de 2020, 237.128 vagas de graduação foram oferecidas no Sisu, em 128 instituições de ensino superior. O Enem também é critério para acesso a bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos) e contratos do Fies (Financiamento Estudantil). O ministro da Educação, Abraham Weintraub, era contra o adiamento e vinha se esforçando para dar cores ideológicas às demandas pela remarcação da prova —argumentava que os pedidos de adiamento era feitos por aqueles que se opõem ao governo. Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) havia defendido "esperar um pouquinho mais" para se definir sobre o tema, mas, pelas redes sociais, escreveu no meio da tarde sobre o adiamento. "Por conta dos efeitos da pandemia de Covid-19 e para que os alunos não sejam prejudicados pela mesma, decidi, juntamente com o presidente da Câmara dos Deputados [Rodrigo Maia, DEM-RJ], adiar a realização do Enem 2020, com data a ser definida", escreveu em sua conta no Facebook. A Folha mostrou na terça-feira (19) que o Inep, órgão ligado ao MEC e que organiza o Enem, já analisava novas datas para as provas a pedido do próprio Weintraub. A nova postura do ministro ocorreu após avaliação de que o Congresso aprovaria o adiamento. O Senado aprovou na terça projeto para o adiamento de forma praticamente unânime —o único senador contrário à medida foi Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. O tema precisa passar pela Câmara, onde também há forte apoio pela aprovação. Segundo líderes da Câmara, o adiamento foi concretizado nesta quarta depois que o próprio Bolsonaro, ciente de que perderia no Congresso, deu o sinal para ministro anunciar a mudança. Na Câmara, Rodrigo Maia desconsiderou a decisão do Inep e do MEC e manteve na pauta do dia a votação da urgência do projeto que adia o Enem, aprovado pelo Senado. No início da sessão, Maia afirmou que pretendia votar a urgência do Enem, “da qual o presidente da República ficou de sinalizar ou não pelo seu adiamento”. Ao ser alertado sobre o anúncio do Inep, Maia alfinetou Weintraub e disse que não podia "acreditar nesse ministro”. A seguir, propôs a votação da urgência e que os deputados esperem “a posição do presidente da República”. O anúncio de adiamento neste momento já era visto como uma possibilidade por parlamentares, o que seria, segundo a avaliação de congressistas, uma forma de tentar esvaziar o protagonismo da Câmara e Senado no tema. O ministro havia sido avisado na terça de que haveria dificuldade em barrar a aprovação do projeto na Câmara. Além da perspectiva de derrota no Parlamento, a posição do ministro sofria resistência dentro do próprio governo. Segundo o Inep, tanto as provas em papel quanto as digitais, que ocorrerão em projeto-piloto, serão adiadas. O governo Bolsonaro manterá a previsão de uma consulta pública com os participantes. Segundo relatos de técnicos ouvidos pela Folha, uma nova data só será definida após a consulta, mas a ideia é que haja na consulta as opções de adiamento entre

Governo Bolsonaro anuncia adiamento do Enem após pressão ... · Na Câmara, Rodrigo Maia desconsiderou a decisão do Inep e do MEC e manteve na pauta do dia a votação da urgência

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SemOpção

Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Saúde - Seção: - Assunto: Saúde - Página:B1 - Publicação: 21/05/20URL Original:

Governo Bolsonaro anuncia adiamento do Enem apóspressão do CongressoGoverno Bolsonaro anuncia adiamento do Enem apóspressão do CongressoA prova deve ocorrer em dezembro ou janeiro, segundo o InepO Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais) anunciou nesta quarta-feira (20) o adiamento do Enem 2020. Asdatas serão postergadas de 30 a 60 dias em relação ao previsto nos editais. Assim, a prova deve ocorrer em dezembro oujaneiro.As aplicações estavam marcadas para 1º e 8 de novembro (em papel) e 22 e 29 de novembro (no computador).O adiamento das provas tem sido defendido por secretários de Educação e especialistas por causa do risco de aumento dedesigualdades com a interrupção de aulas provocada pela pandemia. O exame é a principal porta de entrada para o ensinosuperior público.Criado em 1998, o Enem foi reformulado em 2009 e passou a ser adotado como vestibular nacional. O exame tem 145 questõese é aplicado em dois dias. Com os resultados, os participantes podem acessar a vagas no ensino superior por meio do Sisu(Sistema de Seleção Unificada).O sistema reúne as vagas de instituições que selecionam alunos a partir da nota do Enem. Praticamente todas as universidadesfederais estão no Sisu. A USP, que é estadual, preenche parte de suas vagas pelo mecanismo. No primeiro semestre de 2020,237.128 vagas de graduação foram oferecidas no Sisu, em 128 instituições de ensino superior.O Enem também é critério para acesso a bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos) e contratos do Fies(Financiamento Estudantil).O ministro da Educação, Abraham Weintraub, era contra o adiamento e vinha se esforçando para dar cores ideológicas àsdemandas pela remarcação da prova —argumentava que os pedidos de adiamento era feitos por aqueles que se opõem aogoverno. Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) havia defendido "esperar um pouquinho mais" para se definirsobre o tema, mas, pelas redes sociais, escreveu no meio da tarde sobre o adiamento."Por conta dos efeitos da pandemia de Covid-19 e para que os alunos não sejam prejudicados pela mesma, decidi, juntamentecom o presidente da Câmara dos Deputados [Rodrigo Maia, DEM-RJ], adiar a realização do Enem 2020, com data a ser definida",escreveu em sua conta no Facebook.A Folha mostrou na terça-feira (19) que o Inep, órgão ligado ao MEC e que organiza o Enem, já analisava novas datas para asprovas a pedido do próprio Weintraub. A nova postura do ministro ocorreu após avaliação de que o Congresso aprovaria oadiamento.O Senado aprovou na terça projeto para o adiamento de forma praticamente unânime —o único senador contrário à medida foiFlávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. O tema precisa passar pela Câmara, onde também há forte apoio pelaaprovação.Segundo líderes da Câmara, o adiamento foi concretizado nesta quarta depois que o próprio Bolsonaro, ciente de que perderiano Congresso, deu o sinal para ministro anunciar a mudança.Na Câmara, Rodrigo Maia desconsiderou a decisão do Inep e do MEC e manteve na pauta do dia a votação da urgência doprojeto que adia o Enem, aprovado pelo Senado.No início da sessão, Maia afirmou que pretendia votar a urgência do Enem, “da qual o presidente da República ficou de sinalizarou não pelo seu adiamento”.Ao ser alertado sobre o anúncio do Inep, Maia alfinetou Weintraub e disse que não podia "acreditar nesse ministro”. A seguir,propôs a votação da urgência e que os deputados esperem “a posição do presidente da República”.O anúncio de adiamento neste momento já era visto como uma possibilidade por parlamentares, o que seria, segundo aavaliação de congressistas, uma forma de tentar esvaziar o protagonismo da Câmara e Senado no tema.O ministro havia sido avisado na terça de que haveria dificuldade em barrar a aprovação do projeto na Câmara.Além da perspectiva de derrota no Parlamento, a posição do ministro sofria resistência dentro do próprio governo.Segundo o Inep, tanto as provas em papel quanto as digitais, que ocorrerão em projeto-piloto, serão adiadas.O governo Bolsonaro manterá a previsão de uma consulta pública com os participantes. Segundo relatos de técnicos ouvidospela Folha, uma nova data só será definida após a consulta, mas a ideia é que haja na consulta as opções de adiamento entre

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30 e 60 dias.Ainda há receios dentro do Inep sobre a produção logística do exame em meio as restrições atuais de circulação.O MEC havia confirmado no fim de março a realização do Enem 2020 nas datas previstas desde o ano passado. Já no início deabril, o Consed, conselho que representa os secretários estaduais de Educação, criticou a manutenção das datas do Enem portemer prejuízos para os estudantes da rede pública, sem aulas por causa das restrições de circulação impostas pela pandemiade coronavírus.A insistência do governo em manter as datas do Enem, apesar da pandemia de coronavírus e do fechamento de escolas, vai nacontramão do que ocorre no mundo.A maioria dos países adiou exames de acesso à universidade, como é o caso do Enem. Só 5 países, entre 19 com provassimilares, mantiveram o cronograma.Apesar de cada país ter calendário escolar e panorama da doença diversos, a perda de aulas por causa do fechamento deescolas —e o prejuízo dos alunos— está no centro das preocupações da maioria dos países.Em nota, o Consed, que representa secretários estaduais de Educação, reforçou que sempre se posicionou pelo adiamento doEnem em meio à pandemia."Foi um avanço, e reduz um pouco da angústia e da pressão que os estudantes estão sentindo nesse contexto de pandemia", diznota da entidade. "A preocupação é maior com aqueles mais prejudicados, os alunos do último ano do ensino médio,especialmente da rede pública." Mais de 80% dos alunos de ensino médio do país estão nas redes estaduais.O órgão defende ainda que a consulta aos participantes, anunciada por Weintraub, deve ser estendida às redes de ensino einstituições de ensino superior.Para educadores, 30 dias não é prazo suficienteEducadores ouvidos pela Folha aprovam a decisão de adiar do Enem, mas avaliam que o prazo de 30 dias, aventado pelo Ineppara a realização da prova, não é suficiente para reduzir a desigualdade de condições entre os candidatos."Mais uma vez não olhamos as experiências internacionais", diz Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação emPolíticas Educacionais da FGV e colunista da Folha. "Outros países têm adiado seus exames para que alunos tenham ao menosquatro meses de contato com aulas presenciais. Não é o suficiente para acabar com as desigualdades educacionais, mas dá umpouco mais de chance aos mais vulneráveis de terem contato com conteúdos e com o papel motivador que a escola tem."Levantamento do Instituto Unibanco mostrou que apenas 5 de 19 países com avaliações similares ao Enem mantiveram ocronograma.Para Costin, o ideal é que a aplicação seja adiada o máximo possível, de preferência para uma data.Diretor da Faculdade de Educação da USP, Marcos Neira também avalia que o prazo de adiamento deveria ser maior."Que condições teremos em dezembro para colocar 40, 50 pessoas em uma sala para fazer o Enem? E na prova digital, comofica o acesso do aluno?", questiona.Ele cita não só a desigualdade de condições de estudo mas também a fragilidade emocional dos candidatos na atual crise,principalmente dos mais atingidos pela pandemia."O Enem normalmente já reforça desigualdades, porque quem tem mais oportunidades de formação tem muito mais chance.Agora, temos o jovem que tem todo o tipo de suporte e o que está sem acesso algum à educação", afirma.Como a Folha mostrou, após duas semanas de implantação do ensino remoto na rede estadual de São Paulo, metade dosalunos não havia feito nem sequer login no aplicativo de aulas online.Diretor de estratégia política do Todos pela Educação, João Marcelo Borges classificou a decisão do Inep como correta, mastardia, incompleta e equivocada na forma."Correta porque a necessidade de adiamento era óbvia. Tardia porque o atraso ja custou ao país, tanto em desgaste como emdinheiro —a Justiça, que está com ações relativas ao tema, e o Senado, que votou o adiamento, têm coisas muito mais urgentespara lidar. Equivocada porque, embora seja importante ouvir os estudantes, eles não são os únicos atores. É preciso ouvirgestores, representantes de escolas particulares e instituições de ensino superior", afirma. "De nada adiantará adiar o Enem seisso não for coordenado com o adiamento do ano letivo de 2021."Números do Enem4 milhõesde pessoas já se inscreveram para a prova deste ano; inscrições vão até o dia 22Em 2019:237.128vagas de graduação foram oferecidas no Sisu para o 1º semestre de 2020128instituições de ensino superior de todo o país ofereceram vagas nesta última ediçãoR$ 537,6 milhõesfoi o custo estimado1.727municípios com aplicação do Enem10.133

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locais de prova10.338.542de provas impressas31.600pessoas envolvidas no transporte, segurança e distribuição das provasEnem sob BolsonaroErro nas notasUm dia após liberar consulta ao desempenho individual do Enem 2019, primeiro realizado sob o governo Bolsonaro, o ministroAbraham Weintraub (Educação) admitiu em 18 de janeiro de 2020 erros nas notas. As falhas, iniciadas na gráfica, atingiram5.974 participantes, segundo o MECSisuJustiça chegou a cancelar abertura do Sisu, sistema que reúne as vagas em universidades que usam o Enem como vestibular,mas governo conseguiu reverter. Candidatos enfrentaram sequência de falhas no site e também na divulgação de aprovadosQuestionamentosPara apressar resposta, governo dispensou novo cálculo para verificar parâmetros dos itens do exame após erros nas notas.Funcionários afirmaram à Folha que resultados do Enem 2019 não eram 100% confiáveisInterrupção de aulasPor causa da pandemia de coronavírus, governos estaduais e prefeituras passam a determinar interrupção de aulas a partir demarço. O cancelamento de aulas atinge todos os estados, o que também ocorreu em ao menos 157 paísesManutenção do EnemMEC publica edital do Enem 2020 em 31 de março e mantém datas antes previstas. Secretários de Educação questionammanutenção de cronograma por causa de prejuízos de interrupção de aulas para alunos mais pobres.TribunaisDecisão da Justiça de SP, de abril, cancela Enem, mas governo consegue reverter. TCU indica, já em maio, adiamento do examepor causa da pandemia1a mudançaEm abril, governo muda datas do Enem digital. Passa de outubro para novembro, mas datas de prova em papel são mantidaspara 1º e 8 de novembroGráficaInep chegou a suspender, em abril, licitação para escolha da gráfica que vai imprimir provas. Edital foi republicado no início demaioInjustiçasWeintraub insiste em manter a prova e, pelas redes sociais, esforça-se para dar cores ideológicas às demandas de adiamento.Em reunião com senadores, em 5 de maio, ministro diz que Enem não foi feito para corrigir injustiçasContra mão do mundoFolha mostra que manutenção do Enem deixa Brasil na contramão do mundo. Só 5 países, entre 19 com provas similares,mantiveram cronograma.RecuoSenado aprova projeto para adiar Enem na noite de terça-feira (19). Mais cedo, técnicos do Inep já avaliavam novas datas, apedido de Weintraub, diante da derrota no Congresso. Ministro anuncia consulta para ouvir participantes sobre mudança dedata.AdiamentoCom cenário de derrota certa no Congresso, Inep divulga nota na quarta-feira (20) em que anuncia adiamento para 30 dias ouaté 60 dias. Provas devem ocorrer em dezembro ou janeiro.InscriçõesAbertas dia 11 de maio, as inscrições vão até dia 22 de maio. Até a terça (19), o Inep já havia registrado 4 milhões de inscritos

Sem aula, sem EnemAlexandre Schneider4-6 minutos

Após meses irredutível, o ministro Abraham Weintraub decidiu adiar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). O exame, queseria realizado nos dias 1º e 8 de novembro, deve, segundo o Ministério da Educação, ser adiado para dezembro deste ano oujaneiro de 2021.A julgar pelas negativas anteriores, motivadas por uma visão darwinista do conceito de meritocracia somada ao negacionismoquanto aos efeitos da pandemia do coronavírus, é possível inferir que o rápido andamento da proposta de adiamento do Enemno Congresso colaborou para a decisão. Não é a medida ideal para garantir condições menos desiguais para os estudantes daescola pública.

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Assim como na defesa da prescrição da cloroquina, o Brasil despontava como um dos únicos países a se recusar a rever a datade seus exames de acesso à universidade.Dada a impossibilidade de realização do exame presencialmente e o reconhecimento de que as desigualdades educacionais jáexistentes seriam possivelmente ampliadas, países com sistemas educacionais distintos, como China, EUA, França, Inglaterra,Colômbia e Rússia, adiaram ou cancelaram seus exames.Segundo os dados do Censo escolar, o Brasil tem cerca de 2,1 milhões de estudantes matriculados no terceiro ano do ensinomédio. Destes, 1,8 milhão está matriculado em escolas públicas. Todos os estudos realizados a partir dos resultados anterioresdemonstram uma grande desigualdade entre os alunos de escolas públicas e particulares. E essa desigualdade deve aumentar,assim como a desigualdade entre os estudantes mais vulneráveis de escolas públicas e os demais.Pesquisa realizada pelo Instituto Península com professores de todas as regiões brasileiras demonstrou que 83% deles não sesentem preparados para trabalhar com ensino a distância, e 55% não tiveram formação para tal.Cerca de 40% dos professores não tem computador para uso exclusivo, dividindo o mesmo com familiares. Os números sãomaiores entre os professores de escola pública do que entre os professores de escola privada.Enquanto os estudantes de escolas particulares, na maioria, conseguiram continuar seus estudos a partir da rápida adaptaçãoao ensino remoto, os das escolas públicas, a despeito do esforço dos governos, ou não estão mantendo a rotina de estudos ou aestão mantendo de forma precária.Há dois meses com escolas fechadas, as secretarias estaduais de educação têm de lidar com a montagem de novas plataformasde aprendizagem, professores sem formação para o trabalho remoto, estudantes que não têm computadores ou outroequipamento em casa e a falta de acesso à internet na casa de estudantes e até de professores.O resultado de todo esse esforço ainda tem se mostrado ineficaz, com a esmagadora maioria dos estudantes sem conseguirestudar.Em tempos normais, os estudantes de escolas públicas já disputam as vagas nas universidades em condições mais adversas queseus colegas de escolas privadas. A pandemia e seus desdobramentos já estão ampliando o fosso entre eles.É uma violência submeter adolescentes a um momento tão decisivo de suas vidas sem o devido preparo emocional e deaprendizado.O Ministério da Educação deve assumir seu papel de coordenação —do qual abdicou até agora—, chamar os secretáriosestaduais, reitores de universidades e postergar o Enem para a metade do semestre que vem, e a entrada dos calouros nasuniversidades para o segundo semestre de 2021.Postergar o Enem para meados do primeiro semestre de 2021 permitiria às redes estaduais adequarem o calendário e atémesmo realizar uma formação especifica para o exame.A natureza do Estado é a de reduzir desigualdades, possibilitar que todos possam ter as mesmas oportunidades dedesenvolvimento. Adiar o Enem por apenas 30 ou 60 dias não será mais do que uma medida paliativa, que servirá para ceifarsonhos e ampliar desigualdades.

Alexandre Schneider

Colunista da Folha, é pesquisador visitante e professor adjunto da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centrode Economia e Política do Setor Público da FGV/SP, consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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